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com funcionários dos transportes – e suas atividades sindicais deixaram marcas na cidade, até
que foram reprimidos pelos agentes do Regime Militar instaurado a partir de 1964.
A ferrovia, no século XIX, nos países em estágio de desenvolvimento capitalista, auxiliou
a promover a industrialização e a urbanização. Abrigou novas fontes de investimento – o fabrico
de trilhos, locomotivas, acessórios para vagões – e possibilitou a integração de regiões e mercados,
favorecendo o primeiro contato de vários trabalhadores com o sistema de salários. No caso do
Brasil, a ferrovia não fomentou a industrialização. Surgindo na segunda metade do século XIX,
em um contexto de economia agrária, marcada pelo uso do trabalho escravo, a ferrovia promoveu
principalmente o comércio, unindo centros de produção agrícolas a seus mercados.
Coerente com a sistemática de importação de manufaturados, a ferrovia utilizou-se de
material estrangeiro, não estimulando o aparecimento de fábricas no país. Sua expansão, mesmo
assim, foi geradora de transformações.(HOBSBAWM, 1997).
A população santa-mariense sentiu-se marcada pelas atividades da estrada de ferro, que
aqui chegou em 1885.
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Isto deu origem a uma estação ferroviária, que foi espaço privilegiado na
vida da cidade. Ao seu redor moviam-se condutores de carros, hoteleiros, donos de restaurantes,
comerciantes e donos de cabarés. A cidade abrigou os escritórios centrais da companhia estrangeira
que explorava a estrada de ferro no início do século XX e, desta maneira, uma população de
trabalhadores de alto nível, tais como gerentes-administradores, engenheiros e técnicos em
locomotiva. Para abrigar esta população qualificada, a companhia criou um bairro, até hoje
existente, conhecido como Vila Belga,
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com perfil arquitetônico característico dos chamados
bairros operários do início do século XX.(BELÉM, 2002).
O passado ferroviário é uma marca expressiva na memória, nas lendas e nas histórias da
população santa-mariense, assim como presença ainda marcante em diversos prédios existentes.
Parte das famílias enraizadas na cidade têm vínculos com a ferrovia, isto é, têm parentes próximos
e/ou distantes que estiveram ligados as suas atividades. E a lenta decadência da Rede Ferroviária
– que deixou de crescer nos anos 50 e, a partir dos anos 80, entrou progressivamente em declínio,
abrindo espaço para a sua privatização nos anos 90 – foi acompanhada pela cidade com certa
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A vinculação da população com a ferrovia é muito grande e isto fica bem documentado no livro que resgata a história
da Vila Belga a partir de testemunhos orais, organizado pelo Centro de História Oral, da Secretaria de Estado da
Cultura/RGS, chamado Memória cidadã: Vila Belga. O depoimento da Profª Vani Folleto é significativo nesse
aspecto: “Eu sou santa-mariense, criada aqui. Então, eu tenho, na verdade, uma sensação de perda com o que
aconteceu com os trens, porque era a identidade de Santa Maria, a cidade ferroviária.” (NUNES, 2002, p. 33).
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A Vila Belga ganhou esse nome devido ao fato de que a empresa que explorava a estrada de ferro era de origem
belga.