Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NINAROSA MOZZATO DA SILVA MANFROI
A HISTÓRIA DOS KAINGÁNG DA TERRA INDÍGENA XAPECÓ(SC)
NOS ARTIGOS DE ANTONIO SELISTRE DE CAMPOS:
Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952
Florianópolis
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
NINAROSA MOZZATO DA SILVA MANFROI
A HISTÓRIA DOS KAINGÁNG DA TERRA INDÍGENA XAPECÓ(SC)
NOS ARTIGOS DE ANTONIO SELISTRE DE CAMPOS:
Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em História
Cultural, Curso de Pós-Graduação em História,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Vulfe Nötzold
Florianópolis
2008
ads:
2
A HISTÓRIA DOS KAINGÁNG DA TERRA INDÍGENA XAPECÓ(SC)
NOS ARTIGOS DE ANTONIO SELISTRE DE CAMPOS:
Jornal A Voz de Chapecó 1939/1952
NINAROSA MOZZATO DA SILVA MANFROI
Esta Dissertação foi julgada e aprovada em sua forma final para obtenção do
título de
MESTRE EM HISTÓRIA CULTURAL
Banca Examinador
a
Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Vulfe Nötzold – Orientadora e Presidente – UFSC
Prof. Dr. Sílvio Coelho dos Santos – UFSC
Prof. Dr. Elison Antônio Paim – UNOCHAPECÓ/CEOM
Prof. Dr. Jô Klanovicz – UDESC/CAV
Prof.ª Dr.ª Maria Bernadete Ramos Flores
Coordenadora do PPGH/UFSC
Florianópolis, 19 de fevereiro de 2008
3
AGRADECIMENTOS
Esta parece ser uma das partes mais difíceis desta dissertação. Não que seja
difícil agradecer, pelo contrário, mas pelo receio de esquecer algum nome.
Na trajetória desta existência, muitas pessoas foram encontradas e reencontradas
e parece que, no momento dos agradecimentos, prática peculiar do findar de uma etapa,
vem à mente a lembrança das pessoas que estão próximas aos olhos, ou daquelas que
mais recentemente nos cercaram. Porém, as que partiram são igualmente merecedoras
de gratidão, reconhecimento e afeto.
Dessa forma, dirijo meus agradecimentos aos grupos que foram parte integrante
desta pesquisa e parte fundamental do seu desenvolvimento e, também, particularmente,
às pessoas que mais influenciaram a trajetória de estudos desta dissertação.
Meu primeiro agradecimento é para os colaboradores em História Oral, os
Kaingáng da Terra Indígena Xapecó, que, por meio da oralidade, compartilharam sua
história, conhecimentos e aprendizados: os professores e idosos da comunidade,
dispostos a relatarem suas memórias; as merendeiras que sempre nos acolheram; a
Diretora Anísia Fátima Belino e a Secretária Cristina de Fátima Silva da Escola Indígena
de Educação Básica Cacique Vanhkrê que tão prontamente cooperaram com
documentos, conversas e respeito pela pesquisa realizada.
Agradeço ao Sr. Raul José de Campos, filho do Dr. Antonio Selistre de Campos,
e a sua esposa, Sr.ª Augusta Machado de Campos, pela recepção cortês e contribuições
com materiais e relatos de memória.
Ao Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina/CEOM e sua equipe de
pesquisadores e bolsistas; à Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina; à
Assembléia Legislativa; ao Conselho Indigenista Missionário/CIMI de Chapecó e
Florianópolis representado por Clovis Brighenti; agradeço pela responsabilidade e visão
de futuro no presente histórico, ao conservarem o acervo, disponibilizarem documentos
e facilitarem a pesquisa.
Meus agradecimentos à Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História,
aos funcionários e funcionárias da Biblioteca Universitária e da Biblioteca Setorial, e aos
Professores, em especial, João Klug, Marcos Fábio Freire Montysuma, Eunice Sueli
Nodari e Ana Lúcia Vulfe Nötzold pelo apoio, seriedade na pesquisa, e sugestões em
sala de aula.
4
Agradeço aos meus colegas de pesquisa e do Laboratório de História Indígena
LABHIN - Talita, Helena, Marquinhos, Delta (in memorian), Jackson e pelas trocas
de idéias e raciocínio histórico nas discussões de textos.
Ao LABHIN agradeço pela oportunidade do aprendizado diferenciado no trato
com as fontes, no respeito àquele que é “diferente, porém igual”, pelo convívio em
grupo e pelo aprendizado na partilha dos “achados”.
Devo registrar a riqueza e generosidade das observações feitas durante a
Qualificação, composta pelos Professores Dr. Silvio Coelho dos Santos e Dr.
Klanovicz, que, posteriormente, integraram a Banca Examinadora juntos com o
Professor Dr. Elison Antônio Paim, a quem agradeço as observações e contribuições de
seu conhecimento.
Ao NEPI/Núcleo de Estudos dos Povos Indígenas, agradeço pela
disponibilização do acervo e à Márcia, prontamente atenciosa.
Agradeço especialmente ao Professor Silvio Coelho dos Santos por compartilhar,
de maneira tão despojada, seu conhecimento e seu tempo, sendo um exemplo de que
nossos objetivos nos levam em frente, apesar das adversidades.
À Julieta Mendonça, colega e amiga consciencióloga, agradeço a revisão textual.
Dirijo meus agradecimentos também à CAPES - Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, pela bolsa que possibilitou custear as
pesquisas de campo; a divulgação desta pesquisa em Congressos, Seminários e por meio
de publicações, momento em que a pesquisa recebeu críticas e sugestões.
Ao Grupo Nuclear, família consangüínea que nesta existência me acolheu e
ensinou parte do que hoje é a totalidade de mim: princípios, valores e a liberdade de
procurar seguir o caminho traçado para esta existência, agradecimentos carinhosos.
Ao meu amado por ter possibilitado e facilitado o prolongamento dos estudos
com apoio, amor e alento, agradeço por ser meu porto seguro.
E dirijo especialmente meu reconhecido agradecimento à amiga que tem se
mostrado orientadora e educadora que, ainda na segunda fase do curso de graduação em
História, apresentou-me à temática indígena. Obrigada Ana Lúcia.
5
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo registrar parte da história dos Kaingáng do
Oeste Catarinense, localizados na Terra Indígena Xapecó/SC, no cruzamento dos rios
Xapecó e Chapecozinho, entre os municípios de Ipuaçu e Entre Rios, aproximadamente
a 30 km de Xanxerê/SC. Adotou-se a metodologia da Etno-história, com destaque para a
história oral, a memória, as fontes escritas e as pesquisas de campo. Entre as fontes estão
os artigos do jurista Antonio Selistre de Campos (1881-1957), publicados no jornal A
Voz de Chapecó, fundado em 1939. Este jornal passou por censuras policiais no período
do Estado Novo (1937-1947), interrompendo suas edições dominicais. O recorte
temporal, de 1939 a 1952, prende-se ao fato de ser o período de maior número de artigos
publicados pelo jurista. Dessa forma, as atuações de Antonio Selistre de Campos em prol
dos Kaingáng podem ser compreendidas nas relações que foram estabelecidas entre ele,
os Kaingáng e o SPI, em suas diferentes fases de administração, principalmente a partir
de 1941, quando o Posto Indígena é implantado pelo SPI no interior da TI Xapecó. Fica
evidente a importância desses artigos, em sua função social, por conterem denúncias
públicas abordando a temática indígena, relacionada aos temas da educação, da saúde e
da terra; tema ao qual Antonio Selistre de Campos mais se dedicou. Ao término deste
estudo, constatou-se por meio das pesquisas de campo e da realização das entrevistas em
história oral, que, apesar do empenho de Antonio Selistre de Campos em defender os
Kaingáng, algumas situações do passado se repetem na atualidade, embora de forma
diferente, mas ainda ligadas aos temas da educação, da saúde e da terra; não dos
Kaingáng, mas dos povos indígenas.
Palavras-chave: Kaingáng, Etno-história, História Oral, Memória, Antonio Selistre de
Campos, A Voz de Chapecó, Periódicos, Oeste Catarinense.
6
RÉSUMÉ
Le but de cette recherche est d’enregistrer une partie de l’histoire des Kaingángs
de L ‘Ouest de Santa Catarina, situés dans la Terra Indígena Xapecó/SC [Terre Indigene
Xapecó/SC], à la rencontre des rivières Xapécó et Chapecozinho, entre les municipalités
d’Iguaçu et Entre Rios, a peu près à 30km de Xanxerê/SC. La méthodologie de l’Ethno-
histoire a été adoptée, tout en soulignant l’histoire orale, la mémoire, les sources écrites
et les recherches de terrain. Parmi les sources sont les articles du juriste Antonio Selistre
de Campos (1881-1957), publiés dans le journal A Voz de Chapecó [La Voix de
Chapecó], fondé en 1939. Ce journal a subi la censure de part de la police dans la
période de l’Estado Novo [l’Etat Nouveau] (1937-1947), interrompant ses éditions
dominicales. Les coupures de 1939 à 1952 reflètent la période la plus fertile en
concernant les articles publiés par le juriste. Ainsi, les actions d’Antonio Selistre de
Campos au nom des Kaingáng peuvent être compris dans les rélations qui ont été
établies entre lui, les Kaingáng et le SPI, pendant ses differentes phases
d’administration, surtout à partir de 1941, quand le Posto Indígena [Poste Indigène] a été
établi par le SPI dans l’interieur de la TI Xapecó. Il est ainsi évident l’importance de ces
articles, leur rôle social, alors qu’ils contiennent des accusations sur la thématique
indigène, relatives aux sujets de l’éducation, de la santé et de la terre ; thème auquel
Antonio Selistre de Campos s’est consacré le plus. A la fin de cette étude, les recherches
de terrain et les interviews sur l’histoire orale ont constaté que, malgré les efforts
d’Antonio Selistre de Campos pour déffendre les Kaingáng, quelques situations du passé
se répetent encore aujourd’hui, même que d’une autre façon, mais toujours liées à
l’éducation, la santé et la terre ; pas seulement celle des Kaingáng, mais aussi celle de
tout peuple indigène.
Mots-clés: Kaingáng, Ethno-histoire, Histoire Orale, Memoire, Antonio Selistre de
Campos, A Voz de Chapecó, Quotidiens, Ouest Catarinien.
7
LISTA DE COLABORADORES
Aldonir Jacinto (1967-). Kaingáng, conhecido como Tuca, morador da TI Xapecó na
aldeia Pinhalzinho, responsável pela locomoção dos profissionais da saúde, de Xanxerê
para a TI Xapecó, e vice-versa.
Cezario Pacífico Jagaglê (1948-). Kaingáng, morador da TI Xapecó na aldeia/sede Jacu,
auxilia no registro de nascimento dos nomes Kaingáng junto ao Posto Indígena da
FUNAI na TI Xapecó.
Dalgir Pacífico Ránkán – (1977-). Kaingáng, nascido, criado e morador da TI Xapecó na
aldeia/sede Jacu, professor de língua Kaingáng na Escola Indígena de Educação Básica
Cacique Vanhkrê. Filho do senhor Cezario Pacífico Jagaglê.
Divaldina Luiz Jacinto (1945-). Kaingáng, moradora da TI Xapecó na aldeia
Pinhalzinho, curandeira, diagnostica a utilização e aplicação das ervas medicinais. É tia
de Aldonir Jacinto.
Floriano Belino (1928-). Kaingáng, morador da TI Xapecó na aldeia/sede Jacu desde
1941/42, vindo da área do Imbu, hoje distrito de Abelardo Luz. Foi cacique da TI
Xapecó, no período de 1966/1973. Quando criança conheceu Antonio Selistre de
Campos, de quem buscou ajuda, antes de ser cacique, para resolver problemas relativos à
terra.
Getúlio Narsizo – (1979-). Kaingáng, nascido, criado e morador da TI Xapecó na
aldeia/sede Jacu. É professor Kaingáng na Escola Indígena de Educação Básica Cacique
Vanhkrê. Fez a Faculdade de História, porém, não a concluiu. Primeiro indígena
concursado como Secretário de Escola.
Matilde Koito – (1953-). Kaingáng, moradora da TI Xapecó na aldeia/sede Jacu, filha do
senhor Vicente Fernandes Fókaê (1914-2006), pajé, de quem Dona Matilde recebeu os
ensinamentos sobre as ervas medicinais. Curandeira diagnostica a utilização e aplicação
das ervas medicinais.
8
Raul José de Campos (1920-). Não-indígena, residente em Porto Alegre, filho mais
novo de Antonio Selistre de Campos. Formou-se na Faculdade de Direito em Porto
Alegre/RS. Foi Prefeito em Lagoa Vermelha/RS e aposentou-se no cargo de Promotor
Público Estadual em Porto Alegre/RS.
Silvio Coelho dos Santos (1938-). Não-indígena, residente em Florianópolis. É
antropólogo, professor emérito da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC e
pesquisador sênior do CNPq. Coordenador do Núcleo de Estudos de Populações
Indígenas/NEPI/UFSC. Tem vários livros publicados sobre etnologia indígena.
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - ESTADO DE SANTA CATARINA 1907............................................ 31
FIGURA 2 - CHAPECÓ DÉCADA DE 1940........................................................... 32
FIGURA 3 - GRÁFICA CHAPECOENSE LTDA.................................................... 39
FIGURA 4 - MAPA DE SANTA CATARINA E LOCALIZAÇÃO DA TERRA
INDÍGENA XAPECÓ.......................................................................... 53
FIGURA 5 - MAPA DOS TOLDOS DA TERRA INDÍGENA XAPECÓ, 1944..... 69
FIGURA 6 - ESCRITURA PÚBLICA DO REGISTRO DE IMÓVEIS COMARCA
DE XANXERÊ – PI Dr. SELISTRE DE CAMPOS. XANXERÊ,
16 DE OUTUBRO DE 1965................................................................. 82
FIGURA 7 - CARTA CONVITE PARA INAUGURAÇÃO PI Dr. SELISTRE DE
CAMPOS................................................................................................ 83
FIGURA 8 - ORDEM DE SERVIÇO INTERNA Nº 62 – ALTERAÇÃO NAS
DENOMINAÇÕES DOS PIs................................................................ 86
FIGURA 9 - VERSO DA FOTOGRAFIA. MANUSCRITO DATADO DE 15 DE
FEVEREIRO DE 1939.......................................................................... 96
FIGURA 10 - ESCOLA DOS ÍNDIOS........................................................................ 97
FIGURA 11 - REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA DO PROFESSOR
FELICÍSSIMO BELINO...................................................................... 102
FIGURA 12 - OS ÍNDIOS DE CHAPECÓ......................................................
...
....... 108
FIGURA 13 - O SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS INDIOS PASSA A SER DE
PERSEGUIÇÃO AOS INDIOS DE CHAPECÓSINHO................... 119
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11
1 JORNAL A VOZ DE CHAPECÓ: DOCUMENTANDO A HISTÓRIA
DOS KAINGÁNG................................................................................................. 27
1.1. O Oeste Catarinense e a Cidade de Chapecó........................................................... 28
1.2. A Voz de Chapecó................................................................................................... 36
1.3. Antonio Selistre de Campos.................................................................................... 46
1.4. Os Kaingáng e a TI Xapecó/SC............................................................................... 52
1.5. Denominação Kaingáng.......................................................................................... 55
2 ESTRANHAMENTOS E COEXISTÊNCIAS NO OESTE CATARINENSE. 58
2.1. O XVI Congresso Internacional de Americanistas em Viena/1908........................ 59
2.2. A criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais/SPILTN.......................................................................................................... 64
2.3. A história indígena registrada por meio da imprensa: os Kaingáng e o período que
antecedeu a instalação do SPI no Oeste Catarinense...................................................... 68
2.4. Posto Indígena Chapecó/Posto Indígena Dr. Selistre de Campos........................... 75
3 OS TEMAS EDUCAÇÃO, SAÚDE E TERRA NOS ARTIGOS
JORNALÍSTICOS....................................................................................................... 88
3.1. A criação da primeira escola para os Kaingáng...................................................... 92
3.2. Dr. César Sartori: atendimento médico aos Kaingáng........................................... 105
3.3. Terra: o tema em questão....................................................................................... 114
ARGUMENTOS PARCIALMENTE CONCLUSIVOS......................................... 125
FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................................................................... 128
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação estuda e contextualiza os artigos do jurista Antonio Selistre de
Campos (1881-1957) produzidos sobre a temática Kaingáng, e publicados
principalmente, no jornal A Voz de Chapecó entre 1939 e 1952 e as relações que foram
estabelecidas entre ele, os Kaingáng e o Serviço de Proteção aos Índios/SPI nas
diferentes fases de administração. A análise do conjunto desses elementos tem por
objetivo contextualizar e entender a iniciativa e atuação de Selistre de Campos na defesa
desses indígenas.
Estuda-se aqui os Kaingáng da Terra Indígena (TI) Xapecó/SC, localizada entre
os municípios de Ipuaçu e Entre Rios, a, aproximadamente, 30 km de Xanxerê/SC.
Em Santa Catarina vivem, na atualidade, três povos indígenas: os Guarani, os
Xokléng e os Kaingáng
1
. Os Guarani, aproximadamente 70 mil pessoas, ocupam os
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato
Grosso do Sul, estando presentes também na Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
No Brasil, os Guarani somam cerca de 35 mil indivíduos, sendo 20 mil
Kaiova, 8 mil Nhandeva e 7 mil Mbya
2
. Este grupo indígena faz parte do tronco
lingüístico Tupi-Guarani.
Os Xokleng estão localizados na Terra Indígena Ibirama/SC, situada ao longo
dos Rios Hercílio e Plate, entre os municípios de José Boiteux, Victor Meirelles, Doutor
Pedrinho e Itaiópolis, com uma população de cerca de 1.600 pessoas. Dos três grupos
indígenas que hoje habitam Santa Catarina, os Xokleng são o de menor população
3
. Os
Xokleng e os Kaingáng fazem parte do mesmo tronco lingüístico Jê.
O território geográfico ocupado pelos Kaingáng abrange São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Eles estão entre os maiores grupos indígenas do
1
Adota-se, na antropologia brasileira, o uso corrente de empregar os nomes não aportuguesados
de povos indígenas sempre na forma singular, cf. Convenção para grafia de nomes tribais. Reunião
Brasileira de Antropologia, 1953. In: Revista de Antropologia, 1954, vol.2, cap. 2, p. 150-152. apud.
MANIZER, Henrich Henrikhovitch. Os Kaingáng de o Paulo. Tradução de Juracilda Veiga.
Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2006, p. 9.
2
LADEIRA, Maria Inês; MATTA, Priscila (Org.) Terras Guarani no litoral: as matas que
foram reveladas aos nossos avós = Ka´agüy oreramói kuéry ojou rive vaekue y. São Paulo: CTI -
Centro de Trabalho Indigenista, 2004, p. 6.
3
WEBER, Cátia. Professoras Xokleng: identidade étnica na perspectiva intercultural e de gênero.
Simpósio Temático: Gênero, raça, etnia e escolarização. Anais do VII Seminário Internacional Fazendo
Gênero. 28, 29 e 30 de agosto de 2006, UFSC, Florianópolis/SC, p. 1. In:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/C/Catia_Weber_23.pdf
Acesso em 31 de julho de 2007.
12
Brasil, com aproximadamente 25 mil pessoas distribuídas em 32 TIs
4
. Em Santa
Catarina quatro Terras Indígenas Kaingáng: Kondá, Pinhal, Toldo Chimbangue e
Xapecó
5
.
Esta pesquisa coroa o estudo realizado durante minha graduação em História,
entre 2000 e 2004, na Universidade Federal de Santa Catarina, onde grande parte de meu
aprendizado esteve voltado para a temática indígena.
Idealizada no final de 2002, a pesquisa procedeu com o levantamento de fontes e
pesquisas a campo junto ao Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina/CEOM
6
, na
cidade de Chapecó. No CEOM arrolei fontes históricas relacionadas aos Kaingáng da
região.
Ao manusear as fontes, minha curiosidade sobre a personalidade de Antonio
Selistre de Campos despertou, em vista de sua dedicação aos Kaingáng, expressa nos
diversos artigos publicados no jornal A Voz de Chapecó. Na mesma oportunidade, o
Museu Municipal Dr. Antonio Selistre de Campos, localizado também em Chapecó,
serviu como ponto de ampliação do mapeamento de fontes, que, até aquele momento,
estava tímido em relação a pesquisas de campo.
Antonio Selistre de Campos nasceu em Santo Antonio da Patrulha/RS em 24 de
abril de 1881. Em 1904, junto com a família, foi morar em Porto Alegre/RS, começando
a trabalhar como revisor e repórter policial no Jornal do Comércio, a fim de custear seus
estudos na Faculdade de Direito na capital do Rio Grande do Sul, onde formou-se em
1909.
Mais tarde, nomeado para o cargo de Juiz de Direito da cidade de
Chapecó/SC, começou a manifestar sua defesa em favor dos Kaingáng por meio da
publicação de artigos nos jornais daquela cidade. Antonio Selistre de Campos
apresentava articulação facilitada na publicação de seus artigos por ser um dos
fundadores do A Voz de Chapecó, servindo-se dessa situação para usar a liberdade de
4
SILVA, Marcos Antonio da. De onde veio essa gente que tem a cor da terra? In: NÖTZOLD,
Ana Lúcia Vulfe; MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva. (Organizadoras). Ouvir Memórias contar
histórias: mitos e lendas Kaingáng. Santa Maria: Pallotti, 2006, p. ix.
5
Portal Kaingáng. Disponível em: http://www.portalkaingang.org/index_aldeia_principal_1.htm
Acesso em 15 de dezembro de 2007.
6
O CEOM Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina é um grande “Centro de Memórias”
que reúne vasto acervo documental entre fontes textuais, iconográficas, cartográficas, audiovisuais sobre a
história do Oeste Catarinense. Localizado no segundo andar da Estação Rodoviária de Chapecó, tem
dentre seus objetivos desenvolver ações para a preservação e valorização do patrimônio cultural do Oeste
de Santa Catarina. Publica semestralmente o tradicional Cadernos do CEOM” publicação temática
visando a divulgação científica e cultural da região. Web Site CEOM:
http://www.unochapeco.edu.br/ceom
13
publicação do conteúdo de seus escritos sobre os Kaingáng, tornando esse periódico o
principal veículo divulgador dos artigos escritos sobre a temática indígena. O jornal
tinha também no rol de fundadores, um advogado, o prefeito da cidade, um vereador e
um deputado que representava a cidade de Chapecó junto à Assembléia Legislativa de
Santa Catarina, em Florianópolis/SC.
Esses personagens, no desempenho de suas funções, se engajaram na defesa
desses indígenas, o que se poderá verificar pelas notícias veiculadas no jornal, a exemplo
do empenho em aposentar o professor Kaingáng Felicíssimo Belino e na defesa das
terras, em favor dos Kaingáng, discutida na Assembléia Legislativa de Florianópolis.
O jornal A Voz de Chapecó circulou na região a partir de 1939, e a história dos
Kaingáng do Oeste Catarinense foi sendo registrada por um veículo de comunicação
impressa, escrita por um não-indígena, a partir do contato com esse grupo étnico.
A utilização de jornais como fonte de documentação histórica já se tornou prática
usual do historiador. O que difere nesta pesquisa é a análise da autoria dos artigos
publicados escritos por um profissional jurista e não por um profissional jornalista.
As características atribuídas aos jornalistas se prendem geralmente às manchetes
do cotidiano ligadas aos interesses comerciais de vendas e de informação, sendo que
novas manchetes se sobrepõem imediatamente às anteriores; a continuidade e
acompanhamento dos acontecimentos ficam fragmentados. Já os artigos escritos pelo
jurista Antonio Selistre de Campos, além de estarem imbuídos na defesa dos Kaingáng,
mantinham a população constantemente informada sobre a temática e suas ocorrências;
as matérias se sucediam, dando continuidade e profundidade ao assunto.
Sendo o conteúdo do jornal a fonte principal deste estudo, é possível entender o
trabalho de pesquisa histórica com base nos pressupostos difundidos sob a perspectiva
adotada pela historiadora Maria Helena Capelato. A autora afirma que
através das análises do conteúdo dos jornais, pode-se
acompanhar o dia-a-dia das sociedades através do tempo. O
papel da imprensa é o de registrar, comentar e participar da
história. Em cada página, aparecem aspectos significativos da
vida de nossos antepassados que nos permitem recuperar suas
lutas, ideais, compromissos e interesses. Desta forma, pode-se
acompanhar, através das análises das notícias divulgadas, como
acontecimentos significativos são transmitidos, levando o
14
público a participar do evento em questão durante o seu
desenrolar
7
.
Matérias jornalísticas, entre as fontes, requerem cuidados dos historiadores,
quanto a algumas especificidades. Por exemplo: os interesses dos jornais da época na
publicação e manutenção de determinada coluna ou matéria veiculada; a motivação de
quem redige o artigo; o conhecimento superficial ou não sobre o assunto redigido e as
questões de natureza político-partidária, entre outras. Capelato articula que durante o
Estado Novo, os jornais getulistas exaltaram a figura de Vargas como promotor do
progresso
8
, o que fica evidenciado no jornal A Voz de Chapecó da época.
Alguns artigos do jornal A Voz de Chapecó foram reeditados em jornais das
cidades de Passo Fundo e Erechim no estado do Rio Grande do Sul, e da cidade do Rio
de Janeiro abordando atuações do SPI e dos Kaingáng do Oeste Catarinense. O acesso a
alguns desses artigos foi por meio de citações feitas no próprio jornal A Voz de Chapecó.
Ligados à imprensa e à alfabetização, segundo o historiador Jacques Le Goff, os
jornais podem ser considerados um elemento importante dentro da fase moderna de
processos decisivos da memória escrita
9
. Nesse sentido é entendido que os jornais locais
de Chapecó são parte integrante e integradora da memória coletiva dos Kaingáng,
devido a abordar os acontecimentos que envolveram essa população indígena no tempo
histórico, uma vez que foram nas páginas jornalísticas regionais que se registraram os
temas da educação, da saúde e da terra dos Kaingáng.
Ter nos jornais uma fonte primária é um meio que eles, a todo instante, trazem o
passado ao tempo presente, sendo, segundo Capelato, de extrema importância para a
compreensão de um período histórico. Os artigos de Antonio Selistre de Campos são
textos de opinião e denúncia, com intencionalidade informativa e social em defesa da
causa indígena.
Alguns elementos do discurso serão analisados, por exemplo, o papel social
desempenhado pelos personagens, o contexto social e histórico em que se a narrativa
e, principalmente, o alcance que estes discursos tiveram na época, pois, os artigos de
Antonio Selistre de Campos inseriram a temática Kaingáng na pauta a ser discutida pelas
autoridades da época, na Câmara dos Deputados.
7
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1988,
p. 13.
8
Id.
9
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5ª ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003, p.
423.
15
Politicamente, o período em estudo é marcado pelas ações presidenciais de
Getúlio Dornelles Vargas e a censura imposta pela ditadura da época aos meios de
comunicação, o que levou o jornal a ter suas edições, por várias vezes, suspensas.
Encontra-se no jornal momentos em que, por vezes, a figura de Vargas é enaltecida e,
outras vezes, críticas à Marcha para o Oeste. Isso demonstra, entre as funções do jornal,
as de informar e suscitar criticidade à população, e também, a tendência ou indignação
do jornal frente aos acontecimentos.
É nesse contexto político que Antonio Selistre de Campos inicia suas críticas ao
SPI, que a partir de 1930 não é mais dirigido pelo Marechal Cândido Mariano da Silva
Rondon, e sim por funcionários públicos admitidos pelo Departamento Administrativo
do Serviço Público/DASP. Esse novo sistema de administração afasta-se da ideologia de
Rondon; os novos administradores não estavam comprometidos com a questão indígena.
Além do contexto político, se faz necessário apresentar o conceito de terras
devolutas para entendimento das intenções e intervenções de Alberto Berthier de
Almeida sobre a terra dos Kaingáng.
Este conceito contido na Lei 601 de 18 de setembro de 1850, chamada Lei de
Terras, não era claro em sua definição, o que gerou grande ocupação das terras
devolutas. Em função disso, o governo federal interveio criando dois organismos
burocráticos. O primeiro foi o Serviço de Povoamento do Solo
10
, criado em 1907 e o
segundo, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais/SPILTN, instituído em 1910, serviço laico diferenciando-se da catequização e
assistencialismo religioso, com o objetivo de atender aos indígenas e inicialmente
também aos trabalhadores nacionais. Em 1918, o SPILTN cindiu-se e a Localização dos
Trabalhadores Nacionais/LTN juntou-se ao Serviço de Povoamento do Solo
11
, passando
a chamar-se Serviço de Proteção aos Índios/SPI
12
.
A inconsistência no conceito levou o madeireiro Alberto Berthier de Almeida a
reivindicar as terras ocupadas pelos Kaingáng no Oeste Catarinense, entre 1933 e 34,
pela área de araucárias da região. Histórico de conflitos que foi registrado nos artigos de
Antonio Selistre de Campos.
10
Criado pelo decreto 6.455 de 19 de abril de 1907, objetivava retomar a ação em favor da
imigração, desta vez com maiores restrições, e instalá-los em cleos coloniais. In: SILVA, Lígia Osorio.
Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996, p.
296, 297.
11
Ibid., p. 295, 299-302.
12
Nesta pesquisa utilizamos a sigla SPI, pois nos referimos ao período em que passou a ter esta
denominação.
16
Dentre estes artigos, a questão de terras foi abordada inúmeras vezes e tornou-se
o tema mais discutido e defendido por Antonio Selistre de Campos, pois envolvia ações
do SPI e dos encarregados do Posto Indígena, órgão subordinado ao SPI.
Além disso, dentre as frentes pioneiras que vieram a povoar o estado catarinense
destaca-se a pastoril nos Campos de Palmas, que levou o governo da Província de São
Paulo, em 1844, a abrir uma picada para o Rio Grande do Sul. Esse empreendimento no
meio-oeste catarinense abriu espaço para algumas concessões que levaram à Guerra do
Contestado (1912/1916). As concessões ao longo e a oeste do vale do rio do Peixe, entre
elas a Brazil Development e Colonization Co. e fazendas mapeadas pela Comissão
Demarcadora, se beneficiaram da legitimação de posse em função da Lei de Terras
13
.
As frentes pioneiras e as regiões de conflitos entre indígenas e não-indígenas
com visibilidade nacional, foram os sinalizadores para a instalação de Inspetorias
Regionais do SPI. No estado de Santa Catarina, o caso dos Xokleng trouxe a inspetoria
ainda no ano de 1910
14
.
Em 7 de novembro de 1948 Antonio Selistre de Campos publicou comentários
sobre um parecer a respeito das terras ocupadas pelos Kaingáng, reivindicadas por
Alberto Berthier de Almeida, madeireiro de Passo Fundo/RS, no jornal A Voz de
Chapecó intitulado:
POBRES CAINGANGS! O S.P.I. DIZ SIM! NÓS DIZEMOS
NÃO!
Esse, dentre outros artigos, será apresentado no decorrer desta dissertação,
considerando também os outros dois temas abordados por Antonio Selistre de Campos, a
educação e a saúde.
Em 1941, o SPI, 31 anos após sua fundação, instalou um Posto Indígena na TI
Xapecó e por meio do jornal A Voz de Chapecó, Antonio Selistre de Campos registrou as
ações empreendidas pelo órgão, que se apresentavam por vezes incoerentes, com a
proposta de proteger os indígenas.
Questiona-se o que levou o jurista a tantas ações em prol da causa dos Kaingáng;
por certo não era o fato de ser juiz, uma vez que após a sua aposentadoria seguiu
publicando artigos, principalmente, sobre a temática das terras. Contava com o apoio e
solidariedade dos fundadores do jornal A Voz de Chapecó na defesa destes indígenas, o
que se poderá acompanhar pelas notícias veiculadas no jornal.
13
PIAZZA, Walter Fernando. A colonização de Santa Catarina. 2 ed. ver. aum. Florianópolis:
Lunardelli, 1988, p. 207.
14
O SPI atuava em Santa Catarina desde a sua fundação, por meio da Inspetoria do Serviço para
atrair os Xokleng devido aos conflitos com os colonos. A criação da Inspetoria deu-se principalmente,
devido as declarações de Alberto Vojtech Frič durante o XVI Congresso Internacional de Americanistas,
ocorrido em Viena em 1908.
17
Contudo, como definir Antonio Selistre de Campos? Um humanista? Um
positivista
15
? Por que defendia aqueles indígenas? Nos jornais que foram
contemporâneos à Voz de Chapecó não se localizou notícias sobre os Kaingáng, a não
ser algumas publicadas a pedido naqueles jornais.
O principal recorte temporal desta pesquisa vai de 1939 a 1952, por ser o período
de maior publicação dos artigos redigidos por Antonio Selistre de Campos publicados no
jornal A Voz de Chapecó. Porém, publicou artigos em menor escala nos jornais O
Imparcial, Jornal do Povo, ambos da cidade de Chapecó, e, posteriormente, em 1957,
publicou uma série de artigos no jornal O Estado, da cidade de Florianópolis.
Em certos momentos da pesquisa, ora retrocedeu-se, ora avançou-se no tempo
para melhor compreensão e contextualização do período em estudo, adotando-se
flexibilidade para os imprevistos que permearam esta pesquisa em história, a exemplo da
dificuldade em localizar algumas edições do jornal A Voz de Chapecó após o ano de
1952, identificando-se um vácuo de informações até o ano de 1957. Nesse ano,
encontrou-se um único exemplar em xérox, cuja matéria de capa tratava da morte de
Antonio Selistre de Campos. No desenvolvimento da pesquisa o foi possível
identificar quando o jornal A Voz de Chapecó deixou de circular, se é que deixou, ou, se
foi vendido e seu nome alterado. É como se desaparecesse com a morte de Antonio
Selistre de Campos.
Essas inquietações permanecem no campo das incógnitas até o momento desta
redação, sendo incômoda questão relacionada ao tempo em que o jornal deixou de
veicular suas notícias e editoriais no Oeste Catarinense e região, bem como a sua
tiragem semanal por não constar nas edições do jornal.
Outra inquietação é relativa à hipótese de que, se o jornal seguiu com suas
publicações, mesmo que em curto espaço de tempo, como ficaram as notícias sobre os
Kaingáng? Alguém teria assumido essa tarefa? Como saber o quanto a população local
estava interessada no assunto, pelo assunto em si, e não tão pelo respeito ao jurista?
Dos esforços empreendidos por Antonio Selistre de Campos em prol dos Kaingáng, o
que ficou na memória da cidade de Chapecó além do Museu Dr. Selistre de Campos?
15
Sistema criado por Augusto Comte (1798-1857), filosofia que se propõe a ordenar as ciências
experimentais considerando-as modelo do conhecimento humano. Começou a ser divulgada no Brasil a
partir de 1850.
18
A entrevista concedida a esta pesquisadora pelo filho mais novo de Antonio
Selistre de Campos, o senhor Raul José de Campos
16
(1920-), informa que os jornais
foram doados ao Colégio Bom Pastor em Chapecó/SC, e alguns exemplares devem ter se
perdido até serem transferidos ao acervo do CEOM. Além disso, o senhor Raul não
guarda em sua memória a tiragem do jornal que não vinha impressa na página inicial.
Na busca da consecução desse estudo partiu-se da análise e interpretação de
documentos e entrevistas que, reunidos, dizem respeito ao assunto em pesquisa.
A metodologia da etno-história é adotada como linha mestra que busca na
interdisciplinaridade das fontes escritas, da memória, das pesquisas a campo e na
realização das entrevistas em história oral, maior abrangência no registro histórico dos
Kaingáng. O antropólogo Antonio Porro discorre sobre a etno-história ser uma disciplina
recente e estar se constituindo, sendo que ela:
é a história dos grupos indígenas escrita a partir das notícias
deixadas pelos primeiros cronistas e, para as tribos contactadas
mais recentemente, também a partir das tradições orais
indígenas. Mas é principalmente a história vista de uma
perspectiva antropológica, que procura reconstruir o mundo
indígena em toda a sua diversidade, através da arqueologia e da
observação etnográfica, da história documental e da história
oral, da lingüística e da mitologia
17
.
Assim é que a história oral é parte integrante da metodologia da etno-história,
bem como o dueto indissociável história oral e memória, contemplam a função social no
registro da história dos Kaingáng.
Pelas experiências das pesquisas de campo na TI Xapecó, oportunizadas por este
estudo em Mestrado em História e pelo LABHIN
18
, pode-se conhecer um pouco mais
da história do povo Kaingáng por meio do registro de suas memórias.
16
Esta entrevista foi realizada pela primeira vez em 06 de fevereiro de 2006. Nessa ocasião o Sr.
Raul José de Campos contava 86 anos. Formou-se na Faculdade de Direito em Porto Alegre/RS, foi
Prefeito na cidade de Lagoa Vermelha/RS e aposentou-se no cargo de Promotor Público Estadual em
Porto Alegre/RS.
17
PORRO, Antonio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. RJ: Vozes, 1995,
p. 17.
18
O LABHIN – Laboratório de História Indígena está localizado no prédio do Centro de Filosofia
e Ciências Humanas/CFH do Departamento de História da UFSC e foi fundado em 05 de novembro de
1998 pela Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Vulfe Nötzold. Tem dentre seus objetivos, através da pesquisa com a
etno-história e das pesquisas a campo, realizar estudos com as populações indígenas incentivando a
pesquisa histórica étnica, percebendo a diversidade sócio-cultural e suas perspectivas de futuro. Web site
LABHIN:
http://www.cfh.ufsc.br/~labhin/
19
Sendo assim, esta investigação em História, parte da perspectiva de um estudo
historiográfico, por meio da análise dos artigos de jornais, da metodologia da história
oral, da antropologia e fotografias, entre outras áreas afins, que, através da pesquisa e
estudo, colaboraram à descoberta e compreensão de todo um contexto dinâmico
histórico, eleito. É nessa perspectiva interdisciplinar que o período da história
Kaingáng será analisado.
Este exame será realizado sob diversos aspectos que foram relevantes para a
época, e que ainda o são no momento presente, a exemplo do incentivo à defesa da terra
que permanece na memória dos mais velhos da comunidade Kaingáng e da lembrança da
primeira escola criada por iniciativa de Antonio Selistre de Campos, dentro da TI, cujas
aulas eram ministradas pelo professor indígena, o senhor Felicíssimo Belino.
A discussão da temática indígena será encaminhada como ponto central no cotejo
metodológico entre as fontes de imagens, orais e escritas.
As fotografias que serão apresentadas nesta pesquisa assumem o caráter
ilustrativo, a fim de aproximar o leitor da época relatada. Dessa forma, não foram feitas
análises sobre elas.
A história oral é empregada nesta pesquisa seguindo-se o método e proposta de
José Carlos Sebe bom Meihy, segundo os quais ela é um recurso moderno usado para a
elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de
pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do ‘tempo presente’ e também
reconhecida como ‘história viva’
19
.
A História Oral possibilita novo conhecimento sobre o passado que, até então,
não foi registrado. Essa proposta de registro ocorre a partir do momento da valorização
do tema eleito por parte do pesquisador, o que pode trazer novas concepções e
abordagens sobre a inserção social de seus colaboradores
20
, principalmente no
entendimento de cultura diferenciada, promovendo o esclarecimento, e buscando
favorecer a tendência em diminuir o preconceito originado em relação ao desconhecido.
A fala registrada é a extensão da memória que passa a ser documentada. Este é
um dos principais motivos de se trabalhar com a história oral nesta pesquisa: documentar
19
MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Loyola, 2005, p., 17.
20
O termo colaborador é adotado nesta dissertação conforme proposta de Meihy, pois “é o nome
dado ao depoente, que tem um papel mais ativo em história oral, deixando de ser mero informante, ator ou
objeto de pesquisa, portanto os entrevistados são as pessoas ouvidas em um projeto e devem ser
reconhecidos como colaboradores”. Ibid., p. 19 e 260.
20
a memória dos Kaingáng, contribuindo para o registro de sua história, promovendo a
valorização da etnia
21
enquanto cultura diferenciada.
Ao ouvir e registrar as memórias, passa-se a fazer parte da história de quem a
relata, na perspectiva da memória coletiva apresentada pelo sociólogo Maurice
Halbwachs. Sendo assim, a ética é fundamental no trato com o colaborador, uma vez que
se está acessando e evocando parte de seu passado dentro de um contexto histórico.
Para o melhor desenvolvimento da pesquisa em história oral, seguiram-se
algumas recomendações de Alessandro Portelli
22
quanto ao pesquisador resguardar-se,
bem como resguardar a pesquisa e o colaborador em relação ao cuidado na assinatura de
autorizações para publicação; submissão da transcrição da entrevista ao colaborador,
respeito ao colaborador, respeito ao local onde se realizarão as entrevistas, respeito
intelectual com o material coletado, compromisso com a ética e valores pessoais.
A saída a campo é parte intrínseca da História Oral. A partir daí, inicia-se o
vínculo com o colaborador. Além de acessar suas memórias, acessa-se também o local
onde ele vive e retêm objetos evocadores de suas lembranças que podem levar à novas
rememorações, reconstruindo parte de um passado.
Assim, a metodologia da história oral foi utilizada no registro dos relatos orais
dos indígenas mais velhos da comunidade e, na comunidade do entorno, relatos de não-
indígenas onde se procura reunir o maior número de informações possíveis sobre o
período eleito.
No que se refere às questões da memória, Halbwachs propôs, no estudo do
cotidiano e nas evocações da memória, o ponto de partida de acesso aos quadros sociais.
Com isto afirmava não existir uma memória individual, mas uma memória coletiva
23
.
Assim, os quadros sociais apresentados por Antonio Selistre de Campos, e os quadros
sociais em que os indígenas estavam inseridos o utilizados na evocação da memória
indígena a respeito de seu passado recente.
21
Adota-se o conceito de etnia e identidade étnica segundo a concepção dinâmica e não estática
proposta pelo antropólogo Fredrik Barth, que as define como uma construção vinda, não do isolamento,
mas da interação dos grupos sociais por meio de processos de exclusão, inclusão e pertença estabelecidos
pela auto-atribuição no compartilhamento de critérios de avaliação e julgamento. In: POUTIGNAT,
Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Seguido de Grupos étnicos e suas
fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p. 193-196.
22
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na
história Oral. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História. Nº. 15, PUC – SP, Abril, 1997, p. 14 -15.
23
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p. 58, 106, 150.
21
A interação e o entendimento do acontecimento e do indivíduo que dele participa
ficam facilitados pelo fato de que neste intercâmbio de conhecimentos
(...) me volto para eles, adoto momentaneamente seu ponto de
vista, entro em seu grupo, do qual continuo a fazer parte, pois
sofro ainda seu impulso e encontro em mim muito das idéias e
modos de pensar a que não teria chegado sozinho, e através dos
quais permaneço em contato com eles
24
.
Para Halbwachs, essa interação vivida, mesmo que sozinho em determinada
situação, era fundamental para a constatação de que a memória é coletiva; basta
rememorar algo para se estar em relacionamento com outras pessoas. Percebe-se a
transferência das memórias no instante em que a memória do outro passa a ser também a
de quem ouve, no exato momento do encontro do pesquisador com o relato do
colaborador.
Outra demanda, em relação aos estudos que envolvem a memória e,
conseqüentemente, a história oral, é a pluralidade das memórias. Le Goff, citando Leroi-
Gourhan, diz que este considera três tipos de memória: a memória específica, a memória
artificial e a memória étnica, a de interesse desta pesquisa, descrita como a que assegura
a reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas
25
. Essa reprodução dos
comportamentos humanos foi transferida de geração a geração através da memória e da
oralidade. Os principais responsáveis por assegurar essa tarefa e, por conseguinte, a
identidade grupal eram os mais velhos da comunidade, os homens-memória, chefes de
família idosos, bardos, sacerdotes
26
, com o importante papel de manter o grupo unido
por laços comuns, laços que os identifiquem como grupo diferenciado.
O registro da memória possibilita o acesso a uma fonte de pesquisa histórica que
não ficará na lembrança, mas que está sujeita a perder-se com o passar do tempo por
vários motivos, entre eles a morte dos mais velhos ou até mesmo o desinteresse dos mais
novos pela história pretérita de seu povo, ou, ainda, o interesse destes voltado para
história recente do grupo. Além disso, o registro proporciona também o estudo e
entendimento de uma versão do passado, uma vez que, em história, não existem
verdades absolutas, mas versões sobre o mesmo fato que devem ser analisadas dentro de
seus contextos, épocas, personalidades e agentes históricos.
24
Ibid., p. 31.
25
LE GOFF, op. cit., p. 422.
26
Ibid., p. 425.
22
Algumas pesquisas e estudos foram realizados com o objetivo de analisar a
personalidade de Antonio Selistre de Campos, como a monografia de Cleusa Dileta
Sottili Valcarenghi, intitulada A história de vida de Antonio Selistre de Campos:
defensor dos Kaingangs, apresentada em 1997 na Universidade do Oeste de Santa
Catarina/Campus Chapecó/UNOESC, e a pesquisa de Mara Paulina Wolff de Arruda,
em 2002, intitulada Antonio Selistre de Campos: “O guardador da cidade”, da mesma
Universidade. Ambas as pesquisas estão voltadas mais precisamente à história biográfica
e à representatividade de Antonio Selistre de Campos para a cidade de Chapecó/SC.
Em 2004 foi publicada pelo CEOM a compilação de alguns artigos de Antonio
Selistre de Campos editados no Jornal A Voz de Chapecó no período de 1939 a 1952.
Trata-se da publicação de documentos históricos utilizados também como fonte nesta
pesquisa, na qual se fez a contextualização dos discursos jornalísticos com a história oral
partindo do tempo presente, conceituado por Meihy como movimento renovador da
visão da história baseado na presentificação dos acontecimentos do passado
27
.
Diferentemente dos estudos citados, esta pesquisa envolve a participação social
do indígena com o relato de suas memórias na aplicabilidade da história oral. Os relatos
orais assumem dupla função: além da produção de fontes, reforçam a auto-estima
indígena pelo reconhecimento de suas memórias, seja na participação escrita, seja na
oralidade enquanto ouvintes-divulgadores-mantenedores de sua própria história.
A região geográfica do Oeste Catarinense, principalmente a TI Xapecó e as
comunidades do entorno, foi o território demarcado para realização inicial desta
pesquisa, porém esta delimitação foi ultrapassada para atendimento às questões oriundas
do manuseio das fontes, dos relatos orais e da própria necessidade de contemplar o tema
em suas especificidades.
Na TI Xapecó, parte da pesquisa documental foi realizada junto à Escola
Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê e no Posto Indígena, ambos localizados
na aldeia Jacu, sede da TI Xapecó. Nestes locais, também realizou-se entrevistas com a
metodologia da história oral com os professores e os mais velhos da comunidade,
promovendo a interlocução entre os indígenas e os documentos, no registro de suas
memórias.
O Museu Municipal Dr. Antonio Selistre de Campos, localizado em Chapecó/SC,
apresenta acervo de peças indígenas encontradas na região, algumas delas de antiga
27
MEIHY, op. cit., p. 262.
23
propriedade de Antonio Selistre de Campos. No acervo estão urnas funerárias em
material cerâmico, artefatos de arcos, flechas, cestos e ferramentas talhadas em pedra.
Além dessa cultura material, por ele coletada e também por outras pessoas que, sabendo
do interesse do jurista, faziam a gentileza de enviar-lhe, está disponível parte da
biografia, arquivo de entrevistas concedidas a vários pesquisadores, e material
fotográfico.
Outro local fundamental para esta pesquisa de campo foi o CEOM, onde
encontra-se documentação significativa para a pesquisa relacionada à região oeste.
Especificamente de interesse para esta pesquisadora, os jornais, o material fotográfico e
as entrevistas em história oral concedidas por algumas pessoas que conheceram Antonio
Selistre de Campos. O filho deste, o senhor Raul José de Campos fez doação de boa
parte do material biográfico, contendo documentos manuscritos e fotografias. A
professora Mara Paulina Wolff de Arruda, após realizar sua pesquisa já mencionada,
também fez doações disponibilizando as fontes para outros pesquisadores. Quem tem
por objetivo pesquisar o Oeste Catarinense, pode encontrar parte expressiva de
documentos no CEOM.
O Conselho Indigenista Missionário/CIMI
28
de Chapecó e de Florianópolis foram
locais que constaram do roteiro do mapeamento de pesquisa. O arquivo de documentos
disponibilizado trouxe um somatório ao tema pesquisado.
A Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina e a Biblioteca Pública do
Estado de Santa Catarina, localizados em Florianópolis, tiveram seus documentos
visitados e revisitados, na complementaridade de outros apontamentos do estudo.
No Núcleo de Estudos de Populações Indígenas/NEPI
29
foi possível acessar
algumas bibliografias específicas, entre elas, laudos antropológicos que
complementaram informações, e também no NEPI foram realizadas várias entrevistas
com o antropólogo Prof. Dr. Sílvio Coelho dos Santos.
28
O Conselho Indigenista Missionário/CIMI foi criado em 1972, vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB, que através da atuação missionária, procurou conferir um novo
sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas. Por meio de assembléias indígenas
objetiva promover o direito à diversidade cultural. Web site CIMI: http://www.cimi.org.br/
29
O NEPI, criado em 1996, é coordenado pelo Professor Dr. Silvio Coelho dos Santos. Tem em
seu objetivo o desenvolvimento de estudos e pesquisas relativas aos povos indígenas, em particular sobre
seus saberes tradicionais, condições de vida e seus projetos, através da articulação de professores,
pesquisadores e estudantes de diferentes universidades e instituições. Atualmente abrange três linhas de
pesquisas: Política Indigenista; Infância e Educação Indígena e História da Antropologia. É parte
integrante do Laboratório de Antropologia Social/LAS. Web site:
http://www.las.ufsc.br/
24
Esta pesquisa, em diferentes momentos, foi apresentada parcialmente em eventos
científicos, os quais contribuíram significativamente para seu desenvolvimento, levando
a diminuir a imperfeição que acompanha toda pesquisa, em decorrência da
inesgotabilidade do tema e da possibilidade, sempre presente, de se encontrar fontes
ainda não manuseadas a serem analisadas. Portanto, consideram-se os eventos científicos
igualmente como pesquisas de campo
30
.
Tanto o material biográfico, fotográfico, jornalístico, documental, bibliográfico e
as entrevistas coletadas no decorrer deste estudo, foram complementares entre si para
enriquecimento e atendimento aos objetivos desta pesquisa, que será apresentada em três
capítulos.
No primeiro, intitulado Jornal A Voz de Chapecó: Documentando a História
dos Kaingáng, faz-se a contextualização da inserção do jornal no período histórico
nacional e seus hiatos entre uma censura policial e outra, com a cessação temporária de
sua circulação, acompanhando paralelamente a trajetória de um de seus fundadores,
Antonio Selistre de Campos. Neste primeiro capítulo se apresenta o que se considerou
um tripé interligado pelas evidências apontadas pelas fontes manuseadas e analisadas:
agente, propulsor e divulgador da história de um povo, sendo respectivamente os
Kaingáng, Antonio Selistre de Campos e o jornal A Voz de Chapecó.
Sendo assim, os Kaingáng serão apresentados por serem os agentes de sua
própria história; o jornal será apresentado como divulgador, enquanto fonte de
informação que veiculou artigos com a temática indígena, contextualizando-se sua
fundação no período do Estado Novo (1937-1947); Antonio Selistre de Campos por ser
o propulsor e autor dos artigos sobre a temática indígena, buscando esclarecer a
população do entorno e levando ao conhecimento das autoridades competentes a
situação dos Kaingáng da região, por dezoito anos, sem a certeza de ser ouvido, como
ele mesmo registrou.
O segundo capítulo sob o título Estranhamentos e Coexistências no Oeste
Catarinense, abre-se para o XVI Congresso Internacional de Americanistas ocorrido em
30
Em 2006:“Selistre de Campos e a questão indígena no Oeste Catarinense” em comemoração
aos “20 anos do CEOM” em Chapecó/SC. Em 2007: “Dr. Antonio Selistre de Campos: representatividade
Kaingáng fora da aldeia”, durante a Semana de Ensino Pesquisa e Extensão/SEPEX/UFSC. A questão
indígena nas páginas dos jornais sob a ótica do jurista Antonio Selistre de Campos - 1940 a 1950”, no
XXIV Simpósio Nacional de História/SNH - “História e Multidisciplinaridade: territórios e
deslocamentos”/UNISINOS, São Leopoldo/RS. “Revisitando a memória dos Kaingáng: o percurso da
tradição oral no tempo” no IV Encontro Regional Sul de História Oral - “Culturas, Identidades e
Memórias”/UFSC. “A função social do jornal na divulgação da história dos Kaingáng no Oeste
Catarinense – 1939/1957”, por ocasião do 9º Encontro das Nações: Brasil de todos os tons.
25
Viena em 1908, onde houve o discurso de Albert Vojtech Frič, que veio a somar aos
acontecimentos que antecederam a criação do SPILTN. Ainda nesse capítulo apresenta-
se o período que antecedeu a instalação do SPI na região do Oeste Catarinense e a
implantação do Posto Indígena Chapecó no ano de 1941, dentro da TI Xapecó, os abusos
cometidos por determinado funcionário do SPI contra os indígenas, e os
questionamentos levantados em relação a este órgão criado com o propósito de proteger
os indígenas.
Os Temas Educação, Saúde e Terra nos Artigos Jornalísticos fazem parte do
terceiro capítulo. A criação da primeira escola para os indígenas, por iniciativa de
Antonio Selistre de Campos, permanece na memória de alguns dos indígenas mais
velhos da comunidade. Toma-se como hipótese que esta iniciativa proporciona
atualmente, aos Kaingáng, o valor que atribuem ao estudo, e à profissão de professor.
Constatou-se tal fato a partir da história oral e o quanto o estudo tem repercutido
positivamente na autoconfiança do grupo.
A personalidade do Dr. César Sartori surge neste capítulo por ser o médico que
dava assistência aos Kaingáng, embora de maneira esporádica devido à dificuldade de
chegar ao Oeste Catarinense na época. Era por interferência e preocupação de Antonio
Selistre de Campos que tais visitas se realizavam.
A preocupação com a saúde foi expressa em alguns artigos, dos quais destaca-se
o que foi publicado em 19 de dezembro de 1948, no jornal A Voz de Chapecó:
OS INDIOS ESTÃO MORRENDO
Além dessas duas mortes, de indios nossos conhecidos, temos
noticia de haverem ocorrido outros obitos, não de homens,
como também de mulheres e creanças.
Desnecessário é dizer: faleceram esses, e outros vão morrendo,
sem assistencia medica.
Não faz muito tempo subimos ao alto dos nossos tamancos e
perguntamos a um ilustre Diretor do S.P.I. se haveria
possibilidade de prestar assistencia medica aos índios...
“Ah!” Respondeu o ilustre funcionario do S.P.I. – “Infelizmente
a esse problema ainda não pudemos dar solução”
31
.
Esse artigo, dentre outros, demonstra a preocupação de Antonio Selistre de
Campos com a saúde e a deficiência imunológica adquirida pós-contato com o não-
indígena, que estava levando os indígenas ao falecimento antecipado. Neste capítulo
31
Jornal A Voz de Chape. Os Índios estão morrendo. 19 de dezembro de 1948. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
26
abordam-se também algumas práticas indígenas do conhecimento, utilização e benefício
das ervas medicinais.
Ainda discute-se o pretenso esbulho sobre a terra dos Kaingáng por iniciativa do
madeireiro Alberto Berthier de Almeida e a atuação do SPI denunciado por Antonio
Selistre de Campos no artigo O Serviço de Proteção aos Indios passa a ser de
Perseguição aos Indios de Chapecósinho.
Sendo assim, procura-se refletir sobre o significado, os efeitos e o alcance dos
artigos de Antonio Selistre de Campos na trajetória histórica dos Kaingáng do Oeste
Catarinense.
Quando Selistre de Campos morreu em 5 de dezembro de 1957, os Kaingáng
transportaram seu caixão, acompanhando, a pé, todo o cortejo fúnebre até o Cemitério
Ecumênico de Chapecó.
27
Capítulo 1
Jornal A Voz de Chapecó: Documentando a História dos Kaingáng
O Jornal A Voz de Chapecó, Antonio Selistre de Campos e os Kaingáng foram
identificados como um tripé fomentador e informativo a respeito da história do grupo
indígena no desenvolvimento desta pesquisa. Desse conjunto, resultou o registro de parte
da história dos Kaingáng do Oeste Catarinense, documentada nos artigos de Antonio
Selistre de Campos.
Sugere-se este tripé como importante meio de acesso ao passado, seja na
utilização das fontes escritas, seja na de fontes provenientes da tradição oral, registrando
permanências, reelaborações e esquecimentos ao longo desse processo histórico.
Na identificação e entendimento desse tripé, o jornal é apresentado como
fonte/documento de informação que veiculou artigos sobre a temática Kaingáng,
contextualizando-se sua fundação no período do Estado Novo (1937-1947) e também a
cidade de Chapecó que, em diferentes momentos, compôs uma região territorial de
litígios. Antonio Selistre de Campos é apresentado por ser o autor dos artigos sobre a
temática indígena, que buscou esclarecer a população local e regional, e as autoridades
competentes sobre a situação dos Kaingáng da região por dezoito anos, sem a certeza de
ser “ouvido”, como ele próprio registrou. Os Kaingáng são enunciados por serem
agentes históricos atuantes que, possivelmente, souberam identificar, no apoio de
Antonio Selistre de Campos, o incentivo na reivindicação dos seus direitos enquanto
povo e cultura
32
diferenciados.
Inicia-se este capítulo com a localização e apresentação da cidade de Chapecó,
palco do jornal A Voz de Chapecó e dos litígios territoriais entre Brasil e Argentina e
posteriormente entre Paraná e Santa Catarina. Apresenta-se na seqüência o próprio
jornal, a personalidade de Antonio Selistre de Campos e os Kaingáng da TI Xapecó.
32
Adota-se nesta pesquisa o conceito de cultura enunciado por Baldus, sendo a expressão
harmônica total do sentir, pensar, querer, poder, agir e reagir de uma combinação de fatores
hereditários, físicos e psíquicos, com fatores coletivos morais, e que, unida ao equipamento civilizador
(instrumentos, armas, etc.), dá à unidade social a capacidade e a independência necessárias à luta
material e espiritual pela vida. Um dos problemas principais da etnologia é estudar a mudança contínua
dessa expressão e as causas dessa mudança. BALDUS, Herbert. Ensaios de etnologia brasileira. São
Paulo: Ed. Companhia Nacional, 1937, p. 17.
28
1.1. O Oeste Catarinense e a Cidade de Chapecó
O Oeste Catarinense que se apresenta inicialmente nesta pesquisa é o Velho
Chapecó, cuja expressão é empregada pelos antigos moradores e descendentes dos
colonizadores referindo-se à extensão territorial que possuía o município de Chapecó,
aproximadamente 14 mil km², desde sua criação em 1917, até o primeiro
desmembramento ocorrido na década de 50
33
.
O território catarinense foi povoado por diferentes frentes pioneiras. A região
oeste teve seu povoamento iniciado por três frentes pioneiras de ocupações distintas. As
de economias pastoris, extrativistas e de expansão agrícola. As frentes pioneiras
apresentaram a característica comum de desalojar o indígena dos territórios de interesses
econômicos privados; o indígena era identificado como um obstáculo ao
desenvolvimento
34
.
A criação de gado, frente pastoril, fomentou a economia no planalto catarinense,
espalhando fazendas aos arredores dos caminhos de tropas, inicialmente em direção a
Curitibanos e Campos Novos, seguindo para Curitiba, e depois para o sudoeste,
atingindo Guarapuava e posteriormente Palmas. Silvio Coelho dos Santos ressalta que
através do Paraná, mais precisamente, da área que mais tarde será o território do
Contestado, que a região de Chapecó (Campos de Palmas) é conquistada pela frente
pastoril
35
.
A segunda frente, extrativista, foi composta principalmente pela atividade do
corte de erva-mate. A colonização de origem alee italiana, oriundas basicamente do
Rio Grande do Sul, compõe a terceira frente, de expansão agrícola, com a exploração da
madeira, desenvolvimento agrícola e pecuário
36
.
Das frentes pioneiras apresentadas, os Kaingáng foram envolvidos pelo conjunto
das três economias: criatória, extrativa e agrícola, resultando num aniquilamento de
parte de seu contingente físico por meio de ataques. Segundo Santos, desse quadro
33
BELLANI, Eli Maria. Madeiras, balsas e balseiros no Rio Uruguai: o processo de
colonização do velho município de Chapecó (1917/1950). Florianópolis, 1991, 307f. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, p. 6.
34
SANTOS, Silvio Coelho dos. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos
Xokleng. Porto Alegre: Movimento. Brasília, Minc/Pró-Memória/INL, 1987, p. 25 e 59.
35
Ibid., p. 25.
36
Ibid., p. 17.
29
surgiram as reservas, que, para os Kaingáng, foi delimitada pelo Decreto 7, instituído
pelo governador do Paraná
37
,Francisco Xavier da Silva, em 1902.
A região em estudo foi palco a várias disputas litigiosas territoriais.
As indefinições geográficas provenientes do Tratado de Madri (1750) e Santo
Ildefonso (1777) levantaram questões dos limites territoriais entre o Brasil e a Argentina
sobre a região do rio Pepery-guaçu, disputa iniciada em 1869 na questão denominada
“Missiones”para os argentinos e “Palmas”
para os brasileiros
38
, cujo litígio foi
resolvido a favor do Brasil em 1895
39
.
No período de 1890 a 1916, Chapecó era distrito de Palmas pertencente ao
Estado do Paraná. Os limites entre Paraná e Santa Catarina foram definidos em 1917
quando parte dos Campos de Palmas passaram a integrar o Oeste de Santa Catarina.
Concomitante a este período, a região serviu de disputa, no período de 1912 a
1916 à Guerra do Contestado
40
, envolvendo aqueles mesmos Estados.
Segundo Nilson Thomé
41
, a Guerra do Contestado foi um evento complexo
provocado pelo avanço do capitalismo na região, influenciada pela construção da
ferrovia SP/RS, a ação danosa da madeireira Lumber Company, a questão de limites
entre Paraná e Santa Catarina, o jogo de interesses entre fazendeiros e políticos, o
misticismo que havia entre os caboclos, a estratificação social e sistemas de vida da
época, a posse da terra, o messianismo e a índole guerreira dos sertanejos.
Em 1943, foi criado o Território Federal do Iguaçu, compreendendo Chapecó. A
Constituição Federal de 1946 extinguiu o referido Território e Chapecó voltou a integrar
o Estado catarinense
42
.
A abordagem sobre a disputa litigiosa e demarcação do limite de terras entre
Paraná e Santa Catarina se faz necessária para melhor entendimento do leitor
interessado, que pode manusear fontes clássicas sobre a temática Kaingáng, a exemplo
de Telêmaco Borba (1908) e Herbert Baldus (1937). Nota-se, porém, que os Kaingáng
37
Ibid., p. 18.
38
PIAZZA, Walter Fernando; HÜBENER, Laura Machado. Santa Catarina: história da gente.
Florianópolis: Ed. Lunardelli, 1983, p 116.
39
PIAZZA, op. cit. p. 298-299.
40
PIAZZA; HÜBENER, op. cit., p. 116.
41
THOMÉ, Nilson. Historiografia da Guerra do Contestado. In: SANTOS, Silvio Coelho dos
(Coordenador). O Contestado na historiografia e na literatura. Academia Catarinense de Letras.
Coleção ACL nº 30, 2006, p. 39-40. Sobre o Contestado remete-se o leitor, também, as obras de:
CABRAL, Oswaldo Rodrigues, 1903-1978. Joao Maria: uma interpretacao da campanha do
contestado. Sao Paulo: Ed. Nacional, 1960; MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a
formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: UNICAMP.
42
BELLANI, Eli Maria. Madeiras, balsas, ..., p. 21.
30
hoje residentes na TI Xapecó/SC faziam parte daquele território, pois estavam na mesma
área de terras chamada Campos de Palmas/PR, que, a partir de 1917, foi dividido,
passando, num primeiro momento, a integrar parte do Estado de Santa Catarina e, num
segundo momento, recebendo denominações diferenciadas pelo desmembramento desta
área em distritos e municípios.
Entre outros, pertenciam ao município de Palmas os distritos de Campo Erê,
Chapecozinho, Xanxerê e Passo Carneiro (Passo Bormann)
43
, que hoje estão em torno da
cidade de Chapecó/SC.
Leia-se no mapa a seguir, que o Paraná, em 1907, tratava-se de uma grande área
oestina que abrigava os Kaingáng desde Palmas até os limites com o Norte do Rio
Grande do Sul e o Oeste do Estado de Santa Catarina.
No mapa ainda pode-se observar a região em disputa de territórios entre os
Estados do Paraná e Santa Catarina em tom cinza escuro, localizando-se nessa região os
Campos de Palmas. Na época do litígio, o Estado de Santa Catarina restringia-se à parte
colorida do mapa.
43
ROSSETO, Santo. Síntese histórica da região oeste. In: Cadernos do CEOM. CEOM: 20
anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina. Edição Comemorativa. N23 Chapecó:
Argos, 2006, p. 259.
31
FIGURA 1 - Estado de Santa Catarina 1907
FONTE: Atlas de Santa Catarina. Rio de Janeiro, Aerofoto Cruzeiro, 1986, p. 17.
A Lei de 25 de agosto de 1917, nº. 1.147, que pôs fim aos conflitos de limites
entre Paraná e Santa Catarina, desmembrou o município de Palmas, criando os
municípios de Mafra, Cruzeiro (hoje, Joaçaba), Porto União e Chapecó. Nestes
municípios foram instaladas sedes municipais, comarcas judiciárias, paróquias e escolas,
o que favoreceu a conquista do Oeste
44
.
O município de Chapecó, instituído inicialmente com uma área de 14.793 km²,
hoje com 625,40 km², teve sua sede provisoriamente estabelecida em Passo Bormann,
conhecida anteriormente como Passo Carneiro
45
:
A sede do novo município de Chapecó foi deslocada várias
vezes, tendo sido fixada inicialmente em Passo Bormann, nome
dado em homenagem ao então Capitão do Exercito Bernardino
44
SANTOS, Silvio Coelho dos. Nova história de Santa Catarina. 5. ed. Ver. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 2004, p. 91.
45
BELLANI, Eli Maria. Balsas e balseiros no Rio Uruguai (1930-1950). In: Cadernos do
CEOM. CEOM: 20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina. Edição
Comemorativa. N. º 23. Chapecó: Argos, 2006, p. 75.
32
Bormann, diretor da colônia militar de Chapecó, transferindo-se
depois para Xanxerê em 1919, voltando, em 1923, a Passo
Bormann, em 1930 retornando a Xanxerê e ainda em 1930
volvendo ao posto primitivo até que, em 1931, fixou-se
definitivamente em Passo dos Índios, que passou, em 1939, a
chamar-se Chapecó
46
.
A cidade de Chapecó era percebida em 1939 como um vilarejo do sertão, sem
conforto, com falta de iluminação elétrica, tendo menos de cem casas habitaveis,
construidas de madeira, e ás quaes um dos nossos colaboradores classifica como
caixões. Esta é a realidade
47
.
FIGURA 2 – Chapecó Década de 1940
FONTE: CEOM, Chapecó/SC. Avenida Getúlio Vargas, Cidade de Chapecó na década de 40 tendo ao
centro Antonio Selistre de Campos.
46
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. ed. Florianópolis: Lunardelli,
1994, p. 334.
47
Jornal A Voz de Chapecó. Explicação. 11 de junho de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
33
A antiga fotografia da cidade
48
remete o espectador à sensação de participar
daquele momento, ao modo de um possível retorno ao passado, revisitando as imagens
da época, uma vez que voltar literalmente no tempo seria impossível.
A discussão da grafia com “CH” ou com “X”, da palavra Chapecó, foi tema
abordado por Antonio Selistre de Campos em seus artigos publicados no jornal A Voz de
Chapecó
49
, sendo apresentada como indicação de pauta na Assembléia Legislativa pelo
deputado afiliado ao Partido Social Democrata/PSD de Chapecó, Cid Loures Ribas
50
.
Tal assunto foi exaustivamente debatido perante a Comissão Regional da
Revisão Territorial do Paiz, a qual recorreu ao Poder Legislativo Estadoal. A propósito
o deputado Dr. Cid Loures Ribas, como Relator da Comissão Especial da Divisão
Territorial do Estado, emitiu parecer que foi publicado no jornal A Voz de Chapecó para
conhecimento dos leitores
51
. No parecer, o Deputado Cid Loures Ribas constatou que a
palavra Chapecó, por iniciar com “ch” não era de origem indígena e, portanto, não
poderia ser de origem Kaingáng, e entre a grafia com X e CH, prevaleceu o CH, afirmou
o deputado.
Ressalta-se que a escrita de Chapecó com CH é baseada, nos estudos do
deputado, pela anterioridade da grafia e por constar em documentos com CH inicial
52
.
Porém, no parecer apresentado pelo deputado à Comissão Especial da Divisão Territorial
do Estado, a palavra oferece imprecisão em sua grafia, pois, atendendo a que, a
toponímia de Chapecó tem originado vidas e vacilações em sua grafia, porque
ninguém sabe ao certo si devemos escrever tal palavra com ch ou x inicial.
Observa-se que, no mesmo parecer, as argumentações estão todas voltadas para a
origem da língua portuguesa com seu radical no latim em que
atendendo, ainda, a que, sendo, como é, a lingua portuguesa
derivada do latim,diminuto é o número de palavras com x no
início delas e essas mesmas o vem do latim e sim do árabe ou
48
Esta fotografia é apresentada sob a perspectiva de “fotografia ilustrativo-documental”
demonstrando uma cena do cotidiano procurando dar ao leitor subsídios para o contexto de Chapecó à
época apresentada. Para maiores detalhamentos sobre a pesquisa com fotografias e seu manuseio remete-
se o leitor a obra de BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
49
Jornal A Voz de Chapecó. Ch ou X. 07 de julho de 1946; Chapecó. 14 de março de 1948;
Chapecó com X? 21 de novembro de 1948; Chapecó com CH. 28 de novembro de 1948. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
50
Jornal A Voz de Chapecó. Chapecó. 14 de março de 1948. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
51
Jornal A Voz de Chapecó. Chapecó com X ou CH inicial. 30 de janeiro de 1949; e com o
mesmo título as matérias dos dias 06, 13 e 27 de fevereiro de 1949; 06 e 27 de março de 1949. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
52
Jornal A Voz de Chapecó. Serviço dos Índios. 28 de novembro de 1948. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
34
grego, e isso faz ver que o emprego da letra x, no princípio das
palavras é contrario à índole da língua portuguesa que é a
nossa
53
.
Os estudos apresentados no ano de 1947 na Sala das Sessões da Assembléia
Legislativa não mencionaram, ou desconsideraram na palavra, a origem na língua
indígena. Porém, em novo parecer apresentado um ano depois, apresenta a seguinte
redação:
“O topônimo Chapecó é de origem indígena”. Tenho sobre o
assunto a valiosissima opinião do Dr. Antonio Selistre de
Campos, magistrado federal em disponibilidade, a qual reputo
da maior autoridade sobre o assunto em tela. S. Excia. é um
estudioso em tudo que se relaciona aos índios e tem procurado
esclarecer a verdadeira origem da palavra Chapecó.
O estudo de Antonio Selistre de Campos, inserido na argumentação do deputado
e apresentado na Sala das Sessões em 28 de novembro de 1948, apresenta artigo de
Romário Martins que foi publicado na Revista ALBA em setembro de 1938. Este autor
afirma ser Chapecó proveniente da palavra
hapecó, vocábulo caingang que significa caminho, passagem.
Alusivo ao trânsito de tropas do Rio Grande para Palmas e S.
Paulo, nos tempos idos. Telêmaco Borba diz: Xaembetkó, de xá,
cachoeira e embetkó, um modo de caçar ratos a noite, com
fachos . Pela semelhança que pareceu aos caingangs terem as
pescarias de cascudos à noite, nêsse rio, com a dos ratos, lhe
puzeram este nome.
Logo, pelos estudos de Romário Martins, o nome remete também à frente
pioneira pastoril no caminho das tropas RS/Palmas/SP, além de nomearem o rio, e na
seqüência da argumentação Antonio Selistre de Campos, finaliza dizendo que
Os caingangs ou coroados, desde tempos imemoriais habitaram
esta região e foram eles que deram o nome ao rio. anos atrás
era comum ouvir-se, se encontrando mesmo em documentos
escritos, em vez de Chapecó, a grafia Japecô. Daí é lógico
concluir-se que a palavra deve ter sofrido adulterações,
deturpações ou modificações através do tempo. Em conclusão,
para nós a pergunta não foi respondida
54
.
53
RIBAS, Cid Loures. A Grafia de Chapecó com CH e não com X. Sala das Sessões, 9 de julho
de 1947. In: SILVA, Zedar Perfeito da. Oeste Catarinense. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, Limitada,
1950, p. 340, 341.
54
RIBAS, Cid Loures. Sala das Comissões, 28 de novembro de 1948. In: SILVA, Zedar Perfeito
da, op., cit., p. 342, 343.
35
Antonio Selistre de Campos ainda publicou no jornal A Voz de Chapecó, em
1946, logo, um ano antes do parecer apresentado pelo deputado Cid Loures Ribas, artigo
intitulado CH OU X. Nele apresenta dúvidas sobre a grafia da palavra, onde ninguém
parece saber se devemos escrever tal palavra com ch ou com x inicial. Dentre os
argumentos para a escrita de Chapecó com CH, se posiciona favoravelmente, utilizando-
se da anterioridade histórica da palavra, contexto que mais tarde foi empregado pelo
deputado. Alega que, até o ano de 1936, a palavra foi escrita com CH e que em
documentos governamentais a escrita passou a ser com X inicial. No final de seu artigo
apresenta que em defesa do emprego do x no inicio da palavra Chapecó, alega-se que
assim se escrevem as palavras que precederam da língua indígena, mas deve atender-se,
primeiro, que os antigos índios não tinham linguagem escrita, e depois, que não está
aprovado que Chapecó seja palavra indígena
55
.
Assinala-se que a dúvida permeava os estudos de Antonio Selistre de Campos
sobre tal grafia ser ou não de origem Kaingáng.
Sobre o assunto ainda as pesquisas de Ana Lúcia Vulfe Nötzold,
etno-historiadora, e Wilmar da Rocha D’Angelis, lingüista, afirmando que, com base na
metodologia da etno-história, os relatos dos indígenas da região contribuem para o
entendimento de sua cultura e trajetória histórica, em que os mesmos atribuíram nomes
indígenas aos lugares por onde passaram. Tal relato foi contado por Kofá Kaingáng
Bonifácio Luiz Ndokring e Francisco Fernandes Kaneigrã:
Assim, ao Chapecó chamaram ‘Xapetko’ (xá+én+mbitkó).
Adiante, mataram uma anta em um passo, que denominaram
Passo da Anta. Seguindo, perderam um facão em um lageado,
que chamaram Lageado Facão. Acamparam em um final de
tarde, mais adiante. Mas à meia-noite as formigas correição
bateram no acampamento e todos tiveram que levantar.
Chamaram este lugar de Formigas. Chegaram no outro dia ao
‘Xapetkóxi’ que ficou Chapecozinho. Ao chegarem na campina,
ao final da tarde, ao limpar o terreno para acampar mataram ali
uma cascavel. Chamaram o local “Xãxã~rê” (‘Campina da
Cascavel’). Na seqüência passaram em uma água onde havia
muito xaxim (‘ngoytangui’ água do xaxim) e o Diretor
chamou xaxim. Outra versão também de velhos Kaingáng
diz que nesse lugar estava terminado o sal que traziam (xá+xi =
pouco/pequeno), daí o nome xaxim ser Kaingang
56
.
55
A Voz de Chapecó: artigos de Antonio Selistre de Campos 1939 a 1952. Centro de
Memória do Oeste de Santa Catarina (Org.). Chapecó: Argos, 2004, p. 29 a 31.
56
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Nosso vizinho Kaingáng. Florianópolis: Imprensa Universitária
da UFSC, 2003, p. 81. D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Para uma história dos índios do oeste catarinense.
36
Pela análise dos documentos apresentados, pode-se concluir que a palavra é de
origem Kaingáng e que foram eles que assim denominaram o rio que delimitava a TI
Xapecó, ficando a dúvida sobre a questão da grafia nas redações de Cid Loures Ribas e
Antonio Selistre de Campos, não se podendo dinferir ser correta ou não, a escrita com
CH ou com X inicial.
1.2. A Voz de Chapecó
O periódico A Voz de Chapecó, jornal intitulado semanário independente, com
média de 4 a 6 páginas por número, circulava aos domingos abrangendo a cidade de
Chapecó e região. Fundado em 3 de maio de 1939, publicava eventualmente edições
comemorativas, compondo o jornal nessas ocasiões em torno de 10 a 12 páginas. Além
da Voz de Chapecó, circulava também na época, o jornal A Voz do Estudante com
tiragem mensal, localizado em Xanxerê/SC. A partir de fevereiro de 1951 surge na
cidade de Chapecó o jornal O Imparcial
57
.
A primeira edição d’A Voz de Chapecó, datada de 03 de maio de 1939, trazia em
seu editorial os objetivos a que o jornal se propunha:
NOSSA AÇÃO
Sae hoje à luz da publicidade A VOZ DE CHAPECÓ.
É uma publicação modesta, como o seu pequeno formato faz
ver.
Não é leitura para letrados. Aos homens simples, que são a
maioria dos nossos patrícios desta zona, e que não assinam os
grandes jornaes das capitaes, pretendemos ser úteis, transmitindo
noticias de acontecimentos de ordem geral na medida do
possível.
Temos em vista servir aos altos interesses do município, do
Estado, e, consequentemente, do Brasil, nossa querida Pátria,
procurando despertar nos moços o gosto pela leitura
58
.
O jornal surge no contexto histórico nacional do Estado Novo (1937-1947), que
mostrava um caráter autoritário, mas se dizendo um novo regime, mantendo fortes
ligações com características governamentais do período 1930-1937, entre elas a
In: Cadernos do CEOM. CEOM: 20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina.
Edição Comemorativa. N.º 23. Chapecó: Argos, 2006, p. 309.
57
Jornal A Voz de Chapecó. Pela Imprensa. O Imparcial. 04 de março de 1951. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
58
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
37
centralização, sendo considerado o período de maior soma de poderes até aquele
momento na história do Brasil independente
59
.
À frente do Estado Novo estava Getúlio Vargas que governou o país por quinze
anos, de 1930 a 1945; chefe de um governo provisório, foi eleito pelo voto indireto,
deposto no último ano de seu mandato e voltando à presidência, dessa vez pelo voto
popular, no período de 1950 a 1954
60
.
A posição do jornal conjugava com as idéias getulistas, tanto que no mesmo
editorial da primeira edição, seus fundadores diziam que sustentamos o regime político
da Constituição Federal de 10 de Novembro de 1937, porque entendemos ser no
momento a garantia da Segurança Nacional
61
. Essa Constituição instaurada por Vargas
era completamente diferente das que a antecederam. Entre as principais diferenças, que
caracterizaram um sistema ditatorial, estava a dispensa do Congresso, concentrando nas
mãos do governante os poderes legislativo, executivo e judiciário. Com o Estado Novo
desapareciam os governadores, substituídos por delegados do governo federal, que
foram chamados provisoriamente de interventores
62
.
As opiniões, reportagens e notícias constantes no Jornal A Voz de Chapecó eram
as mais diversas, a fim de informar a comunidade local e regional. Destacavam-se datas
natalícias; falecimentos; notas sobre viagens de partida e chegada das pessoas
integrantes da sociedade local; comércio, indústria, agricultura, informações sobre
legislação, processos judiciais; política local, regional, nacional e internacional;
resenhas; condições das estradas; reivindicações de melhorias escolares; inaugurações;
réplicas a alguma notícia de cunho pessoal; propagandas; resumo de filmes, questões
sobre a grafia do nome da cidade e a constância na publicação de artigos sobre a
temática e a população indígena do Oeste Catarinense. Em sua maioria, estes artigos
foram escritos por Antonio Selistre de Campos. No entanto, no decorrer desta pesquisa,
foram encontrados artigos de cunho histórico relativos aos indígenas como sendo a
população nativa, assinados por Z e publicados no mesmo jornal A Voz de Chapecó
63
.
59
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2003, Capítulo 7, passim.
60
Id.
61
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
62
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República de 1930 a 1960. ed. reimpressão.
Vol. 3. São Paulo, Alfa-Omega, 1981, p. 105-107.
63
Tais artigos pertencem principalmente ao primeiro ano do jornal. Da pesquisa realizada não se
pode afirmar ser um pseudônimo de Antonio Selistre de Campos, ou se foram escritos por outro
colaborador do jornal, uma vez que Antonio Selistre de Campos utilizava as iniciais C., S., SC., A. S. de
Campos e por vezes Selistre de Campos.
38
Nilson Lage e Juarez Bahia
64
discorrem que cada categoria de notícia apresenta
uma característica que as diferencia, podendo traduzir-se em manchete, notícia,
reportagem ou artigo. Na manchete não há descrição do fato; o título transmite a
mensagem. As notícias têm a característica de serem breves e objetivas, relatando o fato
principal. Os redatores especialistas são responsáveis pelas reportagens das colunas
assinadas; os comentários do jornalismo contemporâneo. os artigos são contribuições
de leitores ou outras personalidades que não são necessariamente jornalistas. Nos
artigos, pode-se observar a manifestação da opinião pública de um grupo de pessoas
sobre determinada questão, ou a opinião pessoal de um autor sobre determinado assunto,
fato, tema ou evento. Assim sendo, se identificam na análise desta pesquisa, os escritos
do jurista Antonio Selistre de Campos na categoria classificada de artigos.
A escolha de jornal enquanto fonte de pesquisa segue a perspectiva sinalizada
por Capelato, que entende a imprensa escrita como instrumento de intervenção na vida
social, afirmando que a imprensa escrita não é mero veículo de informação, muito
menos um transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos
65
.
Perspectiva de ordem equivalente faz parte da análise de Tânia Regina de Luca
no sentido de que os
jornais e revistas não são, no mais das vezes, obras solitárias,
mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o
que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno
de idéias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da
palavra escrita
66
.
Assim, o jornal A Voz de Chapecó não é percebido nesta pesquisa como o”
elemento atuante, por não ser agente histórico ativo, mas como veículo que
proporcionou a expansão do conhecimento sobre os Kaingáng, através da iniciativa e
ação de seus editores e/ou fundadores, por meio da veiculação do jornal com a
publicação de seus editoriais, notícias, artigos, manchetes e temas que abordaram,
publicaram e defenderam, procurando a coerência com a tarefa a que se propunham,
externada publicamente na primeira edição do jornal.
64
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. 1979; Estrutura da notícia. 1985; Linguagem
jornalística. 1986; BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. Volumes I e II. 1990. In: passim apud
d’ACAMPORA, Márcia. A construção da imagem do inimigo: o papel dos jornais durante a Segunda
Guerra Mundial em Florianópolis 1939/1945. Florianópolis, 1992, 168f. Dissertação (Mestrado em
História). Universidade Federal de Santa Catarina, p. 22.
65
CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino (imprensa e ideologia
no jornal “O Estado de São Paulo”). Editora Alfa - Omega, São Paulo, 1980, p. XIX.
66
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (Organizadora). Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 140.
39
Desse modo, põe-se em ação este jornal, o para registrar a história da
imprensa, mas a história por meio da imprensa
67
, especificamente nesta pesquisa, a
história dos Kaingáng do Oeste Catarinense, registradas em artigos escritos por um
jurista, profissional das leis, mas não do métier do jornalismo.
Na seqüência se apresenta a lista dos nomes dos fundadores da Gráfica
Chapecoense Ltda., para elucidar o apoio convergente entre seus fundadores e o âmbito
político e social que alcançavam por participarem de classe social considerada
privilegiada, sem, no entanto, deixar à margem assuntos de cunho social, pois, através do
jornal, se propunham a tarefa ampla, imensa; acreditamos que ultrapasse nossas forças,
mas a ela nos abalançamos, impelidos pelo idealismo que sempre inspirou nossos atos,
de preferência ao comodismo, que nos aconselharia o egoísmo
68
:
FIGURA 3 - Gráfica Chapecoense Ltda
FONTE: Acervo CEOM, Chapecó/SC. Documento sem data.
67
Ibid., p. 111.
68
Jornal A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
40
Dentre os fundadores destaca-se o quarteto composto por Antonio Selistre de
Campos, Juiz de Direito de 1913 a 1943 e Juiz Substituto de 1944 a 1947; Ernesto
Francisco Bertaso, proprietário da Colonizadora Bertaso que colonizou parte do Oeste
Catarinense; Cid Loures Ribas, advogado e Deputado Estadual pelo Partido Social
Democrata na década de 40 e Vicente Cunha advogado e Prefeito de Chapecó, eleito em
1947
69
. Tal apresentação se pauta na importância de
se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha
editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar
para a escolha do título e para os textos programáticos, que dão
conta de intenções e expectativas, além de fornecer pistas a
respeito de passado e de futuro compartilhada por seus
propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas
ligações cotidianas com diferentes poderes...
70
.
Nas ligações cotidianas Antonio Selistre de Campos utilizou-se de diferentes
esferas administrativas e políticas na articulação da temática indígena, somando aliados
à causa Kaingáng, a exemplo do Vereador João Batista Zecca, Deputado Cid Loures
Ribas e do Prefeito Vicente Cunha.
No decorrer desta pesquisa não se localizou nenhum documento sobre a opinião
do proprietário da Colonizadora Bertaso, e também sócio fundador do jornal A Voz de
Chapecó, Ernesto Francisco Bertasso, a respeito do conteúdo dos artigos de Antonio
Selistre de Campos. Qual seria a opinião dele sobre o assunto, uma vez que tinha
interesse na colonização das terras e venda dos pinheirais?
Walter Fernando Piazza expressa sua análise sobre as duas personalidades,
dizendo que,
não seria possível um trabalho de desbravamento e colonização,
como o efetuado por Ernesto F. Bertasso, numa área bem
afastada dos meios políticos e administrativos, onde ainda,
existia o indígena, e outros posseiros, se não houvesse a ação
pertinaz de esclarecimento e de conciliação desse espírito
superior que foi o Dr. Antonio Selistre de Campos, “trazendo a
todos tranqüilidade e segurança”
71
.
Luca discorre ainda sobre o conteúdo, o discurso e a motivação que levaram à
decisão de dar publicidade a alguma coisa,... atentar para o destaque conferido ao
69
ARRUDA, Mara Paulina Wolff. Apresentação. Antonio Selistre de Campos. O guardador da
cidade. In: A Voz de Chapecó: artigos de Antonio Selistre de Campos 1939 a 1952. Centro de
Memória do Oeste de Santa Catarina (Org.). Chapecó: Argos, 2004, p. 22.
70
LUCA, op. cit., p. 140.
71
PIAZZA, op. cit. p. 260.
41
acontecimento e em que local dentro do jornal tal notícia foi veiculada. Destacando que
os discursos adquirem significados de muitas formas, ... A ênfase em certos temas, a
linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal ou
revista pretende atingir
72
.
No jornal A Voz de Chapecó, dentre as diversas matérias publicadas pôde-se
perceber a recorrência de alguns assuntos, não somente sobre a temática Kaingáng, mas
também diversos artigos elogiando o governo e a figura de Vargas, os quais estavam
freqüentemente à primeira página do jornal:
Dr. Getúlio
Completou ontem mais um aniversario natalício o Exmo. Sr. Dr.
Getulio Dornelles Vargas, digníssimo Presidente da Republica.
Por esse motivo em todo o território nacional realiza-se
festividades cívicas, na comemoração ao dia desse
acontecimento, considerado como data verdadeiramente
nacional.
... No regime republicano deixam de ser comemorada a data
natalícia dos Chefes de Estado, que foram os Presidentes da
Republica.
Agora, reatamos o fio da nossa tradição pátria. A personalidade,
do atual Presidente da Republica, representa a soberania
Nacional, é justo, portanto, que nesse dia estabeleçamos a
comunhão dos nossos pensamentos em sincera manifestação de
patriotismo, fazendo votos como fazemos, pela felicidade do
eminente Brasileiro, que onze anos vem dirigindo os destinos
da nossa grande Pátria
73
.
Tais publicações podem ser interpretadas com base na conjuntura política do
Estado Novo, momento em que foi criado o Departamento de Imprensa e
Propaganda/DIP, com a tarefa de controlar a imprensa, determinando o que podia ou não
ser publicado. Os jornais não podiam, é óbvio, criticar os atos do governo... . Só lhes
era permitido publicar notícias favoráveis ao Estado Novo quase sempre em editoriais e
notas fornecidas pelo próprio DIP
74
. Porém, no manuseio das fontes, observa-se que no
jornal também eram demonstradas críticas ao governo federal pelo plano
desenvolvimentista não chegar ao Oeste Catarinense
75
, como se pode observar na
seqüência:
72
LUCA, op. cit., p. 140.
73
Jornal A Voz de Chapecó. Dr. Getúlio. 20 de abril de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
74
BASBAUM, op. cit., p. 113.
75
Um dos planos desenvolvimentistas foi a “Marcha para o Oeste”, projeto criado em 1938, no/e
dirigido pelo governo de Getúlio Dornelles Vargas com o objetivo de povoar e levar o desenvolvimento
42
Rumo ao Oeste
O governo federal, algum tempo, lançou o grito de marcha
aos brasileiros em rumo ao oeste do paiz. Iniciativa louvável e
que a todos entusiasmou. Os jornaes do paiz, as estações de
radio, as revistas, o próprio governo em cartazes de propaganda,
em uma campanha de conjunto, lançaram as bases dessa marcha,
procurando fazer com que as populações conhecessem as
riquesas do nosso oeste e as fossem explorar e povoar o seu solo
ainda virgem.
Esperava-se que modernas bandeiras, a exemplo das antigas,
embrenhar-se-iam pelos sertões e, pela sua passagem, fossem
deixando núcleos, bases das cidades futuras. Pura ilusão. Tudo
ficou na mesma. Os artigos dos jornaes e discursos pelo radio
serviram para consumir um pouco de fosfato dos intelectuaes...
Atenta-se para as críticas que complementam o editorial o que, provavelmente, faz parte
dos motivos que levaram o jornal às intervenções da censura:
Chapecó, por exemplo, está a oeste de Santa Catarina. O que foi
feito está para todos verem: - nada. Neste Estado, talvez por
um engano de orientação, a marcha está se fazendo em sentido
contrário, tudo se faz para o leste. Nós, porém, marchamos
sozinhos e havemos de seguir avante, sempre na espectativa que
o Estado auxilie este pobre Município em estradas, escolas,
correios, onde falta apoio aos lavradores, aos industrialistas,
enfim, onde é necessário a mão do governo impulsionador.
Não desanimamos. Dia virá em que Chapecó será lembrado e a
marcha para o oeste tomará a sua verdadeira direção
76
.
Se o progresso à época não chegara, a censura procurava cumprir sua função e A
Voz de Chapecó não ficou às margens deste objetivo. Na primeira edição do jornal um
de seus fundadores, pelo contexto político da época, já anunciava dificuldades futuras:
A VOZ DE CHAPECÓ
Dificuldades múltiplas é o caminho que inquestionavelmente
tem de trilhar este pequeno semanário, surgido no longínquo
território Chapecoense, impelido por esforços unidos desta terra.
A sua epígrafe diz claramente da vontade aninhada nos cérebros
daqueles que o fundaram; outra cousa não os domina do que
pugnar pelos interesses primaciaes de um território rico, bom,
hospitaleiro e grandioso.
A finalidade traçada, o caminho a vencer, os óbices que hão de
surgir, são daqueles cuja coragem deve sobrepujar ao medo, até
para o interior do Brasil. In: GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o
Estado-Nação na Era Vargas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, n 39, 2000, p. 15 e 16.
76
Jornal A Voz de Chapecó. Rumo ao Oeste. 11 de fevereiro de 1940. Acervo Biblioteca Pública
do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
43
que se enraigue para que não tombe e desapareça em curta
existência
77
.
Nesse período os governantes foram severos ao extremo com relação à censura,
impedindo que os jornais manifestassem abertamente suas opiniões através de seus
editoriais
78
. E na mesma edição, da matéria Rumo ao Oeste, logo abaixo deste editorial
acompanha a seguinte notícia:
Censura Policial
O nome acima indica uma providencia especial do Poder
Publico, em certas ocasiões, para assegurar a marcha regular dos
serviços de ordem geral, sem maiores perturbações.
As Constituições Federaes, não só as anteriores, como a atual, de
10 de Novembro de 1937, asseguraram a liberdade de
manifestação de pensamento.
A censura policial não é medida de opressão, nem de vexame,
nem de capricho...
Um jornal, seja de grande ou pequeno formato, pode ter um
programa anarquisador e petroleiro, pregando insubordinações e
indisciplinas, ou pode ser um elemento de ordem, colaborador
do progresso, fiel espelho da sociedade, servindo ou procurando
servir os interesses da coletividade e conveniências geraes.
A Nossa preocupação sempre foi servir ao município, e assim ao
Estado e à nossa querida Pátria.
A Voz de Chapecó é um jornal, embora modesto, de ordem e de
progresso.
Mas, afinal compreendemos que, emquanto estiver ausente o
diretor Vicente Cunha não convem prosseguir na sua publicação.
Assim, suspendemos com este numero a distrição do nosso
periódico.
Talvez na prosima semana Vicente Cunha esteja de volta, e
assim a ele competirá, por amor da imprensa e ao torrão
chapecoano, prosseguir nessa marcha escabrosa, em terreno
pedregoso e içado de espinhos
79
.
O que de fato ocorreu foi, uma suspensão temporária, que perdurou por dois
meses no primeiro ano de sua circulação, relacionada a exigências de legalização perante
a polícia. Nesse período, A Voz de Chapecó foi o jornal de menor circulação e tiragem
no sul do Brasil
80
. O que não os fez desanimar, pois
77
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
78
CAPELATO; PRADO, op.cit., p. XX.
79
Jornal A Voz de Chapecó. Censura Policial. 11 de fevereiro de 1940. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
80
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 05 de maio de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
44
Três motivos levaram os seus fundadores a fazer circular A
VOZ DE CHAPECÓ: -JUSTIÇA-PROGRESSO-VALOR-
motivos esses que se completam para que se atinja o alvo
desejado, o bem estar de uma terra e de uma gente!
As intenções são altruísticas, despidas de interesses pessoaes,
restando, por isso, agora, que o povo Chapecoense saiba
aquilatar das dificuldades que rodeiam o seu jornalsinho,
animando-o com a sua aceitação, com o seu auxilio, para que
assim se realize, se consolidando em bem coletivo.
Chapecó, Maio/39 V.C.
81
.
As fontes revelam que o jornal foi suspenso por mais de uma vez, em que a
censura atuava impedindo sua circulação, e logo depois, permitindo, voltando a ser
editado. O jornal intitulava-se Semanário Independente, mas não tão independente
assim, pois a censura da época e a ação dos censores não o permitiam. Nestes primeiros
tempos do jornal, a censura policial baseava-se em documentos irregulares que
impediam a circulação oficial do periódico
82
.
Seis meses após a fundação, o jornal publicava na edição nº. 21, datada de 28 de
novembro de 1939, na seção editorial, o telegrama enviado por Aldo Fernandes, Capitão
Delegado Especial de Chapecó, sob o título: Censura Policial. Nele, o Delegado tratava
sobre a liberação das edições do jornal após uma repreensão, com advertências de novas
censuras, encaminhado ao diretor do A Voz de Chapecó, em sua primeira fase de
direção, o senhor Vicente Cunha (V.C.):
Censura Policial
Ao Sr. Vicente Cunha.
D. D. Redator do Jornal “A Voz de Chapecó
Nesta.
Assunto: (comunicação-Faz)
Para os vossos bons ofícios comunico à v.s. que o Exmo Sr. Dr.
Secretario de Segurança Publica, em seu telegrama n. 1033, de
ontem datado, determinou me fazer cessar suspensão jornal “A
VOZ DE CHAPECÓ” devendo ser censurada qualquer notícia
incluída instruções, bem como de acordo com entendimento
mantido com o Sr. Ten. Prefeito Municipal, designou o Sr.
Secretario da mesma reparticção para, na minha ausência, fazer
censura vosso jornal. Reitero-vos os meus protestos de alto
apreço e distinta consideração.
Aldo Fernandes
Cap. Delegado Especial de Chapecó
83
.
81
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
82
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 05 de maio de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
83
Jornal A Voz de Chapecó. Censura Policial. 28 de novembro de 1939. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
45
Na matéria do editorial em resposta ao telegrama acima, consta que a ação da
censura decretada pelas altas autoridades do estado, não tinha razão de ser, pois o jornal
defendia os princípios da Constituição de dez de novembro de 1937, porque estavam
convencidos de que nesse código de direito publico se acha consagrada a garantia da
eficiência da ação governamental da União
84
, outorgada pelo então presidente Getúlio
Vargas.
No período de 1939 a 1942
85
o jornal passou por várias intervenções, tendo suas
edições suspensas do ano de 1942 até 1946 quando voltou a circular novamente a partir
de junho deste último ano
86
. Sendo assim, atuou por dois anos, considerando os períodos
de suspensão, retomando suas atividades novamente em 29 de junho de 1946. Nessa
nova fase do jornal, o Dr. Cid Loures Ribas passou a ser o diretor responsável
87
. Esse
período coincide com a deposição de Getúlio Vargas em final de 1945 e do fim da
opressão intelectual do DIP
88
que foram ocorrendo de maneira gradual durante os
primeiros anos da década de 40.
Assim como outras fontes, a utilização do jornal como meio de pesquisa, não
atende a todos os anseios do pesquisador em responder a alguns questionamentos, sendo
necessário recorrer a outras fontes de informação para dar conta do processo que
envolveu a organização, o lançamento e a manutenção do periódico
89
.
A metodologia da história oral é aplicada para entender esse processo relativo à
trajetória do jornal A Voz de Chapecó, pois possibilita conhecer o passado que, até então,
não foi registrado, ou os registros se extraviaram, como é o caso de alguns exemplares
do jornal A Voz de Chapecó. Busca-se, no método da história oral, o processo circular
que ela produz. Algumas vezes partindo do estado oral da palavra para se tornar um
documento escrito, outras vezes derivando do escrito e sendo questionada...
90
.
Procurando atender e complementar a insuficiência da fonte escrita para atender
a alguns questionamentos, o Sr. Raul José de Campos, filho mais novo de Antonio
84
Id.
85
Para este período crítico do jornal sugere-se a leitura da Monografia de Francimar Ilha da Silva
Petroli que analisou o momento político com as intervenções sofridas pelo periódico A Voz de Chapecó
em sua primeira fase. PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Construindo a ordem e o progresso através
do jornal A Voz de Chapecó (1939-1941). Monografia (Curso de História). 2005. 93 fl. Universidade
Comunitária Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ. Chapecó/SC.
86
O último exemplar no acervo do CEOM referente ao jornal A Voz de Chapecó data de oito de
dezembro de 1957, não sendo possível identificar quando deixou de ser editado definitivamente.
87
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 29 de junho de 1947. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
88
BASBAUM, op. cit., p. 169.
89
PLET-DESPATIN, Jacqueline, apud., LUCA, op. cit., p. 141.
90
MEIHY, op. cit., p 30.
46
Selistre de Campos, em entrevista de história oral, relatou que o jornal possivelmente
deixou de circular, pois com a morte (do pai) e a mudança dos integrantes do jornal A
Voz de Chapecó, que beneficiavam o município de Chapecó com as publicações, de
certo o jornal esteve fechado por algum tempo, e possivelmente parou por dificuldades
de publicação, de manutenção das pessoas que prestavam serviço ao jornal
91
.
1.3. Antonio Selistre de Campos
Os artigos sobre a temática Kaingáng, escritos por Antonio Selistre de Campos,
foram eleitos como objeto de estudo por apresentarem frações que compõe um todo, a
fim de procurar registrar parte da história dessa etnia. Tais artigos, ao serem analisados
com as entrevistas, revelam uma história deles e não sobre eles, uma vez que o autor dos
artigos escrevia o cotidiano dos Kaingáng. Nesse cotejo entre memória e documento,
procura-se trazer a história dessa etnia ao tempo presente, através dos relatos orais sobre
o passado e as revivescências das repercussões desses fatos.
Eric Hobsbawn afirma que
o tempo presente é o período durante o qual se produzem
eventos que pressionam o historiador a revisar a significação que
ele ao passado, a rever as perspectivas, a redefinir as
periodizações, isto é, a olhar, em função do resultado de hoje,
para um passado que somente sob essa luz adquire
significação
92
.
Dentre as repercussões que recaíram sobre as publicações com a temática
indígena, destaca-se o artigo sobre a atuação do SPI que ressoou em jornais do Rio
Grande do Sul e Rio de Janeiro além do Estado Catarinense. Um exemplo refere-se a
atos de violência contra os indígenas, cometidos por um agente do SPI e o outro é a
temática Kaingáng discutida entre os deputados na Assembléia Legislativa em
Florianópolis, nos anos de 1948 e 1949, a partir de uma denúncia sobre as terras
ocupadas pelos Kaingáng. Ambos os assuntos serão temas abordados respectivamente
nos capítulos 2 e 3.
91
CAMPOS, Raul José de. Entrevista concedida a Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. Porto
Alegre, 19 de julho de 2007.
92
FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Petrópolis: Cultura
Vozes, maio/jun., 2000, v. 94, . 3, p. 120. Disponível em: www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/ Acesso em
25 de junho de 2006.
47
A partir de 1931, o Juiz de Direito Antonio Selistre de Campos assume a
Comarca de Chapecó pela segunda vez
93
, estando determinado a fixar residência neste
município, no qual permaneceu por 26 anos. Destes, 18 foram dedicados à defesa dos
Kaingáng da região. Aposentado em 1943 pelo Estado como Juiz de Direito, foi
nomeado, em 1944
94
, Juiz Substituto Federal, sendo colocado em disponibilidade em
1947
95
, vindo a falecer em 05 de dezembro de 1957 de broncopneumonia. Os Kaingáng,
como última homenagem àquele que lhes foi defensor, transportaram o seu caixão
acompanhando a pé o cortejo fúnebre até o cemitério ecumênico
96
de Chapecó.
Antonio Selistre de Campos acumulou algumas funções ao longo de sua vida.
Entre elas, foi redator e repórter do Jornal do Comércio em Porto Alegre. A experiência
com jornais prosseguiu quando foi exercer a profissão de advogado em Campos Novos,
onde foi diretor proprietário do jornal O Município, fundado em 1922, com tiragem
trimestral e, posteriormente, foi um dos fundadores do jornal A Voz de Chapecó.
Em Lages, foi inspetor escolar e diretor
97
do grupo Escolar Vidal Ramos, e Juiz
de Direito
98
em diversas comarcas do estado de Santa Catarina. Na cidade de Chapecó
foi Juiz de Direito e Juiz Federal.
Provavelmente no período em que foi inspetor em Lages
99
, conheceu o Dr. César
Sartori, médico, que mais tarde é mencionado nos artigos sobre o atendimento que fazia
à saúde dos Kaingáng. Este assunto será tema do capítulo 3.
Antonio Selistre de Campos foi precursor ao fundar a primeira escola para os
indígenas em 1937
100
, cujas aulas eram ministradas por um professor Kaingáng, o
Senhor Felicíssimo Belino.
93
Em março de 1922 foi declarado avulso, retornando à atividade pela Resolução de 22 de maio
de 1928, sendo então designado para ter exercício na comarca de Chapecó. Documento manuscrito, Data
de Nomeação. Documento sem data. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
94
Id.
95
Documento que coloca o cargo de Juiz Substituto em disponibilidade. Datado de 20 de
julho de 1947 autenticado em Cartório do Rio de Janeiro. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
96
ARRUDA, Mara Paulina Wolff. Antonio Selistre de Campos. “O Guardador da Cidade”.
Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação em História: Cidade, Cultura e Poder na Universidade
Comunitária Regional de Chapecó, UNOCHAPECÓ, como requisito para obtenção do diploma de
especialista em História, 2002, p. 63.
97
Jornal A Notícia. A instrução em Lages (Impressões de um forasteiro). 1º de Janeiro de 1914.
Lages. Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
98
Em 1914 deixa o cargo de Inspetor e Diretor Escolar em Lages para assumir o cargo de Juiz de
direito na comarca de Campos Novos em 1914. In: Jornal A Notícia. Juiz de Direito. 10 de janeiro de
1914. Lages. Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
99
De 1912 a 1913 foi nomeado pelo governo de Santa Catarina inspetor e diretor escolar em
Lages, no Grupo Escolar Vidal Ramos. Cronologia. Documento sem data. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
100
Antonio Selistre de Campos enviou uma foto da escola para seu filho Raul José de Campos,
com a inscrição em seu verso de ser o fundador e mantenedor da escola. Esta foto é parte integrante do
capítulo 3. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
48
O ano de 1939 marca a fundação do jornal A Voz de Chapecó. Utilizando-se do
periódico, Antonio Selistre de Campos trazia à comunidade local a situação dos
indígenas da região estampados nos artigos que redigia. Era também revisor de provas e
autor dos principais artigos de fundo
101
.
Utilizava, na assinatura de seus artigos, alguns pseudônimos característicos: S.;
SC.; C.; S. de Campos, A.S. de Campos passando a assinar Selistre de Campos e Antonio
Selistre de Campos após sua aposentadoria. Seu filho mais novo, senhor Raul José de
Campos, diz que assim o pai fazia, devido ao cargo público que exercia
102
.
Pode-se apreender, nesses artigos jornalísticos, a intenção de esclarecer os
leitores, procurando diminuir o estranhamento entre culturas diferentes por meio do
conhecimento. Os estranhamentos intensificaram-se a partir dos contatos iniciais dos
Kaingáng com os colonizadores da região e da ocupação de terras, a partir do século
XIX, ocasionando conflitos entre indígenas e não-indígenas
103
. O resultado desses
conflitos foi muita violência: preconceito; discriminação; litígios; mortes de ambos os
lados, causados por atitudes que visavam a defesa perante aquilo que não se conhecia,
uma vez que os contatos entre os indígenas e os não-indígenas, estranhos mutuamente,
davam-se, indireta e esporadicamente, através das incursões exploratórias de
portugueses. Sendo assim, os artigos do jurista auxiliaram a esclarecer aos não-indígenas
sobre a situação dos Kaingáng, além do que, as intervenções de Antonio Selistre de
Campos aproximaram os Kaingáng a terem mais conhecimento sobre os direitos
indígenas.
Antonio Selistre de Campos permanece na memória dos indígenas mais velhos
da comunidade Kaingáng. No registro da história oral desta comunidade, o Senhor
Floriano Belino (1928-) residente da TI Xapecó desde 1941/42, vindo da área do Imbu,
hoje distrito de Abelardo Luz, foi cacique da TI Xapecó, no período de 1966/1973.
Conhecia o jurista desde criança, dizendo que ele costumava dormir na casa de seu pai
quando visitava a área do Imbu. Questionado sobre o assunto, disse: Eu sei que esse Dr.
Selistre de Campos foi o pai dessa indiada aqui da área
104
.
101
Jornal A Voz de Chapecó. Dr. Antonio S. Campos. 03 de julho de 1949. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
102
CAMPOS, Raul José de. Entrevista concedida a Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi.
Porto Alegre/RS, 06 de fevereiro de 2006.
103
NÖTZOLD, op. cit., p. 90 – 93.
104
BELINO, Floriano. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. TI
Xapecó/SC, 23 de abril de 2007.
49
Assim como o senhor Floriano Belino, poucos são os indígenas contemporâneos
à época, a exemplo do senhor Cezario Pacífico Jagaglê
105
(1948-) que, ao colaborar com
esta pesquisa, em seu depoimento sobre o nome da região onde mora na TI Xapecó, diz:
aqui, sempre foi Posto Indígena Chapecó, né, Posto Indígena Selistre de Campos
106
.
Alguns outros lembram das ações defensoras de Antonio Selistre de Campos, a
grande maioria deles, por ouvir contar. Entre os que passaram a conhecer a própria
história pela tradição oral, está o professor de língua Kaingáng da Escola Indígena de
Educação Básica Cacique Vanhkrê, Dalgir Pacífico Ránkán (1977-), nascido e criado na
TI Xapecó e filho do senhor Cezario Pacífico Jagaglê.
O professor Dalgir Pacífico Ránkán acompanhou esta pesquisadora na
realização das entrevistas com alguns colaboradores que contribuíram com seus relatos
sobre a história do povo Kaingáng. Na ocasião, esse professor mencionou que, ao
acompanhar e participar das entrevistas realizadas com o seu pai, o senhor Cezario
Pacífico Jagaglê e com o senhor Floriano Belino, pôde saber um pouco mais da história
de seu povo, e, o que ele sabe sobre Antonio Selistre de Campos, é proveniente da
tradição oral, do ouvir contar.
Neste sentido, enfatiza-se a importância da história oral e sua função social na
participação do indígena, enquanto agente mantenedor de sua própria história:
Eu o tinha muito conhecimento a respeito do Dr. Selistre de
Campos, mas eu também quero dizer que, através da pesquisa
junto com vocês, eu consegui ter esse conhecimento, né, porque
eu não tinha esse conhecimento. Eu tive esse conhecimento do
Dr. Selistre de Campos que o meu pai contou, o Seu Floriano
também, então a gente carrega com a gente esse conhecimento
né.
Eu comecei a ouvir desde a primeira entrevista do Seu Floriano,
né. Até ali eu não tinha conhecimento do Selistre de Campos.
Depois que vocês voltaro pra eu mesmo conversei com o Seu
Floriano, daí ele me contou a respeito do Dr. Selistre de
Campos, eu perguntei pro meu pai também, né, daí ele disse que
sabia também. Daí ele contou um pouco também
107
.
105
O senhor Cezario Pacífico JAGAGLÊ, auxilia no registro de nascimento dos nomes Kaingáng
junto ao Posto Indígena da FUNAI na TI Xapecó. É pai do professor de língua Kaingáng Dalgir Pacífico
Ránkán. Entrevista concedida à Talita Daniel Salvaro. TI Xapecó/SC, 24 de abril de 2007.
106
JAGAGLÊ, Cezario Pacífico. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi.
TI Xapecó/SC, 23 de abril de 2007.
107
RÁNKÁN Dalgir Pacífico. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. TI
Xapecó/SC, 23 de abril de 2007.
50
o Professor Getúlio Narsizo (1979-), professor Kaingáng na EIEB Cacique
Vanhkrê, nascido e criado na TI Xapecó, primeiro indígena concursado como Secretário
de Escola, pouco ouviu contar sobre Antonio Selistre de Campos:
Essa questão do Selistre para a minha geração, que eu sou do
final da década de setenta né, então pra minha geração ela já fica
bem, é uma história que ficou mais esquecida, né. Mais
distante então tipo o que foi feito, o que ele deixou de fazer é,
são fontes que você vai te que busca com os velho, né. A nossa
geração mais nova, ela teve bem pouco contato né com esse
trabalho que ele fez
108
.
Através destas entrevistas percebeu-se a possibilidade de acessar e tentar
recompor os fatos de uma lembrança, desde que os envolvidos façam parte do mesmo
grupo, como observou Halbwachs:
Não é suficiente reconstruir peça por peça a imagem de um
acontecimento do passado para se obter uma lembrança. É
necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de
noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como
no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para
aquele e reciprocamente, o que é possível se fizeram e
continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente
assim podemos compreender que uma lembrança possa ser ao
mesmo tempo reconhecida e reconstruída
109
.
Nas entrevistas com os indígenas de diferentes faixas etárias, desde os mais
velhos aos mais jovens da comunidade Kaingáng, a exemplo do senhor Floriano Belino,
senhor Cezario Pacífico Jagaglê e dos professores Dalgir Pacífico Ránkán e Getúlio
Narcizo, de 79, 59, 30 e 28 anos respectivamente
110
, procurou-se registrar suas
lembranças, perceber seus esquecimentos, suas reelaborações e interesses diferenciados
entre a história passada e atual do grupo.
Tal procedimento levou a constatar certa lacuna em suas memórias, repercutindo
na história da comunidade entre as diferentes gerações, devido a uma interrupção da
tradição oral, causada pelo falecimento dos mais velhos e por certo desinteresse dos mais
jovens pela história do passado do grupo, em decorrência de interesses voltados para a
108
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. TI
Xapecó/SC, 23 de abril de 2007.
109
HALBWACHS, op. cit., p. 38, 39.
110
Tendo como base o ano de 2007.
51
história recente que a geração jovem constrói. Nesse contexto, a história oral ganha
sentido ao filtrar as experiências do passado graças à existência de narradores...
111
.
As entrevistas permitiram ainda a comparação do tempo presente com o tempo
passado por meio de documentos da época, aqui, especificamente, os artigos
jornalísticos de Antonio Selistre de Campos, a fim de observar, nas lembranças dos
indígenas, as permanências, esquecimentos e reelaborações de suas memórias, tais que o
conjunto de histórias colhidas, além de propor discussão sobre as motivações
individuais, serve para que, se equiparadas, elas forneçam elementos capazes de
iluminar o conjunto das individualidades que se sustentam sob alguns traços comuns
112
.
Na interdisciplinaridade entre a história do tempo presente e sua relação com a
história oral, Ferreira expõe que,
a história do tempo presente pode permitir com mais facilidade a
necessária articulação entre a descrição das determinações e das
interdependências desconhecidas que tecem os laços sociais.
Assim, a história do tempo presente constitui um lugar
privilegiado para uma reflexão sobre as modalidades e os
mecanismos de incorporação do social pelos indivíduos de uma
mesma formação social. Do exposto, fica óbvia a contribuição
da história oral para atingir esses objetivos
113
.
Na análise dos documentos e entrevistas, percebe-se que a história oral aproxima
o passado do presente marcando o cruzamento de experiências sociais, e se tornam
ponto de referência para a análise do andamento coletivo apresentando-se como um
processo circular, ora partindo do estado oral da palavra para se tornar um documento
escrito, outras vezes derivando do escrito e sendo questionada.
114
A indissociabilidade da metodologia da história oral e da memória contempla a
função social no registro da história dos Kaingáng, pois segundo Tedesco o objetivo do
grupo é manter sua identidade através da memória, e ainda mais, a experiência coletiva
se manifesta nos indivíduos explicando sua relação com o mundo. É por isso que se diz
que a história oral individual, além de social, é cultural
115
.
111
MEIHY, op. cit., p. 80.
112
Ibid., p 81.
113
FERREIRA, op. cit., p. 124.
114
MEIHY, op. cit., p. 42-43 e 30.
115
TEDESCO, João Carlos. Memória e Cultura. O coletivo, o individual, a oralidade e
fragmentos de memórias de nonos. 1ª ed. Porto Alegre: Edições EST, 2001, p. 22 e p. 81.
52
A valorização da própria cultura no registro da história oral repercute na auto-
estima do grupo, contribuindo para minimizar a distância e o preconceito entre etnias
diferenciadas pelas suas especificidades.
1.4. Os Kaingáng e a TI Xapecó/SC
Historicamente os Kaingáng ocupavam os Estados de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e partes da Argentina e Uruguai. Nötzold faz uma
retrospectiva a respeito da localização histórica e costumes da etnia, tais como a caça,
pesca, e uso de plantas: curativas para a saúde; alucinógenas e venenosas para a caça e
pesca. Conta também que a habitação variava de acampamentos a céu aberto, abrigos
sob pedras, casas subterrâneas a casas cobertas com folhas de palmeira. O pinhão e o
milho perfaziam a alimentação típica sendo que o povo era caracterizado seminômade
por alternarem sítios conforme a estação do ano, em que eram priorizados o plantio e
replantio de sementes e a coleta de alimentos. As matas de araucária eram importantes
não somente pela coleta do pinhão, mas também por ser uma área de alimentação para
animais de pequeno porte facilitando a caça cotidiana
116
.
Os Kaingáng, junto com outros povos indígenas, diferentes quanto a suas
tradições culturais, ocupam e demarcam várias Terras Indígenas no território
brasileiro
117
.
A Constituição Federal/CF de 1988, em seu parágrafo primeiro, artigo 231, traz a
definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas traduzindo-se naquelas
por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições
118
. O corpo do artigo 20 da CF estabelece que tais TIs são bens da
116
NÖTZOLD, Nosso vizinho... op. cit. p. 44 63. A respeito da pré-história dos Kaingáng
consultar obra citada na totalidade de seu capítulo II.
117
As comunidades indígenas ocupam 24 Estados brasileiros, sendo aproximadamente 222 povos
em 582 áreas denominadas Terras Indígenas TIs. In:
http://www.socioambiental.org/pib/portugues/quonqua/qoqindex.shtm Fonte: Instituto Sócio Ambiental,
ano base: dezembro/2006. Acesso em 23 de março de 2007.
118
Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional de 5 de outubro de
1988 com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.1, de 1992, a 32, de 2001, e pelas
Emendas Constitucionais de Revisão de n.1 a 6, de 1994.17ª ed. Brasília, Câmara dos Deputados, 2001,
Artigo 231, p. 132 e 133; e Artigo 20, p. 23.
53
União, reconhecendo-se a posse pelos indígenas e a utilização deste bem, inclusive as
riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes
119
. Ainda a Constituição Federal de 1988
consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra
120
.
A TI Xapecó é sede de 16 aldeias: Jacu – Sede do Posto –, Olaria, Serrano, Cerro
Doce, Pinhalzinho, Água Branca, Fazenda São José, Matão, Paiol de Barro, Barro Preto,
Limeira, Guarani, Baixo Samburá, Placa, João Veloso, Pinheirinhos
121
. A TI Xapecó
tem essa denominação por localizar-se no cruzamento dos rios Xapecó e Chapecozinho,
no Oeste Catarinense, situando-se entre os municípios de Ipuaçú e Entre Rios, conforme
destaque no mapa que segue:
FIGURA 4 - Mapa de Santa Catarina e Localização da TI Xapecó
FONTE: Mapa de Domínio Público, adaptado por Marcos Antonio da Silva – Mestre em História
Cultural pelo PPGH/UFSC.
119
Ibid., p. 22 e 23.
120
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (organizador). Quem são, quantos são e onde estão os
povos indígenas e suas escolas no Brasil? Programa Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2002, p. 40.
121
Atualização conforme relato de história oral do Prof. Kaingáng Getúlio Narsizo, à Prof.ª Dr.ª
Ana Lúcia Vulfe Nötzold, quando em pesquisa de campo à T. I. Xapecó/SC em 25/04/2007.
54
Esse território é tradicionalmente habitado pelos Kaingáng em tempo anterior ao
ano de 1902. O decreto n.° 7, de 18 de Junho de 1902, que deu origem a área de terras
compreendidas entre os rios Xapecó e Chapecozinho foi assinado pelo então Presidente
do Estado do Paraná, Francisco Xavier da Silva, pois nesta época a região pertencia ao
Paraná
122
. Tal território foi pedido pelo Cacique Vanhkrê
123
, em pagamento pelo
trabalho que os indígenas prestaram ao Estado do Paraná na abertura da picada para o
telégrafo, iniciada nos princípios da década de 1890. Esta linha telegráfica foi
inaugurada em Xanxerê no ano de 1893
124
.
Na finalização dos trabalhos, o cacique dirigiu-se ao oficial em Boa Vista
(Clevelândia/PR), que o esperava com o pagamento em dinheiro, e disse:
Olha, nós precisamos de terra pra criar nossos filhos, que nós
não vamos andar criando nosso filhos nas copas dos pinheiros.
Nós não somos macacos.
Foi então que o oficial perguntou: E onde vocês querem a terra?
Entremeio do Chapecó com o Chapecozinho. Respondeu o
cacique
125
.
Inicialmente, conforme o decreto, essa área originalmente delimitada próximo a
25 mil hectares, encontra-se atualmente reduzida a 15.623 hectares com
aproximadamente 7.500 indivíduos
126
. O decreto estabelece a delimitação e ocupação
oficial para os Kaingáng, na época denominados Coroados:
Art. Único. Fica reservada para o estabelecimento da tribu de
indigenas coroados ao mando do cacique Vaicrê, salvo direito de
terceiros, uma área de terras compreendida nos limites seguintes:
A partir do rio Chapecó, pela estrada que segue para o sul, até o
passo do rio Chapecósinho, e por estes dous rios até onde elles
fazem barra.
122
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. A Trajetória da implantação do ensino diferenciado: o caso
Kaingáng do Xapecozinho. VII Encontro Estadual de História - ANPUH. História: experiências e
desafios. Florianópolis, 28 a 31 de agosto de 2000. Não publicado.
123
Pelo reconhecimento ao empenho do Cacique Vanhkrê e ao tomar conhecimento de sua
própria história, a comunidade Kaingáng promoveu a troca do nome do Colégio Estadual Vitorino Kondá,
para Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê, a partir de fevereiro de 2000. NÖTZOLD,
Nosso vizinho... op. cit., p. 16.
124
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Para uma História dos Índios do Oeste Catarinense.
Cadernos do Centro de Organização da Memória cio-Cultural do Oeste de Santa Catarina -
CEOM. Ano 4, N.º 6, Novembro/1989, Chapecó/SC, p.51, 52.
125
Id.
126
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Olhar, escutar e trançar: o artesanato Kaingáng de cada dia. IV
Encontro Regional Sul de História Oral. Cultura, identidade e memórias. UFSC, Florianópolis, 12 a
14 de novembro de 2007. Disponível em:
http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/anais.htm Acesso em 20 de
novembro de 2007.
55
Palácio do Governo do estado do Paraná, em 18 de Junho de
1902, 14º da República.
Francisco Xavier da Silva
Governador do Estado do Paraná
Arthur Pedreira de Cerqueira
Secretário d'Estado dos Negócios de Obras/Públicas e
Colonização em 31 de Dezembro de 1902. Curitiba
127
Nota-se que no Decreto as terras foram concedidas aos Kaingáng salvo direito de
terceiros. Segundo as fontes manuseadas, Antonio Selistre de Campos registrou que foi
com esta fundamentação que Alberto Berthier de Almeida reivindicava as áreas
ocupadas pelos indígenas. Assunto que será abordado no capitulo 3.
1.5. Denominação Kaingáng
Os Kaingáng fazem parte do grupo lingüístico Jê. Essa classificação foi sendo
construída a partir do culo XX por Von Martius que destacou, do bloco das línguas
Tapuya, a família Jê
128
.
Um dos primeiros registros sobre a denominação Kaingáng está datado de 1882 e
foi registrado por Telêmaco Borba em um artigo intitulado Breve notícia sobre os índios
Caingangs, conhecidos vulgarmente por Coroados e que habitam no território da
Província do Paraná. Posteriormente, em 1904, Borba publica na Revista do Museu
Paulista, o artigo Observações sobre os indígenas do Estado do Paraná, usando a
grafia com K e não mais com C:
O primeiro que deu-lhes o verdadeiro e genérico nome de
Kaingangues penso que fui eu.
Os que aldearam no Jatahy chaman-se “Kaingangues-pê”, isto é,
Kaingangues legítimos, verdadeiros; mas, entre elles
distinguem-se em Camés, Cayurucrés e Kaingangues. Os que
habitam nas immediações de Guarapuava e Palmas chamam-se
Camés. Os da zona comprehendida entre os rios Piquiri e
Iguassu Xocrés, e os da margem direita do Paranapanema
127
Área dos Índios Coroados Kaingáng Governo do Estado do Paraná. Decreto N.º 7.
Palácio do Governo do Estado do Paraná, em 18 de Junho de 1902, 14º da República. Acervo
LABHIN/Laboratório de História Indígena/CFH/UFSC. Documento foto copiado doação Prof.ª Dr.ª Ana
Lúcia Vulfe Nötzold.
128
NASCIMENTO, Ernilda Souza do. vida na história dos outros. Chapecó: Argos, 2001,
p. 42 e 43.
56
“Nhakfáteitei”. Entretanto, falam todos a mesma língua, usam as
mesmas armas e utensilios e têm os mesmos costumes
129
.
No século XVII eram conhecidos por Gualachos, Chiquis. No final do Século
XIX por Guaianás e Coroados
130
, esta era uma denominação atribuída por agentes do
Estado, por religiosos e pela população do entorno, pois cortavam os cabelos ao modo
dos coroinhas franciscanos.
O significado do etnônimo Kaingáng, atribuição nominal da própria etnia, no
idioma português, é Índio, conforme anotações do frei Luiz de Cimitile
131
, citado por
Mota, ... a si mesmos chamassem Caingang, que em língua portuguesa quer dizer
Índio... .
O historiador Lúcio Tadeu Mota
132
desenvolveu estudo e questionou se
Telêmaco Borba foi de fato o primeiro a registrar o etnônimo Kaingáng. Conforme sua
pesquisa encontramos essa mesma autodenominação em memórias, relatos, relatórios,
etc., de outras pessoas que circularam pela região naquela época, bem como em
períodos anteriores a qualquer uma das publicações de Telêmaco
133
. Mota destaca que
Telêmaco Borba, frei Luiz de Cimitile e Visconde de Taunay, contemporâneos,
acreditavam terem sido os primeiros a descobrirem e registrarem o nome do povo
Kaingáng, que desde 1865 não gostavam de serem chamados de Coroados
134
. Essa
denominação aportuguesada atribuída pelos não-indígenas, Mota considerou ter sido
uma maneira de buscar dissolver a etnia Kaingáng na população nacional, negando a
sua autodeterminação e sua identidade
135
.
Numa das matérias do jornal A Voz de Chapecó foi abordada a denominação
Kaingáng. Em edição de 31 de março de 1940, publicou-se a seguinte informação:
129
BORBA, Telêmaco. Observações sobre os indígenas do Estado do Paraná. Revista do Museu
Paulista, v. 6, São Paulo, 1904, p.54 apud. In: TOMASINO, Kimiye, MOTA, Lúcio Tadeu e NOELLI,
Francisco Silva (Orgs.). Novas contribuições aos estudos interdisciplinares dos Kaingáng. Londrina:
Eduel, 2004, p. 4 e 5.
130
Ibid., p. 3.
131
Ibid., p.6.
132
Lúcio Tadeu Mota é Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista UNESP com
pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Atualmente é Professor Doutor junto
ao Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá UEM. Estudioso na área da etno-
história tem vários livros publicados, entre eles, As colônias indígenas no Paraná provincial, 2000; As
guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná, 1994.
133
Ibid., p. 6.
134
Ibid., p. 8 a 11.
135
Ibid., p. 14.
57
INDIOS COROADOS
Em nosso município alguns toldos de índios, chamados
Coroados.
Estão localizados entre o rio Chapecó e seu grande afluente
Chapecosinho, distando da estrada geral de dez a quinze
quilômetros.
Nos livros e jornaes são chamados Kainjgang, constando haver
um dicionário com essa denominação, da autoria de Frei
Mansueto Barcata.
O sr. Romário Martins, em sua História do Paraná, diz que deve
escrever-se Caingang, porque a palavra vem de caing, que
significa mato, e ang, gente.
Entre os índios chapecoanos caingang quer diser simplesmente –
índio.
(...) Publicamos estas notas, que nos foram fornecidas por pessoa
que conviveu com os ditos índios, por acharmos que envolvem
certa importância às pessoas que se ocupam com estes
assuntos
136
.
A nota foi publicada sem assinatura, mas demonstra em seu conteúdo a
importância do conhecimento sobre a diversidade cultural presente na cidade e região.
O exposto neste primeiro capítulo permitiu compreender um pouco da história do
Oeste Catarinense, dos litígios de territórios, da trajetória do jornal A Voz de Chapecó e
dos Kaingáng da região que receberam o apoio de Antonio Selistre de Campos, sendo
que ele foi o pai dessa indiada aqui da área, como relembra a memória do senhor
Floriano Belino
137
.
Os artigos de Antonio Selistre de Campos registraram atitudes de certos
encarregados do Posto Indígena para com os Kaingáng, bem como ações empreendidas
pelo SPI. Ambos os assuntos foram pauta de discussão dos deputados em sessão
ordinária da Assembléia Legislativa de Florianópolis/SC. Estes registros serão
apresentados no capítulo 2.
136
Jornal A Voz de Chapecó. Índios Coroados. 31 de março de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
137
BELINO, Floriano. Entrevista... cit., 23 de abril de 2007.
58
Capítulo 2
Estranhamentos e Coexistências no Oeste Catarinense
Nos artigos analisados e publicados no jornal A Voz de Chapecó, notou-se a
parcialidade, frente aos acontecimentos no posicionamento de alguns dos fundadores
que utilizando-se do jornal, inseriram a temática Kaingáng na vida social de seus
leitores. Tais matérias provocaram questionamentos e reflexões, como se poderá
constatar através das repercussões de alguns artigos que serão apresentados neste
capítulo.
Nas páginas do jornal, os problemas enfrentados pelos Kaingáng vão surgindo e
ganhando visibilidade na comunidade local e do entorno; nas discussões políticas da
Câmara Municipal de Chapecó e da Assembléia Legislativa; nos jornais das cidades de
Passo Fundo e Erechim no Rio Grande do Sul; na Capital Catarinense e na cidade do Rio
de Janeiro, na época, sede do governo. É nesse contexto que a personalidade de Antonio
Selistre de Campos ganha destaque, por sua deferência ao povo Kaingáng e seu esforço
na reafirmação e reconhecimento dos direitos indígenas.
Os temas abordados inserem-se numa redação claramente parcial e não neutra,
frente aos acontecimentos, demonstrada pelo inconformismo do autor quanto a falta ou
demora da atuação dos órgãos competentes diante de fatos por ele presenciados, como
era o caso, na época, do SPI. Tal inconformismo inseriu os Kaingáng na pauta de
assuntos a serem deliberados na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, em
Florianópolis.
O XVI Congresso Internacional de Americanistas ocorrido em Viena no ano de
1908; a implantação do SPI em 1910; as dificuldades e diferentes fases de administração
do SPI; a criação do Posto Indígena Chapecó em 1941 e o relacionamento mantido entre
os Agentes do Posto e os Kaingáng, com as ingerências de Antonio Selistre de Campos a
favor destes indígenas, serão assuntos abordados no decorrer deste capítulo 2.
59
2.1.
O XVI Congresso Internacional de Americanistas em Viena/1908
Os primeiros contatos dos indígenas com os colonizadores ocorreram a partir do
século XIX na região tradicionalmente ocupada pelos Kaingáng. Até então, os
contatos, indiretos, davam-se de maneira infreqüente com alguns bandeirantes ou
viajantes que adentravam a região
138
.
Nessa época, a região do Oeste Catarinense era território pertencente ao Estado
do Paraná: data de 1841 a pretenção de Santa Catharina annexar ao seu território o
situado a oeste da Serra do Mar, que nunca lhe pertenceu
139
. Quando esta questão de
terras foi resolvida entre os dois Estados, alguns empreendimentos, como a abertura da
estrada de ferro SP/RS, a formação das sedes municipais e o início da colonização,
levaram as terras a valorizarem-se rapidamente e logo a reserva indígena começa a ser
cobiçada
140
por colonizadores e exploradores de terras e reservas de araucárias. O lucro
com a atividade extrativista da terra apresentava um ganho dobrado, pois, com a venda
da madeira ainda restava a terra a ser loteada e vendida aos colonos
141
.
Com o contato mais freqüente e intenso entre indígenas e não-indígenas, surgem
os estranhamentos na coexistência de culturas diferentes. Vários etnólogos, sociólogos,
historiadores e positivistas desenvolviam pesquisas sobre a temática indígena no Brasil,
registrando os conflitos existentes entre colonizadores alemães, italianos e portugueses,
além do próprio brasileiro, com finalidade de incentivar a colonização, os quais se
depunham contra os indígenas de forma combativa, porém, destaca-se que esta
hostilidade se dava mutuamente.
Dois episódios ocorridos com os Kaingáng de São Paulo e os Xokleng de Santa
Catarina merecem evidência, para a contextualização dos acontecimentos que se
seguiram durante e após o XVI Congresso Internacional de Americanistas em Viena, no
ano de 1908, evento que fez parte do processo que desencadeou a criação do SPI.
O primeiro episódio se deu por volta de 1901, quando o padre mons. Claro
Monteiro tentou entrar em contato com os “coroados” na região do rio Feio/SP. Para
138
NÖTZOLD, Nosso vizinho..., p. 68.
139
Supremo Tribunal Federal. Acção originária de reivindicação sobre limites territoriaes
entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. Memorial por parte do Paraná. Rio de Janeiro. Typ e
Lith, de Olympio de Campos & C., 1902, p. III.
140
SANTOS, Silvio Coelho dos. A Integração do Índio na Sociedade Regional. A Função dos
Postos Indígenas em Santa Catarina. Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC, 1970, p. 81.
141
Ibid., p. 29.
60
esse empreendimento, contratou um grupo de Guarani dos arredores de Bauru
142
, para
acompanhá-lo na incursão, além de outras pessoas. Ressalta-se, porém, que tal grupo
Guarani havia participado de emboscadas junto com bugreiros
143
contra os coroados”.
No desenrolar desse fato, o padre e dois Guarani foram mortos. Os demais conseguiram
fugir.
Os ataques dos indígenas aconteciam devido à construção de ferrovias, e ao
crescimento das fazendas de café que avançavam adentrando seu território. Assim,
acuados por todos os lados, desfechavam ataques com mais freqüência, criando
verdadeiro pânico na população sertaneja e nos trabalhadores da ferrovia
144
.
Cabe apresentar, nesse contexto, matéria publicada a respeito da atuação dos
bugreiros no estado de Santa Catarina, no jornal A Voz de Chapecó, sob o título INDIOS
IV
145
, cuja interação contraproducente entre indígenas e não-indígenas – pode-se analisar
– resultou em conflitos e agressividades mútuas:
Dir-se-á que os selvagens continuamente atacavam e trucidavam
viajantes, o que efetivamente aconteceu neste Estado e em
outros logares, até os primeiros anos do começo deste século,
pratica vinda dos tempos do passado.
Não menos certo é que ao revez disso havia as celebres batidas,
organizadas pelos chamados Bugreiros especialistas nos
morticinios em massa, verdadeiras hecatombes humanas, das
quaes há ainda testemunhas de vista.
São pessoas que fizeram parte dessas sortidas de aventuras em
sorrateira marcha pelos sertões incultos, até surpreender os
índios descuidados, nos recessos longinquos das nossas matas
brasileiras.
(...) De repente um ou outro dano verificava-se em alguma
fazenda, um ou outro assalto ocorria aos viajantes e se julgava
necessário o preparo de uma batida
146
.
O segundo episódio ocorreu em Santa Catarina com os Xokleng, que igualmente
passavam por situação semelhante aos “coroados”, decorrente do avanço da colonização.
142
GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo: HUCITEC: Editora da
Universidade de São Paulo. Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 63,64.
143
Os bugreiros eram pessoas contratadas pelos jovens fazendeiros e colonizadores para matar os
indígenas, a fim de se protegerem dos assaltos destes, tornando-se prática usual da época.
144
GAGLIARDI, op. cit., p. 62-64.
145
O jornal trazia artigos numerados que davam seqüência do assunto na edição seguinte,
mantendo o mesmo título fazendo acréscimo na numeração a maior, ao lado do título. Lembra-se que o
jornal tinha sua circulação semanal, aos domingos.
146
Jornal A Voz de Chapecó. Índios IV. 02 de junho de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
61
Pouco a pouco os indígenas viam seu território ser ocupado pelos colonos. A primeira
colônia em Santa Catarina localizava-se na estrada entre Desterro e Vila de Lages
147
.
Os conflitos entre colonos e Xokleng ocorriam no Vale do Itajaí, onde por
incentivo do governo, os colonos compravam um lote de terras para que, com suas
famílias, viessem desenvolver o trabalho agrícola. Companhias de colonização
pretendiam obter concessões territoriais para, em parcelas, vendê-las aos imigrantes.
Estes, procuravam oportunidades para vencer. Falar que índios estavam presentes em
certos territórios era aniquilar com qualquer projeto de colonização
148
.
Desse contato resultaram os primeiros confrontos e choques armados. O índio
defendia o seu habitat. O imigrante legitimava, através das armas, a terra que havia
adquirido por meio de um título de propriedade
149
.
Santos comenta que não havia guerra ao branco, mas o revide a ataques e
agressões que eram motivadas pelo interesse de indígenas e brancos pelo mesmo
território
150
.
Com o objetivo de fazer recuar o indígena dando segurança aos que migravam
para os núcleos coloniais, na ação dos bugreiros, os Xokleng eram surpreendidos ao
amanhecer sem terem chance de se defenderem
151
.
Em decorrência desses fatos contra os Xokleng, foi fundada em Florianópolis a
Liga Patriótica para Catequese dos Silvícolas
152
, estando dentre seus objetivos tentar
conter a ação dos bugreiros.
É no contexto dessa associação que surge a figura de Albert Vojtech Frič
153
, que
realizou uma conferência em Florianópolis, representando o Museu Real Etnográfico de
Berlim, com o objetivo de encontrar meios pacíficos de convivência entre os Colonos e
os Xokleng
154
. Frič foi intitulado pela Liga como pacificador dos indígenas de Santa
Catarina. Convidado pela Liga para assumir as tarefas de pacificação, esteve em Itajaí,
147
SANTOS, Índios e brancos..., p. 55.
148
Ibid., p. 57.
149
GAGLIARDI, op. cit., p. 64-65.
150
SANTOS, Índios e brancos..., p.64.
151
Ibid., p. 69-85.
152
Fundada em 04 de dezembro de 1906, em Florianópolis, com objetivo de acabar com a
violência contra os índios. A Liga foi resultado dos esforços do major-engenheiro Pedro Maria
Trompowsky Taulois, positivista e maçom, tendo como presidente o Sr. Raulino Horn e primeiro
secretário o Sr. León Eugênio Lapagesse. In: SANTOS, Silvio Coelho dos. Ensaios Oportunos.
Florianópolis: Academia Catarinense de Letras e Nova Letra, 2007, p. 121.
153
Albert Vojtech Frič (1882-1944), humanista, naturalista e etnógrafo tcheco, que veio à
Florianópolis a convite de Taulois, para assumir as tarefas de “pacificação”. Ibid., p. 124, 125.
154
SANTOS, Silvio Coelho dos. Os índios Xokleng: memória visual. Florianópolis: Ed. da
UFSC, Ed. da UNIVALI, 1997, p. 30.
62
Curitibanos e Blumenau onde foi recebido de maneira indiferente, devido suas idéias de
evitar o extermínio dos indígenas
155
.
Em seguida partiu de Blumenau para Palmas, pois contava com o auxilio dos
Kaingáng na atração e pacificação dos Xokleng, objetivo não alcançado
156
. Assim,
voltou para a Europa para participar do XVI Congresso Internacional de Americanistas
que ocorreria no ano seguinte
157
.
Com efeito, percebe-se que os indígenas eram vistos pela sociedade e governo da
época, como elemento que atrapalhava o progresso esperado na colonização das terras
brasileiras.
O XVI Congresso Internacional de Americanistas teve seu início em setembro de
1908, em Viena, sendo que, nessa cidade, no Museu de Viena, encontrava-se uma das
mais completas coleções de artefatos etnológicos da América do Sul. A presença do
Brasil ficava evidente, representado por mais de 2.500 artefatos indígenas, conforme
publicação do jornal O Estado de São Paulo de 12 de outubro de 1908
158
.
Neste Congresso ocorreram dois discursos antagônicos em seus conteúdos,
ocasionando polêmica. O primeiro proferido por Ignácio Batista Moura, delegado do
Estado do Pará, em 8 de setembro, dia do início do Congresso
159
. Nele, fazia uma grande
propaganda evidenciando vantagens a quem se dirigisse ao Brasil a fim de colonizar
terras. Moura dizia que o Brasil exportava muito, tinha cidades policiadas, meios
urbanos com bondes elétricos, além de ótima educação na Amazônia. Quanto aos
indígenas, disse ele, havia poucos sendo dignos de estudo e compaixão, e arriscava a
dizer que nos próximos cinqüenta anos esse pouco iria desaparecer sem deixar
vestígios, a não ser um ou outro neologismo que a língua portuguesa iria conservar:
nomes de alguns rios, montanhas e cidades
160
.
O segundo discurso, proferido por Frič, em 14 de setembro, trouxe uma outra
realidade sobre os indígenas do Brasil, contradizendo as palavras de Moura. Seu
discurso assumiu tons de denúncia, responsabilizando colonizadores brasileiros e
europeus pelo extermínio das poucas tribos indígenas que ainda restavam no Brasil
161
.
155
SANTOS, Ensaios ..., p. 120-128.
156
SANTOS, Índios e brancos..., p. 124.
157
SANTOS, Os índios Xokleng..., p. 30.
158
GAGLIARDI, op. cit., p. 68.
159
Id.
160
Ibid., p. 69.
161
SANTOS, Os Indios Xokleng…, p. 31.
63
Frič, por contrariar os interesses da companhias colonizadoras, foi acusado de
fundar uma liga em favor dos indígenas, e, com isto, seu contrato de naturalista e
representante do Museu Real Etnográfico de Berlim, e também seu vínculo com o
Museu Etnográfico de Hamburgo foram rescindidos
162
. Mas conclamou que, em nome
do Congresso, fosse feito um protesto contra esses atos desumanos
163
cometidos contra
os indígenas, referindo-se principalmente, mas não exclusivamente, aos Xokleng de
Santa Catarina.
Enquanto a imprensa européia divulgava as notícias do Congresso e o extermínio
dos indígenas, na imprensa paulista e carioca insurgia um debate a partir de artigo
escrito pelo diretor do Museu Paulista Hermann von Ihering, publicado na Revista do
Museu Paulista, que veio a circular na primeira quinzena do mês de outubro
164
. Nele
Ihering apresentava solução à respeito da resistência dos Kaingáng de o Paulo frente
às pressões da sociedade brasileira:
Os actuais índios do Estado de S. Paulo não representam um
elemento de trabalho e progresso. Como também nos outros
Estados do Brasil, não se pode esperar trabalho sério e
continuado dos índios civilizados e, como os caingangs
selvagens, são um empecilho para a colonização das regiões do
sertão que habitam, parece que não outro meio, de que se
possa lançar mão, senão o seu extermínio
165
.
O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 12 de outubro de 1908, trazia
na primeira gina um artigo de Sílvio de Almeida, positivista, manifestando seu
protesto e critica ao artigo de Ihering. Um outro periódico da época, o jornal do
Comércio, em 11 de novembro, em artigo assinado por Luiz Bueno Horta Barbosa,
também positivista, criticou as teorias de Ihering e certas posturas científicas que
justificavam a opressão dos fracos e os desvairados progressos da industrialização
166
.
O diretor da Seção de Antropologia do Museu Nacional, Sérgio de Carvalho,
igualmente manifestou declaração contra o polêmico artigo, conclamando as autoridades
a não permitirem tal idéia que chamou de “criminosa”.
162
Ibid. p. 30.
163
Ibid., p.31.
164
SANTOS, Índios e brancos ..., p. 119.
165
IHERING, Hermann von. Antropologia do Estado de São Paulo. In: Revista do Museu
Paulista, vol. VII, 1907, p. 215. Apud., Id.
166
GAGLIARDI, op. cit., p. 71-75.
64
Em janeiro de 1909, o Tenente-Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon,
positivista tal qual os demais que expressaram seus protestos, encaminhou telegrama ao
diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda. Rondon citou indígenas que
ajudaram no processo civilizatório, a exemplo dos Nambiquara, Pareci e Cabixi. Ainda
afirmou fazer tudo para impedir a concretização desse abominável conselho
167
.
As repercussões foram tantas que Ihering tentou se redimir do seu pensamento,
compartilhado publicamente, de exterminar os indígenas, mas, apesar de suas intensas
publicações nos jornais e revistas, não obteve êxito.
Considerando-se as ambigüidades da questão, Santos expõe a contribuição de
Ihering à causa indígena, pois, foi sua posição anti-indígena; foi sua atitude de apoio
irreversível ao colono; foi sua preocupação em responder às críticas recebidas,
mantendo aceso o debate, que realmente permitiu ser a situação dos indígenas
amplamente discutida, analisada, sentida
168
.
Embora as correntes de pensamento apresentadas no Congresso e as discussões
geradas e publicadas nos periódicos daquele tempo se mostrassem divergentes,
convergiam, no entanto, numa questão: de que o problema levantado a respeito do
indígena deveria ser resolvido na esfera governamental, sendo que o governo brasileiro
deveria ter a iniciativa de resolver a questão dos conflitos, bem como desenvolver uma
política de auxílio a ser dispensada aos indígenas.
2.2. A criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de
Trabalhadores Nacionais/SPILTN
Após as repercussões e cobranças ao governo brasileiro insurgidas no XVI
Congresso de Americanistas em Viena, a publicação do artigo de Ihering seguida de
vários protestos, e ainda, anteriormente ao Congresso, as repressões ao extermínio
indígena manifestado pela Liga e por Frič, o jornal O Paíz, editado em 11 de junho de
1910, trouxe, em seu editorial, a opinião a respeito das mobilizações em torno da defesa
aos indígenas. Percebe-se que a discussão iniciada em 1908 permanecia nos meios de
comunicação, impressa em 1910:
167
Ibid., p. 76.
168
SANTOS, Índios e brancos..., p. 120.
65
O Sr. Ministro da Agricultura não considerou o indígena apenas
como um trambolho embaraçoso que a civilização remove pelo
extermínio, como preconizou o sr. von Ihering, ou relega, por
uns restos de complacência, para a catequese espontânea dos
missionários e a disciplina vegetativa dos aldeamentos inúteis; o
ilustre republicano teve a coragem de afirmar oficialmente que o
indígena era um homem, com os mesmos direitos dos outros
homens dentro do país em que nasceu
169
.
Nesse mesmo ano, alguns meses depois, durante o Governo do Presidente Nilo
Peçanha, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais/SPILTN
170
, repartição inicialmente subordinada ao Ministério da Agricultura
que, a partir de 1930, passou a integrar o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio
171
.
O Projeto que o propunha foi encaminhado pelo Ministro Rodolfo Miranda,
contendo as diretrizes que iriam nortear os atos do SPILTN que passou a vigorar a partir
de 20 de junho de 1910 pelo Decreto 8.072, tendo, sua inauguração agendada para o
dia 7 de setembro do mesmo ano
172
. Nascia alicerçado sobre uma base republicana
positivista, pois, desta forma, com a atuação do órgão recém-criado, os índios seriam
pacificados e engajados no processo produtivo. O país ficaria livre da censura de
entidades humanistas internacionais e das pressões da opinião pública nacional, que
condenavam a chacina de índios
173
. No cargo de diretor-geral assumia Cândido Mariano
da Silva Rondon
174
e no de secretário, Luiz Bueno Horta Barbosa
175
.
Antonio Carlos de Souza Lima, antropólogo, comenta sobre o motivo da
divergência das datas da criação e inauguração pública do SPI, que contemplou o dia 07
de setembro para atender ao gosto positivista ortodoxo pelas datas significantes da
169
Jornal O Paíz. Proteção aos selvagens. 22/06/1910. Apud. GAGLIARDI, op. cit., p. 227.
170
Não é objetivo desta pesquisa reconstituir todo o contexto que envolveu a criação do SPI.
Remetemos o leitor ao estudo realizado por LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um Grande Cerco de Paz:
poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1995. Para acompanhar
a função social do SPI em Santa Catarina remete-se o leitor ao Capítulo III de NÖTZOLD, Ana Lúcia
Vulfe. Nosso Vizinho...passim.
171
LIMA, op. cit., p. 12.
172
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no
Brasil moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 157.
173
GAGLIARDI, op. cit., p. 227.
174
Militar, que teve sua carreira indigenista iniciada em 1890, ao ser designado pelo exército para
construção da linha telegráfica Cuiabá-Araguaia. Foi o primeiro Diretor do SPI e posteriormente exerceu o
cargo de orientador. RIBEIRO, op. cit., p. 132 e 160. Cândido Mariano da Silva Rondon inicia sua
atividades no SPI (1910/1930) como Tenente-coronel e sai General. In: LIMA, op. cit. p. 338.
175
Civil, professor universitário, intelectual positivista, devoto à causa indígena, dirigiu durante
anos o SPI, formulou os princípios básicos da política indigenista brasileira. Ibid., p. 176 e 509.
66
nacionalidade, tomando como patrono o arauto da extensão das técnicas disciplinares à
vida social brasileira, José Bonifácio
176
.
Dentre os objetivos do SPI estava procurar libertar a população indígena do
extermínio ao qual estava fadada, por ora, devido ao contato com o não-indígena, que
objetivava a expansão do progresso. O órgão planejava, ao mesmo tempo, acabar com os
conflitos existentes entre indígenas e não-indígenas que ocorriam freqüentemente nas
áreas em processo de colonização
177
.
Os governos da Alemanha e da Itália cobravam do Brasil ação intensiva a fim de
proteger seus emigrantes que aqui se instalavam, principalmente na região sul, nas
localidades de Itajaí e Blumenau em Santa Catarina, devido à atuação dos Xokleng
178
.
Em vista disso, ainda no ano de 1910, o Tenente José Vieira da Rosa
179
foi designado
pelo SPILTN para o cargo de Inspetor do órgão no Estado de Santa Catarina.
A partir de 1912, após reorganização do SPILTN, reúnem-se as inspetorias de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul neste último estado
180
e, posteriormente, a inspetoria
do Rio Grande do Sul foi concentrada em Curitiba no Estado do Paraná
181
. A partir de
1918, o SPILTN passa a chamar-se Serviço de Proteção aos Índios/SPI, por não atender
mais aos trabalhadores nacionais
182
.
Lima lembra ser o SPI o primeiro aparelho de poder estatizado a estabelecer
relações de caráter laico e protecionista com os indígenas
183
, levantando crítica e
suscitando cuidados sobre a tendência da criação do SPI ser vista por Darcy Ribeiro
como criação pessoal do tenente-coronel Cândido Mariano da Silva Rondon e um grupo
de dedicados companheiros, recrutados entre militares e engenheiros da Comissão
Rondon
184
.
176
A figura de José Bonifácio foi associada a modernização nacional, demonstrando a
preocupação do não-indígena em civilizar o indígena e inseri-lo aos costumes dominantes. In: LIMA, op.
cit., p. 117.
177
SANTOS, Índios e brancos... p. 121.
178
Ibid., p. 127.
179
Primeiro representante do SPI em Santa Catarina nomeado pelo Decreto nº. 8072, de 20 de
junho de 1910. Inventário de Correspondência do Coronel Vieira da Rosa. Acervo: Arquivo Público
do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. Cópia Acervo LABHIN, Florianópolis/SC.
180
SANTOS, Índios e brancos..., p. 136.
181
Ibid., p. 142.
182
Em 1918 as atribuições relativas aos chamados trabalhadores nacionais passariam ao
Serviço do Povoamento, embora a intenção de adestrar as populações nativas ao trabalho agrícola
tenham permanecido. In: LIMA, op. cit., p. 232.
183
Ibid., p. 11, 235.
184
Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas/CLTEMGA,
desativada em 1915 por deixar de ser operativa e empreendimento de expansão, sendo que muitas de suas
atividades foram incorporadas ao SPI. In: LIMA, p. 19 e 241.
67
O SPI foi estruturado em diretoria geral, inspetorias regionais e postos indígenas.
As inspetorias regionais eram o espaço de articulação política entre a diretoria e os
postos indígenas. Os postos, por sua vez, eram espaços construídos pela administração
dentro ou próximo ao território indígena. No entanto, os postos não significavam a
legalização das terras ocupadas pelos indígenas, porém, sinalizavam para o futuro
estabelecimento dessas comunidades. A estrutura interna do SPI era decomposta em
subdiretorias e seções
185
.
A partir de 1930, o SPI, até então com características de estratégias
pacificatórias, deixa de ser dirigido por Rondon e passa por configurações; é a reforma
administrativa de 1930. Nessa reforma, estava evidenciada a necessidade de controle
sobre o vasto espaço geográfico pouco povoado do Brasil, tarefa pra o novo diretor José
Bezerra Cavalcanti (1930/1934)
186
.
É no contexto da nova estrutura do SPI que Antonio Selistre de Campos redige
seus artigos, buscando articulações junto aos fundadores do jornal A Voz de Chapecó
que desempenhavam cargos políticos, bem como, junto à administração do SPI, em
cartas dirigidas à Deocleciano de Souza Nenê e Francisco Fortes.
Após 57 anos de atuação, o SPI foi extinto em 1967, devido a condutas
administrativas irregulares sobre o patrimônio indígena. As irregularidades ocorridas no
Oeste Catarinense durante a gestão do SPI, poderão ser acompanhadas nos fatos
registrados nos artigos do jurista, na seqüência deste capítulo.
Pela Lei 5.371, datada de 5 de dezembro de 1967, é criada a Fundação Nacional
do Índio/FUNAI, em substituição ao SPI, que passa a defender e tutelar as populações
indígenas no Brasil, cujo maior objetivo era a integração
187
do indígena à comunidade
nacional. Santos comenta que as mudanças foram paliativas, alguns funcionários foram
demitidos, outros contratados, dentre eles militares da reserva. Estradas foram abertas
facilitando a circulação de veículos e pessoas, intensificando o contato com o não-
indígena
188
.
Além disso, a FUNAI procedeu à alteração dos nomes dos Postos Indígenas
189
. O
Posto Indígena da TI Xapecó, inicialmente em 1941, chamou-se Posto Indígena
190
185
Ibid., p. 231-232; 236-237.
186
Ibid., p. 252-257.
187
A integração do indígena na comunidade nacional objetivava o desaparecimento étnico e
cultural promovido pela miscigenação, o branqueamento da população indígena.
188
SANTOS, Os índios Xokleng: memória..., p. 60.
189
SANTOS, A integração do índio ... p. 59.
190
Doravante ao referir-se a Posto Indígena, adota-se a sigla PI.
68
Chapecó. Em 1960, em homenagem prestada pelo SPI, que apesar de momentos de
adversidade reconheceu as ações de Antonio Selistre de Campos para com os indígenas,
atribuiu ao posto o nome de PI Dr. Selistre de Campos. Posteriormente ao ano de 1967,
após a criação da FUNAI, esta altera o nome do Posto para PI Xapecó.
2.3. A história registrada por meio da imprensa: os Kaingáng e o período
que antecedeu a instalação do SPI no Oeste Catarinense
A utilização dos jornais como fonte de pesquisa havia adquirido certa
importância a partir da década de 1970, embora considerada fonte relativamente modesta
na opinião de Tânia Regina de Luca afirmando que se reconhecia, portanto, a
importância de tais impressos e não era nova a preocupação de se escrever a história
da imprensa, mas relutava-se em mobilizá-los para a escrita da História por meio da
imprensa
191
. Até então, os jornais eram tidos como fontes não fidedignas para o estudo
da história, por conterem registros fragmentários do presente cujo conteúdo estava
revestido de interesses, compromissos e paixões, fornecendo conhecimento parcial dos
fatos relatados.
A renovação dos temas, as problemáticas e os procedimentos metodológicos da
pesquisa com este veículo de comunicação escrita, calcados inicialmente na influência
da Escola dos Annales, contribuíram para o reconhecimento e utilização dos jornais por
parte dos pesquisadores de forma mais generalizada
192
, porém não menos relevante.
É deste ponto de vista que se utiliza o jornal A Voz de Chapecó no
acompanhamento da trajetória de implantação do Posto Indígena
193
na TI Xapecó.
Um dos primeiros registros encontrados data de 5 de novembro de 1939, em que,
na primeira página do jornal, foi apresentada a seguinte notícia, em artigo não assinado:
Índios
Durante alguns dias estiveram nesta cidade os cidadãos Paulino
Almeida, Encarregado do Serviço de Proteção aos Índios,
mantido pelo Governo Federal, nos Estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, vindo de Curitiba, acompanhado
191
LUCA, op. cit., p. 111.
192
Ibid., p. 112.
193
Devido as alterações no nome do Posto, e as divergências nominais (PI
Chapecosinho/Chapecó) encontradas nos artigos do jornal, adota-se o nome PI Chapecó para este período
inicial de implantação, conforme documentos do SPI.
69
do cidadão Deocleciano de Sousa Nenê, auxiliar do dito serviço
e residente em Palmas.
Os referidos cidadãos visitaram todos os toldos existentes neste
município, encontrando os índios, remanescentes da antiga tribu
dos Coroados, em estado de completa pobreza, lutando contra
mil dificuldades, mal aparelhados para conseguirem os meios de
sua subsistência.
Complementando o texto e objetivando fornecer visão de conjunto para
localização espacial do leitor, apresenta-se mapa que remete ao ano de 1944, com os
toldos visitados pelas autoridades mencionadas no artigo, inclusive apontando para o ano
de 1902, quando foi assinado o decreto n.º 7, relativo a área ocupada pelos Kaingáng.
Note-se ainda a redução do território ocupado pelos Kaingáng num comparativo entre os
anos de 1902 e 1944:
FIGURA 5 – Mapa dos Toldos da Terra Indígena Xapecó, 1944
FONTE: Documento sem data. Acervo Conselho Indigenista Missionário/CIMI, Chapecó/SC.
70
Paulino de Almeida foi inspetor do SPI no período de 1931 a 1950, sendo que
estas expedições, breves visitas realizadas pelo inspetor e seus ajudantes, tinham a
finalidade de mapear a região e suas populações
194
.
Na seqüência do texto observa-se que
Ao mesmo tempo os ditos funcionários tomaram conhecimento,
nos próprios locaes de sua situação, das questões de terras, que
há longos anos vêm exigindo providencias governamentaes.
Não se pode dizer que os governos tenham sido negligentes, mas
justo é reconhecer que os aludidos índios sempre estiveram
abandonados, salvo uma ou outra providencia isolada de
autoridades locaes em favor dos mesmos.
Por outro lado também é de se levar em conta que qualquer
providencia, ou assistência aos índios, obrigava gastos para
fornecimento de materiaes, utensílios ou ferramentas que
exigiam numerário, não havendo, porem, verbas para qualquer
despesa por insignificante que fosse.
Agrega-se ao texto a informação de que, mesmo após a implantação do SPI, os
recursos continuavam escassos no atendimento às necessidades indígenas. O declínio do
SPI após 1930, na opinião do diretor da época, José Bezerra Cavalcanti, foi em
decorrência da falta de autonomia administrativa e da posição hierárquica, não sendo
mais um órgão do governo, mas uma seção de um departamento inteiramente estranho
ao problema indígena
195
.
A seqüência do artigo demonstra que se espera melhores condições para os
indígenas após a criação do posto:
Agora, parece que nova fase de esperanças e realisações se abre
em favor dos nossos referidos patrícios, porque o dito sr. Paulino
Almeida, na qualidade de Encarregado do Serviço de Proteção
aos Índios, pretende conseguir a creação de um Posto neste
município, no próprio local de um dos toldos, para atender aos
demais, com os recursos indispensáveis para melhorar as
condições atualmente existentes
196
.
em 1939 o SPI sinalizava a criação do Posto Indígena dentro da aldeia, porém
esta ação foi efetivada somente em 1941.
Na periodicidade semanal em que o jornal era editado, os artigos iam atualizando
os leitores sobre a população Kaingáng. Nas fontes fica implícita a manutenção de
194
LIMA, op. cit. p. 241.
195
Ibid., p. 259.
196
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 05 de novembro de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
71
correspondências entre Antonio Selistre de Campos, que divulgava as informações no
jornal, com as autoridades e encarregados do SPI, por meio de relações amistosas, porém
não condescendentes.
Localizou-se, em meio à documentação do SPI, uma dessas correspondências
enviada por Antonio Selistre de Campos ao senhor Deocleciano de Souza Nenê
197
,
momento em que emite parecer sobre a divisão das terras dos Kaingáng e sobre o
processo de Alberto Berthier de Almeida. Em determinado momento da carta, confirma-
se a troca de correspondências e conseqüentemente de informações:
Chapecó, 05 de abril de 1952
Ilmo. Sr. Deocleciano de Souza Nenê,
Prezado amigo
Recebi seus dois telegramas respectivamente dos dias 2 e 3, por
intermédio Major Pedra Pires (Dr.) dirigi dois telegramas ao
amigo, os quaes foram entregues ao sr. Dr. Tavares, consultor
jurídico e que foram entregues ao amigo, conforme seu
comunicado. Aos telegramas aqui recebidos, respondi
imediatamente. A minha primeira resposta foi nos seguintes
termos: - Recebi telegrama pt Ontem lhe telegrafei Curitiba,
pedindo não entregar requerimento sem receber minha carta pt
Se entregou peço fazer possível retirar pt Carta segue amanhã
avião pt Minha opinião é não entregar terra barra Chapecózinho
nem divisa Jacú pt Abraços. Selistre
198
.
A fonte, em seu contexto, pode revelar vínculos de amizade, pelo termo que se
repete ao longo da carta: ‘amigo’, bem como pela assinatura apenas do primeiro nome,
mas não afirmá-lo, pois, segundo Peter Burke, muitos documentos podem ser
interpretados incorretamente por não apresentarem transparência, porém, a observação
atenta, mais exatamente, o meio, código, variedade ou registro empregado é uma parte
fundamental da mensagem, que um historiador não pode se dar ao luxo de negligenciar.
Exemplos óbvios são as formas de polidez ou impolidez dominantes em um determinado
ambiente e em uma determinada época
199
.
O que se pode afirmar pelos indícios que a carta revela em seu conteúdo, é a
opinião e influência de Antonio Selistre de Campos sobre a medição e defesa das terras
dos Kaingáng.
197
Deocleciano de Souza Nenê encerrou suas atividades no SPI no cargo de Inspetor de Índios
14-B. Após 31 anos de serviços prestados ao SPI, solicitou aposentadoria em 20 de março de 1961.
Documento acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
198
Carta. Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
199
BURKE, Peter. A arte da conversação. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1995, p. 31- 32.
72
Passados 30 dias da publicação do artigo de 5 de novembro de 1939, publicou-se
outro informando que o Sr. Paulino de Almeida compreendeu a necessidade imperiosa
de fazer alguma cousa em favor dos humildes silvícolas após a visita aos Toldos de
Chapecó e Chapecosinho. E segue informando que no ano próximo será ampliado até
este município a ação de incorporação dos índios á civilização brasileira
200
.
Assim, no ano de 1940 já estava prevista a implantação do Posto, mas não ainda
sua efetivação, conforme edição de 1941 onde se encontra:
desde o mez de Novembro, do ano próximo passado, estão
nomeados o Encarregado e trabalhadores do Posto de Proteção
aos Índios de Chapecó.
Mas a organização, desse dito Posto, vai marchando muito
vagarosamente....
Alguma cousa temos, mais uma pouca de boa vontade, e o
Posto entrará em seu regular funcionamento
201
.
Na análise do conteúdo desse jornal, como veículo que registrou parte da história
dos Kaingáng, corrobora-se com o ponto de vista de Capelato quando afirma que do
conteúdo dos jornais, pode-se acompanhar o dia-a-dia das sociedades através do
tempo,(...) acompanhar, através das análises das notícias divulgadas, como
acontecimentos significativos são transmitidos, levando o público a participar do evento
em questão durante o seu desenrolar
202
. Acrescenta-se ainda ao comentário de Capelato,
que a participação do evento em questão transcende sua época, trazendo ao tempo
presente, fatos que, conjugados com outros documentos, permitem análise mais acurada
sobre o desdobramento dos episódios.
A importância do jornal como meio de divulgação e, principalmente, meio de
registro, foi percebida no edital de comemoração de um ano do retorno do jornal A Voz
de Chapecó, após a sua suspensão por dois anos (1944/1946):
Interessante... Não existindo o jornal, haverá sempre uma lacuna
na vida de um agrupamento humano com foros de civilização.
Começando a circular a folha impressa, já está aberta a luta
contra a incompreensão, a critica destrutiva, o desdém, o
200
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 10 de dezembro de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
201
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 20 de abril de 1941. Páginas 1 e 4. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
202
CAPELATO, Imprensa e ..., p. 13.
73
abastardamento das intenções, a maldade e os interesses
inconfessaveis
203
.
Em 14 de abril de 1940, o jornal noticiava nova itinerância, desta vez do senhor
Leodonio Quadros
204
, encarregado do futuro PI, aos toldos de Banhado Grande e Jacu,
para escolha do lugar onde se localizaria a sede do Posto
205
.
Não para surpresa, na edição de 12 de maio de 1940, em artigo assinado por
“Z”
206
, o autor faz menção aos objetivos que levaram a constituir o jornal A Voz de
Chapecó, lembrando aos leitores do jornal que,
Índios
Quando iniciamos a publicação deste periódico, inscrevemos em
o programa de nossa ação as escolas primárias, as estradas do
município, o serviço de correio e tudo que dissesse respeito ao
progresso de Chapecó
207
.
Tal alusão é para situar o leitor na seqüência do artigo intitulado INDIOS, e que
faz referência crítica sobre a morosidade do SPI:
(...) Outro assunto importante, ao qual temos nos referido
acidentalmente é quanto aos índios deste município.
oito anos que estamos em Chapecó e somente no ano
passado se nos ofereceu a oportunidade de ver que o Serviço de
Proteção aos Índios resolveu estender a sua ação até a nossa
zona.
Segue comentando que, embora 400 anos tenham se passado do descobrimento
do Brasil, ainda não foi alcançada solução voltada aos direitos e princípios de
humanidade para com os indígenas, inclusive em relação ao PI que ainda não havia se
constituído:
(...) Supunha-se que ao começar este ano, os humildes indios
chapecoanos tivessem quem atendesse às suas condições de
penúria, desorientação e falta de recursos, porém, até a presente
data, ainda não foi organizado o dito Posto.
203
Jornal A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 29 de junho de 1947. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
204
Foi encarregado do PI no ano de 1941. In: SANTOS, A integração do índio..., p. 73.
205
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 14 de abril de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
206
O Sr. Raul José de Campos diz que não era costume de seu pai assinar os artigos com a inicial
“Z”, podendo ser produto de erro datilográfico ou até, alguém que resolveu adotar as iniciais como
assinatura, a exemplo de como seu pai fazia. CAMPOS, Raul José de. Entrevista...cit., 19 de julho de
2007.
207
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 12 de maio de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
74
N’A Voz de Chapecó datado de 3 de março de 1941, Antonio Selistre de Campos
assinava um artigo com a inicial “S”, cujo título era INDIOS III. Nele anunciava que
estava se organizando o Posto de proteção aos índios de Chapecosinho. Informava ainda
a procedência da notícia que se dava conforme telegrama recebido pelo respectivo
Encarregado, cel. Leodonio Quadros.
As fontes registram que a demora na instalação do PI dava-se pela dificuldade
em compor o quadro de funcionários, visto como necessário aos parâmetros definidos
pelo SPI. Além do encarregado do posto, eram necessárias mais duas pessoas idôneas,
com quitação do serviço militar, para ocupar o lugar de trabalhadores, e uma terceira
para exercer a função de mestre escola
208
.
As notícias divulgadas sobre o atraso vinham seguidas de críticas, pois
novamente um funcionário havia desistido de assumir a função de trabalhador, uma vez
que deveria morar no posto. Assim, reitera o jornal que essas nomeações estão sendo
por demais retardadas. É a eterna história, os doutores e coronéis das capitaes e
grandes cidades não podem compreender as necessidades do sertão. E assim tudo vai
ficando para o dia seguinte
209
.
Segundo o jornal, algumas dificuldades e desavenças começaram a ocorrer entre
os indígenas dos toldos Banhado Grande e Jacú, que comunicaram ao juiz a deposição
do chefe Fidencio Loureiro, ficando em seu lugar o senhor Bonifácio Batista. A par
desse ocorrido, Antonio Selistre de Campos repassa as informações recebidas ao senhor
Paulino de Almeida
210
. Reitera-se ainda que nesta nota do jornal, o juiz ao mesmo tempo
escreveu aos índios deste município, aconselhando que vivam em paz até que o S.P.I.
tome providencias.
Esse artigo foi publicado em 12 de maio de 1940, antecedendo a comitiva que foi
organizada para dirigir-se até a aldeia Pinhalzinho no dia primeiro de junho de 1940,
levando a reforçar a urgência percebida por Antonio Selistre de Campos na fundação do
PI:
V
isita aos Índios
Depois de prévia combinação, seguiram hontem de automóvel
até Chapecósinho, os Sr.s Drs. Antonio Selistre de Campos, Juiz
de Direito da Comarca, José Pedro Mendes de Almeida,
208
Id.
209
Jornal A Voz de Chapecó. Chapecósinho. 07 de julho de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
210
Inspetor Regional do SPI, responsável pela Inspetoria Regional 7, no período de1931/1940 e,
também no período de 1941/1950. In: LIMA, op. cit., p. 341.
75
Promotor Publico, Tenentes Eloi Mendes, Prefeito Municipal, e
Duarte Pedra Pires, Delegado Especial, com destino ao toldo
denominado Pinhalzinho.
Cremos ser pela primeira vez na vida chapecoense que os
silvícolas recebem a visita das mais altas autoridades do
Monicipio, demonstração eloqüente que as ditas autoridades
vem tomando interesse por melhores dias dos ditos silvícolas
211
.
A presença do PI a ser instalado pelo SPI, estava longe de significar a solução
dos problemas presentes no cotidiano dos Kaingáng pelas ações futuras de Wismar da
Costa Lima, posterior encarregado a chefiar o PI Chapecó, bem como pela situação
econômica que o SPI enfrentava na redução de verbas recebidas do governo. José
Bezerra Cavalcanti registrou que o SPI não contava com o suporte do governo. Em 1930
as verbas foram reduzidas em 60% subindo para 63% no ano de 1932. Estas reduções
refletiram-se nos anos seguintes
212
.
2.4. Posto Indígena Chapecó/Posto Indígena Dr. Selistre de Campos
Segundo D’Angelis, em 1940, o SPI instala o PI Xapecó, situado na sede da TI, a
aldeia Jacu
213
. Porém, a partir das fontes manuseadas, os indícios apontam para sua
efetivação no ano de 1941
214
, inicialmente chamando-se PI Chapecó
215
e posteriormente,
PI Dr. Selistre de Campos
216
, voltando a chamar-se PI Xapecó, desta vez com X, após o
SPI ter sido substituído pela FUNAI em 1967.
A primeira sede do PI, segundo Santos, ficava na aldeia Pinhalzinho
217
, e sua
localização foi assim descrita:
O PI Dr. Selistre de Campos localiza-se no município de
Xanxerê, na zona oeste do Estado de Santa Catarina. A área da
reserva onde se situa o PI tem atualmente 151 km²,
aproximadamente.(...) A sede do PI está distante cerca de 30 km
da cidade de Xanxerê
218
.
211
Jornal A Voz de Chape. Visita aos Índios. 02 de junho de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
212
LIMA, op. cit., p. 259.
213
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. História do Toldo Imbú. O Cacique Condá, os Índios do
Xapecó (SC) e as terras do Imbú. Projeto Barragens – UFSC/CNPQ. Acervo Nepi/UFSC.1993, p. 40.
214
SANTOS, A integração do índio ..., p. 46.
215
Ibid., p. 47.
216
Ibid., p. 10.
217
Ibid., p. 60.
218
Ibid., p. 59.
76
Cabe esclarecer que Posto Indígena é distinto de Terra Indígena. Segundo Silvio
Coelho dos Santos, os postos indígenas são unidades executivas da política indigenista
desenvolvida pelos órgãos de proteção e assistência ao silvícola
219
. Sendo assim, tais
postos tinham a função de colocar em prática o que era determinado pelos órgãos central
e regional de proteção
220
. Enquanto Terra Indígena, conceito apresentado no capítulo 1,
é a área de terras habitadas pelos indígenas em caráter permanente, onde desenvolvem
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo
seus usos, costumes e tradições
221
.
Vários foram os encarregados
222
do SPI no Oeste Catarinense no período em que
Antonio Selistre de Campos redigia seus artigos (1939/1957). As mudanças dos
encarregados, na maioria das vezes, aconteciam devido a ocorrências de irregularidades
por parte do encarregado do posto
223
. Em outras ocasiões, paradoxalmente, pelo fato do
encarregado ter realizado suas tarefas com dedicação. Este é o caso de Francisco
Siqueira Fortes
224
, o segundo encarregado a administrar o PI Chapecó, assumindo o
cargo por indicação de Antonio Selistre de Campos, que, segundo D’Angelis, por
orientação do juiz, organizou roças e criações para sustento dos alunos da escola e para
os índios mais idosos
225
.
D’Angelis, no desenvolvimento de suas pesquisas com os Kaingáng, destacou
carta onde o senhor Francisco Siqueira Fortes expõe os motivos que o levaram a solicitar
exoneração de seu cargo:
... porque eu protestei contra os atos escandalosos do Diretor do
Serviço de Proteção aos Índios. Eu como um simples
encarregado do Posto, fui contra a retirada dos índios da área e
posse, entregando ao Berthier sem posse, sem documento, na
área de posse dos índios
226
.
219
Ibid., p. 10.
220
Id.
221
Constituição da República Federativa do Brasil, op. cit., Artigo 231, p. 132 e 133.
222
Leodônio de Quadros (1941), Francisco Fortes (1942/1948), Wismar Lima (1948/1950),
Nereu Costa (1950/1964). In: SANTOS, A integração do índio..., p. 73.
223
Os encarregados dos postos não desenvolviam uma política destinada a integrar o índio à
sociedade regional, sendo estas atitudes um reflexo das limitações do SPI. In: SANTOS. A Integração do
índio..., p. 49.
224
Francisco Siqueira Fortes foi Juiz de Paz em Faxinal dos Guedes por treze anos. In:
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha, FÓKÂE, Vicente Fernandes. Toldo Imbú. Série Documento.
UNOESC, Campus Chapecó, Setor de Editoração, 1994, p. 40.
225
Id.
226
Ibid., p. 106.
77
Outros encarregados do PI assumiram atitudes diferentes da de Francisco
Siqueira Fortes. Dentre eles estava Wismar da Costa Lima (1948/1950), cujos
procedimentos adotados buscavam inviabilizar a sobrevivência da comunidade indígena
em suas próprias terras.
Em 22 de agosto de 1948, na terceira gina do jornal, sob o título Serviço dos
Índios, era divulgada a solicitação de exoneração de Francisco Siqueira Fortes, e que em
seu logar foi designado o Sr. Wismar Costa Lima,(...) e está com a sua Exma família
residindo no Toldo Jacu, que é sede do aludido Posto Indígena
227
.
Sete meses após Wismar da Costa Lima ter assumido como encarregado do PI
Chapecó, suas ações já se faziam sentir entre os indígenas.
Os Kaingáng estiveram presentes na pauta das discussões da Assembléia
Legislativa do Estado de Santa Catarina por mais de uma vez. Na sessão ordinária
realizada em 24 de maio de 1949, o Deputado Cid Loures Ribas apresentava radiograma
recebido do Prefeito Municipal de Chapecó no seguinte teor:
Deputado Dr. Cid Ribas
Assembléia Estadual
Levo conhecimento vossência que Wilmar[sic] Costa Lima,
encarregado posto serviço proteção Índios Toldo Chapecozinho
acompanhado de três filhos prendeu e amarrou conduzindo dito
posto a Gesuino Euclides Umbelino, transportado dali para
Curitiba. Causa dessa violenta arbitrariedade foi ter falecido
mais ou menos dois anos um irmão de Gesuino chamado Aguiar
deixando alguns haveres valor superior trinta contos réis , três
filhos menores havendo se apropriado ditos bens motivo porque
Gesuino comunicou fato autoridades locais, constituindo
advogado para defender interesses ditos menores promover
inventário judicial. Outros atos dito encarregado posto
Chapecozinho tem provocado sérios descontentamentos
humildes índios que desde ano passado vem sendo maltratados
injustamente pelo aludido funcionário em cuja casa certa noite
foram disparados alguns tiros arma de fogo donde resultou
inquérito policial que não descobriu autores aludidos tiros. Peço
vossência e apelo providencias afim libertar esse humilde
patrício vitima dessa prepotência inqualificável. Cordiais
saudações. Vicente Cunha. Prefeito Municipal
228
.
227
Jornal A Voz de Chapecó. Serviço dos Índios. 22 de agosto de 1948. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
228
Diário da Assembléia Legislativa. Estado de Santa Catarina. Ano III. Florianópolis, 22 de
julho de 1949, Número 19. 24ª Sessão Ordinária, Realizada em 24 de maio de 1949. Acervo Assembléia
Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
78
Após a leitura do radiograma, o Deputado Cid Loures Ribas propõe o envio de
telegrama ao presidente do Serviço Nacional de Proteção aos Índios com a seguinte
redação:
General Candido Mariano da Silva Rondon
Presidente S.N. P.I
229
. Ministério Guerra – Rio
Esta Assembléia tomando conhecimento através comunicado
Prefeito Município Chapecó que Wismar Costa Lima
encarregado S.P.I. toldo Chapecósinho vg aquele município vg
entre outras arbitrariedades cometidas contra selvicolas vg
prendeu conservando amarrado Gesuino Euclides Umbelino
fazendo conduzir este para Curitiba por ter mesmo denunciado
às autoridades referido encarregado posto se apropriado
indebitamente bens hereditários de menores pt Diante taes fatos
esta Assembléia por proposta deputado chapecoense Cid Ribas
vg apela alto espírito justiça Vossencia determine cessem
imediatamente tais arbitrariedades e violências praticadas por
aludido encarregado contra humildes índios aquele posto pt
Atenciosas Saudações P. Ass. Em exercício
230
.
Em seguida, o deputado Waldemar Rupp (UDN) pede a palavra e se opõe, em
nome da bancada que representava, ao envio de tal telegrama por julgar uma atitude
precipitada e com possibilidade de estar baseada em inverdades. Solicita então a
instauração de um inquérito policial para apurar as responsabilidades sobre o fato. Em
seguida, o Presidente da casa toma a palavra e pede votação ao requerimento do
Deputado Cid Loures Ribas, que teve apoio da maioria da casa, sendo aprovado. Apenas
dois deputados se mostraram contra o envio da mensagem telegráfica.
A temática indígena se fez constante nas páginas do jornal da época. Na Edição
Especial comemorativa ao 4º aniversário do reaparecimento d’ A Voz de Chapecó,
Antonio Selistre de Campos assina artigo com as iniciais S.C. cujo título é A Tragédia
do Índio. Nele, Antonio Selistre de Campos faz retrospectiva do esbulho de terras que
Alberto Berthier de Almeida pretendia fazer contra os Kaingáng, e ainda em o próximo
numero deste periódico, salvo força maior, pretendemos fornecer algumas informações
229
Retifica-se a sigla contida nesta fonte sendo o correto: CNPI e não SNPI. O Conselho
Nacional de Proteção aos Índios/CNPI foi criado pelo decreto-lei 1794 de 22 de setembro de 1939. O
objetivo do CNPI era estudar questões referentes à assistência e proteção dos indígenas, seus costumes e
idiomas. Foi nomeado pelo presidente Vargas para o cargo de diretor, Marechal Cândido Mariano da Silva
Rondon, além de representantes do Museu Nacional, do Serviço Florestal e de quatro membros de alta
reputação. In: LIMA, A. Governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org.).
Legislação indigenista no século XIX. São Paulo: Editora da USP: Comissão Pró-Índio de São Paulo,
1992, p. 168.
230
Diário da Assembléia Legislativa....., op. cit. passim.
79
ao ilustre deputado Waldemar Rupp a respeito da questão dos Índios de Chapecó, o que
não fazemos hoje por falta de espaço
231
.
De fato, na edição seguinte sob o título O discurso do Deputado Rupp, sob as
mesmas iniciais S.C., Antonio Selistre de Campos, publicamente, dá as devidas respostas
às dúvidas levantadas pelo deputado na Assembléia Ordinária realizada em 24 de maio
do mesmo ano.
O telegrama enviado pelo Prefeito ao Deputado Cid Loures Ribas, foi igualmente
enviado ao Inspetor Chefe da Regional do SPI em Curitiba, e deste recebeu a seguinte
resposta:
Curitiba, 24
Vicente Cunha, Prefeito Chapecó
Recebi vosso telegrama. Por estes dias seguirá funcionário para
apurar fatos. Índio liberto se acha em minha residência.
Chefe I. R. 7
As fontes apontam indícios de que Antonio Selistre de Campos não media
esforços na mobilização de pessoas de suas relações para atuarem em prol dos Kaingáng
da região.
Em 5 de junho, com o título Serviço de Perseguição aos Índios
232
, a matéria traz
em seu conteúdo o desfecho do pronunciamento ocorrido na Assembléia. O Encarregado
do Posto foi chamado à Curitiba e todos esperavam que ele não mais voltasse, mas, para
surpresa, o espantalho dos índios em Chapecó, como foi chamado no artigo, retornou.
A agilidade das ações provavelmente foi resultado das repercussões do fato, e em
30 de maio do mesmo ano, o Prefeito recebia mais um telegrama de Curitiba, assinado
por Dorival da Motta Cabral, que foi publicado na integra n’A Voz de Chapecó em 12 de
junho de 1949, sob o título Um telegrama sobre o caso dos Indios com o seguinte teor,
solucionando o problema ocorrido:
Curitiba, 30
Vicente Cunha, Prefeito.
Comunico propuz substituição Wismar, do posto, o que foi
aceito; companhia[sic] funcionário conforme meu telegrama
anterior, seguirá novo Encarregado e Índio Genuíno, que volverá
seio familia. Adianto-vos que tenho recebido reclamação
231
Jornal A Voz de Chapecó. O caso dos Índios. Declaração de voto da bancada do Partido
Trabalhista Brasileiro. 03 de julho de 1949. Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis/SC.
232
Jornal A Voz de Chapecó. Serviço de Perseguição aos Índios. 05 de junho de 1949. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
80
do Delegado de Polícia de Abelardo Luz contra dito e seu
irmão.
Chefe I. R. 7
233
O período em que Wismar da Costa Lima foi encarregado do PI Chapecó foi
bastante conturbado, e por várias vezes os Kaingáng procuraram Antonio Selistre de
Campos que, mesmo na condição de juiz aposentado, prestava seu auxilio costumeiro e
acolhedor.
A partir da substituição de Wismar da Costa Lima, assume o cargo de
encarregado do posto Nereu Moreira da Costa (1950/1964) chapecoense nato, casado
com a exma. Sra. D. Lourdes Moreira da Costa, professora normalista, a qual, segundo
nos consta, irá reger a escola mantida pelo dito S.P.I. no aludido Posto
234
.
No período em que Nereu Moreira da Costa foi encarregado do PI, teve sua
atuação registrada nos artigos redigidos pelo jurista, que também coloca em
questionamento a ação e/ou falta de ação dos diretores do SPI, os chamando para a
responsabilidade de seus cargos e funções do órgão:
Não queremos fazer injurias ao S.P.I e estamos convencidos que
o atual Encarregado do posto Indígena de Chapecó, sr. Nereu
Costa, procura cumprir o seu dever e conta com a solidariedade
de muitos dos seus colegas.
Isso só, porém, o basta, parece-nos que a ação do S.P.I., por
sua direção suprema, tem o dever de se mostrar mais eficiente na
defesa dos Índios.
E finaliza o artigo comparando fatos, ocorrências e se mostrando incansável em
seus protestos a favor dos Kaingáng,
Veja-se a espoliação inqualificável que ocorreu no Estado do
Paraná, por intervenção direta do governo paranaense com o
Ministério da Agricultura, ou seja o Acordo Lupio-Carvalho,
sem protesto algum, que nos conste, do S.P.I....
Os Índios de Pinhalzinho devem e tem de ser amparados,
defendidos e protegidos, caso contrario continuaremos
reclamando e protestando, pelos tempos afora, seja lá contra
quem for
235
.
233
Jornal A Voz de Chapecó. Um telegrama sobre o caso dos Índios. 12 de junho de 1949.
Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
234
Jornal A Voz de Chapecó. Posto dos Índios de Chapecozinho. 17 de julho de 1949. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
235
Jornal A Voz de Chapecó. Em defesa dos Índios. 25 de setembro de 1949. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
81
A reserva de terras concedida aos Kaingáng, hoje denominada TI Xapecó/SC,
estava delimitada desde 1902, como referenciado anteriormente pelo Decreto nº. 7,
assim o PI era, e é, uma unidade do SPI/FUNAI dentro da TI. Atualmente, ano base
2007, o PI localizado na aldeia Jacu, sede da TI Xapecó/SC, denomina-se PI Xapecó.
Santos esclarece que, no período em que operou o SPI (1910 a 1967), antes de
ser substituído pela FUNAI (1967), atuavam sete Inspetorias Regionais/IR cujos postos
eram a elas subordinados. Santa Catarina pertencia à Inspetoria Regional nº. 7,
localizada em Curitiba/PR
236
.
As lembranças sobre o Posto ter sido chamado Dr. Selistre de Campos,
permanecem na memória dos indígenas mais velhos da comunidade, como já
referenciado no capítulo 1. A aplicação generalizada de PI Dr. Selistre de Campos,
Reserva Selistre de Campos, pode causar dúvidas em relação ao Posto ser o mesmo que
TI, uma vez que na escritura pública da TI Xapecó, documento datado de 16 de outubro
de 1965, lavrada no Cartório de Registro de Imóveis de Xanxerê, registrou-se a posse da
terra dos Kaingáng, hoje chamada Terra Indígena Xapecó: situada no local
denominado PI ‘Dr. Selistre de Campos’”, conforme documento a seguir:
236
SANTOS, A integração do índio..., p.42.
82
FIGURA 6 - Escritura Pública do Registro de Imóveis Comarca de Xanxerê –
PI Dr. Selistre de Campos. Xanxerê, 16 de outubro de 1965
FONTE: CIMI, Chapecó/SC.
83
O Sr. Nereu Moreira da Costa, encarregado de chefiar o PI no período de 1950 a
1964, encaminhou correspondência ao Sr. Raul José de Campos, datada de 09 de abril de
1962, convidando-o para a inauguração da nova casa/sede do PI Dr. Selistre de Campos,
que permanecia na aldeia Jacu. Segue o documento para análise:
FIGURA 7 - Carta Convite para Inauguração PI Dr. Selistre de Campos
FONTE: CEOM Chapecó/SC.
84
Sobre a antiga casa/sede, Santos relata
que era uma casa de madeira, bem grande, que foi demolida e,
propriamente dito, não criaram uma outra casa digamos assim,
porque quando ela foi demolida a tendência do chefe do posto
era morar numa casa independente, pra não misturar com o
trabalho burocrático, ou morar até fora e ir diariamente ao PI
num processo gradativo
237
.
Apesar do discorrido até aqui, encontrou-se nos documentos, divergências em
relação ao ano das mudanças de nome de PI Chapecó para PI Dr. Selistre de Campos,
não se localizando ainda a data em que passou a chamar-se PI Xapecó, e a aplicação
dessa denominação extensiva a toda a área indígena. Sobre esse assunto, Santos comenta
sobre certa confusão na utilização de suas aplicações, apresentando distinção entre PI,
Reserva Indígena e Terra Indígena:
PI era naturalmente o posto, o centro administrativo do SPI ou
da Funai. Quando na comunidade regional se falava “são terras
do posto”, tratava-se do posto, tudo isso incluía a chamada
reserva, que é a terra indígena toda. Naquele momento reserva e
posto se confundiam, vindo praticamente aos dias do presente
quando criada a FUNAI, resolve mudar o nome dos postos
238
.
Santos informa ainda que a palavra reserva está ligada aos atos administrativos
de final do século XIX, início do século XX, quando o governo do Paraná, ao reservar
as terras para os Kaingáng, utilizou-se deste termo, o qual ainda é empregado
presentemente, embora com menos freqüência
239
.
Cabe ainda reiterada observação em relação ao exaustivo exame a respeito da
datação nas alterações do nome do PI. A presente pesquisa pautou-se em documentos de
época e em período eleito como recorte temporal (1939/1952), não se encontrando
registros nem declaração sobre a denominação PI Dr. Selistre de Campos, anterior ao
ano de 1957.
Em documento redigido pela Regional Sul do CIMI, datado de dezembro de
1977, elaborado por ocasião da passagem dos 20 anos da Morte do Sr. Antonio Selistre
de Campos, encontra-se a seguinte redação:
237
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi,
em 02 de julho de 2007, Florianópolis/SC.
238
SANTOS, Entrevista...cit., 02 de julho de 2007.
239
Id.
85
Após sua morte, em reconhecimento a sua dedicação à causa
indígena, o próprio SPI conferiu seu nome a este PI, nome este
que perdurou por mais de uma década, justamente os anos em
que mais sofreram os Índios com os abusos do órgão oficial
240
.
A declaração acima leva à análise, até que outras fontes afirmem posição diversa,
de que o PI, criado pelo SPI em 1941, recebeu inicialmente o nome de PI Chapecozinho,
como consta grafado no jornal A Voz de Chapecó, datado de 8 de dezembro de 1957
241
, e
todos os demais manuseados, cuja matéria foi redigida por ocasião do falecimento de
Antonio Selistre de Campos. Logo, baseando-se nas fontes, o PI passou a chamar-se PI
Dr. Selistre de Campos após a morte deste, conforme documento do CIMI, e
permaneceu com esta denominação por mais de 10 anos.
Outra análise sobre as fontes reforça tal hipótese, pois, na matéria referente à
passagem de sua morte, não consta que o PI levava seu nome, quando é mencionada a
proteção que dispensava aos indígenas:
Democrata e humanitário fez-se conhecido como protetor e
orientador dos selvicolas que ainda existem no PI do
Chapecozinho, defendendo seus direitos, propagando pelo
respeito a condição que lhes assegura a Constituição Federal
242
.
Provavelmente, tais divergências são advindas da generalização da fala
empregada no cotidiano, relacionada à atenção que Antonio Selistre de Campos
dispensava aos Kaingáng. Assim, pelo senso comum que se sobrepôs aos documentos,
adotou-se o nome PI Dr. Selistre de Campos e, mais tarde, por ação de reconhecimento,
o SPI regulariza a denominação por um breve espaço de tempo. Sobre estas apropriações
de utilização de um grupo, Halbwachs relata que a memória coletiva tira sua força e sua
duração do fato de ter por suporte um conjunto de homens, não obstante eles são
indivíduos que se lembram, enquanto membros do grupo
243
. Para o grupo, o PI chamava-
se Dr. Selistre de Campos, até pelo esforço empreendido e demonstrado por este em sua
implantação. Ainda segundo Halbwachs, o ponto de vista muda conforme o lugar
ocupado pelo observador ocasionando divergências, todavia quando tentamos explicar
240
A Corda que Forcejava. In: Selistre de Campos. Um Homem em Defesa... et. seq.
241
Jornal A Voz de Chapecó. Dr. Antonio Selistre de Campos. 08 de dezembro de 1957. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
242
Id.
243
HALBWACHS, op. cit., p. 55.
86
essa diversidade, voltamos sempre a uma combinação de influências que são, todas, de
natureza social
244
.
Ocorre que, após saída à campo ao acervo da FUNAI em Paranaguá/PR,
localizou-se documento onde tais dúvidas são dirimidas, ao menos no que concerne a
datação da nominação PI Dr. Selistre de Campos:
FIGURA 8 – Ordem de Serviço Interna nº 62 – Alteração nas denominações dos PIs
FONTE: Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
244
Id.
87
A fonte apresentada revela a data de 23 de março de 1960, processo SPI 3
708/58, quando a ordem de serviço interna foi assinada pelo Diretor do SPI, na época, o
senhor José Luiz Guedes
245
que, após as ponderações do Inspetor Deocleciano de Souza
Nenê, fez cumprir as alterações nominais de alguns PI, entre eles a do PI Chapecó
passando a chamar-se PI Dr. Selistre de Campos.
Neste capítulo, percebeu-se a atuação do SPI, a precariedade financeira e as
expectativas de Antonio Selistre de Campos na esperança de que, com a implantação do
PI, os Kaingáng receberiam a atenção que julgava merecidas. No entanto, isto não
ocorreu devido à nova fase de administração do SPI que não era mais a de Rondon, mas
agora administrado por funcionários públicos qualificados, mas, em sua maioria, não
comprometidos com a causa indígena.
No capítulo seguinte, a criação da primeira escola, a atenção com a saúde e a
temática da terra serão abordadas, sendo que, do conjunto das três, o tema da terra foi o
mais defendido e divulgado nos artigos de Antonio Selistre de Campos no que se refere
à temática Kaingáng.
245
Militar, no cargo de Coronel esteve na direção do SPI no período de 1957/1060. In: LIMA,
op. cit., p. 239.
88
Capítulo 3
Os Temas Educação, Saúde e Terra nos Artigos Jornalísticos
O aspecto que marcou o período do Estado Novo (1937-1945) foi o governo
centralizador que dissolveu o Congresso Nacional e os legislativos estadual e municipal,
assumindo as responsabilidades dos Poderes Executivo e Legislativo, abrangendo
setores da economia, saúde e educação.
Uma das iniciativas de Vargas no primeiro período de seu governo, nos inícios
dos anos 30, foi a decisão da educação partir do centro para a periferia, sendo criado o
Ministério da Educação e Saúde em novembro de 1930
246
. Além disso, a educação
deveria considerar a adaptação das escolas às características regionais, o que levava a
um plano educativo não uniforme
247
.
A simpatia que Antonio Selistre de Campos nutria pelo presidente Vargas foi
demonstrada diversas vezes em artigos publicados no jornal A Voz de Chapecó. Com
base nas fontes e nas entrevistas com o senhor Raul José de Campos, pode-se considerar
a ação de implantar uma escola para os indígenas no ano de 1937, bem como a
preocupação com a saúde dos Kaingáng, uma forma de contribuir com o projeto
desenvolvimentista e nacionalista de Vargas, que estavam voltados para atender as
características de cada região.
Em 1936, foi aprovado por Vargas o Decreto nº. 736, que deu novo regulamento
às atividades do SPI, incluindo-se intenções de nacionalizar os indígenas. Destaca-se o
item “b” do Artigo 1º: pôr em execução medidas e ensinamentos para a nacionalização
dos selvícolas, com o objetivo de sua incorporação à sociedade brasileira
248
.
Igualmente na década de 30, o SPI iniciou a implantação de diversas escolas em
comunidades indígenas
249
, estando esse ensino voltado para a integração à sociedade
246
FAUSTO, op. cit., p. 331-337.
247
Ibid., p. 340.
248
Decreto nº. 736, de 06 de abril de 1936. Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
249
MAIA, Delta Maria de Souza. Educação Wapixana: ontem e hoje. Comunicação apresentada
no IV Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe
(Org.). Coletânea de Artigos Inéditos (in memorian). Florianópolis, 2007. Material inédito ainda não
publicado, p. 3.
89
nacional, através de um processo de substituição gradativamente da sua cultura pela
cultura dita civilizada
250
.
A Legislação Indigenista apresenta diagnóstico em relação à modalidade de
ensino indígena considerando-se o contexto histórico referido:
No Brasil, desde o século XVI, a oferta de programas de
educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela
catequização, civilização e integração forçada dos índios à
sociedade nacional. Dos missionários jesuítas aos positivistas do
Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético ao ensino
bilíngüe, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os
índios, fazer com que eles se transformassem em algo diferente
do que eram. Nesse processo, a instituição da escola entre
grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores
alheios e negação de identidades e culturas diferenciadas
251
.
Recentemente, as escolas, no ambiente de grupos indígenas, passaram por novos
significados, representando um meio para assegurar o acesso a conhecimentos gerais
sem precisar negar as especificidades culturais e a identidade grupal
252
. O que se
percebe na atualidade, quando nas pesquisas de campo à TI Xapecó/SC, é a conquista da
cidadania
253
por meio da educação, em que os professores indígenas são também, alunos
universitários. O acesso ao conhecimento geral, na conjugação da valorização da própria
cultura em suas especificidades, tem contribuído para essa conquista.
Neste capítulo, poderá se acompanhar, por meio do jornal A Voz de Chape, as
notícias que foram veiculadas sobre a escola e o professor indígena que ministrava as
aulas para seus pares, e observar o diferencial em relação aos processos implantados
pelo Governo Vargas, SPI e missionários, em que o sistema de educação era conduzido
por não-indígenas
254
.
250
TAUKANE, Darlene. A história da educação escolar entre os Kurâ-Bakairi. Cuiabá: Ed.
do autor, 1999, p. 111,113.
251
MAGALHÃES, Edvard Dias (Org.). Legislação indigenista brasileira e normas correlatas.
Brasília: FUNAI/DEDOC, 2002, p. 217.
252
Id.
253
Uma alusão ao Projeto, Kaingáng: na conquista da cidadania, de autoria de Ana Lúcia
Vulfe Nötzold.
254
A responsabilidade da educação indígena passou da FUNAI para o Ministério da
Educação/MEC por meio do Decreto 26 de 04 de fevereiro de 1991, e deste, para as secretarias
estaduais de educação, que na opinião de Magalhães, criou-se uma situação de acefalia no processo de
gerenciamento global da assistência educacional dos povos indígenas. O ensino diferenciado exige das
instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para
que estas escolas sejam de fato incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema oficial, quanto
para que sejam respeitadas em suas particularidades. In: MAGALHÃES, op. cit., p. 218, 219 e 225.
90
Do mesmo modo que o tema de terras, o da educação também foi pauta na
Assembléia Legislativa no pleito de conseguir a aposentadoria para o professor indígena
Felicíssimo Belino.
Nesse mesmo jornal, encontram-se o empenho e a preocupação também com a
saúde. Antonio Selistre de Campos deixou publicadas, as visitas do Dr. César Sartori,
médico que se deslocava de Lages/SC à Chapecó/SC para tratar da saúde dos indígenas.
No entanto, as publicações não significaram mudanças imediatas ou equalização
de ações ou a redução do preconceito para com os Kaingáng, devido a posicionamentos
voltados aos interesses que envolveram especialmente a questão de terras no período da
colonização do Oeste Catarinense. As fontes demonstram que Antonio Selistre de
Campos conquistou aliados à causa indígena, mas também opositores que se
manifestaram contra os Kaingáng.
Os temas da educação, da saúde e da terra foram abordados por Antonio Selistre
de Campos em seus artigos, sendo preocupação constante nas comunidades indígenas.
Delta Maria de Souza Maia, no conteúdo de sua tese em História Cultural, contemplando
a temática indígena, apresenta o tripé: terra, saúde e educação. Este tripé é considerado,
refletido e proposto por Maia na seguinte perspectiva:
O nosso paralelo é colocarmos as vias de acesso da terra,
educação e saúde, as bases da organização política e social dos
povos do lavrado em especial os Wapixana e Makuxi, para as
suas sobrevivências na manutenção de seus patrimônios
culturais e de suas vidas, a saúde é um bem indissociável da vida
humana complementada pelas emoções e manifestações das
estruturas mentais, em outras palavras, o intelecto elos também
inseparáveis da vida humana, seja nas suas versões formais e
informais a educação, nessa perspectiva é que lançamos o
trinômio terra, saúde e educação como as bases da sustentação
da organização social e política indígena, esses elos na formação
de uma corrente positiva de identificação política, se aproxima
do conjunto da etnicidade dos Makuxi, Wapixana e outros
povos
255
.
Segundo a pesquisadora que desenvolveu estudos sobre a própria etnia, os
Wapixana da Aldeia Serra da Moça, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em
Roraima/RR, este tripé passa a fortalecer-se com a formação dos primeiros professores
255
MAIA, Delta Maria de Souza. A União como opção: de tradicionais adversários a atuais
aliados, Wapixana e Makuxi na luta pelos direitos de cidadania dos povos indígenas em Roraima –
1900/1988. NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe (Org.). Capítulos Tese Inéditos (in memorian). Material
inédito ainda não publicado. Florianópolis, Julho/2007, Capítulo III, p. 26 e 27.
91
indígenas,(...) que irá caminhar paralelamente a reconquista da terra, (...) sendo a
escola uma instituição não mais alienante e sim uma via formadora do processo da
educação formal e informal em favor dos indígenas (...)
256
.
Referindo-se à saúde, Maia relata que, através da convivência não amistosa, ora
ou outra conflituosa, o não-indígena foi acabando com os processos preventivos e
curativos da medicina indígena tradicional, o que causou, com o passar do tempo e até
hoje é sentido, a prática da adoção, por parte dos indígenas, da medicina tradicional
ocidental, que, segundo Maia, gerou uma relação de dependência
257
.
A proposta dos estudos de Maia é fortalecer este tripé complementado pela
saúde, uma vez que os indígenas Makuxi, Wapixana e de outras etnias sentem a
necessidade da revitalização urgente da sua medicina tradicional, a memória oral está
recheada deste assunto. No pilar proposto por Maia, a saúde com base na medicina
indígena tradicional é um dos pilares da organização indígena, devido ao seu
conhecimento bio diverso, (...) temos também os seus médicos, que podem ser
identificados no curandeiro e na figura mítica e poderosa do pajé
258
.
No desenvolvimento das entrevistas em história oral na TI Xapecó/SC, os
depoimentos das senhoras Divaldina Luiz Jacinto (1945-), moradora da aldeia
Pinhalzinho, e Matilde Koito (1953-), moradora da aldeia Jacu, confirmam o exposto por
Maia de que a memória oral está recheada deste assunto. A Dona Divaldina Luiz
Jacinto, conhecida como Dona Diva, é quem diagnostica a utilização e aplicação das
ervas medicinais, juntamente com a Dona Matilde, curandeiras. Estas indígenas, que
colaboraram com seus relatos orais, confirmam que, hoje, a mata está escassa das ervas,
sendo difícil achar algumas delas, o que tem levado ao cultivo das ervas em hortas
259
.
Nos artigos redigidos por Antonio Selistre de Campos, encontram-se registros
que compõem a história dos Kaingáng, em que se constata o empenho para assegurar o
direito à terra e ao desenvolvimento, tanto da educação, quanto da saúde. Empenho este
que transformou, num primeiro momento, a cultura indígena devido à implantação de
um plano de governo desenvolvimentista aplicado através da “Marcha para o Oeste”, no
governo Vargas.
256
Ibid., p. 25.
257
Id.
258
Ibid., p. 25 e 26.
259
JACINTO, Divaldina Luiz. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em
20 de junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC. KOITO, Matilde. Entrevista concedida à Ninarosa
Mozzato da Silva Manfroi em 24 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
92
Na atualidade, percebe-se, nas pesquisas de campo à TI Xapecó e nas entrevistas
realizadas, entre outras ações, o processo de revitalização da cultura indígena
evidenciado pelos Kaingáng, na tentativa da retomada da prática da sua medicina
tradicional, com o manejo das plantas medicinais aplicada à saúde indígena.
Na educação, apresentam trajetória onde se pode dizer que a maior conquista está
na composição do quadro de docentes da Escola Indígena de Educação Básica Cacique
Vanhkrê
260
, localizada na aldeia Jacu, em sua quase totalidade com professores
indígenas que acumulam o papel de alunos universitários. Quanto à terra, a escritura
se encontra lavrada em cartório desde 1965, mas segue numa constância de tentar reaver
a extensão inicial estipulada no Decreto nº 7, já exposto anteriormente.
Dentre os três temas, identifica-se na saúde a necessidade premente sinalizada
pelos Kaingáng em sintonia com o tripé apontado por Maia, na revitalização de sua
medicina indígena tradicional.
Esses assuntos são elementos da explanação que se fa no decorrer deste
terceiro capítulo.
3.1. A criação da primeira escola para os Kaingáng
Halbwachs comenta sobre como os registros históricos chegam até o presente,
uma vez que, na maioria das vezes que se estuda o passado, não se é testemunha dos
acontecimentos nele ocorridos, pois não me foi possível ser testemunha do próprio
acontecimento; atenho-me aqui às palavras que ouvi ou li, sinais reproduzidos através
do tempo, que são tudo o que me chega desse passado
261
. Assim, as fontes primárias e
secundárias, sejam elas escritas ou orais, são de fundamental importância para acessar
260
A partir de 1975, a comunidade indígena em idade escolar, que, desde 1960, recebia
escolarização de a série na Escola Estadual São Pedro localizada na Aldeia Água Branca TI
Xapecó –, passou a ser atendida na Escola Isolada Federal Posto Indígena Xapecó. Em 1984, passa a
chamar-se Escola Isolada Federal Vitorino Kondá, situada na aldeia Jacu. Por meio da portaria E488/88 de
30 de dezembro de 1988, a escola passa a atender também ao ensino de 5ª a série, passando de Escola
Isolada para Escola Básica Federal Vitorino Kondá. Em 1994, pela Portaria 221/94, teve seu nome
alterado para Escola sica Vitorino Kondá. Em 1997, novamente, seu nome foi alterado para Colégio
Estadual Vitorino Kondá. As alterações se deram na busca de ampliar o atendimento escolar à comunidade
indígena. A Portaria E/014/SED de 27 de janeiro de 1998 autorizou o atendimento à 1ª série do ensino
médio. No ano de 2000, foi pioneira no país, ao formar a primeira turma de ensino médio, em escola
localizada em Terra Indígena. A partir de fevereiro/2000, por decisão coletiva, passou a denominar-se
Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê, após a comunidade ter realizado estudo sobre a
personalidade de Vitorino Kondá. In: NÖTZOLD, Nosso vizinho... p. 16-29.
261
HALBWACHS, op. cit., p 59.
93
diferentes versões do passado e acompanhar o processo histórico no tempo em suas
mudanças, atualizações, reelaborações e retomadas.
Os documentos demonstram que Antonio Selistre de Campos sentia-se muito a
vontade no relacionamento que mantinha com os indígenas e, da mesma forma, os
indígenas sentiam-se com ele, pois diziam que ele foi o único homem que atendeu o
índio. Quando chegava o índio era mesma coisa que atender o filho dele
262
.
Quando indicou Francisco Siqueira Fortes (1942/1948) para o cargo de
encarregado do PI, em substituição à Leodonio Quadros (1942), mantinha
correspondência com aquele registrando a preocupação com a saúde e com a educação.
Em carta enviada, datada de primeiro de outubro de 1942, fez menção à preocupação
com a educação: Permita-me lembrar a conveniência de não cansar de insistir com os
índios para não deixarem os Indiozinhos faltarem à escola e insistir com estes, os
Indiozinhos, para que não faltem
263
.
O primeiro registro que chegou ao conhecimento desta pesquisadora fazendo
menção à escola para os indígenas e a seu professor, Felicíssimo Belino, foi a publicação
de uma pesquisa sobre os Kaingáng da TI Xapecó, que registrava a existência da escola
e do professor, cujos custos eram mantidos por Antonio Selistre de Campos. Tal
informação auxiliou a pesquisa e proporcionou reflexão quando do manuseio do jornal A
Voz de Chapecó.
O conhecimento inicial a respeito da existência dessa escola foi adquirido no
registro efetuado por Nötzold, a partir do relato de história oral da então diretora da
Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê, a professora Eliane Trevisan
Cassol
264
:
Desde 1912 havia professor que atendia as crianças da
comunidade, o atendimento era realizado nas casas, sendo que
em 1947 tiveram como professor Felicíssimo Belino, que era
pago pelo Sr. Selistre de Campos, as aulas eram ministradas
debaixo das árvores
265
.
262
FAG-JÓ-TÁ. Depoimentos. In: Selistre de Campos. Amigo e Defensor dos Índios de
Xapecó e suas Terras. 1978. Equipe de Pastoral Indígena Diocese de Chapecó. Acervo CIMI,
Chapecó/SC.
263
Por uma melhor assistência aos Índios. In: Selistre de Campos. Um Homem... et. seq.
264
A professora Eliane Trevisan Cassol foi diretora da Escola no período de 1990 a 2003. A partir
desse ano até a escrita desta dissertação (fev/2008), permanece como diretora da Escola a professora
Anísia Fátima Belino.
265
NÖTZOLD, Nosso Vizinho..., p. 21.
94
Pollak
266
discorre que as lembranças, muitas vezes, não estão relacionadas às
datas em sua precisão, mas sim, a alguma ordem sensorial que marca o momento e fica
registrada na memória de quem viveu o fato e depois, o transmitiu por meio da
oralidade. É o que se percebe no relato de Cassol
267
em que a data diverge dos
documentos escritos. Atribui-se o fato aos mecanismos de memória uma vez que, a
escola representa ser algo antigo e por algum motivo, a data de 1912 foi escolhida pelos
indígenas que, por meio da oralidade transmitiram dentro de sua comunidade.
Nötzold
268
, através da metodologia de história oral e Arruda
269
, na utilização de
documentos, comungam da mesma menção quanto à existência dessa escola. O que se
pretende, na apresentação do tema educação, são a sistematização e complementação das
informações divulgadas e veiculadas no jornal A Voz de Chapecó e em documentos
redigidos por Antonio Selistre de Campos.
Em um desses documentos, Antonio Selistre de Campos faz descrição dos
Kaingáng informando que são em número superior a quatrocentas almas e estão
disseminados pelos toldos conhecidos pela designação de Jacu, Banhado Grande,
Pinhalzinho e Chapecó. Após, informa algumas características em que se encontravam,
dizendo que em sua quase totalidade o analfabetos, salvo um ou outro, que fora
criado na casa de alguma família não índia, que os ensinara a ler ou algum índio vindo
de algum dos toldos do Paraná
270
.
No mesmo documento, menciona que conheceu apenas um índio, de nome Pedro
Luiz, que sabia ler e escrever, e que ouviu falar de outro, que lecionava primeiras letras
na casa de Christiano dos Santos, morador no mesmo município
271
.
Esses documentos são importantes para se acompanhar as condições cotidianas
dos indígenas que foram registradas por Antonio Selistre de Campos, bem como a
conjugação com o tempo presente e a dedicação ao estudo, em que enfrentaram as
dificuldades relativas ao acesso à educação, sendo que hoje alguns deles estão na
condição de alunos universitários. O documento ora citado compõe-se de 7 laudas, e em
266
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro: Edições Vértice, vol. 2, n. 3, 1989, p. 11.
267
CASSOL, Eliane Trevisan. Entrevista concedida à Ana Lúcia Vulfe Nötzold. Florianópolis,
12 de junho de 2000.
268
Para maiores informações sobre a educação e o ensino diferenciado remete-se o leitor às
pesquisas de NÖTZOLD, Ibid., totalidade do capítulo 1.
269
ARRUDA, op. cit., p.44.
270
CAMPOS, Antonio Selistre de. Notas. Documento Manuscrito, sem data. Acervo CIMI,
Chapecó/SC.
271
Id.
95
sua primeira página informa que esses humildes silvícolas vivem em extrema pobresa,
não tem escolas, embora haja aproximadamente talvez 70 ou 80 crianças em idade
escolar e nunca os poderes públicos se preocuparam em construir estradas para a zona
que habitam
272
. Posteriormente, a escola criada por Antonio Selistre de Campos passou
por processo de municipalização, conforme divulgado em cinco de março de 1950 no
jornal A Voz de Chapecó:
Indios
Os Indios Caingangs de Chapecó, antes que o S.P.I. extendesse
sua ação atè os seus toldos, com os próprios recursos e trabalhos
pessoaes, construíram uma casa para escola, modesta embora,
mas fizeram, funcionando as aulas, com um professor particular,
depois transformada em escola municipal, até que finalmente foi
creada uma escola do serviço federal. Fazem roças, plantações e
trabalham na extração de herva mate
273
.
A escola, embora modesta como mencionado no artigo, foi construída pelos
próprios indígenas e Antonio Selistre de Campos registrou em fotografia enviando-a ao
filho Raul José de Campos com o seguinte manuscrito: Escola dos Índios, fundada e
mantida por mim. Pela marcenaria, não honra o fundador, vale, porém, a intenção. 15-
Fev 1939. Na fotografia apresentada a seguir, observa-se ao lado direito do quadro, o
professor Felicíssimo Belino ladeado por seus alunos.
272
Id.
273
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 05 de março de 1950. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
96
FIGURA 9 – Escola dos Índios. Verso da fotografia. Manuscrito datado de 15 de
fevereiro de 1939
FONTE: CEOM, Chapecó/SC.
97
FIGURA 10 – Escola dos Índios
FONTE: CEOM, Chapecó/SC.
No mesmo artigo publicado no jornal A Voz de Chapecó com o título Índios,
Antonio Selistre de Campos se refere ao preconceito, vinculando esse tema à educação e
à escola. O preconceito foi a matriz que permeou todo o artigo, inspirado a partir de
matéria publicada no jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre, datado de 8 de outubro
de 1949. Na escrita, deixa registrada sua indignação à falta de interesse e conhecimento
de alguns autores de artigos, publicados em meios de comunicação com circulação
abrangente, pela influência que exercem na opinião pública:
É Lamentável que jornalistas, ou pessoas que fazem parte da
imprensa brasileira, se abalancem a escrever em jornaes de vasta
circulação sobre os nossos Índios, sem terem estudado, lido
alguma cousa ou ao menos manifestado algum interesse em
conhecer o que significou, e ainda hoje representa, esse
importante fator na constituição da nacionalidade brasileira
274
.
274
Id.
98
Nesse trecho inicial, o autor refere-se à formação da identidade nacional, sendo
esta considerada por Marilena Chauí como ideologia do “caráter nacional brasileiro”, a
nação é formada pela mistura de três raças índios, negros e brancos e a sociedade
mestiça desconhece o preconceito racial
275
. Será? Fica o questionamento para reflexão.
Chauí ainda faz o contraste, o contraponto da formação da identidade, em que a
“identidade nacional” pressupõe a relação com o diferente
276
.
O exercício da identidade, segundo Stuart Hall não é imutável, mas
constantemente se apresenta em mecanismo de mudança e transformação, construído a
partir das diferenças. Sendo assim, a formação da identidade está ligada não só ao
passado, mas à interação com os acontecimentos do presente, em que os recursos
influenciam não no que nós somos, mas no que nos tornamos
277
.
Dando seqüência ao artigo, o juiz ressalta as diferenças, inclusive entre os
indígenas, peculiares à suas etnias:
Erra o reporter, de inicio, quando, citando Fernando de Azevedo
com dados extraídos de seu livro A Cultura Brasileira,
referentes a característicos fisionômicos de uma ou outra tribo,
procura generaliza-los a todos os Índios brasileiros, contrariando
a realidade, como se sabe, e até na escola primaria se aprende,
que havia diferenças pronunciadíssimas de agrupamentos
raciaes, com tipos completamente diferençados, fisicamente e
em variados graus de civilização, embora, incipiente
278
.
E no parágrafo seguinte, insere o tema do preconceito aos indígenas, o qual ainda
permanece na sociedade não-indígena na atualidade, como uma decorrência histórica do
contato, da dominação, e de algumas resistências no que diverge da cultura ocidental:
Depois diz o jornalista que os índios a quem falou, pediram,
como não podiam deixar de o fazer, são suas palavras
dinheiro. Não para fumar como para beber, por que é uma
raça condenada pelo alcool, pela sifilis e pela desnatalidade.
Esquece o jornalista, se é que algum dia soube, que esse vicio e
molestia, os pobres Indios adquiriram após terem entrado em
contacto com os civilizados
279
.
275
CHAUÍ, Marilena.Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 5ª impressão. Editora
Fundação Perseu Abramo, São Paulo, SP, 2004, p. 26.
276
Ibid., p., 27.
277
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 107 a 109.
278
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 05 de março de 1950. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
279
Id.
99
E finalizando o artigo, envia um parecer ao repórter:
Se o ilustre repórter dos Diarios Associados nos permitisse a
liberdade e tivesse o desejo de fazer um juízo seguro sobre os
Indios brasileiros, daqui lhe enviaremos o parecer, não queremos
dizer conselho, de ler o Prefacio do General Rondon, ao livro
Indios do Brasil, da autoria do coronel Lima Figueiredo, em 2ª
edição da Livraria José Olimpio e a Viagem ao Brasil, de Jean
de Lerry e nada mais
280
.
Em 7 de maio do mesmo ano, num artigo de primeira gina do jornal A Voz de
Chapecó, o qual vem sem assinatura, o autor lamenta que a imprensa dos jornaes das
capitaes dos Estados, quando se refere aos nossos Indios, o fazem em linguagem
depreciativa, injuriosa e em regra, injusta
281
. O autor refere-se à essa matéria publicada
no jornal Diário de Notícias, e ainda à outra, veiculada no jornal Correio do Povo,
ambos de Porto Alegre/RS. Nesse último jornal foi publicada a fotografia de um pobre
homem que costuma perambular pelas ruas da cidade gaúcha de Santo Ângelo,
classificando-o como ébrio habitual e índio.
Ao abordar o assunto, o autor do artigo do jornal A Voz de Chapecó, apresentou
editorial dizendo que queremos crer que tal procedimento não seja originado de ódio ou
preconceito contra os humildes silvicolas brasileiros, e sim por displicencia ou
indiferença por esse capital problema etnológico, qual seja o estudo dos Índios
brasileiros
282
, mencionando que em edições passadas do jornal A Voz de Chapecó,
A pequena tribu existente de Índios Caingangs, à margem direita
do rio Chapecosinho, neste município, no Toldo Jacu, contíguo
ao denominado Banhado Grande, com os próprios recursos e
trabalhos, construíram uma casa, embora de madeira, para
funcionamento de uma escola e residência do professor, este
também índio, no ano de 1937. Chama-se o dito professor
Felicíssimo Belino e conta hoje mais de 70 anos de idade, tendo,
o Governo Catarinense lhe prometido uma pensão de Cr$ 300,00
mensaes
283
.
A ão contra o preconceito, tendo como referencial modificador a educação e a
escola, estão presentes nesses artigos, bem como a chamada para a indiferença relativa
ao estudo dos Índios brasileiros.
280
Id.
281
Jornal A Voz de Chapecó. Os Índios. 07 de maio de 1950. Acervo, CEOM, Chapecó/SC.
282
Id.
283
Id.
100
Os artigos publicados que mencionam o professor Felicíssimo Belino são
anteriores a 1950. No ano de 1949, o jornal trazia um pequeno histórico sobre o referido
professor e o trâmite de pleito para sua aposentadoria como conseqüência aos serviços
prestados ao ensino:
Felicíssimo Belino
O nome acima, que serve de titulo a estas linhas, é o de um
humilde brasileiro, que em sua mocidade exerceu a profissão de
professor particular de primeiras letras.
No ano de 1937 foi creada uma escola municipal, no lugar
denominado Toldo Banhado Grande, no distrito de Abelardo
Luz, neste município.
Não havendo candidato ao preenchimento da dita escola, com
quitação militar, pessoa habilitada.
Felicíssimo Belino, para atender à vontade dos Índios,
moradores do dito Toldo, foi ali lecionar particularmente
284
.
No mesmo texto, ainda consta que o professor Felicíssimo Belino foi nomeado
professor municipal durante o mandato do prefeito Sr. Pedro da Silva Maciel
(1936/1939) em Chapecó:
Mais tarde, quando exercia o cargo de Prefeito Municipal o sr.
Pedro da Silva Maciel, foi concedida uma subvenção mensal de
cr$ 50,00 (cincoenta cruzeiros), ao dito professor, que
posteriormente viu recompensado seu esforço e dedicação ao
ensino, com a nomeação de professor municipal
285
.
O acompanhamento da leitura permite conhecer o estado de saúde do professor e
a dificuldade em relação à sua aposentadoria:
Passaram-se alguns anos e, ultimamente, no ano findo, tendo
Felicíssimo Belino adoecido gravemente, não mais poude
atender convenientemente ao ensino de seus alunos.
Em janeiro do corrente ano, continuando doente o humilde
professor, mediante atestado medico, fornecido pelo Chefe do
Posto de Saúde do Estado, em Chapecó conseguiu uma licença
de seis meses, para tratamento de saúde
286
.
No jornal A Voz de Chapecó, datado de 20 de fevereiro de 1949, localizou-se a
concessão de licença médica do professor Felicíssimo Belino:
284
Jornal A Voz de Chapecó. Felicíssimo Belino. 30 de outubro de 1949. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
285
Id.
286
Id.
101
Prefeitura Municipal de Chapecó
Portaria de 4-2-1949
O Prefeito Municipal de Chapecó, Estado de Santa Catarina,
usando das atribuições que lhe são conferidas por lei e nos temos
do artº 155, letra a. combinado com o artº. 157, do Decreto-Lei
nº. 700, de 28 de outubro de 1942, resolve:
Conceder Licença
A Felicissimo Belino, ocupante do cargo de professor
Municipal, padrão <G>, do Quadro U’nico do Município, com
exercício na escola mista Municipal da localidade denominada
<Banhado Grande>, no distrito de Abelardo Luz, neste
Município, de 6 mêses para tratamento de saúde, conforme
atestado mèdico.
Prefeitura Municipal de Chapecó, 4 de Fevereiro de 1949.
Vicente Cunha
Prefeito Municipal
Norberto José Lunardelli
Fiscal Dist. Resp p. Secretario Municipal
287
As fontes revelam que o professor Felicíssimo Belino, não obtendo melhora,
solicitou prorrogação da licença de saúde a qual não foi ampliada:
... finda a mesma, não poude obter prorrogação.
Não melhorou, e, como solução para sua situação triste e
precária, teve de pedir exoneração. Felicíssimo Belino é
descendente de Índios Caingang, conta 78 anos de idade e está
em extrema pobreza.
288
Nesse trecho do artigo, encontram-se informações sobre as condições de pobreza
e dificuldade no tratamento com a saúde. Aqui, identifica-se o lado positivo de existirem
hoje dois postos de saúde na TI Xapecó/SC (um na aldeia Jacu e outro na aldeia
Pinhalzinho), o que, provavelmente, teria ajudado o professor Felicíssimo Belino.
O artigo longo, mas necessário na sua correlação dos temas abordados por
Antonio Selistre de Campos, e as articulações em diferentes instâncias em prol dos
Kaingáng, ultrapassando a esfera de circulação do jornal:
A conselho de um amigo dirigiu uma petição Á Assembléia
Estadual de Santa Catarina, solicitando uma pensão.
Parece-nos que será o caso de uma aposentadoria, mas o pobre
homem não é mais professor, porque foi aconselhado a pedir
exoneração de seu cargo e, na sua humildade, supondo não ter
outro caminho a seguir, pediu e “obteve” sua demissão.
Será que o caso é insolúvel?
289
287
Jornal A Voz de Chapecó. Prefeitura Municipal de Chapecó. 20 de fevereiro de 1949. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
288
Jornal A Voz de Chapecó. Felicíssimo Belino. 30 de outubro de 1949. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
289
Id.
102
Em documento datado de 4 de novembro de 1949, cinco dias após a matéria ter
sido publicada no jornal, o deputado Cid Loures Ribas encaminhou requerimento
solicitando a aprovação, por parte dos deputados, da aposentadoria de funcionário
público do professor Felicíssimo Belino.
Observa-se no topo do documento, a seguir, que tal solicitação foi aprovada para
encaminhamento no mesmo expediente.
FIGURA 11 - Requerimento de Aposentadoria do Professor Felicíssimo Belino
FONTE: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
103
Pela leitura que se fez dos documentos, entende-se que os Kaingáng receberam
incentivo na valorização da educação desde a implantação da escola, refletindo
atualmente no interior da aldeia na importância atribuída ao estudo.
Este fato se pode acompanhar pelo depoimento do Cacique Orides Belino (-
2003), que foi cacique na TI Xapecó no período de 1999 a 2003, quando participou da
abertura do Curso de Extensão em Auxiliar e Técnico em Enfermagem Kaingáng, em
Aula Magna proferida em 2002 na Sala dos Conselhos da Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC, numa ação conjunta entre o LABHIN, a UFSC e o Curso de
Enfermagem:
A pior coisa da vida é o preconceito, a discriminação. Ao longo
da história fizeram que o povo indígena não conseguisse
caminhar com as próprias pernas, mas ta uma demonstração
de que nós estamos vivos. E isso demonstra que com a vontade,
queremos um dia melhor. (...) Damos um passo e quebramos um
preconceito mostrando a vontade, de que os índios têm suas
qualidades.
Eu sempre lutei por isso professor Rodolfo
290
, que um dia eu
chegava aqui, né, com luta, com garra, sem brigar. O tempo da
briga foi o tempo da escravidão, do preconceito, da
discriminação. Mataram muito meu povo por ser radical, por
serem guerreiros, contra o meu povo.
Nós temos que guerrear hoje no papel, nós temos que guerrear
na democracia, na inteligência,... E digo pro Sr., se eu cheguei
aqui não foi com briga. Foi com muita dedicação, carinho e
humanidade. Igualdade de pensamento. E pensava assim, um dia
eu chego no prof. Rodolfo, que eu tenho certeza que vai
abraçar a causa indígena
291
.
Por meio desse depoimento, pode-se fazer o exame da repercussão da primeira
escola surgida dentro da aldeia, e daquilo que aprenderam do conhecimento não-
indígena e que, com o passar do tempo, foi agregado à sabedoria indígena. Este
aprendizado foi empregado fora da aldeia na defesa de seus direitos enquanto povo de
cultura diferenciada. Dessa maneira, podem bem representar-se, defender-se e buscar
direitos para a comunidade Kaingáng, abrangendo o benefício alcançado, ao mesmo
tempo, para outras etnias indígenas.
A Constituição Federal de 1988 assegurou aos povos indígenas a implantação de
currículos diferenciados com o objetivo de atender suas necessidades específicas. Além
290
Rodolfo Pinto da Luz foi Reitor da UFSC nos períodos de 1984/1988 e 1996/2004.
291
BELINO, Orides. Aula Magna do Curso de Enfermagem Kaingáng. Sala dos Conselhos.
Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. 15 de maio de 2002. Fita VHS 39. Duração 1:09”00’.
Acervo Videoteca do LABHIN/UFSC.
104
disso, a Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, cumprindo a carta magna,
assegurou às comunidades indígenas processos próprios de aprendizagem
292
.
Nötzold desenvolve pesquisas na área de educação indígena e relata que, a partir
de 1989, a ampliação da escolaridade básica foi pioneira no sul do país, uma vez que
ao terminarem a série do ensino fundamental nas escolas da TI Xapecó, os alunos, ou
abandonavam os estudos, ou seguiam para centros maiores a fim de concluí-los
293
.
De 1989 aos tempos atuais, as lideranças e as famílias conseguiram o transporte
escolar (sendo responsabilidade, da Secretaria do Estado da Educação e do Município de
Xanxerê) entre as aldeias da TI Xapecó facilitando o acesso à educação e a continuidade
dos estudos na Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê
294
.
Embora no nome da Escola conste Educação Básica, hoje a escola atende, além
do ensino fundamental, também o ensino médio. No final do ano 2000, a Escola formou
a primeira turma de ensino médio em escola localizada em Terra Indígena, sendo
pioneira no país
295
.
Na análise de Nötzold, a Constituição Federal possibilitou o currículo
diferenciado mas, foi por meio do Núcleo de Educação Indígena/NEI, que o currículo foi
de fato viabilizado
296
.
Percebe-se no esclarecimento quanto a sua própria história e direitos, o meio pelo
qual tem ocorrido a superação de obstáculos presentes na vida indígena, revelado na fala
que foi proferida pelo Cacique Orides Belino direcionada aos componentes da mesa, na
ocasião o Reitor da UFSC professor Rodolfo Pinto da Luz, representantes da FUNAI,
representantes do Estado de Santa Catarina, aos seus pares indígenas e a todos os
presentes na abertura dessa Aula Magna.
A experiência das pesquisas de campo – a pesquisa empírica é insubstituível e
complementar a todo e qualquer conhecimento proveniente tão da teoria. Quando se
está dentro da aldeia, observa-se que os indígenas não manifestam preconceito para com
os não-indígenas. Provavelmente porque eles conhecem mais da cultura não-indígena do
que o não-indígena da cultura indígena, fato evidenciado no processo de sobrevivência
pelo qual eles têm passado, sendo forçados, pelas circunstâncias, a conhecer e se
relacionar com culturas diferentes da deles.
292
NÖTZOLD, Nosso vizinho..., p. 19-20.
293
Ibid., p. 23.
294
Ibid., p. 24.
295
Ibid., p. 29.
296
O NEI foi criado em 31/03/1995, junto à Secretaria de Estado da Educação e do Desporto de
Santa Catarina, oficializado pela Portaria 4038/95/SED e ratificado pela Portaria E414/1996. Ibid., p. 30.
105
Passaram, e se adaptaram, por aprendizados, mudaram alguns hábitos decorrentes
da escassez da matéria-prima na confecção de artesanatos, mas ainda conservam parte de
suas tradições. Apesar das mudanças em seus hábitos, continuam a ser índios. Com
tranqüilidade e respeitando seu próprio tempo, vão fazendo suas conquistas,
reivindicando seus direitos, porém aguerridos para demover obstáculos provenientes do
preconceito de serem índios.
3.2. Dr. César Sartori: atendimento médico aos Kaingáng
Em 10 de março de 1941, sob o título Índios IV, Antonio Selistre de Campos
assinava o artigo com o pseudônimo “S” informando sobre a visita do Dr. César Sartori
e fornecendo pequena biografia do médico visitante:
Índios IV
Visitou os toldos de Jacu e Banhado Grande, dos índios deste
município, na primeira quinzena do mez passado, o sr. Dr. César
Sartori, medico residente em Lages. A razão de ser desta
excursão do conceituado clinico italiano, que mais de
quarenta anos está residindo no Brasil, na cidade acima referida,
onde é estimadíssimo e acatado pela população, dado o seu
espírito humanitário e competência de cientista, é que o S. S.
visitou os índios de Goiás, Pará, Mato Grosso, Parae Rio G.
do Sul
297
.
Lembra-se ao leitor que Antonio Selistre de Campos foi nomeado pelo governo
catarinense para o cargo de inspetor escolar em Lages, no período de 1912 a 1913, junto
ao Grupo Escolar Vidal Ramos, oportunidade em que provavelmente conheceu o
médico, que 40 anos este residia no Brasil, na cidade de Lages, conforme a fonte
apresentada.
Ainda na seqüência deste mesmo artigo, informou que o Dr. César Sartori emitiu
correspondências ao
sr. Dr. Roquete Pinto, escritor antropologista, que se tem
ocupado também da vida dos nossos índios, e ao sr. General
Rondon, igualmente ao Presidente da República, sugerindo a
creação de assistência medica permanente aos ditos indios
brasileiros, para combater as moléstias endêmicas e epidêmicas,
de que os mesmos vem sendo vitimas há quatrocentos anos,
morrendo à mengua e penúria, baldos de todos os recursos
298
.
297
Jornal A Voz de Chapecó. Índios IV. 10 de março de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
298
Id.
106
Pelo relato do artigo, é possível verificar aspectos da vida cotidiana nos jornais,
em especial neste caso, a fragilidade da saúde indígena pós-contato. É certo como o
próprio Antonio Selistre de Campos menciona, que em Chapecó, que é cidade, sede de
um município importante, até há dois anos atraz não havia medico nem farmacêutico
299
.
Ainda em 1941, em artigo apresentado no capítulo 2 desta dissertação, sob o
título Índios, Antonio Selistre de Campos fazia considerações a respeito da instalação do
PI Chapecó. Retoma-se o artigo em sua parte final, onde trata sobre a saúde:
O aludido Posto precisa realizar imediatamente a sua finalidade,
isto é, a proteção dos Índios.
É necessário que se consiga ao menos, periodicamente, a ida de
um medico em visita aos toldos, para prestar alguma assistência
aos índios, pois, a permanência efetiva de um clinico, como
sugere, por espírito de humanidade, o Dr. César Sartori, de
Lages, é um ideal quazi irrealizável.
Alguma cousa temos, mais uma pouca de boa vontade, e o
Posto entrará em seu regular funcionamento
300
.
Em 06 de abril de 1945, Antonio Selistre de Campos redige mais uma carta ao
então encarregado do posto Francisco Siqueira Fortes a respeito do atendimento médico
aos indígenas:
O prefeito municipal conseguiu do governador do Território (do
Iguaçu) uma verba para gratificar um médico, que fosse morar
em Xanxerê, para visitar todos os meses os Índios e atendê-los
em suas moléstias, mas, até agora não apareceu médico formado
que quisesse ir, mas espera-se que há de aparecer
301
.
Na edição de 20 de março de 1941, em artigo sem assinatura, sob o título Dr.
Sartori, o autor menciona que o médico que se deslocou de Lages visitou o toldo dos
índios e que agora, vimos em mão do Dr. Juiz de direito desta comarca, diversas
fotografias dos ditos índios na companhia daquele cientista, tiradas como recordação
dessa visita
302
.
Na pesquisa de campo desenvolvida, entre um acervo e outro, se pôde unir os
fatos, por meio dos documentos, encontrando-se uma das fotos mencionadas na notícia
acima, publicada no livro de Zedar Perfeito da Silva, quando da sua pesquisa e passagem
299
Id.
300
Jornal A Voz de Chapecó. Índios. 20 de abril de 1941. Páginas 1 e 4. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
301
Por uma Melhor Assistência aos Índios. In: Selistre de Campos. Um Homem .... et. seq.
302
Jornal A Voz de Chapecó. Dr Sartori. 20 de abril de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
107
por Chapecó, em que o referido autor menciona que a foto foi doada por Antonio
Selistre de Campos:
Contávamos com um bom trabalho do dr. Selistre de Campos
sobre os índios de Chapecó, S.S., além de profundo conhecedor
da vida dos índios desta região, tem sido o seu grande protetor.
E dando seqüência ao texto, faz referência sobre a atuação do SPI:
Entretanto, parece-nos que para não ferir suscetibilidade, o
ilustre magistrado não nos enviou o prometido trabalho. É voz
corrente que o Serviço de Proteção aos Índios de Chapecó deixa
muito a desejar.
Por gentileza do dr. Selistre de Campos, fixamos estes flagrantes
dos índios Caingangs, de Chapecó
303
.
No citado flagrante, pode-se observar o Dr. César Sartori ladeado pelos
indígenas aos quais, mesmo que esporadicamente, prestava assistência médica:
303
SILVA, Zedar Perfeito da. Op. cit, p. 331, 334.
108
FIGURA 12 – Os Índios de Chapecó
Dr. Sartori entre os índios do Toldo Banhado
304
.
304
Ibid., p. 331.
109
Em 1948, três anos após a veiculação da matéria mencionando que não surgiu
médico que quisesse ir morar em Xanxerê para atender os indígenas, Antonio Selistre de
Campos publica mais um artigo relatando a respeito da precariedade do atendimento à
saúde, bem como sobre duas mortes de indígenas idosos conhecidos seus:
Os Índios estão morrendo
Além dessas duas mortes, de índios nossos conhecidos, temos
noticia de haverem ocorrido outros óbitos, não só de homens,
como tambem de mulheres e creanças. Desnecessario é dizer:
faleceram esses, e outros vão morrendo, sem assistencia
medica
305
.
Na seqüência, apresenta o contato que manteve com o diretor do SPI sobre a
saúde dos indígenas, levando ao conhecimento dos leitores do jornal a resposta do
diretor:
Não faz muito tempo subimos ao alto dos nossos tamancos e
perguntámos a um ilustre Diretor do S.P.I. se haveria
possibilidade de prestar assistencia medica aos índios...
“Ah!” Respondeu o ilustre funcionario do S.P.I. “Infelizmente
a esse problema ainda não pudemos dar solução”
306
.
Ainda segue opinando que,
Nosso pensamento é que poderia ser destinada uma parcela
minima, de qualquer verba, para que alguns poucos dos milhares
de medicos funcionarios publicos, de Departamentos de Saude,
no Sul, Centro o Norte do País, com gratificação especial,
visitassem os toldos dos índios, pelo nosso querido País afora,
ao menos em tempos desses surtos epidemicos.
Os pobres índios estão morrendo à mingua, disse-nos o nosso
informante, mas o bom Deus sempre fornece um consolo aos
infelizes. O mal que os vai vitimando, dizem, é a febre, uma
especie de tifo
307
.
A febre, uma espécie de tifo referida por Antonio Selistre de Campos, foi uma
doença contraída pós-contato, para a qual os indígenas não tinham adquirido imunidade,
necessitando do atendimento médico do não-indígena. E se tal atendimento não vinha
dos órgãos oficiais e da medicina convencional, o acolhimento vinha pela medicina
305
Jornal A Voz de Chapecó. Os Índios estão morrendo. 19 de dezembro de 1948. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
306
Id.
307
Id.
110
tradicional das ervas, conhecida e praticada pelos indígenas, e por alguns não-indígenas,
como demonstra a fonte, a exemplo do curandeiro Ricardo:
Nessa emergencia dolorosa de sofrimento e desamparo, o
conforto aos morituros surge na pessoa de um humilde
curandeiro, o Ricardo, preto velho, analfabeto, mais pobre do
que os índios, que se vão extinguindo, na indigencia, morador
em pleno sertão, algumas leguas longe dos enfermos, fatalmente
condenados á morte, mas, aos quaes, nesse transe irremediavel,
lhes vem trazer a solidariedade de ser humano, nessa ultima
esperança de medicação ilusória
308
.
A expressão, utilizada por Antonio Selistre de Campos sobre a medicação
ilusória, está relacionada à cultura médica ocidental do não-indígena, voltada para a
utilização e aplicação dos medicamentos farmacológicos, e o curandeiro Ricardo, vinha
atender à tradição da medicação conhecida e praticada pelos indígenas na utilização de
ervas medicinais, juntamente ao contato com o mundo imaterial através dos pajés e
curandeiros.
Nötzold registra que, graças ao domínio sobre as plantas, estes habitantes
conheceram também outras de suas propriedades, como as plantas curativas, as
alucinógenas e as venenosas (utilizadas para a caça e a pesca) e baseando-se nestas
propriedades, aperfeiçoaram o seu sistema de saúde
309
.
Não se encontrou nos artigos de Antonio Selistre de Campos nenhuma menção a
utilização de ervas medicinais por parte dos indígenas, provavelmente pela descrença do
juiz nesta medicação.
Devido às suspensões do jornal por censura policial, existe um hiato de
informações entre os anos de 1946 a meados de 1948. Somente na edição de quatorze de
maio de 1950, encontrou-se apontamentos referente à saúde dos indígenas. Porém, neste
período expressivo sem tais notícias, o assunto não foi esquecido por Antonio Selistre de
Campos, mas foi esquecido pelo SPI que não tomou providências quanto a assistência
médica efetiva à comunidade indígena.
A nota, dividida em duas partes, com textos nas páginas 1 e 4, foi publicada na
edição de 14 de maio de 1950. Trazia em seu texto a informação de que
308
Id.
309
NÖTZOLD, Nosso vizinho..., p. 51.
111
no corrente ano ocorreram entre as creanças índias dos Toldos
Banhado Grande e Jacu, onde existe o Posto Indígena de
Chapecó, do Serviço de Proteção dos Índios, neste município,
inúmeros casos de coqueluche, ou tosse comprida, dos quaes
nove foram fataes
310
.
Na nota encontrou-se a informação que alguns índios adultos morreram por falta
de assistência hospitalar. Neste tempo, os médicos Drs. Carlos Kvitko e Jacir Melxer de
Xanxerê procuraram prestar assistência aos indígenas sem muitos resultados devido à
falta de medicamentos. Em função dessa carência, foram solicitadas providencias á
Inspetoria do S.P.I. de Curitiba, foi respondido não ser possível atender por falta de
verba
311
.
O SPI passava certo tempo por privações financeiras que, além de
mencionadas pelo Inspetor do SPI, vinham sendo anunciadas pelo jornal em artigos
anteriores. Em artigo assinado com as iniciais “S”, Antonio Selistre de Campos faz um
breve histórico desde a criação do SPI em 1910, comparando as condições financeiras
iniciais com as relatadas por ele naquele momento do ano de 1941:
Verbas foram votadas pelos orçamentos Públicos visando
sempre e cada vez mais realisar, e melhorar, o Serviço de
Proteção aos Índios.
Não eram grandes as quantias obtidas mas pouco a pouco e em
zig zags foram aumentando as dotações até o ano de 1930, em
que atingiu a 3.880:000$000.
O serviço não era ideal, mas, muita cousa já fôra feita em prol
dos pobres e míseros índios.
No ano imediato, 1931, a verba destinada ao S.P.I. passou a ser
1.560:000$.
Desnecessário é dizer que desmoronou toda a organização, indo,
como foi, águas abaixo, quase todo o trabalho de 20 anos.
No ano passado escrevemos nestas colunas a este respeito e
de novo nos ocupamos do mesmo assunto, porque entendemos
que serão bem empregados todos os esfórços que lhe sejam
dedicados
312
.
A saúde, com o passar do tempo, apresentou modificações que podem ser
observadas dentro da aldeia pela estrutura física atual. Hoje existe um posto de saúde na
aldeia/sede Jacu e outro na aldeia Pinhalzinho que são atendidos por enfermeiras que se
310
Jornal A Voz de Chapecó. Falta de Assistencia. 14 de maio de 1950. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
311
Id.
312
Jornal A Voz de Chapecó. Índios II. 20 de abril de 1941. Acervo Biblioteca Pública do Estado
de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
112
deslocam de Xanxerê para as aldeias, diariamente, em carro da Fundação Nacional de
Saúde/Funasa
313
. O senhor Aldonir Jacinto (1967-), conhecido por todos e apresentando-
se como Tuca, é sobrinho da Dona Divaldina Luiz Jacinto e responsável pela locomoção
desses profissionais. Em entrevista de história oral, nos conta a importância do
atendimento da saúde dentro da terra indígena embora, em se tratando de males advindos
de infecção, entre o medicamento da farmácia e o da tradição indígena, prefere as ervas
por que o mal não retorna e o remédio da farmácia tem um porém, porque certas horas
é até bom nem usar porque prejudica mais até, no meu ponto de vista, e a erva de raiz
não, né
314
.
Percebe-se o quadro de fragilidade em relação à saúde indígena: de um lado a
instalação do posto de saúde na TI proporcionando a facilidade no atendimento médico e
farmacêutico, e de outro, que esses medicamentos vêm substituindo gradativamente a
utilização das ervas medicinais, principalmente entre os indígenas mais jovens.
O professor Dalgir Pacífico Ránkán diz ter aprendido com seu pai algumas
aplicações das ervas medicinais, a exemplo da dor de bexiga, utiliza a erva de tucano,
que neste mato aqui, ainda tem bastante. Quanto ao preparo, diz ser fácil tira ela e
cozinha com uns trinta minuto mais ou menos, né, daí tira pra esfriar e depois toma
depois da alimentação, ou antes né. Pra dor de bexiga é um remedião. Este é o
benefício
315
.
Na comparação do passado com o presente, no relato oral da Dona Matilde
Koito
316
, observa-se a adaptação à realidade na sua atuação como curandeira:
313
A partir de 1999 o Ministério da Saúde, por meio da Funasa assumiu a estruturação do
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena/SASI, articulado com o Sistema Único de Saúde/SUS. O sistema
veio a atender as diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal. Disponível em: Funasa. Saúde
Indígena. http://www.funasa.gov.br/ Acesso em 15 de dezembro de 2007.
314
JACINTO, Aldonir. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em 24 de
abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
315
RÁNKÁN, Dalgir Pacífico. Entrevista... cit., 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
316
Dona Matilde Koito é filha do senhor Vicente Fókaê (1914-2006), que foi pa e um dos
rezadores do Kiki. O Kiki é um ritual de culto aos mortos, celebrado por três rezadores da aldeia. Para
tanto, precisava haver mortos das duas metades exógamas Kamé e Kairú. O parente de uma das metades é
que encomendava o ritual. Desde 2004 esta prática não ocorre mais por faltarem os rezadores, que eram os
homens mais velhos da comunidade indígena. Até então, este ritual era somente praticado na Terra
Indígena Xapecó/ SC. A respeito do ritual do Kiki ver NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. O ciclo de vida
Kaingáng (Org.) Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC, 2004, cap. 5. CREPEAU, Robert R. A
Prática do xamanismo entre os kaingang do Brasil Meridional: uma breve comparação com o xamanismo
Bororo, p. 113-129. In: Horizontes antropológicos. Porto Alegre :Ufrgs, Instituto de Filosofia e Ciencias
Humanas. v. 8, n. 18. Dez. 2002.
113
Quem herdou mais dos rituais do pai, fui eu. A gente nasce
com um dom, então eu tenho o dom assim, de trabalhar com
as ervas medicinais, né. Então como eu disse, antigamente eles
diziam benze, agora nós entendemos como oração. Eu vejo
quando é pra acontecer as coisa, né, como se fosse Kujã. Mas
que não é os bichinho que me contam, já é Deus que me fala. Já
é diferente, que agora já não existe mais aqueles bichinho, já não
tem mato, né. A coisa mudou também, né. Não existe mais nem
os bichinho de antigamente. Daí as coisa muda, né
317
.
A Dona Matilde Koito ainda faz uma diferenciação entre Pajé e Kujã e a relação
com o mundo dos animais:
O pa lida com o Kiki e ervas medicinais, benzeduras. o
Kujã eles tinham um guia deles né, era um bichinho as vez era
um tigre, gato do mato. O Kujã deles era um bichinho que vinha
avisa eles quando ia acontecer alguma coisa. E o Pajé já era mais
de dar remédio
318
.
Para Dona Matilde o tratamento com as ervas medicinais, dentro da aldeia, está
ficando esquecido,
a maioria estão esquecendo, eles já querem mais..., por exemplo,
uma gripe né. Se começa a gripe a gente da um chá ele melhora,
né. Mas não, eles não esperam, né. Eles vão no posto de
saúde, já pegam antibiótico, daí a gripe começa a fica...,
resseca, né. E os branco de fora já tão acreditando mais nas ervas
medicinais
319
.
Dona Matilde Koito avalia que está havendo um reconhecimento por parte do
não-indígena das práticas culturais indígenas, pois a chamam para o município de
Abelardo Luz duas vezes por mês, indo também às localidades de Xanxerê e Varjão para
atender às solicitações dos não-indígenas para o tratamento com as ervas medicinais. Ao
prestar o atendimento, ela leva as ervas e prepara na casa da pessoa, ficando na
residência em média de três a sete dias conforme a enfermidade.
Para a Dona Divaldina Luiz Jacinto,
na época do pinhão, nossa farinha era o pinhão, fruta mel, nós
andava bem de saúde ninguém sofria. Nós vivia no mato
colhendo fruta. Hoje os mais novo já não escutam tanto os mais
velhos. Se eu morrer, né, conforme, né, quem que vai explicar
pros novo? Por isso que eu disse, tem que ponha na memória pra
317
KOITO, Matilde. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em 20 de
junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
318
Id.
319
KOITO, Matilde. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em 24 de
abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
114
eles vê, segurá! Um dia eu não vô dura toda vida. Tomara
mesmo que eu fica que nem a mãe, que morreu com 105
ano
320
.
Ao precisar de uma consulta médica conta que o profissional perguntou para ela:
Porque que vocês tão agora atrás do nosso remédio branco? Eu
disse brigado, ocê me toca esse aqui, e levantei, sabe. Daí eu
disse, tá! Agora nós tamo, vocês..., eu disse médico, vocês tem
que cuida mais nóis do que vocês, disse. Por que? ele disse.
Porque por causa de vocês nós tamo doente. Por causa do que?
Não temo nada de come, não tem peixe, não temo mel, termino
o nosso mato. Onde que nós vamo junta pra planta? Agora eu
vejo, índio, esse ano, três índio com operação de pedra no rim.
Nunca um índio sofre disso. É a comida. Nós tamo comendo
comida de branco
321
.
Com as alterações na alimentação e o contato com o não-indígena, as doenças se
modificaram e as ervas já não ajudam tanto quanto no passado. Dona Diva agradece o
atendimento médico e odontológico recebidos, mas, sente saudades do passado.
Nas pesquisa de campo à TI Xapecó, os indígenas demonstram a importância da
utilização das ervas medicinais e, ao mesmo tempo, certa preocupação com os mais
novos pela facilidade com que utilizam os medicamentos farmacológicos.
A Dona Matilde conserva o anseio de passar os ensinamentos do preparo das
ervas para atendimento de primeiros socorros, principalmente para as mulheres, por
estarem num convívio mais próximo com os filhos, procurando manter a transmissão
dos ensinamentos, pela tradição oral.
3.3. Terra: o tema em questão
Halbwachs afirma que tudo se entrelaça, e não podemos prever no momento
quais serão as repercussões de um acontecimento, e mesmo em que regiões do espaço se
propagarão
322
. É o que se pode analisar nas repercussões dos artigos de Antonio Selistre
de Campos, que ecoaram além dos limites da cidade de Chapecó, apesar das dificuldades
de comunicação para a época.
320
JACINTO, Divaldina Luiz. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em
20 de junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
321
Id.
322
HALBWACHS, op. cit., p. 111.
115
Essas repercussões fazem parte de um mesmo contexto, desencadeado em
acontecimentos distintos que se completam nas diversidades de opinião, sejam expressas
nos jornais, sejam discutidas entre os deputados na Assembléia Legislativa.
O conjunto da pressão exercida publicamente para a instalação de um PI e a
defesa das terras dos Kaingáng, insistentemente abordada, resultou na efetivação do
registro público lavrado em cartório no ano de 1965, documento já apresentado.
Além da publicação dos artigos, Antonio Selistre de Campos redigia e enviava
cartas relatórios para as autoridades da época, a fim de mantê-los informados, e
igualmente deixar claro que alguém estava supervisionando as empreendidas a favor ou
contra os indígenas.
Após sua aposentadoria em 1947, Antonio Selistre de Campos começa a atuar no
cenário sócio-político com maior exposição, assinando seu nome completo. No ano de
1951 envia relatórios ao Deputado Paulo Marques; em 1953 ao Governador de Santa
Catarina, Irineu Bornhausen, e em 1957 ao Presidente da República Sr. Juscelino
Kubistschek de Oliveira
323
. Todos eles denunciando conflitos de terras entre os não-
indígenas e os Kaingáng.
Tais relatórios, na contextualização desta pesquisa, demonstram o empenho de
Antonio Selistre de Campos na defesa das terras dos Kaingáng, uma vez que a terra é o
local de origem no mito de nascimento deste povo
324
. Transcrevemos abaixo fragmento
da carta relatório enviada ao Presidente da República em 1957:
Respeitoso solicito se digna desculpar-me da intromissão em
assuntos, que a primeira vista, parece escapar a minha
atribuição, pela situação em que me encontro, de humilde
magistrado aposentado. Acontece, porém que ao tempo em que
estive na atividade e exercício da magistratura, nesta comarca,
fui chamado a intervir contra a prática de uma injustiça, prestes
a ser consumada, e que fracassou, há quase vinte anos (20)
passados, ou seja, no princípio do ano de 1934. E DESDE
ENTÃO A LUTA DOS HUMILDES ÍNDIOS DE CHAPECÓ,
COM A CONSEQUENTE PERDA DE GRANDE PARTE DE
TERRAS DEVOLUTAS DO ESTADO
325
.
323
Documentos acervo CEOM, Chapecó/SC.
324
Para saber mais sobre o mito de origem do povo Kaingáng, consultar obra citada: NÖTZOLD
& MANFROI (organizadoras). Ouvir Memórias Contar Histórias... passim.
325
CAMPOS, Antonio Selistre de. Relatório enviado ao Presidente da República em 1957.
Acervo CEOM, Chapecó/SC.
116
A adoção da Lei de Terras, a partir de 1850, deu ao Estado imperial o controle
sobre as terras devolutas, uma vez que, no regime anterior de concessão de sesmarias
326
,
as terras eram passadas de forma livre e desordenada ao patrimônio particular
327
. Porém,
a Lei de 1850 não acabou com as práticas da passagem das terras devolutas para o
domínio privado.
Silva comenta que, com a passagem das terras devolutas para o domínio dos
estados, na Constituição de 1891, levou-se para o âmbito estadual a decisão a respeito
das duas políticas: terra e mão-de-obra. Daí a resposta do governador do Estado do
Paraná em atendimento ao pedido do Cacique Vanhkrê, originando o Decreto 7 em
1902, sobre a terra hoje ocupada pelos Kaingáng entre os rios Chapee Chapecozinho,
uma vez que um dos dispositivos da Lei de Terras era de que o governo reservaria terras
devolutas para a colonização indígena
328
. Nesse estudo, o enfoque recai sobre a terra e
não sobre a mão-de-obra
329
.
A temática da terra foi o tema com o qual Antonio Selistre de Campos mais se
ocupou, redigindo e publicando artigos até o ano de 1957. Esse tema foi pauta na sessão
ordinária da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Ata de nº. 134, em 4
de novembro de 1948, publicada regularmente como resenha dos trabalhos no Jornal O
Estado de Florianópolis, edição nº. 10.384 em 5 de novembro do mesmo ano. Na
primeira página do jornal, observa-se no título da resenha a defesa aos Kaingáng:
NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. Indicação dos sr. Orty
Machado. O sr. Cide Ribas defende os Índios Coroados.
Moção de aplausos ao sr. Alfredo Campos. O sr. Armando
Calil e o porto de Laguna. – emendas apresentadas ao projeto de
orçamento, pelo sr. Estivallet Pires. – outras notas.
330
(sem grifos
no original)
Na ocasião, o deputado Cid Ribas, representante do município de Chapecó,
apresentava o problema mencionado nos artigos de Antonio Selistre de Campos sobre a
ameaça de posse da terra ocupada pelos Kaingáng às margens do Rio Chapecó. Na
326
Sistema criado em Portugal no final do século XIV. Visava acabar com terras ociosas
tornando-as cultiváveis sob pena de perda de domínio. Ao sistema ser trazido para o Brasil, não deu conta
frente a extensão geográfica do Brasil, diferentemente de Portugal. In: SILVA, Terras devolutas..., p. 37.
327
Ibid., p. 334.
328
Ibid., p. 143.
329
A respeito da mão-de-obra, remete-se o leitor à obra já citada de SILVA, Lígia Osório. Terras
devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
330
Jornal O ESTADO. Na Assembléia Legislativa. 05 de novembro de 1948. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
117
deliberação da sessão, foi requerido e aprovado o envio de telegramas ao Ministro da
Guerra
331
, a quem o SPI estava subordinado, e ao Inspetor Regional do SPI em Curitiba.
O teor dos protestos solicitava que não fosse permitida a efetivação de medidas
constantes em acordo firmado entre o SPI e o advogado contratado por Alberto Berthier
de Almeida, que reivindicava as terras ocupadas pelos indígenas.
Nota-se que esse empreendimento, movido por Alberto Berthier de Almeida e
pelas ações de Antonio Selistre de Campos, persiste desde o ano de 1933/34, como
mencionado pelo próprio juiz na carta enviada ao Presidente da República. Lembramos
ao leitor que alguns artigos de Antonio Selistre de Campos foram publicados no jornal
Diário da Manhã, na cidade de Passo Fundo/RS, onde residia o senhor Alberto Berthier
de Almeida.
Dentre os artigos determinantes para o tema das terras ser pauta na Assembléia
de 4 de novembro de 1948, destaca-se o intitulado O SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS
INDIOS PASSA A SER DE PERSEGUIÇÃO AOS INDIOS DE CHAPECÓSINHO.
Ressalta-se que essa matéria foi assinada sob as iniciais A. S. Campos.
O título em caixa alta, na primeira página do jornal de 24 de outubro de 1948,
trazia pequena retrospectiva da ocupação de terra dos Kaingáng pautado pelo Decreto nº.
7 de 1902, que reservava a área aos indígenas; o requerimento de Alberto Berthier de
Almeida solicitando medição administrativa das terras ocupadas pelos Kaingáng desde
tempos imemoriais requerendo título de propriedade e a atuação do SPI, que ao invés de
defender os direitos indígenas, passou a defender suposto direito do madeireiro de Passo
Fundo. Antonio Selistre de Campos, na época registrava publicamente por meio do
jornal que o
S.P.I. significa: Serviço de Perseguição aos Índios, mas fiquem
todos certos: isto não será impunemente, queremos dizer, será
com o nosso protesto, pela imprensa e por todos os meios que
estejam ao nosso alcance.
Essa preblenda[sic] é uma espoliação aos pobres índios e um
assalto ao Patrimônio Nacional.
O sr. A. Berthier recebeu uma procuração em causa própria de
indivíduos que não tinham direito algum.
Esse cidadão quer fundamentar o suposto direito dos taes
cidadãos em uma escritura de hipoteca, feita em Guarapuava, no
331
Inicialmente subordinado ao Ministério da Agricultura, pelo Decreto 24700, de 12 de julho de
1933, o SPI é transferido do Ministério do Trabalho para o Ministério da Guerra por entendimento do
governo que o indígena enquanto habitante das fronteiras, deveria ser educado para o resguardo da
nacionalidade e das fronteiras brasileiras, posteriormente retornando ao Ministério da Agricultura em
1940. LIMA, op. cit., p. 230 a 285.
118
ano de 1859, a Joaquim Jose Gonçalves e que não foi
executada
332
.
Na edição seguinte, do dia 31 de outubro, o assunto sob o título S. P. I.
SIGNIFICA/SERVIÇO DE PERSEGUIÇÃO AOS INDIOS, seqüência ao fato, e o
tema foi publicado não no jornal A Voz de Chapecó, mas também no O Imparcial,
Jornal do Povo de Chapecó/SC e no jornal O Estado de Florianópolis/SC. Neste último
jornal, foram publicados sequencialmente, mais de 18 artigos sobre o tema das terras.
Na edição d’A Voz de Chapecó de 14 de novembro de 1948 foram publicadas,
duas matérias sobre o assunto da Assembléia: na página 2, no topo, à esquerda, a matéria
Defesa Dos Indios De Chapecó com a transcrição dos telegramas enviados ao General
Ministro da Guerra no Rio de Janeiro/RJ e ao Inspetor Regional do SPI em Curitiba/PR.
A outra, sob o título O S.P.I. e os Indios Caingangs de Chapecó, localizada no topo da
última página, registrou a manifestação do vereador João Batista Zeca, da Câmara de
Vereadores local, a favor dos indígenas. Ambas as matérias foram editadas sem
assinatura, porém a primeira vem com a seguinte conclusão: -se assim que não somos
os únicos a erguer nossa voz em defesa dos humildes Índios de Chapecó. Em outro
logar desse periódico na edição de hoje, noticiamos a atitude da Câmara dos srs.
Vereadores locaes
333
. Pela análise desta última redação, conclui-se que esses artigos,
também foram escritos por Antonio Selistre de Campos.
Em 28 de novembro, A Voz de Chapecó publicou pequena nota intitulada
SERVIÇO DOS INDIOS, relatando que os jornais Diário da Manhã de Passo Fundo/RS
e A Voz da Serra de Erechim/RS, datados ambos de 14 de novembro de 1948,
publicaram na íntegra o editorial sobre o Serviço de Proteção ou Perseguição aos Índios
de Chapecósinho.
Segue o artigo publicado em primeira página, para visualização e interação do
leitor, com o tema que envolveu a temática da terra e o SPI
334
:
332
Jornal A Voz de Chapecó. O Serviço de Proteção aos Índios passa a ser de Perseguição aos
Índios de Chapecósinho. 24 de outubro de 1948. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
333
Jornal A Voz de Chapecó. Defesa dos Índios de Chapecó. 14 de novembro de 1948. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
334
Pela importância do artigo, optou-se em apresentá-lo na íntegra.
119
FIGURA 13 - O Serviço de Proteção aos Indios passa a ser de PERSEGUIÇÃO aos
Indios de Chapecósinho
FONTE: Acervo CEOM, Chapecó/SC.
120
Por meio das fontes apresentadas até o momento, pode-se analisar que Antonio
Selistre de Campos conquistou aliados para a questão dos Kaingáng, mas também
opositores que se manifestaram em defesa de supostos direitos.
Percebeu-se nas repercussões, o somente dos artigos, mas também das atitudes
de Antonio Selistre de Campos, um efeito catalisador positivo levando aos Kaingáng, na
busca e encontro de seu apoio, maior segurança e valorização no interior do grupo.
Assim, são as repercussões, e não o acontecimento, que penetram a memória de um
povo que as suporta, e somente a partir do momento em que elas o atingem
335
.
Conforme a narrativa do senhor Floriano Belino, numa das ocasiões em que
procurou Antonio Selistre de Campos, foi para defesa das terras dos Kaingáng, o qual
não negou seu auxílio, mesmo já estando aposentado,
o juiz se aposento e o lugar fico pra otro dai ele morava perto do
foro assim, quarque uma coisa que o índio, que ele sempre vinha
visita o índio, porque uma coisa errada o índio ia né, ele ia lá
falava com o outro e ele arrumava. Na ocasião o cacique era o
tal Pica-pau e o chefe do SPI Nereu Costa estava entregando as
terra...vão fazê tudo de novo pros índio... e ele queria manda eu
pro Mato Grosso e que ia me prende. Eu me aprontei e levei um
índio junto comigo, o João Modesto. Aí fomo em Chapecó,
peguemo só um ônibus que passava, a estrada era ruim, e se
fomo pra Chapecó. Cheguemo lá, e no outro dia fomo na casa do
Dr. Selistre, ele já me conhecia e pedimo socorro aí que o
negócio tava feio. o Dotor converso comigo e disse leva
vocês lá no Foro. Ele era manco assim e ai me apresento pro
Dotor Juiz, daí ele ta pedindo socorro aí, você prepara um
documento especial pra ele pra nada acontece, ninguém vai
senta a mão
336
.
O ônibus referido pelo senhor Floriano Belino atende à necessidade de acesso ao
transporte coletivo e à comunicação com as localidades próximas. Trata-se de uma
realidade da época, ainda atual, apesar das más condições das estradas. A TI Xapecó é
cortada por duas estradas principais
337
que ligam os municípios vizinhos, sendo que o
transporte de ônibus atendia, e ainda atende, à comunidade, fazendo linha nesses trechos
335
HALBWACHS, op. cit., p. 111.
336
BELINO, Floriano. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. Terra
Indígena Xapecó/SC, 20 de junho de 2006.
337
A SC 480 asfaltada, atravessa a extremidade norte da TI Xapecó em um trecho de 5Km
ligando os municípios de Bom Jesus e Ipuaçu. A outra estrada que liga Bom Jesus a Entre Rios, não é
asfaltada com trânsito menos intenso atravessando a área indígena numa extensão de 9Km. In:
FERNANDES, Ricardo Cid. Impactos da UHE Quebra-Queixo sobre a TI Xapecó Laudo
Antropológico. Florianópolis, fev. 2001. Acervo NEPI/UFSC.
121
facilitando o acesso às cidades próximas (Xanxerê, Chapecó, Abelardo Luz, Quilombo,
São Domingos, Bom Jesus, Lageado Grande, Marema ...).
Nereu Costa, mencionado pelo senhor Floriano Belino como sendo chefe do SPI,
tinha o cargo de encarregado do PI Chapecosinho, desempenhando suas funções no
período de 1949/50 a 1964
338
.
O episódio narrado pelo senhor Floriano Belino o enche de orgulho, pois
antecedeu o período em que foi cacique da TI Xapecó/SC.
Ao ver o seu povo ameaçado no direito a permanecer na terra, buscou ajuda ao
modo de seus parentes Kaingáng no ano de 1934. Esse episódio foi registrado por
Wilmar D’Angelis
339
como sendo o primeiro contato entre os Kaingáng e o juiz Antonio
Selistre de Campos. Na ocasião, Pedro Pica-pau, mencionado pelo senhor Floriano
Belino era uma das autoridades indígenas que participou de uma reunião em Xanxerê,
promovida pelo SPI, convocada pelo agente Guimorvan Winkler
340
em 1933, a fim de
tratar sobre a medição das terras dos Kaingáng em favor de Alberto Berthier de
Almeida, para desalojar os indígenas. As terras e as florestas de araucárias começavam a
ganhar valor no Oeste Catarinense na década de 1940
341
.
Este mesmo episódio foi publicado no jornal A Voz de Chapecó e, na versão de
Antonio Selistre de Campos, a convocação partiu do Engenheiro do Ministério do
Trabalho Carneiro Diniz. Tais informações foram registradas por Antonio Selistre de
Campos em artigo publicado de primeira página, no dia 20 de março de 1941, o qual se
transcreve parcialmente:
INDIOS V
Em virtude de uma série de reclamações por algumas pessoas,
que se julgavam prejudicadas a respeito de terra ocupadas pelos
índios, em Dezembro de 1933, veiu a este município o
Engenheiro Carneiro Dinis, do Ministério do Trabalho.
Na segunda quinzena daquele dito mês e ano, realizou-se em
Xanxerê, uma audiência, convocada pelo Engenheiro Dinis e
para a qual foram chamados 25 indios dos mais influentes, nos
quatro toldos situados entre os rios Chapecó e Chapecósinho.
Representando os elementos contrarios aos interesses dos índios
compareceram os senhors Epaminondas Ribas, por si e como
representante do sr. Euclides Melo, o sr. Bertier Almeida, que,
338
SANTOS. A Integração do Índio..., p. 73.
339
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Para uma história dos índios do oeste catarinense. In:
Cadernos... op. cit., p. 321.
340
Id.
341
Id.
122
naquele tempo, era Prefeito Municipal, o sr. Antonio Rebolho,
por parte do General Fidencio de Melo e Talvez outros
342
.
Na época referida no artigo, o senhor Alberto Berthier de Almeida foi prefeito de
Chapecó, nomeado pelo Interventor Federal Interino do Estado, coronel Luiz Carlos de
Moraes, em 15 de setembro de 1932, permanecendo no cargo até abril de 1934
343
.
Supõe-se que era um conhecedor das riquezas da região, por isso seu interesse
econômico; madeireiro, extrativista.
No artigo, é relatado que falou em nome de seus subordinados, o índio Crispim
Chaves, que naquele tempo era o cacique, o qual disse que a medição das suas terras
devia ser pela antiga linha e que para isso os índios fariam a mudança dos toldos.
Imagine-se!...
344
Após a concordância de todos os presentes, ficou estabelecido prazo até 24 de
fevereiro de 1934 para a mudança, ocorre que,
faltando dez dias para findar o prazo marcado, dois índios dos
elementos populares , isto é, que não tinham feito parte daqueles
25 acima mencionados, vieram falar ao Juiz de Direito e
perguntarem se eram obrigados a se mudar, conforme os chefes
tinham prometido, acrescentando que os índios, em geral, com
exceção daqueles que estiveram na audiência, eram contrários à
mudança
345
.
O juiz ouviu as considerações dos indígenas que explicaram terem no local dos
toldos, suas moradias, ou ranchos, e arvoredos, embora humildes e reduzidos, terrenos
de pastagens para suas criações,... hervaes trabalhados onde colhiam alguma herva.
Justificaram ainda que, para fora das linhas da antiga medição, nada dessas utilidades
havia
346
.
A par do ocorrido, o juiz, após explicar a situação jurídica, disse-lhes que os
índios não eram obrigados a se mudarem com os seus toldos dos logares onde se
achavam.
342
Jornal A Voz de Chapecó. Índios V. 20 de março de 1941. Assinado S. Acervo Biblioteca
Publica do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
343
HASS, Mônica. Os partidos políticos e a elite chapecoense. Um estudo de poder local
1945 a 1965. Florianópolis, 1993, 361f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) Universidade
Federal de Santa Catarina, p. 80.
344
Jornal A Voz de Chapecó. Índios V. 20 de março de 1941. Assinado S. Acervo Biblioteca
Publica do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
345
Id.
346
Id.
123
Ainda enfatiza no artigo que,
Como se vê acima, isso ocorreu antes da Constituição Federal de
1934, que garantiu a posse das terras dos silvivolas.
Ao ouvirem a resposta do Juiz, disseram os índios:
<Ah! Então nós não se muda.>
Regressando ás suas tabas, fizeram assembléia da tribu e
depuzeram as suas autoridades, aclamando outras.
Seguiram-se depois mil outros acontecimentos que longe iria a
sua enumeração
347
.
Essa ocorrência somente foi trazia à público por Antonio Selistre de Campos,
devido à morte de um dos caciques que participou do movimento de permanência dos
índios em suas terras:
Um dos dois índios, que vieram falar ao Dr. Juiz de Direito, foi
esse João Albino, recentemente assassinado, conforme notícia
que publicamos em outro logar deste periódico, o qual então
ficou como simples tenente, vindo um ou dois anos após ser
aclamado Major, ou Cacique
348
.
O apoio à defesa e permanência dos indígenas em suas terras foi constantemente
debatido por Antonio Selistre de Campos, e esclarecia que não se tratava, embora
pudesse parecer, que taes cousas poderiam assumir feição de lamuria, enternecimento,
caridade, nada disso, porém, nos interessa, o que pleiteamos em defesa dos Índios é que
se observe, que se cumpra, que se obedeça à lei e ao direito. Este artigo, publicado na
primeira página, o qual se transcreve parcialmente, esclarece os leitores do jornal que:
EM DEFESA DOS INDIOS
Fraca defesa é a que fazemos, disto sabemos, mas havemos de
prosseguir.
A Constituição Federal garante a posse de terras dos silvícolas
(art. 216), e no Pinhalzinho existem talvês cem famílias de
Índios Caingangs, ali estabelecidos, por seus antepassados, deste
tempos imemoriais
349
.
Como se pôde observar, o jornal de edição semanal não se privava de, com
freqüência, em números seguidos, estar publicando e noticiando sobre o cotidiano dos
Kaingáng.
347
Id.
348
Id.
349
Jornal A Voz de Chapecó. Em defesa dos Índios. 25 de setembro de 1949. Assinado S.C.
Acervo Biblioteca Publica do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
124
Da análise das fontes levantadas até o presente momento, foi possível perceber
que, na maioria das vezes, os Kaingáng tiveram sua voz representada por diferentes
porta-vozes, engajados pelo senso de justiça e humanidade.
Provavelmente a representatividade de que estava investido o juiz Antonio
Selistre de Campos muito facilitou agregar aliados à causa indígena, como também
observou-se que havia opositores que estavam a defender os supostos direitos de Alberto
Berthier de Almeida. Em vários artigos, Antonio Selistre de Campos provava por
documentos a ilegitimidade do pedido de Alberto Berthier de Almeida. Tanto ilegítimo
que não conseguiu efetivar o esbulho das terras dos Kaingáng.
125
ARGUMENTOS PARCIALMENTE CONCLUSIVOS
Esta pesquisa dedicou-se à análise e repercussões dos artigos de Antonio Selistre
de Campos, editados no jornal A Voz de Chapecó, entre os anos de 1939 e 1952.
Conjugou-se fontes escritas e orais e os resultados gradativos do empenho de Antonio
Selistre de Campos, a exemplo do Título de Propriedade da Terra Indígena Xapecó,
registrado em Cartório no ano de 1965, constando nesse documento seu nome como
referência da localização da Terra Indígena Xapecó: situada no local denominado Posto
Indígena Dr. Selistre de Campos, Distrito e Município de Xanxerê.
Buscou-se mostrar, com pesquisa alicerçada na metodologia da etno-história, na
memória, na história oral e história do tempo presente, que os artigos publicados sobre
fatos ocorridos e denunciados pelo jurista não passaram despercebidos, e ainda se
mantêm vivos na memória dos mais velhos da comunidade, embora, por diversas vezes,
ele mesmo tenha dito que não teria a certeza de ser ouvido em sua fraca voz: Fraca
defesa é a que fazemos, disto sabemos, mas havemos de prosseguir
350
.
Seu empenho aplicado na defesa dos Kaingáng registrou o processo, no entanto,
pouco o atenuou. Os registros deixados por Antonio Selistre de Campos prestaram sua
função social, por conterem narrativas de denúncia pública ao abordar problemas
relativos à educação, à saúde e à terra, numa perspectiva de melhorar a condição de vida
dos Kaingáng do Oeste Catarinense. Porém, percebe-se que algumas situações do
passado se repetem na atualidade, embora em outra intensidade, mas ainda ligadas aos
temas de educação, saúde e terra não dos Kaingáng, mas dos povos indígenas em
geral.
No manuseio das fontes algumas dificuldades foram encontradas; uma delas foi a
separação desses temas contidos nos artigos para melhor contextualização pois, não
raras vezes, os temas perfazem um mesmo texto. Daí conclui-se que Antonio Selistre de
Campos via o indígena como um todo, considerando-se o tripé proposto por Maia “a
educação, a saúde e a terra” como necessidades básicas e garantias ao seu
desenvolvimento cultural e étnico.
No posicionamento do jurista frente à causa indígena, encontra-se o paradoxo da
profissão que facilitou inserir na comunidade da época o conhecimento de uma etnia
350
Jornal A Voz de Chapecó. Em defesa dos Índios. 25 de setembro de 1949. Assinado S.C.
Acervo Biblioteca Publica do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
126
diferenciada. Por outro lado, ele precisou ocultar-se temporariamente utilizando
pseudônimos, o que não lhe tira o mérito de ter sido testemunha ocular de parte da
história dos Kaingáng. Não ouviu contar, presenciou, participou, interagiu, como se pôde
examinar através das fontes apresentadas no decorrer deste estudo.
Esta pesquisa se mostra significativa no sentido de somar ao que existe
registrado sobre a história do povo Kaingáng do Oeste de Santa Catarina. O intercâmbio
dos documentos escritos e da oralidade, apontam um tempo vivido, bem como a
transferência da memória para o papel, servindo àqueles que não tiveram a oportunidade
de ouvir a história do grupo da voz dos mais velhos.
Dialogar com os relatos de memória indígena em conjugação com a memória
escrita, permitiu acessar um passado rico que, muitas vezes, a cultura dominante
ofuscou, mas não apagou. O registro dessas memórias significou reatar vínculos com o
passado.
O professor Getúlio Narcizo, ao ser indagado sobre o acesso aos documentos que
narram a história dos Kaingáng, a transmissão da tradição oral e a memória dos mais
velhos, relata que
o registro que na verdade nós não temos acesso, então,
quando eu digo para a senhora que a nossa geração ficou fora,
não é que nós não temos interesse, na verdade interesse, o
problema é que a deficiência tanto por parte dos nossos índios,
que não conseguiram relatar, tipo os índios que viveram na
época do Selistre de Campos, a grande maioria não existe
mais, ou aqueles que existem eles tem bem pouca lembrança, daí
entre você buscar com eles e outros fatos já escritos, é o que se
torna complicado para nós
351
.
Considera-se esta pesquisa parcialmente concluída, uma vez que trouxe muitas
outras interrogações aos questionamentos iniciais, e, novos questionamentos com o
manuseio e análise das fontes, sinalizando para a inesgotabilidade do tema e das fontes.
Entre esses questionamentos, alguns relacionam-se ao Jornal A Voz de Chapecó:
Quem comprava o jornal? Quem eram seus assinantes? Qual o número de tiragem
semanal? Como se dava sua distribuição? Por que deixou de circular? Se o jornal seguiu
com suas publicações, mesmo que em curto espaço de tempo, como ficaram as notícias
sobre os Kaingáng, após a morte de Antonio Selistre de Campos? Alguém teria
assumido essa tarefa?
351
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. Terra
Indígena Xapecó/SC, 23 de abril de 2007.
127
Outra inquietação é relativa ao interesse da população na temática indígena: O
quanto a população local estava interessada no assunto, pelo assunto em si, e não tão
pelo respeito ao jurista? Dos esforços empreendidos por Antonio Selistre de Campos em
prol dos Kaingáng, o que ficou na memória da cidade de Chapecó além do Museu Dr.
Selistre de Campos?
Quanto a Antonio Selistre de Campos, questiona-se o que o motivou a
empreender tantas ações na defesa dos Kaingáng. Por certo não foi o fato de ser juiz,
uma vez que após a sua aposentadoria seguiu publicando artigos, principalmente sobre a
temática das terras.
Contudo, como definir Antonio Selistre de Campos? Um humanista? Um
positivista? No desenvolvimento desta pesquisa não foram localizados indícios que
apontassem para o positivismo. Após sua morte, no editorial de 08 de dezembro de 1957
do jornal A Voz de Chapecó, Antonio Selistre de Campos é definido como democrata e
humanitário.
Da mesma forma, nos jornais que foram contemporâneos à Voz de Chapecó, não
se localizaram notícias sobre os Kaingáng, a não ser algumas publicadas a pedido
naqueles jornais.
Provavelmente algumas dessas inquietações poderiam ter sido amenizadas com
entrevistas em história oral, no entanto, as pessoas indicadas para prestar depoimentos
não se colocaram à disposição na colaboração de informações à pesquisa.
A importância em pesquisar a história dos Kaingáng a partir da personalidade de
Antonio Selistre de Campos está sobretudo na sua dedicação a esse povo, cuja pesquisa
proporcionou maior cobertura sobre a história da etnia, material que não pretende
esgotar-se em si, mas contribuir para os estudos na área da etno-história.
Constatou-se no tripé apresentado os Kaingáng, Antonio Selistre de Campos e
o jornal A Voz de Chapecó importante meio de acesso ao passado, seja na utilização
das fontes escritas, seja na de fontes provenientes da tradição oral, registrando
permanências, reelaborações e esquecimentos ao longo desse processo histórico.
Muito se aprendeu, no desenvolvimento deste estudo, com o somatório de
informações enriquecendo o conhecimento pessoal. Aprendeu-se principalmente com a
responsabilidade com o aspecto social para com o grupo indígena, proporcionado pelo
contato com etnia diferenciada e ainda discriminada pela comunidade do entorno, da
qual faz parte, e que, apesar dessa discriminação, se mantêm forte pelo brio próprio de
ser, característica do povo Kaingáng.
128
FONTES E BIBLIOGRAFIA
ARRUDA, Mara Paulina Wolff. Antonio Selistre de Campos. “O Guardador da
Cidade”. Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação em História: Cidade,
Cultura e Poder na Universidade Comunitária Regional de Chapecó, UNOCHAPECÓ,
como requisito para obtenção do diploma de especialista em História, 2002.
ARRUDA, Mara Paulina Wolff. Apresentação. Antonio Selistre de Campos. O
guardador da cidade. In: A Voz de Chapecó: artigos de Antonio Selistre de Campos –
1939 a 1952. Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (Org.). Chapecó: Argos,
2004.
A Voz de Chapecó: artigos de Antonio Selistre de Campos 1939 a 1952. Centro de
Memória do Oeste de Santa Catarina (Org.). Chapecó: Argos, 2004.
BALDUS, Herbert. Ensaios de etnologia brasileira. São Paulo: Ed. Companhia
Nacional, 1937.
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República de 1930 a 1960. ed.
reimpressão. Vol. 3. São Paulo, Alfa-Omega, 1981.
BELLANI, Eli Maria. Balsas e balseiros no Rio Uruguai (1930-1950). In: Cadernos do
CEOM. CEOM: 20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina.
Edição Comemorativa. N.º 23. Chapecó: Argos, 2006.
_______. Madeiras, balsas e balseiros no Rio Uruguai: o processo de colonização do
velho município de Chapecó (1917/1950). Florianópolis, 1991, 307f. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina.
BORBA, Telêmaco. Observações sobre os indígenas do Estado do Paraná. Revista do
Museu Paulista, v. 6, São Paulo, 1904, p.54 apud. In: TOMASINO, Kimiye, MOTA,
Lúcio Tadeu e NOELLI, Francisco Silva (Orgs.). Novas contribuições aos estudos
interdisciplinares dos Kaingáng. Londrina: Eduel, 2004.
BURKE, Peter. A arte da conversação. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
paulista, 1995.
_______. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
129
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. ed. Florianópolis:
Lunardelli, 1994.
CABRAL, Oswaldo Rodrigues, 1903-1978. João Maria: uma interpretação da
campanha do contestado. São Paulo: Ed. Nacional, 1960.
Cadernos do Centro de Organização da Memória Sócio-Cultural do Oeste de Santa
Catarina - CEOM. Ano 4, N.º 6. Novembro/1989, Chapecó/SC.
Cadernos do CEOM. CEOM: 20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa
Catarina. Edição Comemorativa. N.º 23. Chapecó: Argos, 2006.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo:
Contexto/Edusp, 1988.
CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino (imprensa e
ideologia no jornal “O Estado de São Paulo”). Editora Alfa - Omega, São Paulo,
1980.
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. impressão.
Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, SP, 2004.
Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional de 5 de outubro
de 1988 com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.1, de 1992, a
32, de 2001, e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de n.1 a 6, de 1994.17ª ed.
Brasília, Câmara dos Deputados, 2001.
CREPEAU, Robert R. A Prática do xamanismo entre os kaingang do Brasil Meridional:
uma breve comparação com o xamanismo Bororo. In: Horizontes antropológicos. Porto
Alegre :Ufrgs, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. v. 8, n. 18 (dez. 2002).
CUNHA, Manuela Carneiro (Org.). Legislação indigenista no século XIX. São Paulo:
Editora da USP: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992.
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. História do Toldo Imbú. O Cacique Condá, os
Índios do Xapecó (SC) e as terras do Imbú. Projeto Barragens – UFSC/CNPQ, 1993.
130
_______. Para uma História dos Índios do Oeste Catarinense. Cadernos do Centro de
Organização da Memória Sócio-Cultural do Oeste de Santa Catarina - CEOM. Ano
4, N.º 6, Novembro/1989, Chapecó/SC.
_______. Para uma história dos índios do oeste catarinense. In: Cadernos do CEOM.
CEOM: 20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina. Edição
Comemorativa. N.º 23. Chapecó: Argos, 2006.
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha; FÓKÂE, Vicente Fernandes. Toldo Imbú. Série
Documento. UNOESC, Campus Chapecó, Setor de Editoração, 1994.
d’ACAMPORA, Márcia. A construção da imagem do inimigo: o papel dos jornais
durante a Segunda Guerra Mundial em Florianópolis 1939/1945. Florianópolis,
1992, 168f. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Santa
Catarina.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Edições Vértice, vol. 2, n. 3, 1989.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2003.
FERNANDES, Ricardo Cid. Impactos da UHE Quebra-Queixo sobre a Terra
Indígena Xapecó – Laudo Antropológico. Florianópolis, fev 2001.
GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo: HUCITEC: Editora
da Universidade de São Paulo. Secretaria de Estado da Cultura, 1989.
GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-
Nação na Era Vargas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, n 39, 2000.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (organizador). Quem são, quanto são e onde estão os
povos indígenas e suas escolas no Brasil? Programa Parâmetros em Ação de Educação
Escolar Idígena. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental,
2002.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
131
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
HASS, Mônica. Os partidos políticos e a elite chapecoense. Um estudo de poder
local 1945 a 1965. Florianópolis, 1993, 361f. Dissertação (Mestrado em Sociologia
Política) – Universidade Federal de Santa Catarina.
Horizontes antropológicos. Porto Alegre :Ufrgs, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. v. 8, n. 18 (dez. 2002).
LADEIRA, Maria Inês; MATTA, Priscila (Org.) Terras Guarani no litoral: as matas
que foram reveladas aos nossos avós=Ka´agüy oreramói kuéry ojou rive vaekue y.
São Paulo: CTI - Centro de Trabalho Indigenista, 2004.
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. 1979; Estrutura da notícia. 1985;
Linguagem jornalística. 1986; BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. Volumes I e II.
1990. In: d’ACAMPORA, Márcia. A construção da imagem do inimigo: o papel dos
jornais durante a Segunda Guerra Mundial em Florianópolis 1939/1945.
Florianópolis, 1992, 168f. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de
Santa Catarina.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
2003.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um Grande Cerco de Paz: poder tutelar,
indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1995.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA,
Manuela Carneiro (Org.). Legislação indigenista no século XIX. São Paulo: Editora da
USP: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY,
Carla Bassanezi (Organizadora). Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das
chefias caboclas (1912-1916). Campinas: UNICAMP.
MAGALHÃES, Edvard Dias (Org.). Legislação indigenista brasileira e normas
correlatas. Brasília: FUNAI/DEDOC, 2002.
132
MAIA, Delta Maria de Souza. A União como opção: de tradicionais adversários a atuais
aliados, Wapixana e Makuxi na luta pelos direitos de cidadania dos povos indígenas em
Roraima 1900/1988. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe (Org.). Capítulos Tese
Inéditos (in memorian). Material inédito ainda não publicado. Florianópolis,
Julho/2007.
_______. Educação Wapixana: ontem e hoje. Comunicação apresentada no IV Encontro
Nacional de Pesquisadores do Ensino de História. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe
(Org.). Coletânea de Artigos Inéditos (in memorian). Material inédito ainda não
publicado. Florianópolis, 2007.
MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Loyola, 2005.
NASCIMENTO, Ernilda Souza do. vida na história dos outros. Chapecó: Argos,
2001.
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. A Trajetória da implantação do ensino diferenciado: o
caso Kaingáng do Xapecozinho. VII Encontro Estadual de História - ANPUH.
História: experiências e desafios. Florianópolis, 28 a 31 de agosto de 2000. Não
publicado.
_______. Nosso vizinho Kaingáng. Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC,
2003.
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe (Org.). O ciclo de vida Kaingáng. Florianópolis:
Imprensa Universitária da UFSC, 2004.
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe; MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva.
(Organizadoras). Ouvir Memórias contar histórias: mitos e lendas Kaingáng. Santa
Maria: Pallotti, 2006.
PETROLI, Francimar Ilha da Silva. Construindo a ordem e o progresso através do
jornal A Voz de Chapecó (1939-1941). Monografia (Curso de História). 2005. 93 fl.
Universidade Comunitária Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ. Chapecó/SC.
PIAZZA, Walter Fernando. A colonização de Santa Catarina. 2 ed. ver. aum.
Florianópolis: Lunardelli, 1988.
133
PIAZZA, Walter Fernando; HÜBENER, Laura Machado. Santa Catarina: história da
gente. Florianópolis: Ed. Lunardelli, 1983.
PINSKY, Carla Bassanezi (Organizadora). Fontes Históricas. ed. São Paulo:
Contexto, 2006.
POLI, Jaci. Caboclo: pioneirismo e marginalização. In: Cadernos do CEOM. CEOM:
20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina. Edição Comemorativa.
Nº 23. Chapecó: Argos, 2006.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro: Edições Vértice, vol. 2, n. 3, 1989.
PORRO, Antonio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica.
RJ:Vozes,1995.
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a
ética na história Oral. In: Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História e do Departamento de História. Nº. 15, PUC SP, Abril,
1997.
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade.
Seguido de Grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1998.
Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História. Nº. 15, PUC – SP, Abril, 1997.
Revista Brasileira de História. São Paulo, n 39, 2000.
RIBAS, Cid Loures. A Grafia de Chapecó com CH e não com X. Sala das Sessões, 9 de
julho de 1947. In: SILVA, Zedar Perfeito da. Oeste Catarinense. Rio de Janeiro:
Gráfica Laemmert, Limitada, 1950.
_______. Sala das Comissões, 28 de novembro de 1948. In: SILVA, Zedar Perfeito da.
Oeste Catarinense. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, Limitada, 1950.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas
no Brasil moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
134
ROSSETO, Santo. Síntese histórica da região oeste. In: Cadernos do CEOM. CEOM:
20 anos de Memórias e Histórias no Oeste de Santa Catarina. Edição Comemorativa.
Nº 23. Chapecó: Argos, 2006.
SANTOS, Silvio Coelho dos. A Integração do Índio na Sociedade Regional. A
Função dos Postos Indígenas em Santa Catarina. Florianópolis: Imprensa
Universitária da UFSC, 1970.
_______. Ensaios Oportunos. Florianópolis: Academia Catarinense de Letras e Nova
Letra, 2007.
_______. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng.
Porto Alegre: Movimento. Brasília, Minc/Pró-Memória/INL, 1987.
________. Nova história de Santa Catarina. 5. ed. Ver. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2004.
_______. Os índios Xokleng: memória visual. Florianópolis: Ed. da UFSC, Ed. da
UNIVALI, 1997.
SANTOS, Silvio Coelho dos (Coordenador). O Contestado na historiografia e na
literatura. Academia Catarinense de Letras. Coleção ACL nº 30, 2006.
SANTOS, Silvio Coelho dos. (Organizador, et al.) Santa Catarina no século XX:
ensaios e memória fotográfica. Florianópolis: Ed. Da UFSC: FCC Edições, 2000.
SILVA, Marcos Antonio da. De onde veio essa gente que tem a cor da terra? In:
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe; MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva.
(Organizadoras). Ouvir Memórias contar histórias: mitos e lendas Kaingáng. Santa
Maria: Pallotti, 2006.
SILVA, Lígia Osorio. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
135
SILVA, Zedar Perfeito da. Oeste Catarinense. Rio de Janeiro: Laemmert, 1950.
Supremo Tribunal Federal. Acção originária de reivindicação sobre limites
territoriaes entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. Memorial por parte do
Paraná. Rio de Janeiro. Typ e Lith, de Olympio de Campos & C., 1902.
TAUKANE, Darlene. A história da educação escolar entre os Kurâ-Bakairi. Cuiabá:
Ed. do autor, 1999.
TEDESCO, João Carlos. Memória e Cultura. O coletivo, o individual, a oralidade e
fragmentos de memórias de nonos. 1ª ed. Porto Alegre: Edições EST, 2001.
THOMÉ, Nilson. Historiografia da Guerra do Contestado. In: SANTOS, Silvio Coelho
dos (Coordenador). O Contestado na historiografia e na literatura. Academia
Catarinense de Letras. Coleção ACL nº 30, 2006.
TOMASINO, Kimiye, MOTA, Lúcio Tadeu e NOELLI, Francisco Silva (Orgs.). Novas
contribuições aos estudos interdisciplinares dos Kaingáng. Londrina: Eduel, 2004.
DOCUMENTOS FOTOGRAFIAS
Chapecó Década de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Escola dos Índios. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Escola dos Índios. Verso da fotografia. Manuscrito datado de 15 de fevereiro de
1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. O Serviço de Proteção aos Índios passa a ser de Perseguição aos
Índios de Chapecósinho. 24 de outubro de 1948. Fotografia digitalizada do original, por
Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi. Original do jornal, acervo CEOM, Chapecó/SC.
Os Índios de Chapecó. In: SILVA, Zedar Perfeito da. Oeste Catarinense. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1950.
136
DOCUMENTOS GRAVAÇÕES/ENTREVISTAS
BELINO, Floriano. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi, em
20 de junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
BELINO, Floriano. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi, em
23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
CAMPOS, Raul José de. Entrevista concedida a Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi
em 06 de fevereiro de 2006, Porto Alegre/RS.
CAMPOS, Raul José de. Entrevista concedida a Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi
em 19 de julho de 2007, Porto Alegre/RS.
CASSOL, Eliane Trevisan. Entrevista concedida à Ana Lúcia Vulfe Nötzold.
Florianópolis, 12 de junho de 2000.
JACINTO, Divaldina Luiz. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva
Manfroi em 20 de junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
JACINTO, Aldonir. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em
24 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
JAGAGLÊ, Cezario Pacífico. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva
Manfroi em 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
JAGAGLÊ, Cezario Pacífico. Entrevista concedida à Talita Daniel Salvaro em 24 de
abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
KOITO, Matilde. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em 20
de junho de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
KOITO, Matilde. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi em 24
de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva Manfroi, em
23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
137
RÁNKÁN Dalgir Pacífico. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva
Manfroi, em 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Entrevista concedida à Ninarosa Mozzato da Silva
Manfroi, em 02 de julho de 2007, Florianópolis/SC.
DOCUMENTOS GRAVAÇÕES/FILMOGRAFIA
BELINO, Orides. Aula Magna do Curso de Enfermagem Kaingáng. Sala dos
Conselhos. UFSC Universidade Federal de Santa Catarina. 15 de maio de 2002. Fita
VHS nº 39. Duração 1:09”00’. Acervo Videoteca do LABHIN/UFSC.
DOCUMENTOS MANUSCRITOS/DATILOGRAFADOS
Área dos Índios Coroados – Kaingáng – Governo do Estado do Paraná. Decreto N.º
7. Palácio do Governo do Estado do Paraná, em 18 de Junho de 1902, 14º da República.
Acervo LABHIN, Florianópolis/SC.
CAMPOS, Antonio Selistre de. Notas. Documento Manuscrito, sem data. Acervo CIMI,
Chapecó/SC.
CAMPOS, Antonio Selistre de. Relatório enviado ao Presidente da República em
1957. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Carta. Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
Carta Convite para Inauguração PI Dr. Selistre de Campos. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
Cronologia. Documento sem data. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
138
Data de Nomeação. Documento sem data. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Decreto nº. 736, de 06 de abril de 1936. Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
Diário da Assembléia Legislativa. Estado de Santa Catarina. Ano III. Florianópolis, 22
de julho de 1949, Número 19. 24ª Sessão Ordinária, Realizada em 24 de maio de 1949.
Acervo Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
Documento que coloca o cargo de Juiz Substituto em disponibilidade datado de 20
de julho de 1947 autenticado em Cartório do Rio de Janeiro. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
Escola dos Índios. Verso da fotografia. Manuscrito datado de 15 de fevereiro de
1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Escritura Pública do Registro de Imóveis Comarca de Xanxerê PI Dr. Selistre de
Campos. Xanxerê, 16 de outubro de 1965. Cópia acervo CIMI, Chapecó/SC.
Gráfica Chapecoense Ltda. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
Inventário de Correspondência do Coronel Vieira da Rosa. Acervo: Arquivo Público
do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. Cópia Acervo LABHIN,
Florianópolis/SC.
Ordem de Serviço Interna nº 62. Acervo FUNAI, Paranaguá/PR.
Requerimento de Aposentadoria do Professor Felicíssimo Belino. Acervo
Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
Solicitação de aposentadoria. Deocleciano de Souza Nenê. Documento Acervo
FUNAI, Paranaguá/PR.
Selistre de Campos. Amigo e Defensor dos Índios de Xapecó e suas Terras. 1978.
Equipe de Pastoral Indígena – Diocese de Chapecó. Acervo CIMI, Chapecó/SC.
Selistre de Campos. Um Homem em Defesa dos Índios. Regional Sul do CIMI por
ocasião da passagem dos 20 anos da morte de Antonio Selistre de Campos. Dezembro de
1977. Acervo CIMI, Chapecó/SC.
139
DOCUMENTOS MAPAS
Estado de Santa Catarina 1907. Atlas de Santa Catarina. Rio de Janeiro, Aerofoto
Cruzeiro, 1986.
Mapa de Santa Catarina e Localização da TI Xapecó. Mapa de Domínio Público,
adaptado por Marcos Antonio da Silva – Mestre em História Cultural pelo PPGH/UFSC.
Mapa dos Toldos da Terra Indígena Xapecó, 1944. Acervo CIMI, Chapecó/SC.
INFOGRAFIA
FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. Petrópolis:
Cultura Vozes, maio/jun., 2000, v. 94, nº. 3, p. 120. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/ Acesso em 25 de julho de 2006.
Funasa. Saúde Indígena. http://www.funasa.gov.br/ Acesso em 15 de dezembro de
2007.
http://www.socioambiental.org/pib/portugues/quonqua/qoqindex.shtm Fonte: Instituto
Sócio Ambiental, ano base: dezembro/2006. Acesso em 23 de março de 2007.
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Olhar, escutar e trançar: o artesanato Kaingáng de cada
dia. IV Encontro Regional Sul de História Oral. Cultura, identidade e memórias.
UFSC, Florianópolis, 12 a 14 de novembro de 2007. Disponível em:
http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/anais.htm Acesso em 20 de novembro de 2007.
Portal Kaingáng. Disponível em: http://www. portalkaingang. org/index_aldeia
_principal _1.htm Acesso em 15 de dezembro de 2007.
Rodolfo Pinto da Luz, reitor da UFSC no período de 1996/2004. UFSC inaugura
Centro de Cultura e Eventos. 07 de maio de 2004 In: http://www.ufsc.br/ Acesso em
31de julho de 2007.
140
WEBER, Cátia. Professoras Xokleng: identidade étnica na perspectiva intercultural e de
gênero. Simpósio Temático: Gênero, raça, etnia e escolarização. Anais do VII
Seminário Internacional Fazendo Gênero. 28, 29 e 30 de agosto de 2006, UFSC,
Florianópolis/SC,p. 1. In:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/C/Catia _Weber_23.pdf
Acesso em 31 de julho de 2007.
JORNAIS
A Notícia. A instrução em Lages (Impressões de um forasteiro). de Janeiro de 1914.
Lages. Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Notícia. Juiz de Direito. 10 de janeiro de 1914. Lages. Acervo Biblioteca Pública do
Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Nossa Ação. 03 de maio de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Explicação. 11 de junho de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 05 de novembro de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Censura Policial. 28 de novembro de 1939. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 10 de dezembro de 1939. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Censura Policial. 11 de fevereiro de 1940. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Rumo ao Oeste. 11 de fevereiro de 1940. Acervo Biblioteca Pública
do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
141
A Voz de Chapecó. Índios Coroados. 31 de março de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 14 de abril de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 05 de maio de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 12 de maio de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios IV. 02 de junho de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Visita aos Índios. 02 de junho de 1940. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Chapecósinho. 07 de julho de 1940. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios IV. 10 de março de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios V. 20 de março de 1941. Assinado S. Acervo Biblioteca
Publica do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Dr. Getúlio. 20 de abril de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Dr Sartori. 20 de abril de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 20 de abril de 1941. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Índios II. 20 de abril de 1941. Acervo Biblioteca Pública do Estado
de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Ch ou X. 07 de julho de 1946; Chapecó. 14 de março de 1948;
Chapecó com X? 21 de novembro de 1948; Chapecó com CH. 28 de novembro de 1948.
Acervo CEOM, Chapecó/SC.
142
A Voz de Chapecó. A Voz de Chapecó. 29 de junho de 1947. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Chapecó. 14 de março de 1948. Acervo CEOM, Chapecó/SC
A Voz de Chapecó. Serviço dos Índios. 22 de agosto de 1948. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. O Serviço de Proteção aos Índios passa a ser de Perseguição aos
Índios de Chapecósinho. 24 de outubro de 1948. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Defesa dos Índios de Chapecó. 14 de novembro de 1948. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Serviço dos Índios. 28 de novembro de 1948. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Os Índios estão morrendo. 19 de dezembro de 1948. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Chapecó com X ou CH inicial. 30 de janeiro de 1949; e com o
mesmo título as matérias dos dias 06, 13 e 27 de fevereiro de 1949; 06 e 27 de março de
1949. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Prefeitura Municipal de Chapecó. 20 de fevereiro de 1949. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Serviço de Perseguição aos Índios. 05 de junho de 1949. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Um telegrama sobre o caso dos Índios. 12 de junho de 1949.
Acervo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Dr. Antonio S. Campos. 03 de julho de 1949. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Posto de Saúde. Histórico. 03 de julho de 1949. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
143
A Voz de Chapecó. O caso dos Índios. Declaração de voto da bancada do Partido
Trabalhista Brasileiro. 03 de julho de 1949. Acervo Biblioteca Pública do Estado de
Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Posto dos Índios de Chapecozinho. 17 de julho de 1949. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Em defesa dos Índios. 25 de setembro de 1949. Acervo CEOM,
Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Felicíssimo Belino. 30 de outubro de 1949. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Índios. 05 de março de 1950. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Os Índios. 07 de maio de 1950. Acervo CEOM, Chapecó/SC.
A Voz de Chapecó. Falta de Assistencia. 14 de maio de 1950. Acervo Biblioteca
pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Pela Imprensa. O Imparcial. 04 de março de 1951. Acervo
Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. Florianópolis/SC.
A Voz de Chapecó. Dr. Antonio Selistre de Campos. 08 de dezembro de 1957. Acervo
CEOM, Chapecó/SC.
O ESTADO. Na Assembléia Legislativa. 05 de novembro de 1948. Acervo Biblioteca
Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo