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desligamento de tudo o que é sensível, inclusive de si-mesmo, a fim de
exteriorizar movimentos carregados de afetos: uma catarse. O que seria isso?
Kátharsis, na etimologia grega, significa purificação (Brandão, 1987, p. 199).
A utilização do prefixo ‘neo’ no conceito ferencziano de neocatarse, tem,
pelo menos, duas funções. A primeira seria diferenciar essa técnica daquela
preconizada por Breuer, que Ferenczi denomina de “paleocatarse”. Na outra, neo,
seria equivalente a uma nova catarse (purificação), que paradoxalmente nunca
ocorreu, salvo num registro corporal, e que, portanto, deveria ser exteriorizada a
partir de uma repetição. Repetição de um registro inconsciente pela “primeira
vez” conscientemente rememorado e precipitado através do corpo.
(...) os sintomas histéricos corporais faziam bruscamente sua aparição, com
freqüência pela primeira vez, numa análise de vários anos de duração: parestesias
e cãibras nitidamente localizadas, movimentos de expressão violentos lembrando
pequenas crises histéricas, bruscas variações de estado de consciência, ligeiras
vertigens e mesmo perda da consciência, seguida amiúde de amnésia retroativa
(...). Não era difícil, em seguida, utilizar esses sintomas para fortalecer ainda mais
as reconstruções realizadas até aí, de certo modo a título de símbolos minésicos
corporais, com a diferença, porém, que o passado, desta vez reconstruído, aderia
muito mais do que antes ao sentimento de realidade e de objetividade (...), muito
mais próximo, em sua natureza, de uma verdadeira lembrança (...) (Ferenczi,
1930a/1992a, p. 62).
A neocatarse visava a proporcionar a repetição de acontecimentos
traumáticos anteriores e a uma melhor resolução destes pela análise. Resolução
esta que se apresentaria e se atualizaria por uma tomada de consciência do
momento traumático a partir de uma “atmosfera de confiança” entre o médico e o
paciente. Em alguns casos desse estado de transe, a pessoa do médico seria a
única ponte possível entre o paciente e a realidade.
Cabe aqui mencionar que a entidade grega da metamorfose que se origina
a partir de uma catarse é nada mais, nada menos, que Dioniso ou Baco: o deus da
metamorfose e do teatro. Dioniso junto a Apolo representam duas faces da
criatividade
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: a do caos e a da ordem. Sem dúvida, transitamos o tempo todo
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“A ambas as divindades artísticas destes, Apolo e Dionísio, está junto o nosso reconhecimento
de que existe no mundo grego uma enorme contradição, na origem e nos fins, entre a arte plástica
– a de Dionísio – ambos os impulsos, tão diferentes andam um ao lado do outro, em grande parte
das vezes em luta aberta e incintando-se mutuamente para novos partos, a fim de neles poder
perpetuar a luta deste contraste, que a palavra comum “arte” apenas na aparência consegue anular;
até que eles afinal, por meio de milagroso ato metafísico do “desejo” helênico, surgem unidos,
produzidos por fim, nesta união, a obra-de-arte, tanto dionisíaca quanto apolínea, da Tragédia
Ática” (Nietzsche 1871/2005, p. 27).
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