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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM MÚSICA
A PRÁTICA DO PIANO A QUATRO MÃOS:
PROBLEMAS, SOLUÇÕES E SUA APLICAÇÃO AO ESTUDO
DE PEÇAS DE ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA
VOL.
I
MARCELO GREENHALGH THYS
Rio de Janeiro, 2007
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http://www.livrosgratis.com.br
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A PRÁTICA DO PIANO A QUATRO MÃOS
:
PROBLEMAS, SOLUÇÕES E SUA APLICAÇÃO AO ESTUDO DE PEÇAS DE
ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA
por
MARCELO GREENHALGH THYS
Dissertação
submetida ao
Programa de Pós
-
Graduação em Música
do Centro de Letras e
Artes
da UNIRIO
,
como requisito parcial
para
obtenção do título de M
estre, sob a orientação da
Profa.
Salomea Gandelman.
Rio de Janeiro
, 2007
ads:
Thys, Marcelo Greenhalgh.
T549 A prática do piano a quatro mãos : problemas, soluções e sua
aplicação ao
estudo de peças de Almeida Prado e Ronaldo Miranda /
Marcelo Greenhalgh
Thys, 2007.
2v.
Orientador: Salomea Gandelman.
Dissertação (Mestrado em Música) Universidade Federal do
Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
1. Música para piano (4 mãos). 2. Prado, Almeida, 1943
-
. 3.
Miranda, Ronal
-
do, 1948
-
. I. Gandelman, Salomea. II. Universidade Federal do
Estado do Rio
de Janeiro (2003
-
). Centro de Letras e Artes. Curso de Mestrado
em Música.
III. Título.
CDD – 786.2
ii
iii
A
meu avô, Arthur Greenhalgh (in memorian),
meu maior exemplo da busca pela sabedoria infinita.
iv
AGRADECIMENTOS
A meus pais, Liana e João Cláudio, e à minha família.
À minha orientadora, Salomea Gandelman, por seu vasto conhecimento
e por ter
atenciosamente dedicado várias horas de seu dia, seja refletindo sobre este trabalho, seja
provendo uma orientação cuidadosa, objetiva e eficaz.
Ao meu professor, Luiz Senise, a quem devo a maior parte de meu conhecimento
musical, por sua incomp
arável dedicação e talento para lecionar;
ao
meu estimado primeiro
professor Álvaro Guimarães, por me proporcionar uma sólida formação musical.
Ao meu amigo e colega de duo, Luciano Magalhães, por suas admiráveis qualidades
artísticas, e cuja experiência q
ue partilhamos serviu de inspiração para a elaboração desta
pesquisa.
Aos entrevistados
Sonia Maria Vieira, Luciano Magalhães, Ingrid Barancoski, Estela
Caldi, Ronal Silveira, Marcelo de Alvarenga, Zaida Valentim, Luiz Senise, Patrícia Bretas,
Josiane K
evorkian e Sara Cohen
, pelos valiosos depoimentos e por terem permitido livre e
constante acesso
às
suas bibliotecas e gravações. Aos colegas e amigos Guilherme Tomaseli,
minha mãe Liana, Gabriel Freire, Gabriel Fleming, Renata Aguiar,
Márcia Jaqueline,
Fábio
Peixoto e Ana Paula Reinoso, pelo essencial auxílio nas transcrições das entrevistas.
Aos compositores Almeida Prado e Ronaldo Miranda, pelas belas peças e por
escreverem com tanta propriedade para a formação.
Aos compositores José Alberto Kaplan,
Amaral Vieira, Eduardo Seincman, Aloysio
Alencar Pinto, Roberto Victorio, Dimitri Cervo, Mariza Resende, Dawid Korenchendler,
Edmundo Villani
-
Cortes
e
Fernando Lewis de Mattos, por gentilmente
enviarem
-
me
partituras, gravações e textos sobre suas obras.
À
LittleStar Copyright, em nome de Chieko Yasu e Tamiko Muramatsu, e Shen Sibeiro,
pela produção de meu CD com a obra
Tango
, de Ronaldo Miranda.
Aos professores da UNIRIO, em especial Carole Gubernikoff e Ingrid Barancoski, cujas
valiosas
observações
foram
decisivas para
o
aprimoramento da pesquisa; aos professores
Nailson Simões, Ruth Serrão e Laura Ronai, pelo auxílio durante as etapas preparatórias do
curso de mestrado; a Tom Moore e ao amigo norte
-
americano Erich Hayes, pelo fornecimento
de artigos ameri
canos; a José Nunes, pela ajuda na formatação; a meus professores da UFRJ,
em especial, Harlei Raymundo e Pauxi Gentil.
Aos membros da secretaria do PPGM, por sempre atenderem meus pedidos com tanta
rapidez e eficiência.
Agradecimento
especial
ao amigo e
colega Nikolai Brucher, por partilhar seu vasto
conhecimento e prover auxíl
io em todas as etapas do curso; também à
Myrian Aubin, pelo
apoio na elaboração do projeto de pesquisa.
Aos amigos Guilherme Amaral, Vinicius Amaral, Flávia de Castro e Guilherme
To
maseli pelo fiel companheirismo nos momentos de necessidade.
Finalmente, ao CNPQ, cujo suporte financeiro foi primordial para a conclusão desta
dissertação.
vi
THYS, Marcelo Greenhalgh.
A prática do piano a q
uatro mãos: problemas, soluções
e
sua aplicação
a
o estudo de
peças de Almeida Prado e Ronaldo Miranda.
2007. Di
ssertação
(Mestrado em Música).
Programa de Pós
-
Graduação em Música do Centro de Letras e Artes
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
Esta dissertação é um estudo das
questões práticas do piano a quatro mãos (em um piano).
Para embasamento da pesquisa, foi realizada uma contextualização histórica do gênero,
incluindo a produção brasileira. Foram caracterizados os problemas da performance em duo e
apresentadas as respect
ivas sugestões de solução, bem como investigada a extrema
importância de sua prática
na evolução dos pianistas. Entre os principais procedimentos
metodológicos, além da revisão bibliográfica, foram realizadas entrevistas com integrantes de
duos consolidado
s da cidade do Rio de Janeiro. Como complementação e aplicação da
pesquisa, foram analisadas e discutidas as questões de performance de duas peças brasileiras
do gênero:
VI Episódios de Animais
, de Almeida Prado, e
Tango
, de Ronaldo Miranda. Por
ser um dos
poucos trabalhos sobre o assunto no Brasil, acreditamos que, como resultado, o
estudo poderá estimular a prática a quatro mãos entre estudantes de música, bem como
elucidar algumas questões para duos pianísticos formados.
Palavras
-
chave: Piano a quatro mãos; Almeida Prado; Ronaldo Miranda.
vii
THYS, Marcelo Greenhalgh.
T
he practic
e of piano four hands:
problems
, solutions
and its
application to
the study of
pieces by Almeida Prado
and
Ronaldo Miranda.
2007. Master
Diss
ertation (Mestrado em Música).
Program
a de Pós
-
Graduação em Música do Centro de
Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
This paper discusses the practical issues involved in
playing piano four
-
hands.
A historical
review of world and Brazilian works in
this style sets the
context of the present study. The
problems involved
in joint playing are identified and suggestions put
forward as to how to
overcome them. The extreme
importance of practicing this particular style as a
contribution to
pianistic excel
lence is emphasized.
Besides quoting relevant bibliography, interviews with
established duos in Rio de Janeiro were undertaken.
Complementing this research and
substantiating its
application, performance issues involved in two
Brazilian pieces in this
genr
e were analyzed:
VI Episódios de Animais
(V
I
Episodes of Animals) by Almeida Prado
and
Tango
by
Ronaldo Miranda. Because so few studies on this style
have been published, we
believe that the present work
may encourage musical students to
practice
playing
p
iano four
-
hands as well as clarifying some issues for established piano duos.
Keywords: Piano four
hands
; Almeida Prado; Ronaldo Miranda.
viii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................................................
ix
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS ........................................................................................
x
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1
CAPÍTULO I
-
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A HISTÓRIA E O
REPERTÓRIO DE PIANO A QUATRO MÃOS..................................................................8
1.1 – Das Origens a Schubert .................................................................................................8
1.2 – Do ápice no Romantismo ao século XX......................................................................20
1.3 – O piano a quatro mãos no Brasil..................................................................................31
CAPÍTULO II
-
A PRÁTICA DO PIANO A QUATRO MÃOS: IMPORTÂNCIA
E PROBLEMAS .....................................................................................................................43
2.1 – Depoimentos sobre a importância da prática do piano a quatro mãos ........................43
2.2 –
Problemas
....................................................................................................................48
2.2.1 – Da relação pessoal à concepção musical ..............................................................48
2.2.2 – Em busca de uma boa
parceria
.............................................................................50
2.2.3 –
Ensaios
..................................................................................................................52
2.2.4 – Bancos...................................................................................................................53
2.2.5 – Partituras...............................................................................................................56
2.2.6 – Escolha do primo
e
secondo
.................................................................................59
2.2.7 – Pedalização ...........................................................................................................61
2.2.8 – Sincronismo..........................................................................................................63
2.2.9 – Posicionamento de mão e antebraço.....................................................................68
2.2.10 – Dedilhado............................................................................................................75
2.2.11 –
Equilíbrio
dinâmico e timbrístico.......................................................................78
2.2.12 – Redistribuição de partes......................................................................................82
CAPÍTULO III
-
QUESTÕES DE PERFORMANCE EM DUAS PEÇAS
BRASILEIRAS: ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA ....................................88
3.1 – VI Episódios de Animais
de
Almeida Prado................................................................89
3.1.1 –
Bem
-
te
-
vi
...............................................................................................................93
3.1.2 – Marimbondos........................................................................................................97
3.1.3 –
Guaiamú
(Caranguejo) .......................................................................................104
3.1.4 –
Li
bélula...............................................................................................................108
3.1.5 –
Boicininga
(Cascavel)
.........................................................................................112
3.1.6 –
Xauim
(Sagüi).....................................................................................................117
3.2 –
Tango
de Ronaldo Miranda.......................................................................................123
CONCLUSÕES.....................................................................................................................134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................140
ANEXOS
........................................................................................................................
(
Vol.
II
)
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Bancos angulados...................................................................................................54
Figura 2
Bancos paralelo e transversal .................................................................................55
Figura 3
Bancos com roldanas encaixadas ...........................................................................55
Figura 4
Banco para duo.
Fonte:
http://www.bohemiapiano.cz/benches/duetpianobenches.htm................................56
Figura 5
Contato de antebraços para facilitar o sincronismo (Brahms
-
Dança
Húngara n.11
, final)
................................................................................................66
Figura 6
Posicionamento
primo
por dentro. Seresta opus um
, compasso 18
....................69
Figura 7
Zona de colisão
-
Posição adequada
-
encaixe de antebraços. ...............................70
Figura 8
Zona de colisão
-
posição evitada
-
antebraços lado a lado....................................70
Figura 9
Dedilhado evitado: 2º dedo (primo M.E.), em Mozart Andante e Variações
em Sol Maior
, compasso 146.1
................................................................................77
Figura 10
4º dedo em Mozart Andante e Variações em Sol Maior
, compasso 146.1
........77
Figura 11
Bem
-
te
-
vi
tessitura das partes e posicionamento dos bancos.............................93
Figura 12
Bem
-
te
-
vi (Fonte:
http://www.crocantefotolog.com/archives/2005/03/index.html)...........................94
Figura 13
Marimbondos (Fontes:
http://olhares.aeiou.pt/marimbondos/foto67783.html;
http://www.imagem.fot.br/imagens/marimbondo.jpg)..........................................97
Figura 14
Marimbondos Tessitura das partes e posicionamento dos bancos ....................98
Figura 15
Guaiamu (Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Cardisoma_guanhumi.jpg;
http://www.jansochor.c
om/reportaze
-
fotografie
-
2004/Barevna
-
Brazilie.html).......................................................................................................104
Figura 16
Guaiamú
tessitura das partes e posicionamento dos bancos...........................105
Figura 17
Libélula (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Dragon_fly_.jpg)..........108
Figura 18
Libélula tessitura das partes e posicionamento dos bancos.............................108
Figura 19
Boicininga
tessitura das partes e posicionamento dos bancos..........................112
Figura 20
Boicininga (Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Crotale_diamantin_40.JPG).....................113
Figura 21
Xauim (Fontes: http://nl.treknature.com/gallery/photo74391.htm;
http://farm1.static.flickr.com/58/203902718_9218337139.jpg)..........................117
Figura 22
Xauim
tessitura das partes e posicionamento dos bancos................................117
Figura 23
Tango
tessitura das partes e posicionamento dos bancos................................127
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
Exemplo 1
– Carlton
-
A Verse for two to play on one Virginall or Organe (facsimile
do manuscrito, Fonte: Miller, 1943) .....................................................................9
Exemplo 2
Tomkins
A Fancy for two to play (Versão impressa do manuscrito)..............10
Exemplo 3
J.C. Bach
Sonata op. 18/5 em lá maior, compassos 20
27,
..........................13
Exemplo 4
Comparação do Allegretto da Sonata op. 15/6 de J.C. Bach com a Sonata
K.521 de Mozart (Fonte: Lubin, 1970, p. 11).....................................................14
Exemplo 5
Mozart Sonata em fá maior K. 497, Introdução..............................................15
Exemplo 6
Beethoven Marcha em mib maior op.45, trio..................................................17
Ex
emplo 7 – Hummel –
Sonata em láb maior op.92 (1821), primeiro movimento
(Fonte: Lubin, 1970)...........................................................................................17
Exemplo 8
Schubert Grand Duo op.140 D.812.................................................................19
Exemplo 9
Chopin
-
Variations sur um air national de Moore............................................22
Exemplo 10 Dvorak Legends op.59
allegretto grazioso
.................................................25
Exemplo 11
Paráfrases
Mazurka (Borodin). Fonte: Lubin (1970, p. 140).......................26
Exemplo 12
Paráfrases
Valsa
(César Cui). Fonte: Lubin (1970, p. 140). ........................26
Exemplo 13 George Crumb, Celestial Mechanics
II. Beta Cygni
.....................................58
Exemplo 14 Schubert Grand Duo op.140 Allegro moderato, compassos 57
-
64
............61
Exemplo 15
Poulenc
Sonata
Rustique, compassos 25
-
32
..............................................62
Exemplo 16
Crumb
-
Celestial Mechanics
III. Gamma Draconis
.....................................63
Exemplo 17 Brahms Dança Húngara n.17, compassos 1
-8
...............................................64
Exemplo 18 Osvaldo Lacerda
Brasiliana n.8
– Abôio – compassos 1
-
4 ..........................64
Exemplo 19 Tacuchian Estruturas Gêmeas, compassos 36
-
41..........................................65
Exemplo 20
Brahms Dança Húngara n.8, compassos 164
-
171
.........................................66
Exemplo 21 Mahle Toccata, compassos 1
-
4......................................................................67
Exemplo 22
Escobar
Seresta opus um, compassos 16
-
18 .................................................69
Exemplo 23
Escobar
Seresta opus um, compasso 23
-
26...................................................71
Exemplo 24
Poulenc
Sonata
, compassos 3
-5
....................................................................72
Exemplo 25 Brahms
Dança Húngara n
o
9, compassos 9
-
12..............................................72
Exemplo 26 Brahms
-
Dança Húngara n
o
18
, compassos 9
-
12
............................................72
Exemplo 27 Mahle
Toccata
, compassos 7
-
10 ...................................................................73
Exemplo 28 Dvorák
Dança Eslava op. 72 n
o
8
, compassos 105
-
111................................73
Exemp
lo 29
Field
Variations on a Russian air..................................................................73
Exemplo 30 Debussy,
Épigraphe n
o
6
, compassos 41
-
42
....................................................74
Exemplo 31 Roberto Victorio
Iks
......................................................................................74
Exemplo 32 Schubert
Rondo op. 138
(
Notre Amitié est invariable), compassos 232
-
247......................................................................................................................75
Exemplo 33 Osvaldo La
cerda
Brasiliana n.8
Frevo
, compassos 18
-
19.........................76
Exemplo 34 Mozart
Andante e Variações em Sol Maior, compassos 144
-
146.................77
Exemplo 35
Escobar
Seresta opus um, compassos 39
-
43 .................................................80
Exemplo 36 Elemento central dividido.................................................................................80
Exemplo 37 Rachmaninov
Seis peças op.11
Scherzo
, compassos 1
-7
...........................81
xi
Exemplo 38 Rachmaninov Seis peças op.11
Romance
, compassos 1
-
4.........................81
Exemplo 39
Brahms
Variações sobre um tema de Schumann op.22, tema.......................82
Exemplo 40
Brahms
Variações sobre um tema de Schumann op.22, Var. I,
compassos 8
-
12
..................................................................................................82
Exemplo 41 Schubert
-
Fantasia em Fá menor op.103 D.940, compassos 58
-
59 ...............83
Exemplo 42 Tomkins
-
A Fancy for two to play
, compassos 2
-4
.........................................84
Exemplo 43 Mozart Andante e Variações, compassos 86
-
88............................................84
Exemplo 44
Stravinsky
Sagração da PrimaveraIntroduction, compassos 35
-
38.........85
Exemplo 45 Schubert
-
Allegro em Lá menor op.144, compassos 138
-
143.........................85
Exemplo 46 Rachmaninov Seis Peças op.11 Valsa, compassos 77
-
81 ..........................86
Exemplo 47
Poulenc
Sonata
III. Final
, compassos 26
-
27..............................................86
Exemplo 48 Almeida Prado
-
Bem
-
te
-
vi
, elemento a
.
..........................................................95
Exemplo 49 Almeida Prado
-
Bem
-
te
-
vi
, elementos
b
e c
.
...................................................95
Exemplo 50 Almeida Prado
-
Bem
-
te
-
vi
, elemento d
.
..........................................................95
Exemplo 51 Almeida Prado
-
Momento 20
,
Bem
-
te
-
vi
.........................................................95
Exemplo 52 Almeida Prado
-
Marimbondos, compassos 3
-
5..............................................99
Exemplo 53 Almeida Prado
-
Marimbondos, compasso 34, primo
.
...................................100
Exemplo 54 Almeida Prado Marimbondos. Compasso 1
-
elemento a
no
primo
) e
29 (
secondo). tocado pelo
primo
e
secondo
, respectivamente
.........................101
Exemplo 55 Almeida Prado
-
Marimbondos, compassos 2
-
3.............................................102
Exemplo 56
Alm
eida Prado
-
Marimbondos, compassos 19
21
......................................102
Exemplo 57 Almeida Prado
-
Marimbondos, compassos 25
-
28.........................................103
Exemplo 58 – Almeida Prado
-
Marimbondos, compassos 38
-
42.........................................104
Exemplo 59 Almeida Prado
Guaiamu,
compassos 1
-3
...................................................106
Exemplo 60 Almeida Prado
Libélula
, compasso 1
-
2, secondo (elemento a
)
..................109
Exemplo 61 Almeida Prado
Libélula
, compasso 3
-
4, primo (elemento b
)
......................109
Ex
emplo 62 – Almeida Prado
Libélula
, compasso 12
........................................................111
Exemplo 63 Almeida Prado
Libélula
, compasso 15.
.......................................................111
Exemplo 64 – Almeida Prado
Libélula
, compassos 17.1
-
17.2
...........................................111
Exemplo 65 Almeida Prado Boicininga, compasso 1, secondo (elemento
a)
.................113
Exempl
o 66 – Almeida Prado Boicininga, compassos 2
-
3, secondo (elemento b
)
............114
Exemplo 67 Almeida Prado Boicininga, compassos 9
-
10...............................................115
Exemplo 68 Almeida Prado Boicininga, compasso 11, secondo (elemento
c)
...............115
Exemplo 69 Almeida Prado Boicininga, compasso 12
-
13, primo
(elemento
d)
.............116
Exemplo 70 Almeida Prado Boicininga, compasso 34,
primo
(elemento
e)
...................116
Exemplo 71 Almeida Prado
Xauim
, compassos 1
-
2. (elemento
a
)
..................................118
Exemplo 72 Almeida Prado
Xauim
, compasso 5.............................................................119
Exemplo 73 Almeida Prado
Xauim
, compassos 11
-
15....................................................120
Exemplo 74 Almeida Prado
Xauim
, compassos 23
-
25....................................................121
Exemplo 75 Almeida Prado
Xauim
, compassos 42
-
45....................................................121
Exemplo 76 Chopin Valsa “do Minuto”
op.64/1
, compassos 5
-
8 ..................................121
Exemplo 77 Almeida Prado
Xauim
, compassos 54
-
57....................................................122
Exemplo 78 Almeida Prado
Xauim
, compassos 65
-
67....................................................122
Exemplo 79 Almeida Prado
Xauim
, compassos 74
-
77....................................................123
Exe
mplo 80
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 1
-
3....................................................128
Exemplo 81 Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 60
-
61................................................129
Exemplo 82
Rona
ldo Miranda
Suíte n.3 – Segundo Movimento, compassos 16
-
20.......129
Exemplo 83 Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 23
-
24................................................130
Exemp
lo 84
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 121
-
123............................................130
Exemplo 85 Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 80
-
82................................................131
xii
Exemplo 86
Ro
naldo Miranda
Tango
, compassos 88
-
92................................................132
Exemplo 87 Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 173
-
175............................................132
INTRODUÇÃO
Aliar o útil ao agradável nem sempre é tarefa das mais simples. Certamente, um músico
profissional goza do privilégio de fazer o que gosta. Mesmo assim, sempre surgem
dificuldades a serem superadas no árduo caminho
de
busca da perfeição artística. E é com
confiança que dizemos que uma das mais prazerosas e proveitosas maneiras para um pianista
evoluir artisticamente é a prática do piano a quatro mãos. A proximidade, a intimidade, o
camerismo, entre outros aspectos, conferem a esta formação um caráter que difere em muito
da execução solo e de sua
parente mais próxima, a versão para dois pianos. Apesar de sua
importância, este fascinante meio de fazer música teve altos e baixos em sua história e grande
parte da literatura específica ainda permanece negligenciada. É um fato curioso como o piano
a qua
tro mãos cresce tão rapidamente no
Romantismo
, a ponto de se tornar uma atividade de
lazer praticada
na maior parte
dos círculos sociais da época. Da mesma maneira, os dias de
glória desta prática parece
m
ter desaparecido tão rapidamente quanto aparec
eram
.
Por quê?
Somente a vontade de procurar resposta a esta pergunta já nos incentivaria a conhecer
mais sobre o assunto. Porém o real interesse por esse trabalho surgiu, mesmo que de forma
latente, quando comecei
1
, em 2001, o duo pianístico com Luciano Magalh
ães. As
transformações que passei a observar em nossa evolução musical foram marcantes,
principalmente no que
dizem
respeito ao temperamento musical. Ele, com temperamento mais
dramático e majestoso, que eu tanto admirava (mas sempre equilibrado quanto ao
tempo
),
passou a ser mais brilhante e espontâneo. O inverso
também
aconteceu comigo: passei a ter
mais comando de minhas emoções, que antes me dominavam, especialmente em relação ao
controle do andamento. Este aprendizado foi vital e decisivo para minha ev
olução. A
proximidade dos músicos faz com que seja possível pressentir as decisões interpretativas do
outro, suas respirações, sua agógica e suas soluções técnicas. A comparação de Hyatt King
(1948) ao se referir à música de câmara como “música de intimida
de” não poderia ser mais
apropriada.
1
Utilizaremos, ocasionalmente, ao longo do trabalho, o uso da primeira pessoa do singular para fazer referência
a apenas um dos músico
s do duo.
Mas atingir uma qualidade satisfatória no piano a quatro mãos é tarefa árdua.
Começamos a formular algumas questões: é mesmo importante praticar este gênero de música
de câmara? Quais os principais problemas encontrado
s na performance
2
em duo? Como ela
difere da performance solo? Como podemos solucionar estes problemas? As respostas a essas
perguntas certamente abrangem temas como: decisão de quem vai tocar o primo ou
secondo
,
posição corporal, distribuição das partes,
escolha de dedilhado e de movimentos pianísticos,
realização de um bom sincronismo, controle dinâmico e timbrístico, uso do pedal e até outros
mais gerais, como planejamento dos ensaios, escolha de repertório e a própria relação dos
músicos.
Ao procurar bi
bliografia a respeito, ficamos espantados com a falta de material no
Brasil, especialmente por se tratar de um tema que parece ser familiar no meio musical. As
pesquisas sobre a área encontram
-
se em quase sua totalidade no exterior e, apesar de serem
muito
úteis, estão desatualizadas e praticamente não incluem repertório brasileiro. Só o
trabalho de Mcgraw (1981) reúne cerca de 3200 obras de 1700 compositores que escreveram
peças originais para quatro mãos, entre 1760 e 1980. Somando aquele número
às compos
ições
dos últimos 27 anos, pode
-
se ter uma idéia do quanto não se sabe a
respeito desse tema
e
o
quanto
ele
está aberto à pesquisa.
Acreditamos, pois, que este trabalho não só possa ser um dos primeiros a tratar
do
assunto e
m
língua portuguesa, como benef
icia um amplo público
,
uma vez que, como
veremos, a prática do piano a quatro mãos pode ser importante na evolução de qualquer
pianista.
Na prática do piano a quatro mãos existem diversos problemas que são considerados
gerais, comuns à maioria das peças; mas muitos deles vão variar de acordo com a
obra
, o que
exigiu que selecionássemos duas obras do gênero, já que nosso desejo foi o de fazer uma
pesquisa sobre a prática camerística do piano a quatro mãos que também
tratasse d
a música
brasileira escrita para
a formação. Procuramos por peças de boa
qualidade camerística
, ou
seja, aquelas que apresentam equivalência de importância entre as duas partes. Quanto melhor
for a qualidade camerística da peça, maior será o aproveitamento de ambos os intérpretes. Da
mes
ma maneira, abordamos as questões práticas em duas peças de
estilos diferentes
, já
estudadas e apresentadas em palco
,
e também gravadas por outro duo, para podermos fazer
comparações. Tendo em vista esses fatores, a escolha não foi das mais difíceis:
VI Ep
isódios
2
Usamos os termos “performance” e “execução” para nos referirmos ao ato de tocar uma obra, em um
determinado instrumento,
em um determinado momento,
cientes de que interpretação e execução são
interdependentes.
de Animais
de Almeida Prado e
Tango
de Ronaldo Miranda, peças riquíssimas do ponto de
vista composicional, sonoro e camerístico. Acreditamos que cada uma delas abrange
diferentes aspectos da performance em duo, além de retratar bem a linguagem de c
ada
compositor.
O objetivo central desta pesquisa é estudar e discutir as questões relacionadas à prática
do piano a quatro mãos. Do objetivo central derivam outros quatro: a) contextualizar
historicamente o gênero, apresentando exemplos do repertório est
rangeiro e brasileiro; b)
investigar a importância da prática camerística do piano a quatro mãos, através de
depoimentos de estudiosos e de integrantes de duos consolidados; c) caracterizar os principais
problemas de performance em duo e suas possíveis sol
uções; d) discutir as questões de
performance
em
dois exemplos do repertório brasileiro do gênero: VI Episódios de Animais
de
Almeida Prado e
Tango
de Ronaldo Miranda.
Um objetivo secundário foi o de reorganizar a lista de compositores de Mcgraw (1981),
qu
e atualmente se encontra em ordem alfabética, para a ordem cronológica, e incluí
-
la nos
Anexos. Vários duetistas experientes provavelmente ficarão surpresos com a enorme
quantidade de nomes, a maior parte desconhecida do grande público. Não queremos, de mo
do
algum, substituir a consulta ao trabalho de Mcgraw, até porque o mesmo apresenta inúmeros
detalhes sobre as obras descritas; mas com a lista que apresentamos
, os futuros pesquisadores
que almejam estudar a história do gênero terão uma
fonte adicional, j
á que, nesse sentido,
listagens cronológicas permitem mais praticidade de consulta que listagens alfabéticas. Nela
também atualizamos (ou acrescentamos) a data de morte de mais de 200 compositores e
incluímos nomes de compositores brasileiros (no original só constam quatro).
Ao longo da história, vários editores gananciosos publicaram diversos arranjos para
quatro mãos de peças compostas para as mais variadas formações, muitos de qualidade, no
mínimo, duvidosa. Para focalizar o assunto tratamos, portanto, a
penas de repertório original
para piano a quatro mãos, fazendo algumas exceções apenas para
os
arranjos escritos pelos
próprios compositores. Da mesma maneira, no Capítulo I, não pudemos nos aprofundar
em
aspectos contextuais
no
que, apesar de despertar muito interesse para a pesquisa, nos serviram
apenas para localizar e situar nosso objeto de estudo.
Primeiramente, definimos o termo
duo pianístico
. Segundo a Edição Concisa do
Dicionário Grove (1994), a expressão
duo pianístico
se refere aos músicos que e
xecutam
peças a dois pianos. Mas o que se observa na prática, é que
,
geralmente
,
os músicos que
executam peças para piano a quatro mãos também executam peças a dois pianos e, em
conseqüência,
formam um
duo pianístico
. Logo
,
igualmente usamos este termo par
a nos
referir a músicos que praticam piano a quatro mãos. Para simplificar, sempre que empregamos
a palavra duo
,
referimo
-
nos
a duo para piano a quatro mãos, a não ser que seja especificado o
contrário.
A dissertação foi dividida em três capítulos. No Capí
tulo I fizemos uma
contextualização
histórica
das principais peças do piano a quatro mãos, em três tópicos:
d
as
origens a Schubert;
d
o ápice no
Romantismo
ao século XX;
o
piano a quatro mãos no Brasil.
No que se refere às composições das últimas décadas, d
ada a enorme pluralidade, optamos
por enfocar apenas
o
que foi produzido no Brasil. Como principais
fontes bibliográficas
referentes à contextualização do repertório estrangeiro, selecionamos três trabalhos que
julgamos como os principais sobre
o
piano a q
uatro mãos: Lubin (1970)
-
The piano duet
,
Ferguson (1971)
Style and Interpretation, vol.5
e
6
e Mcgraw (1981)
Piano duet
repertoire
.
O trabalho de Lubin (1970) consta de uma ampla introdução sobre a ascensão e declínio
do gênero na história, enfatiza
ndo sua importância como atividade social e artística. Ao
discorrer sobre o estilo do piano a quatro mãos, o autor diz que “esse livro poderia muito bem
ser intitulado ‘Música de Câmara para
o
Piano’”
3
(p. 5). O autor
escreve
que, em geral, o
aspecto camer
ístico do piano a quatro mãos faz com que ele se diferencie do estilo mais
virtuosístico encontrado na literatura de piano solo ou dois pianos
;
mesmo assim, alguns
compositores também escreveram peças para quatro mãos
em
estilo virtuosístico, como
veremos adiante.
Ainda neste sentido
,
Lubin também comenta que pode ser percebido um
caráter orquestral no repertório, uma razão
a mais
para a grande quantidade de arranjos e
transcrições de obras orquestrais para piano a quatro mãos e vice
-
versa. Assim
,
podemos
constatar
que
Schubert, dono de um estilo mais camerístico e/ou orquestral, explorou muito
mais o meio que Liszt, famoso por seu virtuosismo.
Os capítulos que se seguem no livro abordam a evolução histórica do gênero, desde os
primórdios até a data de sua p
ublicação, passando pela música germânica, escandinava, russa
e francesa, com exemplos das principais obras, incluindo sugestões ocasionais de
performance. O autor dividiu as seções segundo
a cronologia
dos compositores. Alguns, por
razão de importância, têm seções exclusivamente destinadas a eles, como Brahms e Schubert
3
This book might well have been e
ntitled “Chamber Music for the Piano”
(foram reservadas três seções só para ele), enquanto outros, como Chopin e Liszt, foram
agrupados em uma única.
O autor
é dono de
uma linguagem cativante,
clara
e com idéias bem organizada
s
. Sem
dúvida desperta o interesse do leitor pelo assunto e é dos maiores trabalhos na área.
Infelizmente não faz alusão à música brasileira. A seção que trata dos “dias recentes”
4
(p.170
-
182) praticamente só inclui nomes de compositores americanos.
Os vo
lumes
5
e 6 de
Style and Interpretation
, redigido e editado por Howard Ferguson
(1971) é uma coleção seleta de peças para piano a quatro mãos. O texto que antecipa as
partituras, apesar de
sua
pequen
a
extensão,
contém informações importantes, pontuando
vár
ias das questões estudadas em nosso trabalho, onde foram aprofundadas. Neste volume é
feita uma introdução ao repertório pouco conhecido do piano a quatro mãos, contendo dados
ausentes em outras pesquisas, como peças para duo que supostamente teriam sido c
ompostas
antes das de Carlton (?
-
1630) e Tomkins (1572
-
1656),
as primeiras conhecidas no gênero
,
porém para três mãos, e obras de Couperin (1668
-
1733) que
,
à primeira vista
,
parecem
também ter sido compostas para três mãos. Ferguson ainda fornece informaçõ
es valiosas
sobre o relacionamento de Mozart com J. C. Bach, mas sua maior contribuição foi a
caracterização dos principais problemas encontrados na performance em duo. São discutidas,
de forma objetiva,
questões
como a posição de sentar, sincronização no
início da peça,
posição da
s
os,
dedilhado, dinâmica, equilíbrio d
e
timbre, redistribuição das partes e até
mesmo o aspecto gráfico das partituras. Ainda é apresentada uma lista cronológica de peças
para piano a quatro mãos e notas sobre cada uma das que constam no volume.
O livro de Mcgraw (1981)
,
intitulado
Piano duet repertoire
, é um catálogo que reúne
cerca de 3200 peças originais para piano a quatro mãos de 1700 compositores, escritas entre
1760 e 1980. O livro é uma espécie de ampliação da listagem
constante na primeira seção do
trabalho de Chang & Faurot (1976)
Team Piano Repertoire
. Pela quantidade de obras
apresentadas, podemos ter uma idéia da grandeza deste trabalho e das contribuições que ele
trouxe para o meio.
Um pequeno prefácio sintoniza o leitor com a importância e a história do piano a quatro
mãos. A seguir são explicadas as informações contidas no catálogo. Como mencionado, os
compositores foram organizados em ordem alfabética
pelo
sobrenome, a maioria com
indicações de suas datas de n
ascimento e morte. Após os nomes das peças, aparecem sempre
que possível: tonalidade;
opus
; data e local de publicação; localização do item, se não estiver
4
“Later days” (Lubin, 1970, p.170
-
182)
disponível para comércio;
e
comentários descritivos e/ou críticos, como o nível de dificuldade
geral
e de cada parte (
secondo
e
primo
). Apesar do livro não ter sido escrito de maneira
dissertativa como foi o de Lubin (1970), além de apresentar um grande volume de obras
desconhecidas que podem ser de extrema utilidade para a formação de um bom duo, pudemo
s
observar a posição crítica e sensível de Mcgraw quando comenta as peças dos grandes
compositores. Lamentamos, apenas, o fato da literatura brasileira ser quase inexistente.
Para discorrer sobre o gênero no Brasil, foi necessária, de forma predominante,
a
consulta
aos
trabalhos de Abreu & Guedes (1992), Salomea
Gandelman
(1997), pesquisa de
partituras em bibliotecas públicas e particulares, encartes de CD, além da correspondência
com compositores e uma ampla pesquisa na internet.
O livro de Gandelman (199
7)
36
compositores brasileiros: obr
as
para piano (1950
1988)
versa sobre obras escritas por
36
compositores brasileiros, entre 1950 e 1988, época a partir da qual o número de composições
para a formação começou a crescer no país. O critério utilizado par
a a
inclusão
dos
compositores foi o de que seus nomes constassem, pelo menos, duas vezes nos programas das
Bienais de Música Contemporânea do Rio de Janeiro ou dos Festivais de Música Nova de
Santos. O objetivo da autora, visando à ampliação do campo da pe
dagogia pianística, a levou
ao estudo das partituras das obras abordadas, partindo de considerações fundamentais, tais
como as características composicionais, as exigências pianísticas básicas e o grau de
dificuldade
das obras.
No Capítulo II
tratamos
das
questões relacionadas à prática do piano a quatro mãos,
expondo depoimentos sobre sua importância e caracterizando seus problemas. Para tanto,
realizamos entrevistas com 11 integrantes ou ex
-
integrantes de duos consolidados, residentes
na cidade do Rio de
Janeiro
.
Formulamos o roteiro de
perguntas de modo que comentassem
nossas questões pré
-
concebidas, ao mesmo tempo
deixando
espaço para discorrerem
livremente sobre outras. Em apenas uma das entrevistas (Patrícia Bretas e Josiane Kevorkian)
tivemos a oport
unidade de entrevistar os dois membros do duo juntos. Lembr
amos
sempre de
alguns cuidados especiais, propostos por Thompson (1992), que o entrevistador deve ter a fim
de obter as informações almejadas
:
-
Saber como agir antes, durante e depois de uma entrevista, além da preocupação com o
bem estar do entrevistado; observar suas reações diante de uma pergunta; reconhecer
limites e quando eles podem ser ultrapassados;
-
Elaborar perguntas simples e diretas,
em
linguagem comum e familiar ao entrevistado.
“Quan
to mais claro estiver para você o que vale a pena perguntar e qual a melhor
maneira de pergunta
r
, mais você conseguirá obter de qualquer tipo de informante”
(Thompson, 1992, p. 263);
-
Ter cuidado especial com a escolha do lugar, horário (conveniente para
o entrevistado),
equipamento; saber como manuseá
-
lo diante do entrevistado, buscando sempre o seu
conforto. “Ao utilizar um gravador é importante não chamar a atenção para o aparelho,
nem se distrair ocupando
-
se dele” (Thompson, 1992, p. 264). O autor suge
re que
geralmente o melhor local é a própria casa do entrevistado;
-
Registrar comentários e observações que não foram gravad
o
s na entrevista, assim
como traços da personalidade do entrevistado; conferir as informações obtidas e
averiguar quais ainda são n
ecessárias e, por conseguinte, planejar como as próximas
perguntas serão elaboradas;
-
Verificar os itens recolhidos e registrar agradecimento ao entrevistado.
Com os entrevistados foram
discutidos a importância e problemas da performance em
duo, que incluem tanto aspectos técnico
-
musicais
dedilhado, movimentos pianísticos, pedal,
posicionamento corporal, posicionamento de bancos, escolha de partes
, quanto a relação
pessoal dos dois pianistas, escolha de parceiros e o planejamento dos ensaios. Também
f
oi
importante anotar suas opiniões sobre algumas de nossas propostas e seus depoimentos sobre
o que acham da importância da prática do piano a quatro mãos na formação do pianista.
Incluímos
nos Anexos
o roteiro das entrevistas e
suas
respectivas transcriçõ
es,
não só por se
tratar de depoimentos de personalidades importantes no meio
,
como também para que
pesquisadores futuros tenham acesso às nossas fontes, podendo assim, tirar suas próprias
conclusões.
Feito as considerações gerais sobre a prática com a fo
rmação, focalizamos, no Capítulo
III, a discussão acerca das questões de performance das obras brasileiras já mencionadas. Para
tanto foi necessária a
execução
das obras. Em nossos ensaios, foram registradas as
dificuldades observadas e as respectivas solu
ções encontradas pelos intérpretes. Eventuais
comparações com gravações existentes foram enriquecedoras.
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A HISTÓRIA E O REPERTÓRIO
DE PIANO A QUATRO MÃOS
1.1 – Das Origens a Schubert
Na história da música é muito
curiosa a rápida ascensão e declínio do uso do piano a
quatro mãos. Os primeiros vestígios do gênero
quatro mãos
em um teclado (para simplificar,
chamaremos apenas de duo) remontam ao início do séc. XVII, na Inglaterra. Apenas duas
obras sobreviveram
A
Verse for two to play
on one Virginall or Organe
de Nicholas Carlton
(?
-
1630), e
A Fancy for two to play
de Thomas Tomkins (1572
-
1656)
e pertencem à escola
virginalista Elizabethana
5
. Curiosamente, o piano a quatro mãos permanece distante dos
compositore
s nativos daquele país por vários séculos, até reaparecer recentemente. Pouco se
sabe sobre Carlton e a peça para duo talvez tenha sido sua única impressa. A data de
composição é incerta, mas segundo Miller (1943), tomando como base a tessitura da obra (Lá
-
2 ao Lá4) e o que sabemos sobre o comprimento do teclado dos virginais do período na
Inglaterra, é provável que
tenha sido
por volta de 1600. Trata
-
se de um delicado jogo de
contraponto construído sobre o
cantus firmus
6
In Nomine
, mas não reflete um grand
e
conhecimento da escrita do gênero (Ferguson, 1971); é interessante observar pelo título, que
não devia haver muita distinção entre escrever para o órgão ou para o virginal. Notamos
também o uso das expressões “The base and lowest part” e “The treble and
highest part”, que
demonstram que provavelmente ainda não havia termos convencionados para a designação
das partes.
5
Período de composições para instrumento de teclado em voga no final do séc. XVI e início do séc. XVII.
6
Melodia geralmente extraída do cantochão, mas que poderia ser criada t
ambém pelo compositor, que formava
a base sobre a qual se inseriam novas melodias nos organa, motetos e outras formas polifônicas, do século XIII
ao século XVI.
(…).” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cantus_firmus)
Exemplo
1
Carlton
-
A Verse for two to play on one Virginall or Organe (facsimile d
o manuscrito,
Fonte: Miller, 1943)
Carlton, após sua curta vida, nomeou Thomas Tomkins de Worcester, “meu bom amigo
estimado e singular”,
7
(apud. Chiang, 1976, p.8) como testamentário de seus bens, do qual o
7
My singular and esteemed good friend.
10
legado mais importante talvez seja sua peça par
a duo. “Esses dois duetos podem muito bem
ter sido um tributo único para sua amizade” (Chang, 1976, p.8).
8
Tomkins é um compositor com maior reconhecimento na Inglaterra, tendo reimpressas
várias de suas peças para coral e para teclado. Sua poderosa peça p
ara duo já demonstra uma
linguagem genuinamente idiomática para a formação, tal como o diálogo entre as partes
(Ferguson, 1971). Entretanto Miller (1943) considera aceitável a hipótese de que ambas sejam
arranjos de composições para outra formação, por apr
esentarem um cruzamento entre as
partes (na peça de Tomkins) e uma passagem rápida em terças dividida entre os músicos (na
peça de Carlton), apesar de admitir que as duas apresentam várias particularidades de
composições para teclado (como ornamentos e man
eira de dispor os acordes). E se as terças
encontradas no registro grave podem trazer como resultado uma textura muito densa ou
desequilibrada entre as partes nos instrumentos atuais, isso não acontece nos instrumentos da
época.
A Fancy for two to play
, as
sim como a peça de Carlton, tem data de composição
desconhecida; foi construída com processos antífonos e imitativos e, além de estabelecer a
identidade distinta dos dois intérpretes, mostra unidade ao considerar a igualdade de
importância entre os músicos.
Exemplo
2
Tomkins
A Fancy for two to play (Versão impressa do manuscrito
9
)
As outras três peças do mesmo período ou anteriores de que temos conhecimento,
podem ter sido intencionadas para duo, porém para três mãos ao invé
s de quatro, já que foram
dispostas em três pentagramas, em que o terceiro não tem designação instrumental. Duas
delas, a anônima
Divisions
e
A Battle and no Battle
de John Bull (1563
-
1628) podem ser
executadas no mesmo teclado, já que a parte extra do bai
xo nunca cruza com as demais. No
entanto a peça
Ut re mi fa sol la, for two to play
de Willian Byrd (1543
-
1623) apresenta
8
Th
e two duets may well have been a unique tribute to their friendship.
9
As versões impressas dos duetos de Carlton e Tomkins encontram
-
se anexadas no trabalho de Miller (1943).
Podemos encontrá
-
las editadas nas edições da Schott (1949), Nagels Verlag (1973)
, e o dueto de Tomkins em
Ferguson (1971), Vol.5.
11
diversos choques entre as duas partes, o que indica que ela provavelmente foi destinada para
dois instrumentos ao invés de um.
Contudo
, a restrita tessitura e volume sonoro dos instrumentos de teclado da época,
geralmente construídos com cinco oitavas e meia e, em alguns casos, apenas 60 cm de
largura, não favoreciam, como também tornavam incômodo, o uso de dois executantes em um
mesmo t
eclado, especialmente usando as volumosas roupas em voga no período. Desta
maneira permanece um hiato de aproximadamente um século até a próxima aparição no
gênero (de que temos conhecimento)
,
em 1777, com a publicação de Two Sonatas or duets for
two perfo
rmers on one piano
-
forte or hapsichord
, de Charles Burney (1726
-
1814).
Entretanto, é difícil acreditar que nada tenha sido composto no período barroco. Temos o
registro de cinco peças de François Couperin (1668
-
1733) que, à primeira vista, parecem se
enqua
drar entre as peças a três mãos; a única realmente executável em um único teclado, a
Musette
que forma a segunda parte da
La Crûilli ou la Couperinette
, 20º
Ordre
das
Pièces de
Claveicin,
Livro 4 (1730), encontra
-
se incompleta. As demais, todas do Livro 3
(1722),
apresentam muitos cruzamentos entre as partes, o que demandaria um cravo de dois teclados
ou, como o próprio compositor sugere, dois instrumentos separados.
Apesar das Sonatas de Burney não apresentarem grande exuberância criativa, possuem
valor h
istórico e marcaram o começo da evolução do piano a quatro mãos. Um trecho do
artigo publicado por Burney, em 1819, incluso em
The New Cyclopedia
de Abraham Rees,
retrata os instrumentos da época e a indumentária de suas usuárias:
(...) No ano de 1777, (..
.) as moças daquela época, vestindo arcos que as mantinham
numa distância muito grande uma da outra, tinham um cravo feito por Merlin,
expressamente construído para duetos, com seis oitavas (...). E como duetos a quatro
mãos têm sido compostos por todos os
grandes mestres na Europa desde àquela época,
instrumentos com teclas adicionais tornaram
-
se hoje [1819] comuns
10
. (Burney, 1819,
apud Miller, 1943)
Sentindo
-
se obrigado a justificar a novidade deste estranho meio, Burney adiciona um
prefácio às partitura
s que já nos dá uma idéia da importância e das dificuldades encontradas
na performance do duo. O texto elaborado por ele nos mostra o quanto essa prática era
desconhecida, pois discorre sobre questões
que hoje
nos parecem óbvias:
Como estas peças foram as
primeiras [do tipo] a apareceram impressas, talvez seja
necessário dizer algo a respeito da sua utilidade e da maneira como interpretá
-
las.
(...)
o inconveniente de ter dois cravos ou piano
-
fortes em um mesmo recinto e o
curto
10
(…) in the year 1777, (…) the ladies at that time wearing hoops which kept them at too great distance from
each other, had a harpsichord made by Merlin, expressly for duets, with six octaves (…). And as d
uets à quatre
mains have been composed by all the great masters in Europe since that time, instruments with additional keys
are now become general
12
lapso de tempo
em que eles ma
ntêm exatamente a mesma afinação, têm impedido
freqüentes
tentativas
e até mesmo dificultado
o cultivo
desta espécie de música,
apesar
das vantagens que, em outros respeitos, oferece aos estudantes de música. A
execução
de
duos
sobre um
mesmo teclado
apresenta,
entretanto, quase
as mesmas
vantagens
,
sem a inconveniência de lotar um recinto, ou de freqüentes afinações duplas; e tão
extensa é a tessitura dos instrumentos de teclado que, mesmo as composições mais
completas e elaboradas devem, se tocadas por um
a pessoa, deixar muitas partes da
escala [do teclado]
sem emprego
; o que, talvez,
primeiramente levou à idéia
de
aplica
ção
do
ped
al
no órgão.
11
(Burney, 1777. Apud Mcgraw, 1981).
Haydn (1732
-
1809)
,
apesar de sua extensa produção para diversas formações
ins
trumentais, deixou uma reduzida contribuição para o repertório de piano a quatro mãos
apenas duas pequenas peças:
O Mestre e o Pupilo Hob. XVIIa,
1
(1778)
onde o
secondo
(mestre) apresenta os materiais temáticos que são repetidos duas oitavas acima pel
o
primo
(pupilo)
,
e
Partita Hob. HVIIa, 2
(1778). Mesmo assim, elas são de grande valor didático,
apresentando nível de proficiência técnica que varia do elementar ao intermediário.
Podemos dizer então que foi com um compositor de menos renome, J. C. Bach
(1735
-
1782), que o piano a quatro mãos teve realmente seu início consolidado. Filho caçula do
grande J. Sebastian Bach (1685
-
1750), estabeleceu
-
se na Inglaterra em 1762, ficando
conhecido como o
Bach de Londres
. Suas peças mostram grande conhecimento do g
ênero,
sempre melodiosas, graciosas e elegantes, em texturas bem transparentes, tal como habitual
no final do séc. XVIII. Escreveu o
Dueto 1
(1780) e
Dueto 2
(1780), seis
Sonates à quatre
mains
(também conhecidas como
Lições
), porém as três
Sonatas
:
op. 15
/6
(1778) em dó
maior, op. 18/5
(1780) em lá maior e
op. 18/6
(1780) em fá maior, são indiscutivelmente mais
conhecidas. Podemos ilustrar o charme de seu estilo com este trecho do
Allegretto
da Sonata
em lá maior:
11
As the following pieces are the first that have appeared in print it may be necessary to say something
conc
erning their utility, and the manner of performing them. (…) the inconvenience of having two Harpsichords,
or two Piano
-
Fortes, in the same room, and the short time they remain exactly in tune together, have prevented
frequent trials, and even the cultivat
ion of this species of music, notwithstanding all the advantages which, in
other respects, it offers to musical students. The playing Duets by
two persons
upon
One instrument, is, however
attended with as nearly as many advantages, without the inconvenienc
e of crowding a room, or of frequent or
double tunings; and so extensive is the compass of keyed
instruments, that the most full and elaborate
compositions must, if played by one person, leave many parts of the scale unemployed; which, perhaps, first
sugg
ested the idea of applying pedal to the organ.
13
Exemplo
3
J.
C. Bach
Sonata op. 18/5 em lá maior, compassos 20
27,
J. C. Bach marcou o desenvolvimento do estilo clássico que seria consagrado por
Mozart (1756
-
1791). Aliás, a amizade e admiração entre os dois mestres eram recíprocas,
mesmo considerando a diferen
ça de idade entre ambos. J. C. Bach teve oportunidade de
conhecer Mozart quando este permaneceu em Londres pelo período de 14 meses, e, inclusive
,
“é dito que os dois improvisavam duos, com Wolfgang sentado sobre o joelho de Johann
Christian, tocando no me
io do teclado.”
12
(Ferguson, 1971, p.6). Podemos notar a grande
influência que J. C. Bach teve sobre o jovem Wolfgang ao comparar os temas dos
Allegrettos
das Sonatas
em dó maior de cada um deles. Notamos como as progressões harmônicas e
contornos melódicos se assemelham:
12
“It is said that the two improvised duets, with Wolfgang seated on Johann Christian´s knee and playing in the
middle of the keyboard.” (Ferguson, 1971, p.6)
14
Exemplo
4
Comparação do Allegretto da Sonata op. 15/6 de J.C. Bach com a Sonata K.521 de
Mozart (Fonte: Lubin, 1970, p. 11)
Seria então possível dizer que foi sob a inspiração de J. C. Bach que Mozart, com
apenas nove anos de idade, escreveu sua primeira
Sonata
para piano a quatro mãos (
Sonata
em dó Maior, K.19d
, 1765). Acredita
-
se que esta tenha sido a peça que Mozart e sua irmã
Nannerl (sua habitual companheira de duo, cinco anos mais velha) tenham apresen
tado no
Hickford´s Great Room em 13 de maio de 1765, quando ambos foram noticiados como
“prodígios da natureza”
13
. Também se apresentavam diariamente em
The Swan
e na taberna
Hoop
em Cornhill, segundo o anúncio de jornal, com data de 11 de julho de 1765, o
qual
dizia: “as duas crianças irão tocar sobre o mesmo cravo, e colocarão um lenço, para não ver as
teclas”
14
. A peça retrata muito bem a fase infantil do compositor, e mesmo apresentando
traços de ingenuidade e alguns choques entre as partes (que sugerem o
uso de um segundo
teclado), já demonstra um bom conhecimento da escrita para a formação.
Mozart só tornou a escrever para duo pianístico aos 16 anos de idade, com a Sonata em
ré maior K. 381/123a
(1772), agora já demonstrando a mesma maturidade e domínio
do
gênero que os
observados
em todas as áreas musicais em que o compositor se aventurou. A
obra possui uma característica incomum para a época: no segundo movimento, a melodia é
dobrada a uma distância de duas oitavas, assemelhando
-
se
ao dobramento da fla
uta e fagote
vistos na Flauta Mágica e na Sinfonia em Sol menor. Nas edições musicais, a sonata é
comumente publicada junto com a Sonata em sib maior K. 358/186c
(1774); ambas
apresentam aspectos similares, como caráter alegre, vivo e brilhante e o começo
tocado em
uníssono pelas quatro mãos.
Em relação ao nível de dificuldade, concordamos com Mcgraw
(1981), que considera a primeira (Ré maior) ligeiramente mais trabalhosa que a segunda, ao
contrário do que diz Chang & Faurot (1976).
13
“Prodigies of nature” (ANDERSON, Keith. Cd Naxos
, 2000, Mozart Piano Duets vol. 1)
14
“The two children will play upon the same harpsichord, and put on a handkerchief, without seeing the keys”
(Jornal de Cornhill, 11 de julho de 1765. apud. Ferguson, 1971, p. 6)
15
Todavia, é nas duas últimas sonatas para piano a quatro mãos que restaram completas,
maior K. 497
(1786)
e
dó maior K. 521
(1787) que Mozart se mostra no ápice de seus
poderes. As proporções e profundidade da
Sonata em fá maior K. 497
, composta em 1786
(um ano após
Figaro
), a
tornam comparável às maiores obras que o compositor já escreveu,
ocupando lugar de destaque na sua produção camerística (Lubin, 1970; Ferguson, 1971;
Chang, 1976; Mcgraw, 1981). Pelo uso de uma introdução, procedimento raro em Mozart, já
podemos pressentir a profundidade da peça:
Exemplo
5
Mozart
Sonata em fá maior K. 497, Introdução
Assim como a maioria das peças para piano a quatro mãos, esta sonata nos remete
constantemente a formações de instrumentos orquestrais, fato qu
e está em concordância com
o desejo de Donald Tovey de transcrevê
-
la para quinteto de cordas (Lubin, 1970). Apesar de
ser estimulante para os intérpretes imaginar os timbres orquestrais, as sonatas de Mozart
funcionam perfeitamente como peças para duo pian
ístico, sem haver necessidade, pois, de
qualquer transcrição.
A última obra para piano a quatro mãos composta por Mozart foi a
Sonata em dó maior
K. 521
, de relevância comparável à mencionada
Sonata em fá maior
, mas demonstrando um
caráter mais leve e bril
hante. Seu estilo se assemelha ao de um concerto para piano, com
passagens que nos lembram os contrastes entre
tutti
e
solo
, conferindo
-
lhe um elevad
o
grau de
exigência
pianística (com a
Sonata em
,
é a peça do compositor que Mcgraw (1981)
classifica
com
o de
maior nível de dificuldade), e quando o próprio Mozart escreveu para seu
amigo Jacquin, pediu
-
lhe para dar o seguinte recado à sua irmã: “Diga a ela para começar a
praticar imediatamente, pois ela
[a sonata]
é o próprio diabo para tocar” (apud Lubin,
1970, p.
16). Lubin (1970) sugere que se mantenha o andamento rápido para o primeiro movimento, se
o que se quer é
levantar
a peça do chão. Estendemos esta sugestão para os primeiros
movimentos das mencionadas Sonatas K. 381/123a
e
K. 358/186c.
Ainda podemos citar outras obras em que o compositor explorou a formação:
Andante e
Variações em sol maior K. 501
(1786)
uma das melhores escolhas, se deseja
r
mos conhecer o
estereótipo do estilo Mozarteano peça extremamente popular entre os duos pianísticos, onde
o solo é permutado entre os intérpretes, apresentando formato de variações similares ao
16
encontrado em suas obras para piano solo;
Sonata
incompleta em
sol maior K. 357/497a
inteligentemente concluída por Julius André, que pouco adicionou à música no que
se refere
ao material temático; duas
Fantasias para órgão
(
K. 594
e
K. 608
)
incorporadas ao
repertório de piano a quatro mãos possivelmente por terem sido impressas em quatro
pentagramas
que se revelam como trabalhos
inspiradores
,
apesar
de se ter notí
cia de que
Mozart as escreveu com certo desgosto (dadas às limitações do órgão), pensando apenas no
resultado financeiro; e, por fim, a incompleta
Fuga
K. 401
(finalizada por Maximilian
Stadler), que embora perfeitamente disposta para piano a quatro mãos,
não se sabe para qual
formação foi originalmente intencionada.
Não poderíamos deixar de mencionar outro grande mestre que contribuiu para a
literatura
para
duo: Muzio Clementi (1752
-
1832), que escreveu para duo sete
Sonatas, três
Rondos
e pequenas peças (q
ue se encontram apenas em manuscrito)
,
as quais ele chamou de
Duetttini. Todas são muito bem escritas, pianísticas e musicais
15
. Igualmente podemos citar os
nomes de J. Dussek (1760
-
1812)
dono de um estilo que já prenunciava Chopin e Schumann
e que nos deixou, entre outros trabalhos, 16 sonatas para duo e I. Pleyel (1757
-
1831).
Assim como Haydn, Beethoven (1770
-
1827) parece não ter mostrado muito interesse no
piano a quatro mãos. Talvez sua personalidade forte e individualista tenha mantido um pouco
long
e a vontade de dividir seu próprio instrumento. Mas assim como em todas as composições
do grande mestre, podemos sentir o caráter e a energia tão própria do compositor. Sua
produção para duo inclui uma sonata (1797), dois conjuntos de variações (1794 e 188
0), um
conjunto de três marchas (1804), e sua própria transcrição da
Grosse Fugue
(1826).
É sabido que Beethoven elevou o campo do
tema
e variações para um outro nível,
como
se pode observar
nas
Seis Variações sobre a canção ‘Ich denke dein’
e nas
Variações sobre
um tema de Count Waldstein
,
peças da juventude
,
mais leves e com certo humor. As
poderosas
Três Marchas op.45 já são obras de maior maturidade, remetendo
-
nos novamente a
timbres orquestrais, como percussão e sopro
razão pela qual elas foram diver
sas vezes
transcritas para banda ou orquestra e se enquadram entre as melhores obras do gênero.
15
Townsend (1967), em seu artigo
The piano
duet
, chega a fazer um breve estudo comparativo entre as sonatas
para duo de Mozart e Clementi, alegando que normalmente não é dada a devida atenção às obras do último.
17
Exemplo
6
Beethoven
Marcha em mib maior op.45, trio.
A
Grosse Fugue
, como o nome sugere, apresenta grandes proporções, em uma
atmosfera extremamente densa e angustiante. Tendo sido originalmente escrita para quarteto
de cordas, foi tida como quase impraticável, o que levou o compositor (também a pedido do
editor) a transcrevê
-
la para um meio mais acessível. Apesar da grande flex
ibilidade e
habilidade da transcrição do compositor, o resultado foi uma obra da mais extrema
dificuldade e pouco pianística. Os duos que almejam estudar esta obra precisam estar
preparados para um grande desafio, que também implica em uma profunda análise
anterior ao
estudo prático. Para os que querem se aventurar,
sugerimos
a leitura do trabalho de Lubin
(1970), que já fez parte desta análise.
Hummel (1778
-
1837) foi, em seu tempo, um compositor constantemente comparado
com Beethoven, provando que foi muit
o mais prestigiado por seus contemporâneos do que
por nós.
E
xplorou novas relações harmônicas e recursos do piano que
,
posteriormente
,
iriam
ser desenvolvidas por Chopin, Schumann e Liszt. Para duo pianístico escreveu peças
intituladas sonata, noturno, val
sa, variações e rondó. Podemos notar a
especial
qualidade
virtuosística que o compositor trouxe para o gênero,
aproveitando
o brilho das rápidas
semicolcheias
, como
ilustrado nesta sonata:
Exemplo
7
Hummel
Sonata em láb m
aior op.92
(1821), primeiro movimento
(Fonte: Lubin, 1970)
18
Acompanhando a ampliação no campo das peças didáticas, temos contribuições
significativas para o repertório para piano a quatro mãos de Czerny (1791
-
1857), Kuhlau
(1786
-
1832) e Diabelli (1781
-
1858
). Este último foi um dos primeiros a iniciar a prática de
limitar uma das partes ao âmbito de apenas cinco dedos, idéia que viria a ser imitada por
vários compositores. Czerny, apesar da crítica
comum à
qualidade musical
de seus trabalhos,
experimentou no
vidades, como o concerto para piano a quatro mãos e orquestra
formação
que não vingou
por apresentar tendência contrária ao aspecto camerístico do piano a quatro
mãos
e peças para seis mãos.
Contudo, o centro do universo do piano a quatro mãos é, sem d
úvida, Franz Schubert
(1797
-
1828). Não só foi ele o maior e mais prolífico compositor para piano a quatro mãos,
como ainda algumas de suas peças alcançaram o mais alto grau de excelência. Suas
obras
para
piano solo, por vezes, apresentam uma atmosfera extr
emamente intimista, exigindo uma
concepção técnica que parece exceder as capacidades pianísticas, tornando
-
se sempre um
grande desafio para quem as interpreta, especialmente se o que o artista deseja é a
comunicação com a platéia. Parece
-
nos, porém, que na
maioria das peças para piano a quatro
mãos, tal dificuldade é menor, uma vez que essa formação é mais favorável à realização dos
efeitos orquestrais que sua música comumente sugere (efeitos
orquestrais geralmente
nos
fazem pensar em sonoridades mais poderosas e, conseqüentemente, maior comunicação com
o público).
Tal característica levou alguns autores, como Lubin (1970) e Mcgraw (1981), a
levantar a hipótese de que Schubert parecia se sentir mais confortável escrevendo para duo do
que para solo, embora
o haja
registro histórico que confirme
tal
idéia.
Nesse sentido,
Weekley & Arganbright (1990) apenas dizem que Schubert provavelmente sentia que
os
duetos estavam entre suas melhores obras, lembrando o fato de que
o compositor
escolheu,
dentre toda sua pro
dução, as
Variations on a French Song D. 624
(1818), para dedicar
a
seu
venerado mestre Beethoven
,
como também escolheu tocar um dueto em sua primeira
apresentação pública em Viena.
Dentre os títulos que escreveu para piano a quatro mãos estão:
Allegros,
D
anças
,
Divertimentos, Fantasias, Fugas,
Marchas
,
Overtures
,
Polonaises
, Rondós,
Sonatas
e
Variações
. Uma das peças mais famosas e tocadas por duos no mundo inteiro (talvez a
mais
tocada) é sua
Fantasia op.103 D.940
(1828), que mostra
sua
criatividade na co
ndução
harmônica e
no
colorido orquestral, combinad
o
s a melodias magistralmente arquitetadas. Na
organização estrutural reflete a influência das duas
Fantasias K. 594
e
K. 608
de Mozart e
representa um marco como um dos melhores experimentos que fogem à tr
adicional forma
19
sonata. (Mcgraw, 1981). À primeira vista
,
a peça não apresenta maiores dificuldades, fato que
explica sua grande popularidade
,
mesmo entre os músicos amadores
mas não podemos nos
deixar enganar
,
pois, como a maior parte das peças de Schub
ert, ela requer um elevado nível
de maturidade musical.
Sucesso quase equiparável à mencionada Fantasia
, é a sua
Sonata op.140 D.812
(1824),
chamada
Grand Duo. Divida em quatro movimentos, é uma obra de proporções monumentais,
apresentando grande carga em
ocional em elementos contrastantes, ora brilhantes, ora
delicados e ternos. Em vários momentos
,
a peça nos remete a uma textura orquestral (como
ilustra o trecho no
Exemplo
8
). “Schubert usava tremolos de oitavas q
uebradas para efeitos
dramáticos e/ou orquestrais desde seu primeiro dueto de 1810”
16
(Weekley & Arganbright,
1990, p. 53). A textura orquestral às vezes parece exceder as capacidades do piano, o que
levou Robert Schumann (endossado posteriormente por vário
s críticos) a afirmar que a obra
provavelmente devia ser o arranjo de alguma sinfonia perdida. Joseph Müller
-
Blattau (1941)
17
contestou a suposição dizendo que, na verdade, se tratava da primeira “sinfonia a quatro
mãos”, combinando efeitos especificamente
pianísticos com outros mais característicos do
estilo sinfônico. Discussões à parte, podemos concluir que o
Duo
é uma das peças mais
difíceis do repertório a quatro mãos. (Mcgraw, 1981).
Exemplo
8
Schubert
Grand Duo op.140 D
.812.
Grande parte das peças para piano a quatro mãos de Schubert datam das longas visitas
que o compositor fazia à casa de veraneio do Conde Esterhazy, em Zselis, onde ensinava
música para as duas talentosas filhas do Conde. Foi lá que o compositor teve
contato com a
música húngara, inspirando
-
o a escrever outra peça de enorme sucesso, o
Divertissement à la
hongroise op. 50
(1824). É dividida em três seções:
Andante
, Marcia
e
Allegretto
. A música
apresenta um forte sabor húngaro, com passagens modais e im
itações de trêmolos de
cimbalom. De acordo com o testemunho de um amigo de Schubert, ele escutou uma
empregada cantando na cozinha do Conde Esterhazy e ficou fascinado com a melodia (Lubin,
16
Schubert used tremolos of the broken octave type for dramatic and/or orchestral effe
ct ever since his first duet
of 1810.
17
Müller
-
Blattau, Joseph. Zur Geschichte und Stilistik des vierhändigen Klaviersatzes.
Janrbuch
der
musikbibliothek Peters für 1940
, XLVII. Lepzig, 1941.
20
1970; Mcgraw, 1981). Embora seja notável a influência húngara
em
s
eu estilo, esta
foi
a única
peça em que o compositor explicitamente
tentou
reprodu
ziu
uma canção folclórica húngara.
Entre as
peças menos tocadas (que as já citadas)
,
vale mencionar as
Variações em láb
maior op.35 D.813 (1825), que datam da segunda visita do compositor a Zselis. Elas alternam
estilo brilhante e lírico, ambos magistralmente arquitetados. Sua notável qualidade é
confirmada pelos depoimentos entusiasmados de Lubin (1970): “o melhor conjunto
independente que Schubert já escreveu”
18
(p. 41); e Mc
graw (19981) “o mais longo e
diversificado trabalho do compositor nesta forma”
19
(p. 259). Ainda digno
s
de nota
são a
Sonata em sib maior op.30 D.617
(1818) e o
Andantino varié em si menor op.84/1 D.828/2
(1825).
Para finalizar esta seção achamos que seria necessário mencionar um compositor que foi
muito estimado por seus contemporâneos, mas que parece, hoje em dia, ter pouca
popularidade: Carl Maria von Weber (1786
-
1826). Ele escreveu três conjuntos de peças piano
a quatro mãos
op.3
(1801),
op.10
(1809),
e
op.60
(1818
-
1819)
correspondendo a uma
ordem progressiva de dificuldade.
1.2 – Do ápice no Romantismo ao século XX
Vários fatores se combinaram para encorajar o cultivo da prática do piano a quatro mãos
no Romantismo. A tendência à busca
de
aumento d
o volume sonoro estava em concordância
com o potencial das quatro mãos em um teclado. Os instrumentos, que antes não favoreciam a
proliferação deste gênero, agora estavam modificados. Com o desaparecimento do cravo, no
século XIX, e a evolução e consolidação do piano, já com tessitura maior, capaz de acomodar
melhor duas pessoas, acompanhada pela evolução do pedal e do colorido timbrístico e
dinâmico, o repertório a quatro mãos encontrou as condições adequadas para se desenvolver.
Após as guerras Napoleônic
as, que traumatizaram Viena, os duetos foram aos poucos
substituindo as tradicionais orquestras de câmara como o meio de se fazer a
Hausmusik
.
Além disso, é interessante observar, nos séc. XVIII e XIX, o crescimento e consolidação
desta forma de fazer mús
ica como uma prática social.
Na época,
quando
não havia, como
hoje, tantos eventos e tanta liberdade social, desenvolveu
-
se uma classe burguesa (que incluía
vários editores musicais) ávida por investir em todos os setores das artes, com condições de
financ
iar o aprendizado pianístico de suas filhas. Como o piano se tornou um dos
18
“(...) the finest independent set that Schubert ever wrote.” (
Lubin, 1970. p. 41).
19
“The longest and most diversified of the composer’s works in this form” (Mcgraw, 1981, p. 259).
21
instrumentos preferidos daquela geração, o duo logo se tornou uma das melhores maneiras
para jovens (em especial do sexo oposto) se encontrarem, além do fato de não ser necessário
u
m recinto muito grande ou outro instrumento para os ensaios, evitando o problema das
afinações duplas apontado por Burney (mencionado no inicio deste capítulo). Lubin (1970)
diz que não é sem motivo que encontramos,
em algumas peças do período,
muitos
cruz
amentos entre as mãos onde não são exatamente necessários: “(...) seria até perigoso
arriscar um palpite sobre quantos casamentos do século XIX deviam sua existência ao
costume de tocar a quatro mãos”
20
(1970, p.3). Um dos melhores exemplos da história é o
de
Grieg, que descobriu que ele e sua prima estavam apaixonados um pelo outro quando tocavam
o arranjo para quatro mãos da Sinfonia da Primavera
de Schumann.
Observa
-
se também, que antes do advento do gramofone, inúmeros compositores
transcreviam para quat
ro mãos
suas peças orquestrais, para que fossem comentadas e
apresentadas em recintos menores e mais acessíveis. O sucesso do duo foi tão grande que
praticamente toda obra sinfônica publicada
tinha
uma respectiva versão a quatro mãos
disponível para venda. Comerciantes mais gananciosos
chegaram a publicar os arranjos mais
inimagináveis de peças orquestrais e, até mesmo, de peças para piano solo, a maioria de
caráter popular e de dança, alguns deles de qualidade duvidosa. Mas isso não diminui a
qualidade da
literatura para duo que, além do repertório original, inclui arranjos feitos pelos
próprios compositores, vários deles desconhecidos do grande público.
Assim como Mozart, Felix Mendelssohn (1809
-
1847) tinha uma irmã que era excelente
pianista, Fanny, e amb
os, na juventude, apresentavam duos em concertos familiares. Mesmo
assim Mendelssohn não escreveu muito para duo, se comparado ao que produziu para outras
formações. Dentre as obras que compôs originalmente para a formação estão
Andante e
Variações op.83
(
1841), Fantasia
e
Allegro Brilhante op.92
(1841)
,
este último um dos
melhores exemplos de como o piano a quatro mãos também pode ter um estilo virtuosístico,
com dificuldade técnica semelhante à da
Sonata em dó maior K.521
de Mozart, com suas
rápidas escal
as e arpejos. Também transcreveu magistralmente para duo algumas de suas
peças, como o
Midsummer Night´s Dream
(1880), que se tornou imensamente popular
durante o período.
A trajetória biográfica de Robert Schumann (1810
-
1854) pode ser observada ao longo
d
e sua produção para piano a quatro mãos. As
Polonaises op.III
(1828)
estão entre suas
primeiras composições e, apesar dos sinais de imaturidade, mostram frescor e imaginação. No
20
“(...) it would be hazardous to venture a guess as to how many nineteenth
-
century marriages owed their
existence to the custom of playi
ng piano duets.”
(Lubin, 1970, p.3).
22
auge de sua carreira, após um jejum de 20 anos nos quais o compositor só se de
dicou a outras
formações, temos:
Cenas do Oriente op.66
(1848)
considerad
a
s por Aylton Escobar
(1998)
21
como o mais sofisticado ciclo para duo do compositor
,
foram inspiradas na leitura de
seis poemas do
Maqamen
de Hariri, na tradução livre do poeta alemã
o Friedrich Rückert; a
peça não apresenta caráter descritivo, retratando o estilo romântico alemão característico do
compositor
-
; e o
Álbum para a Juventude op.85: 12 Peças para Quatro Mãos para Crianças
Grandes e Pequenas
(1849), composto como conseqüênc
ia do sucesso de seu homólogo
famoso ciclo para piano solo op.65. Do final de sua vida, já demonstrando reflexos da
debilitada condição de saúde, são a Ballscenen op. 109 (1851) e Kinderball op.130
(1853).
Chopin (1810
-
1849) e Liszt (1811
-
1886) elevaram o
nível do piano solo para tal
patamar que sobrou pouco espaço para se dedicarem a outras formações. As Variations sur
un
air national de Moore
(ca.1826) é o único trabalho de Chopin original para duo pianístico,
à
exceção das
Variações em fá
,
que estão perd
idas, e o arranjo de seu
Grande Duo Para
Pianoforte e Cello
. O tema das
Variações
é o familiar
Canaval de Veneza
,
que
Chopin (ou
sua irmã que, após sua morte, fez uma lista de todas
as
suas composições não publicadas)
erroneamente atribui
u
a Moore (Chang,
1976). Composta
s
quando o compositor
ainda tinha
em torno de dezesseis anos, a peça delineia, na parte do
primo
, o pianismo das escalas e
arpejos característicos do compositor (como vemos no exemplo abaixo), mas seu valor é
essencialmente histórico.
Exem
plo
9
Chopin
-
Variations sur um air national de Moore
De acordo com Lubin (1970), Liszt também
compôs
apenas uma obra original para
piano a quatro mãos
Festpolonaise
(1876)
mas
escreveu
diversos arranjos de suas
composiçõe
s
para piano solo, bem como de peças orquestrais e também de outros
compositores. Alguns arranjos merecem destaque:
Grand Galop Chromatique op.12
(1838) e
Grande Valse de Bravura op.6
(1844)
grande adição à literatura para quatro mãos, já que
além de bem
escritas para o gênero, possuem finais explosivos (não tão comuns no estilo
21
ESCOBAR, Aylton. Encarte do CD:
Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini
Schumann, Krieger, Miranda,
Brahms, Villa
-
Lobos, Escobar
piano a 4 mãos
. 1998, p.6.
23
camerístico peculiar à formação), tornando
-
se úteis para duos que estão procurando peças de
efeito no palco; e
Weihnachtsbaum
(1876)
arranjo feito de maneira bem balanceada, com
uso pleno dos recursos do teclado, parecendo preencher alguns vazios presentes na versão
solo.
Na segunda metade do século XIX a prática do piano a quatro mãos corria a pleno
vapor, tornando
-
se o centro de praticamente todos os encontros
sócio
-
musicais. Q
uando
falamos de sucesso obtido, dois compositores encontraram posição de relevo no Romantismo
:
J. Brahms (1833
-
1897) e A. Dvorak (1841
-
1904). Brahms não chegou a produzir uma vasta
literatura para a formação, embora as peças que escreveu correspondem ao s
eu mais alto nível
de exigência e criatividade. Além disso, apresentou várias de suas obras orquestrais na forma
de duo
,
para que pudessem ser apreciadas por uma platéia seleta de amigos, antes de publicá
-
las.
As 21
Danças Húngaras
(1858) tornaram
-
se muit
o populares e foram arranjadas para
tantas formações (pelo próprio e por outros)
que,
às vezes, nos esquecemos que foram
compostas originalmente para quatro mãos. Inicialmente foram publicadas em dois volumes
para piano a quatro mãos (danças de número 1
-
10
e 11
-
21 respectivamente), após uma
tournée com o violinista húngaro Reményi. O primeiro volume foi estreado em 1869 por
Brahms e Clara Schumann ao piano, alcançando maior sucesso e apelo do público que o
segundo (estreado pelo mesmo duo em 1880). Destaque
para as
mais do que
conhecidas n
os
4
e 5. Existe uma polêmica histórica sobre a autenticidade dos temas das danças. É sabido que
Brahms utilizou alguns temas folclóricos húngaros como matéria prima para o primeiro
volume. Entretanto, alguns compositores m
enores, dentre eles o próprio Reményi
, alegaram
serem os autores de determinados temas e
acusaram
-
no de plagio. Mesmo que Brahms tenha
se aproveitado de algum tema que escutou de Reményi, é improvável que tenha tido acesso a
partitur
as,
já que
o
acompanhav
a de ouvido. É possível que o compositor também tenha
utilizado temas originais no segundo volume; de acordo com seu estimado amigo Joseph
Joachim (1831
-
1907), Brahms compôs os temas das danças 11, 14 e 16
22
. Será este o motivo
para Brahms alegar que o segu
ndo volume era superior ao primeiro? Alguns autores, como
Lubin (1970) e Musgrave (1994) também partilham da opinião do compositor. Gostamos dos
dois volumes igualmente, mas concordamos que, apesar do menor apelo, os temas do segundo
volume são mais origin
ais, diríamos até, em geral, mais profundos,
apresentando relações
harmônicas e contrapontísticas mais complexas
mais
Brahmsiano
, usando o termo de Lubin
22
http://www.answers.com/topic/hungarian
-
dances
-21
-
for
-
piano
-
4-
hands
-
or
-
piano
-
solo
-
woo
-1
24
(1970). Observamos a profundidade emocional do compositor nas de n
os
11, 15 e 17. Apesar
da grande p
opularidade, não as julgamos como peças para iniciantes
elas oferecem
inúmeros aspectos virtuosísticos. Para os que desejam começar sugerimos as de n
os
9 e 11. As
demais, como as n
os
4, 8, 17 e 21, já exigem preparo técnico mais
apurado.
As
Valsas op.39
(1865) também tiveram grande repercussão. Na forma original para
quatro mãos, elas soam muito mais completas do que na versão para piano solo, na qual
Brahms chegou a mudar até algumas tonalidades. Seu
estilo
é
amável e expressivo, às vezes
com um leve sabor húngaro, e são razoavelmente contrastantes, como as melodiosas n
os
3, 9 e
15, a charmosa n
o
2, ou as ligeiramente agitadas n
os
10 e 11. Já as
Lieberslieder Waltzes op.52
(1869)
e op.65
(1875), apesar de também terem sido escritas para duo, soam melhor n
a sua
forma original para duo pianístico com quarteto vocal (Lubin, 1970; Mcgraw, 1981).
Menos conhecidas, mas obra prima da literatura
,
são as
Variações sobre um tema de
Robert Schumann op.23
(1861), baseadas no tema escrito pelo compositor homenageado no
s
seus últimos dias de delírio, alegando que lhe havia sido ditado pelos espíritos de Schubert e
Mendelssohn, no dia 17 de fevereiro de 1854 (Escobar, 1998). A obra é uma alusão solene e
resignada, entremeada por momentos apaixonados
,
agitados e outros mai
s extrovertidos,
à
personalidade
instável
de Schumann. Requer preparo técnico e maturidade musical
um
verdadeiro trabalho de duo.
Como conseqüência direta do enorme sucesso das
Danças Húngaras
de Brahms,
inúmeros compositores escreveram danças com temáti
cas nacionais. Os melhores exemplos
são as
Danças Norueguesas op.35 (1881) de Grieg (1843
-
1907) e as
Danças Eslavas
(1878 e
1886) de Dvorak (1841
-
1904), mas ainda temos as
Danças Lituanas
23
de Herzogenberg
(1843
-
1900), as
Danças Suecas
(1892) de Max Bruch (
1838
-
1920) e as
Danças Finlandesas
op.27
(1953) de Busoni (1866
-
1924). As
Danças Norueguesas
de Grieg refletem o charme
característico
do
compositor
em
sua melhor forma e, como o nome sugere,
a atmosfera do
país
. Acabaram por se tornar mais conhecidas
em s
ua transcrição para orquestra, apesar de
soarem perfeitamente na versão original para quatro mãos (Lubin, 1970; Mcgraw, 1981).
Podemos dizer que Dvorak completa o que apelidamos de
quarteto
dos mestres do piano
a quatro mãos, ao lado de Mozart, Schubert e
Brahms. Apesar de não ter se dedicado
especialmente ao piano, assim como Schubert, ele parece se sentir completamente à vontade
escrevendo para quatro mãos, já que esta formação, se comparada à versão solo, possibilita
maior ênfase no
caráter orquestral, t
ão conhecido do compositor. As já citadas
Danças
23
Informação extraída de Lubin, 1970. Porém em Mcgraw, 1981, não consta obra com esse título.
25
Eslavas
retratam a facilidade com que o compositor criava os mais cativantes e contrastantes
temas, e assim como outros casos já mencionados, elas acabaram se tornando mais conhecidas
nas suas versões orquestrais. Foram escritas em dois ciclos op.46
e
op.72
com oito anos de
intervalo entre eles (1878 e 1886). O primeiro mostra o frescor do estilo da Boêmia, enquanto
o segundo mostra a maturação do seu estilo.
Menos conhecidas, porém de semelhante qualida
de, são as
Legends op.59
. Elas refletem
o que há de melhor no estilo de Dvorak e, de certa forma, apresentam menos dificuldades que
as mencionadas Danças Eslavas,
configurando
-
se como ótima introdução para duos que
desejam se familiarizar com o compositor.
Brahms, que já era admirador de outros trabalhos
do compositor eslavo,
escreveu
ao editor Simrock: “Diga a Dvorak como as Legends
continuam a encantar
-
me.
É invejável
a engenhosidade fresca, alegre e rica do homem.”
24
(Lubin, 1970. P. 132). Observamos como
o compositor domina o diálogo camerístico da
formação:
Exemplo
10
Dvorak
Legends op.59
allegretto grazioso
A maioria dos compositores russos pareceu estar mais inclinada à música sinfônica e
pouco escreveram para duo pia
nístico. Mas foi na Rússia que surgiu uma das obras mais
curiosas para duo
Paráfrases
formada por 24 variações e 17 pequenas peças sobre o tema
de
chopsticks
25
, dividindo a autoria entre Borodin (1833
-
1887), Cui (1853
-
1918), Liadov
(1885
-
1914), Rimsky
-K
orsakov (1844
-
1908), e posteriormente Liszt. Enquanto o
primo
realiza repetidamente o tema, com apenas um dedo em cada mão, o
secondo
apresenta as
variações, propondo, entre outras peripécias, divertidos jogos rítmicos (como mostra
m
os
exemplos abaixo). Entre as peças constituintes está: polca, minueto, marcha fúnebre, réquiem,
mazurca,
berceuse
, galope, giga, valsa e fugueta sobre o nome de BACH. Segundo conta
Sibelius (1865
-
1957), discípulo de Liszt, seu mestre gostava de pedir aos seus alunos que,
depois
das aulas, tentassem ler à primeira vista algumas das peças, e se divertia em ver o que
acontecia (Lubin, 1970).
24
“Tell Dvorak how the Legends continue to charm me. One envies the fresh, cheerful and rich resourcefulness
of the man.” (Lubin, 1970.
P. 132).
25
Peça conhecida popularmente no Brasil como
Bife
.
26
Exemplo
11
Paráfrases
Mazurka
(Borodin). Fonte: Lubin (1970, p. 140)
Exemplo
12
Paráfrases
Valsa
(César Cui). Fonte: Lubin (1970, p. 140).
Podemos dizer que os compositores russos que produziram peças mais significativas
para o gênero foram S. Rachmaninov (1873
-
1943) e I. Stravinsky (1882
-
1971). Dentre os
demais nomes russos que
escreverem para duo
citamos
Tchaikovsky (1840
-
1893), Glinka
(1804
-
1857) e Balakirev (1837
-
1910).
As
Seis Peças op.11
(1893)
de Rachmaninov
destacam
-
se
por apresentar algumas
experiências harmônicas incomuns ao seu estilo e, apesar de se tratar de uma
obr
a
de razoável
interesse, não se compara à magnitude da sua Suíte para dois pianos. Já Stravinsky colaborou
no campo das peças didáticas. São dois ciclos
Cinco Peças Fáceis
(1917)
e
Três Peças
Fáceis
(1915)
que datam de sua estadia na Suíça
,
durante a p
rimeira Guerra Mundial,
apresentando uma parte para o professor (algumas difíceis como a
Española
, do primeiro
grupo) e outra para o aluno, de dificuldade bem menor. O interessante sobre estas peças é que
a dificuldade não está
na leitura da notação,
e sim
,
nos problemas camerísticos que elas
propõem, tais como alguns jogos rítmicos.
Destacando
-
se entre os arranjos de suas obras orquestrais, poucos sabem que a célebre
Sagração da Primavera
(1913), apesar de idealizada para orquestra, foi primeiramente
publ
icada na versão para quatro mãos, em 1913 (Hill, 2000). Como Stravinsky compunha ao
piano, é natural que tenha escrito essa versão concomitantemente à versão orquestral. As
primeiras audições particulares da obra foram feitas na versão para duo, com Stravi
nsky no
primo
e Debussy no
secondo
. Sobre esse encontro histórico, o primeiro ensaio, em junho de
1912, Louis Laloy conta:
Stravinsky perguntou se ele podia retirar seu colarinho. Sua visão não melhorava com
seus óculos e, apontando seu nariz para o teclado e às vezes cantarolando uma parte
que havia sido excluída do arranjo, ele levou as mãos flexíveis e ágeis de seu amigo a
um tumulto de som. Debussy o seguiu sem um deslize e parecia fazer pouco caso da
27
dificuldade. Quando terminaram, não era uma questão
de abraços ou elogios. Nós
estávamos pasmos, assolados por este furacão que veio das profundezas, e o qual
tomou vida pelas raízes.
26
(apud Hill, 2000, p. 27)
Outros compositores famosos partilharam o piano com Stravinsky, tal como Sergei
Prokofiev (1891
-
1953). O último havia escutado a peça somente uma vez e, até tocar a versão
a quatro mãos, não havia compreendido a peça plenamente, como lembra:
Stravinsky, sempre pequeno e anêmico, durante a execução ferveu, se tornou injetado,
suou, cantou roucamente, e
deu o ritmo tão confortavelmente que nós tocamos a
Sagração da Primavera com um efeito avassalador. Eu vi, completamente e
inesperadamente, a Sagração como uma peça maravilhosa em sua confecção, clareza e
beleza surpreendentes; eu cumprimentei o composito
r sinceramente e, em resposta,
ele elogiou minha leitura.
27
(apud Press, 2006, p. 28)
Certamente, a comunidade musical agradeceria muito se houvesse uma gravação desses
encontros. Destacando
-
se entre os demais arranjos do compositor que têm feito sucesso
t
ambém como peças a quatro mãos, estão o
Concertino
(1923)
e
Petrouska
(1947).
Focaremos a seguir o que foi produzido na França. A prática de escrever para piano a
quatro mãos parece ter chegado com um pouco de atraso nesse país, se comparado aos países
ge
rmânicos. Entretanto, como que para compensá
-
lo, a França adotou a prática como se dela
fosse o berço. Em termos individuais, nenhum compositor produziu quantitativamente mais
para duo que Mozart, Schubert, Brahms ou Dvorak
,
mas, coletivamente, a França fo
i um dos
países que mais gerou obras na área. Curiosamente, a temática infantil parece ter virado moda
no círculo de compositores. Cabe observar que as peças podem ser
sobre
crianças, mas não
para
crianças, pois exigem um nível técnico avançado.
Uma das pr
imeiras obras francesas com essa temática foi
Jeux d’Enfants
(1872), de
Bizet (1838
-
1875). É constituída de 12 peças que fazem alusão a brinquedos ou atividades
infantis
balanço, boneca, carrossel, bolhas de sabão e cabra
-
cega
,
apresentando atmosferas
contrastantes numa linguagem leve e engenhosamente elaborada. O ciclo fecha com
Le bal
(O
baile), com seus ataques rápidos e soltos, concluindo num grande trêmolo sobre o acorde da
tônica, de efeito garantido para a platéia. Requer leveza de toque e contro
le dinâmico.
26
Stravinsky asked if he could remove his collar. His sight was not improved by glasses, and, pointing his nose
to the keyboard, and sometimes humming a part that had been omitted from the arrang
ement, he led into a welter
of sound the supple, agile hands of his friend. When they had finished, there was no question of embracing, nor
even compliments. We were dumbfounded, overwhelmed by this hurricane which had come from the depths of
the ages, and
which had taken life by the roots.
27
Stravinsky, always small and anemic, during the playing boiled, became bloodshot, sweated, sang hoarsely
and so comfortably gave the rhythm that we played Rite of Spring with a stunning effect. I completely and
unexpec
tedly saw that the Rite was a marvelous piece in its surprising beauty, clarity and craftsmanship; I
sincerely hailed the composer and in response he praised my reading.
28
Se pudéssemos resumir a música de Fauré (1845
-
1924) em apenas uma palavra, esta
,
muito provavelmente
,
seria
refinamento
. Sua
Suíte Dolly
op.56
(1893
-
1896), uma das jóias do
repertório para duo, teve seu título inspirado na filha mais nova de s
ua amiga, a cantora
Emma Bardac
,
que viria a ser a segunda esposa de Debussy. A peça apresenta uma atmosfera
delicada e feminina, e discussões de Vuillermoz e Marguerite Long giram em torno do que as
partes representam (Lubin, 1970; Mcgraw, 1980), como, po
r exemplo, a peça
Miaou
, que o
primeiro diz referir
-
se
ao gato da família, e a última alega ser o apelido dado ao irmão de
Dolly (como a jovem Helène Bardac pronunciava: “Messieu Aoul”). Discussões à parte, é
uma peça que apresenta diferente níveis de difi
culdade e merece ser estudada por todos os
duos.
Grande expoente da música francesa, C. Debussy (1862
-
1918), escreveu três obras
originais para duo, duas delas refletindo bem as fases estilísticas do compositor. A Petite Sui
te
(1889),
formada
por
quatro
mo
vimentos
En Bateau
,
Cortège
, Menuet
, e
Ballet
datam da
fase pré
-
impressionista do compositor e se tornou muito popular entre os duos. Já as
Six
Épigraphes Antiques
(1914),
dos últimos anos de vida do compositor, é um trabalho maduro,
requintado,
em pro
funda atmosfera impressionista (não tão comum em outras peças para a
formação). Requer um refinado senso interpretativo.
Ainda na linha das peças infantis francesas, ou melhor, inspiradas na
temática infantil,
não podemos deixar de mencionar
Ma mère l’oye
(1908) de Ravel (1875
-
1937), uma das
obras prediletas da literatura para quatro mãos (Mcgraw, 1980). Inspirada em contos infantis
franceses, foi dedicada a duas talentosas crianças (Jean e Mimi Godebski), que também
fizeram sua estréia. Sobre a peça Ravel diz: “Minha intenção de despertar a poesia da infância
nestas peças naturalmente me lev
ou
a simplificar meu estilo e
a
rarefazer minha escrita”
28
(apud. Lubin, 1970. P.151). Mesmo com essas considerações, trata
-
se de uma peça com
consideráveis dificuldades interpretativas.
Florent Schmitt (1870
-
1958) não teve uma repercussão internacional como alguns dos
contemporâneos, mas em se tratando de produção para duo pianístico, foi um dos franceses
que mais colab
orou,
tendo escrito uma dezena de obras do gênero. Su
a música pode carecer
de inovação, mas demonstra enorme habilidade composicional, combinando elementos do
impressionismo francês com estruturas clássicas. Schmitt eleva a prática iniciada por Diabelli
e depois seguida por vários compositores
limitar uma
das partes ao alcance de cinco dedos
28
“My intention of awakening the poetry of childhood in these pieces naturally led me
to simplify my style and
thin out my writing” (Ravel. apud. Lubin, 1970. P.151)
29
ao nível mais alto (Lubin, 1970). Dentre as
composições
que dedicou a este estilo destaca
-
se
Une semaine du
petit elfe ferme
-
l’oeil
op.58
(1913)
,
p
eça extremamente criativa, que mesmo
dentro da limitação dos cinco ded
os na parte do
primo
, apresenta grande variedade rítmica e
harmônica (Mcgraw, 1980).
Existe um humor peculiar à música francesa, que pode ser encontrado em Chabrier
(1841
-
1894), Satie (1866
-
1925) e Poulenc (1899
-
1963). Em
Souveniers de Munich
(1911), de
Ch
abrier, o compositor f
e
z quadrilhas sobre o tema de
Tristão e Isolda
de Wagner de forma
divertida.
Como Poulenc escreve, era como “pintar um bigode e um nariz falso em Wagner”
29
(apud. Lubin, 1970. P.165). Satie também era muito criticado por seu jeito satí
rico rebelde à
exuberância de Ravel e Debussy. Costumava escrever de maneira simples e
,
como resposta à
crítica de que não havia forma na sua música, escreveu
Trois morceaux en forme de poire
(1903), com os irônicos movimentos Manière de Commencement, prolongation du même, En
plus,
e
Redite,
revel
ando
seu lado satírico, com suas progressões melódicas e harmônicas
ingênuas e alterações dinâmicas imprevistas. Para finalizar,
ainda temos a
Sonate
(1918) de
Francis Poulenc, ótimo
exemplo
do seu estilo sarcástic
o. É dividida em três movimentos:
Moderé
introdução agressiva e percutida contrastando com elementos mel
ó
dicos
(principalmente na seção solo do
primo
);
Rustique
onde predo
mina a
ingenuidade, mas ao
mesmo tempo aproveitando certo brilho do piano;
Finale
rem
issão a elementos expostos nos
movimentos anteriores, em andamento rápido, com um grande crescendo na seção central
movimento que tecnicamente
exige mais
do que os anteriores.
Uma transcrição é digna de nota:
Le Boeuf sur le Toit
(1919) de Darius M
ilhaud (1892
-
1974), compositor que tinha especial apreço pelo Brasil. A peça
,
originalmente composta para
pequena orquestra
,
devido
a seu
enorme sucesso, foi transcrita para piano a quatro mãos em
1920. O título refere
-
se à popular canção brasileira
O boi
no telhado
, atribuída a José
Monteiro (vulgo Zé Boiadeiro [s.d]), lançada no carnaval de 1918.
30
Uma passagem de
Villemin (2000)
31
ilustra a popularidade da peça:
As noites terminavam na casa de Darius Milhaud ou no bar Gaya, onde eles ouviam
Jean Wiéner tocar música negra. Cocteau lia seus poemas recentes. Milhaud e Auric,
aliados a Artur Rubinstein, tocavam
Le Boeuf sur le Toit
a seis mãos. Esta peça,
apresentada em 1920 no
Théâtre [sic]
des Champs
-
Élysées com os famosos
29
“Painting a moustache and false nose on Wagner” (apud. Lubin, 1970. P.165).
30
Informações extraídas de: THOMPSON, Daniella.
As Crônicas Bovinas
-
Como o boi subiu no telhado:
Darius Milhaud e as fontes brasileiras de
Le Boeuf sur le Toit.
Tradução: Alexandre Dias. 2002
-
2006. Parte 00,
5 e 5a. Disponível em http://daniellathompson.com/Texts/Le_Boeuf/cronicas_bovinas.htm, data de acesso
05/06/2007.
31
VILLEMIN, Stéphane.
XXe sièc
le
--
Les Six, le Coq et l'Arlequin.
La Scena Musicale
-
Vol. 6, No. 1
Septembre 2000. Disponível em http://www.scena.org/lsm/sm6
-
1/coq
-
fr.html, data de acesso
05/06/2007.
30
Fratellini, tornar
-
se
-
ia a peça de s
ucesso do grupo de sábado. Foi tal
o
sucesso, que o
proprietário do renomado bar Gaya chamou seu novo restaurante na rua Boissy
d’Anglas de Le Boeuf sur le Toit
.
32
(tradução extraída de Thompson, 2002
-
2006)
Com o aparecimento do rádio e
do
gramofone na vir
ada do séc. XIX, e seu
desenvolvimento no séc. XX, não houve mais a necessidade da prática em duo para se
conhecer as obras sinfônicas. Da mesma maneira, observou
-
se, no séc. XX, o crescente
aumento da variedade de eventos sociais, como o cinema e outras f
ormas de lazer para
massas. Sem suas principais razões originais de existência, a prática do piano a quatro mãos
declin
ou
tão rapidamente quanto foi sua ascensão. Frisamos que a
prática
começ
ou
a ser
menos difundida,
o que
não quer dizer que os compositore
s
tivessem deixado
de escrever para
a formação; mas ela já não
era
mais o centro da vida sócio
-
cultural, como em meados do
século XIX.
Surgiram
algumas contribuições isoladas em diferentes países as quais merecem
melhor divulgação.
Max Reger (1873
-
1916) nã
o deix
ou o gênero desaparecer na Alemanha, onde estava tão
em voga no
Romantismo. Reger tinha um gosto especial pelas formas clássicas e pelo uso do
cromatismo e texturas densas, que por vezes parecem exigir mais do que “apenas” quatro
mãos em um teclado,
como em sua
6 Burlesken op. 58
(1901), peça tecnicamente difícil.
C
ompôs um número substancial de peças para duo, que incluem valsas, danças e grupos de
pequenas peças. Outro compositor que
manteve
o apreço pelas formas clássicas foi Paul
Hindemith (1895
-
1
963), que escreveu para duo uma de suas peças mais inspiradas, com o
título de
Sonata
(1939). A obra
revela
um atonalismo mais livre, se comparado a Reger,
embora aponte para alguns centros tonais. Cremos ser uma boa peça para os duos
desenvolverem refinamento nos planos sonoros.
Na Itália podemos citar o nome de três compositores que escreveram para duo: Respighi
(1879
-
1936), Casella (1883
-
1947) e Busoni (1866
-
1924). As
6 Little Pieces
(1926), de
Respighi, datam de 1926, e são uma das peças para estudantes mais interessantes deste século,
com uma parte mais fácil e outra mais difícil (Lubin, 1970; Mcgraw, 1980). Casela, em sua
suíte
Pupazzetti
(1921), já explora algumas técnicas composicionais do século XX, como o
uso da politonalidade. Busoni
teve maior re
nome como pianista ou musicólogo do que como
compositor,
porém sua única obra para duo Danças Finlandesas op.27, composta em 1953
32
Les soirées se terminent chez Darius Milhaud ou au bar Gaya pour écouter Jean Wié
ner jouer de la musique
nègre.
Cocteau lit ses derniers poèmes. Milhaud et Auric, rejoints par Artur Rubinstein, jouent
Le boeuf sur le
toit
à six mains. Cette pièce de Milhaud, créée en 1920 au Théâtre
[sic]
des Champs
-
Élysées avec la présence sur
scène d
es fameux frères Fratellini, va devenir le morceau à succès des samedistes.
Si bien que le propriétaire du
fameux bar Gaya donne à son nouveau restaurant rue Boissy
-
d’Anglas le nom de Boeuf sur le toit.
31
completa com eficácia o longo ciclo de danças de cunho nacionalista imortalizado por Brahms
e Dvorak.
É curioso o fato de
que
na Inglaterra
,
local de origem do piano a quatro mãos, a prática
de se escrever para esta formação só tenha retornado ao país no último século. Durante o
Romantismo
,
o único resquício do gênero fic
ou
por conta do conjunto
inti
tulado
Três
Diversões
(183
9) de Sir William Bennett (1816
-
1875). Na seqüência encontramos o nome de
Lord Berners (1883
-
1950), que apesar de não possuir o mesmo renome de seus
contemporâneos
,
soube utilizar, como Satie, o humor de maneira imaginativa, em suas
Valses
Bourgeoises
(191
7). Devemos também mencionar Alan Rawsthorne (1905
-
1971), compositor
influenciado por Hindemith, que escreveu essencialmente música instrumental em idioma
neo
-
clássico contrapontístico (Mcgraw, 1980). Sua peça para duo
The Creel
(1940)
ilustra
citações
de
espécies marinhas retiradas do livro
The Compleat Angler
do escritor inglês Izaac
Walton (1593
-
1683).
Antes da Guerra Civil americana, um dos poucos exemplos significativos
foi
Gottschalk
(1829
-
1869). Em suas três danças cubanas
La Gallina op.53
(186
3)
, Ojos Criollos op.37
(1859)
, Réponds
-
moi op.50
(1859)
o compositor encantava platéias, realizando passagens
exibicionistas na parte do
primo
, sobre uma
base
harmônica
tecnicamente
menos exigente no
secondo
(Mcgraw, 1980). Logo após a Guerra Civil enco
ntramos contribuições de E.
Macdowell (1861
-
1908), compositor cujo estilo deriva do romantismo alemão,
com toques do
impressionismo francês (Mcgraw, 1980).
E
screveu duas peças para duo:
Moon Pictures op.21
(1884
-
1885) e Three Poems op.20
(1885).
Atualmente
, compositores de inúmeros países
apresentam
diversos exemplares de obras
para duo;
no entanto,
optamos
por
nos deter apenas à produção de nosso país.
1.3 – O piano a quatro mãos no Brasil
Ao contrário do que muitos pensam, o repertório brasileiro para
piano a quatro mãos é
vasto e diversificado. Muito desse desconhecimento se deve à insuficiência de catálogos
completos e atualizados dos nossos compositores, bem como a enorme dificuldade de acesso
às partituras, seja em estabelecimentos comerciais, ou na maioria de nossas bibliotecas.
Segundo o português Gonçalves (2005), em meados do séc. XVIII, quando se dá o
florescimento do gênero na Europa, os compositores portugueses estavam mais voltados para
o teatro lírico, por influência dos compositores itali
anos que lá residiam, de modo que o
32
interesse por uma “música de câmara de alto nível” (p. 2) estava em segundo plano. Visto que
nos séc. XVIII e XIX ainda mantínhamos fortes laços com Portugal, assim como eram
portugueses boa grande parte dos compositores
no nosso país, é natural que a prática de
escrever para piano a quatro mãos no Brasil tenha chegado com um considerável atraso. A
produção para piano a quatro mãos no Brasil, portanto, começa a ser tornar mais intensa e
significativa a partir da segunda m
etade do séc. XIX
33
.
Começamos mencionando dois compositores portugueses radicados no Brasil: Arthur
Napoleão (1843
-
1925) e José Domingues Brandão (1865
-
1941). O estilo brilhante e
virtuosístico de Napoleão pode ser observado nas peças:
Estrella Chilena op.
73 (Valsa
Brilhante)
,
Teus lindos olhos
e
Première Suite D’orchestre op.62
, esta última de maior
envergadura, com três movimentos
Marche et Cortège
;
Thème avec Variations
; e
Final
(Allá Polacca)
,
que contrastam com sua mais calma
Balada Romântica
. Radica
do em Belém
do Pará, Brandão escreveu
O Dia Paraense (Poema Sinfônico das coisas do Pará)
, obra
descritiva do texto que a acompanha:
É madrugada. Começa a despertar a natureza. Cantam os galos e a Saracura. Toca a
alvorada no quartel e na igreja, o que faz despertar a “Maria já é dia” e os outros
passarinhos. Começam então, os labores da cidade numa animação crescente até ao
meio
-
dia.
Depois vem
a
tarde
melancólica, o Ângelus, o crepúsculo, a noite, e finalmente, o
cansaço traz o sono e... dorme
-
se. (apud.
Maltese, 2000)
34
Por ocasião do grande festival
3º Centenário de Luís Vaz de Camões
, foram compostas
(segundo o que diz
em
as partituras impressas pelo
Imperial Estabelecimento de Piano e
Músicas
Narciso, Arthur Napoleão e Miguez
) duas obras a quatro mão
s
Hino Triunfal “à
Camões”
, de Carlos Gomes (1836
-
1896), e
Marcha Elegíaca “à Camões”
, de Leopoldo
Miguez (1850
-
1902)
, ambas apresentadas no Imperial Theatro D. Pedro II do Rio de
Janeiro, em 10 de junho de 1880.
35
Miguez escreveu outras obras do gênero, todas muito ricas
harmonicamente, como a Marche Nupciale op.2
, a
Scena Dramática op.8
e o
Prélude em Sib
majeur (à l’antique) op. 25 (pesquisando o acervo da
B
iblioteca
N
acional, deparamo
-
nos
com
a partitura da última, sem indicação de data).
Dos nossos
compositores “românticos”, ainda podemos citar Alexandre Levy (1864
-
1892), que apesar de sua morte prematura, aos 28 anos, deixou uma contribuição ao gênero: a
33
MÚSICA BRASILEIRA PARA PIANO A QUATRO MÃOS. Divulga
ção do CD, disponível em:
http://www.concerto.com.br/indice
-
cds
-
brasileiros.html#MÚSICA%20BRASILEIRA%20PARA%20PIANO%
20A%20QUATRO%20MÃOS.%20Na%20interpretação%20de%20Clélia, data de acesso 05/06/2007.
34
MALTESE, Sylvia. Encarte do CD:
Piano Luso
-
Brasileiro
a quatro mãos
repertório do séc. XIX e início do
séc. XX. Intérpretes: Duo Maltese (Ida e Sylvia Maltese), 2000.
35
Ibid.
33
peça
En mer (Poème musical)
, divida em três movimentos
Depart.
Mer Calme
;
Le Ciel
s’assombrit
. Tempète
;
Clair de Lune. Idylle Fugitive.
O autor do nosso Hino à Bandeira, Francisco Braga (1868
-
1945), escreveu dois hinos
para piano a quatro mãos. Em 1908, quando foi anunciada a visita do reis de Portugal ao
Brasil (posteriormente não realizada), Bra
ga decide homenageá
-
los com o
Hino da
Confraternização Luso
-
Brasileira
, que une o
Hino da Carta Constitucional Portuguesa
, de D.
Pedro IV (nosso D. Pedro I) com o
Hino Nacional Brasileiro
de Francisco Manuel da Silva
(1795
-
1865). Em 1940, por ocasião das C
omemorações Centenárias de Portugal, o
compositor novamente une o
Hino Nacional Brasileiro
, desta vez com o
Hino Nacional
Português “A Portuguesa”, de Alfredo Keil (1850
-
1907), intitulando a peça de
Hino Marcha
Portugal
-
Brasil
. As duas peças permaneceram i
néditas, em manuscritos, até 1998, quando
foram estreadas pelo Duo Maltese.
O grande gênio da música brasileira, Heitor Villa
-
Lobos (1887
-
1959) deixou uma
pequena contribuição ao repertório. Trata
-
se da peça
A Folia de um Bloco Infantil
, que
encerra o cicl
o de oito peças intitulado
Carnaval das Crianças
, concluído em 1920, e que
serviu de matéria
-
prima para umas de suas peças mais famosas para piano e orquestra
a
fantasia
Momo Precoce
. O ciclo faz alusão aos desfiles de carnav
al
do início do século XX,
em
especial aos blocos das crianças, que imitavam os adultos, com fantasias coloridas e
luminosas (Abreu & Guedes, 1992). A
Folia de um Bloco Infantil
foi originalmente composta
para piano a quatro mãos e
,
mais tarde
,
condensada para versão solo por H. Lagna
Fietta
(Escobar, 1998)
36
. A peça, apesar de curta, é vistosa e impactante e, tecnicamente, é
razoavelmente exigente,
um pouco mais para o
primo
que para o
secondo
, especialmente na
parte final.
Oito anos depois, em 1928, Luciano Gallet (1893
-
1931) publicou
seus
Doze Exercícios
Brasileiros
para piano a quatro mãos, ciclo que ocupa lugar de importância em sua produção
,
por explorar o campo didático
a partir
de elementos folclóricos nacionais. A propósito das
peças didáticas, o compositor austríaco Martin Brau
nwieser (1901
-
1991), radicado no Brasil
desde 1928, compôs
suas
Nove
Peças
Fáceis
a 4 mãos
. A obra foi primeiramente editada em
1933, e quando o compositor completou 90 anos de idade, seus familiares, alunos e admiradores,
organizaram festividades, que inc
lu
iram
a realização
de uma nova edição da peça.
37
36
Opus cit. p.
22
37
CARLINI, Álvaro.
60 anos da Missão de Pesquisas Folclóricas (1938
-
1998): conversas
com
Martin
Braunwieser.
Anais do II Simpósio Latino
-
Americano de Musicologia
, Curitiba, 21
-
25 de janeiro de 1998.
Curitiba, Paraná: Fundação Cultural de Curitiba, 1999. pp.333
-
348. [revisado em 2000]. Disponível em
http://72.14.209.104/search?q=cache:pDXS
XpzTOI4J:www.alvarocarlini.pop.com.br/Artigos%2520e%2520co
34
Francisco Mignone (1897
-
1986) também deixou contribuições para o piano a quatro
mãos com alguns arranjos, apesar de
ter
demonstrado interesse maior nas composições e
arranjos para dois pianos, freqüentemente
executados por seu duo com a esposa Maria
Josephina. A
Congada
, composta originalmente para orquestra em 1921, e transcrita em 1928
para piano solo e a quatro mãos, é de inspiração africana, especialmente de Angola (Abreu &
Guedes, 1992). Já a peça
Lundu
, composta em 1948, “se reveste de encantadora simplicidade,
com sua textura que reflete requintada polifonia” (Miranda, 2002)
38
. Ainda vale mencionar o
arranjo para piano a quatro mãos feito pelo próprio compositor da peça
No fundo do meu
quintal
(1953), qu
e se caracteriza pela “alternância de dois motivos de caráter contrastante”
(Abreu & Guedes, 1992, p. 200), um bem ritmado e outro mais expressivo.
O gaúcho Radamés Gnattali (1906
-
1988) desde cedo impressionava pelo virtuosismo ao
piano e, com a irmã Aída, gravou peças históricas a quatro mãos (Nassif, 2006). Para o gênero
escreveu a lírica valsa
Graciosa
(sem data). O mestre Lorenzo Fernandes (1897
-
1948)
também deixou sua contribuição ao gênero com a pequena peça
The Fantastic Horseman
,
editada pela Peer International em 1945.
A partir da década de 1950, a produção brasileira para piano a quatro mãos começa a
crescer significativamente. Vamos
iniciar
com Alencar Pinto (1911
-
), que escreveu o
Sarau
de Sinhá
para piano a quatro mãos, obra que se tornou muito
popular e impulsionou
sua
carreira. Segundo o compositor (em comunicação informal), a peça foi escrita com “a
intenção de se fazer um balé acompanhado”, com “algumas peças de quando minha [sua] mãe
era criança”, seguindo um enredo de Guilherme de Figueired
o (1915
-
1997), que pode ser
resumido assim: um grupo de motoqueiros invade uma mansão abandonada do início do
século; eles encontram roupas da época e uma antiga partitura sobre um velho piano; dois
deles sentam ao piano para tocar a música, enquanto os ou
tros, vestindo as velhas roupas, se
divertem dançando (Kaplan, 1999). Esta suíte (com 30 minutos de duração) contém danças da
época do Segundo Reinado (1840
-
1889)
Galope, Capricho, Schottish, Contradança, Polca,
Valsa, Recitativo, Noturno, Lundu, Romance
e Galope
, pesquisadas por Alencar Pinto,
fazendo uso de obras de J. Garcia Cristo (1867
-
1919), Liebich (s.d), J.M. Lopes (s.d), A.
Margis (1874
-
?), C. Galos (s.d) e L. Gobbaerts (1835
-
1886). Em comunicação informal, o
compositor preferiu não atribuir da
ta para a composição da peça, alegando que a escreveu
munica%25E7%25F5es/Artigo%2520
-
%2520Conversas%2520MB%252060%2520anos%2520MPF%2520(II%2520Simp%25F3sio%2520Curitiba%2
5201998.htm+Braunwieser+Martin+pe%C3%A7as+f%C3%A1ceis&hl=pt
-
BR&ct=clnk&cd=4&gl=br,
data de
acesso
05/06/2007
38
MIRANDA, Ronaldo. Encarte do CD:
Duo Bretas
-
Kevorkian
piano a 4 mãos e 2 pianos
, 2002, p.2.
35
num período de cerca de 20 anos. Em 1980, ela foi orquestrada por F. Mignone, e apresentada
no
Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Sendo um dos poucos compositores vivos de sua geração, indagamos
dele
(em
comunicação informal) sobre o que o motivou para escrever a obra. Sua resposta aponta que,
assim como ocorrera na Europa, a prática de se tocar duetos tinha caído em desuso no Brasil:
“Tocar piano a quatro mãos parece que tinha se tornado ‘cafona’. Nin
guém mais tocava piano
a quatro mãos”, complementando que apreciava a formação por que ela “mantém a pessoa
dentro da casa; mantém o ‘aconchego’”. Ainda nos informou que escreveu uma peça para duo
que permanece inédita, Piano Série
-
Suite
[s.d.], aludindo seriados de televisão.
Ernst Mahle (1929
-
)
parece ter especial apreço pelo duo pianístico, já que escreveu
quatro peças para a formação. As três
Peças Modais
, compostas em 1955, fazem uso de
modos específicos para cada peça, como o título sugere, apresentan
do diversas configurações
rítmicas que dificultam o entrosamento. A
Toccata
(1956) retrata bem o impulso rítmico que
o nome sugere, fazendo uso de escala de tons inteiros
,
trinados e trêmolos escritos em forma
de semicolcheias. Apresenta caráter virtuosíst
ico, semelhante ao
Tango
de Ronaldo Miranda,
porém com uma textura menos densa. As outras duas obras
são de
maior envergadura:
Suíte
Nordestina
(1977) e
Carimbó
(1986). A primeira é divida em três movimentos
-
Allegro
Moderato,
Andantino
e
Vivo
e
explora
relações rítmico
-
harmônicas característic
a
s da
música nordestina,
em
uma linguagem predominantemente modal. A segunda, dividida em
nove pequenas peças, foi composta a partir de cantos e danças populares, onde predominam o
uso da textura homofônica e das f
unções tonais, além de exigir, como em todas as demais
peças para duo do compositor, razoável proficiência técnica.
O compositor catarinense Edino Krieger (1928
-
) deixou sua contribuição para o duo
pianístico em 1953, com sua
Sonata
(1953), época que marca
va o seu rompimento com os
princípios seriais
-
dodecafônicos. A peça é representativa de sua nova linguagem tonal
-
modal,
observada em algumas de suas obras para piano solo, como sua Sonata n
o
2 e Sonatina. A
peça tem caráter lírico, com predomínio de acorde
s arpejados e acentos deslocados. É fato
interessante que Krieger ainda escreveu uma peça para seis mãos Os três peraltas
(1962)
–,
uma divertida composição para estudantes iniciantes
com
diferentes níveis técnicos entre as
partes.
A delicada
Cirandinha
(1957), de Octavio Maul (1901
-
1974), e
Brincadeira
(1962) de
Cláudio Santoro (1919
-
1989), parecem seguir a tradição francesa de escrever com temática
infantil, embora apresentem tendências nacionalistas. Ainda em 1962, o paulista Vasconcellos
36
Correa (1934
-
) escreve a
Valsa (da Suíte Piratininga), que lembra o ambiente seresteiro, com
predomínio do toque
legato cantabile
, em uma textura polifônica aberta e nível técnico
avançado.
Integrando a mesma Suíte, em 1978 o compositor escreve
o
Baião.
A peça
apresent
a
ostinato
rítmico, com maior incidência
na parte do
secondo
e
explora
o sincronismo
e a diferenciação dos planos sonoros (Gandelman, 1997, p.69). Ainda do princípio da década
de 60 podemos citar a peça
Regional n
o
1, ob. 13
(1963) de Jorge Antunes (1942
-
)
, que
procura retratar o ambiente da música popular urbana no cenário carioca, apresentando
inovações não antes vistas em peças brasileiras para piano a quatro mãos, como
clusters
e
efeitos percussivos na estante do piano (Gandelman, 1997).
Também com enfo
que na temática infantil, Almeida Prado (1943
-
) escreve em 1967 as
IV peças para piano a quatro mãos
, dividida em quatro partes:
Ciranda
criada a partir da
cantiga
Você diz que sabe tudo
;
Jogo
jogos de registros e dinâmica;
Cantiga
tema que
perpassa
as partes do
primo
e
secondo
;
Passeando
mudanças de movimentos aludindo às
mudanças de velocidade dos passos. Almeida Prado escreveu uma segunda peça para a
formação, os
VI episódios de animais
que, por sua grande equivalência entre as partes do
primo
e
secondo, além de apresentar uma elevada maestria composicional, foi escolhida como
um dos focos centrais desta dissertação. Reservamos, portanto,
um dos
capítulo
s
para
discutir
es
s
a obra em mais detalhes.
Osvaldo Lacerda (1927
-
) teve o nacionalismo como um
a de suas fontes inspiradoras, e
não foi diferente quando escreveu suas três obras para piano a quatro mãos Brasiliana n
o
4
(1968)
Brasiliana n
o
8
(1978), e
Brasiliana n
o
12
(1999). A primeira delas compõe
-
se de
quatro gêneros distintos:
Dobrado
,
Embolad
a
Seresta
e
Candomblé
. A segunda segue a
mesma linha e apresenta os títulos:
Canto de trabalho
cantos dos trabalhadores da roça do
interior de São Paulo;
Frevo
ritmo binário característico da dança, andamento rápido, efeitos
percussivos com 2
as
e acent
os deslocados, e uso de apojaturas curtas
,
principalmente no
primo
;
Abôio canto entoado pelo boiadeiro à maneira de vocalise, com intuito de
fazer andar
e
acalmar o gado
tempo flexível, de difícil sincronismo;
Terno de Zabumba
sugestão de
dois pífano
s (flautas) no
primo
e de acompanhamento de tambor no
secondo (Lacerda,
1978)
39
. A terceira peça (
Brasiliana
n
o
12
) mantém o padrão nacionalista
nos
movimentos
Canção
e
Maracatu.
Outro paulista, de Campinas, José Penalva (1924
-
2002) escreveu em 1969 uma ve
rsão
para piano a quatro mãos de sua peça dodecafônica
Mini
-
suíte nº 2
, ampliando o uso do
s
39
Prefácio nas partituras da edição Vitalle.
37
registro
s
e distribuindo os desenhos mais complexos pelas duas mãos de cada executante
(Gandelman, 1997). É formada por três partes:
Cana
-
verde
,
Ponteio
e
Sincopado.
A partir da década de 70, tal como em outros países, a prática do piano
a
quatro mãos
como música de concerto, antes pouco comum e o repertório nacional pouco divulgado
40
,
gradualmente desenvolve
u
-
se no Brasil. O duo Kaplan
-
Parente foi um dos duos pioneir
os no
sentido de resgatar e divulgar nossas obras. José Alberto Kaplan (1935
-
) argentino radicado
no Brasil, tinha o desejo de incluir obras nacionais em suas apresentações em duo e, por
desconhecer a produção brasileira, transcreveu para quatro mãos, em 1
973 (um ano após a
formação do duo), o
Azulão
, de J. Ovalle (1894
-
1955) e a
Casinha Pequenina
(anom.), como
sugerido por seu colega, Gerardo Parente. Em 1974, Kaplan visita Alencar Pinto (ex
-
professor
de Parente), que o informou sobre a grande produção bra
sileira no gênero e recomendou que
procurasse Mercedes Reis Pequeno,
então
diretora da Seção de Música da Biblioteca
Nacional. Na ocasião, Alencar Pinto e sua amiga Irany Leme tocaram para Kaplan o
Sarau de
Sinhá
, que o impressionou enormemente. A experiên
cia mud
ou
os rumos do duo, que passou
a pesquisar e divulgar o repertório nacional do gênero pelo país, culminando na gravação do
CD “Piano Brasileiro a 4 Mãos” (1977, selo Marcus Pereira). Felizmente os duos brasileiros
em atividade têm dado continuidade
a este trabalho e, cada vez mais, estão engajados em
apresentar nossa música.
Sem falsa modéstia, contribuímos, de maneira expressiva, para divulgar no País e no
exterior, um repertório que, apesar da qualidade e riqueza, estava praticamente
esquecido. Ao
mesmo tempo, serviu de exemplo, pois, após o sucesso alcançado pelo
disco, apareceram outras duplas que deram continuidade à pesquisa, trazendo a luz um
material tão valioso quanto o que tínhamos revelado. (Kaplan, 1999, p.171)
Kaplan realizou mais três t
ranscrições para quatro mãos
Escorregando
(1976) e
Duvidoso (1983) de E. Nazareth (1863
-
1934), e
Noite Feliz
de F. Gruber (1787
-
1863)
, bem
como uma obra original, a Dança da Graúna
(1979).
Como alude o
título,
em
Estruturas Gêmeas, Ricardo Tacuchian (1939
-
) faz um trabalho
de imitação e complementaridade entre o
primo
e
o secondo
, perpassando andamentos,
registros, ressonâncias e intensidades contrastantes. Como veremos no Capítulo II (tópico
Sincronismo), a obra apresenta uma seção peculiar
, em notação
proporcional,
de
difícil
execução em conjunto. Já a “simples e despretensiosa” (Escobar, 1998, p.6)
41
Seresta Opus
Um
(1970) de Aylton Escobar (1943
-
) apresenta uma diferença considerável de dificuldade
40
Como observamos numa matéria do Jornal do Brasil, escrita pelo crítico musical José Ra
mos Tinhorão em
1977 (apud. Kaplan, 1999, p.169
-
170).
41
Escobar, Aylton. Encarte do CD:
Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini
Schumann, Krieger, Miranda, Brahms,
Villa
-
Lobos, Escobar
piano a 4 mãos
. 1998, p.6.
38
entre as partes do
primo
(elementar) e
secondo
(inter
mediário). Ela demonstra “óbvios sinais
da cantilena urbana brasileira exibidos por esta curta serenata (uma flauta soprada com
timidez de amador e um violão chorado, quem sabe)” (Escobar, 1998, p.6).
O paranaense, Henrique Morozowitz (1934
-
), conhecido po
r Henrique de Curitiba,
escreveu três peças para a formação. A primeira delas
Suíte de Natal
são arranjos, em sua
maioria, de melodias tradicionais alemães
e
polonesas, e tem como destino o entretenimento
familiar,
podendo, portanto
, ter
também
fins di
dáticos. A segunda obra
Suíte abajour
(1983)
já exige um nível razoavelmente avançado de proficiência técnica, apresentando “freqüente
jogo de teclas brancas e pretas” e “alternância de mãos” (Gandelman, 1997, p. 192). A
terceira,
Capricho no. 1
“Corre
...
corre p’ra Goiania”
(2000), segundo o compositor
(prefácio à partitura, 2000), é uma obra bem humorada e “jovial”, “como Goiania”, evocando
os dias galantes
do século XIX.
A peça é
construída em movimento rápido e leve, rico em
figuras curtas (semicolcheias) dispostas em intervalos cromáticos e diatônicos. “Sua execução
pede leveza de toque, matizes timbrísticos diferenciados e dinâmica variada, num movimento
que é rápido, luminoso e elegante” (Henrique de Curitiba, 2000).
Em 1979, o mineiro Villani
-
Cortes (1930
-
) escreveu duas pequenas peças originais para
duo:
Beiráceas e
Belibá
, e ambas correspondem bem ao que o compositor considera como “a
composição ideal: dotada de poucas notas; fácil de executar; bonita; profunda” (apud Lima,
1999). Certamente mer
ecem maior divulgação.
Belibá
é uma obra de atmosfera suave,
predominando a tradicional textura de melodia acompanhada, onde o primo
evoca o lirismo
de seu canto em 6
as
, acompanhado pelo constante ritmo sincopado (
).
Em 2002,
42
o
compositor escreveu versõe
s a quatro mãos de três de suas obras:
Djopoi
(1993), para
orquestra de sopros;
Chorões da Paulicéia
(1997), para grupo instrumental de choro; e
Poranduba (1995
-
1998, revisada em 2007), ópera com libreto de Lúcia Pimentel Góes.
A partir da década de 80 pod
emos citar o nome de Roberto Victorio (1959
-
), que
escreveu para piano a quatro mãos a peça
Iks
(1988), palavra do idioma maia que significa
Vênus. Segundo Gandelman (1997), a obra apresenta nível de dificuldade avançado, e ampla
exploração
de
ritmo, regis
tros, intervalos, saltos e dinâmica. Possui duas seções contrastantes,
com notação dos compassos em segundos na primeira, e convencional na segunda, com
freqüentes mudanças de tempo e
fórmula
de compasso. De acordo com o compositor (em
comunicação informal
), o extenso cruzamento, do
primo
sobre
as
duas mãos do
secondo
, se
42
Informações extraídas do site do compositor
(http://villani
-
cortes.tom.mus.br/index.php), de comunicação
informal, e da análise da partitura do
Belibá
. O compositor nos afirmou que as datas de composição não são
precisas, uma vez que ele está constantemente revisando seus trabalhos.
39
deve ao seu freqüente apreço pela exploração de registros; mas por resultar num grande
entrelaçamento de mãos, confessa que, conseq
ü
entemente, se adequou muito bem às
“características inti
mistas” do piano a quatro mãos, já que foi composto para um casal
(Rosangela Barbosa e Marcus Wolf).
Entre os anos de 1986 e 1989, o compositor e sociólogo paulista, Eduardo Seincman
(1955
-
), escreveu um conjunto de peças de câmara chamado
A Dança dos Dupl
os
. As cinco
obras do ciclo, todas com mais de dez minutos de duração, foram designadas para diferentes
instrumentos, incluindo piano, flauta contralto, marimba, vibrafone e glokenspiel, podendo
cada uma ser executada separadamente. A quarta peça
A Dança
de Dorian
(1988), para
piano a quatro mãos
foi inspirada no livro O Retrato de Dorian Gray
, de Oscar Wilde
(1854
-
1900), cujos extratos de texto acompanham
a
partitura em vários momentos da peça.
São feitas criativas alusões a Schumann, Puccini (1858
-
192
4), Wagner (1813
-
1883),
Tchaikovski e Chopin, compositores que Dorian Gray tocava ou
ouvia
em concertos. Como
exemplo da aplicação de quatro mãos de modo não usual, o compositor também escreveu a
obra
Densidades (1980), para dois pianos e oito mãos.
A enor
me produção para piano a quatro mãos de Amaral Vieira (1952
-
)
23 peças,
incluindo obras originais, transcrições e combinações com outros instrumentos
mostra
porque ele é um dos compositores mais prolíficos do Brasil. O compositor também atua como
piani
sta, tendo estreado e gravado grande parte dessas peças (muitas das quais, ainda em
manuscrito) com Yara Ferraz. Os títulos são:
a) Peças originais
Andante e Mazurka Tempestuosa
(1975);
Cinco Fantasias sobre
“My Favorite Things”
(1976);
13 Rituais
(Ritu
al do Amanhecer
-
Ritual do Fogo
-
Ritual da Paz
-
Ritual da Purificação
-
Ritual da Chuva Ritual do Vento
-
Ritual da Terra
-
Ritual Fúnebre
-
Ritual Iniciático
-
Ritual da Guerra
-
Ritual da Fertilidade
-
Ritual dos
Antepassados
-
Ritual do Sol) (1982);
Reminiscências de Adriano (Introduzione
-
Inno
-
Animula Vagula Blandula
-
Varius Multiplex
-
Multiformis
-
Tellus Stabilita
-
Intermezzo 1
-
Saeculum Aureum
-
Intermezzo 2
-
Disciplina Augusta
Patientia)
(1983);
Grande Sonata Sinfônica
(Allegro Molto Ma
estoso
-
Adagio non Troppo Lento
-
Presto
-
Allegro Molto) (1984); Natus Christus in Bethleem Judae
-
9 Liturgias para o
Natal
(Magnificat
-
A Gruta de Belém
-
A Natividade
-
A Estrela do Oriente
-
O Anjo
de Deus
Os Pastores no Campo
-
Benedictus
-
Os Ma
gos
-
O Messias) (1984);
40
b) Transcrições
8 Melodias Folclóricas Russas nº 1 (1975)
43
;
Zênite, Confidências,
Escorregando,
Ameno
Resedá
,
Faceira
,
Odeon
e
Apanhei
-
te Cavaquinho
, de E.
Nazareth (1863
-
1934), (1979);
Tico
-
Tico no Fubá
de Zequinha Abreu (1880
-
1935)
(1979);
Himno Nacional da Bolívia, de L. Benedetto Vincenti (1815
-
1914) (1987);
Coro
Jauchzet, Frohlocket, auf Preiset die Tage
, do Oratório de Natal BWV 248 Feria 1
Nativitatis Christi de J. S. Bach (1685
-
1750) (1989);
Hallelujah Chorus
do Oratóri
o
Messiah de Handel (1685
-
1759) (1989);
Haha
(melodia japonesa) (1994);
c) Combinações
Concerto para 4
mãos e orquestra
(1976);
Divertimento (1976), para
quinteto de sopros e piano a quatro mãos;
Concerto da Câmera
(versão de sua
Tecladofonia
para conjun
to de câmara) (1978), para duas flautas, dois clarinetes,
trombone, fagote e piano a quatro mãos;
Sinfonieta Concertante
(1978), para flauta,
oboé, clarinete, fagote e piano a quatro mãos.
Nascido no Rio de Janeiro, Ronaldo Miranda (1948
) é um dos compos
itores brasileiros
mais populares entre os duos de piano a quatro mãos, uma das razões que nos levou a escolher
sua peça mais conhecida, o Tango (1993), como objeto de estudo mais detalhado no Capítulo
III. Suas
Variações Sérias sobre um tema de Anacleto M
edeiros
foram compostas
originalmente em 1991 para quinteto de sopros e reescritas para piano a quatro mãos em
1998, versão dedicada ao duo entrevistado Bretas
-
Kevorkian. Segundo o compositor, a
abrangência expressiva do tema de Anacleto “permitiu projetar
uma grande variedade de
abordagens e atmosferas, da música carioca urbana de sabor seresteiro (e origens lusitanas) ao
espírito lúdico, quase circense, das bandas de coreto do interior do país”
44
; e na opinião de
Tugny (2004)
45
é “um refinado panorama das p
ossibilidades musicais do gênero ‘piano a
quatro mãos’”. Miranda ainda compôs uma peça curta para duo intitulada
Frevo
(2004),
dedicada ao
d
uo de Sonia Maria Vieira (entrevistada) e Maria Helena Andrade, apresentando
vigor e forma (A
-
B
-
A) semelhante
s
ao
Ta
ngo.
A peça
Mutações, da também carioca Marisa Resende (1944
-
), reflete uma constante de
sua produção: o estímulo ao imaginário musical. A obra foi originalmente composta para dois
pianos em 1991,
e
arranjada para quatro mãos em 2002, segundo a compositora
46
, pela
dificuldade de se encontrar dois pianos nas salas de concerto brasileiras. Marisa utilizou, na
43
Datas relativ
as às transcrições, e não às peças originais.
44
Opus cit. Nota de rodapé no.
38
.
45
TUGNY, Rosangela Pereira de. Encarte do CD:
Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini
piano a 4 mãos
Fauré,
Ravel, Albéniz, De Falla, Escobar, Soare
s, Lanna, Miranda
. 2004, p.6.
46
Em comunicação informal.
41
peça, o gênero
toccata
, aplicando diversos procedimentos relacionados às técnicas de
variação. “A trama se desenvolve no âmbito de simples estruturas esc
alares diatônicas que
tendem a originar um elevado grau de redundância harmônica” (Nogueira, 2003)
47
, o que
contribui para a atmosfera difusa da peça.
A
Batuccata
, do mineiro Calimério Soares (1944
-
)
foi composta
em 1998
po
r
encomenda do duo americano Karen Kushner e Igor Kipnis. Como o título sugere, a peça tem
características rítmicas do gênero
toccata
, fazendo uso de elementos afro
-
brasileiros e de
melodias folclóricas, como o tema Senhora Dona Sancha.
A
Pequena Suite Cinematográfica (2002) de Dawid Korenchendler (1948
-
), dedicad
a
ao
duo Caldi
-
Barancoski (ambas entrevistadas), é uma das peças brasileiras mais humorísticas
para a formação. Trata
-
se de paródia de filmes holiwoodianos
, num clima divertido, que pode
ser prenunciado pelo subtítulo: “Um recado d
emonstrativo para Steven Spielberg, na
esperança de que, em breve, contrate o compositor desta obra”. É dividida em sete
movimentos, cada qual ironizando um estilo de filme diferente, como por exemplo: “
2. De
múmias, mistérios, mortos
-
vivos e congêneres...
Um filme com roteiro, direção e talvez até
música... de Agatha Hitchcock
”; “
6
The dramatic Bang
-
bang Final Battle
Tony the Kid &
Leo the Boy vs. BigBenny, the Chief
”, onde até efeitos de bater os pés no chão para imitar
disparos de arma são aplicado
s. Ao ser perguntado sobre sua experiência de escrever para
duo, Korenchendler, em comunicação informal, diz que “escrever para piano a quatro mãos
sempre é um desafio”, se comparado ao piano solo ou a dois pianos, em face das limitações da
formação, como o uso do pedal, por exemplo. Como vimos, compositores de qualidade, como
ele, felizmente
,
continuam a contribuir para a literatura do gênero,
superando
tais
dificuldades.
Recentemente foram escritas mais três peças por compositores do estado do Rio de
Jane
iro:
Lar doce lar
Divertimento Urbano
(1995
-
2005), de Nestor de Hollanda Cavalcanti
(1949
-
);
Toccata
(2002), de Sérgio di Sabbato (1955
-
); e
Suite Infantil
(novembro e dezembro
de 2004) de Murilo Santos (1931
-
). Esta última é divida em quatro movimentos
Introdução
-
Folguedos, Marcha dos brinquedos, A Boneca Sonhadora
e
Corrida Final
, demonstrando o
habitual apreço do compositor pelo caráter rítmico.
O título da peça
Reflexos de Bruma e Luzes
(2004, dedicada ao duo Celina Szrvinsk &
Miguel Rosselini), d
o mineiro Oiliam Lanna (1953
-
), já demonstra a preocupação do
compositor com a variedade das matizes sonoras. Numa atmosfera que nos remete ao
47
NOGUEIRA, Marcos Vinício. Encarte do CD:
Marisa Resende
Música de Câmara
. 2003.
42
impressionismo, as possibilidades acústicas do piano são exploradas através do uso de
ressonâncias, trinados, arabescos e contrastes de intensidade e registro.
Concluímos nossa lista de peças brasileiras citando dois compositores gaúchos:
Fernando Lewis de Mattos (1963
-
) e Dimitri Cervo (1968
-
). Mattos escreveu, a partir do
segundo movimento de seu
Concerto n.2
para
violão e orquestra, a peça
Milonga(s)
(2005)
para piano quatro mãos, considerando ambas originais por ter modificado e acrescentado
seções na última.
48
O motivo do plural (s) no final do título é a alternância entre as
particularidades da milonga de três p
aíses: Brasil (sul), Argentina e Uruguai. Nela, o
compositor constrói uma série de 12 sons, sem ser ortodoxo ou totalmente atonal, usando e
elaborando o padrão da milonga (ritmo
, em 4/4, com baixos em seqüência de 6ª menor
ascendente
-
2ª menor descendente), trazendo a dança para sua própria linguagem.
Cervo escreveu duas obras para piano a quatro mãos:
Brasil 2000
cujas primeiras
versões foram para dois pianos e piano a quatro mãos e depois arranjadas para piano solo,
todas de igual relevância, segundo
o compositor.
49
A obra foi desenvolvida entre 1997 e 2005
e
, durante este período, passou por quatro modificações. A segunda obra,
Toccata (2004)
, foi
escrita a partir de uma versão para piano, clarinete e flauta, para ser a peça de confronto do
Concurso de
Piano de Ituiutaba em 2004.
48
Comunicação por e
-
mail.
49
Comunicação por e
-
mail.
43
CAPÍTULO II
A PRÁTICA DO PIANO A QUATRO MÃOS: IMPORTÂNCIA E
PROBLEMAS
Em nossa pequena, porém entusiasmada, experiência com o piano a quatro mãos,
perceb
emos
questões práticas da formação
que
podem ser consideradas gerai
s
e
que
freq
ü
entemente se colocam frente aos intérpretes. As entrevistas, cujos resultados principais
são aqui discutidos, bem como os depoimentos de estudiosos, em geral
,
confirmaram (e
enriqueceram) nossas questões preconcebidas, especialmente no que diz
em
respeito à
importância da prática
50
. Decidimos abordar o assunto da importância e dos problemas em um
mesmo capítulo porque
é
na resolução dos problemas
impostos pela
prática d
o
piano a quatro
mãos
que o pianista alcança os maiores ganhos.
Seção 1.01
2.1 –
Depoim
entos sobre a importância da prática do piano a quatro mãos
A primeira pergunta que pode vir à mente de um estudante é: “por que praticar piano a
quatro mãos?”
,
que está intimamente ligada
à
própria questão do por que se praticar música
de câmara. Certame
nte, os ganhos que o pianista pode ter
na prática do
piano a quatro mãos
são semelhantes aos
da
prática em outra formação (Luiz Senise)
51
. Em qualquer música de
câmara se compartilha, desenvolve
-
se
a leitura,
a
escuta,
a
respiração,
o
controle sonoro,
rítmi
co e
da
agógic
a.
Em outras formações podemos enriquecer mais nosso imaginário
musical, essencial para nossa execução, com a escuta de coloridos timbrísticos diferentes
(Estela Caldi
52
;
Sonia Maria Vieira
53
). Em contrapartida, existem alguns aspectos que pode
m
evoluir
mais rapidamente com o piano a quatro mãos, justamente
por
ser uma das únicas
formações em que se divide o mesmo instrumento com um pianista que pode compartilhar
50
A maioria das idéias foram repetidas por vários entrevistados, o que impossibilitou a citação de todos eles.
Selecionamos apenas os depoimentos mais marcantes.
51
Entrevista concedida ao autor, dia 19 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
52
Entrevista concedida ao autor, dia 21 de novembro de 2006, no Rio de Janeir
o.
53
Entrevista concedida ao autor, dia 16 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
44
diferentes soluções técnicas. Lubin (1970), em seu trabalho, tenta despertar o inte
resse dos
leitores pelo assunto, por julgar que o mesmo tem caído no esquecimento. A paixão com que
escreve pode ser percebida neste depoimento:
(...) seria difícil exagerar os inestimáveis benefícios que [o piano a quatro mãos] pode
lhe oferecer como musi
cista. Em qual outro lugar você pode achar um método tão
seguro para aprender a manter o tempo? Ou aprender a contar compassos? Ou onde
mais você encontrará oportunidade melhor de desenvolver sua habilidade de leitura à
primeira vista? Ou aprender os impro
visos típicos da prática musical, ou seja,
“fingir”? E o mais importante, como aprender melhor a arte de escutar o seu parceiro
tão bem quanto você mesmo, que é o alfa e ômega de toda a música em conjunto?
54
Não foi surpreendente
que
os entrevistados, ao s
erem perguntados sobre a importância
deste gênero,
tenham sido
unânimes em
responder
que era “muito importante”. Uma das
primeiras razões seria o próprio conhecimento de um repertório vasto e pouco explorado
(Lubin, 1970;
Sonia Maria Vieira
; Luiz Senise).
O célebre pianista e professor Neuhaus
(1973) incentivava a prática de piano a quatro mãos, principalmente entre seus alunos mais
geniais, como Emil Gilels. Ele acreditava que impor sua própria interpretação de uma
determinada obra, a um aluno com tal geni
alidade, seria um pecado mortal. O autor (1973)
sugere,
pois,
que a melhor, mais rápida e prazerosa maneira de tal aluno desenvolver seu
talento e criatividade artística seria expandir seu conhecimento do repertório musical, por
meios da leitura diária, pr
eferivelmente
,
de peças a quatro mãos, e ter contato com toda
literatura pianística e não
-
pianística (grande parte arranjada para a formação).
Outra razão
,
em vista da proximidade
física dos pianistas,
seria
a absorção de
características musicais entre os
músicos (já mencionado como vital em nossa experiência
-
ver Introdução), como técnica e temperamento, que pode encurtar vários caminhos no
progresso artístico. Dos entrevistados, 7 relataram que absorveram características do outro, e
4 acrescentaram que houve também inversão de características. Vejamos três exemplos:
Eu incentivo muito a prática de piano a quatro mãos para meus alunos; pela troca de
experiências; pelo treino em musica de câmara. Eles absorvem as características um
do outro. E é visível a
diferença de antes e depois. (Luiz Senise);
Absorvi muito. Por exemplo, a Patrícia tem ritmo e pulsação perfeita, (...) tenho que
pensar no ritmo dela para não disparar no andamento (...) [Agora] tenho muito mais
controle rítmico (...) (Josiane Kevorkian)
55
;
O
cantabile
da Josi é algo transcendental. Então, quando ela tem alguma coisa em que
eu vá imitar logo em seguida, é sempre uma aula para mim, sem ela precisar dizer:
“estou te ensinando”. Foi uma absorção que tive com ela (Patrícia Bretas)
56
;
54
(...) it would be hard to exaggerate the inestimable benefits it can afford you as a musician. Where else can you
find such a sure method for learning to keep in time? Or learning to count measures? Or where else will you find
a better opportunity to develop your skill as a sight reader? Or to acquire the rough and ready of practical music
-
making, that is, to “fake”? And most important, how better can you learn the art of l
istening to your neighbor as
well as your self, which is the alpha and omega of all ensemble music?
(p. 185
-
186)
55
Entrevista concedida ao autor, dia 23 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
45
Em relaç
ão ao temperamento, eu aprendi a apreciar mais as músicas mais lentas, (...)
Foi Marcelo que
m
me ensinou, me deu essa calma para tocar. Da mesma maneira,
acho que eu
o
influenciei
no sentido de
gostar de coisas mais agitadas. Lembro que no
começo eu cansava, ficava exausta para tocar um
adagio
ou outra coisa mais lenta e,
com o tempo, (...) aprendi a curtir, inclusive em minha execução solo. (Zaida
Valentim
57
)
Mais de dois séculos atrás, Charles Burney, quando da publicação de suas sonatas para
piano a quatro mãos, já esboçava alguns pontos sobre a importância
e problemas provenientes
da formação. Seu prefácio de suas Sonatas para duo (parcialmente citado
p. 11
)
é
constantemente citado por vários autores especialistas no assunto (To
wnsend, 1967, citação
integral; Lubin, 1970; Ferguson, 1971; Mcgraw, 1981, citação integral), atestando sua
importância histórica:
De fato acontece freqüentemente que, quando em uma casa, dois estudantes querem
usar o mesmo teclado
,
esbarram um no outro; e
ntretanto,
em
composições do tipo das
que
se seguem, eles se tornarão reciprocamente
úteis
e companheiros necessários
em
seus exercícios musicais. Além do
prazer
que tais experimentos irão trazer, eles
podem
servir a
dois propósitos muito úteis para o
prog
resso
, já que irão requerer uma
atenção particular
para o
tempo
e para aquele claro
-
escuro
que é produzido pelos
diferentes níveis de
piano
e forte. Erros cometidos no
compasso
, por qualquer um dos
executantes destas peças, que podem acelerar
,
retardar, ou
de outra
maneira
quebrar
suas proporções, serão descobertos mais cedo e
,
conseqüentemente
,
acompanhados de
mais efeitos desagradáveis,
do que
se fossem cometidos por um único intérprete, a não
ser que o outro ceda e se ajuste aos erros que
foram
feitos.
58
(Burney, 1777. apud
Townsend, 1967, p. 15. Grifo original).
Burney já apontava para a ampliação dos problemas, principalmente no que diz respeito
ao controle temporal e dinâmico,
por ser
qualquer imprecisão identificada mais rapidamente.
Ronal
Xavier conf
irma, acrescentando a questão da pedalização:
(...) desenvolve muito a
acuidade
da escuta. (...) Qualquer desnível rítmico, ou
qualquer problema de coordenação, de junção, fica muito mais evidente; (...)
O
fato de
precisar se equalizar com um outro tempo, com um outro volume de som, de ter que
dosar sua força, controlar o pedal, não só para você mas para a outra pessoa também
,
ganha uma conotação muito mais elaborada do que quando você está tocando sozinho.
(...) os problemas acabam sendo ampliados, como
c
om
uma lente de aumento.
56
Entrevista concedida ao autor, dia 23 de novembro de 2006, no
Rio de Janeiro
.
57
Entrevista concedida ao autor, dia 20 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
58
Indeed, it frequently
happens, that when there are two students upon the same keyed
-
instrument, in one house,
they are in each other’s way; however, by compo
sitions of the following kind, they become reciprocally useful,
and necessary companions in their musical exercises. Besides the
amusement
which such experiments will
afford, they may be made subservient to two very useful purposes of
improvement
, as they
will require a
particular attention to
time
, and to that clair
-
obscure which is produced by different degrees of
piano and forte
.
Errors committed in the
measure
, by either of the performers of these pieces, who may accelerate, retard, or
otherwise break i
ts proportions, will be sooner discovered, and consequently attended with more disagreeable
effects, than if such errors were committed by a single player, unless the other give way, and conform to the
mistakes that are made.
46
Burney também já levantava a questão do prazer e amadurecimento que a prática de
piano a quatro mãos pode trazer
em relação
à atitude dos pianistas em relação
à
carreira.
Talvez a razão para tamanho encanto seja o fato de que o pianista, normalmente condenado à
solidão frente a seu instrumento, encontre uma alternativa para efetivamente compartilhar sua
arte. Pelas palavras de Gahy, um dos principais parceiros de duo de Schubert, podemos sentir
tal entusiasmo fortemente:
As horas q
ue passei fazendo música com Schubert estão entre os prazeres mais ricos
de minha vida e não consigo pensar nesses dias sem ficar completamente comovido.
Não foi apenas ter aprendido muito, em tais ocasiões, o que era novo, mas o toque
claro, fluente, a concepção individual, a maneira de interpretar, às vezes delicada e às
vezes chei
a
de fogo e energia, de meu pequeno e rechonchudo parceiro
,
me deram
grande prazer.
59
Sobre o amadurecimento, estudiosos no assunto e entrevistados confirmam (e
acrescentam):
A
formação
piano a quatro mãos é singular porque
propicia
o único tipo de encontro
musical no qual duas pessoas, usando os recursos completos de um único instrumento,
executam efetivamente música originalmente escrita ou especialmente arranjada para
esta for
mação. (...) Como ferramenta puramente pedagógica tem
o
valor incomparável
de
prover treinamento do coleguismo musical e performance em grupo, leitura à
primeira vista e controle rítmico. E para
um
estudo sério, bem como para uma
animada diversão, el
a
ofer
ece uma distinta literatura de música de primeira classe em
todos os níveis de proficiência técnica
60
(Mcgraw, 1981, p. ix).
A experiência de tocar a quatro mãos em um piano é, para o pianista, o caminho mais
direto para as formas mais complexas
61
de perfo
rmance em grupo. Ela desempenha
um papel bem vindo no desenvolvimento de atitudes musicais, já que uma boa
execução a quatro mãos exige não só o dar e receber básicos de toda boa performance
de música de câmara
,
mas, em adição, remete para o desenvolviment
o de um pianismo
solidário
para
atingir um equilíbrio sonoro bem integrado entre as partes do ‘
primo
’ e
secondo
62
(Friskin & Freundlich, 1954, p. 321).
Se você tem um duo de piano a quatro mãos, não sei se aconselharia
ambos
a competir
59
The hours I spent making mus
ic together with Schubert are among the richest of my life and I canoot think of
those days without being most deeply moved. It was not only that, in such occasions, I learnt much that was new
but the clear, fluent playing, the individual conception, the m
anner of performance, sometimes delicate and
sometimes full of fire and energy, of my small, plump partner afforded me great pleasure.
(Gahy relatando à
Kreissle, em 1860. Fonte: Deutsch, O. E., 1958, p. 176)
60
“The piano duet medium is unique because it i
s the only kind of musical encounter in which two people, using
the full resources of a single instrument, effectively perform music originally written or especially arranged for
that combination. (…) As a purely pedagogical tool it is of unparallel value
in providing training in musicianship
and ensemble playing, in sight reading, and rhythmic control. And for serious study as well as for delightful
diversion, it offers a distinctive literature of first
-
rate music at every level of technical proficiency.”
61
Acreditamos que o autor possivelmente está se referindo à formações que possuem maior número de
integrantes.
62
The experience of playing four hands at one piano is, for the pianist, the most direct road to the more complex
forms of ensemble playing. It p
lays a welcome role in the development of musicianly attitudes since good four
-
hand playing demands not only the basic give and take required of all good chamber music performances but, in
addition, it calls for the development of a sympathetic pianism in
achieving a well
integrated balance of sound
between ‘
primo
’ and ‘
secondo
’ parts.
47
no mesmo concurso
.
Hoje em dia lido com isso de maneira tranq
ü
ila, (...). Foi um
amadurecimento que esta experiência me deu. (Luciano Magalhães)
Tocar a quatro mãos é uma aula de humildade, de coordenação motora; é um treino
auditivo muito grande. (...) [se] adquire uma versatilidade. (Patrícia Bretas)
Principalmente para
o
pianista, isso é muito importante, pois ele tem
a
tendência
a
ser
sempre solista, e
o
fato de fazer música de câmara, principalmente piano a quatro
mãos, obriga
-
o a prestar mais atenção nos outros, a s
e ouvir melhor, a pensar em
diálogos, em imitações de frases, (...) O pianista, habitualmente tão solitário na sua
“missão” de solista passa a se relacionar com outros instrumentos e instrumentistas,
enriquecendo
-
se sobremaneira com esta experiência, tanto
musical quanto
pessoalmente. (Luiz Senise)
Como
confirma Mcgraw, uma das grandes vantagens do piano a quatro mãos é seu uso
como ferramenta pedagógica. Townsend (1978)
63
acrescenta que professores estão
descobrindo
,
cada vez mais
,
utilidades para o uso de
duos,
empregando
inúmeras
peças
para
“professor e aluno” com aqueles estudantes que ainda não são capazes de tocar sozinhos em
um recital. É também a única formação em que o professor de piano não depende da
disponibilidade de outro músico, ou instrumento
, para ensinar ao aluno os princípios da
música de câmara. Em alguns casos, como
comentado
por Estela Caldi, os resultados podem
ser extremamente
significativos
: “
T
ive alunos que progrediram, quase que, especificamente,
em cima do piano a quatro mãos.” Ain
da no campo do ensino,
outros entrevistados
complementam:
Com solo, o universo é muito restrito e, à medida que você toca com alguém, acaba
por explorar outras possibilidades. É o que ac
ontece muito com crianças: quand
o você
acompanha um aluno no segundo
piano, ele passa a ter experiências musicais e
emocionais mais ricas, mais elaboradas, explorando mais as potencialidades musicais.
O ouvido, o conhecimento, o gosto passa a se transformar. O aluno sente que, ao tocar
a quatro mãos, passa a fazer parte de algo maior e aprende a se ouvir ouvindo o outro.
(...)
tem noção de grandiosidade com muito mais facilidade. (Ronal Xavier)
64
É um bom caminho pedagógico quando se está com crianças (...). São vários os
aspectos importantes do ponto de vista rítmico: o iní
cio, a terminação, a respiração
para o início, compreensão do final de frase, todas estas questões rítmico
-
formais. (...)
M
uitas vezes obser
vamos
que os pianistas são muito bons individualmente,
desenvolveram uma técnica muito boa e quando vão fazer câmera
não se saem tão
bem; por mil motivos
;
acho que um deles é porque não tiveram a experiência.
Também do ponto de vista da sonoridade é interessante, porque na medida em que
você toca junto com seu aluno, ele percebe mais o fraco, o forte, o crescer assim ou
crescer assado, e o “tocar junto”, com
as
mesmas articulações, enfim, essas coisas
ficam mais claras. Quer dizer que aprender é sempre este jogo do que é igual e do que
63
Notas sobre o programa constantes no LP
Franz Schubert: Works for piano, Four Hands
(vol. 1
-
3), da MHS.
64
Entrevista concedida ao autor, dia 24 de novembro de 2006, no Ri
o de Janeiro.
48
é diferente. Para mim isso é a base de tudo. (Sara Cohen)
65
Podemos
acrescentar
ainda v
ários outros aspectos mencionados pelos entrevistados. Por
exemplo, Josiane Kevorkian relata que a proximidade e compartilhamento (próprio da
formação) foi uma das causas
de
sua perda de timidez e controle do nervosismo. Como bem
colocado por Estela Caldi,
para uma boa discussão sobre as eventuais divergências de
concepção, é preciso fazer uma análise da peça, o que naturalmente também
resulta
em uma
evolução intelectual
e musical
. Demais lucros possíveis são, como mencionado, oriundos da
resolução dos problemas, expostos no tópico a seguir.
2.2 – Problemas
No campo da pesquisa científica, o termo “problema” tem seu significado comumente
associado aos termos “assunto”, “questão”, razão pela qual o usamos aqui referindo
-
nos a um
tema que não necessariamente exige solução, mas simplesmente a aspectos que estão abertos
à
discussão. A prática do piano a quatro mãos apresenta certas propriedades e, às vezes,
dificuldades
,
que a diferencia
m
da execução solo ou mesmo a dois pianos. Na tentativa de
caracterizar as
principais questões práticas, o primeiro “problema” foi, como mencionado,
encontrar bibliografia sobre o assunto. Este foi o motivo pelo qual nos detivemos
atentamente
em
nossa experiência prática com a formação,
nos
depoimentos dos entrevistados,
em
trech
os
da literatura e no trabalho de Ferguson (1971), praticamente o único sistematizado sobre o
assunto, que teve grande influência na abordagem de cada um dos problemas aqui enunciados,
e
que passamos a tratar em seguida.
2.2.1 – Da relação pessoal à conce
pção musical
“Duo é igual a casamento”
foi uma das primeiras frases usadas por nosso professor
(Luiz Senise) quando recém formamos nosso duo. Sua intenção era alertar para a seriedade
do
problema da relação pessoal entre os músicos que fazem música de c
âmara, em especial o
piano a quatro mãos. Não é a toa que esta mesma metáfora foi repetida por Estela Caldi,
Josiane Kevorkian, e Zaida Valentim. Como vimos no capítulo anterior, no século XIX,
vários casamentos deveram sua origem
à
prática do piano a quat
ro mãos e até hoje
encontramos duos
em que
os músicos são casados, sem contar com aqueles que são parentes,
ou mesmo amigos inseparáveis. E da mesma maneira que o casamento tem seus bons
65
Entrevista concedida ao autor, dia 17 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
49
momentos, também surgem enormes dificuldades na árdua rotina da convi
vência. Para citar
Marcelo de Alvarenga: “Quando você está dividindo um palco, você está num dos mais altos
graus de intimidade”.
66
:
A relação desta “música de intimidade” (usando o termo de King, 1948)
torna
-
se
mais
próxima, já que não só o palco é dividi
do, como o próprio meio de comunicação, ou seja, o
instrumento, e o que se deseja comunicar: a concepção musical. Decidimos introduzir os
problemas
do trabalho em duo
no
presente tópico pois observamos que, tanto em nossa
experiência, quanto no relato dos entrevistados, este
foi,
quase sempre,
um dos primeiros a ser
tratado, e parece condicionar vários outros que examinaremos a seguir.
Qual seria o primeiro ideal musical do
bom duo? Acreditamos
firmemente
que
deve
ser
o de atingir
sua
identidade,
ao contrár
io de duas identidades distintas que tocam uma mesma
música.
“A idéia de tocar a quatro mãos é sempre, independentemente de qualquer escola
pianística que você possa ter, mesmo que até diferenciada do outro que está ao seu
lado,
a
de encontrar uma sonoridade única, e isso é uma coisa bastante difícil (...) em
um bom casamento primeiro tem que existir uma grande vontade não só de constatar
as afinidades, como aprender com as diferenças” (Estela Caldi
67
).
Para obter essa “identidade”, o primeiro passo é a e
scolha, consciente ou não, da
concepção da obra,
dependente, entre outros fatores, da interpretação da notação musical,
da
escolha do andamento e da percepção do caráter e do estilo da peça a ser executada.
(...) creio que o elemento que un
e
, realmente, é
a
concepção da obra e
a
verdade que
cada um tem que repartir com o outro. Tem que haver um constante diálogo entre os
cameristas, para que se chegue a um
ponto
comum. Você tem uma concepção da
música e a outra pessoa tem outra: vocês têm que chegar a uma
terceira idéia, que seja
o somatório da de cada um em particular e que seja verdadeira para ambos. (Sonia
Vieira)
É o sentir a mesma coisa. Às vezes está escrito
animato
. O que quer dizer isso? É
animato no andamento? Ou é uma coisa mais psicológica? É uma coisa interna; você
simplesmente agita aquilo de uma forma que não mude o andamento. Então, o sentir a
composição da mesma forma é um problema para o duo, porque são duas cabeças
pensantes. (Patrícia Bretas)
Se por um lado há um criticado, também há um c
rítico. Como apontado por Josiane
Josiane Kevorkian, a relação pode ser mais delicada no piano a quatro mãos que, ao contrário
de outras formações,
envolve
dois músicos que estudam o mesmo instrumento, ambos
profundos conhecedores de suas questões técnicas
. Assim sendo, o pianista sente mais
autoridade para criticar as soluções técnicas expostas pelo colega. Da mesma maneira que a
66
Entrevista concedida ao autor, dia 19/11/2006, no Rio de Janeiro.
67
Entrevista concedida ao autor, dia 21 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
50
crítica pode ter inúmeros desdobramentos positivos, é preciso ter muita cautela: “você está
vendo todos os pontos altos e baixos da pessoa que está ao seu lado. E isso pode ser usado de
forma positiva na amizade, e de uma forma negativa, se
,
em um momento de raiva,
fizer mau
uso disso.” (Marcelo de Alvarenga). Casos comuns, como observado na entrevista do duo
Bretas
-
Kevorkian,
ocor
rem
quando já executamos
determinada
peça com outro colega e
queremos impor nossa concepção prévia ao novo parceiro.
Uma boa solução é o hábito de tocar para uma terceira
pessoa
,
alguém que tenha o mais
alto grau de respeito por ambos os músicos, como seu
s professores, ou um músico
por quem
ambos
tenham admiração comum. A opinião desta pessoa pode colocar um ponto final em
diversas divergências musicais:
Durante cinco anos fizemos aulas de duo. Isso é fundamental, porque você vai ter
outro critério de aval
iação (...) uma crítica construtiva. (...) tivemos alguns conflitos,
como nas Variações [sobre um tema de Anacleto Medeiros] do Ronaldo Miranda, onde
haviam coisas das quais a Josiane não queria abrir mão. E eu também. A Maria da
Penha já nos deu palavras definitivas. (...) Você tem um juiz. (Patrícia Bretas)
Nossa meta aqui não é fazer uma avaliação científica ou psicológica do
relacionamento
entre os
músicos, mas chamar a atenção para a importância da unicidade da concepção
musical,
e para a escolha do parceiro, que não pode ser feita levianamente.
2.2.2 – Em busca de uma boa parceria
O momento de escolha do parceiro é o primeiro dos longos passos para se ter sucesso na
consolidação de um duo. Começaremos com o conselho dado por Ronal Xavier
68
:
“experime
ntar”. Nas entrevistas verificamos que 9 dos 11 entrevistados já tocaram com
parceiros diferentes, o que indica a importância da experimentação. Normalmente
,
nos
primeiros ensaios, já é possível se avaliar o grau de afinidade musical entre os músicos.
Exi
stem parceiros que são extremamente intuitivos e possuem muita facilidade de
leitura. Neste caso, tudo se passa como num diálogo que flui escorreito e natural.
Outros precisam de mais estudo
, mais tempo de preparo,
mais treino e mais ensaios.
Uns não conse
guem dominar o nervoso no palco, outros o fazem sem maiores
dificuldades. Cada parceiro possui uma característica própria e diferente, o que torna
cada experiência singular e enriquecedora.
(Luiz Senise)
Listaremos aqui algumas qualidades que constatamos serem fundamentais na procura de
um bom parceiro:
·
Admiração artística (Marcelo de Alvarenga, Patrícia Bretas, Josiane Kevorkian,
Luciano Magalhães, Ronal Xavier)
antes da formação do duo já
precisamos
admirar as qualidades musicais e intelectuais do col
ega. “Tem que ser um músico
68
Entrevista c
oncedida ao autor, dia 17 de novembro de 2006, no Rio de Janeiro.
51
completo. (...) Você tem que conhecer a pessoa tocando, e se arrepiar com ela”
(Patrícia Bretas). Se não existir admiração, haverá restrições para aceitar críticas e
sugestões
sobre a
concepção musical do colega. Marcelo de Alva
renga e Ronal
Xavier comentaram que o nível técnico do colega deve ser igual ou superior ao seu.
Luiz Senise também alerta
ser necessário que se evitem
níveis técnicos muito
diferentes porque,
em um duo
,
ficariam acentuadas as qualidades e defeitos de cada
um. As qualidades intelectuais do colega são
igualmente importantes
para que ele
possa argumentar de maneira convincente
a respeito de
suas sugestões
interpretativas;
·
Interesses comuns ao começar um duo “os dois têm que querer muito” (Marcelo de
Alvaren
ga). Também é importante que estejam passando por momentos semelhantes
na carreira, tendo objetivos comuns, como fazer cursos e concursos juntos, descobrir
repertório (Ronal Xavier), ou apenas buscar o prazer de fazer música em conjunto;
·
Afinidade
tanto
musical quanto pessoal. Não significa, necessariamente, ter a
mesma escola pianística. Vários entrevistados relataram compartilhar de uma
empatia musical, mesmo com grandes diferenças de escola. Sara Cohen define bem o
que seria a afinidade musical:
Acho q
ue o primeiro [conselho] é esse: afinidade musical; uma pessoa com quem
você tenha espaço para discordar e negociar. Mas acho que na primeira leitura, penso
que a coisa mais importante
como sempre, eu acho em música
-
, é a questão
temporal; são estes tempos de respiração, de como que você termina a frase e inicia a
frase, pois se estas coisas não fluem com certa naturalidade
obviamente você pode
ensaiar e estudar
mas quando isso acontece naturalmente você tem uma facilitação
na negociação, inclusive.
Destacamos também a importância da preferência por
um
mesmo repertório;
·
Critérios de avaliação semelhantes (Luiz Senise) as qualidades musicais apreciadas
pelos colegas devem ser as mesmas
,
caso contrário, as divergências musicais vão
estar sempre prese
ntes;
·
Boa postura em relação a adversidades
(...) tem que ser uma pessoa que lide bem com você, com a vida e com as
adversidades. Você tem que conhecer a pessoa numa hora de stress (...) saber como ela
reage num contratempo. Se o gênio é muito difícil, as qualidades musicais não podem
operar, (...)
[a pessoa]
emperra o relacionamento musical. (Patrícia Bretas).
·
Dedicação e ritmo de trabalho (Ingrid Barancoski, Estela Caldi, Luiz Senise)
é
muito frustrante um colega
que não tenha o mesmo grau de dedica
ção
que
o outro.
Da mesma maneira, os ritmos de trabalho devem ser semelhantes.
A combinação de
52
uma pessoa metódica com outra mais espontânea já chegou a ser motivo de
rompimento do duo, conta Luiz Senise.
·
Confiança (Marcelo de Alvarenga, Zaida Valentim)
O momento de estar sobre
o
palco é sempre um desafio para pessoas ansiosas e
,
quando tocamos em duo, temos
que confiar plenamente na pessoa que está ao nosso lado.
2.2.3 –
Ensaios
“A dificuldade em se fazer música de câmera é ensaiar. (...) Os músicos [n
o Brasil]
acumulam muitas atividades e nem sempre têm muita disponibilidade de tempo”.
foi o
primeiro problema apontado por Sara Cohen.
Nas
entrevistas foram relatadas as mais variadas rotinas, desde ensaios
concentrados
nas
vésperas dos compromissos (Luiz Senise), até quatro ensaios por semana, durante cinco anos,
de três a quatro horas
de duração
cada (Zaida Valentim),
o que nos impossibilitou oferecer
uma sugestão
segura
a esse respeito. Mesmo assim, alguns cuidados merecem atenção.
Normalmente observ
amos que os membros do duo
desenvolvem concomitantemente
várias
outras atividades
,
portanto o tempo de ensaio
deve
ser
aproveitado com
objetividade.
Estela
Caldi, ao responder sobre os problemas da prática, frisou:
Primeiro, acho que a grande dificuldade está em você, realmente, estudar muito bem
sua parte. Até para quando
fize
rem uma leitura junto
s
: “vamos ler para ver como isso
soa”, essa parte tem que estar estudada, senão é muita perda de tempo; comumente,
isso não acontece. Você tem que ter uma prática de bastante tempo com o seu parceiro
para fazer isso [ler apenas uma vez junto] e saber que assim funciona, ou pelo menos
funciona melhor. (...) a partir daí, para você justificar as escolhas que faz, tem que
fazer uma análise da peça e, enfim, há coisas
que só a compreensão, não
necessariamente intelectual, faz com que você entenda, embora também precise às
vezes dela.
Lembramos que no estudo individual já devemos nos sentar na posição correta de duo,
prática que felizmente parece ser comum (todos entre
vistados responderam que tem este
hábito). Esta observação é
extremamente
importante, porque se sentarmos ao centro do
teclado, tal como na execução solo, estaremos trabalhando outros feixes musculares (Luiz
Senise). Mesmo cientes que as decisões definitiv
as se
dão
somente na prática em conjunto,
para uma melhor objetivação
dos ensaios,
procuramos resolver, individualmente,
o maior
número possível das questões da performance,
tais como posicionamento, dedilhado e
equilíbrio sonoro (ver adiante). Josiane Kev
orkian acrescenta que, durante a prática
individual, sempre trabalha
na
posição que se configura como
a de
máximo desconforto, ou
seja, exagera as dificuldades da prática em conjunto, para que a adequação à posição correta
53
seja facilitada nos ensaios. Para uma unicidade na concepção, nos remetemos a Lubin
que, ao
tratar da
Grosse Fugue
de Beethoven,
escreve sobre a importância da análise e organização
das partituras:
(...) prepare
-
se
com
um esforço muito sério
para
analisá
-
la antes de começar. Numere
os co
mpassos do início ao fim, marque as entradas e as variações do sujeito e contra
-
sujeitos, e estude sua forma. (...) Desenhe um mapa do território primeiro e conheça
sua geografia bem antes de se aventurar nela.
69
(p. 30)
Um ensaio de piano a quatro mãos po
de ser muito mais desgastante que em outra
formação, já que existe um desconforto físico
na divisão do
instrumento,
desconforto ao qual
pode ser acrescido certo constrangimento quando os músicos ainda estão em fase de
conhecimento.
Além das medidas
apresen
tadas por nós
para minimizar o desconforto,
“devemos usar muito humor quando há muito contato físico entre as partes”, como apontado
por Marcelo de Alvarenga.
70
De acordo com Gahy, Schubert também fazia muito uso do
humor nos ensaios: “era justamente nessas
ocasiões que a natureza genial de Schubert
mostrava
-
se em
sua plenitude e ele costumava caracterizar as
várias
composições com
interpolações humorísticas, que
às
vezes
,
incluíam observações sarcásticas, embora sempre
pertinentes”
71
.
2.2.4 – Bancos
“Quand
o duas pessoas tocam duetos pela primeira vez,
cada
uma
invariavelmente acusa
o outro de ocupar muito espaço
72
” (Ferguson, 1971, p. 7). Esta afirmação confirma o que
havia sido exposto por Charles Burney, em 1777.
O
desconforto causado pela proximidade
dos
músicos pode ser amenizado pelo posicionamento do banco
73
. Em geral, o ponto de
divisão do teclado entre as duas partes é
a
nota Mi3,
que provê espaço semelhante
para
ambas
.
Mas
nada
impede
que tal referência seja mudada, de acordo com o repertório, prática
nossa que, aliás,
sugerimos
. Um dos exemplos em que se pode variar a proporção
da
divisão
dos
registro
s
é a peça
Tango
, de Ronaldo Miranda, onde o
secondo
necessita de mais espaço
no teclado que o
primo
.
69
(…) prepare yourself by a serious effort at analyzing it before you start. Number the measures from beginning
to end, mark the entrances and variations of the subject and countersubjects,
and study its form (…). Chart out a
map of the territory first and know its geography well before you venture into it.
70
Alvarenga e Zaida comentaram que criaram várias nomenclaturas próprias (algumas humorísticas),
especialmente quanto ao posicionamento d
e mãos e antebraços, que visavam minimizar o desconforto.
71
(…) it was just on these occasions that Schubert´s genial nature was displayed in its full radiance and he used
to characterize the various compositions by humorous interpolations, which sometimes
included sarcastic,
though always pertinent, remarks” (O. E. Deutsch, 1958, p. 177)
72
When two people first play duets together each invariably accuses the other of taking up too much room.
73
Os seguintes tópicos abrangem questões que podem minimizar o de
sconforto: Bancos; Posicionamento de mão
e antebraço; Dedilhado; Redistribuição de partes.
54
Discutiremos agora variantes para as posições dos b
ancos.
Ferguson (1971) sugere que
se inclinem os bancos em um pequeno ângulo, de modo que não fiquem exatamente paralelos,
liberando espaço para os cotovelos, que antes
teriam
maior área de choque (Figura 1).
Figura
1
Bancos a
ngulados
Essa pode ser uma solução muito proveitosa, pois também facilita o
acesso
do
secondo
aos
dois pedais. Infelizmente
,
apenas dois dos entrevistados (Sara Cohen e Luciano
Magalhães) experimentaram angular os bancos e um deles,
a propósito (nosso com
panheiro
de duo),
chegou a relatar que
sent
iu um pouco de desconforto. Neste caso, o que pode ser
feito é angular apenas um dos bancos, deixando o outro, para a pessoa que sente desconforto,
exatamente
na posição paralela ao teclado. De qualquer forma, entre todas as posições por nós
experimentadas, esta nos pareceu a que oferece maior amplitude para os movimentos, razão
pela qual
sugerimos que,
pelo menos,
se experimente.
Algumas peças exigem que os músicos fiquem extremamente próximos,
caso em que
as
rold
anas dos bancos podem dificultar a aproximação. Neste sentido, foi
freqüentemente
relatada a
prática
do
uso de um dos bancos
em posição
transversal, como mostra a Figura 2.
Em relação à área de mobilidade dos cotovelos
,
esta
disposição
não oferece qualquer
mudança
, além de dar margem a uma certa falta de equilíbrio quando se toca nas
extremidades do teclado, como vivenciado
por
Patrícia Bretas e Josiane Kevorkian.
Acreditamos que a
opção de colocar os dois bancos em posição transversal seria inútil (como
ex
perimentado por dois entrevistados), já que a mudança de apenas um satisfaz o
problema da
aproximação dos bancos.
55
Figura
2
Bancos paralelo e transversal
A propósito
da preocupação
com uma
maior aproximação dos músicos, outra s
olução
encontrada por alguns entrevistados foi a de
encaixar
as roldanas, como mostra a figura 3. Em
decorrência desta posição, um banco fica levemente
à
frente do outro e assim
temos
um
encaixe diferente dos cotovelos. Em algumas passagens de peças
para
p
iano a quatro mãos
ficamos com os cotovelos levemente
à
frente do tronco do colega,
posicionados
acima ou
abaixo do cotovelo do outro (em alguns casos são também as mãos que ficam acima ou
abaixo, como veremos adiante). O fato de termos um banco
à
frente do outro
pode
facilitar
aquele
encaixe de cotovelo
;
c
ontudo, lembramos que ao usar esta posição, devemos
decidir
com
atenção especial qual dos dois músicos tem a preferência de tocar mais próximo ao
teclado
.
Da mesma maneira, esta posição pode atrapalhar, p
ois quando o pianista que fica
atrás necessita tocar em registros que pertencem à outra parte, o corpo daquele que
esta
mais à
frente
fica
no caminho.
Figura
3
Bancos com roldanas encaixadas
Em relação à
s
altura
s
dos bancos, a
prática habitual é
a
de se manter as mesmas que se
usa na execução solo.
V
erificamos nas entrevistas,
que elas raramente são as mesmas
para
os
56
dois músicos.
N
este
ponto, estaríamos tentados a
fazer
a
recomendação geral que se evite
tocar com os dois bancos na mesma altura, já que a diferença oferece um melhor encaixe dos
cotovelos. Mas
o
aspecto negativo que depois constatamos
foi
que
,
quem fica mais baixo,
caso tenha
necessidade de tocar por cima do braço do colega, terá uma dificuldade a mais
.
Mesmo assim, com exceção de passagens isoladas, a diferença de alturas pode ser benéfica e,
quando as exigências da topografia do teclado e dos deslocamentos permitirem (somente),
pode
-
se tirar proveito da posição, colocando o cotovelo de quem está mais alto por cim
a.
Infelizmente,
as condições dos bancos encontrad
o
s nas salas do Brasil
que devem ser
leves e ter mobilidade, especialmente para os duos que têm o hábito de inverter os bancos
durante a apresentação (Sara Cohen)
-
não são as melhores, e
,
muitas vezes
,
nem há dois
disponíveis. Em muitos casos
,
existe apenas um com comprimento estendido, que invalida
qualquer mudança
aqui proposta,
com
exceção da altura, já que podem ser utilizadas
almofadas. Atualmente, existem bancos deste tipo à venda, específicos para
duo, mas que não
oferece
m
nenhuma vantagem,
à
exceção da regulagem da altura,
tais como o
s
da Figura 4:
Figura
4
Banco para duo. Fonte: http://www.bohemiapiano.cz/benches/duetpianobenches.htm
2.2.5 – Partituras
É um assunto
menos discutido, porém muito pertinente à pratica desta formação,
também lembrado por Ferguson (1971) e Lubin (1970). Na literatura do gênero, encontramos
dois formatos de partituras: a) aquela em que uma página é reservada para cada parte
(
secondo
, à esqu
erda;
primo
, à direita), que compreende a maioria das edições existentes; b)
aquela em forma de grade, ou seja, uma parte (sistema) sobre a outra, encontrada com menos
frequência.
Visto que o primeiro caso é o mais freqüente, Lubin comenta que “um olho err
ante é um
traço útil para um duetista possuir”
74
, pois temos que aprender, ocasionalmente,
a
olhar de
relance a parte do colega, para acompanhar o que está acontecendo, sem perder o curso de
nossa própria parte. Este é um dos motivos pelo qual Lubin e Fergu
son privilegiam e
74
“a roving eye is a useful trait for a duettist to possess” (p.187)
57
aconselham o formato
em
grade,
que também preferimos.
Nas primeiras etapas de
nossa
pesquisa,
supúnhamos que essa
preferência fosse generalizada e, já que
tal
formato ainda
se
apresenta na
minoria das edições, pretendíamos sugerir aos com
positores e editores que
passassem a publicar partituras exclusivamente desta maneira, até porque é assim que os
próprios compositores escrevem no momento de criação da obra. Mas o resultado de nossas
entrevistas mostrou que ainda há divergências: 6
entrev
istados
preferem
o
formato
em
grade;
4, uma página para cada parte; 1
é
indiferente.
Segundo Ferguson, o formato com páginas separadas pode ocupar menos espaço e ser
um pouco mais fácil
para ser lido
por iniciantes
,
mas o outro é infinitamente preferível
sob
o
ponto de vista musical, já que podemos acompanhar o que o parceiro está fazendo e ter noção
da textura como um todo. Os entrevistados que preferem o formato de páginas separadas
alegam que têm melhor ângulo de visão, além de ler menos sistemas de uma
só vez. Os que
preferem o formato
em
grade
argumentam
que,
além
do tempo de ensaio ser reduzido (não se
perde tempo contando compassos), a recuperação de eventuais acidentes que podem acontecer
na performance
é mais rápida.
Mesmo com a afirmação de Lubin
de que este último é o
favorito dos duetistas mais experientes, ainda é
necessária
uma pesquisa com mais
entrevistados para constatar se há uma preferência significativa ou não.
Para uma maior fluência na execução, o ideal seria termos sempre uma terceira
pessoa
disponível para
fazer
as viradas de página. Mas, como diz Ferguson (1971), concordando com
alguns dos entrevistados: “experiência amarga mostra que ele ou fica no caminho, vira duas
páginas de uma vez, ou puxa
a partitura para cima das teclas
75
” (p.
7). Do mesmo modo, não
podemos contar com um virador durante os ensaios, daí a necessidade de que se ensaie e
prepare as viradas de página, tal como feito pela grande maioria dos entrevistados. É preciso
olhar com atenção as partes e decidir qual
músico e
com qual mão
,
irá
virar em cada
momento
,
e anotar no ponto preciso
da
virada. Nem sempre
este
ponto é no final da página,
razão por que se torna necessário o recurso de escrever, colar, ou mesmo decorar as partes que
faltam. Em alguns casos
,
pode
-
se fazer
uso da
redistribuição de partes com este fim, ou
mesmo omitir algumas notas. (Ferguson, 1971).
Mesmo com o ensaio das viradas, algumas peças
têm
movimento tão rápido e
ininterrupto que quase obrigam
a pedir a ajuda de um
virador. Em um caso específico um
tanto curioso, o compositor chega a ponto de escrever uma parte musical simples
,
a ser tocada
ocasionalmente, pelo virador de páginas, “para que ele possa contribuir melhor para a
75
“Bitter experience shows that he either gets in the way, turns two pages at once, or pulls the
copy on to the
keys”.
58
performance”
76
. Trata
-
se da peça
Celestial Mechanics
(1979) de George Crumb (
1929
-
)
(
Exemplo
13, p.58
):
Exemplo
13
George Crumb, Celestial Mechanics
II. Beta Cygni
76
George Crumb, em
Program Note
(p.3), prefaciando a edição Peters de sua peça.
59
2.2.6 –
Escolha d
o
primo
e
secondo
Uma das primeiras questões ine
vitáveis que se coloca frente aos duetistas, ao fazer a
leitura de uma obra, é a escolha das partes. Citamos Josiane Kevorkian para ilustrar a
importância da questão:
A escolha correta, condicionada ao repertório, é muito importante. A nossa carreira
desl
anchou muito a partir da Sagração da Primavera. Uma má escolha naquele
momento, isto é, se eu tivesse ficado no segundo piano, talvez não tivéssemos o
sucesso que fizemos com a obra, poderia ter sido uma catástrofe (...).
Nos primeiros estágios da parceri
a é muito interessante que os músicos se alternem nas
posições
,
especialmente durante os primeiros contatos com a peça, para, segundo Sonia
Vieira, melhor compreensão da obra (todavia, mais da metade dos entrevistados não têm esse
hábito). Ferguson (1971), no entanto, diz que seria importante que eventualmente cada um se
concentrasse em alguma das partes, já que as qualidades individuais poderiam se
mostrar
mais
eficientes ou para o
primo
ou para a
secondo
. Concordamos
com a idéia
até o momento em
que realm
ente for observada uma preferência, ou melhor
,
eficiência, por parte de algum dos
músicos. Se
ela
não for constatada
,
a melhor sugestão
ainda é
a
de Ronal Silveira:
“experimentar”. Cada participante do
duo
deve olhar as partes cuidadosamente, e “precisa se
r
honest
o
com o que el
e
acha que sabe” (Marcelo de Alvarenga), ou seja, devemos escolher as
partes, em cada peça, que apresentem as características técnicas e musicais que mais
correspondam
às nossas habilidades. Para o duo Bretas
-
Kevorkian e para Sara Coh
en, por
exemplo, o tamanho das mãos é um dos critérios de escolha (Sara comentou que, inclusive, já
revezaram partes em movimentos de uma mesma peça).
Porém, se
o intuito for puramente
pedagógico, seria interessante escolher as partes contrárias às
nossas
facilidades naturais:
Acho que a adequação é uma regra ótima, que funciona em termos de música, mas
para crescimento pessoal, de vez em quando
,
temos que inverter isso. Eu me lembro de
uma sonata de Mozart em que o Marcelo não gostava das escalas, mas ele
se obrigou a
fazer para aprender e ter mais coragem de fazer isso, assim como eu comecei a fazer
alguns baixos
e ele me dava as dicas de como ele fazia. (Zaida Valentim)
Uma das questões que surgiu nas entrevistas
foi
a de que o
primo
poderia ficar em mai
or
evidência para o público leigo. Apesar de ser um assunto
secundário
qualquer duetista
experiente
sabe
que não existe qualquer diferença de importância entre as partes
,
essa
parece ser uma questão que influencia a decisão
de
alguns duos.
Ambos os pia
nistas
não
querem
passar para o público
a falsa impressão de que um
seja
mais
competente
que
o
outro,
como exposto pelo duo Bretas
-
Kevorkian. Luciano Magalhães partilha da opinião
de
que a
60
parte do
secondo
até
pode ser mais difícil. . É, pois, desejo de todos os duos que o público não
tenha
tal percepção
e
que isso não seja
razão
de preocupação.
Se excluirmos os casos particulares, existe algo genérico sobre a escolha do primo
e
do
secondo
?
Para tentar
responder a esta pergunta
, vamos nos remeter
ao que foi
dito por Sara
Cohen, que comparou as funções gerais de cada parte com as executadas pelas respectivas
mãos direita e esquerda da prática solo, especialmente porque grande parte do repertório para
o gênero é do século XIX,
no qual
prevalecem as texturas ho
mofônicas. Minha preferência
geral pelo
primo
, por exemplo, se deve muito à característica mais brilhante de meu toque,
normalmente exigido
pelas partes melódicas.
No relato dos entrevistados (dos quais 6
mostraram preferência por uma das partes) e
em rela
ção às
particularidades sonoras
dos
regist
ros
do piano, confirmamos que geralmente irá preferir o primo aquele que
tem esse tipo
de
toque
brilhante, claro, e/ou veloz
aliado freqüentemente ao temperamento mais
extrovertido, contudo
com
menos controle
t
emporal.
Estela
Caldi
, quando comenta sobre a preferência de dois de seus alunos, também sugere
o temperamento como motivo. Sara Cohen confirma:
“(...) há
duos, por exemplo, as Irmãs
Labeck,
onde se observa
uma questão de temperamento que fica muito clara
no palco; acho
compreensível que uma fique mais numa posição do que a outra: a mais contida normalmente
fica no
secondo
”.
Quanto aos que tem maior eficácia no
secondo
, muitos relataram a sensação de controle
ou de impulso da interpretação (Marcelo de Alvar
enga, Luiz Senise), o que leva a crer que a
harmonia costuma ser o motor da emoção (Ronal Xavier). O
secondo
teria então
,
como
qualidades
,
o domínio sobre as questões temporais (como ritmo, andamento, agógica) e uso
do pedal, senso harmônico desenvolvido e
,
possivelmente
,
um temperamento mais controlado
e/ou discreto.
(...) adoro fazer o
secondo
,
pois
ele é o responsável pela pedalização, pela construção
harmônica, pela criação de ambientes sonoros. Ele enfatiza, intensifica, modifica e
prepara atmosferas n
as quais o
primo
pode se desenvolver plena e livremente. É o
baixo que normalmente mant
é
m a pulsação, isso não quer dizer que o
primo
não tenha
que
mantê
-
la
também. (...) Controla tam
bém
o andamento,
a
agógica principalmente; e
muitas vezes a emoção
,
as co
res, porque é onde está o recheio, onde está o cenário
musical. (Luiz Senise)
Mesmo com essas características gerais
,
frisamos que, como explicitamos, a escolha
deve
ser
condicionada à peça.
61
2.2.7 – Pedalização
A dificuldade no uso do pedal é um dos dif
erenciais do piano a quatro mãos. É a única
formação em que uma pessoa pedaliza para duas partes simultaneamente, no mesmo
instrumento, agravado pelo fato do pianista estar sentado numa posição incomoda, diferente
daquela
que ocupa
quan
do está tocando sozinho. Patrícia Bretas e Luiz Senise descrevem bem
o problema e os possíveis ganhos que o pianista pode obter durante sua superação:
No emprego do pedal ele pode evoluir muito. (...) Sua atenção tem que ser redobrada,
pois você não sabe exatamente a agógica e a dinâmica que [seu colega] vai empregar,
e o bom uso do pedal depende também destes fatores. (...) A pedalização torna
-
se
incomoda para quem está no
secondo
, pois o eixo de equilíbrio muda quando você
estica o pé direito para o lado. Outros feixes muscu
lares atuam no movimento e na
realização técnica quando se modifica a posição do banco do piano e dificulta assim
seu domínio. (Luiz Senise)
Porque são quatro mãos, qualquer pedal a mais é um desastre, e se o pedal for a menos
pode cortar coisas que o outr
o está fazendo. Então, para tocar o segundo piano
,
tem
que ser um exímio pedalista. Tem muito pianista solista bom que pode pecar um pouco
pelo pedal, por excesso ou por falta. (Patrícia Bretas)
Casos extremamente complicados para pedalização
ocorrem
quand
o
se
misturam
diferentes tipos de articulação ou quando uma das partes tem que,
com freqüência,
soltar
notas prematuramente para evitar choques, tal como no
Grand Duo
op.140
de Schubert, onde
linhas melódicas em
legato
muitas vezes
são acompanhadas por
non
-
legato
ou
pizzicato
(
Exemplo
14
). É
em
casos como este que os pianistas perceberão que
não só
precisam
recorrer ao pedal digital (
prolong
amento das notas com os dedos), muito mais freq
ü
entemente
do que o fariam na
execução solo,
como também necessitam desenvolver a qualidade de seus
legatos
, a fim de que o
secondo tenha mais liberdade na pedalização. Para tanto,
é
importante
que
o estudo individual
seja
feito
freqüentemente
sem pedal
, especialmente no
primo
, como
a
lertado com Josiane Kevorkian.
Exemplo
14
Schubert
Grand Duo op.140
Allegro moderato, compassos 57
-
64
Ferguson (1971) nos lembra que o uso do pedal
é
diretamente condicionado
pela
harmonia, parâmetro normalmente regido pe
los registros mais graves do teclado. Logo
,
é
natural que caiba ao
secondo
operar o pedal, hábito mantido por praticamente todos os duos.
62
Mesmo assim
,
em passagens ocasionais
,
é possível que
o uso pelo
primo
alcan
ce melhores
resultados.
O mesmo autor (1971
) pondera
que qualquer troca momentânea
de quem aciona o
pedal
pode gerar confusão. Lubin (1970), em contrapartida, diz que não vê razão
para
não
deixar o
primo
experimentar
o pedal
em alguns momentos,
com o que
concordamos.
Em
mais
da metade dos entrevist
ados, o
primo
também já experimentou
seu
uso ocasional e t
e
ve bons
resultados. Exemplos
ilustrativos
são
os
trechos onde há passagens solo do
primo
, tal como
fizemos, momentaneamente, neste trecho de Rustique, da
Sonata
de Poulenc:
Exemplo
15
Poulenc
Sonata
Rustique, compassos 25
-
32
Em alguns raros casos
,
o
primo
é obrigado a pedalizar junto com o
secondo
:
Celestial
Mechanics
, de Crumb, bem lembrado por Ingrid Barancoski, novamente serve
como
exemplo
de
obra que foge do
convencional, expandindo o universo do piano a quatro mãos. Nela, o
autor indica o uso dos três pedais (Ped.
I
direito; Ped. II
central; Ped. III
esquerdo), e os
distribui entre as partes (Ped. I para o
primo
; Ped. II e III para o
secondo
).
63
Exemp
lo
16
Crumb
-
Celestial Mechanics
III. Gamma Draconis
Marcelo de Alvarenga
relatou que, quando pedaliza no
primo
, usa o pé direito, o que
pode causar certo desconforto físico, mas é aceitável
,
se não houver conseqüências no
r
esultado sonoro. O uso com o pé esquerdo, tal como fizemos, por não alterar a posição de
sentar, pode ser mais aconselhável. De qualquer forma
,
nossa preocupação constante
é a de
que tenhamos sempre o melhor resultado sonoro como ideal, e isto significa es
tar aberto às
possibilidades de se pedalizar com o
secondo
e
,
ocasionalmente
,
com o
primo
, com
o
direito
ou o esquerdo.
2.2.8 –
Sincronismo
É um problema presente em toda prática camerística. Mas o que observ
amos
em nossa
experiência e nas entrevistas
é que
,
pelo fato do piano ser um instrumento com ataque
percutido, os desencontros são mais evidentes. Ao comparar o piano a quatro mãos com
outras formações, Sara Cohen comenta:
A
diferença básica que vejo é a seguinte. Por mais parecido que os dois piani
stas
toquem, existe uma característica do piano, que é o ataque, que dificulta a sincronia.
(...) O fato de o piano ter ataque inicial muito forte, faz com que, às vezes, tocar junto
com outro pianista seja mais difícil do que tocar com outros instrumentis
tas, que têm,
[naturalmente], outro timbre e uma forma de ataque diferente, menos marcada.
Como visto anteriormente, por questões de temperamento pessoal e da sensação de
tempo
, existem
músicos
que encontram, de forma natural, uma sintonia de respiração, o
s
problemas de sincronismo se tornando, portanto, ocasionais. Tivemos a oportunidade de
assistir
a
uma
dupla
que atinge, entre outros aspectos, quase a perfeição neste quesito,
confirmando o que dissemos sobre a importância da escolha do parceiro: o duo Ge
nova &
Dimitrov (músicos que também são casados), vencedores dos mais importantes concursos
internacionais de duo pianístico e, segundo a Federação Internacional de Duo Pianístico
,
o
64
“mais bem sucedido duo jovem de piano da atualidade
77
”.
Mas nem sempre é a
ssim, “muitas vezes os biorritmos não estão em sintonia, por
variadas razões” (Sonia Vieira). Casos complicados relacionados ao sincronismo são
as
peças
em que
a agógica é muito livre
,
especialmente aquelas em andamento lento, e
os
ataques
súbitos depois d
e longas pausas (como visto frequentemente nos finais de peças). Weekley &
Arganbright (1990) comentam a respeito, quando discorrem
sobre a
Fantasia em Sol menor
D.9
(1811) de Schubert: “Nesta introdução
Largo
, tal como em qualquer passagem lenta, o
conjun
to perfeito é tão essencial quanto difícil de conseguir”
78
. A primeira parte da
Dança
Húngara n.17
de Brahms, por exemplo, requer atenção redobrada do
secondo
, para
acompanhar
as nuances agógicas do
primo
, sugerid
as
pelo caráter da peça.
Exemplo
17
Brahms
Dança Húngara n.17, compassos 1
-
8
Ainda nesse sentido, o Abôio
, da
Brasiliana n.8 de Osvaldo Lacerda
,
também é um bom
exemplo. A indicação “Sem pressa (c
=72), um pouco
rubato
” é acompanhada de freq
ü
ente
s
mudanças no tempo, tais como “poco precip.”, “calmando poco a poco”, “rall.”, entre outras.
(As medidas apresentadas ao final deste tópico podem ser úteis para solucionar a questão.)
Exemplo
18
Osvaldo Lacerda
Brasiliana n.8
Abôio
compassos 1
-
4
77
Apud Carlos Dantas (2003). Fonte: http://www.genova
-
dimitrov.de/, data de acesso 27 de novembro de 2006.
78
In this Largo introduction, as well in any s
low passage, perfect ensemble is both essential and difficult to
achieve. (p. 6)
65
Nem sempre o problema é tocar junto, dentro de uma métrica estabelecida. Há casos,
por exemplo, em que a dificuldade é saber o momento preciso de ataque quando se
sobrepõem ritmo
s diferentes (como veremos no
Bem
-
te
-
vi
), e outros
,
em que o problema é
exatamente o oposto: o “não
-
sincronismo”
tal como ocorre num trecho das
Estruturas
Gemeas
de Tacuchian. O compositor escreve notas com valores não determinados,
indicando
apenas a du
ração (em segundos) dos “compassos”. Os músicos normalmente sentem
dificuldade em fugir da métrica convencional e de tocar a seqüência das notas, entre o primo
e
o secondo, aproximadamente dentro da distribuição do tempo proposta.
Exemplo
19
Tacuchian
Estruturas Gêmeas, compassos 36
-
41
A proximidade física pode ter suas vantagens quando se deseja solucionar problemas de
sincronismo. Ela
nos
permite “[usarmos] os sentidos quando a intuição não basta” (Senise),
ou seja, podemo
s escutar, ver e sentir
mais de perto
a respiração do nosso colega. O contato
visual pode ser usado para verificar a velocidade de ataque e o gesto (movimento pianístico)
escolhido pelo colega. Weekley & Arganbright (1990) também alertam para esse recurso:
“[na
Fantasia em sol menor D.9
]
os autores fazem uso de um acordo onde o
primo
é o líder,
dando deixas visuais com o pulso, muito parecido com a técnica para a batuta do regente”
79
.
Vemos que, primeiramente, temos que
decidir
quem
irá
atrás
de quem
em tre
chos onde
há desencontros (Caldi, Valentim). Normalmente uma simples troca de função
entre quem
“acompanha” e
quem será acompanhado resolve o problema, como aconteceu quando
estudamos a
Dança Húngara n.8
de Brahms. Seu final é um exemplo da problemática do
s
ataques súbitos depois de pausas, neste caso agravado por ser precedido de mudança no tempo
(“poco sostenuto”),
o que,
conseq
ü
entemente,
resultou em
contagem mental
d
essi
ncronizada.
No decorrer da obra
,
o
secondo
estava “acompanhando” o
primo
, e tivemos
dificuldade em
sincronizar a semicolcheia que precede os acordes finais. Trocamos as funções neste trecho: o
79
The writers advocate an arrangement whereby the
primo
is the leader, giving visual cues with the wrist, much
like the technique for a conductor’s baton” (p.6)
66
primo
passou a seguir o
secondo
, fazendo uso, inclusive, do contato visual, e o problema foi
rapidamente resolvido:
Exemplo
20
Brahms
Dança Húngara n.8, compassos 164
-
171
A propósito dos “sentidos”, um recurso pouco utilizado, mas que tem bons resultados, é
o contato físico de alguma área do braço ou mão
fazendo
pressão
sobre o
braço ou mão do
colega, de modo que o ou
tro sinta o exato momento de ataque (Senise, Xavier). Resolvemos
desta maneira o desencontro do acorde final da
Dança Húngara n.11
(outra peça que, aliás,
permite liberdade agógica), apoiando levemente o antebraço do
primo
no
do
secondo
, como
mostra a
Figura
5
:
Figura
5
Contato de antebraços para facilitar
o
sincronismo (Brahms
-
Dança Húngara n.11
, final)
Peças
em
que ambas as partes começam simultaneamente podem ocasionar
acidentes
no
momento da performance. Bons exemplos são
as
que começam juntas em movimento rápido e
contínuo, tal como a
Toccata
de Mahle.
67
Exemplo
21
Mahle
Toccata, compassos 1
-
4
Segundo Ferguson (1971), durante as primeiras etapas da p
arcer
i
a, um
dos pianistas
pode contar em voz baixa um compasso antes do início, no
tempo
da execução.
Mas com a
experiência,
pensa
que seria
desejável
buscar um método mais discreto, como repousar suas
mãos sobre o teclado antes do começo da peça. Logo apó
s, um deles pode dar uma
batida
no
tempo
correto através de uma discreta elevação do dedo indicador, ou mesmo da mão (pr
á
tica
não experimentada pelos entrevistados). O autor comenta que um pequeno gesto já se mostra
suficiente para o outro seguir, especial
mente quando se pode olhar o reflexo das mãos na
madeira polida
,
atrás do teclado, já que uma visão frontal pode ser mais clara que uma visão
de cima. Quanto aos entrevistados, a maioria
declarou ter
o hábito de usar a respiração,
as
vezes combinada com um
discreto gesto, no tempo da peça, tal como fazemos. Três
entrevistados usam contagem em voz baixa e contato visual.
Nos ensaios também é
recomendável
o
estudo
retirando uma das mãos de cada músico,
de modo que se pratiquem todas as combinações possíveis
de mãos do
primo
e
do secondo
(Patrícia Bretas, Sara Cohen, Josiane Kevorkian). Os duos que tem este hábito explicam que
assim podem identificar melhor onde os problemas estão acontecendo: “É muito importante.
Deixa tudo bem clarificado, assim como você fa
z a leitura de uma fuga a quatro vozes”
(Patrícia Bretas). Finalmente, em alguns casos eventuais, ou quando se quer ganhar
andamento gradualmente,
o metrônomo
pode ser usado (Patrícia Bretas, Josiane Kevorkian,
Sonia Vieira),
desde que seja dispensado tão
logo os músicos se
sintam
mais à vontade em
relação ao trecho.
68
2.2.9 – Posicionamento de mão e antebraço
Na prática do piano a quatro mãos são freqüentes as reclamações de colisões
indesejadas:
Na Sagração ela já levou várias topadas minhas. (...). Às vezes ela tem que empurrar
mesmo, caso precise de mais espaço
do
que eu. Quando ela faz assim [mostra gesto
corporal], já sei que é para chegar mais para o lado, já entendemos essa linguagem.
Dizemos: “Pode empurrar!”. (Patrícia Bretas);
O piano a quatro mã
os é coreográfico. Porque, senão, você leva uma trombada!
(Marcelo de Alvarenga)
Para que os conflitos derivados da divisão de espaço não se assemelhem a uma “arte
marcial”, são
necessárias algumas medidas quanto ao posicionamento dos membros
superiores.
Destacamos o depoimento de Sonia Vieira, que já havia sido prenunciado por
Burney, em 1777:
embora, a princípio, a proximidade das mãos dos diferentes músicos possa
parecer
desajeitada
e
embaraçosa
, um pequeno
recurso engenhoso
com respeito à maneira de
p
osicioná
-
las e à escolha do dedilhado irá logo remover essa dificuldade” (Apud Mcgraw,
1981, p. xi).
80
(...) saber como ocupar seu instrumento, (...) a noção espacial, é muito importante
também, para que a própria pessoa lucre como solista. (...) A posição
do pianista
camerista vai se tornar muito mais flexível, [se comparada a de quem é] somente
solista. As dificuldades geralmente são: (...) decidir o posicionamento nas teclas, se
uma pessoa tem que tocar mais para dentro do teclado e a outra para fora, se
tem que
colocar a mão sobre ou sob a do colega (...) tem que ser exaustivamente trabalhado,
para decidir o que é mais confortável. (Sonia Vieira)
.
Constata
-
se que o conforto dos músicos se deve muito à posição e dedilhado da mão
esquerda do
primo
e direi
ta do
secondo
(chamaremos a região que compreende a mão
esquerda do
primo
e a direita do
secondo
de zona de colisão).
Quando
a
distância entre
as
partes
na zona de colisão é razoável, o posicionamento das mãos e o dedilhado podem ser
escolhidos da mesma maneira que em uma execução solo. Mas quando as mãos começam a se
aproximar, alguns cuidados precisam ser tomados. O primeiro deles será a prática de
posicionar, na zona de colisão, uma das mãos entre as teclas pretas, e a outra, na extremidade
das teclas br
ancas. Isso permite que um dos pianistas passe por baixo do outro e evite choques
indesejados (como fizemos na Seresta opus um, de Escobar.
Figura
6
). Nos trechos onde
necessário, algum tipo de notação na partitura
deve ser feita, como um ‘D’ ou ‘F’ maiúsculo
(significando por dentro e por fora, respectivamente. Veja
Exemplo
22
).
80
(…) though,
at first, the near approach of the hands of the different performers may seem awkward and
embarrassing, a little contrivance with respect to the manner of placing, and the choice of fingers, will soon
remove that difficulty.
69
Figura
6
Posicionamento
primo
por dentro.
Seresta opus um
, compasso
18
Exemplo
22
Escobar
Seresta opus um
, compassos 16
-
18
Quando a proximidade é extrema na zona de colisão
,
é
igualmente
necessário que os
antebraços fiquem um sobre o outro e que o corpo de quem está por baixo recue ligei
ramente
,
o que também
precisa
ser anotado na partitura (como
por cima
ou
por baixo
). Esta posição
(
Figura
7
) oferece maior amplitude de movimento e permite que se diminua a tensão dos
músculos. O posicionamento dos braços lado a lado deve, em geral, ser evitado, (como mostra
a
Figura
8
)
, por deixar os cotovelos muito junto ao tronco, aumentando a tensão muscular e
restringindo os movimentos.
70
Figura
7
Zona de colisão
-
Posição adequada
-
encaixe de antebraços.
Figura
8
Zona de colisão
-
posição evitada
-
antebraços lado a lado
Se uma das mãos não estiver tocando em determinado momento, ela deve ser retirada
vertical
mente do piano, e não horizontalmente, diz Ferguson (1971) (veja
Exemplo
22
). Ele
também afirma que,
em geral
,
é a parte do
primo
que fica ou por dentro, ou por cima. Mas nas
entrevistas não foi constatada
alguma
g
eneralização. Dentr
e as
exceções, apenas Marcelo de
Marcelo de Alvarenga disse que o
primo,
em geral, fica por cima, e quando perguntad
a
em
relação ao banco, Sara Cohen disse que costumava colocar a altura do
primo
mais alta.
Acreditamos que o que realmente vai condicionar a decisão de quem toca por dentro (ou por
71
cima), e vice
-
versa, é a topografia do teclado e o contexto,
isto é,
o que vem antes e depois.
Partes
em
que
são usadas
mais notas pretas devem ficar por cima, bem como aquelas que
apresentam salt
os, deslocamentos ou maior movimentação melódica (critério usado por nós
nos
e
xemplos seguintes).
Às vezes a repartição de espaço inclui a divisão de notas: “difícil mesmo é o ceder
espaço para o outro. (...) Espaço até daquel
e
de certas notas: ‘deixa de t
ocar a tua nota porque
ela é mais importante para mim’” (Josiane Kevorkian). Nesse sentido, uma prática muito
usada pelos entrevistados é a notação na partitura sobre
as
notas que não devem ser atacadas
(
são
colocada
s
entre parênteses, como no
Exemplo
23
);
e
sobre aquelas que devem ser soltas
momen
tân
ea ou prematuramente, para que possa
ser
novamente
atacada
(
colocamos
a letra ‘o’
sobre
essas nota
s
). Fizemos muito uso desse último recurso no
Andante e Variações em S
ol
Maior
de Mozart, coincidentemente da mesma forma como Ferguson indica em sua edição, e
na
Dança Eslava op.76 n
o
8
(
Exemplo
28
p.
73
), onde anotamos a soltura da nota Lá2,
compasso 110
, no
primo
.
Exemplo
23
Escobar
Seresta opus um
, compasso 23
-
26
Aproveitamos este tópico para tecer algumas palavras sobre um dos recursos preferidos
entre compositores do gênero: o cruzamento de mãos. Isto geralmente é fei
to não só
para
facilitar a coordenação motora entre os músicos, mas também porque influi no equilíbrio
sonoro. O cuidado, na escrita, quanto à distribuição de notas pode fazer grande diferença. Eis
alguns exemplos de como este recurso é usado:
a) Partes em
uníssono, a uma distância de duas ou mais oitavas, como na
Sonata
de
Poulenc e na
Dança Húngara n
o
9
de Brahms (anotamos os posicionamentos “por cima” e
“por baixo”):
72
Exemplo
24
Poulenc
Sonata
, compassos 3
-
5
Exemplo
25
Brahms
Dança Húngara n
o
9
, compassos 9
-
12
b) Movimento melódico muito diferente entre as partes, o cruzamento, pois, facilitando
a execução técnica, como na Dança Húngara n
o
18
:
Exemplo
26
Brahms
-
Dança Húngara n
o
18
, compassos 9
-
12
c) Desenho melódico cruzando uma das partes, como na parte do secondo da
Toccata
de
Mahle, ou situado na zona de colisão, como na
Dança Eslava op.72 n.8
de Dvórak. A
execução sem o cruzamento dificultaria a continuidade do fraseado:
73
Exemplo
27
Mahle
Toccata
, compassos 7
-
10
Exemplo
28
Dvorák
Dança Eslava op. 72 n
o
8, compassos 105
-
111
d) Uma mão passando sobre duas, ou até três mãos. Em
Variations on a Russ
ian air
, de
John Field (1782
-
1837), o cruzamento da mão esquerda do
secondo
sobre
a mão
esquerda do
primo
, previne a fragmentação da linha melódica do
primo
e do desenho
do
acompanhamento da mão direita do secondo.
Exemplo
29
Field
Variations on a Russian air
A
Épigraphe n
o
6
de Debussy é um exemplo de como o cuidado na distribuição das
partes pode resultar em ótimos efeitos sonoros. Na peça, a mão esquerda do
secondo
cruza sua mão direita e toda a parte do
primo
. Se não hou
vesse o cruzamento seria
74
praticamente inviável a execução desta passagem, tanto pela dificuldade de coordenação
quanto pelo controle timbrístico:
Exemplo
30
Debussy,
Épigraphe n
o
6
, compassos 41
-
42
Como exemplo de grandes cru
zamentos dentro do repertório brasileiro, na peça
Iks
, de
Roberto Victorio, a mão esquerda do
primo
cruza as duas mãos do secondo
, valorizando
a ampla exploração de registros, habitual do compositor:
Exemplo
31
Roberto Victori
o
Iks
e) Gestos simbólicos
são casos pouco comuns, embora extremamente curiosos. Como
foi mencionado no Capítulo I, Lubin (1970) comenta a existência de cruzamentos
originados sem propósitos puramente musicais. O
Rondó op.138
, de Schubert,
tem o
subtí
tulo
Notre Amitié est invariable
(nossa amizade é invariável). Apesar das
75
discussões sobre a autoria do subtítulo
81
,
a obra
deixa transparecer um clima
bem
humorado,
atribuído ao fato dela ter sido, ao que parece,
oferecida
a Josef von Gahy,
amigo estimado
do compositor
e um de seus companheiros de duo preferidos (Brown,
1977; Weekley & Arganbright, 1990). O constante diálogo de melodias entre as partes é
enfatiza
do
por um gesto simbólico
o cruzamento das mãos nos últimos 15 compassos
da
coda
“como se na
da no mundo fosse desmanchar sua amizade”
82
(Dale, 1947).
Pelas características musicais dessa passagem, o cruzamento não
é
um recurso
indispensável, embora facilite ligeiramente a execução.
Exemplo
32
Schubert
Rondo op. 13
8
(
Notre Amitié est invariable
), compassos 232
-
247
2.2.10 –
Dedilhado
Como já exposto, para reduzir o desconforto
na prática
a quatro mãos
,
temos que
aprender a nos limitar a um espaço
reduzido
e
,
dentro do possível, não invadir o espaço
do
outro,
o que
nos leva à escolha de dedilhados que, nem sempre, são aqueles que
escolheríamos numa execução solo:
Muitas vezes ocorre que a pessoa, por qualquer que seja [o motivo], por não ter sido
alertado, ou [por] sempre ter sido solista, não está acostumado à par
tilha, então,
arruma uns dedilhados que são absolutamente negativos. Então, deixa a mão assim
[entrevistado mostra uma posição que indica o choque dos 4º e 5º dedos de cada mão
dos parceiros]. (Sonia Vieira)
81
Brown (1977) e Weekley & Arga
nbright (1990) discutem se foi Schubert, ou o editor Diabelli, quem deu o
subtítulo e distribuiu as partes tal como se encon
tram
atualmente.
82
(…) as though nothing in the world could ruffle their amity (p.126).
76
(...) você é obrigado a usar dedilhados
por
veze
s mais inconvenientes para não
impedir a ação do outro. (Ronal Xavier)
Tendo isso em mente, Ferguson (1971) recomenda examinar onde há maior proximidade
na zona de colisão
; l
ogo após,
verificar
qual
a
nota mais próxima do colega e
,
de preferência
,
tocá
-
la
com o 5º dedo trabalh
ando, em seguida,
no sentido inverso
,
para descobrir qual o
melhor dedilhado nos lev
aria
a esta posição. O autor acrescenta que iremos constatar o uso
muito mais freq
ü
ente
dos
s
e 5º
s
dedos em duo do que na execução solo. Quando
per
guntad
as
sobre que anotações faziam nas partituras, Bretas confirm
ou
: “‘tocar com os
dedos finais’. É bom porque não sobra espaço de mão por cima do parceiro. Senão prejudica
toda a execução”. A propósito da diminuição da área de colisões, também podemos u
tilizar,
em alguns casos, o recurso de passar o 3º por cima do 4º, ou o 4º por cima do 5º, ao invés da
prática comum, no piano solo, de passar o polegar. Felizmente, estas práticas parecem ser
comuns entre os entrevistados: 8 dos 11 responderam que têm ess
a preocupação, e dos que
responderam “não”, Caldi acrescentou que,
de qualquer modo,
já não faz muito uso do
polegar
mesmo em sua execução solo. Em casos em que há distância razoável entre as partes,
o dedilhado pode ser escolhido normalmente, como na exec
ução solo.
Como exemplo, no
Frevo
, de Osvaldo Lacerda (
Exemplo
33
), posicionamos os 5º dedos
nas notas mais próximas da zona de colisão, ao contrário da possibilidade de se colocar o 3º
ou 4º no Mi do
secondo
. As F
iguras a seguir ilustram a execução do trecho do
Andante e
Variações em Sol Maior
de Mozart (partitura no
Exemplo
34
). Podemos observar como
opções de dedilhado
aumentam
consideravelmente o conforto. A
Figura
9
mostra o
posicionamento do 2º dedo no Dó (
primo
M.E.), que
também
seria,
provavelmente,
a
resolução natural
,
se estivéssemos sozinhos. No entanto, posicionando o 4º dedo nesta nota,
como mostra a
Figura
10,
diminuímos
a área de colisão.
Exemplo
33
Osvaldo Lacerda
Brasiliana n.8
Frevo, compassos 18
-
19
77
Exemplo
34
Mozart
Andante e Variações em Sol Maior
, compassos
144
-
146
Figura
9
Dedilhado evitado:
2º dedo (
primo
M.E.), em Mozart
Andante e Variações em Sol Maior
,
compasso 146.1
Figura
10
4º dedo em Mozart
Andante e Variações em Sol Maior
, compasso 146.1
Como o tempo de ensaio é valioso,
é necessário que
a maior parte do dedilhado
seja
escolhida durante a prática individual e, para tanto, já devemos nos sentar na posição correta
de duo e sempre ter em mente os efeitos que a mão do parceiro terá
em
nossa
execução. Uma
das maneiras de se averiguar o dedilhado individualmente é ter o hábito de
,
quando
estivermos
no
primo,
cruzar a mão direita sobre a esquerda e tocar a parte inferior do
primo
78
com a superior do
secondo
; quando
estivermos
no
secondo,
cruzar a
mão esquerda sobre a
direita e tocar a parte superior do
secondo
com a parte inferior do
primo
(Ferguson, 1971);
assim
verificaremos
se nosso dedilhado está provocando colisões.
Boa parte
do dedilhado só
terá versão definitiva depois dos ensaios, mas com a
prática sugerida,
muito tempo será
ganho. Dos entrevistados, 63%
informaram
não ter esse hábito, e
os
outros 18% só o praticam
“às vezes”, o que
recomenda
sua
aplicação com maior freqüência
. De qualquer forma, o
dedilhado escolhido tem que dar conta tanto
do conforto quanto do resultado sonoro
procurado
. Se o uso dos dedos finais, na zona de colisão, não permitir a boa execução, temos
que avaliar as vantagens e desvantagens de sua aplicação.
2.2.11 – Equilíbrio dinâmico e timbrístico
É possivelmente a ma
ior problemática da prática a quatro mãos, tendo sido a mais
enfatizada entre os entrevistados. É um
a
questão
comum a todas as áreas de música de
câmara, mas que foi
aqui
acentuada,
pelo fato de estarmos trabalhando com dois músicos,
possuidores de sonorid
ades distintas,
mas
sobre um mesmo timbre. Como fris
ou
Estela Caldi,
é aquela enorme dificuldade de se obter a “sonoridade única”.
(...) no piano a quatro mãos a dificuldade maior consiste em tentar moldar o seu
timbre ao do seu parceiro para que haja uniformidade maior no resultado sonoro final.
Em certas passagens, (...) você tem que ser capaz de reproduzir exatamente a mesma
sonoridade, o mesmo timbre que seu parceiro. Como o timbre é característica própria
de cada um (podemos dizer que o timbre é o nos
so selo, e o que nos diferencia dos
demais) igualá
-
lo ao do parceiro é, portanto, tarefa árdua e difícil. Embora nos duos
com outros instrumentos também exista a dificuldade e a constante preocupação de se
dosar o volume para obter o equilíbrio sonoro (com
o com a clarineta ou com o
violoncelo
,
que no registro mais grave soam mais intensos),
o
timbre próprio de cada
instrumento facilita esta diferenciação. No piano a quatro mãos esta dificuldade
parece ser maior. (Luiz Senise);
(...) as outras formações te d
ão, justamente o que você não tem, quando faz quatro
mãos: qualidades diferentes de timbres. A quatro mãos
,
você está num mesmo
instrumento
;
com outros grupos você tem coloridos diferentes. Então, isso faz com
que você preste atenção aos coloridos que o pi
ano pode oferecer,
e busque
essas
diferenças, esses timbres diversos. (Sonia Vieira)
A importância do problema se deve muito à complexidade de
sua
resolução no que se
refere ao controle de sonoridade,
por sua vez também dependente
da peça, do instrumento
e
do recinto
onde vai se dar a apresentação das obras. Primeiramente, para um bom equilíbrio
dinâmico, o completo reconhecimento e a clara distinção dos planos sonoros são necessário
s
,
principalmente no sentido de reduzir a dinâmica das partes que são meno
s importantes, mais
do que aumentar a das partes mais importantes.
Esta distinção é vital porque
,
como alerta
79
Ferguson (1971
)
,
com o qual concordam
seis entrevistados
,
quando temos quatro mãos
tocando, ao invés de duas, podemos
tender a criar
uma dinâmica
muito forte; o
secondo
, em
especial, tem que ter cuidado ao dosar sua sonoridade, já que,
normalmente
,
o registro grave
costuma soar mais que o agudo (Lubin, 1970; Luiz Senise). Várias das sugestões
interpretativas de Lubin (1970) e Weekley & Arganbright (
1990) também atentam para essas
observações, quando o primeiro, por exemplo, fala para destacar a voz intermediária e
suavizar a aguda em
Jardin de Dolly
de Fauré ou na
Sonata
de Hindemith; e quando os
segundos pedem para colocar em segundo plano as colori
das figurações de acompanhamento
do Divertissemenent
en
forme d’une marche brillante et raisonnée op.61/1 D.82
3 (1825) de
Schubert, ou as vozes intermediárias das Marchas
op.55 D.859
(1825) e
op.66 D.885
(1826)
,
para se amenizar suas densas texturas. Lendo
o prefácio de Burney (1777, apud Mcgraw,
1981), é curioso perceber que essas questões pareciam não ser tão óbvias quanto são hoje:
O acompanhante não comete falta mais destrutiva da boa melodia, do bom gosto e da
expressão do que a vaidade
,
de
que são fr
eqüentemente possuídos
os jovens e
ignorantes músicos
,
de tentar se tornarem
principais quando são apenas subalternos
; e
de serem ouvidos, quando não têm nada a dizer que mere
ça
atenção particular. Se a
parte que daria o maior prazer ao ouvinte fica sufocada e se torna inaudível devido ao
acompanhamento ficar muito cheio e muito alto, é como se estivesse
jogando
a figura
principal de uma peça no plano de fundo, ou
degradando
o mestre a servente. É
esperado
,
no entanto
,
que os grandes
esforços
que
pelo
menos
os executantes
faz
em
em busca da perfeição, nesta metrópole, (...) logo tornem considerações como estas
inúteis; e que algo análogo à
perspectiva
,
transparência
, e
contraste
na pintura,
seja
geralmente adotado na música, e ser considerada com tanta import
ância, e fazer tanto
progresso entre seus estudantes, quanto eles fizeram ultimamente em outra arte
83
. (p.
xi)
Na execução solo temos o domínio da textura como um todo e, no duo, cada músico é
responsável por uma parte dela
. Logo, é
necessário
um
cuidado r
edobrado com a escuta e
o
controle sonoro, para contribuirmos para o
delineamento
da textura como um todo. Para
exemplificar,
examinaremos um dos tipos de textura não
-
contrapontística muito comum no
repertório: aquela que consiste de melodia (1º plano), baixo (2º plano) e recheio (3º plano). Na
execução solo
, normalmente tocaríamos a mão direita mais forte, o baixo da mão esquerda um
pouco
menos forte
, e o recheio mais fraco (com quaisquer mãos). Se mantivermos esta
83
There is no fault in accompanying, so dest
ructive of good melody, taste, and expression, as the vanity with
which young and ignorant performers are too frequently possessed, of becoming
principals
, when they are only
subalterns
; and of being heard, when they have nothing to say that merits particu
lar attention. If the part which
would afford the greatest pleasure to the hearer be suffocated, and rendered inaudible, by too full, and too loud
an accompaniment, it is like throwing the capital figure of a piece into the back
-
ground, or degrading the ma
ster
into a servant.It is hoped, however, that the great strides which the executive part of music, at least, makes
toward perfection, in this metropolis, (…) will soon render such remarks as these useless; and that something
analogous to
perspective
,
tran
sparency
, and
contrast
in painting, will be generally adopted in music, and be
thought of nearly as much importance, and make as great a progress among its students, as they have lately done
in the other art.”
80
configuração no duo, o equilíbrio
ficará
abalado, pois só escuta
remos
as partes do extremo
agudo e médio do teclado (Ferguson, 1971). Ao tocar a quatro mãos, geralmente temos que
lutar contra nosso hábito de supervalorizar a mão direita. Ainda
na
textura mencionada, na
parte do secondo
, por exemp
lo, a mão direita (recheio) tem que ficar
em
plano mais fraco que
a esquerda (baixo). E no
primo
, se a melodia está oitavada (como muito acontece),
ocorre
a
mesma situação,
já que a
simples
valorização do registro extremo agudo geraria uma
sonoridade pouco
encorpada para desenhos melódicos. Não há como atingir o lirismo e o
“cantando” da
Seresta opus um
, por exemplo, se o
primo
não encorpar a sonoridade de sua
mão esquerda:
Exemplo
35
Escobar
Seresta opus um
, compassos 39
-
43
Não que este tipo de planejamento sonoro, valorizando a mão esquerda do
primo
e do
secondo, seja invariável no duo
;
terá que
ser
altera
do de acordo com cada peça; “mas ele é tão
comum que é seguro dizer que um duetista deveria pensar freq
ü
entemente mais n
a sua mão
esquerda do que na sua direita
84
” (Ferguson, 1971, p.9).
Outra passagem complicada em relação ao equilíbrio dinâmico
ocorre
quando o
elemento central é dividido entre a mão esquerda do
primo
e mão direita do
secondo
, como
Ferguson mostra:t
Exem
plo
36
Elemento central dividido
84
“But it is so common that it is safe to say
a duettist should often think more of his left hand than of his right”.
81
Se o
secondo ceder ao hábito de cantar mais sua voz superior, teremos uma textura
em
que
a voz central do acorde
fica
em destaque. A solução seria o
secondo
deixar sua voz
superior mais fraca qu
e a inferior e deixar o
primo
com mais realce do que as duas
do
secondo.
Uma boa solução geral para esta questão é fazer com que um dos músicos toque
sozinho o
todo
do elemento central. Desta maneira
,
ambos os músicos terão uma boa noção
de como ele deve s
oar em relação aos
demais planos sonoros e poderão tentar reproduzir este
ideal quando tocarem no formato original para duo. (Ferguson, 1971). É também por este
motivo que
,
em alguns casos
,
a redistribuição de partes pode ser aconselhável (
ver
adiante).
Ex
aminemos alguns exemplos quanto à questão em estudo:
No
Scherzo e Romance
das
Seis peças op. 11
de Rachmaninov, o elemento central está
dividido entre os dois músicos. Nesses dois casos também não podemos seguir o hábito da
execução solo de destacar a mão
direita; pelo contrário, a voz superior da mão esquerda do
primo tem que estar levemente proeminente em relação à direita do
secondo
.
Exemplo
37
Rachmaninov
Seis peças op.11
Scherzo
, compassos 1
-
7
Exemplo
38
Rachmaninov
Seis peças op.11
Romance
, compassos 1
-
4
As
Variações sobre um tema de Schumann op.23
de Brahms
é uma peça que envolve
várias questões de sonoridade. No trecho a seguir, por exemplo, verificamos que as notas do
tema (
Exemplo
39
), estão na voz superior
da M.E.
do
primo
(compassos 8.2
-
10.1), e
82
posteriormente na voz superior
da M. D.
do
secondo
(10.2
-
12.1), as quais não devem ser
mascaradas pelas semicolcheias. Para um bom equilíbrio é
necessário, no primeiro trecho,
suavizar tanto a mão direita do
secondo
quanto
a voz inferior
da esquerda do
primo
;
no
segundo trecho, o equilíbrio é mais semelhante ao que faríamos na execução solo, ou seja,
suavizando a mão esquerda do primo, e destacando a voz superior da mão direita do secondo.
Exemplo
39
Brahms
Variações sobre um tema de Schumann op.22
, tema
Exemplo
40
Brahms
Variações sobre um tema de Schumann op.22
, Var. I, compassos
8
-
12
Ainda no sentido de se obter um equilíbrio dinâmico ótimo, Sonia Maria Vieira sugere
que, em passagens longas em
ff
, ou em grandes
crescendos
, se cresça uma
das
mão
s
de cada
parceiro por vez, logicamente quando a textura permitir. Desta maneira
,
esta
remos
minimizando o risco de se tocar forte demais. Em relação ao equilíbrio timbrístico, em alguns
casos a uniformidade gestual pode auxiliar na questão.
2.2.12 – Redistribuição de partes
Como dito anteriormente, mudanças na disposição das notas entre p
rimo
e
secondo
são
às vezes permitidas, ou até mesmo desejadas
,
se o resultado musical se tornar mais
satisfatório, tal como
declararam
todos os entrevistados
já terem feito.
Quando houver a
possibilidade de redistribuição, os músicos têm que avaliar
suas
vantagens e desvantagens.
Um dos freqüentes casos já mencionados ocorre
quando o compositor escreve a mesma
nota para as duas partes. “Esta evidência de uma desatenção do compositor ao detalhe sugere
83
que ele
,
talvez
,
também tenha lapsos em outras direções
85
(Ferguson, 1971, p.9). Ainda
neste sentido, Ingrid Barancoski
86
e Estela Caldi apontam para a dificuldade de se encontrar
peças bem escritas para a formação. Weekley & Arganbright (1990) constantemente se
referem a erros de edição em várias obras de Sch
ubert do gênero, até mesmo em sua peça
(provavelmente) mais popular entre os duos: A
Fantasia em Fá menor op.103 D.940
. Visto a
importância da obra, cabe aqui abrir um parêntese sobre o arranjo que os autores (1990)
assinalam. Nos compassos 58
-
61 e 84
-
87 s
omente a edição Henle é fiel ao manuscrito; todas
as outras omitem a colcheia, na M.E. do
primo
, por ser compartilhada entre as partes:
Exemplo
41
Schubert
-
Fantasia em Fá menor op.103 D.940
, compassos 58
-
59
Como o padrão (do
primo
M.E.) deriva diretamente do tema ‘b’, que inclui a colcheia, a
mesma não deve ser omitida. Para amenizar o problema da nota compartilhada, o
secondo
pode
inverter as tercinas
e começar
com a nota
inferior,
ficando a passagem
semelhante a
outras
aná
logas
,
bem como ao rascunho de Schubert (Weekley, 1990).
Fechando essa questão, enumeramos cinco motivos
que justificam
a redistribuição de
partes, dos quais os três primeiros fazem referência a Ferguson (1971):
a) Preservar a integridade das partes. Exem
plo:
A Fancy
de Tomkins, onde a
disposição original (do manuscrito) mascara o diálogo de frases entre o
primo
e
secondo
(Ferguson, 1971). Parte da voz inferior do primo
pode ser tocada pelo
secondo
, como mostra
o exemplo:
85
“This evidence of a composer’s inattention to detail suggests that he might have lapses in other directions too”.
86
Entrevista concedida ao autor, dia 17 de novembro de 2006, no Rio
de Janeiro.
84
Exemplo
42
Tomkins
-
A Fancy for two to play
, compassos 2
-
4
b) Evitar choques na zona de colisão. No compasso 87 do
Andante e Variações
de
Mozart, a transferência de notas da mão direita do secondo
para a esquerda do
primo
deixa a
passagem mais confortável e
evita o problema constante da soltura de notas para o reataque
do outro:
Exemplo
43
Mozart
Andante e Variações
, compassos 86
-
88
Neste trecho da
Sagração da Primavera
, de Stravinsky, o duo Bretas
-
Kevorkian
87
utiliza a redis
tribuição para evitar a dificuldade de execução causada pela extrema
proximidade na zona de colisão, e facilitar o ataque de notas repetidas (como no compasso
36). No duo em questão, a mão esquerda do
secondo
toca
as que estavam originalmente
notadas para a mão esquerda do
primo
.
87
Informado em comunicação informal.
85
Exemplo
44
Stravinsky
Sagração da Primavera
Introduction, compassos 35
-
38
c) Assegurar o equilíbrio dinâmico e timbrístico. O
Allegro em Lá menor op.144
de
Schubert é um exemplo típico,
sendo cita
do por Ferguson (1971) e Weekley & Arganbright
(1990). Pelos motivos já explicitados, a divisão do elemento central é de difícil equilíbrio
sonoro, o que não acontece quando apenas o
secondo
toca todas as três vozes. Além disso, a
nova disposição previne e
ventuais desencontros na zona de colisão, bem como permite que o
secondo
responda ao
desenho melódico realizado pelo primo (no trecho
precedente
).
Exemplo
45
Schubert
-
Allegro em Lá menor op.144,
compassos 138
-
143
d) Garant
ir o sincronismo. Foi o motivo explicitado por Marcelo de Alvarenga ao
redistribuir
a
passagem
que se segue
, em tempo
Moderato
, da Valsa
de Rachmaninov.
Percebemos que o arranjo, onde só o
secondo
toca os acordes, também ajuda no equilíbrio
dinâmico e trim
brístico:
86
Exemplo
46
Rachmaninov
Seis Peças op.11
Valsa, compassos 77
-
81
e) Facilitar saltos. No trecho
da
Sonata
de Poul
e
nc
que se segue,
o grande deslocamento
do primo é dificultando pelo andamento rápido do movimento.
Se o
secondo tocar o
Láb2 do
primo
(M.E), permite
que
o Láb3
(na direita) seja executado com
a esquerda do
primo,
posicionando
-
se
mais
próxim
a
à região que irá tocar
em seguida,
liberando
, por conseguinte,
sua mão direita para realizar o salto com tranqüil
idade.
Exemplo
47
Poulenc
Sonata
III. Final
, compassos 26
-
27
Para concluir este capítulo, relacionamos o que foi mencionado pelos entrevistados. Eles
apontaram, muitas vezes espontaneamente, para diversos problemas comun
s da prática em
duo, especialmente para aqueles de ordem pessoal. Mas quando perguntados especificamente
sobre este tópico (pergunta nº 1
3
do roteiro) as respostas
acabaram por se referir,
preferencialmente,
a:
e
quilíbrio dinâmico e timbrístico (Barancoski
; Bretas; Cohen;
Kevorkian; Magalhães; Senise); desconforto, divisão do mesmo instrumento e noção espacial
(Barancoski; Kevorkian; Senise; Valentim; Xavier); posicionamento de mãos e braços
(Bretas; Kevorkian; Senise; Valentim; Vieira); divergências de con
cepção musical (Bretas;
87
Vieira; Cohen; Caldi); questões temporais
sincronismo, coordenação, equilíbrio rítmico e
agógico (Cohen, Kevorkian; Magalhães; Xavier); bancos (Cohen; Senise; Vieira);
disponibilidade e planejamento de ensaios (Alvarenga; Caldi; V
alentim); pedalização
(Magalhães; Senise); uniformidade gestual (Valentim); respiração, articulação e fraseologia
(Cohen); escolha do repertório e das partes (Xavier); busca de peças bem escritas
(Barancoski); condições e disponibilidade de salas, instrumentos e partituras (Cohen).
É interessante também expor o que Lubin (1970) diz sobre o estilo do piano a quatro
mãos. Ele nos lembra que, dada as origens camerísticas da formação
,
“frequentemente pode
ser um erro tentar trazer o estilo de música para concer
to para o piano a quatro mãos”
88
. De
fato, muitos duetos ainda guardam características intimistas, da música tocada por puro
prazer, em recintos particulares, tal como era em seus dias de glória no séc. XIX.
Apesar
disso,
como observado em praticamente todas as áreas da música de câmara, o piano a quatro
mãos tem obtido sucesso crescente como música de concerto, especialmente a partir da
década de 70 (Weekley & Arganbright, 1990) e, como visto no capítulo anterior, algumas
peças virtuosísticas se encaixam perfeitamente neste perfil. Lubin também admite que apesar
das “dificuldades e
perigos
89
da performance pública das obras a quatro mãos, vários duos
têm
se apresentado com muito sucesso. Como referências de estilo, ele considera a gravação
do
Grand Duo
de Sc
hubert
feita por Demus & Badura
-
Skoda como modelo de técnica e arte
da prática da formação (mesmo não concordando com alguns andamentos), e aponta as
qualidades de “liberdade” e “espontaneidade” de Milton & Salkind como a essência do estilo
do piano a quat
ro mãos.
88
(...) often can be a mistake to try to carry over the style of concert stage to the piano duet médium. (p.187)
89
difficulties and hazards (p.187)
88
CAPÍTULO III
QUESTÕES DE PERFORMANCE EM DUAS PEÇAS BRASILEIRAS:
ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA
Vimos que a prática de se escrever para piano a quatro mãos no Brasil vem crescendo
muito nos últimos anos e, felizmente,
pudemos observar que
existe a real preocupação dos
duos brasileiros em divulgar a nossa música. O material deste capítulo visa dar continuidade à
valorização da performance de nossa música, bem como complementar as questões discutidas
no capítulo anterior.
Como exposto na Intr
odução e no Capítulo II
,
muitas das questões da prática do piano a
quatro mãos estão condicionadas às peças, o que nos levou a escolher duas obras brasileiras
integrantes
do nosso repertório que
tenham
sido registradas em gravação por outros duos, para
compar
armos
e discut
irmos
seus problemas interpretativ
os
. Da mesma maneira
,
pudemos
conhecer um pouco mais
duas
diferentes
formas
de escrita para esta formação no nosso país.
Com base nestes critérios
,
selecionamos duas obras de compositores brasileiros vivos,
ambos
gozando do mais alto prestígio em nosso meio musical:
VI Episódios de Animais
de Almeida
Prado
,
e
Tango
de Ronaldo Miranda.
Com o estudo específico dessas duas peças,
pudemos
englobar diferentes questões, pois
elas
são diferentes e impõem problemas
distintos aos
intérpretes.
Entendemos que interpretação e técnica são
interdependentes
e inseparáveis, logo
usamos o termo “questões de performance” para nos referirmos a qualquer problema
relacionado à execução instrumental, dos quais priorizamos aqueles
característicos da prática
a quatro mãos
citados
na Introdução e no Capítulo II. Primeiramente
,
apresentamos alguns
dados contextuais sobre os compositores e
as
obras em questão
; d
epois procuramos constatar
quais os aspectos e problemas práticos cada peça
impõe e indicar as respectivas soluções
encontradas por nós. Do mesmo modo, as
soluções
propostas
visam apenas auxiliar os duos
pianísticos que almejam conhecer e tocar as obras, mas não encerram o assunto e não se
caracterizam, de maneira alguma, como a
única
possibilidade de interpretação. Novas
propostas serão sempre tão essenciais quanto bem vindas.
89
3.1 – VI Episódios de Animais de
Almeida Prado
Nascido em Santos, no dia 08 de fevereiro de 1943, José Antônio de Almeida Prado
goza de uma posição de destaque no cenário musical brasileiro. Iniciou seus estudos de piano,
composição e harmonia com Dinorá de Carvalho, Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda,
respectivamente. Após certa experiência como professor no Conservatório de Santos e na
Escola Dinorá de
Carvalho, venceu, em 1969, o I Festival de Música de Guanabara, com a
obra
Pequenos funerais cantantes
(para coro, solistas, e orquestra). Tal prêmio rendeu
-
lhe
uma bolsa de estudos na Europa, onde foi aluno de Nadia Boulanger e Messiaen, tendo este
último
exercido
influência marcante no estilo e na personalidade criativa de Almeida Prado.
Em 1974 foi nomeado professor do departamento de música da Universidade de Campinas e
desde então vem acumulando prêmios e sua obra tem sido divulgada com grande repercus
são
nacional e
internacional, através de recitais, audições e conferências.
A peça intitulada
VI Episódios de Animais
, composta em 1979
90
para piano a quatro
mãos,
assim como Ilhas
(1973, piano),
Rios
(1976, piano),
Pana
-
paná
I
(1977, oboé, flauta e
piano)
e
Pana
-
paná II
(1979, clarineta, cello e piano),
Macaíra
(1977, piano a 4 mãos e
cravo) e
Exoflora
(1974, piano e orquestra) pertencem à fase na qual Almeida Prado explora a
temática ecológica.
VI Episódios de Animais
lhe fez valer o Prêmio Especial
Max Fe
ffer
, em
1993,
e foi gravada pelos irmãos Alexande e Maurício Zamith por ocasião do Concurso
Nacional de Música de Câmara de São Paulo.
91
A obra é constituída de seis peças:
Bem
-
te
-
vi
,
Marimbondos, Guaiamú
(caranguejo),
Libélula,
Boicininga
(Cascavel) e
Xa
uim
(Sagüi);
apesar de cada
uma delas
ser musicalmente independente, o conjunto é importante, pois
a
últim
a
faz
referência
às demais, ridicularizando
os animais
de maneira genial.
A música tem
caráter descritivo e
,
tal como
a
alusão aos brinquedos da
Prole
do Bebê n
o
2 (1922) de Villa
-
Lobos, evoca
os
animais (incluindo a simulação de suas emissões sonoras, movimentos e
habitat
), apresentados na linguagem característica do compositor. Ainda com o título de
“Episódios de Animais”, Almeida Prado escreveu
Três E
pisódios de Animais
(
1973)
para voz
sem acompanhamento
(
Sinimbu, Tamanduá
e
Anta
)
e
VI Novos Episódios de Animais
(1996)
para piano solo
Centopéias
,
Bicho
-
Preguiça
,
Vagalumes,
Tatu
-
bola
,
Sem
-
fim
(matintapereira, saci, sede
-
sêde) e
Garça
-
azul
.
90
Em algumas fontes consta, erroneamente, o ano de 1977 co
mo data de composição. Mas o catálogo pessoal do
compositor confirma o ano de 1979.
91
CD:
V Concurso Nacional de Música de Câmara
São Paulo
-
Vencedores de 1993
. São Paulo; FASM/ CDA,
1993. Interpretes
90
Na época d
a composição da peça, Almeida Prado já fazia o uso consciente do
transtonalismo
(Prado, 1985; Assis, 1997; Costa, 1998)
92
. Esta denominação foi dada por
Yulo Brandão quando observava, nas
Cartas Celestes, o uso transfi
gurado
do tonalismo.
Segundo o composit
or
,
“o transtonalismo é uma observância dos harmônicos resultantes das
fundamentais e a incorporação de tudo o que se poderia obter das técnicas contemporâneas,
como o serialismo e o minimalismo,
da
utilização das manchas sonoras (clusters) e toda a
riquez
a rítmica de Messiaen e Villa
-
Lobos”
93
. Quando Gubernikoff (1999) discorre sobre a
Missa de São Nicolau, diz que este sistema “combina a necessidade de uma escuta dirigida
pelos baixos, que conduzem a harmonia no sentido tradicional, com vários recursos téc
nicos
utilizados principalmente nos anos 70 e especial atenção à textura” (p. 193). Almeida Prado
inova sem rejeitar sua experiência anterior, tendo como objetivo único o “soar bem”, como
ele próprio
afirma
94
; nada mais é, portanto, do que um retrato do pen
samento pós
-
modernista.
O transtonalismo
vincula
-
se à exploração
das ressonâncias. Almeida Prado criou
o
Sistema
Organizado de Ressonâncias
, explicado em sua tese de doutorado (1985), apesar
de,
intuitivamente,
já tê
-
lo
empregado em Ilhas
(1973).
Em todos
os animais da obra em estudo, Almeida Prado constrói o que chama de “jogos
rítmicos”. O autor nos informou (em comunicação informal) que usou diversos processos
rítmicos constantes em sua
Cartilha Rítmica
para piano (década de 90), que foram explicados
por
Cohen & Gandelman (2006) em seu estudo sobre
ela
. Dentre os processos rítmicos
presentes nos
VI Episódios
de Animais
, além daqueles usuais à música tonal, podemos
destacar: polirritmia
95
, polimetria
96
, mudanças de fórmula de compassos, assincronia
97
e
efeito
s de aceleração e desaceleração.
Apesar do fato do compositor ter escrito apenas duas peças para piano a quatro mãos (
VI
Episódios de Animais
e
IV peças para piano a quatro mãos
(1967), a segunda de menor
envergadura), ele demonstra ter um grande conhecime
nto do
m
étier
.
C
omo bem assinalado
por Estela Caldi e Ingrid Barancoski, os
VI Episódios de Animais
são uma das peças
92
O uso consciente do
transtonalismo
se dá,
a priori
,
durante a composição das
Cartas Celestes I
(1974)
.
Isto
pode ser confirmado na tese de doutorado de Almeida Prado
Cartas Celestes
Uma Uranografia Sonora
geradora de novos Processos composicionais
, quando o autor apresenta os mecanismos
pelos quais
o
tr
anstonalismo
funciona. Algumas declarações do compositor geram polêmica, pois levam a crer que foi nas
Cartas Celestes
I
o primeiro emprego deste sistema. Mas
lendo
a dissertação de Assis (1997) fica claro
que o
processo
já fora utilizado, como por exemplo
, em Ilhas
(1973).
93
Apud. MARIZ, Vasco.
História da música no Brasil
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
94
Apud. GUBERNI
K
OFF, Carol. A Missa de São Nicolau, de Almeida Prado, na confluência das opções
estéticas dos anos 80.
Revista Música
v. 9
e 10. São Paulo. 1998
-
1999, p. 189.
95
Superposição de dois ou mais ritmos “não facilmente percebidos como derivados um do outro”, como 2
articulações contra 3, 5 contra 4, etc. (
Cohen
& Gandelman, 2006, p. 27).
96
“Simultaneidade de duas ou mais métricas”.
(
ibid. p. 27)
97
“Defasagem entre planos em qualquer dos níveis da hierarquia métrica” (opus cit. p. 28).
91
brasileiras mais bem escritas para a formação. O compositor comprova saber o que é
idiomático para o piano a quatro mãos, ou seja, divide
as partes com equivalência de
importância, as dispõe de modo
a
minim
izar
a colisão, proporcionando
maior
conforto e
evitando
a
necessidade de redistribuição de partes,
bem como
domina a utilização dos
registros do instrumento, promovendo
um
melhor equilíbr
io sonoro. Por este mesmo motivo,
verificamos que alguns dos problemas gerais da prática do piano a quatro mãos (explicados
no Capítulo II) não estão presentes
nos
VI Episódios de Animais
.
A maioria das questões
apresentadas
na obra
se refer
em
ao colorido
sonoro e timbrístico,
o
que
faz
com que
preva
leçam
, logicamente, os planos sonoros, dinâmica, tipos de toque e pedalização (que
nesta peça ficou sempre ao encargo do
secondo
).
Precedendo o material textual de cada peça, incluímos uma figura colorida ilus
t
rativa
do animal (para estimular o imaginário dos intérpretes), e outra para indicar a tessitura de
cada parte, com
o respectivo ponto de divisão do teclado e posicionamento dos bancos (veja
exemplo na
Figura
11
p.
93
). Como o desconforto é problema secundário nesta obra, para a
execução contínua de todo o ciclo, o posicionamento dos bancos lado a lado (sem as
modificações propostas no Capítulo II) e o ponto de divisão habitual do teclad
o (nota Mi3)
pode ser aplicado sem maiores problemas, visto que alguns duos preferem não mudar os
bancos durante a performance; mesmo assim apontamos para pequenas mudanças possíveis
em algumas peças. Quanto à escolha de
primo
e
secondo
, a regra geral (
pri
mo
toque mais
brilhante; secondo
mais controle temporal) não precisou ser aplicada, já que a textura não é,
em geral, aquela comum do piano a quatro mãos, de melodia acompanhada,
e
ambas as partes
apresen
tam
freqüentemente dificuldades técnicas semelha
ntes.
A partitura ainda não foi
digitalizada, mas o manuscrito (editado pelas Tonos)
encontra
-
se no formato de grade que,
além de ser de nossa preferência,
nos auxiliou muito nas questões temporais, como, por
exemplo,
na
percepção dos momentos exatos de at
aque, já que os animais
são
apresentados
através de “jogos rítmicos”.
No capítulo anterior discutimos a importância
de termos clareza quanto à
concepção
musical no trabalho em duo. Apresentamos aqui, pois, nossa concepção, obviamente, pessoal
e passível de
discussão, mas que procurou ser embasada no texto musical. Para ilustrar,
citamos o posicionamento de Sandra Abdo (2000) quanto à questão:
(...) Tratando
-
se de uma relação dialética, na base da qual estão dois pólos orgânicos,
constitutivamente multifacet
ados, plurissêmicos e inexauríveis, o que, em suma, se
pode esperar desse tipo de atividade [interpretação] é, ao mesmo tempo e
inseparavelmente, a
revelação da obra
em uma de suas possibilidades e a
expressão
d
a pessoa que interpreta, condensada em um de seus múltiplos pontos de vista. Nada
é mais falso e absurdo do que esperar coisa diversa, seja desconhecendo a natureza
92
pessoal do ato interpretativo e pregando uma “reevocação” fiel e impessoal, uma
réplica, enfim, do significado concebido pelo compositor
; seja ignorando a
plurissemanticidade constitutiva da obra de arte e pretendendo uma única
interpretação correta; seja pregando uma execução tão pessoal e original que se
sobreponha à obra, forçando
-
a a dizer o que ela não quer ou mais do que quer dizer,
como se fosse a pessoa do executante, o centro primeiro das atenções e a obra um
mero pretexto para sua expressão. (p. 23, grifo original)
Por se tratarem de peças
ligadas aos
sons da natureza, seria empobrecedor, e mesmo
inconcebível, deixar nossa imagi
nação de lado,
sobretudo considerando
a questão da
sinestesia
.
O termo
deriva do grego
syn
,
significando “união” ou “junção” e,
aisthánesthai
,
“sensação” ou “percepção” (o termo pode ser indicativo tanto do fenômeno, quanto da figura
de linguagem metafóric
a). Seria então uma percepção simultânea de planos sensoriais
diferentes, ou seja,
a sinestesia ocorre
quando “
a percepção de determinados estímulos é
acompanhada por particulares imagens próprias de outra modalidade sensitiva”.
98
Casos
muito comuns são as associações da visão com a audição, e vice
-
versa.
Apesar da existência da concepção de música absoluta, ou da arte pura, freq
ü
entemente
a música faz referência a uma variedade de objetos acústicos ou não
-
acústicos, ou estabelece
uma relação quase s
i
mbiótic
a com outras artes (como dança, cinema). Segundo Martinez
(2000):
A eficiência estética dessas artes multimidiáticas (...) está na apresentação e
processamento de signos complexos que endereçam os dois principais sentidos
humanos [audição e visão] e que po
ssibilitam uma riqueza de significação e de
interpretação inexistentes caso prescindissem da música.
Martinez conclui, após lembrar Peirce (que diz que a natureza de todo pensamento é um
signo, cujo propósito é ser interpretado e transformado em outro si
gno),
para quem
todo
pensamento é interpretação. Swanwick (2003) complementa dizendo que “a música não é
uma anomalia curiosa, separada do resto da vida (...), mas uma parte integral de nosso
processo cognitivo” (p. 22
-
23). As relações que fazemos em nosso
pensamento vão ser
condicionadas às nossas experiências e conhecimentos prévios.
A respeito das influências metafóricas dos títulos das peças (como acontece na peça em
estudo), Barbaresco (2006) aponta que eles têm “força representativa de ‘dizer’ algo à
obra,
sugerir, motivar, envolver estruturas que possibilitam sua interpretação”, tanto para o ouvinte
quanto para o executante. O título é um signo, que já tem seu próprio sentido como estrutura
lingüística, se ela é familiar ao indivíduo. Mas quando inte
ra
gindo
com
outros contextos, tal
como uma obra musical, estabelece um fluxo de significância, onde música e palavra podem
98
PANIZZA, Livio
.
A sinestesia na narrativa dannunziana
(sem data).
Http://www.filologia.org.br/viiicnlf/resumos/asinestesiananarrativa.htm
93
ser afetadas reciprocamente, reme
tendo
até mesmo a outros signos. Por isso, diz o autor, a
sensação de tristeza e dor na
Marcha Fúneb
re
de Chopin; não que ela seja triste
exclusivamente pelo título, mas, somente por ele, já tem potencial de
-
lo,
dado a força
semântica da palavra, quando o tradutor é o próprio intérprete.
Muitos outros autores discutiram a sinestesia, mas o
prolongamen
to
do
assunto foge ao
âmbito deste trabalho. Nossa intenção é apenas lembrar a sua importância, já que, como
coloca Swanwick
(2003),
quando fazemos metáforas (num processo amplo, não restringindo
somente à figura de linguagem), observamos mais atentamente
as semelhanças e
dessemelhanças em um discurso qualquer; assim podemos reconstruir nossas idéias e,
possivelmente, obter resultados de significância originais.
Sobre a relação do domínio
técnico
-
instrumental com a imaginação dos gestos expressivos compleme
nta: “A
transformação [que imaginamos] de notas em melodias [gestos musicais] vai depender de
graus de decisões de performance, envolvendo escolha de velocidade, peso sonoro,
acentuação e equilíbrio, entre [outros]” (p. 30).
Alguns compositores, foram extr
emamente sensíveis a aspectos extra
-
musicais,
como,
por exemplo, Debussy (colocava títulos sugestivos ao final dos
Prelúdios
)
,
Scriabin (via cores
em cada tonalidade) e Messiaen (“escuto as cores, vejo a música”
99
). Certamente Almeida
Prado, como mostra sua produção, também provoca e incentiva nossa imaginação, que mesmo
subjetiva e discutível, foi
e é
um dos combustíveis de nossa ação interpretativa.
3.1.1 – Bem
-
te
-
vi
“Jogos rítmicos entre pedais de ritmos diferentes sobrepostos. Atmosfera matinal,
trans
parente, onde o canto do Bem
-
te
-
vi pontua toda a peça.”
100
Figura
11
Bem
-
te
-
vi
tessitura das partes e posicionamento dos bancos
99
NAVARRO,
Daniel Pérez.
Escucho los colores, veo la música: sinestesias. El compositor sinestésico: Olivier
Messiaen
. Revista mensual de publicación en Internet Número 4
8
º
-
Enero
200
4
.
Http://www.filomusica.com/filo48/sinestesia.html
100
Almeida Prado no prefácio da
partitura editada pela Tonos International Darmstadt
.
94
Figura
12
Bem
-
te
-
vi (Fonte: http://www.crocantefotolog.com/archives/
2005/03/index.html)
Peça de caráter bastante etéreo, o Bem
-
te
-
vi canta em meio aos murmúrios da floresta e
de outros pássaros, de forma calma, serena, tal como a indicação do compositor na partitura
(Calmo, Sereno,
c
= 56). Lembra o frescor e
a
tranqüilid
ade de uma manhã,
a
“atmosfera
matinal”
a
que o compositor se refere. Contribuindo para
a
atmosfera difusa dos sons, não há
indicação de compasso e os elementos temáticos perpassam as barras de compasso
,
presentes
apenas para organizar a leitura, sem conseqüência para os acentos objetivos ou subjetivos das
barras de compasso.
101
Apesar de seu caráter calmo e aparentemente sem dificuldades “virtuosísticas”, a peça é
de extrema dificuldade camerística
, especialmente no que se refere
à precisão dos
momentos
de a
taque e ao colorido sonoro; desta forma ela se configura como
uma
excelente experiência
para a prática camerística. Em relação a outros problemas relacionados
a essa prática (citados
no Capítulo II, p. 42
-
84), a peça não apresenta maiores dificuldades:
os
dois pianistas não
iniciam a peça simultaneamente e
a razoável distância de registro entre as partes não exige
mudanças de dedilhado nem redistribuição das partes.
Para a obtenção de um bom resultado sonoro,
necessidade de uma distinção clara dos
plano
s sonoros e, com este propósito, identificamos
a presença
de quatro elementos temáticos
recorrentes
dois no
primo
e dois no
secondo
(designados por letras apenas para facilitar a
localização; nos exemplos abaixo),
cada qual com seus intervalos, registr
os, ritmos e cores
próprios.
101
Smither (1960) aponta três razões para a aplicação das barras de compasso, das quais uma diz respeito ao caso
em questão.
95
Exemplo
48
Almeida Prado
-
Bem
-
te
-
vi
, elemento
a
.
Exemplo
49
Almeida Prado
-
Bem
-
te
-
vi
, elementos
b
e
c.
Exemplo
50
Almeida Prado
-
B
em
-
te
-
vi
, elemento
d
.
Como
ostinatos,
os elementos
percorrem
toda a peça, apresentando variações quanto à
ordem de aparecimento e
ao
tamanho, tal como acontece na natureza. O elemento a
retrata o
canto do bem
-
te
-
vi,
merecendo, pois, certo
destaque em rela
ção aos demais, por diferenciação
dinâmica ou tipo de toque. Almeida Prado já havia retratado o canto do bem
-
te
-
vi no
Momento 20
(
4º Caderno, 1978
),
onde as alturas se repetem
(
diferente do que acontece nos
VI
Episódios de Animais
)
,
assim como
o ritmo cons
iderado característico
,
o grupamento
,
dentro de uma quiáltera de cinco:
Exemplo
51
Almeida Prado
-
Momento 20
,
Bem
-
te
-
vi
96
Os demais elementos sugerem a atmosfera calma e matinal indicada pelo compositor,
incluindo o diálogo c
om outros pássaros
,
através da utilização, por exemplo, de apojaturas
(visto nos compassos 4.4, 6.4, 8.4, 9.2, 13.3, 16.4 em crescendo cromático no
secondo
; 10.3,
13, 16.1
primo), usadas para retratar o canto de outros pássaros aprendizado absorvido
de
seu mestre O. Messiaen. A sensação de estaticidade harmônica é reforçada pela insistência
nos pólos Ré3 (apresentando variações rítmicas, como expansão e contração de sua duração),
no elemento
b
, e Dó#4, em
c
.
Levando em conta o caráter da peça e a imag
em sonora dos
elementos expostos,
optamos por
uma interpretação
com sonoridade
mais
etérea
e menos
concreta
, ou seja,
deixando
as notas se fundirem para criar a atmosfera difusa dos sons da
floresta. A falta de indicação de
fórmula de
compasso e a
natureza
amétrica
dos elementos
contribuem
para este tipo de interpretação. Para tanto
,
o toque
legato
pode ser utilizado com
freqüência, aliado ao amplo uso do pedal,
para aumentar
as ressonâncias.
A
peça
também
requer
fina
gradação dinâmica dos intérpretes, do
mf
a
pp,
com pedal
una corda
a gosto, e
tranqüilidade em relação à respiração e exposição dos elementos temáticos, evitando acentos
exagerados para não quebrar a atmosfera mencionada. É claro que uma interpretação que
ocasionalmente
de maior ou menor ênfase
a algum elemento (por exemplo, colocando o
elemento
b
num plano
mais evidente do que
c
, ou vice
-
versa), tal como observado na
interpretação dos irmãos Zamith, se for do gosto de ambos os intérpretes, também é válida.
Observamos, uma vez mais,
como
Almeida Prado mostra
sua
maestria na disposição dos
registros
,
para obtenção
de um
bom equilíbrio
sonoro
.
Sabemos
que, na maioria dos pianos, o
registro grave soa mais que o agudo. No entanto, o compositor teve o cuidado
,
ao
usar os
blocos de 9ª (
d
) no
extremo g
rave (que ascendem por graus conjuntos durante a peça),
de
indicar
que fossem
executados em dinâmica pp, jamais camuflando o canto do bem
-
te
-
vi. Para
tanto, escolhemos ataques “pousados”, não agressivos, para
aqueles
blocos
,
ou seja,
ataques
realizados com
pouca velocidade e
à
pequena
distância
do teclado
, para evitar que
obscureçam
os demais elementos ou que se rompa a atmosfera criada.
Como
já referido
, vários dos elementos temáticos perpassam as barras de compasso e
assim deslocam os acentos, acarretand
o perda da sensação métrica. Além disso, cada
elemento tem seu ritmo característico, tornando
mais complexas
as
tentativa
s
de contagem
dos tempos
em conjunto e
a execução dos
ataques nos
momentos
precisos
.
Tendo em vista a
dificuldade especial da peça em relação à contagem dos tempos em conjunto, optamos,
apenas
em
caráter de estudo
, por fazer
sua
leitura com o uso do metrônomo,
passando
o
fardo
para
a
máquina. Outra possibilidade de resolução
desse
problema é, como já
mencionado
(Capítulo
97
II, tópico “sincr
onismo”),
o treino retirando uma ou duas mãos dos intérpretes, fazendo todas
as combinações possíveis entre as partes. Cada
uma delas
precisa estar bem estudada,
especialmente quanto ao momento de ataque dos elementos. Neste sentido
,
é válido ressaltar
que
: o canto do bem
-
te
-
vi só entra quando a nota Ré3 de
c
e/ou a nota Dó#4 de
b
estiverem
soando; o elemento
c
só começa após o canto do bem
-
te
-
vi,
excetuando
-
se no
início da peça e
no
compasso 7.
Em relação ao andamento, acreditamos que pode haver alguma li
berdade de escolha,
desde que se tenha em mente o canto do bem
-
te
-
vi,
cujo
andamento
é
tranqüilo,
razão pela
qual
não é
aconselhável
um
tempo mais rápido que o indicado na partitura. Quanto à escolha
das partes, observamos
que
a peça apresenta intervalos d
e 9ª no
secondo
,
o
que pode vir a ser
o critério apontado por Bretas
-
Kevorkian e Sara Cohen nas entrevistas,
para a escolha das
partes: o tamanho das mãos.
A interpretação do duo formad
o
pelos irmãos Alexandre e Maurício Zamith parece
seguir a mesma aqui
exposta: caráter etéreo, andamento semelhante
ao nosso,
boa distinção
dos planos sonoros e alguns efeitos (
nem
sempre) de eco, no elemento a.
3.1.2 – Marimbondos
“Jogos rítmicos entre valores irracionais (quiálteras) e um espesso tecido sonoro
cromático
. Atmosfera imitativa desses insetos
.
102
Figura
13
Marimbondos (Fontes: http://olhares.aeiou.pt/marimbondos/foto67783.html;
http://www.imagem.fot.br/imagens/marimbondo.jpg)
102
Opus cit. p.
93
98
Figura
14
Marimbondos
T
essitura das partes e posicionamento dos bancos
Estar perto de um enxame de marimbondos sempre gera uma atmosfera de tensão para
qualquer indivíduo. Almeida Prado nos transmite essa sensação com o total cromático, figuras
rápidas em desenhos repetitivos (
como
ostinatos
), vários deles em progressões de graus
conjuntos
que
,
aliados ao amplo uso
de
polirritmia e de trinados, resultam em uma
aglomeração sonora sugestiva do zunido do inseto.
Segundo o Dicionário Aurélio (1ª edição), a expressão “Solar”, indica
da pelo
compositor, quer dizer “claro; vibrante”, remetendo
-
nos
a uma interpretação com brilho, que
pode ser atingid
o
através d
e
andamento vivo, contrastes de toque e/ou dinâmica; e o
complemento “envolvente” aponta para aquilo
“que prende; atrai, encanta;
atraente, sedutor”.
Qual
elemento poderia trazer tal envolvimento? Pela expressão “espesso tecido sonoro” (nas
palavras que precedem as partituras), podemos constatar que
seja
a textura
resultado da
interação dos diferentes elementos e da acumulação son
ora, e não alguma melodia em
particular
o
fator relevante na estruturação da peça e determinante de seu interesse singular.
Para privilegiar este aspecto, procuramos tocar as quiálteras de maneira fluente, sem acentos
métricos aparentes ou mesmo
excessiv
a
clareza de articulação
das
notas, assim deixando
revelar
-
se uma aglomeração sonora de alturas não definidas: o ruído alusivo
ao
zunido do
inseto.
O
recorte dos principais elementos recorrentes
da peça foi necessário para
nos ajudar a
fazer
uma melhor ide
ntificação dos planos sonoros.
Observamos que
cada elemento tem seu
grupo quialtérico específico (no caso do elemento a
, dois grupos quialtéricos), configurando
os “jogos rítmicos” a que o compositor se refere. A sobreposição
de grupos rítmicos distintos
e
m graus conjuntos contribui para a geração do zunido:
99
Exemplo
52
Almeida Prado
-
Marimbondos
, compassos 3
-
5
A dinâmica, nesta peça,
propõe
algumas questões muito pertinentes à prática
camerística do piano a quatro mãos, po
ssibilitando diferentes caminhos interpretativos.
V
erificamos que, por exemplo, no princípio da peça (compasso 1) as partes estão
colocadas
no registro médio
;
à
medida que nos aproximamos do compasso 11, o primo
vai caminhando
para o registro agudo, enquan
to o
secondo
alterna registros até atingir o grave, no final dessa
passagem.
Se ambos os intérpretes mantiverem a mesma intensidade, no decorrer da passagem dos
compassos 1
-
11, teremos uma sensação de
crescendo,
em que
o
secondo
(devido à
proeminência do r
egistro grave) se sobressai; se o
primo
aumentar a intensidade, ficará mais
equilibrado com o parceiro,
e
a sensação de crescendo será, obviamente, maior. Mas se os
100
intérpretes almejarem manter a mesma dinâmica total, o
secondo
terá
que
suavizar a
intensid
ade para manter o equilíbrio.
Do mesmo modo, a introdução de um novo elemento, no primo
(
Exemplo
53
) durante a
porção final da peça (compassos 29
-
38), com maior quantidade de notas, faz com que a
sensação de aceler
ação
103
aumente, a textura se adense,
e a dinâmica, conseq
ü
entemente, se
intensifique. Todas as opções são, a nosso ver, válidas. Verificamos, por exemplo, que na
interpretação do duo Zamith, a dinâmica se mantém mais homogênea, se comparada à nossa
,
o que
p
ode gerar certa monotonia,
até
desejada
,
por corres
ponder
a um dos efeitos que o
zunido do inseto pode despertar. Em compensação, perde
-
se um pouco de brilho, que é
sugerido pelas indicações expressivas “Solar, envolvente”; também concebemos o zunido dos
m
arimbondos como algo que gera tensão, que pode aumentar ou diminuir de intensidade
,
à
medida que o percebemos de mais ou menos perto, justificando os contrastes dinâmicos.
Exemplo
53
Almeida Prado
-
Marimbondos
, compasso 34,
primo
.
A constante permutação dos elementos entre as partes é uma d
as
evidências da
equivalência de importância das mesmas e da extrema qualidade camerística com a qual
Almeida Prado escreve para a formação
(
Exemplo
54
ilustra o elemento
a
tocado pelas duas
partes, em diferentes momentos
). Para uma melhor organicidade sonora, é importante a
escolha dos mesmos movimentos pianísticos em passagens técnicas que se assemelham.
Visando a atingir a mencionada atmosfera
-
“Solar, envolvente”
-,
privilegiamos, de maneira
geral, menos a articulação digital e mais os movimentos circulares de pulso, usando o mínimo
de distância do teclado. Como possíveis contrastes (para dar mais brilho), podemos usar
um
pouco mais de articulação nos elementos do extremo agudo, como no do
Exemplo
53.
103
Ao discorrer sobre os exercícios
II.33 e III.14 da
Cartilha Rítmica
, Cohen & Gandelman (2006) dizem que:
“a aceleração resulta da utilização de durações cada vez menores no nível inferior da estrutura métrica, com
emprego abundante de grupos quialtéricos” (p. 29).
101
Exemplo
54
Almeida Prado
Marimbondos
. Compasso 1
-
elemento
a
no
primo
) e 29 (secondo
).
tocado
pelo
primo
e
secondo
, respect
ivamente
Como se trata de uma peça em andamento rápido com notas de valores muito curtos, a
dificuldade de sincronismo (típica) proveniente da polirritmia fica amenizada, se comparada
à
do
Bem
-
te
-
vi
. Neste sentido
,
cabe observar que,
nos elementos
b
e
c
,
entre toda a
“aglomeração” quialtérica, o compositor escreve notas com maior duração ou com marcação
de acento
,
que ficam ao encargo apenas da mão esquerda
.
Essas
notas, feitas no decorrer da
obra
,
primeiramente pelo secondo
,
e depois pelo
primo
, podem rec
eber algum destaque, com
um
tipo de toque diferenciado, principalmente durante os ensaios, desde que sempre de
maneira discreta, sem exagero nos acentos, com exceção, logicamente, dos indicados pelo
compositor,
que
ajudam na execução sincrônica das partes.
Esses destaques específicos
confirmam a afirmação de Ferguson (1981) de que
,
quando tocamos em duo
,
devemos, em
geral, pensar mais em nossa mão esquerda (no elemento a
, não verificamos tal necessidade).
Em algumas passagens, a proximidade das partes
primo
e
secondo
pode gerar choques e,
conseqüentemente, o já mencionado desconforto na execução (mesmo que mínimo nesta
peça).
S
eguimos,
pois,
a orientação geral de Ferguson (1981)
104
para a prática de piano a
quatro mãos, que é privilegiar o uso do 4º e 5º dedos
na zona de colisão
,
como nos compassos
2 – 3
,
tal como anotado no exemplo a seguir.
C
oincidentemente,
trata
-
se de
um dedilhado que
funcionaria bem mesmo sem o problema do choque. Dada a topografia do teclado
,
n
esta
passagem
do
secondo
em que a mão direita
só toca em notas brancas (enquanto o
primo faz
uso de algumas notas pretas), optamos por ficar
o
secondo
com o antebraço por baixo do
primo
, tocando na extremidade
exterior
das teclas (notação ‘F’, significando
por fora
),
enquanto o
último
toca na extremidade
interior
(notação D, significando
por dentro
):
104
Ver Capítulo II,
p.76
-
78
102
Exemplo
55
Almeida Prado
-
Marimbondos, compassos 2
-
3
A seção central (compassos 12
-
28) apresenta novidades, das quais a mais marcante é a
introdução dos trilos. O vôo do ma
rimbondo, que anteriormente (1
-
11) não tinha muitas
perturbações, começa então a sofrer modificações, estabelecendo contrastes interessantes para
a peça. Devido à sensação de estaticidade provocada pelos trilos
(permanência em uma
mesma faixa de alturas),
a passagem dos compassos 15
20.1, por exemplo, sugere que os
insetos estejam, aos poucos, pairando no ar para uma nova agitação
,
nos compassos 20
-
28.1
(onde os elementos voltam a ter maior movimentação)
. Assim como analisado por Pelusch
(2004),
no seu es
tudo da
Centopéia do Seis Novos Episódios de Animais
, observamos que “os
trilos não funcionam como um ornamento, mas sim como um fundo transparente”
105
, que
enriquece as ressonâncias dos demais elementos, contribuindo para o “ruído”.
Exemplo
56
Almeida Prado
-
Marimbondos
, compassos 19
21
105
“the trills do not function as an ornament, but rather as a transparent background” (p. 20).
103
O pedal, de forma geral, pode ser usado generosamente, como habitual nas peças de
Almeida Prado. Convém lembrar que a indicação “Sem pedal” do compasso 24 vale para toda
a passagem até o com
passo 28, já
que o silêncio das pausas pode retratar melhor os momentos
de interrupção ou diminuição do zunido (o secondo mantém a ressonância com os acordes), e
criar
maior contraste com o trecho que virá na seqüência.
Exemplo
57
Almeida Prado
-
Marimbondos
, compassos 25
-
28
As interrupções abruptas do zunido
,
nos
compasso
s
11, 24,
26,
38
-
39 e nos dois
últimos,
sugerem que o marimbondo tenha sofrido um golpe, ou se chocado contra uma
parede de vidro, ou mesmo pousado em alg
um lugar (a imaginação,
aqui,
fica livre para o
intérprete e para o ouvinte
).
O corte mais abrupto de toda a peça ocorre no compasso 38,
antecedido pelo movimento ascendente (34 35) e a insistência nas notas Sib e Láb (35
38),
que acumulam a tensão do
zunido,
razão porque consideramos
o trecho
como o
mais forte da
peça. Momentos de hesitação do zunido no compasso 40 levam ao completo repouso dos
104
insetos (41
42). Seria um
golpe
fulminante ou um mero descanso? A obra novamente
suscita nossa imaginação.
Exemplo
58
Almeida Prado
-
Marimbondos
, compassos 38
-
42
3.1.3 –
Guaiamú
(Caranguejo)
“Jogos rítmicos à maneira de caranguejo. Atmosfera seca, rude, bizarra.”
106
Figura
15
Guaiamu (Fontes: http://
pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Cardisoma_guanhumi.jpg;
http://www.jansochor.com/reportaze
-
fotografie
-
2004/Barevna
-
Brazilie.html)
106
Opus cit. p.
93
105
Figura
16
Guaiamú
tessitura das partes e posicionamento dos bancos
Esta peça
, diferentemente
das
demais,
faz
referência a um animal que não emite som. O
autor parece sugerir a maneira de andar do
caranguejo
jogos rítmicos à maneira de
caranguejo”
-
(que raramente fica parado), seus trejeitos e a aspereza e dureza do seu físico
(
carapaça
). Apesar d
o título no singular, Almeida Prado nos informou (em comunicação
informal) que, na verdade, dois caranguejos estão sendo retratados. Eles dialogam com
movimentos em direções freq
ü
entemente contrárias, o que o autor chamou de “ritmos ao
contrário”. Existem
momentos de agressividade
no decorrer
da peça que, possivelmente, nos
remetem às grandes e perigosas garras do animal. Os ritmos assimétricos,
os bruscos
contrastes agógicos
e dinâmicos, o uso recorrente dos mesmos intervalos (em geral 4ª justa
harmônica e acordes quartais) e as progressões em graus conjuntos são as matérias primas da
construção da peça.
Uma das primeiras
interrogações que formulamos foi a respeito de quais qualidades
musicais poderiam ser relacionadas às expressões
“Rude, bizarro”, indica
d
as
pelo autor.
Almeida Prado freq
ü
entemente faz referências
a palavras cuja versão para a música é
problemática
;
elas são colocadas
, provavelmente,
para despertar a imaginação e a postura
interpretativa do músico. A primeira palavra parece apontar para um
animal grosseiro,
agressivo, e a segunda para a “estranheza” do mesmo. Podemos dizer que buscamos,
portanto,
uma interpretação menos “refinada”, se comparada às peças anteriores do ciclo, usando mais
velocidade e ímpeto nos ataques e contrastes dinâmicos
mais bruscos, para tentar gerar a
sonoridade mais “rude”,
que, por sua qualidade, aliada às características composicionais da
peça (superposição de intervalos de 2ªmenor ou maior, 4ªaumentada, 7ª e 9ª menor ou maior),
também provoque
a
sensação de dureza e bizarrice em quem
a
toca e ouve.
Se o desconforto era pequeno nas outras peças, nesta, ele é quase inexistente, visto que
as duas partes freqüentemente são tocadas alternadamente. Logo, é apresentado um fantástico
diálogo entre as partes no qual uma comum
ente responde à outra com elemento diferente
do
anterior
quanto a
ritmo, direção de movimento, registro, dinâmica e nuance
de
agógica
,
criando os coloridos contrastes da peça
,
que marcam seu interesse peculiar. Extrema atenção
106
deve
ser dada às indicações d
e dinâmica, já que em apenas três páginas de música, são
apresentados as mais variadas gradações, de
pp
a
ff
, modificadas em praticamente cada
compasso. É preciso lembrar também que
o
secondo
está comumente concentrado no registro
grave, mais sonoro, alter
nando com
primo
, no agudo. Assim sendo,
é
preciso cuidado para
que as indicações dos respectivos
fortes
e
pianos
não
sejam
discrepantes entre as partes; o
secondo controla seus fortes, enquanto o primo encorpa sua sonoridade.
Contudo, à primeira vista, ess
e diálogo contrastante
pode soar
um tanto desconexo
;
umas das dificuldades que a peça impõe é a obtenção da continuidade. É importante que haja,
durante toda a sua execução, fluência e entrosamento na respiração dos intérpretes, bem como
acabamento apropriado das frases, tanto gestual quanto sonoro, para que um elemento “saia”
de dentro do outro, sem que haja interrupção do discurso musical,
mas respeitados
os
eventuais contrastes súbitos. Lembramos as palavras de Ronal
Xavier: “determinados gestos
que você
faz, que dão a entender para
o parceiro,
por exemplo, um arpejo, que dá a entender
ao outro o momento exato de tocar a última nota daquele arpejo. Se você está muito estático,
às vezes não transmite essa noção”. Vejamos, como exemplo, os primeiros element
os
expostos (
Exemplo
59
). O
primo
deve realizar bom acabamento de seu primeiro elemento
(elemento
a compasso 1
), em
piano
, para que o
secondo
comece, na mesma dinâmica, suas
semicolcheias ascendentes (elemento bcompasso 2), em registros contrastantes
. Esta subida
do secondo
deve ser direcionada,
em
crescendo
, para as colcheias seguintes do
primo
, como
se ele próprio as fosse
tocar.
Exemplo
59
Almeida Prado
Guaiamu, compassos 1
-
3
As progressões em graus conjuntos
com
intervalos de
e 4ª justas harmônic
a
s,
como
no
Exemplo
59
, vão se alternar, durante a peça,
com
acordes quartais (como em algumas
107
passagens, tanto ascendentes quanto descend
entes,
em graus conjuntos,
do elemento
b
), o que
retrata bem o fato do caranguejo ser incapaz de saltar
ele só pode se locomover passo a
passo
, para frente ou para trás (o andar para trás, aliás, é característico do animal)
. Muito da
variedade é, portant
o, atingida através dos “jogos rítmicos” entre as partes do
primo
e
secondo,
a
que o compositor se refere,
com
a mescla de fórmulas de compasso de maneira
pouco
usual (
por
exemplo: 3/4+3/16+3/4, seguido de 5/16 e 1/4)
107
, mostrando as repentinas
oscilações d
a locomoção do animal
108
, possíveis pelas características das articulações de suas
patas, que lhe permite
m
rápido arranque. Novamente, nosso imaginário deve ser acionado
para que possamos transmitir satisfatoriamente ao ouvinte, todas essas mudanças de
veloc
idade no movimento do animal, várias delas referidas pelo compositor: “hesitando,
acel
.,
rall
., a tempo, súbito”. Eis aqui, novamente, a dificuldade d
e
continuidade, ou seja, as
nuances agógicas devem ser sentidas por ambos os músicos, para que um comece s
uas frases
sempre tendo em vista o que foi comunicado anteriormente pelo outro. O andamento indicado
(
c=72) é moderadamente rápido
e
, em vista
de
tantas alterações temporais, nos serviu apenas
para sugerir o tempo do andar do animal.
Apesar de o guaiamú vi
ver próximo a manguezais, Almeida Prado nos disse que,
quando compôs a peça, tinha em mente uma região próxima ao mar, possivelmente uma areia
de praia, por exemplo, o que estaria mais condizente com a “atmosfera seca”
indicada.
As
ressonâncias estão, pois
, em segundo plano, contrastando com o restante das peças
do
conjunto; fizemos, por isso, o uso de pouco e, em algumas passagens, nenhum pedal. O legato
pôde ser atingido passando um dedo sobre o outro nas progressões em 4ª
s
, usando
o
movimento de rotação
109
dos mesmos. Verificamos que
a
atmosfera
da
peça
sugere aos
pianistas concebê
-
la
dentro da
Zona de Não
-
Ressonância,
explicada pelo
compositor
como
a
proveniente do uso racional de acordes, “ou de elementos melódicos, simples, ou polifônicos,
os quais resul
tam em pouca ou mínima ressonância, criando uma necessária zona de
opacidade, neutralidade, elemento também vital de contraste com os outros” (Prado, 1985, p.
566), acrescentando que essa zona é encontrada
em
Marte de
Cartas
Celestes
I
.
O elemento do compa
sso 20 (previamente exposto em 11 e 13)
110
promove
a sensação
de aceleração repentina do andar do caranguejo, confirmada pela indicação
acel...
do
107
Notamos um pequeno erro na partitura. No compasso 4, falta
uma
pausa de
semínima
na parte do
primo
.
108
“[na Cart
ilha Rítmica], mudanças bruscas de velocidade são operacionalizadas pela alternância de figuras
longas e curtas, seja no emprego em seções inteiras (...), seja na alteração das unidades de tempo e de compasso
(...), ou somente da unidade de tempo” (Cohen &
Gandelman, 2006, p. 29).
109
“[Aquele em que o membro] gira em torno de si mesmo, de seu eixo longitudinal, lembrando o ato de
aparafusar” (Senise, 1992, p. 44)
110
Há um pequeno erro no compasso 11.3, voz superior: notas deveriam ser Ré#5 e Dó#5 no lugar de
Ré# e Ré#.
108
compositor
,
além de parecer retratar a tensão da preparação do bote do animal, pelo uso das
apojaturas em figur
as repetidas e insistentes. Novamente é preciso atenção para a indicação
“sem crescer”, diferente das passagens análogas, para que o crescendo aconteça somente na
vigorosa passagem final da peça.
3.1.4 –
Libélula
“Jogos rítmicos entre valores simples e compostos. Atmosfera aquática, cheia de
ondulações e matizes rosa e azul
-
esverdeado.”
111
Figura
17
Libélula (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Dragon_fly_.jpg)
Figura
18
Libélula
tessitur
a das partes e posicionamento dos bancos
Inseto chamado pelos franceses de
Demoiselle
(senhorita), a Libélula parece ser a peça
mais “feminina” do ciclo. O compositor nos traz a imagem sonora de seus vôos, ora calmo,
ora irrequieto, por sobre a água levem
ente ondulante. A alusão às “matizes rosa e azul
-
esverdeado” reforçam aquela nossa menção prévia sobre o quanto Almeida Prado é um
compositor “sinestésico”, explorador do colorido sonoro e instigador do nosso imaginário
recordamos seu mestre Messiaen, qu
e dizia que “escutava” cores e “via” a música. A
propósito, a coloração do corpo da libélula varia muito ao longo de sua vida, passando por
diversos matizes azul, amarelo e vermelho. A indicação “Leve” nos remete a um inseto que
voa com facilidade, ligeire
za, leveza, ou seja,
os
intérpret
es
dev
em
ter fraseio e toque
111
Opus cit. p.
93
109
fluentes; já “transparente”, além de lembrar a transparência das suas asas, sugere uma textura
mais límpida (tal como seu habitat), bem menos densa que o vôo dos marimbondos, por
exemplo; aliás,
a simples presença da libélula em um rio ou lago é indicação de que a água
está limpa.
112
A peça apresenta dois elementos principais:
Exemplo
60
Almeida Prado
Libélula, compasso 1
-
2,
secondo
(elemento
a)
O primeiro, element
o a,
se
apresenta
em
compasso simples, dividido em figuras de
semínimas, numa seqüência atonal. A indicação “Sonoro!” é reforçada pela dinâmica forte e
acentos (>) sobre cada nota. Ainda não encontramos relação direta entre esse elemento e
um
outro, de nat
ureza extra
-
musical, deixando a imaginação ao encargo do leitor. Cremos que sua
principal função seja
a de
introduzir o colorido sonoro resultante da grande ressonância e dos
harmônicos que serv
irão
de fundo para
a
entrada do elemento seguinte. A notação d
e
staccato
claramente não faz referência ao encurtamento do som (o pedal está indicado como inteiro
para todo o elemento), mas ao tipo de toque mais solto e imponente, lembrando
-
nos
o ato de
bater num gongo.
Exemplo
61
Almeida
Prado
Libélula, compasso 3
-
4,
primo
(elemento
b)
112
Informações sobre o inseto foram extraídas de: SZPILMAN, Marcelo.
Fauna Brasileira Ameaçada de
Extinção
Libélula
. Matéria publicada em 1997. Disponível em
http://www.institutoaqualung.com.br/info_l
ibelula18.html, data de acesso 09 mai, 2007.
110
O segundo, elemento
b,
é
escrito em compasso composto, articulado em células de três
colcheias, no padrão: nota isolada
-
intervalo harmônico (variando de quartas até sextas)
-
nota
isolada, fazendo freqüe
nte uso de intervalos de 2ª melódicas (entre a primeira nota e
a
segunda
(inferior),
de cada célula, ou entre a primeira e a última). A seqüência formada pelas
notas dos baixos de cada célula é semelhante a do elemento anterior (por exemplo, notas Mi,
Fá#,
Dó#), mas Almeida Prado sempre introduz variantes que
impedem
uma padronização.
Sentimos, no elemento
b, o leve ondular da água e, talvez, um vôo calmo e sereno, planando
sobre a água. Lembramos que a libélula tem total domínio de vôo e, ao contrário da m
aioria
dos insetos alados, é capaz de planar; suas asas oscilam com curta amplitude durante o vôo:
enquanto a abelha e o mosquito vibram suas asas, respectivamente, 4 e 8 vezes por segundo, a
libélula bate suas asas 50 vezes por segundo. Quando perguntado sobre as cores, o compositor
(em comunicação informal) não fez referência ao “azul
-
esverdeado”, preferindo que sua
significância ficasse a critério do intérprete. Entretanto, afirmou que o “rosa” certamente faz
alusão ao elemento
b
; a transparência do regi
stro agudo e da textura confirma a afirmação. A
dinâmica em pianíssimo
e
a
atmosfera suave contrastam acentuadamente com o
f
dos dois
compassos
anteriores e posteriores, exigindo extrema delicadeza no toque.
Os dois elementos se alternam e vão se expandin
do de maneira semelhante
ambos de
7, para 10 e 15 tempos:
a,
respectivamente nos compassos 1
-
2; 5
-
6 e 9
-
10; e
b
,
respectivamente nos compassos 3
-
4; 7
-
8 e 10
-
11 (desconsiderando
-
se a pausa de semínima
pontuada no 1º tempo do compasso 10)
-
, até a anacruse
de
a,
no compasso 11,
onde os dois
elementos começam a se superpor e se contraem, passando de 15 para 13 tempos (compassos
12
-
14 e, em seguida, compassos 15
-
16)
. Os “jogos rítmicos”, dilatação, alternância, contração
e superposição não chegam a causar problemas quanto ao sincronismo, e muito menos quanto
ao desconforto (novamente mostrando o quanto o compositor escreve com propriedade para a
formação). O elemento
a
passa a apresentar variações rítmicas, como ataques no contratempo
(
Exemplo
62) e figurações de semicolcheias descendentes (
Exemplo
63
)
113
. Como notado,
a
fica em
ligeiro relevo dinâmico em relação
a
b
, que é facilitado naturalmente pelo maior
volume dos registros
mais graves
mais uma das demonstrações do domínio de Almeida
Prado na escrita equilibrada para a formação.
113
No compasso 15, no
secondo
, falta uma pausa inicial de mínima pontuada.
111
Exemplo
62
Almeida Prado
Libélula, compasso 12
Exemplo
63
Almeida Prado
Libélula
,
compasso 15.
Esse jogo rítmico
produz
a sensação
de aumento progressivo
do movimento, sugerindo
a intensificação da
velocidade do vôo do inseto, até chegar ao seu ápice, no trecho
entre os
compassos 17 e 26.
Exemplo
64
Almei
da Prado
Libélula, compassos 17.1
-
17.2
112
A aceleração
do
movimento é
gerada
pelos grupos quialtéricos de fusas, que nos remete
ao vôo irrequieto da libélula, cada vez mais incessante, dando rasantes na água. O movimento
ascendente
-
descendente, contrário entre as partes, nos lembra o fato da libélula ter domínio de
vôo suficiente para subir e descer como um helicóptero (Szpilman, 1997). Observamos que a
topografia do piano também é fator relevante na escrita de Almeida Prado, já que ele dispõe,
neste trecho
(17
-
26), uma das mãos predominantemente sobre notas pretas, e a outra nas
brancas. É necessário atenção a
os
acentos que marcam a progressão descendente por graus
conjuntos, como também à
indicação
pp
no compasso 17, para que seja possível crescer
“pouco a
pouco”, até o ponto culminante da peça (
fff
, comp. 25
-
26). Nesse sentido,
a
recomendação de Sonia Vieira para a prática a quatro mãos, de crescer uma das mãos de cada
vez, pode ser “parcialmente” aplicad
a
, ou seja, crescendo apenas uma das partes (
primo
e
secondo) de cada vez, deixando os fortes no registro grave para a porção final.
Na página final da peça, pela primeira vez, os elementos são trocados pelas partes
(compasso 27, a
no
primo, b
no
secondo
), provendo um novo matiz de cor. A libélula volta a
se
u vôo mais calmo, traduzido pela estaticidade dos trêmolos, em
piano, no
primo
, e pelo
gradual movimento descendente do secondo para o extremo grave. Os trêmolos não precisam
ser
“monocromáticos”; para maior colorido, os intérpretes podem aplicar pequenas
nuances
de toque, de dinâmica, e até mesmo de agógica. Os acordes finais (31
-
33) são derivados dos
tremolos, sugerindo o pouso final da libélula na água ondulante.
3.1.5 –
Boicininga
(Cascavel)
“Jogos rítmicos entre uma figura rítmica de colcheia e um grupo de fusas que cresce a
cada aparição. Atmosfera terrível, onde o medo e o espanto predominam, pontuados
pelo chocalho irritante da cobra”.
114
Figura
19
Boicininga
tessitura das partes e posicionamento dos bancos
114
Opus cit. p.
93
.
113
Figura
20
Boicininga (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Crotale_diamantin_40.JPG)
“Terrível, sinistro”, são descrições fiéis à cascavel (também conhecida como boicininga
no Brasil) uma vez que se trata de uma das serpentes mai
s venenosas
de
nosso país. Nesta
peça, Almeida Prado realiza a imagem sonora do animal considerando diversos aspectos
,
desde a
atmosfera apavorante, assustadora e perigosa, criada, inclusive, pela lembrança de seu
físico hediondo, seu movimento, sinuoso e
rastejante
,
até sua emissão sonora
o vibrar do
chocalho. Os sustos provocados pela cobra são
causados,
na música, principalmente
pelas
bruscas mudanças no ritmo, dinâmica e registro. A tessitura, aliás, diferencia a peça das
demais por abranger, exclusiv
amente, o registro médio
e
grave (como mostra a
Figura
19
),
produzindo
na peça, um clima mais sombrio. Vale lembrar que a topografia do teclado é fator
relevante na construção de alguns elementos, fazendo com que s
e suceda
m
, ou superponha
m
,
freqüentes intervalos de 2ª, geradores de grande dissonância.
A peça é construída, essencialmente, sobre elementos com figuras de fusas e colcheias.
Vejamos os principais:
Exemplo
65
Almeida Prado
Boicininga, compasso 1,
secondo
(elemento
a)
O elemento
a abre a peça de maneira rascante e imponente, introduzindo a “atmosfera
terrível” e amedrontadora, por meio de intervalos dissonantes, reforçada pelo registro grave
114
(logo, sempre tocado pelo secondo
), dinâmica forte
e em andamento
c
= 84.
Há apenas uma
reincidência deste elemento, que ocorre no compasso 14. Os intérpretes devem ter a intenção
de chamar a atenção do ouvinte, ou até mesmo de assustá
-
lo.
Exemplo
66
Almeida Prado
Boicininga
, compassos 2
-
3
,
secondo
(elemento
b)
Almeida Prado afirmou (em comunicação informal) que um dos principais
componentes da
Boicininga
são as “melodias em zigue
-
zague”,
serpeantes,
que aludem
ao
rastejar sinuoso da serpente. Ele estava se referindo ao elemento
b
, caracte
rizado pelas
seqüências de colcheias em graus conjuntos (um dos recursos utilizados pelo compositor para
retratar um movimento desprovido de saltos, tal como o
Guaiamú
), em
intensidade p ou pp
.
Em movimento ascendente, alternam
-
se
notas pretas e brancas, dispostas sem padronização
aparente,
em cujo curso, após um número, também sem padronização aparente, de 2ªs, ocorre
um desvio de 2ª descendente, em seguida sendo retomado o movimento ascendente. Pequenas
seqüências de 2ªs descendentes podem seguir ou antec
ipar o movimento ascendente.
A
constância no movimento de
b
é quebrada pelo freqüente acompanhamento de ritmos
assincrônicos, sugerindo os eventuais “espantos” a que o autor se refere. Acúmulo de
ressonâncias através do uso do pedal pode reforçar a atmosfe
ra de suspense. O
Exemplo
67
ilustra bem a simultaneidade de processos (“jogos rítmicos”): direção de “zigue
-
zague”
(subindo e descendo alturas no
primo
); polimetria, notada pelos diferentes grupamentos sob
ligadur
as (M.E. do
primo
); assincronia, produzida pelo ostinato sincopados da M.D. do
secondo
; construção topográfica (notas pretas e brancas nas respectivas M.E. e M.D. do
secondo
):
115
Exemplo
67
Almeida Prado
Boicininga
, compassos 9
-
10
O elemento
c
é constituído por aquele “grupo de fusas que cresce a cada aparição”,
descrito por Prado; seu acentuado contraste com b configura
um dos interesses singulares da
peça,
nos remetendo à aceleração repentina no movimento da cobra. Ele é em g
eral tocado
pelo
secondo
, em direção ascendente; na passagem final (42
-
47)
;
entretanto, quando
no
primo,
sua direção é
descendente. A adição progressiva no número de articulações e vozes
de 4, 5, 6, 7, 8, 10, 10 e 15 notas (os dois últimos grupos diferen
ciado
-
se por apresentar duas
vozes simultâneas), respectivamente nos compassos 4, 8, 11, 21, 25, 27, 33 e 35
, é
acompanhada pela intensificação sonora e elevação de registros, exigindo fina gradação
dinâmica dos intérpretes. De certa forma, o elemento
b
acompanha esse crescimento “a cada
aparição”, já que ele expande sua duração, progressivamente, entre os compassos
5 e 20.
Exemplo
68
Almeida Prado
Boicininga, compasso 11,
secondo
(elemento
c)
A cascavel é diferenciada das outras cobras por possuir um chocalho em sua cauda; ele
produz um som “irritante”, usado pelo animal em momentos de perigo, para assustar e afastar
possíveis predadores
um bom aviso para “andarilhos” descuidados. Ele é traduzido, nesta
obra, por trêmolo
s vigorosos no
primo
(elemento
d
,
Exemplo
69
), alternando dois
clusters
sonoros
respectivamente em
notas pretas e brancas (novamente o critério da topografia do
teclado foi empregado na construção), que sobem a cad
a exposição. Mudanças na velocidade
da alternância das mãos nos trêmolos podem ser utilizadas para complementar os eventuais
decrescendos dinâmicos grafados, tal como feito pelos irmãos Zamith. A propósito, supomos
116
que a vibração do chocalho do animal não se inicie, de imediato, em sua velocidade máxima,
mas
se
acelera muito rapidamente.
Exemplo
69
Almeida Prado
Boicininga, compasso 12
-
13,
primo
(elemento
d)
A seção que tem a indicação “Agressivo!” corresponde ao clímax da p
eça (que pode ser
localizado
nos compassos 30
-
36).
Nela é
introduz
ido
um novo elemento (
e
), caracterizado por
diferentes grupamentos de dois
clusters
simultâneos
com quatro e
cinco notas, em colcheia,
com ataques arpejados invertidos (“áspero”), sobre nota
s pretas e brancas
115
, respectivamente.
A passagem sugere o momento de ataque a uma presa, ou algum outro tipo de
perigo
semelhante.
Exemplo
70
Almeida Prado
Boicininga, compasso 34,
primo
(elemento
e)
O sincronismo ou a preo
cupação quanto aos momentos precisos de ataque não chegam
a
ser problemas graves; as seqüências de elementos com caráter distintos (como b
-
c
;
c
-
d
;
c
-
e
),
podem,
porém,
gerar dificuldades
na
obtenção da sensação de continuidade, uma vez que, ao
mesmo tempo,
não podemos ofuscar os contrastes. Nesse sentido, lembramos dos cuidados
mencionados para o
Guaiamú
. A unicidade da sensação dinâmico
-
temporal dos dois músicos
irá revelar mais claramente o discurso musical global da peça: elementos que começam com
menos a
rticulações, no registro grave; aumentam progressivamente, expandindo
-
se, ao
mesmo
tempo em
que intensificam a dinâmica e sobem o registro
os
movimentos do animal
e a
tensão crescem; após o clímax, retorno progressivo à dinâmica em
p, pp
e
ppp
e ao
regis
tro grave
– o
animal se acalma, supostamente após feroz luta, ou ataque, aguçando
novamente o imaginário do ouvinte.
115
Verificamos a omissão da grafia do sinal (#) na nota dó4 do compasso 30, mão esquerda do
p
rimo
.
117
3.1.6 –
Xauim
(Sagüi)
“Jogos rítmicos misturados, colocados de maneira irregular. Atmosfera satírica, onde o
pequeno símio ridiculariza os outros bichos, colocando
-
os em tempo de tango, valsa,
polca e dobrado”.
116
Figura
21
Xauim (Fontes: http://nl.treknature.com/gallery/photo74391.htm;
http://farm1.static.flickr.com/58/203902718_9218337139.jpg)
Figura
22
Xauim
tessitura das partes e posicionamento dos bancos
A “gargalhada” do sagüi
som que vem
à
nossa mente quando escutamos o animal
-
resume a veia humorística deste movimento,
onde é
atingido
o ápice
do
ciclo. O pequeno
xauim já
é
um
peralta
por natureza: gosta de brincar de briga e esconde
-
esconde.
117
Na
“atmosfera satírica” e cômica, Almeida Prado mostra sua criatividade ridicularizando os
animais previamente expostos, cujos elementos composicionais principais são
reaproveitados
n
os ritmos
das
danças mencionados. É também a peça que faz
uso da maior extensão do
teclado nas
partes individuais (apenas
no
Guaiamú
a tessitura do
primo
é
ligeiramente mais
extensa).
116
Opus cit. p.
93
.
117
Informações sobre o animal extraídas de: CICCO, Lúcia Helena Salvetti de.
Sagüi
-
de
-
tufo
-
branco
. Disponível
em http://www.saudeanimal.com.br/sagui.htm, data de acesso 20/05/2007.
O som do animal sagüi, in
clusive,
pode
ser escutado no site.
118
As indicações “Irônico, imprevisível” dizem respeito a um animal sarcást
ico, irrequieto,
de atitudes inesperadas; segundo Almeida Prado (comunicação informal), ele também é
“irregular, meio descontrolado, que pode morder, pular (...)”. A sensação de descontrole é
sempre problemática na prática em conjunto, exigindo, principalm
ente, perfeito entrosamento
e “sintonia” agógica. Apesar do rápido e oscilante andamento, os intérpretes devem tocar
como se as dificuldades técnicas fossem
menores
ou mesmo inexistentes
como que
“improvisando” , procurando surpreender e divertir o ouvinte a cada instante.
A irregularidade e o imprevisto
são aspecto
s
marcante
s
nos elementos, que se misturam
(alternância, sobreposição) e variam, sem padronização quanto à ordem de aparecimento e
extensão,
provocando
bruscos contrastes rítmicos, melódicos,
de
agógica e dinâmica
que
requerem mudanças súbitas no uso do pedal, assim como do
tipo e intensidade de toque dos
músicos. A preocupação com a topografia do teclado parece ser uma constante, tal como em
outras peças do ciclo.
Exemplo
71
Almeida Prado
Xauim
, compassos 1
-
2. (elemento
a)
O primeiro elemento (
a) faz uso dos registros médio e extremo agudo e se caracteriza,
essencialmente, por figuras descendentes (normalmente colcheias, em graus conjuntos),
precedidos por duas
apojaturas, formando acordes quartais arpejados; as mãos direitas em
notas brancas, e as esquerdas, em pretas.
118
As apojaturas reforçam o aspecto saltitante do
movimento do animal, como sua ágil locomoção entre os galhos das árvores. Fragmentos de
a
são ela
borados
ao longo da peça,
apresentando
-
se, por exemplo, sob outras fórmulas de
compasso, em
quiálteras (c. 7),
semicolcheias (cs. 4 e 7) e
com
inversão
da
ordem das notas
(c. 16). Notamos que esta é a única peça do ciclo em que as partes começam simultaneamente,
118
O jogo de teclas brancas e pretas foi muito empregado por Villa
-
Lobos em inúmeras de suas peças para piano.
119
o que, devido ao movimento agitado, “imprevisível” e oscilante mencionado, pode ser de
difícil execução, se não pressentirmos (ou estudarmos
) qual
o
andamento e
agógica o colega
irá fazer.
O compasso 5 apresenta diversos elementos, ilustrando bem aq
ueles “jogos rítmicos
misturados”:
Exemplo
72
Almeida Prado
Xauim
, compasso 5
É difícil afirmar se os elementos indicados acima são distintos, ou um único
,
com
diferentes derivações, visto que
apresentam
muitas característ
icas em comum:
b
e c
usam as
mesmas notas (como se o
segundo
fosse uma versão “contraída” do
primeiro
) que, por sua
vez, tem notas e figura rítmica semelhantes
a
d; todos levam em consideração a topografia do
teclado. Letras foram designadas, portanto, ape
nas para organizar o estudo e indicar suas
recorrências: b, nos compassos 87, 88 e 89;
c
, em 9, 10, 84, 85 e 89; e d
, em 29, 47
-
48, 87, 88
e 89 (as escalas
no
compasso 6, presentes em outros momentos da peça, parecem deriv
adas
de
d
). A combinação dos difer
entes elementos, mesclando graus conjuntos e outros intervalos
maiores, configura as oscilações do animal, como pulos, paradas, corridas, sustos e mordidas
(possivelmente
c
), entre outras imagináveis.
O trecho entre os compassos 11
-
22 reforça o caráter irr
egular da peça. Almeida Prado
toma o cuidado de interromper qualquer expectativa de padronização, como observamos neste
elemento do exemplo abaixo:
120
Exemplo
73
Almeida Prado
Xauim
, compassos 11
-
15
O autor indica ataques nas
primeiras e
quartas
partes
do compasso
, mas no compasso
14, rompe o padrão. O exemplo acima
pode
sugerir
a hesitação do animal (reforçada pelo
emprego das pausas)
,
freqüentemente
rompida
por acelerações repentinas
119
. É interessante
observar que mesmo com as pausas e a indicação “sem pedal!”, o silêncio total não ocorre: o
trecho dos compassos 11
-
28 apresenta dois pedais “digitais”
120
mi1, fá1 e lá#1, no
secondo
,
e si3, dó4 e fá#, no
primo
cujos harmônicos superiores e inferiores se fazem vibrar pelos
acord
es atacados.
A seção central (23
-
79) é dedicada à sátira dos outros animais, na qual o bem
-
te
-
vi é o
primeiro a ser ridicularizado. Almeida Prado comumente faz uso dos elementos
composicionais de cada animal, invertendo alguns de seus aspectos originais: o
Bem
-
te
-
vi
que
era “calmo e sereno”, por exemplo, passa a ser “pesante”; a dinâmica que era do
pp
ao
mf
,
passa a ser
f
; e seus elementos principais têm o ritmo variado, os registros invertidos (a
e
b
do
Bem
-
te
-
vi
, transpostos para o grave e agudo, respecti
vamente), com ataques acentuados e
vigorosos. Observamos que os pedais digitais continuam presentes, requerendo, pois, pouco
ou nenhum pedal.
119
Lembramos da citação que utilizamos na análise do
Guaiamú
: “[na Cartilha Rítmica], mudanças bruscas de
veloc
idade são operacionalizadas pela alternância de figuras longas e curtas, seja no emprego em seções inteiras
(...), seja na alteração das unidades de tempo e de compasso (...), ou somente da unidade de tempo” (Cohen &
Gandelman, 2006, p. 29).
120
Aquele em qu
e as notas são prolongadas com os dedos.
121
Exemplo
74
Almeida Prado
Xauim
, compassos 23
-
25
A partir da alusão aos marimbondo
s, os animais são colocados em ritmos de dança. A
seção “ridicularizando os
Marimbondos
” (31
-
45) é peculiarmente curiosa nesse sentindo:
parodiando
a semelhança entre o elemento
a
de Marimbondos
e a
Valsa “do Minuto”
op.64/1
de Chopin, o compositor brinca com um acompanhamento de
clusters
no secondo
, em “tempo
de valsa”, junto com a famosa melodia, no
primo
; os trilos dos
Marimbondos
separam duas
pequenas seções que se diferenciam pela dinâmica e andamento.
Exemplo
75
Almeida P
rado
Xauim
, compassos 42
-
45
Exemplo
76
Chopin
Valsa “do Minuto”
op.64/1, compassos 5
-
8
A boicininga, que antes era terrível e assustadora, agora é “leve” e ligeira. Aquelas
“melodias em zigue e zague” estão presentes
p
orém em ritmo de polca, com colcheias
122
pontuadas seguidas de semicolcheias, em registro mais agudo que o original, portanto mais
“graciosa”
, bem como os grupos de fusas, o chocalho e seu elemento
a
(
presente, em
Xauim
, no compasso 59).
Exemplo
77
Almeida Prado
Xauim
, compassos 54
-
57
A leveza de “Ridicularizando a
Boicininga
” é contrastada pelo vigor do tango, na
alusão ao
Guaiamú
. O animal, que possuía métrica oscilante, é posto para “dançar” o tango,
em compasso binário. O
compositor usa os elementos
a
e
b
do
Guaiamú
, porém
com
inflexões da dança: ataques no tempo e sincopados, incluindo fusas com efeitos de apojaturas,
em
a (compassos 62
-
65); articulação
staccato
, em
b (compasso 66).
Exemplo
78
Almeida Prado
Xauim
, compassos 65
-
67
A sátira à
Libélula
(72
-
80) encerra a seção das alusões aos animais. Enquanto a
atmosfera original era “aquática”, aqui ela é concreta,
cabendo ao
secondo
marc
ar
o ritmo do
dobrado. O
primo
toca a melodia com as no
tas que fazem parte da seqüência atonal do
elemento
a
da
Libélula
(observamos, em especial, a semelhança entre a seqüência de notas
dos compassos 74
-
76 do
Xauim
,
e
a dos compassos 5
-
6 da
Libélula)
.
123
Exemplo
79
Almeida Prado
X
auim
, compassos 74
-
77
A partir do compasso 81, os elementos do
Xauim
retornam, com muita agitação, até o
término da peça. Para uma boa comunicação com os ouvintes, é importante uma unicidade
quanto ao “
approach”
dos distintos momentos da performance dessa
obra; os intérpretes
devem conceber cada uma das alusões como um personagem diferente, que muda de um para
outro numa pequena fração de tempo.
É preciso especial atenção
para as
freqüentes
indicações quanto às mudanças de andamento, dinâmica,
métrica,
rit
mo e articulação. A
interpretação do duo Zamith, aliás, corresponde às expectativas. Se captarmos o elevado
humor e os acentuados contrastes, aliados ao aspecto cíclico desse movimento, o
Xauim
resultará na peça vistosa que é, concluindo com sucesso esse fabuloso e instigante ciclo.
3.2 –
Tango
de Ronaldo Miranda
Nascido no Rio de Janeiro, no dia 26 de abril de 1948, Ronaldo Miranda, tal como
Almeida Prado, é um dos compositores mais proeminentes de nosso país. Graduou
-
se em
piano (1970) e em composição
(1976) pela UFRJ. Destacam
-
se os estudos de piano com
Dulce de Saules, análise musical com Hélcio Ben
evides
Soares e harmonia, contraponto,
orquestração e composição com Henrique Morelenbaum (Soares, 2001). Tornou
-
se mestre em
música em 1987 e doutor, pel
a USP, em 1997. Seu trabalho como compositor começou a se
intensificar em 1977, com a premiação de sua obra
Trajetória
, para soprano e conjunto de
câmara, na 2ª Bienal de Música Brasileira Contemporânea, seguindo
-
se várias outras
124
importantes laureações
121
. N
os anos seguintes compôs para diversos instrumentos e
formações, incluindo até mesmo uma ópera,
Dom Casmurro
(1992).
Entre 1974 e 1982
trabalhou como crítico musical do Jornal do Brasil. De 1984 a 1998 foi professor de
composição e orquestração da UFRJ. Ex
erceu cargos administrativos na Coordenadoria de
Música Brasileira da FUNARTE (1985
-
1989) e na direção da Sala Cecília Meirelles no Rio
de Janeiro (1995
-
2004). Atualmente leciona composição nos cursos de Graduação e Pós
-
Graduação da USP e prossegue obtendo enorme sucesso com sua obra, em concertos, festivais
e palestras ao redor do globo.
Sua explosiva peça,
Tango
para piano a quatro mãos, escrito em março e abril de 1993,
segundo o compositor, reafirmou sua “paixão pelo teclado
pois, afinal de contas, [é
] um
pianista por formação”
122
, e foi dedicado ao duo Zaida Valentim e Marcelo de Alvarenga.
Este último nos conta (em comunicação informal) que teve oportunidade de acompanhar parte
do processo de composição, quando já podia prenunciar o sucesso da sua es
tréia, realizada por
seu duo em 24 de junho de 1993, na Sala Cecília Meireles. A peça ganhou tamanha
popularidade que se tornou parte do repertório “obrigatório” dos duos brasileiros, inspirando o
compositor a escrever mais duas para a formação: as
Variaçõ
es Sérias sobre um tema de
Anacleto Medeiros
(arranjada, em 1998, a partir de uma versão para quinteto de sopros, de
1991), dedicada ao duo entrevistado Bretas
-
Kevorkian; e
Frevo
(2004), dedicada ao
d
uo de
Sonia Maria Vieira e Maria Helena Andrade.
Tivemo
s a oportunidade de tocar para o compositor que, por ocasião da nossa gravação
da obra (2006), registrou: “Luciano Magalhães (...) e Marcelo Thys mant
ê
m um duo brilhante
e produtivo, que me proporcionou uma das mais luminosas versões do meu
Tango
123
. A obra
também foi gravada por três duos: Duo Miguel Rosselini e Celina Srvinsk (1998); Duo
Pianístico da UFRJ (Sonia Maria Vieira e Maria Helena Andrade, em 1995 e lançado em
1998); Duo
Bretas
-
Kevorkian, em duas ocasiões (1999 e 2002).
Segundo Harlei Raymundo (1
991), Ronaldo Miranda
revela
duas tendências em relação
à linguagem harmônica: o livre atonalismo e
a
que o próprio denomina de
neotonalismo.
A
peça em estudo faz parte da fase que se inicia por volta de 1984, na qual o compositor faz
constante uso da segunda linguagem (Soares, 2001), que pode ser descrita como:
“[...] uma linguagem harmônica tonal livre, que preserva a existência de um centro
tonal, sentido com clareza em alguns trechos da peça musical, sendo entretanto
imperceptível em outros por causa do uso intenso de dissonâncias e de encadeamentos
121
Lista completa de suas premiações consta no site do compositor
www.ronaldomiranda.com
.
122
MIRANDA, Ronaldo. Encarte do CD
Trajetórias
, Rio Arte Digital, RD
-
020, 2000.
123
_______________ Encarte CD:
Marcelo Thys
. Li
ttle Star Copyright, 2006.
125
harmônicos que escapam ao âmbito das leis da harmonia funcional tonal. Este
neotonalismo do compositor inclui também o uso de encadeamentos modais, sem
excluir, no entanto as harmonias e encadeamentos tonais, podendo ambas linguagens
conviverem numa mesma peça” (Soares, 2001, p.8)
A mesma autora (2001) complementa que
,
em obras desse período,
existe certa
liberdade quanto
ao
uso das funções tonais,
embora
elas
também
possam
ter um emprego
“bastante tradicional” (p.8), como nas Variações Sérias sobre um tema de Anacleto Medeiros
.
Ronaldo Miranda se insere no
Pós
-
modernismo
, tal como Almeida Prado, inovando, porém
sem aquela “obrigatoriedade do novo”, aproveitando com sabedoria as técnicas consagradas.
Se o com
positor é um dos preferidos dos duos brasileiros, é porque além de saber explorar
todos os recursos próprios da formação, sua linguagem imediatamente nos “diz” algo e
emociona o ouvinte. Tugny (2004) ilustra bem a questão quando comenta sobre a
s
bela
s
Vari
ações Sérias sobre um tema de Anacleto Medeiros
:
(...) Neste caso, ampliar estas atmosferas [da obra], é também explorar generosamente
diversas aquisições da tradição da escrita pianística, com seus contrastes, suas
plasticidades e seu lirismo. Além de se
r um refinado panorama das possibilidades
musicais do gênero “piano a quatro mãos”, este conjunto de obras, apesar das suas
longínquas origens temporais e espaciais, possui em comum a faculdade de atrair o
ouvinte a uma escuta de intensa proximidade, fazendo ressoar contornos esquecidos
em seu imaginário. (p.4)
Dentre os elementos composicionais que podemos destacar no Tango estão o uso do
ritmo, incisivo e vigoroso, e das escalas octatônicas descendentes, reluzindo “certas fagulhas
da estética musical sov
iética” (Escobar, 1998). O grande contraste de caráter é atingido
através da tradicional estrutura formal A
-
B
-
A’, semelhante
a de
seu Frevo
, claramente
delimitada pelas sessões Enérgico/Expressivo/Enérgico.
É uma obra que pretende explorar o instrumento co
m vigor e energia, usando como
base de sua coloração harmônica as escalas octatônicas, amplamente empregadas por
Stravinsky, Debussy e Bartók. Delas fiquei impregnado em 1992, durante meu
doutorado na ECA
-
USP, ao dissecar com Marcos Branda Lacerda as tendê
ncias
harmônicas do século XX. (...) as utilizei fragmentadamente e sem rigidez, por quase
todos os momentos da obra. (Miranda, 2000)
124
Dentre as variações quanto ao emprego dessas escalas, estão: fragmentação de quatro
em quatro sons, incluindo repetição
de pequenas células
melódicas (
Exemplo
81
e 82
,
adiante
); sucessão ou sobreposição de quartas justas e aumentadas (compassos 4
-
7); e sons
ásperos resultantes do emprego de seg
undas menores e sétimas maiores
(
Exemplo
83
e
84
; e
também nos comp. 56
-
59).
Observamos ainda inclusão de passagens e/ou notas cromáticas
ornamentais, usualmente
colocada
s
como ligação entre diferentes elementos temáticos,
e
124
Opus cit. nota de rodapé n.
122
126
desenvolvimento
produzido pe
la
repetição de modelos em várias alturas (comps. 35
-
42; 97
-
104).
Sobre a origem
deste famoso gênero de dança popular, no qual a peça foi inspirada
,
supõe
-
se
que descenderia da
habanera.
A dança
era executada
nos prostíbulos de Buenos
Aires e Montevidéu,
nas duas últimas décadas do século XIX, com violino, flauta e guitarra
(violão). O
piano entrou para substituir o violão, por ter mais versatilidade e poderio sonoro,
tornando
-
se instrumento fundamental na manutenção do ritmo, normalmente tocado ao lado
do violino e do band
o
neon. Até 1915, seu ritmo, usualmente em 2/4, passou a ser em geral 4/4
ou 4/8; e a partir de 1955, foi se tornando mais complexo, época em que o gênero veio a ser
largamente explorado e imortalizado por Piazzolla (1921
-
1992).
125
Assim com
o em inúmeras peças com título de dança do século XIX, ou até mesmo de
algumas suítes barrocas, o
Tango
em estudo
apresenta
caráter e acentos característicos da
dança, mas não foi composto para ser dançado,
visto
ser
seu estilo extremamente
virtuosístico,
caracterizando
-
o como música de concerto.
O ritmo, aliás, se apresenta para os
intérpretes como um dos principais elementos da obra: acentos
métricos contrastam com
outros sincopados, normalmente conduzidos pelos baixos, no padrão “
”, determinante
da divi
são interna de 3+3+2, muito usada pelo compositor. “Bastante freqüentes são os
acentos rítmicos dinâmicos não coincidentes com os acentos métricos, fato que cria
acentuações deslocadas no ritmo, podendo gerar subdivisões internas nos compassos,
inclusive alterações do tipo hemíolas” (Soares, 2001, p. 101).
Observamos ainda outros tipos de acentuações deslocadas, as quais são clarificadas
pelo compositor através da grafia de acentos, ligaduras ou agrupamento de notas (exemplo:
compassos 15
-
18; 23
-
34; 35
-
38;
45
-
48). Essa sucessão de acentos deslocados marca o caráter
singular da peça e não deve ser mascarada na interpretação, podendo os acentos, inclusive,
serem enfatizados com diferentes tipos de toques e uso do pedal.
A obra engloba diversas questões pertin
entes à performance a quatro mãos, em vários
aspectos, diferentes daquelas vistas nos
VI Episódios de Animais, o que explica porque
o
enfoque de análise também
é
diferente. A primeira delas é a escolha do
primo
e
do secondo
.
Se em algumas peças da literatu
ra não
é
dada a devida importância ao
secondo
, nesta
,
ele é a
figura chave, motivo pelo qual um erro na escolha de quem o toca, pode ser comprometedor.
Não só ele cria o cenário musical, controla o pedal e sustenta o ritmo (fundamental nesta
125
Informações extraídas de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tango;
http://www.viajoporargentina.com/tango/musica_p.htm; Dicionário Grove (Edição Concisa).
127
peça), como ta
mbém toca a maioria dos elementos melódicos. A função do
primo
consiste
em, essencialmente, abrilhantar a música com os registros agudos que faltam ao secondo.
O pianista que executa o
secondo
deve ter, fundamentalmente, resistência, vigor e
precisão rítmi
ca
,
não só
para afastar a freqüente tentação de acelerar o andamento, que já é
bem movido (
c
=120), como para dar a “levada” da dança e o caráter possante da peça.
Também deve ter
domínio da técnica de oitavas
e segurança
nos
saltos. O pianismo do
primo
diferencia
-
se basicamente pelas vertiginosas escalas em uníssono com freqüentes sucessões
de notas pretas e brancas (resultado das escalas octatônicas e do cromatismo), assemelhando
-
se
àquele
dos
concertos para piano de Shostakovich (1906
-
1975) e Kabalevsky (1904
-
1987)
talvez mais uma daquelas “fagulhas da estética musical soviética” mencionadas
por Escobar
(1998). “[Nas peças
do compositor] o dobramento de melodias em oitavas aparece como um
recurso utilizado para reforçar o volume sonoro” (Soares, 2001, p. 109). Portanto, o
primo
precisa possuir, entre outras qualidades, toque brilhante, velocid
ade
e habilidade equivalente
em ambas as
mãos. Para as passagens em uníssono, lembramos que a escolha de dedilhados
em
que coincidam os ataques dos polegares
das duas
mãos pode auxiliar na questão e, para
melhor equilíbrio sonoro,
remetemo
-
nos
ao que disse
Ferguson (1971)
-
no duo, devemos
pensar mais em nossa mão esquerda.
Em todas as peças para piano a quatro mãos de Ronaldo Miranda, verificamos que o
desconforto é uma constante, principalmente pela extensa tessitura de ambas as partes e
extrema proximida
de na zona de colisão. Optamos, pois, por angular ligeiramente a posição
dos bancos, para liberar espaço para os cotovelos. O secondo
muito freqüentemente necessita
tocar na região aguda e,
para que ele tenha
mais espaço e liberdade de movimentos, alteramo
s
o ponto de divisão do teclado
:
Figura
23
Tango
tessitura das partes e posicionamento dos bancos
A dificuldade no sincronismo é também fator relevante na peça, já podendo ser
pressentida nos seus primeiros ataques, que são
fortes, em movimento rápido e contínuo
(
Exemplo
80
). Lembramos dos cuidados propostos
no Capítulo II
(p.
67
)
para solucionar a
128
questão.
No
exemplo abaixo, já observamos
notas de
escala
s
octatônica
s
inseridas, mesmo
que “fragmentadamente e sem rigidez”
. Logo no primeiro compasso, o autor utiliza três
escalas octatônicas descendentes, apresentando apenas as quatro primeiras notas de cada uma
delas;
ou seja, Mi
-
Ré#
-
D
ó#
-
, Ré
-
Dó#
-
Si
-
Sib, e
-
Sol#
-
Fá#
-
Fá.
Exemplo
80
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 1
-
3
Ainda nesse sentido, freqüentes são os desencontros nas passagens em uníssono entre as
partes, principalmente naquelas que apresentam seqüências de semicolcheias repetidas
(
Exemplo
81
), presente
s
em diversos momentos da peça. Encontramos a repetição de uma
mesma altura em outras obras do compositor (como na
Suite n.3
,
Exemplo
82
), usualmente
aplicada para f
uncionar como
ostinato
rítmico. Durante nossos primeiros ensaios,
experimentamos diferentes dedilhados para essas passagens, incluindo aquele
em
que se
usa
o
mesmo dedo (normalmente o 3º) na nota repetida, e aquele em que se revezam dedos (por
exemplo: 4
-
3
-
2
-
1
-
4). O segundo nos pareceu facilitar a execução no rápido andamento, mas o
primeiro conferiu sonoridade mais incisiva e precisa, mais condizente com a indicação “leve,
mas bem articulado”. Qualquer que seja a escolha, o sincronismo será facilitado se e
la for a
mesma entre os músicos, bem como se
a amplitude e velocidade dos gestos forem utilizadas
uniformemente.
129
Exemplo
81
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 60
-
61
Exemplo
82
Ronaldo Miranda
S
uíte n.3
Segundo Movimento, compassos 16
-
20
Segundo Soares (2001), uma das dificuldades técnicas da obra para piano de Ronaldo
Miranda é a “variedade intensa e constante dos toques e da sonoridade” (p.122). No
Tango
,
muitas vezes, o compositor é cuidado
so na indicação de diferentes articulações,
principalmente de
staccatos
e acentos, que podem ser realçados através de toques
diferenciados. Vejamos o
Exemplo
83
, que ilustra parcialmente o trecho dos compassos 23
-
34. Primeiramente, apresenta a dificuldade de mudança súbita de caráter e dinâmica (“com
élan”;
ff
mp
súbito). Depois observamos indicaç
ões
de
stacatto
distintos, em semínimas
(mais longas, como
portato
) e colcheias (mais curt
a
s), contrastantes com a pass
agem
cromática (que
funciona como elemento de ligação entre as repetições do modelo, a cada dois
compassos), diferenciada através do
legato
. Neste trecho, assim como em alguns outros, as
articulações são semelhantes entre as partes,
o que nos leva a
frisar
novamente a importância
da uniformidade gestual.
130
Exemplo
83
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 23
-
24
A dinâmica
é
um dos principais atrativos
do
Tango
, sendo,
em geral, muito forte,
variando do
p
ao
fff
, incluindo usuais in
dicações de crescendo, associad
as
a sugestões de
caráter, como “retumbante; ené
rgico; incisivamente bombástico
. O termo “Bombástico”,
aliás, nos remete a algo “estrondoso”, descrevendo bem os momentos de maior energia da
peça
. Além disso, a execução das n
otas repetidas
pode falhar em pianos com repetição lenta,
especialmente quando as tocamos em dinâmica
piano
. Sendo quatro mãos em um teclado, é
preciso cuidado para que não haja exageros sonoros. Para dosar os freqüentes
crescendo
gradativos (ora grafados através de diferentes patamares dinâmicos, ora explicitamente, como
nos compassos 97
-
110.1: “crescendo pouco a pouco”) remetemo
-
nos à sugestão de Sonia
Maria Vieira, de crescer uma das mãos de cada vez.
Visando
criar a sensação
de
grande
crescendo,
em
seu
percurso,
podemos recuar momentaneamente para o
mf
nos trechos onde
não há indicação, mas que já estão muito fortes,
e crescer novamente,
como
no exemplo
abaixo:
Exemplo
84
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 121
-
123
Na bela s
essão
B,
“Expressivo” (72
-
96), podemos encontrar as maiores influências de
Piazolla, como a condução harmônica através dos longos baixos em progressões por semitons.
131
O
secondo
aqui está “em relevo”, fazendo com que os registros graves ofereçam uma
expressi
vidade mais masculina
e
densa, com o toque
legato
indicado pelo compositor. É o
momento mais sentimental e lírico da peça, que
seu autor
usa para
criar um acentuado
contraste
com o vigor das seções
externas
:
Em função de sua experiência de composição no gê
nero vocal, observa
-
se em
Ronaldo Miranda a tendência a introduzir em praticamente todas suas obras
pianísticas momentos melódicos de intenso lirismo, os quais criam contraste com
trechos de grande virtuosismo e brilhantismo que os antecedem ou os sucedem.
Estas
seções costumam ser bastante expressivas, com melodia bem cantabile
, toque
legatto
,
e indicações de agógica e dinâmica reforçadoras da expressividade. (Soares, 2001, p.
106).
Neste trecho o desconforto é grande, visto que muitas vezes as mesmas no
tas são
tocadas sucessivamente pelos músicos, provocando freqüentes colisões. Por esta razão,
lembramos a recomendação de Ferguson (1971) para retirar a mão do piano verticalmente
quando
ela
não
estiver
tocando,
e
não horizontalmente, para não atrapalhar o
colega. No
trecho a seguir, onde a proximidade se mostra maior, alguns duos podem preferir uma
pequena redistribuição de partes para aumentar o conforto, o
secondo
tocando as duas
primeiras colcheias da M.E. do
primo
(como mostra o exemplo):
Exemplo
85
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 80
-
82
Na passagem dos
compassos 88
-
93, a melodia principal, ao encargo do
primo
, está no
agudo e não oitavada. O
secondo
, no entanto, toca nos registros centra
l
e grave que
,
naturalmente
,
soam
mais, além
de
apresentar um contracanto na sua M.D.,
que é dobrado pela
M.E. do
primo
nos compassos 90
-
92.
Para que a melodia principal soe plenamente, e para a
textura não ficar demasiadamente densa, o
secondo
precisa dosar sua sonoridade.
Neste
sentido,
podemos também redistribuir algumas notas entre
as mãos do
primo,
para posicionar
sua
mão direita de maneira mais confortável, tendo mais liberdade para cantar
a
bela
melodia:
132
Exemplo
86
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 88
-
92
A página final (do c.170 ao fim) reserva um dos momentos de maior dificuldade técnica
da peça,
pela fatigante insistência nos acordes repetidos, em
ff
e alta velocidade. Logo,
devemos dosar o grande crescendo que o precede (154
-
169), bem como ter em m
ente essa
passagem ao escolher o andamento inicial da peça.
Devido à dificuldade para o
secondo
em
dividir sua atenção entre seus grandes saltos e as notas repetidas, o duo Bretas
-
Kevorkian
realiza uma pequena redistribuição,
em que
o primo
toca
a
nota mai
s aguda do
secondo
(dó ou
dó#5
)
em todo o trecho dos compassos 173
-
175 (como mostra o exemplo abaixo).
Exemplo
87
Ronaldo Miranda
Tango
, compassos 173
-
175
A peça termina com uma vertiginosa escala cromática descendente, em
fff
, recurso
comumente usado por
Ronaldo Miranda
como finalizador de seção. Lembramos que o
compositor indica pedal inteiro, mas que foi grafado na parte do
primo
, ao invés
de no
secondo.
As
express
ões finais
despertaram nosso interesse
:
“Paroxístico”, se
gundo o
dicionário Houaiss
126
, diz respeito à “intensificação súbita”, ou “momento de maior
intensidade de uma dor”
;
“Apoteótico”, é adjetivo de
apoteose
, que seria o “momento mais
126
Dicionário
H
ouaiss
da Língua Portuguesa. Disponível em:
http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm
, data de
acesso,
24/05/2007.
133
importante de um acontecimento”
adjetivos muito adequados à conclusão des
sa explosiva
peça
, e à recepção calorosa que ela recebe do público.
134
CONCLUSÕES
Em nossa incursão
no
universo do piano a quatro mãos, percebemos que quanto mais
pesquisamos, mais descobrimos informações novas sobre o assunto, algumas delas
extremament
e curiosas. Assim chegamos à primeira constatação: responder às nossas
questões de estudo iniciais, instiga e faz com que formulemos outras, de modo que nosso
“fechamento”, mais se trata de uma “abertura”.
Durante a contextualização sobre as origens do piano a quatro mãos, verificamos que as
características dos instrumentos do séc. XVII não favoreciam a proliferação deste tipo de
música: a restrita tessitura do teclado, aliada às limitações sonoras dos virginais, tornava
incomoda e, talvez, desnecessári
o, o
uso
de quatro mãos. Todas as fontes consultadas
apontaram que Nicholas Carlton e Thomas Tomkins
coincidentemente conterrâneos,
contemporâneos e amigos permaneceram como os únicos compositores do gênero por mais
de um século. Somente em fins do séc. XV
III, quando Charles Burney publicou suas sonatas
para duo, o piano a quatro mãos começa a florescer. Burney, aliás, foi um dos principais
responsáveis pela proliferação da prática do piano a quatro mãos; talvez, não por sua
qualidade como compositor, mas p
or seus textos publicados, muito incentivadores e
elucidativos para a época. O que se seguiu, possivelmente sem paralelo na história da música,
foi o crescimento vertiginoso da prática do piano a quatro mãos, que declinou rapidamente,
como uma moda que fica ultrapassada.
Voltemos àquela nossa primeira questão: Por quê?
Um desenvolvimento tão repentino só
foi
possível pela simultaneidade de mudanças
ocorridas no séc. XIX: a) evolução do piano,
com maior extensão
,
ocupando
mais espaço
físico, com melhor projeção sonora, e sua consolidação como um dos instrumentos capitais do
Romantismo; b) crescimento do tamanho das orquestras, fazendo com que, gradualmente, elas
deix
assem o ambiente caseiro e fossem transferidas para ambientes maiores
o piano a quatro
mãos
tornou
-
se a nova opção para
a prática da
Hausmusik
;
c) possibilidade de se tomar
conhecimento
de
obras orquestrais em recintos menores; d) desenvolvimento da classe
burguesa que, como incentivadora de todos os setores das artes, viu, no piano a quatro mão
s,
um mercado lucrativo e consumidor das incontáveis transcrições de obras sinfônicas; e)
maior
135
facilidade de
organização de
um ensaio de piano a quatro mãos
por
não exig
ir
recintos
grandes nem dois instrumentos. Numa época de poucas atividades sociais, a
possibilidade, por
parte das famílias burguesas, de financiar o aprendizado pianístico de suas filhas, configurou
o piano a quatro mãos como umas das principais práticas sociais da Europa, do fim do séc.
XVIII ao XIX
,
o que explica, em parte, a enorme quan
tidade de peças do gênero com títulos
de dança do período.
Enquanto surgiam versões para piano a quatro mãos, de praticamente toda e qualquer
obra sinfônica publicada,
inúmeras
de qualidade duvidosa, alguns compositores pareciam se
sentir muito
à vontade
a
o escrever para a fo
r
mação; quatro deles, em especial, ocupam
posição de relevo, pela quantidade aliada à qualidade: Mozart, Schubert, Brahms e Dvorak.
Ainda
se
destacam J. Christian Bach, Clementi, Hummel, Mendelssohn, Schumann, Grieg,
Bizet, Fauré, Ravel
, Debussy, F. Schmitt, Poulanc, Hindemith entre os vários selecionados
por nós no Capítulo I, e as centenas de nomes que constam em nossa listagem, nos Anexos.
A partir do princípio do séc. XX, os compositores permaneceram (e permanecem)
compondo para a fo
rmação, mas, a prática do piano a quatro mãos deixou
de ser o centro das
atividades sócio
-
musicais,
o que atribuímos,
em grande parte, ao rápido avanço tecnológico,
como a invenção do rádio e do gramofone, que
reduziu drasticamente a necessidade de se
toca
r
em duo
como meio de acesso
às obras orquestrais. É uma conseqüência lógica que os
editores musicais, que antes enriqueciam com a venda
de grande quantidade
de arranjos e
transcrições, tenham começado a investir em outras áreas.
Esses fatores,
unidos
ao g
radual
aumento na variedade de eventos sociais,
contribuíram
para que o piano a quatro mãos
perd
esse
algumas de suas razões originais de existência,
saindo
de “moda” e quase
caindo
no
esquecimento. Segundo nossos dados, o resgate dessa prática se
deu
, de m
aneira significativa,
somente partir da década de 70, época em que se
observa
um aumento progressivo da
performance do piano a quatro mãos como música de concerto.
Uma das poucas questões que pudemos, de fato, “fechar”, foi a respeito do grau de
relevância
da prática do piano a quatro mãos. Os depoimentos que colhemos foram unânimes
em enfatizar que, tal como
pensávamos,
ela é muito importante. Mesmo cientes de que essa
experiência não seja essencial ou pré
-
requisito para
a formação
de um bom músico, cremo
s
que ficou
evidenciado
que ela é capaz de encurtar vários caminhos no progresso artístico,
além de poder ser, como visto em alguns casos, decisiva e determinante na evolução dos
pianistas. E não estamos falamos apenas de estudantes de piano; até Neuhaus (
1973), notável
136
pianista e professor de Radu Lubu, Emils Gilels e S. Richter, incentivava a prática do piano a
quatro mãos entre alunos que eram verdadeiros virtuoses.
Primeiramente, o pianista poderá ter a visão do repertório musical como um todo, pela
in
finidade da literatura original e arranjada para a formação
,
conhecimento que irá,
invariavelmente, amadurecer sua personalidade artística. A proximidade física, exclusiva da
formação, oferece benefícios, tais como a absorção de qualidades musicais do cole
ga ou, até
mesmo, a perda da timidez. O aspecto gráfico das partituras, que força os músicos a lerem
mais sistemas de uma só vez, ou a desviarem a vista sem perder o curso de sua execução,
certamente aprimora a leitura à primeira vista. A limitação espacia
l, que amplia os problemas
e
evita
que cada um dos músicos exiba todo seu potencial técnico, coloca
-
se
aqui como uma
vantagem, pois eles serão obrigados a interagir, a se ouvirem melhor, a se adaptarem a
situações novas, princípios básicos da música de câm
ara, mas muitas vezes,
pouco
desenvolvidos;
especialmente para pianistas, famosos por sua competitividade e
individualismo,
aqueles princípios
pode
m
ajudá
-
los
a amadurecer, musical e pessoalmente.
Ou seja, o que parece uma limitação é, na verdade, uma aula
(no sentido mais amplo da
palavra) de técnica pianística.
A propósito das “limitações”, pudemos identificar os principais problemas da
performance em duo, que mostram como ela difere da execução solo,
embora
se assemelh
e
,
em alguns aspectos, à execução co
m outras formações. Todos os problemas dizem respeito à
duplicidade, tanto
na construção de uma concepção musical conjunta,
ou
na escolha do
parceiro e nos conflitos pessoais que podem desabrochar, quanto nos aspectos físicos e
técnicos. A escolha correta
entre as partes do
primo
e
secondo
, que pode condicionar o
sucesso ou fracasso da performance de uma determinada peça, pode ser facilitada se
identificarmos o temperamento musical
de ambos os pianistas,
seus
tipos de toque, limitações
e habilidades individ
uais, além da óbvia experimentação. O cuidado no ensaio individual,
sentando
-
se
na posição correta de duo e procurando simular (ou imaginar) os efeitos que a
mão do colega
poderia ter em nossa execução, é primordial. Práticas como, quando sozinhos,
cruzar
as mãos e tocar a parte de seu companheiro, ainda são pouco aplicadas, segundo o
relato dos entrevistados.
Observamos que o desconforto físico foi um dos problemas mais
ressaltados
. Nesse
sentido, concluímos que quatro de nossos tópicos
contribuem para
mi
nimizar
a questão:
b
ancos,
p
osicionamento de mão e antebraço,
d
edilhado e
r
edistribuição de partes. Sugerimos
que
a colocação dos
bancos possa ser modificad
a
em relação a: ponto de divisão do teclado,
137
posição (lado a lado, angulados, um paralelo e outro transversal, ou com roldanas encaixadas)
e, em alguns casos, até mesmo quanto à altura. Entretanto, nenhuma dessas mudanças fa
significativa diferença se não houver extremo cuidado quanto ao posicionamento corporal
:
a
ntebraços um sobre o outro oferecem mai
s liberdade que quando lado a lado, especialmente
quando combinados com um ligeiro recuo de corpo de um dos músicos; anotações devem ser
feitas, em todas as
zonas de colisão
, quanto à posição de mãos e braços: por cima, por baixo,
por dentro, por fora, not
as que devem ser soltas ou não atacadas
cuidados
condicionado
s
pela topografia do teclado e pelo contexto da passagem a ser executada. Quanto ao dedilhado,
o duetista terá de recorrer, na zona de colisão, aos 4º e 5º dedos muito mais freq
ü
entemente do
que
o
faria
na execução solo, de modo que não sobre espaço de sua mão sobre a do parceiro.
Enumeramos
também,
neste
trabalho, cinco
situações
onde o recurso da redistribuição de
partes pode facilitar a execução, ou até corresponder melhor ao resultado sonoro
que o
compositor tinha em mente. A proposta de redistribuição para uma das mais prestigiadas
obras para duo
a
Fantasia em Fá menor
, de Schubert
-
, mostra que este não é um recurso
pouco comum de ser aplicado.
Quanto ao
pedal,
constatamos que,
na grande m
aioria das peças para duo,
ele fica
a
cargo de
apenas um dos músicos, em geral, o
secondo
. Em alguns casos vimos que o uso
ocasional pelo primo pode ser benéfico. Qualquer que seja o
pedalista
, ele está lidando com
uma dificuldade adicional
pedalizar
t
ambém
para o outro
, que demanda escuta e destreza
muito apuradas, bem como melhor qualidade de toques legatos (especialmente do
não
-
pedalista
).
Pela característica percussiva do ataque do piano, o sincronismo pode vir a ser
problema, como verificamos e
m nossos exemplos de peças lentas, de agógica livre ou de
ataques velozes, em finais ou após longas pausas, começos sincronizados, ou até mesmo em
peças onde é difícil saber o momento preciso de ataque.
O aproveitamento da proximidade
corporal (contato ou
pressão física de alguma parte do corpo,
e
uniformidade gestual) e os
sentidos (contato visual e escuta da respiração), foram sugeridos como facilitadores do
sincronismo.
Tendo
considerado
que a “sonoridade única”
deveria
ser o ideal de todo bom duo,
const
atamos que a obtenção do equilíbrio dinâmico e timbrístico ótimo se caracteriza como
uma das questões mais complexas do piano a quatro mãos, visto que a combinação de dois
músicos com qualidades sonoras naturalmente distintas, pode soar extremamente
desbal
anceada, desconexa, e, às vezes, exagerada, quando
em um
mesmo instrumento. Vários
138
recursos podem ser aplicados quanto ao equilíbrio sonoro, mas todos requerem a identificação
dos planos sonoros que irão revelar a hierarquia de volume e qualidade sonora. N
o piano a
quatro mãos, verificamos que esse planejamento é um pouco diferente da execução solo, pois,
muito freqüentemente, requer que valorizemos mais nossa mão esquerda, além de exigir
extrema atenção à passagens onde elemento
s
das vozes centrais encontr
a
m
-
se divididos entre
as partes. Em trechos onde se apresentam passagens técnicas semelhantes, pode
-
se também
almejar
a
obtenção da uniformidade dos movimentos pianísticos.
A análise das questões de performance nas duas peças brasileiras complementaram
nos
so estudo, além de fazer
-
nos confirmar, com orgulho, que temos, em nosso país,
compositores que se “comunicam” excepcionalmente bem através do gênero, mesmo que
cada qual com seu “idioma” próprio. As diferenças
de
estilos de cada compositor é razão pela
qu
al suas peças propõem questões da performance em duo também diferentes. Elas
comprovam a necessidade fundamental da comunicação
musical
“íntima” entre os músicos,
novamente aludindo o termo de King (1948). Almeida Prado e Ronaldo Miranda mostram
ainda
que
são exemplos do pensamento pós
-
mod
erno
, que inovam, m
as
não renegam
as
tradições.
Observamos que os
VI Episódios de Animais
retratam bem a linguagem de Almeida
Prado, uma vez que enfatiza
m
seu apreço pelos “jogos rítmicos”, sem deixar de lado a busca
pelo
imaginário sonoro. Identificamos os elementos principais usados pelo compositor para
aludir a
cada animal
em
música, nos quais observamos o rico uso de ritmos, agógica,
andamento
s
, timbres, texturas, registros (idiomaticamente distribuídos para o piano a q
uatro
mãos), dinâmicas e articulações. Questões relacionadas
a
desconforto são quase inexistentes,
assim como não é preocupante a escolha do
primo
e
secondo
, já que as duas partes se
assemelham. No entanto, o atento planejamento sonoro é necessário, inclui
ndo o emprego de
diferentes matizes de toque, dinâmica, pedal, além da perfeita sintonia de imaginação, tão
estimulada
nesta obra, entre os intérpretes, para que eles possam ambientar satisfatoriamente
o ouvinte na atmosfera de cada um dos animais: a calma
e frescor do canto do
Bem
-
te
-
vi
; o
zunido do vôo dos
Marimbondos
; o andar dos dois esquisitos
Guaiamú
[s]; o vôo da
Libélula
sobre a água; o perigo que rodeia o rastejar da
Boicininga
, com seu chocalho irritante; e,
finalmente, o pequeno e imprevisível
Xau
im
o satírico sagüi, que fecha este fascinante ciclo
ridicularizando todos os outros bichos.
Ronaldo Miranda parece se posicionar numa outra direção quanto ao enfoque do piano a
quatro mãos, não necessariamente oposta, mas igualmente admirável: a de apro
veitar ao
máximo o potencial sonoro que quatro mãos podem oferecer. No
Tango
, se assemelhando ao
139
que acontece em seus outros dois duetos, o secondo canta, ora vigoroso e enérgico, ora lírico e
melodioso, mostrando todo o poderio sonoro dos registros médio
e grave. O
primo
acrescenta
com seu brilhantismo. Suas peças para duo apresentam estilo virtuosístico, sempre
contrastado com momentos de extremo lirismo, sendo exigentes fisicamente, o que, aliado à
extensa tessituras das partes, resulta, naturalmente, em
eventual
desconforto. As questões
discutidas se referiram aos bancos, sincronismo, uniformidade gestual, resistência rítmica,
dosagem de
f
e
ff
, controle dos grandes
crescendo
, redistribuição de partes, entre outras. Esta
bela peça fez que com o composito
r se tornasse um dos mais populares entre os duos
pianísticos.
E quanto ao restante da produção brasileira para a formação,
v
imos que ela é
significativamente maior do
que
muitos
pianistas
supõem
e começa a se intensificar a partir
da segunda metade do séc
. XIX. Nossa relação das peças brasileiras do gênero chegou ao
número de 39 compositores brasileiros,
dos quais
24 ainda estão vivos. O número pode
parecer grande, mas, durante nossa pesquisa, tivemos inúmeras pistas de que
ele
é certamente
maior. Apesar d
as dificuldades, os compositores de nosso país escrevem com muita
propriedade para a formação, e os duos brasileiros prosseguem estreando e gravando
suas
obras,
embora algumas mereçam melhor divulgação.
Nosso levantamento de peças brasileiras não procurou
encerrar o assunto, até porque
não era esse o objetivo central do nosso estudo. Mesmo assim, para uma “simples”
contextualização, foi necessária, como mencionado, uma considerável pesquisa em diversas
fontes de informação, dependendo, muitas vezes, de cana
is informais. Se, no Brasil, o
repertório para piano solo ainda carece de catálogos completos e atualizados, bem como de
edições disponíveis, a situação é ainda mais grave no que refere ao repertório para piano
a
quatro mãos. O levantamento de autores bras
ileiros que fizemos, embora incompleto, com
certeza servirá como fonte
para
pesquisas posteriores, que o poderão ampliar e detalhar
desejo que, aliás, pretendemos concretizar no futuro.
A propósito, praticamente todos os tópicos expostos por nós, podem s
e transformar em
material de interesse para pesquisadores futuros. Em nível mundial, também falta um catálogo
abrangente sobre o assunto, de fácil acesso, e que esteja atualizado.
Esperamos que as questões aqui expostas, não só auxiliem os pianistas a su
perarem
eventuais dificuldades encontradas nessa prática, como também estimulem o leitor a percorrer
o surpreendente repertório do gênero; e, acima de tudo, que esta experiência seja tão
prazerosa quanto é para nós.
140
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145
BRETAS, Patrícia. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Rio de Janeiro,
23/11/2006. Registrada em MD (90 min).
CALDI, Estela. Entrevista reali
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21/11/2006. Registrada em MD (45 min).
COHEN. Sara. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Rio de Janeiro, 24/11/2006.
Registrada em MD (45 min).
KEVORKIAN, Josiane. Entrevista realizada na r
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23/11/2006. Registrada em MD (90 min).
MAGALHÃES, Luciano. Entrevista realizada na residência do entrevistador. Rio de Janeiro,
16/11/2006. Registrada em MD (35 min).
SENISE, Luiz. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Rio de Janeiro, 19/11/2006.
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20/11/2006. Registrada em MD (50 min).
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Compositor: Ronaldo Miranda. Intérpretes: Duo Pianístico da UFRJ (Sonia Maria
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020, 2000.
V
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Maurício Zamith. In: V Concurso Nacional de Música de Câmara São Paulo
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Vencedores
de 1993. São Paulo; FASM/ CDA, 1993. (1 CD) Faixas 6
-
11.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ES
TADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM MÚSICA
A PRÁTICA DO PIANO A QUATRO MÃOS:
PROBLEMAS, SOLUÇÕES E SUA APLICAÇÃO AO ESTUDO
DE PEÇAS DE ALMEIDA PRADO E RONALDO MIRANDA
VOL.
II
(ANEXOS)
MARCELO GRE
ENHALGH THYS
Rio de Janeiro, 2007
i
SUMÁRIO
(ANEXOS)
LISTA CRONONOLÓGICA DE COMPOSITORES DE PIANO A QUATRO
MÃOS ....................................................................................................................................148
Fonte: Mcgraw (1981)
ENTREVISTAS....................................................................................................................161
Rotei
ro das entrevistas........................................................................................................161
Entrevista com a pianista Sonia Maria Vieira ....................................................................163
Entrevista com o colega de duo, pianista Luciano Magalhães...........................................170
Entrevista com a pianista Ingri
d Barancoski
......................................................................174
Entrevista com pianista Ronal Xavier ................................................................................180
Entrevista com o pianista Marcelo de Alvarenga...............................................................189
Entrevista com o pianista Luiz Senise................................................................................198
Entrevista com a pianista Zaida Valentim..........................................................................206
Entrevista com a pianista Estela Caldi................................................................................216
Entrevista com o Duo Bretas
-
Kevorkian
............................................................................225
Entrevista com a pianista Sara Cohen ................................................................................238
PARTITURAS ......................................................................................................................248
Almeida Prado
Episódios de Animais..............................................................................248
Bem
-
te
-
vi
.........................................................................................................................248
Marimbondos..................................................................................................................251
Guaiamú
.........................................................................................................................260
Libélula...........................................................................................................................263
Boicininga.......................................................................................................................269
Xauim
..............................................................................................................................274
Ronaldo Mirada
Tango
....................................................................................................285
148
LISTA
CRONONOLÓGICA DE
COMPOSITORES DE
PIANO A QUATRO
MÃOS
Fonte: Mcgraw (1981)
127
(?
-
1630) Carlton, Nicholas
(?
-
ca.1799) Kirkman (Kirchman), Jacob
(1543
-
1623) Byrd, William
(
1572
-
1656) Tomkins, Thomas
(
15768
-
1853
)
Jadin, Louis Emmanuel
(
1710
-
1782
)
Howard, Samuel
(
1712
-
1778
)
Rouss
eau, Jean
-
Jacques
(
1714
-
1774
)
Jomelli, Nicollò
(1720
-
1788) Nicolai, Johann Georg
(1723
-
1797) Rutini, Giovanni Marco
Plácido
(?
-
ca.1799) Kirkman (Kirchman), Jacob
(1724
-
ca.1800) Lang, Johann Georg
(1726
-
1791)
Gemmingen, Eberhard
Friedrich, Freherr von
(1726
-
1814)
Burney, Charles
(1727
-
1786) Küffner (Kiefner), Johann
Jakob Paul
(1731
-
1799) Dsek (Duschek), Frantisek
(Franz) Xaver
(1732
-
1795) Bach, Johann Christoph
Friedrich
(1732
-
1809) Haydn, Franz Joseph
(1733
-
1803) Beecke, Ignaz von
(1734
-
1782) Müller, Christian Heinrich
(1734
-
1794) Beauvarlet
-
Charpentier,
Jean
-
Jacques
(
1734
-
1804
)
Carter, Charles Thomas
(1735
-
1782) Bach, Johann Christian
(1735
-
1792) Wolf, Ernst Wilhelm
(
1735
-
1811
)
Tag, Christian Gotthilf
(
1736
-
1803
)
Kellner, Johann Christoph
127
a) no original, a organização é alfabética; b)
foram omitidos os nomes
sobre os quais
não
constavam datas; c) datas de morte foram, sempre
que
possível, atualizadas, ou quando ausentes no
original, completadas; e) datas em
itálico
significam que outras fontes divergem do autor
(1981); c) nomes brasileiros destacados em negrito
(
itálico
indica os que não constam em Mcgraw,
1981).
(1736
-
1809) Alb
rechtsberger, Johann
Georg
(1738
-
1813) Vanhal, Jan Krtitel (Johann)
Baptist
(1739
-
1791) Schubart, Christian Friedrich
Daniel
(1739
-
1802) Millico, Gioseffo
(1740
-
1798) Frick, Philipp Joseph
(1741
-
1808) Barthelémon, François
Hippolyte
(1745
-
1801) Stamitz, Carl, Charles
Edward
(1745
-
1814) Benda, Friedrich Wilhelm
Heinrich
(1746
-
1810) Rauzzini, Venanzio Matteo
(1746
-
1827) Hook, James
(
1747
-
1819
)
Burney, Charles Rousseau
(1747
-
1822) Hässler, Johann Wilhelm
(1748
-
1797) Rheineck, Christoph
(1748
-
1806) Seydelmann,
Franz
(1748
-
1812) Schuster, Joseph
(1748
-
1818) Kozeluh (Kozeluch), Leopold
(1748
-
1823) Förster, Emmanuel Alois
(1749
-
1802) Kerper, Hugo Franz
Alexander Karl von
(1749
-
1814) Vogler, Georg Joseph
(1750
-
1817) Sterkel, Abbé Johann Franz
Xaver
(1750
-
1821) Dal
e, Joseph
(1751
-
1831) Kauer, Ferdinand
(1752
-
1817) Christmann, Johann Friedrich
(1752
-
1828) Marsh, John
(1752
-
1832) Clementi, Muzio
(1752
-
1835) Mederitsch, Johann (Georg
Anton) Gallus
(1753
-
1826) Ruppe, Christian Friedrich
(1754
-
1812) Hoffmeister, Franz An
ton
(1754
-
1823) Becvarovsky
(Beczwarzowsky), Antonín
Felix
(1754
-
ca.1815) Bohdanovicz, Basilius von
(1754
-
ca.1818) Bachmann, Father Sixtus
(1755
-
1823) Rausch, Frederick
(1755
-
1831) Masek (Maschek), Vincenc
(1756
-
1791) Mozart, Wolfgang Amadeus
(1756
-
1811)
Münchhausen, Adolph, Baron
von
(1756
-
1813) Türk, Daniel Gottlob
(1756
-
1829) Kollman, August Friedrich
(1757
-
1831) Pleyel, Ignace
149
(1758
-
1821) Wineberger (Winneberger),
Paul Anton
(1758
-
1848) Adam, Johann Ludwig
(Louis)
(1759
-
1838) Westenholz, Eleonore Sophi
a
Maria
(1759
-
1845) Bach, Wilhelm Friedrich
Ernst
(1760
-
1812) Dalberg, Johann Friedrich
Hugo, Freiherr von
(1760
-
1812) Dussek (Dusik), Johann
Ladislaus
(1761
-
1819) Viguerie, Dernard
(1761
-
1820) Wranitzky (Vranický) Paul
(Pavel)
(1761
-
1838) Abeille, Johann
Christian
Ludwig
(
1762
-
1823
)
Butler, Thomas Hamly
(1763
-
1824) Davy, John
(1763
-
1825) Amon, Johann Andreas
(1763
-
1826) Danzi, Franz
(1763
-
1832) Demar, Johann Sebastian
(
1763
-
1837
)
Relfe, John
(1763
-
1840) Bachmann, Gottlob
(1763
-
1842) Ferrari, Giacomo Gotif
redo
(1764
-
1819) Saupe, Christian Gottlob
(
1764
-
1855) Rieger, Go
t
tfried
(1765
-
1807) Eberl, Anton
(1765
-
1814) Himmel, Friedrich Heinrich
(1765
-
1821) Pfeffinger, Philipp Jacob
(1765
-
1832) Kleinheinz, Franz Xavier
(1765
-
1833) Köhler, Gottlob Heinrich
(Henry)
(1765
-
1833) Oginski, Michal Kleofas,
Prince
(1765
-
1838) Attwood, Thomas
(
1765
-
1844
)
Mazzinghi, Joseph
(1766
-
1798) Fleischmann, Johann
Friedrich
(1766
-
1837) Latour, Francis Tatton
(
1766
-
1837
)
Wesley, Samuel
(1766
-
1839) Ladurner, Ignaz Anton
(1767
-
1839) Gabl
er, Christoph August
(1767
-
1850) Basili (Basily), Francesco
(1768?
-
ca.1825) Cristiani, Stefano
(1768
-
1831) Carr, Benjamin
(1768
-
1846) Fodor, Carolus Antonius
(1768
-
1854) Elsner, Kzawery Józef
(Joseph Xaver)
(
1769
-
1802
)
Jadin, Hyacinthe
(
1769
-
1808
)
Haigh, T
homas
(1769
-
1832) Asioli, Bonifazio
(1769
-
1843) Lickl, Johann Georg
(1769
-
1845) Knittelmair, Peter Lambert
(1770
-
1827) Beethoven, Ludwig van
(1770
-
1833) Fraenzel [Fränzl], Ferdinand
(1770
-
1836) Ebers, Carl Friedrich
(
1770
-
1846
)
Rinck, Johann Christian
Hein
rich
(1770
-
ca.1810) Cibulka, Matthäus Aloys
(1771
-
1858) Cramer, Johann Baptist
(1772
-
1840) Bierey, Gottlob Benedikt
(
b.1772) Desormery, Jean
-
Baptiste
-
Léopold
-
Bastien
(1772
-
1847) Wilms, Jean Willem (Johann
Wilhelm)
(1772
-
1856) Anschütz, J. A.
(1773
-
1812) Wö
lfl, Joseph
(1773
-
1823) King, Matthew Peter
(1773
-
1829) Fischer, Michael Gotthard
(1774
-
1815) Beethoven, Kaspar
(1774
-
1832) Liste, Anton
(
1774
-
1840
)
Bornhardt, Johann Heinrich
Carl
(1774
-
1850) Tomaschek, Wenzel Johann
(b.1775) Steup, H. C.
(1775
-
1842) Andr
é, Johann Anton
(1775
-
1847) Crotch, Dr. William
(1775
-
1864) Dietrichstein, Count Moritz
von
(1776
-
1820) Struck, Paul Friedrich
(1776
-
1856) Riotti, Philipp Jakob
(1777
-
1819) Fuss, Johann Evangelist
(1777
-
1839) Berger, Ludwig
(1777
-
1846) Logier, Johann Bernh
ard
(1778
-
1822) Werner, Johann Gottlob
(1778
-
1837) Hummel, Johann, Nepomuk
(1778
-
1844) Gänsbacher, Johann Baptist
(1778
-
1864) Messemaeckers, Henri
(1779
-
1818) Krufft, Nikolaus, Freiherr von
(1779
-
1844) Häser, August Ferdinand
(1779
-
1857) Riem, Wilhelm Frie
drich
(
1780
-
1813
)
Eggert, Joaquim
(1780
-
1838) Lessel, Franz (Franciszek)
(1780
-
1849) Kreutzer, Konradin
(1780
-
1851) Henkel,
Michael
(1780
-
1853) Lichtenthal, Peter
(1780
-
1862)
Frölich, Franz Joseph
(1781
-
1858) Diabelli, Anton
150
(1781
-
1861) Heinrich, Anthony Philip
(Anton Philipp)
(1782
-
1837) Field, John
(
1782
-
ca.1849
)
Trnka, Wenzel Joseph
(1783
-
1847) Geijer, Erik Gustaf
(
1784
-
1838) Ries, Ferdinand
(
1784
-
1853
)
Onslow, George
(1784
-
1854) Beale, William George
Frederick
(1784
-
1871) Fétis, François
-
Joseph
(1785
-
1842) Czerný, Joseph
(
1785
-
1849
)
Kalkbrenner, Friedrich
(1785
-
1858) Plachý, Wenzel
(1786
-
1826) Weber, Carl Maria von
(1786
-
1832) Kuhlau, Friedrich
(1786
-
1847) Mühling, Heinrich Leberecht
August
(1786
-
1854) Lemoine, Henry
(1787
-
1828) Rieger, J. N.
(1787
-
1840) Leidesdorf, Maximilian
Joseph
(1787
-
1842) Haslinger, Tobias
(1787
-
1845) Payer, Jérôme (Hieronymus)
(
1787
-
1849
)
Rummel, Christian
(1787
-
1853) Lannoy, Eduard, Freiherr von
(1788
-
1833) kanne, Friedrich August
(1788
-
1854) Westenholz, Carl Ludwig
Cornelius
(1
788
-
1866) Schmitt, Aloys
(1788
-
1867) Sechter, Simon
(1788
-
1874) Pixis, Johann Peter
(1789
-
1863) Mayseder, Joseph
(1789
-
1872) Halm, Anton
(1790
-
1837) Agthe, Wilhem Johann
Albrecht
(1790
-
1859) Camidge, John
(b.1791
-
?)
Baldenecker, Jean
-
Bernard
(1791
-
1857) C
zerny, Carl
(1791
-
1874) Grund, Friedrich Wilhelm
(1792
-
1851) Soliva, Carlo
(
1792
-
1868
)
Rossini, Gioacchino
(1792
-
1874) Brunner, Christian Traugott
(1792
-
1876) Spath, Andreas
(1793
-
1878) Hünten, Franz
(1794
-
1868) Hüttenbrenner, Josef Anselm
(1794
-
1870) Mosc
heles, Ignaz
(1794
-
1873) Arnold, Carl
(1794
-
1880) Herz, Jacques, Simon
(1794
-
1880) Lambert, George Jackson
(1795
-
1861) Marschner, Heinrich
(1796
-
1868) Berwald, Franz
(1796
-
1869) Loewe, Carl
(1797
-
1828) Schubert, Franz
(1797
-
1843) Schoberlechner, Franz
(179
7
-
1848) Donizetti, Gaetano
(1797
-
1870) Schwencke, Carl
(1797
-
1873) Müller, Karl Friedrich
(1797
-
1883) Wohlfahrt, Heinrich
(1798
-
1859) Reissiger, Karl Gottlieb
(1798
-
1876) Bertini, Henry
(1799
-
1829) Ancot, Jean
(1799
-
1847) Köhler, Ernst
(1799
-
1862) Mayer,
Carl
(1799
-
1864) Truzzi, Luigi
(
1799
-
1885
)
Enckhausen, Heinrich
(b.1800) Horr, Peter
(1800
-
1831) Brendler, Frans Frederik
Edward
(1801
-
1861) Concone, Joseph (Giuseppe)
(1801
-
1866) kalliwoda, Johann Wenzel
(1801
-
1877) Lickl, Carl Georg
(1802
-
1880) Duvernoy,
Jean
-
Baptiste
(1802
-
1893) Randhartiger, Benedikt
(1803
-
1836) Frölich, Friedrich Theodor
(1803
-
1853) Schmitt, Jacob
(1803
-
1890) Lachner, Franz
(1804
-
1840) Corticelli, Gaetano
(1804
-
1849) Strauss, Johann
(1804
-
1857) Glinka, Mikhail
(1804
-
1859) Wolf, Johann Conrad Ludwig
(
1804
-
1868
)
Leduc, Alphonse
(1804
-
1875) Farrenc, Jeanne Louise
(1804
-
1877) Otto, Ernst Julius
(1804
-
1892) Dorn, Heinrich Ludwig
Egmont
(1805
-
1900) Hartmann, Johann Peter Emil
(1806
-
1874) Burgmüller, Friedrich
(1806
-
1887) Herz, Henri
(1806
-
1893) Osborne, George Alexander
(1807
-
1867) Dobrzynski, I. F.
(1807
-
1871) Gandini, Alessandro
(1808
-
1862) Casimiro da Silva, Joaquim
(1808
-
1879) Chwatal, Franz Xaver
(1808
-
1879) Richter, Ernst Friedrich
(1808
-
1880) André, Julius
(1809
-
1847) Mendelssohn, Felix
(1809
-
1865) Körner, Gotthilf Wilhelm
(1809
-
1883) Reissiger, Friedrich August
(1810
-
1849) Chopin, Frédéric
(1810
-
1882) Kücken, Friedrich Wilhelm
151
(1810
-
1895) Rotter, Ludwig
(
1811
-
1859
)
Enke, Heinrich
(1811
-
1870) Stamaty, Camille
-
Marie
(1811
-
1885) Hiller
, Ferdinand
(1811
-
1886) Liszt, Franz
(1812
-
1871) Thalberg, Sigismond
(1812
-
1875)
Damcke, Berthold
(1812
-
1881) Bourges, Jean Maurice
(1812
-
1883) Flotow, Friedrich, Freiherr
von
(1812
-
1887) Lindeman, Ludvig Mathias
(1813
-
1869) Dargomyzhski, Alksandr S.
(1813
-
1870) Oesten, Theodor
(1813
-
1883) Wagner, Richard
(1813
-
1888) Alkan, Charles
-
Valentin
(Morhange)
(1813
-
1888) Heller, Stephen
(1813
-
1894) Rosenhain, Jakob
(1814
-
1889) Henselt, Adolf von
(1814
-
1892) Capanna, Alessandro, OFM
(1815
-
1868) Kjerulf, Halfdan
(181
5
-
1870) Lovenskjold (Lövenskiold),
Hermann Severin
(1815
-
1883) Volkmann, Robert
(1816
-
1875) Bennett, Sir William
Sterndale
(
1817
-
1869
)
Lefébure
-
Wély, Louis James
Alfred
(
1817
-
1882
)
Nottebohm, Gustav
(1817
-
1890) Gade, Niels Wilhelm
(1817
-
1905) Spindler, Fr
itz
(1818
-
1880) Rummel, Joseph
(1818
-
1889) Battman, Jacques Louis
(1818
-
1893)
Gounod, Charles
(1819
-
1898) Gouvy, Théodore
(
1819
-
1905
)
Loeschhorn, Albert
(
1820
-
1871
)
Serov, Aleksandr Nikolaevich
(1820
-
1901) Gurlitt, Cornelius
(1821
-
1873) Lysberg (Bovy
-
Lysb
erg),
Charles Samuel de
(1821
-
1881) Talexy, Adrien
(1821
-
1884) Fasanotti, Filippo
(1821
-
1885) Kiel, Friedrich
(1821
-
1910) Weckerlin, Jean
-
Baptiste
(1822
-
1882) Raff, Joachim
(1822
-
1890) Franck, César
(
1822
-
1904
)
Poisot, Charles
-
Émile
(1823
-
1888) Vogt, Jean
(1823
-
1896) Bagge, Selmar
(1823
-
1903) Kirchner, Theodor
(1824
-
1896) Bruckner, Anton
(1824
-
1910) Reinecke, Carl
(1825
-
1900) Doppler, Károly
(1825
-
1907) Biederman, August Julius
(1826
-
1880) Berens, Hermann
(1826
-
1893) Fumagalli, Disma
(1826
-
1905) MacFarren,
Walter
(1827
-
1865) Wollenhaupt, Hermann Adolf
(1827
-
1899) Wrede, Ferdinand
(1827
-
1901) Barbette, Hippolyte
-
LaRochelle
(1827
-
1903) Grimm, Julius Otto
(1827
-
1905) Caldkin, Jean Baptiste
(1828
-
1897) Bargiel, Woldemar
(
1828
-
1908
)
Gevaert, François
-
Auguste
(18
29
-
1869) Gottschalk, Louis Moreau
(1829
-
1894) Rubinstein, Anton
Gregorievich
(1829
-
1896) Nicolai, Willen Fr.
Gerard
(1829
-
1898) Lichner, Heinrich
(1829
-
1908) Dietrich, Albert Hermann
(1829
-
1908) Mason, William
(
1830
-
1894
)
Bülow, Hans von
(1830
-
1911) Radeck
e, Robert
(1830
-
1915) Goldmark, Karl
(
1831
-
1885
)
Norman, Ludvig
(
1831
-
1902
)
Jadassohn, Salomon
(1831
-
1912) Reinhard, August
(1832
-
1876) Söderman, August
(
1832
-
1879
)
Satter, Gustav
(1832
-
1902) Bibl, Rudolf
(1833
-
1858) Bache, Francis Edward
(1833
-
1874) Bend
el, Franz
(
1833
-
1887
)
Borodin, Alexander
(1833
-
1890) Hornstein, Robert von
(1833
-
1892) Biehl, Albert
(1833
-
1897) Brahms, Johannes
(1834
-
1886) Löw, Josef
(1834
-
1907) Krause, Anton
(1834
-
1911) Wilm, Nicolai von
(1835
-
1893) Beliczay, Gyula von
(1835
-
1899) Win
ding, August Hendrik
(1835
-
1906) Wolff, Bernhard
(1835
-
1908) Pfeiffer, Georges
-
Jean
(1835
-
1913) Draeske, Felix
(1835
-
1918) Cui, César Antonovich
(1835
-
1921) Saint
-
Saëns, Camille
(1836
-
1891) Delibes, Léo
(1836
-
1916) Anthiome, Eugène Jean
-
Baptiste
152
(1836
-
1922) Saran, August
(1836
-
1896)
Gomes, Carlos
(
b.1837
-
)
Bürgel, Konstantin
(1837
-
1879) Jensen, Adolph
(1837
-
1888) Procházka, Ludwig
(1837
-
1898) Behr, Franz
(1837
-
1910) Balakirev, Mily
(1837
-
1911) Zenger, Max
(1837
-
1924) Dubois, Théodore
(1838
-
1875) Bizet, Geor
ges
(1838
-
1889) Brink, Jules ten
(1838
-
1897) Bendl, Karel
(
1838
-
1897
)
Tours, Berthold
(1838
-
1906) Boisdeffre, Charles
-
Henri
René de
(1838
-
1920) Bruch, Max
(1838
-
1920) Lacôme d’Estalenx, Paul
-
Jean
-
Jacques
(1838
-
1934) Taubert, Ernst Eduard
(1839
-
1881) Mussor
gsky, Modest
(1839
-
1889) Smith, Sydney
(1839
-
1901) Rheinberger, Joseph
(1839
-
1907) Goldner, Wilhelm
(
1839
-
1916
)
Gernsheim, Friedrich
(
1839
-
1917
)
Bonawitz, Johann Heinrich
(
1839
-
1927
)
Clarke, Hugh Archibald
(1840
-
1876) Goetz, Hermann
(
1840
-
1893
)
Tchaykovsky
, Peter I.
(1840
-
1907) Kirchner, Fritz
(1840
-
1910) Bourgault
-
Decoudray, Louis
Albert
(1840
-
1911) Lange, Samuel de, Jr
(1840
-
1912) Ricordi, Giulio
(1840
-
1913) Kleffel, Arno
(1840
-
1915) Dacci, Giusto
(1841
-
1891) Ernery, Stephen Albert
(1841
-
1894) Chabrier,
Emmanuel
(1841
-
1904) Dvorák, Antonín
(1841
-
1906) Horneman, Emil
(1842
-
1902) Hofmann, Heinrich
(1842
-
1912) Massenet, Jules
(1842
-
1917) Parker, Henry
(1843
-
1900) Herzogenberg, Heinrich von
(1843
-
1907) Grieg, Edvard
(1843
-
1917) Lefebvre, Charles Édouard
(1843
-
1925)
Napoleão, Arthur
(1844
-
1920) Bohm, Karl
(1844
-
1897) Grammann, Carl
(1844
-
1900) Nietzsche, Friederich
(1844
-
1908) Rimsky
-
Korsakov, Nikolai
(1844
-
1919) Rüfer, Philippe
(
1844
-
1925
)
Gigout, Eugène
(1844
-
1926) Paladilhe, Émile
(1844
-
1929) Grädener, Herma
nn
(1844
-
1937) Vidor, Charles Marie
(1845
-
1899) Bödecker, Louis
(1845
-
1905) Becucci, Ernesto
(1845
-
1914) Beyschlag, Adolf
(1845
-
1920) Bartlett, Homer N.
(
1845
-
1924
)
Fauré, Gabriel
(1846
-
1901) Kleinmichel, Richard
(1846
-
1907) Brüll, Ignaz
(1846
-
1916) Gilchrist, William Wallace
(1846
-
1921) Lack, Théodore
(
1846
-
1932
)
Lenormand, René
(
1847
-
1917
)
Scharwenka, Philipp
(1847
-
1923) Forchhammer, Theophil
(1847
-
1925) Haarklou, Johannes
(1847
-
1927) Fuchs, Robert
(
1848
-
1905
)
Erdmannsdörfer, Max
(
1848
-
1918
)
Parry, C. Hub
ert H.
(1849
-
1895) Godard, Benjamin
(1849
-
1904) krug, Arnold
(1849
-
1916) Förster, Alban
(
1849
-
1934
)
Ruthardt, Adolf
(1850
-
1900) Fibich, Zdenék
(1850
-
1902)
Leopoldo Miguez
(1850
-
1907) Urspruch, Anton
(
1850
-
1909
)
Thomé, François
(1850
-
1923) Barth, Richard
(
1850
-
1924
)
Scharwenka, Xaver
(1850
-
1927) Faning, Eaton
(
1850
-
1927
)
Meyer
-
Olbersleben, Max
(
1850
-
1927
)
Olsen, Ole
(1851
-
1908) Beer, Max Josef
(1851
-
1909) Galimberti, Giuseppe
(1851
-
1909) Kühner, Conrad
(1851
-
1915) Wachs, Paul
(1851
-
1918) Andersson, Richard
(1851
-
1924) Chvála, Emanuel
(1851
-
1926) Wormser, André
(1851
-
1927) Graziani
-
Walter, Carlo
(
1851
-
1931
)
d’Indy, Vincent
(
1851
-
1935
)
Carmichael, Mary Grant
(
1852
-
1901
)
Leitert, George
(
1852
-
1921
)
Huber, Hans
(1852
-
1924) Stérnbérg, Constantin
(1853
-
1916) Knor
r, Iwan
(
1853
-
1919
)
Nicodé, Jean Louis
(1853
-
1937) Foote, Arthur
153
(
1853
-
1949) Sjögren, Emil
(
1854
-
1885
)
Zarembski, Jules (Juliusz)
(1854
-
1912) Tinel, Edgar
(1854
-
1925) Moszkowski, Moritz
(1854
-
1928) Janácek, Leos
(1854
-
1928) La Tombelle, Fernand de
(1854
-
1931) Chadwick, George W.
(1854
-
1941) Zöllner, Heinrich
(1854
-
1943) Buzzi
-
Peccia, Arturo
(1855
-
1918) Aggházy, Károly
(1855
-
1929) Rübner, Cornelius
(1855
-
1933) Ferraria, Luigi Ernesto
(1855
-
1943) Zilcher, Paul
(b.1856) Schwalm, Oscar
(1856
-
1905) Coenen, Lou
is
(1856
-
1911) Mottl, Felix
(1856
-
1923) Bird, Arthur
(1856
-
1928) Rohde, Wilhelm
(1856
-
1933) Schütt, Eduard
(
1856
-
1941
)
Sinding, Christian
(
1856
-
1948
)
Strong, Templetom
(1857
-
1930) Kennedy
-
Fraser, Marjorie
(1857
-
1940) Rogers, James
(1857
-
1941) Kienzl, Wilke
lm
(1857
-
1944) Chaminade, Cécile
(1857
-
1944) Lazzari, Sylvio
(1858
-
1910) Fuchs, Albert
(1858
-
1919) Müller
-
Reuter, Theodor
(1858
-
1924) Puccini, Giacomo
(1858
-
1929) Ochs, Siegfried
(
1858
-
1930
)
Lindeman, Peter
(1858
-
1937) Artsybushev, Nikolai
(1858
-
1937) Boni
s, Mélanie
(1858
-
1938) Franck, Richard
(
1858
-
1947
)
Shelley, Harry Rowe
(1859
-
1902) Brü
ck, Julius
(
1859
-
1907) Strelezki, Antoine (pseud. of
Nanton Burnand)
(1859
-
1908) Cursch
-
Bühren, Franz
Theodor
(1859
-
1920) Claasen, Arthur
(1859
-
1937) Ashton, Algernon
(18
59
-
1951)
Förster, Josef Bohuslav
(1860
-
?) Laub, Vasa
(1860
-
1909) Albéniz, Isaac
(1860
-
1918) Ladukhin, Nikolai
Mikhailovich
(1860
-
1928) Bellenot, Philippe
(1860
-
1933) Frugatta, Giuseppe
(1860
-
1938) Wurm, Marie
(1860
-
1939) Frontini, F. Paolo
(1860
-
1941) Pade
rewski, Ignace
(1860
-
1943) Barblan, Otto
(1860
-
1944) Erb, Joseph Marie
(b.1861) Holmes, George Augustus
(1861
-
1906) Arensky, Anton
(
1861
-
1908
)
MacDowell, Edward A.
(1861
-
1920) Lazarus, Gustave
(1861
-
1921) Caryll, Ivan, pseudo. Felix
Tilkin
(1861
-
1925) Bossi, Marco Enrico
(1861
-
1932) Meyer
-
Helmund, Erik
(1861
-
1933) Suk, Vasa (Václav)
(1861
-
1936) Galluzzi, Giuseppe
(
1861
-
1936
)
Whiting, Arthur Battelle
(1861
-
1949) Bréville, Pierre de
(1862
-
1897) Boëllmann, Léon
(1862
-
1918) Debussy, Claude
(1862
-
1933) Conus (K
onjus), Georgii
Eduardovich
(1862
-
1934) Kroeger, Ernest R.
(1862
-
1934) Maxson, Frederick
(
1862
-
1936
)
German, Edward
(1862
-
1944) Weis, Karel
(1863
-
1907) Reisenauer, Alfred
(
1863
-
1909
)
Bordes, Charles
(1863
-
1921) Gaynor, Jessie L.
(1863
-
1931) Singer, Otto, J
r.
(1863
-
1932) Kaun, Hugo
(1863
-
1942) Weingartner, Felix
(1863
-
1943) Oosterzee, Cornélie van
(1863
-
1948) Wihtol, Joseph
(1863
-
1958) Philipp, Isidor
(b.1864) Kotchetow, Nikolai
Razumnikovich
(1864
-
1892)
Levy, Alexandre
(1864
-
1894) Bachmann, Georges
(1864
-
1924) Krehl, Stephan
(1864
-
1932) d’Albert, Eugen
(1864
-
1936) Prochazka, Rudolf Freiherr
von
(1864
-
1936) Woollett, Henry Édouard
(1864
-
1945) Longo, Alessandro
(1864
-
1952) Lauber, Joseph
(1864
-
1955) Ropartz, Joseph Guy
(1864
-
1956) Gretchaninoff, Alexander
(1864
-
1956) Krentzlin, Richard
(1865
-
1906) Spinelli, Niccola
(
1865
-
1930
)
Loomis, Harvey Worthington
(1865
-
1936) Glazunov, Alexandre
154
(
1865
-
1938
)
Oren, Preston Ware
(1865
-
1941)
Brandão, José Domingues
(1865
-
1949) Dupin, Paul
(1865
-
1950) Jaques
-
Dalcrose, Émi
le
(1865
-
1951) Kahn, Robert
(b.1866)
Eggeling, Georg
(b.1866) Schäfer, Alexander
(1866
-
1914) Aulin, Tor
(1866
-
1920) Rebikov, Vladimir
(1866
-
1924) Busoni, Feruccio
(1866
-
1925) Satie, Erik
(1866
-
1929) Hennessy, Swan
(1866
-
1945) Pauer, Max
(b.1867) Thiessen,
Karl
(1867
-
1916) Granados, Enrique
(1867
-
1936) Wickenhauser, Richard
(1867
-
1938) Maykapar, Samuel
(1867
-
1942) Peterson
-
Berger, Olof
Wilhelm
(1867
-
1944) Beach, Mrs.
H. H. A. (Amy
Marcy Cheney)
(1867
-
1946) Barbour, Florence Newell
(1867
-
1951) Koechlin, Charl
es
(1868
-
1924) Merikanto, Oskar
(
1868
-
1928
)
Gilbert, Henry Franklin
Belknap
(1868
-
1936) Armstrong, William Dawson
(
1868
-
1937) Saar, Louis Victor
(1868
-
1945)
Braga, Francisco
(
1868
-
1952
)
Mortelmans, Lodewik
(1869
-
1919) Hopp, Hippolyt
(
1869
-
1937
)
Roussel, A
lbert
(1869
-
1938) Billi, Vincenzo
(
1869
-
1957
)
Poldini, Ede (Eduard)
(1870
-
1921) Coerne, Louis Adolphe
(1870
-
1938) Godowsky, Leopold
(1870
-
1938) Tarenghi, Mario
(1870
-
1949) Novák, Víteslav
(1870
-
1949) Walker, Ernest
(1870
-
1954) Straus, Oscar
(1870
-
1958) Sch
mitt, Florent
(1871
-
1940) Converse, Frederick Shepherd
(1871
-
1941) Fried, Oskar
(1871
-
1942) Zemlinsky, Alexander
(1871
-
1950) Ríhofský, Adalbert
(1872
-
?) Fischer, Émile
(1872
-
1921) Séverac, Déodat de
(1872
-
1934) Sekles, Bernhard
(1872
-
1940) Juon, Paul
(1872
-
1973) Büsser, Henri
(b.1873) Zolotareff, Vasili A.
(1873
-
1916) Reger, Max
(1873
-
1938) Letorey, Omer
(1873
-
1943) Rachmaninov, Sergei
(1873
-
1953) Jorgen, Joseph
(1873
-
1953) Mason, Daniel Gregory
(1873
-
1954) Roger
-
Ducasse, Jean
(1873
-
1957) Pozzoli, Ettore
(1
874
-
?
) Blumenthal, Sandro
(1874
-
1944) La Motte Fouqué, Friedrich,
Baron von
(1874
-
1947) Austin, Ernest
(1874
-
1947) Berr, José
(1874
-
1951) Schoenberg, Arnold
(1874
-
1953) Schmid, Heinrich Kaspar
(1874
-
1956) Lee, Ernest Markham
(1874
-
1956) Leighter, Henry Clough
(1874
-
1967) Gnesina, Yelena Fabianova
(1875
-
1934)O’Neill, Norman
(1875
-
1937) Melartin, Erkki
(1875
-
1937) Ravel, Maurice
(1875
-
1940) Tovey, Donald Francis
(1875
-
1947) Hahn, Reynaldo
(
1875
-
1950
)
Eiges, Konstantin
Romanovich
(1875
-
1956) Glière, Reinhold
(1875
-
1968) Labey, Marcel
(
1875
-
1968
)
Mokrejs, John
(1876
-
1932) Wilson, Mortimer
(1876
-
1938) Wender, Ernst
(1876
-
1943) Laparra, Raoul
(1876
-
1945) Akimenko, Feodor
Stepanovich
(1876
-
1951) Flegl, Václav
(1876
-
1953) Niemann, Walter
(1876
-
1967) Jindrich, Jin
drich
(1877
-
1932) Scott, John Prindle
(1877
-
1933) Karg
-
Elert, Sigfrid
(1877
-
1936) Jelmoli, Hans
(1877
-
1944) Ladmirault, Paul
(1877
-
1946) Dunhill, Thomas Frederick
(
1877
-
1952
)
Bortkievich, Sergei
Edvardovich
(1877
-
1957) Goedicke, Aleksandr
Federovich
(1877
-
1960) Dohnányi, Ernö (Ernst) von
(1877
-
1968) Aubert, Louis
(b.1878) Philip, Achille
(1878
-
1925) Caplet, André
(1878
-
1934) Schreker, Franz
155
(1878
-
1948) Farjeon, Harry
(1878
-
1954) Zagwijn, Henri
(1878
-
1958) Carse, Adam
(1879
-
1929) Vueillemin, Louis
(1879
-
1932
) Cras, Jean
(1879
-
1936) Respighi, Ottorino
(1879
-
1943) Shaw, Geoffrey
(1879
-
1950) Weismann, Julius
(1879
-
1954) Krasev, Mikhail Ivanovich
(
1879
-
1971
)
Scott, Syril
(1879
-
1972) Friml, Rudolf
(b.1880) Françaix, Alfred
(1880
-
1945) Karel, Rudolf
(1880
-
1956) Bainton, Edgar L.
(
1880
-
1959
)
Swinstead, Felix
(1880
-
1965) Inghelbrecht, Désiré
-
Émile
(
1880
-
1965) Willfort, Egon Stuart
(1880
-
1994) Rolfe, Walter
(b.1881) Paribeni, Giolio Cesare
(1881
-
1916) Kelly, Frederich Septimus
(1881
-
1943) Sim, Otakar
(1881
-
1944) Gilse
, Jan van
(1881
-
1948) Zilcher, Hermann
(1881
-
1955) Cuscinà, Alfredo
(1881
-
1961) Ford, Charles Edgar
(1881
-
1962) Strimer, Joseph
(1882
-
1948) Friedman, Ignaz
(1882
-
1955) Enesco, Georges
(1882
-
1961) Grainger, Percy Aldridge
(1882
-
1969) Bortz, Alfred
(1882
-
1969) Kricka, Jaroslav
(1882
-
1971) Stravinsky, Igor
(1882
-
1973) Ferté, Armand
(1882
-
1973) Malipiero, Gian Francesco
(b.1883) Perrachio, Luigi
(1883
-
1947) Braithwaite, Sam Hartly
(1883
-
1947) Casella, Alfredo
(1883
-
1950) Berners, Lord Gerald
Tyrwhitt
(1883
-
1956) Drozdov, Anatolii
Nikolaevich
(1883
-
1957) Gnesin, Mikhail Fabianovich
(1883
-
1959) Hauer, Josef Matthias
(1883
-
1969) Ansermet, Ernest
(
1883
-
1973
)
Harris, William H.
(
b.1884) Orban, Marcel
(1884
-
1921) Francmesnil, Roger de
(1884
-
1961) Bowen, York
(
b.1885
)
Ore, Harry
(b.1885) Stromenger, Karol
(1885
-
1914) Liadov, Anatole
(1885
-
1935) Delmas, Marc
(1885
-
1945) Antalffy
-
Zsiross, Dezsö
(Desider von)
(1885
-
1959) Allende Sarón, Pedro
Humberto
(1885
-
1960) Weiner, Leó
(1885
-
1961) Keller, Oswin
(1885
-
1961) Miles, Wa
lter E.
(1885
-
1961) Riegger, Wallingford
(1885
-
1971
) Smith, Warren Storey
(1885
-
1977) Torjussen, Trygve
(1886
-
) Fichandler, William
(1886
-
1951) Oldroyd, George
(1887
-
1925) Ceiller (Ceillier), Laurent
(1887
-
1929) Hakanson, Knut
(1887
-
1955) Labey, Charlotte
Sohy
(1887
-
1955) Lindberg, Oskar
(1887
-
1959) Villa
-
Lobos, Heitor
(1887
-
1964) Toch, Ernst
(1887
-
1974) Atterberg, Kurt
(1888
-
1953) Sigtenhorst Meyer, Bernhard
van den
(
1888
-
1954
)
Delvincourt, Claude
(1888
-
1979) Durey, Louis
(1889
-
?) Krause, Franz
(1889
-
1939)
Vellones, Pierre (Rousseu)
(1889
-
1962) Torrá, Célia
(1889
-
1969) Davico, Vincenzo
(1889
-
1971) Hier, Ethel Glenn
(
1890
-
1953
)
Campbell, Colin Macleod
(1890
-
1957) Ewing, Montague
(1890
-
1959) Hluchán, Jan
(
1890
-
1962
)
Feinberg, Samuel E.
(1890
-
1963) Jemnitz, Sándor (Alexandre)
(1890
-
1965) Fornerod, Aloys
(1890
-
1972) Philipp, Franz
(1890
-
1973) Bella, Rudolf
(1890
-
1973) Sammartino, Luis R.
(
1890
-
1974
)
Martin, Frank
(
1890
-
1981) Mana
-
Zucca (pseud. of
Augusta Zuckerman)
(1890
-
1987) Gál, Hans
(1891
-
1952) Busch, Adol
f
(1891
-
1952) Jacobi, Frederich
(1891
-
1966) Lemacher, Heinrich
(1891
-
1968) Finke, Fidelio F.
(
1891
-
1970
)
Donovan, Richard
(
1891
-
1976
)
Migot, Georges
(
1892
-
?
)
Loam, Arthur S.
156
(1892
-
1944) Wehrli, Werner
(1892
-
1958) Rowley, Alec
(1892
-
1974) Milhaud, Darius
(
1892
-
1980) Fiévet, Paul
(1892
-
1983) Tailleferre, Germaine
(1893
-
1931)
Gallet
, Luciano
(1893
-
1955) Rein, Walter
(1893
-
1960) Benjamin, Arthur
(1893
-
1961) Masetti, Enzo
(1893
-
1967) Blake, Dorothy Gaynor
(1893
-
1967) Griffis, Elliot
(1894
-
1930) Warlock, Peter
(Pseud. of
Philip) Heseltine
(1894
-
1947) Pijper, Willem
(1894
-
1972) Jacobi, Wolfgang
(1894
-
1973) Vorlová, Sláva
(1894
-
1976) Roesgen
-
Champion, Mme
Marguerite
(1894
-
1977
) Schelb, Joseph
(1894
-
1979) Klink, Waldemar
(1894
-
1981) Girnatis, Walter
(1895
-
1953) Os
er, Hans
(
1895
-
1956
)
Gieseking, Walter
(1895
-
1960) Kinscella, Hazel Gertrude
(1895
-
1963) Hindemith, Paul
(1895
-
1968) Sowerdy, Leo
(
1895
-
1975
)
Dandelot, Georges
(
1895
-
2002
) Ornstein, Leo
(1896
-
1950) Kountz, Richard
(1896
-
1963) Szeligowsky, Tadeusz
(1896
-
1966
) Lang, Walter
(1896
-
1970
) Greer, Jesse
(1896
-
1973) Knorr, Ernst Lothan von
(1896
-
1976) Jacobson, Maurice
(1896
-
1977) Monnikendam, Marius
(1896
-
1978) Ficher, Jacobo
(1896
-
1978
) Siegl, Otto
(1896
-
1979) Briquet, Marc
(1896
-
1980) Pillney, Karl Hermann
(1896
-
1989) Thomson, Virgil
(1897
-
1948) Fernadez, Oscar L.
(1897
-
1966) Cassadó, Gaspar
(1897
-
1968) Lang, Hans
(1897
-
1976
) Volkart
-
Schläger, Käthe
(1897
-
1985
) Marx, Karl
(1897
-
1986)
Francisco Mignone
(1897
-
1986) Tansman, Alexandre
(1897
-
1993) Gêiser, Walther
(
1898
-
1959
)
Mulder, Herman
(1898
-
1962) Delannoy.
Marcel
(1898
-
1968) Demuth, Norman
(1898
-
1969) Röntgen, Johannes
(1898
-
1980) Lefeld, Jerzy
(1898
-
1988) Vuataz, Roger
(1898
-
1990) Bacon, Ernst
(
1899
-
?
)
Powell, Laurence
(1899
-
1963) Beck, Thomas
(1899
-
1963) Poulenc, Francis
(1899
-
1965) Demarquez, Suzanne
(1899
-
1967) Müller von Kulm, Walther
(
1899
-
1977
)
Tcherepnin, Alexander
(
1899
-
1981
)
Cheslock, Louis
(1899
-
1983) Auric, Georges
(1899
-
1986) Lovelock, Willian
(
1899
-
1992
)
Skold, Yngve
(1899
-
1997) Hoffding, Finn
(
1900
-
)
Scher, Willian
(1900
-
1936) Ferroud, Pierre
-
Octave
(1900
-
1955) Dunayevskii, Isaak
(1900
-
1975) Herrmann, Kurt
(
1900
-
1975
)
Thiman, Eric
(
1900
-
1978
)
Veretti, Antoni
(1900
-
1991) Krenek, Ernst
(1900
-
1992) Korda, Viktor
(1900
-
1994) Verhaar, Ary
(1900
-
1996) Luening, Otto
(
1900
-
ca.1943
)
Smit, Leo
(1901
-
) Bassot, Nanine
(
1901
-
1944
)
Kauffmann, Leo Justinius
(1901
-
1954) Rogalsky, Theodor
(
1901
-
1969
)
Jelinek, Hanns
(
1901
-
1972) Portnoff, Mischa
(
1901
-
1973
)
Dittenhaver, Sarah Louise
(1901
-
1974)
Maul, Octavio
(1901
-
1977) Groven, Eivind
(1901
-
1980) Brockt, Johannes
(1901
-
1991)
Braunwieser, Martin
(1901
-
1991) Pelemans, Willem
(1902
-
) Fly, Leslie
(1902
-
) Munn, William
(1902
-
1964) Liviabella, Lino
(1902
-
1969) Szabó, Ferenc
(1902
-
1976) Alexandrescu, Romeo
(
1902
-
1976
)
Maler,
Wilhelm (pseud. of
Christoph Tucher)
(1902
-
1983) Walton, William
(1902
-
1993) Mortari, Virgilio
(1902
-
1999) Rodrigo, Joaquín
(1903
-
1939) Fogg, Erich
(1903
-
1960) Milford, Robin
157
(1903
-
1960) Raphael, Günter
(1903
-
1963) Nieland, Jan
(1903
-
1983
128
) Kadosa, Pál
(19
03
-
1985) Ezell, Helen Ingle
(1903
-
1989) Berkeley, Lennox
(1903
-
1990) Arrieu, [Mme.] Claude
(
1903
-
1997
) Dungan, Olive
(1903
-
1999) Farina, Guido
(
1903
-
1999) Pitfield, Thomas Baron
(
1904
-
)
Myklegard, Age
(1904
-
1957) Brehme, Hans
(1904
-
1962) Yvano
-
Radkevich,
Nicolaï
Pavlovich
(1904
-
1962) Zaranek, Stefaniia
Anatol’evna
(1904
-
1972) Szelényi, Istvan
(1904
-
1978) Frid, Géza
(1904
-
1978) Richardson, Alan
(1904
-
1984) Schroeder, Hermann
(1904
-
1993
) Baum, Alfred
(1904
-
1995) Zecchi, Adone
(1904
-
2003) Petrassi, Goffredo
(1904
-
2006) Takagi, Toroku
(
1905
-
1946
)
Müller, Sigfrid Walther
(1905
-
1951) Lambert, Constant
(
1905
-
1961
)
Piccioli, Giuseppe
(
1905
-
1971
)
Rawsthornet Alan
(
1905
-
1972
)
Chagrin, Francis, pseudo.
Alexander Paucker
(1905
-
1981) Pizzini, Carlo Alberto
(1905
-
1985)
Orthel, Léon
(1905
-
1987) Arma, Paul, pseud. Imre
Weisshaus
(1905
-
1988) Schaum John W.
(
1906
-
)
Smith, Eric
(1906
-
1968) Kjaer, Vilfred
(
1906
-
1975
)
Shostakovich, Dmitri
(
1906
-
1977
)
Jacob, Maxime (Dom
Clément Jacob)
(
1906
-
1982
)
Ó Gallchobhair
(O’Gallagher), É
amonn
(1906
-
1984) Frommel, Gerhard
(1906
-
1987) Borris, Siegfried
(1906
-
1988)
Gnattali, Radamés
(1906
-
1989) Gump, Richard (pseud.
Dr.
Fritz Guckenheimer
)
128
htt
p://www.hungaroton.hu/classic/info.php?info=
808&vez=k
,
site
que divulga o CD (1903
-
)
Kadosa,
Pál: piano music
, consta a data de 1988,
conflitando com a maioria das fontes.
(1906
-
1990) Mieg, Peter
(1906
-
1997) Hess, Willy
(1907
-
) Kaminskii, Dmitrii Romanovich
(1907
-
1964) Boscovich, Alexander Uriah
(1907
-
1987) Badings, Henk
(1907
-
1987
) Höller, Karl
(
1907
-
1988
)
Phillips, Burril
(1907
-
1989) Palester, Roman
(1907
-
1992
) Ránki, György
(1907
-
1996) Bessem, Saar
(1907
-
2000) Gutchë, Gene (pseud.
Of
Romeo E. Gutsche)
(1907
-
2001) Berlin, B
oris, pseud.
Lawrence London
(1908
-
) Kevan, G. Alexander
(1908
-
1953) Tarp, Svend Erik
(1908
-
1972) Balbin, Victor
(1908
-
1979) Franco, Johan H. .
(
1908
-
1979
)
Kabelác, Miloslav
(1908
-
1981) Bartos, jan Zdenek
(
1908
-
1989
)
Johnson, Thomas A.
(1908
-
1989) Stevens,
Halsey
(1908
-
1990) Rakov, Nikolai Petrovich
(1908
-
1992) Margola, Franco
(1908
-
1994) Hessenberg, Kurt
(1908
-
2002) Lesur, Daniel
(1908
-
2002) Staempfli, Edward
(
1909
-
)
Genzmer, Harald
(1909
-
1980
) Fulton, Norman
(1909
-
1987) Braal, Andries de
(1909
-
1987) Lavagnino, Angelo Francesco
(1909
-
1993) Burghardt, Hans
-
Georg
(1909
-
1998) Haufrecht, Herbert
(1910
-
) Frank, Alan
(1910
-
) Whitefield, Bernard
(1910
-
) Wijdefeld, Wolfgang
(1910
-
1981) Barber, Samuel
(1910
-
1988
) Raphling, Sam
(
1910
-
1994
)
Stravinsky, Soulima
(1910
-
1997) Horder, Mervyn Horder,
Baron
(1910
-
1999) Slavický, Klement
(1910
-
2000
)
Heiden, Bernhard
(
1910
-
2000
)
Osieck, Hans
(1910
-
2001) Hengeveld, Gerard
(1911
-
1955)
Bryan, Charles Faulkner
(
1911
-
1971
)
Mul, Jan
(1911
-
1977) Szervánsky, Endre
(1911
-
1984
) Studer,
Hans
(1911
-
1985) Norre, Dorkas
158
(1911
-
1987
129
) Tate, Phyllis
(1911
-
1991) Werdin
, Eberhard
(1911
-
1995) Degen, Helmut
(
1911
-
2000
)
Hovhaness, Alan
(1911
-
2007) Agay, Denes
(
1911
-
)
Mcbride, Robert
(1911
-
) Shaw, Clifford
(1911
-)
Pinto, Aloysio de Alencar
(1912
-
) Gr
aham, Robert
(1912
-
) Khadzhiev, Parashkev
(1912
-
) Lahmer, Ruel
(1912
-
2000) Pentland, Barbara
(1912
-
1995) Rosenstengel, Albrecht
Arthur J.
(1912
-
1988) Strategier, Herman
(
1912
-
1973) Yevlakhov, Orest
Aleksandrovich
(1912
-
2004) Young, Percy Marchall
(1912
-
197
0) Dahl, Ingolf
(1912
-
1986) Nagan, Zvi Herbert
(1912
-
1993) Dichler, Josef
(1912
-
1997) Françaix, Jean
(1912
-
1999) Brown, Rayner
(1913
-
) Ahlberg, Tor
(1913
-
2000
) Archer, Violet
(1913
-
) Brant, Henry
(1913
-
1988) Bresgen, Cesar
(1913
-
) Dello Joio, Norman
(1913
-
2004) Jersild, Jorgen
(1913
-
) Khrennik
o
v, Tikhon
(1913
-
1998) Knight, Colin
(1913
-
) Komma, Karl Michael
(
1913
-
1994
)
Lutoslawski, Witold
(
1913
-
1999
)
Masséus, Jan
(
1913
-
2005) Read, Gardner
(1913
-
1973) Ginneken, Jaap van
(1913
-
1975) Britten, Benjamin
(1914
-
2001) Flothuis, Marius
(1914
-
1993) Groot, Cor de
(1914
-
1994) Haieff, Alexei
(1914
-
1994
) Rohwer, Jens
(1914
-
2000
) Salter, Lionel
(1914
-
1997) Zipp, Friedrich
(1914
-
1972) Anderberg, Carl
-
Olof
(1915
-
) Alexander, Haim
(
1915
-
2004
)
Hanus, Jan
(
1915
-
)
Jordan, Royland
(1915
-
) Palmer, Robert
129
Fontes divergem, apontando para a data de 1985
e 1987
(1915
-
1987) Persichetti, Vincent
(1915
-
1987
130
) Procter, Alice McElroy
(
1915
-
2006
)
Schuster, Giora
(1915
-
) Wray, John
(
1915
-
1963
)
LeGallienne, Dorian
(
1915
-
1969
)
Kahn, Marvin
(1915
-
1971) Quinet, Marcel
(1916
-
2003) Binkerd, Gordon
(
1916
-
1997) Graves, John
(1916
-
1980) Jerea, Hilda
(
1916
-
2000
)
Papineau
-
Couture, Jean
(
1916
-
1983
)
Stevens, Bernard
(
1916
-
1983
)
Wyk, Arnold van
(1916
-
1969) Reda, Siegfried
(1916
-
1969) Schiske, Karl
(1916
-
1978) Lubin, Ernest
(1916
-
1979) Weber, Ben
(1917
-
) Arnell, Richard
(1917
-
) Harvey, Vivien
(1917
-
1969) Poser, Hans
(1917
-
1995) Kay, Ulysses
(1917
-
1998
) Klerk, Albert de
(
1918
-
)
Dijk, Jan van
(1918
-
1985
) Betts, Lorne
(
1918
-
2005
)
Rochberg, George
(1919
-
1989)
Cláudio Santoro
(1919
-
1988) Delden, Lex van
(1919
-
1988
)
Sugar, Rezso
(
1919
-
1995
)
McGraw, Cameron
(1919
-
) Kasemets, Udo
(1919
-
) Suter, Robert
(1920
-
1990) Fricker, Peter Racine
(1920
-
) LaMontaine, John
(
1920
-
)
Marinuzzi, Gino, Jr.
(
1920
-
)
Sárközy, Istvan
(
1920
-
)
Shapero, Harold
(
1920
-
1966
)
Járdányi, Pál
(1921
-
2006) Arnold, Malcolm
(1921
-
) Beeson, Jack
(1921
-
) Bitsch, Marcel
(
1921
-
1990
)
Dobrowolski, Andrzej
(1921
-
2006) Dörumsgaard, Arne
(
1921
-
)
Haney, Ray
(
1921
-
)
Husa, Karel
(
1921
-
)
Imbrie, Andrew
(
1921
-
2002
)
Shapey, Ralph
(
1921
-
)
Szöllosy, András
(
1921
-
)
Townsend, Douglas
130
Fontes na internet diverg
em entre 1987 e 1997.
159
(1921
-
1957) Kurka, Robert
(1921
-
1969) Boldemann, Laci
(1922
-
) Applebaum, Stanley
(1922
-
) Bavicchi, John
(1922
-
2006) Blomberg, Erik
(1922
-
) DuPlessis, Hubert
(1922
-
) Fiala, George
(1922
-
2004
) Jones, Kelsey
(1922
-
2005) Lancen, Serge
(1922
-
1993
) Pa
tachich, Ivan
(1922
-
2003) Raichev, Aleksandur
(1922
-
) Walker, George
(1923
-
1977) Dring, Madeleine
(1923
-
) Ive
y, Jean Eichelberger
(1923
-
1981) Lybbert, Donald
(1923
-
1994) Woollen, Russell
(1923
-
1960) Balkashin, Iuri A.
(1924
-
2002)
Penalva, José
(1924
-
) Ait
ken, Hugh
(1924
-
) Dodgson, Stephen
(1924
-
) Forsman, John Väinö
(1924
-
2003) Josif, Enriko
(1924
-
) Kaplan, Robert Barnett
(1924
-
) Lee, Noël
(1924
-
1989) Snízková, Jitka
(1924
-
) Szonyi, Erzsébet
(1925
-
1996) Andriessen, Juriaan
(1925
-
1979) Baumann, Herbert
(192
5
-
) Ferrari, Giorgio
(1925
-
1988) Glover, David Carr
(1925
-
) Klebe, Giselher Wolfgang
(1925
-
) Sesták, Zdenék
(1925
-
2007) Wuensch, Gerhard
(1926
-
1985) Arizaga, Rodolfo
(1926
-
) Campbell, Henry
(1926
-
) Cundick, Robert
(1926
-
1987) Feldman, Morton
(1926
-
) Graves
, Richard Harding
(
1926
-
)
Kaegi, Werner
(1926
-
) Kohn, Karl
(1926
-
) Kurtág, György
(1926
-
) Preobrajenska, V.
(
1926
-
)
Reynolds, Vern
(
1926
-
1998
)
Vieru, Anatol
(
1926
-
1979) Shifrin, Seymour
(1927
-
) Beckwith, John
(1927
-
) Bhatia, Vanraj
(1927
-
) Diercks, John
(1
927
-
) Dietrich, Karl
(1927
-
2000) Donatoni, Franco
(1927
-
) Felton, James
(1927
-
) Havlícek, Ilja
(
1927
-
)
Joubert, John
(
1927
-
2005) K
och, Frederick
(1927
-
) Lacerda, Osvaldo Costa de
(
1927
-
)
Luciuk, Juliusz
(
1927
-
)
Moss, Lawrence
(
1927
-
2003
)
Swift, Richard
(
1927
-
1969
)
Maxfield, Richard Vance
(1928
-
) Cumming, Richard
(1928
-
) Damase, Jean
-
Michel
(1928
-
2007) Farquhar, David
(1928
-
2001) Helps, Robert
(1928
-
) Krieger, Edino
(
1928
-
)
Mamlok, Ursula Lewis (Lewis
-
Mamlok, Ursula)
(
1928
-
)
Musgrave, Thea
(
1928
-
)
Sydeman,
William
(1929
-
1996) Denisov, Edison
(1929
-
) Finkbeiner, Reinhold
(1929
-
1977) Hemmer, Eugene
(1929
-
) Hoddinott, Alun
(1929
-
) Lanza, A
lcides
(1929
-)
Ernst Mahle
(1929
-
1997) Mayuzumi, Toshiro
(1929
-
) Muczynski, Robert
(1929
-
) Schäffer, Boguslaw
(
1930
-
)
Botte
nberg, Wolfgang
(1930
-
) De Pablo, Luis
(
1930
-
)
Dvorkin, Judith
(1930
-
) Felciano, Richard
(1930
-
) Gottlieb, Jack
(1930
-
1995) Kochan, Günther
(1930
-
) Soproni, Jo
z
s
ef
(1930
-)
Villani
-
Cortes, Edmundo
(1931
-
) MacCluskey, James Thomas
(
1931
-
)
Owen, Harold
(1931
-
) Pleskow, Raoul
(1931
-)
Santos, Murilo
(
1931
-
)
Smith, Gregg
(1931
-
2003) Williamson, Malcolm
(1932
-
) Biggs, John
(1932
-
) Elliot, Robert
(1932
-
) Kopelent, Marek
(
1932
-
)
Meale, Richard
(
1932
-
)
Widdoes, Lawrence L.
(1932
-
) Willians, David Russell
(1932
-
) Zan
inelli, Luigi
(1933
-
) Ashforth, Alden
(1933
-
) Brandse, Wim
160
(1933
-
1986) Lopez de la Rosa, Horacio
(1933
-
) Spiegelman, Joel
(1933
-
) Subotnick, Morton
(1933
-
) Tibbits, George
(1934
-
) Bois, Rob du
(1934
-
) Brings, Alan
(1934
-
) Dickinson, Peter
(
1934
-
)
Gilbert,
Anthony
(1934
-)
Correa, S. de Vasconcellos
(1934
-)
Morozowitz, Henrique (pseud.
Henrique de Curitiba)
(1934
-
) Wolff, Christian
(1935
-
) Butterley, Nigel
(1935
-)
Kaplan, José Alberto
(1935
-
) Mumma, Gordon
(1936
-
) Bennett, Richard Rodney
(
1937
-
)
Del Tredici,
David
(1937
-
1991) Kosteck, Gregory
(
1938
-
)
Sigurbjörnsson, Thorkell
(1938
-
) Wuorinen, Charles
(1939
-
) Andriessen, Louis
(1939
-
) Frischknecht, Hans Eugen
(1939
-
) Kramer, Duane
(1939
-)
Tacuchian, Ricardo
(1942
-)
Antunes, Jorge
(1942
-
) Mater, Eduardo
(1943
-)
Escobar, Aylton
(1943
-)
Prado, J. A. Rezende de Almeida
(1944
-)
Resende, Marisa
(1944
-)
Soares, Calimério
(1945
-
) Jelinek, Stanislav
(1945
-
) O’Brien, Eugene
(1945
-
) Peck, Russell
(1945
-
) Wesley
-
Smith, Martin
(1946
-
) Boyd, Anne
(1947
-
) Hoyt, Reed
(1947
-
) K
arlsen, Kjell Mör
k
(1948
-)
Korenchendler, Dawid
(1948
-)
Miranda, Ronaldo
(1952
-)
Vieira, Amaral
(1953
-
) Boyle, Harrison
(1953
-)
Lanna, Oiliam
(1955
-)
Sabbato
,
Sérgio di
(1955
-)
Seincman, Eduardo
(1959
-)
Victorio, Roberto
(1963
-)
Mattos, Fernando Lewis de
(1968
-)
Cervo, Dimitri
161
ENTREVISTAS
Roteiro das entrevistas
1)
Nome do parceiro de duo atual (ou do último parceiro):
2)
Tempo de experiência com a formação:
3)
Experiências com outro (s) parceiro(s):
3.1)
Profissional ou não? Quanto tempo?
4)
Experiência com outras formações camerísticas: quais?
5)
Comente como começou a praticar o piano a quatro mãos:
6)
Como se deu a escolha do(s) parceiro(s)?
7)
Que conselho(s) você daria para a escolha de um bom parceiro?
8)
No caso de ter tido experiência com outro(s) parceiro(s), comen
te as diferenças
observadas, tanto no aspecto musical, quanto da relação pessoal:
9)
No caso de ter tido experiências com outras formações camerísticas, comente as
diferenças observadas:
10)
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução d
o pianista? Caso
afirmativo, quão importante? Comente a respeito:
11)
Em que aspectos o pianista pode evoluir? Fale sobre sua experiência:
12)
Notou, em algum momento,
absorção
ou
troca
de características musicais pessoais entre
vocês, tais como temperamento e personalidade musical ou técnica? Caso afirmativo, isto
foi importante na sua evolução pianística? Comente a respeito:
13)
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do piano a
quatro mãos?
14)
Falando sobre a relação pessoal entre os músicos, houve mudanças ou dificuldades?
15)
Como é o planejamento e rotina dos seus ensaios?
16)
Como se dá a escolha de partes (
primo
e
secondo
) entre vocês?
16.1)
Você teria conselho(s) geral(is) para esta questão?
17)
Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
18)
Já foi observada alguma preferência geral sobre quem toca a parte do
primo
ou
secondo
?
Caso afirmativo, por quê?
19)
Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da proximidade
física entre os músicos?
20)
Em rela
ção ao banco, já experimentaram alguma mudança, como por exemplo posição e
altura? Notaram
-
se melhorias?
21)
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo secondo, ou já experimentaram
uso ocasional pelo
primo
? Caso afirmativo, comente sobre a questão
:
22)
Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página, ou sempre fazem uso de
uma terceira pessoa?
162
23)
Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte, ou por
aquelas em forma de grade?
24)
Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como procedem para solucionar a
questão?
25)
Em geral, como procedem para solucionar problemas de sincronismo?
26)
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as partes, em
relação ao posicionamento de braços, mãos e ded
os?
26.1)
Essas medidas são anotadas na partitura? Como?
26.2)
Caso seja utilizado uma mão sobre a outra, que parte geralmente fica por cima,
e que parte fica por baixo?
26.3)
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição
correta de duo?
26.4)
Você
toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona?
26.5)
Na escolha do dedilhado, tem
-
se a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
27)
De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico ótimo?
28)
Já ocorreram casos onde houve necessidade de redistribuição das partes? Exemplifique:
29)
Existe preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer dizer, vocês se
preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas seme
lhantes?
29.1)
Vocês ensaiam a parte coreográfica da performance? Você acredita que ela
pode gerar efeito performático mais satisfatório?
163
Entrevista com a pianista Sonia Maria Vieira
Data: 16/11/2006
Local: Escola de Música da UFRJ Rio de Janeiro
Marcelo: Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Sonia:
Maria Helena de Andrade
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Sonia:
20 anos. Completamos este ano 20 anos de duo.
Marcelo:
Você teve e
xperiências
de duo com outros parceiros?
Sonia:
Sim.
Desde pequena, quando eu comecei, já fazia piano a quatro mãos. O meu
aprendizado começou desta forma. Toda a noite eu tocava com meu professor, de oito até as
onze da noite.
Marcelo:
E
você teve
experiência profissional com outros parceiros
?
Sonia:
Bem, é tanta coisa
...
Eu já devo ter tocado sim. Deixa eu me lembrar
...
Eu fiz muita
música de câmera.
Toquei...
Toquei com uma colega de mestrado
...
Carol Murta Ribeiro.
Fizemos
Bartok, sonata para dois pia
nos e percussão
.
Marcelo:
Mas isso
foi a
dois pianos. A quatro mãos não, certo?
Sonia:
Não, mas eu devo ter feito, não me lembro agora.
Marcelo: Tudo bem, mas o principal, com a Maria Helena já tem 20 anos.
Sonia:
Isso, 20 anos.
Marcelo:
E você tem experiê
ncia com outras formações camerísticas? Quais são as
principais?
Sonia:
Tenho. Duo de percussão, com o Luiz Anunciação. Piano e flauta, com o Antônio
Carlos Carrasqueira, fizemos até
um Festival, chamado “Sul América de Música Erudita”.
Com violino, toquei
com o
Smilgin
, até a morte dele. Eu sempre fiz muita música de câmera
...
Toquei em duo com os violoncelistas: Watson Clis, e com o Antônio Jerônimo Menezes, com
Márcio Mallard e Alceu Reis
.
Tenho inclusive um disco gravado com o Márcio
Mallard
,
Alceu Reis
, e o Watson Clis. Tive duo com clarineta (José Arthur Rua),
com oboé, com
trombone
... trio com oboé e trompa... Então, toquei com quase todos os instrumentos!
Marcelo: Resumindo, quase tudo, não é?[risos] E foi desde quando?
Sonia:
Desde sempre! Sempre, s
empre. Quando eu era aluna, perguntei à Atelis
a Salles
, que
era minha colega: você quer fazer duo? Ela me disse: “Que milagre! Ninguém aqui quer fazer
duo!” Porque eu sempre adorei fazer música de câmera.
Marcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como vo
cê começou a fazer piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Sonia:
Tomei conhecimento, quando eu comecei a estudar. Meu professor me incentivou
sempre a fazer piano a quatro mãos, ele achava que era muito importante. E como ele morava
no mesmo ed
ifício que eu,
à noite ele ia lá para casa e nós ficávamos lendo tudo o que
passava pela frente. É isso. Por isso que com um ano de piano, eu não tinha dificuldade de
leitura, porque eu lia demais.
Então, (tirar eu) acompanhei uma ópera: Otelo, fui
acompan
hadora da ópera inteira, aos doze anos de idade.
Marcelo: Então, você acha que deve muito a essa prática?
164
Sonia:
Devo, exatamente, à essa prática.
Marcelo: Como se deu a escolha do seu parceiro? No caso, a Maria Helena?
Sonia:
Havia uma necessidade
...
de
, no Festival Liszt da Semana da Escola de Música,
de se
fazer uma homenagem ao compositor. E nós decidimos então tocar juntas. Começamos a dois
pianos, fazendo o concerto Patético, e tocamos outras músicas, como as Variações de Saint
-
S
äe
ns, e outras peças,
para completar o programa. Começou assim. Nessa época, eu estava
como Diretora do Setor Artístico
-
Cultural da E.M. e ela trabalhava
como Supervisora do
Setor; além disso, éramos colegas de Mestrado.
Marcelo: Mas, uma procurou a outra? Ou foi alguém que falou: “você vai tocar com ela”?
Sonia:
Não, nós falamos: temos que fazer essa comemoração; e decidimos então fazê
-
la!
Marcelo:
E que conselho você daria para a escolha de um bom parceiro, Sonia?
Quais
qualidades você acha que um bom parceiro tem que ter? Ou seja, quando você vai escolher, o
que você vai procurar?
Sonia:
A primeira coisa, você tem que ter compatibilidade.
E também, não tem que ter
estrelismo. Se houver estrelismo, isso logo acaba com tudo. Agora, é absolutamente
indispensável que se busque uma sintonia...
Uma sintonia de som. Porque se não houver uma
sintonia de som, depois de um tempo, o negócio degringola e não vai adiante.
Marcelo:
Claro. E quando você fala em compatibilidade, você quer dizer tanto musical,
quanto pessoal?
Sonia:
Certamen
te.
Marcelo:
No
seu
caso,
que teve experiências com outros parceiros, você consegue
comentar alguma diferença que tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto da relação
pessoal?
Sonia:
Sim. Você tem que conhecer os valores da pessoa: quando a pess
oa faz música por
status, é uma coisa, quando a pessoa faz música porque tem prazer, tira prazer daquilo, é outra
coisa. Há uma diferença fundamental! Agora existe o problema do estrelismo e o problema,
também, de temperamento
:
muitas vezes o temperamento não bate, e as pessoas ficam
suscetíveis. Se você menciona alguma coisa, ou escuta alguma coisa e não aceita...
começam
os problemas.
Marcelo: Quando você fala do temperamento, quer dizer, musical?
Sonia:
Sim, artístico, musical, principalmente. Não é nem
o temperamento pessoal, é o
musical mesmo. Você entra em choque com a parte musical do outro colega, e isso não dá
certo.
Marcelo: E você acha que isso pode afetar aspectos como, por exemplo: equilíbrio dinâmico,
sincronismo?
Sonia:
A primeira coisa fundam
ental que vai afetar é
a respiração.
E
la
tem que ser idêntica.
Se não houver respiração idêntica, tem que ser trabalhada e já fica mais difícil. Quando eu
digo respiração, é a respiração física e musical. Uma coisa é quando ambos [entrevistad
a
inspira para
exemplificar] pegam o ar juntos para fazer um determinado [ataque]
...
É
diferente, quando um está inspirando e o outro expirando, parece que não, mas faz diferença!
Marcelo:
E, no
seu caso
, que já teve experiências com várias outras formações, o que obser
va
de mais diferente em relação ao piano a quatro mãos?
Sonia:
É fantástico. Porque as outras formações te dão, justamente o que você não tem,
quando faz quatro mãos: qualidades diferentes de timbres.
A quatro mãos
,
você está num
mesmo instrumento
;
com ou
tros grupos você tem coloridos diferentes. Então, isso faz com
que você preste atenção aos coloridos que o piano pode oferecer,
e busque
essas diferenças,
165
esses timbres diversos. Guerra Peixe, na minha tese de mestrado, inclusive
que é
sobre isso,
sobre as
características instrumentais na obra para piano do Guerra
-
Peixe, em suas obras
pedia assim: “como: celesta, flauta, inúbia do cabocolinho,
etc.
”; então você tem que procurar
imitar o som da inúbia, da celesta, etc
...
E isso faz uma diferença muito grande
. Nas outras
formações, você aprende a ter uma idéia orquestral do piano e isso é importante.
Marcelo:
Essas seriam as contribuições que as outras formações poderiam
dar
tanto para a
execução a quatro mãos quanto solo.
Sonia:
Claro, contribuições para a in
terpretação musical; mas, também, tocar com outros
instrumentos nos ensina a prestarmos atenção às necessidades de respiração, que são
diferentes se você toca com instrumentos de sôpro, canto ou cordas.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mão
s é importante na evolução do
pianista?
Sonia:
Sim, muito importante. Embora possa trazer problemas de coluna... [risos].
Marcelo: Em que aspectos o pianista pode evoluir com essa prática? Fale um pouco sobre sua
experiência.
Sonia:
Em todos os campos. Não
só no campo do repertório, que poderá tornar
-
se
muito
amplo, já que será solicitado a
pesquisar e a partilhar um repertório diferente, muitas das
vezes. Mas também, saber como ocupar seu instrumento, o espaço, a noção espacial, é muito
importante também,
para que a própria pessoa lucre como solista. Eu acho que esses dois
fatos são importantes... A posição do pianista camerista vai se tornar muito mais flexível, da
do que é somente solista. Outra maneira de evoluir é ouvir o que o seu colega tem a dizer a
respeito da obra, ponderar se você concorda ou não com sua opinião, experimentar sua idéia,
refletir sobre o que você sente ao tocar a obra e estar sempre aberto às novas experiências.
Marcelo:
Sim, Claro. Você notou, em algum momento, nesses 20 anos de ex
periência,
alguma absorção ou troca de características musicais pessoais
entre
vocês, tais como:
temperamento, personalidade musical, ou técnica?
Sonia:
Nós temos dois toques completamente diferentes, mas procuramos sempre ligar, unir
nossos sons.
Marcelo
:
E você notou que em algum momento você começou a tocar da maneira dela ou ela
à sua maneira, ou se você absorveu alguma coisa da técnica dela ou não?
Sonia:
Nesse campo, acho que há sempre a necessidade de se conversar, para se chegar a um
resultado melhor. Eu acho que é necessária a partilha, se não houver, não se chega a um bom
resultado. Algumas vezes, não se chega a alcançar o resultado pretendido.
Marcelo:
Sim, claro. Pergunto isso porque notei, com a minha experiência, que num
determinado momento, n
o segundo ano, quando que eu tocava com o Luciano, eu estava
absorvendo um pouco do temperamento do Luciano e ele do meu. E, no caso, isso foi muito
importante para eu evoluir porque eu absorvi coisas que eu não tinha.
Sonia:
Isso ocorre mesmo em qualquer tipo de camerismo. E você pode absorver, realmente.
Marcelo: Mas você acha que isso pode ser mais no piano a quatro mãos?
Sonia:
Não, não creio que seja mais. É a mesma coisa, a mesma relação, com qualquer
instrumento. Eu acho que podemos aprender sempre
com quaisquer instrumentistas. Por
exemplo, no caso de se atuar com instrumentistas de sopro, teremos que compreender como
nossos colegas usam a respiração, onde têm necessidade de relaxar, etc. E, com isso, você
passa a prestar mais atenção a detalhes que
, geralmente, passam despercebidos quando você
toca com violinos, por exemplo. Nos instrumentos de corda
a afinação é algo fundamental,
muito importante para o resultado final da obra. Tudo isso. Agora, eu creio que o elemento
166
que un
e
, realmente, é
a conce
pção da obra e
a
verdade que cada um tem que repartir com o
outro. Tem que
haver um constante diálogo entre os cameristas, para que se chegue a um
ponto
comum. Você tem uma concepção da música e a outra pessoa tem outra, a sua própria:
vocês têm que chegar a uma terceira idéia, que seja o somatório da de cada um em particular e
que seja verdadeira para ambos.
Marcelo: E vai mudar muito porque vocês tocam o mesmo instrumento, certo?
Sonia:
Exatamente. Então, tem que
se
chegar a um
ponto
comum, senão não se faz música.
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do
piano a quatro mãos?
Sonia:
As dificuldades geralmente são: dividir um mesmo banco, portanto um problema
espacial; decidir o posicionamento nas teclas, se u
ma pessoa tem que tocar mais para dentro
do teclado e a outra para fora, se tem que colocar a mão sobre ou sob a do(a) colega, além do
que nós já havíamos falado: saber ouvir e buscar solução para o conflito de idéias.
Muitas
vezes os biorritmos não estão em sintonia, por variadas razões!
Marcelo: Discussões de concepção...
Sonia:
Discussões de concepção. Exatamente. São problemas sérios. Porque aí, como você
vai resolver, se um diz assim: eu quero assim, e o outro: eu quero assado. Tem que
se
chegar a
um l
ugar comum!
Marcelo: Essa minha próxima pergunta já entraria direto nisso, que eu falei, sobre a relação
pessoal entre os músicos: houve mudanças ou dificuldades? Mudou alguma coisa na sua
relação desde quando você começou o duo até agora? Teve dificuldade
s?
Sonia:
Certamente que existem dificul
dades, sim. Se há um problema, e
le tem que ser
resolvido.
Marcelo: Sempre resolvido com uma conversa...
Sonia:
Exatamente, com uma conversa ele será resolvido.
Marcelo: Como é que funciona, quando vocês estão em ép
ocas de atividade, o planejamento
e a rotina dos ensaios de vocês?
Sonia:
Ah, nós fazemos sempre muitos ensaios quando estamos para fazer um concerto.
Quase que diariamente.
Marcelo: Mais ou menos quanto tempo antes?
Sonia:
Umas duas ou três semanas antes, apesar de nós já termos tocado o repertório, porque
temos um repertório imenso. Mas estamos sempre estudando, sempre
descobrindo coisas
novas.
Marcelo:
Esses ensaios costumam ser de quanto tempo, meio período? Eles têm alguma
rotina de tempo?
Sonia:
Quan
do a gente retoma a peça, demora mais. Fazemos uma média de duas horas e
meia a três horas. Mas, depois vai diminuindo.
Marcelo: E como se dá a escolha de partes (primo
e
secondo
) entre vocês?
Sonia:
Ah, a gente reparte: uma hora ela faz o primeiro, eu faç
o o secondo, em outra música
eu faço o primeiro e ela o secondo. Como nós temos o repertório há muito tempo já
estabelecemos isso, já está mais...
resolvido.
Marcelo: Mas vocês olham algum aspecto musical da peça?
167
Sonia:
Sim,
olhamos
sim. Por exemplo, no R
onaldo Miranda [Frevo] eu fui escolhida para o
baixo porque era um baixo onde era exigida muita sonoridade, aí eu participei [no
secondo
];
inclusive o Ronaldo, também sugeriu isso, ele já tinha dividido assim.
Marcelo:
Você tem alguma preferência entre a p
arte do
primo
e
secondo
;
ou entre vocês
existe alguma preferência?
Sonia:
Não,
qualquer
parte me dá alegria e para ela também.
Marcelo: Você teria um conselho geral para esta questão?
Sonia:
Não. Eu acho que depende da escolha de ambos. Se você quer muit
o fazer o
primo
você deve falar: “eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo”; mas, eu não vejo muita
importância nisso. Porque, na realidade, a música tem que ser uma. Não pode ser dividida,
tem que ser o resultado dos pensamentos e sentimentos de seus in
tegrantes.
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Sonia:
Eu acho que uma das maneiras de você compreender melhor a obra é, justamente,
invertendo,
tocando a outra parte, para buscar descobrir novos element
os.
Marcelo: Para ver o que fica melhor? E depois de fazer isso vocês costumam fazer a escolha.
Sonia:
Exatamente.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos? Fazem alguma coisa diferen
te?
Sonia:
Nós não ligamos muito para isso não. O que fazemos é estudar e escolher as melhores
posições para nossas mãos no teclado.
Marcelo: Não sentem desconforto?
Sonia:
Tem que ficar estudando e analisando se você tem que
...
É
...
Isso inclusive pode da
r
problemas sérios se você não foi habituado a procurar tirar o máximo a sua mão do caminho
do outro. Muitas vezes ocorre que você ou seu colega
-
por qualquer que seja o motivo: por
não estar alerta ou por sempre ter sido solista, ou por estudar sozinho,
sem pensar na parte que
o companheiro estará fazendo nesse momento
-
arrumam uns dedilhados que são
absolutamente negativos. É importante, portanto, que sempre se esteja revendo os dedilhados.
[entrevistada mostra uma posição que indica o choque dos 4º e 5
º dedos de cada mão dos
parceiros].
Marcelo: sobrando dedo...
Sonia:
É
...
Se você vai tocar com o 1º, 2º e 3º dedos e o 4º. e o 5º. ficam no caminho do outro,
atrapalhando, tirando o espaço que ele tem para a execução, não tem sentido, você deveria
mudar p
ara o 3º., 4º e 5º dedos,
porque senão não dá. Agora, o estudo de cada caso, se a mão
tem que ficar dentro, ou mais para fora, por baixo ou por cima, isso tem que ser
exaustivamente trabalhado, para decidir o que é mais confortável.
Marcelo:
Em relação ao
banco, já experimentaram alguma mudança, como por exemplo,
posição e altura?
Sonia:
Ah, sim. A Maria Helena gosta do banco mais próximo, eu gosto do banco mais
afastado, então, o nosso banco fica assim: ela senta aqui [mais próximo] eu sento ali [mais
afa
stado]. O meu banco sempre está atrás do dela.
Marcelo: Independente se está no Primo ou no Secondo
?
Sonia:
Sim
Marcelo: E a posição vocês costumam botar paralelo mesmo?
168
Sonia:
Muitas vezes ela costuma usar o banco na transversal, em vez de usá
-
lo da mane
ira
tradicional. Mas o meu sempre estará mais distante do piano.
Marcelo: E alguma vez vocês o experimentaram levemente não paralelo, ou seja, curvado?
Sonia:
Quando são dois bancos separados, o meu estará sempre para trás. Fica assim: o piano
está aqui, e
o dela fica mais para frente e o meu para trás [entrevistada mostra um banco
transversal e outro paralelo]. Quando o banco é grande, como o do Yamaha, nunca ficará
paralelo ao piano, porque o meu lado sempre estará mais recuado.
Marcelo: E em relação à altura? Cada um toca na altura que deseja?
Sonia:
Sim, certamente.
Marcelo: E a altura de vocês é semelhante?
Sonia:
Geralmente é semelhante.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo p
rimo
?
Sonia:
Sempre pelo secondo.
Marcelo: Mesmo em parte solo do Primo?
Sonia:
Sim.
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página, ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
Sonia:
Não. A gente ensaia e marca de quem é a virada
de página.
Marcelo: Nunca usam virador?
Sonia: Nunca.
Marcelo: E como vocês fazem? Vocês marcam na partitura...
Sonia:
É, escrevemos ou acrescentamos um pedaço que seja necessário para a nossa parte, ou
colamos um anexo em cima, do lado ou fora, numa outra página. No Ronaldo Miranda foi um
problema, a gente teve que usar duas páginas acopladas.
Marcelo: Vocês utilizam colagens?
Sonia:
Certamente. Colagens são necessárias, a gente prepara as partituras.
Marcelo:
Você tem preferência por partituras onde uma p
ágina é reservada para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
Sonia:
Eu acho melhor quando tem as duas, o primo e o secondo, uma sobre a outra, porque
assim você sabe onde o outro está. Qualquer eventualidade, está ali, você pode saber. Quando
as pá
ginas são diferentes, se houver um desencontro, isso poderá se tornar um
grande
problema.
Marcelo:
Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como vocês procedem para
solucionar isso?
Sonia:
É a respiração. O que eu já lhe falei.
Marcelo:
E, normal
mente, essa respiração é uma pessoa que puxa, ou como é? Vocês se
olham? Vocês decidem na hora?
Sonia:
Não, é sempre quem tem o hábito de fazer isso.
Marcelo: Mas sempre foi a mesma pessoa entre vocês duas?
Sonia:
Sempre. A não ser que a pessoa tenha que começar a música sozinha.
169
Marcelo:
Ah, claro, neste caso não existe esta dificuldade. Em geral, como procedem para
solucionar problemas de sincronismo?
Sonia:
Aí tem que ser trabalhado. Metronômicamente.
Marcelo: Vocês costumam fazer uso do metrônomo?
Soni
a:
Raramente, mas quando há necessidade a gente coloca. Muitas vezes, você tem uma
impressão [diferenciada sobre a música]
...
pois cada pessoa tem o seu tempo: seja para ser
lento,
moderato
, ou
allegro
. E, muitas das vezes, por ansiedade, ou por qualquer c
oisa que
aconteça na sua vida, problemas e
o stress diário,
você se desconecta e começa a contar
diferente e a apressar. O metrônomo é importante para que se tome consciência. E evita que
qualquer pessoa
tenha
que reclamar. Está ali mostrando, temos que ac
ompanhar!
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Sonia:
Isso é simples, é só fazer um acordo mútuo de espaço.
Marcelo:
No caso, alguma dessas medidas,
quando há choques, é anotada na partitura?
Quando uma mão esbarra na outra, vocês anotam?
Sonia:
Anot
amos tudo
. Anot
amos
todas as direções: se tocamos por cima ou por baixo
...
Porque, senão, quando você chega naquele pedaço, você esquece ou fica em dúvida.
Marcelo: Uma curiosidade: caso seja utilizada uma mão sobre a outra, que parte geralmente
fica por cima, e que parte fica por baixo?
Sonia:
Depende da situação da partitura. É a que fica melhor para as duas pessoas, em cada
música.
Marcelo:
Na prática i
ndividual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Sonia:
Sim.
Marcelo:
Você toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona?
Sonia:
Não. A parte da outra pessoa não, já que isto é verificado no trabalho conjunto do duo.
Eu só verifico o meu dedilhado.
Marcelo: Ainda falando sobre essas partes onde há choques: na escolha do dedilhado, você
tem a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
Sonia:
Certamente.
Marcel
o:
De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Sonia:
Isso daí tem que ser trabalhado. Por exemplo: uma dica para um equilíbrio dinâmico
bom, de grande duração, é você crescer primeiro numa das mãos, depois na outra, e a
í então
as duas juntas,
isto se for um crescendo muito grande
...
Na peça do Ronaldo Miranda tem
isso, é muito tempo fortíssimo.
Marcelo: Qual peça?
Sonia:
O Tango. Então, ali você tem que prestar muita atenção.
Marcelo: E quando você diz crescer numa mão e crescer noutra, você diz na sua parte mesmo
ou entre as partes?
Sonia:
Na minha parte, na parte dela e em uma mão de cada vez. Porque senão não vai dar a
sensação de crescendo.
170
Marcelo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das par
tes? Se houve,
você lembra de algum caso de estar escrito na partitura uma coisa para uma parte e você
passar para outra?
Sonia:
Houve sim. Muitas vezes nós temos que reescrever as partes, porque ficam melhor de
outra maneira. Isso aconteceu na peça que o Ronaldo Miranda dedicou a nós, o Frevo. Estava
marcado no
primo
e ficava melhor executada no
secondo
, dava mais jeito. Fazemos
adaptações sim, porque muitas vezes também não dá tempo para a virada de página, ou
porque uma nota tocada pela outra pessoa fac
ilita o trabalho.
Marcelo: Você lembra de mais alguma peça?
Sonia:
Lembro, além do Ronaldo Miranda, as Seis peças do Rachmaninoff. Acho que foi no
Glória.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Sonia:
Não, mas seria bom. Acho que é importante.
Marcelo:
Vocês ensaiam a parte coreográfica da performance? Digamos uma retirada de
pausa na mesma altura, coisas do gênero?
Sonia:
Não.
Só a retirada do som, junto.
Marcelo: Mas não no aspecto visual?
Sonia:
É.
Marcelo: Você acredita que ela pode gerar efeito performático mais satisfatório?
Sonia:
Pode, certamente.
Entrevista com o colega de duo, pianista Luciano Magalhães
Data: 1
6/11/2006
Local: Residência do entrevistador Rio de Janeiro
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Luciano:
Cerca de sete anos.
Marcelo: Você teve experiências de duo com outros parceiros? Quanto tempo?
Luciano:
Sim. Dois anos.
Marcelo:
E você tem experiência com outras formações camerísticas? Quais são as
principais?
Luciano:
Sim. Quartetos, trios, duos de: piano e violoncelo, piano e canto, piano e clarineta.
Marcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como você começou a fazer
piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Luciano:
Eu comecei a ter interesse porque conheci o duo do Francisco e Ricardo, eles
tocavam muito bem junto
s
e, não lembro muito bem se
fui
eu quem pediu ao Senise para
formar um duo, ou se foi ele quem
me
incentivou. Na época ele me colocou junto com a Laisa
C
â
ndido. Eu apreciava muito esta formação, achava o repertório interessante,
mas também a
experiência de tocar, estudar, ensaiar, compartilhar com outra pessoa, enfim, fazer música de
câmara.
171
Marcel
o:
Como se deram as escolhas dos seus parceiros?
Luciano:
A Laisa foi recomendação do professor. Ela acabou ficando sem tempo de estudar
por causa do curso de engenharia e você tinha acabado de chegar na Escola [de Música da
UFRJ], gostei de você tocando e
falei com você. Achava que
seu
jeito
de tocar talvez
combinasse com o meu e que, juntando, um absorveria coisas do outro e seria muito
proveitoso.
Marcelo: Que conselho você daria para a escolha de um bom parceiro?
Luciano: Afinidade pessoal, e ver como a pessoa toca, se te agrada; não adianta fazer alguma
coisa com uma pessoa que não admire. Também é importante ser alguém com quem você
tenha boa convivência e que esteja muito afim de levar o duo adiante. Geralmente quando me
convidam para e
ss
e tipo de tra
balho, avalio o interesse
da
pessoa, porque eu sempre
tenho
interesse
em
fazer música de câmara. Se não conheço a pessoa, ensaiamos uma vez
para
ver
como cada um toca, se temos afinidade; tendo, é só começar a trabalhar.
Marcelo:
No
seu
caso,
que teve e
xperiências com outro parceiro, você consegue comentar
alguma diferença que
tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto
no
da relação
pessoal?
Luciano:
A Laisa é excelente musicista, gostava muito de tocar com ela. Mas às vezes sentia
falta daquela explosão, que seria mais parecido com meu temperamento. Por isso certas coisas
não fluíam muito
bem,
apesar
dela
ser uma camerista excepcional.
Marcelo: E você acha que essa diferença de temperamento afetava o sincronismo ou outros
aspectos?
Luciano:
Sim,
algumas poucas coisas não casavam.
Marcelo:
E, no
seu caso
, que já teve experiências com várias outras formações, o que observa
de mais diferente em relação ao piano a quatro mãos?
Luciano:
Piano a quatro mãos é um pouco desconfortável, você não fica mui
to à vontade,
primeiro porque está dividindo o instrumento, o que faz com que haja momentos
em
que você
tem que passar por cima e o outro por baixo; às vezes o braço e o cotovelo encostam,
atrapalham um pouco
,
o outro tem que ficar um pouco torto para não encostar.
Por outro lado,
como você está mais próximo da outra pessoa,
talvez possa
sentir
-
se
um pouco mais seguro. É
diferente tocar a quatro mãos ou tocar um trio de cordas, ou com cantor, principalmente
quanto ao
sincronismo,
aos
ataques junto
s
, que
são
muito mais
difíceis.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução do
pianista?
Luciano:
Sim, mas não diria que é fundamental.
Marcelo: Quão importante?
Luciano:
Muito, tanto quanto praticar outro tipo de música de câma
ra.
Marcelo: Em que aspectos o pianista pode evoluir com essa prática? Fale um pouco sobre sua
experiência.
Luciano:
Você absorve muitas características da outra pessoa,
os tipos de toque, o jeito dela
que você tenta imitar. Por exemplo, quando tocamos uma
peça do período clássico; você tem
um estilo próprio de tocar, bem diferente do meu, e eu tenho que tentar chegar
o
mais
próximo disso e você vice
-
versa. Isso eu acho que é o mais difícil mas
quando
você toca com
outro instrumento, não tem tanto essa preocupação.
Marcelo: Você acha então que seria mais fácil você pegar as características da outra pessoa.
Luciano:
É lógico com outras formações você vai ver o estilo, respiração, como a pessoa
172
termina certas coisas. Mas os tipos de toque e outros aspectos que
você tem que imitar, e que
são próprios do instrumento, só vemos no piano a quatro mãos.
Marcelo:
Notou, em algum momento,
absorção
ou
troca
de características musicais pessoais
entre
seus parceiros
, tais como temperamento e personalidade musical ou técn
ica? Você já
respondeu que sim, e que foi importante na sua evolução pianística, certo?
Luciano:
Certo.
Marcelo: Em sua opinião quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do piano
a quatro mãos?
Luciano:
Alguns já comentei: O sincronismo;
pedalização é um pouco mais complicada.
Também é difícil dosar o som, porque um está numa parte mais aguda e o outro numa mais
grave
...
então
,
dependendo da peça e da
parte
que você
está tocando,
tem que aumentar ou
diminuir a sonoridade.
Marcelo: Falando sobre a relação pessoal entre os músicos, houve mudanças ou dificuldades?
Luciano:
Sim, eu fiquei muito amigo de todos eles. Mas tivemos também nossas
dificuldades, não é mesmo?
Marcelo:
Claro.
Luciano:
Com você foi logo quando chegou no Rio, não nos conh
ecíamos
muito bem.
Começamos a fazer concursos juntos e isso talvez tenha atrapalhado, mas tudo foi conversado
e acabou. Se você tem um duo de piano a quatro mãos, não sei se aconselharia
ambos
a
competir
no mesmo concurso.
Hoje em dia levo numa boa, mas n
o início não foi bem assim.
Foi um amadurecimento que esta experiência me deu.
Marcelo:
Como é
que funciona
o planejamento e a rotina dos ensaios
?
Luciano:
Isso costuma ser um problema, porque sempre estamos muito ocupados.
Normalmente três ou quatro sema
nas antes dos recitais fazemos dois ensaios por semana,
variando com o repertório.
Marcelo: E como se dá, ou deu, a escolha de partes (
primo
e
secondo
)?
Luciano:
Eu tenho preferência pelo
secondo
e você pelo
primo
. Normalmente seguimos esta
preferência. O
seu toque é mais brilhante que o meu, então combina mais como o primo
não
é? Fizemos algumas experiências invertendo, mas não deu muito certo, não ficamos muito à
vontade.
Marcelo: Você teria um conselho geral para esta questão?
Luciano:
Ver o tipo de toq
ue de cada um, o toque mais brilhante obviamente fica no primo
e
o outro no
secondo. Às vezes as pessoas têm certo preconceito, acham que o secondo
não faz
nada, ou que o
primo
é a parte mais difícil. Não é bem assim, na verdade acho que é até mais
difícil
o
secondo, porque ele dá a base, controla o pedal, dá o clima; e você também não está
ali só acompanhando, mas é tão importante quanto, um não vive sem o outro.
Marcelo:
Você
têm
(tinha)
o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a
peça?
Luciano:
Às vezes
Marcelo:
Quais são as medidas que
você toma para minimizar o desconforto da proximidade
física entre os músicos?
Luciano:
Já comentei a respeito. Por exemplo: tem uma passagem em que eu vou chegar na
sua região e vou encostar no seu br
aço. O que você tem que fazer é ficar numa posição
incômoda, tentar ficar um pouco torto, ou se deslocar para o lado para eu conseguir realizar
minha passagem.
173
Marcelo:
Em rel
ação ao banco, já experimentou
alguma mudança, como por exemplo,
posição e altur
a?
Luciano: Sim, tentamos enviesar os bancos, ou deslocá
-
los lateralmente para dar mais espaço
para alguma das partes.
Marcelo: Houve melhorias?
Luciano:
Eu senti um pouco de desequilíbrio
...
Não sei se é porque tenho que mexer no
pedal.
Marcelo:
E a altu
ra?
Luciano:
Dependendo da peça, sim. Para você especialmente, às vezes, certas posições em
que o banco fica mais alto. Mas isso também é pessoal: eu gosto do banco mais baixo e você
mais alto.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pel
o secondo
, ou já
experimentou
uso ocasional pelo
primo
?
Luciano:
Foi usado pelo
secondo
, mas
houve
algumas poucas passagens,
onde o
primo
tinha
solos,
em que este acionou o pedal.
Marcelo: Em relação às partituras, você ensaia (ensaiava)
as vi
radas de página, ou sempre faz
uso de uma terceira pessoa?
Luciano:
As duas coisas. Nos ensaios nós mesmos viramos. Mas geralmente nas
apresentações temos um virador.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
Luciano:
Acho que prefiro em forma grade porque você acompanha exatamente a parte do
outro.
Marcelo:
Em relação às dificuldades do co
meço sincronizado, como procede
para solucionar
a questão?
Luciano:
Usando a respiração, sendo puxada por um dos músicos, e o visual.
Marcelo: Em geral, como procede para solucionar problemas de sincronismo?
Luciano:
A
cho que tivemos poucos problemas nesse sentido... Acho que a respiração é a base
de tudo e olhar, ver quando a mão desce para você ir jun
to
também ajuda.
E, mesmo assim, às
vezes não funciona; por isso
acho
que é difícil. Cada um tem um tempo, um tipo de ataque,
por isso às vezes só com a respiração fica um pouco difícil.
Marcelo:
Chega
a fazer uso do metrônomo?
Luciano:
Em poucos casos.
Ma
rcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Luciano:
O afastamento corporal, ou seja, ver qual a melhor posição, que também permi
t
a
que o outro toque. Às veze
s é necessário soltar notas, mesmo quando está escrito na partitura
para
mantê
-
las,
mas é preciso soltá
-
las
porque se não ocorrerá choques.
Marcelo: No caso, alguma dessas medidas, quando há choques, é anotada na partitura?
Luciano:
Às vezes. Acho que mais na sua parte do que na minha.
Marcelo: Caso seja uma mão sobre a outra, que parte fica geralmente por cima e qual fica por
baixo?
Luciano:
Depende muito. Por exemplo, na Sonata de Poulenc eu fico por baixo e você fica
174
por cima
,
porque você tem os saltos,
então não tem como passar por baixo, você passa por
cima.
Q
uem tem saltos costuma ficar por cima, fica mais confortável.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Luciano:
Sim, tem que sentar.
Marc
elo:
Você toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funcio
nam
?
Luciano:
Às vezes, só para conhecer sua parte. É importante, mas faço pouco.
Marcelo:
Ainda falando sobre essas partes onde
há choques: na escolha do dedilhado, você
tem a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
Luciano:
Às vezes sim.
Marcelo:
De maneira geral, como é que vocês procedem para obter o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Luciano:
Ensaiando muito e entrando num acordo.
Marce
lo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes? Se houve,
você lembra de algum caso de estar escrito na partitura uma coisa para uma parte e você
passar para outra?
Luciano:
Sim, acho que na Sonata de Poulenc fizemos isso.
Marce
lo:
Existe preocupação com a questão gestual (movimentos
pianísticos)? Quer dizer,
você se preocupa em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Luciano:
Normalmente isso é meio automático até porque nossos gestos são mais ou menos
parec
ido
s
. Mas quando a música exige algo que não realizamos naturalmente bem, temos
preocupação nesse sentido sim.
Marcelo: E falando neste mesmo tópico, vocês ensaiam a parte coreográfica da performance?
Luciano:
Costuma ser natural, mas às vezes sim: "como v
ocê vai retirar isso?", "como você
vai terminar?" Se uma peça termina muito vibrante você não pode terminar de qualquer jeito
ou sem importância. Sua retirada de mão é importante, como você vai terminar; isso passa
para quem está vendo...
Marcelo: Você acredita que ela pode gerar efeito performático mais satisfatório?
Luciano:
Mais satisfatório não, apenas acho que seria importante.
Entrevista com a pianista Ingrid Barancoski
Data: 17/11/2006
Local: Centro de Letras e Artes
-
Unirio
Marcelo: Qual o no
me d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Ingrid:
A
q
uatro mãos foi a Estela Caldi.
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Ingrid:
Foi com a Estela
que
desenvolvi realmente um trabalho mais long
o. Trabalhamos
durante uns três anos, mas não saberia
nesse momento
precisar as datas para você. N
a
graduação fiz também alguns trabalhos com colegas, a quatro mãos e depois algumas coisas
esporadicamente.
175
Marcelo: Era isso que eu ia
lhe
perguntar: Você teve experiência com outros parceiros?
Ingrid:
Sim, não tão long
a
s, mas tive.
Marcelo: Experiências profissionais? Vocês chegaram a se apresentar?
Ingrid:
Com outras pessoas? Esporadicamente.
Marcelo:
E você tem experiência com outras formações camerísticas?
Quais são as
principais?
Ingrid:
Eu tive Bolsa de pianista acompanhadora no mestrado e tive que acompanhar
praticamente tudo e mais um pouco. Até com percussão eu já toquei.
Marcelo:
A
vida inteira você gostou de trabalhar com música de câmara?
Ingrid:
Si
m, embora mais a partir do mestrado.
Marcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como você começou a fazer piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Ingrid:
Na graduação mesmo, com uma colega, por incentivo da professora.
Marcelo: Foi mais por prazer pessoal ou já tinha intuito de se apresentar profissionalmente?
Ingrid:
O prazer veio com a experiência do trabalho, ainda no âmbito acadêmico,
independente de apresentações profissionais.
Marcelo: Como se deu a escolha do seu parceiro?
Ingrid:
Não sei
, é difícil dizer.
Nós
trabalh
ávamos
em salas vizinhas e, na verdade, foi uma
proposta da Estela que eu aceitei. Claro que não era só por ser conveniente, não é
?
Eu
sabia
que ela era uma pessoa que trabalhava seriamente e estaria disposta a desenvolver um
trabalho bem construído, não com o objetivo de preparar um repertório para semana que vem,
mas mant
endo uma rotina de ensaios no mínimo semanais. E foi o que realm
ente
aconteceu.
Marcelo:
Que conselhos você daria para a escolha de um bom parceiro para pian
o a quatro
mãos? Que qualidades você indicar
ia
/procuraria?
Ingrid:
Não sei se eu saberia dizer. Claro que tem que
haver
afinidade pessoal e isso não dá
para definir em palavras. Claro que também
tem
que
haver
interesse no mesmo repertório e
o
mesmo nível d
e dedicação. O ideal seria ter um pianista com
o
mesmo tipo de toque, de
sonoridade, de escola, etc. Mas por outro lado, você também aprende com o outro e, é
possível aprender
a
conseguir um todo bem resolvido.
Marcelo:
Então
,
ao mesmo tempo que é bom ter
um parceiro com
o
mesmo tipo de
sonoridade, seria interessante também trabalhar com alguém que tenha sonoridade diferente?
Ingrid:
Isso eu não sei, não pensei nisso teoricamente. Acho que cada possibilidade é uma e
vale a pena experimentar.
Marcelo:
No
se
u
caso,
ja
que teve experiências com outros parceiros, você consegue
comentar alguma diferença que tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto da relação
pessoal?
Ingrid:
Eu não saberia dizer porque fazia bastante tempo que eu não fazia música a quat
ro
mãos antes da Estela para poder comparar. Era diferente,
pois não só eu
era mais nova,
como
a atividade era
uma coisa esporádica e acadêmica, bem diferente.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução do
pianista?
Ing
rid:
Sim.
Marcelo: E quão importante?
Ingrid:
Muito importante.
176
Marcelo: Em que aspectos o pianista pode evoluir com essa prática? Fale um pouco sobre sua
experiência.
Ingrid:
Musical, claro, como toda a música de câmara. Também
apresenta a
particularidade
de dividir o mesmo instrumento. Em termos de maturidade de sonoridade,
i
sso pode ser muito
importante.
Marcelo: Na escolha de timbres então, certo?
Ingrid:
É, porque quando você está no seu instrumento solo é uma coisa; agora quando se
divide o
mesmo ins
trumento,
a
situação já é outra.
Marcelo:
Você notou, em algum momento, alguma absorção ou troca de características
musicais pessoais entre vocês, tais como: temperamento, personalidade musical, ou técnica?
Ingrid:
Não saberia precisar, mas provavelmente ocorreu
Marcelo: Você acha que esta troca foi importante na sua evolução pianística?
Ingrid:
Sim.
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do
piano a quatro mãos?
Ingrid:
Dividir um mesmo instrumento, que tem d
ificuldades próprias de equilíbrio e
sonoridade e achar peças bem escritas para esta instrumentação e ao mesmo de qualidade.
Marcelo: Como é que funciona o planejamento e a rotina dos ensaios de vocês?
Ingrid:
Semanal e quando tínha
mos
alguma coisa para a
presentar, faz
íamos
um pouco mais.
Marcelo: Com cerca de quanto tempo de duração cada
um
?
Ingrid:
Normalmente umas 2 horas.
Marcelo: Essa rotina era mantida mesmo em véspera de compromissos?
Ingrid:
Não, geralmente fazía
mos
mais nesta situação, dependendo
do repertório.
Marcelo: Sobre a relação pessoal entre os músicos: houve mudanças ou dificuldades?
Ingrid:
Acho que as questões pessoais devem ser colocadas a parte da música. Mas não
houve dificuldades.
Marcelo: Portanto, sua experiência foi quase que estritamente musical
a relação pessoal se
manteve a mesma.
Ingrid:
B
em, naturalmente ficamos mais próximas.
Marcelo: E como se dá a escolha de partes (primo
e
secondo
) entre vocês?
Ingrid:
Nós
sempre
nos
alternáv
amos
, uma peça uma, outra peça outra.
Marcelo
:
Para esta escolha das partes havia algum critério ou era mais aleatória?
Ingrid:
Por exemplo: “na última peça grande você fez o
primo
”...
enfim,
buscando o
equilíbrio mesmo... E não quer dizer que a outra parte do
secondo
também não seja
interessante...
Marcelo: Mas houve algum critério musical?
Ingrid:
Não, não.
Marcelo: Você teria um conselho geral para esta questão?
Ingrid:
Isso varia muito com a peça e os pianistas.
Marcelo:
Vocês
tinham
o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com
a
peça?
Ingrid:
Acho que não.
177
Marcelo:
Já foi observada alguma preferência geral de quem toca a parte do
primo
ou
secondo enquanto vocês alternavam?
Ingrid:
Não.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos? Fazem alguma coisa diferente?
Ingrid:
Depende da peça.
I
sso vari
ava
de
caso a caso.
Marcelo: Poderia exemplificar?
Ingrid:
Por exemplo, na Sagração
[da Primavera, de Stravinsky]
nós fizemos
muitas
mudanças, pois
havia
coisas impossíveis de serem tocadas, com mais de uma parte tocando no
mesmo registro, ou cruzamentos fisicamente impossíveis.
Marcelo: E que tipo de mudanças?
Ingrid:
Chegamos a tocar, eu a parte dela, e ela, a minha.
Marcelo: Uma redistribuição?
Ingrid:
Isso, uma redistr
ibuição.
Marcelo:
Em relação ao banco, já experimentaram alguma mudança, como por exemplo,
posição e altura?
Ingrid:
Não.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Ingrid:
Sim,
sempre pelo
secondo.
C
omeç
amos
a ler uma peça
de
George Crumb em que
o
pedal era
muito específico
;
ali ele usava os vários pedais, inclusive o tonal... ele mesmo [o
autor] distribuía os pedais entre os dois pianistas. Mas fizemos acho que apenas umas duas
lidas e não chegamos a resolver
a questão
; mas aquela
era
uma peça
onde
seria necessário [o
uso do pedal pelos dois intérpretes].
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página, ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
Ingrid:
no Stravinsky
[Sagração da Primavera] nós usamos virador porque não tinha jeito,
mas em todas as outras
nós
...
Ah, n
ão
!
N
a peça do
David [Korenchendler] [Suite
Cinematográfica]
t
am
b
ém
precisamos de um
virador.
Marcelo: Então são raras as vezes em que usa
ram
virador...
Ingrid:
Só quando
era
mesmo necessário.
Eu mesm
a
não gosto de virador
quando estou
acompanhando, faço adaptações, uso páginas extras coladas em papel cartão, cópias
reduzidas, e tudo isto também usei quando tocamos a quatro mãos.
Marcelo:
Vo
cês utilizam colagens?
Ingrid:
Ah! Eu faço muito, eu faço muito... mas também depende do caso e da situação.
Marcelo: As viradas são anotadas como quem vira em cada parte?
Ingrid:
Aí depende da peça. Às vezes é simples, e dá para virar numa boa; às vezes
tem que
alternar; e se a peça é muito longa, quando cada vez é uma situação, aí é necessário anotar.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
Ingrid:
Bom,
nós
já trabalh
amos
com as duas situações.
P
articularmente acho
que é melhor
quando é um
lado para cada
pianista,
pois o aspecto visual
encaixa
no
geográfic
o, no físico
mesmo
... e é [a escrita] tradicional para a formação.
178
Marcelo:
Em relação às dificuldades do começo sincro
nizado,
quando ambas as partes
começ
am
junt
a
s, como proced
iam
para solucionar a questão?
Ingrid:
Acho que
a solução
é muito específic
a,
depende de cada
caso, não sei se eu teria uma
regra geral.
Marcelo: Em geral vocês usa
vam
respiração ou alguma contagem de tempo
?
...
Ingrid:
É, respiração.
Marcelo: E no caso da respiração; puxada por um
a
ou amb
a
s?
Ingrid:
Aí depende da peça.
Marcelo: Em geral, como procedem para solucionar problemas de sincronismo?
Ingrid:
Marcelo,
isto
também depende do caso, se é uma p
olirritmia ou não, se é uma
entrada,
ou
uma
finalização
...
depende da
textura... Eu não saberia
propor
“uma regra”.
Marcelo: Claro, mas se você quiser colocar algum exemplo...
Ingrid:
Eu já não toco com ela [
algum tempo]... E
nos fizemos
muita coisa, en
tão
eu
teria
que olhar as partes,
não é?
Tudo
era resolvido no ensaio,
nós
nunca
fomos
para o palco com
alguma
coisa mal resolvida; e
nós
ensaiáv
amos
muito. Por exemplo, no Stravinsky tínha
mos
muitos problemas para resolver
;
eu teria que olhar a parte para
lhe
dizer direito como
nós
resolvemos.
Marcelo:
V
ocês, por exemplo, já fizeram uso de metr
ônomo
em ensaio
?
Ingrid:
Só para
referência, mesmo. Para conferir o andamento.
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
pa
rtes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Ingrid:
Ah! Sim, claro! U
m
a
das
mãos de uma
de nós
aqui
por cima
,
outr
a
por baixo
;
ou
solta
ndo
uma nota um pouco antes e segura
ndo
com o pedal
, para dar a nota p
a
ra outra...e
esse tipo de coisa.
Marcelo:
E
,
no cas
o
as
medidas
que vocês tomaram
foram
anotadas na partitura
?
Ingrid:
Isso também d
epend
ia
da peça
.
Marcelo: Uma curiosidade: caso seja utilizada uma mão sobre a outra, que parte geralmente
fica por cima, e que parte fica por baixo?
Ingrid
:
Depende do que vem, de como vem, também depende da situação...
Marcelo: Então realmente n
ão há
uma
regra geral?
Ingrid:
Não
.
Marcelo: Na prática individual destas peças; v
o
já se senta
va
na posição correta de duo
?
Ingrid:
Sim
.
Marcelo: Na prática individual das peças a quatro mãos,
você já se senta
va
na posição correta
de duo? Você toca
va
a parte d
e
sua parceira
cruzando suas mãos para averiguar se a escolha
de posicionamento e dedilhado funciona
vam
?
Ingrid:
Sim, nas situações mais complexas.
Marcelo:
N
a escolha do dedilhado, ainda falando destas partes onde
havia
choques, você
tinha
preferência pelo uso do 4º e 5º dedos, em detrimento do 1º, 2º, e 3º?
Ingrid:
(...) não sei... d
epend
ia
da ocasião....
Marcelo: Mas de maneira geral, você se lembra?
179
Ingrid:
Eu não vejo como uma regra geral
,
porque foram tão variáveis as situações pelas
quais
nós
pass
amos
, que depende
m
até da textura... e para
se
usar o 4º e 5
o
depende do que
veio antes, de como é que a mão chegou lá. Então eu não colocaria uma regra geral aí não.
Marcelo: De maneira geral, como vocês proced
iam
para atingir um bom equilíbrio dinâmico?
Ingrid:
Ensaiar, ensaiar, ensaiar... ouvir, ouvir, ouvir.
Marcelo: Vocês grava
vam
os
ensaios?
Ingrid:
Ocasio
nalmente, e quando tocá
vamos
em público sempre procu
r
ávamos
nos
ouvir
bastante; ou ped
íamos
para um colega ouvir também.
Marcelo: Faziam uso de uma terceira pessoa...
Ingrid:
É, ocasionalmente.
Marcelo:
ocorreram
casos, esta você já até respondeu, onde houve necessidade de
redistribuição das partes? Você falou na Sagração, certo?
Ingrid:
Na Sagração não
tinha como. A impressão que me dá é que, por ser uma obra grande,
foi um arranjo mais para os ensaios do balé que ele fez com o Diaghilev. E realmente parece
que
umas coisas que ele não
tinha
acabado, a
lgumas coisas que eram juntas
,
outras que era
óbvio
que era mais fácil
trocar
, sabe... era tanto nó. Mas
este
foi um caso meio especial entre
os
outr
o
s. N
os outros, pouco... mais bem restrito à peça conforme a necessidade mesmo.
Na peça do Henrique Morozowicz, ele nos autorizou a colocar algumas partes oitava acima.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Ingrid:
Aí já é um
pouco mais difícil para dois pianistas chegarem a um acordo nisso; mas
acho que dentro do possível, sim.
Marcelo: Falando neste sentido ainda, vocês ensaiav
am
a parte coreográfica da performance?
Ingrid:
N
a peça
do David [Korenchendler] [Suíte Cinematográ
fica] em
que a gente saía do
palco dançando
mesmo
assim tipo jazz, final de um Holly
wood
jazz
. [risos]
Uma acabava e
saía
,
e a outra continuava
, porque eu ia indo pro grave e ia empurrando ela que saia primeiro.
parece simples mas era preciso ensaiar.
Nu
ma das peças desta mesma obra, eu tinha que usar sapatos de sapateado para fazer um
ruído com os pés de um bang
-
bang de filmes de far
-
west. Como o sapato era muito ruim de
andar para entrar no palco, eu tinha que trocar de sapato no meio da obra, e mesmo ensaiando
não foi na primeira vez que eu realmente decidi como fazer.
Marcelo:
Mas falando em peças que não exigem isso. Por exemplo, uma retirada de pausa,
uma altura de ataque?
Ingrid:
Claro, acho que
isso
não chega nem a coreográfico
,
não é?
Acho que o
p
róprio
acabamento pede isso. Coreográfico acho que seria um pouco maior.
Marcelo:
O termo coreográfico seria mais para o aspecto visual, por exemplo, pensar em
retirar a mão do piano na mesma altura ou coisas do tipo.
Ingrid:
Isso já é mais difícil,
não é?
Acho que
isso
acontece
um pouco
at
é
mesmo
i
nconscientemente, se você está tocando com um outro pianista. É como acontece se você tem
aulas
durante muito tempo com um professor, você começa a imitar os gestos dele.
Marcelo: Foi uma coisa mais natural
então?
Ingrid:
É
, isso! Acho que uma procurava se integrar nos movimentos da outra naturalmente.
180
Marcelo:
E vo
acredita que se
h
ouver ensaio
disso, pode gerar um efeito perform
á
tico mais
satisfatório?
Ingrid:
Sim.
Entrevista com pianista Ronal Xavier
Data:
17/11/2006
Local:
Conservatório Brasileiro de Música Rio de Janeiro
Marcelo: Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Ronal:
Eu trabalhei com dois pianistas, a Letícia Faria e com Luiz Senise.
Marcelo:
Quan
to
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Ronal:
Com o Senise começou em 95 e com a Letícia em 97. com ela durou dois anos, até ir
para Viena e com o Senise eventualmente ainda acontecem apresentações.
Marcelo: Então você tem mais ou menos 11 anos de experiência?
Ronal:
Sim.
Marcelo: E foi sempre com intuito profissional?
Ronal:
Com Senise e Letícia sim, mas antes houve também uma atividade mais informal.
Marcelo: Isso foi antes de 95?
Ronal:
Sim.
Marcelo: E você teve experiências com outras formações camerísticas, certo? Quais foram as
mais importantes?
Ronal:
Sim. Piano e clarineta; piano e violoncelo; piano violoncelo e violino; e
atividades
mais informais, como música de câmara para cumprir a disciplina, como piano e trompete e
muito piano e c
anto.
Marcelo: Essa prática de fazer música de câmara vem de quanto tempo?
Ronal:
Isso começou na faculdade, por volta de 92, quer dizer,
cerca de 14 anos.
Marcelo:
Ok, eu queria que comentasse como você começou a praticar o piano a quatro
mãos, tanto informalmente quanto profissionalmente.
Ronal:
Informalmente, como a maioria das pessoas. Com solo, o universo é muito restrito e, à
medida que você toca com alguém, acaba por explorar outras possibilidades. É o que acontece
muito com crianças: quan
d
o você
acompanha um aluno no segundo piano, ele passa a ter
experiências musicais e emocionais mais ricas, mais elaboradas, explorando mais as
potencialidades musicais. O ouvido, o conhecimento, o gosto passa a se transformar. O aluno
sente que, ao tocar a quatro
mãos, passa a fazer parte de algo maior e aprende a se ouvir
ouvindo o outro.
Marcelo: Seus professores faziam isso com você?
Ronal:
Faziam. Não muito, mas faziam. E havia também a oportunidade de se apresentar em
recitais tocando a quatro mãos. E isso é algo que eu faço muito agora, eu gosto muito de tocar
a quatro mãos com alunos, acho isso importante.
Marcelo: E quando começou com o Senise e com a Letícia, como foi este começo?
181
Ronal:
Para mim foi uma surpresa. Eu tinha acabado de entrar no Conservatóri
o [CBM], era a
época que eu ainda estudava piano [risos]. Então estava na época de fazer muitos concursos e
estudar muito. E surgiu a oportunidade. Como eu já havia estado em bancas de provas aqui no
Conservatório, Senise me chamou
em 95
para ser banca de
um concurso em Lages
,
e
como
tinha um recital de abertura e ele queria fazer alguma coisa a quatro mãos, então nós
começamos pela primeira vez em 95. Iniciamos fazendo um repertório que ele já fazia
bastante tempo.
Marcelo: Uma questão circunstancial, certo?
Ronal:
Também, porque eu nem sonhava em tocar, foi surpresa quando ele me chamou.
Marcelo: E com a Letícia?
Ronal: Com a Letícia foi diferente. Como ele também tinha essa aluna que toca muitíssimo
bem, ele me perguntou se
eu
não gostaria de fazer u
m duo com ela. Portanto ele formou o
duo. E eu tinha acabado de conhecer a Letícia
apenas alguns meses. Conheci
-
a
num
concurso, então o Senise escolheu um repertório que nós começamos a tocar, só que a coisa
acabou dando certo, a ponto de eu viajar para
Belo Horizonte para ensaiar com ela e ela vir
p
a
ra cá p
a
ra ensaiar comigo. Logo isto teve um caráter muito mais constante do que os
recitais na época do Senise.
Marcelo: O Senise chegou a justificar o porquê da escolha da Letícia?
Ronal:
Era a época de fa
zer muitos concursos. Havia um concurso, o Artlivre, e nós fizemos
o duo pensando no concurso.
F
ormamos o duo mais ou menos um ano antes do concurso, de
modo que quando chegou a data, já tínhamos tocado em outros lugares.
Marcelo:
Ele chegou a dar alguma j
ustificativa musical? Ele achava que vocês combinavam,
por serem dois bons pianistas, você se lembra?
Ronal:
O que eu penso sobre a conveniência toda da história é que nós
tínhamos
objetivos
muito comuns. Quando a Letícia veio pra cá para fazer o mestrado,
eu a tinha conhecido em
um concurso, alguns meses antes de formarmos o duo. Então ela já fazia alguns concursos, e
aí veio aquela história de continuar com os mesmos intuitos, da experiência de preparar
programa mesmo, sabe?... de experimentar. Dizer que
foi só o concurso é pouco porque, é
claro, existe muita justificativa para você fazer piano a quatro mãos.
Marcelo: Ronal, que conselho você daria para a escolha de um bom parceiro de duo?
Ronal:
Experimentar. O melhor conselho é esse. Não dá para saber,
à
s
vezes você se dá muito
bem com a pessoa, mas não se dá musicalmente, e vice
-
versa,
por
incrível que pareça pode
acontecer, você não se dá com a pessoa, mas musicalmente pode funcionar.
Marcelo: Falando ainda nisso, se alguém que experimentou alguns parce
iros
lhe
perguntasse:
o que você buscaria num bom parceiro, o que você buscaria como qualidades?
Ronal:
Olha, a sensação que eu tinha, principalmente quando comecei a tocar com o Senise,
não aconteceu com a Letícia, mas me incomodou um pouco depois com dois eventuais casos
,
quando fiz música de câmara
:
é de você não ter que parar para explicar, ou para ensinar, por
exemplo; é muito legal quando você no ensaio começa a descobrir as coisas, mas não precisa
parar pra dizer o óbvio, porque a outra pessoa já tem uma experiência equivalente
à sua.
Marcelo: Então você tem que estar no mesmo nível, não é?
Ronal:
Sim, ou nível
até
melhor
,
que a outra pessoa seja superior a você. Então você acaba
rendendo mais ainda.
Marcelo: Então você
acredita
que tem que
haver
uma
admiração pela arte da pessoa?
Ronal:
Ah sim! Isso aconteceu com a Letícia e com o Senise. Você tem que gostar do que a
pessoa faz, senão não tem jeito.
182
Marcelo:
Comente as diferenças observadas nas suas experiências com os diferentes
parceiros, tanto no aspecto musical como pessoal:
Ronal:
Bom, quando você opta
por
fazer música de câmara, sem uma obrigação curricular
como na faculdade, para ganhar créditos, a coisa tende a ser mais tranqüila; porque quando
você
pensa no parceiro, pensa no tipo de repertó
rio que você pode fazer
;
por exemplo, tem
certas combinações de música de câmara que não me agrada
m
, então nunca me interessou
fazer. Mas é muito legal que você consiga equilibrar a sua
boa
relação com a pessoa
e a
vontade
de ambos fazer
em
uma determinada coisa. Objetivos em comum.
Marcelo:
E falando especificamente da sua experiência profissional, com o Senise e com a
Letícia, você teria algumas observações quanto às
diferenças?
Ronal:
Bom, primeiro com relação a relacionamentos eu sou muito amigo dos doi
s, então
isso não alterou em nada; agora, como a Letícia tinha basicamente a minha idade e estava no
mesmo caminho que eu com relação
à
música que estava fazendo e tudo mais, acho nós
ínhamos como característica a vontade de procurar, desvendar. Já com o S
enise era um pouco
diferente, as coisas eram muito mais prontas, já eram dadas, entendeu? Se bem que isso não
quer dizer que era uma coisa definida porque, no caso dele especificamente, muda a toda
semana porque ele é muito criativo[risos].
Marcelo:
Claro.
E no aspecto musical, como sincronismo ou equilíbrio dinâmico, vocês
tinham diferenças, você notava ou não?
Ronal:
Até
em relação à
pergunta anterior, das coisas em comum, do objetivo musical, é
muito mais fácil, eu acho, lidar com a coisa na medida
em
qu
e você constrói aos poucos, do
que com um certo padrão de comportamento, ou uma certa idéia já estabelecida, onde você
tem que seguir, ou não necessariamente
,
mas já exige um certo caminho a ser percorrido.
Então parece que a coisa dada pronta se torna mai
s difícil, porque você tem como que uma
meta a atingir, entendeu? Não quer dizer que seja menos criativo por isso, mas eu acho que é
um pouco mais cansativo.
Marcelo:
E
como
você
já teve
experiência com outras formações camerísticas, gostaria que
comentass
e as diferenças observadas. Ou seja, o que você acha que o piano a quatro mãos tem
de diferente?
Ronal:
A
cho que o piano a quatro mãos tem mais limitações do que possibilidades. Começa
com o fato de ter o mesmo tipo de timbre o tempo todo
;
é claro que essa
opinião vem muito
também da escolha do repertório que você faz, porque tem coisas que funcionam muito bem
com um piano a quatro mãos e não vão funcionar, por exemplo, com um quarteto de cordas.
Mas tem certas situações
em
que o piano a quatro mãos soa dem
ais, soa exagerado, eu acho.
Agora, vem uma dúvida, é muito difícil falar nisso sem pensar em situações específicas, não
sei se já é alguma coisa específica da formação ou se é do repertório.
Marcelo: Sim, claro. Em geral isso vale, mas com exceções,
a
té p
elo fato de ter mais mãos no
teclado.
Ronal:
E com o timbre quase que o mesmo. Claro que
depende
muito de como se faz e tudo
mais, mas
quanto à
variedade de timbres, acho muito mais interessante quando
se
lida com
instrumentos diferentes ao mesmo tempo.
M
arcelo:
Você crê que a prática de piano a quatro mãos é importante na evolução de um
pianista?
Ronal: Sem sombra de dúvida. Não digo que seja fundamental, que se não fizer não vai tocar
bem piano. Não. Mas pode encurtar muitos caminhos.
Marcelo: Então isto seria da próxima pergunta, quão importante?
183
Ronal:
Extremamente importante.
Marcelo: E você tem mais algum comentário sobre isso?
Ronal:
Sim, isso já começa nas primeiras experiências. A primeira sensação
,
sem precisar
fazer muita coisa elaborada, que te
leva a sentidos emocionais muito mais elaborados
;
a
primeira coisa é essa, ou seja, você tem noção de grandiosidade com muito mais facilidade
com piano a quatro mãos do que
se
você
estiver
tocando com duas mãos somente;
especialmente com relação às crianç
as, você
oferece
muito mais possibilidades sonoras e
emocionais com o piano a quatro mãos.
P
ode ser também um caminho para isso.
Marcelo:
Claro. Em que aspectos você acha que o pianista pode evoluir, falando
de
sua
experiência?
Ronal:
A
cho que, primeiro: desenvolve muito a
acuidade
da escuta, acho que
isso
é
fundamental. Qualquer desnível rítmico, ou qualquer problema de coordenação, de junção
etc., fica muito mais evidente; quando
você
toca sozinho, não tem muito essa noção.
O
fato de
precisar se equalizar com um outro tempo, com um outro volume de som, de ter que dosar sua
força, controlar o pedal, não só para você mas para a outra pessoa também
,
ganha uma
conotação muito mais elaborada do que quando você está tocando sozinho.
Marcelo: Então tudo
passa a
merecer
mais atenção?
Ronal:
Ah sim, sem so
m
bra de dúvida, não quer dizer que você não tem que ter atenção com
outras coisas, mas os problemas acabam sendo ampliados, como
com
uma lente de aumento.
Marcelo:
Certo. Você notou, em algum momento de suas exper
iências, uma absorção ou
troca de características musicais/pessoais entre vocês, tais como temperamento, personalidade
musical ou técnica?
Ronal: Acontece muito. Por exemplo, quando são duas pessoas tocando uma única obra
;
se
você fosse tocar a obra isolad
a,
não necessariamente
você tocaria no tempo que você toca a
quatro mãos, já começa por aí. Então se já há a possibilidade da alteração de um tempo
originário para você, é bem provável que uma série de outras coisas acabe acontecendo; por
exemplo: a intens
idade de um forte, a qualidade de um pianíssimo, e tudo acaba envolvendo
também a questão emocional, porque você acaba levando e se deixando levar pela pessoa que
está tocando do seu lado.
Marcelo: Quer dizer, você cita principalmente o tempo...
Ronal:
O tempo, as intensidades...
Marcelo: E que acaba tendo conseqüência no espírito emocional musical da obra.
Ronal:
Sem sombra de dúvida.
Marcelo:
E você notou se depois que parou de tocar com o parceiro, voltou a tocar como
antes, ou ficaram reminiscências?
R
onal:
Sempre fica, especialmente quando você tem que lidar com começos e terminações,
respirações, etc.; acaba te induzindo a uma calma um pouco mais controlada com as coisas.
Marcelo: Já que aconteceu isso, você acha que foi importante na sua evolução pia
nística?
Ronal:
Sim, com certeza.
Marcelo:
Mudando pra outro assunto, em sua opinião
,
quais são os principais problemas e
dificuldades da prática do piano a quatro mãos?
Ronal:
Bom tem de várias ordens, a começar, por exemplo, com a escolha do repertório.
Isto
é uma coisa importante e deve ser levada em consideração, porque nós estamos partindo do
pressuposto que duas pessoas já querem tocar juntas; então a escolha do repertorio tem que
ser uma coisa combinada para que agrade aos dois. Às vezes é um proble
ma decidir que
m
vai
184
ficar com que parte, às vezes soa melhor você fazer uma coisa num
a
posição ou
vice
-
versa,
dependendo da peça.
O
utra coisa: às vezes a própria identificação de cada um com a obra, no
sentido de que você se deixa emocionar com diferentes aspectos musicais; por exemplo, você
pode se deixar emocionar mais pela harmonia e, por isso, você restringe a ação da melodia, ou
vice
-
versa. O que mais? Sim, e os problemas comuns de tocar a quatro mãos, como
coordenação, e tudo mais, que não é nada fáci
l.
Marcelo: Você diria que
um desconforto
ao
tocar piano a quatro mãos?
Ronal:
Desconforto físico? Sim.
Marcelo:
Você já falou um pouco sobre a relação pessoal, que foi sempre uma relação
amigável. Você sentiu que houve maior ou menor aproximação antes
e depois da prática em
duo?
Ronal:
É claro que um trabalho junto sempre aproxima as pessoas, especialmente se eles
acertam, então foi uma aproximação natural.
Marcelo: Como é, ou era, o planejamento de rotina dos seus ensaios?
Ronal:
Com a Letícia, eram pr
ogramados porque ela morava em outra cidade, a ponto de
decidir em que lugar e
a
que horas
nós
ir
íamos
ensaiar. Já com o Senise era “o que você ta
fazendo agora
?
então vamos ensaiar!” [risos]. Neste caso, planejamento não tinha muito não,
a não ser quando
estava perto de algum compromisso, neste caso os ensaios aperta
vam
e nós
acab
ávamos
ensaiando a toda hora que
fosse
possível, às vezes todo dia.
Marcelo: Em véspera de compromisso, então, mais freqüentes?
Ronal:
Sim.
Marcelo: Você daria algum conselho neste sentido?
Ronal:
Organização é tudo. Se você tiver como organizar, especialmente se já conhece a
pessoa com quem está trabalhando, porque muito do trabalho do duo depende do trabalho
individual de cada um. Não adianta marcar muito ensaio e não ter a sua parte trabalhada,
e a
outra pessoa também... Porque a idéia é equilibrar, e
caso não tenha
equilíbrio com você
mesmo, vai trabalhar como?
V
ai mais atrapalhar, não é? Então se você
vai ensaiar, tem que
ter
ensaiado. O que não quer dizer que não possa ler com
a outra pessoa uma determinada
peça. Mas quando o trabalho precisa ser mais elaborado, você tem que ter seu tempo isolado.
Marcelo: Como se dá, ou se deu, a escolha das partes do
primo
e
secondo entre vocês?
Ronal:
No caso do Senise, ele normalmente já t
ocava todas as peças e eu me adaptava
à
situação. Algumas vezes também aconteceu
a
escolha, especialmente
de
um repertório que
não havia sido tocado pelos dois. No caso da Letícia,
nós
experiment
ávamos
muito.
Marcelo: Então não havia uma regra geral?
Ronal
:
Não havia.
Houve
casos com o Senise e a Letícia em que cada um pegou as duas
partes para decidir depois quem fazia o quê.
Marcelo: Então, houve experiências e aproveitamento do que ele já fazia?
Ronal:
Sim.
Marcelo: E você acha que existe algum conselho
geral
a respeito dessa questão?
Ronal:
Eu penso que
certas coisas que são
meio convencionais;
assim, por exemplo: se
costuma colocar no primeiro piano quem canta mais, ou quem tem um som mais forte,
mas
acho isso meio perigoso porque muitas vezes a estr
utura da música não é essa.
A
idéia é de
primeiramente
experimentar mesmo. Às vezes a pessoa não gosta de trabalhar com pedal,
logo é melhor que não trabalhe, tudo é combinado.
Marcelo: Então tem que
levar em conta as
preferências de cada um?
185
Ronal:
Também.
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com as peças?
Ronal:
Sim, nas peças novas, muito; a ponto de praticamente sabermos as duas partes.
Marcelo: Isto praticamente sempre?
Ronal:
Sim, nas peças novas, durante os primeiros contatos.
Marcelo: E você já observou, nessas suas duas experiências, alguma preferência geral sobre
quem toca o
primo
ou
o secondo
?
Ronal:
O Senise tem preferência
por
fazer o secondo. Com a Letícia não tinha muito isso de
preferência não.
Marcel
o:
Ok. No caso do Senise, existe um porquê disso? Alguma qualidade musical que ele
goste?
Ronal:
Acontece muitas vezes que a harmonia é o cérebro da música; e toda essa situação de
comandar, porque alguém sempre está comandando de alguma forma, especificam
ente no
caso dele, eu penso que ele se sente mais
à
vontade para tentar coisas com o tempo,
intensidade, pedalização, etc.
Marcelo: Então você diria que o
secondo
tem um pouco mais de controle sobre o tempo?
Ronal:
Depende do repertorio. Eu acredito que emocionalmente sim, mais
no
repertório
romântico...
Marcelo: No repertório de textura mais homofônica, certo?
Ronal:
Exatamente, mas não é uma regra.
Marcelo: Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
Ronal:
Tem muita pesquisa de dedilhado, demais; às vezes arranjos do tipo, a partitura está
escrita para o
primo
, mas quem toca é o secondo.
Marcelo: Redistribuição?
Ronal:
Sim. Também coisas do gênero: combinar a mão que deve estar mais alta e a mã
o que
deve estar mais baixa; fazer pausas onde não estão escritas, porque a partitura não permite que
aquela nota fique presa;
às
vezes deixar a nota mais longa para poder suprir o pedal...
Marcelo: Em relação ao banco, vocês já experimentaram alguma mudança? Por exemplo, a
posição, altura?
Ronal:
Bom, a altura nunca foi a mesma, com nenhum dos dois...
Marcelo: E você acha isso bom?
Ronal:
Mas não tem muito a ver com isso não, tem muito mais a ver com o ângulo do corpo
do que com necessariamente a altura do banco. Então você não pode pensar como no piano
solo que a altura é definida, depende muito do repertório que você está fazendo. Mas às vezes
colocar um dos bancos de lado acaba ajudando bastante, para que você possa se aproximar
mais do piano.
Marcelo:
A
gora em relação à altura, é uma questão mais de preferência pessoal de cada um?
Ronal:
Não, é necessidade do repertório. Cada peça, uma escolha de altura, assim como, às
vezes, fazemos no repertório solo.
Marcelo: Em relação ao uso de pedal, este sempre foi usado pelo segundo, ou já
experimentaram o uso ocasional pelo primeiro?
Ronal:
Já teve. Mas, neste caso, é por uma questão de posicionamento.
186
Marcelo: Você lembra, ou dá pra exemplificar?
Ronal:
Já houve um caso de, uma vez, essa é engraçada, o
pé prende
r por causa do sapato, aí
a Letícia tocou pra mim, porque ficava preso no sapato; o pedal não levantava.
Marcelo: Mas isso foi na hora do concerto?
Ronal:
Sim, foi ocasional, eu tinha que colocar o pé de um jeito para não prender a ponta
entendeu?
Acontece
u também em outra peça, mas foi uma coisa curta...
Marcelo: E era por causa do sapato que você estava usando?
Ronal:
Ah sim, pois é, porque tinha um biquinho a mais que prendia, não subia
completamente, pegava na parte de cima.
Marcelo: Mas sem contar este caso circunstancial, houve algum caso?
Ronal:
Não, mesmo nos solos do
primo
, o secondo sempre usou o pedal, embora
muito
trabalho.
Marcelo: E você acha que, no experimento com o
primo
, num caso específico, pode
funcionar?
Ronal:
Sim claro.
Marcelo:
Ok
. Agora falando em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de páginas,
ou sempre fazem uso de uma terceira pessoa?
Ronal:
Às vezes
preparamos a partitura de forma
a
não precis
ar
de alguém pra virar.
Marcelo: Então, às vezes sim e às vezes não...
R
onal:
É.
Marcelo: E quando vocês preparam as partituras, o que fazem? Colagem,
Ronal:
Colagem, ampliação, recorte, tudo funciona.
Marcelo:
E anota
m
quem faz as viradas?
Ronal:
Não, isso não foi com tanta freqüência não, anotar acho que não. Bom, tem sim!
Eu
escrevia “você vira aqui”, “vira ali”, tem sim, algumas vezes tem. Mas é porque tocando, a
coisa fica meio que óbvia, acab
amos
nos
acostumando.
Marcelo: Você tem preferência por uma partitura onde uma página é reservada pra cada
parte, ou aquelas em forma de grade?
Ronal:
Uma para cada parte.
Marcelo: E por quê?
Ronal:
Por uma questão de distância e de ângulo de visão. É claro que quando você tem as
duas partituras, uma embaixo da outra, você acompanha melhor o que o outro
está
fazendo.
Mas é muito mais cansativo você ficar, de um lado extremo do instrumento e ser obrigado a
olhar no extremo oposto. Isto é pior.
Marcelo: Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como vocês procedem para
solucionar esta questão?
Ronal:
Não sei como eu vou te dizer, mas chega uma hora que começa a dar certo, você
entende a respiração do outro e toca.
Marcelo: Respiração então?
Ronal:
Respiração.
Marcelo: E essa respiração é conduzida por um ou é pelos dois?
187
Ronal:
Quando a coisa é natural, geralmente quem começa puxa, porque geralmente não
começam os dois juntos. Mas é engraçado que, quando começa junto, eu não saberia te
responder, dá certo na hora. Mas eu lembro que no início, com a Letícia, nós nos
preocupávamos em quem é que vai respirar, quem vai dar a entrada; e com o Senise não
lembro se aconteceu isso não.
Marcelo: E depois com a Letícia isso se tornou automático?
Ronal:
Sim.
Marcelo: Em geral, como vocês procedem para solucionar os problemas de sincronismo?
Ronal:
Bom,
várias possibilidades. Coisas do gênero: tentar chegar a um denominador
comum de como é que se quer que a música soe, por exemplo, finais muito lentos são
complicados [para serem sincronizados], então há situações de, até mesmo,
um tocar com o
dedo na mão do outro para saber exatamente a hora que aquela nota ou acorde vai ser tocado.
Marcelo: Um pressionar a mão do outro?
Ronal:
É, um pequeno toque lateral.
também coisas do tipo, o
levar
e
da respiração, um
gesto, várias coisas
são
possíveis aí.
Marcelo: Vocês já fizeram o uso do metrônomo alguma vez no estudo?
Ronal:
Já, muitas vezes.
Marcelo: Isto para resolver problemas de sincronismo?
Ronal:
Não para sincronismo, mas para decidir o andamento, para tirar determinadas dúvidas.
Para resolver o problema de sincronismo acho que o metrônomo mais atrapalha do que ajuda.
Marcelo: Que medidas são tomadas onde há grande proximidade entre as partes, em relação a
posicionamento de braços, mãos e dedos?
Ronal:
Bom
situações em que você começa uma escala e o outro continua. Primeiro não
pode hav
er dúvida de dedilhado, nem da posição da mão sobre o teclado, um vai estar mais
alto e outro vai estar mais baixo; não pode haver dúvida em relação à inflexão,
à
métrica no
sentido de notas mais apoiadas, mais leves... Algumas coisas que t
ê
m que estar bem
claras em
relação a isso é, por exemplo, como já falei... Dedilhado, deslocamento, deslocamento
contínuo... Deixa eu me lembrar o que mais...?
Marcelo: O que você quer dizer com deslocamento?
Ronal:
Por exemplo, determinados gestos que você faz, que dão a entender para o parceiro,
por exemplo, um arpejo, que dá a entender ao outro o momento exato de tocar a última nota
daquele arpejo. Se você está muito estático, às vezes não transmite essa noção.
Marcelo: É uma questão corporal?
Ronal:
Corporal, gestual.
Marcelo: Essas medidas que vocês tomam, dedilhado, inflexões... Elas são anotadas nas
partituras?
Ronal:
Sim.
Marcelo:
Todas?
Ronal:
Especialmente as mais complicadas, aquelas que tendem a dar problema.
Marcelo: E como são anotadas, uma letra, um traço?
Ronal:
Às vezes um risco indicando quem toca aquela nota. Porque em alguns momentos
você tem, por exemplo, um acorde de sexta na mão esquerda do
primo
, e na mão direita do
secondo tem uma nota a ser tocada exatamente no meio daquelas duas notas, o que voc
ê faz?
Se for conveniente, vale a pena que a mão esquerda do primo toque as notas todas. Es
s
as
188
decisões
têm que ser anotadas, a ponto de você escrever a nota na partitura e riscar a nota da
partitura do outro. Isso precisa ser anotado.
Marcelo: No caso de ser utilizada uma mão sobre a outra, de músicos diferentes, que parte
geralmente fica por cima e que parte fica por baixo?
Ronal:
Varia muito, não existe uma regra p
a
ra isso. Eu acho que a regra é o conforto, o que
for mais fácil. Agora, é um conforto vigiado, porque nem sempre aquilo que é fisicamente
mais fácil é a melhor solução musical.
Marcelo:
Claro,
desde que o resultado musical não seja prejudicado.
Ronal:
Com certeza.
Marcelo: Na prática individual das peças a quatro mãos você já se senta na pos
ição correta de
duo?
Ronal:
Sim.
Marcelo: Você toca a parte do seu parceiro cruzando as suas mãos, para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona? Por exemplo, se você está no primo, cruza a
mão direita e coloca na área de choque?
Rona
l:
Ah sim,
às
vezes é necessário, porque você é obrigado a usar dedilhados
por
vezes
mais inconvenientes para não impedir a ação do outro.
Marcelo: Então isto é uma prática?
Ronal:
Sim, mas geralmente esse tipo de coisa aparece depois de um ensaio. Muitas
vezes
você vai para o primeiro ensaio com várias coisas que serão mudadas depois.
Marcelo: Na escolha do dedilhado, ainda sobre as áreas onde existe choque, você tem a
preferência do quarto ou quinto dedo?
Ronal:
Depende da situação. Às vezes você pode solucionar um problema, se um tocar, de
repente mais por cima do teclado, bem na parte interna, enquanto o outro toca bem na parte
externa, sobrepondo mesmo as mãos, porque pode ser que o dedilhado não seja bom para
aquela determinada passagem.
Marcelo:
De m
aneira geral como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico ótimo?
Ronal:
Nessa situação?
Marcelo: Não, de maneira geral.
Ronal:
Bom, aí vai muito do ensaio, de você perceber o som que está saindo e também de
algumas idéias pré
-
concebidas, como gênero e gosto, por exemplo.
Marcelo: Vocês fazem ou faziam uso de uma terceira pessoa para escutar o repertorio?
Justamente para averiguar isto?
Ronal:
No caso da Letíca sim, o Senise escutava nosso repertório.
Marcelo: E você acha que o uso da terceira pessoa pode resolver problemas de atritos em
relação às escolhas?
Ronal:
Eu acho que tem muito mais a ver com a ordem de colocação das músicas no
repertório do que necessariamente com a solução de uma determinada música.
Marcelo: em relação
à
ordem então.
Ron
al:
Sim, a formatação, a maneira de como construir várias peças dentro do repertório com
relação ao efeito que você quer atingir.
Marcelo: Já ocorreram casos
em que
houve necessidade de redistribuição das partes, como
você já falou, uma coisa que
está
escr
ita para o
primo
, ser tocada pelo secondo
?
189
Ronal:
Já, muitas vezes.
Marcelo: Você lembra de algum caso específico?
Ronal:
Lembro. Petit Suit de Debussy.
Marcelo: Lembra qual delas?
Ronal:
Não sei dizer agora, não lembro... Algumas Danças Húngaras. Eu lembro de uma peça
brasileira, acho que foi a Brasiliana n.8 do Oswaldo Lacerda.
Marcelo: E das Danças Húngaras, você lembra de qual?
Ronal:
Acho que na n.6. Tem várias coisas assim, eu não me recordo agora... Mas no
repertório clássico e romântico também acon
tece isso.
Marcelo: Existe a preocupação com a questão gestual, dos movimentos pianísticos, ou seja,
vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Ronal:
Sem sombra de dúvida. Sim, os gestos são coerentes. Para ataque, retirada, início,
final, continuidade de um arpejo, de uma escala, ataque com relação a determinados acordes...
Marcelo: Tipo, se um faz um ataque vertical, ou gesto circular, o outro faz também?
Ronal:
Isso, exatamente. Uma coreografia.
Marcelo: Exatamente sobre isso que eu iria perguntar, vocês ensaiam a parte coreográfica da
performance?
Ronal:
Algumas vezes é necessário.
Marcelo: E você acredita que ela pode gerar um efeito performático mais satisfatório?
Ronal:
Não só performático como sonoro também. Porque, às vezes, você está tirando um
som muito bom de uma forma, o outro também tirando um som muito bom de outra forma,
mas o som não está equilibrado, então não é só por uma questão visual, mas sonora também.
Marcelo: Certo. Então isto faz diferença,
o é?
Ronal:
Faz. Eu nunca vou esquecer, Marcelo, na época do concurso do ArtLivre, aquele
primeiro movimento do concerto de Poul
e
nc que você tocou com o Luciano, que o Senise
ficou quarenta e sete minutos, comigo e com a Letícia, naquele mi
-
ré, do finalz
inho do
primeiro movimento, falando sem parar, uma coisa de louco, e gente [tocando] Mi Ré, Mi
Ré, Mi
Ré ... [risos]; falava “o som, o gesto... porque a articulação, o volume...”
Marcelo: Mas isto era a dois pianos.
Ronal:
Sim, mas isto era mais um motivo, porque os dois não
estavam
se vendo, então entrou
toda es
s
a questão do gesto.
Entrevista com o pianista Marcelo de Alvarenga
Data: 19/11/2006
Local: Residência do entrevistado Rio de Janeiro
Marcelo: Qual o nome d
e
seu parceiro de duo atual ou do último parceiro?
M. de Alvarenga: O último foi Andrés Roig, mas a primeira foi a Zaida Valentim, com quem
devo retornar a fazer duo.
Marcelo: Qual o seu tempo de experiência com a formação?
M. de Alvarenga: 20 anos.
190
Marcelo: Experiência profissional?
M. de Alvarenga:
Sim
Marcelo: E antes disso você teve algum contato com a formação sem intuito profissional?
M. de Alvarenga: Nenhum.
Marcelo: Você disse que teve experiências com outros parceiros, como a Zaida e o Andrés.
Houve mais algum?
M. de Alvareng
a:
Na verdade, o primeiro duo foi com Luli Oswald, em dois concertos em
São José dos Campos, numa casa, um teatro praticamente. Muita gente tocava lá, como o
Antonio Guedes. Tinham dois Steinway imensos que ficavam um do lado do outro.
Marcelo: E quanto tempo ficou com a Zaida?
M. de Alvarenga: De 89 a 95. Depois nós voltamos a tocar juntos em outra circunstância. Foi
em um musical para teatro que ficou uns sete meses em cartaz, e a formação era piano e
harpa. Mas a harpista, Cristina Braga, não podia se comprometer com uma agenda teatral,
de
toda quinta a domingo. Então olhei
a
partitura e vi que podíamos fazer aquela parte com um
segundo piano. E logo chamamos a Zaida que, coitada, terminou a temporada cheia de
esparadrapo na mão, por causa da quantidade d
e glissandos [risos]. Então ao todo foram oito
anos inteiros com a Zaida, tocando bastante,
e
com a Luli Oswald um ano inteiro.
Marcelo: Você teve experiência com outras formações camerísticas?
M. de Alvarenga:
Sim
Marcelo: Poderia citar algumas?
M. de Alv
arenga:
Posso. Uma atual que eu continuo
mantendo
é violão e piano. Também já
tive duos de: violino e piano; canto e piano; e violoncelo e piano.
Marcelo: Como você começou a praticar o piano a quatro mãos?
M. de Alvarenga:
Bom, tem uma pequena estória. Em
1987, quando tinha 23 anos de idade,
era só piano, piano, piano. Então me aconteceu um fato curioso. Em São Conrado há um local
chamado Vila Riso. E logo que
começaram atividades
neste espaço tinha um espetáculo de
coisas brasileiras, assim dizendo.
Fizer
am
uma peça teatral que
teve
muito sucesso, de um
diretor falecido, Luiz Antônio Martines Correa, chamado Teatro Musical Brasileiro. O
pianista na ocasião teve algum tipo de problema. Eu conheço
ha
muito anos a Cesariana Riso,
dona da Vila Riso, que
foi
mu
lher do Jacques Klein. Ela ligou para minha casa correndo,
perguntando se eu não substituiria o pianista. Quando vi já tinha feito 27 peças de teatro,
contando o que já fiz até hoje.
Em
1989, eu já estava
ha
três anos só tocando em teatro, e
aquilo me cans
ou. Estava batendo um papo com a Zaida Valentim e falei “vamos fazer
alguma coisa diferente!”. E nasceu um recital de piano a quatro mãos na Pró
-
Arte aqui de
Laranjeiras. Ah... isso é muito importante também, porque tem a ver com o porquê do nosso
repertór
io de entrada no piano a quatro mãos. Nesta época, nós nos aquecíamos no teatro
tocando obras de Chopin, Liszt, ou o que quer fosse, e o público do teatro adorava aquilo. De
repente nós já estávamos dando recitais ali, apenas
como aquecimento
para o espetá
culo.
Então começou a haver uma cobrança dos próprios atores para ouvir o repertório erudito.
Decidimos dar
-
lhes um recital como presente de Natal, já que não havia como dar 70
presentes para 70 atores. Eu consegui uma data na Pró
-
Arte e foi uma loucura, p
orque saiu em
tijolinho de jornal. Estava muito cheio, e tudo começou dali. Então é uma coisa muito
engraçada que a minha platéia, especialmente com a Zaida, sempre foi de pessoas de teatro,
onde quer que nos apresentemos. Nos nossos recitais tem sempre pe
lo menos uns dez rostos
conhecidos de todo mundo, por causa do teatro mesmo. E tudo isso acabou se tornando um
projeto muito mais sério depois.
191
Marcelo:
Você teve vários parceiros de duo. A próxima pergunta é como se deu a escolha
destes parceiros?
M. de A
lvarenga:
Bom, o primeiro foi com a Luli Oswald. Eu já ouvia falar muito dela e já
tinha visto em jornal que ela era a filha brasileira do Arthur Rub
ins
tein. Um belo dia eu vejo
um concerto anuncia
n
do “Luli Oswald, Sala Cecília Meireles, Concerto n. 2 de L
iszt”. Eu fui
correndo ouvir. Foi um concerto belíssimo e acho que
sentí
uma afinidade pessoal. Fui
conversar com ela e
,
ali mesmo, na Sala, nós trocamos telefone. Ela me ligou no dia seguinte,
marcamos almoço, e ela fez a proposta de fazer um repertório a
dois pianos. A segunda
parceira foi a Zaida, que foram
nas
circunstâncias que já te falei. Sem contar que a Zaida é
uma amiga de infância, independente do lado musical, então sempre
foi
muito fácil o
relacionamento, principalmente o musical. Com certeza,
dos meus três duos foi o que nós
comungamos mais, nós pensamos parecido. Com o Andrés foi um grande acaso. Eu fui fazer
faculdade de música muito tarde, entrei com 33 anos de idade. E nesta época o Andrés fazia
aulas livres no CBM e se inscreveu na prova solo do Concurso Artlivre. Faltando 15 dias para
o concurso, não me lembro bem, mas foi uma coisa muito em cima da hora, ele propôs que
fizéssemos a prova de duos. Eu já estava no limite de idade e estava me recuperando de uma
doença, fiquei algum tempo sem
tocar muito, e achei que seria um bom momento para
retornar. E conseguimos tocar muito naquele ano de 2002, além de ganhar o prêmio do
concurso.
Inclusive, sobre o concurso há uma opinião do
júri muito importante
de ser
menciona
do
, não
sei se ainda vamos
falar sobre isso ou não, mas que acho muito importante
para
um duo
pianístico. Nós preparamos o repertório em poucos dias e empatamos com duas moças, e
assisti a prova delas. Uma coisa que me
impressionou muito
foi que elas começaram com as
variações de B
rahms
-
Haydn. Entraram num silêncio absoluto, parecia que estavam se
concentrando e, daqui a pouco: “pam, pam pam” [entrevistado canta o inicio da peça], assim,
sem sinal, sem um gesto, elas entraram sem ter aquele “plam
-
plam” [desencontro] típico
;
fiquei i
mpressionadíssimo. Tocaram
a
obra
muito bem. . Eu saí, se não ia ficar nervoso vendo
aquilo [risos] e fiquei com aquilo na cabeça. Pensei: “agora que não tem a menor chance
mesmo, o prêmio já é delas!”. Então sabe o que eu acho pertinente nisso, reparando
esse
trabalho dessas moças. O juri pediu pra conversar com a gente em particular fomos todos nós
e tal, e todos os jurados falaram que, nitidamente, foi um problema decidir esse prêmio e que
eles optaram por um empate. Porque nós tínhamos nos saído bastant
e bem, mas era evidente
que eram dois pianistas que estavam tocando juntos, para um evento e, no caso delas,
comentaram que elas poderiam, de repente, dar um pouco mais de personalidade (está me
fugindo um termo mais correto pra isso)
;
entretanto, elas eram um Duo constituído, e nós não.
Éramos duas pessoas que sentaram alí pra tocar, pra fazer um concurso... e isso nunca me saiu
da cabeça porque
é
, realmente,
o que
a gente sente, e passei a observar isso toda vez que eu
vejo duas pessoas tocando juntas.
Ma
rcelo:
Que conselhos você daria para a escolha de um bom parceiro?
M. de Alvarenga:
Um: eu acho que os dois têm que querer muito! Tem que haver muito
interesse em comum. Dois: tem que ser amigo dessa pessoa, acho que é muito importante
também. Acho que não
tem muito dessa coisa de “vamos ensaiar” somente. Não vejo como
um trabalho burocrático. Tem que ter um chope, um cinema, um teatro, qualquer coisa, mas
que saia um pouco da música, além de muito trabalho.
Marcelo: E, musicalmente, o que acha que você procuraria num bom parceiro?
M. de Alvarenga:
A primeira coisa é ter admiração pelo trabalho do parceiro. Isso é uma
citação de um grande pianista, que uma vez falou assim, pra mim: “toque com alguém que
toque melhor do que você”. Eu achei isso muito interessante, mas é bem polêmico.
192
Marcelo:
Comente as diferenças observadas entre os parceiros tanto no aspecto musical
quanto na relação pessoal.
M. de Alvarenga:
Vamos, então, nesta ordem: A Luli Oswald tinha idade para ser a minha
avó, então com uma experiência
musical rica, uma carreira não tão boa quanto ela merecia,
mas bastante sólida... então, embora ela nunca tenha sido minha professora de piano, era uma
relação de aluno e mestre, eu nunca sugeri nada, foi uma relação totalmente unilateral. Tudo,
desde o r
epertório até a dinâmica, andamentos, fraseados, tudo isso era decidido por ela, e eu
seguia. Com a Zaida era diferente. Quando ela tinha uma idéia, eu tinha que correr bastante
atrás dessa idéia, estudar muito. Se a idéia era minha, era impressionante que
ela parecia uma
massa de modelar, se ela não fazia no dia, na hora, no dia seguinte estava perfeito. A
adaptação dela sempre foi muito rápida, muito ágil. E o Andrés, também muito amigo... por
isso que eu acho que a amizade é muito importante nestas coisa
s. Andrés pegou uma carona
num repertório que eu já tinha trabalhado com a Zaida, Então eu já tinha uma pré
-
concepção
sobre aquelas obras. E o legal de nós sermos amigos é que passamos a negociar, literalmente.
Por exemplo, tanto no CD com o Andrés, quanto
numa gravação com a Zaida, fizemos uma
seleção de três danças húngaras de Brahms. Também já toquei a Suite de Rachmaninoff com
ambos. O Andrés
es
teve um bom tempo estudando na Rússia. Por outro lado eu tinha sido
aluno do Luis Medalha, que ficou muito tempo na Hungria. Então eu negociei o Brahms pelo
Rachmaninoff. Ambas as obras eram antigas pra mim, mas ele via o Rachmaninoff de uma
forma completamente diferente.
Marcelo: Então ele fez o Brahms à sua moda e você o Rachmaninoff à moda dele...
M. de Alvare
nga:
Exatamente! Essa coisa de mudar de parceiro em música tem esse lado
bom de quebrar os cristais que você já tem da obra e descobrir coisas, inclusive erros mesmo!
O duo, de repente erra, está acostumado a fazer tantas vezes aquela coisa que vira uma co
isa
sólida. Eu descobri dois erros crassos no Ravel que eu fiquei chocado com isso. Duas
passagens onde tocava uma oitava abaixo. Era numa região agudíssima e eu tocava na
penúltima. Então, com a Luli foi a experiência dela, foi muito marcante; com a Zaida
, troca
total; e com o Andres, negociação se fosse uma palavra para cada duo diferente.
Marcelo: Falando agora de sincronismo. Tinha muitas diferenças entre um parceiro e outro?
M. de Alvarenga:
Entre Luli e Andrés, não. Com a Zaida foi o maior sincronis
mo de todos.
A platéia até comentava.
Marcelo: E você acha que era por quantidade de ensaios, ou era natural?
M. de Alvarenga:
Acho que, talvez, tenha o lado das características pessoais, com certeza.
Mas é importante citar que nós ensaiávamos de segunda a
sexta
-
feira, tendo ou não concerto
marcado. Cinco vezes por semana, durante muitos anos. Então nos últimos recitais o índice de
desencontros era pequeno. Mas isso todo duo tem, não adianta. Ao vivo nunca vi um duo sem
algum desencontro.
Marcelo:
Você acha
que o tipo de toque, quando muito diferente, influencia na questão?
M. de Alvarenga: Isso é uma coisa muito complicada em duo, também. Tem muita gente que
defende isso, e eu respeito: Ter um toque único, o toque “do duo”. Mas eu também gosto da
diferença.
Claro que com dois pianos se tem mais essa liberdade, mas quando você está no
mesmo instrumento, as diferenças muito evidentes podem atrapalhar.
Marcelo: Concordo. Penso, que quando
se
toca em dois pianos as diferenças são mais válidas
que quando em um pi
ano. Em dois pianos as diferenças podem ter uma forma de diálogo,
enquanto que quando em um piano, pode soar desconexo.
M. de Alvarenga: Agora, de um modo geral, pelo o que eu já ouvi, sempre dá para perceber
um pouco a personalidade de cada músico. Acho q
ue eu iria gostar muito de assistir um duo
193
sem “plam
-
plam” e que, realmente, tivesse uma identidade própria, que os dois conseguissem
uma identidade de duo. Eu assisti as famosas irmãs Labeck em 1984, no festival de piano de
Munich. Eu nem trabalhava, nem
tocava com duo. Mas assistindo é completamente diferente
que ouvir a gravação delas. A morena é toda quietinha e a loura é esp
e
vitada. A morena me
parece até um pouco mais limpa; me parece que
é
ela segura a base da obra. A loura toca em
pé! É uma “show
-
wo
man”. Elas batem com o pé, marcam ritmo, fazem percussão, são umas
alucinadas [risos], mas, certamente, levam a platéia ao delírio. No palco, penso que se
fechasse o olho, daria pra perceber quem era a loura e a morena. Em gravação eu não consigo.
Marcelo:
No caso de você ter tido outras experiências com outras formações camerísticas,
como foi seu caso, comente as diferenças observadas.
M. de Alvarenga:
O piano é instrumento que não precisa de arco nem ar. Violino seria um
bom instrumento pra falar, porque
eu toquei recentemente. Muitas vezes, estou pensando
naquela obra: uma respiração aqui, acolá; mas para o violinista simplesmente não vai
funcionar daquele jeito, então tenho que mudar. Foi um bom aprendizado.
Marcelo: Então, o que você acha que o piano a quatro mãos tem de diferente?
M. de Alvarenga:
A
cho que, acima de tudo, não sei se acima de tudo, mas sem isso nada
acontece: o piano a quatro mãos é coreográfico. E essa coreografia não é um gestual à toa.
Porque, senão, você leva uma trombada! E os dois
param a música no meio. Há vários
exemplos disso. Não existe coisa mais torta do que fazer a segunda peça do
Ma mère l’oye
de
Ravel, onde um está tocando em terças e o outro está fazendo um solo no meio daquelas
terças. Então, temos que tirar algumas notas, tocar em
staccato
; tem que segurar no pedal, etc.
A Sonata de Poulenc, no início da peça, tudo bem, você se prepara; mas no meio do primeiro
movimento, simplesmente, vem aquele cotovelo perto do seu rosto. Então, acho que tem que
haver
uma
coreografia d
e quem vai por onde. Nas nossas partituras, isso é atávico, sabe, nós
colocamos seta pra cima, seta pra baixo, coisas incríveis. Eu chego a ter vergonha de mostrar
algumas partituras que tenho. Porque criamos termos para marcar essa coreografia.
Marcelo:
V
ocê crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução de um
pianista?
M. de Alvarenga:
Acho que tudo enriquece, com certeza, mas não acho que seja
indispensável. Mas não sou eu quem acha que essa prática é importante para um pianista
evolui
r, ela simplesmente “é”!
Marcelo: Em que aspectos um pianista pode evoluir? Falando sobre a sua experiência.
M. de Alvarenga: Com certeza evolui muito. Obviamente, em todos os aspectos que já foram
citados sobre minha prática camerística. Você conseguir re
speitar o outro, sabendo, também,
se fazer respeitar; e que isso tudo seja um resultado harmônico; que você possa subir no palco
não para disputar, mas é como se fosse “um”. A comparação pode ser horrível. Mas quando
tocamos junto é como um jogo de vôlei d
e praia: é um duo, os dois estão do mesmo lado da
rede, então, se um se dá mal o outro tem que “mergulhar” para tocar. Então, a primeira coisa
importante é não ter competição que, ao contrário, costuma ser muito comum entre pianistas.
Agora, tem outro aspecto que acho fundamental: Dimensão de instrumento. Quando você está
em dois pianos, tudo bem, o piano é inteiro seu; mas existe um repertório de dificuldade
transcendental para um piano a quatro mãos. Você tem aquela dimensão, aquele pequeno
espaço, e aque
le é o seu espaço. Então, acho que o intérprete cria um espaço a mais dentro do
próprio teclado. Ele conhece o espaço do piano inteiro e mais um espaço localizado, ou
mesmo vários espaços localizados, na verdade. Porque tocar a quatro mãos não é metade pra
um e metade pra outro. A coisa não é bem assim, você sabe disso.
Marcelo: Claro, a noção espacial fica mais aguçada.
194
M. de Alvarenga:
Uma noção espacial
no
teclado, que é muito, muito, importante. Uma
experiência própria e engraçada: “Tecladinho”. Eu não
conseguia tocar nada em teclados
pequenos, absolutamente nada. Aqueles teclados de três oitavas, por exemplo. Numa
apresentação pública, na praça da Cinelândia, que incluía até música popular, creio que eu iria
entrar em pânico se eu não tivesse essa noção do meu espacinho ali.
Outro aspecto: pedal. Enriquece o conhecimento de pedal, assim de uma forma
impressionante. Porque você tem que pedalizar para você e para o outro. Seu ouvido fica
como uma antena, não é? Cada sala tem uma acústica, cada piano tem u
ma reverberação,
então, quem está pedalizando pode eventualmente derrubar, através do pé, um fraseado do
colega. A questão também de adequação sonora. Porque, pessoas têm volumes de sons
diferentes. De repente você está tocando com uma pessoa que tem um fo
rte menos possante
do que o seu. Você entra com um fortíssimo que está na partitura, fazendo o seu forte, vai
acabar com o fraseado dela, ou vice
-
versa.
Marcelo:
Você notou, em algum momento, absorção ou troca de características musicais e
pessoais entre vocês, tais como: temperamento, personalidade musical ou técnica?
M. de Alvarenga: Com certeza, sim.
Marcelo: Você acha que isso foi importante na sua evolução pianística?
M. de Alvarenga: Fundamental. Muitas vezes, isso foi uma inspiração.
Marcelo: Comente a respeito:
M. de Alvarenga:
Com a Zaida foi uma grande troca. Por exemplo, o som dela aumentou,
triplicou. Isso para ela foi muito bom. E sempre tem uma contrapartida: eu nunca fui um
pianista de “dedinhos”, esse tipo de coisa. Então, você tem mais dua
s mãos tocando no
mesmo teclado, você permanece olhando para aquilo, convivendo diariamente, acaba
entrando “osmose”. Então, eu via algumas soluções que ela realizava. Por exemplo quando
um pianista faz uma coisa e o outro responde com um desenho similar.
Eu via, conseguia
descobrir o resultado da resolução dessa passagem olhando para aquela mão que não poderia
estar mais perto, não é?
Marcelo:
Quais são os principais problemas ou dificuldades da prática do piano a quatro
mãos? Você já falou da noção de esp
aço, do uso do pedal; da adequação sonora. Teria mais
algum que você gostaria de citar?
M. de Alvarenga: Tem mais um. Acho, isso é para mim, se alguém consegue se resolver de
outra forma, tudo bem. Acho que é a dificuldade de ter um horário de ensaio para
o duo. A
dificuldade da disciplina em conjunto. Porque as pessoas têm seus outros trabalhos,
obviamente, e com isso vai ter que adequar o horário. Mas eu vejo muita necessidade de
ensaiar bastante, até mesmo para entender o outro. E para o público, também, receber. No
duo
você a platéia não está atenta a cada músico separadamente, então, quer dizer, para esse som
chegar inteiro à platéia é muito importante ensaiar muito, pois é muito difícil de você fazer.
Marcelo: Falando sobre a relação pessoal entre os músicos: houve mudanças ou dificuldades?
M. de Alvarenga: Bom, seria mentira dizer que não houve, mas foi durante um curto período
de tempo. Tudo sempre resolvido com um
a
conversa. Quando você está dividindo um palco,
você está num dos mais altos graus de i
ntimidade. Você está vendo todos os pontos altos e
baixos da pessoa que está ao seu lado. E isso pode ser usado de forma positiva na amizade, e
de uma forma negativa, se
,
em um momento de raiva,
fizer mau
uso disso. Mas acho que a
amizade passa por cima di
sso, com certeza. E fiquei mais amigo de todos meus colegas de
duo, ou melhor, muito mais amigo.
Marcelo: Como é o planejamento e rotina dos seus ensaios?
195
M. de Alvarenga:
Vou fixar num duo só porque, senão, a coisa vai ficar um pouco difusa.
Escolha de re
pertório é fundamental; que seja uma obra
com a qual
os dois se identifiquem.
Dois: rotina de ensaio, mesmo que esse ensaio só aconteça, de quinze em quinze dias. Não
gosto muito de deixar os ensaios para as vésperas da apresentação. Um ensaio a quatro mão
s é
sempre muito trabalho. Eles costumam durar, em média, três vezes o tempo do que será
apresentado. Então, se for um concerto de uma hora, costuma ter três horas de ensaio. Porque,
basicamente, a gente dá uma passada vendo como as coisas estão; depois dá
uma passada de
ajustes mais generalizados; numa terceira etapa, um ajuste mais focado em algum problema
que tenha persistido.
Marcelo: Como é que se deu a escolha de partes entre
primo
e
secondo entre vocês?
M. de Alvarenga:
Essa pergunta é ótima. Eu tenh
o preferência pelo
secondo
. Mas, acontece
que aí tem um pouco meu lado de vaidade. Então, em pelo menos uma ou duas músicas num
recital, gosto de fazer o
primo
só para não ficar o concerto inteiro no grave. Mas, isso sempre
foi negociado com muita facilida
de. Normalmente na primeira leitura, já me posiciono no
secondo
e ela no
primo
. Já com o Andrés, nós já tínhamos apresentado as peças com outros
parceiros, e aproveitamos as partes que cada um já tocava, por não haver tempo hábil para
mudar.
Marcelo:
Qual
a razão de sua preferência?
M. de Alvarenga: Me sinto mais confortável. Pode ser polêmico isso que vou falar, mas acho
que o segundo piano conduz. Sabe, gosto de me sentir responsável pelo resultado.
G
osto de
ter esse controle da situação. Falar isso parec
e que
fica
meio arrogante. Mas acho que o
secondo controla a atmosfera, controla o tempo, segura e muda o andamento. Você vai com
pequenas sutilezas, você pode gerar, usando um termo do Ronaldo: “um crescendo
apoteótico”, mesmo que não tenha combinado, iss
o é muito legal. Também, me afastei
completamente da minha função solista. Quem é que vai dizer que nunca mudou algo na hora
do concerto? Que foi planejado naquele instante? Acho que nesta questão o segundo piano
consegue inspirações
no
palco.
Marcelo:
Que
conselho geral você daria para essa questão?
M. de Alvarenga:
Acho que o músico tem que ser muito honesto com o que ele acha que
sabe. Se o seu parceiro for uma pessoa que tem uma técnica muito clara, gosta de treinar as
escalas e arpejos, normalmente vai
se sentir mais confortável na região aguda. Pra mim essa
região é perigosa. Então, acho que o pianista deve, tranquilamente, combinar de fazer o
secondo. Essa preferência se dá porque, muitas vezes, a clareza e a velocidade não caminham
junto com o volume
de som, técnica de acordes, oitavas e... enfim. Então, acho que é uma
combinação bem legal equalizar essas duas características. Quando eu falo isso, eu não estou
colocando o secondo num plano mais simples.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam pa
ra minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
M. Alvarenga
-
Marcar
na
partitura todos os gestos, em todas as partes em que vai haver uma
colisão. Mesmo que depois de tocar muito tempo a coisa esteja mais do que de cor. Mas
quando está
de cor, já está na memória visual também.
Marcelo:
Em relação ao banco, já experimentaram alguma mudança, como por exemplo,
posição e altura?
M. de Alvarenga:
Com certeza. Uma situação que eu acho muito desconfortável, por
exemplo, é que tenho um metro e
oitenta e quatro, a Zaida tem um metro e sessenta e dois e
eu gosto de tocar em banco baixo, ela gosta de tocar em banco alto. Quando invertemos as
partes durante o recital, também invertemos os bancos, para não perder tempo regulando a
196
altura. No Tango do Ronaldo Miranda, a posição do nosso banco sempre foi, assim, com mais
espaço [para o
secondo
]. Inclusive, na própria partitura, estava escrito em letras garrafais:
“ajeitar bancos”. Para não cair no problema de esquecer na hora do recital.
Marcelo
: E a po
sição em relação aos bancos paralelos ou não paralelos?
M. de Alvarenga: Nunca observei.
Marcelo: E a altura sempre foi diferente?
M. de Alvarenga:
Sempre foi. Me lembrei agora de uma dificuldade que eu deveria ter
respondido nas perguntas anteriores. Uma
coisa que tem que ser trabalhada é a confiança.
Quando fomos tocar as variações de Haydn para dois pianos, tem uma variação que o piano
dois começa e depois entra o piano um. E tem notas duplas nos dois músicos, chatíssimo. Se
ela se atrapalhasse ali, iri
a complicar a minha parte. Porque sempre na hora “H” você pensa:
“será que a pessoa está mais acelerada, será que não está?”. Por isso, essa confiança é uma
coisa a conquistar, e é difícil.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
se
condo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
M.Alvarenga: Já experimentamos algumas vezes com o
primo
pedalizando.
Marcelo: E qual foi o motivo?
M. de Alvarenga: Na peça ficava mais fácil de fazer. Lembro
-
me de que, tenho quase certeza
que, em al
guns trechos de
Ma mère l’oye
fizemos isso. Normalmente se depois do quarto ou
quinto ensaio, você continua falando com o outro: “olha o pedal, olha o pedal”; eu acho que
tem uma quebra de confiança naquele trecho. Então, nessas horas, nunca deu problema
quando se pedia: “posso pedalizar?”; tanto quando eu pedi, ou quando a outra pessoa pedia.
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página, ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
M. de Alvarenga:
Com o Andrés, ele sempre fez questão de virar as páginas, sozinho,
c
hegando a ponto de marcar o compasso da virada. Com a Zaida, sempre tivemos um virador,
embora às vezes
tivéssemos tido problemas com isso, como errar, ou despencar as partituras,
esse tipo de coisa.
Marcelo: Vocês utilizavam colagens?
M. de Alvarenga: Sim, embora, às vezes não seja possível.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
M. de Alvarenga: Eu prefiro a partitura em que cada página seja reservada para uma parte.
Marcelo: E porque você tem essa preferência?
M. de Alvarenga:
Por você
ler
menos sistemas de uma só vez. Uma questão visual.
Marcelo:
Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como vocês procedem para
solucionar a questão?
M. de Alvarenga: 90% das vezes uma baixa respiração resolve.
Marcelo: Em geral, como procedem para solucionar problemas de sincronismo, quando eles
aparecem?
M. de Alvarenga:
Marcelo, essa resposta vai ser também boba, porque nunca tivemos um
trecho
que nós tivéssemos problemas de juntar, não. Os desencontros eventuais só aconteciam
na hora do palco mesmo.
197
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos? Já
falamos um pouco sobre
essa zona de choque.
M. de Alvarenga:
Eu acho que essa é a hora
em
que devemos usar muito humor quando há
muito contato físico entre as partes, senão vai ter briga. Então, aquele: “sai pra lá”, “sai você”,
“tira essa mão aqui do meu
caminho”, “tira a sua”. Levar a sério tudo isso, pode gerar uma
briguinha chata. Então, levando na brincadeira, sempre se encontra uma solução.
Marcelo: No caso, alguma dessas medidas, quando há choques, é anotada na partitura?
M. de Alvarenga:
Sim. Isso
eu acho fundamental. Eu volto a repetir o termo que eu gosto de
usar para o piano
a
quatro mãos: ele é coreográfico. O coreógrafo, quando vai fazer um balé,
anota a coreografia. . E o pianista deve anotar a coreografia da obra,
fazer
um desenho ali.
Anoto
nas partituras de vários jeitos. Gosto muito de usar o humor nessas horas. Muitas coisas
engraçadas. Já houve virador de página tendo acesso de riso. Carinha, bonequinho para
virador de páginas, etc.
Marcelo:
Caso seja utilizada uma mão sobre a outra, que
parte geralmente fica por cima, e
que parte fica por baixo? Você notou alguma generalização?
M. de Alvarenga: Em geral, quando estou no agudo prefiro ficar por cima e quando estou no
grave prefiro ficar por baixo. Lembro
-
me que na Suíte de Rachmaninoff eu
tocava por baixo,
eu estava no grave. Apenas em duas passagens modulantes, eu precisava ficar por cima
porque tocava notas pretas. Tem que ver quem tem nota preta e quem tem nota branca.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se s
enta na posição correta
de duo?
M. de Alvarenga:
Sim.
Marcelo:
Você toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de seu dedilhado e posicionamento funcionam? Por exemplo: nas zonas de colisões,
se você está no primo, você toca a parte superior do
secondo
com sua mão direita?
M. de Alvarenga: Sim, adianta muito na hora do ensaio em conjunto.
Marcelo: Ainda falando sobre essas partes onde há choques: na escolha do dedilhado, você
tem a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos, n
a mão esquerda do primo e na mão direita do
secondo?
M. de Alvarenga:
Sim, com certeza, é um ótimo
fator de desenvolvimento técnico e
mecânico. Há dedilhados teoricamente esdrúxulos se fosse uma obra solo.
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
M. de Alvarenga: É escutar muito o outro quando está ensaiando. Uma coisa que acho muito
legal é estudar um pouquinho os teatros onde você vai tocar. Às vezes quando um está no
placo tocando, o outro esta caminhando pela sala para estudar a acústica do local.
Marcelo: Vocês se gravam?
M. de Alvarenga:
Não, a gente nunca gravou ensaio. Porque a reprodução nunca é muito
boa.
Marcelo: Chegam a tocar para uma terceira pessoa?
M. de Alvarenga: Várias vezes. Com a Zaida quase todos os nossos concertos sempre foram
com uma prévia em casa para uma pequena platéia. E foram mais de quarenta concertos.
Marcelo: E para um professor?
198
M. de Alvarenga:
Houve um período, ha uns 11 anos atrás, que achamos importante
convocar o Luis Medalha para acompanhar o duo. Pois nós, tanto ela quanto eu, fomos alunos
dele num dado momento da nossa vida.
Marcelo: E você acha que isso ajudava não só em termos musicais, mas, também em termos
de relação pessoal?
M. de Alvarenga:
Ele conhecia muito be
m cada um de nós, pois fomos dois alunos dele, sem
duo. Com certeza a resposta é sim. Se tivesse um mal entendido de concepção, deixávamos
para ele decidir.
Marcelo
: Você acha que de maneira geral o piano a quatro mãos tem a tendência de tocar
tudo muito f
orte? Comparando com uma execução solo, por exemplo.
M. de Alvarenga:
Sim, isso é uma preocupação que as pessoas têm que ter. Porque não são
dez dedos são vinte. Então, os pianos têm que ser mais pianos mesmo.
Marcelo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes?
M. de Alvarenga:
Sim. Num pequeno trecho do
Ma mère l’oye
, onde faço a parte do
primo
,
minha mão esquerda colidia muito com a mão direita da Zaida, então quando toquei o mesmo
trecho com a mão direita, ficava mais confor
tável. Mas troca de notas entre as partes... sim,
para conseguir sincronismo na Suíte de Rachmaninoff, Valsa. Na valsa tem uma pequena
seqüência de acordes lentos. Um dos pianos faz três notas e a quarta nota é o outro. Então, eu
dizia: “deixa que eu faço
isso”.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
M.Alvarenga
: Não. Desde que saia junto. Existe uma preocupação muito forte
: é de se
lembrar de que você está com outra pessoa. Então, o seu gesto natural, se você estivesse
tocando solo, pode ser um gesto que atrapalhe o outro. Mas isso já vem do processo de ensaio.
Marcelo: Vocês ensaiam a parte coreográfica da performance?
M.
de Alvarenga:
Na minha experiência, a parte coreográfica está toda ligada à colisão. E
que não é nada rara, e marcamos cada uma delas no ensaio, até que se incorpore e se torne
natural. Eventualmente a gente erra, então a gente pensa: “é melhor trocar isso”.
Marcelo: Então, na verdade, o que você se refere como “coreográfico” seriam as adequações
do corpo para minimizar o desconforto?
M. de Alvarenga:
Sim. Não me preocupo muito com a parte visual até porque todos os
parceiros que eu tive, como eu mesmo, nós tentamos gestos mais econômicos. Então, não tem
aquela pausa no ar, aquela mão que sobe.
Marcelo: Você acredita, falando da parte coreográfica, que ela pode gerar efeito performático
mais satisfatório, se for ensaiada?
M. de Alvarenga:
Eu não gosto muito
, principalmente se você faz gestos artificiais que não
condizem com nada do que você está sentindo ou tocando. Entretanto, eu sei por experiência,
que o público vai gostar, é capaz de arrancar mais aplausos.
Entrevista com o pianista Luiz Senise
Data:
19/11/2006
Local: Residência do entrevistado Rio de Janeiro
199
Marcelo: Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Senise:
Ronal Silveira
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Senise:
E
u tenho cerca de 20 anos de contato com a formação.
Marcelo: Você teve experiências de duo com outros parceiros?
Senise:
Sim, já toquei com colegas, amigos e alunos.
Marcelo: E você tem experiência com outras formações camerísticas?
Senise:
Sim.
Marcelo:
E
quais foram as principais?
Senise:
Piano e clarineta, violoncelo e piano, canto e piano. Essas são as mais frequentes
. Mas
eu já toquei com outras formações em situações ocasionais, como duos
(
com violino,
viola,
saxofone, flauta
oboé
) e também
trios, ent
re outras.
Marcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como você começou a fazer piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Senise:
Foi mais por curiosidade, não me lembro exatamente como foi, mais creio que por
pura satisfação e prazer.
Marcelo:
E
profissionalmente?
Senise:
Foi também ocasional.
De repente, surgiu uma oportunidade e aconteceu.
Marcelo: Como
se
deu a escolha do(s) seu(s) parceiro(s)?
Senise:
Não foi exatamente uma escolha, foram circunstancias de momento
.
Apenas por
prazer e curiosidade comecei a ler obras a quatro
mãos
com
alunos e amigos.
Marcelo: Mas houve algum critério na escolha?
Senise:
Sim, afinidades, empatias...
Marcelo: Que conselhos você daria para escolha de um bom parceiro?
Senise:
Afinidade
, empatia e nível pianístico e artístico equivalente.
Marcelo: Que tipo de afinidades?
Senise:
Afinidades em relação a tudo, pessoais,
musicais
e
artísticas também.
É preciso, pelo
menos
, uma compreensão musical e domínio técnico e
artístico
semelhantes.
Marcelo: O nível tem que ser eq
uivalente, certo?
Senise:
Sim
, tem que ser equivalente
,
pois caso contrário ficariam evidentes e
acentua
das
as
qualidades
do melhor e os defeitos do pior.
Ou seja, desequilibr
ari
a
tod
o
o
trabalho
camerístico do duo.
Marcelo:
No
seu
caso,
j
á
que teve experi
ências com outros parceiros, você consegue
comentar alguma diferença que tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto
na
relação
pessoal?
Senise:
Existem parceiros que são
extremamente
intuitivos
e possuem muita facilidade de
leitura. Neste caso, tudo
se passa como n
um
diálogo
que flui
escorreito e natural. Outros
precisam de mais estudo
, mais tempo de preparo,
mais
treino
e mais ensaios. Uns não
conseguem dominar o
nervoso no palco, outros
o fazem sem maiores dificuldades.
C
ada
parceiro possui
uma car
acterística própria e diferente, o que torna cada experiência singular e
enriquecedora.
Marcelo:
E em relação
a
aspectos musicais mais específicos, como sincronismo, equilíbrio
sonoro, você sentiu diferença?
200
Senise:
Sim, claro, t
odos estes aspectos apresen
tam
-
se diferenciados com parceiros
diferentes
!
O
uso do pedal
, o fraseado, o maior ou menor sincronismo e o equilíbrio sonoro
fluem mais fáceis dependendo do grau de afinidade musical e artística e domínio técnico dos
parceiros. E, é claro, nada substitui os ensaios.
Marcelo:
E, no
seu caso
, que já teve experiências com várias outras formações, o que observa
de mais diferente em relação ao piano a quatro mãos?
Senise:
Além da preocupação presente num sério trabalho camerístico com outros
instrumentos (como
o controle de volume, fraseado, equilíbrio sonoro, sincronia, etc...) no
piano a quatro mãos
a dificuldade maior consiste em tentar moldar o seu timbre ao do seu
parceiro para que haja uniformidade maior no resultado sonoro final. Em certas passagens,
quando se toca piano a quatro mãos (
secondo
ou
primo
), você tem que ser capaz de reproduzir
exatamente a mesma sonoridade, o mesmo timbre que seu parceiro. Como o timbre é
característica própria de cada um (podemos dizer que o timbre é o nosso selo, e o que n
os
diferencia dos demais) igualá
-
lo ao do parceiro é, portanto, tarefa árdua e difícil.
Embora nos
duos com
outros instrumentos também exista a
dificuldade e a constante preocupação de se
dosar o volume para obter o equilíbrio sonoro (como com
a clarineta
ou com o violoncelo,
que no
registro mais grave
soam mais intensos), o timbre próprio de cada instrumento facilita
esta diferenciação. No piano a quatro mãos esta dificuldade parece ser maior.
Há também a
questão do desconforto
físico
, porque
, na realidade
,
você está compartilhando
o
mesmo
instrumento
e
o mesmo espaço
com pessoas de tamanhos diversos e de diferentes
comprimentos de braços, antebraços, corpos, etc.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução do
pianista?
S
enise:
Muito importante.
Marcelo: Em que aspectos o pianista pode evoluir com essa prática? Fale um pouco sobre sua
experiência.
Senise:
De maneira geral, nos mesmos aspectos que o pianista pode evoluir fazendo música
de câmara
com qualquer outro instrumen
to
. Em alguns aspectos
até
mais, já que se trata do
mesmo
instrumento, do mesmo pedal. Aí a atenção tem que ser redobrada,
tem que se ouvir
mais acuradamente,
desenvolve
ndo assim mais suas habilidades.
N
o emprego do pedal
ele
pode evoluir muito. Por exempl
o, quando você está tocando com um violoncelo, e ele está
tocando sozinho, você não precisa usar o pedal; mas no piano a quatro mãos às vezes você
não está tocando, mas está pedalizando pelo seu colega,
o que é bem mais
complicado
. Sua
atenção tem que ser redobrada,
po
is
você não sabe
exatamente
a agógica
e a dinâmica
que ele
vai
empregar
, e o
bom uso do
pedal depende também destes fatores.
E assim como em
qualquer prática de música de câmara
, a acuidade auditiva e a leitura
melhoram
consideravelmente. Prin
cipalmente para
o
pianista, isso é muito importante,
pois ele tem
a
tendência
a
ser sempre solista, e
o
fato de fazer música de câmara, principalmente piano a
quatro mãos, obriga
-
o a prestar
mais
atenção
nos outros, a se ouvir melhor, a pensar em
di
álogos
,
em
imita
ções de
frases, a exemplo do que se faz
quando se toca com
qualquer
outro
instrumento
. O pianista, habitualmente tão solitário na sua “missão” de solista passa a se
relacionar com outros instrumentos e instrumentistas, enriquecendo
-
se sobremaneira
com esta
experiência, tanto musical quanto pessoalmente.
Marcelo:
Você notou, em algum momento, alguma absorção ou troca de características
musicais pessoais entre vocês, tais como: temperamento, personalidade musical, ou técnica?
Senise:
Sim,
ela deve
acontecer de uma maneira consciente ou não porque
para que haja
um
bom resultado
artístico, é preciso que haja troca de informações, de concepções diversas, e
isto pressupõe trocas de experiências e vivências.
201
Marcelo: Mas você notou alguma mudança na sua execução solo?
Senise:
Não de uma maneira consciente
.
Mas pude observar outras pessoas com diferentes
soluções técnico
-
musicais, maneiras diferentes de estudar e isto é muito salutar porque
enriquece seus conhecimentos.
Marcelo: E na dos outros [parceiros]
?
Senise:
Possivelmente. Isso se deve ao fato de eu tocar principalmente com alunos meus, e
assim acho que consigo fazer com que eles absorvam algumas características que eu julgue
importante
s
. Eu oriento e isso eu acho q
ue é uma prática muito boa para
ama
durec
er o
aluno.
Aliás
,
o
célebre
Neuhaus
procedia assim com alguns de seus alunos excepcionais como
Richter
e
o
Gilels
. Ele
tocava
com eles
a quatro mãos,
a dois pianos, e considerava isso uma
excelente maneira de se ensinar e de
aprend
er
.
Marcelo:
Então
você acha que pelo fato de você tocar com seus alunos, você consegue lhes
ensinar coisas que de repente verbalmente não seria comunicável?
Senise:
Acho, principalmente na agógica, e na parte de dinâmica também; eu acho que eu
exijo deles: uma
gradação
maio
r de fortíssimos e de pianíssimos e uma clareza maior de
execução, de idéias, de se estabelecer claramente a perspectiva sonora dos elementos musicais
(
melodia, recheio, baixo
),
o que deve ser mesclado e o que deve ser
destacado,
uma definição
m
elhor
de fr
aseado para poder imitar um ao outro;
escolha apropriada da
sonoridade, igualar
seu som
ao do outro
, sincronismo, gestos e ataques semelhantes.
Sem d
ú
vida
,
esta
é uma
maneira de ensinar piano. Eu incentivo muito a prática de piano a quatro mãos
entre meus
alunos
, p
ela troca de experiências
. Através
da
m
ú
sica de câmara
eles
absorvem as
características um do outro. E é visível a diferença de antes e depois.
Marcelo: E qual foi seu ganho?
Senise:
É óbvio que
ensinando você também
aprende
. L
idar com
problemas
técnicos e
musicais e com as deficiências dos alunos obtendo destes um resultado positivo e
convincente, compensa qualquer esforço e trabalho. Além disto amplia e desenvolve nossa
própria capacidade pianística e pedagógica.
Também
o fato de você
conhecer e
abordar obras
novas,
aprender um repertório novo, já
significa um lucro, por si só
.
É enriquecedor como
experiência
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do
piano a quatro mãos?
Senise:
A p
rimeira é exatamente equilibrar a sonoridade, que existe em todas formações, mais
nessa
,
em especial
,
é muito difícil, principalmente por causa do registro do piano; por
exemplo o grave é sempre muito mais pesado que o agudo, então o
primo
tem que ter
capacidade de maior
ca
ntabile
, de maior brilho, para poder equilibrar; há também a
dificuldade enorme de tocar junto o mesmo instrumento, o desconforto em passagens
de
diversas obras nas quais as
mão
s
fica
m entrelaçadas, mal posicionadas, embaixo ou acima das
do parceiro,
o
s
br
aço
s e corpos
se chocando,
duas pessoas
senta
das
em
um só banco ou
mesmo em dois bancos diferentes, não é a mesma coisa que estar sozinho em frente ao teclado
na posição em que se está habituado a fazê
-
lo.
A pedalização
torna
-
se incomoda
para quem
está no
secondo
,
pois
o eixo de equilíbrio
muda
quando você estica o pé direito para o lado
.
O
utros feixes musculares atuam
no movimento e na realização técnica quando se modifica a
posição do banco do piano e dificulta assim seu domínio.
Marcelo: Sobre a relação pessoal entre os músicos: houve mudanças ou dificuldades?
Senise:
Sim
, no mesmo grau das dificuldades musicais.
Marcelo: Então era uma decorrência da prática?
202
Senise:
Não sei se decorrência, mas uma conseqüência. É conseqüência, não decorrência.
Bom, na v
erdade não sei...
N
unca parei para analisar detidamente.
Marcelo: Como é o planejamento e rotina dos seus ensaios?
Senise:
Devido a minha quantidade de atividades é mais nas vésperas dos compromisso
s
. Às
vezes o programa é
escolhido e modificado
abruptame
nte,
visando
sempre a melhor
performance e o
s
melhor
es
resultado
s artísticos.
Marcelo: Então a sua rotina e planejamento é uma adaptação
às
circunstancias?
Senise:
Adapto
-
me
às
circunst
â
ncias, mas
preocupo
-
me
seri
amente
com
a realização musical
da obra que
deverá ser a melhor possível. A obra deverá soar como se estivesse sido
preparada com muita antecedência. Esta é uma cobrança que todos deveriam se fazer.
Marcelo: Mas não é a rotina ideal, certo?
Senise:
Não, não
creio
que seja
a
rotina ideal.
Por tradiç
ão, a
rotina ideal seria
marcar
ensaios
e
escolher
programas
com bastante
antecedência,
para
que se
p
ossa
realmente preparar uma
peça com calma
e tranqüilidade
. Mas às vezes, dependendo do
tempo de que se dispõe e do
temperamento do músico, isso não funcio
na.
A disciplina rígida tem ótimos efeitos sobre uns,
mas não sobre outros.
Temos
mais é que priorizar as características individuais.
É o melhor
resultado que importa e cada um tem que descobrir, através de sua vivência e experiência, o
melhor processo pa
ra obtê
-
lo. Portanto,
não é só a rotina de ensaios
que tem que ser levada
em consideração, mas também outros fatores como
a capacidade de atenção e concentração
d
o artista no momento exato da atuação no palco. Diversos fatores conjugados contribuem
para a
concretização de um bom duo: ensaiar é um deles.
Marcelo:
Isso
até
pode também
gerar problema, se as características forem muito diferentes,
certo?
Senise:
Exatamente, isso já me causou problema. Eu tocava com uma pessoa muito
disciplinada que gostava de e
nsaiar e estudar excessivamente; para mim foi motivo de não
querer mais tocar. Esse, aliás, foi um desentendimento que eu tive.
Marcelo: Foi motivo de rompimento do duo?
Senise:
Sim
, ainda bem que não da amizade.
Marcelo: E como se dá a escolha de partes (primo
e
secondo
) entre vocês?
Senise:
Também
circunstanciais, dependendo da peça.
Marcelo:
Revezando?
Senise:
Deveria haver
um revezamento sim
. M
as
comigo
não
acontece
assim: “
A
h! Eu vou
fazer o
primo porque eu ficaria melhor aqui
...
”. No meu caso, em espe
cial, eu
deveria fazer o
primo pela característica brilhante de meu timbre. No entanto, adoro
fazer o
secondo,
pois
ele
é o responsável pela pedalização, pela
construção
harmônica, pela criação de
ambi
entes
sonoros. Ele enfatiza, intensifica, modifica e pr
epara atmosferas nas quais o
primo
pode se
desenvolver
plena e livremente. Eu sempre gostei de fazer o secondo.
Marcelo: Então como você disse que toca muito com seus alunos,
acha que tem um pouco de
liderança nos teus duos?
Senise:
De certa maneira sim.
M
arcelo:
Mas é você que faz as escolhas [de primo
e
secondo
] então?
Senise:
Não é bem assim. Acho que acaba a coisa fluindo; às vezes depende da dificuldade,
ou das circunstâncias. Se vamos tocar
uma peça em tal dia, t
emos que ver a dificuldade da
mesma
,
de
cidir quem deve
ficar com a parte mais difícil ou mais fácil, p
a
ra
que o resultado
seja o melhor possível. Acontece muitas
vezes
que um
já toca a parte e o outro
ainda não,
203
porque já tinha preparado com outros duos, então a coisa
depende das circunstâncias
.
Cada
caso é um caso.
Marcelo: Você já falou um pouco sobre isso, mas eu gostaria que repetisse: você teria algum
conselho geral em relação a essa escolha de primo
e
secondo
?
Senise:
Eu acho que o
pianista com sonoridade mais brilhante deveria
escolher o primo,
pois
na grande maioria das obras ele vai lidar com a melodia, enquanto o
secondo
cuida mais da
parte harmônica, da perspectiva sonora. O primo
é a atriz principal e o
secondo
é tudo que a
circunda.
O som mais
brilhante
deveria ficar no
primo
; o
seco
ndo
tem que
ter
uma solidez
sonora maior
um controle maior. Mas acho que não se deve seguir isto tão à risca, è
aconselhável revezar para verificar os melhores resultados.
Marcelo: Que tipo de controle?
Senise:
Controle
do
ritmo,
do
tempo
...
É o baixo que
normalmente
mant
é
m a pulsação, isso
não quer dizer que o
primo
não te
nha
que
mantê
-
la
também. O controle de sonoridade maior,
porque o
secondo lida mais com a parte harmônica, tem que equilibrar mais o som, o registro
dele é mais difícil de controlar. Eu a
cho que o
secondo
impulsiona, direciona todo o cenário
emocional e a interpretação. Control
a
também
o andamento,
a
agógica principalmente;
e
muitas vezes
a emoção
,
as cores, porque é onde está o recheio, onde está o cenário
musical.
Marcelo: Mais é mais fácil direcionar a interpretação no secondo
então?
Senise:
É mais fácil. Eu posso direcionar a interpretação tanto no
primo
quanto no
secondo
,
mas o
secondo
tem mais
possibilidades
, porque você está com todas
as
funções harmônicas,
portanto é mais fácil.
Mar
celo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Senise:
Às vezes sim, e até depois
nós
troc
amos
. Aliás, deveria ser feito isso, os dois saberem
tocar as duas partes e ouvirem o resultado sonoro. O trabalho ideal seria
esse
.
Marcelo: Mesmo depois da peça pronta...
Senise:
P
rincipalmente depois da peça pronta, porque até então não se sabe como é que está.
Marcelo: Os seus parceiros tinham preferência pelo
primo
, ou não mostravam preferências?
Senise:
Não mostravam preferências.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam p
a
ra minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
Senise:
Sim, às vezes nós trocamos notas, um pega notas que o outro faria.
Marcelo: Uma redistribuição?
Senise:
Uma redistribuição de partes. E naturalmente uma reformulação de gestos e posições
mais p
a
ra baixo ou mais p
a
ra cima, o corpo mais p
a
ra cá
,
mais p
a
ra lá, toda uma adaptação de
mão, corpo e gestos também. O que me acorre agora é só isso.
Marcelo:
Em relação ao banco, já experi
mentaram alguma mudança, como por exemplo,
posição e altura?
Senise:
Sim, a altura cada um usa de uma maneira diferente.
Marcelo: Então
quanto à
altura cada um fica com a própria preferência?
Senise:
Cada um com a própria preferência. Em relação à posição
do banco
foi tentado
colocar um na horizontal e outro na vertical, é uma possibilidade também. Assim ou assim
[entrevistado mostra um paralelo e outro transversal].
Marcelo:
Mas
a posição
em
que você
fica
é sempre ret
a?
Senise:
Nem s
empre
. Vai depender muito do físico do parceiro e da obra a ser executada.
204
Marcelo:
Nunca tentaram colocar sem ser exatamente paralelo
...
assim [mostrando bancos
levemente curvados em relação ao teclado]
Senise:
Não
,
assim não. Às vezes por uma questão de preferência
,
acaba fic
ando
assim
[mostrando um levemente
mais
próximo do teclado que o outro], mas depende também do
antebraço dos pianistas.
Marcelo: E a altura, sua e de seus parceiros, nunca foi a mesma não é?
Senise:
Coincidentemente não.
Marcelo: Você acha que se fosse a mesma iria colidir mais os antebraços?
Senise:
Nunca me ocorreu fazer esse tipo de coisa para não colidir o braço e para evitar essa
parte do desconforto. Pode ser até que funcione, mas não sei, nunca experimentei; pode ser
uma idéia interessante, o Horowitz não tocava cada estilo com uma altura de banco diferente?
Marcelo:
Ah, isso eu iria perguntar: vocês chegam a mudar alguma coisa em relação ao
banco para alguma peça especifica, durante o recital?
Senise:
Não, tudo igual. Mais isso é interessante, pode ser utilizado.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Senise:
Não
, sempre pelo secondo
. Já vi duos
com o pedal usado
pelo
primo
, mas acho que é
esquisito;
creio
que seria um
a coisa mais complicada conceber uma harmonia basead
a
na
melodia; é muito mais fácil conceber uma melodia baseada na harmonia.
Marcelo: Claro! Mas, por exemplo, em uso de passagens solo pelo
primo
?
Senise:
Nunca fiz, mas não vejo nenhum problema em fazer. Acho até interessante fazer.
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página, ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
Senise:
Às vezes ensaiamos. É sempre melhor não precisar de uma terceira pessoa, mas tem
certas peças
em
que a
s viradas são impossíveis de
se
fazer. Sempre que possível, nós
ensaiamos as viradas de páginas.
Marcelo: Vocês chegam a usar recursos de colagem?
Senise:
Usamos, sempre que possível.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservad
a para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
Senise:
Eu acho que para o trabalho do duo, para o ensaio, aquela que vem junto, na mesma
página fica mais fácil, porque ao repetir não
é
preciso
ficar contando compassos
para se
localizar. Minimiza o tr
abalho nos ensaios e diminui um pouco
o perigo de se perder
na hora
da atuação. Eu acho que optaria pela grade.
Marcelo:
Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como vocês procedem para
solucionar isso?
Senise:
Eu utilizo a respiração. Cada caso
é um caso, mas acho que a respiração sempre
funciona como uma espécie de respiração orgânica que te conduz ao início da obra.
Marcelo: Já chegaram a utilizar alguma vez uma contagem discreta com os dedos, ou coisa
semelhante?
Senise:
Não, eu nunca fiz is
so, mais já cheguei a utilizar a respiração consciente,
atacando a
respiração como se fosse o tempo, usando a respiração cronometrada [entrevistado demonstra
a respiração], ou seja,
a
respiração desempenhando o papel do tempo, da contagem.
205
Marcelo:
Em gera
l como vocês procedem pra solucionar problemas de sincronismo, quando
acontecem?
Senise:
Cada caso é um caso. Os maiores problemas de sincronismo
ocorrem
quando as peças
são lentas e expressivas e quando elas são em
piano
e/ou
pianissimo
, aí a coisa fica m
uito
evidente; ou quando há longas pausas e ataques rápidos. Então depende de gestos, de
encostar
-
se ao outro, ou olhar para a mão do outro; através da visão, da respiração...
Usar os
sentidos quando a intuição não basta. Também, cada caso é um caso.
Marce
lo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Senise:
Aquilo que eu já falei
antes
, utilizar às
vezes uma mão por cima, outra por baixo,
à
s
vezes troca
-
se notas d
e uma mão pra outra,
faz
em
-
se
arranjos, é uma questão de se adaptar.
Marcelo: Essas medidas são anotadas nas partituras?
Senise:
Às vezes.
Marcelo: Uma curiosidade: caso seja utilizada uma mão sobre a outra, que parte geralmente
fica por cima, e que parte fica por baixo?
Senise:
Normalmente as mãos que carregam mais notas pretas ficam por cima e as que
carregam mais notas brancas ficam por baixo.
Marcelo: Mais não normalmente o primo por cima e o secondo por baixo, certo?
Senise:
Não. Realmente é a topografia do teclado que deve
orientar
a
escolha desse critério.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Senise:
Sim. Por que senão você
vai
trabalha
r
outros feixes
m
u
scul
ares que não atuarão na
execuç
ão da peça.
Marcelo:
Você toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona? Por exemplo, se você está no
primo
tocando
com a mão esquerda, você toca a parte do
secondo
com a mão direita cruzada, para escolher
o
dedilhado?
Senise:
Não. Não tenho esse h
á
bito. Eu gosto de fazer sempre com a pessoa, porque o
posicionamento da minha mão em relação
à
minha mão é um, já o posicionamento da mão
de
la
, do braço del
a
em relação
à
minha mão é outro.
Porque cruzando muda a angulação, uma
coisa é você fazer assim, outra é você fazer assim [entrevistado mostra posicionamentos
diferentes de mão]. A angulação daqui quando vem pra baixo é diferente
,
você não seria
capaz de deduzir como é que fica a posição correta. Mais poderia ser feito. Seria bom pensar
no assunto, até mesmo para sugestão de dedilhado, mas acho que também tem que ser
decidido
junto com o parceiro.
Marcelo: Ainda falando sobre essas partes onde há choques: na escolha do dedilhado, você
tem
a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
Senise:
Sim.
Quando se coloca o polegar numa passagem a tendência da mão é levantar.
Para
que uma mão po
ssa
ficar mais baixa, e a outra mais alta impedindo o choque entre elas, deve
-
se evitar o uso do polegar numa delas, quando possível.
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Senise:
Em primeiro lugar, tem que se ouvir acuradamente.
Marcelo: Vocês se gravam?
Senise:
Esse seria o processo mais importante, mais indicado
. Costumamos gravar as
apresentações.
206
Marcelo:
A Sônia disse que uma boa dica
é pensar em crescer uma mão de cada vez pra não
ficar demais. O Ferguson diz que em geral
,
num piano a quatro mãos
,
o
primo e o
secondo
têm que ter uma esquerda mais desenvolvida
; porque quando você toca solo, normalmente
você toca a direita mais forte. O que você acha?
Senise:
É verdade, eu estou de acordo com eles. Sobre crescer uma mão de cada vez, se for
numa escala em uníssono, é bom deixar para crescer sempre no final, em ve
z de crescer lá em
baixo. Tem uma infinidade de coisas para controlar a sonoridade, em crescendo e diminuindo.
Não sei se esta sugestão se aplicaria a
diminuendo
, teria que ver. Depende, cada passagem
tem que ser analisada de maneira diferente.
Marcelo:
E
você acha que no piano a quatro mãos
a tendência de tocar tudo um pouco
mais forte, pelo fato de ter mais mãos?
Senise:
Acho que sim. Eu observei na maioria das aulas que já dei
com
piano a quatro mãos e
na
s pessoas que
ouço tocando a quatro mãos,
que e
las normalmente
tocam com mais
sonoridade
forte que quando tocam solo.
Marcelo: A suavização seria uma preocupação...
Senise:
É, isso sempre não é? Maneirar em qualquer ocasião. Mas
eu
acho que é uma
tendência natural, por exemplo, quando se toca com flau
ta, você pensa sempre em fazer
piano
, porque se fizer forte a
bafa
a flauta. Quando se toca com o sax, sua tendência é tocar
mais forte. Tem que ter essa tendência porque se não ele te engole.
Marcelo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribu
ição das partes? Se houve,
você lembra de algum caso de estar escrito na partitura uma coisa para uma parte e você
passar para outra?
Senise:
Sim.
Debussy, Petit
e
Suíte em Bateau
Marcelo: Qual das duas? Você lembra?
Senise:
No Cort
ège,
no Ballet
.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Senise:
Sim. Não só os mesmos gestos como a mesma altura, mesma posição; a mesma
coreograf
ia.
Marcelo: Isso que eu ia perguntar: vocês ensaiam a parte coreográfica da performance?
Senise:
Coreográfica no sentido de mesmos gestos para obtenção da mesma sonoridade.
Marcelo: Mas e se referindo ao visual mesmo?
Senise:
Sim
, desde que os gestos sejam
adequado
s à sonoridade.
Marcelo:
Você acredita que ensaiando a parte coreográfica pode
haver
um efeito
performático mais satisfatório?
Senise:
Sim, óbvio. Desde que não se faça gestos que
não são adequados, exagerados. É
realmente é ridículo quando o g
esto é exagerado,
mas
quando o gesto é natural, orgânico, é
extremamente importante. E como se trata de um conjunto, tem que ser ensaiado.
Entrevista com a pianista Zaida Valentim
Data: 20/11/2006
Local: Residência da entrevistada Rio de Janeiro
207
Marce
lo:
Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Zaida:
Marcelo de Alvarenga.
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta
formação?
Zaida:
Desde 1989, então... 17 anos, entre idas e vindas. Ininterruptamente foram seis anos.
Marcelo: Seis anos direto?
Zaida:
Direto, de quinta a domingo.
Marcelo: E você já teve experiências com outros parceiros?
Zaida:
Não, o Marcelo foi meu único parceiro.
Marcelo: E experiência não profissional com outro parceiro?
Zaida: Eu sempre gostei de tocar em grupo. A minha formação foi no Rio Grande do Sul. Lá
tínhamos um conjunto, chamado
Com
-
junto
, e era um piano bem diversificado
;
fazíamos
peças a dez mãos, ou seja, cinco pianos. Lá
havia
uma coisa inédita que eu não tinha vist
o em
lugar nenhum: três no mesmo piano, uma coisa meio “acrobática”
,
[grifo nosso] mas era bem
legal. Alguns dos arranjos eram feitos por professores
.
N
o conservatório ou faculdade
onde
estudei,
sempre havia
uma apresentação de encerramento d
o
período em q
ue era obrigatório
fazer música de câmara, com piano a quatro ou seis mãos, ou dois pianos. Isso desde o curso
técnico
;
então
,
desde o começo de minha formação
,
sempre tive essa experiência.
Marcelo:
E você tem experiência com outras formações camerísticas
? Quais são as
principais?
Zaida:
Sim. A minha experiência fora da música erudita, na prática profissional, foi com
teatro, onde variam as formações. Eu já participei de
bigband
e regência de orquestra para
teatro musical, incluindo formações com sopro, co
rdas,
às vezes
dois pianos ou teclado
inserido nesse contexto de teatro musical, o que
também
é uma formação diferente
.
Marcelo: E fora a parte teatral, você teve alguma
outra
experiência camerística
?
Zaida:
Sim, violino e piano, violoncelo e piano e clarinete e piano.
Marcelo: Certo. Você já falou um pouco, mas eu queria que você comentasse um pouco mais
sobre como começou a praticar piano a quatro mãos.
Zaida:
A prática do piano a quatro mãos veio na minha formação musical básica. No interior
ainda, eu
morava em Bagé, e no conservatório
onde
eu estudava tinha uma professora que
sempre gostou da atividade camerística e a
praticava
de maneira bem diversificada. Então,
nas
audições de finais de ano, sempre
havia
uma apresentação de interação com as outras á
reas.
Eu
me
lembro de acompanhar cantor e principalmente de fazer recitais a quatro mãos; sempre
tínhamos o hino da cidade, ou uma peça do repertório tradicional, para quatro mãos ou dois
pianos e
,
às vezes
,
até mais do que isso. Eu me lembro, foi no gover
no Médici, anos 70
;
ele
era bagiense, então
houve
uma grande festividade quando ele assumiu a presidência da
república
.
E
le inaugurou um centro cultural e teve uma apresentação do Guarani de Carlos
Gomes, Aquarela do Brasil e do hino da cidade,
executados
em
cinco pianos e, em cada
piano, duas pessoas. E isso era muito comum lá e eu sempre participava.
Marcelo: Como se deu a escolha do seu parceiro?
Zaida: Na verdade quando me mudei para o Rio de Janeiro, conheci o Marcelo através de um
professor que nós t
ínhamos em comum, o Luiz Medalha. O Luiz fazia algumas reuniões na
casa dele e todo mundo tocava.
N
unca toquei nessas reuniões porque o meu pianismo estava
aquém do nível dos alunos dele
,
eu era uma observadora, mas tinha aulas com ele.
A
í Marcelo
começou
a tocar em teatro musical e como
tínhamos
grande afinidade pessoal, viramos
208
amigos
e
um dia ele me chamou para substituí
-
lo numa peça de teatro. Cheguei lá, ensaiei,
eles gostaram e desde
então
comecei
a
prática com o teatro.
U
m dia surgiu a oportunidade d
e
fazermos uma peça juntos, a dois pianos
;
começamos a tocar, as pessoas gostaram, talvez
porque achavam inusitado, no teatro,
usar
dois pianos. Então falei: “Por que que não
começa
mos
a tocar piano a quatro mãos? Chega dessa coisa de tocar em sala de conc
erto,
tocar sério.”
C
omeç
amos
a tocar por diversão, como um momento mais
relax
, sem grandes
cobranças de quinto dedo no lugar, posição de mãos, fraseado; porque o pessoal do teatro é
muito mais aberto, querem ouvir música, não estão preocupados com a parte
técnica. Tanto é
que nós fizemos um recital na Pró
-
arte, onde um amigo dava aulas, e montamos um repertório
super leve: Danças Húngaras, uns clássicos mais populares e conhecidos.
F
izemos uns
panfletos, chamamos só pessoas do teatro
, que
adoraram.
E
u me l
embro que eles falaram para
o Marcelo: “Por que vocês não continuam?”.
Assim
nasceu o duo. Acho que isso foi em 90.
Depois desse recital vimos que era possível profissionalizar o duo, com um produtor que
fazia
a produção e
nós
tocávamos
; porque pensar e
m bilheteria, montar um espetáculo e tocar
era muita coisa, então
nós
só nos preocupávamos
mesmo
com a parte de tocar. Resumindo,
foi
a
afinidade através da amizade que nos fez tocar e, é claro, o mesmo professor também,
porque nós tínhamos a mesma linha d
e pensamento; talvez isso tenha sido uma
condição
que
tenha feito o duo funcionar. Porque uma das características do duo de que o público falava é
que parecia que nós éramos um, a simbiose era muito grande; até o gestual, era muito
harmônico, até
havia que
m pensasse
éramos casados. Lembro de uma turnê em Porto Alegre
em que
reservaram quarto para casal, porque a impressão que passava era muito essa. Acho
que foi
primeiro lugar
a afinidade que nos levou a tocar, porque éramos e somos grandes
amigos, tínhamos o mesmo professor
e
a mesma linda de pensamento, tudo que é básico.
[Entrevistado mostra material do duo, como reportagens de jornais, programas de recital e
fitas]
Marcelo:
É preciso
muita organização para fazer isso [olhando o material do duo].
Zaida:
É
, a parte de organização do duo era minha; eu organizava e o Marcelo ficava mais
focado em tocar.
Marcelo: Nessa época vocês gravavam com qual aparelho?
Zaida:
Quando tínhamos dinheiro, contratávamos um profissional para fazer a gravação, se
não, era um g
ravadorzinho
furréco mesmo [risos].
Marcelo: Que conselho você daria para
a
escolha de um bom parceiro?
Zaida:
A
cho que em primeiro lugar é ter afinidade; depois flexibilidade, mesmo que sejam
m
u
sicalmente pessoas diferentes,
um tem que
saber ouvir o outr
o
,
porque o que convive nos
duos são as diferenças. Quando eu toco em duo, não tenho que anular a minha personalidade
musical, tenho que encaixar a minha personalidade musical no outro
.
P
or exemplo:
e
u e
Marcelo.
S
ou completamente agitada, gosto de música
rápida; Marcelo é calmo, faz as coisas
com tranqüilidade; sou organizada, o Marcelo é bagunçado. Então
,
se eu chega
sse
impo
r
tudo
isso, não ia dar certo, da mesma maneira que
se
ele
quisesse
que eu fosse menos agitada
também não
iria
dar certo. Então
nos
c
onseg
uimos
canalizar isso para um funil, igual
a
um
casamento,
em algumas
horas eu cedia,
em
outras era ele; isso incluía a montagem de
repertório e
a
organização de horários. O Marcelo era notívago, eu era diurna, então era uma
loucura; eu às oito horas d
a manhã já estava no piano; o Marcelo
,
só depois das duas, e
nos
ensaiamos
durante cinco anos, de quinta a domingo. Então como conseg
uimos
isso? Eu tive
que ir
para a cama
às duas horas
da manhã,
e o Marcelo
teve
que
ir
dormir um pouco mais
cedo, aí começo
u a funcionar. Você tem que saber ouvir, ser flexível e a afinidade é o ponto
de partida e confiança também
.
V
ocê tem que confiar no que o outro diz,
mas também
questionar
e mesmo que não
se
faça o que você está pensando, tem que confiar que vai dar
209
certo.
Acho que sem esses ingredientes de flexibilidade, confiança e amizade, não funciona.
Funciona burocraticamente, mas não era o nosso caso, o nosso duo nunca foi burocrático.
Marcelo:
Você chegou a comentar o fato dos dois pianistas terem a mesma linha como
também
uma coisa positiva certo?
Zaida:
É, eu acho que isso funciona porque o som do piano a quatro mão é um só, são duas
pessoas tocando, mas o resultado final é um, então isso é importante. Não existe um solista no
piano a quatro mãos, o grande solista
é a música, o resultado musical; são duas pessoas
completamente diferentes, mas que tem que caminhar para um ponto só. Eu não posso ouvir
só baixo, ou só a parte melódica, tenho que ouvir uma música única, completa, então acho que
a [mesma] linha de pensamento ajuda muito, em algum momento tem que
haver
uma unidade,
uma escolha
.
M
esmo que
sejam
dois pensamentos,
é preciso
se chegar a
um ponto final com
uma escolha. Por isso a importância do professor. O Medalha nos ouvia bastante,
ambos
fazíamos
aulas com e
le, então era muito mais fácil do que se tivéssemos professor
es
diferentes
: “Ah! Mas meu professor disse aquilo
...
” ou “meu professor disse isso
...
o que
provocaria
um choque, seria muito problemático.
Marcelo:
E, no
seu
caso
,
que já teve experiências co
m outras formações, o que observa de
particularmente
diferente em relação ao piano a quatro mãos?
Zaida:
Eu acho que o piano a quatro mãos me iniciou, por incrível que pareça, numa coisa
que acho fundamental, a respiração. Eu aprendi a respirar, no piano
a quatro mãos, com outra
pessoa; quando estou tocando com outra pessoa, tenho a impressão que esta havendo uma
respiração coletiva. Isso eu aprendo com o Marcelo; eu não sabia respirar com outra pessoa,
até pelo meu temperamento, eu era muito afobada, quer
ia fazer as coisas do meu jeito, e com
o duo foi
preciso uma disciplina, prestar atenção na respiração
,
aprender a
esperar ou adiantar.
E depois comecei a usar isso
em
outras formações, inclusive
a
perceber a diferença das
respirações entre os instrumentos
, por exemplo: Cordas respiram diferente dos sopros, que
respiram diferente dos cantores. Isso eu aprendi no duo.
Marcelo:
O piano a quatro mãos então foi o primeiro caminho para
a aprendizagem
d
os
princípios básicos da prática de música de câmara?
Zaida:
Com certeza. Outra coisa importante é
que
o duo foi uma coisa regular e as outras
formações fo
ram
esporádic
as
;
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na formação de um
pianista? Quão importante?
Zaida:
Eu acho que é muito impo
rtante, sabe por que? Porque tem uma série de coisas que
acho importante
fora
ser solista, que é
a
integração com a própria música. Penso que o piano a
quatro mãos é o primeiro passo, a primeira oportunidade que você tem de sair daquele hábito
de tocar soz
inho. Uma pena que isso não
seja
muito valorizado, porque parece que tocar a
quatro mãos é só juntar duas pessoas e sair tocando, lendo mal, não se importando com uma
série de mecanismos que não estão na partitura; então acho que se o aluno, desde pequeno,
tiver
a oportunidade de tocar piano a quatro mãos, antes de tocar com outros instrumentos
inclusive,
será
muito bom. E tem outra coisa que acho importante, no piano a quatro mãos
você distingue nitidamente o que é a melodia e
o que é o
acompanhamento.
Ma
rcelo:
Os planos sonoros.
Zaida: Com certeza, uma coisa é você estar nos baixos, onde você tem uma forma de pensar,
outra é você estar no agudo, onde você tem uma outra forma de pensar. Quando você está
junto, passa a prestar atenção e dar a importância de
vida aos dois planos. As pessoas ficam
mais na melodia, melodia, melodia... E a harmonia acaba indo por água abaixo. Quando você
210
está no plano mais grave, tem que descobrir um mundo imenso na harmonia. São coisas que
têm
que ser valorizadas, e às vezes não
são.
Marcelo:
Em que aspectos o pianista pode evoluir com essa prática? Você já comentou
alguns. Fale um pouco sobre sua experiência.
Zaida:
Vamos aos aspectos musicais. Primeiro: Uma coisa que acho fundamental é a
descoberta de alguns aspectos da música [que na execução solo não se mostravam tão claros],
pois quando você tem o olhar a quatro mãos você tem
a
dimensão dos planos sonoros.
Segundo: a respiração, a capacidade de respirar junto, de perceber melhor as respirações
musicais, porque as fraseologias
do
primo
e
secondo são diferentes.
Outra coisa que
acho
fundamental é a maneira de pedalizar, que muda completamente, (porque você tem
praticamente duas músicas ali para funcionar com uma), tanto que
,
no meu caso
,
eu lembro
que em
algumas
músicas, às veze
s
,
era eu mesma, no
primo
, que pedalizava, outras vezes era
o Marcelo, independentemente de qual parte estava fazendo. Então o pedal girou em função
da música mesmo.
A
prendi a olhar o pedal de uma maneira diferente tocando a quatro mãos.
A outra coisa, é q
ue muitas vezes você tem que se adaptar a um repertório que
não é tão fácil
para você; a escolha do repertório passa a não ser só
sua
, é de ambos.
Marcelo: É tocar um repertório que às vezes não é o seu natural, certo?
Zaida: É. Muitas vezes
algumas
músicas que tocávamos eu não gostava, mas o Marcelo fazia
bem, eu achava logo
que
valia a pena fazer. Nisso eu acabei crescendo. Acho que a gente
aprende a compartilhar a música, coisa que o solista não faz. Além de compartilhar com o
público, você antes compar
tilha com o
seu
parceiro, então isso é muito importante. Outra
coisa que eu achei legal durante esse processo, dentro desse compartilhar, é que você aprende
a conviver com as dificuldades do outro, dificuldades mecânicas mesmo, por exemplo
:
em
muitas peças
,
às vezes, trechos fáceis para mim, eram dificílimos para o outro; e
tínhamos
que
resolver isso de maneira musical, às vezes até vendo se eu não podia tocar aquela determinada
passagem, redistribuindo as partes, se era alguma coisa que não ia “ferir” a mú
sica: “ah deixa
que eu faço isso”
,
que não é o caso quando
se
está como solista, se é solo você tem que se
virar e fazer; ali não, dependendo da região
em
que
estávamos,
era mais fácil para eu fazer
,
embora estivesse na partitura dele.
Além disso, acho que
essa amizade, o conhecimento do
outro, o prazer, tem que estar funcionando; ajuda também o duo e na funcionalidade da
música. O Marcelo mudou muito o ritmo de vida, por causa do duo, e eu também.
Marcelo: Notou, em algum momento, absorção ou troca de cara
cterísticas musicais pessoais
entre vocês, tais como temperamento e personalidade musical ou técnica? Caso afirmativo,
isto foi importante na sua evolução pianística? Comente a respeito:
Zaida:
Em relação ao temperamento, eu aprendi a
apreciar
mais as músi
cas mais lentas,
porque não tinha muita paciência, e com o duo, eu fiz um repertório mais lento; foi Marcelo
que me ensinou, me deu essa calma para tocar. Da mesma maneira, acho que eu o
influenciei
no sentido de
gostar de coisas mais agitadas. Lembro que
no começo eu cansava, ficava
exausta para tocar um
adágio
ou outra coisa mais lenta e, com o tempo, isso foi se tornando
mais gostoso, eu aprendi a curtir, inclusive em minha execução solo.
Marcelo: E quanto a outros aspectos técnicos?
Zaida:
Sim, porque à
s vezes eu tinha alguma dificuldade mecânica e perguntava
a
ele:
“Como você faz isso? Toca para mim. Como você resolveria?”. Às vezes ele nem sabia, mas
nós pesquisávamos
, havia uma pesquisa. Em alguns momentos ele sugeria dedilhado,
posicionamento de mão,
braço, até criávamos nomenclaturas para cotovelo,
havia
muito
problema relacionado ao cotovelo para tocar junto. Eu ia tocar certas passagens e ele vinha:
“aí vem você com esse teu ‘cotovelo condutor’”.
Nós criamos
esse “cotovelo condutor”, que
era
uma
li
nguage
m
muito íntima que inventamos. Normalmente nossas discussões sobre
211
técnica eram a respeito
de
dedilhado, frase, pedal: “ouve aqui, vê como você faria
...
ah, eu
faria assim
...
”, “não, mas acho melhor assim”. Então mecânica pianística sempre foi uma
pe
squisa. O duo me ensinou a pesquisar, sempre perguntei
a
ele, e isso se conservou
;
até hoje,
ligo para ele para perguntar “como se faz isso?”. Com certeza isso foi importante na minha
evolução pianística
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais pro
blemas (dificuldades) da prática do
piano a quatro mãos?
Zaida: Olha, eu acho que um grande problema é a falta de ensaios, ou seja, a falta do próprio
conjunto. As pessoas acham que em quatro ensaios é possível tocar, e que tudo se resolve
;
então, no fundo
, é uma falta de seriedade. Quando você monta um repertório para estudar,
você sabe que não são quatro ensaios.
A
cho que o piano a quatro mãos requer um
planejamento, igual ao piano solo. Por exemplo, você tem a sua parte que
deve
estuda
r
um
tempo sozinho,
depois tem o tempo para a parte da prática do conjunto, no nosso caso, era
exaustivamente juntos. Então
é necessário
criar uma disciplina para o piano a quatro mãos
tanto quanto para o piano solo, em busca dessa coisa: do “soar um”. Lembro
-
me que em
algun
s
ataques nós medíamos: “agora abaixa
r
a mão junto
s
, para o som sair junto
...
”, eu tinha
que olhar para ele. Em casa sozinha eu podia abaixar em qualquer tempo, e na prática de
conjunto isso tem que ser natural; para ser natural, algumas coisas tinham que
ser treinadas e
o exercício trazia essa naturalidade que as pessoas diziam que o nosso ataque era bem junto.
Nossa, cansei de ficar olhando para ver quando ele baixava mão para eu baixar junto e isso
em quatro ensaios não
se
resolve.
A
cho que o estudo coletivo é muito importante.
Marcelo:
E quanto à parte técnica, você acha que tem alguma coisa a respeito do piano a
quatro mãos que é complicado?
Zaida:
Um dos problemas maiores é que são duas pessoas num piano, você não tem
individualmente o piano inteiro e
regiões de confronto. Por exemplo, em algumas peças
cruzamento, uma mão sobre a outra, às vezes invadindo a outra região, isso tem que ser
combin
ado.
Temos anotado
nas partituras quem coloca o braço por cima ou por baixo, não só
o braço,
mas
também a
s mãos. Tem que ser combinado e treinado várias vezes. E isso é um
trabalho
que ocorre durante os ensaios.
Marcelo:
Você comentou muito sobre questões da relação pessoal. Você crê que ela é um
problema
na
prática do piano a quatro mãos? É uma coisa que tem que se “treinar” também?
Zaida:
Enquanto as diferenças forem muito gritantes, sim. Até tem um episódio legal, por
exemplo, eu toquei com o Marcelo consecutivamente durante cinco anos,
houve
briga
s
durante esse tempo, é óbvio. Nós ensaiávamos
de quinta a d
omingo, quatro horas por dia, e aí
tínhamos
momentos
de
divergências.
Em certa
época
tivemos
uma turnê pelo sul e por
motivos pessoais
brigamos
a ponto de não nos falarmos. Aí eu pensei: “E agora, como é que
vai ser? Não vai ser, tem que ser”.
Viajamos, fi
zemos
a turnê, tocamos, fizemos um dos
melhores recitais, mesmo não nos falando [risos]. Nós tínhamos uma entrevista na televisão e,
por causa da briga, eu fui e ele não. Tive que fazer só a minha parte. Toquei uma peça que era
a quatro mãos e fiz só a min
ha parte [risos]. Mas no concerto era sempre profissional, a
música era mais importante. E depois acabou
o
desentendimento. A música estava acima de
tudo e em nenhum momento tocando
,
eu desejei que ele errasse alguma escala, etc. Fazia de
tudo para fazer u
m bom som para ele e tenho certeza que ele vice
-
versa para mim, porque
alí
era a música; e isso
também
me
aconteceu em teatro
,
os dois atores
às vezes
se odiando,
mas na hora de fazer, faz
em
bem,
têm
que fazer. Então
,
nesse caso
,
a música está acima de
tudo, você pode estar brigado com o parceiro
mas
defender a música.
Marcelo: Então você acha que houve um amadurecimento em relação à prática profissional?
212
Zaida:
Houve, sabe por quê? Olha, eu sou uma pessoa muito possessiva, muito ciumenta e o
Marcelo é u
m pouco melhor nesse ponto do que eu. Lembro
-
me que quando eu fazia o duo
com o Marcelo, ele era só meu, não tinha que tocar com ninguém. E eu lembro de uma vez
em
que ele ia tocar com outras pessoas e fiquei furiosa
“como ele vai tocar com outra
pessoa?
eu não admitia isso. Então fui vê
-
lo tocar e aprendi que a vida não é assim,
ninguém é dono de ninguém, a música é uma coisa acima de tudo. Na verdade eu achei ótimo
porque, depois dessas experiências ele mesmo viu o quanto nós nos afinávamos
musicalme
nte. Eu trabalhei através disso o meu egoísmo musical, depois
acabei pensando
“Por que não tocar com outras pessoas? Que bobagem
...
” e hoje eu até faço, não duo a quatro
mãos especificamente, mas se tiver que tocar com outra pessoa, já vejo de maneira melh
or.
Depois
conversamos a respeito
e já o vi tocando com o Andres,
quando
ganharam prêmio em
São Paulo,
eu o
apoiei, enfim, hoje vejo isso com bons olhos.
Marcelo: Vocês chegaram a participar de concursos de piano solo juntos?
Zaida:
Com ele eu nunca compet
i. Eu sei que quando o Marcelo foi fazer o Arte Livre, a
banca falou para ele que eram dois ótimos pianistas tocando, mas não era um duo; e nunca
comigo e com o Marcelo
fomos
dois pianistas, sempre um duo. Mas seria
difícil nos comparar
um
com o
outro, nós
éramos tão diferentes que cada um ia brilhar de maneira diferente. Mas
com Andrés
,
eu não sei, ele é muito bom pianista, e o Marcelo também é muito orgulhoso,
então acho que eles acabaram
se
chocando neste sentido. Agora
estamos
retomando o duo.
Adorei quando ele me ligou e disse que era muito bom tocar comigo [rs]. Eu amei isso. Eu sei
que
nós tínhamos um diferencial, a disciplina; foi um aprendizado, do ensaio, da regularidade.
Tendo ou não tendo concerto
nós tínhamos
nosso horário de estudo do duo. Isso
, acho que
duo nenhum tem. É uma coisa que começamos e só por isso funcionou da maneira que
funcionou. Leitura, refazer
passagens,
sempre
tínhamos
o que fazer, escolh
er
repertório,
descobrir coisas novas. Andava sempre escrevendo para um lugar ou outro em
busca de
partitura, tudo isso.
Marcelo:
É exatamente sobre isso que seria a próxima pergunta: Como é o planejamento e
rotina dos seus ensaios?
Zaida:
Eram quatro vezes por semana, no mínimo por três horas, mesmo sem recital
marcado, de quinta a domingo, du
rante cinco anos. Época de recital era uma loucura.
Fazíamos
um cronograma: quando havia recital,
calculávamos
o tempo que
tínhamos
:
quinze
dias para ler sozinho; depois
começávamos
a juntar os pedaços: “hoje
vamos
ouvir isso e
isso
...
hoje
vamos
juntar is
so e isso”, nunca dava para ser tudo.
Então
um mês antes do recital
começávamos
a tocar para as pessoas; convidávamos pessoas para no final do recital
particular fazer festinhas;
tínhamos
também as aulas; sempre escolhíamos um professor para
nos
dar aulas,
geralmente era o Medaglia.
Nós pagávamos
, era tudo assim, certinho. Ficava
mais ou menos assim: quatro aulas com Medaglia,
geralmente ele ouvia
as peças mais
complicadas,
e uma
semana
antes
do recital
chamávamos
os amigos para ouvir,
fazíamos
programa dir
eitinho, t
ocávamos
para valer e
pedíamos
opinião no final. E nos três dias antes
do recital não se bebia, não
se
saia e
íamos
dormir cedo, era uma regra do duo.
Marcelo:
Esse rigor
quanto
aos
ensaios chegou a ser, em algum momento, motivo de
saturação ou sempre foi uma coisa positiva?
Zaida:
Não, não
tínhamos
saturação de
nos
encontrar. Nós
nos
saturamos de algumas
músicas. Algumas
eram os
hits
que apresentávamos nos recitais, e estudar aquilo depois de
tanto tempo era um inferno. As mais tocadas eram: A fo
lia de um bloco infantil de Villa
-
Lobos, Sonata do Edino Krieger, Tango do Ronaldo Miranda e Suíte do Rachmaninoff. Havia
horas que não agüentávamos mais. Às vezes
nos reuníamos
para fazer leitura e isso nunca
saturou. Além do que, desco
brimos
que tính
amos
uma leitura péssima, tanto eu quanto ele,
213
nós nos divertíamos muito com o que acontecia. A fase de leitura era
de
muita brincadeira, era
para manter o compromisso, não quebrar o vínculo. Nossas leituras eram horríveis, mas
sempre ganhávamos o conhecimento
um do outro;
nós
sempre
sabíamos,
nessas leituras, se a
música ia funcionar ou não, tanto para o nosso temperamento quanto para o tipo de público
que queríamos atingir. No começo, nosso público alvo era
o
de teatro, então era um
determinado repertório, no final já éramos “pianistas de concerto”, então era um outro tipo de
repertório.
Marcelo: Como se deu a escolha de partes (primo
e
secondo
) entre vocês?
Zaida:
A primeira coisa foi [analisando] o temperamento [de cada um]. Em geral era o
Marcelo que sugeri
a as músicas, porque eu sempre achei que ele tinha um conhecimento
amplo musical e sempre tinha alguma coisa ou outra que ele tinha ouvido e gostava. E então
víamos se eu gostava ou não, e se eu achava que valia a pena investir. Aí de acordo com a
estrutur
a da música víamos quem funcionava melhor. Coisas com muita escalas rápidas,
muita articulação de dedos, eu funcionava melhor, se isso estava no primeiro piano, eu fazia.
Se tinha muito acorde, muita extensão de mão, ele fazia. O Marcelo sempre teve uns ba
ixos
maravilhosos, ele sempre foi muito bom n
o “estofo” musical, nos fortes
,
no vigor,
eu sempre
disse: “o Marcelo é bom na baixaria”. E
nós
pensávamos no repertório também, como iríamos
dividir isso; tínhamos uma rotação durante o recital, passando para o primo ou
secondo
. Tinha
uma “coreografia” [para caminhar no palco e trocar os bancos] que
também
pen
sávamos,
[para não comprometer o aspecto visual].
Marcelo: Você teria conselho(s) geral(is) para esta questão?
Zaida:
Além de se adequar à peça que se enca
ixa melhor
em
você, eu diria para não se
acomodar só a isso. Muitas vezes quis fazer o secondo
piano para aprender a fazer os baixos.
Acho que a adequação é uma regra ótima, que funciona em termos de música, mas para
crescimento pessoal, de vez em quando temos que inverter isso. Eu me lembro de uma sonata
de Mozart em que o Marcelo morria de medo das escalinhas, mas ele se obrigou a fazer para
aprender e ter mais coragem de fazer isso, assim como eu comecei a fazer alguns baixos
e ele
me dava as dicas de co
mo ele fazia. Foram poucas vezes, mas me ajudou muito a crescer.
Tem outra coisa: Eu observo que as pessoas acham que o
primo
aparece mais. Primeiro até,
pela posição, segundo pelo brilhantismo dos agudos, então todo mundo quer acreditar que faz
o primo
be
m. Mas eu percebi muito isso no último musical de teatro que eu fiz, em que fiz o
secondo. Eu percebi que dependendo do jeito que você faz e de como está escrito, o
secondo
às vezes pode ser mais importante que o
primo
, que ele pode definir muitos aspectos
da
interpretação. Então acabou esse estigma
Marcelo: Mas você acha que este estigma se encontra até nos próprios músicos? Você acha
que eles têm vontade de tocar no primo por questões de vaidade?
Zaida: Eu acho, mas depois que você amadurece não é bem ass
im. Eu sempre falei que se eu
brilho, é porque o Marcelo faz toda a base. Eu dependo dele para fazer o que eu faço. Eu fico
livre e solta. Se eu sou o
primo
e estou “brilhando”, mas se não tiver o Marcelo no
secondo
,
cadê minha importância? É natural que o
primo
apareça mais, pelo registro e por geralmente
estar com a melodia, mas isso é ilusório. Como é bom arrasar fazendo um bom segundo
piano!
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Zaida:
Como nós nos con
hecíamos muito, isso raramente aconteceu.
Em
uma época, houve
uma música, que
nós trocamos
.
Estudamos e na metade do caminho vimos que era um
equívoco. Normalmente na hora da leitura
já sabíamos
qual a parte de cada um
;
se eu fosse
fazer com um estranho, é
improvável que isso acontecesse. Mas
aconteceu
essa vez que não
funcionou e
nós trocamos. Acho que foi num Poulenc ou num Debussy, não me lembro. Foi a
214
única peça que os dois tiveram contato com as duas partes, o restante
já sabíamos logo,
come
çávamos
a l
er e ficava aquilo mesmo.
Marcelo: O Marcelo chegou a comentar comigo que ele tem a preferência de tocar o secondo
.
E você, tem a preferência de tocar no
primo
?
Zaida: Eu acho que me sinto mais a vontade no
primo
. Hoje não tenho tanta preferência, mas
no d
uo sei que eu fazia o
primo
bem e preferia o Marcelo no
secondo
. Funcionava melhor
assim, e também fazíamos o que gostávamos. Eu tinha medo dos baixos, eu achava que não
fazia tão bem, e sabia que fazia bem o que tinha nos agudos, como escalas, etc.
P
ara v
er como
isso funciona, em termos de andamento e do brilhantismo da peça, por exemplo: uma sonata
de Mozart
em
que Marcelo fazia o
primo
e eu o
secondo
. O
secondo
não comprometia muito,
mas o
primo tinha as dificuldades peculiares de Mozart. Isso foi muito
difícil para o Marcelo,
mas foi
em
uma das fases
em
que
nos
obrigávamos a isso para crescer.
S
empre achei que se
tivesse no
primo, ia fazer melhor do que ele
,
para mim ia ser mais fácil; e tinha que segurar o
andamento que eu sentia para a peça. Sempre sai
u bem, mas sei que se invertéssemos, pelas
minhas características,
nós poderíamos
fazer pelo menos mais andado. Depois disso sempre
fizemos a parte onde cada um se dava melhor.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
Zaida:
Nós trocávamos os bancos durante a execução. Tínhamos uma coreografia na hora de
agradecer, se
havia necessidade de trocar o banco,
eu já saia por trás, trocava meu banco e
virava. Nunca paramos para ficar levanta
ndo, subindo banco. O Marcelo é enorme e eu sou
menor, por causa
de
troca,
não me lembro
de
ter tido problema com banco. Tive pouco
desconforto, nunca tivemos problema de toque, de contato físico.
Q
uando aconteciam
algumas cotoveladas, tínhamos que fazer “
acasalamento”: botar a mão por cima, trocar
dedilhado, trocar notas entre as partes. Foi sempre resolvido, nunca
houve
problema. Mesmo
o pedal por exemplo, em algumas músicas o secondo pedalizava e
em
outras era o
primo
.
Marcelo:
Em relação ao banco, já ex
perimentaram alguma mudança, como por exemplo
posição e altura? Notaram
-
se melhorias?
Zaida: Nunca tivemos problema em trocar banco durante a execução. Cada um tocava na sua
altura confortável, como se fosse tocar solo.
[problemas com gravador, respostas f
oram anotadas]
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Zaida: Já experimentamos o uso pelo
primo
, por questões musicais particulares de cada peça.
Quando isto acontecia, o
pri
mo
pedalizava com o pé direito.
Marcelo:
Em relação às partituras, vocês
ensaiavam
as viradas de página, ou sempre
faziam
uso de uma terceira pessoa?
Zaida:
Nós sempre ensaiamos. Eu chegava a “montar” as partituras, anotando passagens, ou
fazendo colagens. Nós sempre ensaiávamos de modo que não fosse alterar o discurso musical.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte,
ou por aquelas em forma de grade?
Zaida:
Não tenho preferência
Marcelo:
Em relação às dificu
ldades do começo sincronizado, como vocês
procediam
para
solucionar isso?
Zaida:
Usando a respiração, feita por um dos músicos. Às vezes
fazíamos
uma contagem
discreta com a voz, e olhávamos para a mão um do outro.
215
Marcelo: Em geral, como procedem para solucionar problemas de sincronismo?
Zaida:
Usando respiração, o contato visual, e decidindo quem dará a entrada, ou seja
,
quem
irá acompanhar quem.
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Zaida:
Na maioria das vezes escolhíamos
o trajeto das mãos, quem vai por cima ou por
baixo.
Marcelo: No caso, alguma dessas medidas, quando há choques, é anotada na partitura?
Zaida:
Sim.
Marcelo:
Uma curiosidade: caso s
eja utilizada uma mão sobre a outra, que parte geralmente
fica por cima, e que parte fica por baixo?
Zaida:
Não houve generalização neste sentido.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Zaida:
S
im.
Marcelo:
Você toca a parte do seu companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona?
Zaida:
Não, nós acabávamos resolvendo tudo isso nos ensaios.
Marcelo:
Ainda falando sobre essas partes onde há choques
: na escolha do dedilhado, você
tem a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
Zaida:
Sim. Chegamos a falar para o outro: “Sai! Coloca outro dedo! Tira a mão!” [risos]
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Z
aida:
Usando o recurso da gravação e tocando para outras pessoas, como o Medaglia. A
maioria das observações do nosso professor era
a de
que, em algumas passagens, estava forte
demais,
o que aliás é um problema comum no piano a quatro mãos.
Marcelo:
oco
rreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes? Se houve,
você lembra de algum caso de estar escrito na partitura uma coisa para uma parte e você
passar para outra?
Zaida:
Sim, mas não me lembro de algo específico para exemplificar agora.
[gravador volta a funcionar]
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Zaida:
Não. E era uma coisa engraçada que eu me lem
bro que as pessoas falavam,
perguntavam se estudávamos os gestos que fazíamos. Não. O que acontecia era muito natural,
e vendo muitos vídeos nossos, me perguntava como que
movíamos as mãos
do mesmo jeito,
exatamente igual a um ballet, uma coreografia, mas nunca se coreografou o
gesto.
Marcelo: Então acontecia de serem os mesmos gestos?
Zaida:
Sim, incrível.
Marcelo: Por isso vocês não sentiam necessidade de ensaiar?
Zaida:
Talvez ensaiávamos finais, pausas. Sabe quando isso me chamou a atenção? Quando
fize
mos
na sala o
Clair de Lune
da
suíte Bergamasque
.
Eu
lembro de estar chegando numa
nota e olhei para o Marcelo, e ele estava fazendo exatamente a mesma coisa que eu. Depois as
pessoas falavam “Nossa! Como que vocês tocam igual, com o mesmo gesto?”. A parti
r daí eu
216
passei a prestar a atenção nisso, mas nunca foi estudado, foi natural. Nós apenas estudávamos
gestos em problemas de passagens mecânicas, quando temos escalas em uníssono, por
exemplo, para fazer ao mesmo tempo, olhávamos o movimento de mão e puls
o, aí sim
pensávamos
em como fazer.
Marcelo: Vocês então não ensaiam a parte “coreográfica” da performance?
Zaida:
Não.
Marcelo: Você acredita que ela pode gerar um efeito performático mais satisfatório?
Zaida:
Eu acho que uma preocupação exagerada com is
so pode perturbar a música; por isso
minha primeira resposta seria “não”. Mas a minha segunda resposta seria que o público pode
ficar mais impressionado com isso; então para o público, a resposta seria “sim”.
Entrevista com a pianista Estela Caldi
Data:
21/11/2006
Local: Residência do entrevistado
Marcelo: Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a)
parceiro
(a)
?
Estela: Mirta Herrera, ela é argentina e mora em Roma.
Marcelo: Quanto
tempo
você tem de experiência com
esta for
mação?
Estela:
Olha, com
Mirta sempre foi muito esporádico, porque ela mora muito longe, então
estudamos muito separadamente. Quando nos encontramos ensaiamos cinco ou seis dias, seis
horas por dia, para poder tocar. Mas, acho que já toco com
Mirta há uns
seis ou sete anos.
Mas fiz outros trabalhos com Ingrid Barancoski,
sempre dirigido
s
a um repertório mais
contemporâneo e especialmente contemporâneo brasileiro. C
om ela trabalhei uns dois ou três
anos. Somando tudo deve dar uns dez anos.
Marcelo: Então você teve experiências
de duo
com outros parceiros?
Estela: Sim. Também toquei, com Gabriel Geszti, que foi meu aluno,
a versão de Londres do
Requiem de Brahms, que é [originalmente] para [orquestra,] coro e solistas. E tem as versões
a quatro mãos e
/ou a
doi
s pianos
, coro e solistas.
Com o Gabriel toquei a
versão a
quatro
mãos
no CCBB de São Paulo e a mesma versão toquei a dois pianos com uma pianista
japonesa, Yoko Nakamoto, no Conservatório de Chatillon, na França. Ambas apresentações
foram regidas por Home
ro de Magalhães Filho. A
dois pianos
, as possibilidades sonoras são
maiores
e
o uso do pedal é mais livre. Depois toquei com Vitor Gonçalves,
que também foi
meu aluno.
F
iz um programa de música argentina e brasileira.
Tocamos na Sala Guiomar
Novaes, aqui no Rio, numa série de música latino americana programada pela UFF.
Já toquei
muito com meu filho a quatro mãos. Entre os alunos, eu sempre incentivei a prática do piano a
quatro mãos.
Por exemplo, Gabriel e Vitor fizeram um duo e já tocaram obras muito
inte
ressantes.
Marcelo: Gabriel é seu filho?
Estela:
Não, é
meu aluno. Meu filho se chama Marcelo, como você.
Marcelo: Você já teve experiência com outras formações camerísticas? Quais as principais?
Estela:
Sim. As principais foram o trio
UNIRIO,
com
oboé,
trompa e piano. (Luis Carlos
Justi
no oboé
e
Zdenek Svab na trompa), e o trio FEMINA, com
flauta e violoncelo
e piano
.
(Grace Bush na flauta e Gretchen Miller no violoncelo).
Bom, depois, fui muito convidada
217
para participar de
duos, trios, quartetos,
quint
etos, sextetos, com instrumentos de corda, etc.,
mas os trabalhos fixos foram esses dois. Vieram outra experiências depois, tentativas diria eu
de adentrar em outras dimensões. Se concretizou num grupo que só toca obras de Astor
Piazzolla e que se chama Li
bertango. Dois dos meus filhos tocam nele: Alexandre Caldi na
flauta e no saxofone, Marcelo Caldi, no acordeão, Nicolas Krassik no violino, Bruno Migliari
no contrabaixo e Marcelo Rodolfo, na voz. Posso dizer que é uma experiência impar, porque
às vezes to
camos sonorizando os instrumentos (isto é, a relação sonora entre os instrumentos
muda completamente. Quase que dependemos totalmente do técnico de som e do
equipamento, que pode ser bom ou ruim). Mas, também tocamos com os instrumentos
acústicamente, isto
é, sem sonorização. E aí vira um verdadeiro conjunto de câmara, muito
mais difícil do que eu podia imaginar.
Marcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como você começou a fazer piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Estela:
Você sabe que eu s
ou extremamente curiosa. Leio muito, e gosto muito de conhecer
repertório. E, a idéia de tocar a quatro mãos é sempre, independentemente de qualquer escola
pianística que você possa ter, mesmo que até diferenciada do outro que está ao seu lado,
a
de
encont
rar uma sonoridade única, e isso é uma coisa bastante difícil.
Marcelo: Isso foi durante o seu período de estudo? Você já lia essas peças ou foi depois de
começar a carreira?
Estela:
Não, foi bem depois de começar a carreira que fui tomar maior conheciment
o do
repertório.
Marcelo: Como se deu a escolha do(s) parceiro(s)?
Estela:
Bom, com
Ingrid foi porque eu queria conhecer mais sobre música contemporânea, e
ela tinha uma experiência maior nesse sentido e, por isso, achei que poderia aprender muito
estando
junto dela,
não necessariamente música a quatro mãos,
mas música contemporânea.
Com
Mirta foi por uma questão de afinidade musical, porque nos conhe
c
emos há mais de
cinqüenta anos. Nós nos formamos juntas, em Buenos Aires, tivemos formação bem parecida,
ch
egamos a ter os mesmos professores. Depois nos separamos, porque ela foi à Europa para
estudar e eu fiquei por aqui. Mas, enfim, eu tive acesso, digamos assim, a um ensino muito
particular, porque fui casada com um grande músico; então, para mim foi na ver
dade uma
grande sorte. Mirta e
eu
temos uma maneira de abordar música muito parecida. Embora nem
sempre se chegue a um senso comum, nas escolhas interpretativas, há sempre uma grande
afinidade nesse sentido.
Marcelo: E com seus alunos, você teve algum critério para escolher quais tocar com você?
Estela:
Não. Evidentemente eles tinham um grau de desenvolvimento muito grande. Mas,
pelo fato deles serem meus alunos, tinham uma visão musical muito parecida com a minha;
apesar de sempre
terem tido
muita liberdad
e para falar e discutir comigo
sobre suas idéias.
Mas não houve escolha específica, até porque o Gabriel e o Vitor são duas personalidades
completamente diferentes, musicalmente falando, no entanto, ambos extremamente
interessantes.
Marcelo: Que conselho(s) você daria para a escolha de um bom parceiro?
Estela: Você sabe que fazer música de câmara é como um casamento. Então, como um bom
casamento, primeiro tem que existir uma grande vontade de aprender. Não só de curtir...
curtir
não seria a palavra
...
mas
de ter o prazer não só de constatar as afinidades, como aprender
com as diferenças e, quando os dois têm bom senso e são abertos a isso, é possível enriquecer
muito. E quando isso não é possível, fica muito difícil
de se
trabalhar. Quando existe essa
abert
ura, tudo é possível. Há muita coisa para aprender, para ouvir, para pensar, para
218
experimentar.
A
cho que, nesse sentido, é muito enriquecedor. Evidentemente também tem
que
haver
um mínimo de dedicação, de estudo. Não acredito em estudarmos juntos; acredito
em cada um estudar a sua parte e, depois, estuda
r
juntos, ou seja, não perder tempo.
Marcelo: Tem que ser uma pessoa dedicada, certo?
Estela:
Dedicada, certamente.
Com vontade, obviamente, de que haja um trabalho de bom
acabamento, que haja qualidade naquilo que se faz. Não basta ter muita facilidade, não basta
isso.
A
cho que, justamente, o que faz a diferença é realmente fa
zer
um trabalho em
profundidade.
Marcelo:
Como você já teve experiência com outros parceiros, comente as diferenças
observadas, tanto no aspecto musical, quanto da relação pessoal.
Estela: Exatamente o que falei. Há pessoas que são mais abertas às discussões, às idéias, até
se chegar a um senso comum; e outras que não, aí fica mais difícil. Já tive as duas
experiências.
Marcelo: E em relação ao aspecto musical? Seria mais a respeito da concepção musical?
Estela:
Sim, mais da concepção. E quando você consegue estar com pessoas realmente
abertas a isso, você consegue chegar a um senso comum e há um resultado realmente
interessante.
Marcelo:
No caso de ter tido experiências com outras formações camerísticas, comente as
diferenças observadas.
Estela:
Bom, eu aprendi muito com outras formações, até para o meu próprio piano, como
solista e a quatro mãos. Porque quando você trabalha com outros in
strumentos, fica
muito
atento, não só
à
sonoridade, como ao timbre; e isso fica dentro do nosso imaginário. Então é
muito enriquecedor na busca de sonoridades. Na verdade, você faz aquilo que imagina.
Quando você tem um imaginário muito rico e muito fértil
e ouve instrumentos que
correspondem a isso, você pode ser capaz de criar coisas incríveis. Por exemplo, tocar com
violoncelo, ou oboé, ou trompa, são coisas completamente diferentes, com sonoridades
completamente diferentes. Se você está realmente muito
atento à
idéia sonora
do outro, ao que
ele está fazendo, sua abordagem pianística também será diferente.
Marcelo: E o que você acha que o piano a quatro mãos tem de diferente?
Estela: De diferente é o seguinte: você tem um piano que é muito mais rico, porq
ue abrange o
teclado inteiro, e também a questão de encontrar um denominador comum na sonoridade.
Marcelo: Então talvez essa dificuldade em achar um denominador comum, no piano a quatro
mãos, seja mais acentuada do que com outros instrumentos?
Estela:
Sim.
Exatamente.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução do
pianista?
Estela:
Eu acho.
T
ive alunos que progrediram, quase que, especificamente, em cima do piano
a quatro mãos.
Marcelo: Quão importante?
Estela:
Muito i
mportante.
Marcelo: Você diria quase essencial?
Estela: Eu diria quase essencial por vários motivos:
é preciso
estar atento
à
escuta do outro, o
tempo inteiro
,
ter uma concentração ainda maior; não é que você não tenha uma concentração
quando toca sozinho, mas na realidade, tem que ter uma regência interna que permita aos dois
irem juntos. Então, estar atento a tudo: ao que outro diz e
à
maneira como ele está dizendo; a
219
idéia
da
velocidade dele, como ele começa e acaba, para você ir atrás, ou para não
neces
sariamente ir atrás, mas, para dialogar, ou para simplesmente se tornar um. Do ponto de
vista rítmico, é muito importante. Também, do ponto de vista sonoro é muito diferente
.
P
or
exemplo, tive essa experiência com o Gabriel e com o Vitor: o Gabriel é marav
ilhoso em
ambos as partes,
primo
e
secondo
. No entanto, funciona melhor no
secondo
. A mesma coisa
acontece com o Vitor, que funciona muito melhor no
p
rim
o
. Por uma questão de
temperamento, imaginário, controle rítmico, também...
Marcelo: Uso do pedal...
?
E
stela:
Sim, apesar de que eu não tenho esse preconceito: muitas vezes uso o pedal quando
toco no
primo
, por ser mais interessante, ou porque fica mais fácil, enfim, acho que pode ser
usado por ambas as partes.
A
cho que é mais uma questão, especificamente n
o
secondo
, de um
ouvido harmônico muito rico; quando você tem um ouvido harmônico muito rico no
secondo
é melhor.
Marcelo: Em que aspectos você acha que o pianista pode evoluir? Fale sobre sua experiência:
você já falou no aspecto rítmico, sensação harmôni
ca
...
Estela:
Eu acho que em todos os sentidos: na compreensão musical como um todo. Você
pode progredir muito em cima disso.
Marcelo:
Você notou, em algum momento, absorção ou troca de características musicais
pessoais entre vocês, tais como temperamento, personalidade musical ou técnica?
Estela:
Não. Não acho que chega a isso. Por exemplo, tenho experiência com alunos
que
quando
chegam a mim, já tocavam piano há muitos anos e que apresentam, entre aspas,
técnicas completamente diferentes; mas se você ape
la para o ouvido o tempo inteiro,
eles
até
podem conseguir sonoridades incríveis, não necessariamente
tornando
a
técnica que têm
parecida com a sua. Acho que tem um outro campo, sabe? Enfim, é o que eu acho, não sei se
estou certa. Não me parece que haja uma troca de temperamentos. Há um enriquecimento sim,
uma troca no sentido de você absorver alguma coisa do outro, mas não necessariamente uma
mudança.
Marcelo: E você acha isso importante na evolução pianística?
Estela: Claro. Sim. Evidentemente que qualq
uer contato que você tenha com uma pessoa, da
qual você absorve alguma coisa, e vice
-
versa,
há uma química que leva à transformação
. E,
evidentemente,
essa
transformação ocorre. Acho que você muda de patamar, você até cresce
nesse sentido, mas conservando a sua essência,
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do
piano a quatro mãos?
Estela:
Bom, vou falar sobre a minha experiência. Primeiro, acho que a grande dificuldade
está em você, realmente, estudar muito b
em sua parte. Até para quando
fizer
uma leitura
junto
s
: “vamos ler para ver como isso soa”, essa parte tem que estar estudada, senão é muita
perda de tempo; comumente, isso não acontece. Você tem que ter uma prática de bastante
tempo com o seu parceiro par
a fazer isso [ler apenas uma vez junto] e saber que assim
funciona, ou pelo menos funciona melhor. E vou te dizer mais uma vez: a partir daí, para você
justificar as escolhas que faz, tem que fazer uma análise da peça e, enfim, há coisas que só
a
compreens
ão,
não necessariamente intelectual, faz com que você entenda,
embora também
precise às vezes dela.
Marcelo: Você acaba amadurecendo porque tem que expressar em palavras o porquê da sua
escolha, certo?
Estela:
Exatamente. E, ás vezes,
é
uma questão de bom
senso, de bom gosto
se é que
alguém pode definir o que seja bom gosto
mas há também toda uma bagagem por trás de
220
tudo isso, principalmente, quando você faz um repertório mais tradicional. Noutro dia, estava
conversando com um
amigo meu sobre os sentim
entos e estados de espírito aos que a música
nos remete. E eu disse:
“olha, é muito
interessante como podemos, cada um de nós, ser
tocados pela música de maneiras diferentes. A mim,
ela
me move,
me
comove,
me inspira,
mas como música pura,
uma música onde
a palavra não existe. Então, o que faz com que eu
sinta, por exemplo, que uma música
que jamais ouvi antes tenha o sabor da tragédia
, ou
a
nostalgia se faça sentir ou um sentimento mais pleno, inexplicável até, surja do nada quando
ouço um trecho inigualáv
el para mim na sua expressão e na sua beleza.
São coisas
inexplicáveis
para mim, o que me faz pensar que há certas coisas que são
entendidas pela
alma e não pela cabeça, pelo pensamento. E, outras
que
você pode até verbalizar e dizer
porque você faz isso o
u aquilo.
Marcelo:
Falando sobre a relação pessoal entre os músicos, você notou mudanças ou
dificuldades?
Estela: Em alguns casos, houve.
Marcelo: Como funciona o planejamento e rotina dos seus ensaios?
Estela:
Bom, mais uma vez: obras estudadas, e muito
bem estudadas, antes de começar a
ensaiar. Eu, pessoalmente, gosto de fazer uma primeira leitura, porque, às vezes, é tão natural
o que vem musicalmente que é preciso não perder esse primeiro momento.
Marcelo: Essa leitura é individual ou em conjunto?
Este
la:
Juntos. Não se trata de uma leitura à primeira vista não. Então, com a obra muito bem
estudada, você faz a primeira leitura [em conjunto]. E, ás vezes é tão fantástico o que
acontece, porque você faz alguma coisa que, musicalmente, é perfeita. Perfeita
, entre aspas,
você poderia ter melhorado, dizer: “olha poderíamos ter feito assim ou assado!”, mas
basicamente a idéia da obra está pronta. Eu tive várias experiências, em música de câmara;
toquei com um cantor holandês, há muitos anos atrás, em um Curso
de Férias
em Teresópolis.
Ele me perguntou se
eu
poderia
acompanhá
-
lo
e parecia que eu tinha tocado com ele a vida
inteira.
Ensaiamos umas duas vezes. Outra vez, toquei com Watson Clis. Pediu
-
me para tocar
uma sonata de Brahms e, também, ensaiamos uns dois
dias antes. Toquei a minha parte, ele
sabia a sua, etc. Parecia que nosso casamento era assim, de vários anos.
Marcelo: Os ensaios foram regulares, ou foram nas vésperas dos compromissos?
Estela:
Com
Ingrid, por exemplo, fazíamos ensaios semanais, porque
trabalhávamos no
mesmo lugar e, comumente, conseguíamos marcar horários qu
e eram bons para nós duas.
Com
Mirta, é completamente diferente. Porque, quando ela chega aqui, fica uma semana, e
ficamos cinco dias enfurnadas, ensaiando.
Marcelo:
E para a escolha
do repertório, normalmente foi uma escolha verbal ou através de
leituras em conjunto?
Estela:
Algumas já conhecíamos e gostávamos; outras colocamos a partitura na frente e
começamos a ler para ver se
era
interessante ou não e, para isso, se usa muito temp
o, porque
fazer uma escolha dessas é muito demorado.
Marcelo: Escolha de repertório é demorada. É um dos problemas da prática.
Estela:
Exatamente. E, às vezes, quando são obras não gravadas, como obras
contemporâneas, ainda que você tenha um ouvido interno muito bom, você ouve, mas não tem
muita noção do que, realmente, vai acontecer no conjunto, e quais são as dificuldades; porque
normalmente os compositores não escrevem bem para quatro mãos, você deve saber disso,
não?
É raro, aquele compositor que escreve bem para a formação. Um que escreve muito bem
a quatro mãos é Almeida Prado, que é maravilhoso, não há o que dizer dele; mas não são
todos.
221
Marcelo: Principalmente na música contemporânea?
Estela: Sobretudo em música contemporânea.
Marcelo: Como se deu, a escolha das partes
primo
e
secondo
entre vocês?
Estela:
Com
Ingrid, era uma questão assim: “bom, agora você toca o
primo
e eu toco o
secondo
, e na próxima invertemos”. Com a Mirta funciona um pouco assim também. Às
vezes, alguma coisa que me apaixona mais, no primeiro ou no segundo piano, “ah, eu gostaria
muito de tocar o secondo, porque, por exemplo, eu gostaria de ver como eu faria isso aqui, ver
como é que fica”. E a Mirta faz a mesma coisa. Não há padronização.
Marcelo:
Você teria algum conselho(s) g
eral(is) para esta questão, sobre escolha de
primo
e
secondo
?
Estela: Referindo
-
me ao Gabriel e
ao
Vitor, visto que são meus alunos, ambos têm que fazer
o primo
e
o secondo
, porque acho que
têm
que trabalhar as duas
partes
. Mas, não é uma
questão meramente
musical, é uma questão de temperamento, também. O Gabriel funciona
muito bem no segundo piano, não só por uma questão de ouvido, porque o Vitor também tem
um maravilhoso, mas porque ele é uma pessoa mais “escondida”, ele gosta de estar nesse
plano. Não porque, seja menos importante, mas porque ele está menos em evidência, digamos
assim. E o Vitor não necessariamente está no primeiro piano porque quer estar em evidência,
mas porque tem um temperamento mais extrovertido.
Marcelo:
Falando de temperamento em q
uestões musicais, você acha que uma pessoa que
tem um toque mais brilhante, em geral, vai ter a tendência
a
ficar no
primo
e quem tem um
toque um pouco mais controlado, em relação ao tempo, agógica, vai ficar no secondo
?
Estela: Possivelmente, a primeira escolha seja essa, uma questão geral. Mas, acho que ambos
têm que trabalhar nesse sentido. E aí que está: você não vai mudar a essência, mas vai
absorver alguma coisa em cima disso, percebeu?
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Estela: Com meus alunos faço isso. Com minhas parceiras nunca fiz, escolhíamos antes.
Marcelo:
Já foi observada alguma preferência geral sobre quem toca a parte do
primo
ou
secondo
? Você já disse que não, certo? Mas entre seus alun
os você disse que sim, por causa
do temperamento.
Estela: Estou falando de um universo mínimo, de dois alunos. É preciso ter
muito mais gente
para que possamos afirmar que isso é uma generalidade.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam para minimi
zar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
Estela: Às vezes é tão complicado, que não saberia dizer... Ter muito cuidado para não haver
esse choque tão chato; a postura das mãos, uma que vai mais em cima do que a outra, tanto
que nós escreve
mos: “por cima, por baixo”. É uma maneira de minimizar: abrir o cotovelo,
colocando mais para cima ou para baixo; quando eles [os cotovelos] estão no mesmo ângulo,
ficam se chocando.
Marcelo:
Em relação ao banco, por vocês já experimentaram alguma mudança
, como por
exemplo, posição e altura?
Estela: Não necessariamente
a altura porque, por exemplo,
Mirta é muito baixinha, então, ela
sempre tem que tocar mais alta, em relação a mim. Embora, não seja nada estético, eu coloco
os dois bancos assim [um transversal e outro paralelo].
Marcelo: Para dar um pouco mais de espaço?
222
Estela: Sim. A menos que haja daqueles bancos mais compridos horizontalmente. Mas, por
exemplo, já aconteceu de nós tocarmos
em bancos mais compridos, onde
Mirta colocou duas
almofadas, e e
u
, nenhuma. Ela tocando no primeiro piano.
Marcelo:
E em relação à posição deles, vocês se sentam mais paralelas ao teclado, ou uma
mais para frente e a outra mais para trás? Vocês já mexeram em relação a isso?
Estela:
Não.
Marcelo:
Em relação ao uso do pe
dal, este foi sempre usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Estela:
Já, com certeza. Às vezes, o
primo tem solos; e, comumente, quando você tem solos,
têm emendas que são difíceis para o outro pedalizar.
Marcelo: Você lembra, agora, de alguma peça, onde isso aconteceu?
Estela:
Deixa eu pensar um pouco
...
Lembro
-
me de uma peça de
Carlos
Guastavino, que se
chama
Romance del Plata. È uma obra muito bonita. Também numa Suíte de Widmer.
Marcelo:
Em relação às partituras, vocês sempre
ensaiam as viradas de página, ou sempre
fazem uso de uma terceira pessoa?
Estela:
Sempre que possível ensaiamos as viradas sozinhas. Às vezes, infelizmente,
precisamos de alguém.
Marcelo Vocês chegam a usar recursos de colagem?
Estela: Às vezes sim.
Marce
lo:
Você tem preferência por aquelas partituras onde uma página é reservada para cada
parte, ou por aquelas em forma de grade?
Estela: Eu prefiro cada um na sua parte. Fica mais fácil para seguir.
Marcelo:
Em relação às dificuldades de começo sincronizado,
como vocês procedem para
solucionar essa questão?
Estela: Respirando.
Marcelo: Essa respiração é normalmente, conduzida por uma das pessoas?
Estela: Sim, por uma. Sempre combinamos
Marcelo: Marcando o tempo com um sopro só?
Estela: Um sopro.
Marcelo:
E o
s problemas de sincronismo em geral, quando acontecem, como vocês fazem
para resolvê
-
los?
Estela: Ah, bom. Mas, isso é muito no olho, visual.
Marcelo:
Fora o aspecto visual, vocês usam mais algum outro recurso?
Estela: Comumente, quando você está muito bem trabalhado, ritmicamente [a música]está tão
dentro de você, que nem precisa [do recurso visual]. Mas, se há dificuldades, por exemplo, de
ter uma pausa muito longa e depois
ter
que tocar junto, o negócio é olhar. Quem vai esperar
quem? Por exemplo, eu digo assim: “não, você ataca e eu vou atrás de você, eu estou atenta a
isso”; ou “sou eu que vou esperar um tempinho a mais”, qualquer coisa assim...
então, ela me
segue.
Marcelo:
Vocês chegaram a fazer, para essa questão, uso do metrônomo nos ensaios?
Estela:
Não.
223
Marcelo:
Que medidas
são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos? Você já falou em uma mão
sobre a outra.
Estela: Sim, isso.
Marcelo:
Ainda falando sobre essa zona de choque, as medidas são anotadas na partitura?
Estela: Às vezes, sim, como uma expressão: “por cima”, “por baixo”.
Marcelo:
Caso seja utilizado uma mão sobre a outra, já foi observada alguma generalização
sobre que parte fica por cima, e que parte por baixo?
Estela: Não, vai depender do contexto. O que facilite mais, de acordo com o que vem antes e
o que vem depois.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Estela:
Sim.
Marcelo:
Quando você está lendo, individualmente, você toca a parte do seu comp
anheiro
cruzando as mãos para ver se a posição da mão e dedilhado estão funcionando? Por exemplo,
se você está no
primo
, você toca com a mão direita a parte do
secondo
para ver aonde tem
choque, ou se você está no secondo, faz o inverso?
Estela: Sim. Isso depois de uma boa leitura. Para saber a melhor posição da mão.
Marcelo:
Falando ainda dessa zona de choque, você tem a preferência pelo uso do 4º e 5º
dedos?
Estela:
Deixe
-
me pensar um pouco, nunca pensei nessa questão
...
Não, vai depender.
E
m
geral, uti
lizo muito pouco o polegar na minha própria maneira de tocar. Costumo muito passar
o dedo por cima, ao invés de usar o polegar. Possivelmente, não faça uso do polegar, mas não
sei se não faço uso do 2º e do 3º.
Marcelo:
Isso pode ser bom quando você toca piano a quatro mãos, certo?
Estela:
Sim, para essas zonas de choque. Na realidade, não faço uso do polegar, não por
questão de que ele me incomoda, mas por uma questão musical, porque, ás vezes, pode ser até
mais fácil fazer com o polegar, mas pode atrapalhar na idé
ia de legato, por exemplo, ou, até
de alguma coisa que seja muito articulada, mesmo que você seja muito cuidadoso
.
Isso eu
aprendi muito
lendo
as Sonatas de Beethoven, revisadas e dedilhadas pelo Schnabel.
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico ótimo?
Estela:
Boa pergunta, não sei.
Nós nos deixamos guiar
pela idéia que a peça nos apresenta e
acho pensamos junto. Se, por exemplo, um exagera, você diz: “vamos ver, vamos tentar fazer
assim”. Mas, sempre há um pensame
nto conjunto. Não há muito aquela coisa de brigar por
isso, ou por aquilo. A não ser que haja uma questão de um temperamento dominador que quer
se sobrepor ao outro.
Marcelo:
Então, você diria, respeitar mais os limites do outro, não se sobrepor ao outro,
certo?
Estela: Exatamente.
Marcelo:
Vocês costumam gravar os ensaios?
Estela:
Às vezes.
Marcelo: E tocar para outras pessoas, o uso de um “terceiro ouvido”, têm o hábito de usar?
Estela:
Não.
224
Marcelo:
Você concordaria, Estela, que na prática do piano a quatro mãos
tem
-
se uma
tendência
a
tocar muito forte?
Estela:
Sim.
Marcelo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes?
Estela:
Sim.
Marcelo:
Você saberia exemplificar?
Estela:
Eu me lembro que fizemos
muito
isso em músicas contemporâneas. Rarament
e isso
acontece na música tradicional.
Marcelo:
Existe a preocupação com a questão gestual, que seriam os movimentos
pianísticos? Quer dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens
técnicas semelhantes?
Estela:
Sabe que isso não é uma
preocupação para mim. Porque acho que, quando você faz
uma coisa musical, seus gestos acabam ficando uma coisa muito parecida, se não igual. Numa
passagem que tem, por exemplo, um crescendo, você vai com determinado gesto. Digamos,
numa escala muito rápid
a que eu tenha que fazer respondendo a esse crescendo. Certamente
meu gesto musical, que é gerado pelo ouvido, vai ser quase similar ao outro. A menos que
haja alguma teatralidade...
Marcelo:
De gesto pelo gesto...
Estela: Sim, de gesto pelo gesto. Então, nunca pensei nisso, sinceramente.
Marcelo:
Não existe uma preocupação consciente.
Estela: Não, absolutamente.
Marcelo: Falando ainda nisso, vocês ensaiam a parte coreográfica da performance?
Estela:
O que seria?
Marcelo: No sentido visual, por exemplo, de numa retirada de pausa, retirar na mesma altura,
esse tipo de coisa.
Estela:
Comumente, sim, isso sim. Seria muito chato se uma pessoa levanta de um jeito e
outra de outro. Isso só em finais ou pausas muito grandes. Porque, quando a pausa está dentro
do contexto musical,
ela quase que tem a mesma altura. Caso contrário seria difícil, porque
você não tem tempo de atacar novamente; quando é uma pausa maior, até é possível. E para
retirar a mão do piano de maneira semelhante, também sim.
Marcelo:
Você acredita que essa parte
coreográfica
, se ensaiada, pode gerar um efeito
performático mais satisfatório?
Estela: Acho que sim. Se você entende a pausa como um elemento da música, acho que sim.
Senão, ela fica só coreográfica mesmo. Então, acho que o público
,
quando vai te ouvir,
se vai
assistir, também vai te ver. Daí a importância de você, não só estar bem vestido, que faz
parte
...
eu me lembro que
o tenor Aldo Baldin
dizia uma coisa muito interessante: cada vez
que tocamos temos que fazer o ritual de
nos vestirmos
, como se
fosse
para uma grande festa.
Não necessariamente, botar plumas e paetês, mas
para que
você se sinta bonito, se sinta bem,
afinal de contas, prestigiar o público que vai te ver. Então, a coreografia, entre aspas, é mais
ou menos a mesma coisa: uma maneira de você se comportar, de se mexer, pessoalmente
acredito nisso, vai mostrar também, que você é educado.
225
Entrevista com o Duo Bretas
-
Kevorkian
Integrantes: Patrícia Bretas e Josiane Kevorkian
Data: 23/11/2006
Local: Residência de Patrícia Bretas.
Marcelo:
V
ocês tiveram experiência com outros parceiros?
Josiane:
Eu tive uma experiência curta. Tenho uma grande amiga pianista que mora em
Portugal. Ela foi aluna do meu professor de piano de São Paulo, Alfredo Cerquinho.
Cerquim? Quando eu morava em Londres, nos encontramos e fizemos alguns recitais durante
um ano e meio em Londres e em Portugal.
Patrícia: Eu nunca tive.
Marcelo: Quanto
tempo
vocês têm de experiência com
esta
formação?
Patrícia: 11 anos e meio. Desde julho de 1995.
Marcelo: No caso da Josiane quase doze anos?
Josiane: Sim, somando aquela experiência anterior que terminou em 92.
V
oltei para o Brasil
em 1993. Em 1995 comecei com a Patrícia.
Marcelo: E experiências não profissionais?
Patrícia:
Quando eu morava no Sul, toquei com uma professora da c
idade na Assembléia
Legislativa, em Porto Alegre. Toquei a “Marcha militar” de Schubert. Era um projeto da
Secretaria da cidade.
Marcelo: Vocês tiveram experiência com outras formações camerísticas?
Josiane:
Eu tenho um trio de piano, viola e clarineta, de
sde 2003. Já fiz piano, violino e
violoncelo; piano e violoncelo; piano e clarineta; coro infantil com a Maria José Chevitarese.
E na Bienal já fiz muitas coisas.
Patrícia:
Em Bienais já fiz octeto, noneto
...
Também tenho um duo há seis anos com o
violinis
ta Jaroslav Sonsky. Agora eu e a Josiane temos um duo de piano com quatro
percussionistas. Estamos formando esse sexteto que pretendemos
torná
-
lo
permanente. Mas
não tenho toda aquela diversidade. Já toquei profissionalmente com dois cantores, fazendo
proj
eto “só duetos” com Lício Bruno e com a Patrícia Endo.
N
ão diversifiquei, procurei focar
mais.
Marcelo: Como começaram a praticar piano a quatro mãos?
Josiane:
Eu tive meu primeiro contato com meu professor de São Paulo. Ele tinha duas
alunas maravilhosas que faziam um duo. Eu era de uma outra geração. Por acaso fomos todos
morar fora do Brasil na mesma época. Reencontrei uma delas na Europa e começamos a tocar
o repertório já estudado por esta minha colega. Foi assim que primeiramente tomei contato
mesmo c
om o piano a quatro a mãos, ainda que superficialmente. Depois, com a Patrícia,
decidimos realmente fazer um duo permanente.
Patrícia:
A Josiane me fez este convite, “do nada”. Ela só me fez esta proposta porque já
tinha tido esta experiência. Eu não tinha
sequer material! Só pensava em estudar piano solo.
Na verdade, a minha primeira experiência camerística foi com a Josiane.
Marcelo: Então, o seu primeiro contato foi realmente piano a quatro mãos?
226
Patrícia: Sim. Meu contato anterior foi apenas nas aulas de transposição e acompanhamento,
leitura à primeira vista e prática de orquestra, nunca saiu do âmbito de uma aula de 50
minutos;
nem
nunca levei partitura para casa, porque o objetivo era ler à primeira vista.
Marcelo: Come se deu a escolha do parceiro?
Josiane: Eu não conhecia a Patrícia tocando, foi uma sorte grande! Eu não tinha sido feliz na
minha parceria anterior. Nós tínhamos temperamentos muito diferentes, por isso brigávamos
muito. A escolha do parceiro é uma das coisas mais difíceis. É um casame
nto! Mas entre nós
não houve escolha.
Marcelo: Patrícia, você já conhecia a Josiane?
Patrícia: Não. Eu fui escolhida [risos]. Ela me convidou. Na verdade, já conhecia a Josiane
de nome.
T
enho uma amiga da minha época de 6ª série, a Elisa, e um dia ela me d
isse: “o meu
namorado é cunhado de uma pianista. Parece que ela é boa
;
chegou de Londres, fez Mestrado,
o nome dela é Josiane
,
e
está morando aqui no Rio, em Paquetá”. E a Elisa falava de mim
para a Josiane.
Josiane: Mas, como a Elisa não era do meio musical, eu ouvia o que ela dizia sobre a Patrícia,
mas não dava muito valor.
Patrícia: Num aniversário da Elisa fui apresentada a Josiane. Nós conversamos bastante e
ela
me pediu que lhe indicasse um professor de piano aqui no Rio. Eu lhe apresentei a Maria d
a
Penha.
Josiane: Eu estava sem professor e nunca tinha morado no Rio. Meu vínculo sempre foi com
São Paulo e Vitória. A Patrícia me ajudou muito. Eu não tinha nenhuma referência aqui.
Patrícia:
Quando ela começou a série “Sintonias” em Paquetá, no primei
ro ano
,
todos os
músicos foram indicados por mim, porque a Josiane não conhecia o pessoal do Rio de Janeiro.
C
omeçou a fazer aulas com a Maria da Penha e meses depois, quando meu filho Otávio era
ainda recém nascido, me fez o convite para o duo.
Marcelo:
E
ntão, vocês antes do primeiro ensaio nunca tinham ouvido a outra tocar?
Patrícia:
Eu já tinha
ouvido
ela tocar um ano antes do convite. Quando surgiu a idéia do duo,
ela já estava estudando com a Maria da Penha, e
a
ouvi tocar numa das aulas.
Josiane:
Mas
eu nunca tinha ouvido a Patrícia! Porque na época ela tinha acabado de ter o
filho, então não estava tocando. Estava pensando até em não continuar com a música...
Patrícia: Queria parar por causa da dissertação que estava muito difícil.
Josiane:
Então, foi
um estímulo. Nós voltamos juntas nessa história.
Marcelo: E Josiane, com sua outra parceira, como se deu a escolha?
Josiane: Eu acompanhava a carreira de duas colegas minhas que tinham duo em São Paulo, e
achava interessante. Elas viajavam juntas, faziam
concursos juntas, estudavam com o mesmo
professor, faziam repertório, etc. Meu professor também tocava muito com outros pianistas o
Gilberto
Tinetti, Guiliano Montini, Antônio De Lorenzo. Eu assistia aos concertos, gostava do
repertório e achava interessa
nte a idéia de ser pianista e, ao mesmo tempo, poder fazer algo
que você pudesse dividir. Dividir responsabilidades e tudo. Simplesmente surgiram algumas
oportunidades de tocar com uma delas em Londres. Não foi uma escolha fazer o duo. Eu
realmente queria
conh
e
cer aquele repertório de música a quatro mãos. Com a Patrícia foi
diferente. Nós decidimos fazer o duo, procurar por concertos juntas e a coisa foi caminhando,
porque nem eu, nem ela, deixamos de estudar.
Marcelo: Que conselhos vocês dariam para a escolha de um bom parceiro?
227
Patrícia: Que seja um excelente músico; um músico completo, ou seja, não é aquela pessoa
que entende de música e não toca nada, ou daquele que toca muito, mas não entende nada.
Tem que ser alguém que entenda o que está ouvindo, o
que está tocando, que saiba do que se
trata, e que tenha dedos para realizar isso que ele tem por dentro. Tem que ser um músico por
dentro e por fora. É necessária toda uma roupagem intelectual para fazer com que a qualidade
física da pessoa possa ser melhor expressa. Não adianta ter bons dedos, não adianta tampouco
só ter conhecimento. Conhecemos muitas pessoas cultas musicalmente que não realizam, que
não dizem nada. Você tem que conhecer a pessoa tocando e você tem que se arrepiar com ela.
Josiane:
Porq
ue se acaba a admiração, acaba tudo; acaba o colorido. Mas isso falando
tecnicamente, não é Marcelo? Porque a coisa do caráter, do envolvimento, do pessoal, é
também muito difícil.
Patrícia: Com certeza, tem que ser uma pessoa que lide bem com você, com a
vida e com as
adversidades. Você tem que conhecer a pessoa numa hora de stress. Você tem que saber como
ela reage num contratempo. Se o gênio é muito difícil, as qualidades musicais não podem
operar, porque se a pessoa lida de uma maneira difícil com a out
ra, ela emperra o
relacionamento musical.
Josiane:
E isso é uma coisa que vem com o tempo, tanto para o bem quanto para mal. É no
relacionamento que a pessoa se mostra.
Patrícia:
Mas imagine se você soubesse de antemão que a pessoa não reage bem ao stress
?
Seria melhor.
Josiane:
Não é uma parceria muito fácil não, essa de piano a quatro mãos. E no mesmo
instrumento é ainda mais difícil.
Patrícia:
Entre pianistas é ainda pior. Além disso
,
cada uma das parceiras desenvolvem
carreiras independentes. Então, a
contece a falta de tempo por motivo particular. Porque ela
está se dedicando mais a alguma outra atividade, ou
a
um outro conjunto, ou mesmo à carreira
solo. E isso pode tirar do nosso duo o tempo que seria exigido para manter o nível, o que
pode
gerar mom
entos de stress, de ciúmes. Sentimentos de estar sendo injustiçada, do duo estar
sendo prejudicado.
Josiane:
L
idamos com emoções o tempo todo
,
estamos sempre fragilizad
a
s. Às vezes uma
besteira pode deflagrar um processo negativo na formação de uma parceri
a.
Patrícia:
Então, para escolha do parceiro, de antemão
,
você tem que ter a certeza de que a
pessoa é satisfatória musicalmente e no relacionamento humano. Claro que haverá problemas.
Mas, se você já sabe de antemão que ela é uma pessoa complexa, pernósti
ca, ou é muito
filósofa e levanta o nariz, por que vai escolher esta pessoa? Só porque ela toca bem? Não vale
à pena.
Josiane:
Nós já temos 11 anos juntas.
A
cho que já temos um casamento nesta estória, o que
não quer dizer que não tenhamos tido altos e bai
xos. Hoje eu sei reconhecer quando ela não
está muito bem, quando não é hora de falar alguma coisa. Ou seja, já sei como agir. Acho que
isso é um lado bom, legal da parceria. Às vezes, posso não ter estudado bem um certo trecho e
tenho liberdade para pedir mais tempo para estudar direito e, deste modo, me permitir falar de
igual para igual o que eu estou achando, ou porque não me sinto bem tocando aquela
determinada passagem. Por exemplo, hoje estávamos estudando a Sagração da Primavera, que
já tocamos há a
nos e, ainda hoje, conseguimos descobrir coisas com humildade, falando: “tira
esse dedo daí, isto aqui é mais importante”. O estrelismo atrapalha muito. Quando
no
mesmo
instrumento é ainda pior.
Marcelo:
Comente as diferenças observadas entre um duo de pi
ano e outras formações
camerísticas.
228
Josiane:
Com a Patrícia eu converso tudo. No piano nós sabemos tecnicamente como se
poderia fazer.
T
emos problemas técnicos; os meus não são os da Patrícia e os dela não são os
meus. Mas estamos falando da mesma linguag
em, de um mesmo instrumento. Com um outro
instrumento, acho que este estrelismo cai um pouco. Porém, nós pianistas
,
sofremos esta coisa
de sermos visto como acompanhador. Isso me estressa muito na questão da música de câmara.
Eu amo musica de câmara; troco facilmente um concerto solo por um bom concerto de música
de câmara. Mas não gosto desta visão que os músicos têm de que quando há um outro
instrumento fazendo um solo, o pianista estaria acompanhando. Isso é uma das coisas que
mais me estressa.
Marcelo: E você acha que isso tem menos no piano a quatro mãos?
Josiane:
Muito menos. Os dois pianos estão em igual tamanho. E tentamos o tempo todo
compensar um com o outro, imaginar o nível [plano sonoro] de cada um, onde está mais, onde
menos. E, na questão da e
scolha, tentamos sempre sermos honestas em relação ao
primo
e
secondo
. Sempre dividimos. Eu prefiro tocar no
primo
.
Prefiro quando ela toca no grave,
porque ela faz o pedal muito bem, e eu não tanto quanto ela.
Patrícia: Temos nossas preferências.
Josiane: Escolhemos o que queremos fazer. Com outro instrumento a questão da vaidade, em
relação à técnica, é diferente; você não pode dizer: “seu dedo não correu direito naquele
pedaço ali, será que posso
fazê
-
lo?”
Você não fala de igual para igual. Eu sei dizer,
por
exemplo, quando alguém do meu trio não está fazendo uma coisa certa
,
mas eu não sei
explicar para ela como fazer, então você fica no seu lugar. Quando eu toquei com o Ricardo e
com o Paulo [Santoro], eu
ouví
os dois falando dos instrumentos deles. Ent
ão, se o
instrumento é igual
,
você pode comparar o que
faz
com o que o outro está fazendo.
Patrícia:
Eu vi vários programas do David Oistrakh, um dos meus violinistas preferidos,
inclusive um no Carnegie Hall, da década de 30, em que o pianista dele estava
atrás de uma
cortina e a luz toda no violinista; Você não via o pianista tocar e muito menos havia contato
[visual] entre os dois. Não sei como estavam tão bem juntos; talvez já
estivessem
no piloto
automático. Isso era uma coisa aceitável, e caiu. Temos que rejeitar essa postura da música de
câmara, de colocar o pianista como “acompanhador”: essa palavra tem que ser abolida.
Josiane: Também acho.
Patrícia:
Abolida, porque, ainda que seja baixo contínuo, é tão importante quanto o resto.
Não se pode abrir mão de nada. Claro que você tem que discutir a questão dos planos sonoros
,
mas não existe instrumento acompanhador. Eles estão fazendo ali um som necessário para a
realização daquela música.
Marcelo:
No
seu
caso Josiane,
que teve experiências com outros
parceiros, você consegue
comentar alguma diferença que tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto da relação
pessoal?
Josiane:
A questão do temperamento em um duo de piano é muito importante. Não que eu
ache que você não tem que ter temperamento pa
ra tocar. Com temperamento é sempre
melhor; a Patrícia tem muito temperamento. Mas quanto ao temperamento pessoal mesmo,
essa coisa de “quem é que manda aqui?” era muito forte. E como minha parceira já tinha uma
experiência prévia na música a quatro mãos e eu não, entrávamos num conflito muito grande.
Estávamos sem professor para o duo, que poderia ter abrandado alguns conflitos. E também
tenho personalidade forte. Somos muito amigas até hoje, mas concordamos que é complicado
tocarmos juntas. Com a Patrícia nunca tive esse tipo de problema.
Marcelo: Você falou dos conflitos surgidos pelo fato de não ter professor. Vocês costumam
tocar para uma terceira pessoa?
229
Josiane: Ultimamente não temos feito isso. Mas nós estudamos durante muito tempo juntas e
fazíamo
s aulas
de
duo com a Maria da Penha. Foi muito bom.
Patrícia: Durante cinco anos fizemos aulas de duo. Isso é fundamental, porque você vai ter
outro critério de avaliação. Você vai ter uma crítica construtiva.
Josiane:
Quando saímos da Maria da Penha,
t
oca
mos para algumas outras pessoas, como o
Senise. É uma coisa que temos de voltar a fazer, porque os vícios voltam e podemos acabar
passando por cima de muita coisa.
Marcelo: Vocês acham que o fato de terem feito aulas, como duo, durante muito tempo, pode
te
r evitado muitos conflitos?
Josiane: Pode.
Patrícia: Pode sim.
Patrícia:
Esta frase do Marcelo é importantíssima. A Maria da Penha respeita muito a
individualidade e o conceito musical do aluno, se dele diverge. Mas ela argumenta muito bem.
Então, se ela
tiver
mais razão, cabe a nós, se tivermos sabedoria, acatar. Mas tivemos alguns
conflitos, como nas Variações [sobre um tema de Anacleto Medeiros] do Ronaldo Miranda
,
onde haviam coisas das quais a Josiane não queria abrir mão. E eu também.
Josiane:
Varia
ções do Ronaldo é até hoje um problema.
Patrícia: É um problema de posição, pois ficamos completamente em posição anti
-
anatômica.
Josiane: É uma peça difícil de se adaptar.
Patrícia: É um torto que, se você ficar estudando muito, fica com dor de braço por
causa da
posição.
Josiane: É a postura mesmo.
Patrícia: A Maria da Penha já nos deu palavras definitivas. Por exemplo: “Josi, a Patrícia está
certa aqui”, ou “Patrícia, não há como a Josi chegar mais para direita!”.
Josiane: Até hoje a Maria da Penha fala, mesmo sem dar aula para o duo. Ela diz o que acha,
o que nós podemos explorar mais de acordo com a técnica de cada uma, como buscar melhor
o equilíbrio.
Patrícia: Ela é uma pessoa que contribui muito.
Josiane: Sabemos o quanto isso é importante. Tocar sempre para outras pessoas.
Patrícia: Você tem um juiz. Sendo um duo, se uma não concorda, vai ser uma contra a outra.
Nunca vai ter fim.
Josiane:
Quando você é profissional é muito difícil ceder. O ser humano é assim. Quando
você faz alguma coisa que acred
ita, você briga por aquilo, quer aquilo. Então, uma terceira
opinião é mais que fundamental; é pelo bem da sobrevivência de um duo mesmo. E isso
serviria para qualquer outra formação.
Patrícia: Você não precisa de um professor do nível da Maria da Penha, q
ue dá aula em alto
nível, para ouvir que um ritmo está errado, que não está junto, coisa
s
óbvias; já temos ouvido
para isso. O que acho válido para qualquer grupo camerístico é ter sempre a consciência e
humildade de que é necessário tocar para outras pessoas antes de um concerto. Por exemplo, o
tem um trio em que um dos membros é spalla da filarmônica de Berlim. Quantas vezes este
trio já foi para o exterior fazer cursos de verão? Eles já tiveram aulas com o quarteto
Amadeus, por exemplo. Então, é até ideal que busquemos este tipo de aula
Marcelo: E musicalmente,
v
ocê observou alguma coisa assim mais evidente?
230
Josiane: Naquela época eu nem pensava em equilíbrio sonoro. Primeiro porque eu era muito
nova. Segundo, porque queria fazer com que as “notinhas” f
icassem juntas. Então, eu nem
chegava nesse plano. Até porque nunca tinha tido aula de piano a quatro mãos. A minha ex
-
parceira já tinha tido, então ela sabia o que procurar. Na verdade, eu e Patrícia começamos do
zero no piano a quatro mãos. Estudávamos m
uito juntas; bem mais do que agora. Algumas
coisas não admitíamos, como, por exemplo, não tocar junto.
Ensaiávamos
todos os finais
milhares de vezes junto.
Patrícia: Nós chegamos à perfeição naquela época.
Josiane:
A
cho que é por isso que hoje temos um sin
cronismo, até de respiração, que veio
muito por conta desses primeiros ensaios, que foram realmente a base. Claro que a Patrícia
tem características que eu não tenho e vice
-
versa, mas isso é legal quando você coloca duas
pessoas juntas: Uma tenta adaptar
-
s
e à outra. Naquela época, com a minha ex
-
parceira, eu
nem atentava para isso. O sincronismo era diferente, não tinha muito entrosamento
,
apesar de
eu gostar muito dela; é comum acontecer.
Patrícia:
Aí entra a coisa da sintonia musical, é a química. Você vê
que é uma questão de
escolher o parceiro. Tem que ser um grande musico e uma pessoa de bem.
Marcelo: Vocês crêem que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução de um
pianista? Quão importante?
Patrícia: Acho. Tocar a quatro mãos é uma aula de humildade, de coordenação motora; é um
treino auditivo muito grande. Para um pianista solista é importante porque ele aprende a tocar
em lugares totalmente inusitados. E, então, ele adquire uma versatilidade. O primeiro piano
não toca pedal. Isso é uma
coisa que me faz mal, porque me sinto totalmente acéfala
,
sem as
minhas pernas funcionando, mas tenho que aprender a tocar assim no agudo. E, quando estou
no segundo piano, tenho que pedalizar mais ou menos torta e ainda tenho que pedalizar
quando não esto
u tocando; quer dizer, você aprende a pedalizar para o outro, sem, às vezes,
estar fazendo uma nota sequer, ou então só um dedinho. Assim, eu não vou dizer que é
essencial para um pianista, mas é muito, é muito importante.
Josiane: Assino embaixo, acrescenta muito ao pianista.
Marcelo: Em que aspectos você acha que pode evoluir?
Josiane: O que acho que evolui muito foi a perda da timidez.
Patrícia: A questão de dividir o palco...
Josiane:
Dividir o palco é muito bom; dividir o camarim, aqueles momentos an
tes, é muito
bom. Perdi a timidez porque você vai com um reforço ao lado para mostrar uma afirmação, o
porquê de estar ali; mostrar a sua verdade musical. Então, são duas pessoas e uma verdade.
Isso para mim foi uma grande evolução. Para tudo:
p
ara falar,
para a vida. Começar a
compartilhar a música, que aprendi e estudei a vida inteira, foi muito importante.
Patrícia:
O domínio do nervosismo adveio desta experiência. Mesmo assim, acho
fundamental começar com piano solo.
N
ão creio que um pianista deve come
çar nos seus oito,
dez anos de idade, já com o piano a quatro mãos. Quando ele
estiver
sozinho no palco e,
provavelmente, tendo que tocar de cor, isso pode ser uma coisa difícil de transpor. Então, é
bom que ele tenha o hábito de tocar de cor, sozinho, passar por aquela coisa que sabemos que
é
...
Josiane: Que é dolorido.
Patrícia:
Músico erudito entra no palco com
butterfly
no estômago. Mas, depois desta
experiência de música de piano a quatro mãos, voltamos para o palco encarando isso de outra
forma.
231
Josi
ane:
Acho que não podemos deixar o repertório de piano solo.
S
ei que tocamos peças
difíceis, com outros instrumentistas também, mas deixar de lado o repertório de piano solo é
ruim.
Marcelo: E vocês costumam fazer recitais mesclados [solo e duo]?
Patrícia
:
Já fizemos, mas não é uma experiência boa. Acaba gerando comparação.
Josiane:
dias em que você está melhor, outros
em que está pior e
...
enfim, não é bom para
o duo.
Marcelo: Mais algum aspecto, a Patrícia falou coordenação, pedal...
Patrícia:
Posicio
namento corporal, como sentar no banco.
Josiane:
Respiração é tudo no piano a quatro mãos. Muitas vezes escutamos de perto a
respiração da outra, que temos que fazer junto.
Patrícia: Para fazer os crescendo juntas. Para buscar a unidade, a uniformidade no
sentimento
dinâmico e agógico das obras. Isso é fundamental.
Marcelo:
Vocês notaram em algum momento uma absorção ou troca de características
musicais
e
pessoais entre vocês, tais como temperamento musical, personalidade musical ou
técnica?
Josiane: Técnica sem dúvida.
Patrícia e Josiane: Absorção sim, inversão não.
Josiane: Absorvi muito. Por exemplo, a Patrícia tem ritmo e pulsação perfeita. Eu, às vezes,
tenho que pensar no ritmo dela para não disparar no andamento.
Josiane:
O
cantabile
da Josi é alg
o transcendental. Então, quando ela tem alguma coisa em
que eu vá imitar logo em seguida, é sempre uma aula para mim, sem ela precisar dizer: “estou
te ensinando”. Foi uma absorção que tive com ela. Só de ouvir como ela canta esse quinto
dedo, é uma coisa...[maravilhosa]. Às vezes chega a exagerar e eu falo: “Josi, menos!” [risos].
Marcelo: Mudou também na execução solo de vocês?
Patrícia: Nossa, eu acho que estou “cantando” muito melhor, de dez anos para cá.
Josiane: Eu também. Tenho muito mais controle rí
tmico.
Patrícia:
A Josi diz que o fato de eu trazer as peças mais lidas adianta o ritmo de trabalho
dela.
Josiane: Eu sou lenta na leitura e gosto de ser lenta. A Patrícia gosta de acelerar.
Patrícia: Ajudou a puxar o andamento do estudo dela.
Josiane:
Is
so é verdade.
Marcelo: Quais os principais problemas (dificuldades) da prática do piano a quatro mãos?
Josiane: Sincronismo, equilíbrio...
Patrícia: Eu acho que equilíbrio vem em primeiro lugar.
Josiane: Nem digo essa coisa de começar e terminar junto, não. Equilíbrio em primeiro lugar,
de tudo: rítmico, técnico, agógico.
Patrícia:
É o sentir; sentir a mesma coisa. Às vezes está escrito
animato
. O que quer dizer
isso? É animato
no andamento? Ou é uma coisa mais psicológica? É uma coisa interna; você
simp
lesmente agita aquilo de uma forma que não mude o andamento. Então, o sentir a
composição da mesma forma é um problema para o duo, porque são duas cabeças pensantes.
Josiane: O que eu acho mais difícil mesmo é o ceder espaço para o outro.
Marcelo: Espaço
físico?
232
Josiane:
Espaço até daquel
e
de certas notas: “deixa de tocar a tua nota porque ela é mais
importante para mim” Às vezes atrapalha, porque ter que tirar uma nota significa um jogo de
mão
a
que você não está acostumada.
Patrícia:
Há momentos em
que e
stá escrito uma coisa impossível. E então? Os dois não
podem fazer juntos, tem que haver uma escolha.
Josiane: Quem toca por cima, quem toca por baixo. Tem que
se
chegar
a um
consenso. E nós
temos isso escrito nas partituras.
Marcelo:
um desconforto no
piano a quatro mãos que não
existe
em nenhuma outra
formação camerística.
Patrícia: Na Sagração ela já levou várias topadas minhas.
Josiane: É, nessa peça não tem muito jeito.
Patrícia:
Agora ela não leva mais topada porque já aprendemos o lugar exato de
atacar e
retirar.
Josiane:
Às vezes ela tem que empurrar mesmo, caso precise de mais espaço
do
que eu.
Quando ela faz assim [mostra gesto corporal], já sei que é para chegar mais para o lado, já
entendemos essa linguagem. Dizemos: “Pode empurrar”. Às vezes
quando está confortável
para mim esqueço que para ela é incômodo.
Marcelo: Esta pergunta vocês já comentaram: Houve mudanças na relação entre vocês?
Josiane: Ficamos mais amigas.
Patrícia:
Ficamos amigas,
estivemos
estremecidas e voltamos a ser amigas com
o antes, ou
até mais do que antes, porque quando você passa por um estremecimento você amadurece, já
não volta como antes. Houve um amadurecimento em relação à carreira, à compreensão da
vida de um duo e da vida da outra.
Marcelo: Comente sobre planejamento e rotina dos seus ensaios.
Patrícia: Em média fazemos ensaios duas vezes por semana durante algumas semanas antes
do concerto. Claro que se
os
concertos
são
próximos uns dos outros, é só manter.
Josiane: E depende do nível de dificuldade das músicas ou
se
elas
são novas ou velhas.
Patrícia: Josiane: Mas, no início do duo ensaiávamos muito mais do que hoje.
Patrícia: Não tínhamos carreiras tão agitadas.
Josiane: Fazíamos um dia de ensaio e outro de estudo solo. Para montar a Sagração, que foi a
peça que
mais precisou
de
tempo, ficávamos oitos horas ensaiando juntas, durante vários dias
da semana. Então, depende muito do repertório. Mas, é claro que, quando você não conhece
uma pessoa, para tocar
,
você precisa de mais tempo no início.
Marcelo: Como é feita a escolha do repertório?
Patrícia:
Tem muita encomenda do lugar. Por exemplo, querem que as músicas não sejam
brasileiras porque não podem pagar o ECAD; ou o contrário, que sejam só peças brasileiras.
Josiane: Mas já escolhemos por telefone; já lemos coisas para ver se era bom, interessante.
Patrícia:
Procuramos conhecer a música, ou por ter ouvido alguém tocando, ou ouvido
gravação. Por exemplo, Danças Tchecas de Martinu; ninguém aqui toca. Nem na
R
epública
Tcheca consegui comprar a partitura; foi um duo
que me deu a cópia. Ouvi essa peça em cd,
achei muito interessante para dois pianos. Então, é uma coisa boa, é um compositor relevante,
pouco tocado. Nós também procuramos muito essa coisa da raridade, para não ficar na
mesmice, como a Sonata em Ré de Mozart, ou o Concerto em Ré para dois pianos de Mozart.
Marcelo: Vocês costumam trazer as peças lidas ou usam o ensaio para conhecer repertório?
233
Patrícia: Raramente pegamos uma coisa do zero no ensaio para não perder tempo.
Josiane: O ensaio é uma coisa mais pontual.
Patrícia:
Nunca pegamos as Sonatas de Mozart, por exemplo, para ler e decidir qual fazer;
podemos fazer separadamente.
Marcelo: Como se dá a escolha entre
primo
e
secondo entre vocês?
Josiane: Isso é um problema. A primeira coisa que eu olho é ext
ensão dos acordes. Se exigir
extensão de mão já passo para ela, nem penso duas vezes. O tamanho da mão é a nossa grande
diferença. Então, pensamos na adaptação para o bem da música. O Stravinsky foi isso; não
tínhamos idéia de que parte iríamos fazer, depo
is vi que
havia
a menor condição de eu fazer a
parte do baixo.
Patrícia: Então, eu não tenho escolha! Quem escolhe é ela! [risos]
Josiane: Não havendo diferenciação neste critério, a Patrícia pode escolher.
Patrícia: Então, distribuímos um pouco igualmen
te. Se já estou mais da metade do recital no
secondo
, fico com o
primo. Também existe a parte técnica que às vezes exige mais estudo de
um dos pianista.
Josiane: Isso já aconteceu.
Patrícia: Estar sem tempo. Então pega
-
se a parte menos complicada. Mas, e
m geral, eu gosto
de ficar no segundo piano. Eu me sinto decapitada, decepada tocando sem pedais.
Josiane:
E eu gosto de ficar no primeiro. Procuramos distribuir, mas é 60% Patrícia no
secondo.
Marcelo:
Mas você acha que a alternância é uma questão musical
ou tem uma questão
estética ou de
vaidade?
Josiane: Pode ser estética também.
Patrícia: Uma pessoa ficar só no segundo o recital inteiro pode parecer escondida.
Josiane: Não para os músicos.
Patrícia: Para o público, por ignorância, pode parecer que uma não seja capaz de tocar a parte
da outra. Na verdade não é vaidade. É defesa da auto
-
imagem, para evitar este paradigma.
Alternando, evita
-
se que o pianista que está no secondo fique estigmatizado pelo público.
Josiane:
Engraçado, eu não penso nisso, mas e
ntendo. Por que para mim, meu único pavor é
colocar o pedal para a Patrícia [risos]
Marcelo: Falando da escolha de partes
primo
e
secondo, que conselhos gerais vocês dariam?
Josiane: As técnicas e as qualidades de cada um deve influenciar, o que cada um fa
z melhor.
Mas têm outras questões
,
como o que falamos agora.
Patrícia: Mas isso que a Josi falou é o mais importante. A questão de alternar, ou quem vai
aparecer é secundária
Josiane: A escolha correta, condicionada ao repertório, é muito importante. A nos
sa carreira
deslanchou muito a partir da Sagração da Primavera. Uma má escolha naquele momento, isto
é, se eu tivesse ficado no segundo piano naquele momento, talvez não tivéssemos o sucesso
que fizemos com a obra, poderia ter sido uma catástrofe
,
porque a
cho que não consigo
realizar como ela o segundo piano.
Marcelo:
Patrícia, você comentou que uma das razões da sua preferência pelo
secondo
é o
uso do pedal, certo?
Patrícia:
Claro
234
Josiane:
Eu toco numa boa sem o pedal, mas ela adora. E tem aquela coisa d
aquele ritmo
sempre preciso, junto de mim. Isso é muito bom. Eu me sinto sem chão fazendo o secondo
,
você sente isso?
Marcelo: Sim, com certeza, entendo perfeitamente. [risos]
Patrícia: Sem pedal parece teleférico com os pés pendurados: sem nada que fazer
com os pés.
Eu pedalizo para ela como se fossem as minhas mãos tocando.
Josiane: É muito complicado pensar no pedal para o outro.
Patrícia:
Porque são quatro mãos, qualquer pedal a mais é um desastre, e se o pedal for a
menos pode cortar coisas que o outro está fazendo. Então, para tocar o segundo piano tem que
ser um exímio pedalista. Tem muito pianista solista bom que pode pecar um pouco pelo pedal,
por excesso ou por falta.
Josiane: É, isso é uma característica para se pensar. Tem que ser uma precisão de
pedal além
do normal.
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Josiane e
Patrícia:
Não, já definimos olhando a partitura.
Marcelo: E depois de já ter tocado uma peça, houve alguma necessidade de troca?
Josi
ane e
Patrícia:
Não.
Marcelo:
Quais as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto físico entre os
músicos?
Josiane:
Eu não tenho este problema não. Eu a empurro; quer dizer fazemos um pouco de
dieta! [risos]
Patrícia: Eu não faço dieta de jeito nenhum! [risos]
Josiane: O maior problema que tive foi quando estava grávida, porque eu tinha mais barriga;
e tocar no
secondo
, que eu já odiava, sentia
-
me uma câmara de gás.
Patrícia: E eu achando que ela estava reclamando exageradamente. Eu não podia nem
usar
meu cotovelo por causa da barriga dela.
Marcelo: Então a forma física da pessoa pode atrapalhar?
Patrícia: Sim. Foi um problema porque quando toco no grave, faço tanto sacrifício pela Josi,
porque ela me exige mesmo, me empurra; toco tão torta por c
ausa dela. Mas, quando eu
estava no agudo, ela não fez isso. A Maria da Penha, neste caso, foi fundamental. Ela disse:
“Patrícia, a Josi não tem como fazer o que você pede!”
Marcelo: Vocês pensam na roupa?
Patrícia e
Josiane:
Sempre. Não pode ter manga
s
c
aindo, elas atrapalham.
Patrícia: Os detalhes das roupas; a combinação estética, a cor, os sapatos.
Josiane: Estética, mas sem ser uniforme.
Marcelo: Em relação ao banco? Já experimentaram mudanças, como a posição ou altura?
Josiane:
Sempre.
Patrícia:
Semp
re. No último concerto nós trocamos de banco depois de já estarmos sentadas
para tocar.
Marcelo: Mas em relação à posição deles?
Patrícia: Encaixamos as roldanas uma na outra. Então, acaba ficando uma mais para frente,
mas apenas com o propósito de estar
mais próxima, porque, senão fica um buraco entre os
músicos. Não gostamos de virar o banco transversalmente, como o Nelson fez com a Martha,
235
porque nos dá a impressão de que, no momento em que você precis
ar
da extremidade, vai
faltar cadeira.
Josiane:
Falt
a apoio.
Patrícia: Não estamos acostumadas a tocar em banco estreito.
Marcelo: E a altura? Cada uma usa a de sua preferência?
Patrícia: Praticamente nossa altura de banco é igual. E independente de a altura ser a mesma,
tocamos com um cotovelo mais acima ou abaixo. Talvez a altura diferente pode até dificultar,
porque se você está mais baixo e tem que ir ao agudo, por cima do outro pianista, pode ser
complicado.
Josiane: Mas, em geral mantemos as preferências pessoais.
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal,
sempre foi utilizado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Josiane: Já experimentamos, mas não funcionou.
Marcelo: E durante o estudo individual, o primo coloca o pedal?
Josiane: Eu não estudo usando pedal e, muitas vezes, tenho que segurar no dedo mesmo.
Patrícia: Eu sinceramente acho válido estudar sem o pedal, porque você não sabe se o outro
vai pedalizar como você gostaria. Pode te dar um choque na hora do ensaio.
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de pági
nas ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
Josiane: Já fizemos de tudo.
Patrícia:
Em 11 anos dá para você ter a experiência das duas coisas. Quando você não tem
ensaio com o virador, é melhor o duo virar sozinho, porque o risco de haver algum prejuízo
na
execução é muito grande. Mas sou a favor de ter um virador, porque assim você não precisa
abrir mão de nenhuma nota, não perde nada.
Marcelo: Vocês fazem colagens?
Patrícia: Não, simplesmente escrevemos quem vai virar.
Josiane: Às vezes decoramos o trecho que vem depois e viramos na hora certa.
Marcelo: Vocês têm preferência por partituras em que cada página é reservada para uma das
partes ou por aquelas em forma de grade?
Josiane: Na verdade, para estudar, é melhor que tenha as duas partes juntas, po
rque podemos
ver de perto o que a outra está fazendo
Patrícia:
Eu também prefiro, porque quando as páginas são separadas, você tem que ficar
procurando onde está o compasso da outra, perde muito tempo. É muito melhor a grade.
Marcelo: Em relação às dificuldades do começo sincronizado, como vocês procedem?
Josiane: Fazendo contagem.
Patrícia: Conta
r
um ou dois compassos em voz baixa.
Marcelo: Quem faz a contagem?
Josiane: Depende da peça. Geralmente a Patrícia.
Patrícia:
Mas, quando a coisa é mais
cantabile,
mais lento, não contamos, apenas respiramos
junto, no tempo anterior.
Josiane:
Mas, às vezes, temos que contar até a subdivisão. Mesmo assim ainda prefiro a
respiração; acho que funciona melhor.
236
Marcelo: E problemas de sincronismo, quando aparecem, como resolvem?
Josiane: Repetição. Quando não coincide, nos encaixamos rápido, costumamos ter afinidade
neste sentido.
Patrícia:
Nos ensaios, não deixamos passar nada. Ou também usamos a contagem oral, ou
metrônomo.
Josiane: Metrônomo muitas vezes.
Patrícia:
Us
amos sempre. Principalmente quando o andamento é muito rápido e
é
uma coisa
mais motórica. Também serve para alcançar o andamento exigido.
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Josiane: Já ensaiamos muito a mão esquerda dela com a minha direita, duas minhas com uma
dela, e assim por diante.
Patrícia:
Fazemos todas as combinações possíveis. É muito importante. Deixa tudo bem
clarificado, assim como você faz a leitura de uma fuga a quatro vozes.
Josiane: Ajuda no sincronismo também.
Marcelo: Mas isso é feito também pensando no desconforto, ou no equilíbrio sonoro?
Josiane:
Sim, no desconforto. O problema do desconforto é que ele te atrapalha por si só;
p
orque às vezes não é nem a mesma nota que as duas estão tocando. Este tipo de estudo
desembaraça.
Patrícia: Ajuda a escolher a posição correta.
Josiane: Às vezes até o dedilhado.
Josiane:
Outras medidas: ver quem vai por cima, quem vai por baixo, quem sol
ta o dedo
...
quantas vezes já tivemos que fazer um
staccato
para a outra tocar a mesma nota?!
Patrícia: E se a nota tem que continuar soando, segura
-
se no pedal.
Marcelo: Essas medidas são
anotadas
na partitura?
Josiane: São.
Patrícia: “por cima”, “por baixo”, “tirar logo”, “tocar com os dedos finais”, “vire”.
Marcelo: Caso seja utilizado uma mão sobre a outra, já foi observada alguma generalização
para quem fica por cima ou por baixo?
Josiane e
Patrícia:
Não.
Marcelo: Na prática individual de peças a quatro mãos, vocês já se sentam na posição correta
de duo?
Josiane e
Patrícia:
Sim.
Josiane:
Eu sento sempre desprivilegiada; tento fazer isso em casa. Procuro exagerar o
desconforto, para facilitar na hora do ensaio
Patrícia: Isso também é técnica, Josi! Por que você nunca me falou?! [risos]
Marcelo:
Vocês têm o hábito de tocar a parte do seu companheiro cruzando as mãos para
averiguar se a escolha do posicionamento e dedilhado funcionam?
Josiane: Eu não. Não costumo me preocupar com a parte dela.
Patrícia:
N
ão.
Marcelo: Ainda falando sobre essas partes onde há choques: na escolha do dedilhado, vocês
têm a preferência pelo uso do 4º e 5º dedos?
237
Patrícia: É bom porque não sobra espaço de mão por cima do parceiro. Senão prejudica toda
a execução.
Josiane: Já tivemos que trocar dedilhado por isso, então existe esta preocupação.
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Patrícia: Tendo um senso crítico, de escuta, apurado.
Josiane:
O gravador, apesar de não possuirmos
, ajuda muito como prática de estudo. Mas
vamos providenciar.
Marcelo:
E vocês acham que no piano a quatro mãos
a tendência de tocar tudo um pouco
mais forte, pelo fato de ter mais mãos?
Josiane e
Patrícia:
Não sei se é uma tendência, mas existe esse pe
rigo. Mas é claro que isso
vai variar de peça para peça e com o estilo do compositor.
Marcelo:
ocorreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes?
Josiane e
Patrícia:
Claro, fazemos muito.
Marcelo: Podem exemplificar?
Patrícia:
Na Sagr
ação da Primavera. No final da primeira parte, as duas mãos esquerdas
atacam juntas. As notas do
primo
podem ser feitas por mim, e assim, facilita o sincronismo.
Josiane:
Não é pensando em facilitar tecnicamente, mas sim
em
buscar o melhor resultado
musica
l.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Josiane: Nunca pensei nisso.
Patrícia:
Eu penso. Por exemplo, no
Saute
-
Mouton
[do Jeux d’enfants] do Bizet
, a Josi tem
um tipo de gesto muito peculiar, principalmente na retirada dos
staccatos
, que é bem diferente
do meu, mas procuro, sempre que possível, imitar; principalmente quando são coisas que
exigem continuidade.
Josiane:
Eu
não sabia que ela fazia isso [risos]. É claro que em alguns momentos discutimos
como cada uma está fazendo um tipo de toque, um staccato
,
por exemplo. Nos finais, quanto
à maneira de colocar e retirar a mão, já nos preocupamos com isso; fizemos no Lutoslaw
ski e
ficou bonito.
Marcelo:
Vocês ensaiam a parte coreográfica da performance? Digamos uma retirada de
pausa na mesma altura, coisas do gênero?
Josiane: Não. Em inícios e finais, apenas.
Patrícia: Em algumas retiradas de pausas também.
Marcelo:
Você acred
ita que ela pode gerar efeito performático mais satisfatório?
Patrícia:
Sim, acho válida a homogeneidade. Por exemplo, num quarteto de cordas se
ensaiam as arcadas. Num duo já existem as diferenças físicas, então é importante
que
os
músicos estejam sincronizados até gestualmente; não digo em tudo, mas em certas passagens
,
pode ser apropriado.
Josiane:
Não sei se saberia responder porque, na verdade, não me preocupo com os
movimentos, eles acontecem mais naturalmente.
N
ão gosto da preocupação excessiva com o
aspecto visual. Tem que
haver
cuidado
para
não perturbar a música.
238
Entrevista com a pianista Sara Cohen
Data: 24/11/2006
Local: Residência da entrevistada Rio de Janeiro
Marcelo: Qual o nome d
e
seu
(sua)
parceiro
(a)
de duo atual ou do
(a)
último
(a
)
parceiro
(a)
?
Sara:
Eu só tive uma parceira fixa, a pianista
M
í
riam Braga.
Marcelo: Quanto
tempo
você
teve
de experiência com
esta
formação?
Sara:
Desde 1988.
Nos conhecemos num concurso de piano em Vitória e descobrimos que
nós duas gostávamos muito do Homero Magalhães; depois nos reencontramos no mestrado da
escola
de música da UFRJ.
Marcelo: Foi quando vocês começaram o tocar junto?
Sara:
Nós fizemos
uma disciplina jun
tas
e pensamos: “Vamos nos encontrar antes da
disciplina”. Ela levou uma partitura
porque
Míriam
já tinha feito muita música de câmara
em São Paulo, Tatuí e Jundiaí, de onde ela é, e lá
havia
mais tradição [de prática em música
de câmara]. Isso foi em 88 e
naquele mesmo ano
nos inscrevemos
para fazer o Concurso
Eldorado
;
fizemos a fita,
fomos aprovadas, fomos para São Paulo e ganhamos! Foi assim que
começamos.
Marcelo: O concurso foi o primeiro compromisso profissional de vocês como duo?
Sara:
N
ão me lembr
o exatamente,...
Acho que já tínhamos tocado aqui antes, da
n
do recitais
em escolas
...
Marcelo:
Quer dizer, você já tem mais ou menos uns 18 anos de experiência com esta
formação?
Sara:
Sim
! Em 94 nós fizemos outro concurso
em
que ganhamos
o
primeiro lugar. Este foi
um concurso de duos pianísticos
Concurso Francisco Mignone
que acho
que não teve
reedição.
Tocamos muito
: Rio, São Paulo, Minas; Porto Alegre com orquestra: fizemos o
Mendelssohn
, o concerto para dois pianos e orquestra em Mi Maior.
Marcelo: Vocês tocam mais a dois pianos ou a quatro mãos?
Sara:
As duas
formações
na mesma
proporção.
Marcelo: E experiência não
-
profissional, você já tocou a quatro mãos com mais alguém?
Sara:
Sim.
Que me lembro agora, toquei com o Senise numa série “Tributo a”, e num Tributo
a Villa
-
Lobos nós fizemos a
Folia de um Bloco Infantil
;
em um recital
com obras de Edino
Krieger, toquei
com o
José
Wellington a Sonatina.
Marcelo:
E você tem experiência com outras formações camerísticas? Quais são as
principais?
Sara:
Bem, com instrumentos de orquestra em duo acho que só não
toquei
com trompa
.
E
m
trios,
tenho tocado muito com percussão e clarineta, com o
Joaquim Abreu
e com o Paulo
Passos.
Toquei ainda em
quarteto
s,
quinteto
s e o
utros conjuntos maiores,
em
as
bienais
ocasiões
em que
o conjunto se reúne exclusivamente para fazer somente aquelas peças.
Ma
rcelo:
Em poucas palavras, poderia dizer como você começou a fazer piano a quatro
mãos; como você tomou conhecimento?
Sara:
Foi dando aula e, enfim, como professora.
A
cho que música de câmara no piano é
muito importante porque ela desenvolve a questão rítm
ica, respiração, articulação
...
É um
bom caminho pedagógico quando se está com crianças, você pode fazer a parte do
239
acompanhamento.
Marcelo:
Aproveitando este gancho, você dá peças de piano a quatro mãos para os seus
alunos? Por quê?
Sara:
Não só peças
esc
ritas para
piano a quatro mãos,
mas também proponho “brinca
deiras
” a
quatro mãos
, como
improvisos, por exemplo
. São vários
os
aspectos importantes do ponto de
vista rítmico
:
o in
ício
,
a
termina
ção
,
a
respiração para o início, compreensão do final de frase,
todas estas questões rítmico
-
formais.
Marcelo:
E você acha então que com o piano a quatro mãos é mais fácil de passar esse
ensinamento?
Sara:
Acho que isso é bom sim; não sei se é mais fácil, mas acho que
também
é importante
de se fazer
.
M
uitas vezes obse
r
vamos
que os pianistas são muito bons individualmente,
desenvolveram uma técnica muito boa e quando vão fazer câmera não se saem tão bem; por
mil motivos
;
acho que um deles é po
rque não tiveram a experiência
. Também do ponto de
vista d
a
sonoridade
é inter
essante
, porque na medida em que
você toca junto com seu aluno,
ele percebe mais o
fraco, o forte, o crescer assim ou crescer assado, e o
“tocar junto”, com
as
mesmas articulações, enfim, essas coisas ficam mais claras. Quer dizer que aprender é sempre
est
e jogo do que é igual e do que é diferente
. P
ara mim isso é a base de tudo.
Marcelo:
Sobre a escolha do parceiro
,
você já comentou que foi por esta admiração comum
com o Homero, certo? Mas vocês chegaram a ter o mesmo professor?
Sara:
Não, a minha profess
ora sempre foi Est
h
er N
a
iberger
na escola e
no
mestrado
também. E
Míriam
estudou em São Paulo, e quando entramos para o mestrado ela foi estudar
com o Alimonda. Então a nossa formação pianística é diferente, mas eu fazia algumas aulas
aquelas aulas que
o Homero dava sobre Bach, dos Prelúdios e Fugas, e depois eu fiz umas
aulas de regência com ele também.
Marcelo: Vocês então se encontravam nos cursos que ele dava?
Sara:
Não, na verdade
nos encontramos
num concurso e depois no mestrado.
N
ós duas
gostávam
os da forma como o Homero falava determinadas coisas, independente da minha
admiração pela minha professora; o Homero era o ponto em comum. E aí quando resol
vemos
experimentar para ver se dava certo,
logo
ficou claro
que
sim, porque tínhamos uma afinidade
que era musical e não técnica;
Míriam
tem mão
s
grande
s
, eu tenho mão
s
pequena
s
, ela é
canhota, eu sou destra,
Míriam
é mais alta do que eu, tem os braços mais longos, então tem
uma série [de coisas diferentes]...
Mas
tudo
isso
nós fomos
trabalhando.
T
ocar
a quatro mãos
é uma coisa complicada para muitas pessoas, porque você está muito perto, você respira
junto; Então, se não há afinidade fica complicado. E aí deu certo, então o critério da escolha
foi musical: uma afinidade musical, se eu posso dizer assim.
Marcelo: Então a primeira peça foi como uma brincadeira: “vamos ler isso”?
Sara:
É isso mesmo. Porque antes das aulas tínhamos um tempo livre
...
E muitas vezes
acab
ávamos
chegando atrasadas na aula porque ficávamos tocando! [risos]
Marcelo: Que conselho(s) você daria para a escolha de um bom parceiro, Sara?
Sara:
Acho que o primeiro é esse: afinidade musical; uma pessoa com quem você tenha
espaço para discordar e negociar. Mas acho que n
a primeira
leitura, penso que a coisa mais
importante
como sempre,
eu acho em música
-
, é a questão temporal; são estes tempos de
respiração, de como que você termina a frase e inicia a frase, pois se estas coisas não fluem
com certa naturalidade
obviamente você pode ensaiar e estudar
mas quando isso acontece
naturalm
ente você tem uma facilitação na negociação, inclusive.
Marcelo: Nas primeiras leituras já foi possível perceber essa afinidade temporal?
240
Sara:
Sim. O que não significa que, se você gosta muito de uma pessoa e quer fazer duo com
ela, se isto não ocorre
,
o possa ser trabalhado. Não sei se você já teve esta experiência. Com
câmara eu já tive esta experiência: por um tempo fui acompanhadora na Escola [de Música da
UFRJ], e já acompanhei muito; eu acompanhava, mas muitas vezes não concordava com o
que estava
sendo feito.
Marcelo: Certo. Mas aí você chegava a falar alguma coisa?
Sara:
Depende... Quando eu estava ali como acompanhadora numa classe, não era meu papel
interferir. Mas tenho uma experiência, por exemplo,
do
Concurso
Sul América
, em que
acompanhei do
is ou três violonistas tocando a mesma obra
, e
cada um fazia de um jeito
. Mas
um deles eu
não consegu
ia
muito
entend
er
o que ele fazia. Obviamente eu acompanhava, mas
não com a precisão de quem gosta de tocar junto. Com um, de primeira, não
era
precis
o mai
s
ensaios
. Mas com um deles, como mencionei antes, precisei entender, anotar o que ele falava
e ele percebeu isso. Ele não ganhou o concurso, ficou muito chateado, porque achou que
estava muito bem
. O
uviu
comentários
de outras pessoas
e
aí abriu espaço par
a eu comentar.
Esse rapaz depois estudou durante dois anos, voltou, fez e ganhou o concurso. E o que ele foi
ouvir para melhorar o violão?
...
Ele foi ouvir Horowitz!
O
que ele foi aprender com o
Horowitz? Tempo, como se espera, como se faz.
E
sta experiênc
ia foi,
então,
muito legal.
Marcelo:
Além da afinidade e das questões temporais você gostaria de comentar alguma
coisa?
Sara:
Além disso, tem as questões pianísticas propriamente ditas que também precisam
funcionar. Aí você tem que definir qual é, digamos assim, o ponto básico para o duo: se o duo
tem o desejo de “tocar junto” [
a
entrevistad
a
enfatiza].
Q
uando ouvimos duos
pianísticos
, tem
os que tocam absolutamente juntos, você não percebe nenhum [desencontro], o
que
eu chamo
de “arpejo” [risos]. E tem ou
tros duos em que isso não
acontece
. JJ Moraes fala, numa crítica
que fez sobre
nós
:
“É notável o empenho de ambas no sentido de fazer com que suas 4 mãos
obedeçam a um único padrão estético
” E nesta questão da sonoridade estão envolvidas tanto
as questões
temporais quanto as questões de articulação propriamente ditas; e uma coisa
depende da outra.
Q
uando os dois pianistas têm técnicas muito diferentes em termos de
legatto
,
staccatos
, etc.,
isto
tem que ser trabalhado: treinar todas as combinações possíveis
entre as mãos dos pianistas [ex: ambos os músicos tocando com apenas uma das mãos
;
ou um
músico tocando com as duas mãos enquanto o outro toca apenas com uma
]. Este é, então, um
ponto muito importante.
Marcelo:
No
seu
caso,
que teve experiências com out
ros parceiros, você consegue
comentar alguma diferença que tenha observado,
tanto no aspecto musical, quanto da relação
pessoal?
Sara:
Não, da relação pessoal não
,
porque me dou muito bem com o Luiz Senise;
e com o
Wellington. Luiz, é mais agitado e isso transpareceu para mim; então foi uma coisa diferente e
eu teria que me acostumar com este temperamento
não que
Míriam
seja
mais
calma,
estou
me referindo à forma de tocar: o Luiz é mais agitado. Com o Wellington não notei tanto isso.
Obviamente era difere
nte, mas não tinha este aspecto. Às vezes
o Luiz pensava muito mais
para
frente do que eu e às vezes o contrário. Mas foi uma experiência muito rápida e muito
pequena. E nós tínhamos assim
...
dois ensaios! [risos] Então não dá pra saber muito. O que eu
que
ro assinalar é que cada pessoa com quem você vai tocar tem um temperamento, então você
tem que se habituar
à
quele temperamento
Não existe isso de você estar tocando com uma
pessoa que venha só com ritmo e som; ela vem com seu temperamento junto, não é?
Mar
celo:
E você acha que isso afetava aspectos como, por exemplo: equilíbrio dinâmico,
sincronismo?
Sara:
Sim, influenciava. Neste caso específico, tem um agravante, aliás, nos dois casos: eram
241
peças que eu já tocava com a Míriam e, portanto, já tinha uma concepção. E como
o colega de
duo do Luiz era outro, então,
em um determinado lugar
fiz
como ele [queria] e
,
no outro
,
tive
que pedir a
ele
para
seguir minha vontade; nós negociamos.
Marcelo:
E, no
seu caso
, que já teve experiências com várias outras formaçõe
s, o que observa
de mais diferente em relação ao piano a quatro mãos?
Sara:
A
diferença básica que vejo é a seguinte
.
Por mais
parecido
que os dois pianistas
toquem, existe uma característica
do piano, que é o
ataque
,
que dificulta a sincronia
.
Por isso
s
incronizar os ataques no
piano a quatro mãos
é bem difícil
, e a dois pianos mais ainda,
porque você não tem tanto contato visual com o
outro
instrumentista. O fato
de o piano ter
ataque inicial muito forte, faz com que, às vezes, tocar junto
com outro pian
ista
seja mais
difícil do que
tocar
com outros instrumentist
as
, que têm
,
[naturalmente]
,
outro timbre e uma
forma de ataque diferente, menos marcada.
Marcelo: No piano tem menos tempo para o ataque, é isso? Nos instrumentos de percussão
isto seria mais evi
dente?
Sara:
Exatamente. Então quando você tem que fazer coisas junto, acordes juntos em músicas
com muita liberdade, isso pode ser uma coisa muito complexa quando você quer
evitar
os
desencontros.
Marcelo:
Quando você fala articulação, você quer dizer ar
ticulação fraseológica ou
articulação de leggatos e staccatos
?
Sara:
Articulação como leggatos e staccatos
, isso.
Marcelo:
Você crê que a prática do piano a quatro mãos é importante na evolução do
pianista?
Sara:
Sim. Para mim foi muito importante por vári
as dessas coisas que já falei.
V
ocê se
coloca em contato muito próximo com o outro e isso faz com que você reavalie uma série de
coisas suas.
Marcelo: Em que aspectos o pianista pode evoluir? Fale sobre sua experiência:
Sara:
Acho que em todos: sonoridade,
fraseologia
...
; porque você se coloca diante de uma
pessoa que pensa diferente de você, ela faz aquilo e você pensa “será que é assim?”, “será que
é de outra maneira?”. Então você está o tempo todo questionando a sua própria concepção,
articulação, pedali
zação; no piano a quatro mãos, a negociação do pedal é ainda mais
complexa do que a dois pianos.
Marcelo: Você falou agora “questionando a própria concepção”. Você acha que no piano a
quatro mãos isso é um pouco mais evidente do que em outras formações ca
merísticas, pelo
fato de você estar vendo um colega que domina o mesmo instrumento?
Sara:
A
cho que no piano a quatro mãos é
ainda
mais evidente porque você toca ali do lado;
então tem a questão do gestual que também entra em jogo e, às vezes, entra em jogo
“mesmo”
[entrevistado enfatiza]; você tem que dizer: “você toca por cima, eu vou por baixo”. No caso
com a
Míriam
, que tem braços compridos, muitas vezes eu ou ela tínhamos que fazer isso
[
uma
tirar o corpo do caminho
da
outr
a
], porque não dava
...
Se isso
não
for
bem feito,
interfere na realização.
A questão do
gestual
interfere
mais
na performance
no piano a quatro
mãos do que a dois pianos ou qualquer outra formação.
Marcelo:
E o fato de você ver um colega seu
encontrando
soluções técnicas, você acaba
se
ntindo mais de perto isso...
Sara:
Exatamente! Agora, por outro lado, quando você trabalha com outros instrumentos
,
com cantor
es
, por exemplo, você aprende outras coisas que não vai aprender com
outro
pianista; basicamente, a respiração. Enfim... sempre
se
aprende
alguma coisa
.
242
Marcelo:
Você notou, em algum momento, alguma absorção ou inversão de características
musicais pessoais entre vocês, tais como: temperamento, personalidade musical ou técnica?
Sara:
Inversão não, mas eu acho que acumulação. Do ponto
de vista da articulação, muito
.
P
or exemplo, na
Petite Su
i
te
de Debussy
, tem uma
passagem em
que duas mãos, uma de cada
pianista,
fazem o mesmo desenho. É muito singelo, e às vezes o singelo é mais complexo
porque fica muito evidente. Então muitas vezes e
studávamos a mão direita de
Míriam
com a
minha esquerda; eu não sou canhota e ela não é destra, então
tínhamos
que trabalhar isso
porque não ficava tão regular quanto gostaríamos que ficasse. Tínhamos que parar para
pensar, escolher dedilhado, etc. Nós dua
s aprendemos com as nossas dificuldades, porque
tínhamos que procurar soluções para superá
-
las.
E este foi um exemplo.
Marcelo:
Você falou da parte técnica e do temperamento. Você acha que houve alguma
absorção do temperamento dela e, por parte dela, do
se
u?
Sara:
Isso eu não sei te dizer... Mas certamente aconteceu.
Marcelo: E você acha que isso foi importante na sua evolução pianística?
Sara:
Com certeza.
Marcelo:
Em sua opinião, quais são os principais problemas (dificuldades) da prática do
piano a quat
ro mãos?
Sara:
Bom, a dificuldade em se fazer música de câmera é ensaiar. Isso nunca foi um
problema para mim e para a
Míriam
, porque nós sempre tivemos muita disposição;
líamos
juntas, estudávamos juntas.
A
disponibilidade dos músicos para ensaio
é um gr
ande problema
da
música de
câmara no Brasil
.
O
s músicos
acumulam muitas atividades
e nem sempre têm
muita
disponibilidade de tempo. Outro problema
é
a falta de oportunidade
para se apresentar.
Que mais...
que tipo de problema? Sim
...
Problemas de outra ordem: conseguir partitura
s
; às
vezes você vai tocar numa bienal, te mandam a música e você não consegue tocar para o
compositor antes
;
escassez
de salas
com
um
piano
em boas condições e p
ara dois pianos
este
problema
é
mais grave. Já passamos por uma experiê
ncia
quase
desastrosa
: um recital a dois
pianos onde os instrumentos estavam com quase um semitom de diferença; t
iveram
que ser
afinado
s
às pressas
no dia
,
porque a direção do
lugar não
tinha pensado
nisso. Também é
problem
ático tocar a dois pianos quando
eles
são
muito diferentes...
Marcelo: E focando mais no piano a quatro mãos...
Sara:
É, aí acho que os problemas não são problemas, são características que precisam ser
trabalhadas, que são essas que acho que já falei: sonoridade, fraseologia, articulação,
respiração, as questões que envolvem a concepção da obra, pedal, banco
-
às vezes o banco é
um problema: o lugar não tem banco, ou tem um banco só
...
ou um banco [bom e
outro em
mal estado]... enfim,
já passamos por situações de termos que tocar com almof
adas! Não me
lembro de todos os problemas agora... me dá uma dica [risos].
Marcelo:
Nós discutiremos cada um deles mais especificamente. Você acha que a relação
pessoal é um problema? Falando nisso, entre vocês houve mudanças ou dificuldades?
Sara:
Sim, h
ouve. Nós duas temos personalidade forte! Nem sempre
tudo
é um mar
-
de
-
rosas!
Mas nada que não aconteça com qualquer amizade. Você discordar, se aborrecer, brigar e dar
as costas e no dia seguinte vai, conversa, resolve
...
No início
foi
um pouco mais difíci
l, mas
depois ficamos amigas.
Marcelo: Vocês se tornaram mais amigas depois da formação do duo?
Sara:
Ah, sim!
Marcelo: Você falou dos ensaios. Como é o planejamento e rotina dos seus ensaios, Sara?
Sara:
Bom, na época em que
Míriam
estava aqui, tínhamos
dois dias na semana. Mas eu não
243
vou me lembrar destas coisas, já faz tanto tempo
...
Agora,
depois que ela saiu do
Rio,
tivemos
que
nos
programar
melhor
. No início, quando ela morava aqui, ensaiávamos até mais,
que
duas vezes por semana, em função de um concurso ou recital.
Marcelo: O que você acha que seria uma rotina boa?
Sara:
Essa resposta é difícil porque se você está com uma agenda boa e tem que cumprir um
repertório grande, às vezes você tem que ensaiar até todo o dia. No caso do Concurso
Eldorado, por exemplo, ensaiávamos todos os dias, três ou quatro horas
.
Resolvemos fazer o
Bartok,
que
nunca tínhamos tocado,
a
Sonata para Dois Pianos e Percussão
; aprendemos
aquilo em quinze dias!
Marcelo: Esses ensaios duram mais ou menos quanto tempo?
Sara:
No n
osso caso, como nos damos muito bem, às vezes
começávamos
de manhã,
ensaiávamos, almoçávamos e continuávamos
a ensaiar
. Por exemplo, num sábado
ensaiávamos
o dia inteiro.
E
u já trabalhava, ela também, então
tínhamos
que aproveitar.
Normalmente ensaios long
os, porque
fazíamos
obras longas. Não dava para fazer uma obra
que dura quinze minutos em um ensaio de uma hora, a não ser que a peça já est
ivesse
pronta.
Então eram ensaios longos e nós gost
amos
muito de ler. Ler à primeira vista, mesmo que
a
obra ainda n
ão estivesse incluída em algum recital
! Às vezes até no meio do ensaio
, para
espairecer.
Marcelo:
E a escolha de repertório foi sempre feita em função de
ss
as leituras, ou às vezes
eram combinadas previamente?
Sara:
H
ouve repertório que estud
amos
em função
do interesse de algum lugar. Mas no início
fizemos
uma pesquisa e levantamento. O prêmio do Eldorado, na época, era
de
noventa
cruzados, eu acho...
Nós entramos lá
numa
loja em São Paulo
você imagina isso em 88
e
torramos’ os noventa cruzados com repertório para o duo. E aí começamos a ler tudo e fomos
definindo
um novo repertório
em função
tanto do material novo que havíamos comprado
como
também do material
de
que
já dispúnhamos. L
ogo começamos com música brasileira
.
Gravamos
um CD de música brasileir
a
para comemorar os
dez anos de duo
, em 1998
. Quem
sabe em 2008 não f
azemos
outro não é?
Marcelo: Vocês acham que, em geral,
ambas
têm um interesse pelo mesmo repertório? Isso é
muito importante também, certo?
Sara:
Sim. E nesse sentido, para mim não é muito difícil, porque eu gosto de tudo.
Marcelo: Nunca saturou, certo?
Sara:
H
ouve momentos em que tocamos muita música brasileira
, mas
tínhamos
um repertório
grande, então não chegou a ser um problema.
Marcelo: E como se dá a escolha de partes (primo
e
seco
ndo) entre vocês?
Sara:
Algumas foram assim:
Míriam
já tinha feito algumas coisas antes e, enfim, fomos um
pouco em função disso. E aí começamos
a revezar
. Foi uma combinação nossa de que o duo
não
s
eria,
como muitos, em que um
pianista só faz o
primo
e
o
outro só faz o
secondo
Um
critério importante, ainda que esquisito, é o tamanho da mão; como tenho a mão pequena,
o
primeiro piano da sonata para dois pianos e percussão do Bartok, que usa muitas décimas,
era
mais adequado para a Míriam
. Em compensação, o
segundo movimento tem um glissando de
notas pretas que faço com
mais
facilidade que ela, então invertemos.
Marcelo: Inversão entre os movimentos da peça?
Sara:
Sim.
Marcelo: Você tem alguma preferência entre a parte do
primo
e
secondo
?
244
Sara:
Não.
Marcelo
:
Você teria um conselho geral para esta questão? Você já falou sobre a adaptação à
técnica da pessoa...
Sara: P
rocurar
uma movimentação de palco, de troca
...
Agora, às vezes isso podia ser um
problema por causa dos bancos disponíveis... Tínhamos que ficar trocando de banco no palco.
Marcelo: Isso a princípio não consta do roteiro da entrevista, mas existem muitos duos
que
fazem o mesmo que vocês, o revezamento. O objetivo disso seria uma questão visual para o
público?
Sara:
Até acho que, como falei, tem um
a questão visual para o público, mas
uma questão
musical, mesmo porque o
primo
fica só fazendo uma determinada função na música e o
secondo
também; pode ser
maçante para os pianistas, por isso é interessante o revezamento
. E
trabalhamos com o
secondo
fa
zendo o pedal
no nosso duo é o
secondo
que faz o pedal
então é bom revezar para evitar que fique cansativo.
Marcelo:
Então Sara, você falou que cada parte tem uma função específica. Você saberia
colocar em palavras?
Sara:
Acho que é como mão direita e
mão esquerda no piano solo, não é? [risos]
É
como se
você
estando
no
primo
, est
ivesse
sempre fazendo
a
mão direita e,
estando
no
secondo,
a
mão
esquerda.
A
cho que é bom
,
eventualmente, pensa
r
nos graves, na questão harmônica
e no
pedal, e também, às vezes, fazer melodias e
cantabile
etc. Não que estas coisas não se cruzem
no repertório, mas basicamente é isso.
Marcelo: Você acha que pode haver alguma vaidade
em
relação ao
primo
, por ficar mais em
evidência para o público? Quero dizer, esta questão tornar
-
se
um critério de escolha?
Sara:
Com certeza deve existir isso, mas no nosso caso não. Nós mesmas falávamos: “Não,
n
essa você faz o
primo,
n
essa
...
” porque achávamos importante
por causa das
características e
também
pela
questão que falamos: “é uma parte que tem muitas décimas então não é bom que
seja eu que
m
faça.” Mas pode haver
...
às vezes, um equívoco
.
Então o duo tem que ter
maturidade para reavaliar e mudar. Já aconteceu isso
conosco,
de estudarmos a música e
reavaliar: “não está funcionando” e trocamos.
Marcelo: Então já aconteceu de, depois da peça estar pronta, vocês trocarem?
Sara:
N
ão sei se pronta, mas já lida
,
e concordávamos: “não está funcionando, vamos
experimentar mudar”, e melhorou. Mas
duos, por exemplo, as Irmãs Labeck,
onde se
observa
u
ma questão de temperamento que fica muito clara no palco; acho compreensível que
uma fique mais numa posição do que a outra: a mais contida normalmente fica no secondo
. E
essa história de ser uma mais importante do que a outra é muito mais para o leigo; po
rque
nós
sabemos
que se uma não
fizer
bem, a outra também não fará.
Marcelo: Vocês têm o hábito de trocar as partes durante os primeiros contatos com a peça?
Sara:
Não,
n
ormalmente já olhávamos antes e tomávamos as decisões pelas características de
cada u
ma.
Marcelo:
Era feita
uma análise fora do piano...
Sara:
Isso.
Marcelo:
Quais são as medidas que vocês tomam para minimizar o desconforto da
proximidade física entre os músicos?
Sara:
A
cho que já falei um pouco. É a questão dos bancos
...
Eles têm que ter
mobilidade,
porque
nós tocamos
em alturas diferentes
...
que funcionem: subam e desçam. E al
gumas
passagens
têm que ser realmente combinado: “você vai colocar a mão aqui e eu vou colocar a
mão aqui”, ou seja, isso tem que ser estudado.
245
Marcelo:
Também não
coloquei isso no roteiro, talvez porque homens geralmente não se
preocup
am
com isso: Vocês chegam a combinar as roupas
com
que vão tocar, para serem
menos volumosas e não atrapalhar a questão física?
Sara:
Sim,
no sentido de ter uma harmonia visual, com c
erta coerência de estilos: se uma
vai
mais fina, as duas usam roupas finas; se uma vai mais esporte, a outra também,
e por vezes até
o mesmo modelo com cores diferentes ou as duas com
o mesmo
modelo...
Todas essas coisas
fizemos em função
do repertório, do
evento, etc.
Mas em relação a roupas mais ou menos
volumosa
s
, não sei se não faz parte do nosso estilo de roupa, mas nunca pensamos sobre isso.
Marcelo:
Em relação ao banco, já experimentaram alguma mudança, como por exemplo,
posição e altura?
Sara:
Já a
conteceu, por exemplo, em obras
onde
é
precis
o
usar muito os dois pedais.
Nesse
caso é necessário virar um pouco o banco para poder alcançá
-
los
bem. Enfim, isso acontece
em função do registro da obra.
Marcelo: Você falou
em
virar um pouco o banco, isso em relação ao
primo
ou secondo
?
Sara:
O
Secondo
, fazendo assim [mostrando o banco do
secondo
levemente
enviesado,
não
exatamente paralelo ao teclado]
Marcelo:
Você acha
que deste modo libera mais espaço para o cotovelo?
Sara:
Sim, em função do registro.
ob
ras em que você toca tudo muito
perto
,
no centro do
teclado. Então se estiver mais de lado, pode facilitar. Mas isso depende do tamanho dos
braços, da mão
...
Marcelo:
E sobre mudar a divisão do teclado, dependendo do repertório, dar mais espaço
para o seco
ndo ou
primo
, já aconteceu?
Sara:
Sim, também.
Marcelo:
E o banco vocês costumam colocar um do lado do outro, ou chegam a colocar
algum paralelo e outro transversal?
Sara:
As duas coisas.
Marcelo: E como fica o problema do espaço entre as roldanas? Vocês então as encaixam?
Sara:
Sim, tem que encaixar. É preciso também registrar que, ao longo do tempo, como
tivemos muitos anos junt
as
, Míriam
reavaliou
a
altura do banco, fez experimentos, e eu
também; então passamos por modificações lentas para ver como é que iríamos fazer.
Marcelo: Gostaria que você falasse um pouco sobre a altura: normalmente vocês tocam com
a mesma altura
em
que tocariam
o repertório solo ou vocês fazem alguma adaptação?
Sara:
A
cho que eu toc
o
com o banco mais alto do que
quando
toco piano
solo quando
estou
no
primo
, para ficar mais por cima. Agora, as mudanças de altura no banco não são
apenas
em
função da
questão da altura de cada pessoa.
É
uma questão muito mais de como aquela pessoa
faz o seu
approach
ao
teclado; porque ela pode ser bai
xinha e tocar por cima ou tocar por
baixo!
Marcelo:
Em relação ao uso do pedal, este sempre foi usado pelo
secondo
, ou já
experimentaram uso ocasional pelo
primo
?
Sara:
Não, sempre pelo secondo.
Marcelo: Mesmo em passagens solo do primo
?
Sara:
Sim, mesmo e
m passagens solo.
Marcelo: Em relação às partituras, vocês ensaiam as viradas de página ou sempre fazem uso
de uma terceira pessoa?
246
Sara:
Não, sempre ensaiamos.
Marcelo: Você tem preferência por partituras onde uma página é reservada para cada parte,
ou po
r aquelas em forma de grade?
Sara:
Nunca pensei nisso, mas acho que prefiro a em forma de grade, porque
fica mais fácil
acompanhar
o que o outro está fazendo.
[problemas no gravador, as respostas foram anotadas]
Marcelo:
Em relação às dificuldades do começ
o sincronizado, como vocês procedem para
solucionar isso?
Sara:
Utilizando o gestual.
Marcelo: Em geral, como procedem para solucionar problemas de sincronismo?
Sara:
Normalmente utilizando diferentes combinações entre as mãos.
Marcelo: Chegaram a fazer uso do metrônomo?
Sara:
Sim, o metrônomo às vezes é um santo remédio, principalmente para se ganhar
andamento progressivamente.
Marcelo:
Que medidas são tomadas em passagens onde há grande proximidade entre as
partes, em relação ao posicionamento de braços, mãos e dedos?
Sara:
Já mencionei algumas, como uma mão por cima, outra por baixo.
Marcelo: No caso, alguma dessas medidas, quando há choques, é anotada na partitura?
Sara:
Às vezes.
Marcelo: Uma curiosidade: caso seja utilizada uma mão sobre a outra, que
parte geralmente
fica por cima, e que parte fica por baixo?
Sara:
Nunca observei generalização neste sentido.
Marcelo:
Na prática individual
das peças a quatro mãos,
você já se senta na posição correta
de duo?
Sara:
Sim.
Marcelo:
Você toca a parte do seu
companheiro cruzando suas mãos para averiguar se a
escolha de posicionamento e dedilhado funciona?
Sara:
Não tenho este hábito.
Marcelo: Ainda falando sobre essas partes onde há choques: na escolha do dedilhado, você
tem a preferência pelo uso do 4º e 5º
dedos?
Sara:
Sim.
Marcelo: De maneira geral, como vocês procedem para atingir o equilíbrio dinâmico
ótimo?
Sara:
Principalmente através de uma escuta cuidadosa e fazendo gravações. Também
procuramos tocar ocasionalmente para outras pessoas.
Marcelo:
oc
orreram
casos onde houve necessidade de redistribuição das partes? Se houve,
lembra de
algum caso de estar escrito na partitura uma coisa para uma parte e você passar
para outra?
Sara:
Sim.
Marcelo:
Existe uma preocupação com a questão gestual (movimentos
pianísticos)? Quer
dizer, vocês se preocupam em escolher os mesmos gestos em passagens técnicas semelhantes?
Sara:
Sim.
247
Marcelo:
Vocês ensaiam a parte coreográfica da performance? Digamos uma retirada de
pausa na mesma altura, coisas do gênero?
Sara:
Sim,
para inícios, finais, viradas de páginas.
Marcelo: Você acredita que ela pode gerar efeito performático mais satisfatório?
Sara:
Sim.
248
PARTITURAS
Almeida Prado Episódios de Animais
Bem
-
te
-
vi
249
250
251
Marimbondos
252
253
254
255
256
257
258
259
260
Guaiamú
261
262
263
Libélula
264
265
266
267
268
269
Boicininga
270
271
272
273
274
Xauim
275
276
277
278
279
280
281
282
283
284
285
Ronaldo Mirada
Tango
286
287
288
289
290
291
292
293
294
295
296
297
298
299
300
301
302
303
304
305
306
307
308
309
310
311
312
313
314
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318
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