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Romildo Henriques Pinas
Deus na Pessoa Humana Segundo
Wolfhart Pannenberg
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Teologia da PUC – Rio como
requisito parcial para Obtenção do título de Mestre
em Teologia.
Orientador: Dr. Mario de França Miranda
Rio de Janeiro
Outubro de 2007
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2
Romildo Henriques Pinas
Deus na Pessoa Humana Segundo Wolfhart
Pannenberg
Dissertação apresentada como requisito parcial para
Obtenção Do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação emTeologia do Departamento de Teologia do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Mário De França Miranda
Orientador
Departamento de Teologia _ PUC-Rio
Prof. Paulo Cezar Costa
Departamento de Teologia _ PUC-Rio
Prof. Cleto Caliman
PUC-Minas
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa
do Centro de Teologia e Ciências Humanas _ PUC-Rio
Rio de Janeiro,
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3
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, do autor e do
orientador.
Romildo Henriques Pinas
Graduou-se em Filosofia Na PUC –Minas (
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) em
1996. Pós-graduado em Filosofia Contemporânea,
também pela PUC-Minas em 1998. Bacharelou-se em
Teologia pelo Instituto Santo Tomás De Aquino em
Belo Horizonte- MG em 2002. Participou de diversos
seminários e congressos de Filosofia e Teologia.
Atualmente trabalha no SSEP (Sistema Salesiano de
Educação Popular) da Inspetoria São João Bosco
(ISJB), atuando na animação de duas obras sociais
na cidade do Rio de Janeiro: Centro Juvenil Salesiano
–RJ e CESAM-RJ (Centro Salesiano do Adolescente
Trabalhador).
Ficha Catalográfica
CDD:200
i
Pinas, Romildo Henriques
Deus na pessoa humana segundo Wolfhart
Pannenberg / Romildo Henriques Pinas ; orientador:
Mario de França Miranda. – 2007.
123 f. ; 30 cm
Dissertação (Mest
r
ado em Teologia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Teologia Teses. 2. Deus. 3. Pessoa. 4.
A
ntropologia teológica. 5. Pannenberg, Wolfhart. I.
Miranda, Mario de França. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia.
III. Título.
4
À minha família, de um modo todo especial, à minha mãe,
que nos precedeu no encontro definitivo com Deus.
5
Agradecimentos
No silêncio misterioso do princípio originário da vida uma pergunta
se faz ecoar no mais profundo de nosso ser: por que eu fui chamado à
vida? E nas inquietações da existência, como apelos do espírito, nos
atiramos em busca das mais diversas respostas. O desejo de respostas
vai como que sombreando à margem do nosso peregrinar pela vida. Tal
desejo não nos abandona um instante sequer e, como um destino fatal
que sempre nos atormenta na busca de mais e mais. O eco ensurdecedor
da voz deste desejo, que grita numa fome infinita de conhecimento do
Absoluto, é talvez, o que tenha impulsionado Agostinho a afirmar “tarde
Senhor, te conheci”. Aqui antes de tudo, agradeço a Deus por ter
colocado em mim o desejo de conhecê-lo, mais que conhecê-lo, amá-lo.
Agradeço sobretudo pelo seu amor infinito manifestado à toda
humanidade em Jesus Cristo.
Agradeço à minha família, à minha mãe que sempre soube nos
educar para a partilha, para o amor ao próximo e para o temor a Deus.
Ela sempre dizia: “com Deus não se brinca”, demonstrando para com
Deus um singular respeito e adoração. Da minha família não posso
esquecer meu pai, homem que sempre trabalhou e lutou para criar os
filhos, já que com ele aprendi o valor do respeito e da dignidade humana.
Ainda agradeço aos meus 5 irmãos, pois foi junto deles que consegui me
iniciar nos princípios da fraternidade cristã.
De forma muito singular, demonstro minha gratidão ao Dr. Mario de
França Miranda, docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, orientador disponível, sério e seguro; homem que desde a
primeira aula aprendi a admirar e valorizar em suas incomensuráveis
qualidades, sobretudo, pela bondade e compreensão para com seus
alunos – homem profundamente humano.
6
Aos professores e funcionários do Departamento de Teologia da
PUC-RJ, não me constranjo em citar o pe. Garcia homem admirável,
integrado e afetuoso para com seus alunos, intelectual respeitado e
exigente. A Denise e Jussara que sempre atendem na secretaria com
profissionalismo e cordialidade.
Agradeço também a três professores que muito marcaram o meu
caminho de estudante: pe. Cleto Caliman, intelectual profundo e humano;
pe. Gruen, singular exegeta e de imensa disponibilidade; Irmã Maria
Carmelita de Freitas, professora exigente, bondosa e amiga.
Agradeço à (CAPES) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior.
Por fim seria ingratidão deixar de lembrar a Inspetoria São João
Bosco (ISJB) na pessoa do pe. Ovídio Geraldo Zancanella, atual Inspetor,
onde passei a maior parte de minha vida; nesta minha nova casa, desde
adolescente, adquiri gosto pelos livros e pela cultura.
A todos minha eterna gratidão.
7
Resumo
Henriques, Romildo Pinas; Miranda, Mário de França. Deus na
Pessoa Humana segundo Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro,
2007. p. 122. Dissertação de Mestrado _ Departamento de
Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O presente estudo busca fazer uma leitura da antropologia
teológica de W. Pannenberg, sistematizando a temática e demonstrando,
através do autor mencionado, a dimensão religiosa como constitutivo
essencial do ser humano. O cenário que faz fundo a este estudo é a
modernidade, o homem situado num contexto moderno. Num primeiro
momento, o trabalho aborda as dimensões espiritual e corporal da
pessoa, apontando para uma integração entre elas, principalmente dentro
do contexto bíblico cristão. O estudo aprofunda a temática da pessoa
humana, inserindo a mesma no contexto do relacionamento social,
mostrando a tensão entre indivíduo e sociedade – abertura e fechamento.
Num segundo momento, o estudo pontua a liberdade como constitutivo
indispensável do ser humano e da subjetividade verdadeira. É na
experiência da liberdade que se pode falar do homem como consciência.
A liberdade, bem como a transcendência, são pressupostos para a
dimensão religiosa do homem e, a transcendência não só exprime o
movimento do homem na sua vida como espírito, mas também, constitui
o movimento da história, isso principalmente dentro da visão cristã de
homem e de história. O estudo mostra o homem como abertura para Deus
e a fundamentação teológica para esta argumentação. Aqui se trabalha a
temática da imagem e semelhança com Deus no pensamento de
Pannenberg e a relação dessa imago Dei com o mundo. A pesquisa faz a
abordagem da validade da dimensão religiosa e a idéia de confiança e
abertura no contexto da religião; para daí situar a pessoa como identidade
religiosa. Por fim, o estudo chega à sua fundamentação em Jesus Cristo.
É Jesus o protótipo de pessoa humana; ele é o fundamento de nossa
8
liberdade, o destino para onde a mesma caminha. Jesus é o que
reconcilia o homem com Deus e consigo mesmo. Nele o homem encontra
a sua plenitude como esperança escatológica.
Palavras-chave
Deus; Pessoa; Antropologia Teológica; Wolfhart Pannenberg
9
Abstract
Henriques, Romildo Pinas; Miranda, Mário de França. God in
Human Person According Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro,
2007. p. 122. Dissertação de Mestrado _ Departamento de Teologia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The aim of this paper is a reading into Pannenberg’s theological
anthropology, by systematizing the theme and demonstrating, through the
aforesaid author, that the religious dimension is an essential constitutive
of the human being. The background of the paper is modernity -- man
situated in a modern context. In a first moment, the study discusses the
person’s spiritual and corporeal dimensions, pointing out their mutual
integration, specifically in Christian biblical context. The essay inquires into
the theme of the human being, embedding it in the context of social
relations, showing the tension existing between the individual and society
– openness and seclusion. In a second moment, the study points out
freedom as an indispensable constitutive of the human and of true
subjectivity. It is in the experience of freedom that it is possible to speak
about man as conscience. Freedom as well as transcendence are
presuppositions for man’s religious dimension; transcendence expresses
man’s movement in his life as a spirit; it also constitutes the movement of
history, especially in the Christian vision of man and history. This paper
shows man as openness to God, and evinces the theological basis for
such argumentation. This is where the study develops the theme of man
as image and likeness of God in Pannenberg’s thought, and the relation
between this imago Dei and the world. At this point, the paper faces the
question about validity of the religious dimension, and the idea of trust and
openness in religious context, so as to situate the person as a religious
identity. Finally the study reaches its foundation on Jesus Christ. Jesus is
the prototype of the human; he is the foundation of our freedom and its
goal. Jesus is the one who reconciles man with God and with himself; in
Jesus, man finds his plenitude as eschatological hope.
10
Keywords
God; Person; Theological Anthropology; Wolfhart Pannenberg.
11
Sumário
1. Introdução
14
2. A modernidade e o homem como centro –antropocentrismo
19
2.1 . Wolfhart Pannenberg e sua produção acadêmica
20
2.2. Alguns pressupostos para compreender o homem: as dimensões de
corpo e espírito
26
2.2.1. O corpo como dimensão essencial do homem
27
2.2.2. O espírito humano na antropologia teológica de Pannenberg
31
2.2.2.1. A abordagem de espírito na antropologia filosófica
31
2.2.2.2. O espírito como dimensão da pessoa humana na linguagem
bíblico-cristã
33
2.3. O homem e a modernidade secularizada
38
2.3.1. A Relação entre indivíduo e sociedade
42
2.3.1.1. Tensão entre indivíduo e sociedade – fechamento e abertura
42
2.3.2. Personalismo dialógico e personalismo dialético
48
2.3.3. O homem como abertura
51
3. A realidade humana como pressuposto para a dimensão religiosa –
liberdade e subjetividade; transcendência e história
55
3.1. O indivíduo como liberdade
55
3.1.1. A pessoa como liberdade e consciência
56
3.2. A pessoa humana como ser transcendente
61
3.2.1. A transcendência como superação humana
62
3.2.2. Transcendência humana e história
65
3.2.3. Transcendência e história no cristianismo
68
4. O ser humano como abertura para Deus – uma leitura teológica do
ser humano em Pannenberg
72
12
4.1. A abordagem bíblica e outras abordagens do tema da imagem
e semelhança de Deus no decorrer da história cristã
73
81
4.1.1. A imagem e semelhança de Deus e o mundo
85
4.2. O homem religioso na antropologia de Pannenberg
85
4.2.1. A validade da dimensão religiosa
88
4.2.2. Confiança e abertura – características do ser religioso do homem
91
4.2.3. A pessoa como identidade religiosa
95
5. A salvação como esperança escatológica _ realização plena do
homem
96
5.1. Libertados plenamente no Deus de Jesus Cristo
99
5.1.1. A noção bíblico-cristã do tema liberdade
103
5.2. Jesus Cristo como revelação de Deus no homem
103
5.2.1. Jesus Cristo protótipo de homem na antropologia teológica cristã
108
5.2.2. O Verbo se encarna e o homem se reconcilia com Deus na pessoa
de Jesus Cristo
111
5.3. A plenitude do homem na revelação do amor de Deus
114
6. Conclusão Final
120
7. Referências bibliográficas
13
Abreviações
APT Antropologia em Perspectiva Teológica
EhcP El Hombre como Problema
TS1 Teologia Sistemática I
TS2 Teologia Sistemática II
TS3 Teologia Sistemática III
VHVD Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem (Tese Doutoral de
Marco Antônio Santana)
14
1
Introdução
O presente estudo visa a uma reflexão sobre o homem e a sua
relação com o divino e deste modo, já se demarca aqui parte do objetivo
desejado. O objetivo se completa quando citamos o autor em questão,
Wolfhart Pannenberg, uma vez que ele é um dos grandes nomes da
teologia atual e de forma profunda e aberta dialoga com a modernidade e
com todos os desafios dela advindos. Este estudo, vale dizer, é uma
busca de fundamentar, através deste autor, um argumento antropológico
para a dimensão religiosa do ser humano. Assim, a presente pesquisa
procura sistematizar na antropologia de Pannenberg alguns fragmentos
de resposta para as inquietações antropológicas ligadas à relação
homem-Deus, no dia-a-dia da vida.
Como já mencionado, este estudo da antropologia de W.
Pannenberg, procura alguma luz para a reflexão teológica, elaborando
uma compreensão do homem como alguém que por natureza é um ser
religioso, já que o homem sem Deus é um ser que se perde em si mesmo
e se fecha num egoísmo sem fim. Somente quando a pessoa se abre ao
seu verdadeiro destino, é que a mesma consegue se realizar como
portadora da imagem e semelhança de Deus.
Nossa pesquisa dedica-se restritamente à antropologia teológica
deste autor
1
, recorrendo de forma parcial também à Teologia Sistemática
2
volumes 1, 2, e 3.
O trabalho foi elaborado em quatro capítulos que procuram
sistematizar alguns elementos da visão antropológica de Pannenberg.
Em primeiro momento, o trabalho apresenta o autor e sua produção
acadêmica, para logo nos itens subseqüentes colocar alguns
pressupostos necessários para pensar o homem no contexto da
modernidade. Nestes pressupostos foram tratadas as dimensões corpo-
1
PANNENBERG, Wolfhart. Antropologia en Perspectiva Teológica, Salamanca: Sigueme, 1993.
2
PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistematica, Tomo I, Madrid: Universidade Pontificia
Comillas, 1996; Teologia Sistematica, Tomo II, Madrid:Universidad Pontificia Comillas, 1996;
Teologia Sistematica, Tomo III, Brescia: Queriniana, 1996.
15
espírito dentro da elaboração filosófica e da linguagem bíblico-cristã. Em
seguida apresenta o homem e a modernidade secularizada, pontuando a
relação indivíduo e sociedade e os constitutivos antropológicos de
fechamento e abertura, como traços da realidade do indivíduo e de sua
relação com a sociedade. Na relação, indivíduo e sociedade, mesmo que
brevemente, buscamos conceituar o personalismo dialógico e o
personalismo dialético, para daí fecharmos o primeiro capítulo situando o
homem como ser caracterizado pela abertura.
Já apresentadas as dimensões essenciais como constitutivas do
ser humano na dualidade corpo-espírito, o segundo capítulo busca
avançar na análise antropológica em Pannenberg, elaborando as
temáticas da liberdade, subjetividade, transcendência e história, dentro da
reflexão da antropologia filosófica. Este capítulo tem como finalidade
lançar as bases conceituais, para daí chegarmos à afirmação central do
estudo: a dimensão religiosa do homem como realidade essencial na
constituição do mesmo. Para afirmar o dado religioso do ser humano em
Pannenberg, se faz muito importante, ou melhor, indispensável buscar
compreender a temática da liberdade, já que esta é um dado essencial na
vida humana. Ao traçar o caminho da liberdade, o autor a relaciona com
a noção de indivíduo e de consciência, pois sem acrescentar estes dois
últimos elementos, a liberdade como tal fica enfraquecida.
Outro aspecto que se faz presente no segundo capítulo é o dado
da transcendência humana. Em Pannenberg, a transcendência é dado
fundamental para se definir o homem; sem ela o homem se perderia em si
mesmo e também ficaria difícil de abordar a sua dimensão religiosa.
Assim, a transcendência é uma característica do espírito e marca a
possibilidade do homem se abrir ao mundo, pois é pela força
dinamizadora do espírito presente nela, que possibilita ao homem tomar
consciência do seu ser pessoa. A atitude de transcendência possibilita ao
homem superar cotidianamente a sua finitude e os condicionamentos
presentes no decorrer de sua existência. A transcendência, na sua
compreensão mais pontual, não se dá na direção dos dados empíricos,
mas na busca de unidade com o Absoluto, ou seja, com o divino. É o
homem como pessoa quem ao dar conta de si mesmo pela linguagem e
16
pela razão, formula na cultura a superação dos seus limites,
transcendendo o mundo e a natureza. Neste sentido de superação, é que
se faz necessário tratar também a transcendência como história. Na
história, o homem participa de seu evoluir como espírito, transcendendo-a
e no processar dos fatos, a pessoa avança até a plenitude da história,
sendo que tal plenitude, para Pannenberg, se dá em Deus como
realização plena da pessoa humana. A história favorece ao homem um
constante transcender das situações provisórias do seu percurso, para
atingir a meta final de seu caminho. No último tópico deste capítulo
pontua-se que a transcendência humana já se inicia na história, sendo
que o seu destino final é Jesus Cristo. Neste sentido, tanto a
transcendência humana como a história adquirem um novo sentido que
será tema do último capítulo. Elas são marcadas pela Graça.
O terceiro capítulo constitui a parte central do estudo, pois é nesse
momento que procuramos demonstrar o pensamento do autor no que se
refere ao fundamento antropológico para a questão religiosa. Aqui se
busca compreender a dimensão de abertura do ser humano para Deus e
as implicações da mesma. Para afirmar tal dado, fez-se necessário tratar
a abordagem bíblica e algumas outras abordagens do tema da imagem e
semelhança de Deus na história cristã. Deste modo, a afirmação bíblica
“façamos o homem a nossa imagem e semelhança” torna-se de muito
peso para tratar o dado religioso no ser humano, dado este, que já se faz
presente desde a origem da criatura. Ainda no sentido da imago Dei, o
autor trabalha a relação do homem que é marcado pelo divino, mas é
convidado a realizar este traço na vivência concreta do mundo. É na
história, que o homem deve buscar realizar a sua imagem e semelhança
com Deus. O modelo perfeito de imagem e semelhança com Deus é
Jesus Cristo; Ele é a plenitude da dignidade humana e revela ao homem
o homem novo, como esperança escatológica já realizada na história e na
vida humana.
Depois de pontuar alguns elementos na temática da imago Dei, o
trabalho demonstra na antropologia de Pannenberg a essencialidade
religiosa no antropológico. Aqui busca-se fazer uma abordagem da
validade da dimensão religiosa quando se fala do homem tratando logo
17
em seguida, do tema da confiança e abertura como características do
homem religioso. Ainda, tematiza a pessoa como identidade religiosa,
pois somente compreendendo o verdadeiro sentido do ser pessoa e
buscando responder às necessidades da mesma, como ser espiritual, é
que se consegue algumas respostas para questões que vão além do puro
racional. Na identidade da pessoa, como ser integral e integrado, o
indivíduo se descobre como identidade religiosa, construindo para si
símbolos e ritos. Ele busca adentrar no mundo do mistério inefável que
transcende a ele mesmo. Para Pannenberg, o homem já é marcado em
sua natureza pela dimensão religiosa. Tal dimensão não está como um
penduricalho colocado nele, ao contrário, ela faz parte do ser pessoa e a
pessoa só se realiza de forma integral quando se coloca na condição de
abertura ao mundo, aos outros e a Deus.
O capítulo quarto, mais voltado para a escatologia, é o culminar da
abordagem anterior. Ele mostra que o destino do ser humano está
fundamentado na pessoa de Jesus Cristo. É Jesus o verdadeiro libertador
do homem. Se antes o tema da liberdade foi abordado mais na ótica
filosófica, agora ele assume um conteúdo teológico-bíblico. Assim, a
liberdade não é somente conquista do ser humano, mas muito mais dom
e graça que ele recebe de Deus desde o momento da criação. Somos
libertados na liberdade divina e, esta constitui a verdadeira liberdade.
Para o cristão, a liberdade é comunhão com Jesus e a participação na
sua filiação junto do Pai, isso implica na participação da sua missão. Ela
não é somente uma formulação conceitual filosófica, mas é fruto da
bondade de Deus e dom do espírito que torna os homens
permanentemente livres e os fazem participantes da filiação de Jesus
Cristo.
Esse capítulo tem um caráter escatológico. Mesmo que o estudo
não tenha tido esta finalidade específica, vimos que não tinha como falar
dos fundamentos antropológicos do ser humano sem chegar a tal
desfecho. A Encarnação de Jesus é para o ser humano um marco
decisivo e definitivo de esperança e de realização. Ao apresentar Jesus
Cristo como modelo para o homem, fica evidente em Pannenberg a sua
posição antropológica: a salvação do homem se realiza em Jesus Cristo,
18
ela não é uma salvação fora da história e alienada do mundo, ao
contrário, ela se dá na história e no homem situado no aqui da vida. O
Filho se encarna e se faz homem para elevar o homem à condição divina;
esta é a esperança que norteia a vida do ser humano. Na ressurreição de
Jesus, a pessoa humana é reconciliada com o Pai e a história marcada
por pecados e fragilidades se eleva ao divino. Desse modo, o futuro do
homem já é revelado no presente escatológico da ressurreição de Jesus.
A plenitude da realização humana não está nele mesmo como esperança,
mas ela se dá na revelação do amor de Deus. Ele mesmo quis
demonstrar esse amor para com a humanidade enviando seu Filho ao
mundo. Aqui vale encerrar com a frase de João: Deus é amor.
19
2
A modernidade e o homem como centro -antropocentrismo
Introdução
No primeiro momento deste estudo, mostraremos alguns traços
biográficos do autor Wolfhart Pannenberg, considerado um dos grandes
teólogos ainda vivo e, até o presente, não é muito conhecido no Brasil.
Indicaremos também suas obras de maior projeção ou que ajudam no
desenvolvimento da temática proposta nesta pesquisa. Logo em seguida
nos voltaremos para uma reflexão sobre o homem como pessoa dentro do
contexto da modernidade, lugar onde o autor Pannenberg também se
encontra situado. Nós nos preocuparemos em apresentar alguns
pressupostos antropológicos presentes na antropologia de Pannenberg e
que são indispensáveis para refletir, mais adiante, a temática da
antropologia teológica que é nossa finalidade específica. Tais
pressupostos terão o objetivo de definir o homem nas categorias de
corpo e espírito que se revelam indispensáveis quando perguntarmos
quem é o homem. Estes elementos, antes de qualquer outro, são
fundamentais para se ter uma visão do ser humano e assim situá-lo no
mundo. Pannenberg trabalha na sua antropologia teológica a leitura
destas dimensões como integradoras da realidade humana como pessoa,
fundamentando, exatamente no indivíduo como pessoa situada no
mundo, a realidade de abertura para Deus como constitutivo
antropológico. De início já se pode dizer: a revelação de Deus é situada
na história do homem.
Mesmo que esta primeira parte ainda se caracterize pela abordagem
mais antropológica que teológica, faz-se necessário abordar os temas
espírito- corpo e pessoa também na visão bíblico-cristã, para ainda neste
primeiro capítulo relacionar o homem com a temática da modernidade.
Não nos ateremos detalhadamente ao longo caminho feito pelas ciências
no que se refere ao estudo do homem como corpo e espírito, mas
apontaremos alguns elementos sintéticos sobre a compreensão destas
dimensões, para assim podermos entrar de forma mais profunda na visão
20
que Pannenberg apresenta de homem na perspectiva teológico-cristã e
nos esforçarmos numa sintética compreensão de sua antropologia
teológica como argumento da dimensão religiosa do ser humano, que é
objetivo principal deste estudo.
2.1
Wolfhart Pannenberg e sua produção acadêmica
Wolfhart Pannenberg nasceu em 1928, na cidade de Stettin, cidade
que fazia parte do território Alemão e hoje é ligada à Polônia. Pannenberg
no tempo de criança não recebeu formação religiosa, isso somente veio
acontecer mais tarde no decorrer de sua vida. Ele fez uma trajetória
marcada pela reflexão racional, para somente depois chegar ao
cristianismo. Ele acreditou entender sua experiência humana lendo os
grandes filósofos e pensadores religiosos. Embora batizado luterano
quando criança, mesmo assim, na sua infância não teve algum contato
com a igreja.
Na juventude, ele menciona uma experiência chamada de
“experiência iluminada”
3
, que marcou sua vida profundamente. Viveu sua
juventude durante o duro regime totalitário do Socialismo Nacional (NS),
sofrendo ainda, no início de sua vida, os revezes da segunda guerra
mundial.
Já em 1947, Pannenberg, sem se saber cristão ou não, vai estudar
teologia em Berlin. Influenciado por um professor que havia conhecido
nesta mesma ocasião, ele começa a perceber que o cristianismo pode ser
algo completamente distinto do que ele havia lido em Nietzsche
4
. A sua
primeira grande novidade foi o contato com o núcleo teológico de Karl
Barth “Deus é Deus”, e ele, como jovem, fica impactado pela maneira com
que aquela teologia propunha a soberana liberdade de Deus
5
.
3
Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 1, 02-04-2007.
4
J. A. Martinez Camino, In: PANNENBERG, W. Teologia Sistemática I (trad. Espanhola) p. XI.
Madrid: UPCO, 1992. A partir de agora quando nos referirmos à Teologia Sistemática I de
Pannenberg na tradução espanhola a indicaremos pela abreviação TS1.
5
J. A. Martinez. Camino. Op.Cit. p. XII.
21
Já em Basiléia, o jovem Pannenberg estuda teologia com K. Barth,
embora já tivesse tido contato com N. Hartmann com quem pôde refletir
sobre as grandes problemáticas da filosofia. Em Basiléia Pannenberg teve
a oportunidade de estudar também com Karl Jaspers, filósofo
existencialista cristão, que muito o ajudou a entender o valor da religião
como elemento fundamental da existência humana. Nos estudos
realizados com K. Barth, Pannenberg questiona o caráter absoluto do
cristianismo, mas aceita a soberania de Deus, a perspectiva singular de
sua revelação em Cristo e a dimensão universal da teologia. Pannenberg
não aceita o dualismo barthiano entre Deus e realidade natural. Para ele a
teologia pode partir de baixo, pois não há dualismo, e não se pode cair
numa indiferença em relação à história. Assim, com um forte acento na
história, a teologia assumida por Pannenberg terá um caráter mais
ascendente que descendente, e isso fica claro no seu projeto
cristológico
6
.
A partir de 1951 Pannenberg se estabelece na Universidade de
Heidelberg, onde conclui seus estudos com a tese doutoral e habilitação
para lecionar. Neste mesmo período lecionava nessa universidade o
grande exegeta Gerhard Von Rad, que juntamente com Hans Von
Campenhausen formavam um grupo de estudos da teologia, chamado de
“ Círculo de Heidelberg”. Neste grupo havia um forte enfoque na história
7
.
É nessa perspectiva histórica que será formulada a linha mestra da
teologia de W. Pannenberg.
Em 1959, Pannenberg escreveu um artigo “Evento de salvação e
História”, Aí ele afirma que Deus se revela indiretamente mediante a
proeza que ele realiza na história: revelação como auto-revelação
histórica indireta; revelação como história. Pannenberg propõe uma
revelação que se dá por intermédio dos fatos e não através da palavra
6
SANTANA, Marcos Antônio de. Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus: Fundamentos
Cristológicos da Antropologia Cristã na reflexão de Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro,
2003, 330p. ( Tese de doutorado), Faculdade de Teologia, Puc-Rio. Para nos referir outras vezes à
tese de Marcos Santana abreviaremos a primeira parte do título da mesma pelas quatro primeiras
consoantes (VHVD)
7
GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. Trad. João Paixão Neto, São Paulo: Loyola,
p.270, 1998.
22
como afirma K. Barth. Deus se revela na línguagem dos fatos por suas
intervenções na história.
A fórmula “revelação como história” (Offenbarung als Geschichte)
não deve ser confundida com a fórmula de caráter idealista, sobretudo
hegeliano, de “História como revelação”. Não é a história como tal que é
revelação do absoluto: a revelação acontece em fatos históricos, em fatos
realizados por Deus na história, em fatos que manifestam o sentido da
história e o destino do homem. Não história como revelação, e sim
revelação como história
8
.
Depois do tempo de Heidelberg, Pannenberg foi lecionar no
seminário luterano de Wuppertal a convite de J. Moltmann. Em 5 de
janeiro de 1959 Pannenberg faz uma conferência para os professores do
ensino superior que teve como título Acontecimento Salvífico e História (
Heisgeschehen und Geschichte). Neste trabalho o autor afirma que a
história é o horizonte hermenêutico de toda teologia
9
, distanciando-se
assim, da teologia existencial de Bultmann e da de K Barth. Bultmann
dissolve a dimensão histórica na historicidade da existência, retirando do
acontecimento salvífico o dado objetivo e se volta para a experiência
subjetiva do sujeito. Barth apoiando-se na perspectiva em que a teologia
da história da salvação se refugia em uma supra-história, afasta a teologia
da análise histórico-crítica
10
.
No ano de 1961 Pannenberg assume uma cátedra em Moguncia e
neste mesmo ano publica sua teoria sobre a revelação “a revelação como
história” (Offenbarung als Geschichte). Neste trabalho ele mostra que a
auto – revelação de Deus não se realizou de forma direta, como uma
teofania, senão, indiretamente pelas obras de Deus na história
11
.
8
SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p. 84.
9
Cf. Ibid., p. 84. Se faz importante a lembrança de que Wolfhart Pannenberg ainda na aurora do
seu produzir teológico busca exatamente compreender a revelação como história; neste sentido sua
teologia é uma teologia que se elabora na história humana, partindo deste dado já se encontra
fundamentos para explicar a profundidade e o alcance de sua antropologia.
10
Cf. J. A. Martinez Camino. Op. Cit. p. XIII.
11
Cf. SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p. 85. A compreensão da revelação como história
coloca, como que naturalmente, em Pannenberg, uma posição cristológica que se fundamenta
também na história, assim ele assume uma cristologia com forte característica ascendente.
23
Depois do tempo em Moguncia Pannenberg foi para a universidade
de Munique onde ficaria até aposentar. Em Munique ele foi professor e
também diretor do Instituto de Teologia Fundamental e Ecumênica,
faculdade de teologia, que na época havia sido recém-criada.
Pannenberg sempre explorou o seu interesse pela filosofia da
história e pela história universal. Para sua reflexão sobre a história ele faz
uso de seu amplo conhecimento da filosofia moderna, através do
pensamento de Hegel, Kant e outros. Como é visível em sua produção
acadêmica, ele trava diálogos profundos com Max Scheler, Karl Marx, S.
Freud para então chegar a uma síntese consistente de sua construção
teológica.
A partir dos anos 70, Pannenberg começa a demonstrar interesse
pela teologia relacionada com as ciências naturais. Em 71-72 escreve
alguns estudos sobre Teilhard de Chardin e se esforça para formular uma
teologia da natureza, mesmo trabalhando a clara distinção entre ambas
as ciências
12
.
Pannenberg, com o passar do tempo, tornou-se conhecido tanto nos
Estados Unidos como na Europa, principalmente nos espaços teológicos,
em que se deseja estudar uma teologia sistemática em diálogo com as
ciências modernas. Vale recordar que sua teologia, além de ser formulada
em cima dos pilares que sustentam a razão moderna, se dedica também
às questões antropológicas desta época como elemento básico da
teologia fundamental. Ao estudar o homem, ele o situa como
“naturalmente religioso”, indicando assim, o destino de tal homem
13
.
Devida à vastidão da sua produção acadêmica, torna-se muito difícil
entrar em detalhes sobre sua produção bibliográfica, por isso aqui serão
apenas mencionados alguns dos livros que sintetizam momentos da
carreira teológica de Pannenberg; ou então obras que estão diretamente
ligadas à finalidade deste estudo.
Além da obra “Revelação como História” uma outra obra que marca
a trajetória teológica de Pannenberg é a que ele publicou em 1964 com o
título original de “Grundzuge der Christologie” - Fundamentos de
12
Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 13, 02-04-2007.
13
Cf. A. Martinez Camino. Op. Cit. p. XIV.
24
Cristologia. Nessa obra ele valoriza o encontro com os dados históricos
que deram origem à fé cristã
14
.
No ano de 1967, Pannenberg publica a obra “Teologia e Reino de
Deus” – Theology and Kingdom of God
15
, fruto da compilação de várias
conferências realizadas por ele nos Estados Unidos entre 1966 e 1967
sobre Deus, a Igreja e Ética. Em 1973 foi publicado “Wissenschaftstheorie
und Theologie
16
, teoria da Ciência e Teologia, em que Pannenberg
define teologia como a ciência de Deus, não somente da religião cristã,
mas de outras religiões históricas que têm o caráter de perguntar sobre a
verdadeira realidade de Deus.
A partir do momento em que Pannenberg elaborou os fundamentos
epistemológicos para formular sua teologia, ele voltou sua atenção para o
antropológico. Em Valencia publicou “Antropologia Cristiana y
Personalidad
17
. Com esta obra ele constata que uma das contribuições
básicas da tradição judaica-cristã foi o desenvolvimento da idéia da
singularidade da existência humana e afirma que cada um constitui o
ponto com o qual coincidem claramente a experiência da historicidade do
homem e a consciência de sua personalidade. Isto porque a idéia da
personalidade se refere à singularidade do indivíduo. É em nome desse
personalismo que proclama o valor infinito do ser humano. No entanto ele
reconhece que tal personalismo desencadeou também o amplo
secularismo
18
e subjetivismo
19
, instaurando no homem uma liberdade
14
SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p.86.
15
Cf. Ibid., p.86.
16
Cf. Ibid., p.87. O atestado epistemológico para a teologia é uma das grandes preocupações de
W. Pannenberg, ele mesmo vai afirmar em sua antropologia na perspectiva teológica que uma
teologia nos tempos atuais só será de fato reconhecida se assumir, não uma postura de qualquer
superstição, mas assumir um caráter cientifico de universalidade. Cf. Antropologia em
perspectiva Teológica – Implicaciones religiosas de la teoria antropológica. Salamanca:
Sigueme, 1993, p. 20.
17
Cf. Ibid., p.89.
18
Conforme o Dicionário Aurélio Secularização se define como ato de secularizar, ou seja,
fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se
converteram em doutrinas filosóficas e em instituições leigas. Claro que quando se busca as raízes
mais profundas da secularização se depara com questões e problemáticas muito mais complexas do
que a definição acima. Para melhor aprofundar esta temática Cf. Wolfhart Pannenberg. How to
Think About Secularism e When Everything is Permitted. In: www:
theology.il/theologians/pannen.htm, 02-04-2007. Mario de França Miranda. A Igreja Numa
Sociedade Fragmentada. São Paulo: Loyola, 2006. Steven Connor. Cultura Pós-Moderna –
25
sem limites e que diante de tais elementos o cristianismo deve assumir
uma postura crítica e dialógica
20
.
Ainda buscando responder às inquietações sobre o homem, mais de
vinte anos depois de Pannenberg ter publicado o estudo intitulado “was ist
der Mensch?”
21
, ele publica outra obra de grande densidade de conteúdo
Anthropologie in Theologischer Perspektive
22
, Antropologia na
Perspectiva Teológica. Tal obra de grande profundidade antropológica
realiza uma verdadeira odisséia sobre a história humana, perpassando
por vários elementos da cultura humana ocidental. Todo tematizar
antropológico evidencia que é no ser humano que se fundamenta a
formulação teológica e que o homem tem em sua própria natureza traços
de Deus. A antropologia deixa de ser puro debate filosófico e vai além,
entrando na dimensão religiosa. O homem se abre para Deus numa
atitude de fé.
No ano de 1996 Pannenberg publica três grandes obras, uma das
quais intitulada Theologie und Philosophie (Teologia e Filosofia), em que
o autor procura interagir o caminho histórico das duas ciências, através de
um diálogo sólido e profundo. Outra obra deste mesmo ano é Ethik und
Ekklesiologie ( Ética e Eclesiologia), na qual o próprio autor diz que busca
abordar o tema da ética no contexto eclesiológico e em relação à doutrina
da igreja. Por fim, a outra obra que compõe essa tríade de 1996 é
Grundlagen der Ethik (Fundamentos da Ética), em que Pannenberg faz
Introdução às teorias do Contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1993. Gilles Lipovetsky. A Era
do Vazio. Lisboa: Gallimard, 1983. Jean Baudrillard. A sociedade de Consumo. Trad. Artur
Morão. Lisboa: Edições 70,1995.
19
É um termo moderno que designa a doutrina que reduz a realidade ou os valores a estados ou
atos do sujeito ( universal ou individual). Nesse sentido, o idealismo é subjetivismo porque reduz a
realidade das coisas a estados do sujeito (percepções ou representações). Analogamente, fala-se de
subjetivismo moral e subjetivismo estético quando o bem, o mal, o belo ou o feio são reduzidos às
preferências individuais. Cf. Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes. Verbete Subjetivismo.
20
SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p.89.
21
Cf. Ibid., p.85. Esta obra foi traduzida para o espanhol Pela editora Herder em 1976, com o
título El Hombre como Problema – Hacia uma antropologia teológica. Tal obra pode ser
considerada o prenúncio da grande obra de antropologia produzida por Pannenberg que será
apresentada alguns anos depois com o título de Antropologogie in Theologischer Perspektive.
22
Cf. Ibid., p.90. É exatamente a obra para a qual nos voltaremos com maior intensidade no estudo
a que nos propusemos realizar. O autor apresenta com singular profundidade uma abordagem
ampla e complexa sobre o homem, fundamentando-se no pensamento moderno traz uma base
sólida para justificar uma antropologia teológica, onde a dimensão religiosa do ser humano se faz
indispensável.
26
um longo intinerário pela ciência da ética e busca mostrar que teologia
dogmática protestante e ética não se separam, mas se complementam.
Antes de citar a obra magna de Pannenberg que são os três
volumes da teologia sistemática, vale lembrar que sua obra se estende
numa ampla produção acadêmica entre livros, artigos e outros. Alguns
artigos mais atuais do autor como When Everything is Permitted ou How
to Think About Secularism
23
, indicam um posicionamento profundo e claro
do autor sobre o tema da modernidade e do secularismo.
Antes de encerrar cabe lembrar os três volumes de Teologia
Sistemática, a “Systematische Theologie”
24
I, II, III que, com certeza, foi a
obra maior de Pannenberg. Estes três volumes representam a maturidade
de um pensador que levou toda sua caminhada intelectual com grande
seriedade. É uma densa e profunda caminhada pela teologia ocidental
desde a teologia clássica até nossos dias. Nessas obras, fica claro o
grande conhecimento que Pannenberg apresenta da patrística grega e
latina, além de todo itinerário da filosofia ocidental. Pode-se concluir
dizendo que Pannenberg é um dos grandes teólogos protestantes da
contemporaneidade
25
. Aberto aos tempos atuais e com um paradigma
interdisciplinar que caracteriza o seu fazer teológico, ele consegue propôr
através da teologia um cristianismo autêntico, bem fundamentado,
consistente e plausível de ser apresentado à sociedade secularizada do
mundo atual.
2.2
Alguns pressupostos para compreender o homem: as dimensões de
corpo e espírito
23
Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 13, 02-04-2007. Além dos artigos
citados o site apresenta outras publicações de Pannenberg como também de outros teólogos da
atualidade.
24
PANNENBERG,W. Teologia Sistemática trad. italiana Volume 2, 1994; Volume 3, 1996;
Brescia: Queriniana,. Tradução espanhola, Volume I , Madird: UPCO, 1992.
25
ACOORDINI, Giuseppe. Wolfhart Pannenberg. São Paulo: Loyola, 2006. Diz este autor na p.
22. Pannenberg dá a impressão de um detetive brilhante, porém meticuloso, que repercorre
repetidamente os seus passos em busca de novos fios condutores, sem o temor de desafiar o que
parece óbvio ou de pensar o impossível. Evita perseguir a retórica do efeito e desdenha um
brilhante objeto para si próprio.
27
2.2.1
O Corpo como dimensão essencial do homem
O problema que aparece de imediato, quando se fala do ser humano
é exatamente o de sua presença no mundo, e tal presença se dá através
de seu corpo. É o corpo que mediatiza o revelar visível do ser humano e
a corporeidade surge como fato essencial para a autocomprensão do
homem.
Pannenberg, ao retomar o pensamento clássico para definir o
corpo do homem, demonstra que sempre esteve presente uma visão do
corpo como instrumento da alma. Em Platão, ele é visto como uma prisão
para a alma humana. Também a escolástica se deteve nesta forma de
definir o corpo humano, justificando-se na idéia do pecado e da queda
humana. Ainda, sustentando-se nas bases do pensamento de Platão, o
corpo foi compreendido como uma realidade inferior e o grande drama
humano, seria superar esta realidade inferior através do domínio do
próprio corpo pela força da alma
26
. Ao homem cabe superar a corrupção
e a decadência moral, ocasionadas pelo corpo e tal superação será
através da força da alma superior. É nesta linha que cabe lembrar o
ascetismo medieval, em que se buscava purificar o corpo dos desejos e
do pecado através de práticas de exercícios (ascese).
No Renascimento e na Idade Moderna houve transformações na
maneira de olhar para o corpo humano. Nesse período da história, o
corpo era visto como objeto da ciência, perdendo a sua dimensão
sagrada. Na forma moderna de abordar o corpo, dois autores que muito
contribuíram para uma nova forma de entender o corpo humano foram R.
Descartes
27
e T.Hobbes. O novo jeito de fazer ciência, proposto por eles,
serviu para instrumentalizar o corpo humano, comparando-o com uma
máquina racional. Esta nova visão do corpo humano será de grande
26
PANNENBERG, W. Teologia Sistemática 2. trad. Do alemão. Dino Pezzeta. Brescia:
Queriniana, vol. II, p. 212. A partir da presente citação, quando nos referirmos a esta obra
indicaremos autor, página e seu título abreviado por TS2.
27
Cabe esclarecimento, no que se refere a Descartes, o tratamento dado à res cogitans e à res
extensa. A res cogitans é claramente distinta do mundo corpóreo, fazendo parte do mundo
espiritual. Já a res extensa é o mundo material. Pannenbeg, como cristão, compreende a unidade
corpo-alma e não uma visão dualista.
28
significado para entender o homem na modernidade. Se na compreensão
platônica o espírito se sobrepunha ao corpo, agora o homem se volta
com toda intensidade para a natureza, criando um novo desequilíbrio
entre corpo e espírito. Acentua-se a natureza e a matéria, não mais o
espírito como acontecia em Platão
28
.
O auge da visão moderna de homem, na sua dimensão corporal,
dar-se-á na física de I. Newton que apresenta uma nova leitura para a
dynamis” ao afirmar que a força vem da natureza. Tal afirmação faz a
dissociação definitiva de qualquer relação com a idéia de Deus
29
,
colocando o homem, deste modo, na centralidade do mundo.
Ainda, ao tratarmos do corpo na perspectiva da antropologia
teológica de Pannenberg, cabe lembrar que ele é afirmado como parte
fundamental do ser humano, como uma dimensão da totalidade
complexa que é o homem. É nessa perspectiva que se situa o
pensamento de Pannenberg. O corpo como diz ele : “é o núcleo mais
íntimo de nossa própria pertença material”
30
. Assim, o corpo se torna
base indispensável para referir-se ao eu e ao si mesmo
31
, já que não tem
como se referir ao ser humano senão no espaço e no tempo, ou seja,
constituído de uma corporeidade.
Pannenberg observa que o corpo possibilita ao homem fazer
rupturas consigo mesmo e sair de si numa atitude de excentricidade
32
. A
28
É somente no pensamento de Baruc Espinoza com seu Tratado Teológico Político que haverá
um esforço de unidade e equilíbrio para a relação corpo – espírito. Nesta obra ele defende a idéia
do paralelismo, onde corpo e espírito se harmonizam sem causalidade hierárquica, havendo sim,
uma correspondência entre ambas categorias. Espinoza, busca preservar no homem, também
como corpo, a dimensão de criatura de Deus. LUCIA, Maria de Arruda Aranha; HELLENA,
Maria Pires Martins. Filosofando –Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, p. 311-318.
29
PANNENBERG, W. Op. Cit. p. 98.
30
PANNENBERG,W. Antropologia En Perspectiva Teologica. Implicaciones religiosas de la
teoría antropológica. Trad. do alemão por Miguel García-Baró. Salamanca: Ediciones Sigueme,
1993, p. 255. Esta obra constitui aqui texto fundamental para abordarmos o tema da antropologia
em Pannenberg e será essencial para nosso estudo. Para nos referirmos à ela usaremos o Nome do
autor, página e a abreviação APT para indicar o título da mesma.
31
A idéia da compreensão relacional do eu com o si mesmo está sustentada na compreensão
moderna de autoreflexão, onde a consciência humana se volta para si própria se transformando em
objeto do pensar. E´ neste diálogo entre consciência que se faz sujeito e objeto do pensamento, que
o homem busca a unidade da autocompreensão do próprio homem como existência. Pannenberg
faz um profundo caminho pela psicologia passando por G.H. Mead, Erikson, Fchte, Kant. Para
Kant tal problema constitui o fundamento da unidade de toda experiência. Pois a consciência de
que penso os conteúdos de minha consciência, tem que poder acompanhar a todas minhas
representações. Cf. PANNENBERG, W.APT. p.250.
32
Cf. Ibid., p. 101.
29
experiência da corporeidade humana é uma experiência de limite e de
superação. Há momentos de fracassos e de conquistas no tomar
consciência do próprio corpo, mas é no esforço, elaborado pela razão e
pela linguagem, que o homem transcende ao próprio corpo e se mostra
com índole extracorporal, criando, assim, uma tensão com a sua
finitude,
33
que tem fundamento visível no próprio corpo. Desse modo,
corpo e alma constituem o que Pannenberg chama de unidade do viver
humano; alma e consciência são profundamente radicadas na
corporeidade do homem e, vice-versa, o corpo humano não é um
cadáver, mas realidade animada em todas as suas expressões vitais
34
.
Para afirmar o ser humano numa unidade corpo e alma, Pannenberg não
descuida de distanciar-se de Platão, nem das tendências gnósticas que
apresentavam o corpo como realidade inferior e prisão para a alma. Ele
caminha pelas veredas da patrística, em que há um esforço da Igreja dos
primeiros séculos em elaborar uma compreensão cristã da pessoa
humana integral. Em tal perspectiva, corpo e alma são igualmente
criados por Deus e são bons, fazendo parte da vontade criadora de Deus.
Pannenberg expõe que a totalidade do indivíduo como pessoa é
uma realidade que vai sendo construída, elaborada no complexo de corpo
e espírito que é o ser humano. Desse modo, o ser humano como abertura
ainda não está definitivamente pronto, mas vai se produzindo na sua
história, na qual, constantemente em dialética, estão a identidade da
pessoa como eu e a continuidade na historia como si mesmo, que abre
numa atitude de excentricidade ao mundo,
35
à sociedade e a Deus. Não é
33
Cf. Ibid., p. 102. A dialética vivida pelo ser humano, como ser corporal, pertencente à natureza,
mas ao mesmo tempo ser que deseja superar tal natureza é um marco na história da cultura
humana. Aqui se instaura o que na filosofia se chama segunda natureza, ou seja, o homem cria a
cultura. Este conflito que o homem vive diante de sua existência será de certo modo superado com
o emergir da razão e da elaboração de uma cadeia de costumes e valores, preservados dentro da
sociedade. Cassirer, ao invés de definir o homem pela razão, prefere usar em sua obra Ensaio
sobre o Homem A compreensão de homem simbólico, adentrando assim, mais na dimensão
cultural e religiosa do homem. Cf. CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem. São Paulo:
Martins fontes, 1997.
34
PANNENBERG, W. Op. Cit. p.210. Ainda neste tema do corpo, Pannenberg recorda que
paralelo a visão de unidade do corpo e alma sempre esteve presente na visão cristã do ser humano
a visão dualista de homem, visão de procedência helenista, onde compreende as dimensões corpo e
alma como duas substâncias.
35
Na problemática da identidade, Pannenberg trabalha longamente os estudos da psicologia
behaviorista e da psicanálise de S. Freud. A primeira muito voltada para os comportamentos
humanos exteriorizados nos dados empíricos corporais encontrados no indivíduo. Freud, por sua
30
o homem como corpo ou como espírito que participa deste processo de
se construir no mundo como pessoa, mas é a pessoa como unidade que
continuamente vai se elaborando nas dimensões corpóreo-espiritual.
Conclusão
Tratar o homem como totalidade e buscar situá-lo dentro de uma
visão integral sempre foi dificuldade para todas as ciências. Os grandes
equívocos na forma de compreender o homem se instauraram na leitura
dualista da pessoa humana, sustentada em abordagens equivocadas do
mesmo. A compreensão da realidade humana, que parte do princípio
dualista, representa uma longa história na cultura ocidental, vindo desde
as releituras distorcidas de Platão ou de textos sagrados que tratam das
dimensões corpo e espírito, até chegar em nossos dias. As reflexões
sobre o homem quase sempre tenderam a valorizar em excesso o espírito
menosprezando o corpo ou, ao contrário, como se vê na cultura atual,
em que o corpo é supervalorizado em detrimento da dimensão espiritual.
A antropologia teológica busca superar a visão secionada de
homem e tenta retomar a idéia presente na criação que apresenta o
homem como uma totalidade composta por dimensões: corporal e
espiritual. Esta visão de homem como totalidade está presente na
antropologia de Pannenberg e, apresenta seu ponto culminante na
realização do homem em Deus. Se o corpo é uma categoria fundamental
para Pannenberg, ele não é abordado de forma isolada, mas fazendo
parte de uma totalidade que é o homem . Este homem composto de
corpo e alma, lembra Pannenberg, aparece como imagem e semelhança
de Deus.
Por fim, fica claro em Pannenberg, que sua visão moderna de
pessoa não se restringe às dicotomias e dualismos evidentes em tal
época; ao contrário, ele busca uma perspectiva de leitura do ser
humano como sujeito integrado e aberto para a construção de sua
vez, situa o indivíduo no universo das pulsões e dos desejos. Para Pannenberg a resposta mais
profunda para a identidade humana vai além da realidade humana, pois se trata da sua condição de
incompletude, possibilitando a sua abertura a algo maior, que é Deus.
31
identidade como indivíduo. Neste sentido, cabe ainda trabalhar a outra
dimensão que constitui parte essencial do ser humano que é o espírito,
para somente mais adiante, podermos entrar na abordagem da pessoa
como liberdade, como transcendência e como sujeito de relações.
2.2.2
O espírito humano na antropologia teológica de Pannenberg
2.2.2.1
A abordagem de espírito na antropologia filosófica
Depois de ter apresentado algumas características da categoria de
corpo em Pannenberg, outra dimensão que se faz essencial para
compreender a antropologia pannenberguiana é a constituição do
homem como dimensão espiritual. Tal dimensão foi vista no decorrer da
antropologia como a fonte originária da vida, e constitutivo dinâmico da
mesma no processar da história. Faremos uma breve conceituação de
espírito a partir da antropologia filosófica e em seguida apresentaremos,
também uma sintética compreensão da temática na perspectiva bíblico-
cristã, conforme o pensamento de W. Pannenberg. É no entendimento do
homem como ser espiritual que se poderá falar da abordagem do homem
como homo religiosus em Pannenberg. Todo percurso que Pannenberg
faz pela filosofia e por outras ciências para chegar a uma tematização de
espírito revela-nos como objetivo alcançar a fundamentação teológica do
antropológico. Pode-se dizer que o espírito, como parte da totalidade do
homem, lança este homem para além dele mesmo na busca de algo
maior, ou seja, Deus.
O homem assume sua vida como intencionalidade, interiorizando o
mundo e elaborando para si um mundo interior, tomando, assim,
consciência de si mesmo. Aqui se pode dizer que o homem elabora a
noção de sujeito consciente, para daí avançar até a categoria de espírito
como parte integrante do ser pessoa.
A noção de espírito, como sopro animador, ou aquilo que vivifica,
fez-se presente durante toda história deste conceito até a modernidade. É
32
no pensamento moderno que esta compreensão passará por alterações
de forma definitiva. Hegel é quem apresenta uma nova maneira de afirmar
a idéia de espírito. Ele o classifica através de três adjetivos: subjetivo,
objetivo e absoluto. O espírito objetivo é apresentado por ele como as
instituições fundamentais do mundo humano (direito, moralidade e
eticidade), o espírito subjetivo é o espírito finito como (alma, razão e
intelecto); já, o espírito absoluto é apresentado como o mundo da arte, da
religião e da filosofia. Nesta compreensão, o espírito objetivo e o espírito
absoluto fazem a superação da dimensão subjetiva tornando-se realidade
histórica universal. Aqui se instaura o mundo dos valores
36
.
Pela definição acima, verifica-se uma noção de espírito em que o
homem supera a sua mera existência de finitude e se eleva ao horizonte
do definitivo. A presença do verdadeiro e do definitivo nos processos
históricos, que às vezes são processos também de fracassos e
transitoriedade terrenal, pode ser definida como espírito
37
. É na história,
pela experiência da cultura, vivenciada na subjetividade humana, que a
pessoa chega ao entendimento do seu ser espiritual. Aqui não há razão,
lembra Pannenberg, para voltar à noção tradicional de espírito que
apresenta um dualismo antropológico, como na teoria das duas
substâncias, defendidas por Descartes ( res extensa e res cogitans).
Pannenberg faz uma definição de espírito, que se distingue das idéias
puramente filosóficas, sendo que estas partem do fenômeno da
consciência e da subjetividade, ele afirma:
O espírito no sentido em que eu uso esta palavra, não deve ser entendido, partindo
do fenômeno da consciência e subjetividade _ no sentido da unidade da vida social
e da vida cultural, assim como o nexo próprio da história ( na abertura e
inconclusão de seus processos). A todos estes fenômenos lhes são comuns a
presença eficaz de uma esfera de sentido que está dada de antemão aos indivíduos e
que sobrepassa e constitui sua existência, uma esfera de sentido que se franqueia,
ao menos parcialmente, no viver dos homens, e a cuja configuração, estes fazem
sua contribuição, porém não é produto seu”
38
.
36
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Verbete: Espírito, p.354-356, São Paulo:
Martins fontes, 1998.
37
PANNENBERG, W. APT. p. 656.
38
Cf. Ibid., p. 657. Nas paginas que seguem Pannenberg apresenta também a definição
diltheiniana de espírito que parte de uma representação como força vital que se manifesta através
da atividade dos indivíduos como energia do gênero, aí explica a idéia de e dos nexos estruturais
do viver humano.
33
Quando define o conceito de espírito, Pannenberg interage com
outras definições já existentes, principalmente a hegeliana, mas a sua
definição como visto acima apresenta algo específico nesta categoria. Ele
apresenta a afirmação do espírito num horizonte de abertura, de
incompletude. Se a temática filosófica sempre buscou afirmar as
realidades em conceitos fechados, aqui surge a novidade: o espírito se
abre como excentricidade. Além da abertura, outro aspecto que parece
ser marcante em tal definição é que o espírito não tem em si a totalidade
de si mesmo. O conceito não alcança toda realidade, como queria Hegel.
O espírito, conforme Pannenberg, possui algo que está além dele, algo
que vem de fora. Neste sentido o espírito como realidade humana, em
Pannenberg, recebe como na definição bíblica, algo que vem de Deus, ou
seja, o sopro divino.
Ainda aprofundando a reflexão sobre a temática do espírito,
Pannenberg coloca uma dificuldade em tematizar tal conceito na
antropologia, pois este seria suficientemente examinado em seus
problemas e implicações, somente no âmbito da ontologia geral. A
antropologia se contenta em dar as indicações a respeito do problema de
fundamentação do conceito de espírito. Em contrapartida, ao tema do
espírito, além dos elementos antropológicos, cabe fazer um nexo com a
linguagem da tradição bíblica e da doutrina cristã, para assim ampliar o
alcance na compreensão de tal conceito. É nesta perspectiva que
buscaremos apresentar elementos característicos da abordagem do
espírito a partir da linguagem bíblico-cristã em Pannenberg.
2.2.2.2
O espírito como dimensão da pessoa humana na linguagem bíblico-
cristã
A Escritura não fala primordialmente de espírito relacionando-o com
o princípio da consciência, mas o espírito é apresentado como origem da
vida. O espírito, para o Israel antigo, é o próprio espírito criador de Deus
(Gn, 1,2) É este espírito que dá vida às criaturas, às plantas e aos
animais; ele é força “dynamis” que sustenta a vida (Sl, 104,30). Nesta
compreensão a vida é sustentada pelo espírito de Deus, pois na ausência
34
dele, ela se tornaria um nada. Pannenberg lembra a passagem de Gn 2,7
quando na narração do mito da criação Deus, ao fazer o homem, sopra
em suas narinas o hálito de vida, ou seja, o seu “ruah”. Se Deus
reclamasse de volta o seu espírito e retomasse seu sopro de vida, toda
carne morreria ao mesmo instante e o homem retornaria ao pó (Gn
34,14s)
39
. Na morte o corpo é dado à terra e o espírito é devolvido a
Deus, pois o homem na sua arrogância e convencimento impossibilita que
o espírito doado por Deus esteja nele para sempre ( Gn 6.3). Nesta
perspectiva, a morte surge para o homem como uma ruptura no princípio
da vida doada por Deus na criação. Tal ruptura é também emancipação e
independência contra a origem divina da vida. Somente no futuro, quando
a ressurreição dos mortos acontecer, é que a vida retornará à sua origem
na união com Deus numa vida imortal
40
.
Mesmo nas contradições da vida, o homem carrega uma contínua
esperança que o sustenta no caminho e o eleva acima de suas fraquezas.
Ele espera a plenitude da vida em Jesus Cristo, pois é nele que confirma
a nossa ressurreição. Paulo afirma que a ressurreição é o grande desejo
humano e a máxima que fundamenta a fé do homem (I Cor. 15). Tal
esperança já se faz presente na vida do povo de Deus desde o pós-exílio
e é sustentada na força do espírito. É pela força do espírito, como
esperança, que o homem se projeta para mais além de si mesmo, ele
se identifica como espírito e se eleva até o mais alto de seu desejo. No
pensamento de Pannenberg este desejo do homem se expressa de forma
clara na salvação anunciada e trazida por Jesus, em que o ser humano é
associado e introduzido no reino de Deus.
Ao pensar o espírito nesta dimensão antropológico-cristã, verifica -se
que ele não é algo próprio do ser humano, como essência, mas ele
sobrevém ao homem; o espírito é algo que o homem recebe, como de
39
PANNENBERG, W. TS2. p. 210 et. seq.
40
PANNENBERG, W. APT. p. 660. É este retorno a Deus que move o ser humano no seu existir,
mesmo quando na sua trajetória de liberdade, o homem se equivoca como um ser errante pelo
mundo; também nos erros cometidos por ele, é a esperança que o sustenta. É o espaço religioso,
como marca mais profunda da esperança humana, que se abre como horizonte reconciliador entre
homem e Deus. Assim a religião adquire uma força que vai além dela mesma. Ela tem o papel de
propiciar ao homem uma força espiritual maior que ele mesmo e o mesmo em suas fraquezas
encontra algo muito maior, ou seja, infinito e pleno. Este algo, na denominação teológico-cristã
não tem outro nome senão Deus.
35
fato o recebeu e, tal espírito atua nele, mas sem ser idêntico a ele,
porém somente graças à atuação do espírito que o homem é de fato
homem.
A expressão pneuma é uma forma corrente para se falar do espírito
nos escritos neotestamentários e no judaísmo helenístico. Tal expressão
aparece também com o significado de alma em suas funções
cognoscitivas e emocionais. Fala-se também de espírito divino que
contrasta com a alma humana, mas a alma é sempre vista como o alento
de vida, doado por Deus ao homem. A alma (nefesh) não é um
componente do homem que é adicionado ao corpo, como apresenta o
pensamento dualista de Platão e Descartes, mas sim, é este ser corporal
que é vivo
41
. Nesta perspectiva, também pensava a igreja latina, quando
afirmava a alma como forma essencial do corpo do homem; no entanto, a
vida do corpo é efeito do espírito vivificante de Deus. O divino Espírito
criador faz o homem possuir em si mesmo a vida
42
, sendo que o espírito
se faz presente inteiramente no homem, sem se converter em parte dele.
É pela dinâmica do espírito que o homem experimenta o movimento de
transcendência, colocando-se para além da existência corporal própria e
se lança no mundo, onde de fato, a vida se realiza
43
.
É na experiência da dinâmica do espírito, e associando-se a ela, que
o homem busca construir sua vida e seu sustento físico e espiritual; ele se
abre aos outros, fazendo a experiência de se elevar acima de sua própria
finitude. Este elevar acontece pela consciência humana, na qual o homem
mostra-se maior que qualquer outro ser vivente que não seja ele mesmo.
Pode-se afirmar que a consciência possibilita ao ser humano reter
no presente, através da linguagem, o passado e o que já é ausente;
deste modo, a consciência desenvolve no homem o poder de superar o
tempo, proporcionando um vislumbre de eternidade, antecipação do
futuro
44
.
A intenção de autotranscendência como característica do espírito,
leva o homem a almejar seu destino, que é o amor salvador de Deus. No
41
Cf. Ibid., p.661.
42
Cf. Ibid., p. 661.
43
Cf. Ibid., p. 661.
44
Cf. Ibid., p. 663.
36
sentido bíblico, o destino do homem, como esperança, é caracterizado
pela experiência de fé, conforme se confirma na Carta aos Hebreus: “A fé
é um modo de possuir desde agora o que se espera, um meio de
conhecer realidades que não se vêem”. A busca de compreender o
homem e sua história, como processo de formação de um caminho até o
futuro desejado como destino próprio deste homem, é já antecipar a sua
meta como missão que se realiza na história. Tal caminho, para a
esperança futura, constitui a identidade do homem diante de si mesmo,
revelando-se também, como identidade de toda humanidade.
Pelo visto até este momento, o espírito se faz presente no
movimento extático da vida e, através da consciência humana mediando
a identidade e possibilitando a superação do tempo, o homem se torna
independente, ou seja, ele se faz sujeito de ação responsável. O ser
humano age pela atuação do espírito e é neste espírito que o homem se
torna pessoa e se distingue dos demais,bem como se distingue da
verdade das coisas
45
.
O homem constrói a sua identidade como pessoa e busca sua
autoconstrução no caminho da subjetividade livre. Ele retira a sua vida da
origem do espírito divino e busca fundá-la em si mesmo. Aqui remete ao
estado de queda e de morte que marcam a vida humana. A vida humana
é marcada pelo limitar da vida divina no espírito, abrindo no homem um
estado de perversão e fechamento em si mesmo. Tal estado, retira o
homem de sua trajetória de excentricidade e de participação, como
criatura, da eficácia do espírito.
O homem supera não só o estado de ruptura com sua origem, mas
também o da situação de perversão somente na experiência de
comunidade. É na vivência histórica, em unidade com outros, que o
homem faz a experiência de transcendência e de alcance da sua meta
como destino. Aqui fica claro falar de um espírito que perpassa a história,
uma época e uma cultura. Tal Espírito, dentro da antropologia cristã, é
proveniente de Deus, e penetra no acontecer da vida, suscitando o
homem a voltar-se para a unidade com ele na experiência da fé e do
45
Cf. Ibid., p. 667.
37
amor. O homem, pela fé, abandona o percurso de fechamento e se volta
para o seu verdadeiro destino de imagem e semelhança de Deus. O
modelo perfeito a ser seguido é Jesus Cristo, como lembra Paulo aos
Coríntios:”Cristo que é imagem de Deus” (2Cor. 4,4)
46
.
No que se refere à temática do espírito vale encerrar com as
palavras exatas de Pannenberg, quando este apresenta o futuro
escatológico como realização plena do homem na sua compreensão
como pneuma. Assim, a plenitude da vida, segundo o espírito, dar-se-á no
manifestar pleno do reino de Deus.
“A presença do futuro escatológico na vida da igreja, é de um modo especial, a obra
do Espírito. A vida do fiel e a vida da comunidade eucarística, que é a Igreja, está
marcada mediante o Espírito, pela participação antecipativa no destino definitivo do
homem. O Espírito é a primícia e o dom da vida nova e imperecível, que já
apareceu em Cristo ressuscitado (Rm 8,23;2Cor. 1,22; cf. I Cor. 15,20) Esta nova
vida já não se acha separada de sua origem no espírito de Deus, ao contrário, está
penetrada por ele (I Cor. 15,44s) e é precisamente por Ele imortal
47
.
Conclusão
Compreender o homem como ser espiritual, exige também,
considerar a longa trajetória das reflexões antropológicas. A solução
harmoniosa de suas dimensões, num equilíbrio perfeito, ainda parece
desafio; mesmo que não o seja no mundo da reflexão, torna-se visível no
mundo da vivência. Uma leitura fragmentada do homem percorreu longos
séculos da história do pensamento, iniciada com a visão dualista
platônica e as distorções do conteúdo bíblico e, na modernidade,
continuada com a idéia das substâncias apresentada por R. Descartes.
A compreensão de homem às vezes acentuou muito o espírito,
esquecendo sua dimensão corporal ou se dedicou maior atenção ao
corpo menosprezando o espírito. Equalizar tais dimensões de forma
integrada ainda é um ideal desejado para a antropologia.
O pensamento cristão, sustentado nas bases bíblicas, apresenta o
homem como uma totalidade integrada. O pecado e a queda não
impossibilitam ao homem de encontrar o seu destino final que é viver em
46
Cf. Ibid., p.670.
47
Cf.Ibid., p.672.
38
plenitude a sua realização como pessoa. Tal realização se dá na
superação das fragilidades psico-corporais e na elevação do espírito até
sua plenitude infinita que é Deus.
48
Por fim, Pannenberg, como cristão vê a plenificação do espírito
humano somente realizada em Deus, através de Jesus Cristo. Em Jesus
Cristo nos tornamos filhos no Filho. O momento escatológico aparece
como decisivo para a plenificação da vida segundo o espírito. É o
momento em que o espírito finito alcança o seu infinito no Espírito de
Deus. De certo modo o homem volta à sua origem, agora revelada
plenamente na imagem do Filho de Deus. Sobre a temática da realização
plena do homem em Deus, aqui nos referimos a ela somente para indicar
o evoluir da dimensão espiritual do ser humano, mas voltaremos a este
tema com maior aprofundamento quando trabalharmos os fundamentos
teológicos da argumentação antropológica de Pannenberg, embora já
tendo anteriormente apresentado alguns elementos que caracterizam as
dimensões corpo-espírito, ou seja, o homem como pessoa. Nosso
próximo passo será buscar situar tal homem no contexto da modernidade.
Isso será feito pela indicação de algumas características do momento
moderno e também da relação indivíduo – sociedade.
2.3
O homem e a modernidade secularizada
Ao estudar o pensamento de Pannenberg e também a sua
antropologia, surge daí a necessidade de situar o homem no cenário da
48
A incompletude e imperfeição do ato espiritual, no nosso espírito finito, não apontam para a
incompletude e imperfeição do que é inferior – das coisas sujeitas ao fluir do tempo - mas para a
plenitude e perfeição do Espírito infinito cuja presença abre, no cerne mais intimo do espírito
finito _ interior intimo _ a ferida de uma indigência essencial que espera e apela pelo dom de uma
vida divina. HENRIQUE, C.L. Vaz. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, p. 242, 1993.
Esta citação, presente no texto de Lima Vaz, remete à Célebre obra de Santo Agostinho,
Confissões, tal obra mostra a trajetória existencial de Agostinho e uma verdadeira exposição
biográfica do mesmo. O mais expressivo nesta obra , talvez seja, a apresentação da inquietude
humana no seu peregrinar no mundo, antes do encontro definitivo com Deus. Agostinho apresenta
um homem de coração inquieto até que descanse em Deus. Parece ser exatamente esta esperança
de se descansar em Deus, como destino do homem, que faz tais princípios muito similares aos
apresentados na antropologia teológica de W. Pannenberg.
39
modernidade, uma vez que tal autor tem um amplo diálogo com este
momento histórico. Sem negar o longo itinerário que Pannenberg realiza
pela antropologia filosófica e pela teologia do período clássico, ele
também apresenta, de forma profunda e elaborada, uma ampla visão da
modernidade e constrói com ela um diálogo extremamente promissor para
os resultados de sua produção teológica.
Aqui buscaremos apresentar alguns elementos que caracterizam o
mundo moderno para mais adiante, ainda neste capítulo, trazer à
compreensão como a modernidade incide na vida do homem e na
antropologia cristã proposta pelo autor estudado.
Já se pode afirmar de antemão, partindo da antropologia de
Pannenberg, que o cenário moderno, onde formulam as críticas à religião
de autores como L.Feuerbach, K. Marx, F. Nietzsche e em Freud,
apresentando uma nova maneira de compreender o homem. É um
momento em que a fé religiosa e, de forma especial, o cristianismo perde
toda pretensão de credibilidade geral no contexto da vida humana
49
.
Deste modo, a reflexão sobre a fé não pode ser debatida no espaço da
superstição, mas deve desejar para si mesma uma validade como
verdade universal. Assim, ao contrário da ética e da moralidade que são
assumidas como problema de significância pública, o tema de Deus é
pensado como um problema exotérico para teólogos e pessoas que se
interessam por estas coisas
50
.
O secularismo, o relativismo e a exacerbação da subjetividade
aparecem como grandes desafios para a sociedade atual. O homem se vê
perdido no caminho para a busca da essência da verdade do ser que é
também a sua verdade. Perdendo-se no caminho para um conhecimento
substantivo do ser, ele se desorienta também na busca do ser Supremo,
que no universo religioso é afirmado como Deus; aqui se evidencia o
secularismo atual. Um dos pontos que é fundamento da atitude
secularista é que o sujeito reivindica para si um valor absoluto, ele
49
Cf. Ibid., p. 20.
50
PANNENBERG,W. When Everything is Permitted. 1998, p.1. in: – 27-http://www.theolo
gyie theologians/pannen.htm, 06-2007
40
assume o lugar de seu Criador, esquecendo assim a sua dimensão de
finitude e de criatura.
O secularismo bem como a modernidade são marcados pela
característica do rompimento com a fé cristã. Diz Pannenberg que K.
Barth já havia afirmado que a cultura moderna tem sido a revolta contra a
fé cristã, visando colocar o ser humano no lugar de Deus
51
. No artigo, o
autor fala que não é fácil a relação com a modernidade para a fé cristã,
pois tal relação é ambivalente. Ao mesmo tempo que a cultura moderna
afeta o dia-a dia da fé e das pessoas ligadas ao cristianismo, puxando-as
para um estado de alienação e afastamento da mesma; é também a
modernidade que propicia aos cristãos ler e compreender a evolução da
modernidade e da cultura como tal. O autor recorda que a distinção entre
domínio secular e domínio religioso ou espiritual não é novo na história do
cristianismo, só que antes a distinção não era suficiente para fazer uma
separação radical, como vai acontecer na modernidade, principalmente a
partir da Reforma e das guerras religiosas deste período. Deste modo, a
religião não é mais elemento que funda a ordem universal da sociedade.
Agora, já na modernidade, o homem busca fundar a unidade social na
natureza humana e é neste período que surgem as teorias naturais de
governo, formuladas através da apresentação das teorias do contrato
social
52
.
Hoje argumentos de que a unidade da sociedade se sustenta na
unidade religiosa já é um posicionamento inadequado e que não tem
muita força, pois as pessoas saíram de um mundo da argumentação
teórica para um mundo da razão pragmática. As pessoas usam a razão a
serviço da técnica e da produção, mudando assim a maneira de
compreender a natureza e o mundo. Cabe entender que a emancipação
moderna da religião não foi intencional, mas resultado de um longo
período em que a sociedade vai se reelaborando sobre outras realidades
que não a fé religiosa. Pannenberg no artigo mencionado acima “Como
pensar sobre Secularismo” lembra que o secularismo é pensado por
51
PANNENBERG,W. How to think About Secularism. 1996, p.2. In: http://www.theology.ie
/theologians/pannen.htm , 27-06-2007.
52
Cf. Ibid., 1996, p.2. In: http://www.theology. ie/theologians/pannen.htm, 27-06-2007.
41
alguns teóricos, como a secularização da esperança escatológica cristã
53
.
Assim, o conteúdo religioso é transformado em alguma coisa imanente
neste mundo. Ele constata, também, que os defensores da própria
modernidade pertencem como origem, ao cristianismo.
O que fica evidente, é que com o domínio da modernidade, esta
continuará penetrando em todos aspectos do comportamento individual e
social, colocando-se cada vez mais à margem a religião. O que
Pannenberg procura demonstrar é que o secularismo traz consigo um
grande sentimento de falta de sentido e um imenso vazio na vida e na
cultura, bem como muita insatisfação e violência como resultado. Assim, a
circunstância da sociedade secular moderna é a mais frágil que podemos
imaginar.
O pensamento de Pannenberg apresenta uma compreensão clara
sobre a modernidade e o secularismo. Segundo o autor não é se
apegando às posições tradicionalistas e fechadas que os problemas
serão solucionados, mas ao contrário, é abrindo-se ao diálogo racional e
verdadeiro, é que se poderão resolver as dificuldades surgidas no
contexto da modernidade. Desse modo, o cenário da modernidade
desafia a fé cristã e os valores humanos construídos ao longo do tempo e,
somente através de uma autocrítica, bem como uma crítica que faz
interrogações sobre tal realidade é que se poderá de fato afirmar os
valores da fé cristã de forma consistente para o homem
54
.
A antropologia teológica cristã procura dar respostas para os
desafios apresentados acima, elaborando uma visão de mundo e de
homem, que preserve os valores formulados ao longo da história.
Pannenberg está na fileira dos que trabalham um diálogo científico e
53
PANNENBERG, W. Op. Cit. 1996, p.4. In: http://www.theology.ie
/theologians/pannen.htm, 27-06-2007. “Other theories of secularization have claimed that the
modern belief in progress is a secularization of Cristian escatological hope. The hope for a better
world is no longer directed toward another world, but becomes the human project to improve this
world”. Não entraremos na distinção entre secularização e secularismo, mas buscaremos apenas
mostrar algumas implicações da sociedade secularista no comportamento religioso da pessoa.
54
Cf. Ibid., 1996, p. 8. Nesta página expõe Pannenberg: “My argument is that, if we think it is
necessary to protect divinely revealed truth from critical inquiry, we are in fact displaying our
unbelief. Such inquiry, whele it may at times pose difficulties, will finally enhanee the splendor of
the truth of God. Confidence in that truth –a confidence exhibited in proclamation and life –is the
only adequate and worthy response to the challenge of secularism”.
42
profundo com a modernidade, colocando a antropologia teológica na
condição de igualdade científica para debater tais problemas. Diante da
breve apresentação de alguns elementos que constituem o cenário da
modernidade e assumindo-a como pressuposto histórico no pensamento
de Pannenberg, apresentaremos também nesta perspectiva alguns traços
que marcam a relação do individuo com a sociedade.
2.3.1
A Relação entre Indivíduo e Sociedade
2.3.1.1
Tensão entre indivíduo e sociedade - fechamento e abertura
Aqui, apresentaremos alguns dados antropológicos como indicativos
da relação do indivíduo consigo mesmo, confrontando tais dados com a
dimensão social do indivíduo, ou seja, seu apelo para a vida em
sociedade. Um fechamento do homem em si mesmo desnorteia o seu
caminho, ocasionando um subjetivismo e um individualismo exacerbado e
egoísta, não possibilitando sua abertura para o próximo e, muito menos,
para o transcendente. Em Pannenberg, esta atitude do homem dificulta a
realização do plano de Deus, projeto que se efetiva na abertura e
aceitação do homem como imagem e semelhança de Deus.
Quando abordamos o homem na sua identidade, verificamos uma
infinidade de ações e características que o definem. Conforme seu
princípio de autonomia e de liberdade, ele é sujeito de suas próprias
ações. Ao homem, por si só, convém decidir de forma positiva para qual
fim deve se destinar a sua vida. Na busca livre, porém limitada pela
própria fragilidade, o homem procura a si como destino, ou seja, como
projeção para sua infinitude na sua realização pessoal. Nesse sentido,
cabe falar de um paradoxo presente na pessoa e que gera um constante
conflito de difícil solução. Diante deste conflito, o que resta ao homem é
43
buscar o seu destino e verificar claramente para onde apontam seus
desejos
55
.
Não há como aprofundar a compreensão de indivíduo em
Pannenberg sem persistirmos na idéia que se faz presente na
antropologia teológica deste autor. Para ele, caracteriza-se como
indispensável a abertura ao mundo e à sociedade, e esta abertura deve
acontecer de forma corajosa, na qual a reflexão racional busca
aprofundar e questionar a realidade, partindo-se de princípios e conceitos
formulados no bojo desta mesma sociedade. É somente dentro de tal
contexto que se pode falar do homem como indivíduo e de sua relação
com a sociedade. É experimentando a história na sua periodicidade que o
homem se volta para o seu ser pessoa e busca os interesses que
caracterizam as preocupações sobre si mesmo. Para Pannenberg, a
relação indivíduo e sociedade sempre se instaura num lugar conflituoso,
mas tal relação se faz imprescindível para o ser humano ir se formando
como identidade. É na participação, através das instituições sociais, que a
pessoa assume seu papel em tais espaços. Logo, estas instituições se
revelam como representantes do destino dos homens como realização. A
representação na sociedade através dos papéis assumidos já demarca no
homem a representação do religioso na cultura humana
56
.
Não há como negar o paradoxo,como constata Pannenberg,
vivenciado pelo homem na sua experiência diante da sociedade,
sobretudo na sociedade moderna. O indivíduo busca se realizar como
pessoa, mas ao mesmo tempo necessita do convívio social para
complementar tal realização. Desse modo, é somente pelo confronto
realizado consigo mesmo e com seus desejos, que ele percebe diante de
55
PANNENBERG, W. El Hombre Como Problema – Hacia una antropologia teológica. Trad.
para o espanhol por Rufino Jimeno. Barcelona: Editorial Herder, 1976, p. 81. Esta obra pode ser
considerada um resumo, através de vários tópicos da antropologia teológica de W. Pannenberg. O
tema desta obra será amplamente desenvolvido na obra apresentada ao público em 1983 Que foi a
Antropologia na perspectiva teológica. Usaremos deste ponto em diante para nos referirmos à
obra El Hombre Como Problema apenas as letras EhcP para indicar o título da obra.
56
PANNENBERG, W. APT. p. 606 et. seq. O que fica evidente no pensamento de Pannenberg é a
complexidade da relação indivíduo e sociedade, pois já é característico do mundo moderno a
presença da subjetividade humana que constantemente conflita quando se fala de relação
sociedade-indivíduo; uma vez que os interesses privados se tornaram bastante acentuados no
momento atual. Pannenberg deixa claro que as instituições representavam ao homem a
possibilidade de transcender aos próprios limites e condicionamentos terrenos, elevando-o acima
do mundo da vida cotidiana.
44
si, ou seja, no seu ser pessoal imediato, um conflito, uma tensão entre a
autoreferência como personalidade e sua abertura à sociedade, aos
outros. No momento em que o indivíduo se fecha em si mesmo no seu ser
pessoal como eu, ele se perde em si mesmo, esquecendo a sua
dimensão de abertura aos outros e à sociedade.
O mencionado até este ponto indica no homem uma contradição:
nele há uma dimensão de abertura e outra que se opõe a isso,
constituindo o fechamento do homem em si mesmo. Ao se apegar a esta
última, ao negar o seu potencial de excentricidade, ele impossibilita seu
verdadeiro potencial de pessoa humana e se isola no seu eu, através de
uma couraça, fechando-se ao que seria sua autêntica destinação
57
, que é
a possibilidade de convívio social como parte indispensável para a
elaboração do seu ser homem. O que é inegável para Pannenberg é que,
mesmo nesta condição de conflito, em que o indivíduo vive entre o seu
fechamento pessoal e sua abertura, há no homem um apelo de realização
antropológica, e tal apelo de realização só será possível de acontecer se
o homem se lançar para além de si mesmo, numa atitude de
relacionamento e de socialização. Pannenberg mostra que antes do
indivíduo se lançar como relacionamento, ele necessita buscar sua
identificação como consciência, como pessoa.
Ao afirmar no homem o fenômeno da autoconsciência
58
e da
personalidade
59
, encontra-se aí a solução para o antagonismo indivíduo-
sociedade. Mesmo assim, ainda persistem várias formas de manifestação
da dificuldade humana para se relacionar consigo mesma, em que a
57
Cf. Ibid., p.303.
58
Conforme a história desse conceito, pode-se dizer que ele começa com Kant, como alternativa
de consciência. A autoconsciência não é a consciência (empírica de si), mas a consciência
puramente lógica que o eu tem de si mesmo como sujeito de pensamento. A autoconsciência,
conforme Kant, é o lugar onde o homem pode pensar ele mesmo, e assim, se autoproduzir, se
autocriar e se distinguir dos demais objetos da natureza. Depois de Kant houve outras abordagens
sobre o tema autoconsciência, mas nada muito substancial que vá além do proposto por Kant. Cf.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, Verbete: Autoconsciência. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
59
O conceito de personalidade já foi definido por Tomás de Aquino como condição ou modo de
ser pessoa (S.Th. I,q.39,ª3, ed. 4 ª) e tal termo é usado pelos filósofos que às vezes o empregam no
lugar de pessoa. Já a psicologia o define como organização que a pessoa imprime à multiplicidade
de relações que a constituem, desta compreensão, origina a idéia contemporânea onde há quem a
define como a organização mais ou menos estável e duradoura do caráter, do temperamento, do
intelecto e do físico de uma pessoa, organização que determina sua adaptação total ao ambiente
(H.J. Eysenck). Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, Verbete: Personalidade. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
45
pessoa submete a totalidade que é o ser pessoa à particularidade do eu
individual, gerando não só uma relação consigo mesma pervertida, mas
também criando dificuldades às relações interpessoais e nos conflitos
com a sociedade
60
.
Na tematização do ser humano no que diz respeito a tomar
consciência de si mesmo como pessoa, abre-se caminho para adentrar na
análise dos sentimentos e desejos humanos, situando desse modo, a
pessoa na sua relação com as demais. Cabe afirmar que é somente pela
autoconsciência, como autoconhecimento, que o homem se situa no
mundo, e ao mesmo tempo, se distingue dele, assim se individualizando.
Ao sentir-se no mundo e, se distinguindo dos objetos, o homem constrói a
história de sua individualidade
61
.
Mesmo verificando que o antagonismo entre indivíduo e sociedade
tenha encontrado solução nos fenômenos da autoconsciência e da
personalidade do homem, ainda persistem várias formas de manifestação
do limite humano que submete a totalidade da pessoa e seu mundo, à
particularidade do “eu”, pervertendo a relação do “eu” com o seu si
mesmo; dificultando assim, as relações inter-humanas e a ordem da
sociedade
62
. Ao tematizar o ser humano no seu tomar consciência de si,
abre-se espaço para analisar os sentimentos e desejos humanos e dessa
maneira situar a pessoa em relação às outras. Somente no
autoconhecimento é que o homem consegue se localizar no mundo e se
distinguir dele. Ao sentir-se no mundo, em distinção dos objetos, o homem
constrói o processo histórico de sua individualidade
63
. É também nesse
processo de se autoconhecer que o homem experimenta em sua vida,
sentimentos de prazer e dor, afetos e paixão; sentimentos que serão
socializados no decurso de seu existir no mundo e na sociedade. Tais
sentimentos fortificam a formulação da personalidade do indivíduo e o
projetam na realização dos mesmos. Na atitude de fechamento em si
mesmo, através de experiências equivocadas, dificulta o processo de
realização da pessoa, falseando a identidade do indivíduo e impedindo o
60
PANNENBERG, W. Op. Cit. p.303.
61
Cf. Ibid., p. 312.
62
Cf. Ibid., p.303.
63
Cf. Ibid., p. 312.
46
caminho que o leva ao seu destino de realização. É no sentido de
fechamento e de não realização da pessoa como abertura, que se pode
tratar do tema da angústia caracterizada no momento decisivo do
exercício da liberdade humana, como resposta ao conflito vivido.
No contexto dos sentimentos humanos, o problema da angústia
humana se dá devido a não realização do homem diante do tomar
consciência de si mesmo. Assim, também a entendiam Kierkegaard e
Heidegger. Tal sentimento é fruto da infelicidade diante do isolamento do
indivíduo, opondo-se ao sentimento de liberdade e da existência autêntica
do ser aí no mundo
64
. No momento em que o homem se nega construir
na relação com seu entorno social, ele elimina uma polaridade no
elaborar de sua identidade e da formação de si, deixando algo em aberto.
Cabe afirmar que é no lugar social onde o homem encontra dados para ir
superando seus limites e sua finitude, conforme teoriza a psicologia
freudiana
65
.
O pensamento de Pannenberg deixa evidente, que o homem está
ordenado a uma realização de sua vida, que sobrepassa a ele mesmo, e
que se manifesta na comunidade com os demais, desse modo, no seu
processo de fechamento, na sua subjetividade, a pessoa se perde no
caminho de autoconstrução, caindo num estado de angústia, tristeza e
ódio. Vale perguntar quais são as causas que levam o homem a cair no
estado de angústia. Para Pannenberg, é fruto da contradição humana e
do pecado, fragilidades que fazem parte da história do ser homem. E a
superação desta contradição, só acontecerá diante de uma resposta
positiva pelo homem, no momento em que este se defrontar com seu
destino.
Como possibilidade de autoconsciência, o homem apreende o seu si
mesmo no seu nexo com o mundo e com os outros, para aí desenvolver
seus afetos positivos e sua identidade. Ao cair no seu baixo estado de
64
Cf. Ibid., 318 et. Seq. A idéia de angústia em M. Heidegger foi motivo de muitos debates
inflamados, pois tal conceito neste autor, retrata uma visão, compreendida por muitos, como
muito pessimista do ser humano. Aí mais um elemento que ajuda a situar o pensamento de M.
Heidegger como um pensamento fatalista e que leva o ser humano a um certo caos existencial, ou
seja como ele mesmo afirma o homem como “ser para a morte”.
65
Cf. Ibid., p. 330.
47
ânimo
66
pelos afetos negativos o homem, como pessoa,não se abre ao
outro. Aqui vale recorrer ao termo da tradição cristã, ele se encurva sobre
si mesmo – homo incurvatus in seipso. Portanto, o seu voltar-se para a
comunidade, como realização essencial do seu ser pessoa humana, não
acontece e o sentido de sua vida, que é estar aberto ao mundo, também
não se realiza, penalizando dados essenciais de sua identidade.
O pensamento sobre o homem sempre identificou nele duas fortes
inclinações|: uma, para o fechamento; e outra, para a abertura; tal
compreensão se faz presente também na filosofia moderna. O
pensamento kantiano mostra que há uma inclinação para se associar aos
outros e outra para o fechamento e o egoísmo. Kant afirma um
antagonismo na natureza do indivíduo, antagonismo entre sociedade e
indivíduo, sendo que tal situação só será possível de resolução nas
relações pessoais, em que estão localizados o eu e sua constituição
como pessoa.
Hoje, vozes de todos os lados ressoam mostrando a relevância da
vida social para a formação da individualidade, afirmando assim, que a
época do individualismo já passou, mas o novo modelo que busca
subordinar o indivíduo à sociedade também se mostra ameaçado por uma
contradição interna, já que ele também é representado por indivíduos. A
preeminência programática da sociedade sobre o indivíduo se converte
facilmente na máscara ideológica do poder dos indivíduos que pretendem
atuar em nome do todo social e não admitem nenhuma liberdade
individual, que lhes faça oposição, mas tratam toda insubordinação como
um delito contra a sociedade
67
.
66
Estado de animo surge no contexto da fenomenologia, como categoria que vem indicar a
situação do homem em relação a seus afetos e sensação de prazer e desprazer, é um conceito que
busca achar a relação entre sentimento e estado sentimental. O baixo estado de ânimo indica a
dificuldade do ser humano de integrar equilibradamente tais sentimentos.
67
PANNENBERG, W. APT. p.224. É também lembrado por Pannenberg, uma situação que revela
uma atitude diferente da que é indicada acima. No artigo de Pannenberg intitulado When
Everything is Permited. Pannenberg mostra que na modernidade das últimas décadas há uma
exacerbação das atitudes do indivíduo, onde ele assume o lugar central que Deus exercia na
sociedade. E diante disso ele assume o domínio do universo e da história. O domínio do homem,
pela razão natural, instaura um momento novo na cultura Ocidental e facilita um escamoteamento
dos valores fundamentais elaborados durante longos anos na sociedade humana. Pannenberg não
se coloca numa posição reacionária a tal realidade, mas numa posição de abertura e de diálogo,
pois ele crê que, somente assim, a teologia cristã poderá enfrentar os desafios do mundo moderno.
48
Por fim, cabe dizer que o desafio do mundo moderno, que é também
o desafio para a teologia, é buscar uma solução razoável no que se
refere aos princípios da liberdade do indivíduo, e ao mesmo tempo,
garantir os princípios que constituem os valores da coletividade. Sempre
houve um desequilíbrio marcante no que constitui os dois elementos que
compõem tal realidade. Houve momentos em que o indivíduo foi quase
anulado, marcando um domínio pleno da sociedade. Momentos, também,
em que o indivíduo busca impor sobre a sociedade sua identidade
pessoal a todo custo. Chegar a um equilíbrio harmonioso nesta relação
continuará sendo a busca das ciências que se encarregam de tal
temática. Pannenberg não ignora o conflito e indica a solução exatamente
na noção de abertura existente no ser humano e, na sua capacidade de
diálogo. Nesse sentido, definiremos brevemente os personalismos
dialógico e dialético que caracterizam formas de compreender as relações
do homem no mundo.
2.3.2
Personalismo dialógico e personalismo dialético
Ainda com a finalidade de continuar aprofundando o tema do
indivíduo e suas relações, buscaremos conceituar brevemente os
personalismos dialógico e o dialético. Tanto o personalismo dialógico,
como o dialético ajudam a perceber o indivíduo e sua abertura ao outro e
à sociedade.
Compreender o indivíduo em relação ao outro, ou seja, ao tu como
outra pessoa, revela-se a constituição do homem como si mesmo. A idéia
que fundamenta o chamado personalismo dialógico é a afirmação,
diferentemente da filosofia transcendental da consciência, na qual o
sujeito é apresentado como ilhado ou visto como um eu abstrato e supra-
individual. A definição de sujeitos singulares chega até o liberalismo
europeu. O irromper de uma posição crítica de tal compreensão de
indivíduo só vai acontecer no século XX, período em que o indivíduo
inicia uma nova forma de se posicionar diante da sociedade e das
49
instituições sociais. É na elaboração da compreensão moderna de
sujeito, que surge também a idéia mais explícita do antagonismo entre
indivíduo e sociedade e, este antagonismo busca se conciliar, através das
relações pessoais em que se encontra o eu e naquelas em que o mesmo
se constitui. O indivíduo é compreendido na sua constituição social como
tal, quando não se põe em relação imediata ao indivíduo e à sociedade
globalmente compreendida, mas quando se começa a considerá-lo em
referência ao outro individual, ou seja, ao tu.
Pannenberg lembra que Marx, Hegel, Schleiermacher e outros,
mostram o papel constitutivo da vida social para a formação da
individualidade. Há de se perguntar se a época do individualismo já
passou, tendo em vista que o modelo que subordina o indivíduo à
sociedade está ameaçado por uma contradição interna, já que as
instituições são representadas por indivíduos.
68
Ao definir resumidamente o que caracteriza os personalismos
(dialógico e dialético), eles seriam caracterizados pelo esforço para
situar o ser humano em um horizonte de abertura e de relacionamento
com o seu semelhante. É um esforço para colocar o ser humano na
condição de excentricidade, ao invés de isolado em si mesmo.
Pannenberg pontua que o grande mérito do personalismo dialógico foi
sinalizar para a idéia do eu , porque se tal eu era pensado antes como
sujeito soberano, agora ele depende do encontro com o tu. Já o
personalismo dialético mostrou do ponto de vista objetivo a dependência
do indivíduo em relação à sociedade. Pode-se dizer que o que distingue
os dois personalismos, é exatamente a compreensão teleológica dos
mesmos: O personalismo dialógico pontua a relação de um indivíduo com
outro indivíduo; o personalismo dialético pontua a relação do indivíduo
com a sociedade, ou seja, há a mediação institucional, como por exemplo,
a mediação do estado. A limitação de ambos personalismos está na
insistência do caráter imediato das relações, esquecendo que o encontro
do eu com o tu ou com o ele é mediado pelo mundo das coisas comuns
68
Cf. Ibid., p.224. Pannenberg mostra que a preeminência programática da sociedade sobre o
indivíduo se converte por isso facilmente na máscara ideológica do poder dos indivíduos que
pretendem atuar em nome do todo social, não admitindo nenhuma liberdade individual que lhes
faça oposição, mas tratam toda insubordinação como um delito contra a sociedade.
50
ao tu e ao eu
69
. Esta mediação será realizada através da cultura e da
linguagem.
A teologia também buscou suporte na idéia personalista, sobretudo
a teologia evangélica, uma vez que para ela, o homem busca um tu
divino, que é Deus, pela mediação do mistério. A própria palavra de Deus
é o tu divino que vem até o homem.
Ainda se faz pertinente lembrar que, o homem só se realiza como
vida humana, superando o conflito existencial, quando enfrenta a luta do
eu com o si mesmo no dilema vivido diante do outro, ou seja, o tu.
Somente se compreende a constituição social do indivíduo como tal,
quando este se coloca em relação com os outros indivíduos que
constituem seu círculo de vida. Somente em tal contexto o homem se
reconhecerá como abertura ao mundo do outro, construindo desse modo
a própria identidade como pessoa. Na excentricidade o homem supera o
seu egocentrismo e se coloca como exigência de superar a si mesmo,
numa trajetória de verdadeira realização como pessoa. Conforme
Pannenberg, mesmo que no homem haja tantas amarras e um forte
apego à sua centralidade como indivíduo, no evoluir da história humana,
ele busca se mover para além de tal fechamento, superando os
condicionamentos internos e externos e lançando-se para a sua
verdadeira finalidade como ser humano, se abrindo ao outro, ao mundo e,
sobretudo, a Deus.
O homem, como inclinação ao fechamento é uma realidade
constatável. Tal afirmação fica evidente quando Pannenberg desenvolve
sua antropologia, mostrando que esta ambigüidade é constitutiva da
existência humana, mas a solução para ela se dá na força criadora de
Deus que se faz presente no homem. Assim sendo, o homem tem em si
um potencial de abertura e de exteriorização. Na sua vontade natural de
se realizar, o homem busca o outro e se abre ao mundo e à sociedade.
No horizonte da antropologia teológica, mesmo que o fechamento
apareça como inclinação do homem ou como pecado, pode-se dizer que
a abertura aparece como possibilidade e como graça. Esta dimensão da
69
Cf. Ibid., p.228 et.seq.
51
abertura como gratuidade e como dom deverá ser retomada no evoluir
deste trabalho. Antes porém, faremos uma sintética abordagem do
homem como abertura, ou seja, na atitude de superação do seu
fechamento em si mesmo.
2.3.3
O homem como abertura
Traremos neste momento alguns elementos que indicam no homem
sua dimensão de abertura, para no próximo capitulo aprofundarmos o
tema através das noções de subjetividade, liberdade e transcendência
como experiências humanas que apontam para a sua excentricidade na
sua condição de relação com os outros, com o mundo e com Deus.
Na relação indivíduo e sociedade presenciamos o paradoxo
existencial do homem, em que fechamento e abertura são duas
inclinações presentes no ser humano marcado pela autonomia e pela
liberdade. Como já foi dito, há no homem a possibilidade de se encurvar
sobre si mesmo, fechando-se num profundo egoísmo e angústia e há
também possibilidade deste mesmo homem se lançar no projeto positivo
de realização de sua pessoa como abertura ao outro, ao mundo e ao
transcendente. Como confirma Pannenberg, é na realidade em que tal
homem se encontra situado, que ele se verifica como pessoa através do
seu lançar-se ao mundo, buscando, assim, se construir sobre um fim que
não está em si mesmo, mas para além de si
70
.
É no paradoxo do se valorizar como pessoa e como realização
construtiva de si mesmo e do buscar ser valorizado e reconhecido pelo
seu semelhante, que o homem responde ao seu apelo mais profundo: o
de abertura ao mundo e aos outros. Ao abrir para o encontro com o
outro, ele estabelece uma situação vital para a essencial definição do
seu ser humano
71
.
É plausível dizer que toda vida humana se apresenta marcada pela
tensão entre a autoreferência e abertura ao mundo de fora. O homem,
70
PANNENBERG, W. EhcP.p.81 et. Seq.
71
Cf. Ibid., p. 87.
52
como natureza, se vê projetado num constante movimento de superação
da autoreferência que o prende e o imobiliza. Se a centralidade puxa o
ser humano para dentro de si, a excentricidade o atira para o mundo, para
fora de si
72
. Pannenberg diz que o que distingue o homem dos animais
não é somente a sua dimensão espiritual, mas sua possibilidade de
enxergar a alteridade e a identificar de forma objetiva. Ele se distingue do
externo que está em sua volta e, o mais importante, ele como pessoa, se
autotranscende numa condição de abertura a este mundo. O Homem que
se constitui como excentricidade, se lança ilimitadamente num
empreendimento indefinido de realização, entra na realidade do mundo
como experiência e sempre assimila algo a mais para o seu eu pessoal.
Nesse movimento, o homem se mostra, a todo tempo, um ser incompleto
e por isso, desejoso de algo além do experimentado. Nessa dinâmica o
homem se explica como transcendência e como espírito que possibilitam
o superar da finitude e o lançar-se no desejo de infinito, elemento
constitutivo do movimento do homem para Deus.
Na superação do fechamento em si mesmo, o homem se percebe
como realidade maior, e se vê em condições de transcender os limites de
sua existência e atingir uma realização de si que vai além do que se
apresenta no seu situar-se na natureza. Além de todas as misérias e
fragilidades, que apontam para o fechamento e para a soberba, ele é
portador de uma vocação de caminhante até outras latitudes; ele se
coloca a caminho do infinito
73
.
Aqui, podemos afirmar, com Pannenberg, que a abertura é um
constitutivo essencial no homem, sendo um princípio que modifica a
estrutura da vida do homem no seu estado de evolução. Ele se
autotranscende no seu colocar-se em direção ao mundo e busca na sua
excentricidade se construir, superando seus limites naturais e culturais.
Uma antropologia aberta coloca o homem com disposição para uma
evolução de si até uma realidade absoluta, situando-o num lugar especial
72
Cf. ibid., p. 87.
73
Cf. Ibid., p.99
53
na natureza e direcionando-o para sua experiência vital de realização
como homem, experiência que é possibilitada ao homem por Deus
74
.
Por fim, cabe constatar que o homem não se abre ao outro e ao
mundo por acaso. Além de fazer parte de sua natureza, a inclinação de
abertura é também um intuito de realização. O homem deseja algo mais e
tal desejo não cessa até chegar no grande desejo que sustenta a vida
humana, desejo que pode ser caracterizado como desejo de realização
plena. Para Pannenberg a realização plena do homem só acontecerá em
Deus. É abrindo-se à graça oferecida por Deus, através de Jesus Cristo,
que verdadeiramente se efetiva no homem a felicidade. Assim, quando o
homem falha neste processo de abertura, não é atributo divino, mas fruto
do pecado humano. Fruto de um uso equivocado de sua liberdade e de
sua subjetividade, como teremos a oportunidade de verificar no estudo do
próximo capítulo.
Conclusão
Nesse primeiro capítulo buscamos apresentar alguns elementos que
caracterizam o homem na sua constituição como corpo e alma dentro da
antropologia de Pannenberg. A sua forma de elaborar tal compreensão
passa pelas abordagens filosófica e teológica do período clássico, bem
como da modernidade. Pannenberg situa o homem num cenário cultural
complexo, mas imprescindível para compreendê-lo. Este primeiro
momento do trabalho, além de tentar conceituar as categorias de corpo e
espírito como dualidade que compõe o homem para Pannenberg,
buscamos também, acenar para alguns elementos da atualidade
moderna; elementos esses, que vão de encontro ao pensamento
antropológico do autor em questão.
Nessas observações finais, ainda cabe dizer que Pannenberg situa
com profundidade o homem no contexto da modernidade, dialoga com ela
e apresenta uma compreensão de homem que não está conectada com a
visão dicotômica de alma e corpo, mas, seguindo os fundamentos bíblicos
74
PANNENBERG,W. APT. p.54 et.seq.
54
e patrísticos, ele apresenta uma abordagem das dimensões corpo e alma
de forma integradas no homem.
Outra característica da sua antropologia é apresentar o homem
como quem se constitui paradoxalmente pelo fechamento ou centralidade,
e como abertura (excentricidade). É diante desse dilema existencial, que o
pensamento de Pannenberg dá visibilidade à dimensão sagrada do
homem, uma vez que, em último caso, o homem é um ser aberto e que
tem sua origem em Deus. Entretanto, naturalmente deve se voltar para
Ele. A realização da abertura humana tem uma finalidade muito clara; não
se trata da mera experiência existencial, é sem dúvida, um pressuposto
para se chegar ao homem como experiência de Deus. A abertura é a
base que este autor lança para afirmar a dimensão religiosa no homem,
tema que será devidamente tratado no último capítulo.
No próximo capítulo, buscando avançar um pouco mais na
compreensão de homem para Pannenberg, se faz muito significativo
abordar alguns temas de alta relevância na filosofia moderna, temas, que
por sua vez, também se fazem relevantes nesse autor. Trabalharemos,
mesmo que de forma muito sintética, os temas da liberdade humana, da
subjetividade e da transcendência. Este capítulo ajudará no preparo do
solo para podermos fundamentar na realidade humana a dimensão
teológica, ou seja, a revelação de Deus que se dá na vida do homem.
Aqui, mesmo que sinteticamente, convém já afirmar, que em Pannenberg
antropologia e revelação de Deus convivem em harmoniosa unidade. Isto
será apresentado quando adentrarmos na antropologia teológica de mais
no final do percurso proposto.
55
3
A experiência humana como pressuposto para a dimensão
religiosa na antropologia teológica de W. Pannenberg -
liberdade e subjetividade; transcendência e história
Introdução
Tendo já visto como se pode definir o homem na sua constituição
como corpo-espírito e tendo-o situado no contexto da modernidade, cabe
agora apresentar alguns atributos e valores referentes à pessoa humana
que foram construídos durante longo período de sua história, e assim
passaram a ser constitutivos indispensáveis para se falar do homem como
tal. Neste capítulo buscaremos trabalhar, a partir da antropologia de
Pannenberg, algumas características que compõem o ser pessoa humana
e os implicativos destas características.
Em um primeiro momento desse capítulo, será investigado, de forma
específica, a compreensão da liberdade para o indivíduo e a implicação
desta no tomar consciência de si mesmo no que se refere ao sentido do
ser pessoa humana. Na sistematização do tema liberdade será
indispensável ter presente os longos debates de Pannenberg com
teóricos da modernidade. É partindo deste itinerário, que se fará possível
chegar a uma síntese da abordagem epistemológica do conceito de
liberdade, realizada por ele em sua antropologia. Já, o tema liberdade
cristã, imprescindível em Pannenberg, será tratado na abordagem
teológica que acontecerá na última parte desse trabalho.
Ainda neste capítulo, trabalharemos a temática da transcendência
humana como experiência existencial filosófica bem como as implicações
deste conceito na dimensão histórica e social do homem. A
transcendência também se faz de grande valia para entender o homem
como ser espiritual, por isso é significativo situar tal conceito no contexto
cristão.
3.1
O indivíduo como liberdade
56
Quando se tem em vista refletir sobre o tema da presença de Deus
na vida do homem, na antropologia teológica de Pannenberg, é
indispensável estudar, neste mesmo autor, a compreensão do ser
humano como liberdade, pois somente no espaço da liberdade a pessoa
pode se relacionar com o Absoluto e se colocar numa situação de
abertura para Deus. Neste primeiro momento buscaremos acompanhar
Pannenberg no seu itinerário pelo tema da liberdade. Tal tema se
apresenta de forma correlata com as temáticas da consciência e da
subjetividade. Logo, tais conceitos também estarão nos acompanhando
de forma oblíqua durante a exposição.
Na trajetória da experiência existencial do ser humano, torna-se
possível de compreender o profundo valor da liberdade humana e o
esforço que o indivíduo sempre fez para preservar tal valor. A liberdade foi
arduamente construída e conquistada no acontecer da história do ser
humano. Os registros das origens da cultura humana revelam como foi
aprofundando o significado do termo liberdade na trajetória humana.
Na modernidade, principalmente nas ciências humanas, filosofia,
psicologia, teologia entre outras, o princípio da liberdade, cada vez mais
foi se tornando centro das reflexões. Em uma cultura antropocêntrica, na
qual o homem se fez centralidade, a liberdade se apresenta como
imprescindível e necessária para definir este homem. O tema da liberdade
atinge seu auge no efervescer das idéias iluministas da Revolução
Francesa.
3.1.1
A pessoa como liberdade e consciência
Pannenberg recorre ao pensamento de autores modernos para
tratar da abordagem filosófica e teológica do tema liberdade. Ele observa
que o homem é um ser que ao tomar consciência de si diante da
realidade, se percebe livre em relação a tudo que o circunda
75
. Dessa
75
Márcia C. de Sá Cavalcante em Introdução à Essência da Liberdade Humana de F. W.
Shelling. Petrópolis: Vozes, 1991. “O homem não pode ser herdado, nem vendido e nem tampouco
57
forma, em todas as circunstâncias, o homem se vê em condições de dar
uma resposta livre. Pannenberg situa a liberdade no sentido mais
profundo do qualificativo das ações do homem, igualando-a com a vida. É
no exercício da liberdade que o homem se eleva à condição de superar
todas as condições e situações limitadoras que aparecem na sua
trajetória. É pela atitude de autotranscendência e pela superação
transformadora de condições que o homem constrói a si mesmo na
cultura e na história
76
.
O autor apresenta os fundamentos da liberdade na antropologia
filosófica e recorre ao diálogo com filósofos e teólogos clássicos e
modernos. Trabalha vários conceitos da antropologia elevando-os à
categoria teológica. Um destes conceitos, aprofundado por ele, é o de
angústia
77
; assunto longamente abordado por S. Kierkegaard e M.
Heidegger. Ao ter como base tais autores, Pannenberg apresenta o
dilema existencial do humano na experiência da angústia e o apelo
constante da liberdade como valor fundamental. Mesmo que a
contingência da angústia assole a vontade humana, pelo exercício da
própria liberdade, o homem consegue vislumbrar um horizonte mais além,
que se instaura no seu infinito desejo. Assim sendo, a experiência
humana se exercita para superar a angústia e atingir o infinito, no qual a
consciência se eleva à realidade do espírito
78
. Paradoxalmente, tal
presenteado. O homem não pode ser propriedade de ninguém porque ele é e deve permanecer
propriedade de si mesmo. Ele carrega no fundo de seu peito uma chama divina, a consciência
moral, que o eleva sobre a animalidade, tornando –o cidadão de um mundo cujo primeiro parceiro
é Deus. Essa consciência lhe possibilita querer isso ou não querer aquilo de maneira incondicional,
livre e a partir de seu próprio movimento, sem nenhuma pressão exterior. Nesta afirmação de
Shelling pode encontrar um elo antropológico que une diacronicamente com o pensamento de
Pannenberg, pois este também busca situar o homem, bem como, a sua fundamentação
antropológico religiosa na experiência da liberdade humana”.
76
PANNENBERG.W. Op. Cit. p.50 et. seq. A história para O teólogo de Heidelberg é um marco
em sua trajetória acadêmica, pois não por acaso este é chamado de teólogo da história. No seu
livro Revelação como História, ele mostra que a história não é uma abordagem como pensava a
fórmula idealista heigeliana, onde via a historia como revelação. Não é a história como tal que é
revelação do Absoluto: a revelação acontece em fatos históricos, em fatos realizados por Deus na
história, em fatos que manifestam o sentido da história e o destino do Homem ( cf. nota 8).
77
Angústia é um termo usado no pensamento de Kierkegaard para indicar a atitude do
homem em face de sua situação no mundo. Assim, a angústia é parte essencial da espiritualidade
própria do homem. Em Heidegger a angústia no homem é fruto de sua existência mortal. É o
conflito do homem diante da morte. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.
Verbete: Angústia, São Paulo: Martins Fontes, 1998.
78
Como foi trabalhado no primeiro capítulo o conceito de espírito se faz indispensável para
buscar entender o homem moderno. Vários estudos brindaram a modernidade abordando esta
58
consciência, se depara com o limite árduo da finitude existencial e é neste
dilema da liberdade que se dá a experiência da angústia
79
. A angústia, ao
mesmo tempo em que é empecilho, é também, propulsora da vontade de
decisão que o ser humano elabora no contexto da própria existência e
por conseguinte, o homem busca, no em si de sua autoconsciência, uma
resposta para o conflito existente entre sua finitude e o desejo profundo
de infinito.
O tema da consciência
80
de culpa, que perpassa o desenvolver da
ação do homem no uso de sua liberdade, revela que o homem ainda não
se parece idêntico à idéia que orienta o seu destino. Nesse sentido, a
consciência de culpa é um momento marcante no processo de libertação
do homem até si mesmo. O homem deve tomar consciência de seu
destino, para assim, num ato de superação, ir se elevando além de si
mesmo. O homem caminha para a totalidade de sua existência,
colocando-se em relação com o instante presente do eu e com o mistério
que transcende tal presente deste mesmo eu. O presente é presente de
uma história ainda inacabada na vida do indivíduo que está a caminho até
seu destino pessoal.
Cabe afirmar que pessoa e liberdade se vinculam na medida em
que a liberdade representa o indivíduo na sua capacidade formal de ser
humano, capacidade dada desde sempre como abertura ao mundo. A
liberdade permite ao indivíduo ser ele mesmo. Pannenberg recorre à idéia
de autonomia
81
para dizer que esta é expressão da própria identidade do
dimensão do ser humano. Entre outras, singulariza-se a Fenomenologia do Espírito de W.G. F.
Hegel, que aparece como referência determinante no tratamento de tal temática na modernidade.
79
PANNENBERG,W. APT p. 119. Além de Kierkegaard e Heidegger, bastante citados por
Pannenberg. Outro autor que também trabalha arduamente o tema da angústia é Jean Paul Sartre,
na sua obra principal que foi O Ser e o Nada. Ele tematiza a angústia muito voltada para a crise
do homem diante do nada e diante do engajamento, mesmo que a angústia leve o homem a buscar
alguma resposta para si diante do mundo, talvez mais do que em Heidegger; Sartre se coloca
numa situação bastante fatalista para o tema humano. Neste sentido o caminho realizado por
Pannenberg visa elevar o homem como liberdade à liberdade plena, concretizada em Jesus Cristo,
pela fé.
80
O tema da consciência, amplamente abordado por Pannenberg e também em toda filosofia
moderna. Aponta que a alma tem uma relação consigo mesma, ou seja, uma relação intrínseca ao
homem, interior ou espiritual, pela qual ele pode conhecer-se de modo imediato e privilegiado. O
homem pela consciência se distingue dos objetos e dos outros .
81
Um termo muito usado na Ética de Kant e que caracteriza a vontade pura enquanto ela
apenas se determina em virtude de sua própria essência, quer dizer, unicamente pela forma
universal da lei moral, com exclusão de todo motivo sensível. Cf. LANLANDE, André.
59
eu. É no uso autônomo da liberdade que a pessoa alcança a plenitude do
seu ser-para-si
82
.
Em Pannenberg, liberdade e consciência estão em constante
diálogo e se situam no mesmo espaço antropológico. É na liberdade
presente na consciência do indivíduo, como conquista do pensamento
antropológico moderno, que é desenvolvida a sua idéia de homem. Em
sua reflexão ficam evidentes os valores antropológicos, históricos e
culturais da filosofia moderna, cenário propício para a formulação de um
princípio de liberdade que se instaura no lugar do agir racional do
homem.
O homem é marcado pela idéia de liberdade e de subjetividade,
desta maneira, este homem que se vê livre, assume o dever de aventurar
a sua experiência existencial elevada ao extremo de tocar o próprio
nada
83
. Esta liberdade elevada ao extremo no homem e, tão especial para
ele mesmo, é o que na antropologia se caracteriza como abertura ao
mundo
84
. Nesta mesma perspectiva, a ontologia diz que o princípio da
liberdade humana pode ser afirmado na experiência de que não é a
liberdade que pertence ao homem, mas o homem que pertence à
liberdade
85
. O tema liberdade não deixa de significar conceito e princípio
necessários da existência, absolutizado no lugar teórico da racionalidade,
mas é também experiência e aplicabilidade sensível que se pode
experimentar no mundo da vida
86
.
Vocabulário Técnico e Crítico da filosofia. Verbete: Autonomia. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
82
PANNENBERG, W. APT. p. 299.
83
PANNENBERG,W. TS2. p. 283.
84
PANNENBERG,W. EhcP. p.12. Pannenberg Recorre ao pensador H. Plessner que trabalha a
sua antropologia numa perspectiva de excentricidade, onde o homem aparece como um ser aberto
e, em tal abertura, ele rompe com seu mundo natural e o transcende, através da excentricidade e da
autoconsciência, construindo assim, a própria identidade.
85
Para Pannenberg, a compreensão de liberdade caracterizada pela idéia de que ela não é somente
dom humano, mas é apresentada também como relação abertura e graça. Pannenberg lembra em
seu artigo: Fundamentação Cristológica de Uma Antropologia Cristã, (Concilium de 1973/6
Nº. X) que a hipótese da existência prévia da identidade do sujeito e, com isso, também da sua
liberdade frente ao processo concreto da sua experiência é sempre contudo menos aceita, mas
continua-se a falar de autodeterminação, auto-realização e autodesenvolvimento etc. deste modo
incluem a identidade do sujeito como um pressuposto.
86
PANNENBERG, W. Op. Cit. p. 195 et. seq. Faz-se importante relembrar a amplidão e
profundidade do tema liberdade para o autor em questão. Nos privamos de desenvolver mais
amplamente outros temas relacionados com a liberdade, pois isso já fugiria do caminho proposto
neste trabalho. Nos detivemos apenas no estudo da liberdade subjetiva do indivíduo, tentando
60
No despontar da modernidade, a busca da liberdade se fez tão cara
ao ser humano que muitos acabaram se perdendo no caminho subjetivo,
idealizado pelo desejo tão profundo da mesma. Daí o que seria somente
meio ou ponto de passagem para chegar ao desejado, objetivou-se
como fim em si mesmo, ou pior, como obstáculo para a vivência do que
era buscado e desejado - a verdadeira liberdade.
Pannenberg, unindo-se a Kant, lembra que a liberdade é uma
necessidade universal instaurada no espaço da lei moral e que se lança
no horizonte do mundo da vida, fazendo parte da vontade e do agir do
homem. Nesse contexto, a liberdade se abre para um horizonte maior que
ela mesma. Ela projeta o humano para um além, um algo mais, facilitando
a realização da vontade humana no sentido mais profundo do seu
existir.
87
Aqui, ainda cabe dizer que, em Pannenberg, a realização de tal
vontade só é possível acontecer quando o homem se coloca como
liberdade, na condição de abertura para Deus. A plena liberdade do
homem se dá na experiência da verdadeira libertação que acontece em
Jesus Cristo. Voltaremos ao tema liberdade mais adiante, no qual haverá
a preocupação de demonstrar que a verdadeira liberdade para
Pannenberg se dá na Graça libertadora de Deus através de Jesus Cristo.
Por fim, resta afirmar que a liberdade e a noção de consciência são
dados indispensáveis para se falar da pessoa humana. Isso se faz
realidade também na antropologia do autor aqui estudado. Para ele
liberdade e consciência são elementos constitutivos do homem e dados
relacioná-la com a consciência. Para melhor aprofundamento do tema liberdade como formulação
conceitual e de sua dimensão antropológica, é significativa a investigação filosófica de F. W.
Schelling . A Essência da Liberdade Humana – ( Investigações filosóficas sobre a essência da
liberdade humana e das questões conexas) – trad. e Introdução: Márcia C. de Sá Cavalcante –
Petrópolis: Vozes, 1999. Já para tratar sobre o homem e sua abertura ao outro vale recorrer à
Fenomenologia do Espírito de Hegel. Principalmente o tema da dialética do senhor e do
escravo e da liberdade da consciência -de-sí. Cf. G.W. F. Hegel. Fenomenologia do Espírito –
parte I, trad. Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, p.119ss.
87
HERRERO, Francisco Javier. Religião e História em Kant. Trad. José Ceschin, São Paulo:
Loyola, 1991, p.22ss. Nesta obra o autor mostra com a profundidade própria do pensamento
kantiano o desenvolver da liberdade humana e suas implicações antropológicas e religiosas; Para
Kant, conforme mostra o autor, a vontade livre e autônoma é que permite ao homem dar uma
resposta dentro da necessidade imperativa da moral a Deus, tal resposta traz implícita a idéia da
religião fundamentada nos valores morais. A presente reflexão vai de encontro á problemática
trabalhada por Pannenberg no que se refere à liberdade do homem e suas implicações na
antropologia teológica, porém, para este último, o fundamento tanto da liberdade quanto da
Religião são constitutivos naturais do homem e se explicitam na sua atitude de abertura e de
excentricidade.
61
fundamentais para se falar do homem como ser religioso. Não teria como
considerar a dimensão religiosa do homem e sua relação com Deus se
retirarmos dele o verdadeiro sentido da liberdade cristã tão valorizada na
elaboração da teologia. Liberdade e consciência são dados
antropológicos também de alcance espiritual e atributos que colocam o
homem na condição de transcendência e de abertura para o mundo e
para Deus. Na mesma condição da liberdade, também a transcendência
humana concorre para afirmar o dado religioso da natureza humana em
Pannenberg, como será exposto nos itens seguintes.
3.2
A pessoa humana como ser transcendente
O estudo da dimensão transcendental do homem marcou o decorrer
da história da filosofia e da teologia do ocidente. O transcendente no ser
humano caracteriza-se por uma trajetória, que se inicia desde o
alvorecer do conhecimento sobre o homem até as buscas mais profundas
do sentido da existência humana no mundo. As perguntas
transcendentais tentam formular, dentro ou fora razão, respostas que dão
fundamentos para o desejo de superação do homem, construindo assim
no chão da existência finita, formulações explicativas para seu desejo de
infinito. O homem não se contenta com o limite do tempo, do espaço e do
puramente empírico; ele sempre deseja se lançar além de tudo isso.
Dessa forma, o transcendente é a dimensão do homem que o coloca
numa eterna busca e o projeta na sua dimensão espiritual e divina.
Pannenberg, como filósofo e teólogo inserido no pensamento
moderno, também não ignora a dimensão transcendental do homem.
Seguindo elementos do sujeito transcendental de Kant e dados da
filosofia existencialista de Heidegger e de outros pensadores, ele, como
teólogo cristão, mostra que a plena transcendência humana se dá na
Encarnação de Jesus na história.
Nossa abordagem aqui consistirá em elencar alguns elementos que
apontam para o ser humano como ser transcendente na sua experiência
de vida, através da relação com o mundo e em seu eterno desejo de
62
algo mais. A pessoa, marcada pela contínua abertura, deseja algo que
está além da própria existência, se abre ao outro, constrói história e se
lança par além dela. O homem, na sua atitude de transcendência, busca
o Absoluto, o indeterminado. Depois de indicar alguns elementos
antropológicos do tema transcendência, trabalharemos um breve
relacionamento do conceito de transcendência com a história e, por fim,
nos voltaremos para o tema transcendência na visão cristã.
3.2.1
A transcendência como superação humana
Já no início do seu tratado antropológico W. Pannenberg expõe
como elemento essencial de sua antropologia a capacidade humana de
superação de si mesmo. Aqui, o homem no conjunto das espécies deve
superar a fragilidade que o marca desde o seu princípio. Esta
capacidade de superação, que se faz presente no ser humano é o que o
coloca numa condição de distinção no mundo e o situa num lugar
específico na história da criação. A transcendência, constitui assim, um
dado essencial no homem e concorre para libertá-lo das marcas de
deficiências biológicas e do desamparo, que se encontram presentes
nele desde sua infância. O homem transcende a fragilidade de sua
espécie exatamente no momento em que não se contenta com a
repetição de esquemas inatos e supera o seu entorno, gerando o que
Pannenberg define como instabilidade natural
88
. Tal instabilidade,
propicia ao homem o início de uma relação com o mundo que será
sempre marcada pela busca de algo que, como já dito, está além dele
mesmo como criatura limitada e finita. Adentrando num caminho de
constante transcendência na sua relação com o mundo e com os objetos,
o homem continua perseguindo uma realização que nunca se plenifica na
88
PANNENBERG, W. Op. Cit. p. 41 et. seq. Instabilidade natural, consiste precisamente, como
definição, no rompimento que o homem faz com o mundo dos instintos, e assumindo para si, um
lugar especial no reino animal. Com outras palavras, há um momento em que o homem não se
contenta mais com o seu entorno e surge nele um apelo interior que vai mais além dos instintos.
Ele se verifica numa situação de não conformidade com o meio. Neste momento, ele rompe com o
meio, rompendo assim com sua natureza imediata ( primeira natureza), instalando-se no espaço da
cultura (segunda natureza). Pannenberg indica que neste momento é que o homem se faz distinto
de todas as outras espécies animais.
63
experiência de mundo. Desse modo, ele se coloca na situação de eterno
andarilho
89
que sempre almeja algo mais.
O Homem, situado no mundo, procura na transcendência
alternativas para superar os seus limites, elevando-se por ela ao mais alto
de seus desejos. Para Pannenberg, o mais alto do elevar humano na sua
busca se dá na sua condição natural de abertura ao mundo e, sobretudo,
ao sagrado como destino de plena realização. Abrindo-se ao mundo,
como experiência e como superação de si mesmo enquanto instinto, o
homem realiza a sua autoobjetivação
90
e toma consciência de si, se
distanciando da realidade que o circunda. Pela linguagem e pela técnica,
bem como pela cultura, ele elabora uma resposta de transcendência para
os inconvenientes existenciais que o acompanham no seu existir no
mundo
91
. Ao superar os primitivismos orgânicos e os instintos de sua
natureza ele se direciona ao que é propriamente humano projetando-se
como excentricidade.
A abertura ao mundo só se torna possível graças à categoria de
espírito, pois é pela força dinamizadora dele que o homem toma
consciência de seu ser pessoa e da sua relação de abertura ao mundo
92
.
Mesmo quando ele transcende toda experiência ou representação de
objetos perceptíveis, sua vida ainda permanece aberta a algo que está
além. A abertura a uma alteridade que se encontra para fora dele e de
todos os objetos do mundo, constitui a presença de um desejo que se
89
O termo aqui usado pode nos remeter à obra de Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra,
onde ele representa no homem a atitude de um eterno andarilho como quem está sempre em busca
de algo “ Segue o teu caminho de grandeza: aqui ninguém há de ir em teu seguimento” O
andarilho que sobe às montanhas e sempre perambula em busca de si mesmo pode representar de
forma categórica o contínuo transcender humano no que se refere ao si mesmo e em relação ao
mundo. Como andarilho, angustiado diante de sua existência, o homem se vê obrigado a construir
algo novo no solo de sua contingência e de sua finitude. Se na tradição cristã, apresentada por
Pannenberg, esta construção se dá na abertura para Deus e para o Absoluto, através do dado
antropológico constitutivo do humano, em Nietzsche ela se mostra ofuscada pela figura do
Super-homem.
90
PANNENBERG, W. Op. Cit. p. 45. Conforme está na antropologia de Pannenberg, este
conceito se assemelha muito ao de autoconsciência, pois se trata da distância que o indivíduo toma
da realidade sendo capaz de objetivá-la, inclusive no que se refere a si mesmo.
91
Cf. Ibid., p. 47 et. seq.
92
Na antropologia de Pannenberg, a abertura do homem ao mundo é pressuposto indispensável
para a sua experiência religiosa, uma vez que Deus é algo que já é experimentado na história
humana, é nela que Ele se revela. Com isso, a religião não se agrega secundariamente ao
comportamento aberto ao mundo, mas acontece justamente no mesmo instante e o homem se
afirma na sua abertura ou como um sem centro mais além, fora do mundo.
64
instaura em algo maior: o incondicionado, o infinito. Nessa busca
contínua ele vai superando todos os finitos e se elevando à idéia de
infinito enquanto conceito e desejo
93
.
Na existência humana, a incompletude é um marco em seu caminho
inacabado, Pannenberg expõe que, diante de tal realidade, o homem vive
uma atitude de ilimitada abertura ao mundo
94
, condição que possibilita à
pessoa superar cotidianamente a sua finitude e os condicionamentos que
marcam o decorrer de sua vida. O movimento transcendente do humano
coloca-o rumo ao seu verdadeiro destino, que se realiza quando o sujeito
supera a natureza e se instala num novo lugar existencial
95
. Assim posto,
a transcendência na sua compreensão mais pontual não se dá na direção
dos dados empíricos, mas na busca de unidade com o Absoluto, ou seja,
com o divino. A existência, imanente no mundo e marcada pela
autoconsciência bem como pela relação com os outros, ainda não se
constitui como realidade completa. E diante de tal circunstância, o homem
se abre para algo mais além, ou seja para o infinito. Nesse processo, o
eu como pessoa, define-se como sujeito consciente, que deseja o
Absoluto e se abre a ele
96
. O ato de transcender-se, se numa dimensão é
um buscar algo fora do homem, ele é também um movimento em que a
pessoa toma consciência de si mesma, ou seja, um voltar para dentro, em
que o indivíduo vai descobrindo a sua identidade e, nesta descoberta, ele
verifica o seu potencial de abertura para a sociedade. Ele se instala numa
esfera social dialogante estruturada e se abre à totalidade. Nesse
processo, a pessoa como unidade bem como totalidade vai sendo
construída no decorrer de sua vida, não estando pronta num determinado
93
PANNENBERG, W. Op. Cit. p.100. No dilema humano ele carrega consigo um conflito
contínuo entre o desejo de infinito e a experiência existencial de finitude. Na trajetória da cultura
humana, verificamos uma contínua luta entre o mundo do desejo e a experiência da realidade;
assim, essa intolerável contradição tempo e eternidade, que marca o mais profundo paradoxo da
aspiração do ser, busca de todas as formas no decorrer da transcendência da história ser resolvida.
Na razão filosófica, busca a ontologia explicar o rumo do homem para o ser perfeito, o ser para a
imortalidade, mas é no conceito de pessoa, de linhagem teológica e ligando a ele o predicado de
perfectissimum in tota natura, que na antropologia teológica é resgatada, ante o escândalo da
morte, pela fé na absorção do ser-para-a -morte da temporalidade humana na vitória divino-
humana de Jesus na sua Ressurreição. Em Jesus a eternidade se faz tempo para o tempo entrar na
eternidade Cf. HENRIQUE, C.L. Vaz. Antropologia Teológica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.
228 et seq.
94
Cf. Ibid., p.100.
95
Cf. Ibid., p.140.
96
Cf. Ibid., p. 264.
65
dado específico da história humana
97
. Tanto para a antropologia teológica
de Pannenberg, quanto para a teologia cristã, a totalidade do homem
como realização é uma superação da vida terrena elevando-se até Deus.
É no encontro definitivo com Deus que o homem participa da bem-
aventurança eterna e se realiza de forma plena
98
.
A antropologia pannenberguiana revela uma concepção de
transcendência que é, sem maior dificuldade, compreendida no homem
como um dado experimentado na consciência subjetiva. É o homem como
pessoa que ao dar conta de si mesmo, pela linguagem e pela razão quem
formula na cultura a superação dos seus limites, transcendendo o mundo
e a natureza. Pelo simbólico, na cultura, a pessoa ultrapassa a linha que
limita a sua existência, adentrando assim, numa realidade mais que
humana
99
. É esta idéia de superação da realidade como tal que se torna
possível compreender na antropologia aqui estudada a dimensão de
história. Na história, o homem participa de seu evoluir como espírito,
transcendendo-a, e no processar dos fatos a pessoa avança até a
plenitude da história e tal plenitude, para este autor, se dá em Deus como
realização plena da pessoa. No próximo tema a ser tratado veremos uma
breve compreensão da história como transcendência, para logo depois
tratarmos da relação história e cristianismo também em relação à
transcendência.
3.2.2
Transcendência humana e história
Visto já a temática da transcendência humana em Pannenberg e a
confirmação dela como um dado que acontece na consciência humana e
na subjetividade, cabe afirmar também um expandir do eu para fora de si
97
Cf. Ibid., p. 295.
98
A comunidade dos bem-aventurados, conforme se lê em alguns textos apocalípticos indica um
estado beatífico de vida, onde o ser humano alcança pela graça divina o dom de participar deste
novo estado de vida. Esta experiência esperada pela comunidade de fé representa para os cristãos o
ponto máximo da esperança escatológica; o cumprimento mais profundo do desejo humano de
contemplar a Deus e participar de sua eternidade. Nesta experiência de contemplação de Deus
como experiência mística, pode se afirmar como o mais auto grau da transcendência humana
compreendida pela via cristã.
99
PANNENBERG, W. Op. Cit. p.428 et. seq.
66
mesmo como superação, colocando-se numa condição de abertura ao
outro, ao mundo e também a Deus.
Já que a abertura do homem e o seu expandir como transcendência
se dão na história, agora faz-se necessário mostrar a relação
transcendência humana e história.
Pode-se dizer que a criação da cultura, como o testemunho mais
eminente do dado transcendental do indivíduo, bem como a sua abertura
à sociedade e à história no processar da vida e dos fatos, caracteriza a
força do espírito humano em que a pessoa adquire uma dinâmica
propulsora da superação do seu eu diante de si mesmo e o eleva à
condição de participante e membro de uma sociedade e de uma cultura.
Pela consciência de historicidade o ser humano elabora a
possibilidade de perceber a dinâmica da realidade, ou seja, o contínuo
processar da história. O próprio Pannenberg lembra, na sua antropologia
teológica, que nas estruturas das relações sociais, bem como entre os
indivíduos e, ainda nas constantes mudanças; é neste contínuo
caminhar, que todas as coisas que sucedem ou que fazemos suceder, aí
é o lugar onde se constitui a verdadeira realidade de cada um dos
homens. Todos os incidentes parciais de uma vida recebem seu sentido
e, adquirem transcendência do lugar que ocupam no conjunto da história
em geral
100
. É num contínuo caminhar da história, como dinâmica dos
fatos, que o homem evolui na sua existência e a própria história favorece
a ele o constante transcender das situações provisórias do seu percurso,
para atingir a meta final de seu caminho. A história é marcada pela
temporalidade e por contínua superação da mesma, assim, o homem está
posto num eterno devir, transcendendo a história, que, por sua vez,
conduz o indivíduo a sua transcendência pessoal
101
.
A história somente evolui pela ação dos indivíduos, sendo que os
desejos da pessoa assumem como história uma construção dentro da
comunidade humana; e o mundo comum de cada indivíduo é superado,
abrindo na sociedade o espaço para a universalidade. Pannenberg
prossegue seu pensamento mostrando na vontade de universal a
100
PANNENBERG, W. EhcP. p 194 et. seq.
101
PANNENBERG,W. APT. p.613 et. seq.
67
explicação do dado antropológico religioso, que sempre marcou
presença na história das culturas. Este dado tem a força de projetar o ser
humano ao infinito de sua insaciabilidade e abrir a ele o horizonte da
totalidade, do universal
102
. O homem, como excentricidade transcendente,
busca algo que é constitutivo de sua história como homem, mas ao
mesmo tempo é trans-histórico, pois o seu desejo supera o mundo
previsível do empírico, abrindo para algo que não situa no puro racional.
Pannenberg propõe que o processo histórico não está concluído,
como pode desejar a própria história ou a filosofia quando desenvolvem
uma pretensão de abarcar a totalidade da realidade humana, posto que
isto é algo que é vedado à própria história como tal
103
. O alcance da
totalidade histórica se faz impossível na própria dinâmica da historicidade.
Desde os tempos das civilizações egípicias ou gregas, almejam em suas
experiências, alcançar a totalidade quando buscaram superar o limite
factual da existência, como subjetividade situada e contingente; porém
isso nunca foi possível. Esta ânsia ficou muito evidente na elaboração dos
mitos e na criação de divindades, como caminho substancial para
satisfazer o impulso insaciável do homem de reter na própria experiência
a totalidade da história. Pode-se dizer que a experiência religiosa tem a
finalidade de acompanhar a evolução da história, propiciando o superar
da fatalidade existencial e constituindo, assim, uma unidade espiritual no
seu acontecer.
Cabe concluir com a afirmação de que o maior sinal de
transcendência do homem na história e da própria história, para
Pannenberg, é a dimensão religiosa, já que está elaborada da forma
102
Quando se verifica o caminho da história para alguns autores modernos e o destino para o qual
ela se dirige como fim, é possível de deparar com uma compreensão de história que se sustenta
fortemente nos fundamentos da razão. Isto aparece muito evidente no pensamento de I. Kant,
quando a história vai ter sua conclusão no universo da razão prática ou na natureza, em ambos
pólos a história tem seu telos sustentado na razão. Também Hegel na Enciclopédia das Ciências
Filosóficas) ou Fenomenologia do Espírito aponta para uma conclusão universal da história no
movimento do espírito como libertação do em si que se eleva à consciência-de-si, revelando a
própria essência do ser. A história parece bastar-se em si mesma e a encarregada final de elevar o
espírito à exterioridade universal da história é também a razão – assim a história pressupõe um fim
em si mesma, o que parece ser a grande crítica apresentada ao pensamento moderno, por
Pannenberg, em sua antropologia teológica; uma vez que para a teologia cristã o espírito da
história não se eleva à sua plenitude por si mesmo, mas ele carece de algo mais, e este algo mais é
dom gratuito de Deus que é oferecido ao homem na história, através da Encarnação do Filho e da
realização de sua missão de implantação do reino de Deus.
103
PANNENBERG,W. Op. Cit. p.614.
68
mais diversa nas culturas. No cristianismo, tal elaboração se dá de forma
lapidar no evento da Encarnação de Jesus. Com a vinda de Jesus, a
eternidade entra no tempo para fazer com que o tempo transcenda e
atinja o infinito. O cristianismo apresenta a transcendência não como
puro fruto do espírito da história, mas sobretudo como Graça. Por ela,
Deus vem até os homens e, num gesto inexplicável de amor, eleva- os e a
história à condição de divina. O que a razão no seu penoso caminho de
busca alcança em fragmentos, o dom transformador da Graça oferece ao
homem em plenitude. O tema da transcendência vai atingir amplo alcance
na teologia cristã, por isso, faz-se necessário, mesmo que brevemente,
acenar para esta experiência na história do cristianismo.
3.2.3
Transcendência e história no cristianismo
Finalizando a abordagem do homem na perspectiva da
transcendência e da história, apresentaremos alguns elementos desta
temática dentro do horizonte cristão, lugar em que o homem é
transformado em sua história pela história da salvação. O mistério da
Encarnação de Jesus para os cristãos é o grande marco transformador da
história, e o desejo do reino de Deus passa a ser uma constante no
caminho histórico da humanidade como transcendência.
A história, nos moldes cristãos, não é somente história humana, ela
é também história da salvação humana, que se realiza no gesto gratuito
do amor de Deus
104
. É Deus que se coloca a disposição para nos salvar.
Assim, a história humana é marcada pela força transformadora da Graça,
proporcionando ao homem uma história de salvação. É conciliando a
104
Acreditamos que vai de encontro ao tema da história como salvação em Pannenberg a obra do
teólogo Mario de França Miranda: A Igreja numa Sociedade Fragmentada, São Paulo: Loyola,
2006, onde o autor nos lembra, ao tratar da economia salvífica, que “a compreensão cristã de
revelação afirma a iniciativa totalmente gratuita de Deus de vir ao nosso encontro para nos salvar.
Esse gesto salvífico não é mera produção humana, pois nesse caso não teríamos propriamente
revelação, mas provém do próprio Deus. Em outras palavras, é uma experiência religiosa
determinada pelo próprio Deus. Isso significa que na própria experiência Deus mesmo condiciona
sua inevitável interpretação, como componente intrínseca dela. Se Deus se revela na história e
como história, a experiência (sempre interpretada) dos eventos históricos e capacitada pelo próprio
Deus” cf. p. 287
69
dimensão cristã com o dado natural de transcendência presente na
subjetividade humana, que se pode falar de um coeficiente transcendental
na história cristã.
O cristianismo primitivo afirmava a tese de que o homem só ascende
a seu autêntico destino na história de Jesus se estiver em comunhão com
ele
105
. Nessa comcepção o acontecimento Jesus Cristo possui validez
salvífica universal para o homem. Tal entendimento encontra na pessoa
de Jesus Cristo a figura de um segundo Adão, que é o Adão celeste e
dele o homem traz também a sua imagem (1 Cor. 15,47-49)
106
. Com
Jesus surge um homem novo, renovado na ressurreição de Cristo, que
transcende à sua condição de mortal e assume uma condição imortal
107
Se a filosofia debatia o lugar que a essência humana ou a natureza
ocupava no homem pelo acontecer da história, a teologia cristã vai
enxergar no homem, como perene marca de seu ser no mundo, a “imago
Dei” que chega à plenitude com Jesus Cristo, pois é Ele quem revela ao
homem o caminho de perfeição a ser seguido. Sendo assim, a
compreensão cristã do homem como história, que acontece desde o
primeiro Adão ao novo e último Adão, dissolve em historicidade o conceito
filosófico de natureza essencial humana independente de tempo, ou
melhor, o resolve no movimento concreto da história
108
. Na compreensão
cristã de história, lembra Pannenberg, a natureza humana está à
disposição de um complemento sobrenatural. Inversamente da noção
filosófica que coloca a natureza como necessidade absoluta e como
constitutiva de si mesma. A salvação, dentro da abordagem da
antropologia teológica é o ato mais significativo da transcendência
humana, em que o homem se eleva sobre a própria natureza e se abre à
105
PANNENBERG, W. APT. p.626.
106
Cf. Ibid., p.626.
107
Cf. Ibid., p.629. Os tempos míticos bem como na filosofia grega parecem não ter conseguido
uma proposta de superação definitiva para a contingência humana, buscaram respostas para os
acontecimentos funcionais da vida, mas o dinamismo da história sempre continuou desafiando o
homem. Com Jesus Cristo há uma inovação profunda, pois surge uma nova forma de vida para o
ser humano. O homem restaura em si a idéia de imagem e semelhança com Deus, aranhada pelo
pecado, assumindo assim, uma resposta de libertação plena e definitiva.
108
Cf. Ibid., p.631. Pannnenberg entra para a história da teologia muito conhecido como teólogo
da história. Durante seu produzir teológico sempre teve presente este viés como abordagem. Pode
ser considerado um marco no seu caminhar teológico, nesta direção, o seu estudo “Revelação
como História” (Offenbarung als Geschichte) , onde o autor mostra que é na história que Deus
se revela aos homens.
70
oferta gratuita de Deus. É pela força da Graça que o homem consegue se
elevar ao mais alto grau de perfeição, chegando à semelhança de Jesus
Cristo. Dessa forma, é na história de Jesus de Nazaré que o homem se
supra-assume e se livra de seus limites, atingindo o seu destino de
imagem e semelhança com Deus. O estado de perfeição que o homem
almeja na teologia cristã vai se realizar para além da história; é na
eternidade que ele atingirá a sua condição de imortal, pela Graça
salvadora de Deus
109
.
Na tradição cristã, a transcendência se dá na presença do Absoluto
como existência. Em lugar de subida da alma ao Absoluto, como fora
traçado pela metafísica, caracterizando a idéia suprema, temos a descida
do Absoluto como existência
110
, efetuando na história a resposta
conciliadora ao dilema da existência humana. Ao descer pelo evento real
da Encarnação (acontecido na história), revela-se aqui uma resposta
definitiva aos anseios humanos, acenando para o fim da criação. É no
paradoxo antropológico, em que o homem situado no tempo e no espaço
como sinais de sua contingência, que se abre o horizonte da dialética
finito-infinito. O Verbo encarnado é para a pessoa a revelação de sua
transcendência existencial, e desse modo, o mistério humano se vê
iluminado pela luz do Logos de Deus que se faz história, encarnando-se
nela para elevá-la á categoria de divina
111
.
109
Cf. Ibid., p.633. Hegel na sua filosofia da história apresenta um homem que se realiza na
história, mostrando um Espírito da História que parece ser conceituado de forma diferente do
espírito de Deus da tradição cristã; para Schleiermacher tal idéia já é resolvida com a apresentação
de Jesus Cristo que institui uma nova vida, “vida total” de uma nova sociedade, já não corrompida
pelo pecado.
110
Num contexto, mais filosófico que teológico HENRIQUE C.L. Vaz. Atropologia FilosóficaI,
II e III, São Paulo: Loyola. Expõe também com grande profundidade, tal qual Pannenberg,
considerando a construção histórica dos conceitos e a elaboração cultural dos mesmos; fazendo
uma exposição da antropologia e demonstrando um profundo itinerário da reflexão sobre a
temática da transcendência. De forma complexa, porém clara, Lima Vaz recorda desde o alvorecer
da filosofia até os dias atuais o evoluir de tal conceito, mostrando que o desfecho da
transcendência é o encontro do homem com o Absoluto pela via escatológica cristã.
111
A constituição pastoral do Vat.II Gaudium et Spes, n° 264, apresenta Jesus Cristo como
homem novo, através de uma afirmação muito clara e profunda sobre o tema da Encarnação “Na
realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado.
Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo
Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo manifesta
plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação. Não é portanto de
se admirar que em Cristo estas verdades encontrem sua fonte e atinjam seu ápice. Ele é o homem
perfeito, que restituiu aos filhos de Adão a semelhança divina”.
71
Por fim, cabe dizer que, na Encarnação, o Filho de Deus traz ao
homem um novo caminho de realização como transcendência. Este
caminho é indicado como lugar da realização plena da vida humana, em
que, pela elevação de sua essência ao seu verdadeiro destino de imagem
e semelhança de Deus, o ser humano é capacitado para participar do
reino de Deus. A realização do reino é o acontecimento da história
humana como tal, sendo caracterizada como história universal de
salvação, em que o homem como sujeito, responde livremente a ela na
sua existência projetando-se para além de seus limites e de sua natureza
e alcançando um estado de perfeição divina, que chega a sua
plenificação na plenitude da história. A história humana não está
condenada ao fracasso e ao acaso contingente da finitude, ao contrário, é
o lugar da realização do ser humano como imagem de Deus. E isso é
possível através de sua abertura a Ele. Este horizonte de abertura
confirma no homem, conforme Pannenberg, a natureza religiosa do
mesmo e a busca da realização plena deste princípio natural. O próximo
capítulo dedicar-se-á mais exclusivamente à temática da abertura
humana e de sua relação com Deus através de Jesus Cristo.
72
4
O ser humano como abertura para Deus – uma leitura
teológica do ser humano em Pannenberg
Introdução
Depois de ter apresentado no homem alguns princípios que fazem
parte do seu ser pessoa, buscaremos demonstrar como constitutivo
implícito, conforme Pannenberg, a sua dimensão religiosa. Os
fundamentos de um certo modo já foram colocados quando trabalhamos
as noções de indivíduo, de liberdade e de transcendência, pois são
dimensões indispensáveis para compreender o ser humano situado no
mundo moderno.
Os conceitos que antecederam e que estão presentes na
antropologia teológica de Pannenberg, prepararam o solo da antropologia
para agora podermos, numa dimensão teológica, fundamentar a
argumentação de que o homem é essencialmente religioso na
compreensão deste autor. A abertura para Deus é uma marca que o
homem carrega consigo, desde o momento em que ele é chamado à vida.
Aqui será muito importante retomar a idéia da Imago Dei, pois tal tema se
faz primordial não só para a antropologia, mas também para demonstrar
no pensamento de Pannenberg, os fundamentos que sustentam a
afirmação de que o homem traz na sua essência a dimensão religiosa.
Depois de trabalharmos o tema da imago Dei , faz-se necessário
mostrar, mesmo que brevemente, a busca de validade para o discurso
antropológico religioso num contexto de modernidade. A afirmação do
homem como ser religioso por natureza é esclarecedora na antropologia
teológica de Pannenberg e nos coloca no cerne da problemática
abordada nesse estudo. Isto será exposto pelas sub-temáticas:
realização da confiança como possibilidade de abertura; a identificação do
homem com sua dimensão religiosa e, por fim, a verdadeira liberdade que
o ser humano somente encontra em Jesus Cristo. A realização plena do
homem se dá no amor de Deus revelado historicamente na Encarnação
do Verbo.
73
4.1
A abordagem bíblica e outras abordagens do tema da imagem e
semelhança de Deus no decorrer da história cristã
Neste primeiro momento buscaremos retomar a idéia da Imago Dei
no sentido bíblico, bem como no acontecer da história do cristianismo.
Sinalizaremos para as abordagens mais significativas do tema da imagem
e semelhança de Deus no processar da história, sempre tendo como fonte
o pensamento de Pannenberg.
No seu tratado teológico da criação, o autor deixa perceptível,
através do seu uso dos autores sagrados e de outros autores, que Deus
cria o homem por um ato de sua livre vontade. Ato revelador em que Deus
na sua plena liberdade se manifesta na criação humana. O convite
afirmativo do Texto do Gênesis "Façamos o homem a nossa imagem e
semelhança
112
, traz no seu resultado um ser humano destinado à
experiência da liberdade. Desse modo, a pessoa, criatura e filha de Deus,
se torna sujeita, marcada por uma consciência e por uma vontade livre.
Ao tratar do homem como Imagem de Deus, Pannenberg lembra
que é seguro dizer que o homem está muito atrás do animal em força e
em segurança do instinto; e não tem a faculdade dos impulsos inatos.
Assim sendo, o homem recém-nascido, comparado com os animais, é a
criatura mais desamparada da natureza
113
. Mesmo que na sua natureza
haja tais deficiências na espécie, há princípios específicos do ser humano
que o singulariza na cadeia de espécies, como a razão e a liberdade
114
. O
homem no uso de sua razão e de sua liberdade, diferentemente do
instinto animal, possui uma direção vital que, conforme Pannenberg, foi
dada por Deus. Ele não abandonou o homem ao seu estado de
desorientação, mas lhe permitiu ir autoaperfeiçoando-se. Nisto consiste
exatamente o ser homem em conformidade com o ser imagem e
semelhança de Deus.
Juntamente com a fundamentação bíblica, Pannenberg apresenta
um longo e profundo caminho realizado no decorrer da história, buscando
112
Bíblia Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola e Paulinas, Gn 1,26.
113
PANNENBERG, W. APT. p. 53 et. seq.
114
Cf. Ibid., p.54.
74
compreender a temática do homem como imagem e semelhança de
Deus. Para demonstrar o que distingue o ser humano e o define como
imago Dei, Pannenberg traça, através da antropologia moderna, alguns
pontos que ajudam a enxergar a pessoa humana no que propriamente ela
se revela na sua existência.
- Ele mostra que assim como os instintos guiam os animais, a
imagem de Deus guia o homem. Tanto o instinto como a imagem de
Deus têm a função de imprimir na vida da criatura uma direção.
- A imagem e semelhança de Deus vai se realizando no homem
durante a sua vida, portanto a dimensão religiosa do homem está
intimamente interagindo no ser pessoa do homem, ela fazendo parte da
sua vida.
- Também reforça que Características como humanismo, razão e
religião são dados que se desenvolvem no homem, através da sua
trajetória educativa e cultural. Disso resultam três fatores importantes na
compreensão do homem:
I Tradição e instrução, correspondendo a tudo aquilo que o
indivíduo recebe de outros, visto que ninguém se constitui homem
sozinho, a transmissão se dá diante do todo que circunda a pessoa.
II Duas forças orgânicas presentes na existência humana: a razão
e a experiência, nas quais o homem vai se autoconstruindo como ser
humano.
III Pela providência de Deus o homem sai do espaço do acaso e
entra na compreensão de necessidade, esta governada pelo poder de
uma causa absoluta que é Deus. Na experiência que o homem vivencia,
ele já visualiza uma meta que está proposta para ele. Deus tem uma
intenção para o gênero humano na terra, sendo deste modo seu destino
de caráter divino. No espaço da cultura humana, na história, no
ensinamento e na tradição; bem como no uso da razão e da experiência,
em tudo há a atuação da providência divina para a meta a que se destina
o homem: ser imagem e semelhança de Deus
115
.
115
Cf. Ibid., p. 55 et. seq. Nestas páginas, Pannenberg problematiza a questão do homem como
imagem e semelhança de Deus com vários autores como Herder, Irineu de Lyon, E. Brunner, K.
Barth e outros.
75
A doutrina teológica da criação afirma que no seu estado original o
homem havia sido criado à perfeita imagem e semelhança de Deus, e no
entanto, ele perdeu esse estado original devido a sua queda e ao
pecado
116
. Para os escolásticos da Idade Média, mesmo que pelo pecado
o homem perca sua iustitia originalis como Graça suplementaria,
perdendo a justiça original não perde a imago Dei, pois esta faz parte de
sua natureza. Pannenberg ainda traz a abordagem de Irineu de Lyon
sobre o relato vétero testamentário de (Gn 1,26), que mostra uma
distinção entre Imagem de Deus e semelhança de Deus. Irineu faz a
analise morfológica do termo zelem de mut, que para ele, designam
coisas distintas
117
. Ele entendia a semelhança como um grau superior à
imagem.
Também a escolástica latina medieval distinguia imagem e
semelhança, preservando assim, a continuidade da posição defendida por
Irineu.
Diferente é a visão da Reforma, separando-se da posição defendida
pela escolástica latina. A imago Dei não é só para ela o fundamento da
comunidade efetiva com Deus (iustitia originalis), mas a identifica com a
justiça do primeiro homem. O pecado não é só a perda da semelhança,
mas também da imagem de Deus
118
.
É na afirmação do resto formal da imago Dei que o homem
continua sendo homem apesar do pecado, e é neste resto, que abre
espaço para a revelação de Deus.
Já para os católicos e para a concepção medieval, a idéia da imago
Dei se diferencia dos reformadores, pois para estes, a imago Dei consiste
na relação efetiva com Deus e para aqueles, o suposto da imago Dei é a
116
Cf. Ibid., p.58.
117
Cf.Ibid., p.59. Pannenberg mostra pela obra de G.von Rad: El libro Del Gênesis, Salamanca,
1988, que o termo imagem se aclara diante da adição da noção de semelhança, ele em simples
sentido de que a imagem em questão deve conformar-se com o arquétipo, ou seja, deve ser
semelhante.
118
Cf. Ibid., p. 60. Pannenberg ainda lembra que também na Fórmula da Concórdia se iguala a
justiça original do homem, ou seja, sua relação atual com Deus, com seu ser imagem e semelhança
de Deus. Além da distinção entre escolástica latina e Reforma no que se refere à imagem e
semelhança de Deus, Pannenberg evidencia a polêmica contemporânea criada entre K. Barth e
Emil Brunner, refletindo se com o pecado o homem perdeu por completo a imago Dei ou se
permaneceu um resto.
76
propriedade estrutural formal da essência do homem
119
. O que aparece,
porém, é que para as concepções de ambas confissões, como lembra
Pannenberg, coincidem em que a imagem de Deus no homem existiu no
começo da história da humanidade: na perfeição do estado original do
primeiro homem antes de pecar. A idéia de uma imago Dei em devir,
como é pensada por Herder, se diferencia nitidamente das tradições das
confissões citadas acima
120
.
Pannenberg usa a idéia moderna de processo de humanização,
entendida como auto-aperfeiçoamento e comum a toda humanidade,
podendo colocá-la em conexão com a noção dinâmica, ainda que nem
sempre esta idéia venha unida com o conceito de imago et similitudo
Dei
121
.
É num cenário de modernidade que Pannenberg usa o conceito de
auto-aperfeiçoamento moral do homem, termo já usado por Leibniz
122
,
para indicar que as coisas por sua atividade alcançam um grau maior de
perfeição, sendo que os espíritos são as substâncias mais perfectíveis.
Ele afirma que a noção de auto-aperfeiçoamento não se sustenta
somente a partir da realidade humana, ou seja, não tem como retirar a
totalidade do ser humano somente dele mesmo como queria I. Kant
123
. O
homem constrói sua identidade e seu aperfeiçoamento dentro de uma
cultura, adquirindo através da tradição e do conhecimento novas
experiências. E mais, realiza verdadeiramente sua vocação humana
quando a noção de imago Dei o direciona naturalmente como disposição
à providência divina; isso se faz imprescindível para a formação do ser
humano como tal. Sua disposição para a imago Dei é realizada somente
119
Cf. Ibid., p. 61 et. seq.
120
Cf. Ibid., p.62. O autor acentua as posições de Marsílio Ficino que afirma na encarnação o
cumprimento perfeito do destino religioso do homem e Pico della Mirandola, este mostra que em
Jesus Cristo se dá a restauração do homem e se realiza a perfeita criação do homem.
121
Cf. Ibid., p. 63. Pannenberg, no seu fazer teológico, se propõe com grande empenho em
dialogar de forma profunda e crítica com a modernidade. Ele usa de maneira incisiva categorias
cientificas sólidas e profundas das ciências modernas. É significativo reforçar que a idéia de auto-
aperfeiçoamento caracteriza-se um princípio presente na atualidade secularizada para se falar do
potencial humano como natureza. De certo modo, tal auto – aperfeiçoamento, como faz questão de
pontuar Pannenberg, na modernidade assume o lugar da idéia de imagem e semelhança de Deus da
tradição judaico-cristã.
122
Cf. Ibid., p.64.
123
Cf. Ibid., p.65.
77
pela ação de Deus mesmo na vida do homem
124
. Não há como separar a
realização do destino humano da providência divina, mas nesta realização
há de considerar sempre a participação ativa do homem.
A teologia evangélica, partindo de estudos atuais da antropologia
teológica, faz uma nova leitura da narração javista da criação e da queda
de Adão. A imago Dei não é descrita como perfeição original que se
perdeu pela queda de Adão, mas é tratada como destino por realizar do
homem. Também, nesta mesma linha, afirmava Kant quando dizia que “o
homem foi criado bom. Isso não pode significar mais do que foi criado
para o bem e a disposição original do homem é boa”
125
. O homem tem
um fim que é bom. Pela sua potencialidade e disposição se torna
possível o cumprimento de seu destino de formar-se no conhecimento, no
amor à verdade, ao bom e ao belo, e elevar isto à regra imutável de toda
sua atividade. Todas estas realidades são percebidas pelo homem em
maior incomensurabilidade na divindade. Quanto mais alto seja o
conceito, mais alto também se faz o destino do homem no seu ideal de
virtude, de justiça e eternidade. O homem se vê destinado a tais
grandezas e busca se aproximar delas
126
.
A teologia dialética do século passado, voltou a recorrer às
afirmações da Reforma sobre a perda da imago Dei devido ao pecado, e
recolocou a doutrina do estado original. Pannenberg mostra que E.
Brunner censurava Schleirmacher e seus seguidores por terem
abandonado a intuição cristã fundamental sobre a origem do homem e tê-
la substituído pelo evolucionismo idealista de forte impostação naturalista.
Mesmo que não se fale de origem como começo empírico, mas sim, da
compreensão de um estado atual do homem e de uma origem dele na
vontade de Deus; ainda que atribua ao homem uma condição de pecador,
124
Em Herder, como comenta Pannenberg, a idéia de imago Dei foi secularizada, superando assim,
a visão moral da imago Dei, e deste modo, elevou o homem ao sobrenatural e à condição da
Graça, contrariando a visão iluminista de homem . Aqui o homem depende da ação da Graça de
Deus.
125
PANNENBERG, W. APT. p. 66.
126
Cf. Ibid., p. 66. Ao propor que o homem foi criado bom, como faz Kant, isso quer dizer, que
ele foi criado para o bem e a disposição original do homem é boa. O destino do homem não é um
destino prometéico, marcado pela eterna fatalidade da repetição e do fracasso, mas é um destino
que o projeta num horizonte cada vez mais amplo, onde ele vai caminhando rumo à realização do
seu ser imagem e semelhança de Deus.
78
ele só pode ser compreendido, como lembra Pannenberg, a partir da
imagem de Deus como princípio original e como aquele que vive
paradoxalmente também em oposição a ela, trazendo em si mesmo um
princípio de contradição
127
.
No desenvolver da temática da Imago Dei, Pannenberg pergunta se
é possível uma defesa sólida da doutrina dogmática acerca do estado
original de Adão, se não, no sentido de início histórico da humanidade –
de origem com base no divino, há como afirmar a perda da perfeição
original.
Para o teólogo aqui estudado, quando se fala de estado original de
perfeição do homem, perdido pelo pecado, só é sustentável, caso
possamos afirmar tal estado também como a origem da história da
humanidade. Quando aborda a idéia de perda deve admitir ter possuído
tal estado de perfeição como estado que anteceda a essa perda, havendo
de admitir a questão de ter havido ou não esse estado. Algumas
afirmações desse tipo não são muito harmonizadas com as investigações
das ciências naturais e intentam salvar fórmulas teológicas tradicionais
muito rebuscadas, como quando se fala de uma origem a-histórica.
Pannenberg faz ver que o ponto de partida do regresso à idéia do estado
original se encontra na experiência do ser homem como um dever.
Assim, o homem singular é homem universal, ou seja, é o gênero
128
.
A temática do estado original de queda que se atribui ao homem
como gênero só pode ser compreendida no universo mítico do pensar e
não é adequada à experiência histórica que o homem tem de si mesmo e
de seu mundo, que aponta para o homem como realização futura de seu
destino. Tal futuro, se manifesta a cada um na sua experiência de existir
como homem. E a própria experiência de limites e fracassos apontada na
identidade original do homem é fator que abre ao homem a compreensão
de que a fé na autorealização, quando construída por ele mesmo, não é
possível. Ele só consegue alcançar sua realização elevando-se acima do
127
Cf. Ibid., p.68.
128
Cf. Ibid., p.70.
79
que ele é; abrindo-se ao mundo e aos outros. Por estes meios Deus atua
na vida do homem
129
.
A experiência de fraqueza que o ser humano vivencia na sua
existência e a sua infidelidade para com o próprio destino é realmente
decisiva para lançar fundamento de sua credibilidade em algo maior que
ele. Aqui entra o papel da fé na vida do ser humano. O homem que não é
idêntico consigo mesmo, não pode tão pouco construir por si mesmo sua
identidade. Ele, por si só, não alcança o fim para o qual foi destinado,
mesmo que ele tome parte desse processo e que participe junto com
outros que também estejam nesta direção do agir humano; é Deus que
atua e o fim do homem não é outro senão a comunhão com ele
130
.
Como mostra Pannenberg, a maior parte dos teólogos do século XX
defenderam a imago Dei como destino do homem. A imagem de Deus é,
assim, um constitutivo antropológico do homem que nem perdeu e nem se
pode perder, pois ela compõe sua própria natureza. Entre os muitos
teólogos que debatem tal problemática, Pannenberg cita K. Barth que
considera a imago Dei como princípio que marca o destino do homem,
destino para o qual o homem caminha; destino este que é aliança do
homem com Deus. Para Barth, isso não pode ser perdido, pois é
realidade que o homem não possui como coisa; a imago Dei é desígnio
de Deus ao criar o homem, ela é a palavra e a promessa suscitadas ao
criar o homem e não pode perder-se e nem estar submetida à destruição
alguma, seja total ou parcial
131
. Tal dado transcende a existência humana
e pontua, de certa maneira, o mistério da criação.
Pannenberg reforça a imago Dei como aquilo que desempenha a
função de mostrar o caráter de inacabada da humanidade do homem. O
destino para o homem não pode ser pensado na vida que já se faz real.
A imago Dei permite ao homem pensar o fim da realização de sua
essência e constitui ao mesmo tempo a situação da qual ele parte.
Mesmo considerando que o homem seja marcado por imperfeições, ele
está em condições de superá-las, através de sua abertura ao mundo e às
129
Cf. Ibid., p. 71. Pannenberg trata de forma ampla o tema do mito e sua compreensão dentro do
cristianismo.
130
Cf. Ibid., p. 72.
131
Cf. Ibid., p. 70 et. seq.
80
coisas de fora dele. É diante da transcendência do homem sobre si
mesmo, que ele toma consciência de sua subjetividade e também toma
consciência do seu destino de excentricidade e apropriação do mundo,
bem como de sua abertura para Deus
132
. Quando se afirma no homem a
capacidade de orientação até o fora de si, verifica-se que ele transcende
à sua subjetividade e vai até outros objetos que compõem o seu mundo,
ou seja, o fora de si. Esta excentricidade do homem o faz tomar
consciência da alteridade dos objetos ou da alteridade do seu
semelhante. O homem, ao transcender, percebe o mundo em sua volta, e
ao perceber o mundo, percebe também os objetos como realidades
determinadas, isso já faz com que tais objetos sejam superados, dado
que a determinação de um objeto singular só é apreensível em um
horizonte de sentido infinito. Quando o homem supera um determinado
objeto ele está indo além do finito. Esta abertura que o homem tem para o
mundo e sua capacidade de objetividade em relação com os objetos do
mundo traz um sentido implícito profundamente religioso. A experiência
que o homem faz do mundo é o caminho para a experiência que ele faz
de si mesmo
133
. A busca que o homem faz de si nos objetos do mundo
confirma não apenas a busca do objeto em si mesmo, mas revela algo
mais que é a construção de sentido para sua vida e esse sentido está no
caminho para o qual ele se destina.
Ele só pode ascender completamente a si mesmo em referência a
Deus. Como já afirmado antes, por natureza o homem se revela um ser
religioso e busca constantemente um sentido mais profundo para sua
vida; ele se abre ao transcendente através de suas experiências no
132
Cf. Ibid., p. 82. Se para Herder, como recorda Pannenberg, é no processo do devir da
subjetividade que o homem descobre seu destino à imago Dei. Em Scheler, assim como em
Plessner, dois autores estudados de forma profunda por Pannenberg, é pensada a própria estrutura
essencial do homem como espaço que já implica a problemática religiosa. Deste modo, a realidade
divina pertence tão constitutivamente à essência do homem como a essência de si mesmo e a
consciência do mundo. A religião não se agrega secundariamente ao comportamento aberto ao
mundo, ao contrário, junto e no mesmo instante que ele se afirma como centro fora e mais além
do mundo.
133
Cf. Ibid., p. 89 et. seq. O tema sujeito e objeto, tão solidamente abordado na filosofia moderna
e consequentemente em Pannenberg significou o desencadear de um novo horizonte paradigmático
para o fazer científico. Houve um deslocamento na forma conceitual para definir a relação do
homem com o mundo e com ele mesmo. Este novo horizonte adquire grande robustez nos
pensamentos de Kant e de Hegel. Estes dois pensadores marcam a modernidade oferecendo obras
de grande magnitude como Fenomenologia do Espírito (Hegel) e Critica da Razão pura (Kant)
entre muitas outras.
81
mundo. No momento em que o ser humano não consegue fazer este
caminho de transcendência dos objetos do mundo e de si mesmo para
com isso chegar ao seu ser sujeito como imago Dei, ele pode criar para si
uma outra confiança fundamental que lhe dê suporte à sua vida. Se essa
confiança não for a sua fé definitiva em Deus, podem ser outros ídolos
que irão preencher o sentido mais profundo do seu existir
134
.
Antes de encerrar, cabe dizer que para Pannenberg a Imago Dei é
um constitutivo humano doado a ele desde sua origem, mas é também o
que, o homem no uso correto de sua liberdade e de sua vontade, vai
respondendo ao seu destino no mundo. Assim, a realização da imagem e
semelhança de Deus no homem, é por um lado, o processo que
acontece na história humana, como resposta ao projeto de Deus; por
outro, é dom, é Graça oferecida ao homem por Deus. Aqui pode-se
afirmar que a realização do homem como imagem e semelhança de Deus
já se inicia na história, no mundo, como veremos no tema seguinte e se
completará na plenitude dos tempos na escatologia.
4.1.1
A imagem e semelhança de Deus e o mundo
Como preâmbulo deste tópico, convém dizer que toda experiência
humana é mediada e a experiência religiosa também se faz desta forma.
O mundo é o lugar para o homem se descobrir como imagem e
semelhança de Deus. Nesse sentido, ele já vive sua realização como
imagem e semelhança de Deus na sua história vivenciada no mundo. É
na experiência da vida que ele vai se descobrindo no seu destino como
Imago Dei, e esta experiência emerge como realidade quando o Filho de
Deus se encarna na história humana. Desse modo, Jesus é o modelo
perfeito do que o homem deve ser. Pannenberg, recorrendo aos escritos
paulinos, diz: ele é o novo Adão, o homem perfeito. Aqui vamos indicar
algumas implicações do tema imagem e semelhança de Deus no homem
134
Cf. Ibid., . p. 90.
82
e sua relação com o mundo e sinalizaremos como essa idéia foi
compreendida na história humana.
O autor lembra que a expressão imago et similitudo Dei foi usada
com o sentido geral de destino do homem à comunidade com Deus. Já a
igreja na antiguidade e na Idade Média buscava a semelhança de Deus
pelo que faz o seu conteúdo em relação da alma espiritual do homem com
Ele. Na Reforma, a semelhança estava unida entre a vontade do primeiro
homem no estado de justiça original e a vontade de Deus. O que
predomina hoje na exegese, diz Pannenberg, é que o relato bíblico da
criação liga semelhança com Deus e o destino do homem de dominar a
terra
135
. Mesmo sem impor esta correlação, ela se faz imediata como
seqüela da declaração de ser o homem imagem e semelhança de
Deus
136
. O conteúdo de tal afirmação poderia estar ligado à relação do
parecido com Deus na configuração do homem. A idéia de domínio é
muito presente em Israel quando se liga a imagem e semelhança com a
idéia de filiação divina, como distinção que caracteriza a posição do rei.
Por isso , o Antigo Testamento se referia a todos os homens como reis da
criação. O documento sacerdotal atribui, assim, ao homem o posto de rei
que governa o mundo criado.
No Novo Testamento o homem no seu destino deve ser a imagem e
semelhança de Deus na figura de Jesus Cristo. Cristo é o exemplo do que
se coloca no mundo como servidor e aquele que o quiser imitar seja
também um servidor.
Hoje o mundo apresenta dificuldades para relacionar a idéia de
imagem e semelhança de Deus com a palavra dominar. Pannenberg
pergunta se há uma conexão objetiva e demonstrável entre estas
realidades. Na resposta confirma haver um nexo entre relação com Deus
e domínio crescente do homem sobre as condições naturais de sua
existência. É através de sua autotranscendência excêntrica que o homem
atinge um amplo horizonte de sentido que abarca todas as coisas finitas.
Esta capacidade do homem de apreender o objeto singular, podendo
determiná-los, é o que o distingue dos demais. Pela atividade da razão,
135
Cf. Ibid., p.93 et. seq.
136
Cf. Ibid., p.93.
83
o homem consegue conceber o singular a partir do universal,
procedimento esse que se converteu no fundamento do seu transcender
o imediatamente dado, desenvolvendo assim sua capacidade de
dominar os objetos do mundo natural
137
.
Mais recentemente tem havido reprovações à tradição judaico-cristã
por ter preconizado a idéia do destino do homem de dominar a terra. Em
tempos passados essa relação foi mais positivamente ressaltada; falava-
se da fé cristã como inimiga ou alheia ao espírito da ciência e da técnica
moderna
138
. Pannenberg mostra que também teólogos questionam a
supremacia dada ao homem sobre a natureza e reivindicam uma
revalorização de toda criação. Mesmo que tais posturas possam fazer um
movimento de ressacralização da natureza, são posturas que estão muito
próximas da apresentada pela fé bíblica na criação, apontando para o
verdadeiro sentido da missão de domínio dada por Deus ao homem de
explorar a terra. O poder sobre a natureza que é dado ao homem,
segundo o relato sacerdotal da criação, deve revelar o poder mesmo do
criador sobre a criação. Não é uma patente para explorar a natureza
egoisticamente.
Foi a partir do século XVIII, quando o homem moderno se desvincula
do Deus criador bíblico, que ele passou a dominar e explorar a natureza
desenfreadamente. No que se refere a essa situação, segundo
Pannenberg acusar a cristandade ocidental de tal responsabilidade não
parece justo. Foi na emancipação do homem moderno da revelação
bíblica, que ele usou o seu encargo bíblico em um sentimento de uso da
natureza de forma caprichosa e desregrada
139
.
O modelo perfeito de relação com a natureza e com o mundo para
os cristãos é Jesus Cristo. Todo homem deve ter em si a imagem de
Jesus Cristo como a imagem do segundo Adão e, conseqüentemente, ir
concretizando em si o que é seu verdadeiro destino – ser imago et
similitudo Dei. Ao assumir em si a imagem de Deus, vem ao homem o
imperativo de respeitar e honrar a dignidade humana, imperativo que se
137
Cf. Ibid., p. 95.
138
Cf. Ibid., p. 96.
139
Cf. Ibid., p.97.
84
reduz em última instância, ao feito de que o indivíduo humano se acha
como referência, mais além de sua realidade, que se faz presente ante os
olhos. O homem é destinado a um horizonte que permanece aberto e, por
isso mesmo, voltado para Deus. A imago Dei, que a Bíblia atribui ao
homem como destino, revela a sua profunda dignidade e fundamenta a
não violabilidade do mesmo, como constata o Gênesis: sua vida deve ser
respeitada( Gn 9,6)
140
.
O Novo Testamento apresenta a plenitude da dignidade humana na
figura de Jesus Cristo. Já o cristianismo primitivo afirma a tese de que o
homem só ascende a seu destino autêntico na história de Jesus e em
conformidade com ele. Com isso, um acontecimento histórico particular
adquire valor universal para o homem
141
. Na fala de Paulo, verifica-se que
em Jesus Cristo o homem assume a figura do segundo Adão, o Adão
celeste, (Cor.15,47-49). Em Jesus Cristo, o homem, marcado não só pelo
pecado e pela morte, mas também pela imago Dei, participa de um
horizonte que supera toda finitude e, na Graça salvadora revelada na
ressurreição de Jesus Cristo; este homem participa do infinito divino e se
torna o homem novo e imortal. A ressurreição de Jesus Cristo e sua
exaltação apresentam ao homem escatológico a sua real participação na
imagem e semelhança com Deus ( 2 Cor. 4,4)
142
.
Por fim, vale reproduzir literalmente as palavras de Pannenberg para
falar do destino humano no mundo:
“O destino do homem a ser imagem e semelhança de Deus e a dominar, como
senhor, sobre a criação. Em efeito, o sentido positivo de domínio – que não é mera
opressão – é a realização da unidade e da paz. O destino do homem a ser imagem e
semelhança de Deus se cumpriria então na reconciliação do mundo, graças à
aparição do Messias. E, com efeito, o Novo Testamento chama a Cristo de imagem
realizada de Deus (2 Cor. 4,4)”
143
.
140
Cf. Ibid., p.301.
141
Cf. Ibid., p.626.
142
Há na modernidade muitas reflexões que problematizam o destino do ser humano e também
falam de sua abertura para o divino. Mesmo falando dessa abertura para Deus, muitas correntes
antropológicas da modernidade preferem afirmar a realização do homem somente no contingente
da história; não enxergando a dimensão de infinito e de sagrado presente na história. Esta visão
deixa a história carente de escatologia e de transcendência, explicando a crise moderna da
metafísica. Ao voltarmos o olhar para o agir ético de Kant ou o Estado de Hegel e a dialética da
História de Marx podemos ver uma carência da idéia do destino do homem como imago Dei no
sentido bíblico cristão. Pannenberg faz um longo caminho pela história e pela antropologia
teológica para demonstrar no situar histórico do homem a revelação de Deus.
143
Cf. Ibid., p.670.
85
Conseqüentemente, a realização histórico-salvífica da imago et
similitudo Dei do homem em Jesus Cristo se apresenta como um dos
dados mais profundos da nossa fé. É em Jesus que o ser humano chega
à sua plenitude de perfeição e à sua salvação. Pannenberg demonstra
uma correspondência do homem imago Dei, com a vida Trinitária de
Deus. Esta correspondência encontra sua efetivação na comunidade
humana: na comunidade do Reino de Deus, cujo Messias é Jesus Cristo,
o servo, como afirma Lucas, (Lc. 22,28). Neste Reino proposto por Jesus
não comporta domínio de uns sobre outros, todos devem construir uma
verdadeira comunidade fraterna unida pelo amor de Deus nos doado em
Cristo.
Finalmente vale afirmar que somente na descoberta da dimensão
religiosa e, na experiência da mesma, pela Graça da fé, é que o homem
consegue se lançar no caminho da sua realização como participante do
reino. Ao continuar nossa investigação faremos o esforço em demonstrar
algumas características que marcam a dimensão religiosa da pessoa
humana para Pannenberg.
4. 2
O homem religioso na antropologia de W. Pannenberg
4.2.1
A validade da dimensão religiosa
De início, já se pode afirmar que debater a validade da dimensão
religiosa para a sociedade moderna pode parecer uma realidade
deslocada e absurda. Uma vez que vivemos em uma sociedade, como
recorda Pannenberg, secularizada, nessa sociedade a religião parece
não ter grande peso na vida das pessoas. Diante de tal cenário, resta à
religião e aos valores religiosos do ser humano serem defendidos como
valores epistemológicos ou ao contrário, relegados ao descaso e ao
desdenho alheio. Neste primeiro momento vamos aludir brevemente a
esta questão como preliminar para, logo depois, entrarmos em outras
questões desta temática.
86
A dimensão religiosa do ser humano constitui fator fundamental de
sua compreensão como pessoa. Em todas as culturas, no decorrer de
séculos, o homem no seu ser pessoa recorre à religião como busca de
respostas para os anseios mais profundos de sua vida. A sacralização da
vida, como experiência religiosa, abre no homem o espaço para o
sagrado e ele se inclina na direção do transcendente, do divino. Deus
entra na vida do homem no momento em que ele se compreende como
ser consciente de si mesmo, e nesta compreensão ele se vê marcado por
fragilidades e limites
144
. É na indigência de sua vida, bem como na
experiência fatal do destino como finitude que o homem não se conforma
com tal situação e se lança para algo além; assim, o homem descobre em
si algo que é maior, algo que ultrapassa o limite do espaço e do tempo,
ele descobre Deus.
A dimensão religiosa, apresentada por Pannenberg, é algo que
constitui a essencialidade do homem. Ela é um fio de esperança que
perpassa a história humana e o eleva acima de todas a s suas fraquezas
e misérias.
Ao apresentar o homem como ser religioso faz-se importante
lembrar que Pannenberg afirma, através das teorias de Schleiermacher,
que a religião se livra da independência da base da piedade privada e
funda uma validez antropológica universal para si. Ela reivindica para si,
um lugar específico no espírito humano, que não é reduzido nem à moral
nem à metafísica. Não só o cristianismo busca o estatuto de validade para
a dimensão religiosa do homem no antropológico, mas também os que
tentam impugnar a fé cristã usam argumentos antropológicos como L.
Feuerbach, Nietszche e Freud, e seus seguidores que vão afirmar que a
religião não é mais que um produto da fantasia e expressão da
autoalienação do homem
145
.
144
As fragilidades não são causa da dimensão religiosa do ser humano. Ele não procura a Deus
como um paliativo para suas fragilidades. É também diante da realidade de fraquezas e
deficiências que o homem busca a superação das mesmas, não aceitando a sua condição de
finitude e de debilidades. A superação dos limites humanos na sua existência, para Pannenberg,
acontecerá em Deus. O estado de imperfeição também ajuda a direcionar o homem para Deus, um
ser perfeito não careceria de um Deus. Pannenberg, , como cristão, que antes da fragilidade e do
pecado, a Graça de Deus já se faz presente na vida do ser humano.
145
Cf. Ibid., p. 19 et. seq.
87
O desafio para a compreensão da dimensão religiosa do homem é
buscar afirmar, através da teologia cristã, análises antropológicas, sem
encerrar a teologia em um antropocentrismo e, não caindo em tal perigo,
a teologia deve refletir sobre a importância fundamental que tem a
antropologia e todo pensamento moderno para afirmar os enunciados
religiosos, sem aliar-se à crítica ateísta, que reduz a religião e a teologia à
pura antropologia
146
. Neste sentido, cabe lembrar que é diante da idéia de
afastar a teologia do antropológico, em que fundamenta a grande crítica
que Pannenberg apresenta a K. Barth, definindo sua posição de
subjetivismo teológico
147
. Em Pannenberg, não há como falar de teologia
e de religião sem falar juntamente do homem e de sua situação na
história. A teologia busca empregar de forma teológica os fenômenos do
ser homem, pois religião e humanidade estão vinculadas estreitamente e,
sem dúvida, já se encontra no homem predisposição à razão ao
humanismo e à religião
148
.
Pannenberg evidencia, já no contexto da natureza humana e nos
fenômenos cotidianos da vida, o acontecer da problemática religiosa; tal
problemática se faz presente na estrutura essencial da forma de vida
humana . Os conceitos religiosos e teológicos não são externos aos
fenômenos naturais, mas se manifestam através destes fenômenos.
Como afirmado anteriormente, a religião não se agrega secundariamente
ao comportamento aberto ao mundo, mas se faz presente no homem,
quando este tem que afirmar algo que justifique seu centro fora mais além
do mundo
149
. Para se lançar para além desse mundo, numa atitude
transcendente, o homem carece de experimentar as realidades finitas,
assim ele as ultrapassa e consegue chegar ao infinito, ao divino. Desse
modo, ele constrói a sua existência excêntrica e sua identidade pela
experiência do mundo externo através da relação com os outros. Ele
carece de se formar na razão, na humanidade e na religião – e isto ele
146
Cf. Ibid., p. 21.
147
Cf. Ibid., p. 21.
148
Cf. Ibid., p. 56.
149
Cf. Ibid., p. 82.
88
realiza mediante a experiência que faz de mundo e, sobretudo, na relação
com os outros homens
150
.
Finalmente, cabe dizer que a experiência religiosa, em Pannenberg,
é essencialmente humana, pois é na história humana que tal experiência
se revela; daí o título atribuído a este autor de teólogo da história. Mesmo
que o ser humano ainda não tenha atingido a plenitude da experiência de
Deus, ela já se faz fato consumado, realizado em Jesus Cristo. Cristo é a
revelação total, plena do Pai. Ele é o protótipo do que o homem deve ser
como realização. Em Jesus Cristo o homem religioso já vislumbra o seu
destino realizado, e espera essa realização com toda sua confiança,
posto que a confiança é um elemento indispensável para o homem de fé.
Aprofundaremos o tema da confiança como atributo do ser religioso do
homem, porque somente por ela o homem efetiva o seu potencial para a
excentricidade.
4.2.2
Confiança e abertura – características do ser religioso do homem
Pelo que já foi abordado até aqui, vimos que a antropologia de
Pannenberg compreende a dimensão religiosa como marca essencial do
homem. É essa dimensão que o coloca como abertura, porque em sua
excentricidade lança-se de forma confiante a experimentar o mundo como
experiência de si mesmo. Da experiência de abertura como práxis
humana emerge a sua dimensão religiosa; a fé aparece como um extra
se. Assim, a estrutura da fé do homem é essencialmente marcada pela
atitude de confiança e de abertura. Quando se crê abandona-se ao que
se crê sem nenhuma reserva
151
. É exatamente no momento em que no
indivíduo comporta um lugar para o outro que se pode enxergar nele
traços religiosos. A excentricidade constitui uma maneira de o homem,
através do outro, chegar a si mesmo. Deste modo, o outro da fé, marca a
experiência de confiança fundamental do indivíduo na sua experiência
religiosa. Na antropologia de Pannenberg, é a partir do contexto da
150
Cf. Ibid., p. 87.
151
Cf. Ibid., p. 88 et. seq.
89
vivência das realidades finitas que o homem chega ao infinito
152
. Quando
o ser humano se abre de forma confiante, buscando respostas para o
problema de si mesmo, a partir dos objetos e das relações com o mundo,
ele certifica-se de que o problema de seu destino, como problema de si,
vai mais além do mundo, e desse modo procura os fundamentos que
sustentam a vida do mundo e a de si próprio; portanto, esse problema
passa a ser um problema divino que ultrapassa o existencial natural.
A dimensão de confiança já é apresentada como questão
originalmente colocada, haja visto que na criança ela é elaborada na
relação com a mãe que, por sua vez, faz o papel de mediadora do mundo
da vida
153
. É no lugar simbólico da família, que a criança elabora a
chamada confiança básica
154
, indispensável para a estruturação da
identidade da pessoa. O rompimento com o primeiro espaço, no qual se
elabora tal confiança, exige nova orientação para conservar na criança a
confiança adquirida, por ser um estágio mais além da limitada confiança
humana. Neste momento, a educação na dimensão religiosa assume
uma função imprescindível na vida da pessoa
155
.
O tema da confiança no desenvolvimento da criança bem como o da
abertura, revelam que o problema de Deus está inalienavelmente unido
ao homem e, em Pannenberg, não se trata de uma necessidade artificial;
ao contrário, é dada com a natureza do homem, a qual ele não pode
subtrair sem produzir substitutivos
156
. A confiança que o homem
desenvolve na experiência religiosa é a busca da instância capaz de
amparar e alentar o indivíduo diante de si mesmo, no desejo de alcançar
152
Cf. ibid., p. 90 et. seq . Esta também é a posição de S. Kierkegaard. Para ele o homem que se
percebe como finito enquanto parte e momento da realização de uma totalidade infinita se compraz
na finitude, porque a vê como uma etapa de algo maior, cujo sentido é o infinito. Pannenberg
parece distinguir no momento em que coloca grande acento à pessoa como sujeito de
liberdade,como singularidade.
153
Cf. Ibid., p. 282.
154
Cf. Ibid., p.282. “ En la vinculación simbiótica con la madre se origina el fenómeno de la
llamada confianza básica (basic trust), que ha sido introducido en la discusión en torno a la
identidad por E. H. Erikson. La tesis de que esta confianza de amplio radio es el fundamento
permanente de toda la evolución posterior de la personalidad”.
155
Cf. Ibid., p. 282. É em conformidade com o desenvolvimento da confiança básica na criança
em relação à mãe que tal criança vai definir a sua forma de se relacionar com o mundo e com a
religião. Quando não se supera o infantilismo e a insegurança, tais dados serão características da
forma de relacionamento também com Deus. Deste modo, dependendo da má elaboração da
confiança básica a pessoa poderá ter uma relação com Deus marcada por atitudes narcísicas e
neuroses religiosas, descaracterizando uma relação verdadeira e profunda com a religião.
156
Cf. Ibid., p. 91.
90
a sua totalidade. A salvação que se espera de Deus se refere ao alcance
total, ao todo intacto da vida.
O que confirma o ato de confiança do homem é o fato de que aquele
a quem se confia deve haver feito palpáveis garantias de confiança, pois
do contrário, a confiança não seria possível. A confiança, presente no
homem como esperança última e incondicionada, é elaborada no coração
deste homem a partir da sua fé e da sua esperança e por meio dessa
elaboração ele descobre um Deus ou alguns ídolos. Neste sentido, a
afirmação de Lutero se faz pertinente: “Aquele a quem tu inclinas e
abandonas teu coração, esse é propriamente teu Deus”
157
. O homem, na
autêntica abertura de seu ser demonstrará antes de tudo, uma atitude de
confiança absoluta no Deus infinito, estando tal abertura em conformidade
com a própria destinação do homem a uma fé no Deus infinito, o que
supera toda situação e circunstância limitadora
158
.
Por último, ainda cabe afirmar que, para Pannenberg é somente no
momento escatológico que acontecerá a plena realização da confiança
religiosa do homem. O seu tratado escatológico mostra que será neste
momento a realização da experiência de plenitude e da totalidade da
confiança humana. O homem, renovado em Jesus Cristo, participará da
filiação divina já revelada na Encarnação. É em tal momento que o
homem experimenta em sua vida a sua liberdade radical, abrindo-se de
forma confiante aos desejos mais profundos de sua existência. Ele, agora
livre de todas as amarras, consegue dar uma resposta autêntica ao seu
destino e ao seu desejo de infinito. As atitudes de abertura e de confiança
fazem parte da experiência humana que caminha em direção a um futuro
de plena realização. O homem se move em direção a sua realização
plena. Esta, mesmo que experimentada em Jesus Cristo, ainda não se
157
PANNENBERG, W. EhcP. p. 54 et. seq. Pannenberg demonstra que o homem religioso pode
buscar substituir a confiança pela segurança, isso é explicado pelo fato de que tal homem entende
o infinito no finito, no limitado de sua vida. A pessoa prefere não arriscar para além do seu espaço
de domínio.
158
Pannenberg pontua que o dom de Deus ao homem, capacitando-o para o domínio pleno das
coisas finitas e para a administração do mundo, se usado em nome do próprio homem, tal homem
pode cair escravo da tirania, usando as coisas para justificar-se a si mesmo. Quando a pessoa
assume como o fim a si mesmo, o mundo entra numa desordem e a confiança é instalada no
próprio homem, não mais em alguém de fora dele, ou seja, Deus.
91
faz plenamente presente na existência do homem, ela será só plena no
eschaton. Assim, todo interesse humano se concentra no futuro
159
.
A escatologia de Pannenberg é fundamentada na ressurreição de
Jesus Cristo. É em Jesus que o homem encontra a sua verdadeira
esperança. Quando a pessoa se abre de forma confiante a Deus, através
da experiência de fé, surge a possibilidade verdadeira de sua realização
como desejo de eternidade. Aqui a religião é confirmada como dado
essencial do homem e como resposta decisiva para as inquietações
humanas que vão além da mera historicidade, porém tais inquietações
estão situadas numa visão do homem como ser aberto ao infinito e a
Deus.
Ao tratar a dimensão religiosa como um dado antropológico, faz-se
importante empenharmo-nos no aprofundamento de alguns elementos
que caracterizam a pessoa na sua identidade de indivíduo marcado pelo
religioso, bem como nas implicações desta dimensão no existir da pessoa
abordada por Pannenberg.
4.2.3
A pessoa como identidade religiosa
Nesta parte, esforçaremos para mostrar a noção de pessoa e de
identidade na antropologia de Pannenberg. Como se trata de conceitos
amplamente debatidos tanto na teologia quanto em outras ciências,
tentaremos apenas apresentar de forma breve alguns elementos
presentes na antropologia pannenberguiana que ajudam a entendê-los no
contexto da dimensão teológica deste autor.
Ao estudar o ser humano em todas as épocas e civilizações, o
homem busca responder à necessidade de preencher o seu vazio interior
que possui como ser espiritual. Ele deseja obter respostas para questões
que não se resolvem de uma forma racional e, assim, diante de tal
procura, o homem elabora uma identidade religiosa, construindo para si
símbolos e ritos. Ele deseja adentrar no mundo do mistério inefável que
159
PANNENBERG, W. APT. p. 63 et. seq.
92
transcende a ele mesmo. Pannenberg compreende que o homem já é
marcado em sua natureza pela dimensão religiosa, que não está como
um penduricalho colocado no homem, ao contrário, ela faz parte do ser
pessoa que só se realiza de forma integral quando se coloca na condição
de abertura ao mundo e a Deus. Para chegar a tal objetivo de realização,
a dimensão religiosa do homem é indispensável na totalidade da
elaboração da pessoa no seu ser individual, ou seja, como identidade do
indivíduo.
Pannenberg introduz o tema da dimensão religiosa no homem,
tratando da questão da unidade do eu com o si mesmo. Ele demonstra
tal unidade como caminho para a constituição da identidade do próprio
indivíduo como personalidade, uma vez que é na busca de integração da
pessoa consigo mesma que haverá abertura para sua interação social. A
pessoa procura na sua identidade identificar-se com a sociedade e
assumir o seu papel como indivíduo
160
. Fica claro que a identidade do
indivíduo acontece numa totalidade de experiências que este indivíduo
realiza como a do próprio corpo, do nome, da sexualidade, da experiência
de grupo, da história e da vida, fatores indispensáveis para a identidade
pessoal do indivíduo. Nesse processo, o homem busca lutar com a
necessidade de definir a si mesmo
161
. Ao perseguir sua identidade
pessoal, o ser humano se vê como ser de carência, mas o mesmo
identifica em si a referência de totalidade. Tal totalidade de si mesmo,
sobrepassa infinitamente a limitação de instantes da vida, fazendo a
pessoa
162
ser sua totalidade, a qual transcende a fragmentação de sua
realidade atual.
160
Cf. ibid., p.279.
161
Cf. Ibid., p.280. Como foi dito em outro momento deste trabalho, o tema da confiança é para a
elaboração da identidade da pessoa marca decisiva para a formação da personalidade, e esta, é
inicialmente estabelecida na relação da criança com sua mãe; à medida que a criança cresce e se
torna independente surgem outras disposições para conservar e ampliar a confiança básica, abrindo
assim o horizonte para a educação religiosa da pessoa.
162
O termo pessoa foi introduzido na linguagem filosófica pelo estoicismo popular, para designar
os papéis representados pelo homem na vida. Do sentido de papel é que afirma-se pessoa também
como relação. Tal conceito também obteve uma forte influencia da definição de Boécio que é
caracterizado como individualidade racional. Esta definição substitui a idéia antiga da palavra
(papel, máscara e rosto). Já na Idade Média, tal termo vai à direção de uma compreensão relacional
da pessoa, relacionando o com os princípios da doutrina Trinitária. É da base da definição de
Boécio, da pessoa como individualidade racional, que faz a filosofia idealista afirmar a pessoa
como constituída pela autoconsciência. No sentido trinitário, o conceito de pessoa foi útil para
93
A unidade e a totalidade da pessoa não se acham reunidas num
único momento, mas estão distendidas pela vida da pessoa. A totalidade
é algo que tem de ser produzido, havendo que transcender a sua própria
mudança no tempo. Pode-se dizer que a totalidade da pessoa é o seu
vínculo consigo mesma, superando o seu distender no tempo
163
. A
antropologia teológica cristã, diferentemente do pensamento de alguns
filósofos da modernidade, aponta para o destino da pessoa como
totalidade a ser realizada em Deus. Como já afirmado é em Jesus Cristo,
o segundo Adão, que a pessoa encontra a sua plena realização. Se
alguns filósofos, como lembra Pannenberg, pensam o homem com um
destino trágico na morte, a confiança da pessoa em Deus, traçada
simbolicamente na experiência antropológica da fé e experimentada na
vivência religiosa, possibilita ao indivíduo como identidade, no uso de sua
liberdade, alcançar a sua plenitude como pessoa. Na teologia cristã a
referência para atingir tal destino é Jesus Cristo. Este é o modelo mais
perfeito do ser pessoa.
Ainda cabe dizer que no pensamento de Pannenberg a dimensão
religiosa como um constitutivo antropológico é indispensável para a
elaboração da identidade do indivíduo, sendo, portanto, essencial à
natureza humana. É no cenário antropológico, em que o ser humano se
instala como pessoa em construção, através das experiências de limites e
de superação, que o homem forma a sua personalidade, solidifica a sua
confiança e se abre ao religioso como desejo de infinito. A procura
antropológica de um sentido religioso para a vida humana, através da fé
e da experiência de Deus é, conforme o desenvolvimento do tema neste
autor, uma resposta do homem ao projeto mais original que caracteriza a
expressar as relações entre Deus e Cristo e entre ambos e o Espírito Santo; Gerando também mal-
entendidos e heresias. Assim no Cristianismo surgem as grandes disputas Trinitárias que
caracterizaram os primeiros séculos da vida da Igreja, chegando até o Concílio de Nicéia. O termo
hipóstasis busca solucionar o problema da noção de pessoa como máscara. E sobre a idéia de
pessoa como relação baseada em Aristóteles, ( onde aparece o caráter acidental) muitos padres da
Igreja ( Agostinho ,Boécio) negaram a pessoa como relação, insistindo na sua substancialidade.
Tomás de Aquino mostra a pessoa como relação e como substância. A partir de Descartes
enfraquece a idéia de substância, mas mantém-se o princípio de pessoa como relação. Em Hegel
que o conceito de pessoa vai estar relacionado com a idéia de consciência. Pessoa é o sujeito
autoconsciente, assim ela se volta para o sentido da individualidade se referindo ao si mesmo do
indivíduo. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia Verbete Pessoa. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
163
Cf. Ibid., p. 295.
94
sua vida: o destino de ser imagem e semelhança de Deus. A experiência
religiosa não permite ao homem somente ficar instalado nos valores
antropológicos efêmeros, transitórios, marcados pela fatalidade da morte
como foi anunciado por muitos pensadores da modernidade, mas projeta
o homem para além do tempo e o insere na eternidade, onde o Deus de
Jesus Cristo se revela como salvação e como amor.
Por fim, o homem religioso descobre em si, como dom de Deus, o
tesouro oculto e sagrado do seu ser pessoa, ele se percebe como ser
que não se aceita como finitude; e ao não se aceitar como limitado pelo
finito, ele se lança na busca do infinito, na busca do inacessível. E neste
peregrinar na própria experiência, o homem encontra a realização ideal
de seus sonhos e desejos que se revelam como realidade. O futuro do
homem já é um presente, onde homem e Deus se unem em perfeita
harmonia. Em tal experiência o homem encontra-se libertado plenamente
de seus limites na Graça salvadora de Deus, oferecida a ele por Jesus
Cristo, como abordaremos a seguir.
95
5
A salvação como esperança escatológica realização plena
do homem
Introdução
Quando o apóstolo dos gentios afirma que se Cristo não ressuscitou
então a nossa pregação é vazia e vazia também nossa fé” ( I Cor.
15,14s), ele coloca nesta afirmação o pressuposto fundamental da fé
cristã na ressurreição de Jesus. Na antropologia teológica de Pannenberg
a idéia de realização do reino de Deus, como cumprimento da salvação
escatológica e da esperança cristã se faz muito presente em sua obra.
Para Pannenberg, é possível afirmar que a realização do homem como
imagem e semelhança de Deus se dará somente na experiência da
ressurreição definitiva. É no eschaton que o homem se realizará
plenamente e o fundamento dessa realização é Jesus Cristo.
Aqui trabalharemos o tema da salvação como realização plena da
experiência de Deus no homem. Pannenberg mostra que o homem
espera a realização de seu destino e, pela experiência humana situada
no mundo, ele se percebe como natureza, destinado a Deus.
É no sentido de desejo de realização humana como esperança que
se pode falar do reino de Deus como esperança cristã e das promessas
da parte de Deus já feitas a nossos pais na fé. O reino representa o
revelar pleno da Criação e esta plenitude se dará na escatologia
164
. É
Deus quem promete, e deste modo, a esperança escatológica se apóia
em Deus. A reflexão antropológica em escatologia pode se reconhecer
com uma função limitada, pois tal realidade depende de Deus e não do
ser humano
165
. A antropologia constitui apenas um terreno sobre o qual
164
PANNENBERG, W. Teologia Sistemática 3. p.553 et. seq. Além de todos os debates
presentes em Pannenberg para dirimir as dúvidas emergentes diante das distintas formulações
sobre o tema da escatologia no que se refere à vida após a morte, o foco de sua abordagem está
voltado para relacionar a escatologia com a realização do reino de Deus, bem como, com a
realização da pessoa humana na sua totalidade, pela salvação escatológica que acontece, através da
comunhão, entre a comunidade dos crentes e Jesus. Ao voltarmos a citar este volume da teologia
sistemática de Pannenberg, recorreremos ao modo abreviado TS3, mais nome do autor e número
de pagina.
165
Cf. Ibid., p. 567.
96
se pode argumentar sobre uma esperança escatológica cristã com
abordagem universalista, mas não está no poder humano satisfazer tal
esperança, senão somente em Deus.
Para Pannenberg, a mais importante contribuição que a teologia
contemporânea ofereceu em vista de uma motivação e interpretação
antropológica dos enunciados escatológicos foi apresentada por Karl
Rahner. Para este o que é fundamental para a escatologia é, de um lado,
o caráter oculto do futuro cumprimento escatológico de outro a
relacionalidade do homem, como ser histórico, a este futuro
166
.
Pannenberg afirma, através de K. Rahner, a dimensão escatológica como
condição de inteireza do homem como salvação, a escatologia como
escatologia universal e individual, sendo sempre o homem indivíduo e ser
que existe na comunidade
167
.
Quando se fala de futuro, como certeza diante de um presente que
se apresenta ao homem de forma ainda fragmentada, a solução para tal
dificuldade é a pessoa de Jesus Cristo, pois nela já se faz presente ao
homem a certeza do futuro salvífico e da realização humana; certeza que
já é realidade legível em Jesus Cristo
168
. Em Jesus toda humanidade se
vê realizada no seu desejo e necessidade de salvação.
5.1
Libertados plenamente no Deus de Jesus Cristo
Neste momento é de grande importância estudarmos o tema da
liberdade na compreensão cristã, já que esta se caracteriza, para
Pannenberg como a forma mais verdadeira de vivenciar a plena
liberdade. Sem negar todo alcance que a filosofia atinge na modernidade
ao aprofundar o tema liberdade, ainda não se pode considerá-lo
suficiente. O pleno sentido da liberdade humana para o homem, será
166
Cf. Ibid., p. 569. Pannenberg apresenta no uso das idéias de Rahner a afirmação que o futuro
de salvação que espera o homem é o cumprimento do homem na sua totalidade, mas que tal
conteúdo no presente ainda é marcado por uma misteriosidade, no presente tal futuro só pode ser
captado de forma fragmentada pelo ser humano. É somente pela consciência escatológica que o
homem visualiza a possível totalidade de tal futuro.
167
Cf. Ibid., p. 569.
168
Cf. Ibid., p. 570.
97
alcançado somente dentro do princípio cristão de liberdade, em que a
liberdade é libertada no amor de Deus encarnado no Filho Jesus Cristo.
Se mais no início do estudo trabalhamos a liberdade mais voltada
para a antropologia filosófica, aqui a abordaremos como realização cristã
do ser humano e do seu fundamento em Jesus. Apresentaremos uma
breve exposição do tema da liberdade plena alcançada em Jesus Cristo
e, logo em seguida, ainda nesta temática, colocaremos alguns
fundamentos bíblicos desta abordagem presentes no pensamento de
Pannenberg.
Nos longos debates que Pannenberg realiza com vários autores
sobre o tema liberdade, fica evidente em seu posicionamento que o
sujeito humano só realiza o seu destino de liberdade quando busca
fundamentá-lo em Deus
169
. Ao afirmar que o destino do homem é o
caminho da felicidade e do bem, não se deve esquecer que o homem, no
exercício de sua liberdade, está sujeito a se contradizer na sua escolha e
pode escolher equivocadamente, isso devido aos enganos e equívocos
que constituem as inconsistências humanas. O homem, no exercício de
sua liberdade de escolha, não tem ainda a plena clareza do que deseja e
do que busca como existência
170
. Com as dificuldades que o homem vive
diante do uso de sua liberdade ele chega a perguntar se o destino que a
ele se apresenta é a servidão e não a verdadeira liberdade. Mas a
resposta é o homem buscar novo fundamento para a própria identidade e,
no duro caminho da vida, construir a sua existência e as suas escolhas,
fundamentando-as nos valores mais profundos da mesma. O que fica
claro no pensamento de Pannenberg é que o homem usará corretamente
sua liberdade no momento em que ele se colocar no caminho que se
169
Sobre o destino do homem na obra de Pannenberg fica evidente a contribuição do pensamento
de Martin Heidegger, sobretudo na sua obra o ser e o tempo, onde Heidegger aponta para
elementos muito significativos da vida humana. Talvez o mais importante do diálogo de
Pannenberg com este autor é o desfecho que o primeiro dá para o ser humano, uma vez que o
segundo parece sugerir que o ser humano é um ser para a morte, enquanto Pannenberg vê o ser
humano como Imagem de Deus e como abertura para Ele.
170
Pannenberg cita Paulo aos Romanos: “ Pois eu me comprazo na lei de Deus, enquanto homem
interior, mas em meus membros descubro outra lei que combate contra a lei que a minha
inteligência ratifica; ela faz de mim o prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (
Rm. 7,22ss.). Aqui se faz pertinente também citar Romanos 7,19 onde Paulo reforça essa idéia
apresentada por Pannenberg quando o apóstolo diz: “eu faço o mal que não quero e deixo de fazer
o bem que quero”.
98
destina a Deus. Deste modo, a liberdade humana não se realiza por
completo como iniciativa somente do homem como ser finito, mas ela é
também dom e graça da parte de Deus.
A solução da dificuldade vivida pelo homem na tensão existencial
finito e infinito é efetuada na experiência da fé. A fé não aparece como
possibilidade aberta para o homem, mesmo diante de sua liberdade, mas
é uma possibilidade que se abre, da parte de Deus, ao homem
171
.
Pannenberg elabora sua reflexão sobre a natureza humana e mostra que
existe uma essência natural boa no ser humano. O homem experimenta
no exercício da vontade livre o dilema constante entre centralidade e
excentricidade. Quando a pessoa se abre, lançando-se para fora de si,
ela verifica que há uma verdadeira desproporção vital na sua existência:
um ser que é finito, mas que se vê voltado para um destino infinito
172
.
Neste momento a pessoa inicia, pela confiança, uma experiência de algo
que é maior e que vai além de sua finitude. O homem livremente se abre
diante do mistério e se descobre religioso.
O tema da liberdade é ainda um tema que proporciona dificuldades
para chegar a um consenso formal sobre ele, mas para a teologia já se
confirma a importância da liberdade ao se tratar do ser humano e da sua
relação com Deus. Pannenberg mostra em sua obra que, desde os
padres antignósticos, há uma preocupação em unir a noção de liberdade
171
Sem desconsiderar os prolongados debates sobre o tema pecado e liberdade elucidados
longamente em célebres obras, como De Gratia et Libero Arbitrio Liber Unus, de Agostinho
ou Summa Theologiae, Summa contra Gentiles de Thomas de Aquino e outras lembradas por
Pannenberg. É relevante recordar, que tal temática vai chegar ao seu
mais alto desenvolvimento na
filosofia moderna iluminista, onde, junto
com tal debate, surge também de forma mais aguda os
debates sobre o homem como subjetividade, fundando um espaço para a antropologia que cada vez
mais se volta para a experiência humana como contingência, relegando assim o Absoluto e o
Transcendente do humano para um segundo plano ou para o acaso. Neste aspecto Pannenberg
confronta-se com alguns filósofos que também participam deste cenário, mas ele não se fecha no
próprio homem e na subjetividade. O exercício da liberdade
como autoconsciência é força que
possibilita intrinsecamente o homem a dirigir se para Deus.
172
PANNENBERG,W. APT, p. 131. Pannenberg lembra que P. Ricouer, em sua obra o Homem
Falível, mostra o conflito vivido pelo ser humano entre finito e infinito, relacionando com isso
também a idéia de falibilidade bem como o exercício da liberdade como responsabilidade no agir
do homem. Cabe ainda lembrar que no artigo já citado: Fundamentação Cristológica de uma
Antropologia Cristã, Pannenberg afirma que o conceito de liberdade de escolha, que a teologia
cristã introduziu e desenvolveu nas discussões com a gnose, serviu para inocentar o Criador da
origem do mal no mundo, apontando para a liberdade de escolha de Lúcifer e do primeiro homem
(cf. PANNENBERG,W. Fundamentação Cristológica de uma Antropologia Cristã, Concilium
1973/6 Nº. X. p.743s).
99
e de responsabilidade, pois do contrário, ficaria difícil de dar ao homem ou
elogios ou castigos
173
.
Ainda se faz necessário dizer que a obtenção da liberdade total do
homem somente pode ser experimentada na sua abertura para Deus. O
autor insiste que é se abrindo a Jesus Cristo, numa resposta positiva à
Graça, que o homem é verdadeiramente libertado. É pelo sim dado a
Deus, na fé em Jesus que o homem encontra sua salvação como
libertação plena e total. Nesta compreensão, a liberdade não é uma
conquista pessoal, ela, sim é dom e Graça oferecidos aos homens.
174
É
Jesus Cristo que se oferece ao ser humano como liberdade total, sendo
somente nele que se dá a Graça da verdadeira liberdade. Esta idéia de
Jesus Cristo como aquele que vem libertar o homem plenamente é muito
presente nos textos bíblicos, sobretudo nos textos paulinos, em que tal
compreensão se faz bastante acentuada. Neste sentido torna-se
importante apresentar alguns traços que caracterizam o tema liberdade no
contexto bíblico-cristão, uma vez que tal abordagem se mostra muito
presente na antropologia teológica de Pannenberg.
5.1.1
A noção bíblico-cristã do tema liberdade
Quando se fala do homem como experiência de Deus a idéia de
revelação marca indispensavelmente o enunciado precedente. De
imediato, se pode perguntar: de qual forma Deus se revela ao homem?
Para os cristãos, uma das vias de revelação é através da Palavra. A
antropologia de Pannenberg está profundamente marcada pela presença
da Palavra. Desse modo, para compreender o homem religioso neste
autor, se faz necessário recorrer a tal recurso. Aqui trabalharemos a
noção bíblico-cristã do tema liberdade.
173
Cf.Ibid., p.138.
174
A abordagem do tema liberdade dentro de uma ótica cristã se faz bastante diversa da
abordagem tratada na obra de J. P. Sartre. L`Étre et lê Néant, na qual a liberdade é tematizada
exaustivamente, porém o autor prefere sacrificar a idéia de Deus em prol da liberdade. Neste
sentido ele fecha os olhos para o destino do homem como esperança futura e definitiva, como foi
exposto na antropologia teológica de Pannenberg. Para este a plenificação da liberdade humana
se dá em Deus.
100
Ao situar a liberdade humana na perspectiva da dimensão bíblico-
cristã, o autor faz entender que liberdade e essência humana se mostram
idênticas. Assim, liberdade é o ser si mesmo do homem
175
na sua
realidade. Sobre a temática que aborda a liberdade do homem na Bíblia,
também deve se falar, que além de uma liberdade real, há uma liberdade
formal, na qual o ser humano tem capacidade de escolher entre o bem e
o mal e, portanto, de formular, na sua existência, a noção de consciência
e de vontade. É no horizonte da liberdade formal que o ser humano
consegue sua autotranscendência. O autotranscender do homem no uso
da sua liberdade, na verdade, não é conquista livre de todos os
condicionamentos, é Graça de Deus. Principalmente no Novo
Testamento, a liberdade não é vista como algo próprio do homem, mas
ela é efeito da presença salvadora de Cristo e de seu Espírito (Jn,
36,2)
176
.
Se, na problemática especificamente antropológica, Pannenberg não
explicita tão amplamente o tema da obediência em relação à liberdade,
isso se torna mais visível no seu tratado cristológico, em que Jesus, como
novo Adão, liberta o velho Adão exatamente na obediência ao plano do
Pai, assumindo assim, a sua missão de anunciar o reino de Deus no
mundo. Por este ângulo de compreensão, a liberdade toma um caráter
novo e passa a ser compreendida pelo cristão, também como serviço.
Sendo assim, a liberdade não perde a sua fundamentação ontológica e
teorética com base na razão e na consciência, porém ela adquire uma
dimensão também de abertura e compromisso. Aceitando a mensagem
de Cristo e seu projeto, o homem se torna verdadeiramente livre.
Pannenberg usa o texto Paulino para afirmar que somos libertados “em
virtude da libertação realizada em Jesus Cristo” (Rm 3, 24). Assim, ser
libertado na liberdade oferecida por Jesus Cristo é, pois, atingir a
plenitude da liberdade humana. Aos Gálatas, Paulo lembra que “na
plenitude dos tempos Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher e
sujeito à lei, para pagar a alforria daqueles que estão sujeitos à lei, para
que nos seja dado ser filhos adotivos” Gl 4,4) e, mais adiante o mesmo
175
Cf. Ibid., p. 139.
176
Cf. Ibid., p.139.
101
apóstolo diz: “É para sermos verdadeiramente livres que Cristo nos
libertou” (Gl 5,1)
177
. A libertação que Jesus oferece ao ser humano é
fundada na obediência ao Pai e na sua unidade com Deus para a
realização do projeto de implantação do Reino. Aqui, a liberdade de Jesus
não se dá numa reivindicação de um “Livre arbítrio” para se decidir diante
de Deus Pai, mas consiste na sua unidade com Deus
178
.
Antes da plenitude dos tempos e da chegada definitiva do Reino, o
homem ainda vive sua liberdade limitada pela lei e pelas fraquezas; não
se entregando a essa realidade, a da liberdade contingente deste mundo,
o homem carrega consigo a esperança da liberdade plena sustentada na
fé cristã e no horizonte escatológico do seu desejo de infinito. Deste modo
a libertação plena é uma esperança futura, porém já se faz presente na
vida do cristão, conseqüentemente libertado pela experiência da fé
179
.
A liberdade, no sentido cristão, é a comunhão com Jesus e a
participação na sua filiação junto do Pai. Ser co-participante na filiação é
ao mesmo tempo ter responsabilidade na instauração do reino de Deus,
que é a missão de Jesus. A liberdade verdadeira permite ao homem, na
crise diante de si e diante de Deus, superar essa crise e se deixar
reconciliar com Deus. Mesmo com o peso da angústia existencial, que
marca a trajetória humana, o homem que escolhe a resposta cristã para o
uso de sua liberdade vive sua vocação criatural e experimenta a sua
verdadeira liberdade de filho de Deus, assumindo uma identidade
autentica como indivíduo. Compreendida assim, a liberdade não é
somente a liberdade da formulação conceitual filosófica como
determinação da vontade, mas é também fruto da Graça, é dom do
Espírito, que não liberta os homens unicamente da sua fixação no próprio
ego, nem eleva, sobretudo, além de sua finitude, mas lhes tornam
177
Bíblia Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola e Paulinas, Gálatas 4,4; 5,1.
178
PANNENBERG, W. Fundamentos de Cristologia. Salamanca: Sígueme, 1974, p.434 et. seq.
179
PANNENBERG, W. TS3. Brescia: Queriniana, 1996. A partir da p. 102ss. O autor aborda a
relação liberdade, lei e direito, dialogando exaustivamente com Hegel, Kant, e F. Schleiermacher.
Em tal problemática é possível evidenciar a dificuldade de confirmar uma liberdade plena no
universo do conceito. Kant busca o formular dentro de uma compreensão proposta como reino de
uma vontade livre universal, Hegel a transfere pra o espaço do Estado. Pannenberg aproxima-se de
Scheleiermacher quando este trabalha com o conceito dentro da visão cristã, onde a liberdade total
e plena só seria possível em Deus. O que fica bastante claro nas páginas que seguem tal debate é
que a plenitude do Reino, numa perspectiva cristã tem sua realização na realização escatológica.
102
permanentemente livres e os fazem participantes da filiação de Jesus
Cristo ( Rm 8,13ss)
180
.
A liberdade cristã em Pannenberg é o recebimento do dom oferecido
por Deus ao homem. É pela abertura, como escuta ao convite feito por
Deus ao homem na história, que favorece a este, superar a situação de
pecado e de fechamento, projetando-o dessa forma para além de seu
horizonte de fechamento numa atitude de excentricidade. Neste
processo, a liberdade se faz liberta do egoísmo e da servidão, colocando
o homem diante de uma missão, a missão de ser sinal do amor de Deus
entre os homens. Assim sendo, liberdade é também abertura para a
vivência do amor fraterno
181
.
Como conclusão, pode-se dizer que a liberdade humana é uma
grande conquista no decorrer da história da cultura. Não teria como falar
do ser humano se retirássemos dele o princípio de liberdade; logo, esta
se faz intrínseca a ele. Por um lado, a liberdade, ao mesmo tempo em que
é um princípio universal, formulado e fundamentado na razão formal,
tornando-se assim um princípio necessário e, para muitos, absoluto, por
outro lado, ela ainda é uma realidade incompleta e, a cada dia o homem
deseja mais e mais liberdade. Desse modo, no processo das reflexões
sobre o tema liberdade há de se pontuar, que a sua plenitude conceitual
ainda não se concilia com sua dimensão empírica.
Pannenberg, marcado pela modernidade, pontua como é
imprescindível a liberdade humana. Para ele esta se torna plena e
absoluta somente em Deus, através de Jesus Cristo. Assim, o cristão que
responde com sua fé ao amor de Deus é um homem verdadeiramente
liberto. Para complementar o sentido desta afirmação antecedente é que
abordaremos no próximo tema a figura de Jesus Cristo como o que vem
revelar Deus e nos indicar o caminho da plenitude humana.
180
Cf. Ibid., p.135ss, p.149 et. seq.
181
A partir da pagina 196 da sua obra APT ( Antropologia na Perspectiva Teológica),
Pannenberg trabalha longamente o tema do ser humano e a sua relação com o mundo e a
sociedade. Em tal abordagem pode-se confirmar a importância do amor e do serviço para a
compreensão da identidade e da liberdade do homem. Também na compreensão do tema amor
fraterno cabe indicar a obra de Mário de França Miranda. A Salvação de Jesus CristoA
doutrina da Graça. São Paulo: Loyola. p.125-149.
103
5.2
Jesus Cristo como revelação de Deus no Homem
5.2.1
Jesus Cristo protótipo de homem na antropologia teológica cristã
Foi possível anteriormente pensar o homem como aquele que por
natureza é portador da dimensão religiosa. O religioso constitui elemento
essencial do homem na sua realidade como ser. A dimensão religiosa,
conforme Pannenberg, eleva o homem até o seu destino mais autêntico e
original, o de ser imagem e semelhança de Deus. Aqui podemos dizer que
todo nosso esforço em situar o homem diante dele mesmo, em suas
dimensões espírito-corpo, bem como na sua relação com o mundo e com
os outros não foi com uma finalidade meramente antropológica. Mesmo
considerando a indispensabilidade da antropologia para enxergar o
homem e situá-lo no mundo, a preocupação desta abordagem em
Pannenberg tem um fundamento que está localizado não na pura
antropologia, mas numa antropologia que adquire o status de teológica.
Nesse sentido o que foi realizado até este momento na abordagem
antropológica e filosófica do estudo tinha apenas uma finalidade: pelo
antropológico do homem chegar ao teológico deste mesmo homem.
O aprofundamento antropológico que o homem faz na busca
intensa de si como totalidade, faz com que ele não seja um ser fechado
em si mesmo, mas ao contrário, que se abra numa atitude de amor e
gratuidade ao mundo, ao outro e a Deus – cumprindo assim seu destino
mais essencial.
O destino do homem é Deus, e Pannenberg deixa isso muito
evidente em sua antropologia teológica. Ao assumir em sua reflexão tal
propósito, a sua antropologia se eleva à teologia, e o homem, nas suas
características antropológicas, alcança a condição de homem religioso e
atinge a sacralidade, o divino. Nesta parte do trabalho faz-se necessário
mostrar que em Pannenberg o modelo perfeito de homem para o ser
humano é Jesus Cristo; Jesus é também aquele que representa a
104
superação dos limites e das fragilidades humanas. Deste modo, é em
Jesus Cristo que o homem se eleva ao seu destino final e alcança a sua
plenitude , já presente na criação pelo traço divino deixado no homem
pela imago Dei.
No momento em que Pannenberg apresenta Jesus Cristo como
modelo para o homem, fica afirmada aí a posição antropológica deste
autor que, como um profundo teólogo sistemático cristão, não haveria de
confirmar outra realidade senão esta: A salvação do homem está em
Jesus Cristo. Mas não uma salvação fora da história e alienada do
mundo, ao contrário, ela se dá na história e no homem situado no aqui da
experiência. Não se pode esquecer de afirmar que o Filho se faz homem,
se encarna para elevar o homem à condição divina. A antropologia
adquire um caráter cristológico e a cristologia parte do homem revelado
em Cristo Jesus.
Nos longos estudos e debates cristológicos
182
sempre esteve
presente a esta temática qual o caminho a ser seguido na cristologia. Ao
definir o caminho, se definia também o tipo de abordagem cristológica,
bem como as implicações na antropologia cristã. Pannenberg faz
presente uma reflexão que apresenta Jesus Cristo como Filho de Deus,
relacionando esta filiação com a sua missão no mundo (Gl 4,4 Rm 8,3).
Assim, a fé cristológica nasce da proclamação de que Jesus é o Cristo de
Deus
183
. Desse modo, é no homem Jesus que se autorevela o Filho
preexistente de Deus. O Filho é revelado pela mediação humana no
concreto da história. Ao afirmar Jesus Cristo, como modelo do homem
novo, Pannenberg pontua a dimensão escatológica desta afirmação e
este homem novo vem contrapor ao Adão, primeiro homem. Mais que tal
contraposição, os cristãos começaram a ver neste homem novo o homem
182
Não entraremos aqui em tais debates cristológicos acontecidos no decorrer da história, pois isto
fugiria da finalidade específica desta abordagem. Aqui cabe apenas mencionar o longo caminho
bíblico-dogmático realizado com o intuito de chegar a uma síntese na compreensão de Jesus
Cristo. Polarizando toda a dialética cristológica, quase sempre se fizeram presentes os que
defendiam uma cristologia descendente e outros que optavam por uma cristologia ascendente,
havendo ainda aqueles que buscaram uma articulação mais harmoniosa entre as duas Cristologias.
Pannenberg não menospreza nenhuma das duas, mas fica evidente na sua posição que ele caminha
para uma opção de fundamento histórico, e portanto, com traços mais característicos de uma
cristologia ascendente.
183
SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p. 135.
105
escatológico, revelado em Jesus Cristo como destino de perfeição do
homem, como pensava o apóstolo Paulo
184
.
Com o acontecimento da Encarnação do Filho, se cumpre a ordem
de salvação (economia) prevista para o ser humano desde a origem e que
encontra seu aperfeiçoamento em Jesus Cristo. Se o homem, como ser
finito, não conseguiu a perfeição do início ao fim, sendo incapaz de entrar
imediatamente na perfeita comunhão com Deus, então Deus enviou o
Logos para que libertasse o homem do domínio da morte e de suas
debilidades, permitindo-lhe conseguir tal perfeição ao conduzí-lo à
perfeita comunhão com Deus
185
. Em Jesus Cristo, o homem é
transformado na verdadeira e plena imagem do homem novo , o celeste.
Pannenberg traz à evidência, em conformidade com o apóstolo
Paulo, a idéia de uma humanidade que se renova na obediência, morte e
ressurreição de Jesus. A cristologia paulina apresenta Jesus como novo
Adão, cristologia esta que influirá de maneira profunda também na
teologia patrística. Para Paulo, os homens igualmente marcados pelo
pecado e pela morte superam tais realidades pelo batismo e pela fé
186
.
Conforme os textos paulinos, se pela culpa de um só homem todos foram
condenados ao pecado, agora no novo homem, por um só homem, todos
foram libertados do pecado e da morte.
A presença do homem novo, como portador da salvação para o
homem decaído, é revelada na pessoa de Jesus Cristo que entra na
natureza humana para libertá-la de suas fraquezas. Ele aparece como
salvador, e assim, a teologia do Novo Testamento revela Jesus obediente
até a morte para a salvação de todos. Jesus pregava e anunciava
conforme a sua missão
187
.
Pannenberg não esquece de dizer que, embora tentasse individuar a
divindade de Jesus na sua característica específica de homem celeste, a
cristologia antiga conheceu e evidenciou também uma outra singularidade
que conota a natureza humana de Jesus enquanto tal, no seu diferenciar-
se do Logos e de todos os outros seres humanos, devido a sua
184
PANNENBERG, W. TS2, p. 339.
185
Cf. Ibid., p. 340.
186
Cf. Ibid., p. 347.
187
Cf. Ibid., p. 348.
106
impecabilidade. Nesta direção foi a afirmação cristológica do concílio de
Calcedônia
188
: o Filho de Deus, encarnando-se, é em tudo igual a nós,
menos no pecado. A teologia da Igreja antiga buscou tal fundamento na
perfeição moral de Jesus e na firmeza de sua união com Deus. A única
qualidade que caracteriza o ser humano de Jesus na sua especificidade
derivaria assim, de seu ser-por-si individual, idéia que influirá em certas
interpretações modernas da santidade de Jesus
189
.
Pannenberg, ao elaborar a sua reflexão cristológica na idéia
sotereológica do novo Adão, ele tem presente o princípio da nova
humanidade, humanidade que Jesus se faz autor pela perfeita unidade
com o Pai e pelo sim a sua missão de implantar o reino de Deus no
mundo. Jesus se faz obediente a Deus e solidário com toda humanidade
(cf. 2Cor. 5,21). Por sua morte e ressurreição, ele se transforma em
protótipo de uma nova humanidade. Todos os homens, isto quer dizer
que, doravante, todos os homens deverão se renovar à sua imagem –
que é a imagem de Deus (cf. 2 Cor. 3,18), participando de sua
existência
190
. Conforme se lê, a carta aos Hebreus afirma a humanidade
de Jesus semelhante aos demais homens em tudo, exceto no pecado (cf.
Hb. 4,15).
A constatação de (Hebreus 4,15) tornou-se uma constante na
teologia a partir de Irineu e Tertuliano. Irineu afirmava o não cometimento
de pecado por parte de Jesus, sem com isso afirmar que Jesus tenha tido
uma natureza distinta da nossa. Tertuliano também atestava que Jesus
assumira a carne pecadora, sem cometer pecado. Ele é um homem sem
pecado devido à sua comunhão com Deus. Com tais afirmações, Irineu e
Tertuliano vão ao encontro do pensamento Paulino, quando Paulo afirma
188
O Concílio de Calcedônia afirmou a perfeita humanidade e a perfeita divindade de Jesus, onde
se fazem presentes as duas naturezas inconfusas e imutáveis; indivisas e inseparáveis. Calcedônia
foi uma forma de buscar um consenso entre Oriente e Ocidente. (cf. Theodor Schneider (org.).
Manual de Dogmática, Vol. I. Cristologia, p. 219-400. São Paulo: Vozes, 2002.)
189
O itinerário da abordagem histórico- dogmática, onde buscava definir a divindade e a
humanidade de Jesus, verificando-se as grandes polêmicas e dificuldades que persistiram durante
longos séculos. Vários modelos foram formulados até chegar a afirmação de Calcedônia. Vale
citar o modelo de Apolinário de Laodicéia ( logos –sarx) como também o Logos- anthropos e suas
versões em Antioquia e Alexandria até chegar a conclusão da Unidade de Deus Filho e ser
humano, Jesus Cristo. A fórmula de Calcedônia hoje constitui fundamento para a cristologia de
todas as igrejas cristãs.
190
SANTANA, Marcos Antônio de. Op. Cit. p.274.
107
que Cristo se fez um de nós, assumindo a carne de pecado,
permanecendo contudo sem pecado, libertando-nos do seu jugo (cf. Rm.
8,3)
191
.
O que fica evidente é que a peculiaridade do Redentor residia na
consciência que Ele tinha da presença de Deus em sua pessoa e essa
presença é motivo da ausência de pecado. Tal consciência é aqui
colocada como substitutivo da divindade; Jesus é visto como o Redentor;
fundador de uma comunidade de redimidos e os indivíduos, ao serem
incorporados a tal comunhão, se libertam do pecado e participam de uma
nova sociedade que é denominada de Reino de Deus
192
. A comunidade
do reino de Deus é considerada uma nova etapa da evolução da
humanidade. Esta nova realidade, trazida por Cristo, no âmbito da vida
humana, é vista como uma nova criação, nova existência humana mais
perfeita, levando a criação humana à sua consumação e à sua plenitude.
Em Jesus, tal consumação acontece no cumprimento livre de sua
missão. Diante das tentações que Jesus enfrenta, como se pode ler nos
sinóticos, há uma inclinação de confirmar a missão que lhe foi confiada
por seu Pai com as expectativas de Israel, esquivando-se da proposta de
Deus. O peso da tentação como abandono do caminho disposto por Deus
ou o desespero diante dele fica evidente em sua oração no Horto das
Oliveiras (cf. Mc. 14,35s; Mt. 26,39; Lc. 22,40-44) e também na cruz com
sua súplica ao Pai
193
. Deste modo a fidelidade de Jesus à sua missão
pressupõe sua liberdade. Ela acontece no momento em que Ele não
recusa uma resposta positiva à sua missão mantendo-se fiel a esta. Pode-
se dizer que o drama vivido por Jesus não é solucionado em nenhuma
instância humana, é somente no conteúdo de sua mensagem salvífica
assumido na sua missão, missão esta que provém de Deus e constitui a
sua liberdade. É pela autoridade de Deus à qual Jesus recorria em sua
mensagem e atuação que seu drama será solucionado
194
. A solução se
191
Cf. Ibid., p. 274 et. seq.
192
Cf. Ibid. , p. 276.
193
Cf. Ibid., p.280.
194
Cf. Ibid., p.280. Da existência humana pode-se também afirmar tal drama que se faz tão
presente na vida. Nas perguntas mais profundas e determinantes para seu destino, o homem ainda
se vê desarvorado. Isso se dá principalmente quando o homem se envereda na busca de falsas
liberdades, não vislumbrando a verdadeira liberdade que ancora na legitima união com Deus. A
108
dá diante da ressurreição, e esta passa a não ser uma experiência
pessoal de Jesus, mas acontecimento que atinge a todos os homens.
Jesus é o representante de toda a humanidade diante de Deus, e tal fato
demonstra que Ele realizou em sua vida a determinação específica do ser
humano como tal. Na ressurreição, Ele garante aos demais homens a
comunhão com Deus. A cristologia moderna compreende que Jesus é o
homem autêntico em sua abertura para Deus, na sua total confiança no
futuro, na sua responsabilidade filial em relação ao mundo e à
solidariedade com os outros
195
.
Por fim, Pannenberg constata que é mediante a ressurreição, que
Jesus significa o cumprimento das promessas proféticas escatológicas do
povo de Israel, levando a termo os anseios mais profundos de toda a
humanidade. Este futuro escatológico representa o revelar do autêntico
ser humano dos tempos passados, sendo este, transformado num homem
novo, novo Adão. Paulo aos Romanos nos alerta que “a esperança não
engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado” (cf. Rm. 5,5s.). Por este amor de Deus,
manifestado na ressurreição de Jesus Cristo, todos passam a ter acesso
à vida nova que surgiu no evento da ressurreição de Jesus. É neste
sentido de vida nova para o homem que comporta falar também de
reconciliação. Jesus reconcilia a humanidade com o Pai; por Jesus Cristo,
Deus renova a sua aliança com o homem e novamente o introduz no
caminho da salvação; o homem se vê reconciliado com Deus como
trataremos na próxima abordagem.
5.2.2
O Verbo se encarna e o homem se reconcilia com Deus na pessoa de
Jesus Cristo
filosofia existencialista, muitas vezes mergulhada no mais fundo abismo da vida humana buscou
encontrar respostas para a angústia e o desespero humano, mas acabou reduzindo as suas
respostas no próprio homem. Aqui vale a frase de Agostinho citada por Miguel de Unamuno
procurar-te-ei, Senhor, invocando-te, e invocar-te-ei crendo em ti. Invoca-te, Senhor minha fé, a
fé que me deste, que me inspiraste com a humanidade de teu Filho, pelo mistério de teu
pregador”. Esta confiança é o que possibilita também aos demais homens achar ao modelo de
Jesus Cristo, respostas para suas vidas (cf. Miguel de Unamuno. Do sentimento trágico da vida –
nos homens e nos povos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
195
Cf. Ibid., p. 281.
109
A afirmação joanina que o verbo era a verdadeira luz que ilumina
todos os homens pode nos colocar de encontro ao que Pannenberg
trabalha quando mostra a Encarnação de Jesus na história. Jesus
participa da comunidade humana para revelar a ela o caminho do Reino
de Deus. A missão de Jesus é reconciliar a humanidade com Deus,
libertando-a de todas as amarras e pecados. Em Jesus o homem é
portador da Graça e do amor de Deus. O Verbo de Deus se faz homem
para elevar o homem à Graça de Deus, reconciliando-o definitivamente.
Conforme a tradição judaico-cristã o homem é criado a imagem e
semelhança de Deus, mas devido à queda, o pecado da desobediência,
há um rompimento da relação homem-Deus. Como oferta amorosa de
Deus, o Verbo que se encarna na história humana assume a missão de
reconciliar o homem com Deus. E na Encarnação, bem como no
cumprimento de sua missão Ele é para os cristãos o novo Adão. Jesus é
o mediador definitivo na relação do homem com Deus.
Quando Jesus assume a história humana, esta ultrapassa os
próprios limites e se eleva à história divina. O homem, na sua história, se
vê reconciliado com Deus e espera a plenitude da história como plenitude
da realização humana.
Com Jesus Cristo a esperança de Israel é modificada
profundamente e adquire um caráter universal. Agora Jesus é o homem
novo e escatológico, a figura definitiva de homem, aquele que responde
às intenções de Deus, intenções que já se faziam presentes desde a
origem humana na criação. Como já foi afirmado antes, Jesus é o homem
novo enquanto se mostra obediente a Deus na sua paixão e morte (Rm.
5,19). Pela ressurreição de entre os mortos Ele é o homem definitivo,
transfigurado e plenificado pelo Espírito
196
.
A filiação divina de Jesus, estendida aos cristãos, como está
apresentada em Paulo ( Rm. 8,16; Gl. 4,5s), não representa uma
novidade absoluta, já que estava presente na fé do povo de Israel. A
196
PANNENBERG, W. TS2. p.359. Pannenberg, ao refletir a problemática cristológica, propõe
uma superação para as dificuldades, apontando não a Encarnação como ponto de partida para
explicar o humano e o divino em Jesus, mas a história concreta, assim tempo e eternidade não são
vistos de forma dualista, numa relação de exclusão, mas sim como inclusão. A Encarnação de
Deus em Jesus Cristo aparece como uma intenção que havia em Deus desde a eternidade. Contudo
só se chega a tal verdade pelo acontecimento temporal de caráter definitivo.
110
novidade é que ela vem do dom do Espírito e da comunhão com Jesus
Cristo o Filho de Deus. O Espírito da filiação de Jesus se dá ao homem
como revelação na Encarnação do Filho numa figura humana; a missão
de Jesus assume um itinerário histórico. Pannenberg trabalha com a idéia
de que é impossível dissociar a pessoa de seu caminho histórico, pois
somente na história da pessoa é que se desenvolve a identidade como
personalidade, é na totalidade da existência que definirá os indivíduos
dos quais se reconta a história.
197
A autodistinção de Jesus do Pai, ao assumir a sua condição de
criatura, afirma o fundamento da própria possibilidade e realidade de cada
existência criada. O homem pode, por Jesus Cristo, superar através da
própria autonomia as dificuldades e limites e realizar a sua vocação,
elevando-se além das fragilidades presentes na vida que constituem uma
situação de escravidão e alcançar a verdadeira libertação
198
.
A vinda do Filho, na Encarnação de Jesus e a sua missão,
assumindo o seu ser homem, implica por si só uma referência a todos os
seres humanos. Pannenberg mostra através do quarto evangelho: Deus
enviou seu Filho ao mundo para salvá-lo (Jo.3,17; 6,38s). Desse modo, a
missão de Jesus tem seu fim: a humanidade, libertá-la do pecado e da
morte e reconciliá-la com Deus
199
. Mesmo que as expectativas sobre
Jesus junto do seu povo, não se realizassem como esperavam, Ele não
foi o libertador político desejado por eles. Pode-se dizer que Ele propõe
uma libertação, que propicia ao homem a verdadeira comunhão com
Deus. Jesus no seu confronto com a lei judaica, mostra que ela deve-se
libertar do partidarismo, abrindo-se a todos os homens. Pela sua morte e
ressurreição, ele deixa de ser o Messias só dos hebreus, e passa a sê-lo
197
Cf. Ibid., p.363. Para Pannenberg a fundamentação da unidade de Jesus com Deus está na força
retrospectiva de sua ressurreição, aí se faz compreensível o caráter oculto durante a vida terrena de
Jesus e se dá, portanto, espaço à genuína humanidade de sua existência.
198
Cf. Ibid., p. 364.
199
Pela teologia paulina, Pannenberg traz à tona a idéia de filiação divina de Jesus, associando-a
com a confirmação de fé na sua messianidade. Os enunciados da primeira experiência cristã
caracterizam a figura do homem escatológico não somente ao restrito mundo da fé hebraica, mas
adquire um alcance universalizante.
111
de toda humanidade. Jesus quer unir a Deus os homens, segundo a
imagem do homem novo, do homem escatológico
200
.
Por fim, cabe dizer que Jesus revela no presente o que o homem
será no futuro, Ele, ressuscitado dos mortos, representa o futuro
escatológico do ser humano, revelando-se como o “” teológico, como
esperança realizada para o homem que “ainda não” experimenta em
plenitude a própria salvação. Jesus já é o protótipo da realização humana,
antecedendo-nos como mediador e reconciliando-nos com Deus. É neste
sentido que podemos afirmar, através da teologia, que a nossa salvação
está em Jesus, que Ele nos liberta e nos dá novamente a qualidade de
filhos de Deus. A ação de Deus na história pela Encarnação abre à
humanidade um horizonte de esperança e de futuro. Esta esperança
futura marca o caminho do homem como fim definitivo, e tal fim, acontece
no tempo escatológico, momento de plena realização do ser humano em
Deus.
5.3
A plenitude do homem na revelação do amor de Deus
Para terminar este estudo antropológico, faz-se imprescindível o
tema da experiência humana do amor de Deus. No meio de vários
aspectos abordados por Pannenberg na sua escatologia, acreditamos que
o tema do amor tem substância suficiente para encerrar tal estudo. Assim,
junto com Pannenberg, pode-se afirmar que o destino final do homem é o
amor de Deus.
O desejo mais profundo que marca o caminho do ser humano é a
superação de seus limites e fragilidades. Numa história marcada por
misérias, dor e angústias, o homem busca para seu coração a felicidade e
a paz
201
.
200
Cf. Ibid., p. 366 et. seq. Faz-se importante lembrar que Pannenberg atribui em sua obra um
respeitável lugar à escatologia. Na sua antropologia, mesmo que não tenhamos nos dedicado à ela
devidamente, ela aponta para o desfecho definitivo e decisivo para o homem. É no eschaton que ao
homem será revelado a plenitude de seu ser.
201
O documento VATICANO II na Constituição Pastoral Gaudium et Spes lembra que,
marcados por uma situação tão complexa, muitos dos nossos contemporâneos são impedidos de
discernir verdadeiramente os valores perenes (...) assim, inquietos, eles se interrogam, num misto
112
O autor, ao tratar o tema do amor de Deus na criação não fecha os
olhos para a questão do mal que se faz presente no mundo. Este
problema é tratado desde o tempo dos padres da Igreja antiga. A teologia
cristã respondeu a tal dificuldade e suas conseqüências referindo-se à
liberdade a que Deus quis dotar as criaturas superioras, isto é, os anjos e
os seres humanos
202
. O mal e suas conseqüências são resultado da
autonomia que a criatura goza, mesmo que tal autonomia seja traço
imprescindível de uma existência criatural ao lado do ser eterno de Deus.
No caso da pessoa humana verifica-se a capacidade de escolher entre as
diversas possibilidades de querer e de agir, tal capacidade, que é
qualificada como liberdade, é condição necessária, mas não ainda
suficiente para a verdadeira liberdade, a liberdade de filhos de Deus ( Rm.
8,21)
203
. Neste sentido, a capacidade de escolher entre as diversas
possibilidades indica uma forma elevada de autonomia da criatura, mas
ao mesmo tempo, lembra Pannenberg, é extremamente frágil, pois muito
facilmente na prática pode levar a pessoa a perder a autonomia, que
Deus doou a este ao criá-lo , uma vez que se faz escravo dos poderes do
pecado e da morte
204
.
O acontecimento escatológico não anula a autonomia atribuída à
criatura, ela se mantém respeitada e tal circunstância é que permite a
realização da verdadeira liberdade humana, assim como é nela que se
fundamenta o caráter de reciprocidade que caracteriza a glorificação
escatológica. A plenificação da vida humana, como eternidade, só se faz
possível devido a sua existência no tempo que já é a antecipação da
eternidade e com a Encarnação de Jesus, sua mensagem e sua atividade
inaugura por definitivo o futuro salvífico do reino. Pannenberg expõe que
de esperança e de angústia, sobre a evolução atual do mundo. Este curso não só desafia os homens,
mesmo força-os a uma resposta. É ainda no número 21 que o documento afirma “Só Deus dá uma
resposta plena e totalmente certa ao problema do homem”.
202
PANNENBERG, W. TS3. p. 670.
203
Cf. Ibid., p. 70. A obra A Salvação de Jesus Cristo de Mario de França Miranda, aborda com
rara beleza e de forma profunda, o tema da liberdade no sentido cristão, sinalizando assim, para a
verdadeira libertação da liberdade e esta se dá na verdadeira vivência da experiência do amor
como ágape- amor fraterno.
204
Cf. Ibid., p.670. Mesmo que o tema do pecado e da morte marcam um grande percurso no
tratado da graça, em Pannenberg, nós aqui não realizamos o caminho feito por ele, já que tal
temática merece um estudo específico; aqui contentaremos em indicar que este tema é amplamente
abordado na teologia Sistemática de W. Pannenberg.
113
também pelo batismo os cristãos se unem a Jesus Cristo e à sua
ressurreição
205
. Aqui se trata de uma participação sem limite e sem
barreira na vida eterna de Deus. Não uma participação limitada, mas já
marcada pela presença criadora do Espírito divino.
Pannenberg continua a reflexão mostrando que o antecipar do futuro
escatológico de um Deus eterno, que faz questão de entrar no tempo e na
história humana, é como que um temporalizar-se do amor divino. Mesmo
não renunciando à própria eternidade, o amor de Deus produz o tempo,
age nele e se faz presente no tempo. É no tempo da criatura que se inicia
o futuro de Deus e sua comunhão com ele
206
.
Para Pannenberg, já na criação, no ato criador, Deus exprime seu
amor ao mundo, dando vida às criaturas e participando a todo tempo dela.
Ele reforça que a expressão por excelência do amor de Deus se dá na
sua atividade conciliadora, que faz irromper no mundo o reino futuro. E o
culminar do amor de Deus ao mundo se dá com o envio de seu Filho,
pelo acontecimento da Encarnação, em que ele mesmo se faz presente
no meio dos homens, através de Jesus. Pela Encarnação Deus insere o
ser humano como participante da relação filial de Jesus com o Pai. Ao
homem é permitido participar do futuro de salvação e da certeza do amor
salvífico como Dom permanente do Espírito Santo
207
.
Pannenberg conclui sua escatologia dizendo que a economia
divina de salvação exprime o futuro de Deus que se antecipa em função
da salvação das criaturas na manifestação de seu amor. Assim, as
criaturas são por Deus incluídas na vida trinitária e o amor de Deus,
revelado na economia da salvação é a pulsação do amor trinitário,
compreendido no mundo inteiro pelas criaturas.
205
Cf. Ibid., p. 672.
206
Cf. Ibid., p. 672.
207
Cf. Ibid., p. 672.
114
6
Conclusão
O que pretendemos neste momento do trabalho é somente sinalizar
para alguns pontos que, com certeza, foram marcantes no decorrer deste
estudo. De início, podemos considerar que a antropologia de W.
Pannenberg é uma antropologia de grande alcance e profundidade, pois
busca seus fundamentos nas bases mais sólidas do conhecimento
ocidental. Pannenberg é um autor que dialoga amplamente com a filosofia
do ocidente, partindo da clássica, passa pela escolástica até chegar à
moderna, e além disso, com muita facilidade, ainda abre diálogo com
outras ciências da modernidade.
Um ponto forte do estudo foi buscar perceber no pensamento do
autor um diálogo aberto e científico com a modernidade, não um diálogo
qualquer, mas um diálogo religioso-teológico. Nesse sentido, todo
empenho no desenvolvimento de uma antropologia sólida e bem
fundamentada em bases científicas, mostra ter somente uma finalidade
em Pannenberg: chegar à resposta mais clara possível que o homem se
destina para Deus, como origem, como abertura na história e, como fim
na escatologia. Assim, a antropologia adquire um atributo novo, ela abre
em seu universo uma perspectiva teológica, buscando responder às
questões que a pura antropologia filosófica pode não estar preocupada.
Puxar o homem para o centro da criação é um dado evidente na
abordagem antropológica de Pannenberg. Para ele, o homem é o senhor
da criação, não como dominador ou explorador desordenado do mundo e
das coisas, mas porque ele traz em si a imago dei. Sendo imagem de
Deus, o perfil de ser humano traçado por Pannenberg, assume uma tarefa
muito mais ampla e profunda: a de contribuir para que a vontade de Deus
aconteça no mundo. O homem, quando carrega em si a imagem e
semelhança de Deus, deve ser visto como uma totalidade composta das
dimensões corpo e espírito, sem nenhuma espécie de dicotomia, mas
como uma totalidade integral. Somente situado nesta idéia de totalidade é
que o homem, de fato, assumirá a sua realidade de sujeito livre e
consciente de sua individualidade.
115
Outro dado a ser considerado no pensamento de Pannenberg é o
tema da liberdade, para o qual ele dedica longas páginas e, não menos
longos debates sobre tal temática. Se para muitos modernos a relação
homem e Deus pode ser marcada pelo empobrecimento da liberdade
humana
208
, para ele quando o homem se descobre como liberdade é que
ele também se descobre como necessitado de algo mais; de algo que
está além de si mesmo. Nessa percepção de si, como alguém marcado
por uma liberdade que não se restringe ao universo racional e filosófico,
pois senão ela se faz insuficiente, o homem se lança para um horizonte
que está mais além e se projeta como transcendência para a vivência da
liberdade como abertura. Tal abertura, coloca o ser humano em sintonia
com o Absoluto, já que ele toma consciência de que é um ser para a
liberdade. A plenificação da liberdade só é possível no momento em que
este se vê marcado pela graça amorosa de Deus. Nesse sentido, pode-se
falar como o apóstolo Paulo “ somos libertados em virtude da libertação
oferecida por Jesus Cristo” (Rm 3, 24). Conseqüentemente, a liberdade,
no sentido cristão, é caracterizada pela comunhão com Jesus e com a
participação na sua filiação junto do Pai. Vale retomar aqui o apóstolo dos
gentios que diz “ na plenitude dos tempos Deus enviou o seu Filho,
nascido de mulher e sujeito à lei, para pagar a alforria daqueles que estão
sujeitos à lei, para que nos seja dado ser filhos adotivos” (Gl 4, 4). Desse
modo, a liberdade verdadeira permite ao homem superar a crise diante de
si e diante de Deus e se deixar reconciliar com Deus. Compreendida
assim, a liberdade, como já dito, é fruto da graça, é dom do Espírito
tornando o ser humano plenamente livre; ela o faz participante da filiação
de Jesus Cristo, porque somos filhos no Filho.
Como já mencionado, não é possível pensar a realidade humana
sem levar em consideração o ser humano na sua totalidade como pessoa
e nessa totalidade a transcendência como ato do espírito. O homem é um
ser aberto, incompleto, isso vale dizer que ele busca sempre mais e mais.
208
Aqui vale lembrar o episódio do asno de Buridan, que diante de duas vasilhas de feno não
saberia escolher qual delas lhe pareceria mais apetitosa. Este episódio foi relacionado com a
liberdade humana em relação a Deus por alguns filósofos modernos, dizendo que Deus teria que
indicar ao homem o caminho para a sua vida já que ele não tem em si mesmo a liberdade para
escolhê-lo.
116
Ao caracterizar a sua antropologia com fortes traços transcendentais,
Pannenberg compreende o ser humano como alguém que é
impulsionado por uma força que o projeta para um lugar indescritível. Este
lugar, que não tem nome, pois nenhum nome seria suficiente para defini-
lo é o que o homem deseja como infinito inexprimível, tal lugar porém, se
faz presente no homem como dado do espírito. Assim, transcendência e
espírito, na dinâmica humana, lançam a pessoa em direção ao sagrado,
ao divino. Somente no entendimento da pessoa como espírito,
consciência e transcendência, é que se pode falar de um homem como
abertura para Deus na antropologia de Pannenberg. É na compreensão
que o homem adquire de si, sustentada nos substantivos indicados acima,
que tal homem pode ser considerado como alguém que deseja o
absoluto e se abre para ele. O ser humano supera o mundo que o rodeia
e os limites da cultura, abrindo espaço para um lugar que se instala mais
além do horizonte dos fatos concretos, ele entra numa realidade que é
mais que humana. Aqui surge um complemento, definido como
sobrenatural, que não está no concreto da história, mas é dado, é força
da Graça, oferta gratuita de Deus. É pela Graça, que o homem é
possibilitado de se elevar ao mais alto grau de perfeição, chegando à
semelhança de Jesus Cristo. Na história de Jesus de Nazaré o homem se
supra-assume e se livra de seus limites, atingindo seu destino de imagem
e semelhança com Deus.
Todo o empenho teórico e científico de Pannenberg, é para situar a
antropologia em um lugar teológico. No esforço da elaboração e
fundamentação científica, o autor busca demonstrar no homem a
dimensão religiosa como constitutivo natural. É na elaboração da sua
realidade como espírito, consciência, transcendência e liberdade que
Pannenberg consegue fazer a passagem da pura antropologia para a
Antropologia teológica, ou melhor, ele formula uma leitura da
antropologia numa ótica diferenciada. Nesse contexto, a história humana
já é em si uma história teológica, em que Deus se faz presente nela. A
antropologia se instaura no seu lugar ideal que é buscar as respostas
mais fundamentais e profundas para a existência humana.
117
Para alcançar o lugar religioso do homem, Pannenberg faz uma
leitura da história e da cultura, realidades em que o homem está situado.
Não há como buscar uma resposta para o anseio religioso da pessoa,
sem fundamentá-la na história e na cultura; por tal motivo, o autor constrói
um longo caminho histórico e cultural para, a partir deste lugar onde se
encontra instalado, construir as respostas antropológicas para a sua
reflexão teológica. Pode-se dizer, sem grande dificuldade, que o homem
pannenberguiano é por natureza religioso e já traz em si tal realidade
desde sua origem na criação. Uma afirmação constante em sua
antropologia teológica é o homem ser criado a imagem e semelhança de
Deus. Tal afirmação já pré-estabelece no ser humano um lugar especial
no mundo e na natureza, uma vez que ele se constitui, na cadeia das
espécies, como uma singularidade, marcado pela razão e pela liberdade.
No uso da razão e da liberdade, diferentemente do instinto animal, o
homem possui uma direção vital, doada por Deus, ele já visualiza uma
meta que está posta para ele, de tal modo a realizar em si o ser imagem e
semelhança de Deus. É plausível dizer que a imago Dei, como traço
característico da natureza humana permite ao homem pensar o fim da
realização de sua essência. Mesmo que o homem, como criatura, seja
marcado por imperfeições, ele se vê em condições de superá-las através
de sua abertura ao mundo e às coisas de fora dele. É nesta abertura ao
mundo e ao fora de si que o homem se encontra como consciência e
como abertura a Deus. Nesse caminho, o homem busca um sentido mais
profundo para sua vida; ele se abre ao transcendente e ao sagrado. O
homem se vê como religioso, e se vendo assim, deposita a sua confiança
no absoluto, em Deus. Não há como negar que, para Pannenberg, a
experiência religiosa é essencialmente humana. É na história do homem
que tal experiência se revela. Mesmo que no mundo a experiência
humana ainda não tenha atingido sua plenitude como experiência
religiosa ou experiência de Deus, ela já se faz fato consumado, realizado
na pessoa de Jesus Cristo. Jesus é o protótipo do que o homem deverá
ser como realização. Nele o homem religioso já vislumbra o seu destino a
ser realizado, e espera essa realização com toda sua confiança.
118
A realidade humana, na sua identidade se descobre como abertura
que, é um traço fundamental de sua realidade como consciência. Nesse
processo, o homem se conhece como alguém que é possuidor de uma
missão específica. Ele se descobre como alguém destinado a algo muito
maior, destinado a Deus. Em Jesus Cristo o homem se percebe como
participante da filiação divina e da missão de Jesus. Como Jesus foi
obediente ao Pai, cada pessoa também deve participar dessa obediência
e do cumprimento de sua missão no anúncio do reino de Deus. Jesus
como Encarnação é a revelação da grande esperança humana. No amor
do Pai manifestado em Jesus, o homem se vê libertado em sua liberdade
e se encontra renovado na sua história. Agora, já se faz presente no
homem, como revelação, o que ele será no futuro. Com a ressurreição de
Jesus dos mortos surge ao homem um horizonte escatológico,
apresentado como uma possibilidade real. Desta forma, a esperança
humana já vislumbra a sua plena realização que será cumprida
plenamente na eternidade.
Antes de encerar estas considerações conclusivas, cabe retomar o
já mencionado acima, o escatológico. Pannenberg não deixa dúvida,
como teólogo cristão coloca um grande acento na escatologia como
esperança final para a história humana. A sua antropologia teológica
valoriza profundamente a história humana e toda cultura, propiciando ao
ser humano experimentar a história como abertura para o transcendente e
como esperança. Sua antropologia apresenta o homem num mundo
marcado pela esperança. O homem é um ser que deseja se realizar
plenamente; e, por ser imagem de Deus, não se contenta com os puros
fatos da cultura e da história, conseqüentemente, numa atitude profunda
e impulsionada pelas forças do espírito, da consciência e da liberdade, se
eleva até ao mais alto de sua esperança. Em Jesus Cristo esta esperança
é caracterizada como reino de Deus, salvação, eschaton. A realização
definitiva do ser humano, como cumprimento da salvação escatológica e
como esperança que se dará na ressurreição definitiva.
No momento escatológico, o homem encontrará alívio para suas
angústias e misérias, alcançando a felicidade e a paz. Será o momento
em que o ser humano experimentará de forma plena o amor de Deus já
119
demonstrado a ele desde a criação. No ato revelador de Deus ao
homem, o homem se verá também revelado a si mesmo. E no encontro
criatura e criador, a palavra-chave para a entrada neste mistério definitivo
de Deus será amor. Como registrou o quarto evangelho: Deus é amor.
Sobre a escatologia, ainda vale dizer: caso a antropologia seja
esvaziada da esperança mais profunda que marca a essência humana,
ela passa a não ser antropologia, na verdade se torna nada. Se o homem
retirar a dimensão religiosa da sua realidade como homem, ele deixa de
ser homem, esvaziando a sua história por completo, pois o sentido último
da história humana está nele como Graça, como dom doado por Deus e
sem esse sentido, a história está fadada ao fracasso e ao vazio. A
resposta mais profunda e mais ousada para a antropologia, como ciência,
não é ela mesma no seu status científico; a ciência serve somente de
apoio para o ser humano se lançar para uma atitude que está muito além;
para assim, ele adentrar numa experiência onde a antropologia se faz
pequena para explicar. O homem participa da experiência do sagrado, da
experiência de Deus.
120
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