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CÁSSIO DOS SANTOS TOMAIM
“JANELA DA ALMA”:
Cinejornal e Estado Novo —
fragmentos de um discurso totalitário
FRANCA
2004
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CÁSSIO DOS SANTOS TOMAIM
“JANELA DA ALMA”:
Cinejornal e Estado Novo —
fragmentos de um discurso totalitário
Dissertação apresentada ao Departamento de História da
Faculdade de História, Direito e Serviço Social da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em História,
sob a orientação da Profª. Dr. Márcia Regina Capelari
Naxara.
FRANCA
2004
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CÁSSIO DOS SANTOS TOMAIM
“JANELA DA ALMA”:
Cinejornal e Estado Novo —
fragmentos de um discurso totalitário
Dissertação apresentada ao Departamento de História da Faculdade de História, Direito e
Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp), como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação da Profª. Dr. Márcia Regina
Capelari Naxara.
_____________________________________________________________
Orientador(a): Profª. Dr. Márcia Regina Capelari Naxara
_____________________________________________________________
Examinador(a) 1: Prof. Dr. Eduardo Victorio Morettin
_____________________________________________________________
Examinador(a) 2: Profª. Dr. Tânia da Costa Garcia
4
Para minha querida
esposa Valquiria,
minha mãe Cleuza, e
minhas avós
Catarina e Alcinda
(in memoriam).
5
AGRADECIMENTOS
Ao término deste trabalho vejo que a contribuição de pessoas e instituições foi
indispensável para que eu pudesse concretizar um sonho que durou três anos, desde que saí da
graduação de jornalismo. De fato, contei com diversos “co-autores” que, direta ou
indiretamente, souberam perceber o significado que as páginas seguintes têm para mim,
principalmente como satisfação pessoal. O simples gesto do agradecimento não basta para
expressar a gratidão que ficará impressa no meu íntimo, mas serve como um começo.
À minha orientadora, Profª. Dr. Márcia Regina Capelari Naxara, por ter reconhecido o
meu trabalho, auxiliando-me a compor as idéias desenvolvidas nesta dissertação. Nossas
reuniões enriqueceram o meu pensamento a respeito da história, contribuindo para a
complementação de minha formação. Devo-lhe, indiscutivelmente, a continuação do meu
caminhar na vida acadêmica, que sem a sua compreensão e a sua paciência a estrada seria
mais longa e penosa. Tenho para mim que estes dois anos de convivência não serviram apenas
para nos aproximarmos academicamente, mas forjou uma nova amizade que espero cultivar
sempre.
Ao meu mestre e amigo, Prof. Ms. Silas Nogueira, pela dedicação e a confiança que se
estendem até hoje, desde os últimos anos da graduação. Esta dissertação é o amadurecimento
das idéias que juntos plantamos no final de 1999, por isso, quero dividir com ele os méritos
deste trabalho. Devo-lhe o aprendizado dos primeiros passos no academicismo e espero que a
concretização deste Mestrado possa servir como uma singela retribuição aos seus
ensinamentos.
À minha esposa Valquiria, aos meus pais Paulo e Cleuza e ao meu irmão Alessandro,
sou grato em todas as instâncias, especialmente por comporem a minha vida e por serem
sempre o meu maior refúgio onde deparo com paz, sabedoria, amor, carinho e compreensão.
Aos meus amigos do Programa de Pós-graduação da Unesp (prefiro não citar nomes
para não cometer a indelicadeza de esquecer algum), pela convivência que tivemos durante
estes dois anos, trocando idéias e, principalmente, consolidando novas amizades que acredito
perdurarem por um longo tempo. Em especial, agradeço ao casal Fernanda Lourdes Carvalho
de Paula e Silva e Almir de Paula e Silva por me incentivarem e confiarem no meu trabalho
desde o início. Aos amigos que compartilharam, mesmo que indiretamente, do meu esforço
para concretizar este sonho também sou grato.
À Capes e à Unesp, pelo financiamento desta pesquisa, contribuindo para que algumas
barreiras comuns ao exercício do pesquisador fossem superadas da melhor forma possível.
À Cinemateca Brasileira, por contribuir e acreditar neste trabalho, disponibilizando o
seu acervo do Departamento de Imprensa e Propaganda, além de viabilizar a cópia de alguns
assuntos do Cine Jornal Brasileiro e parte dos custos da ampliação e da reprodução dos
fotogramas, auxiliando indiscutivelmente no desenvolvimento desta pesquisa. Em especial,
sou grato à Eliana Queiroz, Kátia Dolin, Vivian De Luccia e Ana Maria Viegas.
6
“... a recordação de certa imagem não é
senão saudade de certo instante.”
Marcel Proust
7
RESUMO
Este trabalho teve como objeto de estudo o Cine Jornal Brasileiro, produzido pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo. Compreendendo o cinema como
um fundamental instrumento legitimador de um projeto autoritário posto para o Brasil dos
anos 30 e 40, pautado pela fantasmagoria do “Todo Orgânico”, o estudo procurou buscar em
temáticas como as festas cívicas de Primeiro de Maio, a industrialização e o
trabalho/trabalhador, e o atraso do campo, seguido da participação do Brasil na Segunda
Guerra Mundial, significações que, reconhecidas como uma totalidade, ofereciam à multidão
uma única imagem: o Estado Novo. Ao procurar compartilhar coletivamente esta imagem a
propaganda estadonovista pretendia tornar o Estado Novo algo presente e familiar no
cotidiano dos trabalhadores brasileiros urbanos.
Palavras-chaves: Cinejornal, Estado Novo, Getúlio Vargas, Autoritarismo, Discurso
Totalitário.
8
ABSTRACT
This work had as object of study the Cine Jornal Brasileiro, made by the Department of Press
and Propaganda of The New State. Understanding the movie as a fundamental legitimator
instrument of an authoritative project established to the Brazil of years 30 and 40, and
outlined by the phantasmagoria of " The All Organic", this study aimed to extract from issues
such as the civic festivals of First of May, the industrialization and the work/worker , the
delay in rural activities, followed by the participation of Brazil in the Second World War,
significations that, recognized as a whole, offered to the crowds a unique image: the New
State. When trying to share collectively this image the propaganda of The New State intended
to turn the New State into something present and familiar in the everyday lives of Brazilian
urban workers.
Keywords: Cinejournal, New State, Getúlio Vargas, Dictatorship, Totalitarian Discourse.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................
10
1 – UMA DÚBIA VOCAÇÃO: O SONHO E A REALIDADE ................................
20
1.1 – Entre a tela e o princípio só resta o espectador ................................................ 23
1.2 – Documentário: desmistificando a objetividade do gênero ............................... 43
2 – ESTADO, CINEMA E PROPAGANDA ..............................................................
56
2.1 – Cinema e Política: os irmãos Lumière não sabiam, mas o
cinema veio para dominar ............................................................................................
60
2.2 – Estado Novo e cinema .......................................................................................... 75
2.2.1 – “Pai dos pobres”: Vargas adota o cinema ...................................................... 85
2.2.2 – O DIP e o cinema ............................................................................................... 96
3 – CINEJORNAL: VESTÍGIOS DE UMA ERA .....................................................
119
3.1 – Fragmentos totalitários ........................................................................................ 130
3.2 – Cinejornal Brasileiro: em busca de significações .............................................. 143
3.2.1 – Indústria, trabalho e atraso: o urbano e o rural
se confrontam nas telas do Estado Novo .....................................................................
148
3.2.2 – Esforço de guerra: (con)vencer é preciso! ...................................................... 181
3.2.3 – Primeiro de Maio: Vargas “doma” as multidões ........................................... 208
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 228
FILMOGRAFIA ........................................................................................................... 233
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 235
ANEXO A ...................................................................................................................... 249
10
INTRODUÇÃO
11
“Ver, assim como tocar ou mover-se, ‘não é uma decisão do
espírito’, não nasce do ‘eu penso’, enunciado pela ‘coisa que
pensa’, mas origina-se do corpo como um sensível que,
silenciosamente, diz ‘eu posso’. A visão se faz no meio das
coisas e não de fora delas. Ali onde um visível se põe a ver e
se vê vendo, ali, ‘como a água mão no cristal’, persiste a
carne do mundo, a indivisão irredutível do sentiente e do
sentido.”
Marilena Chaui
Cinema, técnica ou arte? Antes mesmo do processo cinematográfico completar 20
anos os teóricos já procuravam responder a esta indagação, que acabou atravessando o século
XX e ainda hoje provoca discussões, mesmo que atualizada na dicotomia
entretenimento/cultura. Os primeiros anúncios desta invenção pelos irmãos Lumière, em
1895, apresentavam mais um instrumento de pesquisa do que um meio que servisse ao
espetáculo, mas que aos poucos foi conquistando as feiras populares, para só depois, já na sua
forma narrativa, introduzir uma nova linguagem e imperar como a arte deste último tempo. A
“imagem-movimento” dominara o cotidiano, fascinara os espectadores que, em um primeiro
momento, viram-se espantados com um aparelho capaz de animar as velhas projeções de
fotografias estáticas; espanto que, no entanto, derivou mais da força do aparato
cinematográfico do que da própria aparente reprodução da realidade. Não se trata de
credulidade, mas de fascinação por uma nova ilusão produzida pelo movimento projetado,
combinado com outros elementos de base do cinema: a sala escura e a tela. Assim, em uma
pequena sala do Grand Café, em Paris, arrumada com uma centena de cadeiras, uma tela e um
aparelho de projeção, os irmãos Lumière exibiam para os franceses, ao custo de 1 franco, as
maravilhas do “cinematógrafo”. O que deixaria atônitos os espectadores não era o fato de
estarem expostos diante do avanço iminente do trem, mas diante do encanto provocado pelo
efeito ilusório da ficção do cinema. Fascínio decorrente da sensação de participarem ou de
compartilharem coletivamente de um mesmo sentimento. Portanto, seja arte ou técnica,
entretenimento ou cultura, o que ninguém poderia negar era que o cinema inaugurava de vez
uma nova experiência, satisfazendo os anseios perceptivos do homem moderno: o gosto pela
realidade.
O cinema autorizava um olhar mediatizado. Por esta mediação deve-se entender não só
como uma revelação do mundo, a existência de um olhar exterior aos espectadores, que lhes
12
organiza uma aparência das coisas do real, mas também algo que se interpõe entre eles e o
mundo. Ou seja, dois momentos distintos compõem um mesmo processo: o primeiro deles é o
encontro da câmera com o objeto a ser filmado e oferecido para que seja visto, enquanto o
segundo se refere à sujeição do espectador ao aparato cinematográfico. É este aparato que
coloca o espectador na condição de sujeito desta nova experiência, em que olhando o filme
ajuda-o a nascer, a viver, ou seja, o executa. Assim, é fundamental que se compreenda que o
filme é realizado para que seja dirigido à percepção de uma platéia, logo, quanto mais suas
imagens forem familiares, cotidianas, mais próximas estarão de serem fascinantes. No cinema
é o olhar do espectador que ordena o visível, que organiza a experiência advinda da sucessão
brusca e rápida de fragmentos que se impõem como uma seqüência de choques, efetivando o
que Walter Benjamin denominou de “experiência do choque”. Como o olhar, o cinema
também corresponde a um “sair de si e trazer o mundo para dentro de si”. Durante as
filmagens a visão depende e nasce dos olhos do cinegrafista, a objetiva amplia a sua
capacidade de exteriorizar — entretanto, não como uma simples extensão do olho humano
que nos oferece o que habitualmente não podemos ver, mas como aquela que “dirige” um
outro olhar (o do espectador), ou seja, determina o que e como a realidade deve ser vista —,
mas é no decorrer da projeção que se oferece uma visão que está e nasce das coisas, em que o
espectador traz para dentro de si o real socializado. Entretanto, a “verdade” do filme só se
realiza no olhar do espectador, é ele que autoriza o “efeito de real”. Desta forma, a arte
cinematográfica compartilha da mesma magia do olhar: “magia está em que o olhar abriga,
espontaneamente e sem qualquer dificuldade, a crença em sua atividade — a visão depende de
nós, nascendo em nossos olhos — e em sua passividade — a visão depende das coisas e nasce
lá fora, no grande teatro do mundo.”
1
Desde a Renascença, metáforas como “janela da alma” e “espelho do mundo” vêem
sendo utilizadas para conotar esta dúbia crença no olhar. Se os pintores já recorriam a este
sentido e pintavam uma pequena janela nos olhos na tentativa de representar esta experiência
mágica da percepção visual, os cineastas já nas primeiras décadas da linguagem
cinematográfica também atentaram para a importância dos olhos, o que levou ao surgimento
do close-up, o plano capaz de revelar as intenções ocultas, de aproximar os espectadores da
intimidade do personagem como se, trazendo para perto os olhos, pudéssemos examiná-los.
Ainda a respeito do olhar, nota-se que diante do aparato construtor de imagens a interação
entre a platéia e o filme difere em um sentido da relação que temos com o mundo observado.
1
CHAUI, Marilena. Janela da Alma, Espelho do Mundo. In: NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Cia
das Letras, 1988. p. 34.
13
Trata-se de um olho que não vemos e não nos vê, mas que substitui os nossos, tornando-nos
“sujeito transcendental da visão”, aquele que tudo vê. Mesmo durante as filmagens, o cinema
não consegue satisfazer uma expectativa comum do homem, a de ter seu olhar correspondido,
uma vez que o aparelho registra a imagem do homem sem lhe devolver o olhar. Segundo
Walter Benjamin, no decorrer das transformações perceptivas da coletividade, a fotografia e,
mais tarde, o cinema, surgem como imperativos do que ele denominou de “declínio da aura”.
Para o autor estes dispositivos negaram ao olhar a experiência da aura, pois “perceber a aura
de uma coisa significa investi-la do poder de revidar o olhar”.
2
Um exemplo disto pode ser
encontrado, segundo Canevacci, na maneira como as religiões ocidentais e orientais cultuam a
imagem, onde o “fluxo dos olhares estabelece as relações de poder e subordinação”:
Diferente das religiões orientais, onde o olhar é interior e olhos ficam
fechados para alcançar a plenitude da visão, a religião católica se
funda nos fluxos públicos do olhar social rigidamente
predeterminados e imutáveis. Na arte, isso se torna ainda mais claro:
Buda é representado em meditação interior, com os olhos fechados,
enquanto Cristo — nos mosaicos bizantinos — aparece em pé e tem
os olhos completamente abertos.
3
Não se trata aqui de dizer que o cinema foi um avanço ou um retrocesso, pelo
contrário, é importante que se compreenda que é filho do século XIX e que junto com a
fotografia e tantos outros dispositivos técnicos contribuiu para a gênese de uma cultura da
imagem, logo, a visão tornava-se o sentido privilegiado da modernidade, a principal mediação
do homem moderno com a realidade. A experiência cinematográfica acompanhava as
transformações de seu tempo, o mesmo ritmo ditado na linha de produção, no transitar de
automóveis e passantes nas ruas, determinava o ritmo da receptividade no filme, ou seja, a
percepção sob a forma de choque. No cinema a experiência mágica do olhar tornava-se
fragmentada, o princípio perceptivo moderno corresponderia ao princípio de montagem, aqui
compreendido como uma forma distante, seja da manipulação ou da transparência — em que
o espectador em contato com o ilusionismo da arte é constantemente levado a acreditar que
está diante de um evento real, por mais descontínuo que ele aparente ser na tela — mas
configurando-se como a estruturação orgânica dos elementos fílmicos, ou seja, como a peça
elementar de toda a “construção fílmica”.
2
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Trad. e org.
Paulo Sérgio Rouanet.v.3. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 140.
3
CANEVACCI, Massimo. Antropologia do cinema. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense,
1984. p. 45.
14
Diante desta leitura do predomínio da imagem, posto no caminhar do século XX o
imperativo do olhar, acredito que dirigir ao cinema (ou as artes em geral, sem desprezar a
força imagética contida na literatura por meio da palavra) como objeto de estudo é um
constante desafio de um aprendizado de novos “modos de ler/ver”, mas que não estão mais
pautados pelas normas da escrita textual. Ao pesquisador cabe a compreensão de que a
abordagem de um documento fílmico exige dele a compreensão das peculiaridades desta nova
linguagem. Trata-se de um entendimento de como atua um olhar que se articula conosco (seja
observador ou espectador) como aquele que oferece um mundo, ou melhor, diversos pontos
de vista de um mundo. Assim, acredito que a relação Cinema e História implica ao
pesquisador uma postura desmistificadora do objeto. Entende-se, aqui, por desmistificação
uma análise dirigida pela “desconstrução” dos signos visuais e sonoros do filme, o que nos
permite uma abordagem estética do cinema, o que faz do “fazer cinematográfico” um
constante inventar e executar. Se o cinema é um olhar fabricado, trata-se de compreender as
condições deste olhar, evitando, ou procurando evitar, qualquer identificação com o aparato
cinematográfico, por mais árdua que seja esta tarefa. Desta forma, pode-se melhor “descobrir”
as significações que estão postas nas telas, sem esquecer que estas mesmas significações estão
sujeitas à reelaboração do espectador de acordo com seu nível social, político e cultural,
gosto, senso estético e sensibilidade.
Neste sentido, o estudo do Cine Jornal Brasileiro
4
, produzido pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo, propiciou-me uma busca por estas
“construções sígnicas”, revelando como o cinema documental, no tocante as particularidades
do gênero, serviu ao aparato de propaganda política do Governo Getúlio Vargas, que também
4
Cinejornal pode ser definido como um “noticiário produzido especialmente para apresentação em cinema. É
geralmente um curta-metragem periódico, exibido como complemento de filmes em circuito comercial. Diz-se
também atualidades ou jornal da tela” (ver RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. São Paulo:
Ática, 1987, p. 131.). O primeiro filme exibido em São Paulo, por volta de 1896, foi um cine atualidades, mas foi
em 1921 que surgiu o primeiro jornal de atualidades, com regularidade, o Rossi Atualidades, produzido pela
Rossi Film, com subsídios do governo estadual de Washington Luiz. O pioneirismo de Gilberto Rossi abriu
caminhos para o aparecimento de outras produtoras, intensificando a produção de cinejornais em São Paulo.
Mais tarde, em 1933, surgia o primeiro cinejornal falado, A Voz do Brasil, uma co-produção das firmas Rossi e
Rex, especializada em coberturas políticas, documentando campanhas de Fernando Costa, Fábio Prado,
Armando Salles Oliveira e outros personagens do cenário político paulista. A verdadeira intervenção estatal se
deu apenas com Getúlio Vargas, ainda durante o Governo Provisório, quando ele decretou em 1932 a lei de
obrigatoriedade de exibição de um filme nacional, mas que entraria em vigor em 1934. O mesmo decreto previa
a produção constante de um cinejornal oficial, entretanto, somente em 1938 é que seria exibido o primeiro
número do Cine Jornal Brasileiro. Assim, foi durante os anos 30 e 40 que o Estado brasileiro voltou suas
atenções para o filme atualidade, servindo-lhe exclusivamente como instrumento de propaganda política. Já na
década de 50 o noticiário cinematográfico começava a ser substituído pelo televisivo, que o superava em
agilidade e instantaneidade, imperativos do novo jornalismo. Mas entre estas mudanças ainda surgiria em 1959 o
Canal 100, que trazia uma inovação ao gênero, caracterizando-se por novas abordagens e pela introdução de
uma série de tópicos variados como a vida, a ciência, a criança, etc., além de destacar-se pela filmagem criativa
de jogos de futebol (ver SAMPAIO, Walter. Jornalismo Audiovisual. Rio de Janeiro: Vozes, 1971).
15
compreendia outros dispositivos culturais como o rádio, a música, as festas cívicas entre
outros. A problematização era da seguinte ordem: como as imagens seqüenciais, tidas como
signos mitificadores, colaboraram para forjar (montagem) no imaginário social do brasileiro
dos anos 30 e 40 uma única imagem, o Estado Novo?
Não há dúvidas de que na concepção de um Estado forte e centralizador também
prevaleceu um caráter centralizador do poder simbólico. Porém, o simples “monopólio da
fala” não constituiria o que resolvi denominar de “discurso totalitário”. Era isso, mas não só.
Outro indício se fazia necessário: a construção das “imagens ideais” que regem um projeto
determinado ideologicamente, ainda que apareça de forma difusa. Por projeto entendo mais
uma disposição do que propriamente uma operação articulada, ou seja, qualquer que fosse o
programa posto pelo Estado este seria introduzido no plano do ideal, da intencionalidade, ou
melhor dizendo, estaria sujeito a um ignorar e a um reconhecer. Assim, é a compreensão da
lógica de uma ideologia que tem no “Todo Orgânico” a sua fantasmagoria que
definitivamente nos autoriza a pensar em um “discurso totalitário”. O Estado Novo não só
vigiava as informações circulantes e punia os meios de comunicação, como forma de manter
intacta a ordem social, mas, também, com o mesmo objetivo, construía a sua própria imagem
personificada na figura de seu líder. Getúlio Vargas era o componente simbólico do Estado
Novo. Era em Vargas que o povo deveria reconhecer o Estado, aquele dotado de vontades e
virtudes humanas, aquele capaz de “doar-se” ao povo, à Nação.
Vale ressaltar que este trabalho não tem a pretensão de definir o regime estadonovista
como uma efetiva instituição do modelo totalitário na América Latina, mas que, entretanto, é
importante compreender que há elementos em nossa cultura para que isso ocorra e a qualquer
momento podem ser ativados. Não se trata, aqui, de procurar em um regime político esta
“disposição totalitária”, uma vez que ela se encontra na matriz ideológica dos regimes
autoritários que atualizam constantemente a imagem de uma sociedade una, indivisa e
homogênea. Desta forma, tendo o totalitarismo como uma exacerbação específica do
autoritarismo, acredito, assim como Romano, que este se aplica ao Estado Novo apenas em
planos ideais e propagandísticos.
Mediante esta leitura, vê-se que o cinema, entre outros dispositivos culturais, surge
como uma peça fundamental para a propaganda política, primeiro por se tratar de uma
experiência coletiva em que a multidão de espectadores percebe que compartilha das mesmas
emoções, o que instaura um sentimento de unidade, por outro lado, por sujeitar a platéia a um
processo de dupla identificação, seja pelo representado ou pelo próprio aparato
cinematográfico, que faz do espectador um sujeito que tudo vê, mesmo que seja por meio do
16
olhar do outro. Assim, o que a propaganda estadonovista faz é atualizar nas telas a
fantasmagoria do “Todo Orgânico”, que já está posta na sociedade. A multidão de
espectadores se encontra na sala escura em um “estado de carência”, propícia para se
reconhecer nas imagens fascinantes projetadas na tela-espelho. No entanto, estas significações
não atuariam em um vazio ideológico, era necessário que integrassem o mundo social em que
viviam as pessoas, pois só assim poderiam ser compartilhadas coletivamente. Desta forma,
cabia a estas significações tornar o Estado algo palpável, cotidiano e familiar.
Em relação aos cinejornais é comum deparamos com afirmações pejorativas, de que
são documentos “pobres” de significações, tendo em vista o predomínio de uma certa
objetividade da imagem registrada, favorecendo um discurso direto, com fins doutrinários,
como se a “construção sígnica” fosse algo inerente apenas à ficção. Seguros de seu caráter
objetivo, muitas das vezes os pesquisadores atribuíram a este tipo de documento fílmico a
capacidade de testemunhar o passado, enquanto era reservado ao filme de ficção um caráter
ilusório, fantasioso. Entretanto, desde o início, este trabalho teve a preocupação em
compreender a dúbia vocação do cinema, que tanto provocou discussões entre os teóricos
desta arte, na busca em desvendar o seu caráter ilusionista ou realista de imprimir o mundo.
Insisto na necessidade de desmistificar a objetividade do gênero documentário, o que leva a
concluir que o mesmo também se encontra imerso na subjetividade, uma vez que a
experiência estética (perceptiva) do cinema somente pode ocorrer sob a condição da ilusão da
realidade. Logo, tanto o filme de ficção quanto o filme documentário se apresentam sob a
égide do real, mas de um “real socializado”. Ainda vale lembrar que se trata de um discurso
articulado, de um fazer, que requer tanto um inventar quanto um executar, ou seja, não escapa
do princípio de montagem, os fragmentos da realidade são justapostos conforme a vontade do
cineasta, que projetados na tela obedecem a um único sentido: fazer-se reconhecer como
verossímil. Neste sentido, o filme documentário pode ser considerado uma ficção, uma vez
que o material bruto também deve ser transformado em material de contemplação, o que
equivale dizer que os espectadores também se encontram sujeitos a contemplarem as
significações que são postas diante deles.
Em um segundo momento, o estudo pretendeu apresentar alguns aspectos do
relacionamento do cinema com a política, que teve seus primórdios a partir do desenrolar da
Primeira Guerra Mundial. Já na Rússia, após a revolução de outubro de 1917, um modelo
maduro do cinema de propaganda podia ser encontrado, mas apenas durante a Segunda
Guerra Mundial era que definitivamente a arte cinematográfica seria incorporada ao aparato
ideológico do Estado, com o intuito de servir como mecanismo legitimador dos regimes
17
reacionários instituídos na época. Como exemplo, destaco as estéticas cinematográficas russa
e nazista, tendo nas obras de seus expoentes, Sergei Eisenstein e Leni Riefenstahl,
respectivamente, a forma que melhor traduziu nas telas a relação povo e Estado. Aqui, a
compreensão de elementos estéticos do cinema de propaganda política, como o papel da
imagem da multidão, o uso da figura da criança como vítima de atrocidades, a representação
do líder e do “tempo festivo” e a criação do inimigo etc., serviram mais adiante para as
análises fílmicas, mas comprovaram, a priori, que a imagem vem reforçar e atualizar os mitos
políticos modernos, tendo em vista que o próprio mito é uma “forma simbólica” que, como
demonstrou Roland Barthes, deve ser lido também como um modo de significação. O mito é
uma potência mobilizadora respaldada no objeto de sua própria origem: as angústias e as
incertezas dos homens. Surge para preencher os “vazios sociais”, mas ao mesmo tempo
aparece como elemento construtivo de uma realidade social. O mito nada mais é que um
elemento de catarse dos sentimentos humanos e no cinema tem o seu caráter mobilizador
ampliado.
É mediante estas e outras questões que me dirijo aos filmes atualidades no intuito de
“descobrir” como o Estado Novo procurou se tornar presente no cotidiano dos trabalhadores
urbanos brasileiros. Mas antes disto, era necessário entender como se deu a relação entre
Estado e cinema durante o Governo Vargas, qual a sua importância e o seu papel
desempenhado na propaganda política estadonovista. Atribuídos dois sentidos ao cinema
oficial, um pedagógico e outro propagandístico, o Estado Novo destacou-se pela produção de
filmes educativos, por meio da criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), e
de cinejornais, produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Desde julho
de 1931, a propaganda política de Vargas ensaiava seus primeiros passos, mas apenas no final
da década de 30, de forma tardia para um regime que precisava se legitimar, é que se
consolidou um órgão à altura de um Estado forte e centralizador, como o instituído pelo golpe
de 1937. O DIP ficou encarregado de “centralizar, coordenar, orientar e superintender a
propaganda nacional”; encontravam-se sob o seu domínio diversos dispositivos culturais, o
que não sinalizava apenas uma instrumentação de vigília da sociedade, mas também uma
elaboração de uma identidade nacional. Assim, seja por meio do rádio, do cinema, da música
ou da imprensa o Estado estaria presente em todo o território nacional, difundia-se uma única
imagem: o Estado Novo.
A etapa seguinte do trabalho tratou de discutir exatamente como se operou nas telas do
país esta imagem do Estado Novo, personificada na figura do Presidente Getúlio Vargas,
compreendendo quais e como as proposições foram postas para a sociedade da época,
18
lembrando que no tocante a uma atuação legitimadora e mobilizante do novo regime as
construções fílmicas integrariam um projeto ideológico, logo, as imagens estavam sujeitas a
um ignorar e a um reconhecer. Desta forma, reconhecendo a tarefa de lidar com as
significações, sendo as imagens compreendidas como signos mitificadores, tanto do Estado
Novo quanto de Getúlio Vargas, preocupei-me durante as análises não com o que os filmes
pretendiam dizer, mas com o que de fato diziam e como diziam. Tratava-se de apresentar
como as imagens e sons do mundo foram selecionadas e registradas pela objetiva do DIP e
oferecidas aos espectadores como objeto de contemplação, como imagens fascinantes,
capazes de promover a identificação.
Para o estudo do Cine Jornal Brasileiro foram selecionados 19 assuntos, reunidos em
três temáticas que acredito poderem explicar o universo simbólico da ditadura Vargas. Temas
como o da Industrialização e do Trabalho caminham juntos para construir um imaginário
social em torno de uma “modernização conquistada”, que materializava em imagens os traços
de um novo país, que aos poucos substituía seu caráter rural pelo urbano. Enquanto na cidade
(no litoral) os trabalhadores já se encontravam submergidos no ambiente fabril, no campo (no
sertão) aos poucos a “marcha civilizatória” chegava com as benesses de Getúlio Vargas, o
“homem providencial”; conduzia-se para o interior do país a modernidade, a marca indistinta
da presença do Estado Novo. O segundo momento da análise volta-se para a participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, buscando apontar os traços do esforço do DIP em
mobilizar a sociedade brasileira para o “esforço de guerra”, que implicava na construção de
um “front interno”. A industrialização do país era o principal projeto econômico de Getúlio
Vargas para o Brasil, tendo na siderurgia a sua alavanca, mas necessitava-se de capital
estrangeiro para colocá-lo em prática. Assim, durante o decorrer do conflito mundial, o
governo brasileiro sinalizou uma condição de neutralidade, negociando tanto com a Alemanha
quanto com os EUA. No entanto, a entrada dos norte-americanos na guerra acelerou a
aproximação do Brasil com os Aliados, em troca de investimentos para a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), instalada em Volta Redonda (RJ), e para a
modernização das Forças Armadas o Governo Vargas se comprometia a permitir a construção
de bases militares norte-americanas no seu litoral, além de produzir as matérias-primas
estratégicas ao abastecimento armamentista, entre outras coisas. A produção nacional,
principalmente a referente aos produtos manufaturados que interessavam ao “esforço de
guerra” dos EUA, era associada à batalha campal que se dava na Europa. Os trabalhadores
que não embarcaram com as tropas enviadas ao palco de operações lutavam no cenário fabril,
eram incorporados de forma imaginária ao exército brasileiro como “soldados da produção”.
19
Ainda nesta temática foi possível trabalhar com a construção do mito do Inimigo, em que nas
telas se elaborava um apelo emocional explorando ao máximo a imagem da barbárie nazista.
O episódio dos afundamentos dos navios mercantes brasileiros pelos submarinos alemães
propiciou imagens mobilizantes das vítimas desta atrocidade, o que veio não só justificar o
envio dos pracinhas para o campo de batalha, mas também colaborar para a criação do “front
interno”.
Por último, o estudo dos cinejornais do DIP concentrou-se em um elemento que
acredito ser comum a estes filmes, a multidão. Vejo a imagem da multidão como fundadora
de um discurso pautado na fantasmagoria do “Todo Orgânico”, o que equivale ao signo
mitificador da Unidade. Assim, além de buscar entender como o Governo Vargas
“ressignificou” o discurso operário em torno do mito da “doação”, transformando o Dia do
Trabalhador em Dia do Trabalho, procurei ver como no cinema o uso sistemático do “poder
simbólico” das imagens da multidão dos trabalhadores, que se reuniam nos estádios de futebol
para festejar o Chefe da Nação e o Estado Novo, durante as comemorações de Primeiro de
Maio, combinado com o da criação do “tempo festivo”, serviram como instrumentos
legitimadores do novo regime. Se integrar a multidão é sentir-se solidário com os outros, é
compartilhar dos mesmos laços afetivos, como definiu Freud, a sua imagem reforça este
sentimento, atualiza a experiência coletiva de um mesmo sentimento, o de pertencer à
Pátria/Una.
20
CAPÍTULO I
UMA DÚBIA VOCAÇÃO:
O SONHO E A REALIDADE
21
No domínio da pintura e da estatuária, a doutrina vigente do
homem culto mundano, em especial na França, é a seguinte:
[...] ‘Eu creio que a arte é, só pode ser, a reprodução exata da
natureza [...]’. Um Deus vingador ouviu as preces dessa
multidão; Daguerre foi o seu messias.”
Charles Baudelaire
Percorrendo um dos ambientes de uma exposição deparamos com uma pintura em que
uma mulher se encontra em prantos, mas seu rosto não é curvilíneo, o lenço que resguarda
suas lágrimas pontiagudas não aparenta leveza, entretanto, o rosto mutilado por formas
geométricas nos surge como uma face coberta por uma grande tristeza. Ao lado, uma outra
imagem tem, em primeiro plano, uma camponesa com o rosto maltratado pela seca,
semelhante ao solo árido que atrás dela surge; segurando em seus braços uma criança, chora a
perda de um de seus sete filhos pela fome voraz, as lágrimas que caem de seus olhos pretos
são as únicas gotas que aquela terra há de receber. Andando mais um pouco dentro do
ambiente deparamos com a projeção de um filme curto, de alguns segundos; somente o tempo
de podermos ver, em plano geral na tela, uma senhora ajoelhada na calçada, agarrada ao corpo
de um homem, enquanto uma multidão se forma ao seu redor; na seqüência, a objetiva
registra um primeiro plano da mulher, que tem em seus braços o homem com as vestes todas
ensangüentadas; mas, nem demos conta desta imagem, outra surge para fechar a narrativa, em
plano detalhe, que preenche a tela com o olhar úmido da mulher que chora a perda do esposo.
Suas lágrimas tomam uma dimensão tamanha que parecem capazes de irrigar a terra árida da
segunda imagem.
Ao sairmos do ambiente fica uma pergunta: o que as imagens têm em comum? A
resposta mais direta seria: uma mulher que chora; mas este é o título de uma obra de Pablo
Picasso, feita em 1937, inspirado em sua amante Dora Maar, a que o primeiro relato se refere.
Na verdade, o que notamos é que diante das três imagens, apesar das mulheres não serem as
mesmas, o que temos é um mesmo referente, ou melhor, encontramos nos três aparatos
visuais formas distintas de significar um sentimento universal: a tristeza. Por mais que os
traços de Picasso desfigurem a imagem ainda nos remetem a uma idéia deste sentimento.
Entretanto, caminhando mais alguns passos pelo salão de exposição, uma indagação
surge como inevitável à nossa compreensão: dentre as três imagens, qual a que se aproxima
mais do real? Certamente, tenderíamos a responder que seria o filme, mas logo faríamos uma
22
pausa e não duvidaríamos de que a fotografia também era muito fiel à realidade; e, quando
menos esperássemos, a forte lembrança da pintura nos traía a dizer que: como ela me pareceu
tão real! Até mesmo uma obra que rompe com as normas figurativas também nos remete a um
referente que somente pode existir na realidade “em si”, pois esta é a sua função, significar.
Na verdade, o que ocorre é que esse nosso cartesianismo não serve para interpelar um
momento tão solene como o da relação do espectador com a obra de arte, é um reducionismo
em que as respostas vêm derivadas de um imediatismo que força o observador a responder o
óbvio, a aceitar de imediato o efeito ilusório intrínseco ao objeto artístico. Assim, se
persistirmos em um método ao dirigirmos o olhar a uma obra de arte, é necessário que,
primeiro, abandonemos a condição de espectador, em seguida, as indagações não devem partir
da busca pela realidade, já que a própria função primária da arte é provocar uma percepção do
real no espectador, ou seja,o nos interessa o real “em si”, mas as interpretações, as
proposições deste real, que efeitos perceptivos nos oferecem deste real.
Diante disto, temos que a relação que se estabelece entre espectador e obra de arte já é
algo que está dado, determinado pela própria experiência perceptiva que o objeto sugere, que
o contato com a obra de arte sempre se dá no âmbito de um real construído e, que, portanto, o
observador toma sistematicamente para si a imagem como realidade, verdade; o ilusionismo
da arte é capaz de introduzir um véu sob o fazer artístico, escondendo as etapas de um
processo que é, ao mesmo tempo, um executar e um inventar. Devemos lembrar que estamos
falando de representações, que a credulidade da imagem está em que diante de nossos olhos a
realidade se materializa nas diversas formas, nos aproxima de um real, torna presente algo
distante; é somente por meio das representações, por elas serem ao mesmo tempo um tornar
presente e um projetar-se na obra, que podemos vivenciar novas realidades, nos aventurarmos,
tendo ainda o resguardo de que sairemos ilesos desta relação.
Portanto, compreender esta dúbia vocação da obra de arte, que muitas vezes é tida
como ilusória, fantasiosa, outras vezes como testemunho, realidade, é um desafio que
perpassa todos os trabalhos que enveredam pelos caminhos tortuosos de lidar com a obra de
arte. Deixar de lado a dicotomia realidade/ficção é o mesmo que tomar o objeto sob um viés
insuficiente de contemplá-lo, insistindo muitas vezes em um reducionismo que se divide ora
em uma concepção de falsidade para com os elementos de caráter ficcional, ora exacerbando
ao conceder aos elementos de caráter documental uma fidelidade ao real. Assim, a nossa
reflexão deve se dar no âmbito de buscar o entendimento de como esta dicotomia se efetiva,
de como cada caráter se comporta e como ambos se entrecruzam na constituição de uma obra
de arte. Se a imagem é ao mesmo tempo um revelar e um reformar do mundo, é
23
imprescindível que nos atentemos para esta dualidade no cinema; que traços deste mundo
reformado, reportado nos é revelado, como esta arte introduz na sua relação com o espectador
um verossímil.
1.1 – Entre a tela e o princípio só resta o espectador
Sem insistirmos naquela repetida fábula do trem que invade a tela e provoca uma
debandada do público apavorado, que presenciava pela primeira vez no Grand Café, na
França do fim do século XIX, a invenção dos irmãos Auguste e Louis Lumière, o
cinematógrafo, é importante compreendermos como se deram as primeiras impressões do
cinema, ou melhor, dos primórdios de uma arte que somente mais adiante é que será
concebida como a conhecemos atualmente, pela sua narratividade. Na sua primeira sessão em
28 de dezembro de 1895 o cinematógrafo não atraiu mais do que 33 espectadores, tendo sido
desprezado pela própria imprensa parisiense que tinha sido convidada. Porém, durante alguns
dias o sucesso da propaganda boca-a-boca foi tremendo, sendo que até a polícia teve que ser
chamada para conter os mais de dois mil espectadores que se dirigiam ao salão onde estavam
sendo exibidas as preciosidades dos Lumière.
Entre as primeiras impressões a que mais chama a atenção é a de um jornalista que
dois dias após a inauguração do aparelho escreve no La Poste:
Imaginem uma tela colocada no fundo de uma sala tão grande quanto
se pode conceber. Essa tela é visível para uma multidão. Aparece nela
uma projeção fotográfica. Até aqui, nada de novo [...] mas, de repente,
a imagem de tamanho natural ou reduzido, conforme a dimensão da
cena, se anima e se torna viva. É a porta de uma fábrica que se abre e
deixa sair uma torrente de operários e operárias, com bicicletas,
cachorros que correm, veículos; tudo isso se agita, formiga. É a
própria vida, é o movimento ao vivo.
5
Nesta descrição notamos que o impacto do cinematógrafo na sociedade da época foi
transformador, suscitando algo de novo, que escapava da projeção fixa do instantâneo
fotográfico para ganhar movimento na tela, vida, além de dirigir-se a uma multidão. Se antes,
com a fotografia, o espectador se relacionava com a obra de arte individualmente e a imagem
5
TOULET, Emmanuelle (1988). O cinema e a invenção do século. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Objetiva,
2000. p. 134.
24
que nela se revelava era uma vida congelada, estática, com o surgimento do cinema viu-se a
ressurreição da vida e uma nova experiência perceptiva que iria se configurar ao homem
moderno: a percepção coletiva. Na tela o movimento agregava um novo valor à imagem,
satisfazia imediatamente um anseio perceptivo antigo do homem pela realidade, em
reconhecer na obra a vida, os objetos que seus olhos eram capazes de contemplar. Se a
fotografia e a pintura já nos encantavam por capturar o movimento em um instante, o cinema
nos fascinava por ser capaz de oferecer ao delírio de nossa sensibilidade o balançar dos
arbustos pelo vento de outono, ou seja, se a invenção dos Lumière nos trouxe alguma
novidade, esta foi o movimento das coisas, dos homens e mulheres que saíam da fábrica.
Assim, o movimento do cinema foi o responsável por instaurar definitivamente a “impressão
de realidade”, que diante da tela ocorre por um fenômeno de participação, participação esta
que é ao mesmo tempo afetiva e perceptiva. Por isso, somos levados constantemente a afirmar
que um filme nos causa uma maior impressão do real do que uma fotografia ou uma pintura; o
movimento nos projeta para a cena como se reconhecêssemos e desejássemos que além dos
arbustos o vento chacoalhasse nossos cabelos e atingisse nossas faces com seu sopro frio e
tênue. Segundo Metz, se existe algo no espetáculo cinematográfico que não passa de uma
efígie, de uma representação, este é o movimento. A força do cinema não está em se
reconhecer como um vestígio do passado, como um vestígio de um movimento passado, mas
de ser percebido pelos espectadores sempre como um movimento atual. Enquanto os objetos e
personagens no espetáculo cinematográfico surgem como uma imagem, o movimento que os
anima aparece realmente. Portanto, em oposição ao teatro, os personagens do cinema só se
tornam presentes mediante a necessidade que o espectador tem de investi-los de uma
realidade que é oriunda da ficção (a função primária da arte), de projetar-se e identificar-se
neles. “Se o espetáculo cinematográfico dá uma forte impressão de realidade, é porque ele
corresponde a ‘um vazio no qual o sonho imerge facilmente’.”
6
Entretanto, este sonho só é capaz de imergir devido à condição psíquica em que os
espectadores se encontram diante do espetáculo. Dentro da sala escura o espectador está
anestesiado, relega seu estado de vigilância, sabendo estar diante de um espetáculo suspende
qualquer ação e sequer se preocupa com qualquer prova de realidade. Por outro lado, é
constantemente bombardeado por uma seqüência de impressões visuais e sonoras que forçam
sua capacidade perceptiva de associar um elemento ao outro. Em relação ao primeiro aspecto
desta condição, Machado traça um interessante perfil do espectador: “anestesiamento do
6
METZ, Christian (1968). Trad. e posfácio de Jean-Claude Bernadet. Significação do cinema. São Paulo:
Perspectiva, 1972. p. 23.
25
espírito vigilante, suspensão de todo interesse pelo ambiente circundante, projeção da
personalidade num sujeito emprestado, adesão à impressão de realidade, desligamento,
passividade, desejo de sonhar: eis algumas das disposições regressivas do espectador
acorrentado à sua poltrona na gruta escura, simulação do ventre materno.”
7
Assim, temos que o espectador não se dirige ao filme em um estado de contemplação,
ao contrário, busca no cinema a distração, o divertimento, o preenchimento de seu tempo
livre. Ou seja, o espectador não exige do espetáculo cinematográfico algo além do simples
entretenimento, o fato de ir ao cinema requer dele uma única motivação: divertir-se. Segundo
Machado, o desejo de ir ao cinema vai além de uma simples disponibilidade de se deixar
sugestionar pela “impressão de realidade”, corresponde ao relacionamento que o espectador
estabelece com a realidade construída, que pode ser definida como “voyeurista” e
“narcisista”. Diante da tela o espectador sempre se coloca na condição daquele que espia,
bisbilhoteia a intimidade do outro, enquanto o seu corpo inerte é projetado imaginariamente
na cena, onde ele se reconhece, se identifica com os personagens da trama como se fosse ele
mesmo o sujeito do filme.
8
Portanto, o cinema “é o espetáculo da idade industrial e sua
vitalidade está garantida enquanto indústria do espetáculo.”
9
Já a respeito da alteração perceptiva que o frenesi cinematográfico ocasionou nos
espectadores, os dois relatos de Balázs — um dos principais nomes da teoria formativa do
cinema — o primeiro de um inglês em uma colônia e o segundo de uma jovem siberiana, são
fundamentais para que possamos compreender algo que, com o passar do tempo, foi
esquecido ou negligenciado ao pensar esta arte:
Durante a Primeira Guerra Mundial, um funcionário colonial britânico
encontrou-se numa fazendo no centro da África, isolado do mundo, e,
mesmo em seguida, foi obrigado a permanecer lá por um certo tempo.
Era um homem culto, recebia regularmente livros e revistas. Estava
também a par dos progressos do cinema e pode-se dizer que conhecia,
através das fotos de jornais ilustrados, todos os astros e estrelas da
época. Lera enredos de filmes e críticas de cinematográficas, mas
jamais fora ao cinema. Quando teve oportunidade de ir à cidade,
dirigiu-se imediatamente ao cinema. O filme que estava sendo exibido
era simplíssimo: os meninos que estavam sentados a seu lado
7
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997. p. 55-56.
8
Idem, Ibidem, p. 47.
9
COLI, Jorge. O que é arte? São Paulo: Brasiliense, 1985. p.100. Por mais que a afirmação do autor seja
categórica, não compreendemos que o cinema se limita ao espetáculo, restringindo qualquer possibilidade de
exercer uma outra função social que não seja apenas o entretenimento. O que pretendemos demonstrar é que o
primeiro impulso que conduz o espectador à sala de exibição é o divertimento, mas isto não impede que no
momento da distração o filme se realize, como desejava Walter Benjamin e Bertold Brecht, de forma pedagógica
invocando a emancipação das multidões.
26
assistiam-no com extremo interesse. Por seu turno, o funcionário
colonial — homem culto e instruído — fixava a tela com os olhos
esbugalhados e fazia um visível esforço para compreender o que se
passava. No final do espetáculo, estava literalmente esgotado.
Um dos meus amigos moscovitas me contou o caso de sua nova
empregada, que chegara à cidade pela primeira vez, vinda de um
colcós siberiano. Era uma jovem inteligente, freqüentara a escola com
proveito, mas — por uma série de estranhas circunstâncias — jamais
vira um filme. Seus patrões mandaram-na ao cinema, onde se
projetava uma comédia popular qualquer. Voltou para casa
palidíssima e abatida. “Gostaste?”, perguntaram-lhe. Ela ainda estava
emocionada e, por alguns minutos, não conseguiu emitir nem uma
sílaba. “Horrível”, disse finalmente, indignada. “Não consigo
compreender por que aqui em Moscou permitem que se assistam a
tantas monstruosidades”. “Mas o que viste?”, retrucaram os patrões.
“Vi” — respondeu a moça — “homens feitos de pedaços: a cabeça, os
pés, as mãos, um pedaço aqui, um pedaço ali, em lugares diferentes.”
10
Diante destes fatos que hoje nos surgem como anedotas, Canevacci ressalta que a
nossa civilização não leva mais em conta o quanto foi penoso e complicado o processo de
adaptação para que nos familiarizássemos com a sucessão visual, como tivemos que aprender
a “ler” os filmes, além de que em pouco tempo uma nova cultura visual se instituía no cerne
da sociedade moderna.
11
Certamente figuras como a do funcionário colonial britânico e da
jovem doméstica siberiana são, senão inexistentes, no mínimo raras hoje em dia; já que por
mais que atualmente se leve pela primeira vez o cinema aos mais profundos rincões de um
país como o Brasil, um outro meio chegou primeiro a estes confins e ensinou a população
local a associar os diversos elementos visuais e sonoros: a televisão. No entanto, “a pequena
janela para o mundo em sua casa” jamais será capaz de ocupar o espaço da arte
cinematográfica no imaginário coletivo. Para as pessoas acostumadas a assistir aos programas
televisivos ir ao cinema pela primeira vez ainda resguarda um certo encantamento, um
fascínio por poder participar de um ritual que se repete a cada sessão.
12
O cinema ainda é
10
BALÁZS, Béla apud CANEVACCI, Op. cit., p. 38.
11
CANEVACCI, Op. cit., p. 39.
12
Partindo da definição de rito como o conjunto dos esquemas que estruturam e organizam o modo de
desenvolver certas atividades coletivas do ponto de vista simbólico do sentimento e da imaginação,
caracterizando todos os elementos de uma cultura, sejam eles materiais (tecnológicos e mágicos), sociais e
pessoais (institucionais, interindividuais, internalizados), Canevacci ressalta que “o rito da missa funcionou
como o protótipo do cinema em-si, e para-si”. O autor evidencia que o fato da história se repetir no cinema,
assim como na missa, é uma exigência indispensável para que se reproduza e reconfirme a eterna e imutável
ordem das coisas. Para ele o consumo do rito pelo espectador que se dá pela compra dos ingressos, a entrada na
sala escura , a reconfirmação da aventura, a saída para o ar livre e o, enfim, feliz retorno ao lar é o exemplo de
como o cinema adaptou o sentido do drama divino que consiste no nascimento, na afirmação e morte do herói,
no sacrifício da ressurreição, culminando na vitória do bem. Portanto, o cinema é responsável por “massificar o
rito” (CANEVACCI, Op. cit., p. 39-50).
27
capaz de permitir a estas pessoas a vivência de uma nova realidade, de impressionar-se com o
real e reconhecer-se de forma afetiva e perceptiva como o sujeito do filme.
Assim, temos que a relação que a sociedade estabelece com a arte e vice-versa sempre
se dá no âmbito da ficcionalidade, porém, uma ficcionalidade que constantemente responde
ao social com um real atribuído. Ou seja, a sociedade tem a necessidade de vivenciar as
ilusões como verdadeiras, clama pelo ilusionismo, fato que, para Stam, configura o ser
humano como um “animal criador de fábulas. Gosta de fingir que as ficções são verdadeiras,
mesmo sabendo que não o são.”
13
Nota-se então que, para prosseguirmos nesta reflexão da dicotomia realidade/ficção,
faz-se necessário nos aproximarmos de uma definição do “real” que permita caminhar por
este assunto ardiloso que é a arte. Desta forma, concebemos o real, de acordo com Duarte
Júnior, como “o terreno que pisamos em nosso cotidiano”.
14
No entanto, para o autor, é
possível falarmos em “realidades”, já que cada vez que alteramos a nossa perspectiva sobre o
mundo ele se apresenta sob uma nova forma, ou seja, sob a condição de que a construção da
realidade é um processo fundamentalmente social temos que “o homem é o construtor do
mundo, o edificador da realidade”.
15
Assim, está configurada a dicotomia: de um lado a ficção
é subentendida como verdade, do outro a realidade é construída socialmente. Cabe a nós
desvendar o véu que a cobre no cinema.
Parte deste desvendamento nos revela uma preferência perceptiva do homem pela
realidade. Segundo Schwartz,
16
anterior a invenção do cinematógrafo os espetáculos que se
dirigiam ao público parisiense do século XIX já atendiam a uma exigência perceptiva do
homem moderno: o gosto pela realidade. Dentre estes espetáculos o necrotério era a principal
atração popular de Paris, as pessoas não iam lá para reconhecer um cadáver, como se
cumprissem um dever cívico, mas para exercerem uma atividade essencialmente voyeurista,
ou seja, iam somente para olhar. O necrotério era incluído entre as curiosidades da cidade, era
mais uma atração, mais uma coisa para se ver, assim como a Torre Eiffel. Um outro exemplo
de popularidade na França era o museu de cera, o Museé Grévin, que diante do realismo das
peças, muitas vezes associado à autenticidade dos acessórios e das réplicas, atraía visitantes
tanto quanto o já instituído passeio pelo necrotério. Portanto, para a autora, o gosto dos
13
STAM, Robert (1970-76). O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Trad. José
Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 19.
14
DUARTE JÚNIOR, João-Francisco O que é realidade?. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.8.
15
Idem, Ibidem, p. 12.
16
SCHWARTZ, Vanessa R. O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema: o gosto do público pela
realidade na Paris fim-de-século. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). Trad. Regina
Thompson. O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 411-440.
28
habitantes da Paris fin-de-siècle pelo realismo podia ser explicado mediante o interesse que
nutriam pelo modo como a realidade era transformada em espetáculo e, por ventura, pela
forma como os espetáculos eram obsessivamente realistas, o que equivale dizer que os
espectadores levaram para a experiência cinematográfica os modos de ver cultivados em
diversas atividades e práticas culturais. Ou seja, o cinema incorporou para si o anseio
perceptivo do homem moderno, a busca íntima pela realidade.
Ainda procurando revelar a fina transparência da ficção que recai sobre a arte
cinematográfica, em que o espectador se dirige ao filme na expectativa de vivenciar um real,
já que o próprio elemento ficcional o autoriza, a interpretação de Kossoy
17
a respeito da trama
fotográfica pode nos auxiliar nesta tarefa. Para o autor é possível pensarmos em quatro tipos
de realidade que constituem a fotografia: a “Primeira Realidade” é definida como o passado
em sua essência, ou seja, a própria dimensão da vida passada; a “Realidade Interior” é
intrínseca a toda e qualquer imagem: é a história oculta e interna, uterina, invisível
fotograficamente e inacessível fisicamente. Por originar da “Primeira Realidade” ambas se
confundem; já a “Segunda Realidade” se refere ao assunto representado, ou seja, é a
referência sempre presente de um passado inacessível, é a própria representação. Assim,
temos que a fotografia ou o cinema estarão sempre no âmbito da “Segunda Realidade”, que
nada mais é do que o registro na chapa, a imagem gravada; finalizando, a “Realidade Externa”
é entendida como a face aparente e externa de uma micro-história do passado, ou seja, o
aspecto visível, o assunto representado que configura o conteúdo explícito da linguagem
fotográfica.
A concepção destes quatro tipos de realidade contribui para que compreendamos o que
já vínhamos dizendo anteriormente: a realidade é uma construção social. Desta forma, temos
que o cinema, assim como a fotografia, é um processo construtivo em que selecionamos
fragmentos da “Primeira Realidade”, portanto, do real “em si” que, por ventura, na película se
configura em um passado inacessível, oculto ao documento (a “Realidade Interior”). Neste
instante de seleção, de registro, os fragmentos de um passado distante são transformados em
imagens, em representações, ou seja, o que pertencia ao nível da “Primeira Realidade” agora
responde a uma nova realidade, a uma “Segunda Realidade”. Assim, se o passado antes se
encontrava ausente, é por meio de uma “Realidade Exterior”, ou seja, da exterioridade da
17
KOSSOY, Boris. Realidade e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê, 1999. Apesar do cinema ser,
por excelência, a arte do movimento e, portanto, tendo incorporado definitivamente a percepção do real, a leitura
de Boris Kossoy sobre o embate realidade/ficção na fotografia nos é reveladora desta problemática. Devemos
lembrar que o cinema não passa da ressurreição dos objetos estáticos de uma fotografia, vida que ressurge no
tempo em 24 fotogramas por segundo.
29
relação observador e imagem que ele se torna presente. Segundo Kossoy, “a realidade da
fotografia [do cinema] não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao
registro expressivo da aparência ... ”.
18
Portanto, a única realidade que pode ser apreendida
pela experiência cinematográfica é aquela que se realiza no nível da percepção.
Assim, temos que nossas investigações não partem do pressuposto de que o filme é o
registro puro do real, como também não lhe atribui um juízo de valor que seja pautado por
este suposto realismo. Dizer que um filme é mais realista do que um outro é o mesmo que
tomar para si como verdade as proposições que ele determina, o que se decide que seja dito de
um fato, de uma sociedade. Desta forma, o historiador não será capaz de superar no momento
da análise sua condição de espectador; a busca por uma verdade no filme é um esforço em
vão, já que o real é inacessível pela imagem. Então, compreendemos que o que está ao nosso
alcance não passa de um verossímil que o filme autoriza, como evidência Alea:
O realismo do cinema não está na sua suposta capacidade de captar a
realidade “tal como ela é” (que é somente “tal com ela aparenta ser”)
mas na sua capacidade de revelar, através de associações e relações de
diversos aspectos isolados da realidade — isto é, através da criação de
uma “nova realidade” — camadas mais profundas e essenciais da
própria realidade.
19
No entanto, se a “realidade fílmica” só se realiza “através de associações e relações de
diversos aspectos isolados da realidade”, para que possamos continuar desvendando este véu
do cinema, chamado “impressão de real”, é imprescindível que compreendamos um dos
fundamentais princípios da linguagem cinematográfica: a montagem. Segundo Aumont, “a
montagem é o princípio que rege a organização de elementos fílmicos visuais e sonoros, ou de
agrupamentos de tais elementos, justapondo-os, encadeando-os e/ou organizando sua
duração”.
20
Assim, temos que a montagem nos aproxima da idéia de “construção fílmica”,
em que a justaposição de fragmentos do real conduz ao surgimento de uma nova noção de
tempo e espaço, que Pudovkin veio denominar de “tempo fílmico” e “espaço fílmico”. Para o
teórico russo ao somarmos um plano a outro, como peças cinematográficas, obteríamos uma
experiência temporal e espacial que difere do real. O “tempo fílmico” não equivale ao tempo
real pois não se desenrola diante da câmera,
21
é uma temporalidade determinada pelo diretor
18
KOSSOY, Op. cit., p. 38.
19
ALEA, Tomás Gutiérrez. Dialética do espectador. São Paulo: Summus, 1984. p. 42-43.
20
AUMONT, Jacques. et. al. A estética do filme. Trad. Marina Appenzelle. Campinas, SP: Papirus, 1995. p. 62.
21
Devemos ressaltar que quando das concepções teóricas de Pudovkin, durante os anos 20, o cinema, longe de
conceber o plano-seqüência, ainda se limitava a uma narrativa fragmentada, em que uma seqüência era
30
que seleciona e monta os retalhos temporais. Da mesma maneira ocorre com o “espaço
fílmico”: vários pontos do espaço real são filmados, captados pela objetiva e, em seguida,
associados para que constituam um novo espaço. Portanto, com o auxílio da montagem o
cinema foi capaz de desenvolver seu caráter narrativo que foi o responsável para que o
reconhecessem como arte, abandonando, assim, as feiras populares.
Como vimos, o princípio de montagem foi a mola propulsora da consolidação da arte
cinematográfica, o que o coloca na condição de elemento catalisador de todo um debate
teórico a respeito do cinema. Desde o início das teorias do cinema duas tendências se afirmam
em torno de concepções distintas do papel que a montagem ocupa no fazer cinematográfico:
para uma primeira tendência o princípio de montagem é o elemento dinâmico essencial ao
cinema, é aquele capaz de provocar a catarse dos sentimentos e das emoções mais sublimes
dos espectadores — entretanto, em alguns casos extremos, chegam a ponto de exacerbar na
avaliação de suas possibilidades; ao contrário, uma segunda tendência desvaloriza a
montagem submetendo-a, rigorosamente, à instância narrativa ou à representação realista do
mundo, ou seja, quanto menor for a atuação deste princípio no fazer artístico maior o cinema
se aproxima de sua essência: o real. Assim, para que possamos melhor compreender o cinema
que se pauta ora por uma ora por outra corrente escolhemos dois dos principais teóricos que
tiveram a montagem como elemento central de seu sistema, mas que lhe reservaram sentidos
opostos. Para tal oporemos o formalismo de Sergei Eisenstein ao realismo de Andre Bazin.
Entre os principais nomes da cinematografia soviética destaca-se o teórico e cineasta
Sergei Eisenstein que, nos anos 20, mostrou o caminho do cinema de propaganda totalitária: a
montagem. Foi no seu cinema que este princípio cinematográfico tomou corpo, sendo às vezes
levado ao extremo, como um instrumento ideal para conduzir os espectadores por meio de
suas emoções à tomada de consciência, à proclamação da absoluta necessidade da revolução.
Concebendo a atividade artística como uma atividade do fazer, ou melhor, do construir,
Eisenstein via na montagem o poder criativo, o princípio vital do cinema, no qual as “células”
(os planos) isoladas são justapostas e compõem um único elemento cinemático. Para o diretor
a arte era um eterno conflito e, portanto, seu cinema só poderia derivar de uma montagem de
colisão de “células” independentes, em que a justaposição de fragmentos isolados do real ao
invés de compor uma soma, como preferia acreditar Pudovkin, consistia em uma operação de
produto de onde nasceria uma nova idéia, um novo conceito. Assim, Eisenstein conceberia sua
constituída por diversos planos (médio, geral, detalhe etc.). Somente mais tarde é que poderíamos desfrutar da
experiência perceptiva do plano-sequência em filmes como “Festim diabólico” de Alfred Hitchcock ou na
cinematografia do Neo-realismo italiano do pós-guerra, representada por películas como “Roma cidade aberta”
de Roberto Rosselini e “Ladrões de bicicletas” de Vittorio De Sica.
31
teoria da montagem de atrações em que procurava provocar o êxtase em sua platéia. Foi
encontrando mecanismos perceptivos de se atingir o phatos — um sentimento que participa
das nossas emoções mais profundas, mais primárias, porém, constituído de uma simplicidade
que reside no fato de que ele toca as camadas essenciais da psique, como também de uma
complexidade por não se limitar às nossas emoções “simples”, como o medo, a alegria, a ira, a
satisfação, mas por se configurar na fusão de uma multiplicidade de diferentes emoções
22
que o cineasta pretendia levar o espectador a “pular em sua cadeira”, a “sair de si mesmo”, o
que equivaleria dizer que diante dos filmes de Eisenstein os espectadores eram
constantementes provocados a “saírem de sua condição ordinária”: a passividade. Segundo
Andrew
23
, o diretor acreditava que sem a participação ativa da platéia não poderia haver
trabalho artístico, já que o filme só se realiza na mente humana, o destino da mensagem
fílmica. Assim, para o cineasta
Uma obra de arte, entendida dinamicamente, é apenas este processo de
organizar imagens no sentimento e na mente do espectador. É isto que
constitui a peculiaridade de uma obra de arte realmente vital e a
distingue da inanimada, na qual o espectador recebe o resultado
consumado de um determinado processo de criação, em vês de ser
absorvido no processo à medida que este se verifica.
24
Diante de um cinema conceitual ou intelectual, como concebido pelo diretor de
Outubro e A greve, inspirado nos ideogramas orientais, o espectador é conduzido a percorrer o
mesmo caminho criativo trilhado pelo autor para criar a imagem. Assim, em resposta às
críticas que atribuem ao cinema soviético um uso da montagem como uma técnica de
manipulação ou de dirigismo da consciência coletiva, Machado afirma que as articulações de
imagens construídas pelo diretor não poderiam constituir uma escravização do espectador,
pois a verdade do filme se construía à vista do espectador, ou melhor, dependia
exclusivamente de sua efetividade e de seu raciocínio. O que equivale dizer que “o espectador
de Eisenstein não é receptáculo vazio de ideologias alheias, mas é sujeito ativo (se não for, não
entenderá nada) e, por isso mesmo, intelectualmente livre para aceitar ou rejeitar”
25
qualquer
mensagem.
22
SCHNAIDERMAN, Bóris. Semiótica Russa. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 238.
23
ANDREW, J. Dudley. (1976) As principais teorias do cinema: uma introdução. Trad. Teresa Ottoni. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989. p. 72.
24
EISENSTEIN, Sergei (1942). O sentido do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2002. p. 21.
25
MACHADO, Arlindo. Serguei M. Eisenstein: geometria do êxtase. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 43.
32
Como podemos notar, Eisenstein se recusava a conceber seu cinema sob o viés de um
realismo — o “realismo soviético” — tão em voga entre a intelectualidade da época, fato que
lhe custou constantes desavenças com a burocracia estatal stalinista. Enquanto o Estado
comunista exigia que o cinema fosse o “retrato fiel” da sociedade que o constituía, Eisenstein,
longe de aceitar a reprodução mecânica da natureza como princípio estético da arte, via no
cinema a forma de preencher o mundo de sentido. Segundo Andrew,
26
o cineasta defendia que
o cinema só poderia capturar a realidade se fosse capaz de destruir o “realismo”, ou seja,
decompor a aparência de um fenômeno a fim de recompô-lo de acordo com um “princípio de
realidade”. Enfim, “desbastar pedaço da realidade com o machado da lente.”
27
Em contrapartida às teorias eisensteinianas, Andre Bazin concebe um cinema capaz de
captar o sentido da realidade, ao invés de atribuir-lhe um sentido. Para o autor a montagem, ao
criar um sentido abstrato no filme, é a responsável por manter o espetáculo cinematográfico
em sua irrealidade necessária. Assim, se para Eisenstein ela é a essência do cinema, para
Bazin a montagem é “o procedimento literário e anti-cinematográfico por excelência”.
28
Entretanto, para Andrew,
29
ele jamais condenou francamente a montagem, apenas a reduziu a
uma posição mais humilde na hierarquia das técnicas cinemáticas. O teórico concebia que
para o próprio dispositivo do cinema era permitida e necessária a utilização da montagem,
porém, com limitações: a justaposição de fragmentos de imagens não poderia escapar ao
“princípio de realidade”. Encontrava no plano geral e na profundidade de campo os elementos
essenciais para o desenvolvimento de uma arte cinematográfica realista, que viria substituir o
tempo e o espaço abstratos — o que Pudovkin denominou de “tempo fílmico” e “espaço
fílmico” — antes presentes no espetáculo e que procuravam criar uma continuidade mental à
custa de uma capacidade perceptiva do espectador em associar os fragmentos descontínuos,
por uma “realidade perceptiva” (espacial). Diante dos olhos dos espectadores o cinema era
capaz de mostrar um evento desenvolvendo-se em um espaço integral, o respeito à realidade
implicava também em uma duração real. “Há todo um universo num minuto real do
sofrimento de um homem”,
30
afirmava Cesare Zavattini, um dos principais expoentes teóricos
do neo-realismo italiano, que acreditava que a montagem adulterava o tempo. Ainda em
relação a um cinema de “transparência”, em que o espectador em contato com o ilusionismo
26
ANDREW, Op. cit., p. 75.
27
EISENSTEIN, Sergei (1949). A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
p. 45.
28
BAZIN, André (1958). O cinema, ensaios. Trad. Juliana Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 59.
29
ANDREW, Op. cit., p. 166.
30
ZAVATTINI, Cesare apud AGEL, Henri (1957). Estética do cinema. Trad. Armando Ribeiro Pinto. São
Paulo: Cultrix, [19-]. p. 40.
33
da arte é constantemente levado a acreditar que está diante de um evento real, por mais
descontínuo que ele aparenta na tela, Bazin dispara sua crítica:
Qualquer que seja o filme, seu objetivo é dar-nos a ilusão de assistir a
eventos reais que se desenvolvem diante de nós como na realidade
cotidiana [grifo nosso]. Essa ilusão esconde, porém, uma fraude
essencial, pois a realidade existe em um espaço contínuo, e a tela
apresenta-nos de fato uma sucessão de pequenos fragmentos
chamados “planos”, cuja escolha, cuja ordem e cuja duração
constituem precisamente o que se chama “decupagem” de um filme.
Se tentarmos, por um esforço de atenção voluntária, perceber as
rupturas impostas pela câmera ao desenrolar contínuo do
acontecimento representado e compreender bem por que eles nos são
naturalmente insensíveis, vemos que os toleramos [grifo nosso] porque
deixam substituir em nós, de algum modo, a impressão de uma
realidade contínua e homogênea.
31
Assim, para o teórico tanto a montagem de Kulechov
32
quanto a de Eisenstein não
eram capazes de mostrar os acontecimentos, somente podiam fazer alusão a eles. Bazin não
negava que os cineastas russos retiravam da realidade a maioria dos elementos visuais e
sonoros que iriam compor seus filmes, entretanto, a significação final destes filmes derivava
da organização dos elementos ao invés do conteúdo objetivo deles. Na verdade, a convenção
deste princípio negava a natureza da arte cinematográfica. Para Bazin, o cinema veio
satisfazer definitivamente a obsessão do homem pelo realismo, portanto, a imagem
cinematográfica valeria não pelo que acrescenta mas pelo que revela da realidade.
Segundo Xavier, para que possamos compreender as idéias que circulam em torno da
teoria do realismo de Bazin temos que admitir que o cinema não é responsável apenas por
fornecer uma “aparência” do real, mas capaz de constituir um mundo “à imagem do real”.
Desta forma, podemos falar em um realismo estético que se apresenta menos como a
expressão de um pensamento do que como um exercício do olhar. Para o autor o que
realmente importa nesta concepção, e que devemos atentar, é “a manifestação de um estilo de
câmera, de uma nova narração, que não se apresenta como discurso construído, ‘tijolo por
31
BAZIN, Andre apud AUMONT (1995), Op. cit., p. 74.
32
Lev Kulechov, juntamente com Dziga Vertov, Pudovkin e o próprio Eisenstein, era um dos principais teóricos
integrados à Escola Estatal de Cinema fundada em 1920 na Rússia. Foi um dos pioneiros em experiência de
montagem fílmica, concebendo-a como a arrumação de “tijolos” (os planos) em série para expor uma idéia, em
que o sorriso de um homem poderia mudar de expressão conforme a imagem que o precedia.
34
tijolo’ (Kulechov), mas como descoberta de uma realidade virgem, que o olhar vai
encontrando e explorando.”
33
Portanto, para Bazin, o fato da postura dos cineastas em relação à montagem vir sendo
alterada com o passar do tempo foi imprescindível para o avanço estético do cinema. Em um
momento superou-se a fase do cinema mudo em que a montagem evocava o que o realizador
queria dizer por uma decupagem que descrevia a mensagem fílmica, para enfim, depararmos
no realismo com uma escrita diretamente em cinema. Definitivamente, “a imagem [...]
apoiando-se num maior realismo, dispõe assim de muito mais meios para infletir, modificar
de dentro a realidade”, o que equivale dizer que, para o autor, hoje “o cineasta não é somente
o concorrente do pintor e do dramaturgo, mas se iguala enfim ao romancista.”
34
Compreendido o embate entre estas duas correntes teóricas, não cabe ao historiador
escolher uma em detrimento da outra, isto somente limitaria sua análise, pois se dirigiria ao
filme com uma visão particularizada, como faz Eisenstein e Bazin, por mais fecundos que
sejam. Se o historiador procura desvendar o véu do cinema, tem que entender que esta é uma
busca estética, ao invés de poética, como desejam alguns. Guiar suas análises por um juízo de
valor, procurando determinar o que é realidade ou ficção em um documento fílmico faz dele
um mero crítico de arte, que lida com o cinema em uma condição de recolhimento. Em
contrapartida, devemos perceber que esta busca estética compreende que para o cinema todos
os “ismos” (formalismo, realismo, expressionismo etc.) são válidos, que todas as dicotomias
são aceitas, seja espetáculo ou alta cultura, seja arte ou indústria, seja diversão ou cult, o
sentido do filme já está dado: a percepção.
Entretanto, foi Eisenstein que nos apresenta uma definição do que implica a
experiência perceptiva do cinema, em que “ver um filme é como ser sacudido por uma cadeia
contínua de choques vindos de cada um dos vários elementos do espetáculo cinematográfico,
não apenas do enredo”,
35
o que mais tarde encontrará respaldo na teoria estética de Walter
Benjamin, fundamental para compreendermos os rumos que esta pesquisa irá tomar. Para o
filósofo interessa refletir a respeito do impacto perceptivo da reprodução técnica na obra de
arte, a partir do século XIX, em que a arte provinda dos mecanismos técnicos abandona o
invólucro da magia, do místico, para se aproximar do espectador; o autêntico dá lugar ao
reproduzível, enquanto o culto é substituído pela exposição. A era da reprodutibilidade
técnica é o fim da “aura”, como sentenciou o filósofo alemão, é a época em que a obra de arte
33
XAVIER, Ismail. O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977. p. 74.
34
BAZIN, Op. cit., p. 81.
35
ANDREW, Op. cit., p. 57.
35
se emancipa do ritual, rompe com a dicotomia distância/proximidade que lhe regia na antiga
tradição, em que a própria obra está presente ao mesmo tempo que ausente: “o que importa,
nessas imagens, é que elas existem, e não que sejam vistas.”
36
O que está em questão para o autor é a relação do público com a obra de arte, como
isso se dá diante das novas técnicas. A preocupação filosófica de Benjamin é procurar
responder à seguinte pergunta: que arte é esta que surge para satisfazer as multidões que se
formam nas metrópoles modernas?
Em resposta a esta inquietação, o autor justifica que “a forma da percepção da
coletividade humana se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência”,
37
ou seja,
aos passos da evolução tecnológica o caráter perceptivo da sociedade vem sofrendo
constantes alterações; com a sociedade avançam também as formas de reprodução técnica,
xilogravura, litografia, a imprensa de Gutenberg, até chegarmos à fotografia, o último aceno
da “aura”, que ainda podia ser encontrada nos retratos, o último refúgio, segundo Benjamin,
do valor de culto — nos retratos residia o culto à saudade, saudade dos amores ausentes. Se a
fotografia ainda acenava para a obra de arte aurática é o cinema que vem definitivamente
fechar as velhas janelas para a cultura tradicional. O cinema é a resposta às questões do autor,
ele inaugura uma nova relação da arte com as multidões. Segundo Walter Benjamin, o que
define o cinema é o seu caráter coletivo; o filme é uma criação coletiva e para a coletividade,
e, como veremos mais adiante, responde aos anseios perceptivos do homem moderno, do
homem-massa.
No entanto, é com base nesta relação arte/multidão que Walter Benjamin vê o cinema
como um instrumento revolucionário, como uma arte-pedagógica capaz de conduzir as
multidões ao seu autoconhecimento. Para o autor uma obra de arte emancipada, ou seja, que
não esteja a serviço de classes — um idealismo digno de um filósofo materialista —,
corresponderia a uma multidão também emancipada. Aqui, Benjamin faz alusão a um novo
rumo que a arte toma em direção à política, e vice-versa. É o caráter coletivo do cinema que o
torna um “utensílio político” valioso, mas que, para o autor, só poderá exercer esta função
quando o mesmo estiver liberto da exploração capitalista, “pois o capital cinematográfico dá
um caráter contra-revolucionário às oportunidades revolucionárias imanentes a esse controle
[das multidões]”.
38
Desta forma, a utilização política do cinema pelo fascismo — assim como
tantas outras artes que são destinadas às massas (arquitetura, música, etc) — é o exemplo de
36
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Trad. e org. Paulo Sérgio Rouanet.
v.1. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 173.
37
Idem, Ibidem, p. 169.
38
Idem, Ibidem, p. 180.
36
como a apropriação desta moderna forma de percepção pode muito bem satisfazer aos
interesses de movimentos reacionários e materializar na tela os ideais totalitários. À esta
“estetização da política”, posta em prática pelo fascismo, Benjamin busca a contra-resposta na
“politização da arte” do comunismo. Se o fascismo oferece às multidões a sua própria
destruição como um “prazer estético de primeira ordem”, o comunismo responde com uma
arte que visa levar as massas a romperem com a sua passividade, que provoque nelas os
choques que trarão à tona faíscas de um intelecto apagado pelas cinzas da auto-alienação.
Porém, não podemos reduzir esta oposição “estetização da política” e “politização da arte” a
uma simples relação binária. Segundo Osborne,
39
opor fascismo e comunismo, sob as regras
da estética e da política, é uma saída inadequada do filósofo alemão sob dois aspectos: o
primeiro, é que uma “arte politizada” não possui, suficientemente, reservas institucionais e
dinâmica social para enfrentar uma “política estetizada”; o segundo, diante da idéia de uma
“arte politizada” não há condições de distinguir o comunismo do fascismo, já que o próprio
regime fascista corresponde a uma “politização da arte”, ou seja, faz um uso político
particular da estética, no sentido de dominação das multidões — o inverso do que idealizava
Benjamin ao acreditar em uma arte emancipadora. Para Bolle,
40
responder ao processo de
estetização da política fascista com a “politização da arte” foi um meio que Benjamin
encontrou para revelar o próprio conceito de cultura elaborado pelo fascismo alemão, tornar
transparente o retrocesso que o progresso tecnológico engendrou na moderna sociedade, em
que a política recuperou o culto e a magia, com seus mecanismos de mitificação e
ritualização, herdados de duas experiências eficazes com as massas: a Igreja e o Exército.
Portanto, a dicotomia arte/política, sugerida por Walter Benjamin, encontra respaldo em uma
teoria que, segundo Gagnebin,
[...] se atém aos processos sociais, culturais e artísticos de
fragmentação crescente e de secularização triunfante, não para tentar
tirar dali uma tendência irreversível, mas, sim, possíveis instrumentos
que uma política verdadeiramente “materialista”, que deveria poder
reconhecer e aproveitar em favor da maioria dos excluídos da cultura,
em vez de deixar a classe dominante se apoderar deles e deles fazer
novos meios de dominação.
41
39
OSBORNE, Peter. Vitórias de pequena escala, derrotas de grande escala: a política do tempo de Walter
Benjamin. In: BENJAMIN, Andrew; OSBORNE, Peter (orgs.). A filosofia de Walter Benjamin:destruição e
experiência. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 107.
40
BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter Benjamin. São
Paulo: Edusp, 1994. p. 220.
41
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 64.
37
Desta forma, temos que o cinema, para Benjamin, é uma arma perigosa sob domínio
de movimentos contra-revolucionários, serve à política ritualizada como meio de tornar
presente às multidões diante da tela seus eventos mitificadores de um regime: os ritos dos
desfiles, dos jogos e dos meetings. O cinema completa o rito fascista. O espetáculo conta com
a participação das massas, entretanto, é feito para elas e, concomitantemente, espera-se que se
reconheçam na tela. Assim, segundo Benjamin, “a arte fascista é uma arte de propaganda.
Portanto, ela é executada para as massas. A propaganda fascista precisa penetrar a vida social
por inteiro. A arte fascista, portanto, não é executada apenas para as massas, mas também
pelas massas.”
42
Na teoria estética de Walter Benjamin a arte pós-aurática está vinculada à atrofia da
experiência, a reprodutibilidade técnica não permite ao espectador captar qualquer vestígio do
fazer artístico.
43
Assim, a esta nova relação público e obra de arte, pautada por uma obra
42
BENJAMIN, Walter apud BOLLE, Op. cit., p. 227.
43
Ao conceber o cinema como o ápice de uma era sujeita a novas percepções, em que a obra de arte rompe com
o valor teológico, Walter Benjamin suscita um debate em torno da questão do valor aurático da arte sujeita ao
processo de reprodução técnica. O autor é categórico em afirmar que o cinema destruiu qualquer tentativa da
obra de arte configurar-se em um ritual secularizado, o público não se dirige mais a ela em uma atitude de culto,
mas em uma atitude de distração diante do que foi exposto. Entretanto, persiste um grande esforço, por parte de
outros teóricos, em atribuir à arte cinematográfica uma “aura”, o que, para Benjamin, corresponde a uma
tentativa burguesa de conferir ao cinema uma dignidade de arte, ou melhor, de poder inseri-lo na categoria das
“grandes artes”. Rouanet é um dos que vislumbram a alternativa de um cinema aurático. Para ele é nítido que o
cinema que serve aos objetivos da Indústria Cultural constitui mera vivência, coibindo qualquer tentativa de
reflexão por parte do espectador, porém, é o “grande cinema” aquele que irá mobilizar as camadas mais
profundas da experiência, mantendo intacta a capacidade do espectador de pensar, associar e rememorar.
Segundo o autor o filme de arte ao invés de excluir a liberdade associativa do público, a pressupõe. “Sua função
política não está em condicionar espectadores distraídos, mas em descondicionar espectadores manipulados. O
grande cinema é crítico, não mobilizador” (ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em
Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1990, p 62). Para ele a reprodutibilidade técnica
não implica ao cinema um desaparecimento da aura, como acredita Benjamin, ao contrário, cada cópia poderia
ser considerada autêntica. Assim, “o filme de arte tem, como toda obra de arte, a característica da unicidade e da
distância ... O espectador, recolhido, mergulha nele, com toda a espessura de sua experiência” (Idem, Ibidem, p.
63). Estas reflexões de Rouanet podem ser válidas, mas enquanto não restringir a experiência cinematográfica
somente aos espectadores do que ele resolveu denominar de “grande cinema”. Porém, como Walter Benjamin,
não vejo no cinema nenhuma exigência em ser aurático. Assim, o fato do autor encontrar autenticidade nas
cópias de filmes é algo pelo menos estranho ao conceito benjaminiano de “aura”: o aparecimento único de um
objeto distante, por mais próximo que esteja. Vejamos alguns pontos desta questão: primeiramente, em um
raciocínio simples, do ponto de vista material, a própria cópia aproxima o objeto, ao invés de distanciá-lo dos
espectadores, posso assistir ao mesmo filme em diversas cidades, em diversos países; segundo, a sucessão dos
fragmentos da realidade captados pela objetiva provoca no público do cinema a “aparência do real”, ou melhor,
torna presente a realidade que estava ausente, satisfazendo, assim, o desejo das multidões de ficarem mais
próximas das coisas, superando o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade; por último,
qualquer que seja o filme, comprometido com a Indústria Cultural ou não, jamais será capaz de proporcionar ao
espectador a contemplação da realidade “em si” ou, como prefere Benjamin, “respirar a aura”: “observar, em
repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra
sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho” (BENJAMIN [1985], Op. cit., p. 170).
Portanto, por mais que o “grande cinema”, como quer Rouanet, ofereça aos nossos olhos planos seqüências
intermináveis dessas cadeias de montanhas ou da planície de um sertão árido, jamais poderíamos experimentá-
las em suas essências; o cheiro da relva trazido pelo vento que chocalha nossos cabelos, o forte calor do sol que
penetrando em nosso corpo arde como reflexo das cicatrizes daquela terra, ambos nos são negados. Se a
contemplação, a percepção da “aura” em um objeto, como afirma Benjamin, requer repouso, no cinema isto é
38
destinada ao consumo das massas, à percepção coletiva, resta somente a vivência. Vivência
que na modernidade, segundo o autor, corresponde a um constante exercício de interceptação
dos choques, ou seja, o homem moderno está sujeito a situações cotidianas que o levam a
proteger-se dos choques, como o simples caminhar entre as multidões das metrópoles ou o
operar uma máquina. O transeunte é um homem atento a evitar que se choque com o outro, se
assemelha à figura de um esgrimista que vai abrindo caminho na multidão ao distribuir
estocadas. No caso do operário, submetido à linha de produção em série, ele tem que adequar
o seu ritmo de trabalho ao ritmo da máquina, reagir aos estímulos da máquina, que lhe impõe
uma resposta reflexa repetida e idêntica a cada minuto. Portanto, “a vivência do choque”
sentida pelo transeunte que trafega pela multidão, como afirma Benjamin, corresponde à
vivência do operário na linha de produção. Ambos se protegem dos choques, mas ao custo de
um comportamento reflexo, em que a vivência é privilegiada enquanto a experiência é
negada. Este constante vivenciamento dos choques ao qual é submetido o homem moderno,
Benjamin, inspirado em Baudelaire, transformou-o em experiência, neste caso, “experiência
do choque”.
Walter Benjamin encontra na cultura do choque as respostas para suas inquietações. Se
na esfera da vida cotidiana do homem moderno o choque se impôs como uma realidade
onipresente, não cabe às artes negá-lo, ao contrário, se ela pretende se dirigir a um público
moderno é necessário que ofereça ao homem a “experiência do choque”. Portanto, ao oferecer
a esta nova sensibilidade, que se configura no mundo moderno, uma arte que tem por essência
a sucessão brusca e rápida de imagens, fragmentos que se impõem ao espectador como uma
seqüência de choques, interrompendo-lhe a capacidade de associação de idéias, o cinema é,
como afirma o autor, o instrumento que efetiva a estética do choque. Para Benjamin, o
princípio formal que se impõe ao cinema é a percepção sob a forma de choque, o que equivale
a dizer que “aquilo que determina o ritmo da produção na esteira rolante está subjacente ao
ritmo da receptividade, no filme.”
44
Assim, mediante esta capacidade do filme em romper com as estruturas associativas
dos espectadores, por meio de seqüenciais choqui-formes, que não lhe permitem fixar o olhar
em uma imagem, pois quando a percebe, ela já não é mais a mesma, o cinema surge como o
meio de comunicação mais eficaz de dirigir-se às multidões concentradas na sala escura, de
inviável, pois, o consciente do espectador está sempre em alerta para interceptar os choques. Confesso que não
me interesso em pensar o cinema sob esse aspecto de “direito ao culto”, pois nesse âmbito qualquer tentativa de
desmistificação do objeto me parece falsa, pura idolatria. Assim, como a devoção religiosa, o culto ao cinema
não permite criticar, questionar, portanto, o visível é somente aquilo que permite que seja visto.
44
BENJAMIN (1989), Op. cit., p. 125.
39
dirigir-se a um homem que, para Baudelaire, mergulha na multidão como em um tanque de
energia elétrica, consciente de que o choque deve ser interceptado. Aqui, o fato do cinema
dissolver as estruturas associativas do público também permite a ele suscitar uma nova forma
de se relacionar com o objeto. Se o adorador da obra de arte aurática se dirige a ela de forma
contemplativa, mergulhando em seu interior, o público do filme se dirige a ele distraidamente,
por mais que reaja aos choques que o atinge, mediante uma maior atenção, sempre será um
espectador distraído. Assim, a distração está associada à forma de receptividade do cinema:
Concentração, contemplação, absorção pressupõem um único
espectador, ou muito poucos que, diante da obra de arte autêntica,
dotada de autoridade, perdem o poder de controlar a si mesmos, ou
aos outros. O espectador de um filme, em contrapartida, não é mais
um só espectador singular. É desde o início um público numeroso, um
sujeito coletivo. Para a massa de indivíduos reunida no cinema,
concentração ou contemplação da obra de arte estão fora de questão.
45
Ainda seguindo os contornos das palavras de Gasché, a fim de persistir em nossa
perseguição às reflexões benjaminianas a respeito do cinema, temos que este público distraído
se dirige ao filme como examinador. Desinteressado por aquilo que a pintura da era aurática
pode lhe proporcionar, no tocante à percepção, não é capaz de julgá-la, ou se omite para tanto,
mas, diante de uma arte pós-aurática, logo se põem a julgar a qualidade de um filme. Assim, a
opinião de um espectador sobre um filme de Eisenstein torna-se tão valiosa quanto a de um
especialista. Segundo Gasché, este público assume o caráter de “crítico distraído”, que por
afastar o filme de qualquer atributo de obra de arte e por estar habituado em amortecer os
choques em que está submetido diante da tela do cinema, foi capaz de se livrar do feitiço da
“aura” e de seu objeto. O espectador anulou, assim, qualquer vestígio de autoridade de ambos
sobre ele, mas, em contrapartida, compreendido como um sujeito coletivo, negou-se ao direito
de um “eu”, de uma identidade; no cinema suas reações são moldadas, condicionadas pelo
coletivo, ao mesmo tempo em que elas se manifestam, são controladas mutuamente. Portanto,
a arte cinematográfica possibilita o aparecimento dessa figura do “crítico distraído”, o
“primeiro cidadão de um mundo sem magia.”
46
Ao dirigir suas reflexões às experiências da modernidade, Benjamin descobriu dois
elementos que se integram na constituição desta nova sensibilidade: o momentâneo e o
45
GASCHÉ, Rodolphe. Digressões objetivas: sobre alguns temas kantianos em “A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica” de Benjamin. In: BENJAMIN & OSBORNE, Op. cit., p. 206.
46
GASCHÉ, Op. cit., p. 210.
40
fragmentário. Para Charney, a obra de Benjamin permite a interdependência entre o instante e
o fragmento:
Para Benjamin, a irrupção da modernidade surgiu nesse afastamento
da experiência concebida como uma acumulação contínua em direção
a uma experiência dos choques momentâneos que bombardearam e
fragmentaram a experiência subjetiva como granadas de mão. ...
Experimentar o choque era experimentar um instante. [...] O choque
empurrava o sujeito moderno para o reconhecimento tangível da
presença do presente. Na presença imediata do instante, o que
podemos fazer — a única coisa que podemos fazer — é senti-lo.
47
Desta forma, devido o fato do cinema ser marcado pela fragmentação, ou seja,
corresponder a uma sucessão de instantes, temos que o presente nunca pode se re-apresentar
completamente, o que não equivale dizer que ele não exista no cinema. O presente “em si” é
contínuo, portanto, temos que a descontinuidade sugestiva da justaposição de fragmentos do
cinema só pode “tornar presente, o que está ausente”, ou seja, a continuidade, por meio da
atividade lúdica do espectador. Como bem lembrou Debray, a eficácia da imagem, no nosso
caso a sua sucessão, não deve ser procurada no olho, ou seja, na imagem por si só, mas no
cérebro (consciência) que está por de trás, pois, “o olhar não é a retina”.
48
Assim, diante deste
caráter perceptivo do presente que o cinema propicia aos seus espectadores, Charney conclui
que
Acima de tudo foi essa forma da experiência em movimento que ligou
a experiência do cinema à experiência da vida diária na modernidade.
A experiência do cinema refletiu a experiência epistemológica mais
ampla da modernidade. Os sujeitos modernos (re)descobriram seus
lugares como divisores entre passado e futuro ao (re)experimentar essa
condição como espectadores de cinema .
49
A teoria estética de Walter Benjamin, segundo Bolz,
50
não se refere a uma teoria das
belas artes, nem mesmo no sentido geral de uma teoria das artes, mas, sim, a uma doutrina da
percepção, assim como os gregos concebiam a estética. Aplicada ao cinema, temos que
Benjamin não se preocupou com o conteúdo dos filmes, mas única e exclusivamente com a
47
CHARNEY, Leo. Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade. In: CHARNEY & SCHWARTZ, Op.
cit., p. 394-395.
48
DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no ocidente. Trad. Guilherme Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 111.
49
CHARNEY, Op. cit., p. 405.
50
BOLZ, Norbert W. Onde encontrar a diferença entre uma obra de arte e uma mercadoria? In: Revista
USP. Dossiê Walter Benjamin. São Paulo, Universidade de São Paulo, n.15, set.out.nov. de 1992. p. 92.
41
sua forma, o que equivale dizer que para o autor a arte cinematográfica sugere uma nova
percepção, uma nova forma do público em lidar com a obra de arte. O filósofo é responsável
por apontar as enormes transformações ocorridas no mundo, como as artes vieram,
paulatinamente, sugerindo e satisfazendo os novos anseios perceptivos do homem. Para
Walter Benjamin, a arte cinematográfica corresponde à própria vida moderna, às sucessivas
reestruturações da percepção humana, motivadas pelo ritmo da modernidade, ditada pelos
avanços tecnológicos e pelo homem mergulhado nas multidões concentradas nas grandes
metrópoles. O homem moderno é um indivíduo que compreendeu que perceber o mundo ao
seu redor significa ter os choques como rotina, experimentá-los, e foi o cinema seu verdadeiro
educador. O espectador cinematográfico aprendeu que a “vivência da modernidade” é um
constante viver em descontinuidade. Segundo Bolz, “para Benjamin, o cinema não é nada
mais nada menos do que a escola de uma forma de percepção do tempo, a saber, uma
percepção do tempo para a qual não há mais continuidade, para a qual não há nenhum valor
no sentido clássico do termo.”
51
O que Walter Benjamin pretendeu demonstrar com sua teoria do choque foi que o
cinema representou o “inconsciente visual” de sua época — para usarmos um conceito de
Debray — ou seja, era a arte dominante dentre as outras, conectada aos avanços científicos foi
capaz de integrar ou modelar as outras artes à sua imagem. Então, “a mais bem sintonizada
com a midiasfera ambiente e, particularmente, com seus meios de transportes. Quando o
automobilista vai ao cinema — não chega a mudar de velocidade.”
52
A cultura do choque suscitada na modernidade tem no cinema a forma ideal para
exercitar nas multidões de espectadores a interceptação dos choques. Assim, temos que a
experiência cinematográfica se dá em meio às multidões, que se dirige ao homem moderno.
Na teoria estética de Walter Benjamin “o cinema é a forma de arte correspondente aos perigos
existenciais mais intensos com os quais se confronta o homem contemporâneo.”
53
Retomando a questão de que o historiador deve se dirigir ao cinema em busca de seu
caráter estético, vemos que tudo o que foi discutido até o momento é norteador do caminho
que percorreremos mais adiante. Diante da concepção estética de Walter Benjamin, que
privilegia a forma, o que não se refere a uma particularização nossa a uma teoria formalista do
cinema, nem mesmo do filósofo, pelo contrário, o que nos interessa é compreender como o
51
BOLZ, Op. cit., p.95.
52
DEBRAY, Op. cit., p. 268-269.
53
BENJAMIN (1985), p. 192.
42
cinema, um meio em si, se relaciona com os espectadores, quais são os seus mecanismos
perceptivos. Para tal, é necessário que diferenciemos dois conceitos: poética e estética.
É Pareyson que, ao procurar desvendar os problemas da estética, concebe esta
distinção. Segundo o autor a poética está diretamente relacionada com o gosto do artista ou de
uma época, é um programa de arte, ou seja, é o que se resolveu determinar enquanto ideal de
arte, o que se acredita ser arte. Já a estética se refere a um “fazer artístico”, a uma
formatividade, um fazer que é ao mesmo tempo executar, realizar, produzir, mas também
consiste em um criar, inventar, descobrir. Para Pareyson, a arte é “um tal fazer que, enquanto
faz, inventa o por fazer e o modo de fazer [grifo no original]”,
54
ou seja, é uma prática em que
a execução e a invenção são simultâneas e inseparáveis.
À estética não cabe estabelecer o que deve ser a arte ou o belo, somente preocupar-se
em dar conta dos elementos que compreendem a experiência estética, o que equivale dizer que
se dirigir a um objeto artístico com reflexão é uma atividade filosófica e, por isso mesmo,
uma reflexão sobre a experiência, conclui o autor. Neste sentido, todas as poéticas (programas
de arte) são igualmente legítimas para a estética. Assim, um estudo estético se esforça ao
máximo para que não faça intervir um gosto, uma tarefa árdua já que o mesmo é histórico e
determinado.
Entretanto, deve-se ressaltar que a formatividade não é uma teoria que privilegia a
forma em detrimento do conteúdo, pelo contrário, para Pareyson, o “fazer artístico” depende
de uma inseparabilidade da forma e do conteúdo, ambas coexistem no processo.
[...] qualquer coisa, em arte, está prenhe de conteúdo, carregada de
significado, densa de espiritualidade, embebida de atividades,
aspirações, idéias e convicções humanas. Precisamente porque o
artista resolveu toda vontade expressiva, significativa e comunicativa
no fazer, no gesto formativo, na atividade operativa, precisamente por
isso tudo, em arte, até a coisa aparentemente mais irrelevante diz,
significa, comunica alguma coisa [grifos no original].
55
Portanto, é partindo desta concepção estética que pretendo me dirigir ao cinema de
propaganda do Estado Novo, ou seja, não me interessa saber se os cinejornais satisfaziam ou
não a um ideal de cinema ou de propaganda da época, fato que se comprova afirmativo como
veremos mais adiante, mas como se deu a sua formatividade, a sua experiência perceptiva,
que elementos compõem o “fazer artístico” destes filmes que nos possam oferecer uma
54
PAREYSON, Luigi (1966). Os problemas da estética. Trad. Maria Helena Nery Garcez. 3. ed. (1ª edição
1984). São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 26.
55
Idem, Ibidem, p. 68.
43
melhor compreensão de quais proposições estão postas para a sociedade brasileira sob o
regime autoritário de Getúlio Vargas. Entretanto, para isto, ainda é necessário que tratemos de
desmistificar a objetividade que acompanha o filme documentário.
1.2 – Documentário: desmistificando a objetividade do gênero
Como podemos notar, a relação do público com a obra de arte ocorre sob uma linha
tênue entre a realidade e a ficção, em que a ficção sempre se apresenta mais real do que a
própria realidade enquanto que o real muitas vezes é mais ficcional do que aquilo que se
propõe como ficção. De um lado temos uma ficção que somente se efetiva por meio de uma
relação com o observador que se dá pelo “efeito do real” e do outro uma realidade que é
socialmente construída. Assim, temos que a experiência estética somente pode ocorrer sob a
condição da ilusão da realidade. E no cinema isto não é diferente. Tanto o filme de ficção
quanto o filme documentário se apresentam sob a égide do real; porém, se o primeiro autoriza
um efeito de “impressão do real”, o segundo convencionalmente se configurou como a
própria realidade impressa na película, vale por aquilo que (re)apresenta, pela imagem que
menos interferência sofreu no momento do registro, por uma imagem “pura”. O filme
documentário se afirmou, por excelência, como um “filme verídico” em que é realizado
objetivamente com fins científicos, culturais, informativos ou até mesmo didáticos. Foi este
caráter objetivo que levou os historiadores a preferirem em seus estudos este gênero em
detrimento da ficção, procurava-se em suas imagens um correlato da realidade. Entretanto, um
equívoco quando se pensa o cinema enquanto linguagem, um discurso articulado. Se existe
uma singularidade entre os dois gêneros esta é a subjetividade e é somente por meio desta que
a experiência perceptiva (estética) pode se realizar, não esquecendo de que o filme
documentário ainda é um fazer cinematográfico, requer tanto um executar quanto um
inventar.
No entanto, o que percebemos é que há uma forte corrente que conduz o pensamento
do cinema para um filme documentário que se afirme comprometido com o real, com a
verdade, o que torna a desmistificação do gênero um debate promissor. Segundo Penafria,
56
o
gênero não nasce com o cinema como se convencionou dizer, ao contrário, o que o
56
PENAFRIA, Manuela. O filme documentário - história, identidade, tecnologia. Lisboa, Portugal: Edições
Cosmos, 1999. p. 38.
44
cinematógrafo dos irmãos Lumière propiciou foi o surgimento do princípio de toda a não-
ficção (a reportagem televisiva, o filme institucional etc), categoria com a qual, para a autora,
o documentário não deve ser simplesmente identificado. A identidade do gênero desde os
anos 20 veio sendo construída, sendo que teve como único vínculo com os primórdios do
cinema o fascínio pelo registro das imagens em movimento, é o “registro in loco” a raiz
fundadora do documentário.
O americano Robert Flaherty e o russo Dziga Vertov foram os principais responsáveis
por definirem parâmetros para o filme documentário, os seus filmes Nanuk, o Esquimó (1922)
e O Homem da Câmara (1929), respectivamente, são os marcos da história do gênero e um
caminho aberto para afirmar a identidade do documentarismo. Enquanto Flaherty busca
revelar o cotidiano de uma comunidade de esquimós do Norte do Canadá, como pescam,
como se alimentam, como habitam, Vertov opta por dispor na tela as imagens da vida das
pessoas, dos seus gestos espontâneos, dos seus comportamentos e das suas atividades, sem
que percebam que estão sendo filmadas. Ambos os cineastas são impulsionados pelo anseio
de mostrar o mundo como ele realmente é, sem interferências, em que “a câmara deve se
colocar diretamente em contato com o real, não se deve construir mentirinha nenhuma na
frente da câmara a ser filmada”.
57
Para Vertov, era fundamental para o cinema que se
recusasse o ator, o cenário, a iluminação, qualquer vestígio de ficção, a experiência
cinematográfica deveria se limitar à câmera, o olho “mais objetivo” que o próprio olho
humano. Idéias que foram teorizadas no manifesto dos Kinoks, movimento fundado em 1919
pelo cineasta russo, que defendia veementemente o que veio ser denominado de “cine-olho”.
Neste manifesto Vertov fez críticas severas ao cinema psicológico que se fazia até então na
Rússia e na Alemanha, como também aos filmes de aventura e romances norte-americanos,
negando assim todo o presente da própria arte cinematográfica; o futuro do cinema estava em
sua capacidade objetiva; funda-se, assim, um cinema em que “o olho mecânico, a câmera,
[...], tateia no caos dos acontecimentos visuais, deixando-se atrair ou repelir pelos
movimentos, buscando o caminho de seu próprio movimento ou de sua própria oscilação.”
58
Entretanto, a concepção de “cine-olho” escapa à tarefa de copiar o trabalho do olho
humano, nega qualquer vestígio de um naturalismo cinematográfico, a objetiva vai além de
nossa capacidade visual, mergulha na multidão como aquela que procura o novo, um tesouro
a ser descoberto, um enigma social a ser desvendado, os detalhes que mais tarde irão compor
57
VERTOV, Dziga. apud BERNADET, Jean-Claude. O que é cinema? São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 52.
58
Idem. Variação do manifesto; Resolução do Conselho dos Três em 10-04-1923; Nascimento do cine-olho;
Extrato do ABC dos Kinoks. In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal,
1983. p. 257.
45
uma imagem da multidão. O que nos interessa em Vertov não é a câmera como a extensão do
olho humano que nos oferece o que habitualmente não podemos ver, mas o fato de que é a
câmera que “dirige” o olhar do espectador, determina o que e como a realidade deve ser vista,
fato que o princípio de montagem ainda persiste como determinante, o cineasta é um
“construtor”. Segundo Vertov, “todo filme do ‘Cine-Olho’ [...] é montagem durante todo o
processo de sua fabricação”.
59
Assim, esta concepção cinematográfica se refere a uma
montagem do “eu vejo”, uma tentativa que compreendia todos os elementos do cinema para
um único fim, descobrir e mostrar a verdade. O “cine-olho” era a instrumentalização
necessária para um fim maior, o “cine-verdade”, tudo deveria caminhar na direção de mostrar
as pessoas como realmente são, sem máscaras, sem maquilagem, registrar seus gestos, ações,
atividades quando não estão representando, negava-se por completo qualquer resquício de
encenação, de ficcionalidade. Para Vertov, o cinema deveria estar comprometido com a
“possibilidade de tornar visível o invisível, de iluminar a escuridão, de desmascarar o que está
mascarado, de transformar o que é encenado em não encenado, de fazer da mentira a
verdade.”
60
Novamente nos vemos diante da dualidade do cinema: que verdade é esta que deve ser
construída? Manipulação? Não acredito que precisemos ir por este caminho da manipulação,
o que não quer dizer que desmerecemos os efeitos psicológicos do cinema, mas a própria
desmistificação da objetividade do filme documentário, tendo na montagem um elemento
esclarecedor, pode nos auxiliar a trafegar por esta dicotomia sem submeter nossas análises
fílmicas a uma pré-concepção que privilegia um gênero a outro. Afirmar que o documentário
serve melhor às investigações científicas devido sua suposta objetividade é o mesmo que se
dirigir ao filme com uma postura poética, o historiador no momento se coloca em um
programa de arte, não consegue romper com a condição de espectador, ele permite que o
filme lhe autorize um “efeito de verdade”.
Segundo Penafria, uma vertente do documentarismo distingue os dois gêneros da
seguinte maneira: o documentário oferece o acesso “ao mundo” (a realidade) enquanto que a
ficção “a um mundo” (imaginário).
61
Porém, esta diferença não nos parece ser tão fácil de ser
resolvida. O documentário também não nos proporciona conhecer um mundo construído?
Neste caso, a definição do documentário é dada pela sua relação com o “mundo histórico”,
compreendido aqui como aquilo que não imaginamos, o real “em si”, o solo firme que
59
VERTOV, Op. cit., p. 263.
60
Idem, Ibidem, p. 262.
61
PENAFRIA, Op. cit., p. 25.
46
pisamos. Assim, temos que a discussão está posta sob o domínio do imaginário. Enquanto que
o filme de ficção não passa de um enredo sobre um mundo imaginário, o filme documentário
é a história sobre o mundo real, é um argumento. Aqui somente a ficção é compreendida
como resultado do imaginário do diretor. A partir deste ponto nos surge uma indagação: não
seria o argumento permeado por uma subjetividade do cineasta? Mais adiante Penafria nos dá
indícios de uma resposta: “a característica do documentário é apresentar-nos um argumento
sobre o mundo histórico ou, dito de outro modo, é uma representação no sentido em que
coloca perante nós uma evidência de onde constrói um determinado ponto de vista [grifo
nosso]”.
62
Se assim é definido o caráter deste gênero cinematográfico, é possível pensarmos
que por mais que o documentarista mostre imagens de um mundo que transcenda a película, o
que configura uma credulidade às imagens, estas não deixam de ser representações, a natureza
“em si” captada pela câmera nunca será a mesma, o real foi apropriado, deixou de ser
imaculado. A câmera retira a realidade de sua redoma e a montagem a oferece sob um véu: a
condição de que estamos diante da verdade. Este é o pacto do espectador com a obra de arte.
Assim, o ponto de vista no filme documentário é a marca da subjetividade ou do imaginário
do cineasta.
A autora vê legítima a intersecção entre os dois gêneros, em que os elementos da não-
ficção auxiliam a tornar mais verossímeis os filmes de ficção enquanto que os elementos da
ficção em documentários contribuem para uma renovação e uma atualização do gênero.
Entretanto, esta questão não se resume a uma mera evolução técnica, pelo contrário, devemos
compreender que a objetividade e a subjetividade são coincidentes na sistemática do fazer
cinematográfico, não se anulam e nem descaracterizam a identidade de uma ou outra. O
simples gesto do posicionamento da câmera diante do fato, para não dizermos do impulso da
escolha do tema do filme, já caracteriza uma certa intencionalidade do documentarista em
dizer algo. Isto não desmerece o gênero, pelo contrário, nos demonstra que ele se aproxima da
ficção muito mais do que imaginamos, pois, antes de tudo, o cinema é arte. O cineasta já se
dirige à obra com a necessidade de exteriorizar, de tornar um ideal em matéria sensível, ou
seja, “a operação artística é, de fato, antes de tudo, construção de um objeto e formação de
uma matéria, e é arte quando tal produção é, ela própria [grifos no original], expressão.”
63
O entendimento de que o filme é, antes de tudo, a formação de uma sensibilidade, e
que, por isso, somente se dirige ao espectador pela percepção, nos auxilia a ampliar os olhares
sobre o documentário, que deixa de se apresentar como o reservatório dos vestígios do real,
62
PENAFRIA, Op. cit., p. 26.
63
PAREYSON, Op. cit., p. 65.
47
para se caracterizar como uma interpretação de uma realidade. O documentarismo como
prática cinematográfica também nos dá acesso a “um mundo” que, por mais que tenha
referência direta ao “mundo histórico”, não deixa de ser uma visão do diretor a respeito deste
mesmo “mundo”. Porém, assim como a ficção, o filme documentário não deve ser reduzido à
mera falsidade, inverdade, mas posto no sentido de uma construção, de um fazer artístico que
é, concomitantemente, um executar e um inventar, que equivale dizer que compreende uma
objetividade e uma subjetividade intrínsecas ao processo.
O fato de que ainda ocorre uma certa aceitação da linguagem documental como
registro dos fatos, como índice primário do processo histórico, por parte dos historiadores,
enquanto que a ficção encontra obstáculos para determinar-se como documento, é a evidência
de que ainda nos dirigimos ao filme como se ele fosse uma fonte qualquer, que não fosse
necessário conhecer os elementos que compõem sua linguagem. Buscar uma realidade “pura”
nos documentários é uma atividade em vão, o que desfila diante de nossos olhos também é um
novo mundo, pois, a realidade que o cinema oferece à nossa percepção é descontínua,
fragmentada, diferente do real que se apresenta contínuo. Portanto, o filme documentário
também é uma ficção, ou melhor, como afirmou Lebel, “a ficção é a realidade específica do
cinema.”
64
Para Lebel, que concebe a “impressão do real” como um falso problema, é
fundamental que o caráter mistificador dos signos que compõem o filme seja denunciado, que
se tenha a compreensão de que a realidade, uma vez projetada na tela dirigida à experiência
perceptiva da multidão de espectadores que se sentem acolhidos pelo “ventre materno” da sala
escura, não passa de uma correspondência com o real, ao invés de uma equivalência.
65
Assim,
seguindo as reflexões do autor, podemos dizer que a realidade que o filme documentário nos
apresenta é um signo importado do real, ou seja, uma imagem de um real socializado, mas que
somente irá adquirir seu valor ideológico e significante ao ser combinado com outros signos
deste mesmo real. O que equivale dizer que o fato de nos dirigirmos ao documento fílmico
não corresponde a uma busca do real “em si”, mas como ele foi apropriado e oferecido como
uma realidade socialmente construída, ou como Lebel ressaltou:
Não se trata de julgar a maneira como um filme se refere ao real
induzido por ele, visto que, de facto [sic], o filme não induz nenhuma
realidade. O que interessa não é que um filme seja a imagem de
64
LEBEL, Jean-Patrick (1971). Cinema e Ideologia. Trad. Jorge Nascimento. Lisboa, Portugal: Editorial
Estampa, 1975. p. 21.
65
Idem, Ibidem, p. 100.
48
qualquer coisa (que exista realmente), mas que seja simplesmente uma
imagem. O que está em discussão, não é esta realidade da qual o filme
não é senão a imagem, visto que esta realidade não existe, ou melhor
visto que só existe no universo de ficção do filme, ou seja esta
realidade não é literalmente outra coisa senão imaginária [grifo no
original].
66
Segundo Aumont, o documentário não escapa totalmente da ficção, tendo em vista que
qualquer objeto já é um signo de outra coisa e, portanto, já está preso em um imaginário
social. Além de que o espectador permanece o mesmo: ele suspende qualquer atividade
quando diante da tela e, portanto, está sujeito ao mesmo fascínio da imagem em movimento,
também integra o espetáculo, o que equivale dizer que o filme documentário também se
inscreve como a “porta aberta” para os devaneios do espectador. Entretanto, se existe um
ponto que mais nos interessa, quando se trata de discutir a objetividade deste gênero
cinematográfico, é o fato de que no documentário, assim como no filme de ficção, também há
uma preocupação estética em que “tende sempre a transformar o objeto bruto [o real] em
objeto de contemplação [o filme], em ‘visão’ que o aproxima mais do imaginário”.
67
. Por
objeto de contemplação não está compreendido apenas o filme que se dirige ao espectador,
mas o papel intervencionista do cineasta nesta contemplação, neste exercício prazeroso de
consumo da imagem. Assim, por mais que o documentário esteja preso à tarefa de mostrar o
mundo como ele é, ele também participa da criação e do prazer da invenção, é capaz de
proporcionar uma experiência estética que, ao mesmo tempo, se dirige tanto ao espectador
quanto ao realizador do filme, ou seja, a feitura fílmica está imbuída de um prazer de dizer
algo, por mais “realista” que se proponha o filme. Pode o documentarista se propor a mostrar
o mundo, porém, ele não escapa de revelar um mundo, pois “por qualquer ângulo que seja
considerado, o prazer da imagem é sempre, em última instância, o prazer de ter acrescentado
um objeto aos objetos do mundo.”
68
Ainda a respeito da experiência estética que o filme documentário autoriza, Sorlin
amplia a discussão e procura romper definitivamente com a suposta objetividade do gênero ao
afirmar que:
a imagem “bruta” captada por uma câmera disparada ao azar já é uma
imagem construída, um conjunto espacial organizado em planos
66
LEBEL, Op. cit., p. 97.
67
AUMONT (1995), Op. cit., p. 101.
68
Idem. A imagem. Trad. Estela dos Santos Abreu e Cláudio César Santoro. Campinas, SP: Papirus, 2002. p.
313.
49
sucessivos que se ordenam relativo ao olhar do espectador. O que
vemos no cinema, e que nos parece natural porque quase não
conhecemos nada mais, depende de uma técnica, ordenada ela mesma
por uma concepção do papel atribuído ao público no espetáculo
[tradução nossa].
69
Não se trata aqui de um esforço em transformar o documentário em ficção, é óbvio
que estes gêneros já se encontram culturalmente determinados, e não cabe a nós propormos
definições, mas compreender que a dualidade desta relação sonho/realidade ainda é uma
questão em aberto e que dificilmente será resolvida. E, provavelmente, qualquer tentativa
nesta direção tenderá a beneficiar um gênero em detrimento do outro, como se o cinema se
resumisse ora à reprodução do real ora à falsidade deste mesmo real, ora a uma excêntrica
objetividade ora a uma imitadora subjetividade.
Segundo Acioli, a união dos gêneros é algo saudável para o próprio cinema, em que o
filme documentário não deve se limitar a registrar a realidade, mas, ao fazer uso da ficção, é
capaz de ampliar-se na interpretação dessa realidade. Para o autor o processo de filmagem
pode ao mesmo tempo apenas registrar quanto influenciar, alterar o instante captado, a ponto
de não significar mais uma representação direta do real:
Se filma, por exemplo, um jogo no Maracanã ou uma passeata de
protesto, a perturbação causada pela equipe é desprezível e o filme
poderá retratar fielmente o evento, no seu aspecto global. Mas dentro
desse evento maior poderão existir outros menores, onde a
perturbação causada pela filmagem poderá ser acentuada. Se o diretor
procura captar as reações psicológicas ou a privacidade dos indivíduos
como, por exemplo, a certeza ou incerteza do movimento, o medo de
ser preso ou morto, dúvida sobre o futuro de sua família etc., a
perturbação será bastante grande e o simples registro fotográfico não
refletirá a realidade.
70
A preocupação de Acioli se refere ao elemento psicológico que também acompanha o
filme documentário. Dirigir a objetiva a uma multidão na intenção de registrar a mera
aglutinação de pessoas, o coletivo, é uma tarefa que o documentarista exerce com uma certa
tranqüilidade, mas quando esta objetiva penetra na multidão em busca de revelar seu interior
nos rostos, nos gestos e nos olhares do indivíduo, ou seja, romper com a própria condição que
leva à formação das multidões — a câmera mergulha na intimidade do indivíduo, na sua
69
SORLIN, Pierre (1977). Sociologia del cine: la apertura para la historia de mañana. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1992. p. 118.
70
ACIOLI, José de Lima. O princípio da incerteza e o realismo do documentário cinematográfico. Revista de
Humanidades. Brasília, n.40, 1995. p. 43.
50
individualidade antes consumida por fazer parte de algo único e homogêneo — não é
incomum que a pessoa seja sugestionada a reagir de forma inusitada diante da câmera, pois
interferem em seu ritmo, o que propicia um registro encenado pelo personagem, sobre o qual
o próprio cineasta muitas vezes não tem controle. Assim, para Acioli, há certas situações em
que parece que a realidade nunca será fielmente retratada pelo documentário, já que nestes
casos, está lidando com a subjetividade do personagem, tendo que mergulhar no seu interior.
Para tanto, a introdução dos elementos de ficção no filme documentário seria uma saída
encontrada pelo autor para que fosse “possível voltar-se para dentro do personagem, explorar
suas intimidades, apresentar os conflitos pessoais e sociais.”
71
Foi pensando o papel social do gênero que surgiu nos anos 30 a escola britânica de
documentarismo, tendo como figura mais emblemática o escocês John Grierson. Segundo
Penafria
72
, é a partir de Grierson e sua escola que o filme documentário ganha autonomia e
assume uma identidade própria. Identidade esta que é sustentada sob três pilares: o registro in
loco — herança de Flaherty —, o ponto de vista e a criatividade. Primeiramente, o material
que constitui o documentário somente poderia derivar do registro in loco, porém, não equivale
dizer que ficaria restrito a uma “reprodução do real”, pelo contrário, o documentarismo
britânico reivindica para si a intervenção do cineasta no material fílmico. Intervenção que
para Grierson é, ao mesmo tempo, uma revelação e uma interpretação da realidade; é o
documentarista que diante do real exerce o seu ponto de vista, escolhe e seleciona os
fragmentos que melhor irão compor, juntos, a representação do real. Por outro lado, esta
representação consiste em um “tratamento criativo da realidade”, o que legitima o caráter
autoral do filme documentário. Aqui cineasta e obra avançam em direção ao universo da arte.
Assim, o documentarismo britânico autoriza um “fazer artístico” comprometido com o social
que, antes de mais nada, deve refletir os problemas e as realidades do mundo presente. O
documentário é uma prática cinematográfica que não se reduz ao mero registro do real, exige
do cineasta que o material recolhido seja analisado, interpretado, ou seja, que abandone o seu
estado bruto para que, conseqüentemente, seja oferecido como objeto de contemplação.
Então, a partir das concepções cinematográficas de Grierson, ficou definido que
[...] para chamarmos documentário a um determinado filme, não basta
que o mesmo mostre apenas o que os irmãos Lumière nos mostraram:
que o mundo pode chegar até nós pelo olhar da câmara. É
absolutamente necessário que o autor das imagens exerça o seu ponto
71
ACIOLI, Op. cit., p. 44.
72
PENAFRIA, Op. cit., p. 45.
51
de vista sobre essas imagens. É necessário o confronto de um outro
olhar: o olhar do documentarista que se constitui como ponto de vista
sobre determinado assunto. É, também, necessário que o resultado
final - o documentário - seja o confronto entre os dois olhares: o da
câmara e o do documentarista. Para além disso, o documentário deve
pautar-se pela criatividade quanto à forma como as suas imagens,
sons, legendas ou quaisquer outros elementos estão organizados.
73
Como vimos, as marcas da ficcionalidade estão presentes no documentário, fato que
constantemente é negado em nome de um cientificismo atribuído ao gênero, mas que se
apresenta como uma armadilha ao historiador. Transformar o caráter objetivo do filme
documentário em um respaldo que possa identificá-lo a um documento, em que o investigador
consiga manter uma certa distância do objeto para que possa observar, é um engano já que ele
não permanece inerte. O que se despreza aqui é a compreensão de que o documentário, mesmo
submetido à observação, ainda se dirige àquele que o aborda, ou seja, transfere a investigação
ao domínio da experiência cinematográfica, em que o historiador é levado a participar do
filme, onde seus desejos, anseios tendem a configurar o que deveria o filme dizer, ao invés do
que ele realmente autoriza que seja dito. Recordamos que a participação do espectador no
cinema é um misto de afetividade e percepção. Desta forma, enaltecida a objetividade do filme
documentário, a análise não ultrapassa as fronteiras da “verdade”, já que se reafirma a crença
de que as imagens que se apresentam diante dos olhos do historiador são reproduções fiéis do
real. Os elementos diegéticos
74
que compõem o filme documentário contribuem para que se
faça o jogo do “efeito de verdade” e, por isso, se faz necessário que continuemos
desmistificando a objetividade deste gênero. A investigação não deve sucumbir ao espetáculo
cinematográfico, não que seja algo temeroso, mas que o historiador seja capaz , assim como na
ficção, de romper com o efeito ilusionista do real, pois, tomar as imagens como “a realidade”,
ao invés de “uma realidade”, um mundo construído, é o prenúncio de que não fomos capazes
de superar a condição de espectador, em que diante de nós temos sempre a impressão de que
os eventos que ocorrem na tela são verídicos, fato que é reforçado no filme documentário
devido a que ele se pauta pelos fragmentos recolhidos no local dos acontecimentos, como se
fossem vestígios de um tempo passado, do qual temos ou não saudades. As imagens
preenchem os nossos vazios.
73
PENAFRIA, Op. cit., p. 55.
74
Diegese: “A palavra provém do grego diegesis, significando narração e designava particularmente uma das
partes obrigatórias do discurso judiciário, a exposição dos fatos. Tratando-se do cinema, o termo foi revalorizado
por Étienne Souriau; designa a instância representada do filme — a que um Mikel Dufrenne oporia à instância
expressa, propriamente estética — isto é, em suma, o conjunto da denotação fílmica: o enredo em si, mas
também, o tempo e o espaço implicados e outros elementos narrativos, desde que tomamos no seu estado
denotado” (METZ, Op. cit., p. 118).
52
O que propomos aqui é que não é preciso negar a subjetividade do cinema para que se
possa introduzi-lo como uma fonte para os estudos científicos, pelo contrário, é este o
elemento do filme que mais nos interessa, na verdade, aquele que nos impulsiona dia-a-dia a
descobrir novos métodos de lidar com o meio. Antes de mais nada, devemos lembrar que é o
nosso fascínio pela arte cinematográfica ou, porque não dizer, pela capacidade dela ressuscitar
a vida que antes se encontrava congelada na fotografia, que nos faz enveredar por este
percurso tortuoso e movediço da relação ficção e realidade. Por isto, pensamos o cinema
como um objeto artístico, tendo que a compreensão de sua linguagem é imprescindível para
que não se cometa o reducionismo que acompanha o campo da relação cinema-história desde
o seu primórdio, ou seja, dirigir-se ao filme em busca da veracidade das fontes, para
determinar o que é verdade ou não no documento fílmico.
Então, a desmistificação trata de retirar em um processo cuidadoso o véu que cobre o
cinema e revelar as suas implicações enquanto discurso. Como o filme de ficção, o
documentário não é uma mera “reprodução do real”, mas a sua representação, recortes que
serão montados para compor uma idéia fílmica, no final, um simulacro. Entretanto, não uma
simulação revestida de um sentido de falsificação do real, mas uma mostra do que se
determina que seja o real. Os filmes nada mais são que proposições sobre uma sociedade.
Assim, como sugere Rossini, “aceitar que a ilusão está presente no documentário é também
aceitar que o filme de ficção, seja ele de reconstituição histórica ou não, também tem seu
caráter de documentário de uma época”.
75
A desmistificação que proponho não deve ser
compreendida, em nenhum momento, como a negação do caráter artístico, ao contrário, é o
desvendamento do fascínio cinematográfico, como a obra foi construída, qual a forma
encontrada pelo cineasta para transmitir aos espectadores uma idéia a respeito de uma
temática, seja ela histórica ou não. Trata-se de apresentar qual a “construção fílmica” que nos
é oferecida a respeito da história, ou melhor, como esta história é reelaborada em um outro
suporte, que não é mais o livro, em um outro discurso, que não é mais o histórico.
Assim, o conteúdo do documentário, como o da ficção, deve ser sempre questionado
ao invés de ser considerado, a priori, a realidade impressa na película, como destaca Bernadet
e Ramos:
Diante dessa, aparentemente, perfeita reconstituição da realidade,
todas as precauções metodológicas devem ser utilizadas, ainda mais
75
ROSSINI, Miriam de Souza. As marcas do passado: o filme histórico como efeito de real. Tese (Doutorado).
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. p.
99.
53
que os documentários e cinejornais são comumente associados à
atividade histórica. Acredita-se que eles tragam consigo um alto grau
de credibilidade, ou melhor, que eles se apresentem como perfeitas
reconstituições da realidade.
76
Segundo Vanoye e Goliot-Lété
77
, ao nos dirigirmos ao filme documentário devemos
estar constantemente atentos para duas armadilhas que ele nos oferece. É comum que se
confunda forma e função do cinema, em que certas características formais do documentário,
que muitas vezes o distingue da ficção, como montagem mais entrecortada, enquadramentos
aproximativos, tomadas frontais, olhares para a câmera, incidentes visuais e sonoros etc. —
derivadas das condições da filmagem direta — são percebidas como indícios de que o gênero
exerce a função de testemunha do real. No entanto, para os autores, é importante que
atentemos para a condição de que estas mesmas características formais do cinema podem ser
fabricadas para obter um “efeito de real”, assim como podem ser colocadas a serviço de um
cinema de ficção. Uma outra armadilha consta de “ler” em um filme toda a sociedade e a
história do tempo (presente, passado e futuro), que para Vanoye e Goliot-Lété
não passa de
refletir mais a intenção do analista do que a da obra ou do autor, que aqui assume muito mais
a condição de cinéfilo. Neste caso, o filme diz mais do que realmente é dito. Projetar no filme
o que desejamos que ele seja é o mesmo que nos deixarmos conduzir pela magia do cinema,
permanecer na condição de espectadores. Dirigir-se a um filme, seja documentário ou ficção,
é mergulhar nas profundezas de um olhar, que se efetiva concomitantemente como percepção
coletiva dos realizadores e da platéia da sala de exibição, o que equivale dizer que não há um
filme verdadeiro ou falso, já que, segundo Debray,
78
“não há percepção sem interpretação.”
Portanto, não pretendo aqui restringir o filme documentário ao campo da
ficcionalidade, como se negássemos sua maior aproximação com o real, com a existência das
coisas, já que o fato de ser um discurso, um enunciado, não lhe tira esta característica formal
de seu “fazer artístico”. Concordo que este gênero possa servir às diversas áreas de
investigação, entretanto, não compartilho de que “do ponto de vista da defesa da possibilidade
de conhecimento através do documentário, deve-se assumir uma postura realista”,
79
como
defendeu Godoy. Ao contrário, proponho que o cinema documental seja compreendido como
76
BERNADET, Jean-Claude; RAMOS, Alcides Freire. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988.
p. 37.
77
VANOYE, Francis. GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Trad. Marina Appenzeller. 2. ed.
(1ª edição 1994). Campinas, SP: Papirus, 2002. p. 58-59.
78
DEBRAY, Op. cit., p. 60.
79
GODOY, Hélio. Documentário, realidade e semiose: os sistemas audiovisuais como fontes de conhecimento.
São Paulo: Annablume, 2001. p. 74.
54
um misto de objetividade e subjetividade, em que não ocorra o detrimento de uma ou de outra
em função de aproximá-lo de um cientificismo ou de lhe negar qualquer relação com o real.
Para Godoy, os avanços tecnológicos do cinema na década de 60, com o surgimento
de equipamentos portáteis de som síncrono, auxiliaram na prática do documentário, como
também possibilitou uma maior veracidade aos registros dos eventos. Diante deste
aperfeiçoamento dos métodos do gênero e de um certo comprometimento ético por parte de
seus realizadores vislumbra-se, assim, sua aproximação do fazer investigativo e, portanto, da
ciência. No entanto, nosso trabalho não trilha este caminho. Longe de tomá-lo como fonte de
conhecimento, o filme documentário nos surge como um “fazer artístico”, portanto, imbuído
de uma subjetividade que deve ser compreendida, ao invés de descartada, meramente, de todo
o processo cinematográfico. Processo que também corresponde ao papel que o espectador
exerce diante do material fílmico, em que seu primeiro impulso ao ir às salas de exibição,
como dito anteriormente, é o entretenimento. Isto não equivale dizer que o cinema não possa
exercer outras funções sociais, porém, nos possibilita compreender que esta é uma condição
mais favorável à eficácia do “efeito de verdade”, em que os espectadores suspendem suas
vigílias e se projetam na tela.
Desta forma, por mais que o filme documentário possa ser visto como um adequado
instrumento às investigações científicas por se aproximar do real de forma reveladora, ainda
prefiro ser receoso até mesmo quando penso no filme etnográfico como a utilização mais
científica e investigativa do gênero hoje em dia, assim proposto pelo autor. Neste tipo de
documentário também encontramos presentes as marcas da construção, as imagens recolhidas
diretamente (objetivamente) em uma tribo indígena ainda deverão ser montadas para somente
depois ser oferecidas à contemplação do espectador, o que não desvalida seu caráter
científico, ao contrário, são imagens que retratam o cotidiano, os costumes de um povo e que
auxiliam de fato ciências, como por exemplo, a antropologia a desvendar e compreender parte
desta cultura, porém, não deixam de ser imagens de uma realidade socialmente construída,
que os espectadores somente podem conhecer por meio da fantasmagoria
80
do cinema.
O fato de considerar o documentário mais próximo dos cientistas do que dos
jornalistas, atribuindo-lhe um maior comprometimento com o conhecimento, com a verdade,
como faz Godoy, é o mesmo que retirar do cinema qualquer vestígio que o aproxime de uma
atividade artística, em que exprimir e fazer, dizer e produzir são as mesmas coisas. O que
propõe o autor é que, definitivamente, “os sistemas audiovisuais já não podem ser
80
Fantasmagoria não deve ser compreendida aqui no sentido de uma falsa aparência, mas como a arte de fazer
aparecer, de fazer ver figuras luminosas na escuridão. Processo que se dirige ao imaginário.
55
considerados, como eram anteriormente, apenas como máquinas de enunciação; elas são, por
excelência metodológica, máquinas heurísticas também.”
81
Entretanto, por mais que o documentário siga esta tendência de ser uma prática
investigativa, ficando confinado ao academicismo, ainda prefiro acreditar na capacidade
discursiva do cinema, que o coloca na condição de obra de arte e nos conduz à compreensão
do fazer cinematográfico, onde a montagem é tida como o reduto da subjetividade, sendo que
O salto estabelecido pelo corte de uma imagem e sua substituição
brusca por outra imagem, é o momento em que se pode ser posta em
xeque a “semelhança” da representação frente ao mundo visível e,
mais decisivamente ainda, é o momento de colapso da “objetividade”
contida na idexalidade da imagem. Cada imagem em particular foi
impressa na película, como conseqüência de um processo físico
“objetivo”, mas a justaposição de duas imagens é fruto de uma
intervenção inegavelmente humana e, em princípio, não indica nada
senão o ato de manipulação.
82
Motivado pelo princípio de montagem, que aqui está longe de assumir um caráter de
manipulação ou transparência, mas configurando-se como a estruturação orgânica dos
elementos fílmicos, ou seja, como a peça elementar de toda a “construção fílmica”, não
acredito que seja incorreto considerarmos o filme documentário como uma possível
interpretação de um determinado fato histórico, um discurso que nos é oferecido sobre a
história, já que a própria história não é uma ciência estática e concluída. Aqui o documentário
tem a sua objetividade desmistificada ao compreendê-lo como “um filme que se assume como
uma leitura sobre este ou aquele tema do mundo, que nos faz pensar sobre o mesmo, em
suma, que é, apenas, uma de entre muitas leituras possíveis.”
83
81
GODOY, Op. cit., p. 289.
82
XAVIER (1977), Op. cit., p. 17.
83
PENAFRIA, Op. cit., p. 71.
56
CAPÍTULO II
ESTADO, CINEMA E PROPAGANDA
57
“Originalmente lançada para explodir cerca de quinhentos
metros de altitude, a primeira bomba provocou efetivamente
um clarão, um flash nuclear de 1/ 15 000 000 de segundo,
clarão do qual a luz se infiltrou em todos os locais, nas
residências e até nos porões, deixando sua impressão nas
pedras — que tinham sua coloração alterada pela fusão de
certos elementos minerais —, mas curiosamente deixando
intactas as superfícies protegidas. O mesmo ocorreu com as
roupas e os corpos, pois o desenho dos quimonos tatuou a
pele das vítimas... Se, segundo seu inventor, Nicéphore
Niepce, a fotografia era nada mais do que um método de
gravura através da luz, ‘fotogravura’ em que os próprios
corpos inscreviam seus traços por efeito da própria
luminosidade, a arma nuclear é herdeira da câmara escura de
Niepece e Daguerre e da câmara escura do holofote militar.
Não é mais uma silhueta que surge ao fundo das câmaras
escuras, mas uma sombra, uma sombra que por vezes alcança
os porões de Hiroshima. As sombras japonesas não mais se
inscrevem, como antes, nas paredes de um ‘teatro de
sombras’, mas sobre a tela, as paredes da cidade.”
Paul Virilio
O clima na Alemanha de 1917 já mostrava os sinais de cansaço de um conflito
mundial que ainda duraria um ano. As baixas no front não eram apenas físicas, os tiros
partiam de novas armas, os soldados abandonavam o campo de batalha moralmente e
psicologicamente abatidos. A guerra mergulhava no universo da imagem e do imaginário. É
verdade que desde as batalhas medievais as imagens já exerciam um certo fascínio, os brasões
e as cores dos reinos vinham estampados nas bandeiras, nas armaduras, mas somente a partir
dos conflitos que assolaram o século XX é que a imagem, ou melhor, a tecnologia aplicada a
essa imagem, definitivamente imperou como o principal mecanismo capaz de dar um novo
sentido à guerra: o espetáculo;
84
a objetiva invade o front para em tempo real mediatizar a
morte, torná-la passível de ser tolerada.
Longe de imaginar o dia em que um conflito fosse televisionado em rede mundial, o
Chefe do Estado-Maior alemão, general Erich Ludendorff, em carta em 4 de julho de 1917 ao
Ministério de Guerra do Império em Berlim, segundo Furhammar e Isaksson, já alertava para
a força da imagem, na tentativa de constituir na Alemanha um departamento de propaganda:
84
VIRILIO, Paul (1984). Guerra e cinema. São Paulo: Scritta Editorial, 1993. p. 12.
58
A guerra demonstrou a superioridade da fotografia e do cinema como
meios de informação e persuasão. Infelizmente nossos inimigos têm
usado sua vantagem sobre nós nesse campo de modo tão exaustivo
que nos infligiram grandes estragos. Os filmes não perderão sua
importância durante o resto dessa guerra como meio de
convencimento político e militar. Por esta razão é da maior
importância, para a conclusão vitoriosa da guerra, que os filmes sejam
feitos para funcionar de modo mais efetivo possível em qualquer parte
onde um trabalho alemão de persuasão possa ainda ter algum efeito.
85
Este esforço de Ludendorff foi em vão, poucos foram os resultados obtidos no campo
da propaganda política pelos alemães durante a Primeira Guerra Mundial, tendo sido criado
inicialmente o Departamento de Fotografia e Cinema (Bild und Film Amt), para mais tarde,
apenas meses antes do término do conflito, surgir uma mega empresa cinematográfica a Ufa
(Universum Film Aktiengesellschaft), financiada pelo capital do Ministério de Guerra. A Ufa
serviria a uma outra batalha.
A Primeira Guerra Mundial foi o cenário dos primeiros filmes de guerra, primitivos
em alguns julgamentos, mas representantes de um artifício que depois de 1917, com a
experiência soviética, se tornou comum aos Estados-Nações, o domínio de seus próprios
meios de comunicação a fim de assegurar a ordem e legitimar o regime. Diferentemente dos
ingleses e franceses, os alemães desde o início do conflito autorizaram que a câmera invadisse
o campo de batalha, registrando imagens que iriam compor seus filmes documentários (ou de
atualidades), recebidos pelos espectadores como reportagens objetivas capazes de aproximá-
los, por meio de “cenas verídicas”, do clima da guerra. As autoridades militares anglo-
francesas receosas de que as imagens, ao revelarem a verdadeira face da guerra, pudessem
causar um efeito desmoralizante no “front interno”, na mobilização interna desses países,
mantiveram afastados seus fotógrafos e cinegrafistas, o que levou os cinemas a se
contentarem com a exibição de material de arquivo. Somente após um ano e meio de conflito,
tendo notado o sucesso dos filmes de atualidades alemães, é que a Inglaterra e a França
finalmente romperam com suas restrições.
Já os EUA, que se mantiveram afastados do conflito até 1917, procuraram adotar em
seus filmes uma postura de neutralidade e pacifismo que durou apenas até meados de 1915
quando sua indústria cinematográfica já sinalizava um desejo de que os norte-americanos
participassem da guerra. Assim, em contrapartida ao apelo tardio dos alemães e outros países
à instituição de um departamento de propaganda, os EUA davam os primeiros passos nesse
85
FURHAMMAR, Leif. ISAKSSON, Folke (1968 e 1971). Cinema e política. Trad. Júlio César Montenegro.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 12-13.
59
sentido, compreendendo a importância de manter estável a relação entre militares e indústria
cinematográfica, principalmente em um país que já tinha um modelo de cinema industrial
constituído. Então, foi criado o Comitê de Informação Pública (CPI), órgão que era
responsável por motivar a indústria cinematográfica norte-americana na feitura de filmes com
conteúdos patrióticos.
Desde então, os EUA já incorporaram o cinema a sua política, dando sinais de que as
próximas batalhas se dariam mais nos fronts psicológico e ideológico, por isso a necessidade
de se armarem. Entretanto, no tocante à apropriação do cinema pelo Estado, a Primeira Guerra
Mundial foi apenas a ponta de um iceberg que ainda mostraria sua magnitude durante a
Segunda Guerra Mundial, quando mergulhado em um cenário regido por uma racionalidade
tecnológica, mecanismo de coesão e dominação social, o homem definitivamente se
incorporara às multidões (de operários, de passantes, de espectadores) servindo à sociedade
industrial como objeto de opressão; neste sentido, tornaram-se dominantes aquelas linguagens
que se dirigiam às multidões. Os Estados-Nações perceberam que “a tecnologia serve para
instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social”,
86
ou melhor dizendo, os regimes que surgiram na primeira metade do século XX descobriram
na nova experiência perceptiva inaugurada pelo cinema um instrumento adequado para
exercerem, pelo menos na tela, suas “disposições totalitárias”.
87
Algumas imagens foram incorporadas à política desses regimes reacionários com a
finalidade de servirem como mecanismos legitimadores, uma vez que sua percepção não
exigia muito esforço, sendo compreendidas com facilidade pelos diversos níveis sociais, ou
seja, era útil para uma “política de consenso”.
88
Imagens como “Trabalho”, “Família”,
“Pátria”, “Novo”, “Ordem” entre outras foram difundidas no imaginário desta época,
buscando suscitar na sociedade o que ela tem de mais fantasmagórico: a idéia do “Todo”. Se
os elementos para a efetivação do modelo totalitário estão postos em nossa cultura e a
qualquer momento podem ser ativados, no caso da imagem cabe a ela desencadear em nós o
86
MARCUSE, Herbet (1964). A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Trad. Giasone
Rebuá. Rio de Janeiros: Zahar, 1978. p. 18.
87
Discutirei esta questão no próximo capítulo. Basta, para este momento, a idéia de que trato de uma intenção,
ao invés de uma ação efetiva no social, uma vez que o “Todo” somente se materializa na tela, mas uma
materialização que foi encontrada para dar forma a um “projeto totalitário” e mais nada, uma vez que a própria
experiência cinematográfica abre lacunas, é discutível se o “Todo” realmente conseguiu se efetivar no instante
da percepção.
88
Ver BECHELLONI, Laura Malvano. Fascismo e politica dell’immagine. Note per una ricerca. Rivista
Mezzosecolo. Istituto Piemontese per la Storia della Resistenza e della Società Contemporanea. Torino, Itália, n.
6, p. 219-225. 1985/1986.
60
“nosso Hitler”, o “nosso Stalin”, o grande ditador que há em cada um de nós.
89
Aqui as
imagens são postas na condição de instrumentos ideológicos, logo, devem se apresentar como
leituras únicas e inequívocas de um ideal, como mensagens unidimensionais — tarefa árdua
para aquela que tem por natureza um caráter polissêmico.
Dado que o uso das imagens na propaganda política constitui uma fábrica do
consenso, temos no cinema o aparecimento de um artifício que vem atribuir maior
autenticidade a essas imagens, criando definitivamente as condições para que a multidão se
reconheça nelas: o movimento. O movimento do cinema devolve às imagens a realidade,
torna-as produto passível de identificação, uma vez que “não há massas organizadas sem
suportes visuais de adesão”.
90
São as imagens que põem as multidões em movimento, que
criam condições de legitimidade a um regime que se encontra frente, principalmente, a um
contexto de contradições e crises mundiais:
As salas de cinema são igualmente campos de treinamento que criam
unidade agonística insuspeitada, ensinando às massas como controlar
o medo do desconhecido ou, como dizia, Hitchcock, do que nem
mesmo se conhece. O cineasta dizia que “nós criamos a violência
essencialmente a partir de nossas lembranças e não a partir do que
vemos diretamente, do mesmo modo como na sua infância o
espectador preenchia as lacunas de sua cabeça com imagens que só
se produziriam posteriormente ... [grifo no original].”
91
2.1- Cinema e Política: os irmãos Lumière não sabiam, mas o cinema veio para dominar
Durante a Segunda Guerra Mundial, o dispositivo cinematográfico saía
definitivamente das feiras populares para ganhar status quo de aparato ideológico do Estado,
tendo na Rússia, depois da revolução de outubro de 1917, um modelo maduro do
relacionamento entre cinema e política. O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein, é
indicado por Joseph Goebbels, Chefe do Ministério da Informação e da Propaganda da
Alemanha nazista, aos realizadores do cinema alemão como a forma ideal para glorificar o
89
ROMANO, Roberto. Conservadorismo romântico: origem do totalitarismo. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
p. 9-10.
90
DEBRAY, Op. cit., p. 91.
91
VIRILIO, Op. cit., p. 72.
61
Terceiro Reich. Após assistir à película Goebbels declarara: “Tenho que dizer, este filme é
fabulosamente realizado. Com cenas de massa bem impressionantes. Tomadas técnicas e
paisagísticas com pungente força de impacto. E as palavras-de-ordem tão espertamente
formuladas que não admitem qualquer contradição. Isto é o que há de realmente perigoso
neste filme. Gostaria que tivéssemos um filme assim”.
92
Vale ressaltar que esse mesmo filme
russo foi proibido assim que estreou em Berlim em 29 de abril de 1926, censurado pelas
Forças Armadas alemães. Somente após uma intensa campanha da imprensa a película foi
liberada, mas os soldados alemães foram advertidos oficialmente para que não vissem o filme,
uma vez que, para os militares, o mesmo encorajava a desobediência, a rebelião, a revolução.
O Encouraçado Potemkin foi censurado novamente em julho do mesmo ano, mas, desta vez, a
proibição durou apenas duas semanas, o filme já era um sucesso de crítica e de público em
toda a Alemanha. Porém, havia sofrido alguns cortes, perdendo cenas como a famosa
seqüência do carrinho de bebê e vários closes dramáticos.
93
Quando se fala de cinema de propaganda política logo nos vem as imagens de filmes
de Sergei Eisenstein e Leni Riefenstahl. Não há dúvidas que são os maiores expoentes, mas a
contribuição de Hollywood para esse formato não deve ser menosprezada. Segundo
Furhammar e Isaksson, o cinema norte-americano forjara um pacto com a sociedade existente
tão rígido quanto o cinema soviético. A criação da Motion Picture Association of América
(MPAA), no início da década de 20, reunindo as maiores companhias cinematográficas dos
EUA, resultou na instituição do Código de Produção que, a priori, teria sido inspirado por
questões comerciais, mas que na prática, como acreditam os autores, “virou uma declaração
de fé num determinado sistema social”, o que não significou obrigatoriamente teses políticas,
“mas reflete e preserva as metas imaginadas e os mitos favoritos da sociedade ao mostrá-los
sob formas atraentes”.
94
Antes do ataque a Pearl Harbor em dezembro de 1941, foram poucos
os filmes que romperam com o silêncio de Hollywood, uma vez que a MPAA não desafiava a
postura de neutralidade adotada pela política do país. O Grande Ditador de Charles Chaplin
de 1940 foi um deles, tendo sido alvo da censura local de Chicago. Quando os EUA
definitivamente entraram na guerra viram a necessidade de criar as condições para uma
mobilização interna, o clima de isolacionismo não interessava mais, o que resultou em uma
maior participação do cinema norte-americano nesse processo. Hollywood foi convocada para
92
GOEBBELS, Joseph. apud. NAZÁRIO, Luiz. Imaginários de destruição: o papel da imagem na preparação do
Holocausto. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1994. p. 184.
93
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 29.
94
Idem, Ibidem, p. 52-53.
62
contribuir com o esforço de guerra. Foram produzidos entre os anos de 1942 a 1944 nos EUA
aproximadamente 370 filmes patrióticos, sendo que estavam nos quadros de oficiais das
Forças Armadas cineastas como Frank Capra e John Ford.
95
Com o término do segundo conflito mundial, o cinema seria pensado de forma
diferente, os filmes não seriam mais os mesmos, os modelos de filmes patrióticos ganhariam
cada vez mais espaço nas telas; no clima da Guerra Fria Hollywood tinha como seus inimigos
não mais alemães e japoneses, mas os russos e os asiáticos — o comunismo de uma maneira
em geral — ou ainda tudo que poderia ser visto como um antiamericanismo. Por meio do
cinema os EUA davam início a um processo ainda maior que objetivava culminar em “um
padrão de pensamento e comportamento unidimensionais [grifo no original],
96
difundia-se
em larga escala a cultura norte-americana. De fato, perceberam que as novas conquistas
territoriais se dariam no campo do imaginário.
O cinema pós-guerra repetiria a fórmula que regeu os filmes de propaganda, com uma
ou outra variação: a) somos apresentados a um idílio de contentamento calmo e harmonioso,
que conquista a nossa simpatia; b) uma força do exterior ameaça esse idílio, procurando
destruí-lo por meios abomináveis; c) são feitas tentativas heróicas para defendê-lo.
97
Assim,
depois dos gangsters, personagens de um submundo, os cowboys dos faroestes e espiões
surgidos nos filmes dos anos 60 foram os principais mitos que alimentaram um modelo de
patriotismo para o cinema norte-americano, para não dizer das ameaças extraterrestres e das
catástrofes espaciais que invadiram as telas nos anos 90, uma vez que a fantasmagoria do
comunismo chegara ao fim com a queda do Muro de Berlim e da União Soviética.
Como se trata de cinema e política, não seria errôneo afirmar que a fórmula do filme
de propaganda política incorpora a síntese da mitologia política moderna, na tela o mito se
repete como o mais novo poder do Estado, uma vez que “entre a linguagem e o mito existe
não só uma estreita relação, mas também uma verdadeira solidariedade”.
98
Assim como a
linguagem e a arte, o mito também é uma “forma simbólica”, se apresenta sob o “efeito de
real”, o que equivale dizer que as imagens sobre as quais esse mito é constituído não são
conhecidas como imagens, e nem devem; não se trata de símbolos, mas de realidade,
realidade que não pode ser negada e criticada, apenas aceitada passivamente.
99
Para
Barthes, o mito é um modo de significação, uma forma, e, ao invés de ser produto da
95
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 59.
96
MARCUSE, Op. cit., p. 32.
97
. FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 52.
98
CASSIRER, Ernst. O Mito do Estado. Trad. Daniel Augusto Gonçalves. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 33.
99
Idem, Ibidem, p. 50; 63.
63
natureza das coisas, é determinado historicamente. O mito não esconde nada, pelo
contrário, sua função é a de deformar e não fazer desaparecer. O significado mítico não é
capaz de abolir o significante, a imagem, apenas o reelabora, ou seja, atribui uma nova
significação: “o mito é uma fala roubada e restituída [grifos no original].”
100
Como se vê, o pensamento mítico segue o que viemos discutindo até o momento,
as imagens do cinema de propaganda política reforçam e reproduzem o mito político
moderno, nas telas surgem as representações do povo uno, do líder, do inimigo que
conspira contra a harmonia da Nação. Se o mito é a expressão de um sentimento, segundo
Cassirer,
101
a emoção tornada imagem, encontramos na arte cinematográfica a
materialização dos quatro mitos políticos: a Conspiração, o Salvador, a Idade do Ouro e a
Unidade. Tanto nos filmes ficção quanto nos jornais cinematográficos que integraram o
aparato propagandístico dos regimes autoritários é possível notar estes quatro elementos
discursivos; por exemplo, em filmes como as comemorações de Primeiro de Maio ou de
qualquer outra festividade deparamos com as imagens de um “tempo festivo” em que se
comemora a harmonia social, o fim do clima de crise e contradições em que se encontrava a
Nação, como também as multidões de trabalhadores — a imagem por excelência do “Todo”,
da “Unidade” — dão provas de gratidão ao Salvador, aquele capaz de conduzir a Pátria ao
equilíbrio, à ordem, transmitindo ao povo uma sensação de segurança, um sentido de retorno
ao “tempo de antes”. Segundo Girardet,
102
o tempo presente é o instante da desordem, da
degradação moral, política e econômica, o que exige do Estado uma mitificação do “tempo de
antes”, uma vez que tornado mito é um excelente elemento mobilizador.
O mito é uma potência mobilizadora respaldada no objeto de sua própria origem:
as angústias e as incertezas dos homens. Surge para preencher os “vazios sociais”, mas ao
mesmo tempo aparece como elemento construtivo de uma realidade social, ou seja, é tão
determinante quanto determinado. Aqui se encontra o seu fundamento histórico. O mito
nada mais é que um elemento de catarse dos sentimentos humanos, logo
O sonho da Idade de Ouro, [...], é inseparável do fenômeno da
nostalgia, isto é, da fixação nos valores de infância, de sua persistente
presença no centro da vida adulta. O apelo ao Salvador responde a
uma situação de vacuidade: é a busca de um pai ausente ou a
substituição de uma paternidade recusada por uma imago [grifo no
100
BARTHES, Roland (1957). Mitologias. Trad. José Augusto Seabra. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1972. p.
195.
101
CASSIRER, Op. cit., p. 59.
102
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Cia das Letras,
1987. p. 105.
64
original] paterna idealizada. A esperança da revolução messiânica
traduz as pulsões da vontade megalômana que pretende moldar o
mundo segundo seus próprios modelos. As imagens contraditórias da
Cidade, protetora ou tentacular, correspondem à Mãe, enseada fechada
de segurança ou ogra devoradora. A denúncia do complô é liberadora
do medo, do ressentimento e da cólera... Basta um esforço muito
elementar de introspecção para reencontrá-las todas, meio enterradas
ou claramente ativas, no interior de cada um de nós.
103
Segundo Cassirer, ao contrário do que sempre foi reservado ao mito — a
característica particular de ser resultado de uma atividade inconsciente, produto livre da
imaginação — o século XX o toma como “coisas artificiais fabricadas por artesões hábeis
e matreiros”,
104
é intencional assim como a produção de outras armas, uma vez que as
armas, antes de serem instrumentos de destruição, são instrumentos de percepção, logo, “a
guerra consiste menos em obter vitórias materiais (territoriais, econômicos...) do que em
apropriar-se da imaterialidade [grifos no original] dos campos de percepção”.
105
Portanto,
se tratando de experiência perceptiva temos que no cinema o caráter mobilizador do mito
é ampliado.
Referente ao caráter mobilizador do cinema, veremos os principais elementos
estéticos que compõem o filme de propaganda e auxiliam na tarefa de mobilizar o povo
em torno de uma ideologia totalizante. Entre esses artifícios está a imagem da CRIANÇA,
reduto de um forte apelo emocional, capaz de desarmar as pessoas. É uma constante nos
filmes de propaganda o aparecimento das crianças como vítimas de maltratos dos
inimigos, o que vem provocar nos espectadores um sentimento de revolta. O fato é que
ninguém resiste aos olhares luminosos das crianças. Tendo notado isto, o cinema russo usa
esse mecanismo com um certo rigor estético, como vejamos, a seqüência memorável das
escadarias de Odessa em O Encouraçado Potemkin quando um garoto após cair baleado é
erguido nos braços da mãe e oferecido aos espectadores, enquanto um carrinho de bebê
desce a escada aos solavancos. Inevitavelmente acompanhamos a seqüência com a
sensação de incapacidade, frustrados por não podermos decidir o destino daquela inocente
criança. Em A Greve, outro filme de Sergei Eisenstein, o apelo se repete, deparamos com
um plano geral em que um cossaco em cima de um viaduto suspende uma criança pelo pé
ameaçando jogá-la ao abismo; a cena é entrecortada com closes da mãe desesperada que
não pode evitar que a criança seja lançada. Como se vê, ambas as seqüências foram
103
GIRARDET, Op. cit., p. 186-187.
104
CASSIRER, Op. cit., p. 300.
105
VIRILIO, Op. cit., 15.
65
criadas com a intenção de provocar a revolta nos espectadores, entretanto, esta imagem de
inocência não é apropriada pela propaganda política somente neste contexto de crueldade,
mas também como objeto de amor do e para o líder. Entre a criança e o líder é necessário
que haja um amor recíproco, uma vez que ela é um elemento duplicador do sentimento
patriótico — é o futuro da Pátria. Uma outra aparição da criança é o nascimento, aqui
temos a representação do “Novo”, de que novas esperanças surgirão para uma sociedade
acostumada com dor e sofrimento.
Em tempos de crise ou de guerra é imprescindível que o cinema construa a imagem
do INIMIGO, uma vez que o Estado-Nação tem a necessidade de alimentar o mito da
Conspiração. Suscitar o medo no povo é uma atitude legitimadora, já que este clima exige
a figura de um líder capaz de oferecer a segurança. Essa imagem do inimigo tem a função
de atuar nos discursos cinematográficos, assim como nos discursos políticos, como a
ameaça da ordem, do organismo social. Segundo Furhammar e Isaksson, a construção do
inimigo nos filmes de propaganda tinha maior sucesso quando acompanhada de um elemento
de excitação — a imagem da criança, por exemplo — o que permite à platéia fazer suas
descobertas, ou seja, não é o filme que deve mostrar indignação, mas os espectadores.
106
Já a
imagem do LÍDER é onde o mito do Salvador encontra respaldo, trata-se de formular um
processo de identificação entre uma personalidade política e o povo. Identificação que
encontra no cinema um instrumento essencial para colocá-lo em prática, pois se apresenta
como o espaço moderno da apoteose, cria-se todas as condições para o culto ao Chefe da
Nação. Os líderes não devem ser representados como eles são, pessoas comuns como nós,
mas como deuses para que sejam passíveis de adoração. Na construção mítica do líder político
temos a personificação do Estado, a Nação é conduzida por ele, o homem onipresente e
onisciente, aquele capaz de devolver a ordem, a harmonia à sociedade, instituindo o mito da
Idade do Ouro, o tempo de comemorar o desenvolvimento econômico e social. Quando ele se
dirige à multidão é como se fosse a voz amplificada de um “Todo Orgânico”. Assim, “perder-
se nele é, sem dúvida, renunciar à identidade individual; mas é reencontrar, ao mesmo tempo,
a integralidade da identidade coletiva, a fusão íntima e indissolúvel com a comunidade
mãe”
107
— discutirei isso no próximo capítulo. Para Arendt, o que ocorre é uma
interdependência entre líder e multidão, em que a permanência do primeiro no poder é
proporcional às concessões feitas à segunda, ou seja,
106
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 189.
107
GIRARDET, Op. cit., p. 79-80.
66
[...] essencialmente, o líder totalitário é nada mais e nada menos que o
funcionário das massas que dirige; não é um indivíduo sedento de
poder impondo aos seus governados uma vontade tirânica e arbitrária.
Como simples funcionário, pode ser substituído a qualquer momento e
depende tanto do “desejo” das massas que ele incorpora, como as
massas dependem dele. Sem ele, elas não teriam representação externa
e não passariam de um bando amorfo; sem as massas, o líder seria
uma nulidade.
108
Por fim, a imagem da MULTIDÃO seria o elemento diegético da materialização do
mito político da Unidade. Mito que é a imagem de harmonia, de equilíbrio, de uma sociedade
una, indivisível, homogênea, protegida de qualquer perturbação ou discórdia, um bloco sem
fissura. Os primeiros indicativos da força simbólica das imagens das multidões nos filmes de
propaganda foram dados pela obra cinematográfica de Eisenstein. Foi o cineasta russo que
“transformou as massas, o povo, como um todo, em heróis de seus filmes: foi quem fez o
esforço mais consistente para deixar para trás os indivíduos com as massas ocupando o lugar
de honra”.
109
A importância desse artifício está na própria relação filme e espectador, que
abordei anteriormente. A impressão de realidade forjada pelas imagens em movimento projeta
o espectador para a tela e como indivíduo solitário na sala escura de exibição ele passa a
sentir-se pertencente àquelas cenas. O que une a multidão de espectadores às representações
da multidão na película é a sua própria necessidade da sensação de pertencerem a algo e a
experiência de “solidariedade instintiva” pelas emoções das pessoas que ali estão registradas.
Mas esta solidariedade se dá mais pelo entusiasmo das pessoas do que necessariamente pela
proposta delas.
110
O que temos é um elemento persuasivo capaz de fazer coexistir em um
mesmo objeto um duplo coletivo. Vale ressaltar que a multidão é representada no cinema de
propaganda política tanto sob o viés de seu caráter maléfico quanto seu caráter heróico. Essa
vocação dúbia que acompanha a imagem da multidão desde o final do século XIX encontra
respaldo principalmente nos filmes russos: o caráter maléfico é simbolizado nas imagens dos
soldados que de forma impiedosa e impetuosa avançam esmagando e pisoteando as pessoas,
no entanto, não passam de uma muralha de anônimos; do outro lado, o povo assume o papel
heróico das multidões, não mais amorfa, agora elas possuem um rosto. Assim, a linguagem
cinematográfica permite que das multidões surja personalidades individuais, exibidas como
108
ARENDT, Hannah (1949). Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. 4. ed. (1ª edição 1989). São
Paulo: Cia das Letras, 2000. p. 375.
109
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 16.
110
Idem, Ibidem, p.152.
67
figuras positivas e representativas de suas origens de concentrações populares, como
ressaltado por Furhammar e Isaksson:
Eisenstein, Pudovkin e outros russos colocaram o povo, as massas,
firmemente no centro de seus filmes e se dirigiram a um proletariado
que já declarara sua solidariedade com a revolução e
conseqüentemente sentia um profundo envolvimento emocional com
as revoltas de massa que eles descreviam. Em oposição direta à massa
estavam os instrumentos do capitalismo, os soldados — esses também
eram uma massa, mas anônima, uma muralha pisoteadora,
esmagadora, impiedosa. As boas massas nunca eram impessoais, sem
rosto. Controlando habilmente o intercâmbio entre cenas de multidão
e close-ups, os russos conseguiram dar a rostos e gestos uma incrível
agudeza evitando que os efeitos de massa se perdessem no anonimato.
A vontade e os objetivos das massas eram como um só, mas as
reações de cada um dos inúmeros indivíduos eram únicas e
pessoais.
111
No caso do cinema nazista, o motivo multidão também foi uma constante, sendo
algumas vezes contrastado com as imagens do Führer. No entanto, diria que esta apropriação
se deu de forma invertida ao modelo oferecido pelos filmes russos. Enquanto esse apresentava
ao espectador uma multidão transparente e vivaz, que permanecia unida, mas não uniforme,
digna de uma forte descarga emocional, explosiva, o cinema de propaganda alemão optava
pela imagem de uma multidão simétrica, disciplinada, a própria representação da Ordem, o
organismo social perfeitamente ordenado para o desenvolvimento da Nação. Porém, o papel
ordeiro das multidões nos filmes nazistas acabava por cristalizar mais um modelo do que um
erro, que permitia realizar nas telas uma eufórica sensação de participação. Exemplo do
quanto é expressiva esta nova significação atribuída às imagens das multidões é o filme O
Triunfo da Vontade, da cineasta Leni Riefenstahl. Como espectadores de O Triunfo da
Vontade “não só somos levados a observar as entusiásticas reações da multidão face aos seus
líderes e símbolos, como também forçados a uma espécie de participação. Estamos ali entre
os estandartes, flutuando com as bandeiras, em pé próximos a Hitler, acotovelando-nos com a
multidão. Nos misturamos com a massa”.
112
Essa imagem da multidão simétrica, ordenada
militarmente, será assimilada pelos cinejornais brasileiros dos anos 30 e 40, o que não
equivale dizer que são reproduções fiéis do modelo alemão.
Como se vê, as obras de diretores como Eisenstein e Riefenstahl atravessaram as
décadas estimulando um debate entre arte e política, que acredito que poderia ter sido mais
111
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p.184.
112
Idem, Ibidem, p. 185.
68
promissor se críticos e analistas não tivessem estigmatizado esse tipo de cinema como uma
arte manipulativa, muitas vezes mais próxima da propaganda do que do próprio conceito
burguês de Obra de Arte em que acreditavam. Não se trata de dizer que esses filmes não
fossem propagandas, de fato são, mas se perdeu a noção de que estes faziam parte de um
projeto que tinha como os pilares do discurso destes regimes a cultura (leia-se cinema,
música, arquitetura, escultura etc.), a política e a propaganda, ou seja, dificilmente os regimes
autoritários (comunistas ou nacional-socialistas) delimitavam os limites entre elas. O que
ocorreu foi que as análises destes filmes perseguiram muito mais uma poética, um programa
de arte determinado sob a ótica de um contexto pós-guerra: de um lado os movimentos de
“cinema de direita” seguiram o modelo hollywoodiano com marcas discursivas advindas dos
filmes de propaganda, como vimos anteriormente, por outro lado os movimentos de “cinema
de esquerda” privilegiaram um realismo no cinema, ao invés dos espectadores terem suas
emoções dirigidas e provocadas tinham a liberdade de escolha e a oportunidade para
formarem suas próprias idéias. Certamente, uma análise do caráter estético destas obras
cinematográficas nos forneceria mais elementos para a compreensão do período, uma vez que
as questões estariam não no plano do porque mas no como este cinema foi incorporado ao
“projeto totalitário” dos regimes políticos surgidos na metade do século XX.
A busca por uma investigação estética, no entendimento de que a arte é um executar e
um inventar, de acordo com Pareyson, permite que novos olhares sejam dirigidos ao princípio
de montagem afastando-o de qualquer reducionismo como técnica de manipulação da
consciência coletiva, ou seja, os próprios filmes de propaganda tinham limitações que não nos
possibilitam afirmar que constituíam uma escravização dos espectadores, pelo contrário,
dependiam exclusivamente de atender e satisfazer aos desejos morais e políticos desses
mesmos espectadores. Portanto, o cinema de propaganda se destinava a uma platéia que já
compartilhava seus valores, ele satisfazia necessidades preexistentes. Compreendido que o
mito político preenche os vazios deixados pelas angústias e incertezas dos homens, esses
filmes não se dirigiam a um público que já se encontrava pré-disponível a crer em suas
mensagens, já que nesse caso esses sentimentos já estavam superados, mas procuravam
atingir a um outro tipo de espectador, aquele que ainda não aderira aos ideais do regime, à
idéia do “Todo Orgânico”. Logo, não se tratava de manipular, mas de fascinar as multidões,
buscar elementos visuais e sonoros que provocassem a adesão destas por meio de um
processo de identificação, uma vez que “a imagem da realidade nos filmes de propaganda é
69
amplamente determinada pelo nível das idéias preconcebidas da platéia”.
113
São essas idéias
preconcebidas que determinam a aceitação ou rejeição de qualquer mensagem por parte dos
espectadores, cabe ao cinema de propaganda encontrar mecanismos para dirigir-se a elas, pois
só assim ele sustenta seu caráter mobilizador.
Acreditar em um cinema/manipulação é negar o próprio caráter receptivo desse meio,
é negar os espectadores como sujeitos de um processo de comunicação, lembrando que este
nem mesmo se encerra com eles, há uma necessidade de feed-back, uma vez que se trata de
uma relação entre emissor e receptor e não uma via de mão única. E a maior autoridade da
propaganda política, Joseph Goebbels, sabia muito bem disso, para ele não havia formas de se
determinar qual propaganda é mais ou menos eficaz que outra, bastava aquela que produzia os
resultados desejados, ou seja, a função da propaganda não era divertir ou distrair, mas
produzir resultados palpáveis. “No preciso momento em que aderi a uma verdade e comecei a
falar dela no metropolitano — já estou a fazer propaganda. É o momento em que começo a
procurar outros que, como eu, reconheçam a mesma verdade”.
114
Para Goebbels, a
propaganda era antecessora de uma organização, um meio que visava criar uma ordem para
um fim, o fim era o Estado nacional-socialista.
Segundo Marcuse,
115
o Terceiro Reich não promoveu a totalidade do Estado, mas a do
movimento nacional-socialista, sendo que ao abolir qualquer separação entre Estado e
sociedade as funções políticas foram transferidas para os grupos sociais que de fato estavam
no poder. O Estado não representava um fim, mas um meio, uma vez que o verdadeiro fim era
a prova de que a raça ariana era capaz de produzir uma cultura humana superior. Pensando o
Terceiro Reich como o “Estado das massas”, temos que esse necessitava dirigir-se à multidão,
logo, a propaganda se instrumentalizava de uma arte de e para as massas, já que não poderia
ser a expressão de uma individualidade, ao contrário, os espectadores somente poderiam
identificar-se com esta arte enquanto multidão. Assim, a estética nazista procurava expressar
sua grandiloqüência, sua força e beleza por meio de manifestações culturais como a música, o
cinema, a arquitetura etc.; não havia espaço para uma arte degenerada, de corpos tortos,
esqueléticos e doentios, aqui o modelo estético que prevalecia era o do classicismo greco-
romano com suas esculturas de “corpos saudáveis e perfeitos” e monumentos arquitetônicos
grandiosos.
113
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 203.
114
MANVELL, Roger & FRAENKEL, Heinrich. Goebbels. Lisboa, Portugal: Editorial Aster, [19-]. p. 84-85.
115
MARCUSE, Herbet (1942). Tecnologia, Guerra e fascismo. Trad. Maria Cristina Vidal Borba. Douglas
Kellner (editor). São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 108; 111.
70
Segundo Contier,
116
a arquitetura nacional-socialista pretendia primeiramente
representar o poder da grande civilização e da comunidade racial nos amplos traçados das
avenidas, na grandiloqüência das colunas, na monumentalidade dos prédios. Todo novo
projeto arquitetônico deveria ter traços capazes de superar projetos anteriores concretizados, o
que sinalizava a permanência constante do ideal totalitário. No final, a arquitetura nazista
deveria ser a expressão da duração que se pretendia para o próprio regime, para a nova
civilização: a eternidade. Já a música era apropriada pelo Estado nacional-socialista devido ao
seu caráter polissêmico e coletivista, sinais de que poderia incitar as multidões tanto para
práticas ordeiras quanto perturbadoras da ordem. Assim, para o autor, o nazismo recuperou o
Romantismo do Século XIX visando uma música ordenada matematicamente, em que as
composições harmônicas, tonais representavam um mundo sem conflito, tranqüilo, ou seja,
negava-se a polissemia e as harmonias dissonantes, símbolos de uma sociedade em caos. A
música sob o regime nazista era a síntese de três elementos: povo, Estado e arte. Assim, ao
adquirir um caráter grandiloqüente, a fim de empolgar as multidões dentro de um novo
sentido, “a música, sob o nazismo, passava a simbolizar a união de todos os grupos sociais
(pacto social), de todos os homens, visando instaurar uma ‘nova Alemanha’, representada,
musicalmente, pelos compositores mais populares: Richard Wagner e Ludwig Van
Beethoven.”
117
O cinema também esteve sob os olhares atentos do nacional-socialismo. Segundo
Nazário,
118
Hitler e Goebbels eram grandes cinéfilos, assistiam a um ou a dois filmes todos os
dias. Entretanto, após a tomada de poder Hitler se preocupou mais com a arquitetura e a
música, sendo que o cinema foi quase uma exclusividade de Goebbels, que interferia em
argumentos, rejeitava elencos etc. Ele assistia a todos os filmes confiscados nos territórios
ocupados pela Alemanha. Essa paixão pela arte cinematográfica rendeu ao ministro de
propaganda do Terceiro Reich a denominação de “patológico cinéfilo esquizofrênico”.
119
Segundo Nazário, o cinema foi a primeira mídia a ser “arianizada”, o projeto que Goebbels
tinha para essa arte era de incorporá-la ao ideal nacional-socialista; todos os seus elementos
116
CONTIER, Arnaldo. Tragédia, Festa, Guerra: os coreógrafos da modernidade conservadora. Revista USP, n.
26, jul./ago. 1995. p. 39-40.
117
Idem. Arte Estado: Música e Poder na Alemanha dos anos 30. Revista Brasileira de História, ANPUH/Marco
Zero, São Paulo, v. 8, n. 15, set./fev. 1987-1988. p. 114-115. A respeito da estética nazista, ver também
NAZÁRIO, Luiz. Reflexões sobre a Estética Nazista. Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, v. 90, n. 3, p .33-51.
maio./jun. 1996.
118
NAZÁRIO, Luiz. Imaginários de destruição: o papel da imagem na preparação do Holocausto. Tese
(Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1994. p. 244.
119
RABENALT, Arthur Maria. apud. NAZÁRIO (1994), Op. cit., p. 245.
71
(produção, conteúdo, estética etc.) deveriam estar circunscritos à busca da consolidação de
uma raça superior, ou seja, atentava-se para “um cinema essencialmente alemão,
essencialmente anti-semita.”
120
Essa busca não se cessava no cinema, pelo contrário,
compreendia-se que o sucesso da propaganda política dependia dela preencher o cotidiano dos
cidadãos, para isso, contava com múltiplas vozes:
Dia e noite, o cidadão é informado e esclarecido sobre os
acontecimentos e seus significados. No café da manhã, os jornais
apresentam-lhe fatos selecionados e comentados. Durante o dia, no
trabalho, as conversas com os colegas confirmam suas idéias. Nos
momentos de lazer, no cinema, no teatro, na leitura de revistas, sua
visão de mundo consolida-se através de formas variadas, sublimadas,
atraentes. À noite, antes de dormir, a última transmissão de notícias
prepara-o para uma nova etapa de esclarecimento.
121
Assim, na Alemanha nazista deu-se a mesma importância aos filmes de atualidades
que aos filmes de ficção, sendo que em um primeiro momento os documentários tiveram uma
certa preferência pelo fato de “refletirem a realidade”, tendo ganho mais força com o advento
do filme sonoro, pois agora poderiam utilizar recursos adicionais como a voz off e o
acompanhamento musical. Já o filme de ficção era uma mistura original do filme comercial
hollywoodiano e do filme político russo, do primeiro incorporava o seu sistema dos grandes
estúdios e o seu modelo do star-system enquanto do outro assimilava seu realismo
pedagógico, seu caráter épico e revolucionário.
Os alemães se atentavam para um dos princípios fundamentais de seus cinejornais, o
“refletir a realidade”. Esta preocupação em imprimir na película o real dava espaço para a
constante utilização de cenas de caráter jornalístico nesses filmes, logo, ao invés de utilizarem
cenários de guerra fabricados, procuravam filmar as tomadas na frente de batalha. Esse
artifício procurava fortalecer a confusão entre veracidade e verdade. Porém, a força dessas
imagens “verídicas” estava na associação com outros elementos discursivos do próprio
cinema, como o contraponto com a voz-off. Não se tratava de informar, mas de provocar
alusões, forma que priorizava atingir o inconsciente coletivo suprindo a capacidade de
compreensão das platéias. Apelava-se para as emoções. No entanto, segundo Kracauer,
122
como o cinema de propaganda nazista visava o “Todo”, não se tratava simplesmente de
120
NAZÁRIO (1994), Op. cit., p. 226.
121
Idem, Ibidem, p. 310.
122
KRACAUER, Siegfried (1947). De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. Trad.
Teresa Otoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 339.
72
substituir o real em si por outras instituições, uma vez que tendo feito isto a imagem da
realidade não seria destruída, mas apenas banida, logo, continuaria a existir no subconsciente,
colocando em perigo a legitimação do regime. A maior tarefa dos propagandistas nazistas era
evitar que o regime convivesse com a ameaça constante destas lembranças, por isso, melhor
do que tolerá-las, procurava-se pinçar dos mais recônditos esconderijos da alma cada opinião
independente a fim de bloquear qualquer impulso individual.
O cinema de Leni Riefenstahl foi exemplar nesse sentido. Com ela o filme de
propaganda nazista se superava, elementos diegéticos como as imagens da cidade inundada
por um mar de bandeiras esvoaçantes com a suástica, as multidões militarmente ordenadas
enquanto as câmeras exploravam muitos rostos, uniformes, objetos e detalhes arquitetônicos,
as imagens do “corpo saudável” do atleta ariano contribuíram para tornar o nacional-
socialismo parte do cotidiano dos alemães. O fascínio da diretora pelos ideais de belo, força e
saudável levaram-na a procurar em sua obra a expressão da harmonia, que foi bem sintetizada
em filmes como O Triunfo da Vontade (1934) e Olimpíadas (1938).
Foi durante a ascensão do nazismo na Alemanha que Leni Riefenstahl surgiu para o
mundo como responsável por retratar na tela a estética nazista de Força e Beleza, de
proporcionar aos espectadores de seus filmes uma visão harmônica e bela de um povo que
clama pelo seu Füher. Ainda hoje, a polêmica diretora nega qualquer envolvimento seu com o
nazismo e o caráter propagandístico de seus filmes, afirmando que seus trabalhos são
verdadeiros documentos de uma época, sempre pautados por uma busca constante pelo Belo,
acima de tudo, até mesmo da política e da história. Mas ela não escapa do estigma: “a cineasta
de Hitler”. Riefenstahl foi convidada pessoalmente pelo chefe nazista para realizar um filme
artístico sobre o II Congresso do Dia do Partido do Reich, realizado em Nuremberg entre 5 e
20 de setembro de 1934. Hitler acreditava em seu potencial artístico, não desejava apenas
registrar o evento, mas encená-lo para as objetivas, tanto que a diretora contou com um apoio
técnico capaz de invejar qualquer cineasta hollywoodiano: 18 operadores de câmera, 16
operadores de atualidade, cerca de 15 assistentes e 4 equipes de tomadas de som, como
também outros tantos de iluminadores, além de uma plataforma de oito metros acima do solo
e uma grua em forma de elevador de 30 metros de altura.
123
Para aumentar a polêmica em
torno da figura de Riefenstahl, a película arrebatou vários prêmios como a Medalha de Ouro
no Festival de Veneza em 1935 e o Grand Prix no Festival de Paris em 1937, prêmios que
123
NAZÁRIO, Luiz. O eterno retorno de Leni Riefenstahl. Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, v. 94, n. 4, 2000. p.
16.
73
mais tarde seriam retirados durante o apogeu do nazismo, devido à sua relação com o Partido
Nacional-socialista.
Para Nazário, o que realmente impressiona em O Triunfo da Vontade não é sua técnica
cinematográfica, mas a realidade que era oferecida nas telas. Para ele as imagens dos tapetes
humanos em completa histeria são as provas de que “o filme realizou cinematograficamente a
unidade da massa no movimento nazista, com Hitler como o Führer”.
124
Olimpíadas foi
produzida como uma espetacular reportagem cinematográfica esportiva dos XI Jogos
Olímpicos, realizados no Estádio Olímpico de Berlim, transformado em um gigantesco
estúdio cinematográfico. Esse filme nascia do bojo de uma numerosa produção de
documentários que celebravam a superioridade física e mental da “raça ariana”, com cenas
que contrapunham às imagens do torto, do deformado, do doentio, do feio. Assim, segundo o
autor, trata-se de imagens de uma insensibilidade diante do sofrimento alheio que piora
quando percebido que vem acompanhadas de uma aguda percepção do Belo, o que equivale
dizer que, de fato, a ideologia nazista e a estética de Força e Beleza, privilegiando as imagens
da vitalidade, as representações dos corpos nus musculosos, encontraram nos filmes de
Riefenstahl sua cristalização.
125
Essa busca incessante de Leni Riefenstahl por tudo aquilo que era Belo ficou
registrada nas páginas da Revista Cahiers du Cinema durante uma entrevista: “Eu posso
simplesmente dizer que me sinto espontaneamente atraída por tudo que é belo. É, a beleza, a
harmonia [...]. O que quer que seja puramente realista, uma fatia da vida, que é mediano,
cotidiano, não me interessa [...]. Sou fascinada pelo que é belo, forte, saudável, que é vivo.
Busco a harmonia. Quando a harmonia se produz, eu sou feliz”.
126
Esta seria a sua defesa e a
de seus admiradores. Mas em resposta a este esteticismo declarado da cineasta alemã, Sontag
vê uma estética que reproduz o controle e a servidão. Para ela o Belo que Riefenstahl encontra
nos corpos dos homens Nuba, assim como nos dos atletas e soldados alemães, não passa de
um fascínio pela estética fascista, um fascínio pelo ideal da vida como arte, pelo culto à
beleza, pelo fetichismo da coragem, pela dissolução da alienação em sentimentos extáticos de
comunidade, pelo repúdio ao intelecto, pela família regida pelo homem. Um encanto pelo
fascismo, pelo poder, em que os nazistas se apropriam de todo um ideal romântico que tem no
sacrifício à pátria, na constituição de uma raça superior — a ariana — um sentimento sublime.
De um lado as imagens “belas” dos filmes de Riefenstahl são estímulos às multidões de
124
NAZÁRIO (2000), Op. cit., p. 19.
125
Idem, Ibidem, p. 29.
126
RIEFENSTAHL, Leni. apud. SONTAG, Susan. Fascinante fascismo. In: Sob o signo de saturno. Porto
Alegre, RS: L&PM, 1986. p.68.
74
alemães a participarem da construção de uma nova Nação, do outro a imagem instituída do
Terceiro Reich é aquela que comove o povo alemão a se sentir pertencente, se identificar com
algo superior a ele.
127
Segundo Sontag, a força do trabalho da diretora está precisamente na
continuidade de suas idéias políticas e estéticas; ainda na década de 1970, Riefenstahl buscava
nas imagens dos Nuba, uma tribo africana, a utopia da estética fascista: a perfeição física.
128
Ainda hoje os filmes de Leni Riefenstahl e a sua figura polêmica causam impacto
entre nós, a legendária “cineasta de Hitler” foi tema de inúmeros documentários para televisão
e cinema como o filme A Deusa Imperfeita — Leni Riefenstahl (1993) de Ray Müller. A
diretora alemã morreu em sua casa em Poecking, no sul de Munique, no dia 8 de setembro de
2003, aos 101 anos. Em 2001, quando do lançamento de sua autobiografia, a cineasta retornou
à mídia e atualizou o debate a respeito da relação cinema e política, o fascínio do Belo que
suas obras exercem nos espectadores continuou sendo o mote. Para Andrade, as críticas que
se fazem ao cinema de Riefenstahl descartando-o como propaganda são muito mais
reconfortantes do que reconhecer como a beleza de suas imagens pode ser perigosa, ou seja,
“o que torna seu cinema tão perturbador não é a distância entre suas convicções e as nossas; é
o fato bem mais traumático e singelo de que sua obra criou um ideal de beleza que não
podemos nem negar nem admitir”.
129
Nesse sentido, um estudo recente de Rovai a respeito de
O Triunfo da Vontade aponta que uma possível explicação para a força impactante deste filme
ainda hoje em nossa sociedade seria a maneira pela qual o nazismo é associado a uma
promessa de felicidade, que também é fascinante. O autor procura demonstrar como conceitos
de harmonia, alegria, afetividade, nitidamente presentes na película que serviu de propaganda
ao nazismo, reforçaram “uma tendência ainda hoje vitoriosa, qual seja, a de transformação de
todos os conteúdos numa forma agradável de ser vista, divertida, esportiva ou triste (pouco
importa, desde que emocionante).”
130
127
KANT, Emmanuel (1764). Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Trad. Vinicius de
Figueiredo. 2. ed. (1ª edição 1993). Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 22; 30.
128
SONTAG, Op. cit., p. 73; 76-77.
129
ANDRADE, Sérgio Augusto de. “O perigo da beleza: as obras de Leni têm mais poder do que supomos”.
Revista Bravo. ano 4, n.44, maio 2001, p.14. Ver também CARVALHO, Olavo de. “A tensão inevitável: não há
como negar o conflito entre ética e estética”. Revista Bravo. ano 4, n.44, p.22-25, maio 2001; ESTENSSORO,
Hugo. “A interpretação de Leni”. Revista Bravo. ano 4, n.44, p.26-34, maio 2001; HOINEFF, Nelson “As
técnicas da manipulação: como a cineasta criou, menos que documentários, extraordinárias peças de
propaganda”. Revista Bravo. ano 4, n.44, p.33, maio 2001; GALISI, José “A simbologia da culpa: o autor de A
Sedução do Talento, Rainer Rother, analisa a função das imagens da cineasta na Alemanha”. Revista Bravo. ano
4, n.44, p.35-37, maio 2001.
130
ROVAI, Mauro Luiz. Imagem-movimento, imagens de tempo e os afetos “Alegres” no filme O Triunfo da
Vontade, de Leni Riefenstahl: um estudo de sociologia e cinema. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 13.
75
Para Rovai, a concepção de belo de Riefenstahl encontrou íntima afinidade não com
uma estética nazista, mas com um projeto do Reich alemão. Assim, a obra da cineasta vai
além de um instrumento de propaganda, suas imagens grandiloqüentes e clichês não nos
oferecem um filme de propaganda fascinante do nazismo, mas a própria construção do
fascínio de que hoje a imagem é capaz. A forma como os acontecimentos são captados e
montados pelas objetivas de Riefenstahl configuram uma nova maneira de reapresentá-los: o
filme tem a capacidade de aproximar estes acontecimentos dos espectadores, tornando-os
cotidianos, familiares e encantadores.
131
É nesse sentido que investigo os cinejornais do Governo Vargas, procuro neles
imagens que funcionem como mecanismos de identificação entre o povo e a ideologia
estadonovista, artifícios fascinantes capazes de aproximá-los. Com que imagens os filmes de
atualidades procuravam tornar o Estado Novo presente no cotidiano dos cidadãos? Esta
resposta só pode ser dada após compreendermos como se deu a relação entre Estado e cinema
durante o Governo de Getúlio Vargas, como foram constituídas as bases para uma propaganda
política nacional.
2.2 – Estado Novo e Cinema
“O cinema brasileiro, no conjunto, ainda é um desconhecido”. Foi assim que Paulo
Emílio, um dos principais críticos de cinema do país, introduziu sua fala na I Mostra e I
Simpósio do Filme Documental Brasileiro, realizado em Recife, Pernambuco, em novembro
de 1974. Ele apontava a escassez dos estudos dedicados ao nosso cinema na época,
principalmente em relação aos filmes documentários. Pouco já se sabia sobre o ciclo primitivo
do cinema brasileiro, da produção realizada a partir dos fins do século XIX até
aproximadamente o início da Primeira Guerra Mundial, mas o que se seguiu a isso era coberto
por um completo desconhecimento, um vazio preocupante, que se agravava ainda mais tendo
em vista que foram os filmes documentários (ou “naturais” como eram conhecidos na época)
e os cinejornais que moveram a atividade cinematográfica nacional durante anos,
proporcionando até mesmo as condições para a realização de projetos de filmes de ficção. Na
maioria das vezes estes filmes documentais eram feitos por encomenda, seja publicitário ou
131
ROVAI, Op. cit., p. 307.
76
de exaltação a alguma personalidade, além dos institucionais encomendados pelo Estado.
Destaca-se a contribuição do pioneirismo de Gilberto Rossi no início dos anos 20, ao decidir
filmar para o então Governador de São Paulo, Washington Luiz. O Rossi Atualidades abria o
caminho para outros jornais cinematográficos sustentados por propaganda política ou
comercial, proliferavam novas produtoras por todo o país, como a Campos Film, a Guarany
Film, a Santa Therezinha Film, a Rex Film entre outras. Mas era a Rossi Film que dominava o
setor, uma vez que ao reunir eficiência com a subvenção governamental e a distribuição
garantida Gilberto Rossi conseguia produzir seus filmes mais rápido, chegando a exibir no
mesmo dia as películas que eram rodadas à tarde.
Entretanto, o cinema de “cavação” — como denominado pela historiografia do cinema
brasileiro —, por mais que tenha realizado filmes de caráter propagandístico, tanto político
quanto comercial, não era sinônimo de uma produção cinematográfica incorporada a um
projeto de propaganda estatal. Isso só iria ocorrer a partir da instituição do Governo
Provisório, mas ainda de maneira muito sutil, para só com a criação do Estado Novo o cinema
e outros meios culturais serem incorporados definitivamente a um programa de constituição
da nacionalidade. Antes disto, este cinema se contentava em retratar basicamente dois temas
ufanistas: o Berço Esplêndido, que era o culto das belezas naturais, e o Ritual do Poder,
fundamentado em torno da figura do Presidente da República. Assim, as câmeras adentravam
no Brasil como “bandeirantes”, desvendando as mais preciosas paisagens dos rincões desse
país, como também retratando o cotidiano do homem brasileiro. No entanto, estes filmes
sofreram inúmeros ataques dos intelectuais e da imprensa da época que repudiavam a imagem
“negativa” do Brasil que eles podiam transmitir no caso de serem exibidos no exterior. Assim,
preferiam que todos os recursos fossem canalizados para o filme de ficção:
Nenhum país como o Brasil se presta mais sobejamente a ser filmado.
Pode-se asseverar que ele é essencialmente fotogênico. Por que explorar
somente o seu sertão e a população deste ainda inferior? [...] Precisamos
de filmes que mostrem as nossas obras de arte, as nossas avenidas, todas
as nossas riquezas, enfim. Todos somos mais ou menos como o nosso S.
Tomé: só cremos no que vemos. E o estrangeiro, então, quando, ralado
de inveja, não acredita nem mesmo no que seus olhos enxergam [...].
132
De fato, os intelectuais do cinema brasileiro dos anos 20 e 30 recusavam na tela a
imagem de um Brasil mestiço, de índios, negros e brancos, muitos deles vivendo em
132
Revista Cinearte. apud. GOMES, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema
mudo brasileiro (1898-1930). In: CALIL, Carlos Augusto. MACHADO, Maria Teresa (org.). Paulo Emílio: um
intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 328.
77
condições de miséria. Alguns até acreditavam que o cinema documental tinha o compromisso
de levar a civilização para o interior do país, assim como pensava Mario Behring, o diretor da
Revista Cinearte, uma das principais publicações do período que, em geral, era contra o
gênero — esta visão de um cinema “civilizador” mais tarde estaria presente também no
pensamento de Getúlio Vargas. Porém, segundo Paulo Emílio, deu-se um outro sentido à
missão do filme documentário: cabia a ele “levar para o litoral a visão do atraso insuportável
do interior”.
133
Como se vê, o cinema de “cavação” é a origem estética dos jornais
cinematográficos produzidos pelo Estado Novo, com uma ou outra peculiaridade. Assim,
seria necessário aguardar até os fins da década de 1930 para que houvesse, de fato, uma
relação entre o Estado e o cinema brasileiro, porém com uma ressalva, a atenção seria voltada
para os filmes de atualidades, pouco se interessaria pelos filmes de ficção.
Após o movimento de outubro de 1930, que teve uma valiosa contribuição dos
“tenentes” revoltosos em seu êxito, Getúlio Vargas assume a presidência provisoriamente.
Segundo Borges, todas as vozes envolvidas no cenário político nacional da época tinham o
conceito “revolução”, muitas vezes adjetivado como “brasileira”, como o centro de todas as
suas discussões, o que procurava sugerir aos acontecimentos um sentido de legítimas
transformações estruturais na sociedade brasileira. Aqui, a idéia-imagem de “revolução” era
apoiada pela expressão “questão social”, buscando no povo o seu legitimador. Assim, para a
autora, cada grupo de adversários daria um rumo a este conceito conforme seus objetivos
políticos:
Uma primeira posição afirma que a Revolução está terminada; foi um
movimento eminentemente civil, político, que — infelizmente! —
teve um momento militar e que se estruturou a partir da AL [Aliança
Liberal], sua campanha e seu programa, os grandes responsáveis pela
tomada de poder. [...] Esse conceito pode ser esquematizado sob o
rótulo de “Revolução política”, chamada do momento de “mera troca
de homens no poder”. [...] Mas segundo a posição de outra vertente
cognominada de “outubrista”, a “Revolução” está longe de terminar,
pois se inicia com a tomada de poder. É um movimento mais amplo de
transformações de caráter social; sua mola propulsora teriam sido as
rebeliões militares de 22-24 e esses dois movimentos, juntamente com
o de outubro de 30, constituem as três etapas fundamentais do que é
chamado muitas vezes de “A Grande Revolução Brasileira”. O
conceito pode ser esquematizado sob o rótulo de “Revolução
social”.
134
133
GOMES (1986), Op. cit., p. 329.
134
BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 114-115.
78
Este sentido “social” atribuído ao movimento de 1930 procurava impedir que
ocorresse uma mudança radical de caráter popular, como a revolução bolchevique na Rússia
de 1917, logo, o movimento político-militar fora responsável por constituir um novo
alinhamento de forças no país e a rearticulação do poder político, o que não representou uma
mudança efetiva na estrutura de classes — ou seja, não se ascendeu ao poder uma nova classe
dominante, seja a burguesia industrial ou o operariado —, mas inaugurou uma nova fase na
relação Estado e sociedade, em que se privilegiava o papel do Estado, como garantia do bem
comum. No entender de Luiz Carlos Prestes, não teria havido “revolução” alguma: “mas o Sr.
Getúlio Vargas era um latifundiário, tal como os latifundiários paulistas e mineiros que
dominavam a política brasileira. Não poderia, portanto, haver mudança alguma. O que houve
em 1930 foi uma simples troca de oligarquias — a oligarquia gaúcha, vitoriosa, substituiu a
oligarquia paulista. Não foi mais nada do que isto. E, mais adiante, essa oligarquia gaúcha
marchou para o ‘10 de novembro’”.
135
Com Getúlio Vargas no poder o novo quadro político
do Brasil exigia mudanças, visando o que se resolveu denominar de “questão social” surgia,
então, um Estado intervencionista, capaz de atuar nas diversas instâncias do organismo
econômico, político e social do país. As promoções da “justiça social”, da harmonia entre as
classes e do desenvolvimento econômico seriam as respostas para uma situação de crise que
apontava no decorrer dos primeiros anos da década de 30, em que, constantemente,
articulavam-se as imagens de “desordem”, de “anarquia”, de “caos” etc. Neste sentido, o
reconhecimento da “questão social”, tivera para Gomes um caráter revolucionário, já que
desta vez os problemas econômicos do país foram tratados sob o viés da política, uma vez que
estes exigiam e só se resolveriam por meio da intervenção do Estado. A legislação social seria
a garantia de “felicidade” dos trabalhadores.
A verdadeira democracia encontrava-se no caráter realista e humano
do novo Estado, que fecunda a natureza e a cultura brasileiras como o
esforço do trabalho, protegido e amparado pelo governo. Estabelecer
um novo começo, estabelecer a democracia no Brasil, era avançar em
direção ao trabalhador que materializava por suas potencialidades e
necessidades a finalidade orientadora do Estado Nacional.
136
Esse amparo do Estado brasileiro ao trabalhador preenchia o significado que se
pretendia dar ao movimento de outubro. Do seu bojo a imagem de “revolução” se associava a
135
PRESTES, Anita Leocádia. Getúlio Vargas: depoimento de Luiz Carlos Prestes. In: SILVA, José Luiz
Werneck da (org.). O Feixe: o autoritarismo como questão teórica e historiográfica. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
p. 82.
136
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Vértice, 1988. p. 215.
79
uma idéia de “ruptura”, o mesmo ocorreria quando do advento do Estado Novo, logo seus
ideólogos se encarregariam de criar a sensação de que o Brasil só poderia concretizar a
ruptura anteriormente processada se instituísse um novo Estado, forte e centralizador, capaz
de garantir a segurança nacional e manter a ordem e a harmonia que o país tanto lutara desde
1930.
137
O Estado Novo era concebido como um processo de transição inevitável e natural.
Neste clima de “crise” anunciada o Governo Vargas e suas autoridades procuravam
formas para legitimar a sua permanência, era necessário sustentar a imagem de que a
sociedade seria vítima de um desarranjo, de uma desordem social, que exigia de todos a
“participação” no processo edificador de uma Nação homogênea. No Brasil de Vargas, a
exemplo dos regimes reacionários europeus, também se via a necessidade da mitificação do
“tempo de antes”, aqui “a crise é usada para fazer com que surja diante dos agentes sociais o
sentimento de um perigo que ameaça igualmente a todos, dá-lhes o sentimento de uma
comunidade de interesses e de destinos e leva-os a aceitar a bandeira da salvação da sociedade
supostamente homogênea”.
138
Assim, segundo Camargo, as autoridades brasileiras da época
fizeram uso da ameaça comunista como um instrumento capaz de reforçar a unidade militar e
canalizar as atenções gerais para a defesa dos “interesses nacionais”. Daí a apresentação à
Nação pelos chefes militares de um plano do Partido Comunista russo de tomar o poder, no
qual se previa até mesmo o assassinato de líderes civis e militares. Esse plano ficou conhecido
como o Plano Cohen, um trabalho elaborado pelo serviço secreto da AIB, mas que foi
rejeitado pelo chefe da organização, Plínio Salgado, devido considerá-lo um tanto fantasioso,
ou seja, não convenceria o povo de uma imagem pejorativa dos comunistas. Entretanto, não
foi assim que pensou o Estado-Maior do Exército brasileiro, que o julgou apropriado para o
momento.
139
O Plano Cohen contribuiu para exacerbar os sentimentos de medo e angústia do povo,
perfeitos para alimentar a mobilização em torno dos mitos políticos, permitindo que Vargas
decretasse o estado de Segurança Nacional, o primeiro indicativo que justificaria mais tarde o
golpe de novembro de 1937. Foi criada em outubro de 1937 a Comissão Executora do Estado
de Guerra que logo divulgou suas resoluções, contidas em 14 pontos, agrupados em 4 itens
definidos da seguinte forma:
137
Ver CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional: sua estrutura seu conteúdo ideológico. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1940. p. 35-36; 72; AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e a realidade nacional. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1938. p. 38-39. Ambos os autores enfatizam que a “revolução de 1930” somente se efetivou em
10 de novembro de 1937, quando da criação do Estado Novo.
138
CHAUI, Marilena. Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira. In: Ideologia e
Mobilização Popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 129.
139
CAMARGO, Aspásia. O Golpe Silencioso. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1989. p. 214-215.
80
I – Medida de caráter imediato:
1. Proceder a prisão de todos os suspeitos de atividades comunistas com devassa
sobre sua vida passada e presente.
II – Medidas de caráter preventivo:
2. Criar “colônias agrícolas” de reeducação de comunistas não perigosos;
3. Organizar “campos de concentração militares” para a reeducação dos
elementos jovens simpatizantes do marxismo;
4. Designar prisão em ilha da União para receber os chefes, insufladores e
propagandistas ostensivos da ideologia marxista;
5. Criar campos de concentração em moldes escotistas para os filhos de presos
comunistas;
6. Organizar comissões para todos os graus de ensino para o combate sistemático
ao comunismo;
7. Criar uma sistemática entre professores através dos ministérios e secretarias,
para a realização de preleções curtas diárias contra o comunismo;
8. Apresentar todo o material didático simpático ao comunismo;
9. Obrigar a imprensa a uma campanha anticomunista.
III – Medidas de caráter permanente a serem solicitadas ao presidente da República:
1. Leis que garantam, sem caráter excepcional, o cumprimento das decisões
acima;
2. Julgamento sumário, condenação e segregação dos elementos nocivos à paz e à
ordem sociais;
3. Detenção, com ou sem estado de guerra, de todos os simpatizantes do
comunismo;
4. Criação da Polícia Federal, facultando a repressão ao comunismo em qualquer
parte do território nacional.
IV – Medidas repressivas:
1. Preparar todas as condições de repressão a movimentos comunistas ou de
perturbação da ordem usando-se, nesse caso, todo o vigor da lei nacional.
140
Como se vê, todo o ambiente estava sendo preparado para que a partir dele pudesse ser
forjado um novo Estado. Segundo o discurso oficial tratava-se de uma fase transitória da
140
CAMARGO, Op. cit., p. 219-220.
81
política nacional que, definitivamente, colocaria em prática os anseios e os ideais políticos
que incitaram a “revolução de 1930”. Gradualmente Getúlio Vargas ia construindo as
condições de sua permanência no poder, legitimando a necessidade de um Estado forte e
centralizador capaz de constituir uma sociedade harmônica e homogênea, diferente daquela
marcada por greves, manifestações, lutas de classe. Não havia mais espaço para conflitos
ideológicos entre os diversos grupos sociais, era tempo de todos auxiliarem na edificação de
uma nova Nação, mais “justa”, mais “democrática”. Desta forma, Francisco Campos
preparava às escondidas, a pedido de Getúlio Vargas, uma nova carta constituinte que seria
outorgada em 10 de novembro de 1937, sinalizando um golpe silencioso que, para Camargo,
“foi o desfecho quase pacífico de inúmeras tensões e conflitos que se desenvolveram no
Brasil ao longo da década de 30, e que foram se acomodando gradualmente em composições
sucessivas. Por isso mesmo foi silencioso e, quando chegou, não encontrou resistências.”
141
Nas palavras lidas por Getúlio Vargas no Palácio do Guanabara e irradiadas por todo o
país, naquela noite de 10 de novembro de 1937, fica evidente a dimensão de salvação nacional
que foi atribuída ao regime que se instituía:
Para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do
país e garantir as medidas apontadas, não se oferecia outra alternativa
além da que foi tomada, instaurando-se um regime forte, de paz, de
justiça e de trabalho. Quando os meios de governo não correspondem
mais às condições de existência de um povo, não há outra solução
senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação. A Constituição
hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se
considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma
democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados,
dentro das linhas tradicionais da federação orgânica [...].Era
necessário e urgente optar pela continuação desse estado de coisas ou
pela continuação do Brasil. Entre a existência nacional e a situação de
caos, de irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos,
não podia haver meio termo ou contemporização. [...] Restauremos a
Nação na sua autoridade e liberdade de ação: na sua autoridade,
dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa
sobrepor-se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua
liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e
os fins do Governo e deixando-a construir livremente a sua história e o
seu destino.
142
Para que se materializasse o projeto nacional-desenvolvimentista que Getúlio Vargas
tinha para esse novo Brasil, o Estado contava com o apoio das multidões de trabalhadores
141
CAMARGO, Op. cit., p. 249.
142
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. 5, Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. p. 28; 31-32.
82
urbanos. É durante a vigência do Estado Novo, pautado pela ideologia do trabalhismo, que o
imaginário social era preparado para conceber o “Trabalho” como elemento essencial para o
progresso da Nação. O “Trabalhador” passa a ser sinônimo de cidadão brasileiro, o novo
cidadão da “democracia social” proposta pelo regime; o vadio e a malandragem são postos
para o lado de fora do social. Uma vez nas cidades, as máquinas, os bondes e o ritmo
acelerado auxiliam na construção da redoma da modernidade, já no campo, a vastidão das
terras áridas, a lentidão em que o tempo transita denunciam o atraso, mas logo substituídos
pelos tratores que abrem as estradas que irão permitir a comunicação entre o sertão e o litoral.
Esta aproximação que o Governo Vargas fez das multidões de operários foi uma saída
política em busca da legitimação do regime que, sustentado pela legislação trabalhista, pôde
manter o governo “estável” às sombras de uma “democracia social”, em que o novo ator era o
trabalhador. Segundo Gomes, as políticas desencadeadas desde 1930 e, principalmente, após
1937, legitimaram de fato um diálogo entre a elite e o povo que, anteriormente, seria difícil de
se imaginar e, portanto, fizeram do movimento revolucionário de 30 uma “revolução
autêntica”. Ainda segundo a autora, a ideologia do trabalhismo, que estava no cerne do
projeto estadonovista, era forjada pelo mito da outorga, em que entre Estado e povo havia um
“pacto social”, ou seja, o povo revelava à autoridade suas necessidades e esta, por sua virtude
e sensibilidade, captava e executava este sinal que existia implicitamente, cabendo aos
trabalhadores, no final, retribuírem a “doação” do Chefe da Nação com o seu trabalho, pois,
somente assim, o país alcançaria o desenvolvimento. Desta forma, Gomes concebe que, no
Brasil, o trabalhador obteve por outorga do Estado — que se antecipava e elaborava a
legislação — sem lutas, os benefícios que tanto custaram a outros povos. Em troca, o
trabalhador brasileiro oferecia seu apoio e obediência ao novo Estado.
A classe trabalhadora, por conseguinte, só “obedecia” se por
obediência política ficar entendido o reconhecimento de interesses e a
necessidade de retribuição. Não havia, neste sentido, mera submissão
e perda de identidade. Havia pacto, isto é, uma troca orientada por
uma lógica que combinava os ganhos materiais com os ganhos
simbólicos da reciprocidade, sendo que era esta segunda dimensão que
funcionava como instrumento integrador de todo o pacto.
143
Em contrapartida a esta idéia de “pacto social”, Paranhos ao propor traçar as origens
da ideologia do trabalhismo apresenta elementos fundamentais para que possamos
compreender o universo mítico criado em função da “legislação social”. Para ele o mito de
143
GOMES (1988), Op. cit., p. 195.
83
doador aplicado ao Chefe da Nação, difundido durante o Estado Novo, foi o instrumento de
legitimação do regime: Getúlio Vargas era o componente simbólico do Estado Novo. Segundo
Paranhos, a ideologia do trabalhismo surgiu ligada ao culto ao “Estado autoritário” e ao seu
“criador”. Assim, o autor diverge das idéias de Gomes contrapondo ao conceito de “pacto
social” o de “reserva de mobilização”. Compreende-se, então, que não se pode falar em pacto
quando a uma das partes foi tolhido o direito de exprimir a própria voz. Trata-se que as
medidas tomadas pelo Estado Novo na área trabalhista (CLT, salário mínimo, incentivo à
sindicalização), incrementadas principalmente após a entrada do Brasil na Segunda Guerra
Mundial, buscavam a formação de uma “reserva de mobilização” para assegurar o regime em
momentos de crise. Porém, para Paranhos, o mito da “doação” só teve forças no Governo
Vargas por não agir no vazio, existiam bases concretas (a legislação) para que este mito se
fortificasse.
Esta operação de mitificação de Vargas e do Estado era responsável por justificar
a incapacidade política dos trabalhadores:
De toda maneira, é inegável que a “concessão” dos direitos sociais,
propagandeada como obra da “generosidade” e da “capacidade de
antevisão” de Vargas, cumpriu, entre outras, a função de amortecedor
do impacto das lutas de classe. [...] Nesse sentido, ao promover a
glorificação do Estado — e de Vargas, sua personificação — como o
agente que zela e vela pelos interesses dos trabalhadores, a ideologia
do trabalhismo alimentou a reafirmação da incapacidade política das
classes trabalhadoras.
144
Assim, a resposta do Estado às lutas das classes trabalhadoras foi a apropriação das
palavras (as imagens) operárias, reelaborando-as a favor dos interesses dominantes. A
ideologia do trabalhismo tratava logo de se apropriar dos discursos dos trabalhadores, ou seja,
“roubavam” suas falas e as reformulavam, para só depois devolvê-las como mito. Para o
Estado Novo, o mito da doação serviria como instrumento de legitimação do regime. Desta
forma, como apontado por Lenharo, “qualquer concessão do Estado à classe trabalhadora vem
acompanhada de uma contrapartida que lhe é fatal: significa sempre uma nova volta no
parafuso da opressão e da dominação”.
145
O Estado Novo caracterizava-se por um duplo
144
PARANHOS, Adalberto. O Roubo da Fala: origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo:
Boitempo Editorial, 1999. p. 25. O autor também evidencia que a ideologia do trabalhismo não foi inteiramente
absorvida pela população e que é possível encontrarmos indícios de insatisfação e resistência, tendo em vista que
o discurso estatal exprime mais um projeto (uma intenção) do que propriamente uma operação. Esta concepção
também se aplica aos cinejornais, compreendendo-os como instrumentos que servem a uma intencionalidade
posta no projeto totalitário do Estado Novo, que se refere ao imaginário de uma sociedade una, indivisa e
homogênea.
145
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, SP: Papirus, 1986. p. 28.
84
caráter, de um lado era repressivo, autoritário, mas do outro reorganizava as imagens em torno
da sacralização de um poder que se justificava pelas idéias de “Nação”, de “Progresso” e
“Unidade”. Em um regime que pretende ser um “Todo Orgânico” a Nação é associada à
imagem do corpo uno, indivisível e harmonioso, sendo que cabia ao operário a “doação” de
seu esforço físico, de seu corpo disciplinado pelas máquinas enquanto instrumento de
trabalho, para que se alcançasse o objetivo do desenvolvimento nacional.
Em relação a este sentido mítico atribuído ao Estado Novo, veremos que, pela primeira
vez, no Brasil se operaria, com base na figura de Getúlio Vargas, a personificação do Estado.
O povo reconhecia em Vargas o Estado encarnado, o Estado dotado de vontades e de virtudes
humanas, assim acreditava Francisco Campos, ideólogo do regime: “nós podemos dizer, a
esta altura do regime, que o Estado Novo é o Presidente — a realização dos seus intuitos, o
desdobramento do seu programa, a projeção da sua vontade — e nele tem o seu mais proveito
doutrinador e o defensor mais intransigente e valioso.”
146
Como se vê, imagens como “Estadista”, “Chefe onisciente e onipresente”, “Pai dos
pobres” marcam a personalidade mítica de Getúlio Vargas, a ideologia estadonovista conhecia
a fundo os mecanismos da política moderna, o Estado não passava de uma projeção simbólica
da unidade da Nação, unidade que seria composta muito mais por elementos irracionais do
que racionais, uma vez que o mito (as imagens) interage com as emoções, são interpretes de
desejos e angústias do homem. O Estado Novo se utilizava destes elementos irracionais, as
imagens, para incorporar as multidões de trabalhadores no projeto político nacional, uma vez
que “a integração política pelas forças irracionais é uma integração total, porque o absoluto é
uma categoria arcaica do espírito humano”.
147
Pela primeira vez no país, o governo custeava
abertamente a sua própria propaganda, com o intuito de “educar doutrinando”; durante o
Governo Vargas arte e cultura estavam a serviço da Nação, daí a tamanha importância dada a
instrumentos como o rádio, o cinema, a imprensa: “O Estado quer fazer do rádio, do cinema,
da música instrumentos de formação de bons hábitos, de ‘civilização’, de fortalecimento do
sentimento de unidade nacional.”
148
Assim, acredito que o papel exercido pelos meios de comunicação, excepcionalmente
o cinema no pós-37, era o de instrumentos legitimadores do Estado Novo, mas uma
“legitimação mobilizadora". O regime só conquistaria legitimidade política se conseguisse se
fazer reconhecer na vida cotidiana do povo, mas para isto, contaria com a força mobilizadora
146
CAMPOS, Op. cit., p. 114.
147
Idem, Ibidem, p. 13.
148
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Vargas, os intelectuais e as raízes da ordem. In: D’ARAUJO, Maria Celina (org.).
As instituições da era Vargas. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 95.
85
da arte e dos produtos de expressão cultural. Como apontou Oliveira, com os meios de
comunicação e as instituições educacionais sob controle, o Estado pretendia usufruir do
caráter pedagógico e “civilizador” destes dispositivos para criar uma identidade nacional, a
imagem de uma Nação Una, onde o “Nós” seria vitorioso sobre o “EU”.
2.2.1 – “Pai dos pobres”: Getúlio Vargas “adota” o cinema
É fato que a apropriação dos meios de comunicação pelo Estado brasileiro não foi uma
prática decorrente apenas do que se seguiu aos anos 30 no país, mas foram as experiências
advindas da República Velha, principalmente com a imprensa, que nortearam os primeiros
passos de um modelo de coerção e controle dos meios de comunicação para a construção da
nacionalidade, que somente ganharia um corpo consistente com a criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda em 1939. Os anos que antecederam o movimento de 1930 eram
marcados por uma forte presença da imprensa no jogo político nacional, sendo que ao lado
dos jornais porta-vozes dos interesses políticos e econômicos dos grupos oligárquicos no
poder, conviviam uma diversidade de jornais político-partidários, como os jornais operários.
Estes sofriam constantes censuras oficiais, muitas vezes tinham suas redações e tipografias
invadidas e depredadas, tudo porque eram interpretados como transgressores da ordem. Já o
cinema, nos anos 20, não mereceu a mesma atenção do que a imprensa, ainda não se via nele
um instrumento para a política. Apesar de alguns cinejornais e documentários serem
financiados pelo Estado ou procurarem retratar as personalidades políticas da época, não
equivaleria dizer que representavam uma intervenção estatal, uma vez que os únicos sinais de
um intervencionismo se limitavam às censuras de cunho moral, às taxas e impostos. Ou seja,
ainda não se tinha uma diretriz a respeito do que o cinema deveria realmente exibir (dizer),
muito menos, quais as suas implicações ideológicas.
149
O cinema neste período ficaria mais a
cargo do mercado nacional, que preferia os “enlatados” europeus e norte-americanos, na sua
maioria filmes de enredo.
149
Para um melhor detalhamento sobre a utilização dos meios de comunicação durante a República Velha
cosultar SOUZA, José Inácio de Melo. Ação e imaginário de uma ditadura: controle, coerção e propaganda
política nos meios de comunicação no Estado Novo. Dissertação (Mestrado). Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990; SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São
Paulo: Martins Fontes, 1983.
86
Desde 1920 o meio cinematográfico brasileiro exigia do Estado uma política cultural
mais atuante, os produtores clamavam por intervenções no mercado nacional, na tentativa de
criar mecanismos de competição com o filme norte-americano que dominava as salas de
exibição do país. Mas eles somente seriam atendidos 12 anos mais tarde durante a vigência do
Governo Provisório, com Getúlio Vargas na presidência. Em 4 de abril de 1932 era
promulgado o decreto-lei nº 21.240 que criava a obrigatoriedade da exibição de um filme
nacional, mas que entraria em vigor apenas em 1934. Pela primeira vez, o Estado brasileiro
criava uma medida efetiva de proteção ao cinema nacional. Segundo Simis, embora o decreto
fizesse referência direta exclusivamente à obrigatoriedade de exibição de filmes educativos,
também deixava em aberto a possibilidade de incluir na determinação outros gêneros
cinematográficos, que não o educativo, como o filme de longa-metragem. O mesmo decreto
também mencionava a realização do Convênio Cinematográfico Educativo que tinha entre
suas finalidades “a instituição permanente de um cinejornal, com versões tanto sonoras como
silenciosas, filmado em todo o Brasil e com motivos brasileiros”.
150
Entretanto, os exibidores
não ficaram contentes com a decisão e justificaram o não-cumprimento do artigo de
obrigatoriedade na inexistente produção cinematográfica nacional, insuficiente para atender à
legislação. Do outro lado, os produtores respondiam advertindo que era inviável produzir para
um mercado fechado, sob o controle dos filmes estrangeiros. Não se tinha uma produção
nacional favorável devido não existir as condições mínimas de exibição.
Assim, com a introdução da obrigatoriedade de exibição se criava um clima de euforia
no meio cinematográfico. A Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros
alimentava as esperanças de que, diante de um Estado centralizador como o forjado no bojo
do movimento de 1930, pudessem concretizar a tão sonhada consolidação de uma indústria
cinematográfica nacional. É neste clima que, já em 1934, Getúlio Vargas seria considerado
pelos produtores o “Pai do Cinema Brasileiro”, título recebido honrosamente por ser o
primeiro presidente a ouvir as solicitações dos “intelectuais” do cinema brasileiro e por
compreender a importância deste meio para a culturalização de um país de iletrados.
151
Getúlio Vargas seria, então, o responsável por atribuir um sentido à produção cinematográfica
nacional, “adotava” o cinema como um dos principais instrumentos de educação, o “livro de
imagens luminosas” que levaria para os mais diversos rincões do país a imagem que se
pretendia criar do Brasil, a de uma Nação Una:
150
SIMIS, Anita. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996. p. 174-175.
151
SOUZA (1990), Op. cit., p. 137.
87
Ora, entre os mais úteis fatores de instrução, de que dispõe o estado
moderno, inscreve-se o cinema. Elemento de cultura, influindo
diretamente sobre o raciocínio e a imaginação, ele apura as qualidades
de observação, aumenta os cabedais científicos e divulga o
conhecimento das coisas, sem exigir o esforço e as reservas de
erudição que o livro requer e os mestres, nas suas aulas, reclamam.
[...] Ele [o cinema] aproximará, pela visão incisiva dos fatos, os
diferentes núcleos humanos, dispersos no território vasto da
República.
152
Outras medidas foram adotadas pelo Governo Provisório para satisfazer aos anseios
dos produtores cinematográficos, como a criação do serviço nacional de censura dos filmes —
antes uma ação restrita aos dispositivos municipais e estaduais, muitas vezes ao chefe de
polícia local — e a implantação da taxa alfandegária que facilitava a importação de filmes
virgens, mas, segundo Simis, “na verdade, mais do que facilitar a construção de fábricas de
filmes, os incentivos sinalizados visaram ao incremento da produção de filmes de curta-
metragem, especialmente aqueles com fins educativos”.
153
Esse caráter pedagógico que o Estado brasileiro pós-30 atribuía ao cinema encontrou
um maior respaldo na criação do Instituto Nacional do Cinema Educativo, o INCE, que
iniciou suas atividades em 1936, mas somente em fevereiro de 1937 era publicada a lei que
regulamentaria juridicamente as funções deste novo órgão. Idealizado por Roquette Pinto, o
Instituto Nacional do Cinema Educativo tinha como objetivo “promover e orientar a
utilização da cinematografia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como
meio de educação popular”.
154
Humberto Mauro, mineiro de Cataguases, um dos principais
nomes da cinematografia brasileira da época, foi contratado para compor a equipe do INCE,
sua colaboração rendeu uma produção de filmes ininterrupta por mais de 20 anos.
Para o ministro da educação, Gustavo Capanema, o INCE era vislumbrado como o
mecanismo que ampliaria o poder de intervenção do Ministério da Educação e Saúde sobre os
meios de comunicação que, desde a criação do Departamento de Propaganda e Difusão
Cultural, o DPDC, em julho de 1934, órgão subordinado ao Ministério da Justiça e dos
Negócios Interiores, o seu ministério perdera o controle sobre o rádio e o cinema. Todas as
atividades relacionadas com a cultura e a propaganda ficaram sobre a responsabilidade do
DPDC, como veremos mais adiante, mas Capanema ainda batalhava para que o órgão fosse
desmembrado em duas partes, sendo que o Ministério da Justiça ficaria encarregado de
152
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. 1, Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. p. 187-188.
153
SIMIS, Op. cit., p. 94.
154
Idem, Ibidem, p. 34.
88
questões relativas à publicidade e à propaganda, enquanto que ao Ministério da Educação
caberiam atribuições no campo da cultura. Entretanto, o sonho de Capanema em reatar sua
capacidade de intervir no rádio e no cinema por meio do INCE não foi muito longe, o próprio
decreto que oficializou as atribuições do instituto não lhe reservara nenhum poder de censura.
A criação do INCE foi inspirada em modelos europeus de cinema educativo,
principalmente no L’Union pour la cinématographie éducative, o Instituto LUCE da Itália
fascista, que além de produzir cinejornais e documentários de curta-metragem também era
responsável pela feitura dos filmes de enredo de longa-metragem da propaganda do Governo
Mussolini. A regulamentação do INCE determinava que os filmes educativos seriam
produzidos tanto no formato 35 mm, com imagem e sons sincronizados, para veiculação em
salas de exibição do circuito comercial, usufruindo da lei de obrigatoriedade de exibição de
uma película nacional, quanto no formato 16 mm, mudo e sonoro, destinados às instituições
de ensino público e particular do país. Assim, acreditava-se que no Brasil ocorreria o mesmo
que na Itália, caminharia para uma produção de longa-metragem de ficção, atendendo aos
ideais de um Estado forte e centralizador. Obviamente, esta esperança animou o mercado
cinematográfico do país, mas com o passar do tempo se veria que até mesmo com a
instituição da ditadura varguista foram poucas as investidas do Estado Novo na feitura do
filme de ficção, limitando-se à censura cinematográfica. As produções do regime, neste
sentido, priorizavam enredos baseados na literatura e na história brasileiras, destacando O
Descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro, que surgiu como um exemplo de filme
histórico para a época.
155
Esta atitude do Estado Novo em não apresentar nenhuma “intenção clara” a respeito
das produções de filmes de ficção, distanciando sua máquina de propaganda dos sets de
filmagem, leva-nos a acreditar que teria sido uma enorme negligência do Governo Vargas, o
que tinha permitido o aparecimento de um contradiscurso na tela, seqüências inteiras de
filmes populares satirizavam a figura do Chefe da Nação e a política de seu regime. Mas antes
de qualquer afirmação, uma pergunta se faz necessária: Como a propaganda do Estado Novo
lidou com o riso e o risível? Talvez posso apresentar uma explicação que aparenta para alguns
um tanto irrealista, porém, permanece aqui como uma tentativa de compreender como em
uma estrutura complexa de propaganda que procurava atuar em todos os níveis sociais, tornar
o Estado presente no cotidiano do povo brasileiro, não se atentou para a força simbólica do
155
Sobre o filme O Descobrimento do Brasil consultar MORETTIN, Eduardo V. O tema do descobrimento do
Brasil no cinema dos anos 30: uma análise de Descobrimento do Brasil (1937), de Humberto Mauro. História:
questões & debates. n. 32, p. 65-74. jan./jun. 2000.
89
elemento ficcional. Acredito que não se trata de um mero reducionismo da ficção a um caráter
de imitação, desprovido de qualquer importância, como no pensamento clássico, mas algo que
vai além disso. Veremos primeiro qual o cenário da produção cinematográfica brasileira
durante o Governo Vargas.
É durante a década de 1930 que o cinema brasileiro vai dar os seus primeiros passos
no sentido de uma possível industrialização da atividade, anterior a esse período depararíamos
com uma produção incipiente de longa-metragem, sustentada por filmes de atualidades e
documentários de curta-metragem, como dito anteriormente. A produção cinematográfica
brasileira de ficção nas décadas de 1930 e 1940 é, basicamente, produção carioca, um ou
outro filme paulista se destacou nesse período. As principais experiências cariocas da primeira
década foram a Brasil Vita Filme (1934), a SonoFilmes (1937) e a Cinédia (1930), produtora
fundada por Adhemar Gonzaga, personalidade intimamente ligada a Getúlio Vargas e com
livre trânsito pelo Palácio Guanabara. Essa primeira fase produziu alguns filmes que
determinaram um pensamento estético para o cinema nacional daquela época: Barro Humano
(1930) de Adhemar Gonzaga, Ganga Bruta (1933) de Humberto Mauro e Limite (1931) de
Mário Peixoto. Em busca de um padrão de qualidade internacional para seus filmes, os
produtores brasileiros adotaram imediatamente o modelo de produção de Hollywood. Mas foi
em 1941 com a fundação da Atlântida que a película nacional ganhou espaço nas salas de
exibição competindo com os filmes estrangeiros e um novo incentivo foi dado ao
desenvolvimento industrial do cinema no Brasil.
A Atlântida produziu basicamente as Chanchadas, uma fórmula cinematográfica de
sucesso que contava com quatro situações básicas: 1) mocinho e mocinha se metem em
apuros; 2) cômico tenta proteger os dois; 3) vilão leva vantagem e 4) vilão perde vantagem e é
vencido. A única alteração que se aceitava era a do mocinho que, por força das circunstâncias,
revelava-se espertalhão.
156
As Chanchadas conquistaram o povo brasileiro, todos iam ao
cinema para rir das mais diversas situações em que se envolviam os personagens
representados por Oscarito e Grande Otelo. Não demorou muito para que a crítica da época
rotulasse as Chanchadas como cópias inferiores dos modelos importados de Hollywood; seu
caráter popular, seja porque se dirigia ao povo ou o representava, era constantemente
associado a aspectos depreciativos, tratavam as películas como “filmes vulgares, chulos e
idiotas”, como apontado por Bernardet e Galvão: “Esta vaga acepção de popular qualificando
o filme brasileiro, que se configura no decorrer dos anos 20, ganharia força e generalidade a
156
AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a Chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Cia das Letras,
1989. p. 15.
90
partir do final dos anos 30, e sobretudo nos anos 40 e 50, em que ‘popular’ — sobretudo
quando o termo é aplicado às comédias populares — é decididamente sinônimo de
‘vulgar’.”
157
Mas esse tipo de crítica ao cinema produzido nos anos 30 e 40 é comum até mesmo
entre os estudiosos. Para Mourão, esses filmes envolvidos em um “sentido popular” não
passavam de produtos de um gênero “popularesco” e, ainda mais, a pesquisadora ao procurar
tratar desses filmes de comédia e dos cinejornais do Estado Novo foi categórica:
Como resultado temos, na prática, um cinema de ficção altamente
descompromissado com a realidade brasileira e imitador do produto
estrangeiro e documentários de uma certa ingenuidade
propagandística. Isto pelo fato de não haver uma política real que
conduzisse o cinema a objetivos determinados pela própria dinâmica
da produção cinematográfica.
158
Para a autora a produção cinematográfica deste período não possui uma unidade
ideológica que possa nos levar a detectar a presença da ideologia estadonovista, ou seja, não
poderíamos falar em um “cinema populista” que tivesse uma estrutura consolidada e, que,
portanto, tivesse um objetivo específico. Segundo Mourão, tanto o meio cinematográfico
quanto o Estado não estavam preocupados em constituir um cinema mais criativo ou mais
engajado politicamente, ambos apenas se envolveram com o debate da criação de uma
indústria cinematográfica brasileira.
Como se vê, a autora pretende denunciar o “descaso” que a propaganda estadonovista
teve com os filmes de ficção, no tocante à de um imaginário social, assim como fizeram os
regimes reacionários europeus. Por outro lado, os cine-atualidades surgem como propagandas
ingênuas do regime. Assim, realmente fica difícil de se pensar em unidade, de um projeto
posto para a sociedade por meio da arte cinematográfica. Entretanto, ao historiador não basta
menosprezar, reduzir estes documentos fílmicos. Até concordo que os cinejornais muitas
vezes aparentam uma certa ingenuidade técnica, mas que com investigações menos
preconceituosas, prevalecendo os aspectos do princípio de montagem, buscando um caráter
estético destes filmes documentais, podemos nos deparar com construções discursivas que
demonstrem, senão uma unidade ideológica, pelo menos os aspectos de um projeto ideológico
estadonovista que tinha como objetivo legitimar o novo regime. Ou seja, ao invés de um
157
BERNADET, Jean-Claude. GALVÃO, Maria Rita. Cinema, repercussões em uma caixa de eco ideológica.
São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 32.
158
MOURÃO, Maria Dora Genis. O Cinema Brasileiro e o Populismo na Década de 30. In: MELO, José
Marques de. (org.). Populismo e Comunicação. São Paulo: Cortez, 1981. p. 148.
91
projeto capaz de configurar um “cinema populista”, ou um “cinema totalitário”, temos uma
produção de cine-atualidades que integrava o aparato propagandístico do regime e em
conjunto com outros dispositivos, como o rádio, a imprensa, o filme educativo, as
comemorações, os meetings entre outros, procurava operar significações em torno da imagem
do Estado Novo, ou melhor, de um Estado personificado na figura de seu líder Getúlio
Vargas. Em filmes a respeito da seca que afligiu o Nordeste nos anos 40 não é o Estado que
surge como o responsável pelas benfeitorias, mas é o Presidente Vargas que é representado
como o “homem providencial”, aquele responsável por solucionar o grave problema daquela
região.
Agora, em relação aos filmes de ficção produzidos neste período diria que ainda é
necessário que os estudiosos de cinema se dediquem mais a desvendar suas significações, que
elementos colaboraram para a formação de uma afetividade dita “popular”; a memória das
Chanchadas exige pesquisas mais generosas como a de Sérgio Augusto que acredita que “as
chanchadas transpiravam brasilidade por quase todos os fotogramas”. Assim, procuro as
minhas respostas para a questão de como esses filmes, que até provocaram receios nos
representantes do cinema norte-americano no país, foram incorporados, mesmo que de
maneira indireta, ao “discurso totalitário” do Estado Novo, já que, segundo as palavras de
Sérgio Augusto, compreendo que as Chanchadas tinham todos os predicados necessários para
atender a uma intenção totalizante de projetar no Estado a imagem da unidade nacional:
Afinal, em nenhum momento de sua trajetória o cinema brasileiro se
relacionou tão intensa e carinhosamente com o grande público como
nos tempos em que Oscarito e Grande Otelo formavam uma dupla do
barulho e os estúdios da Atlântida, apesar de suas notórias
precariedades, eram mitificados como uma versão tropical da Metro.
Seu humor mais ingênuo encantava as crianças, seu humor mais
malicioso divertia os adultos, e seus interlúdios românticos e musicais
fechavam o círculo da sedução familiar [grifo nosso].
159
Como se vê, diante da relação que o Estado Novo estabeleceu com os meios de
comunicação de massa, surgem algumas implicações que vêm colocar em dúvida o poder de
coerção e controle do Governo Vargas. De fato, os filmes da Atlântida, as Chanchadas,
constantemente exibiam seqüências que satirizavam a figura de Getúlio Vargas, assim como
as canções da dupla caipira Alvarenga e Ranchinho eram permeadas de versos irreverentes a
respeito do Chefe da Nação e de seu regime. Entretanto, tanto os filmes quanto as músicas
159
AUGUSTO, Op. cit., p. 14.
92
não tiveram sua veiculação proibida, mas a dupla foi retida algumas vezes. O episódio que
reforça essa contradição ocorreu com os próprios cantores. Uma noite, Alzira Vargas, filha do
Presidente, curiosa pelo sucesso da dupla, foi assisti-los em um circo e, no final, ficou
fascinada pelo que vira. Logo, resolveu convidá-los para uma apresentação no Palácio do
Catete, onde foram recebidos por Getúlio Vargas. O Presidente não só solicitou que
cantassem seus principais sucessos, como também as músicas que o tinham como mote. Para
o espanto de Alvarenga e Ranchinho, que acreditavam que logo que acabasse o espetáculo
sairiam do Catete direto para a carceragem do DOPS, Vargas não só passou toda a noite
dando boas gargalhadas, como também deu ordens à polícia repressora de Filinto Müller para
que não incomodasse mais os moços que, a partir daquele momento, poderiam cantar seus
versos tranqüilamente por todo o país.
160
Fica, então, a pergunta: porque Vargas permitiu que
sátiras a seu respeito fossem veiculadas por meios de tamanho apelo popular, como as
Chanchadas e as músicas de Alvarenga e Ranchinho? Talvez um início de resposta esteja no
próprio apelo popular.
Fugindo da imagem “séria” que a sua propaganda estatal lhe atribuía, as letras e as
seqüências cinematográficas cômicas poderiam ser mais uma forma do Estado para dirigir-se
às multidões, por mais contraditório que possa aparentar. Se de um lado, a propaganda
política do regime utilizava as imagens “sérias” para a edificação de verdades (sociedade una,
harmônica, homogênea; desenvolvimento econômico etc.) que auxiliassem na construção do
mito Vargas — mas verdades facilmente demolidas se não tivessem como suporte ações
políticas concretas —, por outro lado, o cômico, ainda tomado como o “não-sério”, era
apropriado pelo Estado no sentido de reforçar o “discurso totalitário”, ao invés de inviabilizá-
lo ou contradizê-lo. O Estado Novo respondia aos opositores do regime com o riso, com uma
“transgressão socialmente consentida”. Essa leitura permite dizer que a repressão a esses
mecanismos só serviria para duplicá-los a favor da oposição, alimentaria qualquer vestígio de
resistência. Vargas vai além, apropria-se desses a fim de manter a ordem social, o riso aqui é
uma saída do regime para esvaziar qualquer contradiscurso.
Para que possamos melhor desenvolver esta idéia, vejamos como o riso e o risível
161
vêm sendo tratados pelas teorias do pensamento Ocidental. Desde a Antiguidade, um misto de
prazer e desprazer acompanha o riso que, muitas vezes, incorpora as idéias de desordem e
desvio. Como em Platão, de acordo com Alberti, em que o riso e o risível são falsos prazeres,
160
Ver BACCARIN, Biaggio (seleção dos verbetes). Enciclopédia da música brasileira: sertaneja. São Paulo:
Art Editora; Publifolha, 2000. p. 16.
161
O risível aqui deve ser entendido como objeto do riso, ou seja, aquilo do que se ri, o cômico. Ver ALBERTI,
Verena. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 25.
93
uma experiência atribuída à multidão de homens privados da razão. Para o filósofo ambos são
responsáveis por nos afastarem da verdade. Por outro lado, Aristóteles em A Poética toma a
comédia como aquela capaz de revelar o caráter universal da poesia: o verossímil; ao poeta
cômico não cabe contar a realidade como ela de fato aconteceu, mas, sim, como ela poderia
ter acontecido na ordem do verossímil, ou como já dito anteriormente, satisfaz o princípio
vital da ficção: o “efeito de real”. Segundo Alberti, o fato da oposição riso versus pensamento
sério permear a história da forma de pensar a respeito do riso e do risível induz a um
constante julgamento ético que trata de condená-los ou tolerá-los. Condena-se porque o riso
está distante da instância suprema — para Platão, a das Idéias, para a Teologia, a de Deus —,
logo, nos dificulta a ter acesso à essência fundamental do ser. Tolera-se por dois motivos
inerentes à especificidade humana: primeiro, porque o repouso é uma necessidade natural do
homem, ou seja, o risível é tolerado como distração, divertimento, assim como o sono é
importante para o corpo, o riso é para o espírito; segundo, é a própria faculdade de rir que nos
distingue de Deus.
Assim, para a autora, o fato de logo associarmos o riso e o risível à concepção de
desvio, libertação, já que se referem a um “não-sério”, a um “não-oficial” — como somos
tentados a fazer diante das “brechas” deixadas pelo Estado Novo no tocante aos filmes da
Chanchada e às músicas da dupla Alvarenga e Ranchinho — pode ser um falso caminho, pois
podemos nos deparar com “a constatação de que não raro é [o riso] a afirmação mesma da
ordem que está em jogo — as piadas racistas, por exemplo, não nos unem contra a norma”.
162
Temos que o lugar atribuído ao riso e ao risível depende, exclusivamente, da forma como a
sociedade é concebida: “quando pressupõem a idéia de um sistema, de uma ordem ou de uma
norma, o lugar do riso é em geral o da desordem ou da transgressão”.
163
Assim, diante de um
regime centralizador, autoritário, onde se busca a manutenção da ordem, do corpo social
homogêneo e harmônico, como se apresentou o Estado Novo, somente caberia associarmos o
riso à desordem ou à transgressão, mas Vargas optou por uma “transgressão socialmente
consentida”. Permitiu que o cômico presente nas canções da dupla Alvarenga e Ranchinho e
nas películas da Atlântida circulasse livremente, mas dentro de certos limites que não
afligissem a ordem estabelecida.
Entretanto, esse consentimento vinha acompanhado de uma outra significação
atribuída ao riso e ao risível. Seguindo as exigências do pensamento moderno, procura-se um
afastamento do pensamento sério, ou seja, tornar o “não-sério” positivo. Se para as teorias
162
ALBERTI, Op. cit., p. 29.
163
Idem, Ibidem, p. 30.
94
clássicas, o sério coincidia com a verdade, uma vez que o “não-sério” (o espaço do riso) era o
“não-verdadeiro”, temos que, para os teóricos modernos, o sério não é mais associado à
verdade. Para os modernos o riso continua a ser o “não-sério”, no entanto, agora, assumindo
um caráter positivo, pois ele pode ir para além do sério e atingir uma realidade “mais real”
que a do pensado. O riso e o risível estão no domínio do entendimento, ao invés da razão. Isso
nos leva a dizer que, segundo a teoria de Schopenhauer (século XIX), os conceitos abstratos
(“representações abstratas”) formulados pela razão não são capazes de atingir as variações da
realidade, as nuanças do concreto (o real), o que equivale dizer que “o riso resulta do fracasso
da razão em apreender a realidade”.
164
A verdade, resultado da busca da razão, é sempre
refutável. Antes, o fato de ridicularizar algo propiciaria uma idéia clara de falsa gravidade,
uma seriedade com aparência de verdade, ou seja, uma realidade que, mesmo ainda não
apreendida, se apresenta com status de verdade. Entretanto, diante desta teorização, que
também influenciou a forma de pensar o riso e o risível no século XX, a razão é a própria
aparência de verdade, porque não é capaz de alcançar a realidade. “Os conceitos pelos quais a
razão ‘pensa’ a realidade estão sempre sujeitos a um desnudamento que revele sua falsidade, e
esse desnudamento nada mais é do que o objeto do riso”.
165
Segundo a autora, para as teorias
modernas o riso é resultante da contradição entre a realidade e a razão, o que nos demonstra
as limitações do pensamento; é a experiência do nada, do impossível, da morte, portanto,
permite pensarmos o impensável:
Já não é o objeto que nos faz rir, mas uma certa percepção do que ele
significa — a verdade do não-sério. Assim, o risível não existe mais
sem o sujeito que lhe empresta essa percepção [...] sem a percepção da
incongruência [...], sem a percepção de que a segurança era
enganadora.
166
Assim, o quadro que se estabeleceu foi capaz de anular qualquer idéia que remetesse à
condenação e à tolerância do riso e do risível, uma vez que ambos não são mais incompatíveis
com o pensamento, que não é mais necessário resolver a contradição essencial entre o riso
(irracional, involuntário) e o fato de o homem ser racional por excelência, pelo contrário, é
importante ir além da razão. Uma frase do romance O nome da rosa, de Humberto Eco, citada
por Alberti, pode nos auxiliar a sintetizar as concepções modernas a respeito do riso e do
risível: “Quem ri não acredita naquilo de que está rindo, mas tampouco o odeia”. Portanto,
164
ALBERTI, Op. cit., p. 177.
165
Idem, Ibidem, p. 196.
166
Idem, Ibidem, p. 205.
95
retomando a comicidade que envolvia a figura de Getúlio Vargas nos filmes e músicas
veiculadas durante o regime, poderíamos dizer que a apropriação do riso baseava-se no fato
de que, realmente, o povo iria rir das sátiras que ridicularizavam o Presidente, no entanto, “a
atitude em relação ao objeto do riso [Vargas] não era nem de aprovação (não se acredita nele)
nem de rejeição (não se o odeia), mas antes uma ‘atitude-nada’.”
167
Um exemplo pode ser encontrado no próprio cinejornal do DIP. Em 4 de julho de
1942, a União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou uma passeata no Rio de Janeiro onde
se ironizavam as figuras de Hitler e Mussolini, em uma demonstração de protesto contra os
regimes fascistas e, que, pretendia culminar em um sentimento anti-Estado Novo, uma vez
que a sociedade brasileira vivia sob uma ditadura. A manifestação sinalizava uma
reivindicação democrática. Entretanto, o tom cômico da passeata, com os estudantes
desfilando com as caricaturas dos ditadores europeus, ao ser apropriado pelo Estado Novo
esteve longe de reivindicar qualquer sentimento democrático, como acreditavam os
realizadores, pelo contrário, serviu para reafirmar o clima de euforia da Nação contra os
novos inimigos da Pátria — os nazi-fascistas —, que vinha desde os torpedeamentos dos
navios brasileiros por submarinos alemães. Uma saída para ambientar o alinhamento do Brasil
com as Forças Aliadas, fato que vinha sendo ensaiado pelo Governo Vargas.
A agitação popular dos estudantes de Direito no inverno de 1942 teve a sua versão
oficial exibida nas telas do país em um cinejornal intitulado Contra as forças do mal. Em um
sentido contrário a toda a produção cinematográfica da propaganda política do regime que,
constantemente, apresentava uma seriedade na forma de tratar os assuntos e a imagem de
Getúlio Vargas, Contra as forças do mal assumia, de forma positiva, o deboche da
manifestação. Assim, surge a questão: como podemos entender o fato de em um cinejornal do
DIP prevalecer o tom de humor e deboche, uma vez que o Governo Vargas se encontrava em
um momento frágil de busca por uma ampla mobilização social a favor da estreita relação
política-econômica-militar do Brasil com os Estados Unidos? O cômico aqui apropriado pelo
Estado Novo, segundo Cytrynowicz, não passaria de um instrumento calculado para esvaziar
o protesto dos estudantes, mas, que, no entanto, neutralizou qualquer efeito mobilizatório para
a guerra. Novamente o riso e o risível surgem como “atitude-nada”:
O humor do cinejornal do DIP é, portanto, uma tentativa de esvaziar
qualquer mobilização efetiva que associasse alinhamento do Brasil
com a defesa da democracia dentro do país. A questão não é a
167
ALBERTI, Op. cit., p. 203.
96
eventual força que aqueles pequenos grupos de estudantes pudessem
ter, mas a antecipação do governo Vargas em enquadrar os protestos
como parte da sua própria estratégia política de mobilização
desmobilizante [grifos nossos]. O humor da manifestação dos
estudantes é compreensível, entendendo-se o humor aqui como uma
estratégia política de persuasão, mas no caso do DIP tratava-se de uma
estratégia de esvaziamento da oposição política autônoma.
168
.
(Cytrynowicz , 2000, p.338).
Como podemos notar, a compreensão do cômico como uma estratégia de
esvaziamento de um contradiscurso é uma saída explicativa para a contradição posta na
relação entre Estado e meios de comunicação de massa durante o Governo Vargas, mas não a
única. É tentador a leitura de que tanto os filmes da Atlântida quanto as músicas da dupla
caipira Alvarenga e Ranchinho atuavam como elementos de desvio da ordem estabelecida.
Porém, como explicar o fato de que o próprio Vargas consentiu à dupla que cantassem os
versos que ironizavam a imagem do Presidente, sem que fossem incomodados? Ou seja, essa
atitude soa, no mínimo, estranha à prática repressiva do Estado Novo que tinha no
Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, o órgão responsável por “centralizar,
coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional”, como também fazer a censura de
todas as manifestações culturais do país, a fim de coibir qualquer veiculação de mensagens
indesejáveis ao regime.
Portanto, ao acreditar que essa contradição pode ser explicada por uma “transgressão
socialmente consentida”, o riso e o risível vão incorporar aqui a “disposição totalitária” do
Estado Novo, sendo instrumentos adequados para o reforço da ação de um “discurso
totalitário”. Se o cômico não serve para auxiliar nas construções imagéticas da Nação Una, da
“Pátria-Mãe”, do líder, da ordem, do progresso, atua em uma outra direção, buscando
completar a totalidade: o esvaziamento do discurso dos grupos opositores.
2.2.2 – O DIP e o Cinema
“Poder público implica função pública, interesse público, responsabilidade pública”. É
assim que Francisco Campos em 1940 procurou justificar o controle do Estado Novo pela
imprensa e os meios de comunicação em geral, como previsto na Constituição de 1937. No
168
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano de São Paulo durante a Segunda
Guerra Mundial. São Paulo: Edusp, Geração Editorial, 2000. p. 338.
97
entendimento do autor o Estado tinha se antecipado e compreendido a importância dos
instrumentos de propaganda para o novo regime, quem detivesse o controle destes
mecanismos culturais conceberia o sentido que deveria tomar a opinião pública nacional. Na
sua visão, não caberia ao novo Estado o exagero dos regimes “totalitários” europeus, que
englobavam a imprensa no governo, muito menos a negligência dos regimes liberais que
permitiam que focos de resistência e de descontentes com o governo fossem formados e
crescessem dia a dia, mas, sim, que o Estado e a imprensa unissem forças no objetivo de que
as novas estruturas sociais não fossem afetadas, uma vez que
É possível hoje, com efeito, e é o que acontece, transformar a tranqüila
opinião pública do século passado em um estado de delírio ou de
alucinação coletiva, mediante os instrumentos de propaganda, de
intensificação e de contágio de emoções, tornado possíveis
precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande
tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos de
comunicação que conferem ao homem um dom aproximador ao da
ubiqüidade, e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa
presença simultânea em diferentes pontos do espaço. Não é necessário
o contato físico para que haja multidão.
169
Mas veremos que não foi bem assim que se deu a relação entre o novo regime que se
configurava após o golpe de 1937 e os meios de comunicação. O Estado não atuaria apenas
como censor dessas atividades culturais, mas principalmente como produtor de sua própria
imagem, apropriando-se dos mais diversos dispositivos de propaganda e reunindo-os todos
em um órgão espelhado no modelo nazi-fascista. O Estado Novo tinha os meios de
comunicação não apenas como instrumentos de vigília da sociedade, mas também como
elaboradores de uma identidade nacional, sentimento que deveria perpassar todos os níveis
sociais; na mais longínqua região do interior do país, seja por meio do rádio, do cinema, da
imprensa, o Estado estaria presente, o povo teria a sensação de estar coberto pelo manto da
“Pátria-Mãe”, as imagens o aproximariam de afetos sensíveis, identificar-se-ia com o “Todo
Orgânico”, uma vez que “não é necessário o contato físico para que haja multidão”. Portanto,
como apontado por Velloso,
170
a ditadura de Vargas concebia a cultura em termos de
organização política, por isso a necessidade de se criar em 1939 um aparato propagandístico
para produzir e difundir a imagem da unidade nacional projetada no Estado Novo. Nasce daí
uma nova concepção de cultura: a “cultura política”; no contexto do projeto ideológico
169
CAMPOS, Op. cit., p. 25.
170
VELLOSO, Mônica Pimenta. Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual. In:
OLIVEIRA, Op. cit., p. 72-74.
98
estadonovista, a cultura estava subordinada à política, ao invés de se tratar de uma forma de se
“fazer política”, logo, aquilo que era da natureza do homem, o expressar-se, encontrava-se
circunscrito à permissão da política. Fora do círculo era considerado subversivo. Subversão
que era respondida com repressão. Assim, propaganda e repressão eram elementos
indissociáveis em um regime que precisava se autojustificar como o melhor modelo para
conduzir o país.
171
A propaganda política de Getúlio Vargas ensaiava seus primeiros passos já em 2 de
julho de 1931, logo que se instituiu o Governo Provisório, com a criação do Departamento
Oficial de Publicidade (DOP), um apêndice da Imprensa Nacional que, por sua vez, respondia
ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores Esse órgão inaugurava uma nova
modalidade para os primórdios da propaganda brasileira, a utilização do rádio. Suas
experiências radiofônicas seriam mais tarde aproveitadas quando da criação da Hora do
Brasil. Segundo Goulart, “a ação do DOP não era apenas de divulgação, mas previa um
direcionamento de opinião pública para se legitimar a nova situação”.
172
Mas já em 1932 os
meios de comunicação ganham destaque e atenção, uma vez que se percebe o instrumento
valioso que representavam em se tratando de difusão cultural em massa, o que provocou um
longo debate entre as autoridades que compunham o Governo Provisório, e que se estenderia
até mesmo durante o Estado Novo: qual a linha tênue que dividiria a ação cultural,
eminentemente educativa e formativa, da mobilização político-social e da propaganda
propriamente dita? Os dispositivos culturais, como o rádio, o cinema, a música ficavam entre
este fogo cruzado, uma vertente defendia o caráter educativo e outra o caráter propagandístico
destes; de um lado o Ministério da Educação e Saúde lutava para que todas as atribuições
referentes ao campo da cultura ficassem sob o seu poder, enquanto as referentes à publicidade
e propaganda caberiam ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.
Mas Vargas, procurando resolver o problema da propaganda do Estado em seus novos
aspectos, preferiu concentrar tudo em um único departamento e, então, reorganizou o DOP
171
A respeito do caráter repressivo do Governo Vargas ver CANCELLI, Elizabeth. O Mundo da Violência: a
polícia da era Vargas. Brasília, DF: Editora da Unb, 1994. Outra questão que não deve ser desprezada é o caráter
anti-semita do período como demonstrado em CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Anti-semitismo na Era Vargas
(1930-1945) São Paulo: Brasiliense, 1995. Nos cinejornais não consegui encontrar vestígios deste caráter anti-
semita, como os apontados pela autora na imprensa brasileira da época. Recentemente o historiador Roney
Cytrynowicz em um ensaio levantou o debate em torno desta questão, evidenciando que durante o Estado Novo
as entidades judaicas de São Paulo e do Rio de Janeiro funcionaram corriqueiramente, sendo que até viveram um
boom em suas atividades sociais, culturais e econômicas (CYTRYNOWICZ, Roney. Além do Estado e da
ideologia: imigração judaica, Estado Novo e Segunda Guerra Mundial. Revista Brasileira de História. ANPUH,
São Paulo, v. 22, n. 44, p. 393-424, 2002.).
172
GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo:
Marco Zero, 1990. p. 56.
99
criando em 10 de julho de 1934 o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC).
Esse novo órgão tinha como objetivo estudar a melhor utilização do cinema, da radiodifusão e
de outros processos técnicos na difusão dos ideais do governo, como também estimular a
produção, a circulação e a exibição de filmes educativos. Esta decisão desagradou em muito o
ministro da educação Gustavo Capanema, uma vez que desde a publicação do decreto-lei
21.240 em 1932, o mesmo que determinou a exibição obrigatória dos complementos
nacionais, criara-se o clima de que seria instituído oportunamente um órgão técnico dentro do
Ministério da Educação e Saúde, responsável por questões cinematográficas e de tantas outras
atividades culturais. Entretanto, quando da criação do DPDC, Getúlio Vargas esvaziou
qualquer pretensão neste sentido, subordinando o órgão ao Ministério da Justiça e dos
Negócios Interiores, que levou consigo o cinema e o rádio educativos. Somente em janeiro de
1937, com a reforma do ministério, é que Capanema teria, finalmente, seus desejos atendidos,
mesmo que parcialmente, com a institucionalização do Serviço de Radiodifusão Educativa e
do Instituto Nacional de Cinema Educativo.
Segundo Schwartzman,
173
esta decisão estava atrelada a um esforço do Governo
Provisório em colocar os meios de comunicação de massas a serviço direto do poder
executivo, sinal de uma presente influência do Ministério de Informação e Propaganda do
nacional-socialismo na Alemanha, criado em 1933 e chefiado por Joseph Goebbels. É Luís
Simão Lopes, oficial do gabinete do governo Vargas que, impressionado com o potencial
persuasivo da propaganda nazista, em uma de suas viagens de reconhecimento na Europa,
sugere em carta enviada ao Presidente Vargas a criação de uma miniatura do modelo alemão:
O que mais me impressionou em Berlim, foi a propaganda sistemática,
metodizada do governo e do sistema de governo nacional socialista.
Não há em toda a Alemanha uma só pessoa que não sinta diariamente
o contato do “nazismo” ou de Hitler, seja pela fotografia, pelo rádio,
pelo cinema, através de toda a imprensa alemã, pelos líderes nazis,
pelas organizações do partido ou, seja no mínimo, pelo encontro, por
toda a parte dos uniformes dos AS. A organização do Ministério de
Propaganda fascina tanto, que eu me permito sugerir a criação de uma
miniatura dele no Brasil.
174
Porém, contrariando a visão de Schwartzman, Simis afirma que esta aproximação não
é segura, o DPDC não teria sido resultado da influência do órgão alemão, somente mais tarde
173
SCHWARTZMAN, Simon. et al. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p. 87-88.
174
LOPES, Luís Simão. apud. ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O cinema como “agitador de almas”Argila, uma
cena do Estado Novo. São Paulo: Annablume, 1999. p. 79.
100
é que a propaganda política de Vargas seria reorganizada neste sentido, mas com suas
próprias particularidades. Para a autora a justificativa estaria no fato que, desde a sua
idealização em 1932, a maior preocupação do DPDC era com o cinema educativo. Mesmo
quando Lourival Fontes assume a direção do órgão em 1935, o que sugeria uma forte
centralização dos meios de comunicação no aparato estatal, a produção cinematográfica
oficial ficou restrita ao INCE que, por sua vez, estava vinculado ao Ministério da Educação e
Saúde. Somente em 1938 é que se tem início a feitura do cinema de propaganda do Governo
Vargas.
175
Neste mesmo ano, o DPDC era reorganizado, criando-se o Departamento Nacional de
Propaganda (DNP), dirigido por Lourival Fontes, que passaria a personalizar a propaganda
estadonovista. Lourival Fontes era grande admirador de Mussolini e do fascismo, pretendia
criar todas as condições para que no Brasil surgisse um órgão capaz de centralizar todas as
atividades culturais e difundi-las nacionalmente. O primeiro indicativo desse projeto foi o
anseio de Fontes em constituir uma estação de rádio oficial que abrangesse todo o território
nacional, mas enquanto ele não conseguia vitórias nesse sentido, contentava-se com uma rede
de estações, advinda da gestão anterior de Sales Filho no DPDC, que contava com 43
emissoras interligadas na Hora do Brasil. Outro indicativo foi a criação da Agência Nacional
que tinha como finalidade distribuir o noticiário oficial aos jornais de todo o país. Assim,
segundo Souza,
176
com a ampliação da palavra do Estado, por meio do rádio e da imprensa, o
ajustamento dos meios de comunicação, após o golpe de 1937, à nova ordem vigente foi
mínima. Arquitetava-se o cenário para o aparecimento do “famigerado DIP”.
Foi o decreto-lei 1.915 de 27 de dezembro de 1939 que criou o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), órgão que, subordinado apenas ao Presidente da República,
tinha como objetivos “centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional,
interna ou externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos
ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional”.
177
O DIP era constituído de cinco Divisões: a) Divisão de Divulgação; b) Divisão de Rádio-
difusão; c) Divisão de Cinema e Teatro; d) Divisão de Turismo; e) Divisão de Imprensa. O
decreto também determinava a criação dos Departamentos Estaduais de Imprensa e
Propaganda (Deips) que, subordinados ao DIP, os auxiliavam na execução de seus serviços.
175
SIMIS, Op. cit., p. 50.
176
SOUZA (1990), Op. cit., p. 135.
177
Ver BRASIL. Decreto-Lei nº 1915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o Departamento de Imprensa e
Propaganda e dá outras previdências. Legislação Federal. São Paulo, v.03, p.666-669.
101
O DIP surgiu em um contexto de constantes ameaças reinantes, um clima que desde a
tentativa de golpe comunista em 1935 veio propiciar ao Estado as idéias de aparelhar a sua
máquina de propaganda. Para Goulart, “além de representar a solução para a legitimação do
Estado Novo pela propaganda [...] o DIP resultou no aperfeiçoamento dos meios de
intervenção estatal na área da comunicação”.
178
Porém, na visão de Carone, o DIP foi criado
em um momento tardio do Estado Novo, evidenciando que houve “um espaço de tempo
grande entre o golpe e a realização de determinados objetivos”,
179
ou seja, a propaganda
política de Getúlio Vargas demorou em compreender que a legitimação do regime passava por
“fazer da presença do Estado Novo algo visível e palpável no cotidiano dos cidadãos
urbanos”.
180
A respeito deste caráter tardio do surgimento de um órgão que aliasse a
propaganda política à defesa nacional, Lacerda acredita que a resposta esteja no fato de que “a
própria constituição de forças políticas dos primeiros anos do governo Vargas e a disparidade
de pensamentos e projetos políticos existentes dificultavam, de curta maneira, a formulação
de um projeto propagandístico por parte do governo”.
181
Então, somente com a criação do
DIP durante o Estado Novo que a propaganda foi atrelada à concepção de manutenção da
ordem e da unidade nacional, sendo que, ao mesmo tempo, exercia a função de “educar
doutrinando”.
O DIP não passou de uma resposta brasileira a um processo que já vinha se
desenvolvendo no cenário mundial. Desde os primeiros anos da década de 1930, o Estado
atentara para a eficácia dos mass media para a legitimação de um regime que se pretendia
totalitário, acreditava-se que por meio do uso sistemático destes mecanismos culturais era
possível forjar uma identidade nacional na qual o povo se reconhecesse. Vale ressaltar que
desde os primeiros anos da década de 20 surgiram vários estudos de teoria de comunicação,
principalmente nos Estados Unidos, com a preocupação de investigar os efeitos da
comunicação de massa, sendo que a primeira iniciativa se deu sobre a questão da influência
do cinema nas crianças — ainda hoje esta tradição de estudos predomina no meio acadêmico,
com uma ou outra alteração, mas agora o alvo é a televisão, quem sabe, mais adiante, a rede
de computadores, a Internet. Estas pesquisas, principalmente de orientação empírica, tiveram
origem nos interesses técnicos do Estado, das Forças Armadas e até mesmo dos grandes
monopólios do setor de comunicação, e objetivavam compreender o funcionamento do
178
GOULART, Op. cit., p. 59.
179
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Difel,1976. p. 171.
180
SOUZA (1990), Op.cit., p. 180.
181
LACERDA, Aline Lopes de. A “Obra getuliana” ou como as imagens comemoram o regime. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, 1994, p. 243.
102
processo comunicacional para que pudessem otimizar seus resultados. O marco inicial deste
campo de estudo que ficou conhecido como Mass Communication Research foi a obra de
Lasswell, Propaganda Techniques in the World War, publicada em 1927. Foram os trabalhos
de Lasswell que orientaram a corrente funcionalista dos estudos norte-americanos, que visava
as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. Este grupo tinha como
referência teórica o estrutural-funcionalismo, herdado do positivismo de Auguste Comte, e
acreditavam que, assim como a sociedade, o processo de comunicação teria uma equivalência
biológica com o organismo físico. Assim, compreendido que o organismo social é dividido
em diferentes partes que desempenham funções de integração e manutenção do sistema, os
autores desta corrente vêem os meios de comunicação como as “células sociais” que têm
como tarefa primordial coibir qualquer disfunção que ameace a ordem social.
Os estudos funcionalistas ganharão força e destaque principalmente após o
encerramento da Segunda Guerra Mundial, quando se cria um clima de alerta em relação ao
poder instrumental, tanto positivo como negativo, dos mecanismos culturais. Em 1948,
Laswell desenvolve a base de seu pensamento no ensaio A estrutura e a função da
comunicação na sociedade,
182
em que nos apresenta as seguintes funções dos mass media: a)
vigilância sobre o meio ambiente (revelando tudo o que poderia ameaçar ou afetar o sistema
de valores de uma comunidade ou das partes que a compõem); b) correlação das partes da
sociedade em resposta ao meio (integração) e c) transmissão da herança social de uma
geração. Desta forma, nota-se que os processos de comunicação estão subentendidos aqui
como formas de assegurar a ordem, a harmonia da sociedade, logo, qualquer tipo de disfunção
(leia-se resistência) devia ser eliminada.
No mesmo ano, Lazarsfeld e Merton publicam o ensaio Comunicação de massa, gosto
popular e ação social organizada,
183
apresentando outras funções: a) a atribuição de status
(estabilizar e dar coesão à hierarquia da sociedade); b) a execução de normas sociais
(normalização) e c) o efeito narcotizante (uma disfunção, segundo os autores). Uma outra
contribuição destes autores no campo da comunicação foi a definição do caráter de eficiência
da propaganda. Após analisar o modelo nazi-fascista, definiram três características
fundamentais para uma propaganda que se pretende eficaz: 1) a monopolização — trata-se de
uma das principais características de uma estrutura política autoritária que neutraliza qualquer
tentativa de contra-discurso, a oposição não tem acesso aos meios de comunicação; 2) a
182
LASSWELL, Harold D (1948). A estrutura e a função da comunicação na sociedade. In: COHN,
Gabriel. Comunicação e indústria cultural. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985. p. 105-117.
183
LAZARSFELD, Paul F. & MERTON, Robert K. (1948). Comunicação de massa, gosto popular e ação social
organizada. In: COHN, Op. cit., p. 230-253.
103
canalização — ao invés de trabalhar no sentido de mudar os valores sociais, procura-se
canalizar os padrões de comportamento e de atitudes já pré-existentes e 3) a suplementação —
os meios de comunicação não podem esquecer o contato direto com a população.
Como se vê, a corrente funcionalista ao procurar estabelecer um controle dos meios de
comunicação, justificando a necessidade de uma manutenção coerente da ordem mundial,
acaba por reproduzir alguns aspectos do “projeto totalitário” aplicado às atividades culturais
pelos regimes políticos surgidos nos anos 30 e 40. Lasswell ao se referir à ideologia, ou ao
que ele resolveu denominar de “herança social”, dá as primeiras pistas ao determinar que os
principais meios que irão comunicá-la às novas gerações são o lar e a escola. No contexto dos
Estados autoritários, os conceitos de “Pátria” e “Moral” são empregados concomitantemente
no sentido de contribuir para a construção de um sentimento de nacionalidade, de defesa do
passado e da tradição, como também da preservação de valores morais e da família que,
segundo Reich, foi o meio adequado para criar a estrutura e a ideologia destes regimes: “a
criança passa pelo estado autoritário em miniatura que é a família”,
184
é o pai a representação
do regime autoritário, ele assume o papel de adotar no cerne da família uma posição em que
os filhos serão constantemente sujeitados a sua autoridade, enquanto que a figura materna se
refere à Pátria numa relação de afetividade com os envolvidos.
Retomando o papel do DIP no Estado Novo, segundo Souza, veremos que no
entendimento de Lourival Fontes a centralização era o marco deste órgão para a propaganda
estadonovista, mas ele encontrou problemas para colocar em prática esse desejo. Desde a sua
criação, o DIP enfrentou o ataque de projetos divergentes por parte de membros do governo
com força junto ao poder. Um dos principais debates se deu entre o DIP e o Ministério da
Educação e da Saúde em relação à radiodifusão. Fontes via no rádio um veículo promissor
para difundir os ideais do regime, tanto que sonhava como uma estação de radiodifusão
nacional, como vimos, mas Capanema já acreditava que o rádio não deveria servir à
propaganda, mas a um projeto nacional de educação e cultura. Outra desavença que animou
os bastidores do Governo Vargas foi resultante do desejo do diretor-geral do DIP em
concentrar sob o seu poder toda a produção cinematográfica oficial, cobiçando o INCE e o
Serviço de Informação Agrícola, vinculados ao Ministério da Educação e Saúde e ao
Ministério da Agricultura, respectivamente. Obviamente, Fontes não obteve o apoio dos
ministros Capanema e Fernando Costas ao seu projeto, muito menos suas palavras tiveram
eco no Palácio Guanabara, fato que demonstrava que Getúlio Vargas não lhe pretendia
184
REICH, Wilhelm (1933). Psicologia de massa do fascismo. Trad. J. Silva Dias. Porto, Portugal: Publicações
Escorpião, 1974. p. 32.
104
conceder excessivo poder. Assim, a Divisão de Cinema e Teatro (DCT), dirigida por Israel
Souto, no tocante ao cinema, ficou restrita à censura prévia dos filmes e à produção do Cine
Jornal Brasileiro (CJB), como previsto por lei:
À Divisão de Cinema e Teatro compete:
a) instituir, permanentemente, cine-jornal, com versões sonoras,
filmado em todo o Brasil e com motivos brasileiros, e de
reportagem em número suficiente, para inclusão na programação;
b) incentivar e promover facilidades econômicas às empresas
nacionais produtoras de filmes, e aos distribuidores de filmes em
geral;
c) censurar os filmes, fornecendo certificado de aprovação após sua
projeção perante os censores da D.C.T;
d) proibir a exibição em público de filmes sem certificado de
aprovação da D.C.T.;
e) publicar, no “Diário Oficial”, a relação dos filmes censurados,
suas características e o resumo do julgamento da D.C.T;
f) censurar previamente e autorizar ou interditar:
1) as representações de peças teatrais em todo o território
nacional;
2) as representações de variedades;
3) as execuções de bailados, pantomimas e peças declamatórias;
4) as apresentações de préstitos, grupos, cordões, ranchos, etc., e
estandartes carnavalescos;
5) as funções recreativas e esportivas de qualquer natureza.
185
É importante destacar que Getúlio Vargas e Lourival Fontes, mesmo antes de
novembro de 1937, já expressavam o desejo de colocar o cinema a serviço do Estado, mas a
própria Seção de Cinema do DPDC encontrava dificuldades para suas atividades, uma vez
que o Congresso Nacional anualmente operava cortes na verba destinada a esta repartição.
Instituído o Estado Novo e fechado o Congresso, uma das barreiras para a produção
cinematográfica oficial, já se podia sonhar definitivamente em incorporar o cinema ao aparato
da propaganda estatal e em 29 de outubro de 1938 era exibido o primeiro número do Cine
Jornal Brasileiro (CJB). Como o Departamento de Propaganda Nacional ainda não contava
com uma estrutura técnica para lidar com a feitura dos filmes de atualidades, a Cinédia,
produtora de Adhemar Gonzaga, amigo íntimo de Vargas, ficou encarregada de sua produção,
enquanto que para resolver o problema da distribuição foi constituída a Distribuidora de
Filmes Brasileiros (DFB). Segundo Souza, é difícil sabermos quem dirigiu os cinejornais
nessa primeira fase, sendo que, possivelmente, Franklin de Araújo tenha sido encarregado da
Seção de Cinema até 1941, quando foi substituído por Henrique Pongetti, e Juvenal Pimentel
185
Ver BRASIL. Decreto-Lei n. 5.077, de 29 de dezembro de 1939. Aprova o regimento de Departamento de
Imprensa e Propaganda (D.I.P.). Legislação Federal. São Paulo, v.03, p.673-681.
105
era a ponte entre o Departamento e a Cinédia, cuidando de todos os detalhes relativos à
produção. Porém, surge também o nome de Jaime de Andrade Pinheiro, proprietário da Pan-
Filme do Brasil, como o técnico que teria orientado e dirigido os primeiros filmes de
atualidades, mas o que se sabe é que ele participou efetivamente apenas quando da criação do
DIP. Os locutores poderiam ter sido Luis Jatobá e Dilo Guardia.
186
Mas com a fundação do DIP, a Divisão de Cinema e Teatro ampliou suas estruturas e
dispensou as câmeras da Cinédia, mas ainda continuou terceirizando os serviços de
laboratórios, uma vez que o seu próprio laboratório cinematográfico seria completado apenas
em 1945. Assim, a ação efetiva do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo
na produção de cinejornais alterou o cenário cinematográfico nacional. O que antes era
euforia era, agora, por parte dos produtores, o mesmo que “remar contra a maré”; era
impossível concorrer com o Estado e, assim, com a produção oficial institucionalizada — o
que estabelecia uma concorrência desigual — e a censura sistemática aos filmes, as
produtoras independentes perderam o seu mercado. Desta forma, o Estado Novo centralizava
em seu poder o trinômio produção-distribuição-exibição e, conseqüentemente, o cinema
deixava de ser uma atividade regulada apenas pelas leis de mercado. Diante desta conjuntura,
a única alternativa era o Estado, “alguns produtores e cinegrafistas conseguem transformar-se
em funcionários públicos, filmando diretamente para o DIP, ou para suas agências estaduais,
mas a maior parte é marginalizada”.
187
A própria Cinédia sofreou algumas perdas de
profissionais que se transferiram para o DIP, como Ramon Garcia, João e Fernando Stamato;
outros cinegrafistas vieram trabalhar no departamento: João Tinoco de Freitas, Osmar M.
Assunção, Rui Santos, Jurandir Noronha, Joaquim José Monteiro, Carlos Malerbi, Luis M.
Maia entre outros.
188
A respeito das atividades do DIP, Aristheu de Achilles em Aspectos da Ação do DIP,
obra publicada pelo próprio departamento em 1941, procura nos apresentar “apenas uma
reportagem” — como o autor intitula — que possa mostrar e explicar a necessidade da
propaganda no Estado moderno. Para ele o Estado democrático, assim acreditavam os
ideólogos estadonovistas, teria duas tarefas: primeiro, de organizar suas formas democráticas,
para depois “despertar e conduzir a opinião pública para a formação [grifos nossos] de uma
186
SOUZA (1990), Op. cit., p. 332-334.
187
GALVÃO, Maria Rita. SOUZA, Carlos Roberto de. Cinema Brasileiro: 1930-1964. In: FAUSTO, Boris
(org.). História geral da civilização. O Brasil republicano: economia e cultura (1930-1964). Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, tomo 3, v. 4, 1995. p. 473.
188
SOUZA (1990), Op. cit., p. 334.
106
vontade política real, isto é, que corresponda às necessidades nacionais de cada povo”.
189
A
propaganda surge como o mecanismo que autoriza o Estado a operar essa “formação”, sendo
que relegá-la a um segundo plano é o mesmo que criar as condições para que as estruturas
sociais, que tanto se prezavam, fossem abaladas e, mais tarde, demolidas. No tocante ao
cinema, Achilles o considera um meio capaz de constituir para o Estado um poderoso
instrumento de cultura, mas que, relegado ao mercado da livre concorrência, assumiria
características de um perigoso agente demolidor dos princípios culturais e morais da Nação.
“Evidentemente, um poder tão formidável [o do cinema] capaz de não só influir como de
formar a vontade política [grifo no original] das grandes massas, não poderia ficar ao sabor de
forças desordenadas, de instituições arcaicas que o Estado porfia em reajustar aos novos
imperativos da vida social”.
190
Desta forma, estava definida a função da propaganda e do
cinema no Governo Vargas: “legitimar mobilizando”; cabia ao DIP semear no imaginário
social uma única imagem: o Estado Novo.
Vale ressaltar alguns aspectos desta prática aplicada aos regimes autoritários que
resolvi denominar de “legitimar mobilizando”. Primeiro, não se trata simplesmente de
acreditar que a propaganda política é sinônimo de legitimidade, o próprio caráter mobilizador
das atividades culturais, que conta com o elemento “afetividade” para lidar com as multidões,
refere-se a um modelo ideológico que, transformado em imagens, está subentendido em um
processo de sujeição ao fascínio ou tédio do público. Desta forma, a legitimação do novo
regime pode estar relacionada com a eficiência do aparato propagandístico do Estado, mas de
forma alguma se derivou dele. A propaganda procura com base na “afetividade”, que move o
carisma que as multidões têm para com os líderes, criar as condições para um clima de
aceitação de uma autoridade merecida, reunir o povo em torno de uma imagem de coesão, de
unidade nacional, ou seja, não se trata de uma mera manipulação das classes subalternas,
como preferem acreditar alguns autores, mas de fazer uso de dispositivos culturais capazes de
“poder estabelecer diálogo com os sentimentos genuinamente humanos que, invariavelmente,
dispensam os argumentos”.
191
Por outro lado, é indispensável que a mensagem do regime
venha acompanhada de ações efetivas do governo no sentido de atender aos anseios
populares, pois só assim se poderia falar em legitimidade. Não basta, portanto, para a
propaganda que se quer legitimadora, se satisfazer com o fato de que suas mensagens são
consumidas passivamente por uma multidão “desordenada”, “desorientada”; pelo contrário,
189
ACHILLES, Aristheu. Aspectos da ação do DIP. Rio de Janeiro: DIP, 1941. p. 22.
190
Idem, Ibidem, p. 43.
191
ROVAI, Op. cit., p. 220.
107
cabe ao novo Estado unir “vontade política”, que responda as questões sociais tão em voga
em momentos de crises, e “poder simbólico” na intenção de construir e consolidar a imagem
de uma sociedade una, indivisa, homogênea e harmônica. No tocante ao Brasil, a legitimação
do Estado Novo, como apontado por Faro, só foi possível devido as atividades do DIP virem
associadas a dois elementos fundamentais: “de um lado as concessões feitas às massas,
elemento integrante da dinâmica populista; de outro o fechamento institucional que conferia
ao conteúdo da comunicação oficial o traço autoritário responsável por sua eficácia.”
192
Retomando a questão da imagem, que tanto interessa a esse trabalho, veremos como o
princípio de montagem e a reelaboração dos discursos operários eram a tônica na propaganda
política do Governo Vargas. O primeiro depoimento é um tanto extenso, mas é importante por
evidenciar como o DIP procurava atuar em todos os setores da comunicação social,
centralizando as informações na Agência Nacional que, por sua vez, decidia o que e como
seriam veiculadas as notícias. Cupertino de Gusmão, presidente do Conselho Nacional do
Trabalho do Estado Novo, escreve em maio de 1945 algumas palavras que foram oferecidas
“ao público de minha Pátria, como uma advertência à sua boa fé, de que não mais deverão
abusar os detentores do poder”, a fim de denunciar como o Estado Novo dirigia a gratidão dos
trabalhadores:
Durante a vigência do Estado Novo, o famigerado DIP controlava, de
tal ordem, a imprensa, que nenhuma publicação, noticiando fatos,
saída nos jornais, traduzia a verdade. Quando se anunciava uma
reunião, de caráter o mais doméstico que fosse, lá aparecia a Agência
Nacional, com seu papel timbrado, a forgicar frases e declarações que
jamais foram pronunciadas, para lançá-las ao público, como
traduzindo cenas e fatos ocorridos em louvor à ditadura. Certa vez,
festejando uma data cara à classe que agremiavam, um Sindicato fez
lançar a pedra fundamental de sua sede, em terreno adquirido
exclusivamente pelo seu herário particular. Presidindo a cerimônia,
que teve, até, a presença de uma banda de música e de um Monsenhor,
o presidente da associação declarou que a obra que se iniciava estava
sendo realizada com os recursos econômicos pertencentes
exclusivamente ao patrimônio do Sindicato, sem qualquer favor
oficial, e que, por isso, a ninguém teriam os associados de agradecer o
empreendimento, se não a si mesmos. O DIP tinha enviado um
representante à festa, para filmar e fotografar a cerimônia, e no dia
seguinte, com surpresa geral, publicando-se as fotografias do ato, lá
estava a notícia, fabricada pelo “Ministério da Propaganda”, de que,
usando a palavra, o presidente da associação “manifestara a gratidão
dos associados ao Presidente Vargas”. Ora essa! Nem Vargas nem
outro qualquer Getúlio haviam contribuído para a realização, como é
que a classe iria ser grata a quem não assinara na lista [grifo no
192
FARO, J. S. A Comunicação Populista no Brasil: o DIP e a SECOM. In: MELO, Op. cit., p. 93.
108
original]? Houve o propósito de desmentir, mas a liberdade era, nessa
ocasião, uma jóia preciosa guardada, a sete chaves, pelos homens do
poder, e somente muito mais tarde, depois do “13 de Maio” da
imprensa e da opinião pública, é que um matutino glosou a notícia,
pondo os pontos nos ii e a gratidão em seu devido lugar.
193
O outro depoimento é de Henrique Pongetti que conta como era a prática
cinematográfica da Divisão de Cinema e Teatro sob a sua direção desde 1941.
194
Pongetti
relata dois episódios de como, até mesmo nos corriqueiros gestos do Presidente Vargas, a
objetiva do DIP era convocada para construir significações que, por mais simples e ingênuas
que possam parecer, auxiliavam na edificação da imagem de um Estado personificado na
figura de seu líder:
Getúlio gostava de jogar golfe no sítio de seu amigo Argemiro
Machado na estrada de Itaipava para Teresópolis. Estava longe de ser
um campeão e suas bolas não queriam nada com o buraquinho. Dei
instruções a Ramon Garcia, cameramen, destacado sempre para
glorificar o homem, que pedisse a um bom jogador para fazer umas
espetaculares jogadas e filmasse Getúlio dando porretada na bola.
Fizemos uma montagem perfeita e o povo, que tinha certa simpatia
pelo baixinho risonho, bateu palmas no Metro do Passeio.
[...] Um dia filmamos um almoço de Vargas com a fina flor das Forças
Armadas e fui fazer a censura de rotina. Descobri-lhe entre os dentes
um palito que ele fazia voltear caprichosamente com movimentos dos
lábios [...]. Meu trabalho era evitar uma cena de chanchada na
austeridade do documentário.
195
No plano da censura, nenhum filme podia ser exibido sem um certificado de
autorização fornecido pelo DIP. Oito disposições
196
determinavam o que os espectadores
brasileiros podiam ver no cinema, censuravam os filmes que: a) contivessem qualquer ofensa
ao decoro público; b) contivessem cenas de ferocidade ou fosse capaz de sugerir a prática de
crimes; c) divulgassem ou induzissem aos maus costumes; d) fossem capazes de provocar
incitamentos contra o regime vigente, a ordem pública, as autoridades constituídas e seus
193
GUSMÃO, Cupertino de. Do bojo do Estado Novo: memórias de um socialista na república de trinta e sete.
Rio de Janeiro: Gráfica Santo Antônio, 1945. p. 108-109.
194
SOUZA (1990), Op. cit., p. 336. Segundo o autor, Henrique Pongetti era funcionário de carreira do
Departamento e, por volta de 1940-42, foi o responsável por dar uma nova feição ao Cine Jornal Brasileiro. A
inovação foi no sentido de produzir alguns números que tiveram ampliado a metragem e trataram de assuntos
únicos e mais gerais, resultando em documentários como Debret e o Rio de hoje, Santos Dumont, o dominador
dos ares e A jangada voltou só.
195
PONGETTI, Henrique. apud. MOURÃO, Op. cit., p. 149.
196
Ver BRASIL. Decreto-Lei nº 1949, de 30 de dezembro de 1939. Dispõe sobre o exercício de atividades de
imprensa e propaganda no território nacional e dá outras providências. Legislação Federal. São Paulo, v.03,
p.681-699.
109
agentes; e) pudessem prejudicar a cordialidade das relações com outros povos; f) fossem
ofensivos às coletividades ou às religiões; g) ferissem, por qualquer forma, a dignidade ou o
interesse nacionais e h) induzissem ao desprestígio das forças armadas. Segundo Souza,
197
as
decisões do que era bom ou não para o público brasileiro cabiam a uma área restrita da
burocracia estadonovista que, muitas vezes, até fugia das normas censórias, o que acabava por
dar sinais mais de um gosto pessoal do que uma ação coercitiva estatal. Entre os intelectuais
da época que exerceram a atividade de censor destaca-se o poeta Vinicius de Moraes. Em uma
de suas crônicas em A Manhã, em novembro de 1941, Vinicius de Moraes comenta a
“lástima” que era assistir aos filmes do tempo do DPDC, segundo ele os cinegrafistas tinham
“a sedução das ruas sujas, dos pantanais, das caras feias [..]”. Neste mesmo texto, o poeta
conta como colaborava para tirar das telas este aspecto “feio” do Brasil ao proibir a
veiculação de um filme sobre uma escola pública do interior do Rio de Janeiro:
[...] o fotógrafo aquele dia requintara: esperara pacientemente uma
semana de chuvas fortes, tempo excelente para a miuçalha aproveitar e
fazer a greve de banho. Quando estava tudo bem sujo, bem
enlameado, o nosso prezado cinegrafista [...] partira para a sua
filmagem. Lá chegando, fez reunir a garotada (quase todos pretinhos,
positivamente imundos, resfriadíssimos, o nariz correndo) em frente a
tal escola (um barracão troncho de taipas, com uma mão de cal já toda
descascada) e pôs-se a fazer a sua reportagem. A “fessora” [sic], toda
prosa, ia e vinha arrumando o grupo, batendo palmas, dando ordens,
fazendo o pessoal marchar muito dentro do lameiro. E que alegria para
eles! Metiam o dedão com vontade na terra encharcada, mostrando as
cancelas da dentadura e enxugando o resfriado na manga da camisa
mesmo. Nunca quis tanto bem os nossos pretinhos naquele dia.
198
Vale ressaltar que este “tom pessoal” dado à censura do DIP encontrou respaldo
principalmente nos filmes nacionais, enquanto que no caso da censura feita ao cinema
estrangeiro tratava-se de atender às razões do Estado. Assim, enquanto o Brasil optou por uma
política de neutralidade, não rompendo suas relações internacionais com a Alemanha nazista,
a fim de tirar o maior proveito econômico da situação, a censura cinematográfica foi obrigada
a demonstrar a nossa “neutralidade”, proibindo inicialmente os filme norte-americanos anti-
nazistas e, logo depois, os cinejornais como Atualidades UFA e 20th Century Fox
Atualidades. O que o DIP procurava com esta postura “neutra” era, na verdade, desestimular
qualquer tipo de posição política interna em relação ao conflito mundial. A maior polêmica
197
SOUZA (1990), Op. cit., p. 212.
198
MORAIS, Vinicius de. apud. SOUZA (1990), Op. cit., p. 213.
110
em relação à proibição de um filme durante o Estado Novo se deu com a película O Grande
Ditador, de Charles Chaplin, em 8 de janeiro de 1941, que chegou às telas brasileiras como a
obra de arte do antinazismo. Segundo Souza,
199
o entrave que O Grande Ditador teve com a
censura brasileira da época referia-se ao fato de que a crítica que se fazia aos regimes
ditatoriais, enfocando especialmente o caso alemão e a figura de Hitler, acabava por afetar a
sua versão brasileira. Algumas das cenas foram consideradas definitivamente comunistas e
desmoralizadoras das Forças Armadas, sendo que a seqüência final, quando Chaplin vira e se
dirige aos espectadores munido de um discurso emblemático da luta contra os regimes
autoritários, provocou tamanha irritação no major Antônio José Coelhos dos Reis, então
diretor do DIP, a ponto dele exigir que fosse eliminada, caso contrário, seria cancelada a
licença da United Artists no Brasil.
Mas com o desenrolar da guerra e o fim da “neutralidade” do Brasil todos os filmes
antinazistas foram liberados, e os cinejornais passaram a auxiliar na mobilização do brasileiro
para o esforço de guerra, construindo significações em torno da figura do inimigo externo (os
alemães) — como veremos no próximo capítulo —, uma vez que o inimigo interno (os
comunistas) já se encontrava definido desde 1930. É importante destacar que, por volta de
1941, quando a política exterior brasileira começou a sinalizar novos rumos no sentido de
uma maior aproximação com os EUA, o DIP passou a colaborar mais intensamente com o
Birô Interamericano, órgão norte-americano implantado no país desde 1939 e chefiado por
Nelson Rockefeller. O Birô Interamericano fora criado com os objetivos de “minimizar a
influência européia na América Latina, manter a liderança norte-americana e encorajar a
estabilidade econômica do continente”,
200
e era composto por quatro divisões: Informações,
Relações Culturais, Saúde e Comercial/Financeira; a Divisão de Informações compreendia as
seções de Imprensa, Rádio, Filme, Análises de opinião pública (produto dos estudos
funcionalistas) e Ciência/Educação. Segundo Moura, a informação, divulgada e controlada
pelo Birô, visava tanto ganhar a batalha ideológica contra o fascismo quanto afirmar um
liberalismo específico, que ficou conhecido como American way of life.
Entre as seções da Divisão de Informação a mais apreciada pelos norte-americanos foi
a de filmes, uma vez que já estavam convencidos da extraordinária capacidade de penetração
ideológica deste meio, logo, desenvolveram um programa ambicioso que abrangia os dois
gêneros cinematográficos. No tocante aos filmes de ficção, o Birô mobilizou os estúdios de
199
Sobre a censura cinematográfica no Brasil consultar também SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a
censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999.
200
MOURA, Gerson (1984). Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. 3.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1986. p. 18.
111
Hollywood que passaram a produzir um cinema que atendesse à estratégia do governo
Roosevelt para a América Latina. Assim, ficava vetada a divulgação de filmes que pudessem
colocar em ridículo ou questionar qualquer instituição norte-americana ou que ferissem a
suscetibilidades dos latino-americanos. Já os filmes documentários deveriam registrar
aspectos naturais, sociais, científicos e técnicos dos Estados Unidos e da América Latina,
sendo que enquanto os filmes sobre a América Latina, a serem exibidos para os americanos,
mostravam paisagens, flores tropicais, festas, folclore, artesanato e a produção de bens
primários (os estratégicos para o esforço de guerra, como por exemplo, a borracha), por outro
lado, os sobre os Estados Unidos tratavam de evidenciar as indústrias bélica, aeronáutica,
cinematográfica e siderúrgica, como também os avanços técnico-científicos, além de suas
belezas naturais, o sistema educacional e a cultura em geral.
O Birô Interamericano intensificou suas ações de 1940 a 1946 e o DIP foi colaborador
na produção e distribuição destes filmes no Brasil, sendo que até seus funcionários
trabalharam em projetos comuns com o Birô, como por exemplo, o cinegrafista Jean Manzon
participou das filmagens de A Batalha da Borracha. Depois de 1942, quando o Brasil rompeu
definitivamente a relação com a Alemanha, enviando para o front na Itália a Força
Expedicionária Brasileira, o DIP intensificou a apreensão de filmes do Eixo em todo o país.
Nos primeiros anos da década de 1940, o Brasil sinalizava um desejo de
redemocratização, acreditava-se que combatendo o nazi-fascismo na Europa era a melhor
maneira de lutar pela democracia no país, a vitória do Bloco dos Aliados significaria uma
humanidade mais progressista e mais democrática. Uma das principais manifestações contra
as potências do Eixo realizadas no país foi a manifestação, no Rio de Janeiro, da União
Nacional dos Estudantes (UNE) em julho de 1942 — como já citado —, onde, junto às figuras
de Hitler e Mussolini, autoridades do Governo Vargas são satirizadas e acusadas de
aproximação com os regimes fascistas europeus, entre elas estavam Filinto Müller, Chefe da
Polícia do Distrito Federal, Francisco Campos, Ministro da Justiça e dos Negócios Interiores,
e Lourival Fontes, diretor-geral do DIP. A manifestação teve como painel de fundo uma grave
crise governamental, as idéias divergentes acirravam o confronto, de um lado o ministro
interino da Justiça, Leitão da Cunha, era favorável a passeata enquanto Filinto Müller era
contra. É neste clima de desavenças entre grupos rivais que Getúlio Vargas aceitou os pedidos
de exoneração de Francisco Campos, Leitão da Cunha, Filinto Müller e Lourival Fontes.
Com a saída de Fontes, o DIP assume uma nova feição, mediante uma direção
burocratizada dos militares major Antônio José Coelho dos Reis e capitão Amílcar Dutra de
Menezes o departamento abandona a política de comunicação conduzida pelo antigo diretor e
112
passa a impor uma marca militarista em suas atividades. Ainda se continuaria a investir na
propagação dos pressupostos do regime, mas as atenções foram voltadas à defesa da Pátria e à
mobilização para o esforço de guerra. Mas com o término da Segunda Guerra Mundial, o
clima de redemocratização incendiava a oposição no Brasil que atuava no sentido de suprimir
todos os órgãos que expressavam a política centralizadora e intervencionista do antigo regime,
logo, “o DIP era um mamute anacrônico paralisado no caminho da redemocratização”.
201
Em
25 de maio de 1945, cinco meses antes da queda de Getúlio Vargas, o decreto-lei 7.582
extingue o DIP, mas cria o Departamento Nacional de Informação (DNI), uma decisão que
apenas disfarçava, uma vez que a comunicação retornava ao controle do Ministério da Justiça
e dos Negócios Interiores, assim como os antecessores do DIP. Cabia ao DNI fazer a censura
cinematográfica, estimular a produção de filmes nacionais, conceder prêmios, entre outras
atividades. Este órgão só foi extinto meses depois do general Eurico Gaspar Dutra assumir a
presidência, entretanto, a Agência Nacional foi mantida subordinada ao mesmo Ministério do
DNI e incumbida de produzir o Cine Jornal Brasileiro e o boletim informativo radiofônico
que era transmitido por todo o Brasil pela A Hora do Brasil. A produção dos cinejornais só
cessaria em 1946.
Entre as primeiras iniciativas da redemocratização, no campo do cinema, foi a
proposta de Jorge Amado, deputado federal pela bancada paulista do PCB, para a criação do
Conselho Nacional de Cinema (CNC), órgão que regulamentaria normas para a produção,
importação, distribuição e exibição de filmes. O projeto ainda centralizava as decisões a
respeito das questões cinematográficas no âmbito do Estado, mas as transferia para o setor de
produção, uma vez que dos 11 representantes do Conselho três seriam produtores, um diretor
de filmes nacionais de curta-metragem, um artista, um representante dos empregados e
técnicos e um dos autores e cenógrafos, sendo que dois seriam representantes do Ministério da
Educação e Saúde, ministério no qual o órgão estaria vinculado, e um dos exibidores
nacionais e um dos distribuidores de filmes nacionais. Assim, “propunha-se um órgão
abrigado nas estruturas do Estado sob o controle do setor produtor, corporativizando todos os
outros setores ligados às atividades cinematográficas.”
202
No entanto, durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, a criação do
CNC deixou de ser concebida como uma autarquia, logo, o órgão dependeria cada vez mais
de recursos oriundos do Estado. Por outro lado, o CNC não foi colocado em prática, as duas
versões que tramitavam foram ignoradas por Getúlio Vargas em 1951, quando assume o seu
201
SOUZA (1990), Op. cit., p. 163.
202
SIMIS, Op. cit., p. 140.
113
segundo mandato na Presidência da República, por eleições diretas, e convida o cineasta
Alberto Cavalcanti para um estudo sobre a situação do cinema brasileiro, que origina o
projeto da criação do Instituto Nacional de Cinema (INC). Em 19 de novembro de 1957 o
projeto do CNC foi anexado ao projeto que criava o INC por se tratar de um “assunto
idêntico”. Novamente as sombras do Estado autoritário sobrevoavam as discussões em torno
da cinematografia brasileira, temia-se que o INC, proposto por Alberto Cavalcanti, criasse um
órgão burocrático, centralizando novamente o cinema nas mãos do Estado. Portanto, o DIP
ainda assombraria os debates a respeito das políticas cinematográficas no Brasil. Segundo
Souza, se pudéssemos encontrar alguma inventividade no DIP esta não se encontraria no
esboço do mito Vargas, nem mesmo na utilização intensiva da propaganda política do Estado
por meio dos media, tampouco na coerção extensiva e intensiva sobre a produção de bens
simbólicos. Se houve alguma inventividade, esta se encontrava na “burocratização do aparato
ideológico de propaganda, [...], onde cada funcionário-intelectual ali empregado podia chegar
ao fim do dia com a consciência tranqüila do trabalho realizado.”
203
Mas antes de nos dirigirmos às análises dos cinejornais do DIP, uma questão se coloca
em relação a estes documentos fílmicos: a recepção. Os estudos de recepção dos jornais
cinematográficos do Estado Novo nos surgem muitas vezes como uma incógnita, um desafio,
tendo em vista que as informações são raras e poucos são os depoentes, sendo que os
depoimentos que se tem registro são de intelectuais da época como Vinicius de Moraes, no
jornal carioca A Manhã, Guilherme de Almeida, no O Estado de São Paulo, e Pinheiro Lemos
e Lúcio Cardoso que assinavam a coluna “Cinema” da Revista Cultura Política, publicação
do próprio Estado Novo. Ou seja, pouco se sabe dos resultados alcançados pela propaganda
política do Governo Vargas por meio do cinema, de como os espectadores brasileiros se
relacionavam com estes filmes de atualidades, uma vez que o próprio DIP não mantinha um
controle sobre seus rendimentos ideológicos com a circulação do Cine Jornal Brasileiro.
Segundo Souza, a exibição destes cinejornais era muito extensiva, realmente, porém, atrasada
e descoordenada. As exibições nas salas fora do Rio de Janeiro chegaram a ter um atraso de
um mês nos primeiros anos de produção, sendo que esta defasagem foi aumentando conforme
o sistema de distribuição foi sendo alterado em favor de uma ou outra distribuidora,
chegando, por volta de 1942-44, a um atraso de cerca de seis meses em Salvador e Porto
Alegre. Fora do circuito Rio de Janeiro/São Paulo/Belo Horizonte somente os filmes sobre a
participação da FEB na Europa teve exibição garantida.
204
203
SOUZA (1990), Op. cit., p. 167.
204
Idem, Ibidem, p. 338-339.
114
Entretanto, apesar de todo este aspecto desorganizacional do DIP, que não conseguia
dominar sua propaganda política estatal por meio do cinema, uma resposta direta e
contundente nos aparece como um risco, uma queda por colocar uma pedra definitivamente
em um buraco histórico que, de alguma forma, insiste em permanecer aberto à espera de um
historiador que possa se interessar por sua profundeza. Os questionamentos da eficácia ou não
destes filmes atualidades são fundamentais para o avanço dos estudos de cinema no Brasil, o
que enriquece a nossa compreensão de como se deu o fenômeno cinematográfico entre os
brasileiros. No entanto, não basta saber que o espectador brasileiro encontrou um “jeitinho”
para não assistir às imagens oficiais, ao atrasar a sua entrada na sala em 10 minutos, para que
decretemos a sua ineficácia, já que correspondia a uma prática comum no Rio de Janeiro,
porém, não se sabe se isso ocorria nos outros Estados do país. Por isso, acredito que
afirmações como a da historiadora Maria Helena Rolim Capelato são difíceis de serem
sustentadas.
Respaldada no discurso doutrinário e ufanista do cinema do DIP, a autora afirma que,
ao contrário do que representou a propaganda cinematográfica nazista para os alemães, uma
vez que priorizava filmes de divertimento nos moldes de Hollywood, com um conteúdo
ideológico sutilmente disfarçado, os cinejornais não fizeram tanto sucesso entre o público
brasileiro. Para Capelato, “os filmes brasileiros não despertaram entusiasmo nem patriótico
nem lúdico nas platéias”.
205
Primeiro, é arriscado procurar comparar o filme documentário
“noticioso” de curta-metragem com o filme de ficção de longa-metragem, pois, apesar de
apresentarem um ponto em comum, o “efeito de real” — como discutido no início do trabalho
— , são gêneros cinematográficos distintos um do outro. Por outro lado, é o próprio princípio
de “efeito de real” que atribuiu às imagens dos cinejornais autenticidade, logo, credibilidade
nas mensagens governamentais, como acreditam autores como Simis, Goulart e Garcia. “Foi
valendo-se da montagem de imagens autênticas que tais filmes garantiram a credibilidade nas
mensagens governamentais, pois sem elas a propaganda não atingiria seus objetivos.”
206
Também vale relembrar que a própria propaganda nazista fez uso do filme documentário em
função deste caráter autêntico das imagens captadas in loco, no intuito de que elas
autorizassem uma confusão entre veracidade e verdade.
205
CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 113.
206
SIMIS, Op. cit., p. 54-55. Ainda sobre esta questão ver GARCIA, Nelson Jahr. Estado Novo, ideologia e
propaganda política — a legitimação da Estado autoritário perante as classes subalternas. São Paulo: Loyola,
1982. p. 104. e GOULART, Op. cit., p. 25.
115
Não há dúvidas de que se o Estado Novo tivesse operado sua propaganda política no
sentido de unir o cinema documentário e o cinema de ficção poderíamos falar, com mais
segurança, em um “projeto totalitário” para a atividade cinematográfica, mas decorrente do
próprio preconceito cultural que os críticos da época tinham com a produção nacional de
filmes de ficção e as deficiências técnicas inerentes a ela, os cinejornais surgiram para o novo
regime como o instrumento mais adequado para a difusão de seus ideais. Segundo Pinheiro
Lemos, “a única orientação artística possível e legítima do cinema é no terreno do
documentário”.
207
Para o autor a indústria cinematográfica da época era incapaz de fazer bons
filmes de longa-metragem, uma vez que até o som e a fotografia dos jornais da tela eram
precárias, verdadeiras tragédias técnicas. No entanto, com a produção oficial do DIP e da
Cinédia o cenário mudou, os novos cinejornais eram “bem fotografados, sem palavrórios
dispensáveis ou bombásticos, cheios de interesse e vivacidade”, ou seja, os shorts — assim
como eram conhecidos os filme atualidades — seriam a orientação da produção
cinematográfica brasileira. Três motivos indicavam esta tendência: 1) não exigem grandes
despesas técnicas; 2) pouco investimento e 3) pouca intuição cinematográfica. Para Lemos, o
filme documentário de curta-metragem era “[...] a célula inicial de desenvolvimento do filme
nacional, o trampolim de onde nos poderíamos aventurar a realizações seguras no campo da
Sétima Arte.”
208
Nota-se que, desmotivados pela situação precária do aparato técnico do cinema
brasileiro da época, a produção do Cine Jornal Brasileiro foi a única alternativa para os
propagandistas do Governo Vargas. No entanto, retomando a questão dos efeitos destes filmes
oficiais nos espectadores brasileiros, insisto que até mesmo o caráter de autenticidade de suas
imagens não é uma prerrogativa para que afirmemos que os trabalhadores foram manipulados,
ou que os filmes provocaram um sentimento patriótico, uma vez que não se trata de
compreender o processo de comunicação como um ato mecânico que tem no instante da
recepção um mero lugar de chegada da mensagem, mas como um espaço de produção de
sentido, de interação.
Desta forma, ter a recepção como o novo lugar para o estudo dos meios de
comunicação não equivale dizer que a figura do receptor tenha plena liberdade de fazer o que
207
LEMOS, Pinheiro. Cinema VIII. Revista Cultura Política, ano 2, n. 19, set. 1942. p. 297. In: CARDOSO,
LÚCIO. Cinema: coletânea de textos da revista Cultura Política. Coleta de textos por José Inácio de Melo e
Souza. Rio de Janeiro, 1941-44. Incl. Textos sobre cinema de Pinheiro Lemos e relatórios publicados sobre as
atividades do DNP e DIP.
208
Idem. O filme brasileiro de pequena metragem. Revista Cultura Política, ano 2, n. 11, jan. 1942. p. 201. In:
CARDOSO, LÚCIO. Cinema: coletânea de textos da revista Cultura Política. Coleta de textos por José Inácio
de Melo e Souza. Rio de Janeiro, 1941-44. Incl. Textos sobre cinema de Pinheiro Lemos e relatórios publicados
sobre as atividades do DNP e DIP.
116
quer com a mensagem, pelo contrário, é com base no conhecimento das intenções do emissor,
sejam manipulativas ou ideológicas, que nos dirigimos ao receptor no intuito de compreender
o modo de interação deste, não só com os aparatos técnicos e a mensagem, mas também com a
sociedade e os outros autores sociais, trata-se apreender a circulação da significação, como se
dá a apropriação dos discursos por ambas as partes.
209
Assim, é imprescindível que não nos atentemos apenas para os meios, mas que o
debate se desloque para as mediações, ou seja, para a dupla operação de desconexão e
recomposição, ou o que Barthes, ao referir-se ao mito como uma “fala roubada”, denominou
de dessignificação e ressignificação. Tanto as classes populares quanto o Estado se interagem
em um processo de apropriação mútua, o que equivale dizer, segundo Barbero, que ao
procurarmos a eficácia ou o sentido social dos aparatos de uma cultura que se pretendia
hegemônica, como a dos regimes autoritários dos anos 30 e 40, estes não devem ser buscados
apenas na questão de sua organização industrial e em seus conteúdos ideológicos, mas no
modo de apropriação e reconhecimento
210
por parte das massas populares, uma vez que “o
massivo, nesta sociedade, não é um mecanismo isolável, ou um aspecto, mas uma nova forma
de sociabilidade. [...] Assim, pensar o popular a partir do massivo não significa, ao menos não
automaticamente, alienação e manipulação, e sim novas condições de existência e luta, um
novo modo de funcionamento da hegemonia”.
211
Não diferente dos outros regimes, o Estado
Novo se dirigiu às multidões convertendo-as em um “povo” integrado na imagem-Nação, mas
a eficácia de todo este processo estava em fazer com que as multidões se reconhecessem nesta
imagem, ou seja, que nela estivessem atendidas suas demandas mais básicas e a presença de
seus modos de expressão. É mediante esta necessidade que o cinema surge como o principal
209
Sobre os estudos de recepção no Brasil e na América Latina consultar MARTÍN-BARBERO, Jesús. América
Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mauro Wilton de (org.).
Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 39-68 e SOUZA, Mauro Wilton de.
Recepção e comunicação: a busca do sujeito. In: (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo:
Brasiliense, 1995. p. 13-38.
210
A respeito desta mediação entre os trabalhadores urbanos e o Estado Novo consultar FERREIRA, Jorge.
Trabalhadores do Brasil, o imaginário popular. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.
Segundo o autor o que podemos notar nas correspondências dos trabalhadores enviadas ao Presidente Getúlio
Vargas é um discurso que se apropria do arcabouço doutrinário do Estado Novo selecionando aquilo que poderia
beneficiá-los com um aumento de salário ou uma promoção de cargo, como a legislação, as imagens da
“Família”, do “Trabalho”, do “Progresso”, da “Justiça Social” entre outras. Portanto, “as manifestações de apoio
de trabalhadores e populares a Vargas demonstram o êxito obtido pelos formuladores da imagem presidencial.
No entanto, é preciso lembrar que o conjunto de imagens que deram forma ao chamado ‘mito’ Vargas não foi
recebido de maneira passiva. Os trabalhadores reconheceram os benefícios obtidos e o ‘tratamento humano
decente’ que passaram a receber, mas também interpretaram a simbologia presidencial de acordo com seus
padrões culturais, recriaram outra imagem de Vargas — a que lhes interessava — e, a partir da leitura oferecida
por sua cultura política, batalharam por suas reivindicações. O apoio que os populares manifestaram a Vargas
não correspondia ao apoio que Vargas esperava deles” (1997, p. 54).
211
MARTÍN-BARBERO, Jesús (1987). Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Trad.
Ronald Polito e Sérgio Alcides. 2. ed. (1ª edição 1997). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. p. 322.
117
meio para atender aos objetivos da propaganda estadonovista, nas mais diversas regiões do
Brasil a arte cinematográfica autorizava a primeira vivência cotidiana da Nação.
Portanto, abordar os cinejornais do DIP na tentativa de comprovar tanto um caráter
ineficaz quanto alienante de suas mensagens passa por uma interpretação do espectador não
como um sujeito da comunicação, mas como uma figura passiva, condicionada, o que não
acredito ser a melhor postura, uma vez que, segundo Prokop, os modernos meios de
comunicação não manipulam, mas “fascinam as massas”. Para o autor estar fascinado por
alguma coisa não corresponde a ser inteiramente manipulado pela mesma, porém, significa ter
a atenção fixada no objeto, mas com o ego desperto, ou seja, a consciência real do espectador
não é absorvida plenamente. A manipulação só se efetiva em um público pré-disponível a ser
atingido, caso contrário, o que temos são momentos fascinantes que podem ser positivos ou
negativos. Fascínio que se opera pela construção sígnica (não entender aqui o “signo” no
sentido da semiótica, uma mediação entre significante e significado): os signos são
compreendidos aqui como aqueles elementos que organizam os tipos de valores modais de
fantasia, de significados já existentes no imaginário social, em busca de fixar o público como
uma categoria social (ou um grupo) que possa se identificar com as significações construídas.
Signos são símbolos fixados de forma unívoca em sua significação e
funcionalizados. [...] A significação precisa, fixada claramente,
funcionalizada, tem sempre uma referência à realidade, aliás, mais do
que possui o estereótipo: os valores psíquicos da fantasia, por
exemplo, de “sensação” e de “agressão”, que transmitem as imagens,
os valores, os gestos e as poses já foram testados. Trata-se de
conteúdos de significação que ligam um setor representativo da
população a eles.
212
São essas significações que buscamos nos cinejornais do DIP, imagens que reforçam
os mitos modernos que, por suas vezes, já integram o sentimento humano. Significações que
são movidas por uma intenção, que buscam simplificar as contradições humanas, reprimir
toda e qualquer dialética, que buscam fascinar por mais objetivas que possam parecer. A
simples imagem da multidão de trabalhadores concentrados nas arquibancadas do Estádio
Januário, durante as comemorações de Primeiro de Maio, tem o seu sentido “deformado”,
reelaborado antes de ir para as telas do cinema, pois, só assim, ela pode preencher a face vazia
da forma mítica e ser devolvida aos operários de todo o país de maneira ressignificada como o
mito da Unidade. É por esta e outras significações que este trabalho não procura respaldo
212
PROKOP, Dieter. (1979). Fascinação e tédio na comunicação: produtos de monopólio e consciência. In:
MARCONDES FILHO, Ciro (org.). Prokop. Grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1986. p. 168.
118
unicamente nos cinejornais para responder a questão da eficácia da propaganda estadonovista,
mas trata de evidenciar que qualquer tentativa de explicá-la deve compreender o “conjunto da
obra”, ou seja, o esforço do Estado Novo em cooptar jornais, rádios, filmes educativos e de
atualidades, música popular etc., para instrumentalizar o seu aparato propagandístico, como
também o fato de que a própria força pedagógica e doutrinária do DIP era somada à outras
instituições como a escola, a Igreja, os sindicatos entre outros. Desta forma, vejo que qualquer
esforço de atribuir aos cinejornais a deflagração ou não de um sentimento patriótico nos
espectadores é inóspita diante de vestígios quase nulos — são raros os depoimentos e os
estudos a respeito da recepção deste meio — o que nos levaria a incorporar a imagem do
“profeta do imaginário popular”. Neste momento, prefiro colocar o sucesso persuasivo dos
cinejornais em uma enorme interrogação, uma vez que são poucos os elementos que disponho
para comprovar qualquer afirmação, e também por acreditar que não cabe a este trabalho
responder a esta questão; fica para outros pesquisadores a evidência de que este assunto
merece uma maior e cuidadosa atenção.
Compreendendo que os cinejornais estão incorporados a um projeto ideológico
estadonovista, veremos como as imagens que compõem este programa encontram respaldo
nas imagens cinematográficas dos filmes de atualidades, que proposições foram postas para a
sociedade brasileira durante o Governo Vargas, como imagens/idéias de “Pátria”, de
“Unidade”, de “Trabalho”, de “Progresso” entre outras foram dirigidas à multidão de
espectadores com o intuito de que a partir delas fosse possível o Estado Novo forjar uma
identidade nacional.
119
CAPÍTULO III
CINE JORNAL:
VESTÍGIOS DE UMA ERA
120
No cinema o olho não é a câmera, mas o écran.
Gilles Deleuze
Quando se trata de discutir a interdisciplinaridade nos estudos de história as
linguagens em geral (cinema, teatro, música, literatura, artes plásticas, dança etc.) surgem
como um campo movediço, mas ao mesmo tempo desafiador a qualquer pesquisador por
mergulhar em um universo que, muitas vezes, se encontra restrito aos artistas e produtores
culturais. Transitar por diversas áreas exige uma dedicação extra, uma vez que não lidamos
mais com um documento inerte, pelo contrário, a linguagem mantém uma relação constante
com aquele que a aborda, é uma via de mão dupla, ela responde aos nossos anseios afetivos e
perceptivos. Para que possamos caminhar com cautela é imprescindível que compreendamos
a necessidade, a priori, de enveredar pelas peculiaridades inerentes a cada linguagem, decifrar
como esta se relaciona com o observador/espectador. Esse é o primeiro passo que nos autoriza
a dirigir a este tipo de objeto, uma vez que nos possibilita abandonar, mesmo que não seja por
completo, a condição de espectador. A desmistificação do objeto é uma ferramenta adequada
quando se trata das linguagens, evita que as análises fiquem sujeitas ao caráter ilusionista, ou
seja, tomem o documento como verdade, ao invés de tê-lo como o espaço do verossímil.
Desmistificar é desmontar o erotismo do olhar: o pesquisador procura não se
comportar mais como um voyeurista, aquele que espreita silenciosamente a intimidade do
outro pelo viés da tela, tendo prazer em “espiar” os personagens sem ser visto; ele trata de
conhecer o dispositivo técnico do cinema para fugir deste “pecado original” que tem origem
nas máquinas de espiar, nas fendas, nas cavernas e no buraco da fechadura. Diante do filme o
pesquisador não mais “olha” com recolhimento, nem mesmo com distração, aborda-o na
posição de um observador atento às associações de imagens e sons, a cada vestígio de
significação como se caçasse um tesouro perdido em meio à experiência perceptiva do
cinema. Desta forma, acredito que a desmistificação deve vir acompanhada da idéia de
experiência, pois, assim, não limitamos nossas análises ao fragmento isolado, ou a uma ou
outra associação, mas priorizamos a concepção de que o filme tem uma intenção e encontra
ou procura encontrar a melhor forma para dirigir-se aos espectadores. É certo que a própria
análise é um mecanismo que interrompe a continuidade da experiência, entretanto, o fato de
121
compreendermos esse fenômeno cinematográfico, em si, já é um avanço, não centramos as
atenções somente no objeto como se ele fosse algo dissociável do mundo, uma vez que a
“verdade” do filme só se realiza no olhar do espectador. Assim, isto é um sinal de que nossos
estudos ainda têm muito que percorrer no sentido da recepção, no campo da fenomenologia
do cinema.
Entretanto, é notório que para qualquer pesquisador lidar com a “escrita fílmica” é
uma tarefa árdua, uma vez que estamos mais acostumados a interpelar os signos textuais, mas,
por outro lado, o aprendizado da relação Cinema e História demonstra que fugir do subjetivo
é negar à prática histórica o conhecimento de si mesma, de que “a história é uma arte que
supõe o aprendizado de uma experiência”.
213
É em busca do que Bloch denominou de objeto
da história — os homens em seu tempo — que são investidas as reflexões no campo da
relação Cinema e História, uma vez que não é possível desvincular a obra de seu criador, são
os homens os idealizadores dos escritos, das instituições etc. No cinema não é diferente, como
uma obra coletiva o filme é resultado do que uma sociedade autoriza a dizer em imagens e
sons a respeito de determinados assuntos ou fatos históricos; o passado representado na tela,
assim como aquele registrado em um outro suporte, o livro, contém vestígios de um outro
tempo, o da época de produção. Todo filme possui as marcas de um tempo deixadas pelos
seus realizadores durante o processo de elaboração e execução da obra, cabe ao historiador
torná-las visíveis no momento da análise. Entretanto, essas marcas não nos revelam apenas o
contexto do momento em que o filme foi produzido, vão além, são índices visuais e sonoros
da interpretação, da leitura do passado feita por um grupo de profissionais, são proposições
postas para uma sociedade. Assim, nossas buscas neste campo nos levam a acreditar que “por
trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas] por trás dos
escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas
daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar.
214
A busca por uma
metodologia
215
mais adequada para lidar com o documento fílmico é uma constante entre os
213
VEYNE, Paul (1971). Como se escreve a história. Trad. Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4ª edição.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 127.
214
BLOCH, Marc (1944). Apologia da história ou o ofício de historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001. p. 54.
215
Não iremos aqui apresentar uma revisão mais detalhada desse debate metodológico por acreditar que outros
trabalhos já trazem isso bem resolvido. Consultar DUTRA, Roger Andrade. Da historicidade da imagem à
historicidade do cinema. Projeto História. PUC, São Paulo, n. 21, p. 121-140, nov. 2000; KORNIS, Mônica
Almeida. História e cinema: um debate metodológico. Revista Estudos Históricos. Editora FGV, Rio de Janeiro,
v. 5, n. 10, p. 237-250, 1992; NOVA, Cristiane. A “História” diante dos desafios imagéticos. Projeto História.
PUC, São Paulo, n. 21, p. 141-162, nov. 2000; RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e
história do Brasil. Bauru, SP: Edusc, 2002 e ROSSINI, Mirian de Souza. Cinema e história: uma abordagem
historiográfica. História Unisinos. São Leopoldo, RS, n. especial, p.117-186, 2001.
122
pesquisadores, porém, difícil de ser resolvida, já que o cinema sugere inúmeras interpretações.
A respeito destas interpretações vejo que são intrínsecas à obra de arte, é impossível
desassociá-las, é o ato de interpretar que propicia múltiplas vozes aos nossos estudos.
Segundo Pareyson, ler é executar, logo, uma obra de arte necessita ser contemplada, ser
retirada de sua aparente imobilidade para que volte a pulsar, reviver na experiência perceptiva
do observador/espectador. Assim, lidar com a experiência estética de uma obra de arte é
compreender, gradativamente, a experiência humana; a cada fragmento pinçado para compor
o real um outro escapa aos nossos olhos, sempre faltará uma ou mais peças para preencher o
tabuleiro, pois “a imagem e o significado se refletem em uma galeria de espelhos pela qual,
assim como por corredores cobertos de quadros, decidimos passear, sempre sabendo que não
há fim para a nossa busca — mesmo se temos um objetivo em mente”.
216
Por mais subjetivo
que seja o ato interpretativo, este não altera em nada a obra, pois essa já nasce executável. É
da natureza do filme que ele seja interpretado, revivido coletivamente. Trata-se da própria
experiência perceptiva que tanto evidenciei aqui, logo, “executar a obra de arte [interpretar],
portanto, não significa acrescentar-lhe alguma coisa de estranho, nem expô-la a inevitáveis
falseamentos ou disfarces: pelo contrário, significa precisamente ‘fazê-la ser’ naquela que é a
sua realidade e na vida da qual ela própria quer viver [grifos no original].”
217
Deve-se evidenciar que mesmo tendo compreendido que a análise fílmica também
autoriza um executar da obra de arte, este executar se difere do articulado pelo espectador, ou
melhor, tanto o espectador quanto o observador ocupam espaços diferentes: para o primeiro o
cinema está no campo do lazer, com o filme se relaciona de forma passiva, deixando-se guiar
em um processo de identificação; já o segundo, se encontra em uma postura ativa diante do
filme, enquanto o submete aos seus instrumentos de análises procura se distanciar dele, uma
vez que para ele o documento fílmico pertence ao campo da reflexão, do trabalho intelectual.
Ainda em relação à análise fílmica é importante ressaltar que não é aconselhável que esta seja
resultante de um primeiro contato com o documento fílmico, assistir ao filme uma única vez
colabora, sem dúvida, para erros. Mas isto não quer dizer que devemos desprezar as
experiências perceptivas obtidas a partir desse primeiro contato, pois, muitas vezes ao
permitirmo-nos “voltar a ser o espectador ‘normal’ por alguns momentos, deixar o filme falar,
procurar sem buscar: contemplar sem olhar freneticamente, prestar atenção sem aguçar os
216
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. Trad. Rubens Figueiredo, Rosaura Eichemberg e Cláudia Strauch. São
Paulo: Cia das Letras, 2001. p. 172.
217
PAREYSON, Op. cit., p 217.
123
ouvidos, estar alerta sem violência”,
218
podemos reunir elementos novos que escapam de
nossas preocupações particulares. Assim, analisar um filme não é simplesmente vê-lo, pelo
contrário, é um constante revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente; um examinar que é
manipular, por isso é indispensável o contato direto com a película ou com uma reprodução
em vídeo — o mais indicado, pois facilita o manuseio ao permitir um vaivém, a parada na
imagem, a câmera lenta, artifícios que auxiliam no processo de análise por interferirem na
projeção contínua do filme. Então, segundo Vanoye e Goliot-Lété, podemos afirmar que
Analisar um filme ou um fragmento é [...] decompô-lo em seus
elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair,
separar, destacar e denominar materiais que não se percebem
isoladamente “a olho nu”, pois se é tomado pela totalidade. Parte-se,
portanto, do texto fílmico para “descontruí-lo” e obter um conjunto de
elementos distintos do próprio filme. Através dessa etapa, o analista
adquire um certo distanciamento do filme. [...] Uma segunda fase
consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses elementos
isolados, em compreender como eles se associam [grifos nossos] e se
tornam cúmplices para fazer surgir um todo significante: reconstruir o
filme ou o fragmento.
219
Como se vê, a tarefa de analisar um filme não é das mais simples. Como já dito, requer
do pesquisador um esforço em enveredar por outras áreas de conhecimento, ou seja, investigar
as “construções fílmicas” escapa de qualquer julgamento com base nas normas que regem a
escrita textual, tendo em vista que cada meio possui seus próprios elementos de representação.
Isto nos leva a compreender que para a historicização das práticas culturais é imprescindível
tomar o termo “documento” em um sentido mais amplo que não contemple apenas o texto
escrito, logo, cabe ao historiador dirigir-se ao filme em uma atitude desmistificadora. No
entanto, segundo Rossini, não é difícil depararmos com alguns aspectos que se repetem nos
estudos desenvolvidos desde os anos 70 e que estão diretamente ligados com a falta de uma
atitude desmistificadora por parte dos historiadores: primeiramente, é notória a dificuldade
que muitos historiadores têm em perceber em que nível um filme documentário ou filme
histórico
220
é “real” ou “ficcional”, quais as representações são colocadas no lugar do real; por
outro lado, não estão claras as diferenças e as semelhanças entre um filme de ficção e um
218
VANOYE & GOLIOT-LÉTÉ, Op. cit., p. 20.
219
Idem, Ibidem, p. 15.
220
De acordo com a definição de Rossini, podemos denominar de “filme histórico” aquele trabalho
cinematográfico que está localizado propositalmente no passado, ou seja, trata de uma época anterior àquela em
que o filme está sendo produzido e que tenha por finalidade reconstituir um fato histórico. Há a necessidade do
filme estar apoiado em pesquisa histórica, o que corresponde a uma mínima exigência de coerência com o já
documentado. Ver ROSSINI, Op. cit., p. 106-107.
124
filme documentário, nem quanto de ficção um filme documentário apresenta, ou vice-versa;
por último, é comum alguns autores confundirem a noção de filme histórico, identificando-o,
muitas vezes, com o filme documentário e outras com o filme ficcional de reconstituição
histórica. Esta confusão é autorizada pelo “efeito de real”, o que reforça a prerrogativa de que
o desvendamento das armadilhas escondidas em ambos os gêneros cinematográficos, parte de
uma necessidade do historiador em manter um esforço no sentido de compreender a
complexidade que envolve os elementos técnicos e artísticos que compõem o cinema.
Os primeiros estudos que introduziram o cinema no campo da história limitaram-se a
enfatizar um suposto caráter objetivo do processo de obtenção das imagens cinematográficas
— como discutido no primeiro capítulo —, o que privilegiou o gênero documentário. As
visões positivistas a respeito do cinema eliminaram qualquer vestígio do trabalho humano e
muito menos se atreveram a pensar em linguagem cinematográfica. Somente nos anos 70 é
que o cinema teve alguns porta-vozes na academia, como Marc Ferro e Pierre Sorlin. Ambos
ainda hoje são referências aos estudos da relação Cinema e História, mas foi Ferro o
responsável por introduzir o filme ficção no rol dos documentos históricos. Pertencente à
terceira geração dos Annales e alinhado à tendência da Nova História, que foi responsável por
expandir o campo da história por diversas áreas, propondo novos objetos e o desenvolvimento
de novos métodos para explorá-los, o historiador viu no cinema uma leitura da “contra-análise
da sociedade”, em que o filme seria capaz de testemunhar os vestígios ideológicos de uma
sociedade. Para o autor as imagens deixam transparecer mensagens que os grupos tentaram
esconder, uma vez que alguns dos registros são involuntários. Assim, bastaria ao historiador
desvendar qual a abordagem sócio-histórica que a película autoriza.
Entretanto, apesar de Ferro abrir as portas da história para a ficção, sua leitura do filme
como testemunha da sociedade, por mais amenizada que seja, acaba invocando a objetividade
do suporte e da técnica cinematográfica, e mais uma vez privilegiando o filme documentário.
Para ele o registro do real ocorria independentemente, ou até mesmo contra a vontade do
sujeito que operava o aparelho cinematográfico. Assim, a visão de Ferro desautoriza qualquer
atitude de dirigir-se ao filme sob o viés da estética, para ele o documento fílmico não é uma
obra de arte, mas um produto, uma imagem-objeto que vale por aquilo que testemunha. O que
lhe interessa é relacionar a obra fílmica com a sociedade que o produziu/consumiu,
articulando entre si condições de produção, censura, crítica, público, regime político, ou seja,
variáveis não-cinematográficas. Essa seria, segundo o autor, a melhor forma de
compreendermos não apenas a obra, mas também a realidade que ela representa, uma vez que
125
essa postura levaria o historiador “a descobrir o que está latente por trás do aparente, o não-
visível através do visível.”
221
Acredito que esta não é a melhor forma de lidarmos com o documento fílmico, que a
imagem não responde apenas como reflexo da sociedade. É isso, mas não só. Como o próprio
Ferro evidenciou, o filme é rico em significações, por isso, compreendo a necessidade de
abordarmos o cinema como linguagem e, conseqüentemente, respondermos a todas as
implicações oriundas desta postura, até mesmo como condição para não nos dirigirmos a estas
significações sob o viés da manipulação, da falsificação, mas, sim, o da construção de um
sentido. Assim, se nos encontramos no campo da estética, nossas indagações feitas aos filmes
devem estar centradas no como ao invés do por que, uma vez que nos interessa localizar a
análise no espaço da relação arte e sociedade, obra e espectadores. A evidência de que os
filmes são proposições sobre a sociedade não desautoriza a concepção de que esses são
também proposições para a sociedade, cabe ao historiador questionar como foram
construídas.
Já Sorlin, mesmo partindo de alguns pressupostos em comum com Ferro, nos aponta a
necessidade que tem o historiador de aprender a ler as imagens (sejam elas estáticas ou em
movimento), pois “não pode haver estudo fílmico que não seja uma investigação da
construção” [tradução nossa].
222
Segundo ele o cinema exige do historiador disposições
distintas do livro, ou seja, uma vez que se objetive estudar as sociedades do século XX a partir
dos meios que essas usam para se comunicarem, devem os historiadores renunciar a ler o
audiovisual como se lessem os textos, é fundamental que aprendam a interrogá-lo de uma
outra maneira. Aqui o autor nega que a postura do historiador possa se confundir com a de um
espectador, ao dirigir-se a um filme não se deixar envolver pelo imperativo fascinante. O
historiador deve estar sempre em alerta no tocante às construções dos filmes, não basta apenas
analisar a relação desses com o contexto de produção, é fundamental que indague como
indivíduos e grupos compreenderam o seu tempo, quais os sentidos que atribuíram à
sociedade. Se por um lado Ferro se concentra em uma análise contextual, Sorlin se apóia no
instrumental da semiótica (a ciência dos signos) para forjar, senão um método, pelo menos
uma forma de lidar com os inúmeros elementos visuais e sonoros do filme, o que faz com que
valorize a linguagem cinematográfica. No entanto, este autor considerava importante que cada
pesquisador definisse suas próprias normas de investigação, seus próprios eixos de análise.
Uma postura coerente quando se trata de uma obra aberta como o cinema, já que “não existe
221
FERRO, Marc (1977). Cinema e história. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 88.
222
SORLIN, Op. cit., p. 147.
126
uma significação inerente ao filme: são as hipóteses da investigação que permitem descobrir
certos conjuntos significativos.”
223
Segundo Sorlin, não se trata de uma visão simplista de que o historiador seria um
colecionador de imagens autênticas, mas de descobrir como as imagens e sons do mundo são
selecionados e registrados pela objetiva e, depois, reorganizados pelos cineastas, ou melhor,
como a construção fílmica filtra e reordena o mundo exterior, uma vez que
a construção fílmica é o processo pelo qual o cinema de uma época
capta um fragmento do mundo exterior, o reorganiza, dá coerência e
produz, a partir desse contínuo que é o universo sensível, um objeto
determinado, fechado, descontínuo e transmissível; em outros termos,
a construção funda a imagem cinematográfica da sociedade, a
sociedade tal como se mostra no cinema [tradução nossa].
224
Nota-se que os filmes são proposições sobre a sociedade, logo, cabe ao historiador
compreender como se constroem essas proposições. Portanto, essa tarefa que transita no
terreno da significação nos leva a “definir não o que os filmes pretendem dizer, mas o que
dizem e como dizem [tradução nossa].”
225
Em uma leitura mais flexível para dirigir-se ao documento fílmico, o historiador norte-
americano Robert Rosenstone acredita que os cineastas também têm o mesmo direito que os
historiadores de refletir sobre o passado. Para ele a história pode ser “escrita” em um outro
suporte que não seja o livro, ou seja, concebe que há novas formas de nos relacionarmos com
o passado, basta que se compreenda que o filme não é uma janela aberta para o passado, que a
tarefa de plasmar a história em imagens não passa de uma aproximação do que foi dito e feito
em épocas passadas, uma leitura entre tantas outras. Não se trata aqui de dizer que história e
ficção são as mesmas coisas, que o cineasta se preocupa em “fazer história”, muito menos
defender os “erros” da maioria dos filmes históricos, o que interessa ao autor é demonstrar
que não se deve julgar uma película com as normas que regem um texto, uma vez que cada
meio tem seus próprios elementos constitutivos de representação; não se deve buscar
“verdades históricas” nos filmes, muito menos exigir da arte cinematográfica o rigor científico
da história. Segundo Rosenstone, aceitar as inversões que os filmes propõem “não significa
romper com a verdade histórica, senão aceitar outras maneiras de nos relacionarmos com o
223
SORLIN, Op. cit., p. 49.
224
Idem, Ibidem, p. 230.
225
Idem, Ibidem, p. 63.
127
passado, outra forma de enfocar a reflexão sobre de onde viemos, aonde vamos e quem somos
[tradução nossa].”
226
Não pretendo aqui me filiar a um ou outro estudioso, uma vez que, como já dito, o
desenvolvimento de uma metodologia para lidar com o filme ainda é uma questão em aberto.
No entanto, não tenho dúvidas de que o pesquisador ao dirigir-se a um documento fílmico
deve fazê-lo em uma atitude desmistificadora, tendo em vista que lida com uma obra de arte.
Acredito que fontes como os cinejornais não devem ser abordadas somente como testemunhos
da época que os produziram, simplesmente postos na categoria de “documento primário”
como se fossem apenas vestígios que possam nos oferecer fragmentos de um tempo perdido
para todos nós. Pelo contrário, os filmes de atualidades também são proposições postas para a
sociedade, uma vez que o cinema é construção ao invés de correlato da realidade. Assim, não
se trata de assumi-los como verdade de uma época, ou seja, não nos importa o quanto
comprovam, mas o quanto demonstram. Estamos diante de um olhar fabricado, por isso, cabe
ao pesquisador “enxergar efetivamente mais, sem recusá-lo, implica discutir os termos deste
olhar. Observar com ele o mundo, mas também colocá-lo em foco, recusando a condição de
total identificação com o aparato. Enxergar mais é estar atento ao visível e também ao que,
fora do campo, torna visível.”
227
Portanto, compreendo que todos os documentos são resultantes de uma montagem,
palavra-chave para os estudos da relação Cinema e História, logo, insisto que devemos
abandonar qualquer idéia que associe rapidamente os termos construção e montagem a uma
subjetividade deformante, uma vez que a própria escolha do tema para uma pesquisa é uma
atitude subjetiva, para não dizer da seleção das fontes que não deixa de ser um julgamento de
importância. Não vejo qualquer vantagem em contrapor aqui razão à imaginação, pois
acredito que no “fazer história”, assim como em toda operação humana, possa conviver sem
conflito o sensível e o racional, a subjetividade e a objetividade.
Vejo que negar a capacidade criativa do cinema é o mesmo que recusar a entender os
meios que satisfazem a experiência perceptiva de uma moderna sociedade ambientada no
domínio das imagens. Segundo Rossini,
228
a grande recusa do cinema pelo meio acadêmico
pode ser sintetizada de acordo com três grupos básicos: a) o confronto objetividade/razão x
subjetividade/sensibilidade; b) o preconceito cultural que via o cinema como uma arte menor
226
ROSENSTONE, Robert. A. El passado en imágenes: el desafío del cine a nuestra idea de la historia.
Barcelona, Espanha: Editorial Ariel, 1997. p. 63.
227
XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: NOVAES, Adauto (org.). O Olhar. São Paulo: Cia das
Letras, 1988. p. 382.
228
ROSSINI, Op. cit., p. 44-45.
128
e c) a própria complexidade da imagem cinematográfica. Assim, enquanto essas três
problematizações não forem resolvidas prevalecerá a desconfiança e o descaso com o cinema.
Apesar de encontrar forte resistência, o fazer historiográfico caminha nesse sentido, já se
abrem novos espaços para o cinema — como para tantas outras linguagens —, a fim de
manter um diálogo mais permanente e maduro com a história; uma vez compreendido que um
documento escrito é tão plausível de manipulação quanto as imagens, a aceitação da inserção
do filme no campo do documento tornou-se mais flexível, porém, este não deve ser o único
fator. Para a autora, o que realmente explica essa exclusão é algo derivado da própria natureza
do cinema: a sua propriedade de fazer substituir a verdade pela verossimilhança.
229
Como já
visto aqui, assim como na literatura, nas artes plásticas, o “efeito de real” também está
presente no cinema, porém, com um apelo maior: o movimento; aqui o representado é
confundido (ilusão) com o próprio real, sendo que ao invés de meramente descrevê-lo o filme
apresenta-o intacto.
Diante disto, acredito que os novos trabalhos no campo da relação Cinema e História
serão mais promissores se o pesquisador procurar educar o seu olhar, ou o que Dondis
denominou de “alfabetismo visual”.
230
Para isto se faz necessário sinalizar para a
compreensão de como se dá o imperativo de uma nova experiência para o homem moderno,
que implica em um saber pressuposto pela imagem, mais especificamente pelo audiovisual. É
fato que, hoje, os indivíduos se reconhecem cada vez menos na cultura letrada, o que equivale
dizer que o mero distanciamento do pesquisador destas novas formas de identificação da
sociedade pode aparentar, em um primeiro momento, uma pequena perda, mas que, mais
adiante, pode significar um vazio em não saber lidar com essa nova escrita (a fílmica) e com
tantas outras. Autores como Martín-Barbero e Rey apontam para a importância de instituir o
ensino de um novo “modo de saber/ler”, pautado pela heterogeneidade dos meios presentes na
sociedade contemporânea. Ou seja, é incompreensível que o sistema educativo insista em
disfarçar ou desconhecer que exista um desafio proposto pela hegemonia do audiovisual, que
corresponde a encontrar maneiras de inserir no cotidiano das escolas e universidades o
229
ROSSINI, Op. cit., p. 52.
230
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Para o autor o
“alfabetismo visual” surge como um dos paradigmas fundamentais da nova educação. No Brasil este caminho foi
apontado por Mourão, nos anos 80, com o intuito de dar os primeiros passos no sentido da desmistificação dos
meios de comunicação de massa, mais especificamente o cinema. A autora propunha introduzir o ensino do
cinema nos 1º e 2º Graus das Escolas, hoje ensino fundamental e médio, tanto a prática cinematográfica quanto o
debate de sua linguagem. Ver MOURÃO, Maria Dora Genis. O filme como prática de ensino. Vozes, v. 74, n. 7,
p. 21-26, set.1980. Ainda sobre esta questão também consultar NOVA, Cristiane. Novas lentes para a história:
uma viagem pelo universo da construção da História e pelos discursos audio-imagéticos. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999.
129
aprendizado destas novas linguagens, tão presentes na vivência dos alunos, ao invés de
priorizar a vigência da cultura letrada como único reduto do saber. No entanto, para os
autores, este aprendizado de uma nova leitura não significa a simples substituição de um
“modo de ler” por outro, a escrita pela imagem, senão a articulação complexa de um e outro,
já que a formação dos cidadãos se dá, hoje, por meio de uma pluralidade de escritas, ou seja, é
necessário que aprendamos a ler um jornal, um noticiário televisivo, um hipertexto, e, porque
não, um filme. Segundo os autores,
Ao reivindicar a presença da cultura oral e da audiovisual, não
estamos desconhecendo sua pretensão de ser a única cultura digna
desse nome e o eixo cultural de nossa sociedade. O livro continua e
continuará sendo a chave da primeira alfabetização formal que, em
vez de se fechar sobre si mesma, deve hoje pôr as bases para essa
segunda alfabetização [grifos no original] que nos abre às múltiplas
escrituras, hoje conformando o mundo do audiovisual e da
informática.
231
Assim, situados em uma sociedade cada vez mais dominada pela imagem, é evidente
que devamos aprender a “ler” as novas linguagens, a educar o olhar, exigência comum a todos
que pretendem lidar com o passado, uma vez que este se encontra, hoje, em múltiplas práticas,
principalmente visuais, como o cinema, a fotografia, a televisão etc., sinalizando aos
historiadores que os caminhos percorridos são os dos fragmentos e ruínas.
232
Essa nova
aprendizagem exige que o pesquisador abandone qualquer preconceito cultural com o cinema,
que compreenda que o filme é um trabalho feito por outros profissionais comprometidos ou
não com a história e a sociedade. Ciente de que o cinema é a autorização de um olhar, de uma
significação, não cabe ao pesquisador procurar verdades nos filmes, mas compreender que
não está diante do real e, sim, de um mundo de representações, uma entre tantas outras
interpretações.
Portanto, ao lidar com os cinejornais do Departamento de Imprensa e Propaganda não
pretendo verificar o quanto estes filmes refletem a sociedade brasileira das décadas de 30 e
40, nem vejo a necessidade de procurar neles um conteúdo ideológico “invisível”, pelo
contrário, busco nos filmes atualidades responder como o programa ideológico estadonovista
foi capaz de relacionar-se por meio de imagens e sons com a multidão de espectadores em
231
MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, German. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva.
Trad. Jacob Gorender. São Paulo: Senac, 2001. p. 62.
232
GASKELL, Ivan. A história das imagens. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história, novas perspectivas.
Trad. Magda Lopes, São Paulo: Editora Unesp, 1992..p. 271
130
uma tentativa de legitimação de um regime ditatorial, quais as formas que o Estado Novo
encontrou para se tornar presente entre os cidadãos brasileiros. Isto só é possível uma vez que
aqui compreendo que a melhor forma de se dirigir ao cinema implica em uma busca de seu
caráter estético, das implicações de seu “fazer artístico”: o filme vale pela experiência que
autoriza. Desta forma, vejo que as imagens dos cinejornais não devem ser tomadas como
“documento-verdade” do Brasil da época, o que não nos acrescenta nada, mas, sim, como
imagens de um Brasil proposto pelo Estado Novo e que deveriam ser compartilhadas
coletivamente. Por isso, é fundamental aqui indagar o como e não o por que destas imagens,
perceber na intencionalidade dos filmes suas construções, suas significações, ou seja, que
proposições foram postas para a multidão de trabalhadores brasileiros urbanos, o principal
público-alvo da propaganda estatal do Governo Vargas.
3.1 – Fragmentos totalitários
O estudo das formas como os meios de comunicação de massa serviram ao Estado
autoritário brasileiro de 1937 a 1945 vai nos demonstrando aos poucos uma relação um tanto
flexível, resultante do próprio convívio de idéias divergentes no interior do Governo Vargas,
como também devido à própria constituição política deste novo Estado que, apesar de uma
tendência centralizadora, tinha que compor com as diversas forças sociais da época no sentido
de legitimar o regime que se instituíra no bojo de um golpe, até mesmo com os trabalhadores
que em um momento de crise, como ocorrido a partir dos meados de 1942, quando da
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, poderiam servir como “reserva de
mobilização”. Como dito anteriormente, não acredito que a legitimação do Estado Novo tenha
resultado exclusivamente do seu aparato propagandístico, certamente está relacionada com a
sua eficiência, entretanto, a eficácia da propaganda política só ocorre quando acompanhada de
realizações concretas no campo da política e do social, logo, as imagens forjadas pelo Estado
Novo só poderiam ser legítimas se fossem reconhecidas pelas multidões de trabalhadores.
Quando me refiro a uma relação um tanto flexível entre o Estado Novo e os meios de
comunicação de massa quero dizer que não houve uma política única implementada no campo
da comunicação e da propaganda. Não há dúvidas de que “o famigerado DIP” era a
materialização de um anseio em arquitetar um aparato de propaganda capaz de atuar em
diversas frentes para tornar o Estado Novo uma imagem visível e palpável no cotidiano dos
131
trabalhadores urbanos. O próprio diretor-geral do departamento, Lourival Fontes, trabalhava
neste sentido almejando o controle das produções cinematográfica e radiofônica estatais,
porém, nem sempre com sucesso — como já ressaltado aqui. Ou seja, apesar do DIP
representar pela primeira vez a articulação de um projeto de controle e coerção dos mais
variados dispositivos culturais pelo Estado, de fato a ideologia estadonovista encontrou
algumas dificuldades para operar nos meios de comunicação de massa uma proposta
totalizante, que, a priori, na prática, realizou-se somente em alguns momentos de exacerbação
do uso destes mecanismos.
Diferentemente da Alemanha nazista que já contava com uma indústria consolidada
desde o final da Primeira Guerra Mundial, que lhe serviria como um instrumento de
propaganda e cultura sob controle do Estado, o Governo Vargas não demonstrou interesse na
construção de uma indústria cinematográfica nacional, tendo sido poucas as políticas
implementadas neste sentido — anseio mais explícito entre os produtores cinematográficos do
país. Assim, se pensarmos na maneira como o Estado autoritário alemão se apropriou do
cinema, exilando em massa produtores, atores, cineastas entre outros técnicos do país por
serem judeus, além de fazer uso tanto do filme ficção quanto do filme documentário para
difundir aos espectadores alemães a identificação com a “superioridade da raça ariana” e o
reconhecimento do seu “inimigo racial” — ou seja, deu-se um sentido “ariano” a este meio —
veremos que as investidas do Estado Novo no cinema de propaganda política foram mais
amenas, reflexo das próprias características do regime, restringindo-se aos filmes educativos
com a criação do INCE e aos filmes atualidades com a produção do Cine Jornal Brasileiro.
Esta tendência ao filme documentário encontrou respaldo na própria deficiência técnica do
cinema brasileiro da época que, na visão dos intelectuais do regime, dificultava uma produção
respeitável de longa-metragem de ficção que pudesse competir com o filme estrangeiro.
No caso do rádio, a timidez do governo em incorporar este meio aos seus objetivos
propagandísticos, criando uma grande rede de radiodifusão estatal, resultou em uma aplicação
fragmentada e isolada deste mecanismo: a Hora do Brasil ficava sob o controle de Lourival
Fontes que, por sua vez, abria espaço para o Ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes
Filho, ter a sua própria faixa de atuação dentro do horário governamental que, por sinal, era
bem aproveitada no sentido de aproximar o Estado dos trabalhadores; já o Ministro da
Educação e Saúde, Gustavo Capanema, possuía o seu sistema de radiodifusão educativa
enquanto Cassiano Ricardo acumulava a função de diretor do jornal A Manhã e do
Departamento de Divulgação Política-Cultural da Rádio Nacional. Como se vê, poucos foram
os esforços do Estado em criar um sistema nacional de radiodifusão, o que permitiu, por outro
132
lado, o crescimento e o fortalecimento do rádio comercial. Para Ortiz, entre as justificativas
desta contradição encontra-se a questão do alto custo para a organização e manutenção deste
sistema de radiodifusão nacional, que não correspondia à realidade econômica do Estado
brasileiro. Assim, no entendimento de seus ideólogos, o fato do Governo Vargas somente
regulamentar a publicidade nas rádios, permitindo que o meio fosse utilizado essencialmente
como veículo publicitário, foi o melhor caminho para resolver o problema da radiodifusão no
Brasil. Já no plano da política, o autor destaca que era evidente que o novo regime, apesar de
sua tendência centralizadora, teve que compor com as forças sociais existentes, neste caso,
com o capital privado que possuía interesses concretos no setor de radiodifusão. A Rádio
Nacional, por exemplo, apesar de encampada em 1940 pelo Estado Novo, funcionava
praticamente nos mesmos moldes de uma empresa privada, até mesmo a sua programação não
se diferenciava em nada das outras emissoras, com música popular, radioteatro, programa de
auditório etc. As poucas intromissões do Governo Vargas na Rádio Nacional ficaram a cargo
dos chamados “programas culturais”, que representavam apenas 4,5% de sua programação.
Segundo Ortiz, a impossibilidade do regime, seja ela econômica ou política, acabou
favorecendo o desenvolvimento da radiodifusão local. Na época era comum que as
transmissões dos programas radiofônicos fossem feitas a partir das bases geográficas das
emissoras, até mesmo entre as de grande potência, o que ocasionava algumas limitações, uma
vez que ficavam sujeitas aos padrões de recepção de cada localidade. Por exemplo, a Rádio
Nacional não era ouvida na cidade de São Paulo, onde operavam a Rádio Record e a Difusora
numa freqüência de ondas que bloqueava sua penetração. Desta forma, não se pode pensar no
rádio durante o Estado Novo como mecanismo de integração nacional.
233
O controle sobre a imprensa certamente foi o que melhor expressou o projeto
ideológico estadonovista. Anterior ao DIP, a imprensa brasileira sofria um controle policial,
poder concedido ao Chefe de Polícia Filinto Müller. Mas, a partir de 1939, a tarefa foi
transferida para a seção competente na Divisão de Imprensa do DIP, o Serviço de Controle à
Imprensa (SCI), que “era uma espécie de ‘braço armado’ do DIP, censurando tudo aquilo que
não correspondesse a uma ‘colaboração construtiva’ por parte das publicações”.
234
A Divisão
de Imprensa ainda contava com um órgão normativo, o Conselho Nacional de Imprensa, que
atuava como um Tribunal de Imprensa, julgando as ações cometidas pelas empresas
jornalísticas contra a sua categoria, os leitores e a Nação. E, por último, havia um setor
233
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 3ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1991. p. 52-54.
234
SOUZA (1990), Op. cit., p. 220.
133
encarregado da produção do noticiário estatal, a Agência Nacional. Assim, segundo Souza, o
DIP tinha o domínio completo sobre qualquer informação veiculada em jornais e revistas, o
que atendia aos interesses do Estado, uma vez que era capaz de fragmentar a transmissão da
informação, ou seja, “os jornais passavam a transmitir informações selecionadas, concedendo-
se ao leitor letrado fatias que lhe permitiam um conhecimento incompleto sobre a realidade
circundante.”
235
Diante do que já foi dito a respeito das brechas deixadas pela propaganda do Estado
Novo, poder-se-ia concluir que não houve um programa definido para os meios de
comunicação. No entanto, acredito que esta afirmação não seria a mais indicada quando se
pensa em discurso, principalmente em um discurso estatal incorporado em dispositivos
culturais como o cinema, o rádio, a imprensa entre outros. Compreendo que ao tratarmos do
campo da comunicação, especificamente da arte cinematográfica, nossas reflexões ficam
limitadas ao campo da intencionalidade, ou seja, pensar esteticamente a propaganda nos
cinejornais, no seu inventar e executar, não se trata de tomá-la como expressão do real, mas
como sujeita a uma recepção e uma reelaboração, a um ignorar e a um reconhecer, logo,
qualquer programa posto para o Estado introduziria nos seus mais variados discursos uma
intenção, uma disposição, que se encontraria no plano do ideal, ao invés de propriamente dito
articular uma operação. Entretanto, as brechas que mencionei eram marcas das disputas dos
diversos projetos hegemônicos para o novo Estado e o DIP era um deles. Segundo Paranhos,
“o exercício da hegemonia político-cultural supõe, obviamente, a existência de instituições ou
aparelhos de hegemonia, e, no caso do DIP, a partir de 1940, será um canal privilegiado
através do qual se pode captar a dimensão material da dominação ideológica”.
236
Era evidente
que na concepção de um Estado forte e centralizador também prevalecesse um caráter
centralizador do poder simbólico, o que acredito que de fato ocorreu, já que “o controle
efetuado pelo DIP na tentativa de obstaculizar a divulgação dos outros discursos configura um
campo ideológico relativamente homogêneo”.
237
É a partir da compreensão da constituição
deste campo ideológico homogêneo, por mais lacunas que ele tenha deixado — próprio
daquilo que se encontra restrito ao nível da intenção — é que arrisco afirmar que é possível
pensarmos em um “discurso totalitário” aplicado às práticas culturais e propagandísticas do
Estado Novo.
235
SOUZA (1990), Op. cit., p. 270.
236
PARANHOS, Op. cit., p. 103.
237
VELLOSO, Op. cit., p. 77.
134
No entanto, apenas o fato de constituir-se um “monopólio da fala” em que tem no
Estado a única voz que se dirige à sociedade brasileira não basta para o entendimento do
“discurso totalitário”, outro indício se faz necessário: a construção das “imagens ideais” que
regem um projeto determinado ideologicamente. É a compreensão da lógica de uma ideologia
que tem no “Todo Orgânico” a sua fantasmagoria que definitivamente nos autoriza a pensar
em um “discurso totalitário”. O Estado Novo não só vigiava as informações circulantes e
punia os meios de comunicação, como forma de manter intacta a estrutura social, mas,
também, com o mesmo objetivo, construía a sua própria imagem personificada na figura de
seu líder. Getúlio Vargas era o componente simbólico do Estado Novo. Era em Vargas que o
povo deveria reconhecer o Estado, aquele dotado de vontades e virtudes humanas, aquele
capaz de “doar-se” ao povo, à Nação. Assim, a propaganda difundida pelo DIP foi a
responsável por semear no imaginário social uma única imagem: o Estado Novo. Era tarefa do
projeto totalizante tornar o Estado Novo presente no cotidiano das multidões de trabalhadores
urbanos, por isso, o cinema serviu-lhe tão bem. Lembrando que, diante da precariedade
técnica da produção cinematográfica nacional, os cinejornais surgem para os propagandistas
do Governo Vargas como a única alternativa. Mas, com uma ressalva: foi com o Cine Jornal
Brasileiro que pela primeira vez o Brasil se uniu por meio da imagem. Segundo Souza,
nenhum dos produtores de filmes atualidades no país tinham a viabilidade com que contava o
DIP para enviar os seus cinegrafistas aos quatro pontos do território nacional, muito menos de
elaborar uma série de filmes documentários que extrapolasse o padrão temporal de 8 a 10
minutos de duração, como fez Henrique Pongetti. Assim, o aperfeiçoamento técnico dos
cinejornais do DIP combinado com a proteção governamental dada ao cinema brasileiro, no
tocante à vigilância da obrigatoriedade de exibição, sinalizava o caminho seguro para a
difusão dos ideais estadonovistas no campo da imagem em movimento.
238
A respeito desta “disposição totalitária” que atribuímos ao Estado Novo, não devemos
procurá-la em um regime político, muito menos no programa de um Partido único, que aos
moldes dos movimentos reacionários europeus representava, na figura do Partido, o povo-
Uno. Na verdade, a encontramos na matriz ideológica dos regimes autoritários que atualizam
constantemente a imagem de uma sociedade una, indivisa e homogênea. Se é no fundamento
do totalitarismo que se alcança a representação do povo-Uno, conforme afirmou Lefort,
239
entendo que da mesma forma que outros regimes reacionários o Estado Novo também fez uso
238
SOUZA (1990), Op. cit., p. 342-343.
239
LEFORT, Claude. A invenção democrática: os limites do totalitarismo. Trad. Isabel Marva Loureiro. 2º ed.
São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 112.
135
de todo um arcabouço conceitual do totalitarismo, em que palavras (imagens) como
“Unidade”, “Ordem”, “Novo”, “Nação” entre tantas outras serviram como dispositivos
legitimadores de uma “política de consenso”.
Como se vê, não se trata aqui de fazer afirmações no sentido de que no Brasil durante
as décadas de 1930 e 1940 houve uma efetiva instituição de um regime nos moldes
totalitários, o que implicaria em “uma sociedade voluntariamente unida ao poder estatal, que
apaga toda diferença no seu interior e que se afirma absolutamente diferente das outras formas
nacionais, sem fissuras entre as ordens dos dirigentes e a obediência das massas”.
240
Logo,
compreendo que o totalitarismo é mais um projeto de Estado do que de fato uma prática
política. Segundo Falcon, o conceito “totalitarismo” tem a sua origem no interior dos
movimentos reacionários, o stato totalitário constituía a representação daquilo que era o
objetivo político maior tanto do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha: aglutinar todos
os cidadãos e grupos sociais tendo os partidos fascista e nacional-socialista como
instrumentos integradores.
241
Assim, não emprego o termo “totalitário” para definir o regime
de Getúlio Vargas, uma vez que acredito que no Brasil o que ocorreu foi a criação de um
Estado no bojo de uma tradição conservadora, que via no autoritarismo político a única saída
para assegurar a soberania nacional, considerada condição básica para o desenvolvimento
industrial do país.
Entre os próprios intelectuais do regime acreditava-se que o reforço da autoridade
estatal permitia o estabelecimento de uma nova ordem que se diferenciava tanto dos
movimentos totalitários quanto da democracia-liberal. Segundo Azevedo Amaral, enquanto o
Estado totalitário se incumbia de organizar a sociedade vislumbrando os indivíduos como
elementos destituídos de iniciativa e liberdade, o Estado autoritário “obriga apenas o cidadão
a entregar-se à coletividade no que deve e não pode deixar de pertencer a ela, mas deixa-lhe
intacta a órbita em que impera soberana a sua consciência pessoal e na qual se concentram os
interesses especiais que só a ele dizem respeito”.
242
Em defesa dos modos-operantes do
regime instituído no Brasil, logo após 10 de novembro de 1937, o autor atribui ao seu caráter
autoritário as funções de coordenação, reajuste e intervenção protetora sobre a sociedade,
tendo como meta a realização de um bem comum: o desenvolvimento industrial. Assim,
240
ROMANO, Roberto. O conceito de totalitarismo na América Latina: algumas considerações. In: DAYRELL,
Eliane Garcindo. IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. América Latina Contemporânea: desafios e perspectivas. São
Paulo: Edusp, 1996. p. 311.
241
FALCON, Francisco J. Calazans. Fascismo: autoritarismo e totalitarismo. In: SILVA, José Luiz Werneck da
(org.). O Feixe: o autoritarismo como questão teórica e historiográfica. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. p. 34.
242
AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e a realidade nacional. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. p.
156.
136
fundamentado no positivismo, acreditava-se que o Estado autoritário brasileiro não restringia
a liberdade dos indivíduos, apenas adaptava o exercício de suas atividades a um
funcionamento que não afetasse a organização nacional, logo, cada cidadão deveria ser
funcionário social e subordinar-se inteiramente ao Estado. O uso indevido desta liberdade, no
sentido de contradizer a ordem social estabelecida, deveria ser punido rigorosamente. “A
felicidade do indivíduo e a segurança da coletividade entrelaçam-se em uma interdependência
indissolúvel.”
243
Desta forma, no entendimento de Azevedo Amaral, o Estado Novo foi concebido sob
os ideais democrático e nacionalista, o que o levava a divergir do movimento totalitário
devido o “acatamento que consagra à posição do indivíduo como elemento irredutível na
organização social” e da democracia-liberal “pelo reconhecimento da supremacia do interesse
coletivo sobre as conveniências dos componentes individuais da Nação”.
244
Para o autor o
Estado Novo combinava harmoniosamente os postulados individualistas e os interesses da
coletividade.
Ainda a respeito do Estado autoritário, outro intelectual veio em sua defesa na época.
Segundo Bresciani,
245
Oliveira Vianna, um dos principais intelectuais do regime, julgando a
elite brasileira alienada da “realidade nacional”, apostava em um projeto centralizador e
autoritário para o país. Ao contrário do modelo determinado pela democracia liberal que, no
seu entender, era um ideal ultrapassado, pensado para realidades outras que não a(s) do Brasil,
logo, inadequado à nossa sociedade, acreditava em uma política pautada pela organização da
sociedade com o apoio da autoridade do Estado. “Na verdade, os dois grandes objetivos do
Estado em nosso povo são estes: organização da ordem legal e consolidação da unidade
nacional – o que se traduz nestes dois outros: organização da autoridade pública e
hegemonia do poder central [grifos no original]”.
246
Na visão do autor o Estado autoritário era
a forma de assegurar a integridade da Nação e seu fortalecimento. Para Bresciani,
Amparado pelas diretrizes “do moderno conceito de evolução social”,
Oliveira Vianna concluía, após exame dos três séculos de existência
do Brasil, ser incompatível a “democracia de tipo federativo”, o
modelo norte-americano, com a nossa “realidade nacional”. A
243
AMARAL, Op. cit., p. 277.
244
Idem, Ibidem, p. 253.
245
BRESCIANI, Stella. “Liberalismo, idéia exótica”. In: O charme da ciência e a sedução da objetividade:
Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. Tese Titulação. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
UNICAMP, Campinas, 2002. p. 225-283.
246
VIANNA, Oliveira. apud. BRESCIANI, Op. cit., p. 247.
137
despeito de suas críticas às teorias comteanas e aos positivistas
brasileiros das últimas três décadas do séc. XIX defendia a
necessidade de um princípio de centralização autoritária, cuja
finalidade seria impedir a força da dispersão demográfica aliada à
dimensão e diversidade do território. Seu argumento desenha a
imagem de um governo forte assegurando à “União” a vitória sobre as
forças dispersivas e desagregadoras dos estados e do regionalismo.
247
Oliveira Vianna via na autoridade uma idéia implícita no conceito de Estado. Ou seja,
ao invés de um “Estado autoritário”, o golpe de 10 de novembro tinha instituído uma
“Democracia Autoritária, isto é a democracia fundada na autoridade e não mais na liberdade,
como princípio essencial [grifos no original]”.
248
Para ele o caminho para a consolidação de
uma Nação passava por um Estado com autoridade, capaz de conduzir a sociedade em um
único sentido. A superação da condição de incapacidade política dos brasileiros estava na
mobilidade do Estado em conseguir incutir na população o sentimento e a prática de
solidariedade e de cooperação. Ou seja, a formação de uma identidade nacional para o Brasil
do Estado Novo pautava-se pela condição dos trabalhadores urbanos em se reconhecerem
representados em um grupo homogêneo.
Segundo Bresciani, a saída para alcançar este objetivo comum, no pensamento de
Oliveira Vianna, estaria na substituição dos partidos políticos pelo corporativismo e pela
aproximação do governo com o povo, o que exigia “um chefe de Estado acima dos partidos e
grupos de qualquer natureza, de modo a poder dirigir a Nação do alto, num sentido totalitário,
agindo como uma força de agregação e unificação [grifo nosso].”
249
Diante disto, concordo com Romano quando afirma que uma sociedade nos moldes
totalitários não apareceu e dificilmente surgirá entre nós, mas que, entretanto, os elementos
para a efetivação deste modelo estão postos em nossa cultura e a qualquer momento podem
ser ativados. Concebendo que “uma nota ideal do totalitarismo reside na união absoluta [grifo
nosso] entre massas nacionais e Estado”,
250
o autor acredita que até mesmo as experiências
européias (nazismo, fascismo e stalinismo) escapam desta conceitualização, pois não se pode
dizer em relação a estes regimes que tenha desaparecido absolutamente a oposição ao poder
no interior do social. Desta forma, o que de fato pode-se constatar é que apenas em alguns
instantes de exacerbação, com base principalmente na propaganda, é que o ideal totalitário se
247
BRESCIANI, Op. cit., p. 242.
248
VIANNA, Oliveira. apud. BRESCIANI, Op. cit., p. 261.
249
Idem, Ibidem, p. 262.
250
ROMANO, Op. cit., p. 307.
138
efetivou na Europa, o mesmo podendo-se dizer dos regimes reacionários instituídos na
América Latina. Portanto, se queremos pensar um caráter totalitário para o Estado Novo este
se dará no plano de uma disposição ideológica do regime, ou seja, compreendo que o
totalitarismo é uma exacerbação específica do autoritarismo, tendo no nazi-fascismo uma de
suas modalidades. Segundo Romano, “apenas em níveis ideais, propagandísticos ou tentativas
isoladas, pode-se falar em totalitarismo [grifo do autor].”
251
Neste sentido, segundo Dutra, quatro pilares contribuíram para a formação do Estado
Novo: Anti-comunismo/Revolução, Trabalho, Pátria e Moral. De um lado temos o Anti-
comunismo ou a ameaça de uma Revolução como o respaldo político dos ideólogos do regime
para justificarem a necessidade da instituição de um Estado forte e centralizador capaz de
conter a ordem social e organizar o país no rumo do desenvolvimento, já a Pátria surge como
o objeto comum de desejo das multidões, contemplada como a realidade operada no cotidiano
dos cidadãos urbanos, a imagem em que o povo deve se identificar. Por outro lado, o
Trabalho, tido aqui como o valor ideal comum, ou seja, aquele que perpassa todas as condutas
sociais, era a síntese da vida do homem e não mais um mero meio de “ganhar o sustento”,
mas era a Moral a responsável por ajustar e fechar o canal que ligava o povo e o Estado, logo,
todos os valores impostos tinham como finalidade o bem e a felicidade da Nação.
252
Se a imagem da “Pátria” é o objeto comum de desejo do povo, a propaganda política
de Vargas se encarregava da árdua tarefa de oferecer-lhe um “mundo imaginário”. Segundo
Arendt, “a força da propaganda totalitária [...] reside na sua capacidade de isolar as massas do
mundo real”,
253
uma vez que esta busca por se afastar da realidade, o que é proporcionado
pelo “falso mundo de coerências” invocado pelos movimentos reacionários, é a principal
característica que define as “massas modernas”. Para as multidões, subjugarem-se à
“coerência mais rígida e fantasticamente mais fictícia de uma ideologia”, é mais vantajoso do
que enfrentar “a crescente decadência, com a sua anarquia e total arbitrariedade” pois, diante
de um desastre geral, o primeiro lhe permite manter um mínimo de dignidade.
254
Dignidade
esta que o Estado Novo ofereceu como resposta ao modelo liberal da Primeira República, à
crise de autoridade. Em um regime em que prevalecia a sociedade una e orgânica, como
pretendia o ideal estadonovista de Nação, o povo encontrava a tão sonhada “coerência”,
escapava do momento de desconforto social ocasionado pelos interesses divergentes, pela
251
ROMANO, Op. cit., p. 310.
252
DUTRA, Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitário ou a dupla face na construção do Estado Novo. Tese
(Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1990. p. 50-53; 68.
253
ARENDT, Op. cit., p. 402.
254
Idem, Ibidem, p. 402.
139
oposição de classes que permeava a sociedade brasileira da época. O que temos é o ideal
totalitário que se materializava na propaganda do Governo Vargas, em que o “mundo
imaginário” nada mais era que uma troca simbólica entre Estado e povo. O sentimento de
insegurança que antes comprimia as multidões agora era apaziguado, tudo porque “em troca
dessa devoção [à Vargas], acena-se com a garantia simbólica: a proteção, com a idéia-imagem
da Pátria/Mãe; da integralidade, com a idéia-imagem da Pátria/una; e da identidade social e ou
nacional, com a idéia-imagem da Pátria/Moral”.
255
Portanto, são estas significações postas
pela propaganda que traçam a confiança e a crença das multidões em um regime que se
pretendia legitimar, e que a eficácia se dava, entre outros fatores, por meio da própria
excentricidade das “massas modernas” que se apresentavam como aquelas que
Não acreditam em nada visível, nem na realidade de sua própria
experiência; não confiam em seus olhos e ouvidos, mas apenas em sua
imaginação, que pode ser seduzida por qualquer coisa ao mesmo
tempo universal e congruente em si. O que convence as massas não
são os fatos, mesmo que sejam fatos inventados, mas apenas a
coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte. O que as
massas se recusam a compreender é a fortuidade de que a realidade é
feita. Predispõem-se a todas as ideologias porque estas explicam os
fatos como simples exemplos de leis e ignoram as coincidências,
inventando uma onipotência que a tudo atinge e que supostamente está
na origem de todo acaso. A propaganda totalitária prospera neste
clima de fuga da realidade para a ficção, da coincidência para a
coerência.
256
A concepção de que destas imagens emana um “mundo coerente”, uma integração
imaginada da sociedade, só é possível mediante a compreensão de que se trata de uma força
capaz de dar um sentido imediato ao mundo social, desmobilizando os grupos que não
compõem o poder. No caso do Estado Novo, aproximar o Estado dos trabalhadores dependia
exclusivamente de uma reelaboração dos discursos operários. Segundo Bourdieu, “é enquanto
instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas
simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação
da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra
(violência simbólica) [...]”.
257
Entretanto, esta força invisível de que faz uso a classe
dominante não passa de um capital simbólico objetivado, ou como dito anteriormente,
255
DUTRA, Op. cit., p. 222.
256
ARENDT, Op. cit., p. 401.
257
BOURDIEU, Pierre (1989). O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2002. p. 11.
140
permeado por uma intencionalidade, logo, a sua eficácia está sujeita a um ignorar-reconhecer.
O “poder simbólico” é exercido enquanto houver uma cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Trata-se de um efeito mobilizador que
“só se exerce se for reconhecido [grifo do autor].”
258
Vê-se que, aqui, o entendimento de como lidar com os fragmentos totalitários
indiscutivelmente passa pela questão do reconhecer, da identificação, por isso acredito que o
cinema foi um dispositivo imprescindível para a difusão das significações postas pelo Estado
Novo à multidão de trabalhadores, uma vez que autoriza aos espectadores uma dupla
identificação. Aqui, compreende-se por identificação, segundo Freud, a forma mais primitiva
do apego afetivo, que encontra nos elementos de base que constituem a experiência perceptiva
do cinema — a tela, a sala escura e o projetor —, além da reprodução da mise en scène da
caverna, a consolidação do dispositivo necessário para desencadear no espectador a “fase do
espelho”, descrita por Lacan como um momento fundamental na formação da criança que
pela primeira vez se identifica como sujeito, o primeiro esboço do “eu” como formação
imaginária. Esta analogia feita entre a tela do cinema e o espelho, mesmo tendo como ressalva
o fato que a tela-espelho jamais poderá refletir a imagem do corpo do espectador, serve aos
estudos de Jean-Louis Baudry, a respeito do que denominou de “aparelho de base” no cinema,
que nos aponta o jogo da dupla identificação.
Ainda hoje é comum o uso corrente do termo “identificação” para designar a
experiência do espectador em compartilhar os desejos, as angústias do personagem, de
colocar-se em seu lugar, em suma, resulta em uma identificação com o personagem, isto é,
com a figura do outro. Mas, segundo Baudry, trata-se de uma “identificação secundária”,
incapaz de revelar o verdadeiro fascínio do espectador pelas imagens em movimento:
O espectador identifica-se, pois, menos com o representado — o
próprio espetáculo — do que com aquilo que anima ou encena o
espetáculo, do que com aquilo que não é visível, mas faz ver, faz ver a
partir do mover que o anima — obrigando-o a ver aquilo que ele,
espectador, vê, sendo esta decerto a função assegurada ao lugar
(variável — de posições sucessivas) da câmera.
259
Esta capacidade de identificar-se com o lugar ou o olhar do outro, com o sujeito da
visão, denomina-se “identificação primária”. Logo, está posta a dupla identificação no
258
BOURDIEU, Op. cit., p. 14.
259
BAUDRY, Jean-Louis. Cinema: efeitos ideológicos produzidos pelo aparelho de base. In: XAVIER, Ismail. A
experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 397.
141
cinema: o que fundamenta a possibilidade de uma “identificação secundária”, isto é, com o
representado, é, em primeira instância, esta “identificação primária”. Aqui o espectador se
encontra como sujeito privilegiado da experiência cinematográfica, como “sujeito
transcendental da visão”, ou seja, o filme não existe sem seu olhar. Ele se identifica com o seu
próprio olhar e se sente como foco da representação, presente na sala-escura como um sujeito
que tudo vê:
É ele que vê essa paisagem a partir desse ponto de vista único, seria
possível dizer também que a representação dessa paisagem se organiza
por inteiro para um lugar preciso e único que é precisamente o de seu
olho. No travelling, é ele que acompanha com o olhar, sem nem
mesmo ter de mexer a cabeça, o cavaleiro a galope na pradaria; é seu
olhar que constituí o centro exato desse passeio circular pela cena, no
caso de uma panorâmica.
260
Vale também mencionar que o espectador de cinema é um sujeito em “estado de
carência”, ele busca na sala escura fugir do mundo, nem que seja por algumas horas, nela
reencontra a solidão. Assim, a identificação no cinema também passa por um caráter
narcísico, na medida em que permite restaurar no “eu” o objeto ausente ou perdido, logo,
nega-se a perda e a ausência. O espectador tem a possibilidade de se satisfazer sem recorrer ao
objeto exterior, tira proveito da identificação com o universo imaginário da ficção. No
entanto, o cinema é uma experiência perceptiva consentida, relativamente consciente, logo, a
identificação também se trata de uma regressão narcísica consentida. Por isso, o cinema
sempre implicará em um espectador em “estado de carência”, isto é, retirado do mundo na
própria condição de espectador.
Foi percebendo esta situação que os regimes reacionários do século XX procuraram
incorporar o cinema aos seus aparatos de propaganda. Era aproveitando-se deste estado
regressivo em que se encontravam as multidões de espectadores, propícias para se
reconhecerem nas imagens projetadas na tela-espelho, que a propaganda política se esforçou
para construir as significações mais adequadas a uma identificação do povo com o Estado.
Estas significações não atuavam em um vazio ideológico, pelo contrário, tinham a
necessidade de integrarem o mundo social em que viviam as pessoas, pois só assim poderiam
ser compartilhadas coletivamente. Cabia a estas significações tornar o Estado algo palpável,
cotidiano e familiar.
260
BERGALA, Alan. Espectador de cinema e a identificação com o filme. In: AUMONT (1995), Op. cit., p.
260.
142
Isto nos autoriza a dizer que toda a discussão a respeito da impressão do real no
cinema não só pode ser explicada pelo próprio dispositivo cinematográfico, como vimos,
como também pela capacidade que tem o mesmo de convencer, ou seja, o filme vale por suas
construções sígnicas. Os espectadores serão convencidos ou não do realismo do filme de
acordo com as convenções que ele adotar, então, quanto mais próximas estas convenções
estiverem dos tipos de valores modais de fantasia, preexistentes no imaginário social, maiores
serão as chances de fazerem das significações algo em que as multidões possam se identificar,
identificação que transita por um fascínio dos indivíduos em perceberem que compartilham de
um mesmo sentido que viram, de uma mesma experiência perceptiva. É neste instante que se
instaura um sentimento de unidade. Por isso, qualquer investida nas imagens cinematográficas
não deve se limitar a discutir se as mesmas convencem ou não, uma vez que a crença e a
legitimação não derivam da imagem, mas de uma combinação determinada entre aquele que
exerce o poder e os que lhe estão sujeitos. Neste sentido, ao dirigir-me aos cinejornais do DIP
acredito ser mais promissor saber como certas construções fílmicas foram elaboradas na
intenção de organizar as multidões de espectadores em torno de imagens fascinantes, como
aquelas já postas na sociedade pela fantasmagoria do “Todo Orgânico” e que foram
atualizadas pelos regimes autoritários.
Porém, mesmo se tratando de um exercício edificante, estruturante de uma “realidade
coerente”, tendo na imagem um instrumento da “fábrica do consenso”, insisto em ressaltar
que a capacidade mobilizadora do “poder simbólico” do Estado Novo só se realizaria
mediante a existência de elementos concretos. Um exemplo era a maneira como Getúlio
Vargas e o ministro Marcondes Filho faziam uso do rádio combinado com as verbas do
Ministério do Trabalho. Os discursos radiofônicos de ambos eram acompanhados de ações
concretas no campo da legislação trabalhista, ao se dirigirem aos operários reforçavam o mito
da doação. O mesmo ocorria nas festividades cívicas de Primeiro de Maio. A respeito dos
programas de rádio de Marcondes Filho, Paranhos evidencia que “a ressonância da fala
ministerial foi inegável, convertendo-a numa poderosa alavanca da palavra estatal. Esta,
colada à propagação das imagens, símbolos e mitos de legitimação de Vargas e do ‘Estado
Novo’, adquiria uma proeminência sem igual na sociedade brasileira, em que pese a sua
incapacidade de suprimir as vozes dissonantes.”
261
Como se sabe, o “mundo imaginário” do Estado Novo começou a desmoronar-se em
meados de 1942; a imagem de uma Nação Una, antes projetada para a sociedade, sofria
261
PARANHOS, Op. cit., p. 138.
143
constantes ataques do mundo real. Neste momento Vargas apela para os trabalhadores
incorporados ao seu “exército de reserva de mobilização”, mas ficava difícil a cada instante
sustentar o mito da Unidade quando confrontado com a dura realidade do aumento do horário
de trabalho, devido ao esforço de guerra, como também em meio à desvalorização dos
salários e à queda precoce do valor relativo do mínimo, consumido pela inflação. De fato, o
desejo do Estado Novo em construir uma Nação próspera chegava ao seu fim em 1945.
3.2 — Cine Jornal Brasileiro: em busca de significações
Foram diversos os assuntos que ambientaram as imagens do Cine Jornal Brasileiro,
entre eles saúde, política, relações internacionais, industrialização, artes, festas cívicas, o
“esforço de guerra” e etc., sendo que, na maioria das vezes, um mesmo cinejornal veiculava
assuntos diferentes. Por exemplo, em um destes filmes atualidades os espectadores brasileiros
da época puderam presenciar na tela a visita da Missão Cultural francesa ao Presidente da
República, acompanhar a inauguração de uma exposição a respeito dos atos heróicos do povo
polonês sob a ocupação germânica e o passeio dos nossos soldados feridos na guerra pela Ilha
de Brocoió, além de serem informados de uma nota esportiva sobre as provas preliminares da
temporada de veleiros na enseada de Botafogo no Rio de Janeiro. O encerramento ficava a
cargo das imagens triunfantes de Vargas nas comemorações de Primeiro de Maio de 1945, em
que os operários saudavam euforicamente o Chefe da Nação. O clima de entusiasmo cívico
que coroava a película deveria contagiar os espectadores acomodados nas poltronas da sala
escura.
A indexação do Cine Jornal Brasileiro, elaborada por Souza em 1990, foi
imprescindível para as pesquisas posteriores, inclusive para esta, resultando em um trabalho
mais detalhado das temáticas apresentadas nestes filmes, uma vez que de outubro de 1938 a
setembro de 1946 foram produzidos 607 números, mas apenas 414 foram recuperados e
indexados pela Cinemateca Brasileira.
262
Lembrando que antes da criação do DIP era a
Cinédia a encarregada da produção deste cinejornal, o que resultou nos primeiros 127
números, por outro lado, mesmo depois da extinção do DIP, em maio de 1945, foi mantida a
sua produção ainda por mais de um ano pelo Departamento Nacional de Informação (DNI)
262
SOUZA (1990), Op. cit., p. 306-307.
144
Segundo Souza, dentre todos os assuntos exibidos, as imagens das Forças Armadas e
de Getúlio Vargas são temas dominantes na produção cinematográfica oficial do Estado
Novo. Enquanto a primeira representava a manutenção da segurança e da ordem da Nação, a
figura onipresente de Vargas, do líder atento e capaz de solucionar os mais diversos
problemas que assolavam o povo brasileiro, tornava-se o símbolo maior da Unidade Nacional.
Onde quer que Getúlio Vargas estivesse presente visitando ou inaugurando uma obra,
presidindo ou assistindo a uma cerimônia, lá estava o Estado Novo corporificado
(representado). Um outro tema que encontrou grande respaldo nos cinejornais foi o das Festas
Cívicas (Sete de Setembro, Aniversário de Vargas, Aniversário do Estado Novo, Dia do
Trabalho etc.); em seguida, em uma proporção menos acentuada, surge a temática da
Industrialização. O grande mote aqui é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); as imagens
acompanham desde o lançamento do projeto até a corrida do primeiro aço. Enfatiza-se
também a indústria naval de guerra, a fabricação de aviões para uso civil e militar, as fábricas
de tecelagens, de pneus e cerâmica. A pujança econômica conquistada pelo parque industrial
de São Paulo tem espaço reservado nas películas do DIP, tendo sido produzido um filme
atualidade especialmente em 1941, o São Paulo Industrial. Ao contrário da imprensa, os
cinejornais dedicaram um espaço maior à Indústria do que à Agricultura, o que acredito tenha
ocorrido devido o Ministério da Agricultura já contar com o Serviço de Informação Agrícola,
uma produção cinematográfica paralela ao do DIP. Já a temática do Trabalho não teve a
atenção merecida dos propagandistas do Estado Novo, conforme determinava a ideologia do
trabalhismo. Poucas foram as investidas do cinema estatal no mito da “doação”, tendo sido os
filmes de Primeiro de Maio o único espaço reservado a esta ritualização, pelo contrário, a
imagem do operário ficava circunscrita ao seu ambiente de trabalho, submetida ao contexto
fabril.
263
É verdade que as imagens dos trabalhadores ganharam um maior destaque nas
películas do que as imagens difundidas da burguesia industrial e da classe média, mas não o
suficiente para expressarem a política trabalhista de Getúlio Vargas, como era esperado. Ao
contrário do cinema, o DIP fez uso sistemático da música popular no sentido de transformar a
idéia-imagem “Trabalho” em um capital simbólico do Estado Novo, em que a malandragem
antes invocada nas canções perdia espaço para a exaltação do trabalhador, o novo cidadão da
“democracia social”.
Os resultados desta indexação definiram não só os assuntos dos cinejornais a serem
analisados a seguir, como também deram um outro indicativo do que venho denominando de
263
Para uma melhor compreensão dos assuntos dominantes no cinejornal do DIP consultar “A propaganda
política do Estado e seus temas”. In: SOUZA (1990), Op. cit., p. 303-322.
145
“discurso totalitário”. Diante da vasta produção do Cine Jornal Brasileiro, nota-se o
predomínio da imagem do Estado que incorporara os destinos econômicos, políticos e sociais
do Brasil, fazendo-se presente por meio das duas instituições do regime, uma militar (as
Forças Armadas) e outra civil (Getúlio Vargas). Logo, só interessava ao DIP a construção
sígnica do Estado; os cinejornais se encarregavam de tornar o Estado Novo algo cotidiano e
familiar ao povo brasileiro que, por sua vez, encontrava dificuldade de veicular a sua própria
imagem, seja por questões econômicas ou por perseguições da censura estatal — como é o
caso dos jornais operários que circulavam na época, mas constantemente tinham suas gráficas
depredadas. Toda as vezes que o discurso cinematográfico se referia a uma ou outra classe
social era na forma de uma reelaboração da fala do outro, circunscrevendo-a a uma única
imagem: o Estado Novo. Um exemplo disto foi a ressignificação que o DIP operou no
Primeiro de Maio: abandonando o caráter de manifesto, o Dia do Trabalhador é transfigurado
em Dia do Trabalho, uma data para comemorar as benesses concedidas aos operários pelo
Chefe da Nação. Segundo Souza, era possível afirmar que também no campo das imagens o
que imperava era uma “ditadura de instituições”, em que o Estado não reconhecia a
organização social de nenhuma classe. “Burguesia industrial e agrária, classes médias ou
trabalhadores não conseguem se fazer representar enquanto tais. Elas não conseguem veicular
a imagem que fazem de si mesmo para as outras classes, como estão diminuídas pelos signos
que engrandecem a presença onipotente do Estado e de seus órgãos técnicos e provedores.”
264
É em busca das significações postas para o Estado Novo que selecionei 19 assuntos
dos cinejornais, reunindo-os em três temáticas que acredito poderem explicar o universo
simbólico da ditadura Vargas. Primeiramente, é importante destacar que apesar da imagem de
Getúlio Vargas ser um dos temas dominantes nos cinejornais não vi a necessidade de discuti-
la isoladamente, uma vez que não havia uma preocupação tanto de Vargas quanto dos
cinegrafistas do DIP de como o Presidente deveria se comportar diante das câmeras. Isto
acabou ocasionando situações não muito favoráveis à propaganda estadonovista, como as
cenas em que Vargas aparece de costas para os espectadores. Também eram comuns os
constantes pigarros que acometiam o Chefe da Nação durante os seus discursos e que,
ritualmente, não deixava de limpar-se diante dos microfones, sendo este gesto flagrado pelas
câmeras. Nota-se, então, que o DIP não procurou criar uma imagem de Getúlio Vargas
adequada para ser veiculada no cinema. Segundo Souza, esta despreocupação revela que “o
ditador não força para si as atenções da objetiva porque ele é naturalmente o centro das
264
SOUZA (1990), Op.cit., p. 320-321.
146
atenções”.
265
Isto explica porque até mesmo quando o Presidente não aparecia nos cinejornais,
são inevitáveis as menções honrosas feitas a ele por meio do artifício da voz off, lembrando
que “a voz off é a voz do Saber e do Poder no cinema”.
266
Como se vê, acredito que pinçar a
imagem de Getúlio Vargas das películas não nos reservaria muitos atrativos, seria mais
indicado analisarmos como ela é abordada como componente simbólico do Estado Novo, em
que
[...] é possível perceber uma projeção da pessoa de Getúlio a um plano
de divinização, desdobrável em uma trindade de imagens que se
interpenetram e se contém em uma só: Getúlio ora corresponde à
imagem do Pai, que vela e protege pelos filhos, imagem que recebe
seu acabamento principal na figura do grande legislador social; ora
identifica-se mais com a imagem do Filho, líder que intervém na
estória, predestinadamente, o Messias que veio para mudar seu fluxo e
afastar outros intermediários; ora corresponde à figura do Espírito a
iluminar os caminhos dos seus subordinados para uma nova ordem,
amparada por outras luzes.
267
Assim, os temas da Industrialização e do Trabalho caminham juntos para construir um
imaginário social em torno de uma “modernização conquistada”, em imagens se materializava
os traços de um novo país, que aos poucos substituía seu caráter rural pelo urbano. A cidade
com suas largas ruas por onde trafegavam os bondes e os automóveis, enquanto nas calçadas
os passantes iam de um lado para o outro ao som, no final da tarde, do apito da fábrica, servia
de inspiração não só para poetas e pintores, mas também para os cinegrafistas do Estado Novo
na tentativa de transportar para as telas o pensamento dominante na época. O projeto
nacional-desenvolvimentista de Vargas desejava ser a marca da passagem deste “Brasil
Rural” para o “Brasil Urbano”, tendo no setor da siderurgia a alavanca da ascensão econômica
do país. Se nas cidades os trabalhadores surgiam submergidos no cenário das máquinas, dos
grandes barracões, e o tempo era marcado pelo ritmo compassado da produção, aos poucos
nos rincões do Brasil aquela sensação de tranqüilidade, do homem lidando com a natureza era
substituída pela chegada da “civilização”, o Estado Novo marchava em sentido ao interior
com o objetivo de conduzir a modernidade em todo o território nacional. Enquanto no cenário
fabril a câmera do DIP sugeria um elogio à grandiosidade dos pavilhões e procurava nas
chaminés o signo do progresso do país, no sertão ela invadia a vastidão do semi-árido para
265
SOUZA (1990), Op.cit., p. 345.
266
VANOYE & GOLIOT-LÉTÉ, Op. cit, p. 109.
267
LENHARO (1986), Op. cit., p. 194-195.
147
retratar o cotidiano dos homens no campo, onde logo surgiam as benfeitorias, ou seja, as
marcas da presença do Estado Novo no interior do Brasil.
Já a escolha da temática da Segunda Guerra Mundial busca revelar o sentido
mobilizante que os cinejornais procuraram atribuir às imagens do Brasil neste conflito
mundial, uma vez que o Estado Novo tinha a necessidade de criar um “front interno”, um
clima de guerra, que não só justificasse o envio dos pracinhas brasileiros ao campo de batalha
em Nápoles, na Itália, mas principalmente respaldasse medidas como o aumento das horas de
trabalho, os salários reduzidos entre outras adotadas pelo governo, que acabavam por confinar
os trabalhadores brasileiros nas fábricas sob o pretexto de produzir em maior escala para
atender ao “esforço de guerra”. Como se vê, temas como Industrialização e Segunda Guerra
habitaram a mesma película a partir de 1942, quando o Brasil declarou guerra aos países do
Eixo, o que não poderia ser diferente, já que a aproximação do Governo Vargas com os EUA,
ao mesmo tempo em que proporcionou investimentos para a construção da primeira indústria
siderúrgica brasileira, também resultou em um compromisso do país em enviar tropas para a
Europa e permitir a construção de bases militares norte-americanas no Nordeste, além de
fornecer as matérias-primas estratégicas ao abastecimento armamentista dos Aliados. Era este
o preço da política econômica nacionalista de Getúlio Vargas.
Vale destacar que a construção discursiva dos cinejornais a respeito do tema da
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial não passa pelas imagens dos pracinhas em
combate. Apesar do DIP ter enviado cinegrafistas ao front na Itália, nas telas do Brasil não
foram exibidas as imagens do conflito, apenas aquelas que antecederam o envio das tropas —
os treinamentos dos soldados e enfermeiras e o desfile do primeiro contingente que embarcou
para a Europa. Até mesmo em um cinejornal especial intitulado O Esforço de Guerra do
Brasil o único indício dos soldados brasileiros em território inimigo era a seqüência em que
recebiam a visita do Ministro da Guerra do Estado Novo, Eurico Dutra. Assim, se outros
pesquisadores desejarem enveredar por este tema em busca de imagens não sancionadas pela
ditadura de Getúlio Vargas terão um longo caminho a percorrer por diversas cinematecas na
Europa e nos EUA, assim como o fez o cineasta Sylvio Back para compor o seu polêmico
filme documentário Rádio Auriverde (1990).
Se por um lado as temáticas escolhidas apresentam marcas discursivas distintas,
acredito que um elemento é comum a elas: a imagem da multidão. Compreendo aqui que não
basta ter na multidão organizada o referente à idéia-imagem da “Pátria/Una”, mas é
necessário que este artifício venha acompanhado da idéia de sacrifício do indivíduo em
função do coletivo, do “Eu” sendo substituído pelo “Nós”, pois só assim a imagem da
148
multidão torna-se mobilizadora. Era neste sentido que surgiam nos cinejornais os
trabalhadores concentrados nas fábricas ao ritmo da linha de produção ou o povo reunido para
saudar os soldados brasileiros enviados ao campo de batalha, “todos” integravam um único
corpo.
Desta forma, acredito que a multidão surge como elemento fundamental para um
discurso pautado na fantasmagoria do “Todo Orgânico”, logo, segue como o signo do
fundamento do totalitarismo: a Unidade. Por isso, a escolha da terceira temática resultar nas
Festas Cívicas organizadas pelo DIP, mais especificamente as comemorações de Primeiro de
Maio. Além de buscar entender como o Governo Vargas reelaborou o discurso operário em
torno do mito da “doação”, transformando o Dia do Trabalhador em Dia do Trabalho,
procurei ver como o uso sistemático do poder simbólico das imagens da multidão nos
cinejornais, combinado com o da criação do “tempo festivo”, serviram como instrumentos
legitimadores do novo regime. Como as significações da Unidade e do nascimento de uma
nova ordem social forjaram o mito “Estado Novo”?
3.2.1 – Indústria, Trabalho e Atraso: o urbano e o rural se confrontam nas telas do
Estado Novo
Agora vou mudar minha conduta/ Eu vou pra luta,/ Pois eu quero me
aprumar./ Vou tratar você com força bruta/ Pra poder me reabilitar,/
Pois esta vida não está sopa/ E eu pergunto: com que roupa?/ Com que
roupa que eu vou/ Pro samba que você me convidou?/ Com que roupa
que eu vou/ Pro samba que você me convidou?/ Agora eu não ando
mais fagueiro,/ Pois o dinheiro/ Não é fácil de ganhar./ Mesmo eu
sendo um cabra trapaceiro/ Não consigo ter nem pra gastar,/ Eu já
corri de vento em popa/ Mas agora com que roupa?/ Eu hoje estou
pulando como sapo/ Pra ver se escapo/ Desta praga de urubu./ Já estou
coberto de farrapo,/ Eu vou acabar ficando nu,/ Meu terno já virou
estopa/ E eu nem sei mais com que roupa.
268
Em fins de 1929, Com que roupa? soa como uma cantiga de musicalidade original aos
ouvidos do Tio Eduardo, composta pelo jovem sobrinho de apenas 19 anos, que procurava
retratar em seus versos, ainda que metaforicamente, um país consumido em farrapos pela
pobreza, a fome e a miséria. Este samba consagrou nos anos 30 o jovem compositor Noel
268
Com que roupa? Noel Rosa, 1929. In: MÁXIMO, João; DIDER, Carlos. Noel Rosa, uma biografia. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1990. p. 116-117.
149
Rosa, que mais tarde seria imortalizado como o Poeta da Vila (Isabel). Apaixonado pela
boêmia, reduto dos personagens e das histórias que costuravam em agulhas finas seus sambas,
Noel era o intérprete do malandro e da malandragem, apesar de não ser este o seu mundo.
Filho de família de classe média baixa carioca ele, no entanto, o compreendia bem, tanto que
era capaz de versos como “eu devo, não quero negar, mas te pagarei quando puder, se o jogo
permitir, se a polícia consentir e se Deus quiser ... Não pensa que eu fui ingrato, nem que fiz
triste papel, hoje vi que o medo é um fato e eu não quero um pugilato com teu velho
coronel”.
269
Suas canções são hinos de um “malandro medroso” e esquivo, no dizer dos
biógrafos, que em versos escorregadios, contemplava a vadiagem da cidade e do morro,
cantando seus códigos sociais.
A música de Noel Rosa era o retrato “cruel”, para a elite brasileira, da gênesis da nossa
música popular, que desde o final do Império dialogava com a malandragem, oscilando entre
a ordem e a desordem.
270
E o samba incorporara definitivamente o modo de vida boêmia e do
não trabalho, o que não afastava o seu caráter político, como encontrado na poesia popular de
Noel, composta em homenagem às suas origens, uma alusão à política da Primeira República,
superada pela revolução de 1930: “Quem nasce lá na Vila/ Nem sequer vacila/ Ao abraçar o
samba/ Que faz dançar os galhos/ Do arvoredo/ E faz a lua nascer mais cedo./ Lá em Vila
Isabel/ Quem é bacharel/ Não tem medo de bamba./ São Paulo dá café/ Minas dá leite/ e a
Vila Isabel dá samba [..].”
271
Entretanto, a maestria do poeta cessou na noite de 4 de maio de 1937, vítima das
complicações de uma tuberculose, o que provocou o luto da Vila e de todo o país, assim como
também da música popular brasileira que perdia a chance de acompanhar no cancioneiro
popular de Noel Rosa as possíveis contra-respostas ou não ao projeto nacional-
desenvolvimentista de Getúlio Vargas, instaurado com o Estado Novo, seis meses depois da
morte do sambista. Na vigência do novo regime o tradicional elogio à malandragem fora
excluído das rodas de samba, das rádios, do imaginário popular, substituído pelo culto ao
trabalho. Um exemplo disto foi a censura do DIP ao samba O Bonde de São Januário, de
Ataulfo Alves e Wilson Baptista em 1940. Alegando “promoção à vadiagem”, o DIP proibia a
canção que na letra original dizia: “O Bonde de São Januário/ leva mais um sócio otário/ Sou
269
Malandro Medroso. Noel Rosa, 1930. In: MÁXIMO, João; DIDER, Carlos. Noel Rosa, uma biografia.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1990. p. 133.
270
A respeito da malandragem como a gênesis da música popular brasileira consultar VASCONCELLOS,
Gilberto; SUZUKI JR., Matinas. A malandragem e a formação da música popular brasileira. In: FAUSTO, Boris
(org.). História geral da civilização. O Brasil republicano: economia e cultura (1930-1964). Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, tomo 3, v. 4, 1995. p. 501-523.
271
Feitiço da Vila. Noel Rosa, 1934. MÁXIMO, João; DIDER, Carlos. Op. cit., p.329.
150
eu, que não vou trabalhar”. E só seria liberada, um tempo depois, com uma nova letra: “Quem
trabalha é que tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O bonde São Januário/ Leva
mais um operário: sou eu que vou trabalhar./ Antigamente eu não tinha juízo/ Mas resolvi
garantir meu futuro/ Vejam vocês: sou feliz, vivo muito bem /A boemia não dá camisa a
ninguém./ É, digo bem”. Assim, a reação de Noel Rosa à domesticação do samba pelo Estado
Novo ficaria como um exercício lúdico aos seus admiradores, porém, outros compositores
populares sutilmente reagiram às intenções “educativas” e “civilizadoras” do governo da
época, apesar do forte aparato propagandístico do Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP), como demonstrou Paranhos: “se, de um lado, há um número elevado de composições e
compositores populares afinados com o regime estado-novista e a valorização do trabalho, de
outro despontam, como uma espécie de contradiscurso, canções (sambas, em sua maioria) que
traçam linha de fuga em relação à ‘palavra estatal’.”
272
O cinema, assim como a música popular, também foi alvo da censura e da propaganda
do Governo Vargas, mas como vimos, o DIP ao difundir a idéia-imagem do “Trabalho”, tendo
no trabalhador o modelo de cidadão brasileiro, não fez um uso sistemático deste meio, como
se esperava dos mecanismos de propaganda de um regime pautado pela ideologia do
trabalhismo. Neste caso, as benesses concedidas pelo Estado aos operários, como a Lei do
Salário Mínimo, a instalação da Justiça do Trabalho ou o Abono Familiar, não receberam
maior atenção dos propagandistas do DIP, poucas foram as referências feitas a elas no Cine
Jornal Brasileiro. Entretanto, as câmeras do regime optaram por traduzir em imagens a
importância que, naquele momento, dava-se ao desenvolvimento industrial do país. As
imagens do ambiente fabril incorporavam o sentido da superação do Brasil atrasado, das
oligarquias, e o mesmo se projetava para o interior do país, a câmera percorria as benfeitorias
realizadas pelo Estado Novo fazendo alusão a uma modernidade que somente chegava a estas
localidades, antes abandonadas e desprovidas, pelas mãos do Chefe da Nação. Assim, o
projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas quando posto nas telas do país tratava
de circunscrever as imagens a um imaginário que confrontava a moderna industrialização
urbana e o atraso rural, logo, a construção discursiva dos cinejornais pretendia convencer que
o Estado Novo, personificado na figura de seu líder, era o autor de uma “modernização
conquistada”.
De fato, é notória a contribuição que o cinema desempenhou na transformação do
arcaico para o moderno a partir dos anos 30 em países da América Latina, principalmente no
272
PARANHOS, Adalberto. O samba na contramão: música popular no “Estado Novo”. Revista Cultura Vozes.
v. 95, n. 1, jan./fev. 2001. p. 71.
151
Brasil, que, sob ditaduras de cunho populista, era o meio de comunicação responsável por
aproximar os recém chegados trabalhadores, que migravam do campo para a cidade, dos
costumes e da vida citadina. Era a arte cinematográfica que fazia a mediação entre a cultura
urbana e a cultura rural, o tradicionalismo do interior deveria se render à modernidade da
capital, os novos trabalhadores teriam que se adequar aos códigos do operário urbano. Isto
não quer dizer que a cultura do campo não resistiu aos apelos da modernidade, ao contrário,
soube também encontrar mecanismos de interação, como a introdução de elementos da
oralidade e da expressividade na apreensão do outro sobre ela, o que não significa uma forma
negativa ou pejorativa desta relação entre o urbano e o rural, mas uma nota transparente que
aponta para a interseção entre essas duas culturas e demonstra o quanto é difícil pensar em
níveis de superioridade, de atraso e civilização, de arcaico e moderno, ou seja, de formas
eqüidistantes, enquanto uma dicotomia, já que tratamos de culturas e, cada vez mais,
percebemos o quanto e como elas se tornam híbridas.
Nota-se, então, que o cinema, assim como tantos outros meios de comunicação de
massas, foi incorporado ao Estado pelos regimes autoritários na tentativa de legitimar um
projeto nacional-desenvolvimentista, ou seja, tratava-se de representar nas telas as imagens de
uma identidade nacional, que, em países da América Latina, inclusive o Brasil de Getúlio
Vargas, se referia a uma necessidade indubitável de superar o arcaico, a barbárie pela
civilização, encontrando respaldo na modernização do país, na industrialização da economia,
marcas de um pensamento do nacional que, sob a égide das teorias deterministas e
evolucionistas (positivismo, darwinismo social), perdura ainda hoje no Brasil.
273
No final do
século XIX e na primeira metade do XX, ainda debaixo do véu das teorias raciais, o
pensamento brasileiro indicava a mestiçagem como elemento definidor da nossa
nacionalidade, como propôs Ortiz, muito tempo depois, que “o elemento da mestiçagem
contém justamente os traços que naturalmente definem a de identidade brasileira: unidade na
diversidade. Esta fórmula ideológica condensa duas dimensões: a variedade das culturas e a
unidade do nacional”, para concluir que “a identidade nacional é uma entidade abstrata e
como tal não pode ser apreendida em sua essência”.
274
Longe disto, a mestiçagem,
interpretada como uma sub-raça, era o indício da barbárie que acometia a brasilidade e,
273
A respeito da questão da busca por uma identidade nacional no Brasil do século XIX e início do XX consultar
NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra: representações do brasileiro 1870/1920.
São Paulo: Annablume, 1998. Para a autora o pensamento desta época contribuiu para forjar na memória coletiva
a imagem de um povo brasileiro imaturo, despreparado e indolente, identidade que, ainda hoje, habita a nossa
cultura. Ainda nesta temática, consultar da autora Sobre campo e cidade — olhar, sensibilidade e imaginário: em
busca de um sentido explicativo para o Brasil do século XIX. Tese (Doutorado). Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 1999.
274
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 93; 138.
152
portanto, necessitava de ser transformada ou extinta para que surgisse de suas cinzas a Fênix
verde-amarelo, o novo Brasil. E o progresso do litoral levado aos rincões deste país seria
fundamental para começarmos a esconder as cinzas de um passado marcado pela escravidão
e, a posteriori, pela marginalização da sociedade brasileira, encontrando no trabalho, seja do
imigrante europeu — devido ao estereótipo do brasileiro preguiçoso e indolente, avesso ao
trabalho — ou do trabalhador do campo que migrava para as cidades, a resposta para superar
todos os traumas de país primitivo.
Em se tratando de cinema e identidade nacionais no pós-30, vejo que não é
inverossímil falar da predominância da dicotomia “Brasil Urbano” e “Brasil Rural”, já que,
segundo Bernadet e Galvão, o “nosso” nas películas era tanto a representação do rural quanto
a do urbano, o primeiro como a exaltação da natureza e dos usos e costumes do interior, e o
segundo como exaltação do progresso e da civilização. Entretanto, os autores ressaltam que
“esse Brasil sertanejo é evidentemente uma das representações do ‘popular’ que o cinema
brasileiro apresentou no decorrer de sua história (e até hoje). No entanto, ele nunca é
reivindicado nos anos 10, 20 e 30 como popular, mas sim como brasileiro ou nacional, ou
‘nosso’”,
275
já que o sentido que era dado ao termo “popular” até a primeira metade do século
era pejorativo, sinônimo de vulgar; os filmes nacionais tinham o desprezo da elite brasileira,
mas agradavam o povo, seja porque falavam ou se dirigiam a este mesmo povo. O
menosprezo aos “filmes populares” encontrava respaldo nas páginas de publicações da época,
como a revista Cinearte, que, ao repudiar completamente as imagens do Brasil rural e
atrasado, reivindicava para a cinematografia do país o retrato de um Brasil urbano e moderno,
cosmopolita, negando às telas qualquer vestígio da barbárie: não caberia ao cinema brasileiro
apresentar “aqui um bando de cangaceiros, ali um mestiço vendendo garapa em um purungo,
acolá, um bando de negrotes se banhando num rio, e coisas desse jaez.”
276
Este anseio de colocar o Brasil entre as grandes potências econômicas encontrava no
“Trabalho” o dispositivo simbólico que suspendia o estigma do Brasil arcaico, primitivo,
atrasado, do povo preguiçoso, incapaz e indolente. Na ideologia do trabalhismo a valorização
do “Trabalho” era sinal de um novo caminho por onde transitava a ordem social, a
estabilidade econômica. Para Dutra, é por meio de uma associação direta do “Trabalho” aos
sentimentos de bem comum, ascensão social, dignidade, moralidade, solidariedade, progresso,
ordem e tantas outros que o Estado Novo exercia a sua dominação oculta — representações,
que segundo a autora, também podem ser encontradas nas construções discursivas dos
275
BERNADET & GALVÃO, Op. cit., p. 28-29.
276
Revista Cinearte, 28.04.1926. apud. BERNADET & GALVÃO, 1983. p. 36.
153
comunistas, o inimigo interno do regime. Portanto, segundo Dutra, o imaginário coletivo que
se procurou projetar a respeito dos trabalhadores foi o sustento das estratégias ideológicas de
enquadramento do proletariado postas no cenário político dos anos 30 e 40:
A solução para a manutenção da ordem social e para a resolução dos
males do país é, pois, o trabalho, o esforço dos brasileiros que
racionalmente orientados redundarão na conquista do progresso. O
remédio para a falta da densidade populacional, para a deficiência da
produção, enfim, para os problemas econômicos e sociais, não está na
destruição da organização política e social e sim no fator-homem, pelo
trabalho e pelo comando dos mais capazes e mais patriotas. E o
trabalho vai ser a pedra de toque do empreendimento do progresso e
da paz social, por irmanar todos os brasileiros numa única categoria
— a daqueles que se esforçam pelo Brasil. É ele o valor dominante
projetado pelo que almejam uma sociedade una, para lhe dar o
arremate final e assim concluir o edifício da dominação totalitária.
277
Como se vê, o “Trabalho” incorporava definitivamente parte da “disposição
totalitária” do regime autoritário de Vargas, canalizava o esforço do brasileiro em um único
destino, o desenvolvimento da Nação. Getúlio Vargas em discurso pronunciado por ocasião
da assinatura do decreto-lei referente ao direito dos trabalhadores ao Salário Mínimo, no
Palácio Guanabara, em Primeiro de Maio de 1938, reconheceu que, naquele momento, diante
do cenário político mundial que era projetado, não seria possível governar sem satisfazer as
justas aspirações das multidões de operários. Entretanto, insistia na valorização do “Trabalho”
enquanto fator da elevação da dignidade humana, por isso, o Salário Mínimo, no
entendimento do Estado Novo, vinha assinalar um marco fundamental para a evolução da
legislação social. Se ninguém poderia viver sem trabalhar, a remuneração do operário deveria
ser justa, ao contrário de apenas o indispensável para não morrer de fome. Em um mesmo
discurso o Presidente sintetizava as imagens (“Trabalho”, “Unidade”, “Progresso”, “Ordem” e
“Moral”) que estimulariam o espírito de cooperação do povo brasileiro na formação de um
novo Estado: “é preciso, portanto, para a realização desse ideal supremo, que todos marchem
unidos, em ascensão prodigiosa, heróica e vibrante, no sentido da colaboração comum e do
esforço homogêneo pela prosperidade e pela grandeza do Brasil”.
278
Portanto, o empenho dos
trabalhadores, em coro uníssono na linha de montagem das fábricas, sinalizava para o Brasil
proposto pelo projeto nacional-desenvolvimentista do Estado Novo, que encontrava na
exploração de minérios o principal problema da economia brasileira.
277
DUTRA, Op. cit., p. 370-371.
278
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. 5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. p. 205.
154
Desde a instituição do Governo Provisório, Getúlio Vargas declarava que o progresso
do Brasil somente iria encontrar respostas nos investimentos no campo da siderurgia, a idade
do ferro marcaria, definitivamente, a ascensão econômica do país. Em visita a Belo Horizonte
(MG), em fevereiro de 1931, o Presidente foi recebido com um banquete oferecido pelo
governo do Estado e lá demonstrara, entre outras coisas, o quanto a exploração mineral fazia
parte do projeto político e econômico para o Brasil futuro:
[...] Mas o problema máximo, pode dizer-se, básico da nossa
economia, é o siderúrgico. Para o Brasil, a idade do ferro marcará o
período da sua opulência econômica. No amplo emprego desse metal,
sobre tudo precioso, se expressa a equação do nosso progresso. [...] O
ferro é fortuna, conforto, cultura e padrão, mesmo, da via em
sociedade. [...] Creio poder, portanto, afirmar que a grandeza futura do
Brasil depende, principalmente, da exploração das suas jazidas de
ferro. E o ferro é Minas Gerais.
279
Nota-se, então, que, aliado ao imaginário coletivo que era forjado a respeito do
Trabalho, o empenho de Vargas em instituir um programa industrializante para o país era
plausível, já no início dos anos 30, tendo em vista que a superação da crise e a manutenção do
crescimento econômico eram fatores essenciais para a sua sustentação política. Com o
objetivo de manter-se no poder, Getúlio Vargas via na industrialização do Brasil a fonte de
sua legitimação. Entretanto, segundo Corsi,
280
no período de 1930 a 1937, não estava nítido
um projeto nacional de desenvolvimento, a política econômica demonstrava caminhar em
direção ao estímulo do setor industrial, mas, as medidas adotadas pelo governo se davam de
formas isoladas e parciais. Em 1935 os primeiros passos são dados para o amadurecimento da
idéia de desenvolvimento industrial quando as disputas entre os blocos imperialistas são
intensificadas. Somente com o advento do Estado Novo, a implantação de uma moderna usina
siderúrgica, considerada a chave do progresso e da segurança nacional, no momento, torna-se
o alvo das ações do regime.
Se por um lado a questão siderúrgica tornava-se a grande prioridade governamental,
indício do amadurecimento da idéia da necessidade do Estado em agir incisivamente no
estímulo e na criação das condições para o desenvolvimento industrial, por outro lado criava-
se uma barreira para o sucesso do projeto nacional de Vargas. O Estado Novo tinha uma
questão para resolver: como financiar um desenvolvimento autônomo e modernizar as Forças
279
VARGAS, Op. cit., v. 1, p. 100.
280
CORSI, Op. cit., p. 49.
155
Armadas? Ou seja, como assegurar as bases do regime? A resposta vinha no financiamento
internacional.
Assim, estava claro que a política nacionalista de Getúlio Vargas estaria
comprometida, dificilmente o progresso do país poderia ocorrer de forma autônoma ao capital
estrangeiro. Em pleno cenário mundial conturbado, ameaça de uma segunda guerra, o Brasil
se colocava entre os dois blocos imperialistas. De início, para resolver seus problemas
financeiros, o Governo Vargas dialogava com as duas opções de aliança que ele possuía no
momento, Estados Unidos e Alemanha, buscando tirar o maior proveito da situação. Naquele
final dos anos 30 não era certo que um alinhamento com um dos blocos seria vantajoso para o
país. Articulava-se, então, concomitantemente, a participação do capital alemão e norte-
americano no processo de desenvolvimento, sem comprometer-se definitivamente com
nenhum deles, o que também dificultava atrair capitais. Portanto, a questão siderúrgica estava
exposta ao desenrolar do embate entre os blocos imperialistas.
281
Os Estados Unidos percebendo a localização estratégica do Brasil para uma ofensiva
alemã em território norte-americano, além da forte inclinação de Vargas e das Forças
Armadas brasileiras — as instituições estadonovistas — ao fascismo, resolvia aproximar suas
relações políticas, econômicas, militares e até culturais com o país por meio da Política de
Boa Vizinhança. É nesta época que a portuguesa radicada no Brasil, Carmem Miranda, em
trajes exagerados de baiana, cantando os sambas de Ari Barroso e Dorival Caymmi entre
outros, encantava a todos com seu canto e expressividade nos palcos cariocas do Cassino da
Urca. O fascínio que a figura de Carmem Miranda provocava nas platéias chamou a atenção
de um produtor norte-americano que buscava no país um artista que pudesse representar a
cultura latina na Broadway, então, lá foi a atração da noite carioca seduzir os habitantes da
terra do Tio Sam. Obviamente a Política de Boa Vizinhança não parava por aí, o Brasil
também receberia em seu solo as celebridades de Hollywood, como Wall Disney e Orson
Welles, que tanto alimentaram as fantasias dos espectadores brasileiros.
O próprio Presidente Franklin Roosevelt visitou o Brasil a fim de discutir o auxílio
financeiro que os Estados Unidos daria ao processo de desenvolvimento industrial do país.
Apesar de ver com ressalvas a implantação da indústria de base no Brasil, o governo norte-
americano, em nenhum momento, ameaçava encerrar o assunto em uma posição desagradável
ao Estado Novo, boicotando as intenções políticas e econômicas do Presidente Vargas. Os
Estados Unidos sabiam dos riscos que correriam se não soubessem tratar coerentemente de
281
CORSI, Op. cit., p. 142.
156
um assunto importantíssimo para o governo brasileiro. Foram várias as negociações entre os
dois países até que em um discurso proferido no navio “Minas Gerais”, em junho de 1940,
Getúlio Vargas declarava um desejo de uma possível aproximação com os “povos fortes”,
com o fascismo europeu:
Atravessamos nós, a humanidade inteira transpõe, um momento
histórico de graves repercussões, resultante de rápida e violenta
mutação de valores. Marchamos para um futuro diverso do quanto
conhecíamos em matéria de organização econômica, social ou
política, e sentimos que os velhos sistemas e fórmulas antiquadas
entram em declínio. Não é, porém, como pretendem os pessimistas e
os conservadores empedernidos, o fim da civilização, mas o início,
tumultuoso e fecundo, de uma nova era. Os povos vigorosos, aptos à
vida, necessitam seguir o rumo de suas aspirações, em vez de se
deterem na contemplação do que desmorona e tomba em ruína. É
preciso, portanto, compreender a nossa época e remover o entulho das
idéias mortas e dos ideais estéreis [...]. Passou a época dos
liberalismos imprevidentes, das democracias estéreis, dos
personalismos inúteis e semeadores de desordem.
282
Este discurso de Vargas provocou uma reação imediata e definitiva dos Estados
Unidos em relação à questão siderúrgica. Em setembro do mesmo ano foi finalmente assinado
o acordo entre Brasil e Estados Unidos para a construção da Companhia Siderúrgica
Nacional, que seria instalada em Volta Redonda. Para alguns autores, Vargas soube agir no
momento certo, já que, com o avanço alemão na Europa e a ampliação do domínio do Japão
no Oriente, o Brasil assumia cada vez mais um papel estratégico para os Estados Unidos que
precisava consolidar sua força no Atlântico e na América do Sul. Desta forma, o Brasil
explorava as contradições entre os blocos imperialistas e forçava os norte-americanos a
financiarem a moderna siderurgia.
Definitivamente, foi a entrada dos Estados Unidos no conflito mundial que acelerou o
processo de alinhamento do Brasil, que ficou condicionado ao fornecimento de armamentos e
ao auxílio econômico para o desenvolvimento industrial do país. Porém, do ponto de vista
norte-americano, os créditos concedidos à siderurgia e o incremento das relações militares não
representavam o alinhamento político-militar dos brasileiros, ainda objetivavam que o país
permitisse a construção de bases militares no Nordeste, conseqüentemente, o estacionamento
de tropas e, por fim, o término da influência alemã e a plena cooperação política e econômica.
No caso da cooperação econômica, tratava-se de colocar a produção industrial brasileira a
282
VARGAS, Getúlio. apud. CORSI, Op. cit., p. 158.
157
serviço do “esforço de guerra”, o que propiciava ao governo Roosevelt o controle dos rumos
do desenvolvimento do Brasil para a produção de produtos primários, uma vez que tinha um
grande interesse nas matérias-primas estratégicas ao abastecimento armamentista. Portanto,
por mais que Vargas projetasse uma política econômica nacionalista, ele não via saídas senão
recorrer ao capital estrangeiro, o que considerava legítimo e imprescindível para alcançar os
seus fins que, como vimos anteriormente, era a sua manutenção no poder. Portanto, seu
governo demonstrava que não tinha a consciência de que os acordos implicavam em um
maior controle da economia nacional pelos norte-americanos, o que equivale dizer que o
projeto nacional-desenvolvimentista teria algumas incoerências:
[...] seu projeto de industrialização [...] fundava-se, desde pelo menos
1939, [...], no financiamento e no fornecimento de tecnologias
estrangeiras. Vargas tinha um projeto nacional, embora nunca o tenha
definido claramente. Oscilou entre um desenvolvimento autônomo e
um desenvolvimento integrado ao capital estrangeiro. Esperava ser
possível industrializar o país, garantir a sua soberania nacional e
conseguir um papel de destaque na América Latina, contando com
apoio político e financiamento norte-americano.
283
Desta forma, temos que o Estado Novo sempre procurou se manter, enquanto possível,
em uma posição eqüidistante e lucrativa referente aos Estados Unidos e a Alemanha, mas
gradativamente foi cedendo espaço à crescente inclinação ao bloco dos Aliados, significando
um sacrifício da economia nacional, que ficou à mercê dos interesses norte-americanos —
política externa que foi denominada de “autonomia na dependência” por Gerson Moura. A
criação da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda dependeu exclusivamente do
capital estrangeiro, apesar das jazidas e das exportações estarem sob o controle do governo
brasileiro.
Esta aproximidade do Brasil com os países que compunham o bloco dos Aliados,
principalmente os Estados Unidos, foi o elemento deflagrador, conseqüentemente, da
participação do país no conflito mundial. Como se vê, no final dos anos 40, é difícil não
associar a imagem do Estado Novo à Segunda Guerra Mundial, o que levou o imaginário em
torno do “Trabalho” tomar novos rumos: o desenvolvimento industrial assumia um caráter
bélico, de batalha. A produção nacional, principalmente a referente aos produtos
manufaturados que interessavam ao “esforço de guerra” norte-americano, era associada à
batalha campal que se dava na Europa. Os trabalhadores que não embarcaram com as tropas
283
CORSI, Op. cit., p. 282.
158
enviadas ao palco de operações lutariam no cenário fabril, seriam incorporados de forma
imaginária ao exército brasileiro como “soldados da produção”. Se da Itália o Brasil voltasse
vitorioso, eram prometidas aos trabalhadores as mesmas honras concedidas aos pracinhas.
Neste caso, as promessas foram compridas pelo Estado Novo, pois, antes mesmo da heróica
Força Expedicionária Brasileira desembarcar em território nacional ela já se encontrava
dissolvida, extinta, sendo que nem mesmo os soldados puderam retomar seus cotidianos como
militares nos quartéis. Ou seja, como a FEB, os operários chegavam do front de batalha
industrial sem qualquer representatividade política, o regime de Vargas tinha conseguido
forjar um imaginário coletivo do Trabalho associado ao Estado. Com a desestruturação do
Estado Novo as multidões de trabalhadores deveriam se sentir abandonadas.
Esta relação Estado Novo/Trabalho/Segunda Guerra tem nos seringais do Amazonas o
cenário ideal para ilustrar a incorporação do operário brasileiro ao “soldado da produção”. A
região era a principal fornecedora de borracha, produto indispensável aos pneus e
instrumentos bélicos. Assim, o Amazonas ao assumir a “Batalha da Borracha” transformava-
se em um front econômico, onde os seringueiros eram os soldados que adentrando na mata
densa resgatavam o látex, imprescindível para a economia de “esforço de guerra” nacional. O
trabalhador ao empenhar-se na atividade extrativa exercia o seu dever militar.
Em uma publicação de 1943, do próprio DEIP de Manaus — Departamento Estadual
de Imprensa e Propaganda, subsidiado ao DIP — escrita pelo Interventor Federal do
Amazonas, Alvaro Maia, deparamos com uma significativa demonstração do discurso do
Estado frente à relação Produção/Batalha. Em Na vanguarda da retaguarda (campanha da
produção da borracha) o interventor enfatizava aos comerciantes, seringueiros e agricultores
que foi o Estado Novo que lhes amparou reforçando o valor de suas atividades, e, portanto,
deviam gratidão a Getúlio Vargas. Maia reafirmava o esforço dos seringueiros, “operário-
anfíbios”, em suas empreitadas pela floresta, porém, alertava que cada dia perdido de trabalho
representava o esquecimento dos compromissos assumidos para com a Pátria. A infelicidade
do trabalhador era nada produzir, entregar-se a um “comodismo criminoso”, enquanto o país
“todo” atendia aos apelos do Presidente Vargas. Segundo o autor os vencedores da guerra
seriam aqueles que, além de heroísmo e resistência, possuíssem ferro, petróleo e borracha. O
vitorioso seria aquele que detivesse “o último galão de petróleo e o último quilo de borracha”,
por isso, ele clamava a todos para que cumprissem “o seu dever militar nos seringais, onde a
159
vareta do tambor, na safra decisiva, foi substituída pela faca no córtex das árvores —
produzir, produzir, produzir!”
284
O interventor que era também membro da Academia Amazonense de Letras e do
Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas, influente na região, sabia da força da palavra
dirigida às multidões. “Orador de raça”, como o definiu Assis Chateaubriand em uma
primeira impressão, Maia discursara em junho de 1943 para uma concentração de milhares de
trabalhadores em Manaus enaltecendo a dedicação, sem igual, dos seringueiros na luta da
produção de borracha, uma resposta destes ao apelo do Chefe da Nação. Em pleno Mês
Nacional da Borracha conclamava a todos que jurassem à sombra da bandeira nacional
cumprir, em gratidão ao Presidente Getúlio Vargas, os mandamentos que sintetizavam o
“Decálogo do Seringueiro”:
1º — Cumpriremos todas as instruções que nos forem legalmente
enviadas, sempre recebidas com entusiasmo, procurando produzir
mais borracha, porque a extraordinária ação do Presidente Vargas,
como uma voltagem de potencial infinito tem o milagre e a força de
contagiar todos os brasileiros para a unidade e a salvação da Pátria;
2º — Cumpriremos essas instruções, ingressando alegremente nas
selvas, porque a palavra do Presidente Vargas, descendo do Catete, e o
nosso labor, subindo dos seringais, formam o mesmo Hino da Raça,
que distribui igualmente o seu sangue e os seus benefícios nos
palácios, nas usinas e nas barracas;
3º — Cumpriremos essas instruções, explorando e defendendo
imensidade de árvores, porque o Presidente Vargas é um apóstolo da
Humanidade redimida, porque pertencemos aos 300. 000. 000 de
americanos que transformaram o seu Continente num Sinal para as
novas tábuas da lei e os novos direitos do homem;
4º — Prometemos convergir todos os nossos esforços na vitória da
produção, certos de que a nossa inércia seria uma traição aos Aliados
que batem pela liberdade, a irmãos que foram sacrificados pela vilania
adversária, aos nossos aeronautas e marinheiros que exercem
vigilância no litoral contra a tocaia dos submarinos;
5º — Prometemos trilhar diariamente as estradas de seringueiras,
porque, enquanto honramos os compromissos do Brasil, que o
Presidente Vargas firmou perante o mundo, também realizamos uma
outra obra de economia, integrando o Amazonas à economia
nacional;
6º — Prometemos cumprir as ordens do Governo da República,
porque, arregimentados como soldados, trabalhamos como homens
livres, à luz de contratos assinados no Ministério do Trabalho, com as
garantias das leis sociais, benemerência do Estado-Nacional;
7º — Juramos permanecer nos seringais para que fomos designados,
porque são quartéis do Brasil, e deles não sairemos, cometendo
crimes de deserção, com não sairíamos de uma frente de batalha;
284
MAIA, Álvaro. Na vanguarda da retaguarda: campanha da produção da borracha. Manaus, Amazonas: DEIP
(Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), 1943. p. 59.
160
8º — Juramos viver em máxima harmonia e disciplina, ao lado de
seringalistas e seringueiros veteranos, porque são soldados da mesma
batalha e brasileiros das mesmas idéias, porque descendem de
pioneiros e desbravadores que souberam resistir e vencer, abrindo
caminhos para as investidas de hoje;
9º — Queremos proclamar em juramento perante Deus, ante a
Bandeira e o Hino da Pátria, o nosso espírito de sacrifício e lealdade
ao Presidente Vargas, de quem cumpriremos as ordens, sejam quais
forem as circunstâncias;
10º — Queremos tornar bem claro que, pela vida ou pela morte, tudo
faremos e aceitaremos em bem do Brasil, do Continente Americano,
das Nações Unidas, na guerra universal contra a tirania e a opressão
[grifos nossos].
285
Em coro uníssono os trabalhadores amazonenses juravam profissão de fé aos Estados
Unidos e ao Presidente Vargas, “apóstolo da Humanidade redimida”. Os seringueiros
ingressariam alegres nas selvas por pertencerem ao grupo de americanos responsáveis por
colocar o seu continente nos trilhos da lei e dos direitos humanos, conscientes de que qualquer
vestígio de inércia na produção seria um ato de traição aos Aliados. Concentrados nos quartéis
da mata não podiam desertar, na “Batalha da Borracha” seringueiros e seringalistas deveriam
se unir, compor a unicidade que pretendia o Estado, pois, sob as nuvens escuras da Segunda
Guerra Mundial, todos eram “soldados da mesma batalha e brasileiros das mesmas idéias” e,
juntos, seriam responsáveis por integrar de vez o Amazonas à economia nacional, fator
imprescindível para a política de centralização do Estado Novo. Portanto, ao final do
juramento, os trabalhadores reunidos diante da bandeira e ao som do hino nacional
reafirmavam a vitória da ideologia do trabalhismo, sua solidariedade patriótica responderia
aos esforços de guerra contra a tirania e a opressão na Europa, enquanto que no seu próprio
país viviam sob o véu da ditadura nacionalista de Vargas.
Assim, os cinejornais ao conceberem a imagem do operário em seu local de
trabalho/produção, imerso ao universo das máquinas ou dos seringais, priorizavam uma
construção discursiva que seguia a risca as diretrizes do projeto nacional-desenvolvimentista
do regime, compunha-se nas telas a imagem do trabalhador urbano relacionada ao progresso
industrial do país. Nos cinejornais as máquinas, o ritmo das linhas de montagem que ditam o
“choque” no homem moderno, a grandiosidade dos barracões adequados para o
armazenamento de uma produção expressiva, são todos signos de uma modernidade
pretendida pelo Estado Novo para o Brasil.
285
MAIA, Op. cit., p. 341-343.
161
Na primeira seqüência de imagens que deparamos em Fabricação de Alumínio —
Minas Gerais: O aproveitamento de nossas riquezas naturais: fator decisivo para a economia
nacional
286
notamos a importância que os filmes desta temática dão ao sentido do crescimento
econômico. A objetiva contempla em cadência lenta uma panorâmica das redondezas da
fábrica responsável por produzir “alumínio nacional” em larga escala, que instalada em uma
“zona rica de bauxita no Planalto Central” era o primeiro marco de uma vasta área a ser
explorada no futuro, novas indústrias como a mostrada na tela iriam ocupar este espaço a fim
de contribuir com o desenvolvimento do país.
A sincronização de imagem e som dita o ritmo do curta-metragem. Inicialmente, as
primeiras imagens da fábrica em plano geral, acompanhadas por uma sonoridade empolgante
e envolvente, em alto som, prendiam o olhar dos espectadores que passavam a atentar para a
voz off que traçava o caminho do discurso, momento em que a música era apenas um detalhe
suave, amortecedor para os impactos das mensagens no inconsciente coletivo. A câmera
penetrava no interior de um dos barracões e registrava os operários que auxiliavam na
construção de parte da fábrica: os homens soldavam peças, carregavam outras, demonstrações
imagéticas do esforço do trabalhador para o progresso do Brasil. Durante esta seqüência a voz
off evidenciava que “no interior de um dos grandes pavilhões a objetiva surpreende momento
de atividade intensa”, e continua “é mais um setor que aqui se abre para a reconhecida
capacidade de energia dos técnicos e operários patrícios no aproveitamento” quando, de
repente, a sonora começa lentamente a subir para que, somente, no final de “e industrialização
dos recursos naturais do país” alcançasse a altura necessária para retomar a eloqüência de
antes. Este artifício, comum neste e em outros cinejornais, tem a intenção de provocar um
“choque” nos espectadores, desviando suas atenções para que, em seguida, regressem à
condição de origem: a percepção afetiva de participação.
Após a seqüência mencionada, novamente a música retomava seu caráter de
transparência, a câmera começava a percorrer o interior de parte da fábrica que já se
encontrava em funcionamento, demonstrando o trabalho de um grupo de fundição. Aqui as
imagens cercam a preocupação do filme em apresentar como as riquezas naturais do Brasil
estavam sendo bem aproveitadas, em um plano geral a objetiva capta uma corrida de ferro
manganês que, segundo a voz-off, oferecia aspectos bastante impressivos — esta era a
intenção que se tinha das imagens, provocar um impacto emocional para que o trabalhador se
identificasse com o outro representado e reconhecesse em seu empenho o desenvolvimento
286
CJB, v. 3, n. 28, 1943.
162
nacional. Para finalizar, a voz-off vinha na cadência do projeto estadonovista, a validez do
empreendimento estava no fato de que sua produção correspondia às necessidades do
mercado nacional. Sobe sonora.
Outro cinejornal que merece atenção é o Resolver o Problema Siderúrgico é
Encaminhar a Salvação de Todos os Problemas Brasileiros: Subscrevam ações da
Companhia Siderúrgica Nacional
287
. Apesar de sua curtíssima duração, que para alguns seria
motivo para descartá-lo de qualquer análise, vejo que reforça as significações postas pelo
programa industrializante do Brasil de Vargas, como mencionado anteriormente. As imagens
são das atividades da Companhia Siderúrgica Nacional, com destaque para a produção de aço
e ferro que recebem um tratamento enobrecedor de uma breve sonora, novamente incisiva,
enquanto a voz off é taxativa em destacar a importância da indústria de base para um país
como o nosso que perseguia o progresso: “nenhuma Nação se emancipa economicamente sem
produzir ferro e aço.”
Ainda a respeito da questão da implantação da indústria de base, o cinejornal Uma
Nova Era Econômica — Volta Redonda: Trabalha-se sem tréguas para a instalação das
usinas siderúrgicas
288
vem complementar e reforçar o discurso da película anterior. Se em
1941 o Estado Novo precisava confirmar por meio do cinema o apoio da Nação às ações da
Companhia Siderúrgica Nacional, em que se alojava a solução para todos os problemas
brasileiros, logo um ano depois, as imagens anunciavam a nova era econômica do país. Em
Volta Redonda os operários trabalhavam sem cessar para que o maior objeto de desejo da
Pátria, do povo brasileiro, assim como acreditava o Estado Novo, pudesse finalmente ser
erguido e mostrar toda sua pujança e modernidade. O filme insistia em repetir o artifício
discursivo da primeira seqüência de Fabricação de Alumínio ..., em que uma panorâmica
contempla as redondezas do local onde seria construída a usina siderúrgica, a objetiva
demarca o espaço de onde a economia nacional iria emergir, onde as imagens do Brasil
atrasado, primitivo e do trabalhador brasileiro indolente e incapaz começariam a serem
sepultadas. Isto demonstra, ao mesmo tempo, um padrão cinematográfico para tratar de uma
mesma temática ou uma falta de criatividade por parte da Divisão de Cinema do DIP, o que
era comum para uma época em que a cinematografia no país ainda suspirava os anseios de
uma industrialização, enfrentava problemas técnicos e não tinha encontrado uma identidade
nacional para suas películas, que somente ocorreria no início dos anos 50, com o cinema
afastado das artimanhas do Estado e procurando retratar nas telas os problemas sociais do
287
CJB, v. 2, n. 15, 1941.
288
CJB, v. 2, n. 119, 1942.
163
país.
289
Ainda a respeito deste cinejornal, veremos que há a predominância de uma construção
fílmica que priorizava a imagem benevolente do “Trabalho”, em que o esforço solidário dos
operários nas obras da siderúrgica encontrava forma na justaposição de cenas de trabalhadores
em conjunto transportando madeiramento e tijolos de um lado para o outro, de máquinas
auxiliando todo o processo e nos primeiros alicerces da fábrica. Reunidos os planos auxiliam
a compor o imaginário que tem na relação Trabalho/Produção/Progresso um elemento
fundador da ideologia do trabalhismo. No final, o filme retoma uma seqüência semelhante à
inicial.
Entre as imagens dos trabalhadores forjadas pelo regime encontramos uma reserva de
fantasia, um instante lúdico em meio ao mito da “doação”. Em Operários Brasileiros — Rio:
A curiosa história da construção de uma pequena locomotiva
290
o DIP abandonava,
momentaneamente, aquela imagem de seriedade, de comprometimento com o progresso
atribuída aos trabalhadores, que antes estavam circunscritos ao universo das fábricas, para
entrar na intimidade da casa do operário João Ferreira Cardoso. Transitava-se, então, do
público ao privado. Assim, ao som de uma música alegre, contente, como aquelas que ditam o
clima das festividades nos circos e feiras populares, surgem na tela, em plano médio, o criador
e a sua criação; alegre por demonstrar no que sua gratidão ao Presidente Vargas tomou forma,
ao longo de cerca de 2300 horas de folga, João Ferreira Cardoso era exemplo, para as
multidões de trabalhadores que assistiam ao filme, do sentido onisciente e onipresente que a
figura do líder assumia ao povo brasileiro, de como o mito da “doação” era reafirmado na
necessidade do operário em retribuir as dádivas do Chefe da Nação. A locomotiva em
miniatura (escala média) era perfeita e completa aos olhos (objetiva) do Estado, como
destacava a voz off, um presente em homenagem a Getúlio Vargas, batizada com o seu nome.
Durante o desenvolvimento do filme deparamos com cenas lúdicas, aparentemente incomuns
para as películas do DIP, a seriedade do esforço físico empregado no trabalhado é substituída
por imagens do próprio operário brincando com sua invenção pelos cômodos da casa. Para
surpreender os espectadores, a câmera acompanhava a pequena locomotiva que desfilava pela
sala transportando uma criança em pé, reforçando em imagens a perfeição da máquina. A
homenagem estava feita. Na tela a representação da devoção dos trabalhadores ao Chefe da
Nação encontrava sua síntese nesta curiosa história, em que “quis ele [o operário] concretizar
289
Esta afirmativa só é reproduzida aqui para que não se cometa erros históricos, pois, acredito que a questão do
nacional no cinema brasileiro, assim como para qualquer outra manifestação artística, é mais complexo do que
imaginamos e não cabe a esse trabalho desenvolvê-la.
290
CJB, v. 2, n. 127, 1942.
164
uma homenagem de gratidão, por tudo que quis [o líder] para seu bem estar e amparo [...] Os
trabalhadores nacionais devem ao Presidente Getúlio Vargas”. Sobe música alegre.
Em outra película, As Comemorações do Dia do Marítimo: Durante a manifestação
que recebeu dos trabalhadores do mar, na Ilha do Viana, o Chefe do Governo pronuncia
importante discurso,
291
deparamos com uma possível confirmação de que os diversos meios
de comunicação eram utilizados pela máquina de propaganda do Estado Novo como meros
reprodutores dos discursos de Vargas, neste caso, pelo menos o cinema. Para Garcia,
292
o eixo
de toda propaganda do Estado Novo era constituído pela palavra falada, os discursos de
Vargas proferidos em inaugurações, comemorações e visitas eram reproduzidos nos mais
diversos meios, como uma forma de reforçar e esclarecer o conteúdo ideológico dos mesmos.
Já Souza
293
não concorda com esta vertente e se apóia no expressivo número de volumes de
textos produzidos pelos ideólogos do regime, reunidos em jornais, livros e revistas, além da
Revista Cultura Política, para afirmar que o eixo seria a palavra impressa. O fato é que neste
filme as poucas imagens disponíveis são de Vargas em um palanque, cercado de oficiais e
ministros, e da multidão de trabalhadores que estavam atentas ao discurso do líder. Assim,
pode até parecer que a forma dada à película, a contraposição das imagens do Presidente no
ato do discurso à da multidão de trabalhadores, durante uns longos 13 minutos, seja um lugar
comum para os olhares críticos da atualidade, mas devemos recordar da precariedade técnica
que dispunham os cinegrafistas da época, assim, como também, de perguntarmo-nos se esta
não era a construção fílmica adequada para responder aos ideais totalitários estadonovistas, já
que se tinha na força diegética das imagens das multidões a representação do Estado uno,
homogêneo e harmônico.
Acredito, porém, que a saída encontrada pelo DIP se tornava cansativa aos olhares dos
espectadores — o que prejudicava a eficácia da mensagem — já que a imagem de Vargas, em
primeiro plano, era constantemente mantida enquanto ele discursava. As imagens dos
trabalhadores surgiam, na maioria das vezes, em momentos de aplausos (confirmações) às
palavras do líder, o que vinha quebrar a monotonia visual existente, mas logo a montagem
devolvia o lugar de destaque ao Presidente. Então, podemos dizer que o DIP não levou em
consideração que assistir atentamente a um discurso político no “calor” dos acontecimentos e
a um filme deste mesmo discurso são experiências perceptivas distintas, cada uma exige uma
linguagem específica. É somente na última seqüência que a construção fílmica é invertida. Ao
291
CJB, v. 1, n. 126, 1940.
292
GARCIA, Op. cit., p. 101-102.
293
SOUZA (1990), Op. cit., p. 304-305.
165
fim do discurso do Chefe da Nação surgia a imagem das multidões de operários que o
aplaudiam, seguida de um plano da bandeira nacional que bailava no ar ao som do hino do
Brasil. Finalmente o círculo era fechado: a representação da identidade nacional era marcada
pela justaposição das imagens de Vargas e da multidão que, ao final da película, encontrava
na bandeira e no hino os elementos da nacionalidade que construiriam a relação
Vargas/Trabalhadores/Nação.
Figuras 1 e 2: Multidão concentrada para ouvir o pronunciamento do Presidente Getúlio Vargas. Fonte: FUNDAÇÃO
Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo,
Funda
ç
ão Cinemateca Brasileira/Im
p
rensa Oficial do Estado, 1982.
p
. 100.
Figura 3: Getúlio Vargas em discurso proferido durante as comemorações do Dia do Marítimo, na
Ilha do Viana. Fonte
: FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento
de Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo, Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa
Oficial do Estado, 1982. p. 101.
166
No tocante ao discurso do Presidente proferido na Ilha do Viana, em junho de 1940, na
festa dedicada ao Dia do Marítimo, solenidade de congraçamento dos trabalhadores do mar, é
importante destacar alguns pontos. Homenageado naquela concentração, Vagas ressaltara que
encontrava na Federação dos Marítimos a legítima expressão da cooperação de diversos
grupos profissionais, o que era motivo para reconfortá-lo e renovar a solidariedade que
depositava nos trabalhadores brasileiros. Vargas acreditava que os operários estavam
dispostos, mais do que nunca, a apoiarem o governo em um momento de inquietação e
apreensão, como ele mesmo evidenciara, em que seria necessário o máximo de vigilância e
coragem serena para definir os rumos da nacionalidade. Para Vargas, o cenário mundial
colocava os povos em alerta para a mobilização de todas as suas energias para que não fossem
sucumbidos pelos acontecimentos e insistia em reafirmar que os brasileiros tinham somente o
propósito de colaboração pacífica e solidariedade com os povos irmãos do continente,
seguindo sua missão histórica idêntica às nações de progresso. Entretanto, ainda em clima de
neutralidade, negociando tanto com os países Aliados quanto com os do Eixo, na tentativa de
financiar as instalações da usina siderúrgica, ele não poderia deixar de ressaltar que “não há,
presentemente, motivos de espécie alguma, de ordem moral e material que nos aconselha a
tomar partido por qualquer dos povos em luta. O que nos cumpre é manter escrita a
neutralidade, neutralidade ativa e vigilante na defesa do Brasil”, que seguido de palmas
continuava dizendo que “ninguém pode dominar a consciência alheia e em consciência cada
qual pode ter a sua simpatia, mas a obrigação de todo brasileiro patriota é conduzir-se, de
modo, a preservar o Brasil da guerra” — novamente acompanhado dos aplausos das
multidões de trabalhadores do mar.
Ao reafirmar suas palavras proferidas em 10 de novembro de 1937, quando da
instituição do Estado Novo, considerando o regime como aquele que mais se adaptou às
circunstâncias da vida contemporânea, Getúlio Vargas ainda destacava que somente pela paz
e pela união de todos o Brasil conseguiria construir o seu engrandecimento e conquistar o
espaço entre as poderosas nações, logo, “os brasileiros poderiam continuar entregues as suas
atividades, certos de que o governo manterá a ordem e assegurará a tranqüilidade elementar
ao trabalho e ao desenvolvimento das nossas fontes de produção e meio de comércio”. No
entanto, o Presidente insistiria em afirmar que o país continuaria cultivando a paz, mas que
estava solidário à defesa comum do continente e disposto a repudiar as ameaças e
intromissões estranhas. Assim, o seu discurso percorria um caminho que pretendia afastar o
Brasil da guerra, mas, justificava o empenho do mesmo em colaborar com a paz mundial,
clima que se acreditava proporcionar o desenvolvimento econômico do país. Portanto,
167
enquanto o governo lutava para manter a ordem e a segurança nacionais, caberia ao
trabalhador brasileiro a salvaguarda do progresso do Brasil, que estava circunscrito a um
futuro “esforço de guerra”, o que levava Vargas a conclamar no final de seu discurso, diante
dos microfones e das câmeras da Cinédia (produzindo filmes inicialmente para o DIP), as
seguintes palavras:
Trabalhadores! Sejam alimentos de colaboração suficiente na obra da
reconstrução a que devotamos, na paz juntai os fossos esforços ao ver
todos os brasileiros para desenvolver e consolidar o progresso
nacional. Na guerra, como reserva das forças militares, terá fosso
lugar na sua fileira, quando as circunstâncias exigirem a repulsa pela
força contra qualquer atentado ao nosso patrimônio moral e material.
[...] E preparemo-nos, com ânimo, para unir, para cumprir o nosso
destino de construtores de uma nova civilização, sempre mais
irmanados no pensamento e na ação, dispostos a correr os mesmos
riscos e sofrer as mesmas ilicitudes, pois é um dever e uma honra o
sacrifício pela Pátria.
Segue os aplausos das multidões de trabalhadores e sobe o Hino Nacional.
Para finalizar as análises dos filmes que tratam da temática do urbano no imaginário
do “Trabalho”, encontramos no cinejornal São Paulo Industrial
294
as marcas de um discurso
que atentava para a imagem de um desenvolvimento industrial brasileiro como o signo da
modernidade, rompendo-se com o estigma do Brasil arcaico, primitivo e atrasado que lhe
acompanhava durante muitas décadas. Um dos sinais de que a modernidade era um objetivo
claro e inevitável para o Brasil daquela época, ou para a sua classe média e sua elite, foi a
reação que houve à restrição ao uso do automóvel durante a Segunda Guerra Mundial. Como
parte das ações para o “esforço de guerra” e a necessidade da criação de um front interno, o
governo decretou em 1944 a produção de gasogênios como resposta à escassez de
combustível, o que não provocou nos proprietários de automóveis uma mobilização, como
desejava o regime. Esta recusa fora inevitável, uma vez que o automóvel já incorporara o
significado do moderno e era o objeto de desejo urbano mais cobiçado, sua restrição seria o
mesmo que impor limites ao próprio progresso, principalmente à circulação rápida em cidades
como São Paulo que já começavam a despontar como metrópoles.
295
294
CJB, v. 1, n. 200, 1941.
295
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano de São Paulo durante a Segunda
Guerra Mundial. São Paulo: Edusp, Geração Editorial, 2000. p. 81.
168
O cinejornal tem início com uma seqüência de cenas aéreas de São Paulo seguidas de
imagens de automóveis, do bonde elétrico e de uma primária multidão de transeuntes que
circulavam pelas ruas, tendo todos os planos cobertos por uma sonora de cadência rápida e de
evolução que ditava o ritmo do progresso. Aqui, a construção fílmica procurava mostrar a
grandiosidade da cidade que se apresentava “aos olhos dos forasteiros, pouco informado,
como produto inequívoco de extraordinárias virtudes humanas”, para depois destacar um
plano das linhas ferroviárias que cortavam as zonas industriais da região, mecanismos que
permitiam o escoamento da produção. A maior preocupação do filme era de informar os
espectadores dos índices que justificavam um Brasil industrializado ou em fase de um
desenvolvimento econômico. As imagens da produção paulista surgiam para completar as
estatísticas e dados fornecidos pela voz off, sendo que havia o predomínio de planos gerais
das máquinas em funcionamento, enquanto as imagens dos trabalhadores apareciam,
casualmente, submergidas no ambiente fabril. Na terceira seqüência do filme, tendo
apresentado a cidade e as linhas de escoamento, a objetiva inclinada percorria as dimensões
de uma chaminé até alcançar o seu ápice, procurando construir a idéia de superioridade,
grandiosidade, amplitude para a indústria nacional, enquanto a voz off afirmava: “o Brasil
possui o maior parque industrial da América Latina. São Paulo figura em primeiro lugar nas
estatísticas de nossa produção [...]”. Em seguida, no interior de uma fábrica de sacos de juta, a
Figura 4: O frenesi das ruas de São Paulo dita o ritmo do desenvolvimento econômico do Brasil.
Fonte: Reprodução - Laboratório de Fotografia da Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do
autor.
169
Figura 5: Os trabalhadores e as máquinas, um cenário de “batalha”. Fonte: Reprodução/ Laboratório
de Fotografia da Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
câmera mostrava em planos gerais as máquinas em funcionamento e, sutilmente, os
trabalhadores começavam a surgir até que na tela, em plano conjunto, suas imagens se
confundiam em meio ao ritmo da linha de montagem, ritmo que os disciplinavam. Logo após
dar destaque à produção de sacos de juta para o abastecimento do mercado nacional de
produtores de café, a locução anunciava, para breve, o surgimento da indústria pesada no
Brasil, até mesmo como um avanço no setor, assegurando o engrandecimento do nosso parque
industrial com a fabricação de máquinas.
Em uma outra seqüência o cinejornal continuava dando ênfase aos produtos nacionais,
neste caso, à indústria de preparo de metais. Segundo a voz-off, o Estado estava muito
satisfeito e alegre por saber que os artefatos de ferro esmaltado produzidos no país eram a
preferência dos construtores de edifícios de luxo. De forma didática e ilustrativa, a seqüência
justapõem vários planos de uma banheira que girava enquanto era esmaltada pelos
trabalhadores para que depois fosse levada ao forno com o auxílio de enorme pegador.
Repete-se o artifício da sonora de cadência rápida. As próximas cenas que surgiam eram da
banheira sendo retirada do forno e novamente colocada em giro para esfriar, justapostas com
imagens dos produtos finais (pias para cozinha e banheiro, privadas, banheiras).
170
Quando se trata da produção paulista de cerâmica a película nos oferece uma
construção fílmica interessante; aqui a música é utilizada como síntese sonora de dois
ambientes distintos encontrados na fábrica. Em um primeiro momento, deparamos com
imagens externas da indústria, onde trabalhadores descarregam a matéria-prima; em seguida,
no interior de um dos pavilhões uma multidão de operários exerce as mais diversas atividades
que são registradas pela câmera, até que a objetiva depara, em primeiro plano, com as mãos
habilidosas e ágeis de um trabalhador que molda os pratos rapidamente. Todas estas imagens
são sobrepostas por uma sonora envolvente, frenética que, ao encontrar o seu ápice, diminui a
cadência, automaticamente, para acompanhar o ritmo lento e cauteloso das imagens do
trabalho feminino na fábrica, em que as operárias eram encarregadas de pintar e dar o
acabamento nas peças (xícaras, pratos). Por meio deste artifício, o filme pretendia propiciar
aos espectadores a percepção do ritmo do trabalho, como se participassem daquela produção
e, conseqüentemente, contribuíssem para o desenvolvimento do país.
Figuras 6, 7 e 8:
A habilidade e a
delicadeza como
“armas” da
produção.
Fonte:
Reprodução/
Laboratório de
Fotografia da
Fundação
Cinemateca
Brasileira.
Arquivo do
autor.
171
No final, a última seqüência se refere à indústria têxtil nacional que, naquele
momento, começava a conquistar o mercado internacional. Novamente, as imagens dos
trabalhadores não surgem como destaque, são sucumbidas pelas das máquinas em
funcionamento. Um plano seqüência chama a atenção entre todas as imagens do interior da
fábrica: a câmera parte de um plano em que as máquinas de fiação ocupam todo o lado direito
do quadro, mas quando ela começa a percorrer o barracão faz com que o quadro seja invadido
por completo; continuando o movimento a objetiva fixa em um plano que, por meio da
perspectiva, cria um campo de profundidade, propiciando uma imagem de infinitude aos
equipamentos, o que sugere a dimensão do aparato industrial brasileiro, a sensação de
grandiosidade que vem representar o progresso do país. Aqui o artifício adotado para
“(des)escrever” a cena gera um misto de infinitude e grandiosidade que procura remeter o
espectador a um sentimento de sublime, no cinejornal as imagens das máquinas enfileiradas
no interior do pavilhão sugerem um tom de magnífico ao projeto nacional-desenvolvimentista
de Getúlio Vargas.
Por outro lado, pouco espaço foi concedido aos trabalhadores nesta película, sendo que
quando se referiu ao esforço destes para o engrandecimento da Nação sobrepôs suas imagens
em meio às máquinas a uma voz off que reafirmava o “mito da doação”:
Figura 9: O infinito como síntese do progresso. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia da
Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
172
Nesta fábrica trabalham 3 mil operários protegidos, como todos os
operários do Brasil, pelas humanitárias leis de trabalho criadas pelo
Presidente Getúlio Vargas. Assegurados seus direitos, eles cumprem
seus deveres sem vacilações, certos de que o engrandecimento
material de sua Pátria está sendo realizado dentro dos mais belos
princípios de justiça social.
As últimas cenas do cinejornal são da saída dos operários da fábrica que repetem o
artifício da câmera em campo de profundidade, sugerindo a força simbólica das multidões de
trabalhadores. Talvez pudéssemos sugerir uma alusão aos primórdios do cinema, aos
primeiros registros de operários feitos pelos irmãos Lumière em Sorties des Usines Lumière
(Saída das fábricas Lumière, 1895).
Já em oposição às imagens do urbano destacava-se o rural nos cinejornais do DIP. Se
no litoral (na cidade) as imagens correspondiam às máquinas, ao universo fabril, ao ritmo
acelerado das metrópoles ditado pelos automóveis e pelo bonde elétrico, como signos de uma
“modernização conquistada”, no sertão (no campo) as imagens da vastidão árida e inabitada
são signos do atraso, da barbárie, mas, ao mesmo tempo, representações que o Estado Novo
quer superar, por isso a presença de elementos do moderno, do avanço no interior do país.
Para os ideólogos do regime o sertão é a “reserva de brasilidade” — a Nação está no sertão —
Figura 10: A “marcha” dos trabalhadores. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia da
Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
173
ou melhor, é o isolamento, a pobreza, o atraso que garante ao campo sua pureza original de
onde o Estado partiria para forjar uma nova Nação, com base em seu projeto nacional-
desenvolvimentista.
Assim, a figura do bandeirante é recuperada como símbolo do nacional. Mito que
representa a “vis propulsiva” da atração que o sertão exerce no homem, mediante sua
exploração econômica e social; a bandeira é sinônimo de mobilização social, de pioneirismo,
de empreendimento. O bandeirante é aquele que atende à voz do Oeste, só por meio de
bandeiras que os recursos técnicos e culturais da capital poderiam chegar aos rincões do
Brasil. O Estado Novo reconhece, portanto, que “o verdadeiro sentido da brasilidade está na
marcha para o Oeste”.
296
Veremos como esta proposição esta posta para a sociedade brasileira
da época nos cinejornais analisados.
Em A Marcha para Oeste — O Presidente Getúlio Vargas chega a Goiânia, iniciando
uma excursão pelas regiões em que o Brasil guarda, ainda, sua selva primitiva
297
as
primeiras cenas são do interventor do Estado de Goiás, Pedro Ludovico, que, acompanhado
por outras autoridades, aguardava a chegada do Chefe da Nação no Aeroporto de Goiânia.
Ainda nesta imagem, vemos em segundo plano uma faixa de saudação ao Presidente: “Salve o
Presidente Vargas”. A seqüência seguinte era composta por uma panorâmica de Goiânia,
destacando o desenvolvimento da cidade, surgindo então um plano geral de Vargas que
caminhava rodeado por uma multidão que pretendia saudar o líder, um misto de autoridades e
populares. Esta imagem era acompanhada da seguinte voz off: “a presença do Chefe da Nação
dá às populações espalhadas no vastíssimo território a certeza de que não estão ao desamparo
e de que a União partira-se em prejuízo exclusivistas a sorte dos Estados”. A visita de Vargas
a Goiás era tomada como a marca de sua onipresença, de um governo que reconhecia a
necessidade de também se dirigir aos povos do interior do país, não os abandonando à sorte.
Com a presença do líder chegava a modernidade, o desenvolvimento, portanto, as próximas
imagens a serem exibidas são de Vargas percorrendo as construções, seguido por uma
pequena multidão. Durante uma seqüência de imagens do Chefe da Nação discursando e
sendo aplaudido por aqueles que o acompanhavam é que deparamos com o projeto
estadonovista declarado: “Interrompe-se desde modo, século de uma descentralização
psicológica que condenou regiões ricas e imensas de população puramente brasileira ao
abandono, ao esquecimento, ao desvio das correntes substanciais da nacionalidade.” É
296
RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste: a influência da “Bandeira” na formação social e política do
Brasil. v. 2, 3ª ed. (1ª edição 1940). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. p. 382.
297
CJB, v. 1, n. 133, 1940.
174
importante ressaltar que todo o filme está permeado por uma música alegre e envolvente que
cria um clima de comemoração, o sentido que o Estado Novo pretendia dar aos seus
empreendimentos no interior do Brasil.
O Presidente visitava as obras da cidade em construção enquanto a voz off destacava
as qualidades da região, não esquecendo de enfatizar “o moderno plano urbanístico” que veio
superar os erros de outros municípios antigos. Nesta seqüência temos imagens das obras da
Santa Casa que, como é ressaltado no filme, ainda não estava completamente construída, mas
já prestava serviços à comunidade local. Outra obra evidenciada em imagens é o Leprosário
que ainda estava em construção, e recebia ninguém. No cinejornal o Leprosário aparecia
como uma ação social do governo frente às precariedades das regiões afastadas, como
demonstrado: “o leprosário que se está construindo é bem o significativo exemplo de como se
estende por todo o Brasil o plano de assistência social do governo”, e se seguia afirmando que
“isto mostra igualmente um dos aspectos do verdadeiro sentido de brasilidade da Marcha para
Oeste”. Ainda percorrendo a cidade, a câmera acompanhava, em um plano geral, Vargas que
transitava pelas obras do Liceu de Artes e Ofícios de Goiânia, instituto de ensino composto
por núcleos de instrução profissional, responsável pela formação dos novos cidadãos daquele
Estado, enquanto a locução destacava o crescimento acelerado de Goiás, que “em dois séculos
de governo próprio foi o receptor dos influxos progressistas do litoral, mas as suas condições
geográficas lhe reservam no futuro uma situação privilegiada de centro irradiador do
progresso”. No Liceu de Goiás o Chefe da Nação era homenageado pelo Prefeito de Goiânia e
encerrava suas visitas sendo recebido pelas altas autoridades e pela sociedade local.
Continuando em ritmo de festividade, ditado pela sonora, o filme tinha como última seqüência
imagens de jovens moças estudantes que, diante de Vargas, efetuavam demonstrações de
cultura física. Imagens que enalteciam a “docilização coletiva dos corpos” em uma sociedade
interiormente identificada com a organização militar.
No tocante à questão da seca no Nordeste, os cinejornais empenhavam em sustentar
um imaginário coletivo em torno da figura de um Estado interventor, que vinha substituir e
repudiar as políticas liberais de amenização dos graves problemas daquela região, que sequer
eram executadas. Segundo Neves,
298
o Governo de Vargas enfrentou duas secas, 1932 e 1942,
porém, cada flagelo exigiu ações emergenciais distintas, conforme as circunstâncias do
contexto histórico nacional e internacional e de acordo com o pacto estabelecido com as
oligarquias locais. Em relação ao Ceará, o autor evidencia que, durante o Governo Provisório,
298
NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas. Revista Brasileira de
História. ANPUH, São Paulo, v. 21, n. 40, 2001. p. 108.
175
a assistência aos retirantes da seca ocupou um evidente segundo plano nas prioridades
governamentais, mas as ações foram sintetizadas em uma maior intervenção nas relações de
mercado e na regulamentação das atividades, substituindo progressivamente a visão liberal de
livre mercado pela noção de que o Estado deveria agir em resposta à desigualdade social,
solucionando os problemas advindos dos saques e das cidades invadidas. Uma nova forma de
ação estabelecida por um novo sujeito coletivo: a multidão. Já em 1942, a política
emergencial aplicada pelo Estado Novo na região contava com a demanda por trabalho para
solucionar o problema da seca e ampliar suas relações com o povo que, apesar da fome e do
desespero, esperava a salvação, pois aquele que o governava era o mesmo que o salvou em
1932. Assim, uma das soluções encontradas foi a emigração. Do semi-árido nordestino,
especialmente do Ceará, o governo arregimentava os trabalhadores que marchariam, nos
moldes da Marcha para o Oeste, para a Amazônia onde formariam o “Exército da Borracha” e
lutariam nos seringais pelo “esforço de guerra”. Em um discurso pronunciado em setembro de
1933 em Fortaleza, quando de sua excursão pelo Norte do Brasil, Vargas destacava a força
produtiva do nordestino:
Pela primeira vez, em grande escala, dispensou-se assistência aos
flagelados, sem o caráter de simples sustento caridoso e sim como
remuneração de trabalho útil. Digna de registro é a admirável
atividade dêsses nordestinos de aço, que, combalidos, fisicamente,
pela miséria e, moralmente, abatidos pela perda do lar e pelas
torturas, a que assistiram, se transformaram em trabalhadores
modelares, realizando, com insignificante aprendizado, obras
técnicas em condições de provocar louvores aos profissionais que as
têm examinado.
299
Entretanto, para Neves, o regime autoritário do pós-30 não pensava diferente de outros
governos que sempre viram as ações da multidão de retirantes sob o viés de um “instinto” que
deveria ser suprimido e, conseqüentemente, extinto. Entretanto, havia uma única e importante
diferença: ao contrário de todos os outros não hesitava no momento de intervir na ordem
econômica, pois, sabia que o desequilíbrio social representava ameaça à ordem política, ao
próprio regime, portanto, à segurança nacional.
300
Assim, veremos como em Flagelo das Secas: O governo do Presidente Getúlio
Vargas soluciona o mais grave problema do Nordeste Brasileiro
301
esta legitimidade buscada
299
VARGAS, Op. cit., v. 2, p. 167.
300
NEVES, Op. cit., p. 114-115.
301
CJB, v. 2, n. 31, 1941.
176
no semi-árido nordestino era transformada em imagens. Inicialmente, a sonora em ritmo
frenético e melancólico determinava o “clima” do filme, sugeria que a tecnologia oriunda da
cidade, por isso, o frenesi, vinha ditar o novo modelo econômico e social dos rincões do
Brasil que viviam, constantemente, assolados pela triste realidade da seca. O filme tinha início
com uma panorâmica de João Pessoa acompanhada por uma voz off que afirmava que, desde
1930, a capital nordestina vinha sendo beneficiada pela ação decisiva da Inspetoria Federal de
Obras Contra a Seca realizada no interior do Estado. Projetos parecidos estariam sendo
desenvolvidos em todas as cidades do Nordeste, o que refletia a determinação do Presidente
Vargas em combater o flagelo das secas.
Logo, a partir da seqüência seguinte o cinejornal evidenciaria, até mesmo como uma
forma didática e informativa, as soluções encontradas pelo Estado Novo para levar
prosperidade e bem-estar ao sertão. Como Vargas tinha apontado em 1933, uma dessas
soluções era a construção de açudes e barragens que poderiam armazenar, nos anos chuvosos,
água suficiente para atender, na época de escassez, às necessidades das populações sertanejas
e manter a fertilidade do solo por meio da irrigação da terra. Assim, as imagens dos açudes
com grande destaque nos cinejornais, eram representações das benfeitorias do regime.
Quando surgiam, na maioria das vezes em plano geral, estavam acompanhadas por um
didatismo que pretendia reafirmar a importância e a grandiosidade de tal obra realizada pelo
Estado Novo:
Figura 11: Uma imagem sublime como resposta ao flagelo dos sertanistas. Fonte: Reprodução/
Laboratório de Foto
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rafia da Funda
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ão Cinemateca Brasileira. Ar
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uivo do autor.
177
O açude Purema é uma das realizações mais significativas daquela
inspetoria. Este gigantesco reservatório tem uma capacidade total de
720 milhões de metros cúbicos. Esta aparelhado com que há de mais
moderno na construção de barragem de seu tipo. Os trabalhados para
instalação de sua construção foram iniciados em 1936. Este açude
pertence ao sistema do Alto Piranha que compreende o conjunto de
obras destinadas a irrigar aproximadamente 20 mil hectares de terras
do Vale do Rio Piranhas nas imediações da cidade de Sousa. As águas
do Purema destinam-se a alimentação dos canais de várzeas de Sousa.
A altura de suas barragens é de 50 metros, sendo de 14 mil metros
cúbicos a sua capacidade de irrigação por hectare.
O artifício que ligava esta seqüência do açude à próxima era a sonora que partia de
uma cadência moderada para, ao som de tambores e cordas, anunciar uma nova construção
fílmica. Desfilavam pela tela tratores transportando terra em uma larga avenida, um deles
passava diante da objetiva invadindo todo o quadro — novamente no cinejornal procura-se
atribuir às imagens um sentimento de sublime, em que opera a sensação de grandiosidade —
para depois abandoná-lo e deixar, em breves instantes, o predomínio geral da paisagem árida.
Outras máquinas têm destaque na película, como escavadeiras e tratores de rolo
compressores. Em uma cena a objetiva fechava o quadro no primeiro plano de três rolos
compressores puxados por um trator que, assim que se movimentava, distanciava-se do plano
em uma interessante demonstração dos preparativos para a construção das estradas de
Figura 12: As máquinas abriam as primeiras estradas por onde o interior vislumbraria a “civilização”.
Fonte: Re
p
rodu
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ão
/
Laboratório de Foto
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rafia da Funda
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ão Cinemateca Brasilei
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a. Ar
q
uivo do autor.
178
rodagem que ligariam o nordeste do país com a capital. A estrada resolveria os problemas de
comunicação da região e, segundo os ideólogos do regime, seria o elemento civilizador, além
de contribuir para a unidade nacional, “extinguindo” quaisquer desejos regionalistas.
Para ilustrar como o Estado Novo conseguia se projetar no imaginário do trabalhador
brasileiro, criando nele a necessidade de empenho e solidariedade para que o Brasil pudesse
alcançar o desenvolvimento econômico, como relata o Interventor do Amazonas Alvaro Maia
em Na Vanguarda da Retaguarda um “causo” exemplar. Nele fica evidente que,
independentemente das circunstâncias, o esforço do operário na construção de estradas era
uma obrigação, um dever para com a Pátria:
No hospital de Humaitá, em leito confortável, encontrei um jovem
seringueiro de “Muanense”, florestário atlético e brônzeo, que se ferira
dias antes, num golpe falso, quando reabria uma ‘estrada’: — Você
ficará bom. Pense que é um soldado ferido, quando combatia
heroicamente. Terá de voltar às seringueiras [...]. — Só fiquei danado,
porque o golpe foi no joelho e eu não posso andar. Se fosse no peito,
estava na volta da estrada uma hora desta [...].
302
Assim, concentrando as imagens nas benfeitorias Flagelo das Secas... procurava
reafirmar que “o presidente Getúlio Vargas não tem poupado esforços no sentido de combater
energicamente o terrível defeito da seca”. Assim, após uma seqüência que justapõe os
diversos planos de homens medindo estradas, de pontes, de açudes e da cidade, surgia uma
nova seqüência que era marcada por uma sonora de cadência envolvente, nela as benfeitorias
voltavam a ser destacadas. Um plano seqüência tinha início com a objetiva aberta em um
açude, contemplando sua vastidão (mais uma vez procurava-se operar o sentimento de
sublime); a câmera começava a movimentar e percorrer rapidamente o caminho do açude até
deparar com um plano geral de uma ponte, logo substituído por dois primeiros planos de um
casal de sertanista que abastecia seus latões de água; primeiramente a mulher que erguia a saia
para que não se molhasse e, em seguida, o homem que saía do canto esquerdo do quadro para
acomodar os latões de água em um jegue. Aqui, o açude era a representação de prosperidade
para aquela região e uma solução para o problema da seca, reforçada com as imagens
seguintes de um plano geral do açude, retratando a grandiosidade de sua dimensão.
302
MAIA, Op. cit., p. 131.
179
Figuras 13 e 14: A prosperidade chega ao sertão pelas ações do “salvador” Getúlio Vargas. Fonte:
Re
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rodu
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Laboratório de Foto
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ão Cinemateca Brasileira. Ar
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uivo do autor.
180
Em outra seqüência, a objetiva percorria os canais de um açude que conduzia os
olhares dos espectadores a uma área irrigada onde se plantava e colhia laranja e algodão; as
imagens dos canais justapostas às imagens das plantações novamente buscavam enaltecer as
ações emergenciais aplicadas pelo governo na região. Em imagens aparecia a resposta àqueles
que não acreditavam ser possível dar frutos em uma terra tão árida e inóspita como o sertão
nordestino. No final, o cinejornal retomava algumas cenas de máquinas trabalhando na
construção das estradas de rodagem e, novamente, insistia nas imagens grandiosas dos açudes,
destacando sua capacidade de armazenamento e abastecimento das famílias sertanejas. Para
acompanhar estas cenas, uma voz off apontava os gastos do governo com as obras contra a
seca, mas tratava de evidenciar que as cifras de nada representavam diante da riqueza que as
obras subsidiadas produziriam à Nação, como também “diante do bem-estar e da elevação do
padrão de vida de milhares de brasileiros que se vêem agora em seu ritmo progressista que
anima o nosso país, sob a orientação suprema do presidente Getúlio Vargas”. Aqui, imagens e
voz off, mais uma vez sobrepostas por uma sonora envolvente evoluindo gradativamente,
encerravam o cinejornal como signos visuais e sonoros de um programa nacional-
desenvolvimentista para o Brasil dos anos 40, que encontrava na solução dos problemas da
seca um instrumento legitimador do regime.
Figura 15: O Estado Novo se refugia na grandiosidade dos açudes. Fonte: Reprodução/ Laboratório de
Foto
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ão Cinemateca Brasileira. Ar
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uivo do autor.
181
Resolver o problema siderúrgico e dar respostas ao flagelo das secas constituíam os
dois lados de uma mesma moeda para o Estado Novo: a legitimação. Transformados em
imagens cinematográficas alimentavam o imaginário social dos brasileiros, o empenho do
“Todo” à industrialização correspondia à superação do estereótipo do Brasil atrasado e ao
único caminho para que o país conquistasse seu lugar de destaque entre as poderosas nações,
já o sertão era retomado pelo Estado como o reduto do nacional, mas uma brasilidade que
deveria ser moldada segundo o olhar civilizador do litoral. Desta forma, ambas as imagens
correspondiam à via propulsora que elevaria o país à condição de potência econômica.
Portanto, mesmo que não contemos com uma presença marcante dos trabalhadores no
cinema estatal — como era comum esperarmos que o DIP representasse nas telas a política
trabalhista de Vargas — temos que diante das imagens do “Trabalho” e do “Trabalhador”
construídas pela propaganda estadonovista, era comum tanto na temática urbana quanto na
rural a predominância do elemento do “Novo”, do “moderno”; imagens que buscavam
projetar nas multidões de espectadores o desejo de um objeto comum: a modernização da
Nação.
3.2.2 – Esforço de guerra: (con)vencer é preciso!
A guerra não pode jamais ser separada deste espetáculo mágico
porque sua principal finalidade é justamente a produção deste
espetáculo: abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é
infligir, antes da morte, o pânico da morte. [...] Não existe, portanto,
guerra sem representação ou arma sofisticada sem mistificação
psicológica, pois, antes de serem instrumentos de destruição, as armas
são instrumentos de percepção, ou seja, estimulantes que provocam
fenômenos químicos e neurológicos sobre órgãos do sentido e o
sistema nervoso central, afetando as reações e a identificação e
diferenciação dos objetos percebidos.
303
Assim, como em Paul Virilio, a idéia de percepção perpassa todo este trabalho, aqui o
cinema é tido como um dos principais dispositivos legitimadores de que fizeram uso os
regimes autoritários, fundamentalmente, por ser capaz de provocar na multidão de
espectadores um processo de identificação, porém, não apenas com o representado, mas com
o próprio espetáculo cinematográfico. É o olhar do espectador que autoriza a identificação.
Segundo o autor a objetiva levada para o front transformou o campo de tiro em campo de
303
VIRILIO, Op. cit., p. 12.
182
filmagem, capturava-se nas películas um cenário que, normalmente, estaria fora do alcance
dos civis, mas que na condição de espectadores seriam capazes de desfrutar de alguns
instantes de um “terror tolerável”. Nas telas a própria idéia (imagem) da morte tornava-se
amena, passível de ser consumida, pelos acomodados espectadores que, nas poltronas da sala
escura, experimentavam as mais diversas sensações encontradas em um campo de batalha —
por mais que se tratem de tempo e espaço diferentes — conscientes de que não corriam
nenhum risco, de que não seriam vítimas das crueldades dos inimigos. Neste caso, todos os
elementos que compõem a experiência perceptiva do cinema — sala escura, projeção e tela —
auxiliavam os espectadores a se identificarem com imagens sublimes da guerra, uma vez que,
segundo Burke, tudo que seja de algum modo capaz de incitar as idéias de dor e de perigo, ou
que sejam análogos à idéia de terror (tolerável), produzem “a mais forte emoção de que o
espírito é capaz”: o sublime. “Quando o perigo ou a dor se apresentam como uma ameaça
decididamente iminente, não podem proporcionar nenhum deleite e são meramente terríveis;
mas quando são menos prováveis e de certo modo atenuadas, podem ser — e são —
deliciosas [...].”
304
Entretanto, ao público brasileiro das salas de cinema não foi proporcionado este deleite
— não por esse viés — o DIP enviara cinegrafistas e fotógrafos para o teatro de operações na
Itália, mas de lá as únicas imagens que atravessaram os mares mostravam os pracinhas em
pose de combates. Os cinejornais do Estado Novo procurariam outro tipo de imagem para
suscitar o sentimento de sublime entre o povo brasileiro e, por outro lado, investiriam em
imagens belas, uma vez que são “capazes de despertar em nós um sentimento de afeto e
ternura [...]”,
305
afetividade que, como vimos, provoca-nos um desejo de participação, de nos
tornarmos mais próximo do outro, de compartilharmos com o outro um mesmo sentimento.
No caso do Estado Novo, a idéia-imagem da Pátria/Una.
Para Bonalume,
306
com a formação da Força Expedicionária Brasileira, FEB, surgiu
um novo alvo para as objetivas do DIP. Em um primeiro momento, o Governo Vargas
manteve o interesse em controlar tudo que se publicava no país sobre a participação do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, proibindo até os jornais de enviarem correspondentes ao cenário
da guerra, mas, logo cedeu às pressões. Assim, acompanhando os repórteres encarregados do
texto, o DIP enviou cinegrafistas e fotógrafos, entre eles Fernando Stamato e Horácio de
304
BURKE, Edmund (1757) Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do sublime e do belo.
Trad. Enid Abreu Dobránszky. Campinas, SP: Papirus, 1993. p. 48.
305
Idem, Ibidem, p. 58.
306
BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra: os brasileiros em combate, 1942-1945. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 24-25.
183
Gusmão Coelho Sobrinho. A equipe de imagem era composta, ainda, pelo norte-americano
Alan Fisher, da Coordenação de Assuntos Americanos — todas as fotografias da FEB
publicadas na imprensa brasileira durante o desenrolar do conflito mundial que possuem o
carimbo com as iniciais SHI pertencem às objetivas do Serviço de Informação do Hemisfério,
departamento que integrava a agência de divulgação dos EUA. No entanto, segundo o autor,
não há fotografias que mostrem os soldados brasileiros em ação, seja por que os fotógrafos
brasileiros não eram autorizados pelo comando militar a acompanharem as tropas em patrulha
ou porque os mesmos não tinham coragem de se arriscarem na linha de frente da batalha. “Há
muitas fotos que mostram soldados da FEB em poses de combate. São geralmente isso: poses,
fotos montadas feitas na retaguarda para mostrar à população no país como lutavam seus
soldados. [...] Em algumas das piores dessas fotos é fácil perceber a armação. Um soldado
aponta a metralhadora por sobre um monte de neve; atrás dele outros soldados conversam.”
307
O mesmo se repetiu com as imagens cinematográficas do DIP, como já mencionado.
As poucas referências aos soldados brasileiros são de quando eles ainda se encontravam em
terras brasileiras; em algumas cenas eles aparecem em movimentos de treinamentos, jogam-se
no chão, atiram, rastejam, pilotam tanques, jipes e aviões, tudo na tentativa de demonstrarem
que o Brasil já se encontrava apto para integrar as forças aliadas. Quando o soldado brasileiro
parte para o palco de guerra na Europa vê-se a necessidade de apresentar, em imagens, o
surgimento de novos atores:
Antes da ida para a Europa, as manobras envolvendo soldados,
marinheiros, oficiais das diversas Regiões, cadetes de Realengo ou das
esquadras naval e fluvial, evoluirão do plano estático da exibição de
força [...], para demonstrações mais complexas do preparo para o
ataque [...] ou da defesa nacional (Fábrica de Projéteis do Andaraí,
[...], patrulhamento aéreo do Atlântico, [...], etc.). Mas, quando o CJB
[Cine Jornal Brasileiro] chega aos preparativos para o ataque,
passando da guerra de posições para o uso extensivo dos blindados e
aviação, é hora de esquecermos as imagens anteriores e prestarmos
atenção à nova unidade de guerra que surge: a Força Expedicionária
Brasileira — FEB.
308
Para Souza, o que os cinejornais pretendiam destacar era o aparecimento da imagem
do “guerreiro”, daquele que estava preparado para combater os inimigos externos. Nas telas as
demonstrações de cultura física dos recrutas tratavam de assegurar a capacidade das Forças
Armadas do Brasil em equipar e forjar os seus soldados. Aqui, a pedagogia militar implicava,
307
BONALUME NETO, Op. cit., p. 26.
308
SOUZA (1990), Op. cit., p. 360.
184
segundo o autor, em não mencionar, de forma alguma, a palavra “guerra” aos recrutas
enquanto estes estivessem nos quartéis em fase de treinamento. Podia-se falar em
“organização defensiva”, ou então, que os recrutas teriam oportunidades de “repelir qualquer
ameaça às conquistas pacíficas da nação”. Neste caso, a mobilização para a guerra tinha um
grande significado para os ideólogos estadonovistas, uma vez que acreditavam que a adesão
às instituições do Estado, como a Força Armada, representava a solução para vários
problemas sociais do país. Ou seja, os recrutas que, na sua maioria, eram oriundos das classes
populares ao ingressarem nos quartéis espalhados por todo o território nacional não seriam
mais vítimas da desnutrição, da fome e do analfabetismo que assolavam a sociedade
brasileira, além de que submetidos à educação militar os soldados brasileiros se tornariam
verdadeiros “guerreiros”, conhecedores das mais modernas estratégias de guerra.
309
Desta forma, os cinejornais ao exibirem imagens dos soldados em plenas atividades de
cultura física, enaltecendo seus corpos saudáveis, anunciavam o desejo do Estado, segundo
Lenharo, de atribuir às suas instituições militares a missão de criar o homem brasileiro, dirigi-
lo e governá-lo integralmente. As imagens sugeriam um único caminho: a docilização coletiva
dos corpos e a identificação da sociedade brasileira com a organização militar.
310
Logo,
enquanto a metáfora do corpo era utilizada pelos propagandistas do Estado Novo como forma
de justificar a subjugação das partes em relação ao todo, a idéia de organização se
manifestava como totalidade negadora das autonomias das partes, ou seja, procurava-se
plantar no terreno do imaginário social o impulso pelo sacrifício. Sacrifício pela Pátria que,
por sua vez, sugeria um sentimento sublime. Aqui, novamente o Estado valia-se da
fantasmagoria do “Todo Orgânico”. Inspirada nas imagens dos soldados a sociedade brasileira
compunha um único corpo saudável, que a qualquer sinal de moléstia deveria eliminá-la, pois,
desta forma, a estrutura orgânica social seria preservada. Por isso, a ênfase do regime ao tema
do corporativismo, em que os sindicatos e as associações aparecem como redutos inibidores
da condição de classe do trabalhador. “A ordem corporativa proposta vinha confirmar, como
se declarava então, a substituição do negativo conceito de luta de classes pelo conceito
positivo de colaboração de classes.”
311
Então, o que se viu depois da criação da FEB foi a difusão da imagem do soldado
brasileiro como modelo a ser imitado como padrão de comportamento para o trabalhador e
para o cidadão comum. Em 1942, o sacrifício de horas, a mais, exaustivas, de serviço dos
309
SOUZA (1990), Op. cit., p. 365-368.
310
LENHARO, Op. cit., p. 80.
311
Idem, Ibidem, p. 22.
185
trabalhadores nas fábricas, que interessavam à produção e à defesa nacional, conforme
critérios do próprio governo, era uma medida que vinha auxiliar ao “esforço de guerra” do
Brasil. Para Lenharo,
312
havia uma preocupação com o corpo enquanto instrumento de
trabalho, transformava-se o trabalhador no “soldado da produção” objetivando a ampliação
progressiva da produtividade. Os operários militarmente disciplinados caminhavam para uma
nova condição, a de consumidores, na qual não teriam o direito a politizar a sua própria
realidade. Segundo Paranhos, não era permitido aos operários pensar em greves e qualquer
sinal de ociosidade ou malandragem seria interpretado como crime contra a Pátria/Una e os
indivíduos considerados desertores; no caso de estrangeiros, eram vistos como sabotadores.
No entender do Governo Vargas, o dever das classes trabalhadoras era de engajar-se na
“mobilização econômica”.
313
Assim, as imagens do trabalhador e do soldado se completavam
uma na outra, enquanto a primeira “doava-se” na linha de produção, a segunda não media
esforços no combate às tropas do Eixo.
Nos cinejornais esta mesma associação Trabalhador/Soldado se repetiu, até mesmo
como substituta das inexistentes imagens dos pracinhas em combate. Ao invés de mobilizar
por meio de um “terror tolerável”, como preferiram os alemães em seus filmes de guerra, o
Estado brasileiro procurou uma mobilização no cinema que contasse com um outro cenário e
um outro som: ao invés de cenas eloqüentes dos campos de batalhas e dos ruídos da artilharia,
explorava as imagens das fábricas com suas máquinas, ditando o ritmo da produção aos
operários nelas submergidos. A intenção do Estado Novo era de criar um clima interno de
guerra favorável à decisão do governo de enviar os soldados brasileiros à Itália para lutar
contra as “forças inimigas”. Procurava-se, então, consolidar entre os trabalhadores uma
“reserva de mobilização”, uma vez que, segundo Paranhos,
314
na hipótese de agravamento da
crise política das instituições estadonovistas, acreditava-se na necessidade de recorrer às bases
de apoio do governo, representadas pelas classes trabalhadoras, aqui despolitizadas. Desta
forma, várias medidas foram adotadas pelo Estado Novo neste sentido, entre elas o chamado à
sindicalização reforçava a estratégia estatal para a formação desta “reserva de mobilização”.
Assim, assegurava-se uma transição para o regime democrático de maneira conveniente a
Getúlio Vargas e seus seguidores.
Entre outras imagens mobilizantes no cinema do DIP destaca-se a criação do inimigo
externo, os alemães em especial. Os indicativos imagéticos deste apelo ao mito político do
312
LENHARO, Op. cit., p. 84.
313
PARANHOS (1999), Op. cit., p. 184-185.
314
Idem, Ibidem, p. 185.
186
“Inimigo” nos cinejornais — como veremos mais adiante — vinham oferecer ao povo um
objeto para odiar, logo, era com base neste sentimento de ódio pelo outro que se procurava
motivar a consolidação de um front interno no Brasil. Na verdade, o Estado Novo optava por
uma prática um tanto comum, uma vez que
Em época de guerra, a propaganda no cinema se volta primeiro para a
frente interna, onde não se travam batalhas mas há uma necessidade
definida de agressividade. Isso é satisfeito fornecendo na tela objetos
legítimos e concretos para odiar. Quaisquer sentimentos de culpa
latentes são diluídos pela indignação que justifica o ódio. Finalmente,
a equanimidade e o equilíbrio da platéia são restabelecidos pela
execução gráfica de atos de violência que ela gostaria de ver
cometidos contra o objeto de ódio.
315
E os brasileiros tinham muitos motivos para odiar. Como vimos, a posição de
“neutralidade” do Governo Vargas diante do conturbado cenário mundial foi mantida como
forma de negociar entre os dois países imperialistas, os EUA e a Alemanha, o financiamento
da instalação da primeira indústria siderúrgica no país, item indispensável para o projeto
político-econômico desenvolvimentista do Estado Novo. A Política de Boa Vizinhança
adotada pelos norte-americanos no Brasil tratou de aproximar os interesses de ambos os
países, logo, em 1940, o Governo Vargas começava a receber os incentivos para a construção
da Companhia Siderúrgica Nacional. Entretanto, a suposta “neutralidade” do Estado Novo
começava a desmoronar-se com os atentados dos submarinos alemães aos navios brasileiros.
Como saldo da guerra que o Eixo decretara ao comércio dos Aliados, o Brasil, em meados de
julho de 1942, já tinha perdido 13 embarcações. Tudo já indicava a entrada do Brasil na
Segunda Guerra Mundial, os EUA já tinham fixado bases militares no Nordeste e
reaparelhado as Forças Armadas brasileiras, mas ainda restava um último golpe dos alemães
que causaria comoção nacional. Segundo Bonalume,
316
no mês seguinte, um único submarino
nazista, o U-507, afundou em poucos dias cinco navios e um pequeno veleiro, contabilizando
cerca de 600 mortos. Entre as vítimas dos navios torpedeados, 270 mortos eram soldados do
Exército que embarcaram no Baependy com destino ao Nordeste. Já o Araraquara e o Aníbal
Benévolo tiveram 131 e 150 mortos, respectivamente. O U-507 ainda afundara uma outra
embarcação, o Itagiba, resultando em 36 mortos, e enquanto o Arará socorria os
sobreviventes ele também virara alvo dos torpedos alemães, tendo 26 mortos. Já o pequeno
veleiro Jacira, com seus seis tripulantes, foi o único que não teve vítimas fatais.
315
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 204.
316
BONALUME NETO, Op. cit., p. 43.
187
Não há dúvidas de que este fato motivou na época uma repulsa popular aos alemães no
Brasil, o povo cobrava do Estado uma retaliação, mas que só veria ocorrer em 2 de julho de
1944 quando 5081 soldados brasileiros embarcaram no navio transporte de tropas americano
General W. A. Mann, com destino à Itália. Portanto, a propaganda do Governo Vargas, ao
fazer uso de imagens sublimes, procurava explorar nos cinejornais sentimentos latentes nos
indivíduos, como o ódio e a compaixão, canalizando-os para a figura do inimigo político
externo, os alemães. Ou seja, bastava ao dispositivo cinematográfico atualizá-los.
Em 1942, já surgiam sinais das primeiras manifestações das forças de oposição que
pretendiam pressionar o governo pela entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados, como a
mencionada passeata antitotalitária da UNE, no Rio de Janeiro, em 4 de julho. A luta pela
“democratização” no país aproveitava-se da própria ruptura no Governo Vargas, de um lado
havia um grupo liderado pelo Ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, que era
favorável aos Aliados, e um outro que tendia para o Eixo e que tinha como líder o Ministro da
Justiça, Francisco Campos. Esta situação conflituosa entre os dirigentes da ditadura
estadonovista, acompanhada das constantes acusações de que a cúpula do governo contava
com adeptos do fascismo, forçou Getúlio Vargas a demitir Francisco Campos, o Chefe de
Polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, e o diretor-geral do DIP, Lourival Fontes.
Então, decretada a entrada do Brasil no conflito mundial eram iniciados os
preparativos para o envio do primeiro contingente de soldados brasileiros que enfrentariam as
tropas inimigas do Eixo. Segundo Corsi,
317
a criação da FEB em 1943 não passou de uma
estratégia política do Governo Vargas de conseguir dos EUA um maior fornecimento de
armamentos para a modernização das Forças Armadas e de projetar o Brasil
internacionalmente. No entender de Pinheiro, o envio dos pracinhas para a Itália significou a
continuidade do “esforço de guerra” que o Brasil já vinha realizando no campo da política, da
economia e do ideológico. Mas, agora, tratava-se da participação militar dos brasileiros
diretamente no conflito, o que buscava reafirmar o desejo tão sonhado pelo Estado Novo de
projetar o país no rol das grandes potências mundiais. Ou seja, “o envio da FEB ao teatro de
operações veio coroar um processo que se iniciara quase quatro anos antes, mas que se
constituiu igualmente em ponto de partida para uma nova etapa, qual seja, a da busca por
parte do governo brasileiro de participação nos arranjos do pós-guerra, em função da
instituição da nova ordem mundial.”
318
317
CORSI, Op. cit., p. 230.
318
PINHEIRO, Letícia. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Revista USP, n. 26, jul./ago. 1995. p.
117.
188
Para a autora a participação militar do Brasil na Segunda Guerra Mundial viabilizou o
reequipamento das Forças Armadas, como também fortaleceu o Governo Vargas, mesmo que
momentaneamente, além de ampliar o poder e o prestígio das suas instituições civil e militar.
No entanto, não correspondeu ao objetivo maior de influir na construção da nova ordem
internacional. Logo após o término do conflito foram dados alguns créditos ao Brasil
enquanto potência aliada, o país participou da Conferência de Paz de Paris em 1946 e obteve
um assento no Conselho de Segurança na recém-criada Organização das Nações Unidas
(ONU), mas nada disto indicava um verdadeiro poder ao Brasil em compartilhar das decisões
mundiais.
Em relação à tentativa do Estado Novo em mobilizar a sociedade brasileira para a
criação de um front interno vê-se que se tratava de um efeito legitimador do regime que já
sofrera as suas primeiras baixas ministeriais. O governo percebendo o clamor do país a um
retorno à democracia pressentia que, com o fim do conflito mundial, seria difícil manter
estável uma ditadura no país. Logo, buscavam-se diversos mecanismos para atingir o objetivo
de construir uma base sólida que assegurasse uma transição tranqüila para o Presidente
Getúlio Vargas. Para Luiz Carlos Prestes, em um de seus últimos depoimentos, Getúlio
Vargas demonstrou ser um político hábil ao enviar a FEB ao campo de batalha na Europa,
uma vez que naquele momento já se configurava uma intenção, tanto nacional quanto
mundial, de liquidar com o nazi-fascismo. Prestes não compartilhava da posição adotada pela
União Democrática Nacional (UDN) que acreditava que antes de mandar os soldados
brasileiros era preciso acabar com o fascismo no Brasil, pelo contrário, no seu entender, a
própria conjuntura exigia que os países olhassem para a humanidade que, por sua vez,
desejava se libertar da peste nazista.
Ou seja, com a derrota do nazi-fascismo mudanças seriam operadas na política
brasileira, Vargas teria que “pagar a conta” renunciando ao cargo, pois no pós-guerra não
caberia uma ditadura de cunho fascista. Mas, segundo Prestes, o Presidente Vargas
prevenindo-se de uma derrocada encontrou nas imagens das tropas da FEB um instrumento
propício, naquele momento, para tornar a sociedade brasileira solidária com uma causa
nacional, forjando no seu cerne um “exército de reserva de mobilização”. O Governo Vargas
seria definitivamente o governo dos pracinhas.
319
Para sustentar a imagem do Estado Novo associada à da FEB, como a representação da
contribuição do povo brasileiro na solução da paz mundial, o governo procurava transformar a
319
PRESTES, Anita Leocádia. Getúlio Vargas: depoimento de Luiz Carlos Prestes. In: SILVA (1991), Op. cit.,
p. 96-97.
189
escassez relativa, seja a do pão ou do petróleo — aqui instrumentalizada politicamente — em
uma sensação de escassez objetiva, assim como a ocasionada pelo conflito na Europa,
acreditando que, desta forma, propiciaria uma experiência coletiva da guerra. Assim, segundo
Cytrynowicz, as iniciativas do governo para a criação do front interno procuravam mobilizar a
população segundo os ideais do Estado Novo, no entanto, quando o autor procurou vestígios
desta frente de batalha interna em São Paulo deparou com uma realidade bastante distinta: “A
escassez de pão não significou fome em São Paulo e predomina um registro de memória leve
e divertido na lembrança das filas, mais atento aos causos do cotidiano e mecanismos para
burlar as restrições à venda, como os padeiros ‘amigos’ que entregam pão por fora”.
320
O que
houve foi que alguns fatores como a própria inexistência de combates militares dentro do país,
a ida dos soldados para combates reais na distante Europa, além do governo recusar-se a um
alinhamento total para não pôr em risco o regime, apontavam para uma sensação de
irrealidade da guerra, ou seja, dificilmente o brasileiro se mobilizaria mediante privações. O
Governo Vargas utilizaria de outros mecanismos. Entre as tentativas do governo de
implementar políticas de mobilização ou efeitos de mobilização, destaca-se a apropriação da
imagem da multidão pelo Estado Novo que, em todas as suas instâncias representativas, os
indivíduos nos surgem como “cristais de massa”, ou seja, necessitam de ser reconhecidos em
sua totalidade, como um objeto duradouro e jamais alterado (tratarei deste conceito mais
adiante). Assim, segundo Cytrynowicz, o Governo Vargas aproveitou-se da estrutura sindical
e dos comícios de Primeiro de Maio, aqui ritualizados no mito da “doação”, para convencer o
país de que havia uma adesão ao regime e uma mobilização para a guerra. Para isto, a
montagem estatal operava com a seguinte imagem, no entender do autor:
A multidão era disciplinada na rua, nas filas cooptada pela máquina
previdenciária dos sindicatos oficiais, organizada nos desfiles das
escolas de samba evocando temas nacionais, submetida à disciplina
militar no interior das fábricas, educada para usar sapatos e marchar,
tomar vitaminas e ter saúde eugênica, adestrada nos quartéis
preparados para lutar na Europa, a percepção da multidão era sentida
como uma ameaça, mas também era o que possibilitava a imposição
de uma certa ordem — econômica — e de um certo modelo político,
em que a mobilização, a fila, a apologia do trabalho militarizado, o
desfile organizado e o alinhamento foram impostos, criando o que se
pode considerar o “front interno” paulistano na Segunda Guerra
Mundial.
321
320
CYTRYNOWICZ, Op. cit., p. 54.
321
Idem, Ibidem, p. 87.
190
Ainda em relação à Força Expedicionária Brasileira, nota-se que o único momento em
que o Estado Novo não se interessou pela imagem mobilizadora da FEB foi quando do seu
retorno vitorioso da Itália. Ao contrário do que se esperava, a propaganda do DIP preferiu não
fazer um alarde da imagem gloriosa dos pracinhas, restringindo-se à recepção calorosa do
povo brasileiro aos soldados patrícios e a uma ou outra condecoração ou homenagem do
Presidente Vargas aos feridos de guerra. A justificativa desta atitude, um tanto contraditória,
estava no próprio significado atribuído à volta da FEB. Segundo Bonalume, o Governo
Vargas acreditava que o retorno dos expedicionários ocasionaria um choque político no país,
temia-se que eles tramassem contra o regime. Mediante esta suposta ameaça, o primeiro
contingente de soldados brasileiros a desembarcarem no Rio de Janeiro em 18 de julho 1945
já não mais integrava a Força Expedicionária Brasileira, que tinha sido extinta em 6 de julho,
quando as tropas ainda estavam na Europa.
322
Diante disto, os assuntos dos cinejornais aqui analisados demonstram, primeiramente,
a preocupação do Estado Novo em criar o inimigo externo, uma vez que já havia investido
muito na idéia-imagem do Anticomunismo, e, em seguida, a busca por projetar nas telas mais
o esforço operado pelos trabalhadores militarmente disciplinados nas fábricas — a imagem do
“soldado da produção” — do que a participação militar direta do Brasil no conflito mundial.
Assim, ao justapor os fragmentos das crueldades “totalitárias” de que tinham sido vítimas os
navios brasileiros aos da “batalha” efetuada no campo da produção industrial — sinalizando o
caminho do progresso nacional —como aos das demonstrações de cultura física dos soldados
brasileiros e do aparelhamento das Forças Armadas, o Estado Novo por meio dos cinejornais
não só criava o front interno, mas pretendia se fazer, mais uma vez, presente no cotidiano dos
brasileiros. Por um lado, as imagens objetivavam reafirmar a idéia de que a entrada do Brasil
na Segunda Guerra Mundial era mais um resultado da sensibilidade do Presidente Getúlio
Vargas aos anseios populares do que um alinhamento com os EUA, motivado pelo
financiamento do projeto econômico estadonovista e pela modernização das Forças Armadas;
por outro lado, o envio dos pracinhas era a confirmação de que as Forças Armadas cumpriam
a sua tarefa de forjar o homem brasileiro, o “guerreiro” viril, aquele que conhecendo as
modernas técnicas de guerra lutaria na Europa com o “mais profundo patriótico espírito de
sacrifício”. Aqui, as instituições civil e militar representavam um Estado que, não apenas
intervinha nas questões nacionais, mas que também participava ativamente como uma das
Nações responsáveis por eliminar qualquer vestígio das “forças cegas e brutais da barbárie”.
322
BONALUME, Op. cit., p. 217.
191
Figuras 16 e 17: Uma multidão de brasileiros revoltosos saiu às ruas em protesto contra as atrocidades dos alemães.
Fonte: FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e Propaganda 1938-
1946. São Paulo, Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa Oficial do Estado, 1982. p. 127.
Quando o povo saía às ruas para manifestar a sua repulsa às agressões “totalitárias”, lá
estava a câmera do DIP pronta para registrar cada fragmento de um protesto que, ao ser
reconstruído nas telas, ganhava um sentido de comoção nacional. As seqüências iniciais de
Afundamentos em Águas Brasileiras! — Rio: As Primeiras manifestações do povo contra os
brutais atentados dos submarinos do Eixo,
323
cinejornal exibido em 1942, buscam
exaustivamente, em planos gerais, diferentes imagens das multidões concentradas na praça,
sugerindo aos espectadores a grandiosidade que alcançava aquele movimento popular. Aqui a
montagem estatal priorizava os diversos ângulos da multidão, não queria perder nenhuma
cena que pudesse demonstrar a espontaneidade com que afloravam os sentimentos de dor e
repulsa dos brasileiros, como reforçava a voz off: “Grandes multidões, em vibrante exaltação
patriótica, manifestam na Capital da República os sentimentos nacionais de repulsa veemente
contra brutais e traiçoeiras agressões totalitárias ao Brasil.”
324
Em uma destas seqüências surge a imagem de alguns manifestantes que ao passarem
em frente da objetiva não temem em gesticular euforicamente, como se estivessem diante de
um canal direto com o Presidente Vargas. Mas o DIP via nestes gestos e em outras cenas, em
que os civis usavam máscaras ou pintavam os rostos na tentativa de representarem a figura de
Hitler, formas discursivas ideais para procurar deflagrar no público do cinema os mesmos
sentimentos que incendiavam as ruas da capital do país. Tratava-se de fazer com que os
323
CJB, v.2, n. 144, 1942.
324
Apesar de ter consultado no acervo da Cinemateca Brasileira um documento fílmico, disponível em VHS,
referente a este assunto do Cine Jornal Brasileiro, que não foi possível preservar sua banda sonora, optei por
citá-la, aqui, conforme a transcrição apresentada no catálogo publicado pela instituição. Ver FUNDAÇÃO
Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo,
Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa Oficial do Estado, 1982. p. 127.
192
Figura 18:
Os gestos e a
face da revolta
“patriótica”.
Fonte:
FUNDAÇÃO
Cinemateca
Brasileira. Cine
Jornal
Brasileiro,
Departamento
de Imprensa e
Propaganda
1938-1946. São
Paulo,
Fundação
Cinemateca
Brasileira/Impr
ensa Oficial do
Estado, 1982.
p. 127.
espectadores se identificassem com aquela multidão e, portanto, reconhecessem o protesto
legítimo, pois, era nestas mesmas imagens que o Estado Novo pretendia fazer se reconhecer,
uma vez que “nesses significativos atos públicos revela-se também o pesar da Nação pela
perda de vidas conseqüente do torpedeamento de navios brasileiros entregues a serviço
pacífico ao longo das costas do país”. Para coroar esta significação o cinejornal recorria a um
plano do símbolo máximo da unidade nacional: em meio à multidão, a câmera atenta “pinça”
a imagem da bandeira brasileira sendo carregada pelos populares, dispositivo que projetava
nas telas, mesmo que por alguns instantes, a representação da proteção da “Pátria-Mãe”. Aqui,
o Estado ao materializar-se entre os manifestantes, naquela que simbolizava um único corpo
político e social, vinha afirmar que compartilhava do mesmo pesar.
Durante o protesto o DIP flagrava diante do Palácio Tiradentes um grupo de pessoas
que se organizava para atenciosamente ouvir os oradores que surgiam entre o povo revoltado.
A câmera não perdia tempo, fechava o quadro no rosto de um dos homens que, em um
palanque improvisado e em um tom ríspido, discursava contra as atrocidades cometidas pelos
alemães. Entretanto, por algum motivo técnico ou estratégico, o DIP preferiu restringir aos
interlocutores que ali se encontravam aquilo que parecia ser uma fala contundente. Eram os
gestos agressivos com o braço direito e as feições de seu rosto, justapostos às imagens da
multidão, os recursos visuais propícios para aludir ao clima de revolta em que se encontrava
envolta a sociedade brasileira. Aqui, a seqüência variava entre a multidão que, registrada em
planos gerais do alto crescia na tela, oferecendo uma idéia da vastidão de pessoas que
participavam da manifestação, e os primeiros planos do orador que destacavam a sua agitação.
193
Figura 19: O povo brasileiro exigia uma retaliação por parte do Estado. Fonte:
FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de
Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo, Fundação Cinemateca
Brasileira/Imprensa Oficial do Estado, 1982. p. 127.
Já a última seqüência retomava as cenas do povo reunido que, em um corte seco,
passava a protestar ao Presidente Getúlio Vargas diante do Palácio Guanabara. Assim, ao
término do cinejornal insistia-se na idéia de que os brasileiros desejavam, de qualquer
maneira, a retaliação aos inimigos recentemente declarados, o que caberia apenas ao Estado
responder.
Ainda em 1942, o tema da reação popular aos afundamentos dos navios nacionais
circularia nas salas de cinema, em Vítimas da Crueldade dos Totalitários! Primeiros
flagrantes dos sobreviventes do “Itagiba” e do “Arara” na cidade de Salvador
325
onde, mais
uma vez, o Estado Novo recorria à criação do mito político do “Inimigo”. Nas telas era
oferecida uma única imagem para odiar: os alemães; para isto, os cinejornais do DIP
operavam com os próprios signos de violência e atrocidade cometidos pelos nazifascistas nas
costas brasileiras. A propaganda política de Vargas traduzia o acontecido como “um dos
grandes crimes internacionais deste século”. Enquanto os soldados sobreviventes aos
torpedeamentos dos submarinos alemães transitavam descontraídos pelo porto, uns até
brincavam com a câmera— cenas que não condiziam com o tom de seriedade atribuído ao
filme, mas que poderiam ser explicadas pela própria denúncia dos críticos de cinema da época
a respeito do despreparo do brasileiro em lidar com a câmera, que também ficará nítido nas
325
CJB, v.2, n. 146, 1942.
194
Figura 20: Os sobreviventes dos ataques dos submarinos alemães. Fonte: FUNDAÇÃO Cinemateca
Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo,
Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa Oficial do Estado, 1982. p. 129.
imagens das multidões de trabalhadores, como veremos mais adiante — a voz off
encarregava-se de apresentá-los, acompanhada de uma melancólica melodia:
A desumana pirataria, desencadeada pelas Potências do Eixo no
Atlântico, atinge as águas brasileiras. Eis aqui na cidade do Salvador,
soldados sobreviventes de um dos cinco navios nacionais torpedeados
por submarinos totalitários diante da costa sergipana, em condições
que fugiram inteiramente a qualquer norma de ação entre os povos
civilizados. Também nesta embarcação ancorada no porto da capital
baiana vamos encontrar muitos náufragos dos vapores Itagiba e Arara.
Em seguida, as grafias nas películas dos primeiros flagrantes dos sobreviventes feridos
no naufrágio agregavam ao filme um potencial diegético difícil de ser negado, a objetiva do
DIP se esforçava para captar em cada olhar, em cada rosto o sentimento sublime da tragédia
de que foram vítimas os brasileiros. É que estas imagens satisfaziam o aparente deleite
(prazer) dos espectadores pelos infortúnios de seus semelhantes, haja visto que “não há
espetáculo que busquemos com tanta avidez quanto o de alguma desgraça incomum e
atroz”.
326
Segundo Burke, este sentimento ganha mais força quando as dores são
representadas pela arte, assim como feito pelos cinejornais, pois o prazer resulta do próprio
326
BURKE, Op. cit., p. 54.
195
princípio de imitação do real, uma vez que “deliciamo-nos ao ver coisas que nunca faríamos e
que, pelo contrário, desejaríamos veementemente impedir”.
327
Assim, a câmera percorria os
vários leitos onde repousavam os sobreviventes hospitalizados, mas durante a incursão fixava
o plano, fechando o quadro no rosto de um dos oficiais feridos gravemente. Era o comandante
do Itagiba, José Ricardo Nunes, que ali deitado dirigia um olhar terno à câmera, como se
fitasse o espectador, que preso a sua poltrona não tinha para onde ir, não escaparia à sujeição
de sentir-se compartilhar com a Nação de uma mesma sensação de revolta. O mesmo artifício
era repetido com o taifeiro do Itagiba que “viu-se vítima do segundo torpedeamento, quando
já a salvo no Arará”; no filme ele aparece deitado com o braço imobilizado enquanto a
objetiva registrava um olhar um tanto distante, perdido. Mas ainda havia um elemento que
acrescentaria a estas imagens um sentido melancólico, reforçando os olhares que exigiam que
fossem retribuídos: enquanto a voz off apresentava os sobreviventes, uma música de fundo
tratava de criar o ambiente propício para a comoção nacional e a cada passagem de um ferido
a outro a melodia invadia a sala de exibição, tomava conta da seqüência como se imperasse o
temor no país. No entanto, o povo contava com Getúlio Vargas para expulsar este sentimento.
327
BURKE, Op. cit., p. 55.
Figuras 20 e 21: Nas telas a atualização do sentimento de ódio e compaixão. Fonte: FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira.
Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e Propaganda 1938-1946. São Paulo, Fundação Cinemateca
Brasileira/Imprensa Oficial do Estado, 1982. p. 129.
196
O que o Estado Novo pretendia com estas imagens mobilizantes era convencer a
sociedade brasileira de que o Brasil vinha sendo forçado a reconhecer um estado de guerra
que não provocara, tendo que romper com sua condição de país “neutro” aos assuntos
referentes ao conflito desencadeado na Europa. Porém, os sinais de um alinhamento com os
EUA já vinham sendo demonstrados desde 1940, quando o Governo Vargas concedeu
permissão aos norte-americanos para a construção de bases militares no Nordeste. Neste
sentido, ao mesmo tempo em que o cinejornal reconhecia a revolta popular, também recorria
ao episódio dos afundamentos dos navios brasileiros como uma ameaça à soberania nacional,
que, por sua vez, cobrava do Estado uma reação, como destacado na locução:
A estupidez que caracterizou este atentado, provocando a mais justa e
veemente revolta, não feriu apenas o Brasil, mas a consciência da
América inteira e de todas as Nações em geral que combatem as
forças cegas e brutais da barbárie. Esta mesma revolta resultou, como
tinha que ser, na reação altiva da Nação, reconhecendo o estado de
guerra que não provocara, mas que será enfrentado com honra, com
dignidade viril e com o mais profundo patriótico espírito de sacrifício
[sobe música melódica].
Mas o ápice do filme ainda estava por vir. Duas seqüências ainda se encarregariam de
arrebatar a compaixão do povo brasileiro com os sobreviventes aos atentados, procurando
suscitar um sentimento que já se encontrava presente na sociedade. Diante da tela, por um
instante, os espectadores se sentem desarmados, entre os sobreviventes registrados (in loco)
pela objetiva do DIP surge uma pequena e dócil criança que era descrita no cinejornal da
seguinte maneira: “Valderez Cavalcanti, uma encantadora garotinha de quatro anos, viveu,
Figura 22:
Os espectadores se
perdem em um olhar.
Fonte:
FUNDAÇÃO
Cinemateca Brasileira.
Cine Jornal Brasileiro,
Departamento de
Imprensa e Propaganda
1938-1946. São Paulo,
Fundação Cinemateca
Brasileira/Imprensa
Oficial do Estado,
1982. p. 129.
197
entretanto, um dos mais impressionantes episódios do afundamento do Itagiba. Atirada ao mar
com a explosão do torpedo conseguiu agarrar-se a uma caixa vazia, ficando assim ao sabor
das ondas até ser salva”. A encantadora Valderez aparecia no quadro, depois de um corte
seco, com um dos braços imobilizados, o que fortalecia ainda mais o apelo emocional daquela
cena. Quando a câmera aproximou-se dela, ali quieta e sentada no canto, parecia que a
incomodava: em um primeiro momento transparecia o seu rosto um ar de seriedade, logo
substituído por um sorriso. Sorriso que poderia ser interpretado como um elemento diegético
de “catarse” da comoção nacional, da revolta do povo contra os atos cometidos contra a
integridade física e moral da Nação. Portanto, a propaganda do Estado Novo apropriava-se da
delicadeza e da aparência angelical desta garotinha para tornar a imagem do nazista ainda
mais propícia para ser oferecida aos espectadores como um objeto a ser odiado, uma vez que
se tratava de artifícios que por compreenderem uma idéia de belo poderiam despertar um
sentimento de afeto.
Valderez era filha de um dos tripulantes do Itagiba, Otávio Barros Cavalcanti, que
também se feriu e estava hospitalizado. Antes de ser apresentada ao lado do pai, em uma
última cena, a menina é recepcionada e homenageada com flores pelos alunos da Escola
Conselheiro Dantas, de Salvador. Na cena, as outras crianças a rodeavam e abraçavam em
Figura 23: A sobrevivência da docilidade. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia da
Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
198
uma demonstração de solidariedade, gesto que no cinema era ampliado, pois os espectadores
reconheceriam a atitude como nobre. No decorrer da imagem transcorria a voz off se
encarregava de afirmar que “justa e tocante é, pois, a homenagem que aqui prestam as
crianças baianas”, para depois subir uma música alegre, objetivando sugerir, por alguns
segundos, um clima de comemoração. Mas logo a montagem da fita retomava o tom original,
para encerrar com uma melodia melancólica que acompanhava a imagem da indefesa criança
que aparecia ao lado do leito onde o pai se recuperava dos ferimentos. Nas telas a propaganda
estadonovista conseguia reatar a unidade familiar, uma vez afetada pela tragédia que acometia
a Nação pai e filha novamente se reencontravam. Esta última seqüência vinha reafirmar o
poder simbólico da idéia-imagem da “Família”, um micro-Estado responsável por preservar a
Moral, um dos pilares da formação do Estado Novo.
Enquanto nos bastidores do Governo Vargas a formação da FEB representava uma
tentativa de projetar internacionalmente o Brasil, nas telas o envio dos pracinhas ao teatro de
operações na Itália era para o Estado Novo o momento de comemorar e compartilhar com o
povo a satisfação de poder cumprir “a missão histórica que lhe coube diante dos
acontecimentos decisivos do presente”. A encenação do “tempo festivo” em Forças
Expedicionárias do Brasil — Rio: Desfile das forças militares que o Brasil enviará à luta
Figura 24: A unidade restabelecida. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia da Fundação
Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
199
Figura 25: A multidão de brasileiros reúne-se para festejar e aclamar a sua força expedicionária.
Fonte: FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e
Propaganda 1938-1946. São Paulo, Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa Oficial do Estado,
1982. p. 137.
contra os totalitários
328
ganhava força com o artifício da imagem da multidão, as primeiras
cenas contemplavam o desfile da banda marcial que abria o espetáculo, logo, em seguida,
substituídas por planos gerais das multidões concentradas para acompanhar o desfile da tropa.
A objetiva recorria a este dispositivo na tentativa de convencer os espectadores da adesão
popular à guerra, entretanto, as imagens dos soldados, adequadamente uniformizados e
disciplinarmente organizados em um só ritmo, o da marcha militar, seriam ainda mais úteis ao
cinema estatal, pois desencadeariam na própria multidão ali reunida e na acomodada nas
poltronas da sala escura o sentimento de unidade, uma vez reconhecidas como a instância
militar da Pátria/Una.
Entretanto, vale destacar que, segundo Bonalume,
329
os veteranos em depoimentos
lembram que durante os exercícios e desfiles públicos no Brasil os negros eram excluídos ou
colocados no meio da tropa para que não fossem visualizados. Neste sentido, os
propagandistas do regime recorriam, principalmente, a planos gerais dos soldados, destacando
mais a grandiosidade do desfile da tropa do que as peculiaridades raciais de sua formação, que
328
CJB, v.3, n. 56, 1944.
329
BONALUME, Op. cit., p. 130.
200
Figuras 26 e 27:
Os soldados e as
enfermeiras atuavam
nas telas e na rua
como “cristais de
massa”. Deviam ser
percebidos na sua
totalidade, como a
representação da
unidade.
Fonte:
FUNDAÇÃO
Cinemateca
Brasileira. Cine
Jornal Brasileiro,
Departamento de
Imprensa e
Propaganda 1938-
1946. São Paulo,
Fundação
Cinemateca
Brasileira/Imprensa
Oficial do Estado,
1982. p. 137.
na visão dos militares sugeria uma imagem pejorativa da FEB. Em uma das cenas os soldados
passam ao lado da câmera, o que provocava nos espectadores uma impressão de infinitude, ou
seja, mais uma vez o recurso à perspectiva no cinema possibilitava que as imagens dos
soldados se repetissem automaticamente, multiplicando-os, ou seja, sugerindo a sensação de
que realmente o brasileiro compreendera a missão colocando-se à disposição do sacrifício
pela Nação. Associada a esta imagem, a figura da enfermeira aparece para completar a
seqüência, aludindo à participação da brasileira no combate contra “as forças do mal”.
201
A imponência da marcha os tornava um objeto inalterável, duradouro, que merecia ser
celebrado; por isso, enquanto a tropa desfilava, a câmera se voltava para as massas deixando
que a sonora do local preenchesse a sala escura, na tentativa de reproduzir a euforia e a
aclamação popular, como depois descrevia a voz off :
Enormes multidões celebram com as mais vibrantes demonstrações
patrióticas o desfile de unidades do corpo expedicionário brasileiro na
Capital da República. É este o primeiro contato direto do povo com as
forças militares que o Brasil enviará contra os totalitários e resulta em
festa magnífica, bem traduzindo a intensa comunhão nacional em que
o país encontra sólido apoio e estimulo para todos os seus grandes
cometimentos de ordem material ou espiritual.
Porém, a película não deixaria de enfatizar o momento glorioso do desfile militar, nas
telas também transitavam os jipes e os armamentos pesados de guerra que seriam utilizados
pelos soldados brasileiros, demonstrações do poderio bélico nacional, mesmo que conquistado
com financiamento norte-americano. Assim, estas imagens vinham aludir à modernização das
Forças Armadas, que naquele momento reafirmava a sua capacidade de atender aos destinos
do país na formação de seus expedicionários. O que se celebrava durante o envio do primeiro
contingente de combatentes era a imagem de um Brasil de grandes tradições e progresso,
identificava-se o brasileiro com os povos de grande prestígio no mundo, uma vez que
Preparar combatentes capazes para uma guerra como a atual é tarefa
que só os povos de grande tradição e progresso, de extraordinárias
energias físicas e morais conseguem realizar. O Brasil, forte e unido,
afirma aqui essas virtudes e essa capacidade com a preparação
exemplar de suas forças expedicionárias. Formando deste cedo na
defesa dos princípios sagrados, fornecendo seus grandes cursos
estratégicos, operando já nos ares e nos mares, oferece agora seus
contingentes militares para a luta pela vitória da boa causa.
Assim, como não poderia ser diferente, para encerrar este cinejornal, mais uma vez se
insistia no sentido de uma adesão popular à decisão do Governo Vargas pela participação do
Brasil na guerra. Logo após as últimas cenas do desfile da FEB surgia um plano geral de uma
multidão que carregava placas, cartazes com dizeres favoráveis ao alinhamento, enquanto a
sonora dos populares, novamente, ganhava destaque no filme comprovando o que o Estado
Novo já esperava, “o desfile termina em meio ao mesmo ambiente de grande vibração
patriótica.”
202
Figura 28: O povo comemora o envio das tropas brasileiras para combater as “forças do mal”. Fonte:
FUNDAÇÃO Cinemateca Brasileira. Cine Jornal Brasileiro, Departamento de Imprensa e
Propaganda 1938-1946. São Paulo, Fundação Cinemateca Brasileira/Imprensa Oficial do Estado,
1982. p. 138.
Entre os assuntos exibidos pelo Cine Jornal Brasileiro a respeito do tema da
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial destaca-se uma edição especial do DIP,
Esforço de Guerra do Brasil,
330
o que demonstra a importância que o Governo Vargas dava
ao episódio. Inicialmente, a primeira seqüência era introduzida aos espectadores
acompanhada do tema musical O Guarani, de Carlos Gomes, que harmoniosamente
procurava envolvê-los em um ambiente de pura nacionalidade — eles já estavam
acostumados a ouvir o tema durante a abertura da A Hora do Brasil. Novamente o cinema de
propaganda política de Vargas recorreria à imagem do “Inimigo”, na tentativa de aludir a uma
participação “forçada” do país no cenário mundial de guerra. Assim, as primeiras cenas
tratavam de criar o clima de comoção em que se envolveu a Nação quando das notícias dos
primeiros afundamentos dos navios mercantes nacionais. Justapunha-se um close de um
aparelho de rádio e vários planos de pessoas lendo jornais, enquanto os nomes das
embarcações torpedeadas eram sobrepostos a estes quadros. Além das cenas mencionarem a
forma como os brasileiros receberam as notícias dos atentados — uma referência aos
330
CJB, v.3, n. 92, 1944.
203
populares meios de comunicação social da época — o recurso fictício de um fundo preto que
envolvia as pessoas sugeria aos espectadores uma sensação de medo, de terror pelo qual a
Nação passava, uma vez que “é o nosso desconhecimento das coisas que dá origem a toda e
qualquer admiração de nossa parte e principalmente incita nossas paixões”.
331
Ou seja, a
propaganda estadonovista desejava incitar nos brasileiros uma paixão nacionalista, que os
motivassem a se sacrificarem nos mais diversos campos, seja no front de batalha na Itália ou
na produção, pela Pátria.
Para fechar esta seqüência uma imagem dos diversos materiais de espionagem nazista
apreendidos pela polícia de Vargas era apresentada, seguida por planos sucessivos de botes
salva-vidas sendo jogados ao mar. Aqui, cada bote com a inscrição dos navios torpedeados
vinha construir um forte apelo emocional, as vítimas da crueldade “totalitária” estavam ali
subentendidas. Reforçando estas imagens a voz off evidenciava: “as agressões continuam,
alcançam as próprias águas cruzeiras. Os navios nacionais, navegando pacificamente ao longo
das costas do país, são torpedeados. Centenas de brasileiros perdem a vida, inclusive mulheres
e crianças. [...] O povo quer a desafronta, quer vingar seus mortos. Ergue-se para a defesa da
honra e da integridade da Pátria.”
Nota-se que O Esforço de Guerra do Brasil foi uma das mais criativas produções do
DIP, no tocante aos filmes de atualidades. Fugindo do mero registro in loco utilizou-se de
elementos ficcionais para compor um discurso cinematográfico a respeito da participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, alternativa pouco usual no cinema oficial da época, como
percebido pelos documentos fílmicos aqui consultados. Nem mesmo nas representações das
expoentes celebrações de Primeiro de Maio do Estado Novo viu-se tamanho apelo ao
ficcional, restringindo-se à próprias encenações programadas pelo DIP para abrilhantarem a
festa de gratidão dos trabalhadores ao Chefe da Nação. Entre as inovações do filme destaca-se
a utilização de recursos gráficos para ilustrar na tela como se dava a defesa antiaérea do
Brasil, apresentando mapas dos continentes sul-americano e africano. Sob a ameaça das
forças do Eixo usarem a costa da África para dominarem o Atlântico, o Brasil surgia como um
grande aliado, uma vez que “contra este propósito, porém, age esmagadoramente a atitude
brasileira, preservando o novo mundo de tremendas ameaças, porque a decisão do país é de
enfrentar o agressor totalitário com todos os recursos nacionais e em qualquer terreno, como
ao mesmo tempo por suas admiráveis posições estratégicas a serviço da defesa do continente
e da vitória sobre os eixistas”. Tratava-se de reafirmar a importância para a segurança
331
BURKE, Op. cit., p. 69.
204
nacional da permissão brasileira para a construção de bases navais norte-americanos no seu
litoral.
Ainda recorrendo aos artifícios gráficos, o cinejornal destacava o arsenal bélico da
marinha brasileira na tentativa de demonstrar que o país estava preparado militarmente para
qualquer ofensiva alemã. Segundo o que foi apresentado na tela, em 31 de julho de 1944, o
Brasil contava com cerca de 2460 navios comboiados. Apresentado o poder militar nacional,
cabia ao filme comprovar a capacidade das Forças Armadas na preparação dos combatentes.
Entre as imagens dos soldados em treinamento eram justapostas cenas das enfermeiras que
simulavam situações de socorros aos feridos de guerra, adversidades que elas certamente
deparariam no campo de batalha. Segundo Cytrynowicz, a imagem da enfermeira também
representou para o Governo Vargas um mecanismo mobilizador para instituir a vivência da
guerra no front interno, como também uma forma de expressar a adesão política ao Estado
Novo:
A utilização do governo Getúlio Vargas da enfermagem e das
enfermeiras — como profissão enquadrada pelo Estado e como
modelo de uma certa condição de mulher classe média (e, em muitos
casos, classe alta) — constitui peça importante da mobilização das
mulheres pelo Estado Novo e, já como enfermeiras da FEB e da FAB,
representou uma persuasiva imagem de mobilização civil engendrada
durante a Segunda Guerra Mundial no Brasil: a imagem da pátria-mãe,
que estendia os cuidados (maternos) aos soldados no front de guerra,
aos filhos da pátria.
332
Assim, como noticiava na tela, para o Estado Novo “a preparação dos contingentes e
enfermeiras de guerra é outro setor que merece especial cuidado. Estas cenas nos mostram
enfermeiras entregando-se em intenso adestramento físico indispensável para as condições no
teatro de luta armada. A legião brasileira de assistência e a Cruz Vermelha brasileira armam
os grandes centros de iniciativa a que se dedica a mulher patrícia [...].”
No entanto, neste filme não seriam apenas os expedicionários e as enfermeiras que
mereciam destaque, para o DIP o “esforço de guerra” brasileiro também se concentrava no
desenvolvimento econômico do país, principalmente na produção que atendia ao
abastecimento de guerra. Assim, na tentativa de criar um front interno, o que impulsionaria o
crescimento industrial brasileiro, as imagens do interior dos pavilhões justapostas às cenas dos
trabalhadores imersos no cenário fabril são apresentadas acompanhadas de uma melodia
332
CYTRYNOWICZ, Op. cit., p. 100.
205
envolvente, o que vinha sugerir a imponência e a força econômica do país, que desejava se
inserir entre as grandes potências mundiais. O Estado Novo ao convocar todos os operários
brasileiros para a “batalha da produção” excluía das telas, definitivamente, a imagem do
Brasil arcaico. Destaque para as produções nacionais da indústria bélica, da fábrica de
motores e da produção de ferro. Na primeira seqüência, enquanto a câmera percorria as
instalações de uma fábrica de projeteis, registrando o trabalho cauteloso dos operários no
manuseio das munições, uma melodia tratava de sugerir uma certa tensão aos espectadores.
Aqui, as imagens procuravam sugerir o grande poderio bélico do país para enfrentar os
inimigos alemães. Em seguida, as cenas de outros setores industriais, com planos aéreos de
suas instalações, procuravam enaltecer o significado destes para o Governo Vargas:
A fábrica nacional de motores, cuja instalação se inicia com rapidez,
oferece um dos índices mais significativos da maneira como o Brasil,
enfrentando as contingências de uma situação de guerra, ao mesmo
tempo constrói, em caráter definitivo, para o seu desenvolvimento em
geral e em particular para o progresso de suas indústrias, inclusive as
relacionadas com os problemas da defesa nacional [sobe música
envolvente]. O ferro, material estratégico por excelência é outra
contribuição valiosa oferecida pelo Brasil para a construção da vitória
aliada [...]. Volta Redonda ergue-se como índice supremo da dinâmica
empreendora do Governo do Presidente Vargas. Aqui as instalações
da grande usina siderúrgica plantam as bases de uma nova era para o
progresso brasileiro.
Após estas seqüências, o filme retomava as imagens dos bravos soldados em
treinamento e do desfile da tropa que seria enviada para a Itália, uma referência visual ao
Forças Expedicionárias do Brasil — Rio: Desfile das forças militares... . E, mais uma vez,
surgiam as cenas dos botes salva-vidas jogados ao mar. Assim, atualizada a imagem do
“Inimigo” exigia-se do Estado Novo uma resposta, desta vez dada na forma de uma
composição poética. Enquanto o locutor oficial do Cine Jornal Brasileiro
declarava
entusiasmado “já agora, atravessando o Atlântico, os soldados expedicionários seguem em
pelotão”, uma imagem destes mesmos soldados correndo surgia em fusão com a imagem do
mar, seguida de uma outra fusão, a do mar e da bandeira nacional, que era reforçada pelos
dizeres “é a presença do Brasil como parte decisiva da maior de todas as guerras, pelos mais
altos princípios que regem a existência dos povos. Tanto de Norte à Sul do país, como através
dos mares, acompanhando os combatentes patrícios a palavra do Presidente Vargas soa como
força de encorajamento, de incentivo e de orientação [...]: ‘Brasileiros, estou certo de vossa
lealdade, da vossa coragem, de vosso ânimo para enfrentar a luta...’”. As imagens aqui
206
fundidas com a do mar vinham reforçar a tão explorada idéia-imagem da “Pátria/Una”, de que
se acreditava que “o povo inteiro participa do financiamento do esforço célebre do país”, pois,
segundo Canetti,
O mar tem uma voz que é bastante mutável e que se ouve sempre.
Trata-se de uma voz que soa como milhares de vozes. A ela atribuem-
se muitas características: paciência, dor, ira. Mas o que essa voz
possui de mais impressionante é sua tenacidade. O mar nunca dorme.
Pode ser ouvido continuamente, de dia, de noite, anos a fio, décadas;
sabe-se que séculos atrás já o ouviam. Em seu ímpeto como em seu
protesto, ele lembra a única criatura que com ele compartilha essas
qualidades nas mesmas proporções: a massa.
333
De fato os pracinhas brasileiros demonstrariam esta lealdade e coragem no front de
combate a serviço da Pátria, recebendo até a admiração dos próprios inimigos alemães que os
reconheciam como bravos soldados. Mas enquanto as forças aliadas avançavam terreno na
Itália, os primeiros feridos de guerra retornavam ao Brasil e recebiam a visita do Presidente
Getúlio Vargas. No cinema o assunto não ganhava um merecido destaque, tinha que disputar
a atenção dos espectadores com os mais diversos assuntos, como a visita ao país do Secretário
de Estado dos EUA, Edward Stetinius Jr., descrita no cinejornal como “acontecimento de alta
expressão”, o que lhe rendia um pouco mais de um minuto de duração.
Em Brasil e a Guerra — Rio: O Presidente da República Visita os Primeiros
Combatentes Brasileiros Feridos nos Campos de Batalha
334
rapidamente a câmera registrava
as primeiras cenas dos sobreviventes hospitalizados, para só depois fixar o quadro em um
plano médio de Vargas que se aproximava de um dos combatentes para cumprimentá-lo pela
bravura e o mesmo ouvia atentamente as palavras do Presidente. Por alguns instantes, a
dedicação de Vargas ao sorrir ou ao estender a mão, enquanto percorria os leitos onde
descansavam os feridos, deixava as marcas de uma simpatia e de um carisma inconfundível
nas telas. Enquanto isto, o conhecido apelo aos closes destacava os olhares perdidos e tristes
dos soldados afligidos pelas atrocidades da guerra, entretanto, desta vez, não seria com o
intuito de incitar um sentimento de revolta, mas de compaixão. Justapõe a estas imagens as
últimas cenas de Vargas parabenizando a equipe médica pelo atendimento prestado aos
feridos no campo de batalha e entrando no carro presidencial que cortava o quadro. Mesmo
que curtíssimo, o assunto da visita do Presidente aos sobreviventes brasileiros tratava de
reafirmar a presença do Estado Novo no cotidiano do cidadão brasileiro.
333
CANETTI, Elias (1960). Massa e Poder. Trad. Sérgio Pellarola. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 80.
334
CJB, v.4, n. 09, 1945.
207
Já em Por Atos de Bravura — Rio: Feridos de Guerra Condecorados no Hospital
Central do Exército, em Cerimônia Presidida pelo Chefe da Nação
335
as primeiras cenas são
de Getúlio Vargas chegando ao hospital acompanhado por oficiais e membros do governo, o
que confirmava que esta visita do Presidente não seria breve, como da última vez. Ele presidia
a cerimônia de condecoração que não dispensava a rígida organização militar até mesmos aos
soldados que padeciam em seus leitos. Assim, em uma das seqüências podemos contemplar
um plano geral das dependências externas do hospital onde se encontravam vários
sobreviventes deitados em macas enfileiradas e, ao lado deles, as enfermeiras que os
acompanhavam em pé, ambos aguardando o início das solenidades. Aqui, como vimos, cada
enfermeira representava a extensão do corpo uno da Nação, ao lado de cada combatente a
“Pátria-Mãe” estendia o seu cuidado materno, materializava-se entre eles o Estado Novo.
No transcorrer da película esta cena era intercalada com planos de um oficial e Getúlio
Vargas discursando em homenagem aos médicos, seguidos de imagens de autoridades e
oficiais aplaudindo as palavras do Chefe da Nação. A solenidade prosseguia com a
condecoração dos soldados. Enquanto o Presidente Vargas condecorava alguns combatentes,
justapõe-se a esta imagem cenas de pessoas aplaudindo o gesto do líder, uma referência ao
papel da multidão neste tipo de cerimônia. Apesar de não apresentar uma imagem da multidão
nos moldes como deparamos nos estádios de futebol, quando das celebrações do Dia do
Trabalho, ainda aqui o discurso cinematográfico persistia em uma imagem legitimadora, que
reafirmasse o apoio popular ao Estado Novo, principalmente neste final de 1945 quando o
clima de “democratização” era efervescente.
Durante a cerimônia a objetiva buscava a participação dos homenageados, em um
flagrando o close de um soldado já condecorado com a medalha no peito que, no entanto, não
aparece com uma feição alegre, sorridente. Pelo contrário, este plano não contribuiria em nada
para a propaganda estadonovista. Aqui, a seriedade estampada no rosto do pracinha
denunciava a encenação para as câmeras do DIP, para a qual restava apenas recorrer a um big
close da medalha, o objeto símbolo de toda aquela comemoração. Na última seqüência Vargas
aparecia cumprimentando os civis e, mais uma vez, ao sair do Hospital Central do Exército
era aplaudido calorosamente pela multidão ali presente.
335
CJB, v.4, n. 31, 1945.
208
3.2.3 – Primeiro de Maio: Vargas “doma” as multidões
A multidão anônima de homens no burburinho citadino é impelida
pelo ímpeto do ritmo produtivo e pela ansiedade que todo homem
carrega em seu semblante como traço de sua época. Essas ondas
humanas movimentam-se apressadas como as esteiras e êmbolos das
máquinas produtivas das fábricas. Como o “Angelus Novus” de Paul
Klee, analisado por Benjamin, essa massa afoita das multidões é
empurrada para frente pelas tempestades e ventos fortes do mundo do
progresso. Nos seus olhos, a pressa, a indiferença, a solidão e o
amedrontamento do progresso.
336
Diante da vastidão do mar, observamos o seu movimento, as ondas que, de forma
abrupta, se chocam com o beira-mar; cautelosamente nos aproximamos para sentir a água que
corre ao nosso encontro. O ruído que ouvimos são os gritos de um passado longínquo, difícil
de ser alcançado, apenas podemos imaginá-lo carregado pela ira do mar, mas, quando vem a
calmaria, o presente desmorona na praia. Ao erguemos a mão mergulhada na água o que
estava coeso escapa entre nossos dedos. Contemplamos as gotas que, antes unidas, agora
escorregam isoladas e débeis pela nossa mão. É a união que se desmancha em um simples
gesto. O que era um todo na vastidão, agora, é um elemento sozinho que corre
desesperadamente sem destino, busca retornar à totalidade, pretende novamente tornar-se uno.
Esta metáfora do Mar, como já mencionada anteriormente, era propícia para aludir às
imagens cinematográficas das multidões nas Festas Cívicas de Primeiro de Maio do Estado
Novo. Como o mar, a multidão é contemplada no seu todo; nela, o indivíduo não tem
significado, a individualidade é sucumbida pelo o ideal do coletivo. Na multidão, todos são
iguais, tudo se passa como envolvido por um único corpo. Mas, quando este corpo forte e
sólido perde a direção e a desagregação ocorre, o que temos são pessoas desesperadamente
sós, perdidas. O corpo uno é o que as conduzia; sem ele, perde-se o sentido. Assim, nota-se
que a imagem da multidão é um signo que se repete nas películas estatais, um artifício
diegético que sobrepõe, ao mesmo tempo, no discurso cinematográfico, os ideais de “Unidade
Nacional”, “Ordem” e “Novo”, tão difundidos pela ideologia estadonovista. A forte presença
imagética das multidões nos filmes de atualidades é um índice da relação entre o líder e o
povo, uma vez que sem delas aproximar-se e com elas manter uma relação afetiva o líder não
se perpetua no poder.
336
CARVALHO, Sérgio Lage T. A saturação do olhar e a vertigem dos sentidos. Revista USP, n. 32,
dez./jan./fev. 1996/1997. p. 135.
209
Desta forma acredito que, como objetos, estes cinejornais assumem o caráter
legitimador do aparato propagandístico do regime, pois o cinema é, por excelência, um meio
de comunicação de massa e, portanto, é pensado e produzido para as multidões que esperam
na sala escura diante da tela branca o surgimento do espetáculo que dá vida (movimento) ao
outro e a ele que como espectador se projeta no filme a fim de participar e dividir a cena com
o registrado. Assim, por todos os ângulos a que nos propomos olhar os cinejornais de
Primeiro de Maio, contemplaremos o coletivo, pois são a projeção e incorporação das
multidões no objeto fílmico. É a própria multidão. Mas estes cinejornais ainda reúnem dois
elementos que auxiliam na construção do mito Vargas. A princípio, há a preocupação em
retratar a “Festa Cívica” que, a priori, já pertence ao imaginário popular, ou seja, já se
encontra imbuída de uma significação — a do novo e da possibilidade da felicidade —
significações de que o Estado Novo irá se apropriar. Um segundo elemento é a própria
motivação do encontro comemorativo: o Primeiro de Maio que, durante o regime, deixa de
ocupar o lugar simbólico da manifestação trabalhista para metamorfosear-se em um dia
festivo para o trabalhador, momento em que se concretiza a passagem do Dia do Trabalhador
para o Dia do Trabalho.
Buscando compreender o conceito de massa,
337
Arendt afirma que o que une os
indivíduos em uma determinada formação coletiva não é um ideal ou a consciência por um
interesse comum, mas, sim, a ausência desta consciência. A multidão, no entender da autora, é
neutra, amorfa, só cabe a ela concentrar no seu seio o homem isolado, pois “a principal
característica do homem da massa não é a brutalidade nem é a rudeza, mas o seu isolamento e
a sua falta de relações sociais normais”.
338
Assim, no cerne das multidões, encontramos
aquele indivíduo que não pertence a nada, nem mesmo à própria multidão, pois, nela, apenas
encontra o seu igual, o conforto de seu temor do contato com o outro; ali todas as diversidades
são anuladas, até mesmo a dos sexos, o homem isolado não se importa em ser comprimido, já
que o contato não provém do outro, mas do seu igual. Senti-lo é como sentir a si mesmo.
339
O que Arendt nos propõe, talvez seja escapar das tradicionais definições que os
primeiros teóricos da Psicologia das Multidões atribuíram à multidão a partir de 1895, quando
o conceito era apenas forjado com base nas suas ações maléficas. Teóricos como Le Bon,
Tarde e Sighele viam as multidões como capazes dos piores excessos, extremamente
337
Mesmo que se utilize constantemente a palavra massa como sinônimo de multidão, preferimos aqui apenas
utilizarmos o segundo como uma medida para evitar reducionismos metodológicos ao estudarmos as imagens
das multidões no cinema do Estado Novo. Assim, cabe ao leitor sempre que se deparar com a palavra massa em
uma determinada citação de um autor substituí-la por multidão.
338
ARENDT, Op. cit., p. 367.
339
CANETTI, Op. cit., p. 14.
210
perigosas ao agirem sob a total ausência da razão e manipuladas por líderes. Mas, como
ressalta Cochart, esta visão serviu apenas como reafirmação de um estereótipo que
acompanha, ainda hoje, os movimentos populares e acaba por definir os grupos de
trabalhadores como perigosos.
340
Assim, o que Arendt encontrou nas multidões era a
neutralidade das individualidades, a simples aglomeração da condição humana de isolamento,
o que talvez tenha levado Le Bon a formular a possibilidade de um caráter heróico destas em
detrimento do maléfico: “não há dúvida que existem multidões criminosas, mas há também as
multidões virtuosas, as multidões heróicas e tantas outras”.
341
Para o autor o indivíduo
inserido na multidão é um ser motivado por um sentimento de poder invencível, nela é capaz
de ceder aos seus instintos que, se estivesse sozinho, teria reprimido. “O indivíduo em
multidão é um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a seu bel-prazer.”
342
Entretanto, ao revisitar a obra de Le Bon, Freud nos oferece uma outra leitura em que
a formação da multidão consistia na exaltação ou intensificação da emotividade dos
indivíduos que a integram, logo, seria indispensável que entre eles existissem algo de comum,
que experimentassem os mesmos sentimentos em uma determinada situação — como vimos,
no cinema isto é possível. Assim, o homem só é capaz de negar a sua individualidade se ao
integrar a multidão sentir-se solidário com os demais, se compartilhar com eles dos mesmos
laços afetivos. Para o autor a formação coletiva se baseia no estabelecimento de novos laços
libidinosos entre os indivíduos que a compõem, e são estes laços libidinosos que atribuem a
cada indivíduo entranhado na multidão uma impressão que se reveste de um misto de poder
ilimitado e de um perigo invencível. Segundo Freud, é a afetividade que os une, que realiza
um processo de identificação recíproca entre os membros da multidão, o que equivale dizer
que “a identificação constitui a forma mais precoce e primitiva da ligação coletiva”.
343
E é
desta identificação, como vimos, que procurei tratar em todo este trabalho, uma vez que
acredito que no cinema o olhar está nas coisas,
344
portanto, como tantos outros significantes a
imagem da multidão é posta para que seja reconhecida, é um objeto que autoriza aos
espectadores uma experiência perceptiva do coletivo, de compartilharem de um mesmo
sentimento, de uma mesma unidade: a Pátria.
340
COCHART, Dominique. As multidões e a Comuna: análise dos primeiros escritos sobre psicologia das
multidões. Revista Brasileira de História, São Paulo, ANPUH, v. 10, n. 20, mar./ago. 1991. p. 119-126.
341
LE BON, Gustave (1895). Psicologia das multidões. Trad. Ivone Moura. Lisboa, Portugal: Edições
Roger Delraux, 1980. p. 16-17.
342
Idem, Ibidem,
p. 32.
343
FREUD, Sigmund (1921) Psicologia das massas e análise do eu. In: Obras completas de Sigmund Freud.
Trad. Odilon Gallotti, Isaac Izecksohn e Moysés Gikovate. v. 9, Rio de Janeiro: Editora Delta, [19-]. p. 03-
161. p. 55.
344
Ver DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
211
Pensando nos tipos de massas definidos por Canetti
345
podemos fazer uma analogia
entre os conceitos de “massas de inversão” e “massas festivas” com as imagens das multidões
nos filmes de atualidades do Estado Novo. Concebendo as “massas de inversão” como
aquelas em que os indivíduos se reúnem para alcançar um fim que antes não conseguiam,
estando isolados, como é o caso de uma situação revolucionária em que os revoltosos tomam
o poder e invertem a situação de dominação, podemos pensar nas imagens das multidões da
era Vargas como negativas desta inversão. O que o Estado Novo faz é se apropriar das
multidões de trabalhadores que vão se formando em torno das manifestações grevistas, dando-
lhes um novo sentido. Ao invés de estarem unidos para contrapor o seu estado de dominação,
unem-se no sentido de legitimar uma outra revolução, a do golpe de 1930. A “massa inversa
de operários que antes se reuniam para lutar por melhores direitos trabalhistas, agora, era
suplantada pela “legislação social” instituída pelo governo Vargas. A direção da massa era
outra.
O que surge durante o Estado Novo são as “massas festivas”, os trabalhadores que
comemoram as doações promovidas pelo líder clarividente. O que temos no seio desta massa
não é a descarga, ou seja, a meta a ser alcançada, mas a descontração. A festa é a própria meta
e ela já foi alcançada. O que importa para o regime nas “massas festivas” não é o motivo da
comemoração, mas a consciência de que ocasiões semelhantes irão se repetir, de que “as
festas chamam outras festas, e, graças à densidade de coisas e pessoas, a vida se
multiplica”.
346
Segundo Bakhtin, as festas populares representam o nascimento de uma nova
ordem, pois “têm os olhos voltados para o futuro e apresentam a sua vitória sobre o passado”,
festeja-se o mito político da “Idade do Ouro”, onde “o nascimento de algo novo, maior e
melhor é tão indispensável quanto a morte do velho”.
347
Assim, as imagens das multidões
festivas registradas nas películas multiplicam o próprio Estado Novo, que encontra nas
“Festas Cívicas” um elemento legitimador.
348
Porém, se as festas populares antes eram o
tempo e o espaço que renovava o cotidiano, onde os indivíduos periodicamente recarregavam
suas energias novamente no sentido de pertencimento à comunidade,
349
durante o Estado
Novo este sentido é ressignificado, a festa é transformada em espetáculo, ou seja, não é algo
345
CANETTI, Op. cit., p. 57-62.
346
Idem, Ibidem, p. 61-62.
347
BAKHTIN, Mikhail. As formas e imagens da festa popular na obra de Rabelais. In: A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, Annablume, 2002.. p. 223.
348
Para uma análise das “Festas Cívicas” promovidas pelo Estado Novo consultar SCHEMES, Cláudia. Festas
cívicas e esportivas no populismo: um estudo comparativo dos governos Vargas (1937-1945) e Perón (1946-
1955). Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1995.
349
MARTÍN-BARBERO (2001), Op. cit., p. 142-143.
212
que deve ser vivido, mas visto e admirado. O sentimento de pertencer já não é mais oferecido
como vivência, mas como encenações que devem ser reconhecidas como legítimas, por isso a
ênfase nas imagens da multidão. A importância da imagem da multidão para os regimes
autoritários pode ser traduzida pelas palavras de Goebbels, em seu pronunciamento em um
Congresso celebrado em Ruhr, na Alemanha, em 1927, antes do Partido Nacional-Socialista
assumir o poder. No entender de Goebbels, “quem conseguir conquistar a rua, um dia
conquistará o Estado, pois todas as formas do poder político e toda a conquista ditatorial do
Estado mergulham as suas raízes na rua. As manifestações públicas nunca serão demais,
porque esta é, de longe, a maneira mais expressiva de demonstrarmos a nossa vontade de
governar.”
350
Mas o Estado Novo não se apropriou apenas das “Festas Cívicas”, outras sistemáticas
pautaram a dessignificação e a ressignificação dos símbolos operários, entre eles o Primeiro
de Maio. Segundo Paranhos, “o 1º de maio passava por um processo de descaracterização
como dia de luta. [...] Vargas, identificado como ‘o trabalhador nº 1’ do país, roubava a cena e
galvanizava as atenções gerais, transformando-se no principal ator político de um evento que
deveria ter nos trabalhadores seu centro simbólico”.
351
O surgimento das comemorações do
Primeiro de Maio tem relações diretas com a mobilização de operários que ocorreu nos
Estados Unidos nesta data no ano de 1886. Nesta manifestação era reivindicada a redução da
jornada de dez para oito horas de trabalho. Após um incidente ocorrido em Chicago, dois dias
depois do início das greves e em plena intensificação, houve o confronto entre manifestantes e
policiais que resultou na morte de dois trabalhadores. Então, segundo Perrot,
352
foi em julho
de 1889, no congresso organizado pela Federação Nacional de Sindicatos de Paris, que nasceu
oficialmente o Primeiro de Maio e se decidiu realizar, no próximo ano, um protesto
internacional em favor da jornada máxima de oito horas. Diante da boa repercussão do
protesto de 1889, a comemoração do Primeiro de Maio tornava-se permanente na resolução
do congresso da Segunda Internacional em 1891.
Mas no Brasil demorariam a surgir os primeiros reflexos desta mobilização. Segundo
Arêas,
353
no Rio de Janeiro de 1890 não houve nenhum registro de que o movimento operário
tivesse realizado algum evento em prol da jornada. Nos anos seguintes esta indiferença
perpetuaria e somente na primeira década do século XX, com uma constante adesão às causas
350
MANVELL & FRAENKEL, Op. cit.,. p. 82.
351
PARANHOS (1999), Op. cit., p. 97-98.
352
PERROT, Michelle. O primeiro Primeiro de Maio na França (1890): nascimento de um rito operário. In: Os
excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 129-130.
353
ARÊAS, Luciana Barbosa. As comemorações do Primeiro de Maio no Rio de Janeiro (1890-1930). Revista
História Social, Campinas, São Paulo, Unicamp, n.4/5, dez./jan. 1997/1998. p. 12.
213
operárias, é que a data iria adquirir um significado cada vez maior para os trabalhadores. No
entanto, é neste momento em que se percebe as primeiras iniciativas do Estado em compor a
sua própria “festa do trabalho”. Entre 1911 e 1914, durante o governo do Marechal Hermes da
Fonseca, ocorreram os primeiros atos oficiais em homenagem à data, tentativas progressivas
de transformar o Primeiro de Maio em um feriado nacional, que somente se concretizaria em
26 de setembro de 1924, com o decreto do Presidente Artur Bernardes. Com isso, objetivava-
se anular qualquer iniciativa de paralisação dos operários, que não mais se reuniam para
protestar contra o seu patrão, mas para festejar a folga concedida pelo governo. Mas, como
apontado pela autora, mesmo que uma significativa parcela dos trabalhadores tenha adotada o
Primeiro de Maio como a “festa do trabalho”, a data ainda persistiria com seu caráter de
protesto.
354
Tanto que durante a década de 20 comunistas e anarquistas divergiam a respeito
do sentido que dariam ao Primeiro de Maio, chegando a ocorrer comícios separados. Para
Perrot, a diferença estava na concepção e duração atribuídas à data, que “para os guesdistas
[comunistas], trata-se de uma manifestação limitada a um dia. Essa noção disciplinada da
ação militante, na verdade totalmente moderna, choca-se com a visão anarquista da
Revolução como um processo dinâmico de greve geral. Para eles, o Primeiro de Maio é um
começo, um ponto de partida possível para uma ação cuja importância e duração dependerão
da vitalidade das massas em movimento.”
355
Entretanto, na década de 30 a data seria reelaborada, mais especificamente a partir da
instituição do Estado Novo que a incorporou no conjunto das comemorações oficiais do
regime. Assim, independentemente das diversas interpretações dadas ao Primeiro de Maio,
seja um dia de lembrança e de luto pelos militantes mortos em Chicago em 1886, ou um dia
para celebrar a conquista da jornada de oito horas de trabalho, ou ainda o dia do despertar da
consciência de classe, o que de fato predominou no imaginário do trabalhador foi o sentido de
“festa do trabalho”. No Estado Novo não havia mais espaço para protestos, greves e
conquistas; era a hora de festejar o novo regime e as doações feitas aos trabalhadores pelo
líder. O Governo Vargas assumia para si a responsabilidade por este novo sentido conferido à
data, como comprova a propaganda publicada no O Estado de São Paulo em homenagem às
comemorações de 1940:
[...] o 1º de maio tem em todo o mundo um sentido de reivindicações
conquistadas com luta e sangue. No Brasil, entretanto, o 1º de maio é
354
ARÊAS, Op. cit., p. 17.
355
PERROT, Op. cit., p. 159.
214
uma grande oportunidade, um grande dia de festa, de harmonia e de
colaboração das classes trabalhadoras com o governo e com as outras
classes [...] a sua festa de hoje tem outro sentido, um sentido de
harmonia, de problemas resolvidos, de compreensão mútua [...] o 1º
de maio no Brasil deixou, portanto, de ser uma data exclusivamente
proletária, para ser uma comemoração de caráter nacional, onde o
proletário, antes que o governo, se sente feliz em demonstrar que não
há mais no Brasil nenhum clima para a luta de classes.
356
O Primeiro de Maio ressignificado por Vargas encontrava nas “Festas Cívicas” mais
um elemento legitimador do Estado Novo. As multidões de trabalhadores reunidas nas
arquibancadas ou em desfile pelas raias do São Januário eram as imagens ideais para
cristalizar e incorporar o “ideal totalitário” da Unidade Nacional, pois “a festa provoca
emoção, trazendo consigo um sentimento de exaltação, de engrandecimento que leva à
comunhão de todos. Como espetáculo cívico, ela torna seus participantes ‘iguais’, criando em
cada pessoa a figura do cidadão membro da comunidade.”
357
Mas, vale ressaltar que não se
trata aqui de uma operação inovadora da propaganda política do Estado Novo, traços deste
mesmo mecanismo mobilizador também podem ser encontrados na Alemanha do Terceiro
Reich, como ressaltam os biógrafos de Goebbels:
Uma das decisões mais sagazes tomadas por Goebbels nessa altura, foi
adotar, no dia 1º de Maio, o tradicional dia de festa dos comunistas
como dia de Festa Nacional dos Nazis. Os comunistas, diante da
supressão, podiam ter tentado explorá-la, mas Goebbels estava
decidido a levar a festa tão longe quanto possível. Fez desta
celebração coletiva o ponto culminante do seu Diário publicado. O
festival organizado em grande escala, foi planejado em 26 de abril,
ensaiado em 28, e montado com a grandiosidade que ele tão bem sabia
dar às manifestações. Preparou-se tudo para que fosse uma
manifestação dos operários! Foram enviadas delegações a todos os
pontos do Reich e, é claro, o dia foi declarado Feriado Nacional por
uma lei especial do Reichstag, redigida pessoalmente por Goebbels,
em 24 de março.
358
No Brasil de 1940, os críticos da ditadura estadonovista não cansavam de denunciar as
manipulações que os Primeiros de Maio sofriam. Segundo Afonso Henriques, era usual um
funcionário do Ministério do Trabalho convocar os presidentes dos sindicatos para com eles
organizar uma lista, em que cada um se comprometia a levar para a parada trabalhista um
certo número de operários. Mas não conseguindo arrastar o número prometido o líder sindical
356
OESP, 01.05.1940. apud SCHEMES, Op. cit., p. 44.
357
SCHEMES, Op. cit., p. 60.
358
MANVELL & FRAENKEL, Op. cit., p. 121-122.
215
era advertido e ameaçado com represálias, o que o levava a praticar com os trabalhadores
métodos pouco ortodoxos como a apreensão de carteiras de trabalho antes do evento ou as
facilidades de transporte ao local da manifestação.
O grosso das manifestações de fidelidade ao Estado Novo repousava,
porém, nos estivadores e nos operários das fábricas de tecidos de
Bangu. Os estivadores porque, como é sabido, estavam sujeitos a um
estrito controle policial e ministerial. As carteiras profissionais eram
apreendidas até a terminação da parada e só podiam trabalhar no dia
seguinte se tivessem passado pelo visto do comparecimento. Quanto
os operários de Bangu, todos conheciam o íntimo grau de relações
existentes entre seus patrões e o Estado Novo. Havia livro de ponto e
punição para os faltosos. Um verdadeiro comboio de caminhões se
encarregava de trazê-los e levá-los depois da “parada trabalhista
espontânea”.
359
Então, o que se percebe é que, por mais manipuladas que tenham sido as mobilizações
populares pelo Estado Novo, a apropriação do rito operário foi gradativamente evoluindo
durante os anos do regime a ponto de termos, justamente no seu ocaso, em 1945, uma
significativa participação dos trabalhadores nas festividades de Primeiro de Maio. A forma
como Vargas conduziu este processo de mobilização pode ser explicada pela análise de seus
discursos proferidos nas solenidades de Primeiro de Maio. Segundo Lima,
360
o fio condutor
era dado pela “legislação social” e a “organização dos trabalhadores”. No primeiro discurso
em maio de 1938 o líder proclamava ao povo que festejasse o trabalho, que comemorasse a
dádiva da Lei do Salário Mínimo. O tom de exaltação dos trabalhadores iria se repetir nos
discursos dos próximos anos.
Neste primeiro encontro com os trabalhadores, Vargas se abstém de
falar do povo ou dos povos, para falar somente dos operários, em
conexão implícita com o discurso anarquista [grifo da autora]; retoma
assim a herança discursiva no interior do movimento operário [a
apropriação], a partir de suas origens anarquistas, para lhes dirigir a
palavra. Ele vai então construir discursivamente o povo brasileiro,
apoiando-se na questão operária para se distanciar dela
progressivamente, contornando a queda do Estado Novo.
361
359
HENRIQUES, Afonso. Ascensão e queda de Getúlio Vargas — O Estado Novo. v. 2. Rio de Janeiro: Record,
[19-]. p. 197. Outras críticas a respeito desta “gratidão dirigida” durante o Estado Novo podem ser encontradas
em GUSMÃO, Cupertino de. Do bojo do Estado Novo: memórias de um socialista na república de trinta e sete.
Rio de Janeiro: Gráfica Santo Antônio, 1945. p. 106-110.
360
LIMA, Maria Emília A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de Maio de Getúlio
Vargas. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990. 116.
361
Idem, Ibidem, p. 119.
216
Em 1942, o discurso do Chefe da Nação dá os primeiros passos a caminho do “povo
brasileiro”. Já no clima de integrar o bloco dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, o tom
discursivo de Vargas evidenciava uma espécie de instabilidade do regime e se, no início do
Estado Novo, a palavra de ordem era FESTEJAR, na nova conjuntura o povo era convocado a
PRODUZIR. Agora, os “trabalhadores do Brasil” são os soldados da produção, aqueles que
conduziriam o país para o desenvolvimento industrial e a modernidade. Enquanto os
pracinhas, que integravam a FEB, eram enviados à Itália para combater as tropas do Eixo, o
“povo brasileiro” lutava contra o tempo nas linhas de montagem das indústrias do Brasil.
Identificadas as peculiaridades que envolvem as multidões e a sua participação na
encenação do Primeiro de Maio, podemos nos reportar à relação líder e multidão como forma
de compreender o universo mítico, ou até mesmo místico, que se construiu em torno da figura
de um único homem. Como bem ressaltou Arendt, um regime totalitário e um líder forjado no
cerne do mesmo dependem exclusivamente da confiança das massas. O que ocorre é uma
interdependência entre líder e multidão em que a permanência do primeiro no poder é
proporcional às concessões feitas à segunda, como evidencia a autora ao afirmar que
[...] essencialmente, o líder totalitário é nada mais e nada menos que o
funcionário das massas que dirige; não é um indivíduo sedento de
poder impondo aos seus governados uma vontade tirânica e arbitrária.
Como simples funcionário, pode ser substituído a qualquer momento e
depende tanto do ‘desejo’ das massas que ele incorpora, como as
massas dependem dele. Sem ele, elas não teriam representação externa
e não passariam de um bando amorfo; sem as massas, o líder seria
uma nulidade.
362
Como vimos, a clarividência de Getúlio Vargas não é o dom de um único governante,
mas de todos aqueles que decidem governar com as multidões. Devo lembrar que o tema da
clarividência do Chefe, de que tanto tratou a propaganda estadonovista, nada mais foi que um
dos elementos mitificadores dos mitos da “doação” e de Vargas. Para Silva, a devoção a
Vargas, conduzida por uma política sacralizada, teria explicação no fato de que o líder “andou
com a multidão”, ou melhor, ele encarnava a figura do “dominador das multidões” ao ter a
sabedoria de que “um povo deve ter as características das multidões homogêneas. Criando a
unidade nacional, com uma só bandeira e um só hino, o Brasil não pode mais estar dividido,
perdendo, portanto, certas feições de regionalismos que tanto prejudicavam a harmonia do
362
ARENDT, Op. cit., p. 375.
217
pensamento coletivo, o qual, como vimos, deve ser um só e indivisível”.
363
Portanto, como
apontou Souza, não teria sido por acaso a forma feliz como foi utilizada a imagem da bandeira
nacional na abertura do Cine Jornal Brasileiro. Ao apresentar o plano da bandeira como o
plano da unidade de todas as forças políticas, sociais e econômicas, afirmava-se a passagem
da fragmentação para o uno, onde “agricultura, siderurgia, matas e cachoeiras, o Palácio do
Catete e as forças de terra, mar e ar desenrolam-se sob os olhos do espectador, alternando-se
cada uma destas partes dentro do todo da bandeira nacional.”
364
Assim, tanto a imagem da bandeira quanto a da multidão organizada durante as
festividades são construções sígnicas que, apoiadas no caráter coletivo deste novo estímulo
perceptivo, procuraram multiplicar o sentimento de unidade entre os trabalhadores brasileiros.
Segundo Benjamin, “deve-se observar aqui, especialmente se pensarmos nas atualidades
cinematográficas, cuja significação propagandística não pode ser superestimada, que a
reprodução em massa corresponde de perto à reprodução das massas [grifo do autor]”.
365
Logo, o que a câmera captava nos grandes desfiles e comícios, nos espetáculos esportivos era
uma multidão que via o seu próprio rosto. Trata-se, aqui, do próprio dispositivo do cinema
que permite que as “massas de espectadoresse identifiquem com esta imagem, reconheçam-
se presentes nelas a ponto destas não serem mais percebidas como representações, simulacros,
mas imagens autênticas de um registro in loco.
Se existe um elemento comum entre os cinejornais de Primeiro de Maio, é a imagem
das multidões. Nos filmes, é ela que marca o início e o término das comemorações do
trabalho, é também a que estabelece os dois tempos narrativos predominantes neste tipo de
película: antes do Estádio e no Estádio. Concentradas na arena as multidões de trabalhadores
celebravam o Dia do Trabalho, logo, ao invés de individualizar o trabalhador, aquele que
deveria ser o centro das atenções, o DIP preferiu os planos gerais das multidões como forma
de atribuir um sentido de grandiosidade para a parada trabalhista do Estado Novo. Das poucas
vezes que a montagem procurou valorizar as reações individuais elas se tornaram desastrosas
para a propaganda do Governo Vargas. Em A Festa do Trabalhador na Capital do País
366
,
um exemplo que, talvez, pudesse ser interpretado como uma falta de preparo dos
propagandistas do DIP. Em uma seqüência em que a objetiva era direcionada à platéia nas
arquibancadas, buscando gestos de comoção individual, o que vemos, no entanto, são cenas
363
SILVA, Gastão Pereira da. Getúlio Vargas e a psicanálise das multidões. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, [19-
]. p. 75.
364
SOUZA (1990), Op. cit., p. 311.
365
BENJAMIN (1985), Op. cit., p. 194.
366
CJB, v. 2, n. 123, 1942.
218
que denunciam a insatisfação popular no evento, as pessoas captadas pela objetiva da câmera
se levantam rapidamente e começam a aplaudir o desfile dos operários e jovens escolares que
homenageavam o Chefe da Nação. É como se a objetiva fosse o imperativo da devoção. O
que fica na tela é a impressão de imaturidade do cinema de propaganda do DIP que não
aprendeu a lidar com a falta de intimidade das multidões com o cinema, como denunciava
Pinheiro Lemos na Revista Cultura Política:
Nada comove tanto ou entristece mais quem deseja e sonha com o
cinema brasileiro do que ver na tela uma multidão surpreendida pela
câmera. Este levanta o braço e agita a mão, aquele faz caretas, um
outro assume uma pose melancólica de galã romântica [...]. Tudo isso
prova a nossa falta de intimidade com o cinema e dá testemunho de
um estado de espírito que, pertencendo à multidão, deve também ser
encontrado, em menor proporção no âmbito daqueles mais de perto
ligados ao cinema brasileiro, produtores ou artistas [...].Ainda não nos
habituamos à câmera. Ela continua a nos infundir aquele medo
misturado de respeitosa admiração que sempre acompanha, para toda
a gente, as novidades das técnicas [...]. De fato, o gesto do homem do
povo que quer aparecer no jornal cinematográfico é parente próximo
da atitude desengonçada do artista num filme de longa metragem.
Ambos temem e respeitam a câmera, consideram o cinema um mundo
diferente, que deve refletir uma realidade bem diversa da comum e
quotidiana [sic].
367
Em outro momento, para representar a relação líder e multidão, o Cine Jornal
Brasileiro insistia em um artifício de montagem em que planos de Vargas discursando são
justapostos a planos das multidões, mas que, na visão de Souza, “o resultado que se tira dele é
pobre. A massa popular permanece estática, à espera do benefício sabido que será
concedido”.
368
Assim ocorre em 1º de Maio — Rio: Cem Mil Operários Aclamam o
Presidente Getúlio Vargas na Esplanada do Castelo
369
, as primeiras cenas são de Vargas
saudando, com seu característico gesto, as multidões de operários que, em seguida, aparecem
retribuindo com aplausos a aparição do líder, mas, durante o seu discurso, as imagens do
Chefe em ação são postas em contraste com as da multidão e, no plano final, fica a figura de
Vargas que encerra o filme, sem dar aos participantes populares o direito a uma nova aparição.
O mínimo que se esperava da montagem era um último plano que fechasse a diegese com uma
367
LEMOS, Pinheiro. Cinema XIII. Revista Cultura Política, ano 2, n. 16, jun. 1942. p. 378. In: CARDOSO,
LÚCIO. Cinema: coletânea de textos da revista Cultura Política. Coleta de textos por José Inácio de Melo e
Souza. Rio de Janeiro, 1941-44. Incl. Textos sobre cinema de Pinheiro Lemos e relatórios publicados sobre as
atividades do DNP e DIP.
368
SOUZA (1990), Op. cit., p. 384.
369
CJB, v.2, n.195, 1943.
219
multidão que eufórica saudasse o líder pela promulgação da Consolidação das Leis do
Trabalho.
Mas entre as significações que encontramos nos cinejornais nem todas revelam o que
não deveria ser transparente nos aspectos doutrinários da propaganda estadonovista, como é o
caso da utilização da imagem das crianças, uma prática constante nos filmes de propaganda.
Se as crianças aparecem sendo maltratas barbaramente nas películas que tratam em representar
o “Inimigo”, nos cinejornais que retratam as comemorações de Primeiro de Maio elas
aparecem como elemento condutor à adesão das multidões ao regime. Entre os vários
instrumentos doutrinários e legitimadores da ditadura encontrava-se o ensino oficializado do
Canto Coral. Segundo Schwartzman, a música teria, ao lado do rádio e do cinema, um papel
central no esforço educativo e de mobilização das multidões, além de contar com a presença
ativa do maestro Heitor Villa-Lobos, que tinha a tarefa de desenvolver a educação musical
artística através do canto coral popular. Como representante do governo brasileiro em um
Congresso de Educação Musical realizado em Praga, em 1936, Villa-Lobos defendia esta
apropriação do canto orfeônico pelo Estado Novo:
Nenhuma arte exerce sobre as massas uma influência tão grande
quanto a música. Ela é capaz de tocar os espíritos menos
desenvolvidos, até mesmo os animais. Ao mesmo tempo, nenhuma
arte leva às massas mais substância. Tantas belas composições corais,
profanas ou litúrgicas, têm somente esta origem — o povo”. [...] O
canto orfeônico, praticado pelas crianças e por elas propagado até os
lares, nos dará gerações renovadas por uma bela disciplina da vida
social, em benefício do país, cantando e trabalhando, e, ao cantar,
devotando-se à pátria!
370
Neste sentido, para Iuskow,
371
a massa coral vinha representar o triunfo do Governo
Vargas em conseguir formar uma Nação “harmoniosamente composta, num uníssono de tons e
idéias”, onde a figura do regente, como a do Chefe da Nação, era percebida como provedora
da disciplina e da sensibilidade musical das crianças para a música erudita, que no entender
dos idealizadores do ensino do canto era o caminho para moralizar os indivíduos. Era no canto
orfeônico que as crianças compartilhavam da imagem da Unidade Nacional, era uma multidão
de pequenos cidadãos do Estado Novo que cantava em homenagem ao líder e,
conseqüentemente, desarmava o consciente de uma outra multidão: as de trabalhadores-
familiares que acompanhavam atentamente o espetáculo musical. “Além de buscar formar
370
VILLA-LOBOS, Heitor. apud. SCHWARTZMAN (1984), Op. cit., p. 90.
371
IUSKOW, Cristina. Multidões em coro. Esboços. UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, n. 8, v. 8, 2000. p. 66.
220
estas crianças para um futuro de serviço à pátria, buscava-se atingir também o público que
observava as apresentações nas datas cívicas nacionais.”
372
Nos filmes Dia do Trabalho: As Grandes Manifestações de 1º de Maio na Capital da
República
373
e 1º de Maio: Rio — Presididas pelo Chefe do Governo Imponentes celebrações
ao Dia do Trabalho
374
encontramos exemplos deste artifício propagandístico. No primeiro, as
cenas iniciais são de Vargas descendo de um avião e sendo cumprimentado por oficiais e
membros do governo e seguindo para um automóvel de onde parte para uma parada oficial
pelas ruas do Rio de Janeiro. Nas cenas seguintes a comitiva do líder é acompanhada por
outros veículos e por onde passa é aplaudida pelo povo. É no meio da multidão de pessoas que
aclamam a figura de Vargas que a objetiva do DIP registra em plano médio a imagem de
crianças que contemplam e aplaudem entusiasticamente a passagem da comitiva presidencial.
Já no filme de 1945, o último produzido para as festividades de maio, a apropriação das
imagens das crianças confirma a singela influência das técnicas de propaganda do cinema
russo. São contrastadas cenas dos filhos de operários que desfilam de forma ordenada nas raias
do Estádio São Januário com imagens em plano geral das multidões, que, das arquibancadas,
chacoalham pequenas bandeiras nacionais e aplaudem o espetáculo de patriotismo das
crianças (ver anexo A).
Para evidenciar a participação declarada das multidões de trabalhadores nas
comemorações de Primeiro de Maio, os cinejornais contaram com várias atividades em que o
próprio povo era a atração. Deve-se ressaltar que toda a festividade era preparada
exclusivamente pelos propagandistas do DIP. Em desfile marcado pelo modelo militar, passo
a passo ordenados, operários e jovens colegiais caminhavam para saudar o líder, como
podemos notar em A Festa do Trabalhador na Capital do País, em que jovens moças
desfilam carregando individualmente a bandeira nacional seguidas, ao lado, por trabalhadores
vestidos de macacão que levam, apoiado nos braços, um enorme retrato de Vargas. É o
onipresente que se materializa entre o povo. Outro momento do filme prezava por destacar o
projeto nacional desenvolvimentista do Estado Novo nas imagens dos trabalhadores da
Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda (CSN) que desfilam imponentes e
militarmente, impostando uma faixa com os seguintes dizeres: “Salve Getúlio Vargas, criador
da grande siderúrgica”. Todos estes planos são entrecortados por imagens das multidões que
das arquibancadas acompanham os novos ritos operários.
372
IUSKOW, Op. cit., p. 69.
373
CJB, v. 2, n. 25, 1941.
374
CJB, v. 4, n. 22, 1945.
221
Figuras 29 e 30: No Estádio São Januário operários e jovens colegiais “marchavam” em homenagem
ao Chefe da Nação, Getúlio Vargas. Mais uma vez o Estado Novo recorria aos “cristais de massa”,
reforçando a idéia-imagem da Pátria-Una. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia da Fundação
Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
222
Estas imagens e as das orquestras e espetáculos de dança colaboravam para criar o
ambiente festivo e lúdico das comemorações de Primeiro de Maio. Reunia-se em torno das
multidões de músicos e dançarinos, novamente, a representação da Nação una, que ali se
encontrava em perfeita harmonia e alegria. Os espetáculos de dança, juntamente com algumas
exibições de atividades esportivas, vinham demonstrar o valor que a propaganda
estadonovista dava ao corpo saudável e a multidão de operários devia seguir o exemplo e
manter-se em perfeitas condições de saúde, pois era dela que o Estado necessitava para
incentivar a sua produção.
Mas é em 1º de Maio — A Festa do Trabalho no Estádio do Pacaembu
375
que
encontramos um dos momentos mais idílicos de todas as festividades de Primeiro de Maio.
Em pleno apogeu da narrativa cinematográfica, as justaposições de imagens que reuniam
planos gerais e close-ups de uma orquestra e bailarinos, seguidas das imagens das multidões
que aplaudem o espetáculo que se realiza diante de seus olhos, expressavam o tom festivo
preconizado por Vargas ao evento que antes simbolizava luto. Assim que Vargas chega ao
palanque oficial, de onde assistiria à festividade, tem início a seqüência que marcava todo o
375
CJB, v.3, n.61, 1944, assunto único, 7’19” aprox.
Figura 31: A imagem da multidão de trabalhadores urbanos foi um dos principais elementos diegéticos
utilizados para sugerir a imagem da Unidade Nacional. Fonte: Reprodução/ Laboratório de Fotografia
da Fundação Cinemateca Brasileira. Arquivo do autor.
223
filme: do campo do Estádio parte em vôo disparado um bando (ou uma multidão) de pombas
brancas que são acompanhadas em um plano seqüência pela objetiva do DIP e pelos olhares
atentos das multidões, que em outro plano, a seguir, acena com lenços brancos em
homenagem ao líder. Ainda, na apoteose desta seqüência são exibidas, em planos gerais,
cenas do público que, das arquibancas, ergue placas que irão formar a imagem da bandeira
nacional. O símbolo uno da Pátria agora se materializava como aquele que cobria as
multidões; a “Pátria-Mãe” dá proteção àqueles que se encontravam desorientados no
momento da crise, o Estado Novo surgia nas telas como a única solução para o Brasil da
época.
Este cinejornal, uma edição especial do DIP, também vale por uma outra significação
atribuída à adesão dos trabalhadores a esta festividade oficial do Trabalho. Com o intuito de
narrar cinematograficamente o novo cenário onde as festas serão realizadas, o cinejornal se
preocupava em registrar os antecedentes e preparativos para a participação popular.
Inicialmente o que temos são imagens de Vargas que, abandonando a capital da República,
chega de avião a São Paulo (cenas que se repetem em outros filmes). O pouso calmo no solo
paulista e o desembarque da aeronave precedida por cumprimentos de militares, autoridades
locais e aplausos do povo, podem sugerir aqui uma leitura religiosa da figura do líder, assim
como Furhammar e Isaksson demonstraram ao pensar as imagens de Hitler em O Triunfo da
Vontade: “e quando Adolf Hitler, no começo do Triunfo da Vontade, sai de seu avião, ele é o
deus descendo dos céus para seu povo”.
376
Encerrando as imagens da devoção ao líder, que
desce santificado dos céus para anunciar as novas “bênçãos” aos trabalhadores, o que temos é
uma seqüência de imagens da comitiva de Vargas que segue pelas ruas de São Paulo e é
aplaudida pelas multidões que contentes aguardavam a chegada do Chefe da Nação. Assim
que Vargas chega ao Pacaembu, vários planos se incumbem de reafirmar a confiança que os
operários depositavam no líder; as imagens do povo que formava duas filas em direção à
entrada do Estádio são reunidas para demonstrar o poder mobilizador que as comemorações de
Primeiro de Maio possuíam — mesmo que se saiba que muitos operários participavam deste
evento cívico mediante a apreensão de suas carteiras de trabalho. Entre cenas desta multidão
que se aproximava do Estádio, destacava-se, neste momento, um plano seqüência realizado em
travelling (o mesmo que o olhar sendo deslocado) em que a objetiva acompanhava lentamente
a fila de trabalhadores que se formava diante do Pacaembu. Assim, por meio da perspectiva, a
imagem que os espectadores tinham diante deles adquire uma profundidade, a ponto de
376
FURHAMMAR & ISAKSSON, Op. cit., p. 214.
224
atribuir à multidão que se prepara para as comemorações uma idéia de infinitude. Infinitude
esta que é fonte do sublime, assim como a grandiosidade; aqui a percepção do infinito propicia
que uma mesma imagem se reproduza automaticamente no imaginário da multidão de
espectadores, permanecendo durante uma longa sucessão. Essa construção fílmica
multiplicava a imagem dos trabalhadores. Já para o plano de passagem para dentro das
festividades, os propagandistas optavam pela imagem do Estádio em que, na fachada,
podemos notar uma faixa de onde podia se ler “Gria ao criador do Direito Social Brasileiro”.
Outro momento nos cinejornais que representa esta adesão popular ao regime
estadonovista é encontrado em 1º de Maio: Rio — Presididas pelo Chefe do Governo
Imponentes celebrações ao Dia do Trabalho, as imagens com que nos deparamos aqui são a
síntese do que foi o caminho percorrido pela construção mítica de Vargas pela propaganda do
Estado Novo (ver anexo A). Como mencionado por Souza, o reconhecimento da liderança de
Getúlio Vargas e de sua política é construído de forma lenta, e, portanto, somente no Primeiro
de Maio do último ano do regime é que se traduz nas telas do Brasil as imagens de uma
magnífica manifestação popular. Segundo o autor, a ditadura estadonovista, ao retirar do
trabalhador o direito à comemoração livre e combativa da data, elaborava uma série de
experimentos no sentido de construir um espetáculo comemorativo operário, cujo modelo
acabado só apareceria em 1945. Assim, o que as imagens das multidões nos cinejornais nos
demonstram é a passagem triunfal de um sentimento de total apatia para o de entusiasmo
participante dos operários.
377
A primeira seqüência do filme reunia imagens que antecediam às comemorações, em
que o Presidente Vargas, acompanhado de ministros, altas autoridades e representantes
trabalhistas, inaugurava a galeria “Presidente Vargas”, no prédio do Ministério do Trabalho,
que segundo o locutor do cinejornal fora “assim denominada em homenagem à sua obra em
prol da emancipação econômica do país”. Em outro momento, em que o Chefe da Nação
também inaugurava o novo restaurante do ministério, cenas flagram a espontaneidade de
Getúlio Vargas durante um almoço. Interrompida a primeira seqüência, surge uma cartela que
anunciava ao espectador a atração (distração) principal: “A Grande Concentração Trabalhista
no Estádio São Januário”. A voz off tratava de dar a dimensão da festividade:
No Estádio do Vasco da Gama a concentração trabalhista em
comemoração à data assume uma imponência sem precedentes. É uma
das maiores demonstrações públicas já realizadas no país. Massa
377
SOUZA (1990), Op. cit., p. 379.
225
incalculável de trabalhadores enche rapidamente a imensa praça de
esportes. As representações de fábricas e serviços continuam a chegar
e a vibração sempre crescendo asseguram logo uma expressão de
extraordinário entusiasmo à magnífica festa.
Acompanhavam estes dizeres as primeiras cenas da festa em que eram apresentadas
imagens das multidões de operários que lotavam as arquibancadas e dos que desfilavam nas
raias olímpicas chacoalhando aos quatro ventos miniaturas da bandeira nacional, o mesmo
símbolo que, ampliado, estaria presente em um plano que se repetiria em dois momentos
diferentes. Primeiramente, a imagem da bandeira nacional sacudida pelo vento sobre um
plano com imagens das multidões que também portam a pequena bandeirinha; novamente a
idéia da “Pátria-Mãe” era colocada em uma simples justaposição. No segundo momento, a
imagem da bandeira seria utilizada para encerrar o cinejornal, uma técnica de montagem
muito comum nos cinejornais do DIP, que pretendia reunir em um mesmo plano o símbolo
máximo do país e o vento que o movimenta, um “símbolo de massa”, como definiu Canetti ao
evidenciar que “as bandeiras são o vento [as multidões] tornado visível. [...] É em seu
movimento que elas realmente chamam a atenção. Qual lograssem repartir o vento, os povos
se servem das bandeiras a fim de chamar seu o ar que paira sobre suas cabeças [grifo no
original].”
378
Mas o que cataliza a atenção neste filme é o instante em que o Presidente Vargas
chega ao Estádio e dando início à grande apoteose do cinema de propaganda varguista que
tinha como tema as comemorações do Primeiro de Maio. Esta seqüência era composta,
primeiramente, por planos gerais em que multidões de trabalhadores em pé nas arquibancadas
dão provas de gratidão ao Chefe da Nação. A partir destas imagens se reafirmava o “ideal
totalitário” da propaganda estadonovista:
A chegada do Presidente Getúlio Vargas entre estrondosas
manifestações [Back-ground/BG da multidão de trabalhadores em
ovação nas arquibancadas] marcam um dos instantes máximos da
grande concentração trabalhista [sobe BG e música]. O Chefe do
Governo dirige a palavra aos trabalhadores do Brasil. Em seguida, fim
da cerimônia [BG, que perdura por um longo tempo], o Presidente da
República retira-se [sobe BG].
O que também surpreende neste momento é o elemento diegético de que os
propagandistas se apropriaram: ao término da locução o que ouvimos é a participação popular
378
CANETTI, Op. cit., p. 86.
226
registrada na sonora do filme, a ovação da multidão. Aqui este ingrediente sonoro atua na
película agregando-lhe um aspecto sublime, uma vez que, como lembrou Burke, não é
somente a visão o único órgão dos sentidos capaz de gerar uma paixão sublime, os sons
também exercem uma grande influência sobre essas paixões. Para o autor o alarido de
multidões, pela força do som apenas, “aturde e perturba de tal modo a imaginação que, nessa
vacilação e açodamento do espírito, os temperamentos mais equilibrados mal podem pôr-se a
salvo de sua influência e juntar-se à gritaria e ao objetivo da turba”.
379
Na seqüência, segue
imagens de Vargas atravessando o Estádio em um automóvel aberto e acenando ao público,
sorrindo. Continuando a seqüência apoteótica, deparamos com imagens das multidões que
retribuem o aceno a Vargas, enquanto chacoalham a pequena bandeira nacional. E mais
ovação. Neste momento do filme a atenção é toda voltada para as multidões de operários que
participam da festividade em estado de euforia com a chegada do líder, em tomada de planos
gerais do Estádio São Januário coberto por uma mancha de trabalhadores que aplaudem e
acenam ao Presidente. Aqui se comprova, em imagens, a máxima que levou o militante
trotskista Hilcar Leite, que presenciou os vários encontros dos trabalhadores com Getúlio
Vargas, a afirmar que, infelizmente, os aplausos eram produto de “palmas espontâneas, não
eram puxadas por claque não”
380
: as imagens das multidões contribuíram para modelar a
legitimação do Estado Novo e o mito Vargas perante os trabalhadores.
Ainda em busca de compreender o papel legitimador das imagens das multidões, vale
evidenciar que o Governo Vargas, ao decidir por realizar as comemorações cívico-sociais em
estádios de futebol, tinha a intenção de conceber a multidão como algo fechado, concentrando
todas as atividades dentro do recinto, ou seja, propondo uma multidão nos moldes do conceito
de “massa como anel”, forjado por Canetti. Segundo o autor é dentro da arena que nos
deparamos com uma multidão duplamente fechada, em que os indivíduos voltam as costas ao
exterior, não se interessando por nada que não se refira à circunscrição da arena – abandonam
seu cotidiano, esquecem os problemas que, por algumas horas, deixam do lado de fora. No
interior, dentro da arena, a multidão forma uma muralha de gente – corpo uno e indivisível.
Como ressalta Canetti, “sua reunião em grande número encontra-se assegurada por um certo
tempo; foi-lhes prometido excitação, mas sob uma condição assaz decisiva: a descarga da
massa tem de se dar para dentro [grifo no original]”.
381
Porém, para que ocorresse esta
“descarga para dentro” era necessário que os propagandistas encontrassem meios atraentes e
379
BURKE, Op. cit. p. 89.
380
LEITE, Hilcar. apud. PARANHOS (1999), Op. cit., p. 99.
381
CANETTI, Op. cit., p. 27.
227
persuasivos para as multidões que se reuniam nos estádios. As imagens de colegiais e
operários desfilando nas raias olímpicas, carregando bandeiras e faixas, cenas de orquestras e
bailarinos em plena execução, jovens atletas desfilando ou apresentando demonstrações de
cultura física são todos modelos de “cristais de massa”. Os “cristais de massa” são definidos
pelo autor como “grupos pequenos e rígidos de homens, muito bem delimitados e de grande
durabilidade, os quais servem para desencadear as massas”,
382
mas para que possam
proporcionar o desencadeamento das multidões — no nosso caso, para a festividade e a
legitimação da ditadura — era necessário que elas pudessem vê-los, sempre, como
representações de uma totalidade que jamais se dispersaria. Aqui se explica o caráter
militarista dos desfiles de Primeiro de Maio.
Assim, toda vez que o Estado Novo desejava direcionar o seu discurso às multidões de
operários era necessário que buscasse elementos para transmitir a idéia totalizante presente no
cerne das mesmas. Todas as imagens das multidões que iriam ser exibidas para as “massas de
espectadores” deveriam ser contempladas em sua totalidade, por isso, o predomínio de planos
de conjuntos e gerais; assim como os primeiros planos que fazem com que as multidões
preencham a tela, além do destaque das atividades festivas (dança, música, etc) que também
deveriam acompanhar esta direção propagandística do Estado Novo. Para a multidão, nas
salas de exibição, só se podia oferecer ela mesma, ou melhor, só se podiam oferecer
elementos que a projetassem para o interior da película, o que seria capaz de levar cada
espectador a ser mais um trabalhador coberto pelo manto sagrado da “Pátria-Mãe”.
382
CANETTI, Op.cit., p. 72.
228
CONSIDERAÇÕES FINAIS
229
Certo de que as significações apontadas por este trabalho nos mais diversos temas
abordados pelo Cine Jornal Brasileiro estão sujeitas a um ignorar e a um reconhecer, vejo que
o caminho percorrido foi de “desconstruí-las” para compreender como, nas telas do Estado
Novo, uma composição de imagens e sons foi capaz de criar um sentido fílmico que pudesse
atuar nos campos da identificação e da fascinação. Tratava-se de encontrar os elementos
diegéticos contidos no cinema de propaganda política de Getúlio Vargas que pretendiam
tornar o Estado Novo um símbolo presente no cotidiano dos trabalhadores brasileiros urbanos.
Vê-se, então, que o caráter mobilizador do cinema era instrumentalizado na direção de uma
legitimação do novo regime, que necessitava fazer-se reconhecer pelo povo como uma
autoridade merecida, reunindo os espectadores em torno de uma mesma imagem que fosse
capaz de representar uma sociedade que se construía e se consolidava como una, indivisiva,
homogênea e harmônica. Ou seja, atualizava-se nas telas a fantasmagoria do “Todo
Orgânico”.
Para tal, o elemento multidão foi imprescindível para traduzir nos cinejornais do DIP a
idéia-imagem de “Pátria-Una", uma vez que reconhecida como “real”, logo, legitimada pela
platéia na sala escura, sugeria uma identidade que poderia ser compartilhada coletivamente.
Assim, no cinema este signo atuava como um duplo coletivo, o que reforçava o seu “poder
simbólico”; cabia à propaganda política oferecer à multidão de espectadores ela mesma,
artifício que, com o auxílio do aparato técnico cinematográfico — a sala escura, a projeção e a
tela —, era capaz de satisfazer as carências do espectador solitário, pois lhe oferecia a
sensação de pertencer a algo, de poder compartilhar das mesmas emoções das pessoas
registradas nas películas.
Como vimos, este signo visual esteve presente em todas as temáticas escolhidas,
apesar destas apresentarem marcas discursivas distintas, como procurei demonstrar, sendo
que, além de atualizar o mito político da Unidade, vinha acompanhado da idéia de sacrifício
do indivíduo em função do coletivo, ou seja, a força mobilizadora desta imagem estava
concentrada na sua capacidade de negar o “Eu”, substituindo-o pelo “Nós”. Sejam
concentradas nos estádios de futebol ou em meio ao cenário fabril, as imagens das multidões
de trabalhadores forjavam nas telas o corpo uno da Nação.
De fato, nos cinejornais de Primeiro de Maio é marcante a presença deste elemento
que, combinado com a criação do “tempo festivo”, compreendia uma ação legitimadora do
230
novo regime. Mas, ainda na intenção de se legitimar, o Governo Vargas encontrou na questão
da industrialização, especialmente nos investimentos da grande siderurgia, e nas benfeitorias
estatais levadas ao interior do país, outros aspectos a serem explorados pelas câmeras do DIP.
Tanto as imagens do potencial industrial brasileiro em desenvolvimento quanto das benesses
concedidas às localidades antes abandonadas pelos regimes liberais anteriores, como sugeria o
governo da época, colaboravam para que se criasse um cenário de onde emergiria um “Novo”
Brasil. Desta forma, seja no urbano ou no rural, o Estado Novo conseguia se fazer presente.
O trabalhador transformado no cidadão da “democracia social” e incorporado aos
sindicatos não só correspondia como uma “reserva de mobilização” para o regime, como
também agregava uma nova concepção à idéia-imagem do “Trabalho”, aqui muitas vezes
associada ao progresso, à ordem, à ascensão social entre outros, que instrumentalizada como
dispositivo simbólico procurava romper com o estigma de um Brasil atrasado, primitivo,
formado por um povo preguiçoso e incapaz. A nova ordem social constituída pelo Estado
Novo tinha no “Trabalho” a resposta ao desejo de Getúlio Vargas em modernizar o país que,
conseqüentemente, deveria ser compartilhado por todos. Assim, procurava canalizar o esforço
do brasileiro em um único fim, o desenvolvimento econômico da Nação.
No entanto, mediante a deflagração do conflito mundial o Brasil, como um dos
principais produtores de matérias-primas estratégicas para a guerra, especialmente a borracha,
teve que fazer uma associação que acabou por transfigurar o trabalhador em “soldado da
produção”. Mais uma vez o Estado Novo convocava o povo brasileiro para um sacrifício
coletivo, aumentando horas de serviço nas indústrias, principalmente naquelas em que os
produtos abasteciam os Aliados, além de retirar alguns direitos antes “doados” pelo governo
aos trabalhadores. Assim, se em um primeiro momento as imagens da indústria nacional e do
trabalhador brasileiro sugerem uma “modernização conquistada”, por outro lado, no contexto
da Segunda Guerra Mundial estas mesmas imagens incorporam o sentido da batalha. Mesmo
que distante do front na Itália, os esforços dos operários são dirigidos ao combate à barbárie
nazista.
A objetiva do DIP não explorou a participação do Brasil no conflito mundial como
seria esperado da propaganda política de um país em guerra. No entanto, decepções à parte, o
Estado Novo preferiu transferir esta participação brasileira para a consolidação de um front
interno, em que se projetava para o cenário fabril o “esforço de guerra”. O alinhamento com
os Estados Unidos favoreceu o financiamento da indústria siderúrgica no país, vista como o
ponto fundamental do projeto nacional-desenvolvimentista do Governo Vargas, além de
acelerar a modernização das Forças Armadas. Então, o Estado Novo via na criação do front
231
interno um caminho para a sua legitimidade, uma vez que no início dos anos 40 o regime já
sofria as suas primeiras baixas. Para isso, utilizava-se de uma outra imagem mobilizante, a do
Inimigo. Aproveitando as cenas das atrocidades cometidas pelos submarinos alemães na costa
brasileira, vitimando centenas de pessoas, entre civis e oficiais, o DIP conseguiu justapor em
suas películas elementos de forte apelo simbólico, como a imagem da criança, no intuito de
oferecer ao povo um objeto para odiar. Como vimos, a propaganda estadonovista procurou
explorar nos cinejornais sentimentos latentes nos indivíduos, como o ódio e a compaixão,
canalizando-os para a figura do inimigo político externo, os alemães. Mais uma vez
conseguia-se projetar nas telas imagens capazes de suscitar emoções de que os espectadores
poderiam compartilhar coletivamente.
Neste aspecto, as significações postas pelo Cine Jornal Brasileiro, compreendendo os
seus diversos assuntos, além de indicar uma personificação do Estado na figura do seu líder
Getúlio Vargas, também foram compostas para que fossem reconhecidas como representações
de uma totalidade. No meu entender, projetava-se para o Estado Novo uma “disposição
totalitária”, que concebida nas mais diversas práticas culturais, inclusive no cinema, difundia-
se em um discurso que pretendia articular os mais diversos grupos sociais, fazendo do Estado
Novo a única imagem a ser reconhecida como familiar, cotidiana.
Portanto, esta investida no cinema de propaganda estadonovista procurou demonstrar
o como certas significações traduziram uma disposição ideológica do novo regime ao
totalitarismo que, no meu entender, estava posta apenas em planos ideais, ou seja, sujeita ou
não a uma reelaboração pelos espectadores. A busca por estas construções fílmicas resultou
na compreensão de como o cinema, um dispositivo que opera no campo da identificação e da
fascinação, pode ser útil como um instrumento legitimador de um projeto reacionário, pautado
pela fantasmagoria do “Todo Orgânico”. Mas também nada impede que opere a favor de um
projeto revolucionário, tendo em vista que, segundo Lebel, “a identificação e a fascinação só
são uma mistificação ideológica em função do conteúdo [grifo do autor] desta identificação e
desta fascinação”, o que equivale dizer que
Se o cinema nos ensina a falar do mundo de uma maneira falsa, ou
seja a ver no real signos de um universo falsamente reconciliado, de
uma ordem [grifo do autor] falsamente estabelecida, de uma
transparência enganadora; ou seja se procura fazer do real o signo da
ideologia dominante, em vez de nos ensinar a ler os signos que nos
permitem decifrar o real; então efetivamente a identificação e a
fascinação são reacionárias. Mas, se, pelo contrário, o cinema nos
ensina a falar do mundo de uma maneira mais justa, a ver no real os
signos das relações sociais reais, ensina-nos a falar com o real (ou
232
seja ao mesmo tempo para o compreender e servirmo-nos dele para
comunicar). Nestas condições, a identificação e a fascinação já não
são reacionárias e o prazer do reconhecimento que adquirem não é
senão alegria desalienada de um conhecimento verdadeiro.
383
No entanto, não se trata de determinar este cinema, reacionário ou revolucionário,
como negativo ou positivo, uma vez que não é possível pensar em um filme perfeitamente
reacionário ou perfeitamente revolucionário, ambos os aspectos convivem em uma mesma
obra cinematográfica. Logo, cabe ao pesquisador desmistificá-los.
O simples fato de atribuir-lhes um caráter ou outro não lhes nega a condição de obra
de arte, ainda permanecem como objetos estéticos, ou seja, postos a uma contemplação. Por
isso, qualquer estudo de cinema não deve desprezar a relação filme/espectador, seja para
amparar uma atitude desmistificadora do observador, ou para fornecer respostas em função
dos níveis de recepção. No caso dos cinejornais do Estado Novo, ou o filme documentário de
propaganda em geral, são comuns afirmativas diretas que depreciam o documento fílmico ora
por atrelá-lo a um aspecto manipulativo, ora por negar qualquer eficiência doutrinária, sem ao
menos um estudo de recepção.
Consciente disto, procurei nessa pesquisa apontar como o cinema, inaugurando uma
moderna forma de percepção estética, foi um fundamental dispositivo técnico posto a serviço
de projetos autoritários, como o que surgiu no Brasil durante a vigência do Estado Novo, uma
vez que se dirigia às multidões buscando legitimar o Estado nas imagens do “Uno” e do
“Novo”, materializando nas telas um discurso totalitário.
383
LEBEL, Op. cit., p. 238-239.
233
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RESOLVER o problema siderúrgico é encaminhar a aolução de todos os problemas
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