www.nead.unama.br
Ireis lá mais espaçoso, vós e vossa senhoria, cuidando na tirania do pobre
povo queixoso.
E porque, de generoso, desprezastes os pequenos, achar-vos-eis tanto
menos quanto mais fostes fumoso.
Diabo — À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata e valentes remadores!
Diz, cantando:
Vós me veniredes a la mano,
a la mano me veniredes.
Fildalgo — Ao Inferno, todavia!
Inferno há i para mi?
Oh triste! Enquanto vivi não cuidei que o i havia:
Tive que era fantasia!
Folgava ser adorado, confiei em meu estado e não vi que me perdia.
Venha essa prancha! Veremos esta barca de tristura.
Diabo — Embarque vossa doçura, que cá nos entenderemos...
Tomarês um par de remos, veremos como remais, e, chegando ao nosso
cais, todos bem vos serviremos.
Fildalgo — Esperar-me-ês vós aqui, tornarei à outra vida ver minha dama querida
que se quer matar por mi.
Dia, Que se quer matar por ti?!...
Fildalgo — Isto bem certo o sei eu.
Diabo — Ó namorado sandeu, o maior que nunca vi!...
Fildalgo — Como pod'rá isso ser, que m'escrevia mil dias?
Diabo — Quantas mentiras que lias, e tu... morto de prazer!...
Fildalgo — Para que é escarnecer, quem nom havia mais no bem?
Diabo — Assim vivas tu, amém, como te tinha querer!
Fildalgo — Isto quanto ao que eu conheço...
Diabo — Pois estando tu expirando, se estava ela requebrando com outro de menos
preço.
Fildalgo — Dá-me licença, te peço, que vá ver minha mulher.
Diabo — E ela, por não te ver, despenhar-se-á dum cabeço!
Quanto ela hoje rezou, entre seus gritos e gritas, foi dar graças infinitas
quem a desassombrou.
Fildalgo — Cant'a ela, bem chorou!
Diabo — Nom há i choro de alegria?..
Fildalgo — E as lástimas que dizia?
Diabo — Sua mãe lhas ensinou...
Entrai, meu senhor, entrai:
Ei la prancha! Ponde o pé...
Fildalgo — Entremos, pois que assim é.
Diabo — Ora, senhor, descansai, passeai e suspirai.
Em tanto virá mais gente.
Fildalgo — Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!
Diz o Diabo ao Moço da cadeira: