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influência de Fredrik Barth, ou a ideia da economia moral de Thompson, o mergulho nas
fontes, a busca do cotidiano, a história social, a “micro-história” e a relação com a
antropologia. Enfim, o fato é que os escravos assumiram as próprias vidas, surgiram como
agentes de complexas relações de poder que não poderiam ser reprimidas apenas pelo chicote.
Nesse contexto, a historiografia da escravidão abandonou o princípio de domínio/opressão
para entrar nos processos. Diversificou fontes, mergulhando nos arquivos e “resgatando”,
literalmente, testamentos, inventários, processos crimes, documentos oficiais, registros
paroquiais, etc.
Apareceram, então, histórias intrigantes, relações complexas, que demonstraram o
quanto a dinâmica das experiências são muito mais ricas do que o domínio puro e simples do
homem-proprietário-branco. Esse fascínio dos historiadores trouxe à tona, mesmo sem
teorizar, mulheres, crianças, homens e relatos surpreendentes de relações desconcertantes para
os modelos católicos de família, aprofundando temas, como resistências, mobilidade social,
identidades étnicas e racismo. As estratégias e as resistências, as revoltas e as acomodações
foram alguns conceitos utilizados na tentativa de compreender aquele mundo em ebulição,
aqueles sentimentos e decisões inesperadas, tão difíceis de serem atingidas.
Portanto, gostaria apenas de reafirmar essas abordagens, retomando a discussão de
gênero que também não é nova
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. Hoje, estamos todos voltados para os processos, como
Entre eles, citamos: CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio. Os significados da liberdade no
sudeste escravista – Brasil séc. XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. CASTRO FARIA, Sheila de. A
colônia em movimento. Nova Fronteira, 1998; CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das
últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; CARVALHO, Marcus
Joaquim M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo. Recife, 1822-1850. Recife: Editora da UFPE, 1998;
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro,
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995; SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada
instituição: os capoeiras na Corte imperial, 1850-1890. Rio de Janeiro: Acess, 1998; WISSENBACH, Maria
Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas, escravos e forros em São Paulo (1850-1880). São Paulo:
Editora HUCITEC, 1998; SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações da formação da
família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor,
identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
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A maioria dos trabalhos relaciona escravidão com estudos de mulheres e não de gênero. DIAS, Maria Odila
L. da Silva, op. cit.; CARVALHO, Marcus J. M. de. “De portas adentro e de portas afora: trabalho doméstico e
escravidão no Recife, 1822-1850”. In: Afro-Ásia, 29/30 (2003), p. 41-78; CASTRO FARIA, Sheila de. Sinhás
Pretas, Damas mercadoras, op. cit.; Idem, “Mulheres forras: riqueza e estigma social”. Tempo, Niterói, v. 5, n.
9, p. 65-92, jul. 2000; Idem, “Damas mercadoras”, op. cit., 101-134; MOTT, Luiz. “Rosa Egipcíaca: de escrava
da Costa da Mina a Flor do Rio de Janeiro”. In: SOARES, Mariza de Carvalho. Rotas atlânticas, op. cit., p. 135-
155; SOARES, Cecília Maria. Mulher negra na Bahia, op. cit.; GIACOMINI, Sônia. Mulher e escrava, op. cit.;
GRAHAM, Sabdra L. Proteção e obediência, op. cit; SOARES, Carlos Eugênio Líbano e GOMES, Flávio dos
Santos. Negras minas no Rio, op. cit.; SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. “Pretas de Honra: trabalho,
cotidiano e representações de vendeiras e criadas no Recife do século XIX (1840-1870)”. Recife, Dissertação de
Mestrado, apresentada ao departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco, 2004;