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Universidade de São Paulo
Programa de Pós-Graduação Interunidades
Estética e História da Arte
LYGIA CLARK
O VÔO PARA O ESPAÇO REAL
- do bi para o tridimensional -
DIRCE HELENA BENEVIDES DE CARVALHO
São Paulo
2008
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ii
Universidade de São Paulo
Programa de Pós-Graduação Interunidades
Estética e História da Arte
LYGIA CLARK
O VÔO PARA O ESPAÇO REAL
- do bi para o tridimensional -
DIRCE HELENA BENEVIDES DE CARVALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de mestre.
Linha de pesquisa: História e Historiografia da Arte.
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre.
São Paulo
2008
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iii
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
CARVALHO, Dirce Helena Benevides de
Lygia Clark - O vôo para o espaço real - do bi para o tridimensional
São Paulo, 2008, 127f:
Dissertação (Mestrado) Universidade de São Paulo Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre
1. Lygia Clark 2. espaço 3. bidimensional 4. tridimensional
iv
FOLHA DE APROVAÇÃO
Dirce Helena Benevides de Carvalho
LYGIA CLARK - O VÔO PARA O ESPAÇO REAL
do bi para o tridimensional
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da Arte
da Universidade de São Paulo, na linha de pesquisa
História e Historiografia da Arte, sob orientação do
Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a). _________________________________________________________
Instituição: ______________________________ Assinatura: ___________________
v
AGRADECIMENTOS
A José Eduardo Lefèvre, meu orientador, pela dedicação e
tranqüilidade durante a pesquisa.
Um agradecimento especial à Profa. Dra. Dilma de Melo Silva e
à Profa. Dra. Carmem Aranha, pela atenção e dedicação durante
o Exame de Qualificação.
Às Divas (a irmã e a tia), aos meus sobrinhos e à amiga Graça.
À Neusa Brandão, assistente acadêmica do Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da
Universidade de São Paulo.
Aos funcionários da Associação Cultural “O Mundo de Lygia
Clark”, do Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal
de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo.
vi
EPÍGRAFE
Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas, saído
do ser, sempre de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é
circuito, tudo é rodeio, retorno, discurso, tudo é rosário de
permanências, tudo é refrão de estrofes sem fim.
(Gaston Bachelard)
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.217. (Coleção Tópicos)
vii
RESUMO
O presente projeto tem por escopo compreender a trajetória de Lygia Clark, dando
ênfase à transição do espaço bidimensional para o tridimensional com a criação dos Bichos.
Para tanto, foi feito um recorte na produção da artista, elegendo o momento em que
inicia sua pesquisa sobre a vertente geométrico-construtiva na década de 1950. Assim, este
trabalho aborda as experiências realizadas pela artista no Grupo Frente (1954-56), no
Neoconcreto (1959-61), que é o momento da criação dos Bichos (1960), abrangendo, ainda, a
proposição Caminhando e derivações de Bichos, Trepantes e Obras-Moles (1963-1965),
constituindo-se como os últimos objetos na trajetória da artista.
Os Bichos, genial articulação que Lygia realiza entre o racional e o intuitivo,
provocam deslocamentos decorrentes da passagem do espaço bidimensional para o espaço
real, quais sejam do papel do artista, da obra e do espectador, demonstrando a singularidade
em seu processo criativo.
Palavras-chave: Lygia Clark, espaço, bidimensional e tridimensional.
viii
ABSTRACT
This project aims at understanding Lygia Clark’s trajectory, emphasizing the transition
from the two-dimensional to the three-dimensional space with the creation of Bichos.
Therefore, a section was chosen from the artist’s production, selecting the moment
when she starts her research on the geometrical-constructive branch in the 1950’s. So, this
work is about the experiences done by the artist in the Grupo Frente (1954-56), in the
Neoconcreto (1959-61), which is the moment of the creation of Bichos (1960), comprising,
also, the proposition Caminhando and derivations of Bichos, Trepantes e Obras-Moles (1963-
1965), which are considered the last objects in the artist’s trajectory.
The Bichos, a brilliant articulation between the rational and the intuitive done by
Lygia, cause dislocations resulting from the passage of the two-dimensional space to the real
one, that is from the role of the artist, of the work and of the spectator, showing her singularity
in the creative process.
Key words: Lygia Clark, space, two-dimensional and three-dimensional.
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63. Latão..............................................................................xii
Figura 02 - GARCIA, Torres. Escuela del Sur, 1935.........................................................................................19
Figura 03 - BILL, Max. Unidade Tripartida, 1948/49. ......................................................................................22
Figura 04 - SERPA, Ivan. Formas, 1951............................................................................................................23
Figura 05 - MALUF, Antônio. Cartaz da I Bienal, 1951. ..................................................................................23
Figura 06 - III Exposição do Grupo Frente, 1956. Foto de arquivo de Ferreira Gullar ......................................24
Figura 07 - CLARK, Lygia. Superfície Modulada no.5, 1955...........................................................................25
Figura 08 - CORDEIRO, Waldemar. Idéia Visível, 1956...................................................................................26
Figura 09 - LIMA, Maurício Nogueira. Desenvolvimento espacial da espiral, 1954. .......................................26
Figura 10 - FIAMINGHI, Hermelindo. Círculos concêntricos e alternados, 1956. ..........................................27
Figura 11 - SERPA, Ivan. S/título, 1953.............................................................................................................28
Figura 12 - SACILOTTO, Luiz. Concreção 5523, 1955. ...................................................................................29
Figura 13 - CLARK, Lygia. Cabeça de Cristo, 1951.........................................................................................34
Figura 14 - CLARK, Lygia. Figura Sentada,1951.............................................................................................34
Figura 15 - CLARK, Lygia. Sem título, 1951.....................................................................................................34
Figura 16 - CLARK, Lygia. Escada, 1948. ........................................................................................................35
Figura 17 - CLARK, Lygia. Escada, 1951. ........................................................................................................35
Figura 18 - CLARK, Lygia. Composição, 1953. ................................................................................................35
Figura 19 - CLARK, Lygia. Descoberta da Linha Orgânica, 1954...................................................................36
Figura 20 - CLARK, Lygia. Composição no.5, 1954. ........................................................................................37
Figura 21 - MALDONADO, Tomas. Collage sobre madera policromada........................................................39
Figura 22 - ROTHFUSS, Rhod. Arlequìn, 1944.................................................................................................39
Figura 23 - CLARK, Lygia. Quebra da Moldura (estudo), 1954.......................................................................40
Figura 24 - CLARK, Lygia. Quebra da Moldura (estudo), 1954.......................................................................40
Figura 25 - CLARK, Lygia. Maquete para interior no. 1, 1955. .......................................................................43
Figura 26 - CLARK, Lygia. Superfícies moduladas no. 2, 1955. ......................................................................44
Figura 27 - CLARK, Lygia. Superfícies moduladas no. 20, 1956. ....................................................................44
Figura 28 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas no. 2, 1956......................................................46
Figura 29 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas. 1957...............................................................46
Figura 30 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas no. 1, 1957......................................................47
Figura 31 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas série B no. 1, 1958. ........................................48
Figura 32 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies moduladas série B no.3, 1958. .........................................48
Figuras 33–36 - CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. 90x30cm. .........................................48
Figuras 37–41 - CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. 30x30cm. .........................................49
Figura 42 - CLARK, Lygia. Espaços modulados no.2 (trabalho original), 1958...............................................49
Figura 43 - CLARCK, Lygia. Unidade...............................................................................................................50
Figura 44 - CLARK, Lygia. Ovo linear, 1958. ...................................................................................................51
Figura 45 - Fotografia de Lygia Clark em BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo...............53
Figura 46 - CLARK, Lygia. Contra-relevo, 1959...............................................................................................54
Figura 47 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959..........................................................................................................58
Figura 48 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959..........................................................................................................58
Figura 49 - CLARK, Lygia. Casulo de ferro, 1959. ...........................................................................................59
Figura 50 - TATLIN, Vladimir. Contra-relevo de canto, 1915..........................................................................60
Figura 51 - WEISSMANN, Franz. Três Pontas, 1958........................................................................................61
Figura 52 - CASTRO, Amílcar de. Sem título, sem data.....................................................................................61
Figuras 53–54 - Estudo sobre Contra-Relevo realizado pela pesquisadora.........................................................62
x
Figura 55 - CLARK, Lygia. Contra-Relevo, 1959..............................................................................................62
Figura 56 - CLARK, Lygia. Bicho Ponta, 1960. ................................................................................................65
Figura 57 - CLARK, Lygia. Caranguejo, 1960-63.............................................................................................67
Figura 58 - CLARK, Lygia. Metamorfose I, 1960. ............................................................................................69
Figura 59 - CLARK, Lygia. Desfolhado, 1960...................................................................................................69
Figura 60 - CLARK, Lygia. Projeto para o Desfolhado. ....................................................................................69
Figura 61 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63.........................................................................................70
Figura 62 - CLARK, Lygia. Em Si. 1962. ..........................................................................................................70
Figura 63 - CLARK, Lygia. Projeto para um Planeta, 1960. ............................................................................70
Figura 64 - CLARK, Lygia. Bicho de Bolso, 1966.............................................................................................71
Figura 65 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960............................................................................................................71
Figura 66 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960............................................................................................................71
Figura 67 - CLARK, Lygia. Monumento a Todas as Situações, 1962. .............................................................71
Figura 68 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960............................................................................................................71
Figura 69 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960.........................................................................72
Figura 70 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960.........................................................................72
Figura 71 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. [Metamorfose I], 1960. ..............................................................72
Figura 72 - CLARK, Lygia. Projeto de Bicho. Sem título, 1960.........................................................................72
Figura 73 - CLARK, Lygia. Arquitetura Fantástica, 1963................................................................................73
Figura 74 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960............................................................................................................75
Figuras 75–98 - TEIXEIRA, M. G. Estudo fotográfico com o Bicho Caranguejo de Bolso. ........................88-89
Figuras 99–100 - TEIXEIRA, M. G. Detalhes das dobradiças de Bicho Caranguejo de Bolso..........................89
Figura 101 - CLARK, Lygia. Caminhando, 1963..............................................................................................90
Figuras 102–105 - CLARK, Lygia. Caminhando, 1963.....................................................................................91
Figura 106 - Fita de Moebius. Representação geométrica. .................................................................................91
Figura 107 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965.....................................................................................................98
Figura 108 - CLARK, Lygia. Obra-Mole, 1964. ................................................................................................99
Figura 109 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965.....................................................................................................99
Figura 110 - CLARK, Lygia. (Bicho)O antes é o depois, 1963. ...................................................................100
Figura 111 - CLARK, Lygia. (Bicho)O dentro é o fora, 1963......................................................................100
Figura 112 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. ........................................................................................101
Figura 113 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. ........................................................................................102
Figura 114 - CLARK, Lygia. A Casa do Poeta, 1964. .....................................................................................103
Figura 115 - CLARK, Lygia. Estruturas de caixas de fósforo, 1964. .............................................................103
Figura 116 - CLARK, Lygia. Construa você mesmo seu espaço para viver. (maquete), 1960. ......................104
Figura 117 - CLARK, Lygia. Trepante (Obra mole), 1964..............................................................................106
Figura 118 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965...................................................................................................107
Figura 119 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965...................................................................................................107
xi
SUMÁRIO
Introdução .............................................................................................................................13
Da pesquisa.........................................................................................................................13
Da artista e do contexto ......................................................................................................17
1. AS TRANSFORMAÇÕES NA SUPERFÍCIE PLANAR:.............................................34
Espaço fictício e espaço real................................................................................................34
2. ENTRE O BIDIMENSIONAL E O TRIDIMENSIONAL:...........................................54
Contra-Relevos e Casulos ...................................................................................................54
3. A REVELAÇÃO DO NOVO ESPAÇO: .........................................................................64
Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do espectador – Bichos.............64
4. O ESPAÇO CONTÍNUO DA OBRA: .............................................................................90
A obra é o ato – Caminhando..............................................................................................90
5. DERIVAÇÕES DE BICHOS: ..........................................................................................98
Trepantes e Obras-Moles....................................................................................................98
Considerações finais ............................................................................................................114
Referências bibliográficas...................................................................................................118
xii
Fig.1 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63. Latão.
13
INTRODUÇÃO
Da pesquisa
A pesquisa aborda a trajetória de Lygia Clark, destacando o momento em que realiza a
passagem do espaço bidimensional para o tridimensional com a criação dos Bichos. A grande
motivação de Lygia Clark é o espaço, problematizando a pesquisa de sua representação na
superfície planar iniciada pelas vanguardas européias: Construtivismo, Suprematismo,
Neoplasticismo e Escola de Ulm, a mais nova versão do Construtivismo.
Em sua trajetória, no período abordado pela pesquisa, Lygia Clark radicalizou as
questões trabalhadas nos moldes da matriz construtivista, ultrapassando-as quando rompe com
o espaço bidimensional chegando ao espaço real com os Bichos. Seu processo criativo neste
período foi marcado pela busca de um autre espaço, desintegrando o plano bidimensional
chegando ao espaço real e colocando o espectador como partícipe da obra de arte.
Os Bichos não se subscrevem às categorias de obras de arte tradicionais pintura e
escultura, embora tenham sido construídos nos moldes da matriz construtivista. A
singularidade dessas obras reside na originalidade formal de suas estruturas e, principalmente,
no pioneirismo em relação à arte participativa, pois essas estruturas, soltas no espaço e presas
por dobradiças, só se completam à medida em que o espectador age sobre as mesmas. Objetos
em trânsito, pois trazem em si o construtivo e o orgânico, os Bichos constituem um marco em
sua trajetória.
Dentre críticos, historiadores e pesquisadores da obra de Lygia Clark, Mário Pedrosa e
Ferreira Gullar, críticos de sua produção no momento da criação de suas obras, merecem
destaque. Roberto Pontual, Frederico Morais, rio Schenberg, Jayme Maurício, Ronaldo
Brito, Walmir Ayala, Paulo Herkenhoff, Maria Alice Milliet, Suely Rolnik, Ricardo Fabrini,
Alberto Tassinari e estrangeiros, tais como, Guy Brett, Manuel J. Borja-Villel, Max Bense,
Introdução - Da pesquisa
14
Jean Clay, Corinne Diserens, David Medalla, dentre outros, e Hélio Oiticica, amigo e
companheiro de Lygia no Grupo Frente e Grupo Neoconcreto, também teorizaram sobre a
produção da artista.
As obras reproduzidas no presente trabalho, em sua maioria, estão insertas no
Catálogo Lygia Clark, da Fundação Antoni Tàpies, de Barcelona, pois verifica-se ser uma das
fontes mais fidedignas na reprodução de obras e textos da artista.
É oportuno assinalar, ainda, que a própria Lygia conceituava suas obras, sendo seus
escritos referências fundamentais para o estudo de sua produção. Entre outros, destacam-se
Livro-Obra, escrito nos anos 50 e vindo a público somente em 1983, Lygia Clark, publicado
pela Funarte em 1980, obra de extrema importância como fonte de divulgação do trabalho da
artista num momento em que se encontrava distanciada da cena brasileira, radicada em Paris e
lecionando na Sorbonne, e Lygia Clark Hélio Oiticica: Cartas - 1964-74, com a
correspondência trocada entre os artistas, organizado por Luciano Figueiredo, e demais textos
publicados em catálogos, jornais, revistas e outros.
Dos inúmeros escritos de Ferreira Gullar, vale destacar o ensaio intitulado Lygia
Clark: Uma experiência radical (1954 – 1958), escrito em 1958 e publicado originalmente no
Jornal do Brasil em 22 de março de 1959, demonstrando a amplitude do trabalho da artista.
Referência obrigatória para estudiosos, críticos e pesquisadores da produção da artista, esse
ensaio produzido por um dos críticos mais destacados da época conceitualiza toda a produção
de Lygia Clark já naqueles anos.
Mário Pedrosa, em Significação de Lygia Clark, escrito em setembro/outubro de 1960,
publicado no Jornal do Brasil, em 23 de outubro de 1960, demonstra a importância das
questões enfocadas por Lygia Clark, enfatizando a atualidade de sua pesquisa com relação aos
avanços na tratativa com o espaço, considerando-o uma questão desafiadora em sua poética.
Introdução - Da pesquisa
15
Durante a pesquisa, constatou-se a dificuldade em estabelecer uma ordem cronológica
das obras estudadas em função de troca de nomenclaturas, pois muitas delas adquirem o
mesmo nome, ou estão com nomes trocados. Felipe Scovino, curador da Associação Cultural
“O Mundo de Lygia Clark”, em entrevista à pesquisadora, adverte que essas trocas de
nomenclaturas ocorrem desde as primeiras exposições da artista, como mostram os catálogos
da década de 1950. A nomenclatura é sempre um problema a ser enfrentado na produção da artista.
No Capítulo 1, As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço
real, são abordadas as transformações que Lygia realiza na superfície bidimensional,
integrando a obra (espaço pictórico) ao espaço real, iniciado nas séries Quebra da Moldura,
Superfícies Moduladas, Planos em Superfícies Moduladas, Espaços Modulados e Unidades.
Sublinha-se a linha orgânica, pois se constitui como a primeira descoberta de
tridimensionalidade na superfície planar. Eixo estruturador de suas obras, é de extrema
importância na passagem do espaço bidimensional para o tridimensional e recebe diferentes
denominações em cada fase de seu trabalho, tais como: “linha orgânica” (em Quebra da
Moldura), “linha espaço” (em Superfícies Moduladas e Planos em Superfícies Moduladas),
“linha luz” (em Espaços Modulados e Unidades), “linha de sobreposição” (em Contra-
Relevos), “linha dobra (em Casulos), “dobradiça” (em Bichos) e “torção” (em Trepantes e
Obras-Moles).
O Capítulo 2, Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos,
enfoca as séries Contra-relevos e Casulos, objetos intermediários, pois se situam entre pintura
e escultura, sinalizando o abandono do espaço de representação para a construção da obra no
espaço real.
O Capitulo 3, A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-
mundo e participação do espectador – Bichos, enfatiza a passagem do bidimensional para o
Introdução - Da pesquisa
16
tridimensional. Os Bichos, síntese de sua pesquisa com a abstração geométrica, demarcam o
salto para o espaço real, integrando a participação do espectador.
O Capítulo 4, O espaço contínuo da obra: A obra é o ato Caminhando, discorre
sobre Caminhando, proposição realizada no período entre a criação dos Bichos, prenunciando
a efemeridade da obra de arte, e as novas fases que engendram a trajetória da artista quando
abandona o objeto, elegendo o sujeito como suporte de sua arte.
O Capítulo 5, Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles, últimos objetos
criados pela artista no decorrer de sua trajetória.
Lygia Clark, com seus Bichos, inaugura novos paradigmas ao desmistificar a obra de
arte tradicional, o papel do artista e do espectador, possibilitando à obra existir no espaço-
mundo por meio da ação do espectador.
17
Da artista e do contexto
Lygia Clark iniciou seus estudos artísticos tardiamente, aos vinte e sete anos, com
Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro, em 1947. Sempre gostou, no entanto, de expressar-se
plasticamente: “Pequenina eu não fazia outra coisa senão desenhar”, afirma.
1
Do paisagista Burle Marx, Lygia herdou a necessidade de inserir em seu trabalho
questões orgânicas que tiveram importância fundamental no desenvolvimento da pesquisa
com o espaço. “Roberto foi um excelente professor e, também nessa ocasião, Zélia Salgado,
que era mulher dele dava uma visão muito boa das coisas. [...] A minha grande sorte é que
conheci Picasso antes de Portinari”
2
, declara, em entrevista a Cocchiarale e Geiger.
A idéia-espaço, ou seja, a problematização do espaço da obra em contigüidade com o
espaço do mundo, foi a grande motivação de Lygia Clark desde a realização de seus trabalhos
iniciais. Essa necessidade de integração de espaços, pictórico e real, foi decorrência das
antinomias que animaram o seu trabalho: o dentro e o fora, o fictício e o real, o sujeito e o
objeto, a arte e a vida, e pode-se constatar uma coerência da artista pelo conjunto de sua
produção. Lygia Clark foi movida pela “paixão da coerência”
3
, diz Pedrosa.
Todas as fases de seu trabalho resultaram de longo processo de maturação, muitas
vezes inconsciente, vindas quase sempre em imagens oníricas: “no interior que é exterior,
uma janela e eu. Através desta janela eu vejo passar fora o que é para mim, o que está
dentro. Quando acordo, a janela do quarto é a do sonho, o de dentro que eu procurava é o
espaço de fora. Deste sonho nasceu o Bicho que denominei “dentro-fora”
4
1
CLARK, Lygia. Prêmio ‘Diário de Notícias’ na IV Bienal. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13.out.1957.
2
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. pp.146-147.
3
PEDROSA, Mário. Lygia Clark ou o fascínio do espaço. In: ______. Mário Pedrosa. Acadêmicos e
Modernos: Textos escolhidos III. ARANTES, Otília (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2004, p.287.
4
FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.23.
Introdução - Da artista e do contexto
18
Lygia não aceitava categorizações de seu trabalho “Não aceito coisa alguma de
quem quiser me catalogar. Só aceito as críticas de quem seja capaz de vivenciar junto comigo
a sensibilidade e a experiência que levaram a um quadro ou a uma atitude.
5
Conceituava suas
obras à medida que as produzia: “Nunca tive um conceito a priori[...] fazer arte era antes
me elaborar como ser humano. Não era ter nome ou qualquer tipo de conceituação.”
6
É importante destacar o diálogo constante da artista com Mário Pedrosa, Ferreira
Gullar, Mário Schenberg e Hélio Oiticica. Referindo-se a Oiticica, Lygia afirma a Cocchiarale
e Geiger: “Nós éramos muito ligados porque tínhamos muita coisa em comum [...] quando eu
e ele começávamos a conversar eu dizia: ‘Hélio a gente é como uma mão, uma luva; você é a
parte exterior e eu a parte interior.’”
7
Em 1950, Lygia Clark fez uma viagem de estudos a Paris em que recebeu lições de
Fernand Lèger, Arpard Szenés e Isaac Dobrinsky. Também em Paris, em 1952, realizou uma
exposição individual na Galerie de l’Institut Endoplastique, recebendo críticas elogiosas pela
veemência de seu trabalho. Sobre o contato com Lèger, Paulo Herkenhoff afirma: “Lygia
Clark pode ter recebido de Lèger a idéia de que o espaço seja categoria a ser
problematizada”.
8
Lygia comenta sobre esse período em Paris: “as melhores coisas ainda
eram as que tinha feito antes de ir pra Paris. Isso quer dizer que me perdi em Paris. Eu pintei à
la Lèger. Pintei à la não sei quem, naquela procura que a gente fica.”
9
Quando Lygia retornou ao Brasil, em 1952, a vertente geométrico-construtiva estava
começando a se firmar como movimento de vanguarda pela via da gramática concretista, a
5
DANTAS, Ismênia. Lygia explica sua pintura: Todo artista é um suicida. Diário Carioca, Rio de Janeiro,
11.out.1959.
6
FIGUEIREDO, Luciano; SUZUKI JR., Matinas. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo,
2.mar.1986. Folhetim n
o
473, pp.2-5.
7
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.148.
8
HERKENHOFF, Paulo. Lygia Clark. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.37.
9
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.), op. cit., p.146.
Introdução - Da artista e do contexto
19
mais nova versão do Construtivismo, com formação de núcleos de artistas no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Nos anos 1950 houve uma grande efervescência no campo sócio-político-
cultural do País. Nas artes visuais, houve um verdadeiro surto de modernização, de
atualização e de renovação cultural por meio da reativação do intercâmbio com países de
vários continentes, decorrente da necessidade de acertar o compasso com o circuito
internacional das artes. Muitos artistas procuravam se expressar por meio de uma arte não-
mimética, destituída de resquícios culturais locais, buscando uma linguagem universal de pura
plástica. Nesse sentido, a arte abstrata preencheu os anseios da época. Apesar de diferentes
versões do Abstracionismo, esses artistas almejavam uma arte não figurativa e de renovação.
No pós-guerra, em vários países latino-americanos, a idéia de construção de uma nova
sociedade e a emancipação da arte liberta do colonialismo e do eurocentrismo encontrava
ressonância na gramática concretista.
Fig.2 - GARCIA, Torres. Escuela del Sur, 1935.
A vanguarda concretista colocou os artistas
latino-americanos em contato com questões da
arte contemporânea. “Tidas como etapa
terminal de um processo europeu iniciado em
fins do XVIII, as vanguardas inauguram uma
nova etapa da consciência na América Latina”,
afirma Ana Maria Belluzzo.
10
Era a construção
de uma nova arte, em que pretendiam responder
às necessidades dos países latino-americanos e,
ao mesmo tempo, estar ao nível do circuito internacional das artes.
Escuela del sur, de Torres Garcia, um dos pioneiros do Construtivismo na América
10
BELLUZZO, Ana Maria de Moraes (Org.). Modernidade: Vanguardas Artísticas na América Latina. São
Paulo: Memorial UNESP, 1990, p.17.
Introdução - Da artista e do contexto
20
Latina, constitui-se como emblema dessa vontade, indicando que nuestro norte es el sur ao
desenhar o mapa da América do Sul de ponta cabeça.
A arte concreta irradiou-se de Ulm, na Alemanha, para várias metrópoles latino-
americanas, inicialmente Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro. Em oposição à Europa e
Estados Unidos, onde o informalismo começava a se propagar, Brasil e Argentina foram os
primeiros países a inserirem a abstração geométrica como movimento de vanguarda em sua
linguagem visual. Torres Garcia participou ativamente do debate da arte não-figurativa na
Europa. Foi um dos fundadores do grupo Circle et Carrè, em Paris, uma associação voltada
para debates e exposições, e da revista do mesmo nome, com a colaboração de Mondrian,
Doesburg, Vantongerloo, Seuphor, dentre outros, divulgando as principais idéias do
Construtivismo.
Em sua obra Universalismo Construtivista, Garcia divulga os conceitos básicos da
abstração geométrica para os países latino-americanos. Em Buenos Aires colaborou com a
revista Arturo e na formação dos grupos argentinos Arte-Concreto Invención (1945) e Madi
(1946), que manteriam contato direto com os artistas brasileiros, exercendo papel de destaque
no desenvolvimento da gramática concretista em nosso País.
Arte concreta é um termo cunhado por Theo Van Doesburg para diferenciá-la das
diversas vertentes da arte não figurativa, dos inúmeros ismos do esgarçado conceito de
abstração. Em texto publicado no primeiro e último número da revista Art Concret, Doesburg
elucida: “Pintura concreta e não abstrata, porque nada mais concreto, mais real que uma
linha, uma cor, uma superfície”
11
. Vários artistas da época adotaram a nomenclatura, mas, de
fato, se consolidou como movimento artístico com Max Bill, fundador da Hochschule fur
Gestaltung Escola Superior da Forma, em Ulm, em 1951, que a conceituou objetivamente,
11
DOESBURG, Theo Van. Arte Concreta. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na
arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977.
p.42. Texto publicado em 1930 no número de introdução da revista “Art Concret”, do grupo de mesmo nome
fundado em Paris.
Introdução - Da artista e do contexto
21
apoiando-se em questões matemáticas. Suas raízes estão no Construtivismo russo, no
Suprematismo e no Neoplasticismo. Buscando conferir à pintura o caráter de construção,
opondo-se à arte da representação do mundo externo, a arte concreta busca ordenar formas
puras e autônomas. A estética billiana se preocupa com problemas fundamentalmente
estruturais, de tensões cromáticas, para produzir efeitos de jogos ópticos.
A arte concreta começou a se propagar no Brasil ao final dos anos 1940 como forte
reação à arte que se fazia na época. Cândido Portinari representou a figura central daquele
ambiente artístico, sendo que Di Cavalcanti, Segall e Pancetti “constituíam o segundo anel
desse prestígio e a arte brasileira parecia destinada a seguir o rumo que a obra desses artistas –
e particularmente a de Portinari – lhe traçara”, conforme observa Gullar
12
.
Para os artistas figurativos
13
, a verdadeira arte tinha que estar ligada aos problemas
sociais e as obras deviam conter esse discurso em suas narrativas.
A polêmica realismo versus abstracionismo havia se iniciado no Brasil em 1948, a
partir de duas exposições: a primeira, no Rio de Janeiro, do artista norte-americano Alexander
Calder, que posteriormente dialogaria com os concretos cariocas, conforme explicita Aracy
Amaral, em função dos novos espaços e da predominância do intuitivo; a segunda, em São
Paulo, do artista suíço Max Bill, mais ligado à produção industrial e ao design, portanto mais
racionalista, que teve seus desdobramentos com os concretos paulistas.
12
GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo ao neoconcretismo. São Paulo: Nobel,
1985. p.227.
13
Um dos principais fatores desencadeantes dessa polêmica, conforme elucida Aracy Amaral, foi o
pronunciamento de Di Cavalcanti em defesa do realismo, em 1948, em conferência realizada no Museu de Arte
de São Paulo, publicada posteriormente na revista paulistana Fundamentos. Reconhecido como artista social, Di
Cavalcanti critica o abstracionismo, a que denomina de “anarquismo modernista”, por ser uma tendência artística
que se afasta da realidade, e o crítico francês Léon Dégand, diretor do MAM de São Paulo, grande divulgador do
abstracionismo, principalmente nas Bienais, divulgando todas as suas vertentes. Segundo Amaral, “O que Di
oferece como ‘anarquismo modernista’ são as tendências que se afastam da realidade [...]. Identificando as
tendências abstratas com o ‘anarquismo modernista’, diz ainda que a revolução desse anarquismo não é uma
revolução mas, ‘uma conjuração doentia de indivíduos à margem da sociedade de seu tempo’”. (AMARAL,
Aracy. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira (1930-1970). São Paulo: Nobel, 1984. p.233.)
Introdução - Da artista e do contexto
22
Zanini observa:
[...] Entre as formas construtivistas dominantes depois da guerra na Europa,
procederiam da arte concreta, de sua reducionista e harmônica expressão de puras
realidades visuais, importantes influências que marcariam parte significativa da
pintura e da escultura no Brasil dos anos 50
.
14
As exposições dos recém criados MASP (como a de Max Bill, em São Paulo) e MAM
(São Paulo e Rio de Janeiro) propagaram o abstracionismo, sendo que as bienais tornaram-se
a grande atração. Teve extrema importância para a modernização do campo artístico brasileiro
a contribuição de Mário Pedrosa. Militante político, inicialmente integrante do Partido
Fig.3 - BILL, Max. Unidade Tripartida,
1948/49. Aço inoxidável, 100x90x117cm.
Acervo do MAC-USP.
Comunista Brasileiro e, posteriormente, defensor
das idéias de Trotsky, seu primeiro ensaio crítico,
sobre a obra da artista alemã Kate Kollwitz, é de
1933. Em 1949 apresentou sua tese Da Natureza
Afetiva da Forma na Obra de Arte, concorrendo à
cadeira de História e Estética da Arte da Faculdade
Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro,
classificando-se em segundo lugar.
Foi Mário Pedrosa quem divulgou pela
primeira vez no Brasil os princípios da Gestalt,
acontecimento da maior importância no campo das
artes visuais brasileiras. Em Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, Pedrosa
sintetiza seu pensamento crítico impulsionando-o na defesa e integração do abstracionismo.
Referindo-se aos intelectuais acadêmicos, argumenta a falta de compreensão que tinham da
arte. Enfatizavam a genilaidade e a magia do artista. Uma postura retrógrada, segundo Pedrosa.
A I Bienal de São Paulo acirrou o debate, divulgando o abstracionismo geométrico,
concedendo o Prêmio Internacional de Escultura para o artista suíço Max Bill, com a obra
14
ZANINI, Walter. Hisria geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. p.641. (v.2).
Introdução - Da artista e do contexto
23
concreta Unidade Tripartida, e o Prêmio de Pintura para Ivan Serpa, com Formas,
despertando em vários artistas certa tendência ou vontade de seguir a gramática concretista.
Fig.4 - SERPA, Ivan. Formas, 1951. Óleo s/ tela,
97,0x130,2cm.
Fig.5 - MALUF, Antônio.
Cartaz da I Bienal, 1951.
Por meio de exposições, conferências e palestras proferidas por Tomás Maldonado,
Romero Brest, Max Bill e outros, o Concretismo foi divulgado nos novos museus brasileiros,
irradiando-se para outras metrópoles do país. Maldonado, discípulo de Max Bill e diretor da
Escola de Desenho Industrial, em Ulm, integrante do grupo Arte - Concreto-Invención, foi um
dos mais importantes representantes da nova tendência nos países latino-americanos.
No decorrer dos anos 1950 o debate desloca-se para o centro da própria arte abstrata,
em função de suas diferentes vertentes: lírico, geométrico e informal.
Waldemar Cordeiro, pintor, paisagista e publicitário, adepto dos conceitos da pura
visualidade de Konrad Fiedler, liderou o primeiro núcleo de arte concreta de São Paulo o
Grupo Ruptura, que contava com Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Kazmer
Fèjer, Anatol Wladiyslaw e Leopoldo Haar e, realizando sua primeira exposição em 1953,
no MAM de São Paulo, lançou o Manifesto Ruptura, de sua autoria.
Em 1953, Lygia Clark, familiarizada com a linguagem geométrica, participou com três
obras da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, organizada pela Associação Petropolitana de
Belas Artes no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, reunindo artistas de várias tendências.
Participaram Aluísio Carvão, Edmundo Jorge, Ivan Serpa e outros.
Introdução - Da artista e do contexto
24
Sobre as três telas geométricas de Lygia Clark, Pedrosa afirma:
[...] Lygia Clark, de sua mostra individual do ano passado no Ministério da
Educação para os três quadros que ora exibe em Quitandinha, revela quanto avançou
no sentido da liberdade de preocupações extra-plásticas para concentrar-se cada vez
mais em problemas de forma, de espaço e de ritmo; suas cores começam a integrar-
se mais nos planos e os planos a se tornar mais livres no espaço, enquanto as formas
tendem a abrir-se sobre fundos que se vão clareando.
15
Em 1954, incentivados por Mário Pedrosa, um dos maiores divulgadores do abstracionismo
geotrico no Brasil, formou-se o Grupo Frente, no Rio de Janeiro, em torno de Ivan Serpa. Almir
Mavigner, Franz Weissmann, Amílcar de Castro, Lygia Pape, entre outros. Lygia Clark
Fig.6 - III Exposição do Grupo Frente, no Itatiaia
Country Club, Resende, em 1956. Da esquerda para a
direita: Oliveira Bastos, Hélio Oiticica (encoberto),
Ferreira Gullar, Teresa Aragão, Bezerra, Mário
Pedrosa, Lygia Clark, Vera Pedrosa, Ivan Serpa (atrás),
Lea e Abraham Palatnik. Arquivo Ferreira Gullar, Rio de
Janeiro. (In: ARACY, Amaral (org). Arte Construtiva
no Brasil. São Paulo: Companhia Melhoramentos,
1998, p.156. Coleção Adolpho Leirner.)
juntou-se ao grupo, participando das quatro
exposições realizadas nos anos 1954, 55 e 56.
Apesar de integrar a vanguarda
construtivista, Lygia Clark trilhou um
caminho independente, desvinculado de
postulados a priori. “Eu não tinha nenhuma
teoria dos outros e nem a priori
16
, declara
a artista.
A I Exposição Nacional de Arte
Concreta realizada no MAM – Museu de
Arte Moderna, Rio de Janeiro –, em 1956, reuniu obras de artistas paulistas e cariocas,
deflagrando as diferenças entre os dois grupos. Conforme explicação de Gullar, essas
discordâncias contribuíram para a dissolução do Grupo Frente, reagrupado posteriormente,
em 1959, quando da criação do Grupo Neoconcreto, que, segundo o crítico, iria revolucionar
a arte brasileira.
15
PEDROSA, Mário. Abstratos em Quitandinha. Correio da Manhã, 28.fev.1953. In: BANDEIRA, João
(Org.). Arte concreta paulista: documentos. São Paulo: Cosac & Naif, Centro Universit. Maria Antônia-USP,
2002. p.40.
16
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.150.
Introdução - Da artista e do contexto
25
As obras expostas tornaram públicas as diferenças entre os dois grupos. O tratamento
dado à cor é um dos pontos críticos na produção desses artistas. Para os concretos paulistas, a
cor estava a serviço da forma seriada, da dinâmica visual, de jogos ópticos. A ênfase era dada
aos esquemas perceptivos pelo uso reduzido de cores, criando ritmos visuais apoiados na
teoria da Gestalt e em princípios matemáticos. Lygia Clark apresenta a série Superfícies
Moduladas, demonstrando criatividade e inovações em sua pesquisa.
Fig.7 - CLARK, Lygia. Superfície
Modulada no.5, 1955. Pintura industrial
sobre madeira, 115x72cm.
Gullar, ao discorrer sobre as divergências das
obras expostas na exposição, faz ressalva ao trabalho
de Lygia Clark e de Franz Weissmann, afirmando que
esses dois artistas estavam à frente desses exageros,
dando novas resoluções aos problemas colocados pela
estética billiana.
Como integrante do Concretismo, Lygia Clark
não aceitava a visão reducionista de espaço puramente
óptico, por ser uma maneira falsa na tratativa dessa
questão. A artista refutou o espaço contemplativo e
buscou conexões entre o espaço da obra e o espaço
circundante. É uma das principais indagações estéticas que engendram a sua poética nesse
período, levando Pedrosa a afirmar que Lygia Clark era uma “visionária do espaço”
17
. A
própria artista declara:
Na fase concreta eu era muito pouco ortodoxa. Eu estava na linha orgânica.
Então, já era uma coisa muito pessimista, muito diferente e eu dizia sempre o
seguinte: ‘o artista, o espectador tem que estar dentro do quadro’. Enquanto os
concretos faziam formas seriadas, em que o olho fechava num ponto e via-se o
trabalho através dos pontos da forma seriada que eles faziam, eu não queria nada de
forma seriada, eu achava muito mecanicista.
18
17
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo, MAM, set/out.1960. Texto mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo
18
FIGUEIREDO, Luciano; SUZUKI JR., Matinas. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo,
2.mar.1986. Folhetim n
o
473, pp.2-5.
Introdução - Da artista e do contexto
26
Em Superfície Modulada no.5 (Fig.7), Lygia Clark transpõe a estética billiana, pois
estava diluindo o espaço pictórico. O quadro é sulcado pela linha orgânica, dividindo-o em
diversas áreas pintadas de verde. Seria quase um monocromo, não fosse a presença das cores
preto e branco que escorrem da linha orgânica.
Gullar afirma que, mesmo após a realização da I Exposição Nacional de Arte
Concreta, os exageros continuavam, pois os concretos paulistas enfatizavam as questões
puramente óticas. Diferentemente desses artistas, Lygia Clark estava se libertando de todos
esses postulados mecanicistas com suas experiências com as Superfícies Moduladas e sua
linha orgânica.
Fig.8 - CORDEIRO, Waldemar.
Idéia Visível, 1956. Esmalte
sobre compensado, 61x61cm.
Fig.9 - LIMA, Maurício Nogueira.
Desenvolvimento espacial da
espiral, 1954. 38,5x40cm.
O Concretismo tinha como propósito a integração da arte à sociedade industrial. Sua
crença residia na sociedade tecnológica e na estetização do cotidiano, integrando-se aos meios
de comunicação de massa. Em consonância com a fase desenvolvimentista, percebe-se nas
artes visuais a ideologia do racional e do funcional. Valorizava-se o projeto, assinalando a
importância da estética industrial e fazendo prevalecer a objetividade da forma em detrimento
da subjetividade. O trabalho artístico tornou-se similar ao trabalho de engenharia, arquitetura
e design. O artista era um produtor de formas na sociedade industrial.
Conforme observa Cocchiarale, a noção de projeto asseverava “não a objetividade
Introdução - Da artista e do contexto
27
do fato plástico como o colocava em sintonia com as questões da produção que pretendiam
adequar a forma à função.”
19
Portanto, para salvaguardar a idéia de projeto, a cor deveria ter a função de divisor dos
espaços, submissa à forma seriada, não contendo qualquer resquício de subjetividade. A
rigidez dos concretos paulistas levava-os a crer que a cor não devia ter autonomia, pois
desviaria do programa concretista, dando possibilidades à subjetividade, impedindo o projeto
Fig.10 - FIAMINGHI, Hermelindo.
Círculos concêntricos e alternados,
1956. Esmalte sobre aglomerado de
madeira, 35x60cm.
de integração da obra à estética industrial. É no centro
dessas questões, ou seja, esse a priori, o projeto que
antecede à obra, que surge a reivindicação dos artistas
cariocas em busca de uma reinterpretação da arte
concreta.
Em relação ao tratamento dado às cores, o crítico
Mário Pedrosa observa que “As variações cromáticas
são apenas de ordem visual e dinâmica [...]. Cores
duras, de superfície, presas ao ‘leito de procusto’ dos
padrões formais. Estes são em geral de pura
predominância figural, isto é, formas fortes, no sentido
gestaltiano”
20
.
Porta-voz do Grupo Ruptura, Waldemar Cordeiro, em artigo publicado na revista ad,
intitulado Teoria e Prática do Concretismo Carioca, pondera que os concretos cariocas não
têm rigor cromático em suas obras, sendo que as cores servem de “apoio e cabide ao lirismo
19
COCCHIARALE, Fernando. HO - um exercício experimental de liberdade. São Paulo, Rio de Janeiro,
ago.1996. In: JOEL EDELSTEIN. Hélio Oiticica: Grupo Frente 1955-1956 Metaesquemas 1957-1958: catálogo.
Rio de Janeiro, Joel Edelstein, 17.set-14.nov.1996. pp.4-5. Catálogo de exposição de obras de Hélio Oiticica na
galeria de arte contemporânea Joel Edelstein.
20
PEDROSA, Mário. Paulistas e Cariocas. Jornal do Brasil, 19.fev.1957. In: PEDROSA, rio. rio
Pedrosa. Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhido III. ARANTES, Otília (Org.). São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2004. p.254.
Introdução - Da artista e do contexto
28
expressivo, que se dilui, sem meta precisa, nos meandros do labirinto da arte abstrata. Veja-se
Fig.11 - SERPA, Ivan. S/título, 1953. Esmalte
sintético sobre madeira, 122,5x90,5x4cm.
Ivan Serpa, para se ter uma idéia do grau de
desnorteamento dos nossos colegas cariocas.
Até marrom há nesses quadros.”
21
A polêmica entre artistas concretos
paulistas e cariocas se acirrou quando os poetas
paulistas Haroldo de Campos, Augusto de
Campos e Décio Pignatari publicaram manifesto
intitulado Plano Piloto para Poesia Concreta.
Gullar, Bastos e Jardim, em resposta a
esse manifesto dos poetas concretos paulistas,
publicaram artigo intitulado Poesia Concreta:
Experiência Intuitiva, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Nesse artigo,
fundamentam o equívoco cientificista dos paulistas afirmando que “Só um equívoco
cientificista levaria a supor que a atualização da linguagem está na sua formalização. A
pretensa submissão da poesia a estruturas mateticas leva o selo desse equívoco.”
22
A decisão dos poetas paulistas de obedecer a um plano de trabalho por dez anos
plano-piloto parece ter sido a exacerbação dessa diferença. Os artistas cariocas não
concordaram em ter um plano de trabalho e portanto, a rigidez do plano-piloto levou à ruptura
entre os dois grupos. A formalização da ruptura se deu com a publicação do Manifesto
Neoconcreto, inserido no catálogo da I Exposição Neoconcreta, em março de 1959 e,
posteriormente, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, em 21 de março de 1959.
21
CORDEIRO, Waldemar. Teoria e prática do concretismo carioca. ad arquitetura e decoração (revista), São
Paulo, n
o
22, mar-abr.1957.
22
GULLAR, Ferreira; BASTOS, Oliveira; JARDIM, Reynaldo. Poesia Concreta: Experiência Intuitiva. Jornal
do Brasil. Rio de Janeiro, 23.jun.1957.
Introdução - Da artista e do contexto
29
Fig.12 - SACILOTTO, Luiz.
Concreção 5523, 1955. Esmalte
sobre madeira compensada,
58x40cm.
Escrito por Ferreira Gullar, principal articulador teórico
do grupo, o Manifesto Neoconcreto expressa as principais
idéias desses artistas. Assinam o Manifesto: Amílcar de Castro,
Ferreira Gullar, Franz Weismann, Lygia Clark, Lígia Pape,
Reinaldo Jardim e Theon Spanúdis.
Diz o Manifesto:
A expressão neoconcreta indica uma tomada de posição em
face da arte não-figurativa ‘geométrica’ (neoplasticismo,
construtivismo, suprematismo, escola de Ulm) e
particularmente em face da arte concreta levada a uma
perigosa exacerbação racionalista.
23
A emergência dessa tomada de posição fica bem clara no manifesto quando afirma a
necessidade de uma revisão teórica adotada em face da arte concreta. O grupo carioca, por ser
um grupo eclético e aberto a experimentações, não se adequa aos moldes do Concretismo
suíço. “O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do
homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez das atitudes
cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão”
24
, elucida Gullar.
Os artistas desse movimento retomaram a questão da forma significativa criticando os
esquemas perceptivos orientados pela Gestalttheorie como faziam os artistas concretos
paulistas, colocando-a no centro de suas produções. Dialogavam, antes, com a fenomenologia
da percepção de Merleau-Ponty
25
. Se, por um lado, os concretos paulistas, vinculados ao
23
GULLAR, Ferreira. Manifesto Neoconcreto. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21.mar.1959. Suplemento Dominical.
24
Ibidem.
25
Na obra “A estrutura do comportamento”, Merleau-Ponty faz uma crítica à Gestalt afirmando que ela não
conta do fenômeno da percepção e que o organismo reage como um todo diante de estímulos, criticando o
objetivismo atomista na psicologia e na filosofia, através de uma análise do comportamento animal. Para o autor,
a percepção não pode ser reduzida a explicações fisiológicas, criticando o fisicismo da Gestalt. Bento Prado Jr.
afirma que a obra de Merleau-Ponty “apontava para uma saída fenomenológica para a oscilação da psicologia
entre o criticismo e o naturalismo -, lançava mão de novos instrumentos (como o do ‘estruturalismo’ a
contrapelo de sua versão ‘ideológica’ que se impunha na França). Sua interpretação da fenomenologia começava
a afastar-se do estilo de uma ‘filosofia da consciência’, permitindo-lhe a descoberta dos ‘intermundos’ que não
remetem ao sujeito ou ao objeto, mas ao ‘quiasma’ que precede essa oposição” (PRADO JR., Bento. Aventuras
da história. Folha de São Paulo. São Paulo, 25.jun.2006.) É de extrema relevância entender as questões
explicitadas na obra de Merleau-Ponty, pois o autor foi um dos principais referenciais teóricos para os artistas
neoconcretos.
Introdução - Da artista e do contexto
30
Concretismo suíço-alemão, eram regidos pela tecnologia, tendo como principais referências
Peirce (semiótica saxônica) e Winer (teoria da informação), os neoconcretos dialogavam com
Merleau-Ponty e Suzanne Langer.
Ao discorrer sobre a Gestalt, Gullar afirma que não se trata de negar suas leis, porém
considera-as insuficientes para a compreensão da obra de arte. Essas questões eram a pedra de
toque dos neoconcretos, que, por formarem um grupo eclético e aberto a experimentações,
não se adequavam aos moldes do Concretismo suíço e faziam um retour ao humanismo,
colocando a expressividade no centro de suas produções.
Sobre as diferenças entre os grupos, Lygia Clark afirma: “éramos um pequeno grupo
que na realidade começou a se expressar de uma maneira muito orgânica, contra o que nós
achávamos mecanicista. Era um pouco suíço o que os paulistas faziam, embora eles jurem que
fizeram primeiro que os próprios suíços.”
26
Para Ronaldo Brito, “o concretismo seria a fase dogmática, e o neoconcretismo a fase
de ruptura; o concretismo a fase de implantação e o neoconcretismo os choques da adaptação
local”
27
. Esse choque de adaptação dos neoconcretos, ao qual se refere Brito, nada mais é do
que a explosão das questões colocadas pelas vanguardas européias e a impossibilidade de
vigência decorrente da insuficiência da realidade brasileira. A radicalização dessas questões
pelos neoconcretos e, ao mesmo tempo, a superação e transcendência dos postulados
construtivos possibilitaram questionar criticamente o movimento construtivista no Brasil.
Crítica que se fez ausente durante o tempo de vigência do movimento construtivista no país.
“Desprovido de profundidade crítica, conforme observa Borja-Villel, o Construtivismo está
destinado a produzir utopias, não-lugares construídos para um homem inexistente e
26
Lygia Clark em entrevista concedida a Cocchiarale e Geiger. In: COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna
Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de
Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987. Coleção Temas e Debates, n.5. p.146.
27
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. 2.ed. São Paulo: Cosac
& Naif, 1999. p.55.
Introdução - Da artista e do contexto
31
universal.”
28
. Referindo-se às transformações realizadas por Lygia Clark, afirma que “Os
programas funcionais do construtivismo foram canibalizados e carnavalizados por Lygia,
transformados em bichos ou em máscaras grotescas com os quais tentava libertar o sujeito.”
29
A démarche neoconcreta levou seus artistas a buscar novas formas para se expressar,
experimentando novos espaços e ambientações para suas obras. As transformações do suporte
foram incorporadas por estes artistas, que almejavam, dentre outras coisas, a saída do plano
bidimensional para o espaço real e a participação do espectador. É a vontade de aproximação
entre arte e vida.
O salto do espaço bidimensional para o espaço real iniciou-se com Lygia Clark, com
seus Bichos.
Gullar afirma:
[...] a singularidade do neoconcretismo reside em “dar o passo adiante em face do
quadro branco sobre o branco, do quadrado branco sobre o fundo branco (referindo-
se a Malevitch). O passo adiante é abandonar a pintura e cortar a tela. É sair do
mundo imaginário para o mundo real. É transformar o quadro no objeto da arte e,
não mais, no suporte da expressão. (informação verbal)
30
Os neoconcretos eram experimentais, laboratoriais, trabalhando à margem do mercado
de arte. Não estavam preocupados com a inserção de suas produções no mercado,
diferentemente dos paulistas, que acreditavam na obra enquanto produto, decorrente da crença
na sociedade capitalista e, consequentemente, na estética industrial.
A complexidade das experiências neoconcretas, integrando as especulações com os
suportes tradicionais e, principalmente, as relações com o espectador, tornaram-se os
principais fatores que os levaram a romper com a obra de arte tradicional. Essa radicalização
evidencia-se mais enfaticamente nas obras de Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica.
28
BORJA-VILLEL, Manuel J. Introdução. In: ______ et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona: Fundació Antoni
Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.13.
29
Ibid., p.13.
30
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do
Programa de s-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São
Paulo, 9.out.2005. (transcrição da pesquisadora).
Introdução - Da artista e do contexto
32
Essa prática adogmática dos neoconcretos, rompendo com o Concretismo suíço e
questionando constantemente a arte, contribuiu para se “pensar a função-arte, discutir os seus
efeitos para além de uma história fechada da arte”
31
, afirma Ronaldo Brito.
Apesar do curto tempo de duração – março de 1959 a maio de 1961 – o grupo
neconcreto realizou quatro exposições: MAM do Rio de Janeiro em 1959; Ministério da
Educação e Cultura, também no Rio, em 1960, Belvedere da Sé, Salvador, 1960 e MAM de
São Paulo, entre abril e maio de 1961.
O Neconcretismo brasileiro teve uma importância fundamental para os
desdobramentos da arte brasileira, pois através desse movimento o Concretismo sofreu sua
mais radical transformação. Lygia Clark e Hélio Oiticica, por meio de suas produções,
inverteram a relação entre centro e periferia, onde se tornou possível lançar os fundamentos
para uma arte contemporânea integrando-se ao contexto das artes visuais brasileiras.
Citado por Paulo Azevedo Chaves no Diário de Pernambuco, Gullar observa
:
Todas essas inovações fizeram do movimento neoconcreto um acontecimento
singular na história da arte brasileira, muito embora em seu significado mais
profundo não esteja desligado do processo geral da vanguarda artística européia, da
qual foi em termos locais, uma expressão particular e extremada.
32
Lygia Clark, no Grupo Neoconcreto, dialogou com esse novo conceito de espaço-
obra-espectador, colocando essas questões no cerne de sua poética. Ao demolir o plano como
“suporte de expressão” integrando-o ao espaço real, Lygia Clark conclama a participação do
outro em seus Bichos. Mesmo transpondo o plano bidimensional a forma geométrica
continuou a exercer grande atração em Lygia Clark. Vale destacar que seus últimos Bichos,
Trepantes, partem de formas circulares. Esse senso estrutural geométrico, por assim dizer,
insere-se nas obras abordadas pela pesquisa.
31
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac &
Naif, 1999, p.55.
32
CHAVES, Paulo Azevedo. Neoconcretismo / 1959-1961: Artes e Artistas. Diário de Pernambuco.
Pernambuco, 9.out.1984.
Introdução - Da artista e do contexto
33
Pode-se constatar que no período em que trabalhou com a vertente geométrico-
construtiva integrando o Neoconcretismo, a artista realizou a síntese do espaço fictício
(bidimensional) com o espaço real (tridimensional) e a fusão entre obra e espectador com os
Bichos, considerados a fase culminante em sua trajetória.
34
CAPÍTULO 1 - AS TRANSFORMAÇÕES NA SUPERFÍCIE PLANAR:
ESPAÇO FICTÍCIO E ESPAÇO REAL
O espaço é, na verdade, o símbolo de nossa época.
33
(Lygia Clark)
Fig.13 - CLARK, Lygia.
Cabeça de Cristo, 1951.
Carvão sobre papel, 32x44cm.
Fig.14 - CLARK, Lygia.
Figura Sentada,1951.
Desenho em carvão, 51x34cm.
Fig.15 - CLARK, Lygia. Sem
título, 1951.
São escassas as notícias sobre o período inicial da
produção de Lygia Clark, em que se destaca o uso de esquemas
figurativos, demonstrando certa tendência à abstração
geométrica: Cabeças de Cristo, Meninos, Escadas, Naturezas-
Mortas, entre outros.
Desde seus primeiros trabalhos, Lygia Clark coloca para
si a problemática de integração entre espaços, ou seja, do espaço
de representação com o espaço real. Sobre essa fase, a artista
declara: “Quando eu era figurativa a única coisa que eu gostava
de fazer eram escadas.”
34
Nas Escadas sinaliza a primeira
problemática de integração de espaços, numa preocupação com
questões orgânicas aliadas às questões formais do espaço
representacional.
Conforme observa Herkenhoff, as escadas representam
lugar de passagem, de trânsito entre o subir e o descer, sendo
que os degraus “tocam-se no vértice e desfolham-se numa
espiral orgânica.”
35
Em Escada 1951 (Fig.17), antes de
integrar-se à gramática concretista, não faz
33
MAURÍCIO, Jayme. As novas dimensões de Lygia Clark. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19.jun.1961.
34
CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim n
o
473.
35
HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU
DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte
Moderna, 2.jun-1.ago.1999. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.10.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
35
Fig.16 - CLARK, Lygia.
Escada, 1948.
Fig.17 - CLARK, Lygia. Escada,
1951.
qualquer alusão à natureza.
Apesar da referência ao
objeto, a artista decompõe as
figuras, geometrizando
planos e formas e mantendo
apenas um tênue fio da
realidade. A própria artista,
em depoimento, afirma:
“Veja que curioso, dentro da
Fig.18 - CLARK, Lygia.
Composição, 1953. Óleo sobre
tela, 55,4x46,4cm.
escada já se notava o desfolhar de um ‘Bicho’.”
36
Em Composição 1953 (Fig.18), Lygia Clark
abandona o objeto externo e começa a trabalhar com formas
geométricas. Os triângulos se interseccionam formando um
leque, parecendo querer escapar do espaço claustrofóbico da
tela. Em uma visão metafórica, pode-se afirmar que lembra
os Bichos, mais especificamente Bicho Caranguejo.
Ao iniciar o trabalho com a abstração geométrica,
com o Grupo Frente, em 1954, Lygia Clark problematiza a
moldura do quadro
37
, intentando integrá-la ao espaço
pictórico. As experiências na superfície planar desse período decorrem da necessidade em
integrar espaço fictício e espaço real. Na série Descoberta da Linha Orgânica (Fig.19), Lygia
Clark pinta quadros com grandes molduras. Nivela a moldura à tela, pintando-a da mesma cor
36
CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim n
o
473.
37
A partir do Renascimento, a tela de tecido de algodão com chassis de madeira fez da pintura um objeto
independente e autônomo e tem sido o suporte mais usual da expressão pictórica. É o cerne mesmo da linguagem
pictórica. A moldura, zona fronteiriça entre espaço fictício e espaço real, preserva a aura da obra de arte,
isolando-a do mundo.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
36
Fig.19 - CLARK, Lygia. Descoberta da Linha Orgânica, 1954.
Óleo sobre tela e madeira, 90x90cm.
do quadro, amortecendo a própria
moldura e, ao mesmo tempo,
fazendo dela uma extensão do
campo pictórico.
A moldura passa a ser
problematizada por Lygia Clark
nesse período. Todo o esforço da
artista concentra-se em colocar a
obra em contigüidade com o
espaço do mundo, inserindo a
moldura no campo pictórico;
assim como fazem muitos outros artistas da época. O espaço pictórico termina nas bordas do
quadro.
Lygia Clark percebe que, ao pintar moldura e tela da mesma cor, destaca-se a linha de
divisão entre elas. Quando de cores contrastantes, a linha é absorvida por ambas. Essa linha
de separação entre tela e moldura a artista chama de linha orgânica, por tratar-se de uma linha
de espaço real, sulcada, não-gráfica. É a sua primeira descoberta de tridimensionalidade no
plano e sobre a linha orgânica, declara
:
[...] Toda esta minha pesquisa que considero a formulação primária de um
vocabulário para exprimir um novo espaço, começou em 1954 pela observação de
uma linha que aparecia entre uma colagem e o passepartout quando a cor era a
mesma e desaparecia quando havia duas cores contrastantes.”
38
Linha de divisão e junção de planos é uma linha trabalhada fenomenologicamente pela
artista. É uma linha de entremundos, de contatos, de interstícios. Está no meio, na junção, na
integração de espaços. Essa linha passa a ser o eixo estruturador de seu trabalho, conforme
38
SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.83.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
37
afirma a própria artista: “Esta foi uma etapa importante. Dessa linha orgânica, elaborada e
trabalhada com o tempo, é que acabei nos ‘Ovos’, no ‘Casulo’, no ‘Bicho’, na quebra da
moldura e depois acabei no ‘Corpo’.”
39
Fig.20 - CLARK, Lygia. Composição no.5, 1954.
Ao tentar quebrar a relação
entre tela e moldura, “o espaço
pictórico ainda se mantém intacto
distinguindo-se claramente da
moldura [...] a moldura, sendo da
mesma cor da tela, começa a
invadir e ser invadida pelo ‘quadro’”,
observa Gullar.
40
Em Composição n
o
5 (Fig.20),
da série Quebra da Moldura 1954,
uma das obras mais emblemáticas
dessa fase, a artista pinta parte do
canto esquerdo (preto) da moldura de cinza, integrando-a ao espaço de representação, ao
campo composicional, e confinando-a com a parede. Ao acentuar a planura da superfície, a
artista dilui a perspectiva. O espaço pictórico começa a ser esvaziado, pois o que nele estava
circunscrito começa a ser desconstruído.
Assim, “não mais uma composição’ dentro de uma área fechada: a superfície se
estende por igual da tela à moldura, que ainda se distinguem entre si por uma espécie de
convenção cromática”
41
, pois a área da moldura é pintada de preto, enquanto que o campo
39
CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim n
o
473.
40
GULLAR, Ferreira. Lygia Clark: uma experiência radical (1954-1958), 1958. In: FUNARTE. Lygia Clark:
catálogo. Rio de Janeiro, Funarte, 1980. Catálogo de exposição de Lygia Clark. p.9.
41
Ibid., p.10.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
38
pictórico é verde. Essa desarticulação do quadro, conforme observa Gullar, começa a inverter
a relação entre quadro e moldura. Lygia Clark, em entrevista a Edelweiss Sarmento, declara
que “A própria espessura da moldura começava a entrar também como elemento plástico
(em determinados pontos era pintada em relação à própria composição formal do quadro).”
42
O centro da obra, lugar de atração e repulsão, sofre alteração decorrente da
irregularidade do campo compositivo. A área incomum da moldura (canto esquerdo) aumenta
a tensão da composição. É, portanto, um foco de força que altera a orientação retiniana do
espectador, resultante dos deslocamentos espaciais realizados no campo pictórico. não se
trata mais de uma simples tela emoldurada, pois o espaço pictórico estende-se até às bordas da
composição. Não mais se restringe à moldura, mas circunscreve-se no espaço circundante,
sem fronteiras. “Toda questão estava em arrebentar o compartimento espacial da superfície da
tela de modo que o espaço tratado pudesse correr para fora na própria moldura”
43
, declara a
artista. É a tentativa de fazer com que a moldura seja integrada ao campo composicional,
buscando um novo sentido para o espaço.
Esse passo é decisivo em sua trajetória, pois ao romper com os postulados concretistas
a artista enfoca o quadro como um todo, uma entidade viva, orgânica. Ela não elimina a
moldura, mas incorpora ao quadro “Esse órgão periférico do quadro, porque teve existência
como moldura, ali precisa estar para ser rompido e incorporado à obra (e não simplesmente
abolido)”
44
, observa Herkenhoff.
Ao final dos anos 1940, incentivados por Tomás Maldonado e Torres Garcia os quais
terão imporncia fundamental nos desdobramentos do Movimento Neoconcreto –, cria- se o
42
SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.83.
43
FOLHA DA NOITE. Lygia Clark busca na pintura a expressão do próprio espaço. São Paulo, 22.set.1958.
44
HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU
DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte
Moderna, 2.jun-1.ago.1999. 68p. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.16.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
39
Fig.21 - MALDONADO,
Tomas. Collage sobre madera
policromada. 77x51cm.
Fig.22 - ROTHFUSS, Rhod.
Arlequìn, 1944. Óleo sobre
tela1, 76x86.5x2.5cm.
Grupo Madí, em Buenos Aires. Os madís trabalham com planos
recortados. Gyula Kosice, por ocasião da I Exposição de Arte
Madí, Buenos Aires, 1946, diz no Manifesto Madí: “A pintura
Madí, cor e bidimensionalidade. Marco recortado e irregular,
superfície plana e superfície curva ou côncava. Planos
articulados, com movimento linear, rotativo e de translação.”
45
Em sua obra Arlequín (Fig.22), Rothfuss trabalha com a
moldura recortada deixando as cores escorrerem até as bordas
do suporte na intenção de ativar todo o campo visual. Rhod
Rothfuss expõe sua teoria sobre o marco recortado (shaped
canvas) fazendo uma defesa das formas puras. O artista ressalta
que a regularidade da moldura interfere na composição e que a
borda da tela tem uma relevância no campo pictórico, na
criação plástica.
Intentando a integração da moldura à composição,
Lygia Clark, simbolicamente, faz uma inversão da moldura e do
quadro. Pinta a moldura do que antes é o espaço pictórico
(bege) e o espaço pictórico do que antes é a moldura (preto) (Fig.23). O quadro, ou seja, a
composição, confina-se com o espaço do mundo e a moldura é o campo pictórico, mas a área
pintada permanece no centro do espaço pictórico, tencionando a composição para dentro da
superfície, impedindo-a de confinar-se com o espaço circundante.
O passo seguinte é eliminar esse centro, pintando faixas verticais que caminham em
direção ao espaço circundante (Fig.24). Após integrar a moldura à composição, Lygia Clark
45
BELLUZZO, Ana Maria de Moraes (Org.). Modernidade: Vanguardas artísticas na América Latina. São
Paulo: Memorial UNESP, 1990. p.285.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
40
liberta o espaço pictórico que nela estava preso. Ao incluir a moldura em seu trabalho, Lygia
Clark interfere não somente nas relações dos elementos circunscritivos do quadro como
também nas relações de espaços internos e externos. Invertendo todos esses valores, conclama
um novo posicionamento do artista no mundo. Esvaziando a superfície planar, Lygia Clark
constata que é a própria superfície que terá que ser trabalhada como objeto primeiro de sua
criação. “Quando rompo a moldura, destruo esse espaço estanque, restabelecendo a
continuidade entre o espaço geral do mundo e meu fragmento de superfície. O espaço
pictórico se evapora.”
46
Fig.23 - CLARK, Lygia. Quebra da
Moldura (estudo), 1954. Colagem de cartão,
22,8x20,7cm.
Fig.24 - CLARK, Lygia. Quebra da
Moldura (estudo), 1954. Colagem de
cartão. 21,8x16,8cm.
A redução dos elementos pictóricos são decorrentes da crítica da modernidade. É a própria
evolução da pintura em busca de uma nova linguagem, destituída de referenciações. Sobre a
problematização da moldura, Mondrian afirma, em 1946, ser o primeiro “a colocar a pintura
na frente da moldura, em lugar de colocá-la dentro dela. Eu havia notado que um quadro sem
uma moldura funciona melhor do que emoldurado, e que a moldura provoca uma sensação de
três dimensões [...]. Dessa maneira, dei-lhe uma existência mais real.”
47
46
GULLAR, Ferreira. Lygia Clark: Uma experiência radical (1954-1958), 1958. In: FUNARTE. Lygia Clark:
Rio de Janeiro, Funarte, 1980. p.9.
47
CHIPP, H.B. Teorias da Arte Moderna. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (Coleção a). p.368.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
41
A pintura de Mondrian e de Malevitch, conforme explicação de Gullar, não é suficiente para
resolver a questão figura-fundo, pois as pinturas ainda estão inseridas em um fundo de
representação. Rompendo com os postulados concretistas, Gullar elucida que Lygia “enfocou
o quadro como um todo orgânico, significativo, no qual a moldura tinha também uma
significação.”
48
A integração da moldura ao quadro e o esvaziamento do espaço pictórico reclamam da
artista um redimensionamento da obra de arte. “Acredito que essa preocupação, tanto em
Mondrian como em Lygia Clark, nasce do fato de que o quadro, desligado de sua significação
tradicional, perde seu lugar no mundo, donde pensar o artista em dissolvê-lo na arquitetura.”
49
A referência a Mondrian é enfatizada pelo crítico no Manifesto Neoconcreto: “De nada nos
servirá ver em Mondrian o destrutor da superfície, do plano e da linha, se não atentarmos para
o novo espaço que essa destruição construiu.”
50
, observa. O mestre holandês aponta com
extrema coerência a integração da pintura à arquitetura. Apóia-se no conceito de espaço da
arquitetura e, meticulosamente, chega à depuração da sua própria pintura.
Tentando resolver as questões da superfície planar como espaço de representação,
Mondrian e Malevitch fazem tábula rasa da pintura, tentando negá-la, levando a pintura ao
grau zero. Malevitch pinta o Quadrado Branco sobre Branco, obra que tem ausência total de
referências, chegando ao ‘deserto’ da pintura; Mondrian chega à depuração da pintura, com
suas grades horizontais e verticais.
Ao libertar o espaço pictórico, Lygia Clark explicita claramente a colocação de novos
problemas. Por uma questão de sua démarche, não sabe como dar prosseguimento a essa
pesquisa: “não sabia como usar este espaço liberto”
51
, declara no texto Linha Orgânica, de 1957.
48
GULLAR, Ferreira. Do quadro ao não-objeto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16.out.1960. Suplemento Dominical.
49
Ibidem.
50
GULLAR, Ferreira. Manifesto Neoconcreto. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21.mar.1959. Suplemento Dominical.
51
CLARK, Lygia. Linha Orgânica, 1957. In: SCOVINO, Felipe (Cur.). Pensamento Mudo: catálogo. São
Paulo: Dan Galeria, 2004. Catálogo de exposição da artista na Dan Galeria, de 21.set-12.dez.2004. p.13.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
42
Dar significação ao quadro vazio de espaço pictórico, derivação de estudos de
Mondrian e de Malevitch, passava a ser a problemática enfrentada por Lygia. Mesmo sem ter
plena consciência dessa experiência que realizava entre tela e moldura, as alterações dessa
relação estavam expressas em seus trabalhos, apontando novas perspectivas. Buscar
significação para esse quadro que nada representa é a questão central para rios artistas da
época. O quadro, como objeto material, é que reclama integração, daí a pesquisa convergir em
integrar pintura e arquitetura.
Mais tarde, Lygia Clark retoma essa pesquisa ao descobrir que pintar a superfície
planar é o mesmo que pintar uma porta, uma parede, um teto, uma casa. Dessa descoberta
irrompe uma nova etapa em sua trajetória, reforçando a necessidade de integração das artes
plásticas à arquitetura. Ao mesmo tempo, percebe que a sua linha orgânica tem uma relação
direta com as linhas arquitetônicas, tal como a linha de junção de assoalhos, portas e
caixilhos, tacos, lajotas, etc. Acreditando que o trabalho do pintor deve estar em pé de
igualdade com o do arquiteto, do escultor, do paisagista, integrando projetos de arquitetura,
emprega-se como aprendiz de maquetista e constrói maquetes onde a linha orgânica tem
função moduladora na criação. Enfatiza o trabalho em equipe e fica obcecada pela função e
objetividade que exercem todos os elementos plásticos na arquitetura. O trabalho realizado
pelo artista concreto juntamente com o arquiteto e outros profissionais poderia criar um
espaço expressivo.
Em conferência realizada na Escola Nacional de Arquitetura, em Belo Horizonte,
Lygia Clark declara:
[...] Se a arte concreta prescinde do caráter expressional-orgânico [...] então é de se
supor que ela se situe completamente diferente de uma obra individual em si
mesma. Daí a meu ver, a necessidade de um trabalho em equipe em que o artista
concreto poderá realizar-se realmente, criando com o arquiteto um ambiente por si
mesmo expressional.
52
52
SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.83.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
43
Desse período resultam maquetes de integração de ambientes. Para Mário Pedrosa, a
artista, “Cansada de arte em função do gosto ou temperamento, ficou obcecada pelos
problemas ditos de ‘integração’ das artes. Então aproximou-se da arquitetura, e nesta a
encantou a revelação de que nela tudo tem, ou deve ter, sua razão de ser.”
53
O concretismo brasileiro enfatiza a idéia de projeto e de integração das artes à
arquitetura. A sua utopia reside em transformar a sociedade por meio do funcionalismo e
estetização do cotidiano. Muitos dos artistas são arquitetos, decoradores, paisagistas e
desenhistas, destacando-se os integrantes do grupo Ruptura.
Fig.25 - CLARK, Lygia. Maquete para interior no. 1,
1955. Madeira e tinta industrial.
Waldemar Cordeiro, em artigo
intitulado Arquitetura e Arte, ressalta a
importância da integração das artes,
afirmando que não se pode conceber “uma
história da arquitetura moderna sem
referências ao suprematismo, ao neo-
plasticismo, ao construtivismo e a outras
tendências das artes visuais.”
54
As maquetes de Lygia Clark fundem arquitetura e artes plásticas, sendo que os
elementos plásticos arquitetônicos somados aos elementos pictóricos integram seu projeto
arquitetônico. Ao mesmo tempo, a artista continua a investigar a superfície planar,
esforçando-se em avançar nas pesquisas com o espaço. Abandona os materiais tradicionais
tinta e bisnaga, tela, pincel e cavalete e passa a trabalhar com placas de madeira, tinta
industrial, serra, maçarico, máscara e outros. Ao invés de pintar, ela faz um corte real na
53
PEDROSA, Mário. Lygia Clark, ou o fascínio pelo espaço. In: ______. Mário Pedrosa. Acadêmicos e
Modernos: Textos Escolhido III. ARANTES, Otília (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2004. p.287.
54
CORDEIRO, Waldemar. Arquitetura e Arte. ad arquitetura e decoração (revista), São Paulo, n
o
22, mar-
abr.1957.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
44
superfície. Com placas de madeira cortadas, a artista monta o retângulo da pintura. Aqui não é
mais o gesto simbólico do pintor, mas de quem encara o plano em sua materialidade. O
suporte é uma construção.
Fig.26 - CLARK, Lygia. Superfícies Moduladas
no. 2, 1955. Pintura industrial sobre madeira,
70x70cm.
Fig.27 - CLARK, Lygia. Superfícies Moduladas no.20, 1956. Pintura
industrial sobre madeira, 60x120cm.
Não existe nem tela e nem moldura. O quadro é um todo formado por placas de
madeira compensada que a artista recorta e monta como num jogo de quebra cabeça, onde as
peças podem ser invertidas. Essas peças são coladas em madeira eucatex, dando início à série
Superfícies Moduladas. “Para mim, o que é importante é que a superfície participe totalmente
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
45
dessa expressão orgânica”
55
, afirma Lygia. As placas com formas geometrizadas são
justapostas e ligadas entre si pela linha orgânica, que nessa rie tem a função moduladora de
espaços. A linha orgânica passa a ser o eixo estruturador dos planos e, também, delimitadora
das cores. O trabalho integra a realização do suporte, caracterizando que suporte e expressão
são equivalentes na formulação do processo criativo da artista, formando um corpo único.
Dessa forma, a artista um passo à frente, eliminando a contradição figura-fundo,
pois o quadro é um todo; o fundo da obra é o espaço real. Essa fase da pesquisa, conforme
explicação da artista, se no campo experimental, testando as possibilidades de sua linha
orgânica, linha-espaço. Jogando ainda com formas seriadas, considera todas as possibilidades
da linha-espaço. Os materiais industriais que usa são preconizados pelo concretismo como
uma forma de eliminar quaisquer resquícios de subjetividade às obras, integrando-as à idéia
de projeto industrial.
Antes de executar suas obras, Lygia Clark fazia um desenho (projeto). Alargava as
figuras, confinando-as diretamente no espaço arquitetônico. A artista reconstruía toda a
superfície e, para conferir caráter expressional à obra, fazia com que o espaço externo a
interpenetrasse. O que desejava era expressar esse novo espaço e não compor dentro dele,
pois a superfície era, agora, um todo orgânico. Nessa junção de vários planos geométricos, em
formas diversas, a pintura de Lygia Clark, conforme explicita Herkenhoff, torna-se
“superfície de planos. [...] Existe justeza entre o título, projeto e realização da estrutura
pictórica.”
56
Na série Planos em Superfícies Moduladas, a artista supera a geometria serial e
abandona toda forma seriada, por achá-la superficial. A intenção de Lygia era fazer com que
55
CLARK, Lygia. Sem título. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.140.
56
HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU
DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte
Moderna, 2.jun-1.ago.1999. 68p. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.18.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
46
os planos com formas simétricas expressassem um espaço que não fosse, segundo os moldes
concretistas, puramente óptico e resultante do uso de formas seriadas. Sobre essa fase,
Pedrosa observa que a “pintura de Lygia, em contraposição ao puro sensorial ótico, nos revela
ser o espaço composto de vetores que os permitem ter dele uma consciência fenomenológica
afetiva e não puramente sensorial.”
57
Fig.28 - CLARK, Lygia. Planos em
superfícies modulas no.2, 1956. Pintura
industrial sobre madeira, 80,5x67,5cm.
Fig.29 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies
moduladas, 1957. Pintura industrial sobre madeira,
49,5x99,5cm.
As figuras expressas projetam-se em todas as direções e as cores são reduzidas ao
preto, branco e cinza para não criarem qualquer ilusão ótica. Os contrastes dos sólidos saltam
aos olhos do espectador à medida que este se aproxima da obra. Em Planos em Superfícies
Moduladas n
o
1 (Fig.30), a artista apresenta a superfície em sua crueza. A linha orgânica a
percorre completamente. Concebida como ligação de espaços, da obra e do mundo, do
exterior e interior, não permite que haja a possibilidade de projeções, de alusões ao mundo
externo. “Súbito, a superfície se dá toda branca (‘Superfícies moduladas n
o
1’), pura, e nela as
linhas penetram profundamente, acusando o seu concreto núcleo temporal.”
58
57
PEDROSA, Mário. Sem título. In: GALERIA DE ARTE DAS ‘FOLHAS’. Ligia Clark - Franz Weissmann
- Lothar Charoux: catálogo. São Paulo, 23.set.1958.
58
GULLAR, Ferreira. Lygia Clark: uma experiência radical (1954-1958), 1958. In: FUNARTE. Lygia Clark:
catálogo. Rio de Janeiro, Funarte, 1980. Catálogo de exposição de Lygia Clark. p.12.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
47
Fig.30 - CLARK, Lygia. Planos em superfícies
moduladas no.1, 1957. Tinta industrial sobre
madeira, 87x60cm.
Lygia Clark, ao esvaziar o campo pictórico, com seu monocromo branco (Planos em
Superfícies Moduladas n
o
1 1957), também chega ao deserto da pintura, ao vazio pleno,
como chamava. Ferreira Gullar assinala que “quando a Lygia faz o célebre quadro dela, que é
todo branco com uma linha orgânica, que ela chamava, ela inicia um movimento que vai
mudar o movimento concreto da arte no Brasil e a própria arte dela.” (informação verbal)
59
A linha orgânica se deixa captar como uma entidade viva no monocromo branco. Ela é
a própria trajetória da superfície. Não referenciações que possam transformar a obra em
outra coisa, senão na expressão do novo espaço da superfície. Em Planos em Superfícies
Moduladas Série B a artista abole o cinza e usa somente preto e branco. Essas duas obras
são idênticas por espelhamento e seus lidos parecem saltar da tela. Na série em preto e
59
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do
Programa de s-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São
Paulo, 09.out.2005. (transcrição da pesquisadora).
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
48
Fig.31 - CLARK, Lygia.
Planos em superfícies
moduladas série B no.1,
1958. Pintura industrial
sobre madeira, 84x84cm.
Fig.32 - CLARK, Lygia. Planos
em superfícies moduladas série B
no.3, 1958. Pintura industrial
sobre madeira, 100x100cm.
branco os planos dão a impressão
de virem de fora para dentro para
se articularem dentro da
superfície.
O próximo passo da
artista é dado quando transforma
a linha-espaço em linha-luz,
sulcando mais a linha, deixando-a
mais visível que as anteriores. Em Espaços Modulados e Unidades 1958, os campos visuais
são pretos e a linha-luz se desenrola na superfície negra estabelecendo uma relação de
positivo-negativo.
A artista pinta as bordas da superfície (cor branca e brilhante) fazendo-a confinar-se
diretamente no espaço circundante. A linha-luz parece estar libertando-se do espaço pictórico.
Sobre esse estudo, Lygia afirma, no texto Espaço Modulado, de 1957: “À medida que o
espaço de fora, espaço-real, começou a ser usado, pensei em utilizar este espaço compondo
com o que chamo de linhas-luz (externa).”
60
Fig.33 Fig.34 Fig.35 Fig.36
CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. Cartolina, 90x30cm.
60
CLARK, Lygia. Espaço Modulado, 1957. In: SCOVINO, Felipe (Cur.). Pensamento Mudo: catálogo. São
Paulo: Dan Galeria, 2004. Catálogo de exposição da artista na Dan Galeria, de 21.set – 12.dez.2004. p.13.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
49
Fig.37 Fig.38 Fig.39 Fig.40 Fig.41
CLARK, Lygia. Espaços modulados (maquetes), 1958. Cartolina, 30x30cm.
Fig.42 - CLARK, Lygia.
Espaços modulados no.2
(trabalho original), 1958.
Tinta industrial sobre
madeira, 90x30cm.
Nos Espaços Modulados, Lygia Clark trabalha com formas
pretas moduladas em cima de uma placa branca. A linha-luz contorna
a superfície preta e tem a função de integrar a obra ao espaço
arquitetônico. Inicialmente, Lygia usa linhas verticais, horizontais e
diagonais, mas passa a trabalhar somente com verticais e horizontais
quando descobre que estas provocam tensões oblíquas. “São formas
completamente pretas, existindo esta linha-luz [...]. O espaço se
revela ali como um momento do espaço circundante”
61
, afirma no
texto Espaço Modulado, de 1957.
Lygia concebe os Espaços Modulados de duas maneiras: as
torres, com 90 por 30 centímetros, com três quadrados nas
proporções de três por um, e os quadrados, que medem30 por 30
centímetros e assemelham-se às Unidades. Cabe à linha orgânica,
linha-luz, as divisões dos módulos. Essas séries são muito semelhantes, dificultando as
devidas nomenclaturas. Nessas obras, qualquer possibilidade de tensão entre figura e fundo é
eliminada. Recebe o impacto das constelações de Albers. Herkenhoff afirma: “A pintura de
Clark, parece orientar-se por aquelas indicações de Albers no plano ‘estável e, no entanto
dinâmico, chapado e profundo [...] simples e complexo’.”
62
61
Ibid., p.13.
62
HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU
DE ARTE MODERNA. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo, Museu de Arte
Moderna, 2.jun-1.ago.1999. 68p. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark. p.20.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
50
Apesar de receber o impacto do mestre da Bauhaus, constata-se que a linha branca na
obra de Albers converge para dentro da composição pictórica, ao passo que, em Lygia Clark,
elas se direcionam para o espaço circundante.
Na série Unidades a artista pinta as bordas do quadro com a linha-luz, sendo que a
superfície permanece na quietude do preto. A linha, aqui, é um fio do espaço. a
temporalização que se faz por meio da contraposição de espaços. Essa experiência representa
o ponto máximo da vivência do suporte, fazendo-a superar todos os efeitos de jogos ópticos
da fase concretista. São obras ortogonais que prenunciam a saída para o espaço real. Sobre as
Unidades, Lygia declara a Cocchiarale e Geiger: “Eu falava até em espaço verticalizado nessa
época). Então comecei uma fase preta, em que pintei um relevo branco em volta, um baixo
relevo. Tinha muita ligação com a topologia.”
63
Fig.43 - CLARCK, Lygia.
Unidade. Pintura industrial
sobre madeira, 30x30cm.
A linha-luz está sempre na fronteira na série Unidades,
como se quisesse escapar desse espaço concreto, físico,
claustrofóbico do quadro. Ela está sempre nas bordas, como
uma forma de fuga. Esse trabalho se integra nas experiências
neoconcretas. Ainda no mesmo depoimento, Lygia Clark
destaca a importância dessas obras, afirmando que as mesmas
colaboraram para que chegasse à criação dos Bichos: “É um espaço orgânico eu diria, um
espaço em que você penetrasse nele. Nem que fosse somente oposto àquelas formas seriadas
do pessoal de São Paulo e da formulação da escola concreta.”
64
O sentido espaço-temporal dessas obras é enfatizado por Hélio Oiticica, quando
ressalta que as alternações que a artista faz entre a linha-luz e os espaços pretos, criando
63
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.149.
64
Ibid., p.149.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
51
virtualidades, conferem infinitude à superfície. Para Oiticica, Lygia Clark alcança nessas
obras o “cume de suas experiências de ‘superfície’, adquirindo transcendência raramente vista
e vivenciada pelos ditos “geométricos’.”
65
Fig.44 - CLARK, Lygia. Ovo linear, 1958. Pintura industrial
sobre madeira, 33x33cm.
Ovo Linear um círculo
pintado de preto contornado pela
linha-luz é interrompido, deixando
um espaço incompleto. A ausência
do círculo branco em torno do preto
expressa a necessidade da artista em
refletir sobre o tempo mecanizado.
É uma parada, uma suspensão que
ela faz no próprio tempo,
contrariando as leis gestálticas de
complementaridade. “Olhando-se para um círculo quase completo dentro da superfície de um
espaço representativo, tendemos a fechar o círculo visualmente (Lei da Gestalt)”, afirma a
artista no texto Livro-Obra
66
, escrito em 1954.
Ao invés do espectador completar a linha-luz realizando o fechamento da forma
visual, ele faz um retorno no próprio círculo. Esse retorno é decorrente das extremidades da
linha-luz que alteram a orientação retiniana.
O Ovo Linear, quando exposto para o público, pode ser colocado em posições
diversas, permitindo escolher onde o tempo será interrompido. A artista reverenciava o
65
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. p.34.
66
CLARK, Lygia. Livro-Obra, 1983. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out – 21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.105.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
52
momento vivo, real: “o momento vivo é o ponto em que o ponteiro pára, se esquece das outras
passagens no tempo.”
67
O desenvolvimento da fase preto e branco e/ou positivo-negativo teve importância
fundamental nos desdobramentos posteriores, ou seja, na passagem do espaço bidimensional
para o tridimensional. “A partir dessa subversão das relações entre pintura e seu suporte,
Lygia iniciou a caminhada que a conduziria do espaço bidimensional ao espaço tridimensional
e, logo em seguida, aos ‘bichos’ (que chamei denão-objetos’)”
68
, esclarece Gullar.
Nessas obras a artista atinge o vazio pleno e, desse vazio, faz nascer uma outra
significação: “o vazio é sempre uma relação dialética entre a ausência total [...] e seu oposto:
o potencial total”
69
, elucida Guy Brett.
Lygia Clark, nas séries acima, modula as forças do vazio pleno, com predominância de
pausas, de silêncios... Desprovidas de alusões, essas obras refletem a busca profunda da
infinitude espacial. É uma relação fenomenológica com o espaço.
67
Ibid., p.132.
68
GULLAR, Ferreira. O Grupo Frente e a reação neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Arte
Construtiva no Brasil. São Paulo: Companhia Melhoramentos/ DBA Artes Gráficas, 1998. p.156. Coleção
Adolpho Leirner.
69
BRETT, Guy. Ativamente o vazio. In: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte Contemporânea Brasileira:
texturas, dicções, fricções, estratégias. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001. p.67.
Capítulo 1 - As transformações na superfície planar: Espaço fictício e espaço real
53
Fig.45 - Lygia Clark fotografada diante de Unidades na Mostra Neoconcreta, no MAM-RJ, 1959. In: BORJA-
VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997
(espanhol/portugués). pp.102-103.
54
CAPÍTULO 2 - ENTRE O BIDIMENSIONAL E O TRIDIMENSIONAL:
CONTRA-RELEVOS E CASULOS
Quando chegamos à casa da Lygia, ela estava fazendo um
troço... Pareciam achas de lenha empilhadas. Eu e o Mário
ficamos ali tentando descobrir o que era aquilo. Então, eu dei
o nome de não-objeto.
70
(Ferreira Gullar) (informação verbal)
Os Contra-Relevos (1959), concebidos por meio de sobreposições de planos, em
formas losangulares, sinalizam um novo caminho na busca de tridimensionalidade. Como nas
séries anteriores, Superfícies Moduladas, Planos em Superfícices Moduladas, Espaços
Modulados e Unidadades, essas obras ultrapassam o espaço representacional, sendo que o
Fig.46 - CLARK, Lygia. Contra-relevo,
1959. Pintura industrial sobre madeira,
140x140x2,5cm.
fundo é o espaço real. Aqui, a linha orgânica
transmuda-se em sobreposições, dando corporeidade
ao plano. Integrar “a corporeidade do plano significa
produzir frestas, evocativas da linha orgânica”
71
,
observa Herkenhoff.
A partir dos Contra-Relevos, Ferreira Gullar
escreve ensaio intitulado Teoria do não-objeto
72
, em
1960. Fundamenta essa teoria, considerada um dos
pontos altos do Neoconcretismo, apoiando-se nas críticas de Merleau-Ponty ao causalismo da
psicologia behaviorista e à teoria da Gestalt. A idéia central de Teoria do não-objeto é que a
obra de arte deve realizar-se para além dos suportes convencionais da pintura e da escultura.
70
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do
Programa de s-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São
Paulo, 9.nov.2005. (transcrição da pesquisadora).
71
HERKENHOFF, Paulo. A aventura planar de Lygia Clark de caracóis, escadas e Caminhando. In: MUSEU
DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO. Lygia Clark: catálogo. HERKENHOFF, Paulo (Cur.). São Paulo,
Museu de Arte Moderna, 2.jun-1.ago.1999. p.26. Catálogo de exposição obras de Lygia Clark.
72
Ferreira Gullar explica que Lygia Clark apresentou um objeto que parecia com achas de lenha. Essas achas
nada mais eram que o empilhamento de planos que formavam o Contra-Relevo. Houve uma discussão entre
Gullar e Pedrosa para categorizar esses objetos. Foi então que Gullar criou a expressão “não-objeto” e, mais
tarde, viria a fundamentá-la em Teoria do não-objeto.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
55
Assim, a moldura e a base perdem sua finalidade: o espaço real é o fundo da obra e sua
ativação é fundamental para que a obra se concretize como fenômeno vivo.
Tudo é representado sobre um fundo e essa questão do fundo representativo só é
superada no momento em que o artista enfoca as questões de significação da obra. Gullar
observa que se consegue chegar à significação quando se supera a dicotomia figura-fundo.
O fundo da obra não é mais o espaço fictício e, no momento em que a obra o tem mais
moldura, essa ligação entre realidade e ficção desaparece. Portanto, o não-objeto não é uma
representação, mas uma construção.
Além de integrarem o espaço real como fundo da obra, os Contra-Relevos quebram
com a frontalidade do plano, pois o empilhamento e/ou sobreposição dos mesmos, criam
espaços laterais. Assim sendo, alteram a contemplação tradicional. O espectador é convidado
a movimentar-se corporalmente em torno da obra para apreender os novos espaços,
garantindo a totalidade da obra e possibilitando que o espectador experimente essa totalidade.
São obras construídas e não representadas. Portanto, não se inserem em categorias
como pintura (com moldura) e escultura (com base). Gullar toma como exemplo os quadros
de Mondrian e Malevitch que, na opinião do crítico, são os mais importantes artistas da arte
não-figurativa. Ainda assim, a depuração do espaço pictórico feita pelos dois artistas, ou seja,
o quadrado preto sobre fundo branco de Malevitch e as verticais e horizontais de Mondrian,
permanecem sobre um fundo de representação. Há, ainda, a dicotomia figura-fundo. No não-
objeto essa contradição não existe, uma vez que não se coloca a questão da representação,
pois o “fundo sobre o qual se percebe o não-objeto não é o fundo metafórico da expressão
abstrata, mas o espaço real.”
73
Outro ponto importante destacado em Teoria do não-objeto é a relação
73
GULLAR, Ferreira. Diálogo sobre o não-objeto. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo
brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do
Estado, 1977. p.92.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
56
fenomenológica entre obra de arte e espectador, enfatizada por Gullar. Essa abordagem
fenomenológica do Neoconcretismo resulta da crítica às relações mecânicas, de formas
seriadas, que produzem efeitos puramente óticos oriundos da Gestalt. A percepção na obra de
arte, segundo os princípios da Gestalt, fala somente ao ‘olho-máquina’ (expressão de Gullar).
Assim sendo, constata-se tratar de uma questão de significação e não de mera percepção.
A obra de arte, para os artistas neoconcretos, requer apreensão por contato direto do
espectador com a obra, isto é, apreensão fenomenológica, de uma experiência totalizadora.
Sobre essa necessidade dos neoconcretos de enfatizarem esse contato entre espectador e obra,
Gullar observa:
[...] Apenas rejeitam o primado da razão sobre a sensibilidade, para colocar a
percepção estética (percepção da forma) como uma faculdade capaz de apreender e
formular sinteticamente, as complexas experiências humanas. E se assim pensam é
por terem do corpo a noção de totalidade simbólica.
74
Para Lygia Clark, a forma seriada afasta o espectador, distanciando-o da obra, pois ele
toma contato com um espaço mecânico: “O espectador não é meramente um assistente que
leria esse espaço de uma maneira puramente ótica em que o tempo seria expresso de modo
apenas mecânico. Ele participa ativamente num sentido integral. É como se ele entrasse
dentro desse espaço organicamente”
75
Gullar afirma que o não-objeto é transparente à percepção, no sentido de que se
franqueia a ela [...]. A relação que mantém com o sujeito dispensa intermediário. Ele possui
uma significação também, mas essa significação é imanente à sua própria forma, que é pura
significação”
76
Ao deslocar o espectador em seus Contra-Relevos, Lygia Clark quebra com a
74
GULLAR, Ferreira. Arte neoconcreta: uma contribuição brasileira. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto
construtivo brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo:
Pinacoteca do Estado, 1977. p.119.
75
FOLHA DA MANHÃ. Lygia Clark busca na pintura a expressão do próprio espaço. Folha da manhã, São
Paulo, 22.set.1958.
76
GULLAR, Ferreira. Diálogo sobre o não-objeto. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo
brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do
Estado, 1977. p.90.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
57
frontalidade da obra de arte tradicional. A representação de perfis, de lateralidades, libertam o
espectador de uma posição puramente formal, estática, possibilitando-o, como observa
Rosalind Krauss, “tornar-se uma inteligência incorpórea circulando por um espaço ideal a fim
de apreender o objeto simultaneamente de todos os ângulos, e de reduzir essa circunavegação
conceitual a um momento único.”
77
Essa digressão em torno da obra, solicitando movimentação corporal do espectador,
inaugura um novo diálogo entre sujeito e objeto; passando o espectador, da contemplação
passiva, para uma fruição participativa. A ação do espectador, ao apreender a obra de arte, não
é uma ação puramente visual, mas uma ação que pressupõe o corpo do sujeito que vê, na
totalidade de seus sentidos; o olho não vê sozinho, mas é parte de uma engrenagem. Ou seja,
quando acionado, aciona também os outros sentidos. Os órgãos sensoriais respondem uns aos
outros. À percepção de qualquer um, todos os demais respondem, decifram-se uns aos outros.
A percepção, para Gullar, se faz no tempo e no corpo: “O que percebo é apreendido,
selecionado e decifrado oportunamente, segundo o que percebi antes. É preciso pensar
espontaneamente o mundo, integrar o pensamento no fluir, pensar com o corpo”.
78
Ao
explicitar sobre a percepção, Gullar a coloca em consonância com a concepção de percepção
de Merleau-Ponty, que a situa no campo das essências existenciais. A percepção não é um ato
apenas físico, mas constituinte do sujeito.
Argumentando com a fenomenologia e, ao mesmo tempo, articulando conceitos como
o de expressão e organicidade, a vinculação dessas obras com a percepção merleau-pontyana
é direta e se faz no corpo, no tempo presente, resultante da junção entre significante e
significado. Gullar afirma que a obra de arte é expressão de um mundo humano e não de
máquinas, portanto “a experiência direta do mundo nos ensina que, na percepção o mundo é
77
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p.56.
78
GULLAR, Ferreira. Arte neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na arte:
(1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977. p.245.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
58
um campo ambíguo e prenhe de um significado não-tético, de um sentido que é inerente à
própria relação homem-mundo”.
79
Os Contra-Relevos, apesar de apresentarem um caráter autônomo, constituem-se,
ainda, como uma fase intermediária para a chegada ao espaço real. Ou seja, denotam as
possibilidades criadoras da artista, que se concretizarão com seus Bichos.
Fig.47 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959.
Nitrocelulose sobre lata, 30x30x30cm.
O passo adiante foi trabalhar com placas de
metais, o que lhe possibilitou dar um salto radical em
sua trajetória, pois começou a dobrar o plano. São os
Casulos - que parecem ser seres em estado de
gestação; como ovos ou úteros que, ao receberem
vida, estufam, incham. Essas construções
geométricas no espaço real criam novas ambiências,
resultado das torções no plano. Esses espaços ocultos
revelam-se à medida que o espectador realiza
uma circunvolução em torno da obra.
A linha orgânica nos Casulos é a própria
dobra da superfície fundando novos espaços na
obra. A nomenclatura Casulo não mais se
refere à gramática concretista. A referência aos
organismos vivos será uma constante nessa nova
etapa da trajetória de Lygia Clark.
Fig.48 - CLARK, Lygia. Casulo, 1959. Nitrocelulose
sobre lata, 42,5x42,5x26cm.
Gullar observa: “[...] ela estufa o quadro. Começa a agir materialmente sobre o quadro
como objeto material. Ação real sobre o objeto. O que ela chamava de Casulos é o quadro
79
GULLAR, Ferreira. Da arte concreta à arte neoconcreta. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo
brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do
Estado, 1977. p.112.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
59
estufado. Primeiro é a superfície cortada (referindo-se às Superfícies Moduladas), depois é o
quadro estufado, os Casulos.”
80
(informação verbal)
Nos Casulos feitos em nitrocelulose sobre lata, a artista cria um jogo com o dentro e o
fora ao usar as cores preto e branco: o preto (que geralmente a idéia de fundo) é a cor
externa do Casulo e o branco é usado nas partes internas. O que está dentro é o fora, e vice-
versa. A obra, apesar de inerte, a sensação de movimento, de vida. Suas partes erguidas
lembram asas de um pássaro, prontas para alçar vôo. Em um sentido metafórico, os Bichos
são gestados nos Casulos, que, segundo Gullar, estavam neles em estado larvar.
Fig.49 - CLARK, Lygia. Casulo de ferro, 1959.
Ferro, 42,5x42,5x6,5cm.
No Casulo de ferro (Fig.49), Lygia
trabalha com o material em sua crueza, sem
efeitos óticos. A torção das chapas cria, no
espaço interno, “um ninho de ferro que se
entreabre à inspeção de seu corpo”
81
, observa
Ricardo Fabrini.
Aqui pode-se referendar os Contra-
Relevos de Vladimir
Tatlin (1914) com os quais,
ao criá-los, rechaça as categorias tradicionais da
arte. Habitando um novo espaço que não o
tradicional lugar do quadro, os Contra-Relevos
de Tatlin são suspensos por arames e fios, ocupando o canto das paredes, ao invés da parede
central. Esses objetos, intermediários entre pintura e escultura, demonstram a vontade do
80
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do
Programa de s-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São
Paulo, 9.nov.2005. (transcrição da pesquisadora).
81
FABRINI, Ricardo. O espaço de Lygia Clark. 1991. Dissertação de Mestrado Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1991. p.57.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
60
artista de romper com o bidimensional. Essa experiência ocupa um lugar revolucionário na
história da arte.
Fig.50 - TATLIN, Vladimir. Contra-relevo de canto, 1915.
Para Gullar, “Os contra-relevos
de Tatlin e Rodchenko, como as
arquiteturas suprematistas de Malevitch,
indicam uma evolução coerente do
espaço representado para o espaço real,
das formas representadas para as formas
criadas”.
82
Além de rechaçar o lugar
tradicional da obra, Tatlin enfatiza o espaço real e o uso de materiais industriais, como por
exemplo: madeira, vidro, plástico, metal industrializado e outros. Esses objetos, na concepção
do artista, estão em uma zona intermediária entre pintura e escultura, por não possuírem
pedestal ocupando os cantos da parede.
A escultura de Tatlin, observa Agnaldo Farias, “nasceu de uma colisão com o mundo.
Daí seu posicionamento incômodo, esconso; daí cravar-se à parede, ferindo-a para garantir
sua existência.”
83
A experiência do relevo percorre a história da arte do século XX. Inicialmente
considerava-se que a pintura e escultura pudessem ser combinadas no relevo. Após o
cubismo, conforme elucida George Rickey, o relevo toma uma outra direção, pois a “pintura
cubista sugeria objetos expostos em uma caixa rasa; a colagem dessacralizou a superfície
82
GULLAR, Ferreira. Teoria do o-objeto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. Suplemento Dominical
(contribuição do JB à II Exposição Neoconcreta, realizada no Rio de Janeiro, 21.nov-20.dez.1960. In:
AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro:
Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977. p.87.
83
FARIAS, Agnaldo. Aricê Caldas - Esculpindo o espaço: A escultura contemporânea e a busca de novos
modos de relação com o espaço. 1997. Tese de doutoramento Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, 1997. p.147.
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
61
pintada; o passo seguinte foi a aplicação de objetos sólidos sobre a superfície do plano”
84
. A
Fig.51 - WEISSMANN, Franz. Três
pontas, 1958. Ferro pintado/preto,
80x80x80cm.
escultura de Picasso e Braque contribuíram para a
evolução dos relevos de Tatlin. A diversidade do relevo
encontra-se, mais tarde, nas obras de Victor Pasmore,
Charles Biederman, Luis Tomaselli e Yacov Agam,
entre outros.
Essa zona de indeterminação dos relevos
também abriga os Contra-Relevos e os Casulos de
Lygia Clark. Conforme explicação de Celso Favaretto,
resultam da compreensão e evolução do espaço, tanto nas obras de Lygia Clark quanto nas de
Hélio Oiticica desse período. É a necessidade de saída do plano para o espaço real e da
Fig.52 - CASTRO, Amílcar de. Sem
título, sem data. Escultura em ferro,
diâmetro 80cm.
participação do espectador, sinalizando a vontade de
fundir arte e vida: “A ‘diluição estrutural’ prenuncia o
salto para o espaço e para a participação”.
85
O tratamento dado ao plano por meio de dobras
e torções abriga rias experiências neoconcretas:
Hércules Barsotti e Willys de Castro, Amílcar de
Castro
86
e Franz Weissmann e, também, as experiências
que saíram do plano – como as de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape.
84
RICKEY, George. Construtivismo: Origens e evolução. Tradução: Regina de Barros Carvalho. São Paulo:
Cosac & Naify, 2002. p.126.
85
FAVARETTO, Celso Fernando. A Invenção de Hélio Oiticica. 2.ed. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1992. p.53. (Coleção Texto e Arte, n.6)
86
Gullar, referindo-se ao trabalho dos artistas neoconcretos que trabalham a partir do plano, cita as esculturas de
Amílcar de Castro: “Ele pegava uma folha de cartolina e cortava, dava um corte na folha e, ao levantar a parte
cortada ele dizia: criei a terceira dimensão, ou seja, a escultura, certo? Então é uma escultura que nasce da
bidimensionalidade. Vira tridimensional.” (informação verbal) In: GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e
Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São Paulo, 9.nov.2005.
(transcrição da pesquisadora).
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
62
Nas figuras 53 e 54, estudo sobre Contra-Relevo (Fig.55), obra da coleção João
Satamini, exposta no MASP entre setembro e outubro de 2007, verifica-se que a artista fez
uso de duas placas de madeira na cor preta. Em uma das placas a artista desenha um
quadrado, pintando-o de branco. Na outra placa ela faz o mesmo desenho (quadrado), porém
ao invés de pintá-lo como fez na primeira placa, ela o serra.
Fig.53 e 54 - Estudo sobre Contra-Relevo realizado pela pesquisadora.
Na montagem final, a placa 1, com o quadrado inferior pintado de branco, é a base do
trabalho. A superfície do meio é composta, apenas, pelo quadrado branco serrado da segunda placa.
Fig.55 - CLARK, Lygia. Contra-Relevo, 1959. Pintura
industrial sobre madeira, 56x56x1,5cm.
A segunda placa (serrada em L) é
sobreposta ao quadrado branco serrado,
deixando exposto frontalmente, da
primeira placa, apenas o quadrado pintado
de branco da primeira placa,
caracterizando uma certa ambigüidade,
resultado do jogo que a artista faz com o
espaço virtual e o espaço real.
As duas séries, Contra-Relevos e
Casulos, demonstram similaridades, à
Capítulo 2 - Entre o bidimensional e o tridimensional: Contra-Relevos e Casulos
63
medida que fogem das categorias de obras tradicionais contendo, em si, o bidimensional e o
tridimensional. Situadas “num meio-termo entre quadro e espaço” essas obras integram a
“diversidade de experiências do relevo
87
, elucida Oiticica.
Oiticica enfatiza ainda a vontade construtiva em Lygia Clark, possibilitando novas
relações de espaço e tempo na gênese de sua obra. É uma construtora de novos espaços, pois
transforma os elementos materiais em “elementos plásticos segundo a sua vontade de ordem
construtiva.”
88
Apesar de conterem, em si, o sentido de construtividade no espaço, os Contra-Relevos
e os Casulos ainda se mantêm como objetos visuais, uma vez que, ao serem fixados à parede,
guardam o lugar de abrigo da pintura, ocultando o avesso da obra.
Rejeitando o espaço metafórico e, ao mesmo tempo, buscando o anti-ilusionismo (para
conferir o máximo de realidade às obras), essas duas séries são importantíssimas, pois
prenunciam a chegada ao espaço real, com a série Bichos.
87
OITICICA, Hélio. A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade (texto de
29.out.1963). In: ______. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p.58.
88
Ibid., p.56.
64
CAPÍTULO 3 - A REVELAÇÃO DO NOVO ESPAÇO:
FORMAS TRIDIMENSIONAIS NO ESPAÇO-MUNDO E PARTICIPAÇÃO DO
ESPECTADOR – BICHOS
Um bicho move-se para dentro com a alma para fora
um bicho é multiplicado e sustido por brandas dobradiças,
mas é sempre bicho porque inquieta e flui
e regorgita no mundo
é bicho indivisível e orgânico,
em diversas etapas de si mesmo eterno.
89
(Walmir Ayala)
Os primeiros Bichos de Lygia Clark foram criados na passagem dos anos 1950 para os
anos 1960 e representam um marco na trajetória da artista, pois realizam a transição do espaço
bidimensional para o tridimensional. Algumas versões indicam que sua origem encontra-se na
série Casulos, mas a própria Lygia, no Livro-obra, afirma que eles surgiram dos Contra-
relevos: “O Bicho nasceu quando eu tentei fazer um Contra-relevo e não um Casulo [...] Foi
dobrando uma das divisões deste Contra-relevo e fazendo o mesmo com a divisão
correspondente, que me deparei com duas peças livres no espaço.”
90
Conseqüência das inquietações da artista e de suas incisões e experimentações na
superfície planar, os Bichos, construídos diretamente no espaço real, não possuem lugar fixo –
seu habitat é o espaço-mundo.Feitos de alumínio anodizado, têm suas estruturas compostas de
figuras geométricas, presas entre si por dobradiças, o que lhes possibilita deslocamentos no
espaço, criando diferentes formas.
Com seus Bichos, realizados dentro dos princípios da matriz construtivista, Lygia
Clark supera os postulados concretistas, ultrapassando o suporte bidimensional, integrando-o
ao espaço real, colocando o espectador como partícipe da obra de arte. Ferreira Gullar observa
que “Partindo da experiência concretista, Lygia Clark um passo adiante, ao romper a
89
AYALA, Walmir. Os bichos: para a escultora Lygia Clark, a propósito dos seus bichos. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 9.dez.1961. Suplemento Dominical. p.4.
90
CLARK, Lygia. Livro-Obra, 1983. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.106.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
65
unidade da superfície e, progressivamente, fazendo-a desagregar-se como tal, para integrar-se
totalmente no espaço real, tridimensional”
91
Neles, a linha orgânica converte-se em dobradiças e tem função determinante, pois é o
eixo estruturador desses objetos. Ao unir os diversos planos, as dobradiças fazem lembrar
uma charneira, uma espinha dorsal, provocando a interdependência de suas partes, como nos
seres vivos: “Foi dado o nome de ‘bichos’ aos meus últimos trabalhos pelo caráter
essencialmente orgânico que eles possuem [...]. Tem afinidades com o caramujo e a
concha.”
92
Essa organicidade de que fala a artista caracteriza um passo adiante em sua
produção, possibilitando imprevisibilidades ao mover de suas partes, acionadas pela ação do
espectador. A cada toque do espectador, novas formas configuram-se no espaço. Mário
Fig.56 - CLARK, Lygia. Bicho Ponta, 1960.
Aluminio.
Pedrosa observa que “a idéia nasceu não de
súbito, mas ao longo de muitos anos de
paciência e tenacidade que, por vezes, pareciam
suicidas [...] o primeiro de seus bichos surge
diretamente do contra-relevo em losango”
93
. O
Bicho Ponta (1960) possui apenas uma
dobradiça, o que limita a possibilidade de
movimentos. Em decorrência dessa limitação,
não volta ao plano, ou seja, não “pousa” no chão, guardando características da escultura
clássica por privilegiar uma determinada posição no espaço.
91
GULLAR, Ferreira. Lygia entre o brinquedo e a máquina. Revista Arquitetura, no.30, Rio de Janeiro,
dez.1964. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio
de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977. p.255.
92
CLARK, Lygia. 1960 “Bichos”. In: GALERIA BONINO. 29 esculturas de Lygia Clark: catálogo. Rio de
Janeiro, 12-29.out.1960. Catálogo de exposição.
93
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
66
Quando Lygia deu início à produção dos Bichos, era comum seus Contra-relevos
retornarem de exposições com as pontas quebradas e tinham que ser refeitos. D surgiu a
idéia das primeiras dobradiças, feitas com fita adesiva. A artista explica esse processo:
[...] eu estava fazendo uns contra-relevos de madeira e cada vez que vinha de uma
exposição vinha a ponta quebrada [...] Como eu não sabia fazer dobradiça, comecei
a trabalhar com plaquinhas que o pessoal usa para fazer avião, bem fininhas.
Desenhava um triângulo, uma forma qualquer, um quadrado e depois unia tudo com
aquela fita. Comecei a descobrir todas as esculturas através da placa de avião colada
com fita teipe.
94
A princípio, a própria artista fazia as dobradiças em alumínio: “Nós fazíamos no braço
com martelo e era uma coisa que Deus me livre.”
95
Posteriormente, Oswald de Souza
inventou uma máquina de cortar macho e fêmea, facilitando a produção. Esse sistema de
dobradiças gerou, nas obras de Lygia, deslocamentos no espaço, que acontecem dentro de
uma determinada variação de movimentos, em concordância com a estrutura, solicitando o
gesto do espectador, pois sua realização não se na permanência, mas na ação. O vazio
dessas estruturas soltas no espaço, sem referenciações a priori, estabelece e potencializa sua
capacidade de intuir significações, aspirando as inúmeras possibilidades de formas e direções
oferecidas pelo espaço vazio, espaço-mundo.
O rigor construtivo dessas estruturas passa pelo viés matemático e, aliado ao caráter
orgânico, possibilita-lhe várias conjugações no espaço tridimensional, por meio da
manipulação do espectador. Seu eixo mutável, a dobradiça, desloca-se em conformidade com
o gesto de quem o descobre, estabelecendo entre o Bicho e o homem um diálogo, através de
formas que se constróem no espaço; o que faz dele “estranha máquina de construir espaços”
96
,
elucida Pedrosa.
94
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.146.
95
Ibid., p.146.
96
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
67
Ao toque do espectador, os deslocamentos revelam-se e provocam o conjunto das
estruturas a criar novas formas no espaço. A complexidade formal e estrutural dos Bichos não
permite, porém, que suas partes articulem-se aleatoriamente, como num jogo. Ao contrário,
movem-se relacionadas entre si, funcionando como um organismo vivo interdependentes. O
circuito próprio desses objetos é responsável pelo movimento dos planos no espaço
tridimensional, dentro de uma série previsível de movimentos; porém, imprevisível aos olhos
do espectador.
Impossível descrever quais combinações podem nascer dessas estruturas, mesmo
sendo pré-estabelecidas. Essa multiplicidade leva a artista a declarar, quando lhe perguntam
sobre as possibilidades de movimentos: “Eu não sei, você não sabe, mas ele sabe [...] O
primeiro, (movimento) puramente exterior, é o que você faz; o segundo, próprio do ‘bicho’, é
dado pela dinâmica interior da sua própria expressividade”.
97
Ao mover de suas estruturas, o espectador os transforma, possibilitando uma segunda
contemplação que já se apresenta “mais rica de conotações: a nossa própria experiência
Fig.57 - CLARK, Lygia. Caranguejo, 1960-63.
Alumínio. Um dos mais conhecidos Bichos, formado
por sete triângulos idênticos, também retorna ao
plano.
motora aderiu à estrutura e é como se
tivéssemos vertido nela”
98
, ou seja, a obra
passa a ser também do espectador, por meio
de sua ação e de seu empenho, elucida Gullar.
Sendo movimentados pelo espectador,
os Bichos criam uma multiplicidade de
combinações tridimensionais. Os movimentos
são engendrados no deslizar dessas estruturas
97
CLARK, Lygia. 1960 “Bichos”. In: GALERIA BONINO. 29 esculturas de Lygia Clark: catálogo. Rio de
Janeiro, 12-29.out.1960. Catálogo de exposição.
98
GULLAR, Ferreira. Do quadro ao não-objeto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16.out.1960. Suplemento
Dominical.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
68
no espaço “no aparecer e desaparecer de formas, planos e vazios, como se se desse o
nascimento e a elaboração sucessiva do espaço e da forma”.
99
Ao manipular as obras, nem sempre as escolhas do espectador são atendidas, pois
alguns Bichos parecem ter vontade própria e, nesse corpo-a-corpo entre o homem e o Bicho,
se estabelece uma relação construtiva. Isso configura a lei dos Bichos, que, segundo Fabbrini:
“Algumas espécies são plenamente móveis enquanto outras possuem espinhas fixas que
limitam os movimentos de seus membros metalizados”.
100
Com os Bichos, Lygia Clark faz uma crítica à escultura tradicional, pois não possuem
base e massa, desdobram-se no espaço revelando seu avesso “Eu destruo o plano fixo que tem
avesso e o reconstruo solto no espaço sem suporte e avesso. Com este brinquedo mostra-se a
precariedade do conceito de plano fixo e da escultura que tem base (avesso)”.
101
Os Bichos
incorporam, em si mesmos, questões de ordem estrutural, sensorial e filosófica que se
concretizam na medida em que se aceita participar da obra. Isso deve ocorrer não “como algo
lúdico”, conforme elucida Herkenhoff, “mas a obra como algo que requer um investimento
libidinal. Um investimento no mais profundo sentido que essa palavra possa ter na relação de
um ser com o outro”
102
. E desse investimento do espectador advém a resposta dos Bichos.
Os diferentes nomes dos Bichos são referências que a artista faz ao homem, aos
animais, à natureza: Ponta, Caranguejo, Metamorfose, Invertebrado, Desfolhado, Bicho flor,
Projeto para um planeta, Relógio de Sol, Máquina, Em si, Constelação, Cidade, Contrários,
99
Ibidem.
100
FABRINI, Ricardo. O espaço de Lygia Clark. 1991. Dissertação de Mestrado Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1991. p.62.
101
CLARK, Lygia. Do ritual. 1960. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.123.
102
ROLNIK, Suely. Diagrama da vida. Rio de Janeiro, mai.2005. Entrevista com Paulo Herkenhoff. In:
ROLNIK, Suely; DISERENS, Corinne (Curs.). Lygia Clark: Do objeto ao acontecimento. Somos o molde. A
você cabe o sopro: catálogo. Nantes, França: Musée des Beaux-Arts, 8.out-31.dez.2005; São Paulo: Pinacoteca
do Estado de São Paulo, 25.jan-26.mar.2006. Catálogo de exposição realizada com a colaboração da Associação
Cultural ‘O mundo de Lygia Clark’.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
69
Carruagem Fantástica, Monumento a Descartes, Linear, Objeto de um mundo de Fora, entre
outros. Existem os que se dobram sobre si mesmos (que são mais recolhidos) e os que se
Fig.58 - CLARK, Lygia. Metamorfose I, 1960.
Alumínio. Concebido por triângulos unidos por
dobradiças, formando um hexágono. Faz suas
evoluções no espaço e volta ao plano.
expandem para fora de suas extremidades, ambos
com uma ampla diversidade de combinações de
posições possíveis.
Todos eles são feitos em alumínio ou
metal polido e têm o corte seco, o que lhes uma
característica tecnológica. À sua execução
precedem seus projetos, que a artista faz em
desenhos, experimentando as possibilidades de
combinações das formas.
Fig.59 - CLARK, Lygia. Desfolhado, 1960.
Alumínio.
Fig.60 - CLARK, Lygia. Projeto para o
Desfolhado.
As diversas posições do Bicho Desfolhado (1960) são seus diversos desfolhares que fazem lembrar o
desabrochar de uma flor.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
70
“Quero viver como o ponteiro do relógio
mil vezes segue o mesmo roteiro
momento vivo, ele é um ponto
a referência do real
103
(Lygia Clark)
Fig.61 - CLARK, Lygia. Relógio de Sol, 1960-63. Latão.
Tendo iniciado a produção destes objetos com triângulos e retângulos, aos poucos a
artista acrescenta formas circulares e semi-circulares a eles, como é o caso do Relógio de sol
(Fig.61), feito em latão. Partindo de um grande círculo, a artista o constrói com formas
triangulares com bordas arredondadas. “Logo depois, Lygia aborda o círculo como um passo
evolutivo natural. Um eixo central, e um plano circular que gira em torno do eixo central
vertical. Essa obra tem a dignidade mística de um relógio de sol, marcador do tempo.”
104
Fig.62 - CLARK, Lygia. Em Si. 1962.
Alumínio. A artista acrescenta formas
circulares às triangulares. Estas formas
se entrelaçam, se abraçam.
Fig.63 - CLARK, Lygia. Projeto para um
Planeta, 1960. Alumínio, 50cm.
103
CLARK, Lygia. Branco. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona, Fundació
Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.132.
104
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
71
Fig.64 - CLARK, Lygia.
Bicho de bolso, 1966.
Alumínio, 20x20cm.
Em seus projetos, a artista concebe os ltiplos, ou
seja, todos os seus Bichos possuem três tamanhos,
reproduzidos seis vezes cada um, inclusive os Bichos de bolso.
Fig.65 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960.
Alumínio, 27x35x22cm.
Fig.66 - CLARK, Lygia. Bicho,1960.
Alumínio, 56x48x48cm.
Fig.67 - CLARK, Lygia. Bicho
Monumento a Todas as Situações, 1962.
Alumínio, 21x22x22cm.
Fig.68 - CLARK, Lygia. Bicho
(maquete), 1960. Alumínio,
20x18x20cm.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
72
Em pesquisa realizada na Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”, chegou-se
à conclusão da impossibilidade de identificar quais Bichos estariam atrelados aos projetos.
Pode-se intuir que a figura 71 corresponde ao Bicho Metamorfose I, mas trata-se apenas de
especulação, dada a dificuldade de nomenclaturas, como dito anteriormente.
PROJETOS DE BICHOS:
Fig.69 - CLARK, Lygia. 1960. Fita
adesiva, bálsamo, grafite, 21,5x14,8cm.
Fig.70 - CLARK, Lygia. 1960. Fita
adesiva, bálsamo, grafite, 21cm de
diâmetro.
Fig.71 - CLARK, Lygia. [Metamofose I], 1960.
Fita adesiva, bálsamo, grafite, 28,1x14,6cm.
Fig.72 - CLARK, Lygia. 1960. Papel, fita adesiva,
bálsamo, grafite. 42,4x28,5cm.
Fonte: Coleção Família Clark – Cortesia da Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark”
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
73
Arquitetura Fantástica (Fig.73), com formas triangulares, é um Bicho que a artista
projeta para ser executado em grandes dimensões (não realizado). A idéia de abrigo, de
espaço para proteção, é enfatizada neste grande Bicho. Mais uma vez, torna-se evidente a
ligação da artista com a arquitetura.
Fig.73 - CLARK, Lygia. Arquitetura Fantástica, 1963. Alumínio.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
74
É importante assinalar que todos os Bichos nascem do plano, mas nem todos a ele
retornam. Como dito anteriormente, os artistas neoconcretos, mais especificamente Hélio
Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, têm essa proposição de tirar a obra de arte de seu lugar
protegido, para construí-la diretamente no espaço real. Não é à toa também que minha
experiência sai do plano e vai dele para os Bichos e também nas últimas concepções os Bichos
se desarmam e voltam à sua condição de plano.”
105
A idéia neoconcreta ultrapassa o registro bidimensional, com esquemas gestálticos.
Abandonando esses princípios, a saída para o espaço em três dimensões possibilita novas
experimentações espaciais.
Para Oiticica, a diluição do quadro é contaminada pela desintegração da figura,
buscando uma arte não-naturalista, não objetiva. Oiticica ressalta, ainda, que essa tendência
ao desaparecimento do quadro “não é superficial, mas da integração do espaço e do tempo na
gênese da obra, e essa integração condena o quadro ao desaparecimento e o traz ao espaço
tridimensional, ou melhor, transforma-o no não-objeto
106
, integrando, à obra, tempo e espo reais.
O Livro da Criação, de Lygia Pape, uma experiência do espaço neoconcreto realizada
em 1959, caracteriza o momento em que a artista começa a mesclar diferentes suportes. Nele,
Pape conta a história do mundo iniciando pelo período neolítico até chegar em nossos dias.
Quando manuseado pelo espectador, o livro sai do plano, ergue-se em formas tridimensionais
e torna a voltar para o plano. “O Livro tinha de sair do plano, ir para o espaço (três dimensões)
e voltar ao plano. Esse problema era complicadíssimo e me exigiu grande esforço de
invenção”
107
, observa Pape.
Gullar enfatiza o trabalho de Lygia Clark e Amílcar de Castro, onde se percebe mais
105
CLARK, Lygia. Sem título. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. 362p. (espanhol/portugués). p.122.
106
OITICICA, Hélio. Sem título, fev.1961. In: GALERIA SÃO PAULO. Hélio Oiticia: Grupo Frente e
Metaesquemas: catálogo. São Paulo, Galeria São Paulo, 20.mar-21.abr.1989. Catálogo de exposição.
107
CARNEIRO, Lúcia; PRADILLA, Ileana. Lygia Pape. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. p.31.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
75
Fig.74 - CLARK, Lygia. Bicho, 1960.
Alumínio, 60cm.
nitidamente a contaminação entre pintura e
escultura, sendo que ambos convergem para além
das denominações tradicionais de gêneros. Os
artistas neoconcretos, ao saírem do plano
bidimensional para o tridimensional, criam formas
que estão abertas à participação do espectador e,
conseqüentemente, rompem com as classificações
tradicionais de obra, pintura e escultura.
Gullar observa:
Se você reduz o bicho, ele é uma placa bidimensional como a tela [...] O Amílcar de
Castro partia do plano. É uma escultura que nasce do plano bidimensional. Ele
pegava uma folha de cartolina e cortava, dava um corte na folha e, ao levantar a
parte cortada ele dizia “criei a terceira dimensão”, ou seja, a escultura, certo? Então
é uma escultura que nasce da bidimensionalidade. Vira tridimensional.
108
(informação verbal)
Conjugando o construtivo com o orgânico, Lygia Clark cria essas estruturas que não
se inserem nas categorias de esculturas tradicionais. Pedrosa se opõe quanto à classificação
dessas obras, pois “esses bichos não são esculturas, ou talvez nem sejam obras de arte [...].
Em nossa época, tal objeção se vai tornando cada vez mais acadêmica ou
anacrônica”.
109
.Gullar também comenta a contaminação entre escultura e pintura, afirmando
que a pintura “liberada de sua intenção representativa, tende a abandonar a superfície para se
realizar no espaço, aproximando-se da escultura, esta, liberta da figura, da base e da massa,
bem pouca afinidade mantém com o que tradicionalmente se denominou escultura”.
110
108
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta e Neoconcreta: palestra. III Congresso em Estética e História da Arte do
Programa de s-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, realizada no MAC-USP, São
Paulo, 9.nov.2005. (transcrição da pesquisadora).
109
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
110
GULLAR, Ferreira. Teoria do não-objeto. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo brasileiro na
arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977. p.87
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
76
Os Bichos, estruturas soltas no espaço, destituídas de peso e volume, se completam
na medida em que o espectador age sobre eles. Sua incompletude lhes confere um caráter de
obra aberta. Em depoimento, questionada sobre o caráter de ‘obra aberta’ nos Bichos, como
propõe Umberto Eco, Lygia Clark declara:
[...] Eu não tinha nenhuma teoria dos outros e nem a priori. Eu não sabia o que era
obra aberta, não sabia quem era Umberto Eco e não estava preocupada em fazer uma
obra aberta. Agora, os outros pode ser que soubessem alguma coisa, porque eram
muito mais intelectuais do que eu. Eu nunca fui uma pessoa muito intelectual,
sempre fui mais intuitiva [...]. Eu queria fazer aquilo que ia nascendo no momento
apropriado, sem abrir mão e sem deixar qualquer pessoa interferir na criação.
111
Segundo o filósofo Max Bense, os objetos são feitos artificialmente merecendo duas
classificações: objetos construtivos e não-construtivos. Para ele, essa diferença que se
manifesta nos objetos é o cerne da problemática do objeto na arte moderna. O autor denomina
os Bichos de Lygia Clark de “entre objetos”, pois aliam ao rigor geométrico construtivo o
não-construtivo, de caráter cinético, de movimento e imprevisibilidade. Os objetos criados por
Lygia Clark correspondem tanto a uma possível determinação como a uma possível
indeterminação”
112
, diz Bense, e, nesse jogo de ações táteis, que se produzem pela mão do
espectador, traz em seu bojo a questão da comunicação entre sujeito e objeto.
É importante assinalar que o objeto cinético se move em consonância com sua
estrutura mecânica, diferentemente dos Bichos clarkianos que, apesar de conterem cinetismo,
aceitam oscilações e interrupções do sujeito.
Gullar reforça a sua tese de que esses objetos (não-objetos) não são esculturas, pois
“nasceram, de fato, da pintura, e se ocupam o espaço tridimensional que é sua afinidade
com a escultura continuam a participar também da expressão pictórica que se negam a
tomar uma existência espacial definida, de corpo”
113
, uma vez que são estruturas sem base e
111
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.150.
112
BENSE, Max. Pequena Estética. Tradução de Haroldo de Campo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971. p.220.
113
GULLAR, Ferreira. Diversificação da experiência neoconcreta. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4.dez.1960.
Suplemento Dominical.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
77
desdobram-se no espaço. Contudo, isso não significa que sejam objetos híbridos, afirma o
crítico, mas um modo de existir do não-objeto, uma vez que pintura e escultura não são
categorias imutáveis.
Para Pedrosa, os Bichos clarkianos alteram o conceito de escultura tradicional. A
conjugação do construtivo com o orgânico e a imprevisibilidade de suas evoluções no espaço,
ao toque do espectador, também são enfatizadas pelo crítico: “Os bichos de Lygia vivem
precisamente porque conjugam uma força expressiva por vezes orgânica com um dinamismo
espacial matemático.”
114
Esses desdobramentos são casuais, porém não-arbitrários, observa o
crítico.
Em conformidade com os demais críticos, Antônio Bento elucida que os Bichos de
Lygia Clark não se remetem à “obra da pintora concreta [...]. Se as esculturas de hoje
desprenderam-se dos quadros da artista ‘como borboleta saindo do casulo’ (segundo a
expressão da própria Lygia Clark) é evidente que esta metamorfose foi de ordem
essencialmente dialética.”
115
Por outro lado, é importante ressaltar que Lygia Clark não aceitava a classificação
dada por Gullar aos seus Bichos, quando denominava-os de não-objetos. Enquanto Gullar
integrava todas as obras neoconcretas na Teoria do não-objeto, Lygia Clark insistia em
afirmar que os Bichos não atendem às características dos não-objetos e diz que “o único que
tinha feito não-objeto de verdade, naquela ocasião era o próprio Ferreira Gullar”.
116
Gullar, mais uma vez, atenta para o fato de que os Bichos fogem de qualquer
classificação genérica convencional. O crítico afirma que “insistir em vê-las como esculturas
móveis é um modo de aceitá-las no presente mas de negar-lhes o alcance revolucionário. Na
114
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
115
BENTO, Antônio. Os bichos de Lygia Clark. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 3.out.1960.
116
CLARK, Lygia. A quebra da moldura. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim n
o
473.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
78
verdade, uma nova relação se estabelece ali entre o espectador e a obra, o que vale dizer que
um novo tipo de comunicação se faz presente.”
117
Esse novo tipo de comunicação ao qual Gullar se refere é decorrente da realidade da
obra, da referência ao real, aos organismos vivos, fundamental nessa fase da trajetória da
artista: “[...] nas esculturas metálicas que chamei de bichos, ao final da década de 50, a
organicidade me interessava muito mais do que o seu aspecto ou finalização formal. Para
mim, os bichos eram organismos vivos”
118
, declara Clark.
Na experiência neoconcreta, a obra de arte é concebida como uma estrutura orgânica.
Gullar afirma que “O neoconcreto, ultrapassando esse nível superficial da percepção, cria
estruturas tempo-espaciais orgânicas, como uma ‘concreção’ do próprio impulso que a obra
nasceu”.
119
É uma busca existencial na obra de arte: “Cada bicho é uma entidade orgânica que
se revela em sua totalidade dentro do seu tempo interior de expressão”
120
, explica Clark.
Lygia Clark buscava um espaço orgânico contra a fragmentação do espaço concreto,
possibilitando ao espectador participar ativamente da obra de arte. O que a artista desejava é
que o espectador, que, antes, travava com a obra uma relação puramente ótica, agora entrasse
nesse espaço, organicamente, participando da obra no sentido de penetrá-la, apreendê-la.
O caráter orgânico dos Bichos é a aproximação que a artista faz entre a arte e o mundo
real. A obra deve ser um organismo vivo, atuante, possibilitando uma relação de interação
entre o Bicho e o espectador. Nesse sentido, os Bichos representam o esforço empreendido
pela artista em recuperar o vínculo com a realidade, com o convívio social, por meio de uma
arte participativa. É a tentativa de quebrar com o isolamento entre obra de arte e o espaço-
mundo.
117
GULLAR, Ferreria. Arte neoconcreta agora. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27.nov.1960. Suplemento Dominical.
118
PONTUAL, Roberto. Lygia Clark. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21.set.1974.
119
GULLAR, Ferreira. Forma orgânica. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18.jul.1959. Suplemento Dominical.
120
CLARK, Lygia. 1960 “Bichos”. In: GALERIA BONINO. 29 esculturas de Lygia Clark: catálogo. Rio de
Janeiro, 12-29.out.1960. Catálogo de exposição.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
79
Guy Brett, crítico e estudioso da obra de Lygia Clark, reafirma que os Bichos situam-
se entre o “esquematismo cerebral da geometria e a pulsação da vida e da natureza”
121
e
conclui afirmando que a própria artista lutava para que essas esculturas continuassem a ser
manipuladas pelo espectador, mesmo quando passavam a pertencer a coleções públicas e
privadas. Em carta a Hélio Oiticica, em que comenta uma exposição dos Bichos em Stutgart,
em 1964, sob curadoria de Max Bense, Lygia Clark se diz contrariada, pois os Bichos estavam
dependurados pela sala, presos por fios de nylon como se fossem móbiles, o que lhe causou
grande espanto. Lygia pegou uma tesoura e cortou todos os fios fazendo os Bichos caírem no
chão, seu habitat.
Por não se enquadrarem às categorias tradicionais da obra de arte, os Bichos
manifestam a própria crise da arte onde “os gêneros não se apresentam às velhas
delimitações (pintura tendendo à escultura, escultura imitando a pintura)”
122
, comenta
Pedrosa. Quebrando com o conceito de obra tradicional, os Bichos sintetizam o pensamento
da época, um momento em que os artistas brasileiros iniciam o processo de abandono dos
suportes tradicionais, possibilitando uma extensão no campo das artes visuais brasileiras.
As obras do trio neoconcreto (Pape, Oiticica e Clark), conforme observação de
Cocchiarale, “tecem as conexões inaugurais de nossa contemporaneidade, a partir de nossa
experiência modernista”
123
. Esses artistas preparam o terreno para as primeiras produções de
artistas contemporâneos que irão florescer a partir de então.
Antecipando o aparecimento da arte objetual, são importantíssimos para a
compreensão dessa nova fase da arte brasileira, em que a participação do espectador passa a
ser uma das prerrogativas de diferentes manifestações que se desenvolvem na década de 60. É
121
BRETT, Guy. Brasil experimental. Arte e vida: proposições e paradoxos. Ed. Contra-Capa, 2005. p.98.
122
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
123
COCCHIARALE, Fernando. A (outra) arte contemporânea brasileira: intervenções urbanas micropolíticas.
Disponível em: <http://www.rizoma.net/interna.php?id=222&secao=artefato>.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
80
uma nova busca dos artistas, que não mais enfatizam as questões puramente estéticas e
formais mas, principalmente, a participação do sujeito, que torna-se co-partícipe da obra,
diluindo condicionamentos e buscando sua liberdade individual. O importante é possibilitar
ao espectador o contato com um estado criador.
Na realidade, para esses artistas, toda arte advinda da escultura e da pintura faz a
transição para um novo estado de arte, colocando a obra não apenas com fins estéticos mas,
principalmente, para experiências comportamentais do participante. Oiticica observa que, para
o entendimento desse novo estado da arte, é fundamental a compreensão da obra de Lygia
Clark, “primeiro na transformação do quadro anunciando o fim do mesmo, e depois com a
magnífica descoberta do ‘Bicho’ transformando e liquidando a escultura.”
124
Para Oiticica, da
obra de Lygia Clark irrompe uma nova compreensão dessas manifestações artísticas, e essa
compreensão é decisiva para esse momento – que, segundo o artista, é também o mais
significativo das artes visuais brasileiras.
É um momento de transição, onde são criados objetos híbridos “que estão a indicar
estar a arte tal como a tivemos até agora, em estado transicional, como uma crisálida
125
,
observa Pedrosa. A questão do objeto demonstra o processo de mutação da arte. Torna-se a
própria superação dos suportes tradicionais, quadro e escultura.
Lygia demonstra estar consciente das antigas classificações da obra de arte: “se
também na minha expressão a superação do plano que veio através da minha pesquisa, o
que eu faço seria uma coisa nova em relação às categorias existentes”
126
, pois a artista
constata que, enquanto os informais saem para o relevo, os neoconcretos saem para o espaço
liquidando, de uma vez por todas, as velhas categorizações em arte.
124
OITICIA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p.103.
125
PEDROSA, Mário. Significação de Lygia Clark. São Paulo: Edição do autor, set-out.1960. Mimeografado.
Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.
126
CLARK, Lygia. Sem título, 1960. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.142.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
81
A questão da pintura e o problema de representação, conforme explicita Oiticica, é a
descoberta que é feita do próprio plano do quadro, entrando como elemento ativo na criação.
Os Bichos de Lygia Clark elucidam essa problemática, pois, ao diluirem o espaço
representacional, ativam a própria superfície, integrando-a ao espaço real, chegando a uma
inventividade até então nunca vista nas artes visuais do país.
Negar as categorias tradicionais da arte não significa criar uma nova categoria,
observa Oiticica. As novas tendências revelam uma ligação maior com o comportamento
criador que com questões estruturais e formais da obra de arte. reside o giro dialético que,
segundo Oiticica, “O conceito de objeto, a sua formulação, é antes de mais nada intelectual:
digo mais, de origem filosófica.”
127
A questão da representação é enfatizada por Oiticica,
quando da descoberta do plano com Malevitch e Mondrian, até o conceito de obra aberta de
Umberto Eco. Fez-se na arte [...] uma verdadeira disecção [sic] teórica do próprio conceito de
‘obra de arte’, do seu porquê, do ‘seu estar’, do seu modo, etc”.
128
As novas manifestações (objetos, coisas, sinais, etc.) revelam a necessidade de
liberdade que exige dos artistas novas estruturas, novas formulações, novos objetos que
permitam a participação do espectador. Deve-se assinalar que os anos 60 são marcados por
mudanças significativas no País e de grande reviravolta no campo das artes. Essa busca de
movimento, de realidade e de fruição na arte reflete, aliás, a dinâmica econômica e política no
Brasil desta época, marcada por graves problemas (aceleração da inflação, exorbitante
aumento do custo de vida, greves, agitação popular e outros) e pela busca de mudanças (com
a ativa participão de estudantes, sindicatos de trabalhadores e movimentos de reforma agrária).
Individualmente ou em grupos, vários artistas refletem muitas das ansiedades e das
propostas de mudanças desse período, sobretudo nas principais metrópoles brasileiras – como,
127
OITICICA, Hélio. Objeto - Instâncias do problema do objeto. Revista GAM, no. 15, Rio de Janeiro,
fev.1968. In: PECCININI, Daisy Valle Machado (Coord). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo:
Fundação Armando Álvares Penteado, 1978. p 97.
128
Ibid., p 97.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
82
por exemplo, no realismo mágico (com Wesley Duke Lee, que defende a liberdade de
expressão para estimular o processo imaginativo), no desencadeamento da arte-ação e da arte-
participativa (como os happenings, a body-arte, os percursos de ambientes e outros), no
movimento tropicalista, na arte performática e na arte tecnológica.
O interesse desses artistas é voltado para as ações, sendo que os objetos não
necessariamente existem como obras, mas como desencadeadores da participação do
espectador. Assim, o desenvolvimento do objeto nos anos 60 revela tendências diferentes, em
função da liberdade de expressão. Sobre a importância das obras neoconcretas, Daisy
Peccinini
129
afirma:
[...] os não-objetos, do final dos anos 50, em que o objeto está fundamentado nos
problemas de transformação estrutural da libertação dos limites espaciais
tradicionais do quadro e da escultura, conjugando-se com proposições consideradas
pioneiras da arte ambiental e de participação do espectador para completar a obra
(‘Bicho [grifo nosso] de Lygia Clark, 1963; ‘Lembra de Ferreira Gullar, 1959;
‘Livro da Criação’ de Lygia Pape, 1960).
Conforme observação de Peccinini, as novas preocupações como, por exemplo, a
utilização de objetos do cotidiano, pré-fabricados, a apropriação dadaísta dos ready mades de
Duchamp ou da Pop Art, e do Realismo gico, com a criação de assamblages, demonstram
a extrema complexidade e riqueza dos materiais usados pelos artistas.
A idéia de participação nos anos 60 é uma categoria interna na composição das
propostas; ao mesmo tempo, promove a participação por meio do próprio ato artístico e
também do político-social, passando a dar destaque a esses dois fatores. É a construção de
uma nova arte que pretende responder às necessidades de um país novo e, ao mesmo tempo,
estar ao nível das grandes metrópoles.
A crítica da idéia tradicional da arte reelabora a relação da arte com a vida, por meio
da desestetização da própria arte, decorrente da necessidade de inseri-la no cotidiano. Essa
nova concepção (para outro domínio que não o da obra) levou o espectador para
129
PECCININI, Daisy Valle Machado (Coord). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: Fundação
Armando Álvares Penteado, 1978. p.13.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
83
comportamentos diferentes do tradicional contemplativo. O novo espectador é um
participante. Uma das principais características dessa década é a desmistificação da obra de
arte que, colocada em xeque, abre novas possibilidades no campo das artes visuais.
As exposições Opinião 65 e Opinião 66, realizadas no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, Proposta 65 e Proposta 66, realizadas na Fundação Armando Álvares Penteado, e a Nova
Objetividade Brasileira, em 1967, também no MAM-Rio de Janeiro, dão o tom da efervesncia
do meio artístico, do contato entre os grupos de artistas e do intercâmbio com correntes artísticas
internacionais. Os fundamentos dessas exposões corroboram o ideário arstico da época e dos
acontecimentos mais recentes no campo das artes visuais brasileiras, conseqüência das
transformações a partir do abandono dos suportes tradicionais: o quadro e a escultura.
A Nova Objetividade, conceituada por Oiticica, tem como proposta a busca pela
liberdade individual e pela desalienação do sujeito. Somente pelo fazer, na experiência e na
vivência do espectador, enfatizando uma objetividade na obra de arte, seria possível
transformar a realidade. Os artistas propõem uma arte ambiental, participativa, onde deve
prevalecer não somente as questões estruturais da obra como, também, as questões de ordem
ético-social, enfatizando o participante na obra de arte.
Existe um esforço dos artistas dessa época, conforme explicita Oiticica, em colocar a
vanguarda em termos nacionais, não mais como manifestação européia (Noveau-Realismo
francês) ou americana (Pop americano). A Nova Objetividade é caracterizada pela busca de
novas ordens estruturais e pela negação dos conceitos tradicionais de pintura e escultura. As
antigas estruturas não satisfazem os vários artistas da época, pois eles buscavam, então,
manifestações integradas de ordem estética e ética.
Oiticica aponta a fundação do objeto como conseqüência da descrença em valores
puramente estéticos, afirmando que, realmente, surge a possibilidade de transformar a arte.
Essa abertura aos objetos traz um novo campo de exploração: a sensorialidade na busca de
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
84
novos comportamentos quais sejam de ordem do “coletivo ou simplesmente individual,
existencial.”
130
Assim, a participação do espectador vem a se constituir como uma nova categoria. Em
texto intitulado Esquema Geral da Nova Objetividade, Hélio Oiticica formula os princípios da
arte de vanguarda brasileira. A formulação do artista atenta para os seguintes princípios:
[...] 1- Vontade construtiva geral; 2- tendência para o objeto ao ser negado e
superado o quadro do cavalete; 3- participação do espectador (corporal, táctil,
visual, semântica, etc.); 4- abordagem e tomada de posição em relação a problemas
políticos, sociais e éticos; 5- tendência para proposições coletivas e conseqüente
abolição dos ‘ismoscaracterísticos da primeira metade do século na arte de hoje
(tendência que pode ser englobada no conceito de ‘arte pós moderna’ de Mário
Pedrosa); 6- ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte
.
131
A Nova Objetividade traz, em seu bojo, uma vontade construtiva geral, possibilitando
novas ordens de manifestações artísticas com tendência para o objeto e sublinhando a
participação do espectador na tentativa de aproximação entre arte e vida. Ao negar o caráter
aurático da obra de arte, esses artistas buscam novas formulações para o conceito de arte,
negam todos os ismos da primeira metade do culo XX e, nessa busca, integram as questões
de ordem ética, política e social da época.
Dentre as diferentes formas de manifestações artísticas, tudo pode vir a ser arte: um
objeto, um sinal, um comportamento, um ato, um improviso... Ao ser superada, a obra de arte
existe apenas como uma pista, um sinal. Ela irá propiciar ao espectador a ação, a participação
e o artista, portanto, passa a ser um propositor.
Ao sublinhar “o outro”, colocando-o como participante em seus Bichos, Lygia Clark
altera o tempo estático da obra. Não é um objeto estático que se realiza na permanência, mas
no ato do espectador. Entre o homem e o Bicho acontece “uma espécie de corpo-a-corpo entre
130
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p.111.
131
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. Rio de Janeiro, abr.1967. In: PECCININI, Daisy
Valle Machado (Coord). O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado,
1978. p.75.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
85
duas entidades vivas [...]. Esta relação, anteriormente metafórica, do homem com o bicho
torna-se real”.
132
Nos Bichos, o que importava para a artista era o comportamento do espectador e que,
nessa experiência, a realidade fosse processo e totalidade. Dessa forma, elucida Pedrosa, a
artista inaugurou uma nova vereda: “quando então reclamava a ‘participação’ do ‘espectador’
‘dentro da obra’, toda sua atitude ia passar, ou começava a passar por uma mudança cujas
implicações finais não tinha plena consciência”
133
, pois, na verdade, a artista, naquele
momento, acreditava propor uma questão de escultura, mas o que realmente se passava com
essa proposição era a busca do tempo imanente pelo participante, tempo presente, em
contraposição ao transcendente da obra de arte tradicional.
A artista buscava o tempo presente como a única possibilidade de encontrar a
imanência no objeto. O presente é a única realidade tangível para comunicar. A obra está
sempre retomando o impulso que a gerou e o agir sobre ela altera o tempo linear, narrativo.
A não-narração integra-se à conceituação da obra neoconcreta. Essa era uma questão
“primordial na conceituação neoconcreta, o não-discurso, a não-leitura aristotélica, de
começo, meio e fim... Esse dado é fundamental”
134
, afirma Lygia Pape.
O neoconcreto afirma a obra como um ser temporal, não-linear. Essa posição é válida
tanto para as artes plásticas como para a poesia, que buscam a apreensão do tempo, tempo
vivenciado pelo espectador ao agir sobre a obra. A idéia de tempo em movimento é um dos
preceitos do neconcretismo. Gullar afirma que o “não-objeto é concebido no tempo [...]. A
contemplação conduz a uma ação que conduz a uma nova contemplação. [...] O espectador
age, mas o tempo de sua ação não flui, não transcende a obra, não se perde além dela:
132
CLARK, Lygia. 1960 “Bichos”. In: GALERIA BONINO. 29 esculturas de Lygia Clark: catálogo. Rio de
Janeiro, 12-29.out.1960. Catálogo de exposição.
133
PEDROSA, Mário. A obra de Lygia Clark. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28.dez.1963.
134
FERREIRA, Glória. Sem título, 1999. In: CONJUNTO CULTURAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
(Brasília, DF). Clark Oiticica Pape: catálogo. Brasília, set-out.1999. Catálogo de exposição. Entrevista de
Lygia Pape a Glória Ferreira no Rio de Janeiro, em ago.1999.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
86
incorpora-se a ela, e dura. A ação não consome a obra, mas a enriquece.”
135
É o tempo-
duração, tempo vivenciado pelo espectador. O tempo neoconcreto é fenomenológico na
experiência criadora. Para o crítico, o tempo concreto tem uma dimensão objetiva;
contrapondo-se ao tempo neoconcreto, que é fenomenológico, que possibilita a recuperação
da experiência vivida, pontencializando-a novamente.
Esta idéia foi um desdobramento natural da descoberta poética da noção de tempo dos
artistas neoconcretos. Ronaldo Brito observa que o neoconcretismo, inserindo em suas
produções o tempo tangível, tempo-vivência, “foi um precursor das tendências dominantes
nos anos 60 que representavam um esforço para abolir a distância entre arte e vida.”
136
Nesse sentido, os Bichos de Lygia Clark, gerados pelos movimentos do espectador,
possibilitam conjugar o tempo da obra com a experiência do espectador, tornando-a “pioneira
de uma estrutura ligada ao sentido de tempo, que não abre um novo campo na escultura
como funda uma nova forma, ou seja, aquela que se na transformação estrutural e na
dialogação temporal do espectador e da obra”
137
, elevando-a ao nível dos grandes criadores,
afirma Oiticica.
Sobre a dialogação temporal, Lygia Clark afirma que o “tempo é o novo vetor da
expressão do artista. Não o tempo mecânico, é claro, mas o tempo vivência que traz uma
estrutura viva em si. Sinceramente eu tenho certeza de que os Bichos são isto, sem modéstia e
exageros.”
138
O espectador, agindo sobre essas obras, faz a experiência da continuidade do
tempo.
135
GULLAR, Ferreira. Diálogo sobre o não-objeto. In: AMARAL, Aracy (Coord.). Projeto construtivo
brasileiro na arte: (1950-1962): catálogo. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do
Estado, 1977. p.94.
136
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro.São Paulo: Cosac &
Naify, 1999. p.77.
137
OITICIA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p.56.
138
FIGUEIREDO, Luciano (Org.). Lygia Clark Hélio Oiticica: Cartas, 1964-1974. 2.ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1998. p.35.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
87
A saída para o espaço real e a participação do espectador trazem, consigo, a
segregação do objeto. Ao criar os Bichos, a artista inicia o processo de viver a arte ao invés de
fazê-la. Lygia Clark faz um deslocamento em sua poética, não quer mais se atrelar ao
compromisso estético-formal; pelo contrário, busca a experiência totalizadora através de
comportamentos.
À espera do espectador, os Bichos estão lá, tácitos, aguardando as mãos que lhes dêem
vida, que os despertem, como experiência ainda não decifrada, mas prenhe de significações.
Nesse período, a artista concebe o Caminhando (1963), como será visto no próximo
capítulo e, após entrar em crise com a supressão do objeto de arte, cria seus últimos Bichos,
Trepantes e Obras-Mole (1964-65), que são também suas últimas obras.
Nas duas próximas páginas, o estudo fotográfico realizado por Maria das Graças
Teixeira demonstra a infinitude de posições e movimentos do Bicho Caranguejo.
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
88
ESTUDO FOTOGRÁFICO COM O BICHO CARANGUEJO DE BOLSO:
Capítulo 3 – A revelação do novo espaço: Formas tridimensionais no espaço-mundo e participação do
espectador – Bichos
89
Figs.75-98 - CLARK, Lygia. Bicho Caranguejo de Bolso. Peça em plástico - formada por sete partes
triangulares com 14,5x10x10cm cada uma, produzida pela Associação Cultural “O mundo de Lygia Clark” e
adquirida pela pesquisadora em 2007.
Neste ensaio foram realizadas quatrocentas posições do Bicho Caranguejo de Bolso, demonstrando a
diversidade de posições.
Crédito: Maria das Graças Teixeira.
Fig.99-100 - CLARK, Lygia. Bicho Caranguejo de Bolso. Detalhes.
O Bicho Caranguejo de Bolso possui seis dobradiças.
90
CAPÍTULO 4 - O ESPAÇO CONTÍNUO DA OBRA:
A OBRA É O ATO – CAMINHANDO
Só o instante do ato é vida.
139
(Lygia Clark)
Caminhando é o nome que dei à minha última proposição. A partir daí, atribuo uma
importância absoluta ao ato imanente realizado pelo participante. O Caminhando tem todas as
possibilidades ligadas à ação em si: ele permite a escolha, o imprevisível, a transformação de
uma virtualidade em um empreendimento concreto”
140
Fig.101 – CLARK, Lygia. Caminhando, 1963.
Uma tira de papel com as extremidades unidas – como uma fita de Moebius
141
–, que a
artista chama de Caminhando, é entregue a alguém com a proposta de que perfure sua
superfície com uma tesoura e a corte longitudinalmente, trilhando o seu próprio caminho. O
suporte é descartado em seguida.
O corte em Moebius gerou uma série fotográfica que deveria integrar exposição da
139
CLARK, Lygia. A propósito do instante. 1965. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e
Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.27.
140
CLARK, Lygia. Caminhando. Livro-Obra, 1983. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark:
catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.151.
141
“Descoberta em 1865 pelo matemático e astrônomo alemão August Ferdinand Moebius (1790-1868), a faixa
de Moebius foi o embrião de um ramo inteiramente novo da matemática conhecido como topologia, o estudo das
propriedades de uma superfície que permanecem invariantes quando a superfície sofre uma deformação
contínua”. Disponível em: <http://br.geocities.com/lucia_math/moebius.htm>.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
91
artista em Stutgart, em 1964, o que não se realizou por falta de espaço. A data da proposição é
imprecisa, mas foi criada no ano anterior, ao que se pôde constatar durante a pesquisa, ainda
durante a realização da série Bichos.
Figs.102-105 – CLARK, Lygia. Caminhando, 1963. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al.
Lygia Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997
(espanhol/portugués). Pp.148-149.
Em Caminhando, a ênfase é a experiência do ato de cortar a fita. Nessa proposição,
sublinhando o gesto real do participante, a artista deseja que o espectador trilhe o seu caminho
desde o momento em que perfura a superfície moebiana com a tesoura e escolha entre seguir
Fig.106 - Fita de Moebius.
Representação geométrica.
à direita ou à esquerda até não ser mais possível seguir adiante: “À
medida em que se corta a fita, ela se afina e se desdobra em
entrelaçamentos. No fim, o caminho é tão estreito que não pode
mais ser aberto. É o fim do atalho.”
142
A possibilidade de escolha é
decisiva para a artista, pois a obra não se completa em si mesma
ela é um simples pretexto para o exercício da criação. Viver a experiência de Caminhando é
viver a si mesmo.
O conflito entre realidade imediata e o tempo absoluto dissolve-se no ato imanente.
“Cada Caminhando é uma realidade imanente que se revela em sua totalidade durante o
tempo de expressão do espectador-autor.”
143
Caminhando é uma potencialidade que contém,
em si, obra e participante, uma realidade única. Diluindo a relação dualista entre sujeito e
objeto, a artista instaura um deslocamento na obra de arte, pois o que antes centrava-se na
142
CLARK, Lygia. Caminhando. Livro-obra, 1983. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark:
catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.151.
143
Ibid., p.151.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
92
autoria do artista, agora é transferido para a ação do espectador: “A partir daí, atribuo uma
importância absoluta ao ato imanente realizado pelo participante [...] Em sendo a obra o ato
de fazer a própria obra”, explica a artista. O participante e a obra “tornam-se totalmente
indissociáveis”
144
O fascínio pela fita de Moebius, um dos paradigmas da arte concreta, decorre da
experiência da continuidade do espaço. Apresentada aos artistas brasileiros por Max Bill, ela
se faz notar em várias das esculturas do artista suíço, que são, na verdade, fitas de Moebius
em materiais rígidos, como por exemplo, o aço inoxidável em Unidade Tripartida (Fig.3).
A torção efetuada no plano possibilita o sentido de continuidade espacial da fita de
Moebius. Quando se coloca o dedo para percorrer essa superfície, percebe-se que em um
determinado momento o dedo está dentro do círculo formado pela união das extremidades da
fita e, em seguida, está fora. “Por não ter direito e avesso, dentro e fora, descondiciona o
sujeito de “hábitos espaciais”: direita-esquerda-frente-verso-etc. Ela (a fita de Moebius) nos
faz viver a experiência de um tempo sem limites e de um espaço contínuo”
145
, sendo que
espaços interno e externo alimentam-se mutuamente. Lygia já havia se interessado pela torção
moebiana que destrói o plano virando-o do avesso. Em entrevista a Edelweiss Sarmento, em
1959, a artista fala de seu fascínio pela topologia de Moebius: “na fita de ‘Moebius’ o plano é
destruído por essa mesma torção (passa-se por dentro e fora do plano como se este não
existisse), pois foram usados os dois lados inversos de uma mesma espessura”
146
.
Conforme explicação de Lygia Pape (referindo-se ao trio Clark, Pape e Oiticica),
apesar da sedução exercida pela forma geométrica, quando os neoconcretos descobrem a fita
144
Ibid., p.151.
145
CLARK, Lygia. Capturar um fragmento de tempo suspenso. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia
Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. 362p. (espanhol/portugués). p.187.
146
SARMENTO, Edelweiss. Lygia Clark e o espaço concreto expressional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
2.jul.1959. Suplemento Dominical, p.3. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p. 85.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
93
de Moebius iniciam a experiência do espaço real, pois começam a abandonar o plano para o
espaço em três dimensões.
147
Se nos Casulos Lygia Clark faz a torção em material rígido como, por exemplo, o
ferro –, em Caminhando a maleabilidade do papel permite ao espectador trilhar essa torção. O
que importa não é o suporte, mas o ato. Ato não renovável, não repetível. Intransferível.
Repeti-lo já é dar-lhe outro sentido. No ato não se “encontra a duração de vivências passadas.
Ele é outro momento. No momento em que se , o novo ato é uma coisa em si mesma”
148
,
observa Jayme Mauricio.
Aqui ocorre uma mudança paradoxal na trajetória da artista, onde a desmistificação
da obra de arte permanente e a transição da idéia da transcendência do objeto para a imanência
do ato. Sobre isso, Lygia afirma, em dois momentos distintos: “Sinto profundamente a queda
de valores de palavras que deixam de ter significado como gênio’ e a ‘obra’.”
149
; e
A
percepção bruta do ato é o futuro de se fazer. O passado e o futuro estão implicados no
presente-agora do ato.”
150
A partir da experiência com Moebius, Lygia Clark percebe a precariedade do plano e
passa a sublinhar questões éticas em seu trabalho. O ato é a realidade da obra e conscientizar-
se desse ato é também desvincular-se do tempo mecânico, fragmentado. O que está em
evidência é o momento vivido. O ato deve conter um significado para o participante e,
cortando a fita, ele fará a experiência do presente, do aqui-agora.
Em 1960, Lygia Clark declara a morte do plano: “O plano, marcando arbitrariamente
os limites do espaço, ao homem uma idéia inteiramente falsa e racional de sua própria
147
FERREIRA, Glória. Sem título, 1999. In: CONJUNTO CULTURAL DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
(Brasília, DF). Clark Oiticica Pape: catálogo. Brasília, set-out.1999. Catálogo de exposição. Entrevista de
Lygia Pape a Glória Ferreira no Rio de Janeiro, em ago.1999.
148
MAURÍCIO, Jayme. As novas dimensões de Lygia Clark. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19.jun.1961.
149
CLARK, Lygia. Da supressão do objeto. Rio de Janeiro, 1975. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia
Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.265.
150
CLARK, Lygia. 1965: A propósito do instante. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa
e Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.27.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
94
realidade”, impossibilitando-o de viver em sua totalidade. “Demolir o plano como suporte da
expressão é tomar consciência da unidade como um todo vivo e orgânico [...] A concepção
filosófica que o homem projetava sobre ele não mais o satisfaz nada mais resta que a idéia
de um Deus exterior ao homem.”
151
Para a artista, desintegrar o plano é tomar consciência da condição do homem e
afirmar a possibilidade de reintegrá-lo: “Nós somos um todo, e agora chegou o momento de
reunir todos os fragmentos do caleidoscópio onde a idéia de homem estava partida em
pedaços”.
152
Não mais como se projetar, enfatiza a artista. O presente é a única realidade
tangível. Viver a arte sem arte, onde não é possível nenhuma transferência. O homem tem que
ser capaz de assegurar-se a si mesmo.
O espectador, através da ação, trava consigo um diálogo existencial, sem poéticas
transferentes pois elas dão uma falsa noção da realidade, reforçando no homem a
necessidade de mitos externos.
“(...) para mim tudo está ligado. Desde a opção, o ato, a
imanência como meio de comunicação, a falta de qualquer mito exterior ao homem.”
153
Assumir a imanência através do ato é, também, negar qualquer possibilidade de projeção
nestes mitos:
“Todos os mitos caíram por terra […] e, nós, os privilegiados, temos que propor
na ação porque o momento, o agora é a única realidade tangível que ainda comunica algo.”
154
O que a artista propõe é a supressão do objeto, para que não haja qualquer
possibilidade de projeção para o espectador-autor, eleito como protagonista de sua arte. “Para
mim o objeto, desde o Caminhando, perdeu o seu significado.”
155
151
CLARK, Lygia. 1960: A morte do plano.In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e
Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.13.
152
Ibid., p.13.
153
FIGUEIREDO, Luciano (Org.). Lygia Clark Hélio Oiticica: Cartas, 1964-1974. 2.ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1998. p.84.
154
Ibid., p.59.
155
Ibid., p.61.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
95
Na desconstrução do objeto, Lygia Clark persegue a significação e a formulação da
realidade, sem qualquer interferência externa. A artista busca o tempo interior, tempo que se
contrapõe às conquistas externas do homem. Essencial é que o indivíduo conquiste seu tempo
interior, assumindo um sentido ético em sua vida, para que não se destrua.
Para a artista, Caminhando recusa a espetacularidade e a fetichização da obra de arte,
solicitando do participante apenas gestos, pequenas ações cotidianas, sem qualquer
teatralidade ou projeções. A arte é um exercício de introversão, de olhar-se para dentro de si
mesmo. A obra de arte, para ela, está chegando ao seu término; sobram os comportamentos. E
reafirma apenas o conceito da obra: “a estrutura não era minha, a obra não era minha, a
autoria não era minha, o conceito era meu; a participação que era o ato da criatividade, foi
dado ao outro.”
156
Com Caminhando, objeto e autoria deixam de existir. Seu interesse volta-se para as
experiências comportamentais: “somos os propositores e, através da proposição, deve existir
um pensamento, e quando o espectador expressa essa proposição ele na realidade está
juntando a característica de uma obra de arte de todos os tempos: pensamento e expressão.”
157
A perda da autoria é a própria dissolução da arte na vida: “Tomo consciência de que o
Caminhando é a primeira passagem do meu eu para o mundo, percebendo a totalidade do
ritmo desde o futebol de praia até Mozart [...]. Perdi minha identidade, estou diluída no
coletivo [...]. ‘Eu sou o outro’.”
158
É preciso que a experiência com Caminhando não tenha conceitos pré-concebidos.
Uma experiência puramente espontânea em que o participante, enquanto estiver cortando a
fita, não se preocupe em saber o antes e o depois, ou seja, o que já cortou e o que será cortado.
156
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder; HOLLANDA, Heloísa Helena Oliveira Buarque de. Patrulhas
ideológicas: Marca reg. Arte e engajamento em debate. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.155.
157
FIGUEIREDO, Luciano (Org.). Lygia Clark Hélio Oiticica: Cartas, 1964-1974. 2.ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1998. p.84.
158
Ibid., p.265.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
96
É importante assinalar que as raízes dessa subjetividade nos artistas do grupo
neoconcreto estavam no trabalho desenvolvido pela Dra. Nise da Silveira
159
, diretora do
hospital psiquiátrico Engenho de Dentro, junto a Mário Pedrosa, Almir Mavigner e Abraham
Palatinik. Utilizando as experiências sobre o inconsciente realizadas no final dos anos 1940, a
Dra. Nise da Silveira trabalha com crianças e doentes mentais, caracterizando-se como um
trabalho de anti-psiquiatria.
Fundamentado nas pesquisas da Dra. Nise, e em diálogo com Merleau-Ponty, Susane
Langer e Ernst Cassirer, o grupo reforça a busca e a valorização da subjetividade na obra de
arte. Conforme observa Herkenhoff, “Na base dessa experiência, a questão geométrica se
confronta com a loucura. A racionalidade geométrica se confronta com o desbordamento
psicológico.”
160
As alterações que Lygia empreende em sua arte acabam ocorrendo também consigo
mesma. Rompe com o plano, desliga-se do tempo mecânico. Liberta-se de conflitos
existenciais, de antinomias, tais como arte e vida. Resolve a dialética do dentro e do fora, do
avesso e direito, do sujeito e objeto, do ontem e do hoje. Altera o sentido de temporalidade.
Agora é o tempo imanente. O tempo do ato fazendo-se nele mesmo.
A démarche da artista, quando o imanente lugar ao transcendente em seu processo
criativo com Caminhando, é importantíssima nos desdobramentos de sua trajetória,
culminando com a descoberta do corpo, em um trabalho onde o ato e a participação coletiva
enfatizam a busca do ético. Após o Caminhando, onde não mais existe o objeto
159
Nise da Silveira inicia seu trabalho no “Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II”, no Engenho de Dentro, no
Rio de Janeiro, em 1944. Pioneira na divulgação da psicologia junguiana, luta contra técnicas psiquiátricas
agressivas aos pacientes. Em seu trabalho de reabilitação de doentes mentais, trabalha no campo da expressão
simbólica, revolucionando a psiquiatria em nosso país.
160
ROLNIK, Suely. Diagrama da vida. Rio de Janeiro, mai.2005. Entrevista com Paulo Herkenhoff. In:
ROLNIK, Suely; DISERENS, Corinne (Cur.). Lygia Clark: do objeto ao acontecimento. Somos o molde. A
você cabe o sopro: catálogo. Nantes, França: Musée des Beaux Arts, 8.out-31.dez.2005; São Paulo: Pinacoteca
do Estado de São Paulo, 25.jan-26.mar.2006. Catálogo de exposição realizada com a colaboração da Associação
Cultural ‘O mundo de Lygia Clark’. p.81.
Capítulo 4 – O espaço contínuo da obra: A obra é o ato – Caminhando
97
transferente, a artista entra em crise: “Sinto-me sem categoria, onde é meu lugar no mundo?
Tomo horror a ser catalisadora das minhas proposições.”
161
Trazendo sua arte para a realidade, a escolha passa a ser o momento, o acontecimento,
sem conceitos apriorísticos. O Caminhando é a situação-limite na trajetória da artista. É a fase
intermediária da transição do objeto permanente para a arte efêmera.
Após Caminhando, Lygia cria seus últimos Bichos, que são também seus últimos
objetos, para, em seguida, diluir sua arte no mundo entrando no campo da antiarte ou
arte-terapia, atingindo o singular estado da arte sem arte.
161
CLARK, Lygia. Da supressão do objeto. Navilouca: Rio de Janeiro, 1975. Publicado originalmente em
francês na revista Macula 1 (Paris, 1973). In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (Orgs.). Escritos de
artistas. Anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p.354.
98
CAPÍTULO 5 - DERIVAÇÕES DE BICHOS:
TREPANTES E OBRAS-MOLES
Eu sou o antes e o depois, sou o futuro e o presente. Sou
o dentro e o fora, o direito e o avesso.
162
(Lygia Clark)
Fig.107 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965.
Aço inoxidável.
Entre 1963 e 1965, a artista cria seus
últimos Bichos que são, também, seus últimos
objetos. Apesar de estar em crise com o objeto de
arte, declara: “Paradoxalmente eu sentia
necessidade de continuar fazendo Bichos [...] Desse
modo, esses Bichos moles eram muito ambíguos:
comparados com o Caminhando, eles pareciam
uma regressão, um retorno ao objeto.”
163
Nos Trepantes a artista troca o alumínio
anodizado por folhas de latão e cobre maleáveis,
soldados nas extremidades e nas Obras-Moles, utiliza borracha. Como em Caminhando, o
caráter topológico da fita de Moebius é determinante nessas obras, mais uma vez anulando o
conceito euclidiano de espaço, enfatizando sua experiência contínua. A flexibilidade desses
materiais possibilitam um fluxo contínuo, conferindo a esses Bichos uma maior organicidade
que nos anteriores.
Desta vez, em decorrência dos materiais moles, eles se comportam como se fossem
animais invertebrados, como se nascessem do chão e se agarrassem a árvores. Deles foi
retirado aquilo que nos anteriores era como a coluna vertebral (as dobradiças). O movimento
162
CLARK, Lygia. Do ato. 1965 In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997 (espanhol/portugués). p.165.
163
CLARK, Lygia. Capturar um fragmento de tempo suspenso. Fragmento de “L’art c’est le corps”, Preuves,
no.13, Paris, 1973, p.142-143. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona,
Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. 362p. (espanhol/portugués). p.187.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
99
que antes se dava por articulação é substituído por um movimento contínuo. Ganham, assim,
uma maleabilidade que os tornam elásticos, deformáveis, mais próximos de seres vivos,
Fig.108 - CLARK, Lygia. Obra-Mole, 1964.
Borracha.
podendo agarrar-se a outros objetos como
pedras, muros, troncos de árvores e outros.
As articulações faziam os Bichos
movimentarem-se como que por meio de
saltos. Agora, com essa estrutura contínua,
ganham movimentos ondulantes. Não
privilegiam nenhuma posição ou momento no
espaço; se fazem e refazem num moto-
contínuo. Esse “animal”, por não possuir
“posição privilegiada”, nem qualquer
“ângulo de visão favorecido” e, menos ainda,
“aparência a priori”, o Bicho elástico “está vivendo de entranhas e carapaças à mostra”,
Fig.109 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965,
alumínio e madeira, 34x34x50cm. Coleção
Adolpho Leirner.
fundindo todos os seus lados, dentro e fora,
exterior e interior, “à espera, desdenhoso, que
um qualquer venha e o apanhe de jeito, e o
arreganhe ou encolha, puxe e repuxe”
164
,
descreve Mário Pedrosa.
O caráter banal que imprime a essas
obras é ressaltado pela artista. Em depoimento,
declara: “O Trepante era de borracha e foi feito
em 1964. Foi o último bicho que fiz. Aliás, foi
muito bonito, porque eu fiz, levei à casa do
164
PEDROSA, Mário. A obra de Lygia Clark. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28.dez.1963.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
100
Mário e joguei no chão. O Mário deu um chute no ‘Trepante’ e falou: ‘Até que enfim pode-se
chutar uma obra de arte!...’ Eu adorei isso”.
165
Fig.110 - CLARK, Lygia. (Bicho) O antes é o
depois, 1963. Latão.
Esses Bichos adquirem um duplo caráter,
enfatizando a transição do objeto permanente
para o efêmero, pois, ao mesmo tempo que
contêm a maleabilidade de Caminhando, cuja
precariedade sinaliza o fim do objeto, neles
também estão inseridas características de objetos
permanentes o que provocou uma nova crise
na artista, pensando que sua arte chegara ao fim.
Dos Bichos que recebem a torção moebiana feitos em material rígido, como metal e
folha de flandres, destacam-se O dentro é o fora (1963), O antes é o depois (1963) e Abrigo
Fig.111 - CLARK, Lygia. (Bicho) O dentro é o fora, 1963.
Metal - lata.
Poético (1964), obras que a artista
caracteriza como derivações dos
Bichos.
O dentro é o fora, estrutura
em aço inoxidável, elástica,
deformável, espelha o que está se
passando com a artista: “O que me
toca a escultura ‘dentro-fora’, é
que ela transforma a percepção que tenho de mim mesma, do meu corpo. Ela me modifica,
estou sem forma, elástica, sem fisionomia definida. Seus pulmões são os meus”.
166
Lygia o
165
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.151.
166
CLARK, Lygia. Do Ato. 1965. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e Lygia Clark.
Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.24.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
101
concebe a partir de imagens. Essa busca do vazio interior a acompanha desde a infância:
“Quando eu era garota eu sempre pensei sobre o nosso vazio interior [...] No fundo, o ‘dentro
é o fora’ é esta fantasia [...] identificação do nosso vazio, pulmão elástico e introjeção do
vazio pleno, pulmão cósmico [...] Engolimos o cosmos, Deus, e estamos emprestando sentido
ao nosso vazio interior.
167
A artista se desfaz, de uma vez por todas, das divisões mecânicas
do espaço (exterior e interior) e de tempo – passado, presente e futuro se fundem no agora.
Essas estruturas sem forma definida são um acontecimento, um evento no espaço-
mundo e, não mais, uma forma estruturada que se sustenta no espaço.
Lygia Clark explora as últimas possibilidades do plano, desvencilhando-se de qualquer
formalismo. O que resta de seu formalismo, conforme observa Pedrosa, da vivência da forma,
ou seja, do plano, transforma-se nesses monstros elásticos, com suas formas destituídas de
estrutura, perseguindo as últimas possibilidades do plano. “Talvez a suspeita de que esteja
entranhado nele o pecado formalista”
168
, diz o crítico.
A maleabilidade e precariedade das Obras-Moles prefiguram as experiências
sensoriais que se desenvolverão em sua trajetória. A sensualidade de sua elasticidade
Fig.112 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. Latão.
anunciava, inconscientemente, o que
viria a seguir. Lygia Clark, mais uma
vez, entra em crise pois pressente que a
arte chegara ao seu término e parece não
ter saída.
Abrigo Poético (1964) insere-se
nestas séries (Trepantes e Obras-Moles)
por terem formas circulares que, quando
167
CLARK, Lygia. Sem título, 28.out.1963. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo.
Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.167.
168
PEDROSA, Mário. A obra de Lygia Clark. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28.dez.1963.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
102
desmontadas, achatam-se no chão. A maleabilidade do latão ou da folha de flandres
possibilita ao espectador manipulá-la por meio de giros e torções. Nesses giros, a obra vai
ganhando vários níveis até chegar em sua forma final, que pode ser chamada de escultura.
Essas “superfícies helicoidais e ligadas por solda criam o que se pode classificar de espaço
arquitetônico privilegiado: são carapaças que contêm um espaço flexível envolvente e
envolvido”
169
, observa Pedrosa. É o abrigo em que o vazio se torna forma. Mais
Fig.113 - CLARK, Lygia. Abrigo poético, 1964. Folha de
flandres.
uma vez a artista demonstra sua ligação
com a arquitetura. A própria
nomenclatura dá a idéia de proteção.
“Nos abrigos de Lygia, passado e
futuro se encontram num momento, isto
é, na espessura do presente, cujo
privilégio é, segundo Husserl, ser a
zona onde o ser e a consciência não fazem senão um.”
170
O grande desejo de Lygia Clark é reproduzir os Bichos em grande escala, diluindo sua
arte no mundo, arrancando-a dos lugares convencionais. Em seus escritos, declara que a sua
vontade é colocar todos os seus objetos em um grande trailer e sair para o mundo,
possibilitando a todas as pessoas o exercício da arte: “Quando eu fiz os Bichos em 59, eu me
lembro que a primeira atitude politizada que eu tive foi a seguinte: eu sabia que o Bicho não
deveria ser uma escultura, uma obra de arte para ser colocada daquela forma dentro do
mercado ou exposta em museus, galerias...”
171
Essa idéia, no entanto, não se concretiza e os
Bichos acabam nos museus, inseridos no sistema da arte, contrariamente à vontade inicial da
169
Ibidem.
170
Ibidem.
171
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder; HOLLANDA, Heloísa Helena Oliveira Buarque de. Patrulhas
ideológicas: Marca reg. Arte e engajamento em debate. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.154.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
103
artista: “[...] meu sonho era fazer o que naquela ocasião não se conhecia: seriam os Múltiplos.
Reproduzir em quantidades e vender nas esquinas das praças, nas ruas do Rio de Janeiro,
camelôs”.
172
Fig.114 - CLARK, Lygia. A Casa do
Poeta, (maquete), 1964.
Lygia queria divulgar pelo mundo a idéia de
participação, fora dos lugares institucionais da arte. A
partir desses deslocamentos da artista, do lugar da
obra e do espectador –, Lygia começa a se negar como
artista. Felipe Scovino observa que o termo não (não-
artista) começa a aparecer a partir dessa época em seus
textos, em seus discursos, na fase dos Bichos.
173
(informação verbal) E Pedrosa elucida: com esses
Bichos a artista alcança “uma expressão perfeita de seu pensamento dilacerado entre arte e
Fig.115 - CLARK, Lygia. Estruturas de
caixas de fósforo, 1964. Caixas de fósforo
pintadas e coladas.
não-arte, entre criação e não-existência”.
174
O período entre 1960 e 1965 é extremamente
profícuo na trajetória da artista, pela diversidade de
experiências que marcam a sua produção: Bichos,
Caminhando, Obras-Moles, Trepantes, Abrigo
Poético, Construa você mesmo, Estruturas de Caixas
de fósforo.
Em 1965, Lygia Clark adoece e, durante sua
recuperação, começa a brincar com caixas de fósforos. Mais uma vez busca a idéia de abrigo,
tentando fazer uma casa toda feita de caixotes que, para a artista, “são a continuação do
172
Ibidem.
173
Depoimento de Felipe Scovino à pesquisadora. Rio de Janeiro, mai.2007.
174
PEDROSA, Mário. A obra de Lygia Clark. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28.dez.1963.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
104
problema da metafísica da fase preta de linhas brancas (referindo-se às Unidades)”.
175
As
caixas de fósforos possibilitam brincar com os espaços vazios, o dentro e o fora. Nesse
momento, a artista está negando o objeto de arte cultuado em museus, afirmando ser a arte,
em si, uma presunção. Durante este período, conscientiza-se de que a vida é mais importante
do que a arte: “Pois sem ela onde a consciência da própria obra?”
176
As caixas de fósforos também têm associação com os Bichos, no sentido da
movimentação. Não é possível perceber esse movimento através de reproduções de imagens.
Em estudo, pode-se aferir que as caixas são coladas umas nas outras, formando um bloco
único sendo que o movimento se na abertura dos vazios. A junção está sempre presente,
enfatizando a linha orgânica.
Fig.116 - CLARK, Lygia. Construa vo
mesmo seu espaço para viver. (maquete), 1960.
Construa você mesmo (1960) é esse espaço
labiríntico, que se assemelha aos Penetráveis, de
Oiticica. São dois trilhos com diferença de nível
(possibilitando o movimento) e as portas, o chão e
o teto, feitos de acrílico. Um projeto uma
maquete que nunca foi realizada. É a idéia de
“casa” o que ela queria construir. A casa
demonstra a ligação da artista com o espaço, com
o outro. Até que ponto o homem pode ser transformado pelo ambiente ou, ao contrário, em
que medida os determinados espaços (ambientes) podem nos transformar? Para Lygia Clark,
estas questões são geradoras de sua trajetória: Como deve ser o convívio com a pessoa que
está do nosso lado? E o convívio consigo mesmo? A partir dessas questões, Lygia Clark
coloca-se à margem do sistema de arte.
175
CLARK, Lygia. Volta de Paris. Rio de Janeiro, 1964. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark:
catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.175.
176
Ibid., p. 176.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
105
Apesar de sua atuação não se equiparar a um ativismo político, sua arte não deixa de
ter esse caráter, principalmente pela vontade de mudanças e de transformações, quando coloca
o espectador como um ser criador, na tentativa de libertá-lo de uma sociedade alienante.
Negar o sistema de arte é, também, uma atitude politizada da artista, denunciando o objeto de
arte como fetiche, na sociedade de consumo: “[...] se você olhar as conseqüências do meu
trabalho depois que eu deixo esse mercado, largo a sociedade de consumo, não porque eu
quisesse fazer isso politicamente mas porque o movimento foi esse, então voque ele é
muito politizado porque nega o sistema”.
177
Eliminando a idéia de objeto de arte que é dado ao espectador para ser decifrado, a
necessidade de Lygia Clark caracteriza-se na fusão entre arte e vida. A artista quer que a arte
entre, definitivamente, para a realidade concreta, pois nada é eterno e o precário é a própria
realidade. Jean Clay elucida que, por uma nova radicalização na démarche de Lygia Clark, o
objeto chega ao seu término. Para a artista, nesta nova fase a arte é o agir no mundo. Através
dela pode-se ver que o mundo é o campo do agir e esse agir sobre as coisas é a possibilidade
de mudança. “O conceito de arte se dilui na realidade cotidiana [...]. É o mundo inteiro que se
torna objeto de arte”
178
, conclui Clay.
A partir do momento em que encerra a produção dos Bichos, inicia-se um novo
paradigma, onde não mais existe o objeto de arte. Portanto, eliminando o objeto
transferencial, o que vai lhe interessar é o outro. O meio de comunicação da artista é o outro,
que entra como novo suporte de sua arte: “Eu acho que uma linha de ligação em que
termino com o suporte tradicional e pego o outro como o suporte. Como disse uma vez o
177
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder; HOLLANDA, Heloísa Helena Oliveira Buarque de. Patrulhas
ideológicas: Marca reg. Arte e engajamento em debate. São Paulo: Brasiliense, 1980. p.154.
178
CLAY, Jean. Lygia Clark.Fusão Generalizada. Robho, Paris, no. 4, 1968. In: ROLNIK, Suely; DISERENS,
Corinne (Cur.). Lygia Clark: da obra ao acontecimento. Somos o molde. A você cabe o sopro: catálogo. Nantes:
Musée des Beaux – Arts, 8.out-31.dez.2005; São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 25.jan-26.mar.2006.
Catálogo de exposição realizada com a colaboração da Associação Cultural ‘O mundo de Lygia Clark’.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
106
Fig.117 - CLARK, Lygia. Trepante (Obra mole), 1964.
Borracha.
Hélio Pelegrino, tento fazer do outro
uma obra de arte, que é o sujeito e
não o objeto”.
179
A fusão do sujeito-objeto
resulta na supressão do objeto, sendo
o homem a temática do trabalho da
artista. O homem torna-se o objeto de
sua própria arte, estabelecendo, por
meio de seu corpo, um diálogo
existencial. Em correspondência
enviada a Hélio Oiticica, Lygia
declara que em tudo que faz a
necessidade do corpo humano, seja
para expressá-lo, seja para revelá-lo,
como se fosse a experiência primeira.
Através do conceito de
precário, Lygia Clark dessacraliza a
arte, buscando integrar o corpo
fragmentado do homem
contemporâneo e propondo que ele
mesmo assegure sua liberdade de
criação. Ele torna-se objeto de si
mesmo. Para a artista, o precário e a
179
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Comps.). Abstracionismo Geométrico e Informal: A
vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte, Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
Coleção Temas e Debates, n.5. p.149.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
107
Fig.118 - CLARK, Lygia. Trepante 1965.
Bronze.
participação integram uma nova maneira de
experienciar a arte. Contrapondo-se à obra
tradicional, que acredita ser algo de elite, o que
Lygia procura é a transformação da arte pelo
participante. Então, o que importa é a idéia, o
pensamento, a proposição.
Em 1968, Lygia Clark declara:
[...] s somos os propositores: somos o molde; a você cabe o sopro no interior
desse molde: o sentido de nossa existência. Somos os propositores: nossa proposição
é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor. Somos os propositores:
enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a você para que o pensamento viva
pela ação. Somos propositores: não lhes propomos nem o passado nem o futuro, mas
o ‘agora’.
180
Fig.119 - CLARK, Lygia. Trepante, 1965.
Bronze e caixa de papelão.
Essa constante transformação, que nega
tudo que se relaciona ao conceito tradicional de
arte, substituindo-a pela vida, é o que assegura a
singularidade em seu processo criativo. Na
tentativa de libertar o sujeito, Lygia marca uma
posição social e política perante uma sociedade
massificada pela tecnologia. Não existe mais o
objeto para expressar conceitos e, sim, o homem. É o diálogo com ele mesmo, para atingir o
entendimento profundo de si: “Ele, homem, agora é o ‘bicho’, é o diálogo com ele mesmo, na
medida da sua organicidade e também na medida da magia que ele pode emprestar de dentro
dele mesmo”
181
, observa a artista.
180
CLARK, Lygia. 1968: Nós somos os propositores. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário
Pedrosa e Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. p.31.
181
FIGUEIREDO, Luciano (Org.). Lygia Clark Hélio Oiticica: Cartas, 1964-1974. 2.ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1998. p.86
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
108
A obra de arte passa a ser um exercício comportamental. Para a artista, a arte supera a
automatização quando realizada de dentro para fora, num sentido interno, nas possibilidades
de cada indivíduo. Por meio desse exercício, torna possível a relação com o coletivo, com o
mundo à sua volta.
No intuito de capturar o sujeito, a artista trabalha com materiais precários como sacos
plásticos, pedras, elásticos e outros buscando a redescoberta tátil, estimuladora de novas
percepções.
Passa a trabalhar com proposições sensoriais no período entre 1965 e 1975, sendo essa
fase denominada Nostalgia do Corpo, 1965, que nada mais é do que a radicalização de
Caminhando, onde o outro é o centro de suas propostas e os objetos têm apenas a finalidade
de integrar a proposição. A artista elimina todo e qualquer formalismo de sua arte, fazendo
prevalecer o conceito, a idéia, a proposição. Lygia Clark define este trabalho como
fronteiriço: “[...] impossível defini-lo com precisão absoluta. A partir de determinadas
vivências, e de sua expressão verbal em grupo, chego às margens da psicanálise.”
182
Na proposição Pedra e ar, de 1966, o ar é fechado com elástico num saco plástico e
uma pedra pequena é colocada em cima. Quando o saco é pressionado, a pedra move-se,
parecendo uma coisa viva. Em Livro sensorial, de 1966, diversos materiais, como pedras,
elásticos, conchas e outros, são colocados em sacos plásticos transparentes. Respire Comigo,
de 1966, é feito com tubos de borracha de mergulhadores. No Diálogo de mãos, 1966, uma
fita elástica em forma de Moebius encerra os punhos, fazendo com que duas mãos estranhas
vivenciem a mesma experiência por meio de contatos de pele, de dedos, de mãos. O Eu e o tu:
Série roupa-corpo-roupa, de 1967, é uma proposta para casal, que veste macacões de plástico
com capuz e se toca. A Casa é o corpo. Penetração, ovulação, germinação, expulsão, de
182
PONTUAL, Roberto. Lygia Clark: a fantasmática do corpo, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21.set.1974.
(Fragmento). In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni pies,
21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p. 314.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
109
1968, é um labirinto de oito metros de extensão onde a simulação de um útero, levando o
participante a experimentar sensações táteis ao passar por compartimentos. O homem,
estrutura viva de uma arquitetura biológica e celular, de 1968. Arquiteturas biológicas: Ovo
mortalha, de 1968, integra essa proposição em que dois participantes se situam um de frente
para o outro, envolvidos em plásticos e, corporalmente, envolvem-se mutuamente.
Fantasmática do corpo integra Túnel, de 1973, proposta coletiva em que um grupo de
participantes se arrasta no interior de um tubo de tecido de aproximadamente 50 metros de
comprimento. O tecido se adere ao corpo do participante e pode provocar sensações de
abafamento. Baba Antropofágica, de 1973, é também uma proposição coletiva onde os
participantes derramam fios que saem pela boca sobre alguém deitado. Muitas dessas
experiências coletivas foram realizadas com alunos de Lygia na Sorbonne, entre 1970 e 1975.
Estruturação do self é a sistematização de suas experiências terapêuticas, sendo que
Lygia Clark, aqui, trabalha com o que denomina objetos relacionais, que, na verdade, são
objetos usados com fins terapêuticos. Entre estes objetos relacionais estão: Almofadas leves,
feitas de tecido de algodão e recheada de bolinhas de poliestireno, Almofadas leves-pesadas,
feitas de tecido de algodão com uma costura no meio dividindo-a e em duas partes, uma
recheada com bolinhas de poliestireno e outra com areia de praia e Grande colchão, com
material plástico recheado com bolinhas de poliestireno.
Nesta nova fase, Lygia Clark enfatiza o “erótico vivido como profano e a arte como
sagrada”, sendo que ambos se “fundem em uma experiência única”; portanto, confundindo
“arte e a vida”. Surge então, por meio dos gestos, uma “arquitetura viva, biológica, que,
terminada a experiência, se dissolve.”
183
Após Nostalgia do Corpo, as propostas terapêuticas,
se é que se pode denominá-las dessa forma, integram os últimos vinte e três anos do trabalho
de Lygia Clark.
183
CLARK, Lygia. O corpo é a casa. 1969. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e Lygia
Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. P. 36.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
110
A questão do exterior e do interior, do homem e seu lugar no mundo, é a síntese
filosófica que setrabalhada na fase sensorial, terapêutica. Trata-se de misturar arte e vida,
conforme declaração da artista. Nesse sentido, é bom não fazer uma cisão em sua obra. Poder
perceber que as propostas não estão distintas umas das outras nos três campos de atuação:
geométrica, sensorial e terapêutica.
Alguns pesquisadores, como Ferreira Gullar, costumam dividir o trabalho de Lygia
Clark em duas fases. A primeira até o momento dos últimos Bichos, a segunda, quando
abandona o objeto de arte e se dedica às proposições comportamentais, onde o sujeito é o
centro da obra, sendo esta fase categorizada não mais como arte e, sim, como terapia. A
questão que se coloca é a de como estes críticos, pesquisadores da obra da artista, delimitam
esse momento como uma ruptura com a arte. Ou seja, o que ocorre depois deixa de ser arte?
Para Scovino, a obra de Lygia Clark pode ser lida de trás para frente, decorrência da ligação
nas questões trabalhadas pela artista em sua trajetória. Mário Schenberg, afirma que as
experiências coletivas de Lygia Clark assemelham-se ao trabalho desenvolvido na Idade
Média. Diz o crítico Lygia deu mais um passo adiante, no sentido de, em vez de fazer uma
coisa individual, fazer uma criação coletiva [...] na proposta de Lygia, a comunidade surge
para desenvolver a criatividade.”
184
Suely Rolnik, à época, na dissertação La mémorie du corps
185
, de Psicologia,
defendida em Paris, a pedido da própria Lygia, fez uma leitura psicanalítica das sessões da
artista com Objetos relacionais. Rolnik considera que, na época em que foi feita esta cisão,
ela mesma a aceitou e assegura que poucos críticos arriscaram-se a interpretar a obra de
Lygia, ressaltando que, “no entanto, mesmo para estes, o mérito terapêutico de seu trabalho é
184
SCHENBERG, Mário. Pensando a arte. São Paulo: Nova Stella, 1988. p.79.
185
ROLNIK, Suely. La moire du corps. 1978. Monografia (Especialização em Sciences Humaines
Cliniques) - Sorbonne, Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot, França, Paris, 1978.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
111
uma incógnita”
186
. E conclui afirmando que atualmente não aceita tão facilmente esta
interpretação, enfatizando que a artista foi cada vez mais se colocando em uma posição
fronteiriça. Não acredita “que haja uma Lygia artista e outra, terapeuta”
187
, o que comumente
costuma ocorrer na crítica de arte.
Lygia Clark, ao dissolver o objeto de arte, declara: “No próprio momento em que
digere o objeto, o artista é digerido pela sociedade que encontrou para ele um título e uma
ocupação burocrática: ele será o engenheiro dos lazeres do futuro, atividade que em nada afeta
o equilíbrio das estruturas sociais.”
188
Aqui, a artista demonstra a consciência dos efeitos
maléficos que serão impregnados no terreno artístico pela sociedade de consumo. O caráter
político de seu trabalho na luta contra a massificação da sociedade tecnológica torna-se
evidente. A artista acredita que lutando contra a repressão o homem pode atingir a sua
libertação uma vez que esse trabalho resgata uma energia sensorial tolhida pelos hábitos
impingidos pela sociedade, afirmando ainda que “essas experiências tinham um impacto
revolucionário e por outro lado eram recebidas como tal”
189
. Daí para frente sua obra será
constantemente crítica em relação ao sistema de arte. Em 1973, Lygia Clark afirma: “o caráter
político e social do meu trabalho se tornou evidente [...] porque se tratava da libertação do
homem.”
190
A partir dos Bichos, a obra de Lygia Clark ocupa uma zona fronteiriça revelando-se
como uma força disrupitiva no terreno artístico. Conforme observa Rolnik, “O salto de Lygia,
186
ROLNIK, Suely. O híbrido de Lygia Clark. (Publicado originalmente sob o título “Lygia Clark e o híbrido
arte/clínica”, em Percurso – Revista de Psicanálise, ano III, no.6, p.43-48, 1o. Semestre de 1996. Departamento
de Psicanálise, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo). In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark:
catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.344.
187
Ibidem.
188
CLARK, Lygia. O corpo é a casa: Sexualidade, Invasão do ‘Território’ Individual. (Publicado em francês sob
o título “L’Omme, Structure Vivant d’une architecture biologique et cellulaire”, Robho, no.5, Paris, 1971). In:
BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-
21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.248.
189
CLARK, Lygia. Reencontrar o significado de nossos gestos rotineiros. Fragmento de “L’art c’est le corps”,
Preuves, no.13, Paris, 1973, p.142-143. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark: catálogo.
Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.189.
190
Ibidem.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
112
após os Bichos, não se dirige para fora da arte e para dentro da clínica, mas sim para uma
fronteira onde se depura a questão que atravessa o conjunto de sua obra. E tal depuração te
reverberações tanto na arte quanto na clínica.”
191
Em uma imagem metafórica, Lygia Clark engole o espaço exterior para viver o espaço
interior – “Espaço abismal, túnel, morte, passagem condutora para a vida”
192
–, onde é
possível fundir arte e vida. Na tentativa de libertar o sujeito, Lygia luta contra qualquer tipo
de repressão e de inibição, propondo uma nova expressão, dentro de uma nova ética. Essa é a
saída que encontra para uma desalienação do homem; sem isso, é impossível esse homem
encontrar significação no seu próprio espaço-mundo. Esses deslocamentos que engendram a
poética de Lygia Clark são conseqüência da vontade permanente de recolocar o homem no
mundo, como um ser pleno de suas percepções.
Lygia Clark recusa toda e qualquer possibilidade de mitos exteriores, inicia o seu
processo de viver a arte como vida, já que o homem contemporâneo, para a artista, é
fragmentado e navega na instabilidade, pois os valores totalitários foram diluídos. Para ela, o
homem é como “a criança que tem que recuperar o seu equilíbrio em um mundo em que os
conceitos de bem e mal, direito e avesso, alto e baixo se dissolveram.”
193
Por meio de sua arte,
Lygia Clark instaura novos devires, onde a ação de criar deve ser parte da existência humana
pois, assim, é possível encontrar o significado primeiro de sua existência, de seu estar no
mundo.
191
ROLNIK, Suely. O híbrido de Lygia Clark. (Publicado originalmente sob o título “Lygia Clark e o híbrido
arte/clínica”, em Percurso – Revista de Psicanálise, ano III, no.6, p.43-48, 1o. Semestre de 1996. Departamento
de Psicanálise, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo). In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia Clark:
catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.345.
192
CLARK, Lygia. Da supressão do objeto. Rio de Janeiro, 1975. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia
Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p.267.
193
CLARK, Lygia. A morte do plano. 1960. In: FUNARTE. Textos de Ferreira Gullar, Mário Pedrosa e
Lygia Clark. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980. p.13.
Capítulo 5 – Derivações de Bichos: Trepantes e Obras-Moles
113
“Sonho: Estou fazendo minhas experiências com os plásticos dentro do oceano. A
água era o elemento que preenchia o vazio do espaço. Acordo e choro todo o oceano.”
194
Vivendo a arte ao invés de fazê-la, a artista busca todas as possibilidades para exercitar uma
ética da expressão, sem restrições, reafirmando as potencialidades criadoras do homem,
libertando-o de todas as opressões e cristalizações que a sociedade de consumo lhe imprime.
Só assim será possível criar um novo conceito de existência.
194
CLARK, Lygia. Da supressão do objeto. Rio de Janeiro, 1975. In: BORJA-VILLEL, Manuel J. et al. Lygia
Clark: catálogo. Barcelona, Fundació Antoni Tàpies, 21.out-21.dez.1997. (espanhol/portugués). p. 268.
114
Considerações finais
Tratar da produção artística de Lygia Clark é tarefa árdua que exige esforço e
dedicação para a compreensão das manobras realizadas pela artista durante o seu processo
criativo. A partir do momento em que a artista realiza a transição do espaço da metáfora
(bidimensional) para o espaço real (tridimensional), com os Bichos, e acrescenta a
participação do espectador, torna-se impossível fazer uma leitura puramente formal de sua
produção. Ao sublinhar o espectador, demonstra ser necessário abordar não só questões
estruturais e estéticas mas, sobretudo, questões relacionadas à ética.
Os Bichos, por fugirem às categorizações tradicionais das obras de arte, ocupam lugar
de trânsito na História da Arte Brasileira. Essa singularidade faz com que críticos,
pesquisadores e estudiosos tenham que realizar pesquisas contínuas para encontrar lugar de
filiação dessas obras.
Desde a série Quebra da Moldura, em que questiona a representação do espaço na
superfície bidimensional, a artista sinaliza uma radicalização em sua prova processo criativo,
fazendo o plano confinar-se com o espaço real, demonstrando a necessidade de romper com a
falsa idéia de realidade que o plano ao homem. Demolir a superfície bidimensional como
suporte de expressão passa a ser uma questão não somente estrutural, mas de ordem pessoal,
de transformações de valores. A recusa do espaço representacional e a necessidade de criar
um espaço orgânico, vivo, alterando a contemplação passiva do espectador e colocando-o
como partícipe da obra, é o caminho percorrido por Lygia Clark para chegar à realidade viva.
Percebe-se uma evolução coerente em sua trajetória, sempre prevalecendo esta escolha. Para
Lygia, a participação do espectador transforma o próprio sentido da arte.
Trazendo a obra para o espaço real, Lygia Clark faz contundente crítica ao sistema de
arte, uma vez que suas obras, pensadas para serem reproduzidos em série - projeto inicial da
Considerações finais
115
artista - podem ocupar qualquer lugar no espaço-mundo. Assim trazem consigo a
desmistificação da obra de arte, negando o sistema convencional que implica em espaços
como galerias e museus.
Frederico Morais observa que “O caminho seguido pela arte – da fase moderna à atual,
pós-moderna foi o de reduzir a arte à vida, negando gradativamente tudo o que se
relacionava ao conceito de obra (permanente e durável).”
195
Inquietantes, fronteiriços, obrigam a uma revisão dos conceitos básicos, normativos da
arte. Eliminam simplificações genéricas. Afinal, o que são eles? Esculturas? Estruturas
móveis? Objetos? Não-objetos? Máquinas? Brinquedos? Arte? Não-arte?
Trazendo em seu bojo a crítica ao poder institucional, sinalizam novos paradoxos nas
relações com a obra de arte, o artista, o espectador e, sobretudo, o lugar da obra, ou seja, os
espaços onde ela habita, colocando em xeque o papel das instituições artísticas.
Lygia adota essa posição durante a fase dos Bichos e será permanentemente crítica em
relação ao mercado de arte, desmistificando a sociedade de consumo e protestando contra o
mercado elitista de arte. Ao contrário das obras de arte que se encontram em museus, os
Bichos não precisam de conhecimento prévio do espectador, apenas que se estabeleça um
diálogo entre ambos por meio de ações do participante. No entanto, quando expostos ao
público, museificados, fossilizados, blindados em pedestais, os Bichos recebem o mesmo
tratamento de obras clássicas, onde prevalece o ‘não-me-toques’ da obra de arte tradicional.
A redefinição de espaços e a própria circulação da arte caracteriza a dificuldade dos
museus no tratamento das obras que fogem às categorias tradicionais. Desde o momento em
que a obra de arte única é convocada a ser múltipla, tudo pode vir a ser arte e, como
conseqüência, estabelece-se uma crise da arte. Onde apoiar o juízo de valor?
Ao referir-se sobre a desmistificação da obra iniciada pelas vanguardas européias,
195
MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: A crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.25.
Considerações finais
116
Ronaldo Brito comenta: “Obrigada a ser Única, convocada a ser Múltipla, a obra de arte
virava um campo de batalha onde lutavam forças opostas e desiguais. Cindia-se assim a Bela
Aparência e dela emergiam espaços e figuras sem nome. começava a inevitável pergunta:
isto é arte?”
196
Com os Bichos, fica nítida a intenção de Lygia Clark de opor-se à unicidade da obra e
do sistema de arte, principalmente com Obras-Moles, onde a precariedade de materiais traz
em si a negação de tudo que possa estar vinculado ao conceito tradicional de obra de arte. A
artista insiste em reprisar sua posição quanto aos Bichos, afirmando a necessidade em
produzí-los em série, pois não são feitos para serem trancados em museus, mas sim vendidos
em praças públicas, por camelôs, para serem adquiridos por qualquer pessoa. Por outro lado,
ao serem valorizados na cotação do mercado de arte, os Bichos passaram a pertencer a
colecionadores e se tornaram intocáveis, preservando apenas seu lado estético estrutural,
impossibilitando a proposta inicial da artista de expandir sua arte no espaço-mundo. A
questão da aura volta à tona, conforme assinala Luciano Figueiredo ao afirmar que “os
estudiosos, colecionadores, querem como que ‘domar’ o indomável, reverenciar a ‘fera’ e
torná-la ornamento.”
197
Ao mesmo tempo em que são indomáveis, que não se integram nos padrões de obra de
arte tradicional, estes objetos precisam estar filiados à História da Arte para sua própria
preservação. Como essas obras criadas no espaço-mundo deverão ser tratadas pelos museus?
A que espaço pertencem os Bichos? De que forma os museus devem abrigar essas obras?
Como realizar a mediação delas com o público? A questão que se coloca é: Como reavivar
essas obras no sistema institucional da arte? Esse é o paradoxo que se levanta na pesquisa,
decorrente da passagem do bidimensional para o tridimensional.
196
BRITO, Ronaldo. O Moderno e o Contemporâneo (O novo e o outro novo). In: VVAA. Arte Brasileira
Contemporânea. Caderno de Textos Vol.1. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980. p.5.
197
FIGUEIREDO, Luciano. King Clark. Folha de São Paulo, São Paulo, 2.mar.1986. Folhetim no. 473.
Considerações finais
117
Em 1963, Lygia Clark já havia deixado o mercado de arte, já não queria mais que suas
obras fossem expostas em museus, incitando o trabalho de críticos e curadores na elaboração
de suas experiências. Questionava-se a pertinência de curadores colocarem uma produção de
longos anos de trabalho em museus. Ao mesmo tempo, levantava outra questão: como
resgatar suas obras restituindo-lhes significações, tornando-as memórias vivas?
Não se trata apenas de uma prática mnemônica dessas instituições, mas, antes de mais
nada, sobretudo os museus, teriam que empreender esforços para que as obras de Lygia, além
de preservadas, fossem mostradas ao público e, ao mesmo tempo, buscassem a fidedignidade
intencional da artista, ou seja, assegurassem o corpo-a-corpo entre os Bichos e o espectador.
Em raríssimas ocasiões encontram-se réplicas de Bichos para serem manipuladas pelo
espectador e mesmo quando possível, a experiência ocorre sob a vigilância de monitores.
Caso contrário, fetichizados, voltam ao pedestal, para serem contemplados passivamente.
O que se assegura é que não se tem respostas definitivas para as questões levantadas
durante a pesquisa. Porém estas perguntas deverão ser feitas permanentemente, mesmo
porque são questões paradoxais que animaram a produção da artista.
Para Lygia Clark, a arte sempre foi a possibilidade de refletir e indagar sobre os
acontecimentos da vida. Prova disso é que não se fixou em um determinado estilo ou obra. Se
quisesse, teria continuado a produzir Bichos, mas a sua inquietude perante a vida não a
deixava estagnada, pelo contrário, buscava incessantemente inocular uma nova maneira de
viver e de comunicar a sua arte.
Realizando a passagem do bidimensional para o tridimensional, Lygia Clark instaura
novos paradoxos que, sem dúvida, constituem um salto conceitual no panorama da arte
brasileira. Talvez aí, nesse terreno difuso, onde a artista invade as fronteiras da arte, resida a
força dessas obras.
118
BIBLIOGRAFIA
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