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Embora Lacan faça sua primeira apresentação teórica num congresso de psicanálise,
no ano de 1936 em Marienbad com “The Looking-Glass Phase”, o E.E. (1949/1998) é
considerado o texto “princeps” (LECLAIRE, 2007, p. 8) no campo psicanalítico, como afirma
Serge Leclaire em “Psicanalisar” de 1968, no primeiro trabalho clínico conduzido e
transmitido sob o escopo lacaniano (DUNKER, 2009, p. 46).
Não raro atualmente, bem como nas décadas seguintes à publicação de E.E.
(1949/1998), classifica-se o texto em torno de elucubrações sobre o corpo e sobre o eu
13
, além
da gênese teórica para o que Lacan intitulou de registro imaginário
14
, a saber, o recurso da
imagem do corpo na formação da função do eu [Je], denominado eu [moi].
Porém, Lacan faz referência à teoria do estádio do espelho
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de maneira intensa
enquanto constrói sua posição teórica em psicanálise. Por exemplo, a extensão cronológica
dos textos na obra “Escritos” enquadra-se entre os anos de 1936 até 1966, com a inclusão de
“Para além do ‘Princípio de Realidade’” e “A ciência e a verdade”, respectivamente. O
número de textos ou manuscritos (de conferências e congressos) soma 34 textos, dentre os
quais 17 fazem referência textual à teoria do estádio do espelho, num total de 35 citações
(LACAN, 1998, pp. 908-917). Em detalhes, desde “Para além do ‘Princípio de Realidade’”
(1936) até “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1963) é
possível encontrar alguma menção ao tema do espelho. A estatística destes números revela
que cada texto, dos 17 sinalizados acima, traz pelo menos uma referência ao tema elaborado
nesta teoria.
13
No texto traduzido oficialmente no Brasil (1966/1998), há a inserção do termo EU grafado entre
colchetes, [eu], quando Lacan faz uso pelo pronome da primeira pessoa da língua francesa Je, e EU sem
colchetes, eu, quando utiliza Moi. Teoriza-se uma intencionalidade em Lacan ao usar os diferentes para se referir
à primeira pessoa do singular, embora Je e Moi tenham posições e uso diferentes na semântica da língua
francesa. Este estilo em teorizar é comumente encontrado em Lacan, quando recorta palavras ou expressões de
uso comum da língua para criar conceitos em psicanálise, por exemplo “passagem ao ato”. No caso para Je e
Moi, Lacan utiliza essa possibilidade da língua francesa para conceituar duas instâncias psíquicas em
psicanálise, como discute o tradutor em Nota da Edição brasileira (1966/1998, p. 936). No entanto, fica as
questões: Será que em 1949 poderíamos inferir a diferença conceitual entre Je e Moi? Tratar-se-ia de uma
diferença conceitual ou de tradução do Francês para o Português?
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Esta classificação para o texto é um tanto aproximativa, considerando que Lacan não faça referência ao
termo “registro imaginário” no texto de 1949. Os primeiros desenvolvimentos, em direção à formalização de tal
conceito, podem ser sistematicamente acompanhados ao longo dos anos de 1953-54, ao que resultou no livro
“Os escritos técnicos de Freud”, ou seminário um. Vê-se, então, quatro anos após a publicação do texto o E.E.
(1949/1998).
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No “Escritos” (1966/1998, p. 908)), há uma série de índices anexados ao final do livro, cuja formulação
foi acompanhada por Lacan e Jacques Alain-Miller, a fim de propiciar ao leitor pontos firmes na circulação pelos
conceitos desenvolvidos na obra, em virtude da densidade da escrita de Lacan. O primeiro é intitulado de “Índice
ponderado dos principais conceitos” (p. 908). Há duas claves destinadas ao “estádio do espelho” enquanto
conceito, isto é, “ocorrências que fornecem definições essenciais, suas funções e suas propriedades principais”
(p. 908). Desta forma, o estádio do espelho poderia ser formalizado enquanto um conceito em psicanálise? Ou
tratar-se-ia de um campo envolvendo uma série de conceitos? Ao que podemos afirmar, há três possibilidades de
referência ao estádio do espelho, ao que se poderia enquadrar ao tema, à teoria e ao texto propriamente dito de
1949.