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Desta forma, temos que o cinema, para Benjamin, é uma arma perigosa sob domínio
de movimentos contra-revolucionários, serve à política ritualizada como meio de tornar
presente às multidões diante da tela seus eventos mitificadores de um regime: os ritos dos
desfiles, dos jogos e dos meetings. O cinema completa o rito fascista. O espetáculo conta com
a participação das massas, entretanto, é feito para elas e, concomitantemente, espera-se que se
reconheçam na tela. Assim, segundo Benjamin, “a arte fascista é uma arte de propaganda.
Portanto, ela é executada para as massas. A propaganda fascista precisa penetrar a vida social
por inteiro. A arte fascista, portanto, não é executada apenas para as massas, mas também
pelas massas.”
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Na teoria estética de Walter Benjamin a arte pós-aurática está vinculada à atrofia da
experiência, a reprodutibilidade técnica não permite ao espectador captar qualquer vestígio do
fazer artístico.
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Assim, a esta nova relação público e obra de arte, pautada por uma obra
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BENJAMIN, Walter apud BOLLE, Op. cit., p. 227.
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Ao conceber o cinema como o ápice de uma era sujeita a novas percepções, em que a obra de arte rompe com
o valor teológico, Walter Benjamin suscita um debate em torno da questão do valor aurático da arte sujeita ao
processo de reprodução técnica. O autor é categórico em afirmar que o cinema destruiu qualquer tentativa da
obra de arte configurar-se em um ritual secularizado, o público não se dirige mais a ela em uma atitude de culto,
mas em uma atitude de distração diante do que foi exposto. Entretanto, persiste um grande esforço, por parte de
outros teóricos, em atribuir à arte cinematográfica uma “aura”, o que, para Benjamin, corresponde a uma
tentativa burguesa de conferir ao cinema uma dignidade de arte, ou melhor, de poder inseri-lo na categoria das
“grandes artes”. Rouanet é um dos que vislumbram a alternativa de um cinema aurático. Para ele é nítido que o
cinema que serve aos objetivos da Indústria Cultural constitui mera vivência, coibindo qualquer tentativa de
reflexão por parte do espectador, porém, é o “grande cinema” aquele que irá mobilizar as camadas mais
profundas da experiência, mantendo intacta a capacidade do espectador de pensar, associar e rememorar.
Segundo o autor o filme de arte ao invés de excluir a liberdade associativa do público, a pressupõe. “Sua função
política não está em condicionar espectadores distraídos, mas em descondicionar espectadores manipulados. O
grande cinema é crítico, não mobilizador” (ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em
Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1990, p 62). Para ele a reprodutibilidade técnica
não implica ao cinema um desaparecimento da aura, como acredita Benjamin, ao contrário, cada cópia poderia
ser considerada autêntica. Assim, “o filme de arte tem, como toda obra de arte, a característica da unicidade e da
distância ... O espectador, recolhido, mergulha nele, com toda a espessura de sua experiência” (Idem, Ibidem, p.
63). Estas reflexões de Rouanet podem ser válidas, mas enquanto não restringir a experiência cinematográfica
somente aos espectadores do que ele resolveu denominar de “grande cinema”. Porém, como Walter Benjamin,
não vejo no cinema nenhuma exigência em ser aurático. Assim, o fato do autor encontrar autenticidade nas
cópias de filmes é algo pelo menos estranho ao conceito benjaminiano de “aura”: o aparecimento único de um
objeto distante, por mais próximo que esteja. Vejamos alguns pontos desta questão: primeiramente, em um
raciocínio simples, do ponto de vista material, a própria cópia aproxima o objeto, ao invés de distanciá-lo dos
espectadores, posso assistir ao mesmo filme em diversas cidades, em diversos países; segundo, a sucessão dos
fragmentos da realidade captados pela objetiva provoca no público do cinema a “aparência do real”, ou melhor,
torna presente a realidade que estava ausente, satisfazendo, assim, o desejo das multidões de ficarem mais
próximas das coisas, superando o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade; por último,
qualquer que seja o filme, comprometido com a Indústria Cultural ou não, jamais será capaz de proporcionar ao
espectador a contemplação da realidade “em si” ou, como prefere Benjamin, “respirar a aura”: “observar, em
repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra
sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho” (BENJAMIN [1985], Op. cit., p. 170).
Portanto, por mais que o “grande cinema”, como quer Rouanet, ofereça aos nossos olhos planos seqüências
intermináveis dessas cadeias de montanhas ou da planície de um sertão árido, jamais poderíamos experimentá-
las em suas essências; o cheiro da relva trazido pelo vento que chocalha nossos cabelos, o forte calor do sol que
penetrando em nosso corpo arde como reflexo das cicatrizes daquela terra, ambos nos são negados. Se a
contemplação, a percepção da “aura” em um objeto, como afirma Benjamin, requer repouso, no cinema isto é