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Adelgaçava-se os fletes com água a meia costela, em qualquer lagoão, e à soga; cascos bem
aparados, agarradeiras bem cavadas, endurecidas com uma untura de sebo de rim e carvão, aquentada
com a ponta em brasa de um tição de goiabeira; cola curta, toso baixo.
E a gauchada quase toda de em pêlo. Uns de bombacha, outros de chiripá; muitos sem chapéu,
muitos de lenço na cabeça; tudo em mangas de camisa e faca atravessada.
O mais maula levava pelo menos dois pares de bolas; três pares, isso era a rodo, e havia torena
que chegava a levar cinco: um na mão, os outros na cintura.
E tudo boleadeiras mui bem feitas, de pedra pequena; porque vancê sabe que o cavalar tem o
osso mais quebradiço que a rês — e vai, se toma de mau jeito um bolaço pesado, aí no mais já temos
um avariado.
Pois é: as três-marias retovadas a preceito; e as sogas macias, pra não cortar; e levava-se
também uns quantos ligares.
— Vancê não sabe o que é um ligar? Não é só, não sr., o couro de terneirote pra fazer carona; é
também uma tira de guasca, chata, assim duma meia braça, com um furo dum lado e uma meia ponta
do outro. Conforme boleava um animal e ele caia, o campeiro chegava-se e passava-lhe o ligar em
cima do garrão e apertava, acochava, à moda velha; hom!... era mesmo como botar uma liga de
mulher, com perdão da comparação!
Vancê compr’ende, não!
Ficava o nervo do garrão, arrochado pelo ligar; então o gaúcho desenredava as boleadeiras e
assinalava e mal isto, já o bagual se aprumava e levantava-se, bufando, puava, pra rufar..., mas qual!
saía em três pernas!... E assim de seguida, em dois, três, oito ou mais, que cada corredor boleasse;
esses não podiam mais disparar, ficavam perneteando no meio do campo!
Então a gurizada, os piás, a relho, iam entropilhando os ligados, que depois cada dono separava
pelo sinal feito.
Era assim, que, conforme ia correndo a eguada, cada gaúcho ia boleando o bagual que mais lhe
agradava; às vezes saíam dois a um mesmo animal: aí, o que primeiro lhe sentava as pedras, era o
dono.
Mas também, quanto porongo!... Quantas vezes, depois duma canseira, boleava-se e caía um
potro lindaço, cogotudo e bem lançado, e ia-se ver, era um colmilhudo, com cada dente como uma
estaca... velho como o cerro do Batovi; ou era um mancarrão de montaria, aporreado e cuerudo...
outras vezes ainda… enfim, havia sempre embaçadelas!
Mas, como ia dizendo: quando a gente estava toda a cavalo e pronta, o estancieiro ou o
encarregado distribuía os ternos, que espalhavam-se a todos os rumos, sobre as costas e rinconadas,
para fazer a tocada de lá desses fundos.
E daí a pouco já se levantavam os primeiros rumores... A bagualada estranhava aqueles
movimentos; os colhudos começavam a relinchar, ajuntando, pastorejando as manadas; os
entropilhados, farejando, entreparavam-se, arpistas; outras pandilhas, de cola alçada, iam num trotão
dançado, bufando... e já cerravam numa correria em redondo e depois riscavam, campo fora...
Lá adiante, o mesmo barulho; noutro ponto, igual; dum rindo, numa trepada de coxilha, numa
descida de canhada, rufando duma restinga, os lotes de eguariços iam se encontrando, entreverando-
se; os campeiros vinham chegando e a gritos, a cachorro, a tiro, ia-se tocando a bagualada de cada
querência; de todos os lados cruzava-se a contradança, que se encaminhava sobre uma linha já
combinada; e aos poucos ia crescendo o rodeio movediço, que engrossava, redemoinhava, espirrava,
tornava a embolar-se... e de repente fazia cabeça, fazia ponta, e todo disparava, fazendo tremer a
terra, roncando no ar, como uma trovoada.
Aí a gente entrava a manguear, aos dois lados, e então é que começava, de verdade, o
divertimento! Arrematava-se três, quatro, cinco fletes; corria-se sem parar, seis, dez, doze léguas... e
no fim estava-se folheiro!...
Barbaridade! Nem há nada como tomar mate e correr eguada!