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nesse sentido, atribui à resposta do menino a qualidade do estilo aforístico, pois o que essa
resposta sintetiza é a própria fisiognomonia
.
Outros temas, obras e autores citados por Dupin, em vários momentos da trilogia
raciocinante, são a peça Crebillon; a estereotomia
; as teorias de Epicuro; a cosmogonia
nebular
; Moliére (1622-1673); as propriedades da retina, tema que na época de Poe
constituía-se como uma das principais preocupações da Oftalmologia; e a carpintaria. Suas
noções de perícia criminal são demonstradas quando ele reproduz, com fidelidade, em um
pedaço de papel, as marcas de mãos encontradas no pescoço de Camille L‘Espanaye, e
reconstitui o estrangulamento, deitando o papel sobre um pedaço de madeira semelhante a um
pescoço feminino
. Para desenhar as mãos, ele recorre a uma descrição de orangotango
extraída de um livro do zoólogo francês Frédérick Cuvier (1773-1838). Dupin também possui
conhecimentos navais, visíveis quando ele identifica a origem do tipo de nó e adereço
encontrados no local do crime, em Os Crimes da Rua Morgue. Ele também se refere à deusa
Laverne
e, finalmente, cita A Nova Heloísa, de Rousseau.
Vale, ainda, destacar a atenção de Dupin ao detalhe e ao pormenor. Dupin conta ao
narrador a história de sua família ―pormenorizadamente‖ (POE, 1981, p. 115), examina a cena
da Rua Morgue ―minuciosamente, sem excluir os corpos das vítimas‖ (POE, 1981, p. 130) e
analisa os jornais de modo ―sumamente minucioso‖ (POE, 1981, p. 186) em busca de pistas
sobre o assassinato de Marie Rogêt. No caso da Rua Morgue, Dupin comenta, após visitar a
A Fisiognomonia está muito próxima da Frenologia. Fundada pelo alemão Franz Joseph Gall (1758-1828) e
muito popular a partir de 1800, a Frenologia julgava poder acessar a personalidade de uma pessoa por meio da
leitura das formas, elevações ou depressões, presentes no crânio. Teve grandes seguidores nos Estados Unidos.
Os frenólogos Lorenzo Niles Fowler (1811-1896) e Orson Squire Fowler (1809-1887), ao lado de Samuel Wells,
fundaram a editora Foller & Wells em Nova York, através da qual lançaram o Periódico Frenológico
Americano. Em outubro de 1839, o periódico publicou um artigo sobre a biografia de Gall, além de vários outros
escritos que tratam do exame do crânio ou que discutem a personalidade destrutiva. O periódico já estava
disponível dois anos antes da criação de Os Crimes da Rua Morgue (1841), o que assegura a possibilidade de
que Poe o conhecesse.
Estudo detalhado das formas das rochas fragmentadas que visa a analisar a possibilidade de aplicação da pedra
a partir de sua forma inicial.
Relacionada estreitamente a Pierre Simon Laplace (1749-1827), de convicção fortemente determinista, a
cosmogonia, ou ―hipótese nebular‖, se refere à sua versão da origem do sistema solar, publicada pela primeira
vez em Exposição do Sistema do Mundo (1813). Nessa obra, Laplace defende que o sistema solar evoluiu de
uma massa de gás incandescente dotada de um eixo, ao redor do qual exercia o movimento de rotação. Com o
resfriamento da massa, a contração provocou a quebra dos anéis periféricos, os quais também se resfriaram e se
condensaram nos planetas. O sol foi mantido como o antigo núcleo e os planetas dele mais distantes
correspondem aos mais antigos.
Dupin, com essa prática típica de um perito criminal, realiza uma análise científica de indícios produzidos
durante a prática de crimes.
Essa referência é feita em tom de mofa. Uma vez explicada a solução do crime, o delegado repreende Dupin
por invadir uma área que não é sua. Dupin não faz caso e afirma ao narrador que a sabedoria do delegado
―carece de base. Todo ele é cabeça, mas sem corpo, como as pinturas da deusa Laverne — ou, quando muito, é
todo cabeça e ombros, como o bacalhau‖ (POE, 1981, p. 150). A referência à Laverne intenta à zombaria, pois
ela é a ―deusa que favorecia os ladrões‖ (VOLPATTO, 2009).