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Não é objetivo deste trabalho a análise das crônicas de Veríssimo, o que exigiria
outros esforços, e sim reter sua atmosfera como um referencial do pensamento de um
homem letrado do século 19, um intelectual autônomo e observador atento que se
contrapunha à realidade que lhe era desafiadora. Isto é: o destino do teatro, projetado para
ser um templo da arte, um monumento catalisador dos ideais de civilização e modernidade.
Exatamente este o ponto que interessa apontar neste capítulo, tendo como pano de fundo
as letras ácidas daquele cronista.
[...] Porque não nos dá o sr. Vicente algum drama nacional? Temos diante dos
olhos a lista do seu novo repertorio e não vemos ahi nenhum drama ou comedia
nacional a não ser O Brasil e o Paraguay, a quem não temos a honra de conhecer e
que parece-nos em litteratura dramatica um illustre desconhecido.
Como a justiça preside e ha de presidir sempre, esperamos, os nossos
pensamentos, sou o primeiro a reconhecer que, alem do nosso publico pela pouca
instrucção e senso artistico que tem, não estar preparado para aceitar bem as obras
de maior merito litterario do que scenico, como são em geral as brazileiras, essas
obras não são tão abundantes que se possa dellas lançar mão muitas vezes. Mas se
as obras nacionaes, ao envez do que acontece em outros paizes, não podem
occupar sempre o proscenio, cremos que, sem nenhum desaire para nós, e sem
prejuiso para qualquer empreza, podem apparecer e serem bem vindas, desde que
forem interpretadas com arte e verdade. Pois entre as producções de Alencar, de
Macedo, de Penna, Pinheiro Guimarães, de Castro Alves, de Agrario, de F.
Tavora, etc., nada ha que sirva? Mas então deem-nos drama que mereçam este
nome, como as obras de Sardou, Dumas pae e filho, Augier, etc. e não aleijões
como o Paralytico [...]
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[...] O realismo é uma escola essencialmente critica, póde por isso não ser
definitiva, mas o que para nós é incontestavel, é que esse modo de ser da arte, é
filho legitimo do nosso estado de civilisação, das conquistas do nosso estado de
civilisação, das conquistas do nosso progresso, na ordem intellectual. A velha
litteratura, hoje gasta, é incapaz de uma missão social; isolada no seu
subjectivismo, é simplesmente uma arte egoista e hypocrita, vivendo fóra do
mundo, odiando-o e, as vezes, bajulando-o. [...]
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Diante de um drama phantastico, onde as apparições sobrenaturaes, offendendo o
bom senso, misturam-se á realidade da vida, a critica, ainda a mais benevola,
sente-se impotente para condemnar, ou antes para julgar. Por isso, sorri de
despreso e lastima apenas que um artista de talento, como no caso presente, seja
quem assigna o drama que ouvimos na quinzena finda e que se chama O bom anjo
da meia-noite.
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Chronica theatral em 31 de março de 1878. O drama O Paralytico foi o terceiro espetáculo em cartaz na
temporada inaugural do Teatro da Paz. Sua encenação, por conta do título, foi alvo de trocadilhos jocosos na
imprensa. Como nesta nota: “Foi distribuído hontem o programma de um espectaculo em que a empreza
Vicente pretende solemnisar a administração do sr. dr. Malcher. O drama escolhido é o Paralytico. Será isso
uma verdadeira barretada, ou delicadissimo epigramma?”. A CONSTITUIÇÃO, Belém, n. 56, p. 2, 11
mar. 1878.
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Chronica theatral em 7 de julho de 1878. O autor escreveu esta crônica por ocasião da apresentação de Os
Enjeitados, do dramaturgo português António Ennes, peça que é um protesto contra as “rodas” dos
enjeitados, local onde eram colocados os recém-nascidos indesejados, garantindo-se o anonimato de quem
praticava o ato. A peça estreou em Lisboa, em 1876, e no mesmo ano chegou ao Brasil, sendo aqui
representada largamente. No Pará foi apresentada apenas em 1878. No Rio de Janeiro ficou em cartaz nos
anos de 1876, 1878, 1880 e 1881.