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VALÉRIA
BASTELLI
PAGNAN
DA
PRODUÇÃO
DE
IDENTIDADES:
A
CONSTITUIÇÃO
DO
SUJEITO
EM
NARRATIVAS
FOTOGRÁFICAS
SOBRE
A
VIDA
I
TATIBA
2010
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ii
VALÉRIA
BASTELLI
PAGNAN
DA
PRODUÇÃO
DE
IDENTIDADES:
A
CONSTITUIÇÃO
DO
SUJEITO
EM
NARRATIVAS
FOTOGRÁFICAS
SOBRE
A
VIDA
I
TATIBA
2010
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade São Francisco, Câmpus de Itatiba,
elaborada sob orientação da Prof. Dra. Jackeline
Rodrigues Mendes, como exigência parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Educação
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iii
Ficha catalográfica elaborada pelas bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco
806.90:37 Pagnan, Valéria Bastelli
.
P156d Da produção de identidades: a constituição do sujeito
em narrativas fotográficas sobre a vida / Valéria Bastelli
Pagnan.-- Itatiba, 2010.
180 p.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco.
Orientação de: Jackeline Rodrigues Mendes.
1. Discurso. 2. Sujeito. 3. Representação. 4. Identidade.
5. Dispositivo pedagógico. 6. Linguagem e educação.
I. Mendes, Jackeline Rodrigues. II. Título.
iv
v
(...) as aulas são para mim aquele momento e lugar
em que devemos dar o melhor de nós e despertar o
que de melhor nos outros; entender a aula como
celebração da vida e não da morte, como diálogo
criativo, como vir-a-ser e não como tendo sido
sempre, como luta contra tudo aquilo que nos oprime,
e não como entrega ao que nos oprime.” (A aula,
Manoel Fernandes de Sousa Neto, professor Doutor da
Universidade Federal do Ceará)
Às minhas turmas de 2007, que me possibilitaram
viver a experiência que aqui descrevo.
vi
Agradecimentos
Eis aqui um momento para olhar a trajetória que escolhi trilhar a partir de 2007 e,
sem dúvida, um momento para relembrar e agradecer.
A Deus, por me encaminhar sempre para direções desafiadoras e de grande
aprendizado. Acredito que ainda tenho muito a aprender !
Ao meu pai João Batista (in memoriam), por suas lições de vida e por despertar em
mim o gosto pela leitura; e à minha mãe Carmen Silvia, pelos conselhos e pela preocupação
com tantos compromissos. Acredito que tenho em quem me espelhar!
À minha família, Márcio, Isabela e Íris, esposo e filhas queridíssimos, pelo apoio e
pela compreensão nos momentos de ausência. Aos tios e primos que colaboraram de uma
maneira ou outra. Tenho pessoas para me apoiar !
À professora Maria Inês Ghilardi-Lucena, por despertar em mim o gosto pela
pesquisa. Creio na paixão que ela tem pelo que faz!
Aos meus alunos de 2007, interlocutores em uma experiência didática na qual, não
tenho dúvida, mais aprendi que ensinei. Creio que a sala de aula é um universo de troca.
À minha orientadora, Jackeline Rodrigues Mendes, pela confiança no potencial da
pesquisa e pela paciência com minhas inquietações. Creio no encontro de pessoas!
Aos professores Alexandrina Monteiro e Samuel E. L. Bello, pela leitura atenta e
criteriosa do texto para qualificação e pelas diversas sugestões. Creio na diversidade de
olhares!
À professora Márcia Aparecida Amador Mascia, pelas oportunidades de
aprendizado, pelo incentivo e por me apresentar Foucault, bem como aos outros professores
do Programa, pela seriedade do trabalho em Educação. Creio na dedicação das pessoas!
À amiga Samanta Rodrigues Souza Sozzi, que aqui representa nossa turma de
Mestrado, pelo companheirismo durante todo o curso. Creio na cumplicidade dos amigos!
A todos os funcionários do câmpus de Itatiba, pela constante disposição em ajudar.
À amiga e colega de profissão, Márcia Lopes Monteiro, que aqui representa todos
os outros colegas que acompanharam minha trajetória, pelo apoio constante e pelos
conselhos durante os momentos de angústia. Creio na solidariedade das pessoas!
vii
À Escola Estadual Dr. Coriolano Burgos, na qual encontrei tempo, espaço e pessoas
para propor a experiência didática sobre a qual pesquisei, para ser a professora que sou,
para estudar, para refletir, para escrever, enfim para concluir este trabalho. Creio que certos
lugares nos surpreendem!
À Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro, pois
acredito na valorização dos professores.
viii
RESUMO
Pagnan, Valéria Bastelli. Da produção de identidades: a constituição do sujeito em
narrativas fotográficas sobre a vida. 2010. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação, Universidade São Francisco, Itatiba.
Este trabalho propõe-se a refletir sobre a constituição de sujeitos no espaço escolar a partir
de uma experiência didática desenvolvida durante as aulas de Língua Portuguesa em cinco
salas de Ensino Médio de uma escola pública em Amparo (SP) durante o ano de 2007.
Tomada como corpus de pesquisa, esta experiência batizada como “narrativa fotográfica
sobre a vida” consistiu da produção de um álbum em que cada aluno narra sua história de
vida com imagens e textos. Sobre esta produção, levantamos duas questões. A primeira
refere-se às representações que circulam nas narrativas e a segunda trata do posicionamento
dos alunos em relação a elas. Como referencial teórico, consideramos as perspectivas de
Hall (1997, 2005) e Woodward (2008) sobre a representação e sobre as identidades
culturais na contemporaneidade, além da concepção de identidade líquido-moderna
defendida por Bauman (2001, 2005). Partindo de uma abordagem analítico-discursiva junto
aos enunciados, cujos pressupostos como discurso, sujeito e formação discursiva estão na
obra de Foucault, guiaram também as análises as considerações de Fairclough (2003). Uma
vez que permitiu aos sujeitos falar de si, narrar-se, ver-se, julgar-se, e à pesquisa, identificar
as identidades produzidas pelos alunos, compreendemos estes álbuns como dispositivos
pedagógicos no sentido proposto por Larrosa (2002).
Palavras-chave: discurso, sujeito, representação, identidade, dispositivo pedagógico
ix
ABSTRACT
This study proposes a reflection on the constitution of the subjects inside school from a
teaching experience developed in 2007 inside the Portuguese Language course in High
School classrooms of a public school in Amparo city. Taking it as the research corpus, this
experience named photographic narratives about life consisted of the production of a photo
album where each student tells the story of his life with pictures and texts. This experience
led us to establish two research questions. The first refers to the representations diffused on
the narratives and the second deals with the students´ point of view about them. To analyse
these questions, the theoretical references locate these narratives as pedagogic devices in
the sense proposed by Larrosa (2002), since it has allowed to subjects talking, narrating,
seeing and judging themselves, and to the research identifying identities and subjectivities
produced by the students. Following an analytical discoursive approach, whose concepts of
discourse, subject and discourse formation are drawn from Foucault`s works and on
Fairclough´s studies. For the analysis of the processes of identification of these subjects,
Hall´s (1997, 2005) and Woodward´s (2008) works on the representation and the cultural
identities in contemporaneity , as well the conception of modern liquid identity supported
by Bauman (1999; 2005) guided this study.
Keywords: discourse, subject, representation, identities, school pedagogic device
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................
11
CAPÍTULO 1
NOS CAMINHOS DA DOCÊNCIA: A PRODUÇÃO DE UM ÁLBUM
AUTOBIOGRÁFICO..........................................................................................................
20
1.1 A experiência didática: o álbum na visão dos PCNs.......................................................
22
1.1.1 Fase inicial....................................................................................................................
27
1.1.2 Fase intermediária.........................................................................................................
32
1.1.3 Fase final.......................................................................................................................
39
1.2 O álbum e os alunos.........................................................................................................
40
1.3 O álbum e a professora....................................................................................................
42
CAPÍTULO 2
NOS CAMINHOS DA PÓS-MODERNIDADE: POR ENTRE IDENTIDADES,
SUJEITOS, REPRESENTAÇÕES E DISCURSOS.......................................................
.
46
2.1 As concepções de identidade de Hall..............................................................................
50
2.2 Bauman e a ambivalência dos processos identitários......................................................
54
2.3 A identidade pela diferença:a visão de Woodward........................................................
57
2.4 O discurso e o trabalho das representações ....................................................................
60
2.5 Repassando caminhos......................................................................................................
64
CAPÍTULO 3
ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................
67
3.1 Critérios para escolha dos sujeitos................................................................................
...
67
3.2 O álbum como dispositivo pedagógico............................................................................
71
3.3 Descrição dos álbuns selecionados..................................................................................
72
3.4 Processo de identificação dos discursos..........................................................................
75
xi
3.5 Representações que circulam nas narrativas: fixando identidades.................................
76
3.5.1 Representações sobre família....................................................................................... 78
3.5.2 Representações sobre amizade..................................................................................... 92
3.5.3 Representações sobre eventos sociais...........................................................................
98
3.5.4 Representações sobre corpo......................................................................................... 106
3.5.5 Representações sobre futuro.......................................................................................
108
3.5.6 Representações sobre o álbum .................................................................................... 117
CAPÍTULO 4
POR ENTRE BORDAS E FRONTEIRAS: PRODUZINDO SENTIDOS..................
127
4.1 Sentidos para família...................................................................................................... 128
4.2 Sentidos para amizade................................................................................................... 130
4.3 Sentidos para eventos sociais.........................................................................................
131
4.4 Sentidos para corpo........................................................................................................ 131
4.5 Sentidos para futuro....................................................................................................... 132
4.5 Sentidos para o álbum.................................................................................................... 133
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................
134
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................
141
ANEXOS.............................................................................................................................. 145
11
INTRODUÇÃO
Ao olhar para os anais dos trabalhos apresentados na Reunião Anual da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) nos últimos anos,
observamos o aumento progressivo do mero de trabalhos inscritos, o que parece ser
indicativo da busca por perspectivas para estudo e reflexão, que subsidiem possibilidades
para melhor compreender o multifacetado fenômeno educacional, já que por ele circulam
conhecimentos, práticas e políticas de origens diversas.
Apesar da complexidade das discussões realizadas no mundo acadêmico, tenho
notado como professora que as discussões sobre Educação divulgadas junto à sociedade
pela mídia têm destacado dados como os índices de desempenho, de fluxo, de investimento
em material didático promovendo a representação de que a Educação está sob controle e de
que os problemas estão sendo solucionados. Contudo, penso ser importante refletir sobre
outras questões que não estão tão postas, como aponta Gallo (2003, p. 78), “Se a educação
maior é produzida na macropolítica, nos gabinetes, expressa nos documentos, a educação
menor está no âmbito da micropolítica, na sala de aula, expressa nas ações cotidianas de
cada um”.
É no âmbito na micropolítica, no papel de pesquisadora, que busco olhar para o
fenômeno da Educação, realizando uma investigação mais problematizadora sobre a sala de
aula e buscando afastar-me de enquadramentos e generalizações.
Ao situar-me em uma perspectiva mais problematizadora e crítica, sem a pretensão
de buscar abarcar aspectos totalizantes para o fenômeno educacional, pretendo lançar um
olhar questionador acerca do sujeito (aluno) que é explícita ou implicitamente constituído
no espaço escolar, propondo-me a refletir sobre sua constituição a partir de uma experiência
didática que realizei como professora.
Alguns fatores contribuíram para que em 2007 me propusesse a iniciar esta
experiência. Atuando como professora desde 1993, muitas práticas de ensino de língua
materna que adotava estavam naturalizadas. Isso me motivou a buscar e a vivenciar uma
experiência didática diferente. Para tanto, passo a descrever minha trajetória profissional
para justificar a busca por esta experiência.
12
Recompondo o percurso
Compreendendo currículo como caminho, posso dizer que ensinar e aprender são
duas atividades que sempre me instigaram. Já no Ensino Fundamental, admirava os
professores, especialmente as professoras de Português, que era muito organizada, e a de
Inglês, que mostrava muito domínio do conteúdo de suas aulas. Considerava aquele
universo fantástico. No Ensino Médio, continuei a admirar os professores, procurava
entender de que maneira eu mesma poderia aprendia melhor, pois eram muitos os
conteúdos para o Vestibular e trabalhava como monitora de alunos em recuperação. Estas
atividades levaram-me a decidir pela carreira do Magistério.
Optei pelo curso de Letras, prestei vários vestibulares e iniciei o bacharelado e a
licenciatura na Universidade de São Paulo em 1988. Durante os quatro anos, até 1991, vivi
um período rico de experiências, especialmente na licenciatura, na Faculdade de Educação.
Tanto a disciplina de Prática de Ensino com muitas discussões sobre a Proposta Curricular
(antigos caderninhos verde e vermelho) quanto o estágio renderam bons seminários e
muitos aprendizados.
Dois anos depois, em 1993, iniciei minha carreira docente. Entrei em sala de aula
em uma escola particular. Tinha lido e estudado muito sobre como planejar uma aula, mas
diante daquela “primeira” quinta série, percebi que o que sabia sobre os alunos era muito
genérico: eram falantes, faziam várias atividades extraclasses, tinham desempenho
esperado para a série. A princípio, achei que fosse natural aquela insegurança, afinal estava
começando a carreira, mas as perguntas Quem eram aqueles alunos?” seguida de outras
como O que será que gostariam de aprender?” O que pensam sobre a escola?”
começaram a me interessar. Como era muito nova na docência, fui elaborando algumas
respostas.
No ano seguinte, assumi por concurso público um cargo na Escola Estadual Dr.
Coriolano Burgos, uma escola considerada grande, fundada em 1935, e muito tradicional na
cidade de Amparo (SP), havia funcionado como Instituto de Educação e formara muitas
gerações de professores.
Não apenas aí, como também em algumas escolas particulares e em uma escola
técnica, fui me constituindo como professora, encontrando outras quintas séries.
Considerava este processo muito rico e buscava ressignificar minhas vivências como
professora tentando desenvolver outras práticas, conhecendo mais meus alunos. Envolvia-
13
me com projetos de leitura, com apresentações teatrais, com excursões pedagógicas. Nestes
momentos extraclasses, nos quais parece haver maior proximidade com os alunos,
costumava pensar naquela velha pergunta do início de carreira “Quem são meus alunos?”
e aproveitava a oportunidade de interação.
Em 2007, com a experiência sobre a sala de aula mais ampliada, havia concluído
uma especialização em Análise do Discurso, e participara de disciplinas isoladas na
Unicamp, dentre as quais destaco “Planejamento de Cursos e Produção de Material
Didático”, que cursei em 2006.
Tal disciplina, ministrada pela professora Dra. Roxane Rojo, cujo trabalho de
pesquisa em Linguística Aplicada é amplamente reconhecido, possibilitou várias reflexões
sobre meus alunos, especialmente com as discussões sobre livro didático de Língua
Portuguesa. “Quem era o aluno representado no livro que adotava? Seriam os meus alunos
do Médio aquele mesmo jovem, urbano e branco, que gostava de música internacional? E
o uso daquele livro, estava gerando quais resultados para minha prática? Ecolalia?
Discurso autoritário?”. Tais questionamentos iniciaram um processo de (re)visão da minha
prática em sala de aula.
Na verdade, tais questionamentos pareciam indicar a necessidade de se pôr em cena
outra versão de práticas de leitura e escrita que problematizasse o uso do livro didático e as
minhas práticas escolares habituais, que variavam entre aula dialogada, aula expositiva,
leitura, exercícios, compreensão de textos, cópia, ditado, produção de textos.
Não posso deixar de associar esta inquietação com acontecimentos sociais mais
amplos, além dos muros da escola. Desde o início dos anos 2000, organizaram-se vários
estudos sobre o Ensino Médio, segmento em que vinha atuando, indicando novas
perspectivas para o século XXI, entre as quais a de maior valorização do aluno, em sua
participação como sujeito na sala de aula.
O reflexo destes estudos para o Ensino Médio na Rede Pública Estadual de São
Paulo foi a criação do programa Ensino Médio em Rede, implementado de 2004 a 2006.
Definido como um programa de formação continuada, coordenado pela Coordenadoria de
Ensino e Normas Pedagógicas (CENP), destinou-se aos assistentes técnico-pedagógicos,
supervisores de ensino, professores coordenadores e professores do Ensino Médio regular.
Além do material impresso, todos os participantes recebiam um CD composto por
textos de apoio e documentos oficiais, cuja leitura era solicitada ou sugerida no material
14
impresso, em diferentes momentos. Tanto os coordenadores quanto os mediadores tinham
também acesso a uma ferramenta web o Prometeus por meio da qual recebiam
orientações, arquivos e recados, participavam de fóruns de discussão, publicavam
atividades realizadas etc. Os mediadores contavam ainda com a formação a ser
desenvolvida a distância em oficinas do programa Práticas de leitura e de escrita, que
compunha o Ensino Médio em Rede.
Na primeira fase, a meta foi fortalecer a integração entre os professores das áreas, a
partir de projetos temáticos e de uma perspectiva interdisciplinar. Na segunda fase,
aprofundar a discussão sobre as especificidades curriculares do Ensino Médio e propiciar
subsídios para o diagnóstico da realidade local, avaliação do projeto político pedagógico
das escolas envolvidas e os programas curriculares das áreas para conseqüentes
reformulações.
Participei do Programa Ensino Médio em Rede como professora-coordenadora para
a área de Linguagem. O grande desafio foi pensar junto dos colegas no trabalho com língua
materna através dos gêneros discursivos e na elaboração de seqüências didáticas, pois na
interpretação de Rojo (2005, p.34):
Em uma realidade escolar na qual sabemos que o que rege as práticas de
sala de aula é a adoção de livro didático, por variadas razões que vão
desde o número de alunos por sala, até a falta de tempo remunerado e de
formação do professor para a elaboração de seus próprios materiais
didáticos, a elaboração de materiais didáticos que criem condições de
viabilidade para a realização do currículo em sala de aula torna-se um
problema crucial.
Tais
acontecimentos - a disciplina que havia feito em 2006 na Unicamp e a
participação no Ensino Médio em Rede faziam-me naquele momento pensar em outra
prática, que me permitisse pensar em outros sujeitos, organizando experiências que me
possibilitassem (re)conhecê-los por meio de outras práticas pedagógicas. Contudo, hoje a
proposta do Ensino Médio em Rede revelou-se mais positivista do que problematizadora,
na medida em que o sujeito previsto naquelas atividades já estava dado, posto e não
ofereceria a oportunidade de revelar outros sujeitos.
A leitura da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que fiz
por conta de um concurso para o qual ministrava aulas, foi o cerne da experiência didática
15
que tanto buscava. O que mais me interessou nesta leitura foi a parte dos projetos, que
sua temática era distinta daquelas com as quais já havia trabalhado.
O projeto de meu interesse chamava-se “História de Vida”. Tinha como objetivo
principal fazer com que o aluno produzisse um álbum, em que contasse sua história de vida,
suas experiências pessoais e suas expectativas em relação a si e à vivência em sociedade, e
deste modo, ampliasse a compreensão de sua inserção no mundo.
Ainda constavam do projeto algumas seções como “O que o professor quer que os
alunos aprendam”; “Ações a serem tomadas no decorrer do projeto”; “Etapas previstas”.
Apesar dos resultados previstos a priori, a proposta implicava a leitura de uma grande
diversidade de textos, de muitas produções textuais, além de propor que o aluno tivesse
iniciativas para a consecução da tarefa, pois teria de buscar a própria trajetória, fosse em
um processo de rememoração dos fatos, fosse na pesquisa por fatos históricos ou na busca
por material como fotos e objetos pessoais que julgasse importantes.
Tal projeto passou a representar outros caminhos que não os do livro didático, que
não o do Programa Ensino Médio em Rede e então decidi desenvolvê-lo nas salas de
Ensino Médio no segundo semestre de 2007.
O caminho para a pesquisa
O projeto “História de Vida”, que objetivava a produção de álbuns autobiográficos,
tornou-se uma experiência didática tão significativa que nos motivou a examiná-la como
objeto de estudo e nos levou ao Mestrado.
Tendo definido esta experiência didática como corpus, dispusemo-nos a estabelecer
o foco da pesquisa.
Inicialmente, a proposta era trabalhar com a questão do letramento escolar, já que a
escola é considerada uma de suas principais agências. Tal perspectiva considerava que a
experiência didática realizada havia envolvido práticas de leitura e escrita distintas daquelas
que produzem sujeitos determinados, recorrentes com o uso do livro didático. Deste modo,
baseando-nos nas considerações de Signorini (1998), seria possível problematizar o papel
da escrita, como representação da prática social, que afeta os processos de identificação dos
alunos, trazendo reestruturações nas suas relações sociais e nas formas de organizarem seus
valores e conhecimentos.
16
Entretanto, o contato com o referencial teórico da Análise do Discurso redirecionou
nosso olhar para a constituição do sujeito dentro do material que foi produzido. Sendo
assim, esta dissertação apresenta como tema uma análise das representações constituídas
discursivamente que circulam nas narrativas e do modo como tais representações
constituem a formação identitária dos sujeitos. Dentro deste quadro, a metodologia adotada
será de caráter analítico-discursivo, ou seja, em nosso corpus de pesquisa composto pelos
álbuns produzidos em 2007 e pelas entrevistas realizadas em 2009 - identificaremos as
recorrências, as regularidades discursivas que situam as representações como a de família e
de amizade, as quais geram as identidades (as posições-sujeito) e revelam a constituição
destes sujeitos.
Para estruturar este trabalho, situamos três momentos distintos. No primeiro
momento, descrevo o acontecimento da produção de álbuns, ou seja, como se deu esta
experiência didática na ótica da professora, situando para isso, sua forma de organização, as
interações e as percepções sobre esta experiência. O segundo momento é o da pesquisa
sobre esta produção em que passo ao momento de teorização e procuro vê-la sob a ótica
discursiva e partir daí, discutir a noção de representação, que circula pelos álbuns, e a
questão das identidades que são constituídas.
O terceiro momento é o de volta ao álbum com o intuito de analisá-lo buscando
responder nossas perguntas de pesquisa, o que significa apresentar as representações que
circulam e o posicionamento dos alunos em relação a elas.
Neste momento, para fins metodológicos, apresentamos o álbum como um
dispositivo pedagógico, no sentido proposto Larrosa:
O ser humano, na medida em que mantém uma relação reflexiva consigo
mesmo, o é senão o resultado dos mecanismos nos quais essa relação
se produz e se medeia. Os mecanismos, em suma, nos quais o ser humano
se observa, se decifra, se interpreta, se julga, se narra ou se domina. E,
basicamente, aqueles nos quais aprende (ou transforma) determinadas
maneiras de observar-se, julgar-se, narrar-se ou dominar-se. (LARROSA,
2002, p. 57)
Portador das representações que produzem posicionamentos e geram identidades
sociais que constituem os sujeitos desta produção específica, este dispositivo revela o
17
entendimento e o sentido que o aluno dá às coisas no momento histórico em que ele vive
(adolescência)
Adotado este foco, nossa pesquisa se insere em uma perspectiva da s-
modernidade, aliada a estudiosos como Bauman (2001; 2005) que trata de questões
relacionadas à modernidade líquida e à identidade, bem como Hall (1997; 2005) e
Woodward (2008) que abordam a identidade cultural e da representação na sociedade pós-
moderna. Também nos pautamos em Foucault, especialmente no que diz respeito aos
conceitos de discurso, formação discursiva e sujeito para a análise de nosso corpus de
pesquisa. .
Ao analisarmos o discurso nos álbuns, compreendendo-o como uma prática
instituidora de objetos dos quais fala, estaremos analisando as construções ideológicas que
o constituem, o que poderá contribuir para que outros profissionais da Educação também
reflitam sobre as questões que envolvem o sujeito no discurso educacional.
Conforme mencionado, a questão do sujeito tem lugar nesta dissertação, por isso
é extremamente necessário o esclarecimento sobre qual a concepção em que nos apoiamos.
Ao falarmos da constituição do sujeito discursivo, estaremos trazendo para nossa reflexão a
concepção de Foucault (1996) de um “ser” que pertence a um tempo e a um espaço,
conseqüentemente, a grupos sociais, portanto alguém que se forma com o transcorrer do
tempo, da história.
Feitas estas considerações, a problemática que nos norteia nesta pesquisa pode ser
formulada da seguinte maneira:
1-Quais são as representações que circulam nas narrativas?
2-A partir das representações, circulantes no texto ou nas imagens, que perpassam e
organizam tematicamente tais narrativas, como os sujeitos (alunos) se posicionam em
relação a elas
?
Para evidenciar tais perguntas, estabeleceram-se os objetivos abaixo:
1-Retratar as práticas pedagógicas para organização desta narrativa
2-Levantar as representações que circulam nas narrativas fotográficas;
3-Analisar como os alunos se posicionam em relação a tais representações.
Visando atender os objetivos propostos nesta pesquisa, dividimos a apresentação
deste estudo em três momentos o do acontecimento do álbum, o da teorização e o de sua
releitura, gerando quatro capítulos, que apresentam os pressupostos teóricos a seguir.
18
No capítulo 1, será descrito o momento da produção do álbum, a partir da
perspectiva da professora, cujo pressuposto estava na problematização da prática de ensino
de língua materna. Na descrição desta experiência, abordaremos seu desenvolvimento, os
temas, as atividades e as interações.
No capítulo 2, será desenvolvida a teorização sobre esta produção para compreender
como a questão da identidade no âmbito da Pós-Modernidade se configura no álbum, bem
como as noções de discurso, sujeito e representação que a ela estão atreladas.
No capítulo 3, serão apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa, nos
quais explicitamos os critérios para seleção dos sujeitos, bem como identificamos, dentro
das formações discursivas, as recorrências discursivas através das quais as representações
se constituem e os sentidos e identidades produzidas.
No capítulo 4, a partir dos pressupostos teóricos apresentados, será feita a releitura
do álbum apresentando os resultados das análises das recorrências discursivas nas
narrativas fotográficas, bem como das entrevistas realizadas, visando tanto a discussão dos
processos identitários quanto dos sujeitos produzidos
A seguir, concentramo-nos em nossas considerações finais nas quais buscamos
refletir e problematizar o sujeito que emerge desta experiência.
Com isso, esperamos que esta pesquisa possa contribuir para uma reflexão a
respeito das identidades destes sujeitos.
19
20
CAPÍTULO 1
NOS CAMINHOS DA DOCÊNCIA: A PRODUÇÃO DE UM ÁLBUM AUTO
BIOGRÁFICO
Continuo pensando que para falar de mudanças na educação é
necessário, primeiro, um profundo silêncio, uma longa espera,
uma estética não tão pulcra, uma ética mais desalinhada,
deixar-se vibrar pelo outro mais do que pretender
multiculturizá-lo, abandonar a homodidática para
heterorrelacionar-se (SKLIAR, 2003, p.20)
O propósito deste capítulo é descrever a organização da experiência didática com
alunos de Ensino Médio que originou esta pesquisa. Esta experiência concretizou-se em
torno de um projeto intitulado “História de Vida”, oriundo da Proposta Curricular para a
Educação de Jovens e Adultos (EJA), que propõe a produção de álbuns contendo a
trajetória de vida de alunos.
A descrição será feita pelo sujeito-professora e, devido ao grau de envolvimento,
será utilizada a primeira pessoa.
Realizada no segundo semestre de 2007, com alunos de Ensino Médio de uma
escola pública da cidade de Amparo, esta experiência teve como pressuposto a
problematização do ensino de língua materna e decorreu de dois principais fatores.
Primeiramente, foi a minha própria formação profissional por ocasião da
participação em uma disciplina sobre elaboração de curso e produção de material didático e
da participação no programa Ensino Médio em Rede, já descritos anteriormente, que
colaboraram com subsídios teóricos referentes à teoria dos gêneros textuais e
consequentemente fizeram-me pensar em outra prática pedagógica.
Em segundo lugar, o tempo de docência também contribuiu para que me decidisse a
concretizá-la. Em 2007, fazia catorze anos que estava em sala de aula e nos últimos anos,
atuava apenas no Ensino Médio. Considerando que um professor trabalha em média vinte e
cinco anos, estava situada além do meio de caminho e confesso que estava bastante
insatisfeita com a mesmice das aulas e com o livro adotado pelo grupo de professores.
21
A sensação de tranqüilidade, advinda do tempo como docente, convivia com outra
sensação a de vazio. A sala era como um território conquistado. Poderia prever os
possíveis momentos de indisciplina e até algumas reações dos alunos diante desta ou
daquela situação. Por sua vez, normalmente depois de um bimestre, as salas me
conheciam até pelo tom da voz A professora está brava hoje?” e assim sabiam quais os
passos a seguir. Tudo muito previsível, esperado, sob controle.
Tal situação me fazia lembrar a obra O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, pois,
assim como o protagonista, o pescador Santiago, que se sentia incomodado por não
conseguir mais pescar, e cansado, lança-se em águas desconhecidas, eu também lamentava
o fato de não conseguir mais fazer o que acreditava ser o básico do meu ofício: interagir
verdadeiramente, trocando experiência, com os alunos.
Para sair deste estágio de insatisfação, decidi levar adiante o Projeto “História de
Vida” que havia lido na Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos. Podia não
ser o caminho mais indicado, mas seria uma tentativa de reverter a situação em que me
encontrava.
O Projeto tinha várias seções. Como objetivo, constava a produção de um álbum
contendo a trajetória de vida dos alunos e suas expectativas quanto à vivência em
sociedade. Para produzir o relato, o aluno precisaria ler biografias, documentos e textos de
fatos históricos. Esse processo permitiria a ele ampliar a compreensão de sua inserção no
mundo.
Na segunda seção “O que o professor quer que os alunos aprendam”, destacamos
estabelecer relações entre a história pessoal e a história da sociedade; consultar em diversas
fontes da história recente; elaborar relatos escritos de experiências vividas; coletar e
selecionar fotos para ilustrar o trabalho. Na seguinte, “Ações a serem tomadas no decorrer
do projeto”, enfatizamos a de garantir uma escuta acolhedora dos relatos pessoais. Na
última, “Etapas previstas”, destacamos a produção e revisão de textos; a seleção de imagens
e ilustrações; o uso de materiais de apoio para organização e sequência das fotografias e/ou
figuras e textos na composição linear do álbum; produção de papel reciclado para a
confecção da capa do álbum, montagem do álbum.
22
1.1 A experiência didática: o álbum na visão dos PCN(s)
É necessário destacar que, apesar deste projeto já estar formulado pela Proposta
Curricular da EJA, tínhamos à época como referencial teórico os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa (1998).
Neste documento, a seção “Tratamento didático dos conteúdos” (p.87) sugere e
incentiva a adoção de organizações didáticas diferenciadas e alternativas, comentando as
duas formas organizativas e suas vantagens para o ensino-aprendizagem de Língua
Portuguesa. São elas os projetos e os módulos didáticos.
O projeto é definido como a organização didática que “tem um objetivo
compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa em um produto final em função do
qual todos trabalham e que terá, necessariamente, destinação, divulgação e circulação
social” na escola e fora dela (p.87).
São apontadas várias vantagens pedagógicas da organização por projetos, tais como:
a flexibilização do tempo; o compromisso e o envolvimento dos alunos com as atividades e
com a própria aprendizagem; a inter-relação entre as práticas de uso da linguagem e de
reflexão sobre a linguagem; e seu caráter interdisciplinar e a possibilidade que apresentam
de tratamento dos temas transversais.
os módulos didáticos são definidos como “seqüência de atividades e exercícios,
organizados de maneira gradual para permitir que os alunos possam, progressivamente,
apropriar-se das características discursivas e lingüísticas dos gêneros estudados” (p. 88).
Os PCNs também sugerem a relação entre esta organização didática alternativa e o
material didático organizado por sequências didáticas, isto é, um material didático
pensado como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática,
em torno de um gênero textual oral ou escrito” (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 97). Sua
finalidade, portanto, é a de “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto,
permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação
comunicativa” (idem, p.97).
Pressuposto de uma concepção de linguagem como interação, o conceito de gênero,
situado na perspectiva bakhtiniana, é entendido pelos autores acima como “mega-
instrumento para agir em situações de linguagem” (idem, p.52). Consideram que todo
gênero se define por três dimensões essenciais: “os conteúdos que são dizíveis por meio
dele; a estrutura particular dos textos pertencentes ao nero; as configurações específicas
23
das unidades de linguagem, que são sobretudo traços da posição enunciativa do enunciador,
e os conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formam sua
estrutura” (idem, p. 52).
Para estes estudiosos, “certos gêneros interessam mais à escola as narrativas de
aventuras, as reportagens esportivas, as mesas-redondas, os seminários, as notícias do dia,
as receitas de cozinha, para citar alguns” (idem, p.97). Para os PCNs de Língua Portuguesa
os gêneros textuais são agrupados em gêneros literários, de imprensa, publicitários e de
divulgação científica “cujo domínio é fundamental à efetiva participação social” (p. 53).
Considerado este referencial, sem ignorar a divisão bakhtiniana em gêneros
primários e secundários nem a divisão apresentada pelos PCNs, adotamos o enfoque de
agrupamento de gêneros proposto por Schneuwly e Dolz (2004, p. 60-61), que são:
1- Gêneros do narrar, onde estão o conto maravilhoso, o conto de fadas, a fábula, a
lenda, a narrativa de aventura, a crônica literária, o romance, a piada, entre
outros que levem a mímese da ação através da intriga no domínio do verossímil;
2- Gêneros do relatar, onde estão o relato de experiência vivida, o diário íntimo, a
autobiografia, a notícia, a reportagem, a crônica esportiva, a biografia, entre
outros que levem à representação pelo discurso de experiências vividas, situadas
no tempo;
3- Gêneros do argumentar, onde estão os textos de opinião, o diálogo
argumentativo, a carta do leitor, os artigos de opinião, o editorial, entre outros
que levem à sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.
4- Gêneros do expor, onde estão o texto expositivo em livro didático, a exposição
oral, a entrevista, o verbete, o texto explicativo, o resumo de textos expositivos,
entre outros que levem à apresentação textual de diferentes formas dos saberes.
5- Gêneros do descrever ões, onde estão as instruções de montagem, a receita, o
regulamento, as regras do jogo, os textos prescritivos, entre outros que levem à
regulação mútua de comportamentos.
Baseando-nos neste quadro teórico, nossa proposta era desenvolver o projeto
“História de Vida”, uma vez que tínhamos como fim a produção de um álbum
autobiográfico. Ela seria realizada através de módulos didáticos, cujo desenvolvimento
ocorreria em torno do trabalho com gêneros.
24
Contudo, o conceito de gênero me fez investigar se o álbum seria realmente um
gênero. Voltando à definição de gênero como instrumento ou ferramenta, analisamos
alguns pontos
Segundo as considerações de Schneuwly & Dolz (2004), como instrumento, o
gênero apresenta duas faces. Por um lado, há o artefato material, existente fora do sujeito,
materializando, por sua própria forma, os fins aos quais o instrumento é destinado; por
outro lado o do sujeito os esquemas de utilização do objeto que articulam suas
possibilidades às situações de ação. Esses esquemas de utilização são plurifuncionais, por
meio deles, o instrumento “faz ver o mundo de uma certa maneira e permite conhecimentos
particulares do mundo” (idem, p. 24). A apropriação do instrumento pode ser vista como
“um processo de instrumentalização que provoca novos conhecimentos e saberes, que abre
novas possibilidades de ações, que sustenta e orienta essas ações”.
Tais considerações nos permitiram concluir que trabalhava o álbum como um
gênero, que se constitui como artefato material com determinados esquemas de
utilização, ou seja, um álbum é utilizado para registrar com fotos os momentos que
julgamos pertinentes, para relembrar momentos, para pesquisar sobre o estilo e o modo de
vida de determinada época. Nele ainda, podemos ver a crônica de fatos cotidianos que
regulam as práticas sociais.
Dadas suas possibilidades de utilização, pensamos de que maneira o álbum seria
reconfigurado dentro da escola. Ele seria utilizado para registrar a história de vida de cada
um. Como transpor este conteúdo? Para isso, pensamos nas sequências didáticas, como
modalidades organizativas deste projeto. As sequências didáticas têm uma estrutura de base
que passamos a descrever.
ESQUEMA 1: SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Esquema proposto por Schneuwly & Dolz (2004, p. 98)
Apresentação
da situação
Módulo
1
PRODUÇÃO
INICIAL
Módulo
2
Módulo
n
PRODUÇÃO
FINAL
25
A apresentação da situação é o momento em que a turma constrói uma
representação da situação de comunicação e da atividade de linguagem que vai ser
realizada. Segundo os autores (idem, p. 99), “trata-se de um momento crucial e difícil”.
Duas dimensões precisam ser esclarecidas. A primeira é apresentar um problema de
comunicação bem definido, indicando: qual o nero e pedindo que leiam um exemplo; a
quem se dirige a produção; que forma assumirá a produção (áudio, vídeo, representação);
quem participará da produção (todos os alunos, individualmente, em grupos). A segunda é a
dimensão dos conteúdos, para que os alunos percebam a importância destes e com quais
vão trabalhar.
Quanto à primeira produção, trata-se de um momento em que “os alunos tentam
elaborar um primeiro texto oral ou escrito e, assim, revelam para si mesmos e para o
professor as representações que têm dessa atividade” (idem, p. 101). De acordo com estes
teóricos, neste ponto se definem onde o professor pode intervir melhor e o caminho que o
aluno ainda tem de percorrer. É o “momento de conscientização do que está em jogo e das
dificuldades relativas ao objeto de aprendizagem, sobretudo se o problema comunicativo a
ser resolvido ultrapassa as capacidades de linguagem dos alunos e confronta-os, assim,
com seus próprios limites” (idem, p. 103). Quanto aos módulos, trata-se de trabalhar os
problemas que aparecessem na primeira produção e dar aos alunos os instrumentos
necessários para superá-los. Dito de outra maneira, trata-se de decompor o texto inicial
“para abordar, um a um e separadamente, seus diversos elementos” (idem, p. 103). Em
nosso projeto, optamos por decompor o texto inicial com história de vida em elementos que
seriam outros gêneros textuais de acordo com os agrupamentos apresentados. Assim,
poderiam ser trabalhados textos da ordem do narrar, da ordem do relatar, do expor, do
argumentar, do descrever ações e, desta maneira, a diversidade de textos atenderia às
necessidades da diversidade de alunos. Passando por todos os módulos, os alunos
escolheriam aqueles que servissem à sua produção final.
Sobre a produção final, ela permite ao aluno e ao professor uma avaliação
somativa que lhes permite avaliar os progressos realizados no domínio trabalhado. Segundo
os autores, “uma avaliação somativa assentada em critérios elaborados ao longo da
sequência é mais objetiva, mas também mantém uma parte de subjetividade” (idem, p.107).
Mais adiante, completam “A avaliação é uma questão de comunicação e de trocas. Assim,
26
ela orienta os professores para uma atitude responsável, humanista e profissional” (idem, p.
108).
Dentro de nossa sequência didática, a apresentação da situação teve como ponto
principal o exemplo do gênero. Hoje há uma diversidade grande de álbuns para atender a
diferentes necessidades: batizado, de primeira comunhão, de crisma, de casamento, de
formatura, de viagem, para menino, para menina e até scrapbooks, que são álbuns
personalizados artesanalmente. Como eram alunos de primeiro colegial, os álbuns de
formatura eram os mais recentes de que dispunham. Sobre eles, comentamos a sequência
das fotos, os momentos do evento, as legendas, a capa. Mesmo assim, esclareci que
faríamos um álbum cujo tema era a própria vida, o que incluiria os aspectos observados no
álbum de formatura, além de outros conteúdos como o relato de acontecimentos
importantes em suas vidas. Para a segunda dimensão, foram levantados possíveis temas
como a vida em família, a vida com amigos, a vida e seus momentos, entre outros.
Como produção inicial, pedi aos alunos que escrevessem um texto contando sua
história de vida, na qual pude observar elementos recorrentes como o perfil geral com as
características físicas e psicológicas, a caracterização da família, os eventos mais
significativos e os planos para o futuro.
Os módulos foram organizados considerando os elementos recorrentes como temas,
e não pelas dificuldades apresentadas pelos alunos na produção inicial. Então, cada módulo
equivale ao trabalho com um tema e com os gêneros que o contemplassem. Nos módulos,
líamos os exemplos dos neros levantados pelos alunos, outras vezes, por mim,
passávamos à análise dos elementos como sua forma composicional e seu estilo. Depois
disso, conversávamos sobre as contribuições das leituras sobre o tema com a sala toda, para
depois, em pequenos grupos, produzirem o gênero em questão. Como o tempo destinado ao
projeto mostrou-se insuficiente, ampliamos para todas as aulas e passamos a nos dedicar ao
álbum em tempo integral.
Com a realização dos quatro módulos, passamos à produção final, na qual os alunos
revisaram seus textos, organizando-os junto às fotos e às imagens selecionadas. Por fim,
elaboraram uma capa. E qual título dar? Tinham lido, assistido, discutido e circulado por
tantos neros tratando de aspectos da vida. Nos exemplos de álbuns trazidos em sala, as
capas indicavam o tema “Meu batizado” ou apenas “Batizado”, “O casamento de ...”.,
27
“Aniversário da ...”. Então, os títulos ficaram bem concentrados nestas estruturas indicando
o tema (vida, história) ou o objeto (álbum) e a posse (meu, de, do, da)
A avaliação que realizei à época ficou registrada em um campo específico do diário
de classe e apresentava o resultado da produção inicial, no qual identifiquei os temas
recorrentes, a participação nos módulos e o aproveitamento da produção final em relação
aos gêneros trabalhados e à estruturação da própria história quanto à clareza e à suficiência
dos elementos básicos. A auto-avaliação dos alunos deu-se oralmente em pequenos grupos,
sendo que dela ainda um mini-questionário preenchido pelos alunos do primeiro e um
comentário escrito pelos alunos do segundo.
Encerrada esta descrição geral do desenrolar do projeto, passo a uma descrição mais
detalhada com passagens da interação ocorridas em seu desenvolvimento, o qual foi
subdividido em fase inicial, intermediária e final.
Esclareço que as falas que ilustram as interações têm como fonte principal a minha
memória deste acontecimento. Seu registro formal ocorreu depois de um ano de sua
realização, quando ele se tornou necessário para minha pesquisa.
1.1.1 Fase inicial : a leitura do projeto e as primeiras perguntas
Comecei o trabalho com o projeto na volta às aulas, em agosto, lendo com cada sala
sua descrição na íntegra. Eram cinco salas: quatro de primeiro colegial e uma de segundo.
Lembro-me bem desta aula inicial. Sentamos em círculo, em um ritual
diferenciado, já que habitualmente costumávamos alternar as cadeiras em fileiras, em
duplas ou em pequenos círculos para o trabalho em grupo.
Pedi que opinassem - “O que acham da proposta?” - e confesso que fiquei
apreensiva com a reação, pois se a maioria não mostrasse interesse, esta minha tentativa
viria abaixo.
Inicialmente ficaram tímidos. A conversa começou a fluir por conta dos primeiros
questionamentos sobre como montar o álbum.
É igual ao que
tenho em casa?
28
Para esta primeira pergunta, minha resposta não deve ter parecido convincente “É e
não é...”. A fim de mostrar maior segurança, tracei um quadro na lousa para que juntos
preenchêssemos com as características de um álbum tradicional com fotos de família e
afinal entendêssemos “O que é um álbum?”
Apareceram basicamente elementos como a sua função “É um lugar para guardar
fotos”, a sua organização “A gente vai pondo as fotos em ordem, desde que era bebezinho
e assim vai”. Alguns destacaram a sua variação visual “Ah, álbum de batismo tem capa
com anjinho, o de noiva é mais chique, e tem o da formatura, que é o mais legal”.
Esta conversa suscitou diferentes efeitos. Muitos balançavam a cabeça
afirmativamente, parecendo concordar com a proposta. Outros queriam dar sua opinião
sobre o que era o álbum, alguns se mantinham calados e outras vozes se levantavam para
resistir...
Para eles, organizar um álbum com a história de vida de cada um parecia ser algo
externo à sala de aula e ao ensino. Por que fazê-lo? Procurei mostrar que há muitos
recursos educacionais como áudios, vídeos, imagens, mapas, experimentos, que podem
promover outros aprendizados em termos de comportamentos e atitudes e que aprender não
se dá apenas com o giz, a lousa e o livro, então o álbum poderia ser um recurso interessante
e diferente. Seria o que investiguei posteriormente um “dispositivo pedagógico”, no sentido
dado por Larrosa (2002). E relemos o texto de apresentação do projeto.
Diferentemente dos procedimentos de avaliação centrados em provas escritas, na
participação, na entrega de trabalhos de pesquisa, ficou decidido também que o álbum seria
avaliado por eles através de auto-avaliação.
Em seguida, foi discutido quando as atividades sobre o álbum seriam realizadas.
Como o plano de curso da disciplina previa duas aulas por semana para a produção de
textos, o projeto foi alocado neste espaço. Nas duas aulas de “redação” como eles
O QUE ÁLBUM
TEM A VER
COM ESCOLA??
Como vai dar nota
nisso?
29
chamavam, as atividades seriam desenvolvidas, além é claro, do tempo extraclasse para
pesquisas que precisassem fazer.
Prosseguindo na construção da resposta ao como fazer o álbum, decidi trazer
naquela semana a definição de álbum pelo dicionário. O dicionário Michaelis continha
algumas acepções que nos interessaram. O álbum pode ser um “livro em branco destinado a
recolher notas, pensamentos, poesias, autógrafos, impressões de viagem” como também
“caderno ou livro com folhas grandes, geralmente com capa ornamentada, para arquivo de
fotografias, desenhos, gravuras, discos, músicas”. Esta foi uma boa idéia, que as
definições indicavam o que poderia acompanhar a história de vida, como as notas, as
poesias, músicas, e ampliavam as possibilidades de montagem de seu suporte (livro,
caderno).
Voltamos à pergunta como o álbum seria organizado. Surgiram dois grandes
impasses.
O primeiro impasse ocorreu com o uso das fotos:
Depois de muito argumentar sobre a importância de eles poderem organizar um
álbum próprio, e de assegurar sua devolução, passamos por outro impasse: a própria
história.
Para resolver este impasse, lancei uma pergunta “Quem leu a história de alguém
contada por ele mesmo?” Com respostas que incluíram Cem dias entre céu e mar, de Amyr
Klink e O diário de Annie Frank, pudemos pensar que falar de si é uma tarefa que se
materializa de muitas maneiras e que nenhuma história de vida é exatamente igual à outra.
Minha mãe não vai deixar
desmontar meu álbum de casa
para pegar as fotos !
A senhora vai
devolver o álbum
dep
ois?
O que que eu vou
falar de mim?
Tem que colocar
tudo?!! Vai dar
um livro..
Só vou
colocar o que
me interessa!!
30
Na aula seguinte, trouxe o poema Infância de Drummond, o qual transcrevo abaixo:
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
A poesia de Drummond parece ter a inesgotável qualidade de se ressignificar em
muitos contextos. A leitura do poema foi muito produtiva, na medida em que promoveu o
entendimento de que cada história tem seu valor e de que muitas maneiras de se contá-
la.
31
Passada a fase das dúvidas, aparentemente “compraram a idéia”. Concluíram que
era uma tarefa criativa e diferente do que faziam habitualmente nas aulas de produção de
texto.
Não foi um caminho fácil nem para mim, que não tinha muita certeza de onde iria
chegar e nem para eles. Não tão raramente, em nossas salas de aula,
(...) o aluno se sente como um estrangeiro na escola e as letras
passam a representar o risco de perda da identidade. Ele aprendeu a
escrever, mas não a se expressar; ele aprendeu a ler, mas não a
compreender o seu mundo; ele foi alfabetizado, mas, na prática, ele
se sente convidado a abrir mão de suas raízes. (COLELLO &
SILVA, 2003)
Então, passamos à fase de levantamento de tudo que poderia constituir
materialmente a história de vida os mais diversos álbuns, pequenos, grandes, antigos,
recentes, além de objetos documentais como exame de gravidez, convite de casamento dos
pais, paninhos, lembrança de batizado, primeiros cabelos cortados, dentes de leite,
brinquedos, diploma do pré, medalhas, convite e vela de aniversário, cordinha de batizado
da capoeira, faixa do judô, ioiô vencedor de campeonato, diploma da oitava série, entre
tantos outros.
Nesta caça à memória em busca de nossa própria história, li um excerto de Paulo
Freire, em Pedagogia do Oprimido (1996), e percebi naquela época que a questão basilar
deste álbum era a de nos percebermos sujeitos do mundo e no mundo, na medida em que
ser do mundo nos levava a identificar a rie de marcas e eventos a que fomos submetidos,
enquanto que ser sujeito no mundo nos levava a perceber as diferenças, as singularidades:
(...) o fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me
põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver
com ele. Afinal, minha presença no mundo o é a de quem nele se
adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não
ser apenas objeto, mas sujeito também da História (FREIRE, 1996, p.54)
Estavam no processo da decodificação da vida, tentando reconstituir os códigos,
ressignificando-a, buscando meios para situar-se e para organizá-la. Levei este excerto para
que lessem e discutissem e foi interessante como alguns metaforizaram a idéia de sujeito:
32
Para eles, sujeito é aquele que tem atitude, que corre atrás de seus objetivos e não de
alguém que constrói e é construído socialmente.
Seguindo nossa fundamentação teórica para o trabalho com projetos, pedi então
como produção inicial um texto contendo a história de vida de cada um, no qual
identifiquei temas recorrentes: a caracterização pessoal física e psicológica, a
caracterização da família, os eventos mais significativos e os planos para o futuro, que
subsidiaram os módulos das sequências didáticas.
1.1.2 Fase intermediária: o trabalho com os gêneros
Partindo da concepção de linguagem bakhtiniana apresentada, acreditamos que o
trabalho com o texto é o que de específico na aula de Língua Portuguesa, porque é nele
que a língua se revela em sua totalidade. Assim, concebemos a língua como socialmente
constituída em que nos comunicamos por textos que se materializam sob a forma de
gêneros com as mais diversas funções e intenções.
Assim, o objetivo das aulas de Português deve ser o desenvolvimento do domínio
dos gêneros que circulam socialmente. Deste modo, organizamos o trabalho como os temas
recorrentes na produção inicial para estruturar os módulos das sequências didáticas. Cada
módulo contemplaria um tema e nele seriam estudados neros que poderiam auxiliá-los na
produção do álbum.
Passo, portanto, a descrever sua organização nesta perspectiva.
1ª. Módulo: A caracterização física e psicológica
Para a exploração do tema caracterização pessoal, trabalhamos com vários
gêneros.
É isso aí, gostei desse
Freire! Tem que ter atitude.
Não pode ser vaquinha de
presépio!
Concordo. Nada de ser
parasita e ficar
dependendo dos outros!
33
Iniciamos com o perfil pessoal de revistas e de sites de relacionamentos, de revistas
e jornais, além de perfis em excertos literários, que indicassem a caracterização física e
psicológica da personagem.
Em um dos grupos, ocorreu o seguinte diálogo, do qual participei:
- Professora, a senhora acha que sou gorda? – pergunta uma aluna.
-Quem tem que saber de vo é você mesma!! responde uma outra aluna do
grupo.
-Usa a abreviação e põe GG, é mais charmoso, GG: gostosa e glamurosa!! –
sugere uma terceira.
- Você se acha gorda? – pergunto.
- Perto da (fala o nome de outra aluna), sou até magra....
-Então, por que vocês não discutem os padrões de beleza?É melhor ser magro? Por
quê?
Esta conversa me marcou por ser uma das primeiras e pelas estratégias reveladas
sobre o ato de escrever sobre si. Para a primeira aluna, se alguém escreve sobre si, deve
saber quem é, com o que se identifica. Para a segunda, que pressupõe que a colega é
gorda, vale a alternativa de substituição, em vez de gorda, glamurosa, mascarando a falta
do atributo físico “magreza” para o jovem. Para a terceira, a comparação com outras
pessoas faz com que este atributo seja relativo e que a gorda não seja tão gorda. Mas afinal,
é gorda ou não é? Elas continuaram discutindo o que seria posteriormente em nossa análise
uma questão de identidade. Com o que se identificam? Fixam-se ou deslocam-se em
relação às representações?
Deste perfil inicial, gerou-se o trabalho com os outros gêneros para que
complementássemos a caracterização.
Para falarmos sobre a origem, fosse a cidade natal, o estado e o país, passamos por
textos expositivos, por poemas, por letras de música. De Amparo, lemos textos
informativos. Sobre o estado de São Paulo, trabalhamos com textos expositivos de uma
coleção didática enviada à Escola que falava dos imigrantes, dos cafezais, da
industrialização. Sobre o Brasil, optamos por algumas paródias sobre a Canção do Exílio,
de Gonçalves Dias.
34
A opção religiosa também revelou a diversidade de pontos de vida bem como o
preconceito. Nestas salas, cuja maioria é de católicos, foram poucos os que assumiram ter
outra orientação religiosa. Nesta aula, conviveram textos como o do exemplo abaixo,
produzido por uma aluna do 1º. F, e alguns comentários, que não foram contestados:
Sou paulista
Basílica de Nossa Senhora Aparecida
Milhares de pessoas de todos os estados viajam para o interior de São Paulo para
visitarem a Basílica de Nossa Senhora Aparecida.
É o segundo maior templo católico do mundo, menor apenas que a Basílica de São
Pedro, no Vaticano, ela foi construída em 1955.
São aproximadamente doze milhões de romeiros que passam anualmente por lá.
E eu sou um deles.
(Texto acompanhado de foto da família- mãe, aluna, irmãos - reunida em frente à Basílica)
O que posso colocar do
Brasil? “Minha terra
tem corrupção”?
Sô brasileirooo!!
com muito orgulhoooo,
com muito amoooorr!!
Que beleza, hein,
professora!! Só
lembram do país na
hora de cantar o
hino....
Vai dizer que quando você
olha aquele crente batendo na
sua porta domingo de manhã
não tem vontade de xingar?
Nessa classe tem
macumbeiro sim,
dona! Não querem
falar...Ha, ha, ha!!
35
Para a indicação do ídolo, foram levantadas basicamente biografias para
celebridades artísticas (artistas de TV, cantores), esportivas, religiosas, políticas, além de
entrevistas concedidas em jornais e revistas. Neste aspecto, a escolha se deu marcadamente
por uma questão de gênero, a maioria dos alunos tinha como ídolo jogadores de futebol e as
meninas, cantoras ou atrizes do momento.
Em seguida, para a indicação do esporte, trabalhamos basicamente com os gêneros
da ordem do expor como os verbetes, os textos explicativos e novamente a questão do
gênero predominou. Alunos elegeram o futebol e as meninas, vôlei.
Para a contextualização de suas vidas dentro dos acontecimentos sociais, ou de suas
histórias dentro da História, foram lidas muitas notícias da época, levantadas junto às
primeiras páginas desde a década de 90, publicadas pela Folha em edição especial. Nesta
aula, foram várias as constatações com relação a este entrecruzamento.
Para a palavra favorita, voltamos aos verbetes e elaboramos um dicionário de A a Z,
em que apareceria uma palavra para cada letra que representam valores ou idéias que os
caracterizassem. E esta foi uma lista difícil, na qual interferi bastante, pois eles não queriam
colocar qualquer palavra, mas também não sabiam qual colocar.
Prô, o que foi este
tal de
impeachment?
Nossa, eu só tinha
dois aninhos quando o
Ayrton Senna
morreu?!! Coitado!
Olha a TAM... desde
quando causa
acidente!!
E no T ?
O que que eu
coloco?
Bota “tesão”,
vai combinar
com você!!
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Nestes momentos de muita brincadeira, tinha a sensação de que eles não estavam
levando a produção a sério e eles argumentavam que estavam produzindo aquilo para eles e
para mim e que ninguém mais iria ler, então não havia problemas...com o tesão. Na
verdade, produziam regras de sentido naquele contexto de significação.
Para a comida favorita, lemos as receitas e até assistimos a um programa de
culinária bem caipira.
Para os itens “maior alegria” e “maior tristeza”, trabalhamos com o relato de
experiência vivida, que revelou muitos vínculos com a família, uma vez que se
relacionavam com a perda de familiares e com a chegada de novos membros a ela.
2º. Módulo: A caracterização da família
Para a caracterização da família, foram selecionadas sinopses de programas como
“A Grande Família” da Rede Globo de Televisão e de filmes como a “Família Adams” ou
de séries animadas como “Os Flintstones” e “Os Jetsons” que retratassem uma estrutura
familiar, seus integrantes, suas características.
Além disso, houve o momento “vídeo clipe” com a música Família” dos Titãs.
Outros gêneros surgiram com a pesquisa (garimpagem) que os alunos realizaram em casa,
como o convite de casamento dos pais, o teste de gravidez. Além disso, foram trabalhadas
notícias com histórias familiares de encontros e desencontros, de violência doméstica.
Fossem modelos ou cenas de família trazidas por mim ou pelos alunos, foram
discursos sobre os quais tiveram de se posicionar e sem dúvida, falar da família foi o
módulo mais delicado, porque parecia ter atingido problemas que não poderiam ser
revelados.
Diante desta fala de um aluno do 1º. C, pensei que algum aluno fosse contestar.
Como ninguém disse nada, resolvi provocar “Todo mundo acha isso normal?”. Alguns
poucos disseram não e uma aluna se dispôs a mostrar a perspectiva contrária, na qual foi
Não vou falar do
meu irmão, ele é um
chato!
Meu pai usava drogas e batia
na minha mãe desde que eu era
pequeno. Eu acho que isso é
normal!!
37
acompanhada por outras alunas em uma reação que parecia da defesa da mulher pelas
mulheres. Nenhum aluno se pronunciou.
Outro episódio interessante aconteceu. Duas alunas do . D tinham mãe biológica,
mas haviam sido criadas por outra com a qual não se relacionavam, mesmo assim tinham
dúvida em deixar uma de lado. Uma das mães veio falar comigo solicitando se a filha não
poderia fazer outra atividade. Disse que não. Se ela não quisesse falar de alguém da família,
poderia apenas falar de si. Outra aluna, desta mesma sala, era adotada e a mãe veio me
comunicar este fato, porque a menina não sabia e falar das origens “poderia traumatizá-la”.
Dei a mesma resposta.
Outra mãe de um aluno do 1º. F, na reunião de pais, veio comentar particularmente
que estava sendo difícil para o filho falar do pai que havia falecido. Mal sabia eu que
naquele mesmo dia eu perderia meu pai e estaria tão órfã quanto meu aluno.
Depois destas conversas, reforcei com as salas que o álbum era uma produção que
registrava a história de vida de cada um e que ela poderia ser contada de muitas maneiras.
3º. Módulo: Os eventos mais significativos
Para os eventos mais significativos, que aqui giram em torno de aniversários, de
comemorações ou ritos religiosos como batismo, comunhão e crisma, de conquistas
esportivas, de participação em desfiles ou apresentações esportivas ou artísticas, o trabalho
com fotos foi riquíssimo. Por minha sugestão, fizemos uma roda de contação de histórias
com o tema “Aventura de Infância”, que virou texto depois, sendo bastante recorrente nos
álbuns já organizados. Como os alunos sempre insistiram para que a professora desse
modelos para o álbum, quase todas as atividades propostas acabaram conduzindo suas
escolhas, afinal era difícil fugir da relação professor-aluno em que se torna muito mais fácil
fazer o que o mestre mandou do que contestá-lo.
A seleção dos eventos, ligados fortemente ao acervo de fotos de que cada um
dispunha, foi fortemente cronológica, derivada até da tradicional sequência do álbum de
família, do começo para o fim. Poderia subdividir em três grandes grupos: os que
organizaram sua história ano a ano, os que a dividiram em infância e adolescência (passado
e presente) e os que elegeram temas, como “Meus aniversários”, “Meus amigos”.
Para as fotos, o gênero trabalhado foi legenda ou comentário. Para o tema
aniversário, trouxe o texto “A última crônica”, de Fernando Sabino, que questiona onde
38
está o valor da comemoração do aniversário, defendendo sua simplicidade e não sua
ostentação.
Para os que não tinham fotos, foi sugerido que utilizassem imagens de outras fontes
como jornais ou revistas. De um modo ou de outro, todos tiveram de lidar com a presença
ou a ausência de recursos como fotos, convites, de lembranças, o que certamente gerou
tanto frustrações, de alegrias.
4º. Módulo: Os planos para o futuro
Os planos para o futuro foram um capítulo à parte. Qual gênero para falar do
futuro? Com alunos envolvidos, não como ter dúvida longa. Apareceu o futuro
“imediato” com o horóscopo, depois alguém com futuro “próximo”, era o Guia do
Estudante, com as carreiras a serem seguidas. E assim surgiram revistas femininas com
planos para o futuro: carreira, casamento, filhos, surgiram até provérbios como “O futuro a
Deus pertence”. No caso dos alunos, a questão da escolha da profissão foi bastante
recorrente bem como a sensação da página em branco a ser preenchida conforme a vida
passa, sem planos.
Depois de realizados todos os módulos, pela organização prévia dos álbuns, pude
perceber que o trabalho com gêneros, proposto diante do tema maior que é a vida e dos
Lembro de uma festa
surpresa que tive. Tinha
um bolão do meu
tamanho!! Vai ser muito
bom escrever sobre isso!
Não dá pra escrever
nada de aniversário.
Nunca tive dessas
festinhas....
Nossa!!
Sem
aniversário?
CASAR?!
NEM
PENSAR!!
Vou arr
umar um bom
emprego, comprar um
carro, uma casa, casar
e ter filhos....
39
temas levantados na produção inicial, foi produtivo em certa medida. Dada a variedade e o
tempo de que dispúnhamos, não havia como garantir que realmente desenvolvessem em
profundidade todos os neros, o que não impediu que tomassem contato e se
aprofundassem no gênero com o qual se identificassem.
Também foi possível notar que este álbum se estruturou basicamente em torno de
dois gêneros: a legenda e o comentário. Atrelado novamente ao papel que desempenham as
fotos, o trabalho com legendas e comentários foi bastante produtivo em relação ao objetivo
do projeto. Na organização deste álbum autobiográfico, as fotos e as imagens selecionadas
estiveram acompanhadas frequentemente por estes gêneros que permitiram aos alunos
expor seus pontos de vista em relação à própria história.
Os outros gêneros como a biografia do ídolo, a receita favorita, os textos
informativos sobre os locais de nascimento foram anexados ao álbum, o que nos permitiria
falar de uma característica desde álbum: suporte de outros gêneros. Sem tempo para
desenvolver seus próprios textos, em função da quantidade solicitada e do tempo, grande
parte dos alunos acabou por “colar” o que foi pesquisado.
Tal fato nos fez refletir sobre a questão que nos fizemos inicialmente sobre o álbum
ser um gênero. Retextualizado, reconfigurado, transposto para uma prática escolar, o álbum
comportou-se como suporte também, carregando outros gêneros, embora não deixe de ser
um gênero, já que se constitui em um artefato que tem seus esquemas de utilização
definidos.
1.1.3 Fase final: a auto-avaliação
Como exposto anteriormente, a produção final de um projeto seria os textos
revisados pelos alunos, que seriam analisados em relação à produção inicial. Neste projeto,
a produção final ocorreu com a entrega do álbum escrito e organizado pelos alunos
contendo suas histórias de vida.
Ao longo do semestre, semana a semana, estas narrativas de vida foram construídas.
Ao todo, considerando um total de 115 alunos, finalizamos o projeto com 101 álbuns
entregues.
Com configurações bastante diversificadas no que se refere à capa, à forma de
apresentação manuscrito ou digitado, com papel reciclado, como livro, como caderno ou
como álbum mesmo ou no que se refere ao modo de contar a própria história
40
cronologicamente ou tematicamente, não foi fácil avaliá-los formalmente emitindo um
conceito numérico. Para eles, ao contrário, o conceito numérico era importantíssimo, pois
muitos, dado o trabalho de montagem e organização do álbum, esperavam uma nota 10.
Além de considerar a auto-avaliação, considerei fundamentais a participação na
sala de aula, através das interações em grupo, em relação aos temas propostos, bem como a
apresentação visual das informações, a suficiência e a clareza das legendas e dos
comentários.
Não posso deixar de relembrar que foram muitas notas 10, que a grande maioria
dos alunos participou positivamente do projeto, chegando à produção que haviam
planejado.
1.2 O álbum e os alunos
Apresento a seguir alguns comentários dos alunos na auto-avaliação feita ao final do
semestre. Eles revelam seus pontos de vista sobre esta experiência permitindo que eu
mesma chegasse a um entendimento do que significou ter feito este caminho naquele
momento, além de algumas conclusões sobre o projeto em si.
Exemplo 1:
“Falando sério, não gostei muito da idéia no início, mas após começar a fazer literalmente
o trabalho, gostei porque lembrei mais um pouco do meu passado, com a minha família, de
pessoas que já faleceram, e ao fim que eu achei que seria chato até que foi bem legal e deu
um trabalho danado ainda, hein” (aluno F)
Exemplo 2
“Para mim, não vou mentir, não gostei da idéia, achei que era uma coisa muito
trabalhosa, que levaria muito tempo para ser feito, mais depois entendi o princípio do
trabalho, e descobri que era necessário um bocado de dedicação. No desenvolvimento
do trabalho, no momento de procurar as fotos, revirando gavetas, e as observando, pude
perceber o quanto eu mudei, e se esse trabalho não existisse eu posso garantir que nunca
iria prestar atenção nas transformações que ocorreram comigo”(aluno V)
41
Exemplo 3
“Ter feito o álbum foi uma experiência ‘style’, apesar de cansativa. Para quem não me
conhecia, foi desvendado um pouco do meu passado, o que faço do meu presente e o que eu
quero para o meu futuro. Foi da hora abrir o baú do passado, olhando as fotos antigas,
deu para ‘sonhar acordado’ ” (aluno A)
Exemplo 4
“Cansativo, exaustivo, complicado e o melhor trabalho que eu já fiz, essas são as palavras
que completam o que eu senti ao fazer esse trabalho; fez eu rever meu passado e prestar
mais atenção no futuro (planejar as coisas)”(Aluna N)
Exemplo 5
“(...) O álbum é uma forma de você conhecer melhor a pessoa, o que ela faz ou o que ela
gosta de fazer” (Aluna D)
Exemplo 6
No início, confesso que a idéia que a prof. Valéria teve era coisa de maluca. Quem iria
querer contar sua vida e compartilhá-la com uma professora?! (...) No fim, acabei
gostando tanto do trabalho que acabei escrevendo um livro autobiográfico com mais de
150 páginas! Ao vê-lo concluído, percebi que isso me ajudará a me tornar um bom escritor
futuramente.” (Aluno G)
Exemplo 7
“O álbum foi uma cruz sobre a minha vida. Você sabe o que é você dormir e acordar
pensando que votem algo para fazer e que está chegando o dia de você entregar e você
não sabe se ele está bom, o que a professora vai achar e etc e tal.” (Aluna I)
Exemplo 8
“Sendo realmente sincera, eu odiei fazer o álbum. Eu não sou do tipo de pessoa que gosta
de se abrir com ninguém, ter que falar do passado para mim é muito difícil. Eu sou uma
pessoa muito fechada e esse álbum me ajudou a me abrir um pouco com o mundo e com as
pessoas.” (Aluna A )
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Exemplo 9
O álbum me fez reviver momentos maravilhosos da minha vida e também momentos que
eu gostaria de nunca mais me lembrar, e isso foi muito bom para mim, pois tive que
conversar mais com minha família, tive que procurar fotos (...) que tirei quando criança e
que agora acho ridícula, adorei falar das minhas amigas que são pessoas muito especiais
para mim”. (Aluna R)
Exemplo 10
“(...) foi legal relembrar a nossa vida, tive um cantinho onde pudesse me expressar o que
estou sentindo (...)” (Aluna A)
Os comentários selecionados revelam a diversidade de pontos de vista dos alunos
em relação ao projeto. Chamaram minha atenção as expressões de reforço à veracidade do
comentário ( falando sério, não vou mentir, confesso), às quais atribuo dois fatos possíveis.
Por um lado, houve a instrução (exaustiva) para que refletissem sobre a experiência para si
mesmos, em um processo de autoavaliação, sem que escrevessem coisas para agradar ao
professor, o que seria difícil de ocorrer por conta da relação professor-aluno. Por outro
lado, pensei que estivessem me considerando receptiva ao que tinham a dizer, fosse o que
fosse, pois, de fato, havíamos compartilhado muitas histórias juntos nas interações em sala
de aula
Analisando os comentários, é possível identificar os que gostaram do projeto,
mesmo não tendo demonstrado interesse inicial, e os que não gostaram.
A distinção entre tais grupos, contudo, não se manteve no entendimento da função
do álbum. Para ambos os grupos, ele foi um recurso para rever a própria história, para se
expressar sentimentos, conhecer melhor a pessoa, o que me permitiu compreender que a
contribuição se localizou mais no plano pessoal, e não envolveu necessariamente
aprendizados escolares sobe a língua portuguesa.
1.3 O álbum e a professora
Quanto a mim, guardei várias impressões tanto da escolha deste caminho como do
projeto “História de vida” em si.
43
Escolher realizar um projeto deste tipo me parecia mesmo coisa de malucano
início. Sabia que levá-los a falar sobre a própria vida significaria enfrentar desafios. “Quem
iria querer contar sua vida e compartilhá-la com uma professora?” escreveu um deles.
Com este comentário, entendemos que o maior desafio em desenvolver práticas deste tipo,
em que o sujeito fica mais exposto, está no modo como entendem o que deve ou não
circular pelo espaço escolar. A maioria deles não vê a escola como espaço para falar de si.
Neste sentido, em que se transformou o álbum? Na chance de falar de si, de trocar
vivências e impressões, ou seja, a temática “história de vida” foi ressignificada para
“história de si”.
O álbum não foi compreendido como um recurso para aprendizados escolares de
língua portuguesa e naquele semestre, consequentemente, eu não dei matéria” como se
deve. Eu mesma via no álbum mais que um instrumento de escrita, pois quando me propus
a fazê-lo criava um modo de aliviar minhas angústias com a mesmice que havia se tornado
a sala de aula.
Além disso, esta experiência teve outro significado: renovação. A insatisfação que
sentia com a sala de aula havia diminuído. Ter me afastado do livro didático e de práticas
de escrita mais prescritivas promoveram uma motivação maior para a docência e a sensação
de renovação. Contudo, vejo esta renovação não como inovação. Estes “fios” novos que me
propus a tramar vêm certamente de alguns “velhos” pontos. A experiência como professora
nos permite conceber o fenômeno educacional como uma maquinaria que tem seu ritmo e
que não se altera bruscamente. Ela dá seus passos, conforme as possibilidades que se
oferecem. Então, não posso deixar de pensar que se a relação professor-aluno não foi tão
alterada, pois a relação de poder permaneceu. Muitos “fizeram a tarefa”. Muitos fizeram
para agradar à professora.
Muito próximo do significado estabelecido pelos alunos, o álbum também foi para
mim um recurso de ganho pessoal naquele momento. Se eles disseram ter-se compreendido
mais ou se aproximado mais da família, eu posso concluir que me aproximei, se não deles,
ao menos daquilo que tem significado para eles, que aprendi com suas histórias, que
redimensionei experiências pessoais como professora e como ser humano.
As conclusões aqui são parciais, pois refletem o que pensava naquele contexto. No
ano de 2007, realizei uma experiência que buscava. O projeto “Histórias de Vida” foi uma
experiência didática riquíssima, marcante, fazendo-me crer (como suspeitava) que antes
44
de sermos alunos e professores, somos pessoas que trazemos para a escola formações
múltiplas e explorar esta diversidade é bem mais instigante que permanecer na fria
homogeinização que muitos tentam atribuir à sala de aula.
Além disso, permitiu-me pensar que práticas pedagógicas implicam escolhas, como
professores e como seres humanos, e que de uma forma ou de outra, elas irão mobilizar os
alunos. O que considerei fundamental naquele momento foi poder abrir espaço para que os
alunos discutissem mais entre si e nas interações com a professora sobre temas da vida, que
também fazem parte da escola. Foi também poder realizar outra prática pedagógica, não tão
previsível.
Com a produção do álbum, senti-me motivada a buscar outros sentidos e
significados que ele poderia suscitar e esta motivação levou-me ao Mestrado em Educação,
no qual esta experiência tornou-se o corpus de minha pesquisa. Neste sentido, o próximo
capítulo consiste do momento em que olho para essa experiência didática como
pesquisadora propondo-me a teorizar sobre a produção de sentidos que o álbum promoveu
e sobre o que o mesmo pode representar na prática pedagógica.
45
MEU
MUNDO
ALBÚM
MINHA VIDA
(capas produzidas por alunos)
46
CAPÍTULO 2
NOS CAMINHOS DA PÓS-MODERNIDADE:
POR ENTRE IDENTIDADES, SUJEITOS, REPRESENTAÇÕES E DISCURSOS
(...) é preciso compor a sua identidade pessoal (ou as suas
identidades pessoais?) da forma como se compõe uma figura
com as peças de um quebra-cabeça, mas se pode comparar
uma biografia com um quebra-cabeça incompleto, ao qual
faltem muitas peças (e jamais se saberá quantas). (BAUMAN,
2005, p. 54)
Neste capítulo, buscamos apresentar os aportes teóricos para estudo e análise da
experiência didática descrita anteriormente. Para isso, encaminhamos nosso olhar para a
contemporaneidade em busca de correntes teóricas que nos permitissem refletir sobre os
possíveis significados da produção do álbum, uma vez que tomamos por pressuposto que
tê-lo produzido implicou necessariamente pensar em outros sujeitos no espaço escolar,
organizando uma experiência que possibilitasse melhor conhecer e reconhecer os alunos.
Segundo Costa (1999), nos últimos anos, um significativo conjunto de análises
sobre a contemporaneidade têm circulado entre nós. Boa parte dos autores citados por ela,
como Harvey, 1993; Jameson, 1996; Canclini, 1997; Sarlo, 1997; Du Gay, 1997; Hall,
1997, defendem a tese da centralidade da cultura na regulação dos modos de vida ao longo
da segunda metade do século XX, e apontam, também, para as conexões importantes entre
cultura e mercado, cultura e consumo/produção de saberes, de bens, de imagens, de
modelos, de comportamentos, de práticas, etc. Seguindo esta perspectiva, muitos estudos
têm sido realizados com inspiração no pensamento pós-moderno, dentre os quais um ponto
importante de convergência tem sido a consideração da chamada “virada linguística”,
entendida como uma reorientação do que se entende por linguagem e por conhecimento.
Também concebida como “virada cultural”, esta mudança abandona as concepções
da linguagem como essência ou como representação, deslocando-se para a noção de
linguagem como constituinte. As palavras, os discursos, os textos culturais não falam de
47
coisas pré-existentes, eles instituem as próprias coisas. A expressão “texto cultural” tem,
assim, um sentido bastante abrangente, de forma que tanto uma obra de arte, como um
prédio, uma peça do vestuário, uma imagem fotográfica, um relato de vida, um diário, um
filme, um alimento ou um brinquedo, entre tantos outros artefatos e práticas, podem ser
entendidos como tal, na medida em que nos contam ou descrevem algo a respeito da cultura
que os produziu e é simultaneamente por eles produzida.
No Brasil, tais pesquisas não se voltam às explicações universais, nem se
preocupam com comprovações daquilo que foi sistematizado na educação, conforme os
estudos realizados por Paraíso (2004).
Em decorrência de seus interesses, esta corrente teórica mais contemporânea tem
questionado o conhecimento (e seus efeitos de verdade e de poder), o sujeito (e os
diferentes modos e processos de subjetivação), os textos educacionais (e as diferentes
práticas que estes produzem e instituem). Acima de tudo, têm buscado fazer aparecer o que
não estava ainda significado na educação.
Assim como tem caminhado esta corrente, que considera o sujeito um efeito da
linguagem, dos textos, do discurso, da história, mostrando como ele é produzido, montado
ou fabricado em diferentes práticas discursivas (tanto na escola como fora dela) que se
combinam ou não para a regulação das nossas condutas, também é nossa preocupação
expor os tipos de sujeito que esta prática escolar - viabilizada pela organização do álbum -
fabricou, produziu.
Optar por pesquisar dentro de uma perspectiva mais contemporânea implica
conhecer mais a fundo o cenário de transição que temos vivenciado: da modernidade para a
pós-modernidade no sentido de compreender seus efeitos na sociedade e, por extensão, na
escola.
Batizada com diversos nomes pelos estudiosos que m se dedicado a teorizá-la, a
contemporaneidade recebe rótulos como “Pós-modernidade” (LYOTARD, 1989),
“Modernidade Líquida” (BAUMAN, 2001), “Modernidade tardia” (GIDDENS apud
CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999) e “Hipermodernidade” (LIPOVETSKY &
CHARLES, 2004), entre outros. Eles têm sido usados para se referir a todas as mudanças
de ordem social, cultural, histórica, política e econômica que vêm transformando a vida de
todos.
48
Não podemos falar em pós-modernidade sem fazer um contraponto com a
modernidade. Segundo Gatti (2005), em seu artigo “Pesquisa, educação e pós-
modernidade”, estamos vivendo a transição para a pós-modernidade. Somos sujeitos
perpassados tanto pela modernidade quanto pela pós-modernidade. Assim, os sinais, as
tendências verificáveis desta situação traduzem caminhos, mais do que posições
consolidadas.
A modernidade veio no bojo de uma cultura ancorada em critérios de objetividade.
Caracterizada como a era da racionalidade, criou condições de verdade que geraram formas
de poder e homogeneizaram contextos e pessoas, aplainando as diferenças em favor de um
universal abstrato.
o período da pós-modernidade vem trazendo uma série de mudanças em todos os
aspectos da vida social: a velocidade dos meios de comunicação e produção, a volatilidade
do capital e o acesso aos estoques mundiais de informação, possibilitados pela era da
tecnologia, estão exercendo uma influência cada vez maior nas novas formas de
sociabilidade (BAUMAN, 2005). Denominando-a como a época líquido-moderna dada a
fluidez dos relacionamentos, argumenta que:
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de
nossas identidades em movimento lutando para nos juntarmos aos
grupos igualmente velozes que procuramos, construímos e tentamos
manter vivos por um momento, mas não por muito tempo.
(BAUMAN, 2005, p.32)
Percebemos, então, que tanto os efeitos da ruptura da crença do pensamento
universal quanto o dinamismo da contemporaneidade problematizam a questão das
identidades revelando o que ela tem se tornado um instante de fixação em uma
determinada posição discursiva, que nessa era líquido-moderna de indivíduos
“livremente flutuantes ser identificado de modo inflexível e sem alternativa é algo cada vez
mais malvisto” (BAUMAN, 2005, p.35).
De fato, o dinamismo das mudanças que ocorrem tem atingido de forma crucial as
subjetividades; mais do que nunca, o indivíduo se tornou o centro de si mesmo, ou, nas
palavras de Lipovetsky & Charles (2004, p. 23):
49
A pós-modernidade representa o momento histórico preciso
em que todos os freios institucionais que se opunham à
emancipação individual se esbarram e desaparecem, dando
lugar à manifestação dos desejos subjetivos, da realização
individual, do amor-próprio. As grandes estruturas
socializantes perdem a autoridade, as grandes ideologias
não estão mais em expansão, os projetos históricos não
mobilizam mais, o âmbito social não é mais que o
prolongamento do privado.
Como encaminhar a discussão no terreno da Educação?
O primeiro passo nos parece compreender que a instituição escolar também “está”
em transição, apresentando-se tão pós-moderna quanto moderna, afirmação que encontra
apoio na análise feita por Silva (2002), em seu artigo “O adeus às metanarrativas
educacionais”. Para ele, o campo educacional é um campo minado de metanarrativas, sem
as quais os currículos educacionais deixariam de existir se considerarmos as metanarrativas
históricas, sociais, filosóficas, religiosas, científicas. Então, nelas residem os traços
modernos da Educação. Por outro lado, acredita que o abandono das mesmas é irreversível,
o que justifica pela falha destas em gerar explicações para os multifacetados e dinâmicos
processos de mudança do mundo e da sociedade. Em suas palavras:
O adeus às metanarrativas não constitui necessariamente uma
despedida dolorosa. Ela significa apenas que nossas teorizações
precisam ser mais refinadas, mais atentas aos locais e específicos,
enquanto que o conhecimento corporificado no currículo precisa
estar mais atento às vozes e às narrativas de grupos até então
excluídos de participar de sua produção e criação (SILVA, 2002, p.
257)
Na transição de um paradigma para outro na área da Educação, verificamos que
mesmo os currículos ainda estejam fortemente sustentados pelo discurso científico da
modernidade, com seus conhecimentos tomados como um saber objetivo e indiscutível,
nos espaços escolares sinais de ruptura, que notamos nos posicionamentos dos sujeitos que
por circulam, o que é certamente decorrência dos processos de mudança pelos quais a
sociedade tem passado.
50
2.1 As concepções de identidade de Hall
Em sua obra A identidade cultural na pós modernidade (2005), Stuart Hall discute
quais os pressupostos deste novo paradigma que nos atravessa e nos auxilia a elucidar o elo
entre identidade e sujeito, apresentando uma revisitação histórica das concepções de sujeito
que contribuíram para a construção ou para a desconstrução da(s) identidade(s) desse
mesmo sujeito.
Considerado um dos autores que muito tem contribuído nessa linha de reflexão e
análise, dentro dos estudos culturais contemporâneos, Hall chama a atenção para o caráter
cultural do processo de constituição das identidades.
Para esta discussão sobre identidade, Hall (2005) realiza uma retrospectiva a
respeito do sujeito, compreendido como uma figura discursiva, por ser constituído na/pela
linguagem e, portanto, fruto do meio social. O sujeito, nesses termos, é um efeito da
linguagem e não pré-existe a ela como um “ser”. Ao adotar esta visão, considera a
coexistência de três concepções de identidade: o sujeito do Iluminismo, o sujeito
sociológico e o sujeito pós-moderno.
Para Hall, o sujeito do Iluminismo “estava baseado numa concepção da pessoa
humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e de ação” (p. 10). O autor ainda destaca que este sujeito é o centro de
todas as coisas e é possuidor das capacidades da razão e da consciência.
Para outros autores mencionados por Hall, esse sujeito, concebido como o centro,
individual em sua essência, carrega consigo dois significados bastante distintos: o sujeito é
indivisível, por um lado, e por outro, é único, singular. Além disso, devemos destacar que
“(...) esta concepção de sujeito racional, pensante e consciente, situado no centro do
conhecimento tem sido conhecida como o sujeito cartesiano” (HALL, 2005, p.27).
A segunda concepção refere-se ao sujeito sociológico, reflexo da crescente
complexidade do mundo moderno. Como as sociedades modernas tornaram-se mais
complexas, coletivas, acabaram por exigir daquele indivíduo centrado em si mesmo uma
abertura para os demais e indicam que aquele núcleo interior do sujeito não era autônomo
e auto-suficiente, mas era formado na relação com outras pessoas importantes para ele. Dito
de outra maneira, o sujeito “é modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
exteriores e as identidades que esses mundos oferecem” (p.11).
51
Como não é mais o centro, são as grandes estruturas que garantem a este sujeito se
sentir e se ver mais localizado e definido. Passa-se a compreender a formação da identidade
deste sujeito na relação com o outro. Em outras palavras, é o outro, é a instituição que
definirá quem este sujeito é ou deve ser.
Para a formação deste sujeito, também contribuíram dois importantes eventos
históricos: o darwinismo e as novas ciências sociais. Assim como o sujeito foi biologizado,
tendo a razão uma base na Natureza, a sociologia forneceu uma crítica ao individualismo
racional do sujeito cartesiano. De que maneira fez isso? Desenvolveu uma explicação
alternativa do modo como os indivíduos são formados subjetivamente através de sua
participação em relações mais amplas; e inversamente, do modo como os processos e as
estruturas são sustentados pelos papéis que os indivíduos neles desempenham. Nos dizeres
do autor (op. cit., p.31):
Essa internalização do exterior no sujeito, e essa externalização do
interior, através da ação no mundo social constituem a descrição
sociológica primária do sujeito moderno
Com as transformações geradas pela pós-modernidade, pode-se postular, segundo
Hall, a terceira concepção de sujeito que se distancia da noção de unicidade, dando lugar a
uma visão fragmentada de sujeito.
Ele deixa de possuir uma identidade para nos mostrar várias facetas de identidades,
em um efeito caleidoscópico. Embora esse sujeito possa conceber sua identidade como una
e homogênea, para o autor, isso não passa de um desejo instaurado na modernidade e que é
sentido, agora, ou no momento contemporâneo de embates entre modernidade e pós-
modernidade. Portanto, o sujeito da pós-modernidade é constitutivamente um sujeito
dividido entre as leis da razão e a contingência instaurada pela pós-modernidade. O homem
é entendido como a soma, a superposição de várias identidades.
A importância da identidade, segundo Hall, está no fato de que ela contribui para a
composição da unicidade do indivíduo, que desempenha a função de uma segunda pele
que une este à estrutura social. Como o autor afirma, se sentimos que temos uma identidade
unificada desde o nascimento até a morte, é apenas porque construímos uma moda
estória sobre nós mesmos.
52
Nessa direção, o sujeito pós-moderno é produzido, concebido como não tendo uma
identidade fixa, essencial ou permanente. De acordo com o autor, na medida em que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por
quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.
Na concepção de Hall, a identidade é, pois, definida historicamente:
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente.
Dentro de nós identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocadas (HALL, 2005, p. 13)
Conforme havíamos dito, para este autor, do sujeito do Iluminismo, centrado, para o
sujeito pós-moderno, ocorreram deslocamentos que descentraram as identidades modernas.
Foram cinco grandes avanços na teoria social e nas ciências humanas ocorridos no período
da modernidade tardia (segunda metade do século XX).
A primeira descentração refere-se às tradições do pensamento marxista,
especialmente na afirmação de que os homens fazem a história, mas apenas sob as
condições que lhes são dadas, ou seja, podemos agir apenas com base em condições
históricas criadas por outros, utilizando os recursos materiais e de cultura fornecidos por
gerações anteriores.
O segundo dos grandes descentramentos no pensamento ocidental do século XX
vem da descoberta do inconsciente por Freud. Sua teoria sustenta que nossas identidades,
nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos funcionam de acordo com uma gica
muito diferente do sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada, do sujeito
cartesiano.
O terceiro descentramento está associado com o trabalho do lingüista estrutural
Ferdinand de Saussure, que argumentava que s não somos, em nenhum sentido, os
autores das afirmações que fazemos ou dos significados que expressamos. Tudo que
dizemos tem um “antes” e um “depois”. Assim, o significado é inerentemente instável: ele
procura fixar-se (criando identidade), mas é constantemente perturbado pela diferença e d
a impossibilidade de criarmos mundos fixos e estáveis.
53
O quarto descentramento ocorre pelo trabalho do filósofo francês Michel Foucault
que, em seus estudos, destaca o que chama de “poder disciplinar”. Este poder está
preocupado primeiro com a regulação, a vigilância e depois com o indivíduo e o corpo. O
que notamos hoje é que esta vigilância se espalha e se especializa nas milhares de câmeras
em inúmeros lugares.
O último descentramento é o impacto do feminismo e outros movimentos que
surgiram durante os anos sessenta como as rebeliões estudantis, os movimentos juvenis
antibelicistas, as lutas pelos direitos civis. É preciso notar que cada movimento criava a
identidade de seus sustentadores. Assim, nos dizeres de Hall ( 2005, p. 45):
(...) o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e
lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelicista aos
pacifistas (...) Isso constitui o nascimento histórico do que veio a
ser conhecido como a política da identidade uma identidade para
cada movimento.
Dados esses deslocamentos na questão identitária, quais as implicações para um
campo atravessado por preocupações práticas e políticas como a Educação? Como esta
concepção sobre o sujeito pós-moderno contribui com nossa compreensão sobre a
experiência que realizamos com o álbum?
Imersos na contemporaneidade, entendemos que os alunos envolvidos na
experiência didática realizada são sujeitos produzidos por discursos, na medida em que são
nomeados, configurados, descritos por eles. Atravessados pela velocidade e pelo
dinamismo da contemporaneidade estes jovens assumem para si e para os outros, mesmo
que provisoriamente, mesmo que em um momento de fixação, as identidades que os
discursos operam. Materializadas no álbum, tais identidades revelam não o
posicionamento ideológico dos jovens frente a representações que foram produzidas como
também entendimento e o sentido que dão às coisas referentes ao momento histórico em
que vivem. Deste modo, tal como descreve Hall, as identidades são definidas
historicamente,
Este caráter provisório gerado pelo(s) deslocamento(s) das posições de sujeito tem
aspectos positivos, uma vez que “desarticula as identidades estáveis do passado, mas
também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a
produção de novos sujeitos” (Hall, p.18). Assim, entendemos que nossas sociedades
54
contemporâneas “são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que
produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito” isto é, identidades para os
indivíduos” (p. 17). Se elas não se desintegram é porque diferentes identidades podem ser
conjuntamente articuladas.
Mais que a constatação do cenário de transição que apresentamos, os
questionamentos colocados pela pós-modernidade sugerem para Silva (2002, p. 257) “um
aumento de responsabilidade, na medida em que nossas posições deixam de ter um ponto
fixo e estável e ficam constantemente submetidas à crítica e à dúvida”, o que implicaria
outras posições por parte do professor, talvez de maior maleabilidade.
Portanto, se nos dispusermos a observar o contexto sócio-histórico atual com
acuidade, perceberemos que, de fato, esse período da contemporaneidade vem trazendo
uma série de mudanças em todos os aspectos da vida social.
Isso vem contribuindo para propiciar um repensar sobre as relações e identidades
sociais, e das práticas educativas constituídas neste contexto pós-moderno. Mesmo que
impregnada de metanarrativas, como expusemos, hoje é certo que o aprender exige mais
que domínio de conteúdo por parte dos educadores em todos os níveis de ensino. Imersas
neste processo, as escolas têm buscado redefinir-se e integrar-se a uma rede de saberes e
fazeres em que é preciso educar para as polissemias, para a heterogeneidade representada
nas múltiplas identidades ou na liquidez destas.
2.2 Bauman e a ambivalência dos processos identitários
Da mesma maneira que Hall nos parece importante para refletirmos sobre a questão
do sujeito e da identidade, temos no sociólogo polonês Zygmunt Bauman uma figura
também significativa.
Como em um painel acerca da globalização, suas obras, das quais destacamos
Globalização: as conseqüências humanas (2000), Comunidade (2000), Modernidade
Líquida (2001) provocam certos abalos em nossas crenças mais modernas sobre quem
devemos ou podemos ser.
Em Modernidade Líquida (2001), ao tratar do período de transição que vivemos,
a contemporaneidade, que batiza de “Modernidade Líquida”, como uma versão
individualizada da Modernidade e analisa que esta mudança de parâmetros, ilustrada como
55
a passagem do Capitalismo pesado ao leve, tem provocado uma quebra dos moldes, as
molduras de classe, etnia, linhagem etc.
Nessa nova modernidade maleável, certos padrões não estigmatizam o indivíduo,
pelo contrário, do indivíduo parecem partir novos padrões, cada vez mais micros, de
convívio social, mesmo que “viver em meio a chances aparentemente infinitas tenha o
gosto doce da liberdade de tornar-se qualquer um”. (BAUMAN, 2001, p.74).
Em outra obra de nosso interesse, Identidade (2005), que se constitui como uma
entrevista que concedeu ao jornalista italiano Benedetto Vecchi, Bauman responde a
questões centrais como “É a identidade um problema sociológico? Desde quando? Que
dimensões sócio-históricas ocupam o núcleo das práticas e das políticas identitárias?”
ampliando o espaço de discussão sobre o tema da identidade, inserindo-o em sua teoria da
era líquido-moderna.
Para responder a essas questões, observa que não é possível recorrer aos autores
clássicos indagando o que é ou o que constitui a “identidade”, isso porque eles próprios não
elaboraram estas questões enquanto tais. Entretanto, se os clássicos não podem ajudar
muito, Bauman nos convida a exercitar um pouco de sabedoria neste debate sobre
identidade que está inserido em uma sociedade que tornou incertas e transitórias as
identidades sociais, culturais e sexuais.
Problematizando inicialmente a identidade na ambivalência unidade versus
diferença “como alcançar a unidade na (apesar da?) diferença e como preservar a
diferença na (apesar da?) unidade” (p. 48) esclarece que o que está em jogo nessas
“batalhas por identidade” são “misturas de demandas ‘liberais’ pela liberdade de
autodefinição e autoafirmação” com “apelos ‘comunitários’ a uma ‘totalidade maior do que
a soma das partes’, bem como à prioridade sobre os impulsos destrutivos de cada uma das
partes” ( p. 84). Seu argumento central é que a questão da identidade precisa envolver-se
com o que realmente é: uma convenção socialmente necessária. Para isto, aponta os efeitos
da identidade em vários âmbitos como o do trabalho, o do Estado, o dos movimentos
sociais.
Nas primeiras questões da entrevista, respondendo sobre a ligação da identidade
com a realidade, a autor destaca nossa luta “para nos juntarmos aos grupos igualmente
móveis e velozes que procuramos” (BAUMAN, 2005, p.32), o que acaba criando
“comunidades guarda-roupa”, reunidas enquanto dura o espetáculo e prontamente desfeitas
56
quando os espectadores apanham os seus casacos nos cabides. Segundo o sociólogo, em
nossa época líquido-moderna, ser identificado de modo inflexível é cada vez mais malvisto.
Destaca também o papel da sociedade de massa na proliferação das “maneiras de
ser”, configurando a identificação como um fator poderoso na estratificação social em que
de um lado posicionam-se aqueles que articulam e desarticulam suas identidades
escolhendo-as em um leque de ofertas, e de outro, aqueles que tiveram o acesso negado à
escolha de identidade.
Nas questões seguintes, Bauman materializa certas dimensões da identidade
associando-a a um mosaico. Se considerarmos que a solução de um quebra-cabeça segue a
lógica instrumental, em que são selecionados os meios adequados a um determinado fim, a
construção da identidade é guiada pela lógica do objetivo, em que são descobertos quais os
objetivos que podem ser atingidos com os meios que se possui. O problema não está na
forma como as peças se encaixam umas nas outras formando um todo coeso, uma
identidade solidamente construída, pois talvez isso fosse um fardo para os habitantes do
mundo líquido-moderno. Neste jogo, em que as estruturas não duram muito tempo, “as
autoridades que hoje respeitadas amanhã serão ridicularizadas, as celebridades que serão
esquecidas, “os ídolos que serão lembrados nos quizz shows da TV.” (p.55). Então, é
possível inferir que a identidade é móvel.
Em outro bloco de perguntas, destacam-se a discussão sobre o ressurgimento do
nacionalismo e sobre as relações amorosas.
Sobre o primeiro, aponta que no modelo cívico da nacionalidade, a identidade
nacional é puramente política, é a escolha do indivíduo de pertencer a uma comunidade
baseada na associação de indivíduos de opinião semelhante. Na visão étnica, a identidade
nacional é puramente cultural, é dada ao nascer. O fato é que pertencer a uma comunidade é
um fenômeno atraente e repulsivo para os habitantes do líquido mundo moderno.
Sobre a questão amorosa, outra ambivalência desta época, “amar significa estar
determinado é compartilhar e fundir duas biografias” (p.69). A pergunta “estamos seguros
quanto a como construir os relacionamentos que desejamos?” está atravessada por outra
“estamos seguros quanto ao tipo de relacionamento que desejamos?”. Amor, parcerias,
compromissos, direitos e deveres tornam-se objetos de atração e apreensão. “Buscamos o
amor para entrarmos auxílio, confiança, segurança, mas os labores do amor, infinitamente
57
longos, talvez intermináveis, geram os seus próprios confrontos, as suas próprias incertezas
e inseguranças” (p.70)
No bloco final, o autor, retomando Hall no artigo Culture, Community, Nation
(1993), salienta que, qualquer que seja a questão, não podemos tentar assegurar nossa
identidade adotando versões fechadas da cultura e da comunidade e recusando o
engajamento nos difíceis problemas que surgem quando se tenta viver com a diferença.
Alguns trechos desta parte final representam a constante linha de argumentação de
que a identidade é uma idéia inescapavelmente ambígua. Bauman é assertivo: “As batalhas
de identidade não podem realizar sua tarefa de identificação sem dividir tanto quanto, ou
mais do que, unir. Suas intenções includentes se misturam com (ou melhor, são
complementadas por) suas intenções de segregar” (p. 85).
Além disso, se muitas outras identidades não sonhadas estão por ser inventadas,
nunca saberemos ao certo se a identidade que exibimos é a melhor. A maior reflexão é a
incerteza oposta: qual identidade escolher e [...] por quanto tempo se apegar a ela? (p.91)
Nas palavras no autor:
(...) a ambivalência que a maioria de nós experimenta a maior parte
do tempo ao tentarmos responder à questão da nossa identidade é
genuína. A confusão que isso causa em nossas mentes também é
genuína. (BAUMAN, 2005, p. 105)
Trata-se, portanto, de uma obra que oferece subsídios para nossa análise, na medida
em que olhar para a constituição dos sujeitos no espaço escolar significa olhar para as
batalhas nas identidades produzidas e analisar como o discurso que se produz na
contemporaneidade fixa (ou não) algumas identidades.
2.3 A identidade pela diferença: a visão de Woodward
Conceitualmente também é grande a contribuição de Woodward (2008) na
discussão sobre identidade, que se propõe a examinar - com base em Hall (1997) - a
forma como a identidade se insere no circuito da cultura bem como a forma como a
identidade e a diferença se relacionam com a discussão sobre a representação. Sendo assim,
esta discussão nos interessa sobremaneira se considerarmos que buscamos responder quais
as representações que circulam nos álbuns.
58
No artigo, “Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual”, parte da
obra Identidade e diferença, a pesquisadora da área dos Estudos Culturais apresenta uma
série de elementos que contribuem para explicar como as identidades são formadas e
mantidas.
Assim como fazem Hall (2005) e Bauman (2005), a autora justifica a importância da
discussão sobre identidade em função do dinamismo dos acontecimentos sociais como a
globalização, de contingências históricas, que geraram deslocamentos, descentramentos a
ponto de hoje falarmos em crise de identidade.
Retomando o circuito da cultura (Hall, 1997) que envolve representação,
identidade, produção, consumo, regulação, Woodward busca situar neste o lugar da
identidade colocando-a como produção dos sistemas de representação.
Neste sentido, é preciso entender o que é representação.
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas
simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos,
posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos (WOODWARD, 2008, p.17)
Tomando, portanto, representação como significados em permanente construção e
recomposição social, compreendemos que ela situa os sujeitos produzindo respostas
possíveis às questões Quem sou eu? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?
Como discursos, os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos
quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. Para ilustrar esse
processo, Woodward discute a mídia, a qual nos diz como devemos ocupar uma posição-
de-sujeito particular o adolescente “esperto”, o trabalhador em ascensão ou a mãe
sensível. Portanto, a produção de significados e a produção de identidades que são
posicionadas nos e pelos sistemas de representação estão estreitamente vinculadas.
Desse modo, aqueles que reivindicam esta ou aquela identidade “não se limitariam a
ser posicionados pela identidade, eles seriam capazes de posicionar a si próprios e de
reconstruir e transformar as identidades históricas, herdadas de um suposto passado
comum” (WOODWARD, 2008, p. 28)
59
Outro aspecto bastante interessante trazido pela autora é de campos sociais, que ela
retoma de Pierre Bourdieu, tais como as famílias, os grupos de colegas, as instituições
educacionais, os grupos de trabalho. Deles participamos, exercendo graus variados de
escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material, um espaço e um lugar.
Para exemplificação, a pesquisadora traz a casa, espaço no qual muitas pessoas
vivem suas identidades familiares. Além disso, a casa é também um dos lugares nos quais
somos espectadores das representações pelas quais a mídia produz determinados tipos de
identidades por meio de telenovelas ou de anúncios.
Se considerarmos as diferentes identidades envolvidas em diferentes ocasiões como
uma festa, uma reunião ou um jogo de futebol, poderemos nos sentir como a mesma pessoa.
Contudo, “somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e
restrições sociais envolvidas em cada uma dessas situações, representando-nos, diante dos
outros, de forma diferente em cada um desses contextos” (op.cit, p.30).
Isso nos leva a pensar que dada a complexidade da vida, assumimos diferentes
identidades, as quais podem estar em conflito. Podemos viver, em nossas vidas pessoais,
tensões entre nossas diferentes identidades quando aquilo que é exigido por uma identidade
interfere com as exincias de outra. Como exemplo, cita a autora nossa identidade de
pai/mãe por conta de uma reunião na escola com nossa identidade diante do empregador
que não quer nossa ausência.
Feitas estas considerações, Woodward passa a tratar de como a diferença é marcada
em relação à identidade argumentando primeiramente que a identidade depende da
diferença. Tal fato ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto
por formas de exclusão social.
Tanto a marcação simbólica quanto a social são estabelecidas por sistemas
classificatórios que funcionam com a aplicação de um princípio de diferença a uma
população. Como cada cultura tem suas próprias formas de classificar o mundo, é pela
construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia os meios pelos quais
podemos dar sentido ao mundo social e construir significados.
Para Woodward, esses sistemas partilhados de significação são, na verdade, o que se
entende por cultura. Retomando outros autores, ela vê cultura no sentido dos valores
públicos, padronizados de uma comunidade que serve de intermediação para a experiência
dos indivíduos.
60
Como estes valores são estabelecidos? A autora salienta o caráter de oposição
binária que acabam refletindo na construção das identidades e lembra que as tais oposições
são essenciais na produção dos significados.
Em suma, para Woodward, as identidades são fabricadas por meio da marcação da
diferença, tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de
exclusão social. Além disso, a identidade é vista como contingente, isto é, como o produto
de uma intersecção de diferentes componentes, de discursos políticos e culturais e de
histórias particulares.
2.4 O discurso e o trabalho das representações
Se a emergência de novas posições e de novas identidades, produzidas em
circunstâncias econômicas e sociais cambiantes, pode levantar questões sobre o poder da
representação e sobre como e por que alguns significados são preferidos relativamente a
outros, tornam-se fundamentais as considerações de Hall em sua obra The work of
representation (1997), que concebe a representação como fundamental para a própria
construção das coisas. Como a visão de Hall é tributária de Foucault, julgamos pertinente
entremear as vozes de ambos.
Para o autor, contribui para a formação das nossas identidades não apenas o que
dizemos ou pensamos que somos, mas os diversos discursos sobre nós que, além de nos
“representar”, nos intimam a ser da forma como dizem que somos. As identidades
resultariam das diferentes identificações ou posicionamentos que adotamos e procuramos
“vivenciar” como se viessem de “dentro”, mas que são, sem dúvida, ocasionados por uma
mistura especial de circunstâncias, sentimentos, histórias, etc
Neste sentido, objetos, pessoas e eventos adquirem significado mediante uma
representação que lhes atribui um determinado sentido sociocultural, ou seja, trata-se de um
processo que atua sobre a regulação das relações e sobre a própria prática social, trata-se de
uma visão de como opera o discurso: instituindo os objetos de que fala, produz saberes
sobre eles e regula as práticas sociais. Alinhando-se à visão foucaultiana, Hall vê o discurso
como prática instituidora dos objetos de que fala.
Ao priorizar a abordagem discursiva, Hall chama a atenção para os efeitos e as
conseqüências da representação, que considera como o processo de produção de
61
significados pelos discursos. Nesta visão, a representação incidirá sobre as condutas, a
formação ou construção das identidades.
O enfoque dado por Hall para a questão da representação nos interessa
sobremaneira, pois nos dispusemos neste trabalho a retratar as representações que
perpassam e organizam tematicamente os álbuns.
Em sua noção de representação, compreendemos que o processo de produção de
significados pela linguagem assume formas materiais sinais, símbolos, figuras, imagens
por onde circulam significados simbólicos que descrevem família, amizade, corpo, entre
outros nesta prática específica de escrita do álbum.
Além disso, ao tomar o significado como processo de produção, entendemos que o
significado é algo a ser negociado, pois construído em dado momento poderá ressoar em
novas situações, o que lhe confere um caráter provisório em que não parece haver resposta
única e correta para o significado de uma imagem, mas uma interpretação plausível. Falar
de família, amizade, corpo e do próprio álbum na escola é produzir significados para aquele
momento.
Contamos assim com a orientação metodológica para a análise da representação, ao
ressaltar que a representação pode ser adequadamente analisada em relação às
verdadeiras formas concretas assumidas pelo significado no exercício concreto da leitura e
interpretação.
Para que se empreenda tal interpretação, faz-se necessário compreender a
contextualização política, filosófica e histórica dos signos presentes. Isto significa ir além
de uma abordagem positivista e reconhecer que a natureza interpretativa da sociedade, da
cultura, do sujeito humano não produz um momento final de verdade absoluta. Nestas
representações, o que foi produzido constitui-se pela diferença e pelo poder que situam os
diferentes sujeitos dentro do mesmo circuito cultural, conforme já descrito anteriormente.
Com suas reflexões apoiadas em Foucault, vemos que para Hall o sujeito é o ponto
central no manuseio e funcionamento da linguagem e que a formação do conhecimento está
atrelada às especificidades históricas. Neste sentido, é possível inferir que a identidade
opera como um importante mecanismo de constituição do sujeito.
A abordagem discursiva da representação deriva da noção de discurso de Foucault,
que é central para este trabalho. Para esta fundamentação, a fim de retomarmos o próprio
autor, nos apoiamos na obra Arqueologia do Saber (2000).
62
Para Foucault, discurso diz respeito a um grupo de declarações que proporcionam
uma forma de representar, através da língua, o conhecimento acerca de determinado tópico
em determinado momento histórico. Dessa forma, o discurso tem a ver com a produção de
conhecimento através da linguagem. Uma vez que todas as práticas sociais transmitem
significados, e os significados moldam e influenciam o que fazemos nossas condutas,
para Hall, todas as práticas têm um aspecto discursivo.
Ao estabelecerem as condições para que se possa falar de certos objetos, as práticas
discursivas deixam entrever as relações que constituem o discurso e formam um campo de
regularidade para diversas posições de subjetividade.
a formação discursiva, outro conceito central, é compreendida como o conjunto
de referências unificadas em torno de um mesmo objeto e estilo que sustenta uma
estratégia. Nos dizeres de Foucault (2000, p. 43):
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante dispersão e no caso em que entre os
objetos, os tipos de enunciação, o conceito, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições,
funcionamentos, transformações) , diremos, por convenção, que se
trata de uma formação discursiva
Considerado na esfera das formações discursivas, o discurso é constituído por um
conjunto de sequência de signos que se encontra no nível do enunciado. Nesse sentido, o
discurso tem modalidades particulares de existência, definidas pela formação discursiva,
considerada como sendo o princípio de dispersão e de repartição dos enunciados.
Seguindo esse raciocínio, Foucault precisa o termo discurso como “conjunto de
enunciados que se apóia em um mesmo sistema de formação; é assim que se pode falar do
discurso clínico, do discurso econômico, do discurso da história natural, do discurso
psiquiátrico” (FOUCAULT, 2000, p. 124).
Como compreender o enunciado? Assim como uma frase pertence a um texto, um
enunciado pertence a uma formação discursiva. Sua regularidade é definida pela própria
formação discursiva. Neste sentido, podemos tomá-lo então como uma unidade do discurso,
que tem uma existência dependente de uma dada formação discursiva.
O vínculo existente entre formações discursivas e enunciados contribui para que se
defina a noção de prática discursiva. Para Foucault, ela não pode ser confundida com uma
63
operação expressiva pela qual um indivíduo formula uma idéia, nem com a competência de
um sujeito falante quando constrói frases gramaticais. Trata-se de:
um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas
no tempo e no espaço, que definiriam, em uma dada época e para
uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística,
as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT,
2000, p. 136)
Quanto à ênfase à historização, temos em Foucault a crença de que cada época
produziria o seu próprio discurso, carregado de significados, formas e práticas do
conhecimento relacionadas ao contexto desse período.
Em sua preocupação com a forma como o conhecimento é posto em funcionamento,
Foucault ainda defende a existência de relações de força que sustentam e são sustentadas
por tipos de conhecimento. Isso ficou conhecido na obra foucaultiana como “microfísica do
poder” - uma circulação permanente de sentidos através mecanismos e táticas que penetram
profundamente na sociedade por meio das relações de poder. Assim é possível inferir que
os sujeitos são constituídos por relações de força, o que acaba subordinando-os ou não às
discursividades.
Voltando às palavras de Hall (1997), temos alguns encaminhamentos importantes
para nossa análise.
Primeiro, os sujeitos produzem determinados enunciados que funcionam dentro dos
limites da episteme, da formação do discurso, dos regimes de verdade de determinado
período e cultura. Então, segue que o sujeito é produzido no discurso e que este ao mesmo
tempo em que produz sujeitos, determina um lugar a ser ocupado por esse – são as posições
a partir de onde são compreendidos os significados do sujeito.
Segundo, a abordagem discursiva para a representação nos permite inferir que esta
é resultado de um processo de produção de significados pelos discursos.Implica sugerir que
os próprios discursos operam por meio das representações fixando as posições de sujeito a
partir das quais esses se tornam significativos e efetivos.
Para Hall, os indivíduos podem até se distinguir por suas características étnicas,
raciais, de classe social e de gênero, mas não conseguem ter significado a não ser quando se
identificam com as posições identitárias construídas pelo discurso. Somente assim, os
sujeitos tornam-se os sujeitos do seu poder/ conhecimento.
64
Em síntese, para analisar as identidades e o trabalho da representação em contextos
visuais e verbais é preciso atentar para o que Foucault empreende na pintura As meninas, do
pintor espanhol Velásquez a representação funciona tanto através do que é mostrado
quanto do que não é mostrado e isso significa perceber que os sujeitos adotam posições
determinadas pelo discurso que, por sua vez, delimitam também os significados, inclusive
para o sujeito.
2.5 Repassando os caminhos
Ao olhar para a questão das identidades aqui proposta como temática de pesquisa,
percebemos, por um lado, que tem sido uma categoria de intensa análise em nossos tempos
líquido-modernos (falando de um modo baumaniano), por outro, oferece a possibilidade de
entendermos os movimentos sociais que perpassam os sujeitos da contemporaneidade.
Por isso, é possível afirmar que dentre os motivos mais importantes pelos quais a
temática das identidades tem sido focalizada tão freqüentemente tanto na mídia quanto nas
universidades estão as mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que
estão atravessando o mundo e que são vivenciadas em maior ou menor escala pelas
sociedades e comunidades contemporâneas.
Ao optar por esta temática, dispomo-nos a lançar outros olhares no espaço escolar.
Como local em que perpassam rotinas e rupturas, normas externas e consensos intragrupos,
imposição e negociação, nele notamos outras identidades possíveis.
Buscando romper com modelos explicativos, que padronizam sujeitos fazendo
enquadramentos positivistas, desejamos novas formas de compreensão do real, em que o
diferente e o divergente tenham espaço. Encontramos subsídios nas discussões feitas por
autores como Hall (1997/2005), Bauman (2001/2005) e Woodward (2008) os fundamentos
para nos alinhar a um tipo de pesquisa mais contemporânea, neste caso em Educação, que
problematiza o sujeito apontando um claro processo de fragmentação de identidades. Neste
sentido, compreender como ele se constitui no espaço escolar em uma prática de escrita
particular é o nosso objetivo.
Ao defendemos que muito mais significados nas escolas e nas salas de aula para
além de relações binárias, que posicionam os sujeitos como compromissados ou não,
65
tecnológicos ou não, optamos por olhar a produção do álbum como um caminho possível
para analisar a fragmentação, a ambivalência das identidades.
Para esta pesquisa sobre a constituição dos sujeitos, levantaremos as representações
identitárias discursivamente produzidas que circulam pelos álbuns e de que maneira essas
representações operam na constituição do sujeito em um dado momento histórico. À luz do
contexto sócio-histórico atual, vimos que os sujeitos na chamada “crise de identidade”
(HALL, 2005) são vistos como parte de um processo mais amplo de mudanças, fazendo
surgir novas identidades fragmentadas e levando, com isso, a uma nova concepção de
sujeito e de “identidade”.
Os conceitos que apresentamos identidades, sujeitos, representações e discursos
nortearão o capítulo de análise dos álbuns. Para falar da constituição dos sujeitos no espaço
escolar, voltaremos nosso olhar para quais discursos estão (pro)postos nas/pelas produções
dos alunos. Se o sujeito é produzido pelo discurso, devemos analisar as formações
discursivas e o modo como operam na constituição destes sujeitos.
Deste modo, a questão discursiva sustenta neste trabalho tanto a noção da
representação quanto a questão da identidade que se materializam nas marcas lingüísticas e
nos sentidos produzidos.
Ao representar, por exemplo, a família, seja em enunciados verbais ou visuais que
aqui se constituem com os excertos que escolheram, com os elementos lingüísticos de suas
legendas e comentários, com imagens e fotos, isto é, a materialidade discursiva, o aluno
produz significados, adotando uma identidade familiar e criando uma discursividade em
torno da família. Nesta direção, encontramos elementos para responder nossas questões de
pesquisa, seja na identificação das representações, seja no posicionamento dos alunos em
relação a elas.
66
(Montagem de um dos alunos para o seu álbum)
67
CAPÍTULO 3
ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS
“O problema da condição contemporânea de nossa civilização
moderna é que ela parou de questionar-se. Não formular
certas questões é extremamente perigoso (...). Fazer as
perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e
destino, entre andar à deriva e viajar.” (BAUMAN, 1999,
p.11)
Neste capítulo, serão explicitados os critérios para seleção dos sujeitos, bem como a
identificação, dentro das formações discursivas, das recorrências discursivas através das
quais as representações se constituem.
Conforme expusemos, esta pesquisa tem como corpus uma experiência didática
realizada em 2007 em uma escola pública do interior de São Paulo, cujo resultado foi a
produção de 101 álbuns autobiográficos por alunos de Ensino Médio.
Ao olharmos para esta experiência como objeto de pesquisa, optamos por uma
perspectiva mais contemporânea na qual o sujeito e sua questão identitária são
problematizados, pois entendemos que a pesquisa sobre a sala de aula deve privilegiar o
espaço da discussão, da desconstrução da aparência de homogeneidade que o sujeito tem
carregado como constitutiva.
Como se tratou de uma experiência cujo número de envolvidos foi bastante extenso
e consequentemente cada álbum produzido contém muitos enunciados, buscamos
selecionar tanto um quanto outro item a fim de realizarmos uma análise mais profícua.
3.1 Critérios para escolha dos sujeitos
No momento de pesquisa, ao adotar como foco a problematização dos sujeitos do
espaço escolar, inicialmente olhamos o modo como os sujeitos haviam produzido o álbum,
observando seus posicionamentos em relação à tarefa escolar. Como buscava outros
sujeitos, pensei em selecionar aqueles que haviam se afastado dos direcionamentos dados
para a execução da tarefa e que tinham produzido álbuns mais próximos de um diário, em
68
que falavam mais particularmente de si. Nesta perspectiva, creio que teria encontrado
poucos sujeitos de pesquisa, já que a maior parte dos envolvidos, como descrevi no
capítulo 1, pedia direcionamentos para a tarefa. Assim, estaria investigando outros modos
de realizar a tarefa proposta e não outros sujeitos.
Ajustado o foco, como encaminhamos a seleção dos sujeitos?
Seguimos duas orientações básicas colhidas tanto nos encontros de orientação
quanto no exame de qualificação.
A primeira - sugerida por minha orientadora - foi a de realizar uma entrevista junto
aos alunos, para que se posicionassem em relação à experiência da produção do álbum. O
período de distanciamento entre a produção do álbum em 2007 e a entrevista em 2009
poderia gerar novos significados e fornecer mais elementos para a nossa segunda questão
de pesquisa, pois o posicionamento dos alunos em relação às representações no momento
de produção poderia mudar no momento da entrevista indicando uma possível fluidez das
identidades.
Então, propusemos as entrevistas aos alunos. O convite foi feito informalmente.
Entrei nas salas dos terceiros, série em que os alunos que organizaram os álbuns
frequentavam em 2009 e perguntei quem queria participar de uma entrevista sobre a
produção do álbum, informando que iria gravar em áudio. Para quem manifestou interesse
em ser entrevistado, solicitei autorização prévia dos pais e então fiz agrupamentos com os
participantes.
Realizadas no segundo semestre de 2009, as entrevistas ocorreram em grupos com
quatro integrantes, um número que cabia na mesa disponível da Biblioteca da Escola, e que
não nos parecia nem grande demais para nossas anotações e nem pequeno demais a ponto
de minha presença intimidá-los de algum modo. Era um ambiente conhecido e tranqüilo,
pois naquele dia a Biblioteca não estava aberta aos alunos. No total foram feitas quatro
entrevistas, que se encontram transcritas em anexo, da qual participaram 15 alunos. Eles
estão identificados apenas por suas iniciais, sendo dois meninos e treze meninas.
Procuramos, nas entrevistas, ouvir os alunos atentamente, de modo a formar um
clima de confiança, deixando-os falar livremente. Utilizamos um roteiro para uma
entrevista semi-estruturada, mais flexível e menos formal.
Nesse sentido, buscávamos também não nos envolver, pois, bem sabemos que
nossos valores, idéias e preferências podem influenciar a construção do conhecimento.
69
Iniciamos todas as entrevistas primeiramente informando o objetivo da pesquisa e
destacando que naquele momento meu interesse era entender os significados da produção
do álbum. Questionei se havia alguma dúvida em relação à pesquisa e orientei para que
ficassem livres para responder ou não a pergunta “Como foi a experiência de ter feito o
álbum?”. Em seguida, entregava a cada um o álbum que haviam feito. Era o momento de
reencontro, da releitura.
A seguir, descrevo em linhas gerais o que ocorreu em cada entrevista, procedendo à
análise das representações no próximo capítulo.
A primeira entrevista da qual participaram TM, C, A e F transcorreu com certa
tranqüilidade. Sentamos à mesa da Biblioteca, coloquei o gravador e, depois de uma
timidez inicial, as alunas começaram a falar. A pergunta O que significou fazer o álbum?”
foi retomada em outra pergunta “Como foi fazer o álbum?” e complementada por outra
“Como foi fazer um álbum pessoal dentro da escola?”. As que se dispuseram a falar mais
foram a F, a TM, a C. A aluna A. permaneceu mais quieta. Durante a entrevista a aluna TM
ficou bastante emocionada ao falar da questão da maternidade que não havia aparecida em
sua produção inicial.
No distanciamento que se estabeleceu entre o momento que produziram aqueles
significados e o momento de sua releitura, estes sujeitos destacaram a amizade como o que
mais mudara. Quanto ao álbum, ele foi compreendido por TM como “Foi uma experiência
boa” ; “Ao mesmo tempo que foi difícil foi gostoso”; para A “Foi meio complicado”.
Bastante falante, a aluna F foi se expressando com naturalidade eu pensei em
colocar assim por parte, sabe? Por ano, desde o meu nascimento, depois o primeiro dia na
escola, por exemplo, meu batizado”.
O ponto que interessou C foi o uso das fotos “Se a senhora tivesse pedido pra gente
fazer uma atividade relatando a nossa vida, nem que fosse, por exemplo, um livro da
nossa vida, a gente ia ter que olhar foto. Não ia ter como escapar, sabe?”.
A segunda entrevista - da qual participaram AC, D, J e L - demorou a iniciar.
Pareciam muito tímidos diante do gravador. As meninas sugeriram que D começasse a falar
porque era “homem”. Como pareciam querer “empurrar a tarefa”, tomaram elas como
critério o elemento diferente, e em minoria, o “homem”. Ele não se manifestou.
Para este grupo, a pergunta inicial teve os mesmos desdobramentos do grupo
anterior, sendo incluída a questão sobre futuro por conta de uma das falas.
70
L começou a falar dominando bastante as interações e destacando que “você
conhece mais a sua vida” com o álbum. Para AC, o álbum foi “uma grande revelação”; J
deixou muito explícitas as mudanças que percebeu no próprio corpo se achando mais bonita
agora e mais questionadora com os relacionamentos com o pai e o ex-namorado. D ficou
mesmo sendo minoria, pois pouco falou. é um menino tímido e as circunstâncias da
entrevista provavelmente o deixaram mais retraído tanto que para ele “toda a minha vida tá
resumida aqui. Então eu acho que [foi] legal”
Na terceira entrevista da qual participaram as alunas B, T, S as falas das três
integrantes destacaram o fato de terem feito o álbum de modo mais solitário. As perguntas
se mantiveram e o futuro foi novamente destacado.
Quando fez o álbum, T - que achou que estava falando demais - lembra Coloquei
quadrinhos, né?! Coloquei os balõezinhos nas fotos, tudo! Fiquei brincando com a minha
história, fiquei brincando na minha infância”. Para S, que optou por montar o álbum com
capítulos de sua história, foi mais fácil contar de mim escrevendo do que falar”.
Preocupada com a nota que iria tirar, B acredita que “Não foi tão difícil, mas também não
foi super fácil.”
Na quarta e última entrevista, como em todas as outras, as alunas M, P, Ve e o aluno
Vi começaram folheando os álbuns e fazendo comentários sobre uma ou outra foto.
Frequentemente, eram expressões de espanto “Nossa!” diante do que viam, fosse a
mudança do corpo, do gosto musical que se alterara, da escolha profissional.
Nas interações, P permaneceu bastante quieta. Sobre o álbum, disse “eu achei um
pouquinho difícil, porque eu tenho um pouquinho de dificuldade de me expressar”
O aluno Vi destacou suas mudanças físicas como o cabelo a menos e
comportamentais “Fui trabalhar. A responsabilidade, né? Perdi um pouco a vergonha
também de falar”. Quanto ao álbum, admite que quis se destacar ao fazer uma capa mais
“artesanal” que “O pessoal fazendo muito no computador, o meu ficou meio
diferente... destacou um pouco”
Ve que foi uma das mais falantes não achou o álbum difícil, que “tinha um
diário também, que tava nas coisas aí”, mas defendeu a experiência “Eu acho que isso
devia acontecer mais vezes. Pra dar mais liberdade pros alunos, os alunos ficam presos...”
71
Para a aluna M, o álbum “Foi contar um pouco da sua vida” e creditou sua
mudança de comportamento antes muito tímida ao trabalho realizado por um psicólogo
de um projeto com jovens que freqüenta.
Diante desta descrição, concluímos que a entrevista foi fundamental para
estabelecermos o posicionamento dos alunos em relação ao álbum. Além disso, ela se
tornou o critério de escolha para os sujeitos de pesquisa. Assim, contamos com 15 sujeitos:
alunos que produziram o álbum e se dispuseram a falar dele em um outro momento.
A segunda orientação que recebemos durante o exame de qualificação diz respeito
ao álbum.
Como defini-lo? Como uma narrativa fotográfica? Como uma produção cultural?
Como forma de discutir a questão identitária dos alunos? Mesmo admitindo estes e outros
significados que o álbum pode carregar, é preciso neste momento de encaminhamentos
metodológicos compreendê-lo melhor dentro desta pesquisa, especialmente ao
contrapormos as falas dos alunos durante as entrevistas.
“Modo de brincar com a própria história, de conhecer sua vida, forma de
revelação, maneira de libertar os alunos” (seria de uma forma de escrita?), tomaremos o
álbum como um dispositivo pedagógico, no sentido proposto Larrosa no texto “Tecnologias
do eu e educação” (2002).
3.2 O álbum como dispositivo pedagógico
Em que consiste um dispositivo pedagógico?
Inserido em práticas pedagógicas nas quais se produz ou se transforma a experiência
que as pessoas têm de si mesmas, nas quais o importante não é o que se aprenda algo
“exterior”, um corpo de conhecimentos, mas que se elabore ou reelabore alguma forma de
relação reflexiva do educando consigo mesmo, o dispositivo pedagógico constrói e medeia
a relação do sujeito consigo mesmo.
Esta escolha também se sustenta na avaliação que os alunos fizeram ao final da
produção do álbum, já descrita no capítulo 1, no qual o álbum é compreendido como:
a) modo de rememoração e de busca “lembrei mais um pouco do meu passado”; “ tive
que procurar fotos”
b) como meio que permite visualizar e viver transformações “se esse trabalho não
existisse eu posso garantir que nunca iria prestar atenção nas transformações que
72
ocorreram comigo”; me ajudou a me abrir um pouco com o mundo e com as
pessoas” ;
c) como plataforma para o sonho e para o futuro “olhando as fotos antigas, deu para
sonhar acordado”; prestar mais atenção no futuro (planejar as coisas)”;
d) como meio de reconciliação “tive que conversar mais com minha família”
e) como meio de expressão “tive um cantinho onde pudesse me expressar o que estou
sentindo”
Nestes depoimentos, entendemos que o álbum como dispositivo pedagógico
possibilitou ao sujeito um modo de se relacionar consigo mesmo, seja nas interações que
promoveu junto à família (em busca das referências para a própria história) ou junto aos
colegas de sala (como forma de conhecer melhor o outro), ele permitiu ao sujeito um modo
de se relacionar com os outros.
Seja para rever o passado, projetar o futuro, notar transformações, ampliar o contato
com a família, entender a própria história, este dispositivo pedagógico permitiu várias
aprendizagens ao aluno que não são necessariamente “um corpo de conhecimentos”, como
explica Larrosa, mas que constituem saberes sobre si.
Ao entender o álbum como dispositivo pedagógico, destacamos também que nele “o
ser humano se observa, se decifra, se interpreta, se julga, se narra ou se domina. E,
basicamente, (...) aprende (ou transforma) determinadas maneiras de observar-se, julgar-se,
narrar-se ou dominar-se” (LARROSA, 2002, p. 57). Assim,
o álbum é um dispositivo que faz
falar de si e que leva a determinados modos de subjetivação, ou posições sujeito, diante das
representações produzidas pelos discursos.
Portador dos discursos e das representações que neles são produzidas, este
dispositivo revela o entendimento e o sentido que o aluno dá às coisas no momento
histórico em que ele vive (adolescência). Para Larrosa (2002, p.43):
Narrar a própria experiência de si não é senão o resultado de um
complexo processo de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que
definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento
e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria
interioridade
73
3.3 Descrição dos álbuns selecionados
A – em uma pasta-arquivo preta, estão folhas de papel reciclado com as fotos
pessoais da aluna. Seus textos são escritos à mão e seguem uma ordem cronológica. Na
capa, estão coladas letras de papel pintadas formando o título “Meu álbum”. Estão
anexados documentos como o certificado de 1ª. Comunhão, o exame de confirmação de
pneumonia e a carta de uma amiga.
AC – na capa de uma pasta plástica preta, há várias sequências de 3 estrelas
coloridas, uma foto maior com efeito de cor roxa da aluna adolescente e várias outras
iguais em tamanho menor. Dentro de plásticos transparentes, estão folhas de sulfite brancas
com fotos pessoais e textos escritos à mão. Há também textos digitados. O critério é
cronológico.
B- organiza seu álbum com folhas de papel reciclado, unidas por um trilho plástico
na posição horizontal. A capa, confeccionada sob um pedaço de papelão, está recoberta por
plástico preto e em letras recortadas com plástico vermelho escreve à esquerda “História de
B”. À direita, dentro do recorte de um coração, está uma foto sua adolescente. Seu
critério é cronológico, partindo de seu nascimento e indo para o futuro através de temas
como meus ursos de pelúcia, escola, formatura. Usa fotos pessoais e escreve à mão.
C monta seu álbum com folhas de papel reciclado que intercala com
transparências em posição horizontal unidas por espiral lateral. Na capa, por sobre a página
feita de papel cartão preto, a aluna utiliza sementes de café, painço, alpiste para com elas
criar/desenhar duas flores. uma mensagem inicial e uma final. Usa fotos pessoais e
escreve seus textos à mão. Narrou sua vida mais através dos temas que julgou importantes,
destacando a família e os amigos.
D - seu álbum foi montado com folhas sulfite brancas, na posição horizontal para
depois colocar uma espiral para uni-las. Na capa, está digitado e centralizado o título “Meu
álbum” com uma foto sua ainda pequeno. No interior, fotos e textos digitalizados contam a
história de D, que utiliza o critério cronológico indicando ano a ano de sua vida os fatos
mais importantes.
F- organiza a narrativa em um caderno universitário espiralado. Na capa – recoberta
por filtros de papel de café - está o título “Meu álbum”. Inicia com um “depoimento” sobre
a experiência realizada. Usa fotos pessoais, escreve à mão e organiza os fatos de sua vida
de forma mais temática apresentando as formaturas, aniversários, grandes lembranças,
74
amigos e anexando documentos como o convite de casamento dos pais, de sua festa de 15
anos, da confirmação de gravidez de sua mãe.
J - seu álbum foi montado com folhas sulfite brancas, na posição horizontal para
depois colocar uma espiral para uni-las. Na capa, estão digitados o título “Álbum da minha
vida” e seu nome. No interior, os textos também estão digitados quase todos sob a forma de
poesia para acompanhar suas fotos pessoais. A organização não apresenta subtítulos como
o ano ou o tema, mas a sequência de fotos é cronológica.
L organiza a narrativa em uma pasta de papelão branca. Na capa recoberta por
fotos que mostram seus momentos mais marcantes está o título “Minha história”. Segue
uma ordem cronológica e indica ano a ano os fatos marcantes, especialmente seus
aniversários. L escolheu escanear as fotos e digitar seus textos, imprimindo o álbum em
folha de papel reciclado.
M encapa uma pasta preta com material emborrachado rosa sobre o qual cola um
pedaço de material emborrachado branco com o formato de livro em cuja capa o título
“Recordação da minha vida” escrito à mão e a figura de uma menina desenhada. Dentro de
plásticos transparentes, folhas sulfite coloridas com fotos pessoais da aluna. Os textos estão
escritos à mão e a narrativa é cronológica com apontamento de temas como infância e
futuro.
P unindo em posição vertical folhas de papel cartão com um laço e capa de
material emborrachado verdes, a aluna coloca na capa uma foto sua adolescente com vários
colantes de estrelas. Usa fotos pessoais e escreve à mão seus textos. A sequência também é
cronológica com apontamento de temas como formatura, amizade e futuro.
S – com capa de papelão verde, este álbum tem folhas de papel sulfite coloridas. Na
capa, o título “Álbum de S.M.S.V” e muitas figuras coladas como coração, estrela, flor.
No alto, uma foto 3X4 da aluna. Organiza a narração de sua vida em capítulos
cronológicos. algumas fotos e muitos recortes de revista como ilustração com os textos
escritos à mão. É um álbum bastante extenso.
T a aluna confecciona seu álbum com folhas sulfite brancas, em posição
horizontal com espiral lateral. Na capa, centralizada, uma foto sua já adolescente. Sobre sua
cabeça, cola uma coroa de princesa. Há muitos recortes de revista que mostram suas
preferências de alimentação - bombom, sanduíche, refrigerante; música – rock´n´roll e
Simple Plain. O título – também com letras recortadas – é “Álbum da T”. No alto à direita,
75
está colado um recorte onde se “Área VIP”. Escreve à mão seus textos não seguem uma
ordem cronológica. Utiliza fotos pessoais.
TM utiliza uma pasta preta de plástica em cuja capa coloca vários colantes com
sapinhos e personagens da turma da Mônica. Dentro de plásticos transparentes, folhas de
sulfite com fotos pessoais digitalizadas e textos escritos à mão com lápis de cor. Organiza
sua história pelos temas tratados em sala.
Vi literalmente “monta” o álbum com ginas de papel cartão de diversas cores
em posição horizontal, as quais une com dois cordões amarelos. Utiliza fotos pessoais,
escreve à mão e faz alguns desenhos para complementar. Seu critério na narração foi
cronológico – da infância para o futuro. Na capa vermelha, recorta letras em material
emborrachado para dar o título “Minha história de vida”.
Ve- confecciona seu álbum com folhas de sulfite coloridas em posição horizontal
unidas por uma espiral lateral. Na capa de material emborrachado verde-escuro, vários
corações coloridos estão colados. Uma foto em preto e branco de aluna sai da boca de um
sapinho. Alguns textos estão digitados e outros são escritos à mão. Usa fotos pessoais e
muitos colantes coloridos de coração, de letras, de sapinho, da Hello Kitty. Sua narrativa é
cronológica e destaca bastante os membros de sua família.
3.4 Processo de identificação dos discursos
Para analisar o conjunto destes quinze álbuns nosso corpus material - em uma
abordagem que aqui denominamos analítico-discursiva, nos defrontamos com um conjunto
bastante extenso de enunciados verbais e visuais e, apesar de toda a teorização feita,
como proceder na identificação de diferentes discursos dentro de textos?
Para avançar na análise, buscamos nas indicações de Norman Fairclough em sua
obra Analysing Discourse (2003) um caminho junto aos textos. Reconhecendo a influência
decisiva de Foucault nos estudos sobre discurso, Fairclough discursos como modos de
representar aspectos do mundo que consistem dos processos, relações e estruturas do
mundo material, o mundo mental dos pensamentos, sentimentos e crenças, e o mundo
social.
Nesta direção, contribui para a abordagem analítico-discursiva a visão relacional de
Fairclough, na qual ação, representação e identificação para a construção dos significados
pelos discursos:
76
Discursos diferentes são diferentes perspectivas do mundo, e elas
estão associadas com as diferentes relações que as pessoas têm com
o mundo, que por sua vez dependem de suas posições no mundo, de
suas identidades pessoais e sociais, e das relações sociais que
mantêm com outras pessoas. (FAIRCLOUGH, 2003, p.124)
Para esclarecer a questão que levantamos sobre o processo de identificação dos
discursos nos textos ele estabelece uma analogia. Se discursos são representações de
algum aspecto do mundo e se esta representação é construída a partir de uma perspectiva
particular, então, de forma análoga, na análise textual poderemos:
1- Identificar as principais partes do mundo que estão representadas – os principais
temas
2- Identificar a perspectiva particular ou ângulo ou ponto de vista a partir de onde
elas estão representadas (FAIRCLOUGH, 2003, p.129)
Estes procedimentos correspondem na verdade às duas questões de nossa pesquisa.
Neste processo de identificação dos discursos, consideramos a visão de Veiga-Neto
(1996 apud Schmidt, s/d) quando discute a representação não no sentido de julgar se está
correta ou distorcida em relação a uma determinada realidade, nem como forma de
garimpar um sentido oculto. Para ele, “os enunciados fazem mais do que uma representação
do mundo, eles produzem o mundo”.
3.5 Representações que circulam nas narrativas
Apresentamos algumas recorrências discursivas tanto nos álbuns quanto nas
entrevistas que indicam quais as representações nesta narrativa fotográfica sobre a vida.
Para prosseguirmos em nosso objetivo da pesquisa - determinar que tipos de sujeito
estão sendo propostos fez-se necessário a articulação de alguns enunciados da produção
textual e isso implicou fazer o levantamento detalhado das recorrências discursivas nos
enunciados verbais e visuais desta produção. Tais recorrências, expostas abaixo,
constituíram as outras representações (ou temas, como aponta Fairclough) e as maneiras
particulares de ser (ou os pontos de vista para estas representações). Estas últimas serão
analisadas no capítulo seguinte.
Formulamos as questões identitárias, de caráter discursivo, em relação às seguintes
representações:
77
1-
A família: o que significa ser um membro familiar?;
2-
A amizade: o que significa ser amigo?;
3-
Os eventos sociais: o que significam eventos como batizado, a formatura, a
primeira comunhão?;
4-
O corpo: o que significa o corpo?;
5-
O futuro: o que significa o futuro?;
6-
O álbum: o que significa ser narrador da própria vida?
Passamos a expor tais recorrências, não sem antes esclarecer mais alguns
procedimentos metodológicos.
Para fins de pesquisa, os enunciados visuais de que ordem forem fotografias
particulares, recortes ou desenhos serão preservados na divulgação deste trabalho.
Optamos, portanto, pela descrição dos elementos que constituem este tipo de enunciado.
Quanto aos enunciados verbais as legendas, os comentários, os títulos, os trechos
transcritos devemos fazer uma pequena consideração, na medida em que decorrem de
uma proposta de prática escrita escolar.
Deste modo, de que práticas de escrita escolares estamos falando? De acordo com a
pesquisa desenvolvida na dissertação de Lara (2008), os significados atribuídos pelos
alunos aos textos que produzem em sala de aula estão muito atrelados ao modo como o
professor avalia. Via de regra, destacam-se apenas aspectos formais sem a contextualização
da escrita como produção significativa para o sujeito que escreve. Ao pedir a produção de
álbum autobiográfico, entendemos que a proposta especialmente por ser a narração da
história de vida - procurou afastar-se desta regra.
Reconhecemos que, apesar de ser inicialmente encarada como tarefa (e não teria
como ser diferente, pois estamos inseridos neste espaço escolar), esta prática tentava não
ser reguladora de comportamentos ou atitudes pré-fabricadas. A percepção dos alunos
apresentada nos depoimentos - que acabou sobreposta à da tarefa foi a de escrever pela
motivação e interesse dos sujeitos diante do dispositivo pedagógico, no sentido proposto
por Larrosa. Escreveriam com o propósito de manifestar seus sentimentos, idéias e valores,
para “ter um cantinho onde se expressar”.
Sendo assim, esta pesquisa trata de uma prática de escrita escolar específica e busca
entender por meio dela como os sujeitos se constituem.
78
3.5.1 Representações sobre família
Nos álbuns
Da aluna A
Sequência 1
Meus avôs
Meu avô nasceu em Fukuiken (Japão) em 26/03/1917, filho de Keizo Mizuma
e Kishi Mizuma. Chegou ao Brasil em 1927, juntamente com o irmão Hisachi
Mizuma e passou a trabalhar na agricultura no município paulista de
Bastos. Mais tarde foram para Adamantina e casou-se com Fussako Ueda
Mizuma e da união nasceram os seguintes filhos: Mitsuko, Katsuchico, Keiki,
Armando, Marie, Cecília, Nelson (meu pai), Isaura, Oscar, Milton e Takahiti
Sequência 2
23 de janeiro de 2002
Esse foi o dia mais triste da minha vida, foi nesse dia que meu irmão
morreu, e a minha maior tristeza é lembrar que eu quando vivo eu vivia
brigando com ele, e que nunca disse que gostava dele.
Alessandro, onde é que você esteja, eu quero que saiba que eu gosto muito de
você, e me perdoe por falar isso só agora e não quando você estava vivo
Foto em que estão os avós de A
já bem idosos
Foto colorida em que este meio-
irmão (aqui adolescente) de A
está caminhando sorridente em
um parque
79
Da aluna T
Sequência 1
Sou T
Tudo começou quando Rosana e Ocimar decidiram se casar. Eles nem
imaginavam, mas
masmas
mas, já tinha eles como cobaias para minha chegada
triunfal!!
O casal perfeito
Sequência 2
Meus avós maternos
São aqueles que estão sendo abraçados
Vó Clarice e vô Armando
Amo muito esses dois
Sequência 3
Homenagem aos meus pais
Rosana e Ocimar
Vocês são um anjo que estão sempre ao meu lado. Com vocês compartilho
minhas alegrias e minimizo minhas tristezas. Se calam nas horas certas e
dentro desse silêncio me dizem tudo. Me aceitam pelo que sou. Suas palavras
sempre chegam na hora certa. E quando mais preciso de incentivo, e penso
em desistir de tudo, são vocês que me dão forças para continuar a batalha.
Amo vocês mais do que tudo na vida...
Não seria nada sem vocês...
Com amor!!
Foto colorida em que o pai
e a mãe estão trajados como
noivos. Ambos de branco
estão cortando o bolo.
Foto colorida em que, ao fundo, em pé, estão o
avô e a avó de T abraçados por um dos
familiares, além de mais 3 mulheres.Na frente,
abaixadas, três mulheres. Ao todo são 6
mulheres, um homem e os avós de T
80
Da aluna C
Sequência 1
AVÓ
AVÓAVÓ
AVÓ
Minha avó materna, Paschoalina F.
P., nesta foto com 71 anos, casada com
Irineu P., me segurando no colo do dia
do meu batizado
Sequência 2
PRIMOS
PRIMOSPRIMOS
PRIMOS
Eu com meus primos, Vi, Rafa e Gabi
Foto colorida em que está a avó
de C com ela no colo sentada
próxima a uma mesa em lugar
com chão de terra
O tempo é muito lento pra
os que esperam, muito
rápido para os que tem
medo, muito longo para os
que lamentam, muito curto
para os que festejam. Mas
para os que amam o tempo
é eternidade
(Shakespeare)
Foto colorida em que está a
aluna com seus primos que cita
na legenda
Estar ao lado de vocês
é a melhor coisa do
mundo,
pois só vocês sabem
fazer uma pessoa se divertir
momentos inesquecíveis,
nadar no tanque,
brincar de pega-pega,
esconde-esconde,
pular corda,
jogar bola, vôlei,
foram um dos muitos
que pudemos conviver
um ao lado do outro.
Vocês são muito especiais
Para sempre!!
81
Sequência 3
Avó é aquela pessoa que eu chego pertinho e ela tem sempre uma palavra certinha pra tudo
que eu pergunto, e parece que a minha pergunta fez com que ela achasse uma resposta que
procuramuito tempo.
Por mais tempo que eu precise, ela sempre tem muito tempo para mim e consegue parar
tudinho que fazia simplesmente pra me escutar.
E se tenho soninho, só ela tem as musiquinhas mais gostosas que já ouvi, e consegue que
num minutinho tudo se ajeite, e parece que sempre tudo vai ser sempre muito bom.
Avó é que tem as receitas mais gostosas e faz os docinhos e biscoitinhos mais cheirosos
que já comi.
Ela conta pra mim coisas que aconteceram com meus pais, coisas de antigamente e aprece
que sabe tudo, me ensina a jogar vídeo game a usar o computador e às vezes fico pensando
será que ela é mesmo velhinha? Acho que não.
Ser avó é mostrar que tem orgulho de mim, como se tivesse recebido uma medalha ou um
troféu muito lindo. Eu !
E hoje, vovó, queria que soubesse o quanto me orgulho de ter uma vovó tão linda e amiga
como você!!
Da aluna L
Sequência 1
A única lembrança
A única lembrançaA única lembrança
A única lembrança
A única coisa que eu lembro de quando meus pais moravam juntos, é de
uma briga que eles tiveram.
Lembro-me que nesse dia o sabia o que fazer, quem agradar, porque
minha mãe estava chorando no quarto e meu pai estava chorando na sala.
Toda vez que me pergunto porque a vida fez isso comigo, me recordo desse
momento, só eu tenho certeza que foi a melhor coisa que poderia ter
acontecido, pois é melhor ter os pais separados e felizes do que tê-los juntos e
infelizes.
Baby
BabyBaby
Baby
Na minha cabeça, essa cachorrinha linda que apareceu na minha casa um
pouco depois da separação de meus pais, foi um presente de Deus.
82
Ele me mandou ela para me alegrar e para que eu conseguisse passar por
cima do que estava acontecendo na minha vida
Observação: apesar de ser todo digitado, L escolhe um tipo de letra cursiva que procuramos manter
Sequência 2
2003
Ganhei uma irmã
Ganhei uma irmãGanhei uma irmã
Ganhei uma irmã
A história da minha irmã é muito complicada e cumprida, mas vou tentar
resumir.
Meu pai tem uma outra filha há três anos, mas desde que ela nasceu ele não
tinha contato com ela.
Mas esse ano meu pai e a mãe da minha irmã, que agora é minha
madrasta resolveram voltar a ficarem juntos, foi ai que conheci minha
irmãzinha.
Por isso, que estou contando essa história em 2003, pois foi o ano em que
conheci a menininha mais linda do mundo.
Apresento a vocês: Stefani Vitória
Da aluna J
Sequência 1
Foto colorida
(escaneada) em que
L está sentada tendo
uma cachorrinha ao
seu lado
Foto colorida
escaneada em
que L abraça a
irmã que está em
seu colo. As
duas estão
sorrindo e de
rosto colado
83
Vovó linda,
Vovó acolhedora
Vovó paciente
Tive o presente de estar ao seu lado para sempre
Observação: em quase todas as fotos J optou por compor uma trova como legenda
Do aluno D
Sequência 1
1992 – 1 ano
Eu e minha irmã, pessoa muito importante
pra mim somos unidos até hoje
Observação: o aluno D digitou a parte escrita em seu álbum, por isso a razão de
diferenciarmos o tipo de letra em relação aos outros alunos
Sequência 2
1996 – 5 anos
Meu pai me ensinando a dar meus
primeiros passos com a bicicleta,
foi difícil, mas aprendi
Da aluna F
Sequência 1
E na terceira (foto) são papai e
mamãe, Sérgio e Márcia, juntos
de corpo e alma
Foto em preto e branco na qual
aparecem o pai e mãe de F. de
rosto colado olhando de frente
para a câmara
Xerox de foto colorida em que D
e sua irmã – ainda bebês – estão
sentados no chão da sala
brincando com peças como as da
marca LEGO
Xerox de foto colorida em que o
pai de D o segura enquanto ele
pedala em um bicicleta de
rodinhas. Estão em uma rua bem
deserta
Foto em a avó de J está
sentada no sofá da sala com
ela – ainda bebê – no colo
84
Sequência 2
Eu e meus pais que tanto amo...
Muito obrigada por tudo!
Sequência 3
“Passeio em família”
“Passeio em família”“Passeio em família”
“Passeio em família”
Esse dia foi muito divertido!
Foi a primeira vez que fui para Aparecida do Norte e o melhor é que foi com
grande parte de minha família querida!
Nessa foto estão meus avós Luiz, Benedita e Filomena, meus pais Sérgio e
Márcia, meu tio Paulo, minhas tias Neuza, Zélia e Sônia, meus primos Victor
e Bia, e claro, eu!
Sequência 4
Cozinha
CozinhaCozinha
Cozinha
Eu com a ajuda de minha vó Filomena “tentando” fazer pão caseiro
Ingredientes (...)
Modo de fazer (...)
Foto colorida da formatura de 8ª.
série em que F. está ao centro
abraçada pelo pai de um lado e
pela mãe de outro
Muitos membros da família de
F.- alguns em pé, outros
agachados ou sentados – estão
defronte a uma igreja
Foto em que F.
ainda pequena está
manuseando a
massa do pão
sobre a pia sob o
olhar da avó que
está a seu lado
85
Da aluna S
Sequência 1
A gravidez (de minha mãe) ocorreu bem, quando as
coisas que minha vó dizia para minha mãe, o mais
comum que se ouve até hoje é “Você que fez, você é
quem vai criar”.
E quando eu nasci, as coisas pioraram, pela ausência do meu pai, e pelas
necessidades, porque a única que cuidou (e cuida) até hoje foi (é) minha
mãe, mas mesmo assim, fui uma criança alegre e sorridente.
Sequência 2
Ainda com 6 anos e meu irmão acabava de nascer
Ainda com 6 anos e meu irmão acabava de nascerAinda com 6 anos e meu irmão acabava de nascer
Ainda com 6 anos e meu irmão acabava de nascer
Meu irmão nasceu no dia 3 de maio de 1998 no hospital Ana Cintra às 13:10
da tarde, cujo nome é H. F. da S. R.
Por causa de minha mãe trabalhar na costura por muito tempo, eu olhava
ele, eu aprendi a dar mamadeira, trocar fralda (acredite, nunca fiz isso,
tenho nojo até hoje), dar banho, trocar de roupa, pegar no colo, fazer
arrotar, e fazer dormir, tudo o que uma mãe precisava saber.
Foi bom, pois eu vou saber como cuidar de um bebê, minha filha não vai
correr riscos.
Recorte de revista em
que se destaca a
barriga de uma
gestante
Recorte de revista (de um
anúncio publicitário) em que
mãe sorridente abraça seu bebê
que está deitado
Foto colorida em que S. está
deitada em uma cama
olhando para a câmera e
dando mamadeira para seu
irmão recém-nascido
86
Sequência 3
Essa é a minha família
Essa é a minha famíliaEssa é a minha família
Essa é a minha família
Apesar das brigas, necessidades e tudo
mais, quero que saibam que eu os amo,
e sem eles não viveria. Apenas seria mais
um no mundo.
Da aluna Ve
Sequência 1
Essa é minha bisavó (materna)
Que bonitinha!
Sequência 2
Esse é meu irmão Caio e meu irmão Kenta.
O Caio é meu meio-irmão, mas mesmo assim
gosto muito dele.
Esse ano (2007) ele veio para o Brasil, pois,
ele mora no Japão
Foto em uma sala em que estão
sentados no sofá. No canto esquerdo S.
adolescente, e abraçados seu irmão H,
o companheiro de sua mãe e sua mãe
Foto colorida tirada na cozinha
de uma casa. No centro, a bisavó
ladeada por S já adolescente e
seu irmão
Foto colorida em close
onde aparecem o meio-
irmão, o irmão e V
87
Da aluna P
Sequência 1
Onde tudo começou
Sequência 2
Esta é minha ir
Esta é minha irEsta é minha ir
Esta é minha ir
Aqui minha irmã tinha apenas 7 meses.
Hoje ela tem 19 anos e faz parte da minha
vida
Com ela compartilho os
momentos tristes e felizes da
minha vida
Sequência 3
Minha família
Minha famíliaMinha família
Minha família
Essa é minha mãe, nos ensinando
desde cedo o caminho em que devemos andar
Foto colorida -
tirada lateralmente
- em que os pais de
P , trajados como
noivo e noiva,
estão trocando
alianças na
cerimônia de seu
casamento
Foto colorida em close
em que estão P e sua
irmã de rosto colado
Foto colorida em uma
praça com jardim
florida em que há um
bebê sentado
Foto colorida em que a mãe de
V- ainda bebê – segura sua mão.
Ao lado V, está sua irmã,
também segurando sua mão.
Parecem estar em casa.
Foto colorida em um jardim. Ao
centro, o pai de V – ainda bebê –
carregando-a no colo.
88
Da aluna M
Sequência 1
(...)
Vim com muita saúde vim com
muita alegria para minha família,
pois sem conhecer meu pai fiquei
muito sentida minha mãe e minha
avó mi criarão, fico feliz em ter
um sorriso no rosto e ser uma
menina alegre, às vezes passamos
por dificuldade em nossa vida e
ver aquelas pessoas que nós cria e
nós ama ao estar no nosso lado
(trecho sobre o qual está desenhado
um coração vermelho)
Nas entrevistas
1- F: A gente começa a lembrar de coisas, de gente assim, da família sempre unida, sabe?
Aqui atrás pra ver, sabe? O meu aqui, na época que eu fiz o álbum ele era
falecido, mas nunca, sabe, o pouquíssimo tempo que eu vivi com ele, eu o tenho
lembrança dele, sabe? Então eu acho que é onde a gente passa a ver também assim, com
cada pessoa, como a gente se une a ela, sabe?
2- T: Hoje eu encaro assim: a Gabriela pra mim... Eu não me vejo como mãe. Nem que
queira falar pra mim “ah, você é uma mãe”. Eu não me vejo assim. A Gabriela pra mim
é mais uma irdo que filha. Não é que nem minha mãe fala assim “T, você tem que
ver que você é mãe agora”. Mas eu... não é assim, eu não enxergo desse jeito, sabe?
Aquele cuidadinho, sempre fui bem relaxada, sempre do mesmo jeito, estouradona, eu
sou assim, não adianta, eu não vou conseguir mudar...
3- J: Ai, nossa! E minha mãe me vestia como homem quando eu era pequena. [risos]
Foto colorida em que M
– ainda bebê – está no
colo de sua mãe que a
olha com carinho
89
4- J: ... primeiro eu tinha mais intimidade com o meu pai, agora não tenho tanto. Você vê
que tem bastante foto com o meu pai, agora não... Nem contato mais eu tenho.
Então...
5- B: É, eu viajei legal também no meu álbum... Olha meu irmão! [risos]. Nossa hoje eu
brigo muito com ele, não olho na cara dele.
6- B: Tem gente aí que eu perdi [pausa] há pouco tempo
7- T: Também pra mim deu muito mais afeto pra minha família, que eu falei muito mais
sobre ela. Agora deu eu ver que eu não consigo viver sem a minha família
8- S: É, tem que ver que nem a T falou, a família dela é tudo. No meu caso não. Eu não
tenho boas recordações da minha família, principalmente da minha mãe quando eu caio.
9- M: Exatamente. Porque ela (avó) me ensinou e inclusive o que ela me ensinou eu
soube... Que na hora (de fazer o álbum) eu falei “Não! Agora tem que ser eu sozinha”.
Porque antes eu tinha o apoio dela, mesmo que [ela dissesse] “você não pode fazer isso,
você não pode fazer aquilo”
Elencados os excertos do álbum e da entrevista com o tema Família, passamos a
analisar as marcas lingüísticas para, a partir delas, observar a materialidade do discurso e os
sentidos produzidos em torno deste tema.
Qual ou quais noções são postas sobre a família? Que sentidos se dão a ela?
Foi bastante recorrente nas sequências selecionadas a noção de uma família nuclear
constituída por pai, mãe, filhos. De que modo está instituída? O enunciado “Tudo começou
remete ao início da construção da família em que nos deparamos com fotos de casamento,
nas quais os noivos estão diante do altar, celebrando sua união. Deste modo, observamos
que a família é algo que deve ser sacramentado, que a união pelo casamento atrela-se às
bênçãos da religião, predominantemente católica, o que foi possível inferir pelos convites
de casamento com a indicação de igrejas católicas da cidade. Assim, discursivamente temos
que o começo de uma família passa pela cerimônia de união, no caso, o casamento na
igreja.
O casal constituído é descrito com forte componente religioso, como podemos ver
em Vocês são um anjo”, que estão juntos de corpo e alma e em fotos em que pais
aparecem abraçados, de rosto colado.
90
O que se diz sobre o pai? Ele deve estar ao lado da mãe. É aquele quem ensina a
dar meus primeiros passos com a bicicleta”, é quem está nos momentos importantes como
batizado ou formatura , é quem dá “forças para continuar a batalha”. Os vocábulos passos
e batalha acabam por nomear a vida como uma luta contra as adversidades, e neste sentido,
a vida é uma batalha, na qual é preciso alguém para nos acompanhar os passos, para nos
indicar o caminho, para mostrar como agir. São os pais.
O que se diz sobre a mãe? Ela deve estar ao lado do pai, é quem deve saber dar
mamadeira, trocar fralda, dar banho, trocar de roupa, pegar no colo, fazer arrotar e fazer
dormir”, o que também é sugerido nos recortes de uma mãe sorridente que abraça seu bebê.
Mãe é aquela que ensina desde cedo o caminho em que devemos andar”. Novamente, a
noção da vida como caminhada é retomada. Mais que isso, há um caminho por onde se
deve seguir. Discursivamente, qual a noção de sujeito que está posta? Podemos
compreendê-lo retomando a noção do sujeito cartesiano que segue a lógica, do sujeito
sociológico, que é fixado às estruturas sociais.
Outro elemento da instituição familiar é o irmão. O que se diz sobre o irmão? É
aquele com que se compartilha os momentos tristes e felizesda vida, é aquele a quem
devemos dizer “gosto de você”. Os vocábulos momentos retomam a vida como caminhada e
batalha, na qual é preciso companhia. Então, discursivamente, a figura do irmão/irmã é do
companheiro de todos os momentos.
Neste contexto familiar, ainda estão os primos e os avós. Sobre os primos, aqueles
que acompanham os passeios e as brincadeiras de infância nadar no tanque, brincar de
pega-pega, esconde-esconde, pular corda”. as avós são nomeadas com características
positivas linda, acolhedora e paciente”, que deve ser amigae assumem também o papel
da tradição, pois a avó é quem conta coisas que aconteceramcom os pais. Portanto, a
figura da avó liga-se a características como a paciência, a amizade, a tradição dos saberes.
Imersos na contemporaneidade, vemos aqui os sujeitos produzidos por discursos, na
medida em que são nomeados, configurados, descritos por eles. Assumem para si e para os
outros as identidades que os discursos operam. Que tipos de sujeito são constituídos?
Cartesianos, sociológico ou da pós-modernidade?
Com grande parte da produção de sentidos para família apoiada em um modelo
tradicional, é possível inferir que tais representações sobre a família produzidas para um
álbum de família em contexto escolar sugerem um sujeito cartesiano, uno e homogêneo
91
fixado por identidades mais fixas nas estruturas pré-determinadas. Dito de outra maneira,
pai e mãe devem estar unidos de corpo e alma acompanhando seus filhos em uma
representação da família perfeita e feliz.
Contudo, outras sequências revelam outras representações de família, possibilitando
encontrar outros sujeitos atravessados não pelo discurso da Modernidade, mas também
pelo discurso da Pós- Modernidade. Neste sentido, apresentam-se sobre a família outros
sentidos que dispersam a noção de família nuclear. São deslocamentos e entremeios
gerando outras identidades para pais e irmãos. Que identidades? Móveis, fluidas,
ambivalentes, ambíguas?
A noção de que é melhor ter os pais separados e felizes do que tê-los juntos e
infelizesretoma discursivamente a noção da união e da felicidade propondo uma nova
ordem da desunião e da felicidade. Uma família pode (re)construir-se de outros modos,
compondo um álbum de família que não o tradicional.
De que modo o pai é nomeado agora? É o desconhecido, que está ausente, alguém
com quem nem contato mais eu tenho”. E a mãe? A mãe é aquela que o ajuda quando
eu caio”. Se retomarmos o discurso que estrutura a família tradicional que indica que a
caminhada da vida é feita com pais-companheiros, da ordem da cumplicidade e da
proximidade, temos nesta outra família pais de outra ordem, pais distantes, que não
compartilham os momentos da batalha.
O movimento de deslocamento para outra estrutura familiar que se constitui está
marcado pelo uso do operador discursivo mas”, que revela nuances sobre o processo
identitário.
Um movimento é o desejo de (re)posicionar-se junto à estrutura tradicional, como
podemos ver em mas mesmo assim, fui uma criança alegre e sorridente”, ou seja, com
uma família de outra ordem, a criança deveria ser triste por estar/ser diferente do modelo?
A felicidade deve repousar da união dos pais?
Um segundo movimento está no trecho “você tem que ver que você é a mãe agora,
mas não é assim, eu não enxergo desse jeito, sabe? Aquele cuidadinho (... )”. A mãe que
sabe cuidar do bebê, que está na imagem da revista como a mãe sorridente e amorosa é aqui
rejeitada. uma identificação com outro modo de ser e, menos habilidosa e menos
calma, “estouradona”. Socialmente, discursivamente, a mãe é interpelada para agir de
92
determinada maneira, como a mãe-dona de casa, a mãe-aluna, a mãe-trabalhadora, que
compõem o mosaico em que nos movimentamos atualmente.
Retomando o que Bauman (2005) afirma sobre o fato de a identidade ser uma
convenção necessária, a qual é definida historicamente, podemos refletir que a constituição
destes sujeitos significa olhar para as batalhas nas identidades produzidas, significa analisar
como o discurso fixa (ou não) algumas identidades na contemporaneidade, como coexistem
a manutenção, a reprodução e os movimentos de deslocamento em relação ao que está
imposto, dado, naturalizado.
Nesta direção, voltamos às palavras de Woodward (2008) de que somos
diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas
em cada situação, representando-nos de forma diferente em cada contexto.
3.5.2 Representações sobre amizade
Nos álbuns
Da aluna AC
Sequência 1
Separadas na maternidade
17-06-2007
Não nascemos da mesma família mais somos irmãs de coração...
Amigos verdadeiros sabem transformar pequenas coisas em grandes
momentos de felicidade!
Amo muito vocês!
Da aluna T
Sequência 1
Foto colorida em que AC está ao
centro cercada por 8 amigas, estão
em traje de banho em uma chácara
93
Irmãs de alma e coração!
Nascemos para dividir cada experiência do
dia a dia.
Companheiras nas farras, nas guerras, nas
tempestades e alegrias. Tão próximas que até
os gestos, gostos e manias se confundem.
Palavras tornam-se desnecessárias, pois só de
olhar nos compreendemos.
Porque nossa amizade não se explica!
Eu e Isa: Praia Grande Ela simplesmente existe!
Te amo prima!
Da aluna C
Sequência 1
UM DIA
UM DIAUM DIA
UM DIA
Você aprende que as verdadeiras
amizades continuam a crescer
mesmo a longas distâncias...
... e que bons amigos
são a família que
nos permitiram
escolh
er!
Elen, Talyne, Danilo,
Vinicius e eu, melhor dia,
melhores amigos!!
Sequência 2
Foto colorida feita
em um plano mais
alto na qual C e seus
amigos bem juntos
olham para cima
Foto colorida em que C
e sua prima – já
adolescentes- estão
bem sorridentes diante
da entrada de um
parque de diversões
94
AMIZADE VERDADEIRA
AMIZADE VERDADEIRAAMIZADE VERDADEIRA
AMIZADE VERDADEIRA
Vocês apareceram na minha vida, do
nada, “pluff... caíram e para sempre
permaneceram”.
Pessoas que me consideram como filha
e amesmo irmã, ficarão para sempre
comigo, nem que seja apenas no
coração!
Obrigado por tudo
Adoro vocês
Do aluno D
Sequência 1
2003 – 12 anos
Grandes amigos do peito,
meus primos Mario, Marcel e Marco Aurélio,
pessoas muito importantes pra mim
Da aluna B
Sequência 1
Minhas amigas
Minhas amigasMinhas amigas
Minhas amigas
É impossível não sentir sinceridade quando
estou com as duas, me sinto muito bem com
elas, está foto nós estávamos em uma festa
na casa do Romeneo ele também é muito
legal
Foto colorida só de rosto em
que B está ao centro
cercada das duas amigas
Xerox de foto colorida em que
sentados no sofá da sala estão D
e seus 3 primos, todos bem
alegres
Foto colorida em que C está em
pé abraçada com mais duas
meninas. Sentados à sua frente
uma mulher e um menino.
95
Da aluna TM
Sequência 1
Minha melhor amiga
Amiga é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração
Da aluna S.
Sequência 1
Os momentos na escola me faziam esquecer tudo. Mas em casa eu sorria, mas
nunca conseguia ficar dentro de casa, sempre ficava na rua de baixo com a
turma ou na rua de cima na casa da Bia.
E uma amiga que esteve comigo esse tempo todo, que me deu conselhos, que
ficou do meu lado, que agüentou firme meus choros, foi ela, a Beatriz, ela
sim, foi uma amiga de verdade. Tenho uma enorme consideração por ela.
Depois desses três meses, a minha relação com minha mãe já era a mesma, e
as brigas viraram rotina sempre pelo mesmo motivo chamado H. (o irmão)
E foi por essa briga que eu me tornei uma pessoa forte (às vezes pode até
parecer insensível), mas nada, nem ninguém me derruba, posso cair da
parte física, mas não mental ou sentimental.
Recorte com a seguinte frase:
“Sempre que
alguém me ofende, tento erguer minha alma tão
alto que a ofensa não a alcance”
Recorte com a seguinte frase: “Ame os
momentos, até os sombrios: dele nascem flores.
Cada momento afeta o todo. A vida é uma
sucessão de momentos, e viver cada um é ser
bem sucedido.”
Recorte a seguinte frase:
“A amizade nasce no
momento em que uma
pessoa diz para outra: O
quê? Você também? Pensei
que fosse o único”
Há ainda duas peras
sorrindo e se abraçando
Foto impressa em que a melhor
amiga de TM aparece em
posição centralizada. Está na rua
diante de um prédio comercial
96
Da aluna V
Sequência 1
Amigos de escola.
Daiane, Letícia e Matheus
Sequência 2
Dia da formatura.
A M I G O S
A M I G O SA M I G O S
A M I G O S
Com meus amigos testemunhas de Jeová
Da aluna P
Sequência 1
Amizade
AmizadeAmizade
Amizade
Essas são minhas melhores amigas, Suelen
e Verônica. A Suelen já conhecia à um bom
tempo, 12 anos. Já a Verônica conheço
a menos de um ano. Com elas compartilho
momentos inesquecíveis
Nas entrevistas
1- T: A minha melhor amiga, que agora não é mais a melhor amiga, já mudou
2- C: As amizades que a gente tinha aqui, a gente colocou, hoje em dia não são quase
as mesmas, não sei, a consideração por alguns não é a mesma.
Foto colorida do dia da
formatura da 8ª. série em que
aparecem V e seus amigos de
escola
Foto colorida em que V está
cercada de um grupo com 9
amigos
Foto colorida em close
em na qual P está com
a amiga Suelen de
rosto colado e sorrindo
Foto colorida em close na qual P inclina a
cabeça em cima do ombro de sua amiga
Verônica
97
3- F: E essa questão de amizade, realmente, né? É que a gente ra pra pensar.
Vai confiar muito na pessoa? A gente não sabe até quando que a gente vai com
ela.
4- T: A melhor amiga que eu coloco no álbum é inimiga número 1 de hoje.
5- A: E a gente vê aqui também nas fotos. Que nem, as fotos que tem aqui com os
meus amigos, eu posso ver que a J, a L e o D sempre permaneceram comigo.
Então, você leva com você os amigos verdadeiros, né?
6- B: Ah, de amiga minha eu coloquei só das de agora. Eu não tenho amiga de infância
assim mesmo...
T: Eu também não.
S: Eu tenho essas.
T: A única amiga de infância que eu tenho é a minha tia, que tem a minha idade.
B: Nossa!
S: É, eu tenho todas as minhas, olha. As mesmas que estão nas fotos de prezinho,
são as mesmas que estão nas fotos de escola.
7- S: Ah, mudou. Tem gente aqui que eu não falo mais.
8- S: Eu tenho umas duas amigas que eu chego e falo “eu não gosto daquilo, eu não
gosto disso”. Eu me sentindo assim, sabe? Foi depois do álbum, que eu escrevi e
que eu aprendi a ter confiança nas pessoas. As pessoas que ficam do meu lado, não
o primeiro que chega e fala ah, eu sou seu amigo!”.
9- M: Ah, meus amigos mudaram.
10- M: Eu tinha um grupo, agora já fiz outro grupo.
Quais os sentidos para amizade? O que é ser amigo? De que ponto de vista o tema
amizade foi constituído pelos sujeitos?
Nas sequências selecionadas, a produção de sentidos para amizade está muito
imbricada com a noção de família. São várias as retomadas, como em Não nascemos da
mesma família, mas somos irmãs de coração”; “Companheiras nas tempestades e alegrias
que apareceu em como devem ser irmãos; bons amigos são a família”; me consideram
como filha e a mesmo irmã”. Nestas sequências, são recorrentes os vocábulos que
sugerem que a amizade é uma extensão da estrutura familiar, na medida em que aparecem
as noções de companheirismo, de caminhada.
98
Os sentidos para a amizade determinam que os amigos devem ser do peito”, devem
estar dentro do coração”, o que se observa também nas fotos de grupo, com rosto colado,
que operam a noção de união. Assim, há manutenção nos sentidos que produzem tanto para
família quanto para a amizade a representação da união.
Além da extensão temática da família para a questão da amizade, também
observamos enunciados que apontam para a passagem do tempo entre a produção do álbum
e a entrevista. Mudou o sujeito ou a sua relação com a amizade?
Em sequências como A minha melhor amiga, que agora não é mais a melhor
amiga, mudou”; A melhor amiga que eu coloco no álbum é inimiga número 1 de hoje”,
os vocábulos e hoje, temos a possibilidade de inferir que não mudou o sentido de que se
entende por amizade, mas sim que a relação de amizade mudou devido às experiências
vividas. É outro contexto, interpelando o sujeito a se fixar de outro modo.
3.5.3 Representações sobre os eventos
Nos álbuns
Da aluna A
Sequência 1
Formatura
Esse dia foi um dos dias mais felizes da minha vida, eu estava feliz, mas ao
mesmo tempo estava com um aperto no coração com saudade de tudo que
aconteceu naquele ano
Da aluna AC
Sequência 1
A transcreve o poema “Certeza”
de Fernando Sabino
99
Minha 1ª. Eucaristia
Recebendo a 2ª. benção de Deus, depois
do Batizado.
Igreja São João Batista
Ano 2002
Da aluna T
Sequência 1
Dia da minha formatura
Esse foi um dia de muita alegria, por saber
que venci mais uma etapa em minha vida...
Mas também um dia de tristezas, quando o
assunto era deixar os amigos...
Da aluna C
Sequência 1
DAMINHA
DAMINHADAMINHA
DAMINHA
A felicidade de uma criança, nunca deve ser
interrompida, por isso, deixe-a sonhar, pois
com o sonho, ela se “transporta” por um
mundo, que às vezes nem existirá!!
Quando fui daminha pela 1ª. vez
Sequência 2
Foto colorida em que a
aluna ainda bem criança
está na sala ao lado de
uma árvore de Natal
toda vestida de branco
Foto colorida em
close em que a
aluna está muito
sorridente
Foto colorida em que AC muito
atenta e toda trajada de branco
está diante do altar pegando a
hóstia do cálice
100
15 anos
15 anos15 anos
15 anos
Melhor festa
Sempre tive o sonho de ter “aquela” festa de
15 anos, mas como não pude, por motivos
financeiros, me magoei muito.
Como essa data não podia passar em branco,
minha família e amigos se reuniram e
fizeram uma festa surpresa para mim.
Ao final, minha prima Elen e minha amiga
Camila, aprontaram essa comigo! Vocês são
“Dimaii”
Amo!!
Da aluna L
Sequência 1
2007
20072007
2007
15 anos
15 anos15 anos
15 anos
Esse ano eu também tive duas festas de aniversário, e as duas foram as
melhores festas de aniversário da minha vida.
A primeira foi em uma chácara, onde comemorei com meus amigos, meus
familiares e meus pais.
Esse aniversário nem tem muito que falar, ele simplesmente foi PERFEITO.
Melhor foto: Meu padrasto, minha mãe, eu, meu pai, minha madrasta e
minha irmã. Minha família é a família mais diferente que eu vi. Ao
mesmo tempo em que somos separados somos muito unidos.
Foto colorida escaneada em
que estão as pessoas citadas
por L em torno da mesa de
seu aniversário
Foto colorida do em
que C – bem
sorridente - está
limpando o rosto todo
sujo de creme de bolo
101
2ª. festa de aniversário
2ª. festa de aniversário2ª. festa de aniversário
2ª. festa de aniversário
Minha outra festa foi na balada, com os meus amigos e companheiros de
noitadas.
A festa foi no dia 26.01.2007 no Paraty.
Melhor noite da minha vida
Algumas das pessoas mais especiais que estavam na minha festa.
Do aluno Vi
Sequência 1
Formatura
Nesse dia zuamu pra kct, olha só na
foto e conferi ai a brincadeira. Eu,
danilo, jão, a tia muito loca, o
Giovanni, e o Heitor
Na foto; eu meu pai e a minha ir
na formatura do Scalvi
Quantas lembranças!
Foto colorida toda serrilhada em
volta em estão Vi, seu pai e sua
irmã
Desenho feito pelo aluno do
símbolo da escola Prof. José
Scalvi de Oliveira
Foto colorida toda
serrilhada em volta em
que Vi e seus colegas
estão em volta de uma
moradora de rua da
cidade
Foto colorida escaneada em
que L está cercada de amigos
no Bar ao qual se referiu
102
Da aluna J
Sequência 1
Um bolo gostoso,
Desejo muito ao lembrar Parabéns pra você
Naquele dia a espera do bolo a cortar Nesta data querida
Muitas felicidades
Muitos anos de vida
Do aluno D
Sequência 1
2006 – 15 anos
Minha formatura de 8ª. série,
muitas saudades dos amigos e Professores
Da aluna B
Sequência 1
BATISADO
Sequência 2
A cerimonia foi realizada na Igreja
São João Batista no dia ..... de......
de....... A cerimonia foi simples porque
na época a situação financeira não
era das melhores
Foi simples mais foi realizada mas foi
realizada com muito amor e
sinceridade e é isso que mais imp
orta
Foto da família de B reunida em
torno da pia batismal. Com eles
o padre e os padrinhos. Todos
atentos a B que está chorando
Xerox de foto colorida de meio
corpo em que D está ao lado de
sua mãe
Foto colorida em que J
está centralizada, em pé,
com um pedaço de bolo na
mão
Foto de J junto da mesa
fartamente decorada de seu
aniversário de 7 ou 8 anos com o
tema do Piu-piu
103
FORMATURA
DA
8ª. SÉRIE
A formatura até que foi “legalzinha” mas o que eu mais gostei, foi do meu
presente, o que eu seja interesseira, mas é que foi o presente mais esperado
o ano passado todo, isso pode aparecer meio “tosco” pra quem ler, mas pra
mim foi do tipo ACABOU O SOFRIMENTO!!! Rsrsrs
Alisei o cabelo rsrs, olha que legal, o motivo da felicidade é que ele, é o
cabelo, ele era um arame enfarpado.
Eu tenho fotos da formatura, mas está com a irmã da minha amiga, eu
também tenho o DVD, o coquetel estava legal, estava tudo de bom tamanho.
Eu não gosto muito dessas coisas de vestido longo, salto, cabelo bunitinho,
bom vou dar uma resumida, o gosto de nada que seja delicado, o por
motivo de ser pobre , caipira, mas sim “gosto”.
Da aluna F.
Sequência 1
“Primeira comunhão”
“Primeira comunhão”“Primeira comunhão”
“Primeira comunhão”
No dia 10 de novembro de 2002, fiz minha primeira comunhão na Igreja de
São João Batista.
Foi um dia muito especial e importante para minha vida religiosa
Da aluna S
Sequência 1
Foto colorida de ângulo lateral
que mostra o momento em que o
padre – auxiliado por uma
mulher que segura um cálice -
coloca a hóstia na boca de F.,
que a recebe de olhos fechados
104
Capítulo V
Capítulo VCapítulo V
Capítulo V
A sogra da mamãe, minha madrinha, minha mãe, eu, minha avó
Estava com quatro anos (1996)
Estava com quatro anos (1996)Estava com quatro anos (1996)
Estava com quatro anos (1996)
Sempre, dedos meus 1 aninho, nunca meu aniversário passou em branco,
minha vó fazia o bolo, minha madrinha comprava o resto, e minha mãe
arrumava o resto, enfeitava e arrumava tudo certinho.
Da aluna P
Sequência 1
Formatura de 8ª. série
Formatura de 8ª. sérieFormatura de 8ª. série
Formatura de 8ª. série
Cheguei na fase mais importante de minha
vida. Onde comecei a enchergar o mundo de
outra forma.
Deixei de brincar de boneca, de pega-pega,
escolinha...
Em vez de querer brinquedos de presente, comecei a me interessar por coisas
que contribuirão com minha aparência física.
Meu corpo e minha mente passava por uma verdadeira metamorfose.
A famosa pré-adolescência. Depois surgiu a adolescência, a fase em que
estou atualmente. Nós, jovens, gostamos de nos divertir, às vezes somos
rebeldes, gostamos de zuar, mas mesmo assim o bem mais precioso que temos
é a nossa vida, e a energia de viver. Essa fase em que estamos, devemos usar
Foto colorida em que as pessoas nomeadas
acima estão na cozinha em volta da mesa em
cujo centro está o bolo de chocolate, copos,
coca-cola, pratinhos e garfinhos. A mãe abraça a
filha, observadas pelas outras mulheres
Recorte de revista com
bexigas coloridas
Foto colorida na quadra da
escola em que V está com
sua turma de 8ª. série.
Metade está em pé e outra
metade está sentada.
Nela consta o subtítulo
Formandos 8ª. B – MASC
2006
105
de discernimento para que possamos futuramente nos sair bem, sem nos
arrependermos de nada.
Da aluna M
Sequência 1
Aqui eu M em casa comemorando meu aniversário
de 10 anos pedia muito para minha mãe fazer
festa de aniversário para mim e com muita
alegria, feliz dos lados dos meus amigos, primos
e outras pessoas
Neste dia uma emoção de ver as
família reunidas para uma festa de
aniversário e com brincadeiras
Os significados produzidos para os eventos apresentam três pontos para discussão.
Como já vimos anteriormente, as representações que circulam pelas narrativas mantém uma
relação fundamental com a família como mecanismo de constituição do sujeito.
Neste tema, isso decorre do fato de a maioria dos eventos nomeados serem
institucionalizados como ritos de marcação religiosa como o batizado, a primeira
comunhão, o crisma, o casamento. Eles estão juntos de outros eventos como formatura e
aniversários, que também são instituídos tradicionalmente.
Os enunciados que alinham a família da ordem da união, da felicidade junto dos
ritos religiosos mostram fotos no altar diante do cálice, em torno da pia batismal, em que as
pessoas estão abraçadas e felizes.
Há também indicações de como deve ser a festa ou comemoração Foi simples, mas
foi realizada com muito amor e sinceridade e é isso que mais importa”; Nunca passou em
branco, minha fazia o bolo, minha madrinha comprava o resto, e minha mãe arrumava
o resto, enfeitava e arrumava tudo certinho.”
Foto colorida em que M -bem
sorridente - está cercada de
convidados, todos crianças como
ela. Na mesa, o bolo ao centro,
além de salgadinhos e docinhos. Na
parede, bexigas penduradas
106
De que tratam as expressões “Foi simples” e “tudo certinho”? Além de mostrar o
modo de realização dos eventos, operam representações de ordens diferentes. A noção da
simplicidade tensiona com a noção do requinte, de modo a definir que a verdade e a
sinceridade da comemoração suplantam os aspectos materiais. Neste sentido, notamos
como o sujeito é interpelado por discursos e como se posiciona em relação a eles indicando
que a comemoração de aniversário pode ser de outro modo. Quanto ao tudo certinho”,
temos a ordem da reprodução, o aniversário deve ter bolo, guaraná, bexiga, docinhos. Uma
representação em relação a outra convivem, que como vimos na contemporaneidade
coexistem diversos sujeitos.
Em um movimento de deslocamento quanto às representações que interpelam os
sujeitos a serem mais cartesianos, aparece Eu não gosto muito dessas coisas de vestido
longo, salto, cabelo bunitinho (...) não gosto de nada que seja delicado, não por motivo de
ser pobre, caipira, mas sim gosto”. Desta noção, é possível pensar que a noção da
produção requintada da aparência atrela-se à noção de riqueza e neste caso, a identidade
fixada seria a oposta, a pobreza, que é refutada. Daí a importância do operador mas, para
indicar a dispersão, a fuga.
Além disso, outro ponto de discussão está no movimento ambíguo que se observa
em Eu estava feliz, mas ao mesmo tempo estava com um aperto”; Esse foi um dia de
muitas alegrias, mas também um dia de tristezas”; “Ao mesmo tempo em que somos
separados, somos muito unidos”.
Por que pensamos em um posicionamento ambíguo? Se pensarmos que a
ambivalência aponta para uma OU outra posição, fixando-nos em um polo ou outro, a
ambigüidade pode ser compreendida como o posicionamento não da ordem do OU, mas do
E e, neste sentido, não fixa a identidade, tornando-a móvel. Estar alegre E triste é um
posicionamento em que o sujeito não é enquadrado, não é classificado, acaba por escapar.
3.5.4 Representações sobre o corpo
Nos álbuns
Da aluna M
Sequência 1
107
Esta foto foi tirada no rio de janeiro quando eu fui com a capoeira para lá,
pois teve os Jogos e quem quisesse ir para praia podia e nós fomos lá tomar
um solzinho e nadar na praia foi a 1ª. vez que eu foi na praia conhecer a
cidade do Rio de Janeiro é uma delicia ir na praia de Copacabana
conhecer o mar as pessoas.
Aqui já começa a transformar meu corpo com 12 anos eu comecei a moçinha
adolescente
Nas entrevistas
1- F: Não, eu gosto de todas, mas pra ver como eu mudei muito, né? Nossa, eu
fiquei bem mais bonita agora, né?
2- J: Nossa, olha o tamanho do meu óculos. [risos]. Nossa, desde os três anos, gente do
céu! Usava [óculos] desde os três anos. Os óculos cobria a cara inteira, né? Repara aqui.
[risos]
3- J: O visual também mudou, a atitude.
4- J : Eu era feia.
5- B: Nossa, olha como eu engordei.
6- B: É. Ah, tudo. O corpo, o rosto, totalmente diferente de agora. Eu achei que eu
mudei muito.
T: Eu não mudei nada, eu acho.
Entrevistadora: E a S ? Olhando o antes e olhando o agora?
T: Eu tô igualzinha.
7- Vi: Tô com menos cabelo.
As recorrências sobre corpo foram proporcionalmente menores em relação aos
temas tratados anteriormente.
Foto colorida em
que M está sentada
na areia ao lado de
uma outra menina
108
À semelhança do que ocorreu com a representação para amizade, houve uma
mudança de relação com o corpo que se observa no uso das expressões temporais Eu era
feia”, totalmente diferente de agoraou nos pronomes Eu não mudei nada”, ou ainda
nos advérbios “eu mudei muito”.
O corpo foi nomeado também por discursos que interpelam o sujeito a ser da ordem
que determina que usar óculos enfeia e ter pouco cabelo também. Sendo assim, é preciso
(re)posicionar-se como “mais bonita” sem óculos e com mais volume nos cabelos.
Não se pode deixar de observar que o corpo foi descrito, portanto, como elemento
de transformação, considerada a época da produção do álbum e da realização da entrevista.
É o corpo um importante sinal de mudança, que carrega consigo a noção da temporalidade
da vida.
3.5.5 Representações sobre o futuro
Nos álbuns
Da aluna A
Sequência 1
Futuro
O que acontecerá no meu futuro?
Não sei, mas eu sei que quero fazer uma faculdade, trabalhar e casar e ter
uma família
Da aluna AC
Sequência 1
Recorte de revista em preto e
branco de uma família -
composta por um casal, um bebê
e avós – que está no campo
109
Meu futuro está guardado sim, mais com Deus
Mais eu espero que meu sonho de ser tornar uma grande médica seja
realizado e que eu encontre um homem que me faça muito feliz
.
Da aluna C
Sequência 1
O futuro tem muitos nomes
Para os incapazes o inalcançável
Para os medrosos o desconhecido
E para os valentes a
OPORTUNIDADE!
Da aluna L
Sequência 1
EXPECTATIVAS PARA O FUTURO
Que caminho devo seguir?
Massagista Formar-
me em Fisioterapia
ou nutricionista? ou em Biologia Marinha?
Ter filhos?
Casar?
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar,
não tem tempo nem piedade,
nem tem hora pra chegar.
Sem licença muda nossa vida
e depois convida
a rir ou chorar
nessa estrada
não nos cabe conhecer ou ver
o que virá,
o fim dela ninguém sabe
bem ao certo onde vai dar...
Aquarela
Figura com alguém
diante de vários
caminhos
110
Do aluno Vi
Sequência 1
O que eu quero para o meu futuro!
O que eu quero para o meu futuro!O que eu quero para o meu futuro!
O que eu quero para o meu futuro!
Eu quero um bom trabalho, quero casar com um mulher que me ame muito
do jeito que eu sou, quero a minha própria casa com um bom carro para
minha família e mais algumas coisas materiais
Sequência 2
Essas próximas páginas em branco são dedicadas ao meu Futuro!
Futuro!Futuro!
Futuro!
. . .
Do aluno D
Sequência 1
Desenho feito
pelo aluno de
uma igreja
Desenho feito pelo
aluno de um maço
de dinheiro
Desenho
feito pelo
aluno de
uma
casa
Recorte de
revista de
um carro
esportivo
111
O QUE EU ESPERO
Para o meu futuro: Bom eu espero ser um grande jogador de futebol, de muito sucesso. Mas eu
tenho que ter os pés no chão e colocar a frente o estudo que é o mais importante, pois se eu não
for um jogador de futebol, quero prestar um faculdade de engenharia quem sabe
Espero ser um homem de muito respeito, ter sucesso em minha profissão, e ter um casamento
perfeito e duradouro. Quero ser Pai de um menino e de uma menina, espero ter uma grande
amizade com meus filhos, como a minha e dos meus Pais.
Para o futuro da humanidade: para o futuro da humanidade eu espero que diminua essa
violência, esse vandalismo que persiste em nós atrapalhar. Estamos inseguros ao sair de casa,
até dentro de nossas casas sentimos medo. ISSO TEM QUE ACABAR.
Muitos jovens estão indo para o caminho errado, e estão acabando com suas vidas. Precisamos
solucionar este problema, que é muito sério e preocupante.
Da aluna B
Sequência 1
FUTURO
FUTUROFUTURO
FUTURO
Acho que a foto já diz tudo, quero ser
bióloga marinha, conhecer alguém
que me faça feliz, não que vou
me cazar mas sim que vou namorar
Quero ter os meus próprios negócios
mas bom não adianta nada planeja
se não sabemos o dia de amanhã
Foto colorida em
que B está na USP ,
em um museu diante
de animais marinhos
Imagem colorida de uma pessoa
que está de costas olhando para o
horizonte onde o mar brilha sob
os últimos raios do pôr-do-sol
112
Da aluna F
Sequência 1
Veterinária
VeterináriaVeterinária
Veterinária
Sonho de criança...
Permanecerá e será real
Sequência 2
Meu casamento
Meu casamentoMeu casamento
Meu casamento
Da aluna S.
Sequência
Foto em close de F. com o rosto
colado ao seu gato que parece
estar dormindo
“Quando um homem e uma mulher se unem pelo amor
sobre a bênção de Deus, essa união é sagrada e nenhum
ato da vontade humana pode separá-los”
Fernanda e ...............
e nossos pais convidam para assistirem a cerimônia
religiosa do enlace matrimonial, a realizar-se na Igreja
São João Batista no dia ...... às.....horas, onde os noivos
receberão os cumprimentos.
Amparo- SP
113
Capítulo XVIII
Capítulo XVIIICapítulo XVIII
Capítulo XVIII
Meu futuro
Meu futuroMeu futuro
Meu futuro
Eu vou entrar em uma faculdade,
vou me formar em veterinária,
conquistando meu dinheiro,
vou depositar em um banco confiável,
vou construir uma boa reputação de
mim e do meu trabalho. Vou sair
com meus amigos e conhecer minha
cantora preferida.
Da aluna P
Sequência 1
Casamento
CasamentoCasamento
Casamento
Espero um dia encontrar uma pessoa
que me complete, e que com ela possa dividir
meus momentos tristes, alegres e felizes. Até que a
morte nos separe
Recorte de revista com
uma garota em uma
sala de aula
Recorte de revista
de
uma
mulher
que abraça
vários cachorros
e um gato
Recorte
com a
logomarca
da Caixa
Federal
Recorte de revista com
destaque para uma mão
que segura várias notas
de cem reais
Recorte de revista em que
um grupo de amigos em
trajes de banho estão
reunidos e alegres
Recorte de revista
em preto e branco
com o rosto da
cantora Ivete
Sangalo
Recorte de revista
em preto e branco
com o rosto de uma
mulher com óculos e
levemente sorridente
Convite de
casamento - em
amarelo vivo - de
parente de V
114
Sequência 2
Meu futuro
Meu futuroMeu futuro
Meu futuro
Agora é só olhar para frente
Afinal...
Minha vida continua!
Da aluna M
Sequência 1
Eu m pretendo, depois que terminar o ensino médio fazer faculdade, na
USP ou PUC, que o curso de Psicologia, A. de Impresas, Medicina,
Nutricionista. Uns desses 3,
Quero casar na Igreja, ter uma família, casa, meu carro, moto, ter minhas
propriedades namorar etc
Da aluna T
Sequência 1
Idéias para o futuro
Me formar
Ter o carro do ano
Fazer escova progressiva
Ser muito feliz
Casar e ter filhos
Ser bailarina profissional
Foto colorida de rosto. No
dia de sua formatura de 8ª.
série
Recorte de um sequência de
quadrinhos da personagem
Maitena sobre as idades da
mulher - dos 20 aos 70 anos –
na qual o desejo futuro vai se
alterando com o passar do tempo
Todas as
idéias de T
estão
ilustradas
com recortes
de revistas
115
Nas entrevistas
1- TM: Antes, no primeiro colegial, eu jurava que ia cursar faculdade de ciências
biológicas; hoje eu falo que eu quero estudar engenharia de produção.
2- TM: São pensamentos diferentes, entende? No meu caso, o futuro eu vi que não
mudou, né? É, mas eu sou assim mesmo, sabe? Quando eu coloco uma coisa na
cabeça eu vou. Aí se der certo, se der errado, depois eu vejo, mas eu vou.
3- L: Ah, eu coloquei profissão: ou massagista ou nutricionista. Nenhum dos dois hoje.
[risos]. Nenhum dos dois, mas assim, não tenho certeza do que eu quero. Entendeu?
Aí coloquei “ter filhos?”. Não sei se eu quero. A mesma coisa casar. Não sei
também. Sabe, é um futuro incerto, eu não sei...
4- D: É. pensava em bola, só. futebol. Agora, eu vejo que é difícil. Ainda jogo
futebol de final de semana, é gostoso, mas agora eu vejo que é mais difícil, meu
foco agora é no estudo.
Entrevistadora: E hoje você pensa em ser o quê?
D: Então, eu penso em fazer engenharia mecatrônica.
5- A: Ah, o meu sempre, desde pequena, foi ser médica. E hoje eu ainda continuo com
essa escolha, mas com outro objetivo. Eu vou fazer uma faculdade de fisioterapia,
que é dentro da área, pra depois que eu tiver trabalhando nisso, poder pagar uma
faculdade de medicina, que é muito caro. Então, a gente tem que cair na realidade,
que não é isso tudo que tudo que a gente quer que pode acontecer.
6- S: Ah, eu acho que o futuro, né?! Porque você não sabe o que vai acontecer. Você
espera uma coisa e acontece outra.
7- S: O meu futuro era sair da escola e entrar pra faculdade. Agora não. Agora eu vou
esperar um ano pra mim entrar pra faculdade. Eu queria fazer veterinária, agora eu
não sei o que eu quero fazer.
8- T: É, eu também. Não vou... Eu queria fazer faculdade, não vai dar. Vou ter que
continuar trabalhando primeiro pra depois dar pra eu fazer. Algumas coisas eu fiz,
teve aquilo que eu coloquei um ponto de interrogação, né, tipo, ser bailarina
profissional, não vou mais, mudei. Mas o resto, eu pretendo alcançar tudo, sim.
Até fazer progressiva eu já fiz. O futuro eu já conquistei [risos]
9- B: Ah, sei lá. Deu uma mudada, sim. Aqui falando que eu queria ser bióloga
marinha, mas nada a ver. Acho que foi uma coisa de...
116
Entrevistadora: Momento?
B: Momento. E... Agora nem eu sei o que eu quero ser. Eu penso em continuar o
que meu pai é agora, que não vai durar pra sempre, né? Sei lá, eu queria fazer
engenharia mecânica, mas ainda acho uma coisa de momento... Uma coisa que eu
não vou conseguir fazer, é muito número, eu não me adapto a isso. Vou também
falando [que] eu quero uma pessoa que me faça feliz, casar... Mas não é isso que eu
quero, não.
Entrevistadora: O que você gostaria?
B: Ah, sei lá. Vida de solteira gostosa por enquanto. Sei lá, agora que conheci uma
pessoa, mas só dá dando errado, cagada, então...
Entrevistadora: Então é melhor deixar acontecer?
B: É, já vi que isso eu não vou ter sucesso nessa parte.
T: Por enquanto.
B: É, por enquanto.
10- M: Eu tinha colocado Psicologia, [incompreensível], mas não é isso daí, não. Sabe
quando eu fiz aquele curso?
11- Entrevistadora: Hã.
M: mudou. Que até eu vi mais outros cursos quando eu fiz aquele desenho da
vocacional...
Entrevistadora: Hoje você tem interesse em quê?
M: Ah, eu acho que mais Direito, Jornalismo e Artes Plásticas. E outras assim.
12- Vi: É, o que eu colocaria... antigamente era fazer Educação Física, mas hoje em dia
eu queria fazer uma faculdade, alguma coisa... Educação Física eu acho que virou
meio que modinha. Pra vida profissional eu acho que não vai ser muito interessante,
porque todo mundo tem. Outra alternativa é fazer, sei lá, tipo... alguma coisa assim,
engenharia... Arrumar uma boa empresa.
13- P: Ah, não sei, assim, olhando o álbum agora, a gente começa a perceber como a
vida passando e que ela sempre vai passar. Eu não consigo me imaginar como
que eu vou ser no futuro, entendeu?
117
Para este tema, destacamos as imagens utilizadas - família constituída, alguém
diante de vários caminhos, uma igreja, um carro esportivo, um maço de dinheiro, uma casa,
uma página em branco que indicam por quais significados passam a representação de
futuro.
Temos novamente a constituição de família como algo que se deve buscar (com o
casamento “Até que a morte nos separe”) e juntamente o acúmulo de bens materiais.
De que futuro se trata? O discurso que aqui interpela o sujeito o faz posicionar-se no
pólo do casar com casa, constituir família e conseguir muitas coisas (materiais) sob a
noção de O que se quer do futuroo que encadeia a ideia do desejo, do querer, de
sonhar alto sem direção, com ambição. Entendemos que este sujeito, na verdade, não se
desloca, mantém a discursividade sobre futuro que fixa identidades cada vez mais
egocêntricas, que ignoram a coletividade.
Em outro movimento, também indicado pelo operador mas, temos sob a noção de
O que se espera do futuro” um outro tipo de desejo. Trata-se de um futuro no qual “espero
ser um grande jogador de futebol, de muito sucessoque aponta o enquadramento do
sujeito que deve ser da ordem jogador de futebol/sucesso. Este desejo revela um
deslocamento em seguida “(...) mas eu tenho que ter os pés no chão e colocar a frente o
estudo que é o mais importante”.
Neste sentido, entendemos que houve uma nuance, um estar entre os pólos, na
medida em que há o desejo do que é socialmente produzido jogar bola um bom futuro
que convive com outro, que é o estudar. Uma identidade não seria impedimento para
outra e o sujeito estaria em movimento.
Mais uma vez, a questão da passagem do tempo afeta a relação com o tema a
gente começa a perceber como a vida ta passando e que ela sempre vai passar, eu não
consigo me imaginar como que eu vou ser no futuro”. Assim, não mudam os sentidos de
futuro, mas a relação com ele.
3.5.6 Representações sobre o álbum
Nos álbuns
118
Da aluna T
Sequência 1
Introdução
Este é o meu álbum, T. M.
Aqui está guardado um pouco da minha história, minhas fotos e
aventuras...
Deixo aqui meus gostos e gestos de homenagem.
Aqui está quase tudo de mais importante em minha vida
Minha família e amigos
Vire a página e seja bem vindo a minha vida!!
Espero que goste.
Tadkdakfsn Malsdfljfsj
Da aluna J
Sequência 1
Introdução
Este álbum é oferecido a todos os meus amigos, para conhecerem um pouco de minha
personalidade, meu caráter e meus sonhos
Sintam-se à vontade e tirem suas próprias conclusões.
Espero poder ajudá-los de forma direta e/ou indireta a partir deste projeto...
Sejam bem-vindos.
Observação: assim como o aluno D, a aluna J escolheu digitar a parte textual, por isso
utilizamos um tipo de letra diferente dos demais
A aluna F.
Sequência 1
119
Da aluna Ve
Sequência 1
Depoimento
Falar de coisas que já aconteceram, tanto as boas
como as ruins não é nada fácil, principalmente por já
ter vivido tantas e tantas coisas que não tenho nem
fotos como recordação. São apenas lembranças em
minha memória, alguns que com certeza não irei
esquecer jamais, pois foram momentos meus, que eu
vivi; e tem aquelas também que já foram esquecidas,
mesmo eu estando lembrando aqui nesse depoimento
que faço hoje de minha vida!
Não posso simplesmente falar o que eu acho que sou,
acho que isso só deve ser julgado por pessoas que me
conhecem.
Bem, posso falar muito sobre minha vida, óbvio que
foi exatamente esse o objetivo principal do álbum.
(...)
Esse álbum foi montado com
muito carinho por mim, V,
querendo que vocês fiquem
conhecendo um pouco mais da
minha vida.
Fotos de minha infância, amigos,
família e um pouco dos meus
gostos pessoais, enfim, muitas
coisas sobre mim.
Espero que gostem!
Boa leitura e muito obrigada!
Beijus de V. M. I.
120
Nas entrevistas
1- T: Ah, foi uma experiência muito boa. Eu coloquei no álbum uma retrospectiva da
minha vida
2- F: É, não por entregar o álbum com as fotos pra você, mas eu falo assim, no caso
assim, ah, porque tem umas fotos aqui, por exemplo, que na época eu não queria
que ninguém me visse.
3- F: Foi uma coisa que não ficava aqui dentro da escola. Quando a gente ia em
casa, quando chegava à noite, eu ficava lá, no álbum pesquisando as coisas.
Pedindo pra minha mãe, separando mais algumas fotos pra ajudar.
4- T: Mas foi gostoso. Ao mesmo tempo [que foi] difícil, foi gostoso. Que a gente
pôde trazer essas coisas de dentro de casa pra escola. Pra todo mundo conhecer um
pouco da gente mesmo, entendeu? Foi uma experiência muito boa na minha vida,
que eu sempre vou guardar pra mim. Esse álbum, eu nunca vou desmanchar, as
fotos sempre vão ficar aqui, que eu quero guardar pra sempre esse álbum. O quanto
que eu puder.
5- Entrevistadora: As fotos foram fundamentais?
C: Foi. [pausa]. É, então. Se a senhora tivesse pedido pra gente fazer uma atividade
relatando a nossa vida, nem que fosse, por exemplo, um livro da nossa vida, a
gente ia ter que olhar foto. Não ia ter como escapar, sabe?
6- A: Ah, foi meio complicado.
Entrevistadora: Você achou complicado. Então, conta pra gente por que foi
complicado pra você.
A: Ah, porque eu não sabia escrever direito, sabe
7- F: É, assim, os textos eu fui preparando, sabe, eu fui pensando, mas aqui eu tava
vendo aqui atrás, tem poema que eu vi na televisão, sabe? Isso aqui, era tudo coisa
que eu pegava em novela, sabe?
8- A: Ah, foi interessante. Porque a gente pôde rever vários momentos que ficaram
guardados, né?
9- L: É, porque assim... Até quando eu fui fazer meu álbum, eu acabei sentando com a
minha mãe, revendo as coisas, contando histórias que eu sabia, o que eu não sabia.
Você vai entendendo as coisas, as fotos... porque que foi tirada aquelas fotos.
Porque tá aquele momento registrado, o que que aconteceu. Você acaba conhecendo
121
mais a sua vida, coisa que se não tivesse o álbum vonão teria interesse. Quando
que você ia sentar com a sua mãe, pegar um álbum de foto, e pensar em ver essa
foto, esse dia aconteceu isso, esse dia aconteceu isso...? Sabe, aprender mais, saber
o que aconteceu quando você era criança. Coisas que você não lembra, coisas que
você não sabia. E às vezes nem tempo você tem pra parar com a sua mãe e
conversar.
10- AC: Ah, foi bom, né? Porque a gente foi buscar coisas que tava no fundo, coisas
que tava guardada assim. Que, nossa, [foi] uma grande revelação, entendeu? Grande
revelação mesmo.
11- J: Eu via assim as (fotos de outras) menininhas, tudo de vestidinho, tudo bonitinha,
chegava as minhas fotos [eu] com aquele chapéu, aquelas calça feia, blusa do
Mario [Brothers], do Sonic, sei lá eu. Ai!
12- AC: (Foi difícil) Por um lado. Agora, pelo outro, a gente pôde conhecer melhor um
ao outro, sabe. Tudo, que nem, a gente trazia as fotos, todo mundo sentava junto pra
olhar, dava risada, contava os momentos. Então acho que por esse lado foi bem
legal. Agora, tinha gente que ficava meio apreensado, sabe, por não saber o que
falava, o que tava acontecendo. Porque muita gente passou por coisas ruins na
vida, aí eu acho que foi isso.
13- L: Ah, então, eu acho que foi difícil também. Porque tem coisas que, querendo ou
não, na escola você não é a mesma pessoa que você é fora. Você tenta ser, mas
tem coisas que você tem que esconder por ser seus amigos. Não assim... Tem gente
aqui, por exemplo, eu com a C, a gente se conhece desde que a gente era criança.
Então, dela é uma amizade fora daqui. Mas tem gente que é aqui que você vê.
Você entendeu? E tem gente que não entende o que tá passando lá fora. [Gente] que
zoa com você, que tira sarro da sua cara. Então você fica com medo das coisas que
você vai colocar, que não vai. Que querendo ou não, todo mundo vai ver sua obra.
Fica um passa-passa... E se você coloca uma coisa que ninguém vai entender? Que
que vai acontecer? Todo mundo vai zoar com você, vão acabar tirando sarro da sua
cara. E você não sabe aonde vai parar isso. Que um fala pra outro, [que] fala pra
outro, [que] fala pra outro... Então, quando você vai fazer, tem que tomar cuidado,
principalmente aqui na escola, saber o que você vai colocar, as fotos que você vai
colocar... Por que que você acha que foi difícil?! Mas foi legal porque você conta,
122
vê o dos outros, todo mundo vê, você aprende, você conhece mais as pessoas que tá
perto de você.
14- D: Todo mundo tem uma história diferente, eu acho que é igual a J falou. Quando
é criança o pensamento é igual, brincadeira, tudo. Às vezes no sonho também é
igual, “ah! eu quero ser médico”; “ah! eu quero ser isso, quero ser aquilo”.
15- Entrevistadora: E aí? Olhando o álbum, tem alguma outra coisa que chamou a
atenção, principalmente assim, na hora de estar fazendo na sala de aula, trazendo
as coisas, tendo que escrever? Vocês se lembram de algum momento na sala que
foi mais marcante?
AC: As risadas.
16- L: Ah, eu acho assim: é uma coisa que você não tem interesse. Entendeu? Você não
tem interesse em fuçar. Você pensa só no hoje, daqui pra frente. Aí o álbum
proporcionou à gente o interesse de voltar ao passado, pesquisar o passado, ver
como que foi, mostrar pras pessoas, saber o que que aconteceu... Isso é uma coisa
que... C, quantas vezes depois do álbum você fez isso?
17- J: Ah, foi bom criá-lo e é bom revê-lo também. Quando a gente criou foi um
momento legal e quando a gente assim o trabalho, no que deu, como ficou, é
bom.
18- D: Você mais valor. Você pensa, você revê tudo, e mais valor pros seus pais,
pra sua família.
19- T: Fiz em casa, na hora eu pensei que eu tinha que fazer alguma coisa diferente,
né? Pra escrever eu não vou fazer nada muito certinho, escrever tudo muito... eu
coloquei quadrinhos, né?! Coloquei os balõezinhos nas fotos, tudo! Fiquei
brincando com a minha história, fiquei brincando na minha infância. Eu beijando o
meu primo...
20- B: É, eu viajei legal também no meu álbum
21- S: Ah, eu fui ou perguntando pra minha mãe ou olhando as fotos. Não foi assim de
uma hora pra outra.
22- S: Eu chorei também a hora que eu tava montando o álbum.
23- S: Ah, porque a minha vida inteira, sabe, eu sou bem trancada! Eu acho mais fácil
contar de mim escrevendo do que falar.
123
24- T: Eu falo! Eu achei fácil. Eu achei fácil porque eu gosto de ficar escrevendo
falando de mim e ter a opinião de outras pessoas do meu lado. Eu gosto, sabe?! E,
mas quando deu a ideia eu não sabia muito o que fazer, mas logo que eu
cheguei em casa eu já fui olhando as fotos e já, já tive idéia na hora. Ah eu gosto de
ir escrevendo com os outros do meu lado, porque eu gosto que conversem comigo,
sabe?! Conforme eu fui escrevendo sobre a minha vida eu vou olhando e “Nossa!
Tá vendo isso daqui?! Tá vendo esse dia?! Nossa, foi muito engraçado...”.
25- Entrevistadora: Então a interação... Interagir com os colegas pra você foi ...
T: Foi mais fácil. Facilitou porque eu prefiro fazer uma coisa com várias pessoas
junto comigo comentando do que fazer sozinha, sabe?!
26- B: Ah, até que foi... Não foi tão difícil, mas também não foi super fácil. Não foi tão
fácil quando era quatro, mas eu pra ter uma ideia, que nem... Não roubar a ideia de
outra pessoa, mas sei lá... Empolga, quer dizer, ajuda. A professora também bem
aberta, dúvidas ia e tirava. Sei lá, no medo de errar alguma coisa, tirar nota
baixa...
27- S: Amadurecimento.
28- T: Também pra mim deu muito mais afeto pra minha família, que eu falei muito
mais sobre ela
29- B: Mostrar a minha realidade
30- S: Ah, eu acho que o amadurecimento que foi pra todo mundo... Eu acho que no
meu caso foi assim, foi mais uma questão de ter mais confiança
31- S: Ah, eu acho que o meu álbum fez eu ver quem eu realmente sou. Porque
antigamente eu era mais aquela garota que queria agradar todo mundo, ao invés de
querer se agradar. Agora não. Agora gosta de mim? Se gosta, [se] não gosta, eu não
tô nem aí, eu faço o que eu acho certo, e não o que os outros querem que eu faço.
32- T: Ah, eu... A maioria aqui foi muito legal pra mim, foi especial, ajudou a lembrar
coisas, né?... Ah, ajuda a lembrar coisas que você queria, a poder falar pros outros
como é que foi, o que você quer fazer. Ajudou pessoas a conseguir fazer, a abrir
mais pro mundo, ajudou várias pessoas a melhorar. Ah, é isso! Eu gostei bastante,
que eu... pra mim é importante falar sobre a minha felicidade pros outros, ver, poder
mostrar, que todo mundo pudesse ver quem eu fui, eu acho que hoje eu continuo a
mesma, que eu vou ser desse jeito pra sempre, que eu não vou mudar.
124
33- Vi: Foi fácil, porque eu não tenho muita foto mesmo.
34- Vi: Ah, pensei em uma coisa bem artesanal...
Entrevistadora: Bem artesanal?
Vi: Muito... O pessoal fazendo muito no computador, o meu ficou meio
diferente... destacou um pouco.
35- Vi: Muito... O pessoal fazendo muito no computador, o meu ficou meio
diferente... destacou um pouco.
36- M: Ah, pra mim, uma parte foi até emocionante, que eu chorei assim [em] algumas
coisas. Que nem, a minha mesmo... Eu perdi a minha vó, foi muito assim...
Difícil, porque, depois de um tempo assim, ver...
37- V: Quando eu fui pegar uma foto assim eu perguntava pra minha mãe: nossa, mãe, o
que que aconteceu aqui?!
38- Vi: No começo foi um pouco diferente. Porque geralmente a gente faz algum,
escrever algum texto, e os professores dão o tema, né? A gente nunca parou pra
pensar na gente mesmo, né? Pelo menos eu, antigamente era assim, eu nunca pensei
“Ah, o que vai ser de mim?! O que, né?”. Primeira coisa que você vai perguntar, [o
que] eu vou falar de mim? Eu não sou tão interessante assim
39- P:Ah, eu achei um pouquinho difícil, porque eu tenho um pouquinho de dificuldade
de me expressar. Aí eu tive que pensar bastante pra poder escrever sobre mim
mesma.
40- Ve: Eu acho que isso devia acontecer mais vezes. Pra dar mais liberdade pros
alunos, os alunos ficam presos...
Vi: Se conhecer mais [Incompreensível]
Quais os sentidos produzidos para o álbum? Quais posicionamentos?
O que é um álbum de família organizado no espaço escolar? O que é narrar a
própria vida? Ao identificar as recorrências que tratam do que veio a ser esta produção,
notamos mais uma vez o efeito dado pelo operador mas no posicionamento dos sujeitos.
Os sentidos produzidos para a representação do que é este álbum passa pela
ambigüidade. Na sequência “Você tenta ser, mas tem coisas que você tem que esconder por
ser seus amigos”, o sujeito deve revelar-se e esconder-se. Já em “Por que que você acha
que foi difícil?! Mas foi legal porque você conta, o dos outros, todo mundo vê, você
125
aprende, você conhece mais as pessoas que perto de vo”, a ambiguidade se na
própria experiência difícil e legal”, ou seja, entre as ordens do sofrimento e do prazer,
indicando o posicionamento do sujeito entre elas.
Entendemos, neste sentido, que houve um movimento de deslocamento do sujeito
em relação à produção escolar em que se interpela o sujeito discursivamente para que
cumpra sua tarefa sem se expor, homogeinizando-se, na medida em que outro
posicionamento indicando que um caminho para a heterogeinização.
Com as recorrências elencadas e analisadas, passamos no próximo capítulo a indicar
os sentidos produzidos para os temas que circulam pelos álbuns e a questão identitária que
os mesmos suscitam e que operam discursivamente sobre os sujeitos.
126
... E o tempo passou ...
Eu me tornei adolescente
A partir de agora
Não me deem fórmulas certas, porque não
espero acertar sempre... não me mostrem o que
esperam de mim, porque vou seguir meu
coração...
Não me façam ser quem não sou, não me
convidem a ser igual, porque sinceramente sou
diferente...
Não sei amar pela metade... não sei viver de
mentira... não sei voar de pés no chão...
Sou sempre a mesma!!
Mas com certeza não serei a mesma para
sempre
(Texto do álbum da aluna T)
127
CAPÍTULO 4
POR ENTRE BORDAS E FRONTEIRAS : PRODUZINDO SENTIDOS
Numa das frentes, a identidade escolhida e preferida é
contraposta, principalmente, às obstinadas sobras das
identidades antigas, abandonadas e abominadas, escolhidas ou
impostas no passado. Na outra frente, as pressões de outras
identidades, maquinadas e impostas (estereótipos, estigmas,
rótulos), promovidas por “forças inimigas”, são enfrentadas e
caso se vença a batalha repelidas. (BAUMAN, 2005, p.
45)
Como os alunos se posicionam em relação às representações? Quais os sentidos
produzidos para os temas do álbum? Serão sujeitos cartesianos? Pós-modernos? Em
deslocamento? Eis nossos questionamentos diante das representações que apresentamos no
capítulo anterior sobre família, amizade, eventos, corpo, álbum, futuro.
Tais perguntas nos levam a retomar os temas do álbum este capítulo em dois níveis
concomitantes.
O primeiro trata da retomada dos sentidos produzidos diante de tais representações e
dos posicionamentos assumidos em que nos valemos das considerações de Bauman (2005)
e de Woodward (2008) e a segunda traz a discussão da representação na constituição do
sujeito, de acordo com os estudos de Hall (2005).
Como discursos, os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos
quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. Para ilustrar esse
processo, Woodward (2008) discute a mídia, que nos diz como devemos ocupar uma
posição-de-sujeito particular – o adolescente “esperto”, o trabalhador em ascensão ou a mãe
sensível. Neste sentido, a produção de significados e a produção de identidades que são
posicionadas nos e pelos sistemas de representação estão estreitamente vinculadas.
Vamos, em seguida, retomar as representações e os sentidos produzidos para em
cada uma delas discutir o posicionamento dos sujeitos ora na ambivalência ora na
ambigüidade e do tipo de sujeito que se revela no processo identitário.
128
4.1 Sentidos para família (ou “A família dela é tudo. No meu caso não”)
Esta primeira questão identitária reflete o posicionamento do sujeito, sua visão
diante do que é família, ou formulado de outra forma, como ele se diante da família. Foi
o principal tema do álbum e sua análise revelou alguns pontos.
A família foi compreendida ora como o núcleo básico pai, mãe e irmãos ora
como um núcleo maior em que estão primos, tios e tias, em dois processos distintos da
união, que passa pela cerimônia do casamento, ou desunião, pais separados e filhos em
novas famílias.
Para os integrantes da família, alguns significados são estabelecidos.
Os pais foram nomeados como aqueles que representam:
união (de corpo e alma) que gera frutos, felicidade e separação( ao mesmo tempo
em que somos separados,somos muito unidos) que gera tristeza;
tudo (se dá apoio e incentivo, silêncio e palavra nos momentos certos) e nada
(quando não valoriza, não tem intimidade);
forma de aprender, os pais guiam os primeiros passos, os pais são como professores
nos ensinando
Qual a representação para os irmãos?
devem ser unidos;
devem se gostar, ainda que se odeiem;
devem compartilhar momentos bons e ruins da vida
Com a avó, estão atrelados os significados de:
paciência, porque crianças são por vezes impacientes;
apoio;
acolhimento;
história, porque nos dizem de onde viemos;
ensinamento, porque mostram as lições cotidianas como fazer pão e também as
lições de vida como a de que “quem faz (filho), deve criar”;
perda, que gera saudade e agradecimento
129
Os significados advindos pela produção do álbum revelaram sujeitos que atrelam à
família um valor fundamental. A família os constitui com os sentimentos de união, de
aprendizado, de amor, mesmo que nela haja desentendimentos e separações.
Este movimento que indica valores positivos acompanhados de sensações ou
situações não tão boas nos permite retomar a discussão de Bauman (2005) sobre a
ambivalência dos processos identitários, que pode ser observada no título desta seção A
família dela é tudo. No meu caso não”.
A identidade, na perspectiva da ambivalência, posiciona o sujeito dentro de uma
ordem que o situa ou no tudo ou no nada, em polos que definem o sujeito, que o enquadram
nesta ou naquela posição. Como o modelo de família prevalente é o de uma família
tradicional, ela é representada pela ordem do tudo e posiciona as outras famílias como da
ordem do nada.
Por outro lado, na perspectiva da ambigüidade, a identidade do sujeito torna-se
fluida, líquida. Ele se posiciona em várias ordens que podem estar em conflito sem se
definir. Esta é situação de quem disse em uma das entrevistas que “é mãe” e “não é mãe” .
De que tipo de mãe fala? Ela assume uma outra identidade quando diz que não é aquela
mãe dos cuidados, da delicadeza, mas é a mãe que consegue ser. Voltamos neste ponto a
importância do mas como operador discursivo, ele nos parece indiciar a construção da
ambigüidade nas identidades.
Ao priorizar a abordagem discursiva, Hall (1997) chama a atenção para os efeitos e
as conseqüências da representação, que considera como o processo de produção de
significados pelos discursos. Nesta visão, a representação incidirá sobre a formação ou
construção das identidades e na constituição de sujeitos.
Que sujeito(s) emerge(m) nesta produção? São sujeitos na chamada “crise de
identidade” (HALL, 2005), vistos como parte de um processo mais amplo de mudanças,
fazendo surgir novas identidades fragmentadas e levando, com isso, a uma nova concepção
de sujeito, o sujeito da pós-modernidade. Não deixamos de notar que os deslocamentos nos
processos identitários se dão por sujeitos que são perpassados por discursos tanto da
Modernidade quanto da Pós- Modernidade, como revelou a questão dos sentidos
produzidos para família.
130
4.2 Sentidos para amigos (ou “ A melhor amiga é a inimiga no. 1 hoje”)
Na segunda questão identitária, como o sujeito se diante dos amigos? Em nosso
levantamento, este tema foi também bastante recorrente, indicando ainda uma forte ligação
com o tema família.
As recorrências indicaram que amizade:
deve ser construída como uma relação familiar e seus desdobramentos, ou seja
amigos “são a família que nos permitiram escolher”. Isso implica que:
-“as amigas são irmãs de coração”, o que inclui valores como sinceridade e
verdade, então devemos amizades verdadeiras;
- deve haver união, os verdadeiros amigos “agüentam firme a barra juntos”;
- amigos podem estar próximos ou não (união ou distância), pois não dependem da
distância”
é questão de vivência, ou seja, a amizade não se explica, se vive;
é construída por identificação Você também? e desidentificação “Eu tinha um
grupo, agora já fiz outro”;
tem classificação e os amigos são “da escola” ou não;
tem tempo longo “há 12 anos” ou curto “há um ano”;
Nesta questão, os sujeitos se posicionam a partir de um ponto de vista semelhante ao
adotado para a família e constroem a idéia de que os círculos de amigos, assim com os
círculos familiares, podem ser refeitos.
Quanto à ambivalência ou ambigüidade das identidades, notamos que ser amigo se
constrói a partir de um posicionamento que leva à ambivalência, na medida em que ser
amigo ocorre dentro de certos valores ou então não se é amigo.
Se os valores que significam a amizade não mudam, não flexibilizam, entendemos
que são os sujeitos que se reposicionam, como mostra o título desta seção.. Em outras
palavras, mudou o sentido do que o sujeito entende por amizade ou mudou a relação de
amizade?
Considerando que houve momentos diferentes que estruturaram o trabalho com a
experiência didática com o álbum, notamos que, ao fazer o álbum, os alunos construíram e
131
produziram uma certa representação de si, mas retomar esse álbum permitiu um
reconhecer-se enquanto sujeito que rompe e produz sentidos, mudando neste caso a relação
de amizade. Isso nos leva a acreditar na quebra de certa linearização do sujeito. A
identidade é, assim, móvel.
4.3 Sentidos para eventos (ou “Simples, mas sincero”)
A terceira questão identitária coloca o sujeito diante de eventos socialmente
marcados, ou melhor, institucionalizados, como os aniversários, as cerimônias religiosas e
os ritos de passagem como a formatura. Por se tratar de eventos institucionalizados, vemos
neste tema novamente a relação com a família - instituição fundamental para estes sujeitos
que se reúne em tais eventos. O sujeito está aqui atrelado às estruturas sociais, como se
fosse uma segunda pele nas palavras de Hall (2005).
A recorrência destes enunciados também se atrela à tetica geral, pois ao narrar a
vida, passamos por momentos ou eventos.
Nos sentidos dados à formatura, notamos a ambigüidade do sujeito entre a ordem do
estar feliz e do estar triste:
“fim do sofrimento” - felicidade
“realização de uma etapa” - felicidade
“momento de transformação” (Deixei de brincar de boneca) – transição
“saudade” - tristeza
“deixar os amigos” – tristeza
Já os aniversários carregam sentidos fortemente circunscritos aos aspectos materiais,
mas com a indicação de deslocamento dos sujeitos para sentidos de outra ordem que
implicam simplicidade e sinceridade e, novamente, com a presença e a participação de
familiares e amigos.
4.4 Sentidos para o corpo (ou “Dá pra ver como eu mudei muito”)
A quarta questão identitária mostra o sujeito em relação ao seu corpo. Ao contrário
da construção que se na mídia sobre a importância do corpo, as recorrências não foram
numerosas.
132
O corpo foi percebido como elemento de diferença, transformação em que se ganha
mais bonita, cabelos alisados - ou perde mais gorda, cabelos a menos - considerando-
se aqui a imposição dos modelos midiáticos para padrões de beleza em que o jovem deve
ter cabelos cheios e a jovem deve ter cabelos alisados.
Por outro lado, o corpo não é elemento de transformação, é a visão da manutenção –
“Eu não mudei nada, continuo a mesma”.
Neste sentido, temos posicionamentos com amplo deslocamento: da ordem do
ganhar, do perder, do manter que são estabelecidos pelos discursos pelos quais são
atravessados e que tensionam criando um movimento de ambivalência, situando os sujeitos
em polos. Ou o corpo ganhou, ou o corpo perdeu, ou o corpo se manteve.
4.5 Sentidos para futuro (ou “Até fazer progressiva eu já fiz. O futuro já conquistei”)
Na quinta questão identitária, está o posicionamento diante do futuro, que foi
frequentemente abordado nas entrevistas, gerando várias representações. Sendo assim, o
futuro é representado a partir do sujeito se posicionando em várias ordens.
da ordem do mistério, que pertence ao plano divino, colocando-se como expectador;
da ordem da conquista, com trabalho gerando bens como casa e carro; colocando-se
como empreendedor;
da ordem do estudo em que se deve fazer faculdade e ter uma profissão, colocando-
se como alguém que tem futuro se estuda;
da ordem da distância; colocando-se como alguém que se preocupa com o que está
próximo;
da ordem da proximidade, colocando-se como alguém que alcança o futuro
rapidamente, que entende o futuro como da ordem do consumo, do material. “Até
fazer progressiva eu já fiz” é o título de nossa seção.
da ordem da incerteza, colocando-se como alguém para quem a indefinição
significa as possibilidades abertas;
Nesta questão identitária, parece ocorrer tanto o posicionamento pela ambivalência
quanto pela ambigüidade. Na ambivalência, temos posicionamentos que representam o
futuro como próximo ou distante. O futuro é o que se nomeia para o período daqui alguns
anos ou o futuro é o dia de amanhã.
133
Do posicionamento pela ambigüidade, vemos que é preciso ter os pés no
chão/sonhando com limites, mas voar/sonhar sem limites. Mais uma vez, o sujeito linear da
Modernidade convive com o sujeito móvel da Pós-Modernidade.
4.6 Sentidos para o álbum ( ou “quem eu realmente sou”)
Esta última questão identitária coloca o sujeito diante de sua vida, de sua história.
Como dispositivo pedagógico, no sentido proposto por Larrosa, que permite ao
sujeito falar de si, o álbum carrega representações sobre o que é ser narrador de sua própria
vida na escola.
Escrever sua própria história na escola foi nomeado como:
conhecimento: uma forma de conhecer a sua história e a dos outros;
revisão: uma forma de rever, olhar para trás, que discursivamente nosso olhar é
projetado para o futuro;
valorização: uma forma de valorizar suas experiências, já que pode rever fatos
marcantes;
diferenciação: uma forma de ser diferente dos outros, pois contar a própria é criar
marcações mais pessoais, por exemplo, na capa “mais artesanal”, que “o pessoal
está fazendo muito no computador”, ou seja, nossa história deve ser feita com as
nossas próprias mãos;
jogo de máscaras: uma forma de se manter entre a exposição social e a vida
privada, pois na escola “você não é a mesma pessoa que é lá fora”;
Com tais representações, é possível inferir que ser narrador da própria história,
escrever o álbum se deu na perspectiva da ambigüidade, pois o álbum foi fácil de fazer por
conta da interação com os outros, mas o álbum foi difícil de fazer por conta da avaliação
dos outros. Neste sentido, a história dos sujeitos que poderia ser da ordem da linearidade,
como muitas foram, adquiriu outros contornos, seguiu por outros caminhos que quebram
esta linearidade, mas não deixam de conviver com ela, fazendo-nos lembrar de que estamos
em um momento de transição de um paradigma da Modernidade para o paradigma da Pós-
Modernidade.
Não uma maneira de narrar-se, muitas... Não uma maneira de encarar a
aula, há muitas... Não um jeito de ser professor, muitos.... Não um sujeito,
muitos...Não deve haver monólogo, deve haver diálogo ... muitos!
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos alguns pontos para responder, mesmo que seja através de novas perguntas e
outros para fugas, resistências e tensões.
Dentre os questionamentos feitos nesta pesquisa, iniciamos com os da nossa
problematização sobre a experiência didática com o álbum autobiográfico, ou como muitas
vezes a nomeamos, a narrativa fotográfica sobre a vida.
Nossa investigação buscou identificar quais são as representações que circulam nas
narrativas, entendendo os sistemas de representação como discursos que produzem
sentidos, constituindo o sujeito e levando-o a um posicionamento identitário.
Selecionados quinze sujeitos de pesquisa através da participação na entrevista,
localizamos em suas produções cinco temas a família, a amizade, eventos, corpo, futuro.
Na entrevista, buscamos aprofundar os sentidos para o álbum, que constituiu o último tema.
Tais representações, circulantes nos textos que escreveram em forma de legendas ou
comentários ou circulantes nas imagens sob a forma de fotos ou gravuras e recortes,
perpassaram e organizaram tematicamente as narrativas, indicando como os sujeitos se
posicionam em relação a elas
.
Como discursos, os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais
os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. É por meio dos
significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e
àquilo que somos (WOODWARD, 2008, p.17).
Em uma sociedade que tornou incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e
sexuais, qual identidade escolher e [...] por quanto tempo se apegar a ela? (BAUMAN,
p.91).
Em nossa análise, observamos que há identidades que fixam os sujeitos, que se dão
em processo de ambivalência, situando-os em uma ou outra posição, o que de certo modo
os enquadra, definindo em uma ordem de ser ou em outra. Dito de outra maneira, vimos
que a família é tudo ou a família é nada. Por outro lado, identidades que não fixam o
sujeito, que se dão em processo de ambigüidade, em que o sujeito não se define, pois está
no entremeio, na borda, na fronteira do ser mãe e não ser mãe, o que se marcou
linguisticamente com o uso recorrente do operador discursivo mas.
Tanto um processo quanto outro nos fazem comprrender a identidade como um
momento de fixação do sujeito em determinado posicionamento discursivo, seja duradouro
135
ou passageiro. Como nos lembra Woodward (2008, p. 30), “somos, na verdade,
posicionados pelas diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada uma
dessas situações, representando-nos, diante dos outros, de forma diferente em cada um
desses contextos”.
Que
tipos de sujeito a prática escolar - viabilizada pela organização do álbum -
fabricou, produziu?
Considerando que houve momentos diferentes que estruturaram o trabalho com a
experiência didática com o álbum a produção em sala de aula e a entrevista dois anos
depois - notamos que, ao fazer o álbum, os alunos construíram e produziram uma certa
representação de si, mas retomar esse álbum permitiu um reconhecer-se enquanto sujeito
que rompe e produz sentidos, o que nos leva a acreditar na quebra de certa linearização do
sujeito ou na relação pré-estabelecida de causa-efeito na constituição do sujeito. Talvez
essa linearização continuasse a ocorrer, se não tivéssemos nos proposto a deslocar da
homodidática para nos heterorrelacionar, como diz Carlos Skliar (2003), se não tivéssemos
compreendido esta experiência como “experiência que nos atravessa”, no sentido
larrosiano (2002), e que constituiu o primeiro momento descrito neste estudo.
Primeiramente, podemos dizer que ocorreram muito mais interações e temas do que
poderia imaginar e que aqui resgato com a história de quem não foi sujeito de pesquisa.
Alguns sujeitos buscaram transformar a experiência em tarefa escolar e esperavam as
ordens, os encaminhamentos que os centralizassem. Seriam os sujeitos cartesianos? Outros
achavam muito estranho, por vezes dolorido, falar da própria vida. Como se (ex)por na
diversidade, na diferença diante das representações dominantes? Como contar que não tem
foto de aniversário? Que não sabe quem é o pai? Ou que o pai não é o super-herói da
mídia? Que a mãe biológica deu a uma amiga a filha para criar? Que é filha adotiva? Que
detestava futebol, sendo menino? Que foi comer bolacha recheada aos 10 anos? Que o
pai era um bruto? Era uma escolha: ficar na mesmidade, “suavizando o tom” ou sair dela e
assumir as próprias cores. Seriam estes a descrição do sujeito sociológico no qual a
internalização do exterior e a externalização do interior o constituem?
Outros, percebendo o valor de sua e de cada história pensavam nas “páginas mais
coloridas”, nas “páginas que ficaram escuras”, nas páginas em branco, como a do futuro...
Nesta zona de conflito, os conflitos eram justamente a questão mais interessante.
Colocavam em xeque as certezas sobre si e sobre a escola. Como escrever em interações
136
nas quais a professora e os colegas estivessem mais próximos, com temas tão subjetivos?
Como se não mais reconhecessem sua posição-sujeito em sala, surgiram outros momentos
de questionamentos, decorrentes das incertezas do caminho a ser seguido no momento de
narrar a própria vida junto com tantos outros.
Como eram os próprios pais, como eram os pais dos outros? E se o pai tivesse sido
ausente por conta do alcoolismo? E quando a mãe biológica entrega a filha para que uma
amiga crie? Na relação pai e mãe, como entender a agressão física? Crescer vendo o pai
agredir fisicamente a mãe gera que tipo de posicionamento? Quem estaria no álbum?
Com os irmãos, qual a estratégia de representação? Posicionar-se como o mais
velho, o do meio ou o caçula? Posicioná-lo como o grande companheiro de aventuras?
Como aquele que veio para disputar espaço de atenção? Ou seria aquele que apareceu
depois, em outro relacionamento?
Quem eram os amigos? Aqueles com os quais estudaram a vida toda, desde o
parquinho? Aquele que surgiu depois, na adolescência? Amigos passados ou os do
presente?
Sobre si mesmos, qual a regra para a vida? O jovem deve hoje viver sob o lema do
carpe diem, como se este segundo fosse o último. Devem pensar no dia de hoje e no
futuro imediato? Ou estaria tudo pré-fabricado por nossos modelos culturais e pela mídia.
Ao olhar para avós, imigrantes e lavradores, pessoas mais simples, é melhor seguir dos
mais antigos e ter os pés no chão, valorizando o estudo que não tiveram?
Quem já teve namorado (a)? Seria o amor para toda vida? A pessoa ideal? O
príncipe? A princesa? Ou seriam os dois, em uma época em que se tem mais abertura para
exercitar novas formas de sexualidade? O que significou o primeiro beijo? Sobre o prazer
ou a sexualidade, mais interdições que confissões.
Sobre o que aqueles sujeitos escreveriam?
Para constituírem a narrativa de sua própria viagem, foi visível a influência do
tradicional álbum de família sugerida pelo projeto que orientou a experiência e pela própria.
A avó, o cachorro, a escolinha, a festa junina”. Começar pelo começo mesmo, passado tão
recente, onde estão a “vó” e o “vô”, o primeiro animalzinho de estimação, as primeiras
festinhas de aniversário.
Além disso, é importante notar que se no primeiro momento da experiência, o
álbum foi considerado como gênero, dentro da proposta dos PCNs, no segundo momento,
137
da teorização, revelou-se muito mais um dispositivo pedagógico, que permitiu ao sujeito,
discursivamente, pensar sobre si. Olhar para o álbum foi olhar para si mesmo, no sentido
dado por Larrosa
Deste modo, realizada a pesquisa, qual o efeito desta experiência para se repensar a
prática pedagógica? Como as práticas pedagógicas operam na constituição do sujeito?
Partimos do pressuposto de que a prática pedagógica mobiliza condutas, não
havendo neutralidade e sim posicionamentos e, reconhecemos, formas de condução na
relação professor-aluno.
A produção deste álbum começou por aprender conteúdos e se mostrou certamente
mobilizador de condutas, sem contudo deixar de se revelar como dispositivo pedagógico
que permite ao sujeito falar de si, mesmo que regulado por uma prática pedagógica.
Entendemos que a história destes sujeitos da Educação pode ser um caminho que
mostre ao outro sujeito envolvido, o professor, do que é constituído este sujeito-aluno, por
quais práticas discursivas e sociais é atravessado e de que maneira isso pode subsidiar uma
outra prática pedagógica mais sensível, seja em termos de cultura e valorização de outras
identidades, seja em termos curriculares e a indicação de outros caminhos a serem
percorridos que não os tradicionais, que não aquele em que alunos e professores encaram-se
como alienígenas em sala de aula.
Essas narrativas permitiram entender melhor nossos tantos cotidianos, com o escolar
entre eles, com suas diversas expressões culturais, tanto porque evidenciam o que o sujeito
pode ou deve ser, como porque permitem nos aproximar das tantas redes de significado em
jogo, quando se fazem narrativas com esta.
Para isso, tivemos de considerar a fluidez do mundo contemporâneo, que é tão
distinta do momento em que nasce a instituição escolar contando formar um sujeito
habilidoso, e voltar a um dos pressupostos muito implícito desta pesquisa que é pensar
sobre os sujeitos que a Escola está fabricando. Que tipo de sujeito está sendo produzido?
Como querer pensar em objetividades diante de um panorama como o da pós-modernidade
no qual a multiplicidade e o deslocamento de identidades é uma característica
preponderante?
Mudar a prática pedagógica - trazendo com a organização do álbum novas formas
de leitura e escrita para dentro da escola - era tentar pensar em outros sujeitos.
138
Sem certezas sobre os sujeitos desta experiência, vivenciamos o que escreveu
Bauman a incompletude, mas que através da pesquisa permitiu-nos ao menos
visualizar algumas identidades em relação à vida e seus temas.
Na perspectiva analítico-discursiva adotada, concluímos que para a compreensão
que o sujeito tem de si, a ênfase está na constituição dos sentidos que conferimos à nossa
experiência de estar no mundo.
Em outro momento, vimos com Hall (2005) e Foucault (2000) que, para a formação
das nossas identidades, contribui não apenas o que dizemos ou pensamos que somos, mas
os diversos discursos sobre nós que, além de nos “representar”, nos intimam a ser da forma
como dizem que somos. As identidades resultariam das diferentes identificações ou
posicionamentos que adotamos e procuramos “vivenciar” como se viessem de “dentro”,
mas que são, sem dúvida, ocasionados por uma mistura especial de circunstâncias,
sentimentos, histórias, etc
Ao mesmo tempo em que reproduzimos o que aprendemos com as outras gerações,
vamos criando, todo dia, novas formas de ser e fazer que, “mascaradas”, vão se integrando
aos nossos contextos e ao nosso corpo, antes de serem apropriadas e postas para consumo,
ou se acumulem e mudem.
São processos de produção de significados pelos discursos, que agem por princípios
com inclusão e exclusão, de identificação ou desidentificação e assim a constituição deste
sujeito nas narrativas mostrou que a significação se ora pela ambivalência, ou diferença
como explica Woodward, ou pela ambigüidade.
Na ambivalência, o sujeito não está entre duas opções, está em um pólo, podendo
ser membro de uma família e isso ser felicidade ou ser tristeza, ser tudo ou nada. na
ambigüidade, a contradição é fortemente operada pelo conectivo “mas” que une e revela
dois significados contraditórios nos quais este eu pode ser ao mesmo tempo feliz e triste
na formatura. A identidade é móvel, é um momento (será instante?) de fixação.
Os sujeitos, em toda a sua complexidade de seres sociais, com interesses,
necessidades, anseios e expectativas particulares (verdadeiras intenções subjacentes),
produzem sentido e constroem vida (CORACINI, 1991, p. 181), seja na ambivalência ou na
ambigüidade.
Sem conclusões definitivas, até para mantermos a identidade desta pesquisa no
paradigma da Pós-Modernidade, registramos aqui algumas de nossas inquietações sobre a
139
sala de aula e entendemos ser fundamental para continuidade de nossos estudos a
investigação da constituição do eu, em uma pesquisa situada na perspectiva foucaultiana
das tecnologias do eu e da escrita de si.
140
Fale menos e faça mais.
O sonho nos dá o que a vida nos nega.
“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”
As grandes ideias do mundo começam com pequenas compreensões
O mundo é feito de escolhas, cada um faz a sua.
Hoje!! Amanhã...??
As pessoas que realmente nos amam sempre estão ao nosso lado.
Toda vida é feita de sonhos.
A arte de viver é a arte de ser feliz.
Curta cada minuto, pois ele poder ser o último.
Por que o mundo está assim tão desigual?
Uma vida, uma oportunidade.
Eu queria que o planeta fosse preservado.
O mundo que a gente quer depende do que a gente faz.
Não deixe para fazer amanhã o que se pode fazer hoje.
Chega de falsidade. Viva a amizade!
Eu quero fazer da vida um toque de música.
O que você significa no mundo?
Eu valorizo as coisas simples da vida.
O homem aprendeu a dominar quando apenas poderia conviver.
Viva a vida intensamente!
Curta a vida, pois a vida é curta!
É preciso aproveitar os altos e baixos.
Diga não às drogas!
Viva a vida, pois ela é curta para não deixar de ser curtida!
A violência não vale a pena.
Faça o que eu faço não o que penso.
Viva o hoje, porque amanhã só pertence a Deus.
Viva cada minuto intensamente como se fosse o último.
Ama quem te ama e não quem te sorri, porque quem te sorri não te
ama
Eu quero amar, assim como também ser correspondida.
Corra atrás, não espere cair do céu.
Eu amo minha vida, pois ela é você!
Acredite em si mesmo.
Se amar é viver, vivo porque amo a vida.
Seja feliz, viva a vida!
Nas horas difíceis, você deve levantar a cabeça, estufar o peito, olhar
adiante e de boca cheia dizer: Agora ferrou tudo!
Tudo que fizer, faça com amor.
Chega de violência.
Chega de blá blá blá.
(frases escritas por alguns alunos ao término do álbum)
141
BIBLIOGRAFIA
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145
ANEXO
ENTREVISTA 1- realizada na Biblioteca da EE Dr. Coriolano Burgos no dia 4 de
novembro de 2009.
Entrevistadora: Bem, eu estou na primeira rodada de entrevistas, aqui na biblioteca da
escola. Estou com as alunas T, C, A e F. A entrevista vai ser bem informal, nós vamos
bater um papo sobre a organização dos álbuns e vocês vão responder a uma pergunta bem
geral, que é O que significou fazer esse álbum?” O que esse álbum lembra? Como foi
organizar essa experiência?
Entrevistadora: Vocês podem falar aquilo que vocês estão pensando, o que vocês
estão olhando... Como é que foi escrever, o que significou fazer o álbum, considerando que
estavam dentro da escola. O que vocês pensaram pra organizar? Vocês podem falar
livremente aquilo que vocês sentiram, aquilo que foi importante, como é que foi fazer?
[pausa]
Entrevistadora: TM, vamos começar?
TM: Vamos.
Entrevistadora: Então, me conta um pouquinho. O que foi fazer o álbum pra você?
TM: Ah, foi uma experiência muito boa. Eu coloquei no álbum uma retrospectiva da
minha vida. Fui pensando tudo que, desde a época do nascimento, nascimento de irmão, e
fui colocando lá. A minha melhor amiga, que agora não é mais a melhor amiga, [que]
mudou, e... e é isso, fui fazendo assim, pensando no que, como aconteceu tudo, nascimento
meu, nascimento de irmão, coloquei até a pessoa, as pessoas que eu mais gostava, cachorro,
gato...
C: E pra você ver que com o tempo as coisas mudam, (...), a gente viu que muita
coisa que a gente falou que praticamente já mudou quase tudo. Entendeu?
Entrevistadora: Você poderia dizer o que você percebeu que mudou, C?
C: Em relação às amizades. As amizades que a gente tinha aqui, a gente colocou, hoje
em dia não são quase as mesmas, não sei, a consideração por alguns não é a mesma.
Entendeu? Uns aumentou, outros diminuiu, mas é uma coisa que deu pra perceber bastante
aqui nesse álbum.
A: Ah, achei que foi legal. Achei legal, mas... O que...
Entrevistadora: Pode falar, A.
A: É que eu não sei...
Entrevistadora: Pode olhar. Você lembra como foi fazer o álbum, que dificuldade
você teve, como foi fazer o álbum?
A: Ah, eu achei legal, porque, tipo...não sei se tem a ver assim...
Entrevistadora: Pode falar.
A: Ah, comecei a lembrar assim das pessoas
Entrevistadora: E aí, F, como foi fazer o álbum?
F: Ah, eu comecei fazer de um jeito e acabei de outro. Mas foi legal. [risos]
146
Entrevistadora: E como que foi esse jeito, pra entrar de um jeito e fazer de outro?
F: Ah, eu pensei em colocar assim por parte, sabe? Por ano, desde o meu nascimento,
depois o primeiro dia na escola, por exemplo, meu batizado, sei lá. Mas daí acabou que eu
fui colocando mais assim, por tópicos mesmo, sabe? Assim, amizades, minha primeira
comunhão, meu batizado, tem até exame da minha mãe. Foi uma coisa que eu fiquei
surpreendida mesmo assim, mudou mesmo, né? Eu nem lembrava que eu queria ser
professora de inglês na época!
[risos]
Entrevistadora: É porque vocês estão olhando o álbum agora um tempo depois e
nesse tempo ...
F: Um “grande” tempo depois, né?
Entrevistadora: É.
TM: Nesse tempo deu tempo até de eu ter filho.
Entrevistadora: É, de se tornar mãe.
TM: Gente do céu!
Entrevistadora: Você não pensou que você queria ser tudo isso?
F: É, não, sabe... Que eu queria ser bastante coisa eu lembrava, sabe? Mas, nossa! Eu
fiquei surpreendida mesmo, ai, que na hora... ser professora de inglês, nossa, surpreendeu
mesmo. E essa questão aí de amizade, realmente, né? É que a gente pára pra pensar. Vai
confiar muito na pessoa? A gente não sabe até quando que a gente vai tá com ela.
E outra, tantas pessoas que a gente tem pra conhecer aí, daí que a gente se toca que
naquela época a gente era nova e a gente ainda continua sendo muito nova.
E muitas pessoas entraram na nossa vida e não tão aqui, entendeu? Muitos amigos
que entraram, algumas pessoas que entraram na nossa vida que não estão aqui. E a gente
queria por, entendeu? Então, com o tempo, muita coisa muda realmente.
Entrevistadora: É, se fosse pra fazer um outro álbum, por exemplo, né?
F: É, muitas pessoas tinham entrado e essas que estão aqui tinham saído, entendeu?
Mesmo a qualidade, né? Olha isso.
Entrevistadora: E folheando um pouco o álbum assim, o que pra falar em termos
de escrever sobre si dentro da escola? Eu queria que vocês falassem um pouquinho dessa
experiência. Normalmente, dentro da escola, vocês fazem algumas atividades, né? Todo
mundo conhece, sabe, imagina ou passou. O que foi fazer o álbum, escrever sobre si,
dentro da escola?
[pausa]
Entrevistadora: Vocês lembram de vocês no primeiro ano, em 2007? A proposta de
vir, escrever um álbum, contar de si, contar da família, colocar os amigos...Como é que foi
essa questão de fazer um álbum tão pessoal dentro da escola? Como é que vocês viram essa
questão?
F: Sabe, eu fui começar por causa das fotos, sabe?
Entrevistadora: Por causa das fotos?
F: É, não por entregar o álbum com as fotos pra você, mas eu falo assim, no caso
assim, ah, porque tem umas fotos aqui, por exemplo, que na época eu não queria que
147
ninguém me visse. É falar o que é verdade, sabe? Hoje não me importo. Mas, por
exemplo, olha isso aqui.
Entrevistadora: Pode falar. Qual que é a foto que você...
F: Não, eu gosto de todas, mas dá pra ver como eu mudei muito, né? Nossa, eu fiquei
bem mais bonita agora, né? Dá até... [risos]
[risos]
F: A gente fica até mais feliz de olhar. A gente fica mais feliz também, por exemplo,
no meu caso, olha os meus aniversários, tudo cheio de gente, sabe?! Eu lembro. A gente
começa a lembrar de coisas, de gente assim, da família sempre unida, sabe? Aqui atrás
pra ver, sabe? O meu aqui, na época que eu fiz o álbum ele era falecido, mas nunca,
sabe, o pouquíssimo tempo que eu vivi com ele, eu não tenho lembrança dele, sabe? Então
eu acho que é onde a gente passa a ver também assim, com cada pessoa, como a gente se
une a ela, sabe? O jeito que a gente confia nela. É tudo diferente. Cada pessoa é uma pessoa
diferente na sua vida. Por exemplo, eu com a C, eu posso ver a C de um jeito, mas a T com
certeza ela de outro. Sabe? Por mais que eu conheça ela, não sei, eu não conheço, né,
mas [conheço] mais tempo que a T, por mais que quando a gente era mais nova a gente
já tivesse quase se matado já...
[risos]
F: Mas é tudo coisa que realmente, a gente vai mudando assim, mas com todos, sabe?
E, em relação a escrever também, sobre a gente, assim, por mais que o que acontecia na
época, foi uma coisa que não ficava só aqui dentro da escola. Quando a gente ia em casa,
quando chegava à noite, eu ficava lá, no álbum pesquisando as coisas. Pedindo pra
minha mãe, separando mais algumas fotos pra ajudar. Então acho que, também pude
escrever sobre poemas, né, que eu mais gosto... Então [foi] uma experiência boa... música...
Porque, na realidade, a gente não contou sobre a nossa vida, a gente contou sobre os
nossos gostos, nossos interesses. Com ele, as pessoas podem ver do que a gente mais gosta,
a pessoa pode conhecer bem a gente.
Entrevistadora: E aí, T, C, como que foi escrever de si dentro da escola?
TM: Difícil, viu?
Entrevistadora: Difícil?
TM: Mas foi gostoso. Ao mesmo tempo [que foi] difícil, foi gostoso. Que a gente
pôde trazer essas coisas de dentro de casa pra escola. Pra todo mundo conhecer um pouco
da gente mesmo, entendeu? Conhecer um pouco da nossa vida, como que a gente cresceu,
tudo. Eu gostei de ter feito o álbum. Foi uma experiência muito boa na minha vida, que eu
sempre vou guardar pra mim. Esse álbum, eu nunca vou desmanchar, as fotos sempre vão
ficar aqui, que eu quero guardar pra sempre esse álbum. O quanto que eu puder.
Entrevistadora: Tem alguma coisa especificamente no álbum que você poderia
destacar?
TM: Ah, não. Pra mim foi tudo. Tudo que eu fiz eu gostei, tanto que todas as fotos
que eu coloquei eu gostei. Pra mim, eu acho que mostrou bastante a minha vida, como que
foi que eu cresci...
148
Entrevistadora: E o processo de escrever foi também... Como foi escrever... de si na
escola?
[pausa]
Entrevistadora: Foi tranqüilo? Como é que foi?
TM: Ah!
Entrevistadora: Só organizar a experiência e escrever?
TM: É, as fotos ajudaram bastante, né? Você lembrar de certas coisas que você pode
colocar o seu ponto de vista, né? Que o que ajudou mesmo foi as fotos, porque a minha
memória... [risos] não ia ajudar em nada.
C: É, se fosse pra escrever sem as fotos, não ia ser do jeito que foi.
Entrevistadora: As fotos foram fundamentais?
C: Foi. [pausa]. É, então. Se a senhora tivesse pedido pra gente fazer uma atividade só
relatando a nossa vida, nem que fosse, por exemplo, um livro da nossa vida, a gente ia ter
que olhar foto. Não ia ter como escapar, sabe? Ou até mesmo falar com nossos familiares.
Falar com amigos dessa época, que s tivemos, né? Ia ter que ter todo esse mesmo
processo, sabe?
Entrevistadora: E a TM , falou que foi difícil. Por que, TM?
TM: Ah, não é que foi difícil, é difícil falar de você. De você é difícil, imagina
falar das outras pessoas. Que nem, amigo mesmo, que tem no álbum, você lembra que eu
era grudada 24 horas por dia. Hoje ela não olha nem na minha cara. Sabe, a coisa que mais
dói mesmo.
Entrevistadora: É, essas mudanças, elas são...
C: Foram muito grandes essas mudanças daquele tempo pra cá.
Entrevistadora: É, fazem parte do processo, né? Porque a gente vai crescendo e a vida
vai se transformando. Não é isso?
F: Ah, minha mãe sempre fala, que é todo mundo, todo tempo mudando. E aqui a
gente vê, né? Tem gente aqui que se eu pudesse, viu?
[risos]
T: Eu juro por Deus, viu?!
[risos]
Entrevistadora: E aí, a A não falou nada. Como foi fazer o álbum?
A: Ah, foi meio complicado.
Entrevistadora: Você achou complicado. Então, conta pra gente por que foi
complicado pra você.
A: Ah, porque eu não sabia escrever direito, sabe?
Entrevistadora: Você teve dificuldade em escrever e saber o que escrever. É isso?
A: É, é isso. Ah, professora...
Entrevistadora: E o que chamou a tua atenção na hora de fazer o álbum?
[pausa]
A: Que chamou a atenção?
Entrevistadora: É. Que você de repente tenha gostado mais...
A: Ah...
149
Entrevistadora: De escrever...
A: De quando eu era criança.
Entrevistadora: De quando você era criança?
A: Cada coisa que eu não lembrava que eu fazia, e daí você lembra, nossa!
Entrevistadora: Tem algum exemplo aí que você possa olhar e falar pra gente?
A: Ah, eu não sei isso...Um que eu escrevi, não sei se eu colei no álbum...
Entrevistadora: Hum.
[pausa]
Entrevistadora: O que foi?
A: Quando eu era criança. Eu não sei se eu pulei uma ordem.... [pausa]. Olha lá.
Entrevistadora: Conta pra gente.
A: Eu e a minha prima, no parque, ficava construindo... É, não construindo; pegava
areia e ficava enchendo. passava, não sei o que passava, se era aviãozinho, não sei.
Passava no céu e a gente queria pegar ele no monte de areia. A gente pensava em chegar até
lá em cima mesmo. [risos]
[risos]
Entrevistadora: Que foi uma cena que acabou marcando aí? E você quis registrar no
álbum, né?
A: Hum, hum.
Entrevistadora: Tá certo.
F: É, vofalou pra gente falar de alguma aventura, né? Eu tô vendo aqui essa foto
aqui. super chique nesse dia. Sem falar que é verdade, né? Hoje em dia, a gente
percebe a diferença de você ter uma mera daquele tempo, né, quando você era por
exemplo, mais nova. Você não ia em qualquer lugar e levava a sua câmera assim, ficava
mirando, né? [risos]
[risos]
Hoje em dia não. Você mesma vai em qualquer lugar, vai lá e se mira, em qualquer
lugar que tiver, em qualquer lugar, sabe? Nós, lá no Rio Bravo mesmo, sabe, quase
estragando a câmera, mas pode ir e tirar foto. Então, por exemplo, pra mim lembrar uma
aventura que aconteceu quando eu era mais nova, nossa, foi muito complicado pra mim,
sabe?
Entrevistadora: Eu queria saber se vocês têm mais alguma coisa assim, que vocês se
lembram bem no primeiro colegial, pra fazer as aulas todas, a interação com os colegas,
alguma coisa que chamou a atenção... Coisas que facilitaram e dificultaram... Se tem
alguma coisa específica que vocês lembram aí.
F: Ah, que ficou bem, por exemplo, eu com a C, a gente teve uma infância juntas
assim, né? Desde que a gente entrou. A gente estudava no Sesi juntas; o Ensino
Fundamental a gente estou praticamente todo juntas, né? Nós quase se matamos, né?
C: Nós fazia junto.
F: Então, essa daí foi uma parte que foi bem fácil, né? Assim, eu trazia às vezes as
fotos, eu lembrava de algum fato que ela não se lembrava. Que, [por exemplo], eu dizia que
quem descobriu o Brasil foi Antony Garotinho e ela não se lembra disso. E uma coisa que
150
dificultou também, igual eu falei, né? Tinha coisa que eu acho que tinha gente que se
visse era aquele vudu, sabe? Teve coisas que eu acho que me deixou assim um pouco presa.
Tanto é que a maior parte eu fiz mais em casa mesmo, sabe?
Entrevistadora: Não quis fazer em sala?
F: É, assim, os textos eu fui preparando, sabe, eu fui pensando, mas aqui eu tava
vendo aqui atrás, tem poema que eu vi na televisão, sabe? Isso aqui, era tudo coisa que eu
pegava em novela, sabe? Então, eu gravava a novela, na hora que falava um poeminha
bonitinho eu ia voltava a cena, ficava escutando e escrevendo. Eu chegava aqui e
simplesmente “ah, onde que eu vou colocar isso no álbum”? É a única coisa. Fotos eu
cheguei a trazer? Cheguei. Mas teve umas que eu não trouxe, não. Que daí eu acabei
colocando depois lá em casa mesmo.
Entrevistadora: Daí, nesse sentido que você está falando, uma coisa que dificultou
foram alguns colegas em sala?
F: Não, não é colegas em sala. Eu acho assim, que tinha coisa lá que na época eu não
queria que ninguém visse ou saber. Sabe, eu queria viver eu mesma, não queria a opinião
de ninguém, se tava certo, se tava errado, se isso ia me fazer bem ou não ia. Sabe, eu queria
viver aquele momento, e eu realmente vivi. Durante um bom tempo eu vivi coisas muito
boas que começaram naquela época. Hoje não tô mais? Não, mas eu posso olhar pra frente
e falar “eu fiz o que eu queria, era”. Ninguém me deu opinião do que eu devia fazer.
Sabe, eu sempre fui muito liberal, eu acho assim, eu quero me envolver na hora.
Entrevistadora: E você acha que o álbum está refletindo essa sua liberdade?
TM: Sim.
Entrevistadora: Hum, hum.
TM: É.
Entrevistadora: A A já teve... Nesse sentido a A não tinha... Como é que foi sua
interação com os colegas na sala?
A: Era meio [incompreensível]. [risos]. Antes de vir pra cá, eu tava falando, já...
[risos].
Entrevistadora: Você acha que você ficou mais sozinha na hora de fazer o álbum?
Ah! [pausa] Um pouco.
Entrevistadora: A interação podia ter sido maior.
A: É.
Entrevistadora: Pra C e pra T, como é que foi a interação? Foi boa, ajudou...facilitou
alguma coisa?
TM: Ah, facilitou. Era sempre um auê na hora que começava a aula, era risada.
Olhar palhaçada de um, olhar palhaçada de outro. Cada foto, uma mais ridícula que a outra.
foi cada mico, já. A gente já pagou cada uma. Não! Olha isso aqui. Peraí, deixa eu
ver. É que tem umas coisas aqui que a gente para...
É muito engraçado.
Eu aqui, olha.
Muito engraçado.
Olha a coroa que eu coloquei na cabeça.
151
[risos]
É que na época, isso daí a gente sabe... Era uma brincadeira. Hoje você vai falar “não
acredito que eu fiz uma coisa dessa”.
Era tonto mesmo, sabe?
[risos]
Entrevistadora: Mas ficou o registro aí, né?
Essas palhaçadas... vou falar uma coisa!
Eu sempre puxei essas coisas, sabe?
Quando que eu ia montar num carneirinho colorido?
[risos]
E olha que eu montei num carneirinho colorido quando eu era pequena. Pelo amor de
Deus!
Sabe, é uma coisa...
Hoje eu tenho até medo de cavalo. Imagine montar num carneirinho.
[risos]
Entrevistadora: Mas está lá registrado no álbum.
E eu nunca montei num cavalo, depois do álbum montei, já. Com medo, mas
montei.
Entrevistadora: Tá certo, então, gente. Tem mais alguma coisa que vocês queiram
falar sobre essa experiência assim, particularmente o que significou? Já disseram tudo? O
que vocês acham? É isso que vocês querem deixar registrado? Tem alguma coisa que vocês
querem acrescentar?
[pausa]
Entrevistadora: Então, a principal questão, pelo que eu entendi do grupo aqui, foi que
vocês perceberam uma grande mudança, especialmente em relação a amizades.
A amizades.
Entrevistadora: É isso?
TM: Até pensamentos que hoje... Antes, no primeiro colegial, eu jurava que ia cursar
faculdade de ciências biológicas; hoje eu falo que eu quero estudar engenharia de produção.
É, no meu caso...
TM: São pensamentos diferentes, entende? No meu caso, o futuro eu vi que não
mudou, né? É, mas eu sou assim mesmo, sabe? Quando eu coloco uma coisa na cabeça eu
vou. Aí se der certo, se der errado, depois eu vejo, mas eu vou. Mas em relação a amizades,
realmente, a gente que é complicado. Uma coisa que eu imaginava de ser professora de
biologia, [mas] hoje com a consciência que eu tenho... Um aluno falou que não vai fazer
atividade... Não tenta... A maioria deles não quer nem tentar. Sabe?
[risos]
TM: Que nem, a gente foi na faculdade ver, ele falou a diferença de um engenheiro e
um gestor. Eu, pelo menos, eu não quero que as pessoas mandem em mim, entende? Se eu
vou cursar uma coisa, eu quero que você faça desse jeito. O gestor que faça. Eu não quero
ser o gestor. Se fosse pra ser mandado, ser burro de carga, eu... Aliás, todo mundo é, né?
152
Querendo ou não, a vida é desse jeito. Mas esse é um pensamento que eu nunca imaginei
ser mãe com 16 anos.
Entrevistadora: E foi uma experiência que acabou atravessando aí, né?
TM: Foi. Hoje eu encaro assim: a Gabriela pra mim... Eu não me vejo como mãe.
Nem que queira falar pra mim “ah, voé uma mãe”. Eu não me vejo assim. A Gabriela
pra mim é mais uma irdo que filha. Não é que nem minha mãe fala assim “T, você tem
que ver que você é mãe agora”. Mas eu... não é assim, eu não enxergo desse jeito, sabe?
Aquele cuidadinho, sempre fui bem relaxada, sempre do mesmo jeito, estouradona, eu sou
assim, não adianta, eu não vou conseguir mudar...
Entrevistadora: E a maternidade não aparece aí no álbum, né?
TM: Não, não aparece. No final do ano eu tava grávida, sabe? Mas eu não sabia.
Entrevistadora: Mas é bom você fazer esse relato aí. Conta que é uma experiência que
está também, que quando você olha pro álbum agora você se vê, e talvez não se veja
mãe, se veja mais irmã. Porque é isso mesmo que a gente está discutindo na pesquisa, né?
No final, a gente vai passando por identidades, né? Mais amiga, menos amiga, uma
professora de inglês ou uma professora de ciências.
TM: A melhor amiga que eu coloco no álbum é inimiga número 1 de hoje.
Entrevistadora: Justamente. E por que você acha que isso acontece, essas mudanças?
TM: Com o passar do tempo, no final da obra eu disse que “o futuro a Deus
pertence”.
E realmente...A Deus pertence mesmo. Se não fosse assim, eu tinha me matado
muito tempo atrás. Mas acho que foi isso mesmo que eu tenho pra falar. Foi uma coisa
muito legal de se fazer, muito, muito, muito.
Entrevistadora: E ai, C, palavras finais...
C: Ah, eu gostei muito da experiência, pra mim foi uma experiência inesquecível. E é
isso. Pelo menos eu aprendi mesmo que muitas coisas no mundo, principalmente a vida
assim... As amizades, pra mim o maior foi as amizades, [que] mudaram muito assim.
Pessoas novas entraram, pessoas que estava aqui, dona, que eu não quero nem ver mais na
frente, entendeu? Pra mim, o que mais chamou a atenção foram as amizades.
Entrevistadora: E aí, A ? Palavras finais...
A: Ah, eu achei legal a gente fazer o álbum. Aquela coisa que eu não lembrava que eu
fazia.
Entrevistadora: Foi um momento pra relembrar?
A: Foi.
Entrevistadora: F ? .
F: Ah, eu acho que, realmente, tudo é transformação, tudo é mudança. Mas vai ver
também, muitas coisas mudam por fora, mas por dentro tem coisa que permanece. E que se
a gente sonhar, persistir, a gente consegue realmente chegar lá. Eu tô vendo por esse álbum
aqui que se for depender dos outros a gente não chega a lugar nenhum. Mas se depender da
gente mesmo, da nossa força de vontade, com certeza, o futuro a Deus pertence.
[risos]
153
F: E com certeza uma coisa muito boa esperando a gente, sempre. Por mais que
tenha dificuldade passando agora, amanhã vai ser uma coisa boa, com certeza. Porque isso
faz parte da vida né? Ah, agora eu lembrei que a dona Valéria chegou a perguntar se,
imaginando um parque de diversão, como você imaginaria a sua vida como um brinquedo.
Eu lembro que eu respondi que era uma montanha russa. Porque tinha hora que tava de
cabeça pra baixo, depois tava de cabeça pra cima, depois de cabeça pra baixo de novo, e
é isso aí. Mas eu acho que quando chegar no final do trilho a gente vai ver que a gente
chegou lá, sabe? A gente vai sempre chegar aonde a gente quer. Porque isso vai dentro
da gente, não vai tá dentro de outra pessoa.
TM: Olha, eu juro que se ela fizesse essa pergunta um ano atrás eu falava que eu tava
num elevador. Eu tava descendo, descendo, descendo, descendo. Porque agora ela na
montanha russa, a vida é feita de altos e baixos. Não é verdade? Um dia você tá bem, outro
dia você não tá bem. Nada como um dia após o outro, não é verdade?
F: Mas tem que saber viver, né? Minha mãe que anda falando muito isso pra mim,
sabe? Tem que saber, tem que saber controlar as coisas, porque a vida é assim. Coisas vêm,
coisas vão. Mas as pessoas [que] realmente queira, que você realmente queira que
permaneça com você, que realmente vão te fazer bem, com certeza elas vão ficar. Porque o
seu bem vai permanecer. Vopode reparar nisso. As coisas passam? Passam. Tudo vai
passar. Mas também, as que ficarem com você são as melhores. É isso.
Entrevistadora: Muito bom. A gente está encerrando a primeira rodada de entrevista,
agradeço às meninas. Muito obrigada.
154
ENTREVISTA 2- mesmo local, mesmo dia
Entrevistadora: Bem, eu estou na segunda rodada de entrevistas aqui na biblioteca da
escola. Estou com a AC , o D, a J e a L. E a pergunta que eu vou fazer pra eles, eles vão
responder agora, é contar um pouco como foi fazer esse álbum. O que significou, o que
vocês lembram, contar um pouquinho desse processo, da organização e da escrita do álbum.
Vou deixar vocês falarem, enquanto vocês vão olhando aí as imagens, as fotos, os trechos.
[pausa]
Entrevistadora: Quem começa?
[pausa]
Entrevistadora: Se alguém começar, fica mais fácil.
[pausa]
Quem começa?
Vai, D. Pode começar. Você é homem.
[risos]
Entrevistadora: Vocês podem ir olhando o álbum...
Vai, C.
Pode começar, D. Os homens primeiro hoje.
Entrevistadora: Eu vou repetir a pergunta que vocês podem começar a falar, né?
Queria que vocês contassem ... a percepção de vocês, a impressão, a opinião... O que foi
fazer esse álbum, como é foi essa experiência. Se vocês fossem contar pra alguém... “olha,
[quando] eu tava no primeiro colegial, a professora propôs a organização de um álbum”...
Como foi essa experiência? O que vocês poderiam falar pra essa pessoa?
[pausa]
A: Ah, foi interessante. Porque a gente pôde rever vários momentos que ficaram
guardados, né? Porque, não é toda vez que a gente pega pra ver um álbum assim, de fotos
antigas, e começa a lembrar tudo que passou já.
L: Pode falar junto?
Entrevistadora: Sim.
L: É, porque assim... Até quando eu fui fazer meu álbum, eu acabei sentando com a
minha mãe, revendo as coisas, contando histórias que eu sabia, o que eu não sabia. Você
vai entendendo as coisas, as fotos... porque que foi tirada aquelas fotos. Porque aquele
momento registrado, o que que aconteceu. Você acaba conhecendo mais a sua vida, coisa
que se não tivesse o álbum você não teria interesse. Quando que você ia sentar com a sua
mãe, pegar um álbum de foto, e pensar em ver essa foto, esse dia aconteceu isso, esse dia
aconteceu isso... Sabe, aprender mais, saber o que aconteceu quando você era criança.
Coisas que você não lembra, coisas que você não sabia. E às vezes nem tempo você tem pra
parar com a sua mãe e conversar.
Entrevistadora: Tem alguma foto, assim, especificamente, que você lembra que,
enfim, nesse encontro com a sua mãe... ?
[risos] Do meu batizado.
Entrevistadora: Do seu batizado? Conta um pouquinho o que aconteceu.
155
L: Ela conta que eu chorei muito. Muito. Eu não parei de chorar desde a hora que
entrei na igreja. A hora que eu saí da igreja, aí eu parei. Mas eu chorei muito. É pra mim foi
normal.
[pausa]
Entrevistadora: E aí, como foi fazer o álbum?
Ah, foi bom, né? Porque a gente foi buscar coisas que tava lá no fundo, coisas que
tava guardada assim. Que, nossa, [foi] uma grande revelação, entendeu? Grande revelação
mesmo.
Entrevistadora: Tem algum momento em que você fala “nossa, essa foi revelação
mesmo”?
Ah!
[pausa]
Entrevistadora: São as fotos de infância...?
Foto de infância. Nossa, umas histórias assim, que eu nem sabia, que eu nem tinha
idéia.
Entrevistadora: Tem alguma história aí que você destacaria?
[pausa]
Porque as fotos ajuda a lembrar bastante, né?
[pausa]
Entrevistadora: Então é interessante vocês contarem assim: o que foi, como que foi
organizando, o que trouxe de lembrança, o que significou fazer.
J: Ah, eu acho que foi essa do carneiro.
Entrevistadora: Por que o carneiro? O que aconteceu?
[risos]
J: Porque...segundo a minha mãe eu tinha medo, sabe? Nossa, morria de medo dele,
ficava fazendo cara feia, corria, achava que ele ia morder. Sabe assim? Nossa! Foi
risada. Quando ela falou, foi só risada.
J: Ai, nossa! E minha mãe me vestia como homem quando eu era pequena. [risos]
[risos]
J: Nossa, muito feio! Eu via assim as menininhas tudo de vestidinho, tudo bonitinha,
chegava as minhas fotos [eu] com aquele chapéu, aquelas calça feia, blusa do Mario
[Brothers], do Sonic, sei lá eu. Ai!
Entrevistadora: Daí você estranhou?
J: Estranhei. Nossa! Reclamei também. [risos]
Entrevistadora: E aí, D, como foi fazer o álbum, o que significou pra você?
D: Então, até a hora que [incompreensível] não tem tempo de olhar as fotos.
você pega com a sua mãe, com o seu pai, e realiza tudo [incompreensível]. Muito legal.
J: Nossa, olha o tamanho do meu óculos. [risos]. Nossa, desde os três anos, gente do
céu! Usava [óculos] desde os três anos. Os óculos cobria a cara inteira, né? Repara aqui.
[risos]
[risos]
Ai, meu Deus! [risos]
156
Entrevistadora: Tem algum momento aí, D, que você destaca, que você fala “nossa,
essa eu nem sabia”?
D: Essa aqui, eu com o meu pai, essa, tratando da galinha.
Entrevistadora: Tratando da galinha? Você nem tinha ideia dessa...
D: Ah, daí pára, relembra. Melhor tempo da infância, foi essa época.
J: Nossa, uma foto de quando o meu irmão nasceu. Nossa!
Entrevistadora: E olhando o álbum hoje, pensando no álbum, quando ele foi feito em
2007, que vocês poderiam dizer desse período aí? Olhar hoje e pensar que foi feito em
2007...
Muda muita coisa.
Eu era feia.
[risos]
É, acho que umas coisas que a gente coloca, tipo uma caneta. Hoje não é...
Até... A cor que a gente colocou assim, “fotos recentes de 2007”. De 2007 pra
mudou visual, mudou atitude, mudou muita coisa.
Relacionamento.
É.
Com certeza, mudou.
É.
[risos]
Do que eu achei que era, nossa...Hoje não tem nada a ver.
Entrevistadora: Então, eu queria que vocês falassem um pouquinho assim, o que
vocês destacariam que mudou, né? Tem alguma coisa...vocês olhando o álbum aí, vocês
viram que houve essa mudança?
J: Olha, relacionamento com namorado, foi... foi... primeiro eu tinha mais intimidade
com o meu pai, agora não tenho tanto. Você vê que tem bastante foto com o meu pai, agora
já não... Nem contato mais eu tenho. Então...
J: O visual também mudou, a atitude. [pausa]. Ah, coloquei umas fotos do meu ex-
namorado, sabe... Que não precisava por, sabe? Ele não significou nada pra mim. Então,
não teria porque estar aqui.
Não! Sabe, hoje...
Seu ex-namorado... Não, foi muito!
Pra mim não significou nada. Tem uma foto dele aqui... Não tem porque, entendeu,
eu ter colocado aquela foto. Viu, hoje não tem nem o que falar... Meu! [risos]
Por que que eu coloquei...
Não! Pra mim ele significou porque é assim, olha, são pessoas que passam pela vida
da gente que, tipo assim, eu me sinto... Não vou cuspir no prato em que comeu, entendeu?
Então, ele me ajudou bastante. Foi uma experiência, foi uma pessoa nova que surgiu, que
me ajudou muito. Então, sabe, não me arrependo de ter colocado, sabe, a foto. Mas, é uma
pessoa, né, que o que eu sinto por ele agora é diferente do que eu sentia lá atrás.
Entrevistadora: E aí, D, tem algum momento que você está percebendo que houve
alguma mudança?
157
D: Visual, bastante. Corpo... [pausa]
Entrevistadora: Deixa eu fazer uma... deixa eu refazer a pergunta pra você
entender. Como é que foi essa coisa de escrever de si na escola? Escrever de si na sala,
junto com os colegas? Como foi essa relação de escrever em sala para a professora, com
colegas? O que vocês lembram disso lá no primeiro ano? Como é que foi?
Ah! Foi difícil.
Entrevistadora: Foi fácil... Foi Difícil?
Por um lado. Agora, pelo outro, a gente pôde conhecer melhor um ao outro, sabe.
Tudo, que nem, a gente trazia as fotos, todo mundo sentava junto pra olhar, dava risada,
contava os momentos. Então acho que por esse lado foi bem legal. Agora, tinha gente que
ficava meio apreensado, sabe, por não saber o que falava, o que tava acontecendo. Porque
muita gente já passou por coisas ruins na vida, aí eu acho que foi isso.
Entrevistadora: Como foi escrever de si na escola?
L: Ah, então, eu acho que foi difícil também. Porque tem coisas que, querendo ou
não, na escola você não é a mesma pessoa que você é lá fora. Você tenta ser, mas tem
coisas que você tem que esconder por ser seus amigos. Não assim... Tem gente aqui, por
exemplo, eu com a C, a gente se conhece desde que a gente era criança. Então, dela é uma
amizade fora daqui. Mas tem gente que é só aqui que você vê. Você entendeu? E tem gente
que não entende o que passando fora. [Gente] que zoa com você, que tira sarro da sua
cara. Então você fica com medo das coisas que você vai colocar, que não vai. Que
querendo ou não, todo mundo vai ver sua obra. Fica um passa-passa... E se você coloca
uma coisa que ninguém vai entender? Que que vai acontecer? Todo mundo vai zoar com
você, vão acabar tirando sarro da sua cara. E você não sabe aonde vai parar isso. Que um
fala pra outro, [que] fala pra outro, [que] fala pra outro... Então, quando você vai fazer, tem
que tomar cuidado, principalmente aqui na escola, saber o que você vai colocar, as fotos
que você vai colocar... Por que que voacha que foi difícil?! Mas foi legal porque você
conta, o dos outros, todo mundo vê, você aprende, você conhece mais as pessoas que
perto de você.
Entrevistadora: E vamos aproveitar essa fala da L aí. E quando vocês trazem essa
foto, vocês vão passando, repassando, vocês vão olhando a própria história e vão vendo a
história dos outros, né? Que vocês tiveram a oportunidade de interagir e olhar as fotos dos
colegas. E aí, qual foi a sensação ao olhar a própria história e olhar a história dos outros?
[pausa]
Entrevistadora: É muito diferente, é igual? Quando vocês tiveram essa oportunidade
de interagir e de trocar, como que foi essa história de olhar a própria história e olhar a
história dos outros?
J: Em alguns aspectos foi diferente, em outros foi semelhante, né?! A gente que,
quando a gente era criança, a gente tinha as mesmas brincadeiras, o mesmo pensamento, a
mesma inocência. Agora não. Tem diferenças que são pessoais em relação à família, a
tudo. São bem pessoais, né? Diferentes são as pessoais. E as semelhantes são as
brincadeiras, os pensamentos, a atitude de quando a gente era criança.
Entrevistadora: E aí, D ?
158
D: Todo mundo tem uma história diferente, eu acho que é igual a J falou. Quando é
criança o pensamento é igual, brincadeira, tudo.
Às vezes no sonho também é igual, “ah! eu quero ser médico”; “ah! eu quero ser isso,
quero ser aquilo”.
Entrevistadora: E vocês acham que daí vai ficando diferente à medida que...
O tempo passa.
As experiências de vida.
Querendo ou não, quando voé criança, tudo é um sonho, né? Do jeito que você foi
criado ou não, tudo é sonho. Quando você cresce, você vai entrando na realidade. Você
o que é sonho...
Vai aprendendo a encarar o mundo.
É. Que você não pode... Que às vezes tem um jeito, que você foi criado de um jeito
que você não vai sonhar. Que você foi criado só de “ah!”... Sua mãe vê e fala “ah, não pode
ter sonho porque você não sei o que”... Você não vai sonhar, entendeu? E tem outro que
não, que já sonha com tudo, foi criado assim.
Cada um vai ter sua escolha também.
Cada um tem uma escolha, uma experiência, uma idéia do que vai fazer no futuro...
Entrevistadora: E aproveitando o que você falou de futuro aí, né. Vocês escreveram
sobre o futuro de vocês?
Sim.
Mais ou menos.
É, mais ou menos, porque agora...
Entrevistadora: Vamos falar um pouco, porque essas coisas que vocês escreveram
sobre o futuro. Como que elas estão hoje?
Acho que do mesmo jeito.
Entrevistadora: Estão do mesmo jeito por que... ?
L: Porque o meu futuro é incerto, porque assim, eu não tenho planos.
Entrevistadora: O que você colocou aí pra dizer que...
L: Ah, eu coloquei profissão: ou massagista ou nutricionista. Nenhum dos dois hoje.
[risos]. Nenhum dos dois, mas assim, não tenho certeza do que eu quero. Entendeu?
coloquei “ter filhos?”. Não sei se eu quero. A mesma coisa casar. Não sei também. Sabe, é
um futuro incerto, eu não sei...
Entrevistadora: Você acha que o que você fez aí continua com esses pontos de
interrogação?
Sim.
Entrevistadora: Legal.
Entrevistadora: E J, como que é, você fez futuro... ?
Não. Não meu futuro, não.
Entrevistadora: D ?
D: No meu caso, eu sonhei em jogar futebol.
[risos]
159
D: Mas agora tô caindo um pouco na real, sei lá. Tô vendo que é difícil. Que
[incompreensível] os estudos, fazer faculdade. Entendeu?
Entrevistadora: Naquele momento, o plano era ser jogador?
D: É. pensava em bola, só. futebol. Agora, eu vejo que é difícil. Ainda jogo
futebol de final de semana, é gostoso, mas agora eu vejo que é mais difícil, meu foco agora
é no estudo.
Entrevistadora: E hoje você pensa em ser o quê?
D: Então, eu penso em fazer engenharia mecatrônica.
Entrevistadora: Um salto, né?
D: É.
Entrevistadora: E aí, A?
A: Ah, o meu sempre, desde pequena, foi ser médica. E hoje eu ainda continuo com
essa escolha, mas com outro objetivo. Eu vou fazer uma faculdade de fisioterapia, que é
dentro da área, pra depois que eu tiver trabalhando nisso, poder pagar uma faculdade de
medicina, que é muito caro. Então, a gente tem que cair na realidade, que não é isso tudo
que tudo que a gente quer que pode acontecer. Então eu vou fazer fisioterapia, que é uma
área tipo médico, do mesmo jeito, e é uma coisa que eu gosto também, pelo menos continua
a mesma coisa, né? Por enquanto.
Entrevistadora: Legal.
[pausa]
Entrevistadora: E aí? Olhando o álbum, tem alguma outra coisa que chamou a
atenção, principalmente assim, na hora de estar fazendo na sala de aula, trazendo as
coisas, tendo que escrever? Vocês se lembram de algum momento na sala que foi mais
marcante?
As risadas.
Entrevistadora: Hã?
As risadas.
Entrevistadora: As risadas? Por quê?
Ah, quando a gente era pequeno, agora a gente se compara como é agora.
Eu acho que foi no decorrer no álbum inteiro. Que hoje, pra gente, pelo menos assim
pra mim, é marcante. Por causa que, hoje eu não com as mesmas pessoas que eu tava
quando eu fiz o álbum. Várias pessoas foram embora, a gente não tem mais contato e é
saudade que ficou, né? Porque era pessoas que a gente convivia, que dava risada toda
manhã. E era pessoas que assim, a gente considerava amigo, e considera ainda, mesmo não
tendo mais contato. Então foi marcante.
Entrevistadora: Vocês acham assim, nas conclusões, o que é que ficou? Que fazer
esse álbum, tornou possível o que pra vocês?
[pausa]
Entrevistadora: O que ele possibilitou?
L:Dentro da escola ou... ?
Entrevistadora: Dentro da escola, fora da escola.
L: Reviver os momentos.
160
Entrevistadora: E por que isso é significativo?
L: Porque já tava, né, uma coisa que tava muito longe, pelo menos da minha parte.
Uma coisa que tava muito distante, que eu não podia rever e eu revi, entendeu? Quando eu
criei esse álbum.
Ah, eu acho assim: é uma coisa que você não tem interesse. Entendeu? Você não tem
interesse em fuçar. Você pensa no hoje, daqui pra frente. o álbum proporcionou à
gente o interesse de voltar ao passado, pesquisar o passado, ver como que foi, mostrar pras
pessoas, saber o que que aconteceu... Isso é uma coisa que... C, quantas vezes depois do
álbum você fez isso?
A: Nem sei. Nunca. Nunca mais.
Entrevistadora: E vocês acham assim, que ficou a noção que seja importante a gente
voltar, olhar, olhar pra frente, olhar pro momento... [pausa]. Como que é isso? [pausa] D, o
que o álbum tornou possível pra você?
D: Tornou possível?
Entrevistadora: É. O que ele possibilitou a você?
D: Então, toda a minha vida tá resumida aqui. Então eu acho que [foi] legal. Volta...
volta aqui e revê tudo. Acho... que pra mim é muito legal. Rever a infância, momentos
difíceis, ao lado dos amigos, momentos legais, muitos amigos que você não mais...
Então tá tudo aqui, [incompreensível].
Entrevistadora: Então tudo bem. Eu queria que vocês olhassem mais uma vez o
álbum pra gente ir pras palavras finais, né? Tem mais alguma coisa que vocês queriam...
pensando nessa nossa idéia de que eu contando pra alguém o que que significou fazer
esse álbum . Tem umas palavras finais pra vocês dizerem pra esse possível interlocutor?
[pausa] O que ficaria de palavra final?
Acho assim, que vale a pena fazer trabalho assim. Vale a pena tentar voltar assim...
Não assim quando tem esse trabalho assim, sabe? Mas de tempos em tempos, voltar,
tirar foto... Que querendo ou não, a foto é eterna. É a lembrança que você tem, é o momento
registrado daquilo que você fez, de uma alegria. A maioria das fotos é alegria, você não vai
tirar foto de você chorando.
[risos]
Que também, a tristeza você vai querer esquecer. Então tirar foto, ver, voltar,
relembrar, sentar [com] a família, todo mundo junto, começa a dar risada... Acho que isso é
legal... você fazer sempre.
Entrevistadora: E aí, J ?
J: Ah, foi bom criá-lo e é bom revê-lo também. Quando a gente criou foi um
momento legal e quando a gente vê assim o trabalho, no que deu, como ficou, é bom.
Entrevistadora: A ?
A : Ah, igual o que a L falou, né? Foi bom porque a gente... Assim, passou tudo, mas
ficou a lembranças, então isso daqui é um tesouro que a gente tem que guardar pra sempre,
que você vai olhar e ver “olha, isso passou pela minha vida e eu tenho que agradecer hoje”.
E eu acho também que depois disso tudo, a gente tem que dar continuidade. Continuar o
nosso álbum, colocar as fotos de agora, pra gente escrever tudo o que aconteceu, pra gente
161
poder no futuro mostrar. Tipo, se alguém tiver filho, pode mostrar como que foi o nosso
passado, a nossa infância. Eu acho interessante.
Entrevistadora: E aí, D ? Palavras finais.
D: Muitas vezes você briga com seu pai, briga com a sua mãe, vopassa aqui,
revê, você pensa, “poxa vida”, você dá mais valor aí. Você vê, pô, todas as fotos aqui
[eles] estão do meu lado. Infância, sempre do meu lado, minha irmã... Você mais valor.
Você pensa, você revê tudo, e dá mais valor pros seus pais, pra sua família.
Entrevistadora: É isso? Então tá, gente.
A: E a gente vê aqui também nas fotos. Que nem, as fotos que tem aqui com os meus
amigos, eu posso ver que a J, a L e o D sempre permaneceram comigo. Então, você leva
com você os amigos verdadeiros, né?
Ah, que bonitinho, vou chorar!
[risos]
Entrevistadora: Mais alguma coisa?
A: Não.
Entrevistadora: Então tá, gente, muito obrigada pela participação.
162
ENTREVISTA 3- mesmo local, mesmo dia
Entrevistadora: Bem, eu estou aqui na biblioteca da escola fazendo a minha terceira
rodada de entrevistas. Nessa rodada estão a B, a T e a S. E elas vão responder à nossa
pergunta de pesquisa que é contar como foi essa experiência de fazer um álbum dentro da
escola. Então elas estão olhando o álbum e elas vão começar a contar. Fiquem livres pra
falar. Vocês estão olhando o álbum. Estão vendo muitas coisas?!
B: Muitas coisas.
TL: [incompreensível] ... Ah, prô! O que que eu vou falar?!
Entrevistadora: A pergunta é essa: o que vocês estão lembrando? O que significou
fazer esse álbum...?
B: Ah, pra mim foi muito legal.
T: É.
B: Foi bem corrido assim, se bem que [você] deu um tempo bem grande, mas o
relaxo, né...
T: É, a gente deixou pra fazer bem de última hora, né? Mas foi... foi legal. Conforme
a gente foi colocando as fotos, foi chegando no final e foi lembrando de mais coisas, e a
gente enfiando páginas e mais ginas, uma no meio da outra. ficou enorme, né? Mas
ficou... eu achei que ficou legal. Eu achei que ficou completo, até a data de entrega.
[pausa]
Entrevistadora: E S, o que significou fazer o álbum? Como é que foi fazer?
S: Ah, foi legal.
[pausa]
[ruído] [incompreensível]
S: É, foi bom.
T: Gostei de fazer a parte do casamento da minha mãe. Deixa eu ver o meu.
S: Hum, hum. [pausa]. Olha essa calça que horrível.
[ruído]
Entrevistadora: Vocês vão contando como que foi... Porque a gente estava em sala de
aula... Vocês estavam interagindo com outros colegas?! Como que foi pensar no álbum?
T: Eu, pra fazer, eu não fiz junto com ninguém. Eu fiz sozinha.
B: É, eu também.
T: Fiz em casa, na hora eu pensei que eu tinha que fazer alguma coisa diferente,
né? Pra escrever eu não vou fazer nada muito certinho, escrever tudo muito... Aí eu
coloquei quadrinhos, né?! Coloquei os balõezinhos nas fotos, tudo! Fiquei brincando com a
minha história, fiquei brincando na minha infância. Eu beijando o meu primo...
B: [risos] Na boca?
T: Hã, hã. É, foi legal. Eu gostei muito.
Entrevistadora: E aí, B?
B: É, eu viajei legal também no meu álbum... Olha meu irmão! [risos]. Nossa hoje eu
brigo muito com ele, não olho na cara dele.
Entrevistadora: Qual dos irmãos?
163
B: O Pedro. [pausa]. O Carlinhos é a minha vida, né?! Pedro não. [risos].
T: Tem mais aí?
B: Nossa, olha como eu engordei. E a casa, que feia que ela era.
T: A gente só tem foto de quando era mais pequenininha.
Entrevistadora: Você acha que pra você a infância foi mais significativa?
T: Ah, é. Assim, do começo de tudo, da minha família. Eu falei bastante da minha
família também. Na maioria das fotos tem sempre alguém da minha família junto. Foi
gostoso, [foi] o que eu queria... Eu queria lembrar muito, sabe, de antes, lembrar bastante. E
daí eu acabei colocando muito sobre a minha família, depois eu falei de mim também, né?
Mas eu falei mais da parte do meu sonho, de como vai ser meu futuro... Falei bastante das
minhas amigas.
B: Ah, de amiga minha eu coloquei das de agora. Eu não tenho amiga de infância
assim mesmo...
T: Eu também não.
S: Eu tenho essas.
T: A única amiga de infância que eu tenho é a minha tia, que tem a minha idade.
B: Nossa!
S: É, eu tenho todas as minhas, olha. As mesmas que estão nas fotos de prezinho, são
as mesmas que estão nas fotos de escola.
Entrevistadora: E aí, como é que foi pra escolher o que colocar no álbum? Como é
que foi esse processo?
T: Só eu que falo! [risos]
Entrevistadora: Não! Pode falar! Eu acho que as idéias vão vindo.
S: Ah, pra mim foi difícil porque eu não lembrava de nada. Eu lembrava dos mais
recentes. Agora, de antigamente era muito difícil lembrar.
Entrevistadora: E como é que você fez pra lembrar, S ?
S: Ah, eu fui ou perguntando pra minha mãe ou olhando as fotos. Não foi assim de
uma hora pra outra.
Entrevistadora: Demorou?
S: Demorou.
Eu fui selecionando as fotos.
T: Eu também fui selecionando as fotos. Eu via qual que eu gostava, qual que eu via
que era... Porque eu tinha um mural já. Eu tinha um mural no meu quarto com todas as
fotos que eu achava importante pra mim, de datas importantes, de coisas que eu gostava...
Daí eu só desmontei o mural e escrevi. Foi bem legal daí.
Eu chorei também a hora que eu tava montando o álbum.
Entrevistadora: Chorou? Por quê?
Lembranças!
S: Eu chorei aquele dia na sala... que eu tava falando.
Entrevistadora: Falando do álbum?
S: É.
[pausa]
164
S: Quer dizer, falando da minha mãe, né? [incompreensível].
Entrevistadora: E assim, outra coisa que a gente pensou bastante também até junto
dos outros colegas das outras entrevistas... Escrever de si dentro da escola... Como que foi
esse processo? [pausa]. Escrever de si tendo professora, tendo colega... Como é que foi
isso? Influenciou, não influenciou?
S: Pra mim foi fácil escrever de mim.
Entrevistadora: Por que, S ?
S: Ah, porque a minha vida inteira, sabe, eu sou bem trancada! Eu acho mais fácil
contar de mim escrevendo do que falar.
Entrevistadora: E você acha que é por isso que apareceu tanta coisa?
S: É.
Entrevistadora: E você acha que o álbum foi uma oportunidade de colocar no papel?
S: Sim.
Entrevistadora: Não tem problema de chorar, não, viu, gente!
S: Não, não! [risos]
[risos]
Entrevistadora: Porque eu queria mesmo que vocês dessem esse depoimento assim.
Porque assim... O álbum deve ter permitido uma série de coisas pra vocês, né?
S: Hum, hum.
Entrevistadora: É, e eu queria que vocês falassem assim, exatamente assim, qual foi a
emoção, o significado. Com é que foi escrever de você, assim, dentro da escola... Vai lá, S,
pode continuar.
B: Vamo lá. [risos].
[pausa]
Entrevistadora: Fala, B!
B: Ah, uma coisa que ...
T: Eu falo! Eu achei fácil. Eu achei fácil porque eu gosto de ficar escrevendo falando
de mim e ter a opinião de outras pessoas do meu lado. Eu gosto, sabe?! E, mas já quando
deu a ideia eu não sabia muito o que fazer, mas logo que eu cheguei em casa eu fui
olhando as fotos e já, tive idéia na hora. Ah eu gosto de ir escrevendo com os outros do
meu lado, porque eu gosto que conversem comigo, sabe?! Conforme eu fui escrevendo
sobre a minha vida eu vou olhando e “Nossa! Tá vendo isso daqui?! vendo esse dia?!
Nossa, foi muito engraçado...”.
Entrevistadora: Então a interação... Interagir com os colegas pra você foi ...
T: Foi mais fácil. Facilitou porque eu prefiro fazer uma coisa com várias pessoas
junto comigo comentando do que fazer sozinha, sabe?! A maioria da parte eu fiz sozinha,
mas os escritos eu escrevia e trazia pra cá pra turma poder ler, pra turma poder falar “nossa,
que legal, que engraçado que ficou”. Daí eu gosto. Eu gosto, então pra mim foi fácil. Junto
com as outras pessoas na sala pra mim foi mais fácil.
Entrevistadora: E aí, B, como é que foi interagir com os colegas, interagir com a
professora, e ter que organizar essa escrita aí?
165
B: Ah, até que foi... Não foi tão difícil, mas também não foi super fácil. Não foi tão
fácil quando era quatro, mas eu pra ter uma ideia, que nem... Não roubar a ideia de outra
pessoa, mas sei lá... Empolga, quer dizer, ajuda. A professora também bem aberta, dúvidas
ia lá e tirava. Sei lá, no medo de errar alguma coisa, tirar nota baixa...
Entrevistadora: Você chegou a ter essa preocupação de tirar nota baixa?
B: Cheguei. E tinha o papel reciclado. Lembra que você falou?
Entrevistadora: É, papel reciclado foi uma coisa que a gente batalhou, né, pra que
vocês pensassem num álbum até meio cara do século XXI, né? Ser uma coisa reciclada...
B: E eu ainda tinha ideia de eu fazer o papel, mas aí ia ser trabalho dobrado... Tempo;
a hora que eu pensei fazer também, não deu coragem. era muito tarde também pra fazer
o...
Entrevistadora: O papel?
B: É. Tinha muita coisa.
Entrevistadora: E aí, S , estar na sala junto com os colegas, com a professora...
Facilitou, complicou? Como é que foi?
S: Ah, pra mim foi indiferente. Porque eu fiz o álbum sozinha, sem ninguém do meu
lado, sem perguntar nada. Fui eu e o álbum, só.
Entrevistadora: E como é que...
S: as coisas que vopedia pra colocar eu colocava; caso contrário, fiz tudo
sozinha.
Entrevistadora: Tá e ...
S: Pra você ter uma noção de ideia, quando o álbum tava pronto é que eu fui com
as minhas amigas e mostrei. Elas viram, comentaram, mas também. Mas no meio do
tempo, foi só eu.
Entrevistadora: E como foi essa ideia, que nem, no seu caso, você pensou em fazer
por capítulos? Como é que surgiu essa ideia de contar a história da vida em capítulos?
S: Ah, sei lá, eu acho que é melhor, não é? Ir contando a história do começo até o fim,
do que contar o fim depois o começo, depois o meio... Acho que é melhor assim em
partes.
Entrevistadora: E como é que você teve essa ideia de escrever a sua vida por
capítulos?
S: Ah, aí foi difícil, né?! Porque não era todo capítulo que eu lembrava.
Entrevistadora: Aqui tem alguma coisa que vocês olham... Vamos pensar agora numa
outra perspectiva. Ter feito o álbum em 2007 e estar olhando agora em 2009, esse momento
de volta, de olhar, está provocando alguma coisa? Mudou, não mudou? Assim, olhar o
antes e olhar o agora, que impressão que está causando pra vocês? Tem alguma, algum
aspecto que está chamando atenção?
Ah, mudou. Tem gente aqui que eu não falo mais.
É, eu também.
Eu não.
B: Tem gente aí que eu perdi [pausa] há pouco tempo.
T: Eu também. Mas pra mim não mudou nada.
166
B: Ah, pra mim mudou muito.
Entrevistadora: Então vamos falar um pouquinho cada uma, que eu quero que vocês
coloquem bem. O que você destacaria que mudou, T?
T: O que mudou? Ah, só as pessoas da minha família que eu perdi.
Entrevistadora: Elas estão no álbum?
T: Estão. Algumas que... Ah, só. Amigos também que eu não vejo mais. Que eu
gostava, que eu não vi mais. Mas só. Pra mim não mudou nada. Eu ainda converso com a
maioria, eu ainda vejo todo mundo.
Entrevistadora: E a T mudou?
T: Daqui? Eu não. Eu não acho.
Entrevistadora: É a mesma T?
T: Eu acho. Sou sempre a mesma.
B: Eu, o que eu perdi, acho que foi o único que eu amei e perdi. Perdi a minha vó
pouco tempo, mas... Não mudou nada. E eu ainda perdi em janeiro...
Entrevistadora: Quem que você perdeu?
B: O Nô, meu primo. É, ele foi foda. Ele foi foda. O único que eu amei, que eu senti
que eu realmente amei...
Entrevistadora: Era seu primo?
B: Era meu primo.
Entrevistadora: A principal mudança voacha que foi a perda aí, a perda de alguns
familiares.
B: Foi.
Entrevistadora: E olhando o álbum, você acha que a B mudou?
B: Mudei. Até fisicamente. Nossa, mas muito!
Entrevistadora: Fala um pouquinho dessa mudança, B.
B: Ah, sei lá, o jeito de pensar.
S: Acaba amadurecendo mais.
B: É. Ah, tudo. O corpo, o rosto, totalmente diferente de agora. Eu achei que eu
mudei muito.
T: Eu não mudei nada, eu acho.
Entrevistadora: E a S ? Olhando o antes e olhando o agora?
T: Eu tô igualzinha.
S: Ah, eu acho que mudança sempre, as pessoas que saíram da minha vida, acho
que eu amadureci demais, sabe?! Agora eu não, sei lá, sabe, antes eu era muito menininha,
sabe? Eu não, eu fechava os olhos pras coisas certas, sabe? Agora não, agora é tudo
diferente. Eu deixei de ser inocente, sabe? Agora vem a realidade, e a realidade é muito
dura. Mas...
Entrevistadora: O que está sendo duro? Crescer?
S: Ah, eu acho que o futuro, né?! Porque você não sabe o que vai acontecer. Você
espera uma coisa e acontece outra.
167
Entrevistadora: E falando em futuro, a maioria colocou uma página dedicada ao
futuro. Vocês olhando esse futuro que vocês pensaram, o que vocês diriam? Que ficou
projetado pro futuro? Continua, mudou?
S: O meu futuro era sair da escola e entrar pra faculdade. Agora não. Agora eu vou
esperar um ano pra mim entrar pra faculdade. Eu queria fazer veterinária, agora eu não sei o
que eu quero fazer.
Entrevistadora: Ainda não decidiu?
S: Não. Mas o resto é igual. Procurar uma casa, uma família [incompreensível], e um
emprego. E só. [incompreensível].
Entrevistadora: E aí, a página pro futuro, T?
T: É, eu também. Não vou... Eu queria fazer faculdade, o vai dar. Vou ter que
continuar trabalhando primeiro pra depois dar pra eu fazer. Algumas coisas eu fiz, teve
aquilo que eu coloquei um ponto de interrogação, né, tipo, ser bailarina profissional, não
vou mais, já mudei. Mas o resto, eu pretendo alcançar tudo, sim. Até fazer progressiva eu já
fiz. O futuro eu já conquistei [risos]
Entrevistadora: Alisou?
T: Alisei [risos].
Entrevistadora: E aí, B, o que você tinha colocado do futuro está se confirmando,
mudou, continua em branco... Como é que é?
B: Ah, sei lá. Deu uma mudada, sim. Aqui falando que eu queria ser bióloga
marinha, mas nada a ver. Acho que foi uma coisa de...
Entrevistadora: Momento?
B: Momento. E... Agora nem eu sei o que eu quero ser. Eu penso em continuar o que
meu pai é agora, que não vai durar pra sempre, né? Sei lá, eu queria fazer engenharia
mecânica, mas ainda acho uma coisa de momento... Uma coisa que eu não vou conseguir
fazer, é muito número, eu não me adapto a isso. Vou também tá falando [que] eu quero uma
pessoa que me faça feliz, casar... Mas não é isso que eu quero, não.
Entrevistadora: Não?
B: Não.
Entrevistadora: O que você gostaria?
B: Ah, sei lá. Vida de solteira gostosa por enquanto. Sei lá, agora que conheci uma
pessoa, mas só dá dando errado, cagada, então...
Entrevistadora: Então é melhor deixar a preencher?
B: É, já vi que isso eu não vou ter sucesso nessa parte.
T: Por enquanto.
B: É, por enquanto.
Entrevistadora: Tá, vamos pensar agora num outro aspecto daí vocês vão me
ajudando a pensar... Fazer o álbum possibilitou o que pra vocês? Tornou possível o que
essa experiência? Ou seja, você viu que ela te trouxe o quê? Vamos pensar em 2007,
vamos olhar um pouquinho hoje. O que essa experiência trouxe pra você? Não trouxe nada,
trouxe alguma coisa? O que trouxe? [pausa] Vocês olhando aí, estão com o álbum na
frente, o que, olhando pra esse álbum, possibilitou pra vocês?
168
S: Amadurecimento.
Entrevistadora: E por que, amadurecer?
S: Ah, porque deu pra falar sobre mim...
T: Também pra mim deu muito mais afeto pra minha família, que eu falei muito mais
sobre ela. Agora deu eu ver que eu não consigo viver sem a minha família. [pausa]. Ah, e
tipo, poder falar sobre o que eu quero no meu futuro, poder depois de um tempo ver se eu
consegui conquistar tudo isso.
Entrevistadora: Foi essa possibilidade?
T: É.
Entrevistadora: E aí, B, o que o álbum permitiu pra você?
B: Amadurecimento. Mais assim, que deu pra ver. Pra sentir também.
Entrevistadora: E na hora, a hora que você tava fazendo, “pô, esse álbum tá me dando
a chance de...”
B: Mostrar a minha realidade.
Entrevistadora: Por que você acha que a escola não dá esse espaço?
B: Não.
Entrevistadora: Deveria dar?
B: Ah, não muito, porque nem todo mundo gosta de falar, né?. Eu mesmo fiquei meio
grilada de escrever o álbum, de falar, de abrir minha vida assim, mas nada a ver.
Entrevistadora: E porque que você acha que de repente... Por que eu vou abrir a
minha vida? Por que você acha que a escola não é lugar disso?
B: Ah, depende. Eu acho que não é a escola assim.
T: Eu acho que são as pessoas que tem na escola. Não todas..
B: É.
T: Mas a maioria.
B: É, de pessoa pra pessoa. Porque a ideia que eu tinha é que, tipo, não é você que
ia ver o álbum, mais pessoas iam ver. Mas...
Entrevistadora: E esse fato talvez que tenha o quê?
B: Segurado, eu acho, né? Segurado, porque se falasse tudo, né... Mas o que tá... Cem
por cento na minha vida.
Entrevistadora: E aí, S , o que o álbum te permitiu?
S: Ah, eu acho que o amadurecimento que foi pra todo mundo... Eu acho que no meu
caso foi assim, foi mais uma questão de ter mais confiança. Porque, se você ver assim bem
meu álbum, eu nunca falei de sentimentos. É sempre coisas que aconteceram, que todo
mundo sabe, e que são normais. E quando eu falei do fundo, do fundo, eu aprendi a ter mais
confiança nas pessoas. Agora não! Agora depende, né? Eu tenho umas duas amigas que
eu chego e falo “eu não gosto daquilo, eu não gosto disso”. Eu me sentindo assim, sabe?
Foi depois do álbum, que eu escrevi e que eu aprendi a ter confiança nas pessoas. As
pessoas que ficam do meu lado, não o primeiro que chega e fala “ah, eu sou seu amigo!”.
Entrevistadora: Deixa eu perguntar pra você: você está ficando emocionada por conta
do álbum ou é...
S: É meu mesmo. Quando eu falo de mim, eu fico assim.
169
Entrevistadora: Ah, tá! Você está ficando bastante emocionada. A gente tem que
tentar entender. Falar de você, pra você é difícil?!
S: É.
Entrevistadora: É?
S: É, tem que ver que nem a T falou, a família dela é tudo. No meu caso não. Eu não
tenho boas recordações da minha família, principalmente da minha mãe quando eu caio.
Entrevistadora: Bem, é que são coisas difíceis mesmo. Porque a família é uma base
que todo ser humano tem, né? E daí a maneira como a gente interage com ela... Mas não é
você que está chorando, viu? Muita gente chorou nessa mesinha hoje, porque falar de
si não é fácil, né? E ter as recordações da gente, ter escrito de si também... Mas enfim,
mas a tulo da gente terminar a nossa conversa, o que vocês diriam pra alguém um dia que
vocês forem contar “olha, quando eu tava no primeiro eu fiz um álbum e...” O que ficaria
de palavras finais?
[pausa]
S: Ah, eu acho que o meu álbum fez eu ver quem eu realmente sou. Porque
antigamente eu era mais aquela garota que queria agradar todo mundo, ao invés de querer
se agradar. Agora não. Agora gosta de mim? Se gosta, [se] não gosta, eu não to nem aí, eu
faço o que eu acho certo, e não o que os outros querem que eu faço. E assim.
[incompreensível]. E correr atrás do meu futuro, né, porque ninguém vai fazer isso por
mim.
Entrevistadora: É, realmente cada um tem que buscar, né? Fazer sua busca aí pessoal,
particular, enfrentar os seus desafios... E aí, B?
B: Ah! Acho que é a mesma coisa. Não tem que ficar pensando nos outros. Claro, tem
que pensar, mas não muito. [Pensar] mais em você. Porque ninguém vai dar o que você
quer. Tem que correr atrás. E é isso.
Entrevistadora: E aí, T?
T: Ah, eu... A maioria aqui foi muito legal pra mim, foi especial, ajudou a lembrar
coisas, né?... Ah, ajuda a lembrar coisas que você queria, a poder falar pros outros como é
que foi, o que você quer fazer. Ajudou pessoas a conseguir fazer, a abrir mais pro mundo,
ajudou várias pessoas a melhorar. Ah, é isso! Eu gostei bastante, que eu... pra mim é
importante falar sobre a minha felicidade pros outros, ver, poder mostrar, que todo mundo
pudesse ver quem eu fui, eu acho que hoje eu continuo a mesma, que eu vou ser desse jeito
pra sempre, que eu não vou mudar. Como essa aqui falou, tem gente que não gosta, mas
que não adianta. Se vier reclamar de mim, eu vou mostrar meu álbum e falar “tá vendo,
olha, eu sou igualzinha até na aparência?! Não mudei nada!”. Sou igualzinha antes. E assim
eu fui, assim eu sou, assim eu vou ser pra sempre. É isso!
Entrevistadora: Legal, meninas. Obrigada, viu!
170
ENTREVISTA 4- mesmo local, mesma data
Entrevistadora: Bem, eu estou na minha 4ª rodada de entrevista. Estou aqui com a M,
com a P, o V e a Ve. E a pergunta que eu tenho para fazer para eles é o que significou
fazer esse álbum? O que cada um está lembrando agora do processo de fazer, como foi esse
momento, que lembranças e impressões eles têm. E a gente vai conversar um pouquinho
sobre isso.
[pausa]
Entrevistadora: Podem olhar, falar das fotos.
Ve: A música que eu coloquei aqui que eu gostava, não gosto hoje.
É. [risos]
A que eu mais gostava, mas...
Entrevistadora: E era a música que mais gostava?
É.
Ve : Eu não lembrava que eu tinha colocado o Homem-Aranha aqui.
Entrevistadora: E o Homem-Aranha está aí?!
Tá.
Vi: Tô com menos cabelo.
Entrevistadora: Menos cabelo?
Vi: É.
M: É, eu também já mudei bastante.
Entrevistadora: Mudou, M ?
M: Mudei. Que a minha capoeira mesmo, eu parei um tempo, assim. eu preciso
voltar a fazer capoeira, só que...[incompreensível] eu parei, só que eu pretendo voltar.
Vi: [incompreensível].
Ve :A minha prima... Tem foto do meu vô aqui, ele ainda era vivo.
[pausa]
Ve: Minha bisavó também. Há dois anos morreu [incompreensível].
Entrevistadora: Estão folheando aí para identificar também o que vocês colocaram...
Vi: Nem lembro mais.
Entrevistadora: É um momento de reencontro com o álbum, né?
Vi: As páginas em branco que eu tinha deixado já tem como preencher, já.
Entrevistadora: tem como preencher? [pausa]. Isso é legal. A gente vai falar do
futuro, já, já.
[pausa]
Entrevistadora: E aí, Vi, você que terminou já de folhear o álbum, o que ...
Vi: [incomprensível].
Entrevistadora: É pequeno? [pausa]. O que foi fazer esse álbum?
Vi: Ah, diferente, né? Uma coisa... que não é todas as escolas que faz, diferente, né?
Recordar o passado e preparar pro futuro, né?
[pausa]
Entrevistadora: E aí, Ve?
Ve: Ah, tem umas coisas aqui que hoje eu não colocaria! [risos]
171
Entrevistadora: É, então, vamos contar. O que você...
Ve: Eu coloquei umas fotos do Simple Plain; hoje em dia eu não escuto mais tanto
Simple Plain. Dessa parte ainda gosto. A Marilyn eu não lembrava que tinha colocado.
Agora lembro. Ainda gosto. As músicas não mudou. Coloquei o Júnior. Hoje eu com o
Júnior. Ah! [pausa]
Entrevistadora: E aí vamos tentar falar um pouquinho mais. Como foi fazer o álbum?
O fato de estar junto com os colegas, na sala com a professora... Isso facilitou?!
Vi: Partilhando um pouco da amizade também com a sala. Isso é... muito diferente.
Entrevistadora: E o que chamou sua atenção, Vi?
[pausa]
Vi: Ah, aí já não...
Entrevistadora: Como você pensou na hora de montar o álbum?
Vi: Ah! Foi um pensamento assim [incompreensível], não tinha que fazer a capa...
[incompreensível]. Acho que a gente pensa a primeira coisa nisso, né?! “Será que vai ficar
bom com as fotos?!”
Entrevistadora: E selecionar as fotos? Como é que foi?
Vi: Foi fácil, porque eu não tenho muita foto mesmo.
Entrevistadora: Foi fácil?!
Vi: É uma ou outra só.
Entrevistadora: E você gostou do jeito que o álbum ficou, o visual dele?
Vi: Achei [que] hoje em dia dava pra melhorar mais. Mas, ah, esse eu coloquei
bastante. Hoje em dia eu aprendi mais coisas, mas eu deixaria [incompreensível].
Entrevistadora: Essa capa também. O que você poderia dizer da capa? Quando você
montou, o que você pensou?
Vi: Ah, pensei em uma coisa bem artesanal...
Entrevistadora: Bem artesanal?
Vi: Muito... O pessoal tá fazendo muito no computador, o meu ficou meio diferente...
destacou um pouco.
Entrevistadora: A própria escolha, né? O tipo de papel que a gente vai escolhendo, a
capa...
Vi: É, diferente. Pra mudar um pouco.
Entrevistadora: Você acha que você fez isso pra se diferenciar dos colegas?
Vi: É. É, dar um destaque a mais.
Entrevistadora: Porque aqui a gente está com quatro álbuns bem diferentes, né? Cada
um pensou uma capa, cada um pensou num tipo de papel, né? A M fez uma pasta...
Vi: É.
M: [incompreensível], ela ajudou a fazer.
Entrevistadora: Ela ajudou a fazer?
M: É. Aí eu pensei “ah, vou fazer tipo um livro”.
Entrevistadora: E você pensou em fazer livro, por quê?
M: Ah, porque, tipo, é que você fala do passado, presente, futuro. É tipo como se
fosse um livro, uma história contando da sua vida.
172
Entrevistadora: E você achou que foi... Como é que foi falar da sua história?
M: Ah, pra mim, uma parte foi até emocionante, que eu chorei assim [em] algumas
coisas. Que nem, a minha mesmo... Eu perdi a minha vó, foi muito assim... Difícil,
porque, depois de um tempo assim, ver... É, doze anos, junto com aquela pessoa, o que ela
te ensinou tudo assim, foi muito... E depois que ela morreu, assim, eu aprendi muito. Eu
acho que eu amadureci muito, eu acho que eu fui aprendendo assim. Sabe?
Entrevistadora: Você acha que perder essa parte mexeu muito com a emoção?
M: Exatamente. Porque ela me ensinou e inclusive o que ela me ensinou eu soube...
Que na hora eu falei “Não! Agora tem que ser eu sozinha”. Porque antes eu tinha o apoio
dela, mesmo que [ela dissesse] “vonão pode fazer isso, você não pode fazer aquilo”,
então daí... Depois com o tempo, assim, eu fui aprendendo a ser melhor...
Entrevistadora: Você acha que você amadureceu?
M: Amadureci muito assim.
Entrevistadora: E tirando essa parte das emoções, o que mais você achou que foi
importante no álbum?
M: Ah, pra mim, importante assim foi a minha família... [incompreensível]. Ah, eu
acho... que tudo que eu tinha [incompreensível].
Entrevistadora: Gente, outra coisa que nós estamos vendo nas entrevistas, que alguns
alunos estão falando, eu não sei como é que foi pra vocês... Como é que foi esse processo
de buscar as raízes, buscar a infância... Como é que vocês fizeram isso? Porque falar
daquele momento que vocês estavam adolescentes, né, agora vocês estão mais um
pouquinho... Mas como é que foi falar, montar essa parte da infância? Quem pode contar
pra gente? Como que vocês fizeram?
Ah, eu achei que foi legal, né?
Entrevistadora: Como que você fez?
Ah, eu fui pegar fotos, assim, sabe? Também mexi antes, pegava essas fotos antes,
é... lembrar de... sei lá. Foi legal isso!
V: Quando eu fui pegar uma foto assim eu perguntava pra minha mãe: nossa, mãe, o
que que aconteceu aqui?!
M: É! E por falar nisso, eu tenho uma foto que eu acho que igual essa aqui, que eu
tava com o olho fechado e tudo. minhas primas começaram a dar risada da minha cara,
eu peguei e rasguei a foto, [risos], elas falaram “por que rasgar essa foto”
[incompreensível] e eu “eu falei que ia rasgar”, fui e rasguei. Daí eu falei “agora não
ligo mais”... [Incompreensível].
Ve: Eu deixei as minhas fotos todas organizadas, tudo separadinho por data, sabe?
Depois eu fiz o álbum, bagunçou tudo, eu não arrumei até hoje. [risos]
[Risos]
Ve: Não consegui mais arrumar.
Entrevistadora: E vocês acham que pra contar a própria história, assim, além da foto
foi importante esse contato com a própria família?
Vi: Ajudou bastante, né?
Entrevistadora: Vocês se valeram de quem? Do pai, da mãe? Como é que foi?
173
V: Ah, pai, vó, um pouco de tudo.
M: Um pouco de tudo.
Entrevistadora: As primas?
Vi: Tem coisa, assim, que eu falava com a minha mãe, ela não sabia [mas] minha
sabia...
M: É.
Vi: Coisa que meu pai sabia, ele contava. [Eu perguntava] “o que aconteceu nessa
foto que você tirou? O que aconteceu? Se era aniversário...”. Briga em festa, era tiroteio,
era tudo. Eu perguntava, ele ia respondendo.
Entrevistadora: E aí, como foi selecionar os momentos mais importantes? Que
critérios vocês usaram? Porque, assim, pra contar uma história, que nem a M falou, né?!
Você pensa no passado, no presente, no futuro... Mas que momentos? Como que vocês
selecionaram os momentos mais importantes? O que que foi mais importante pra cada um
aí?
M: Ah, eu coloquei o que eu fazia quando era criança.
V: Ah, os fatos que mais marcaram também a vida, né?
M: É. Quando eu ficava na creche, quando brincava com o meu iro... [pausa]
Entrevistadora: P, tá muito quietinha. [risos]
V: Quando eu voltei do Japão, eu coloquei. [pausa]. Conheço todo mundo, pulei no
colo da minha tia, nem conhecia minha tia, pulei no colo da minha tia e não queria sair
mais. [risos]
Entrevistadora: Já foi uma identificação?
[risos]
V: É.
Entrevistadora: E outra coisa que eu queria que vocês falassem um pouquinho aqui na
nossa entrevista é... Ter feito o álbum em 2007 e olhar o álbum agora em 2009, mudou? O
que mudou? Vamos olhar o álbum aí...
Como assim, na vida? Ou como a gente ia montar o álbum?
Entrevistadora: Na vida, como ia montar o álbum... O que mudou? [pausa]. Você se
reconhece nesse álbum? Tem alguma coisa que você mudaria? Mudou alguma coisa pra
você na montagem do álbum? O que vocês diriam? Você fala e diz “isso não é mais, isso
continua sendo”...
M: Ah, meus amigos mudaram.
Entrevistadora: Os amigos...
M: Eu tinha um grupo, agora já fiz outro grupo.
Entrevistadora: Amigos...?
Vi: Amigos que às vezes a gente perde contato também, né? Que geralmente a gente
tem bastante contato; até a oitava série a gente tinha bastante contato. Hoje em dia a gente
quase não vê.
É mesmo.
Vi: Tem gente que saiu da cidade. E daí a gente também conhece gente nova.
Entrevistadora: Então esse álbum teria novas pessoas?
174
Vi: Novas pessoas e também as antigas.
Entrevistadora: E vocês, vocês acham, olhando aí, que houve uma mudança de vocês
mesmas, da pessoa em si? Você acha que, olhando esse álbum agora, vocês mudaram... ?
Ve: Ah, eu não mudei muito, não.
Vi: Também não.
Ve: O [incompreensível] continua o mesmo, a banda favorita continua a mesma.
Entrevistadora: Vocês fizeram um perfil aí, né?
Ve: É. Só o hobby que mudou.
Entrevistadora: Que era o quê?
Ve: Tocar violão.
Entrevistadora: Não é mais tocar?
Ve: Não.
Entrevistadora: Agora o que é?
Ve: Agora é escutar tocarem violão! [risos]
Entrevistadora: Ah, agora é escutar tocarem violão. P, quietinha. Mudou alguma
coisa, P?
P: Ah, pouca coisa assim, de gosto. Mudar a gente muda, né? Acho que foi isso, só.
Entrevistadora: Você olhando o álbum aí, você acha que mudou muito?
P: Ah, mais ou menos. Não muito.
Entrevistadora: M, houve alguma mudança?
M: Não. Não mudou tanto assim. Antes eu era mais assim, como que fala... ? Ah, o
que que eu vou falar pra você?!
Entrevistadora: Mais quieta, mais tímida?
M: Isso! Mais quieta, mais tímida. Hoje, não, eu já converso, eu já...
V: Acho que eu mudei também.
M: Tenho mais contato, assim, depois que eu passei no psicólogo.
Entrevistadora: Fala mais?
M: Falo mais com meus amigos.
Entrevistadora: Era muito quieta no primeiro?
M: Era, antes era muito quieta. Daí eu passei no psicólogo, começamos a fazer um
projeto, era bastante aluno, assim... E eu comecei a passar no psicólogo e tudo, foi que
mudou.
Entrevistadora: Isso te auxiliou bastante?
M: Me auxiliou bastante. [Incompreensível].
Entrevistadora: É, estou percebendo que você está mais expansiva, né?
M: É, depois comecei a fazer, que nem, o curso lá, fui fazendo outras coisas, daí...
Que nem, a professora falava pra falar na frente, hoje em dia não tenho mais vergonha.
Antes eu tinha, agora não. Porque é mais do começo assim. No começo ficava tudo
estranho, mas então... Acostumei.
Entrevistadora: Legal. E o Vi falou que mudou. O que você acha...
Vi: Fui trabalhar. A responsabilidade, né? Perdi um pouco a vergonha também de
falar. [Incompreensível]. Agora não sou mais.
175
Entrevistadora: Mais brincalhão?!
Vi: É, mas na hora certa, né?! Antigamente eu brincava, né? Agora tem hora certa
pra tudo. A gente vai aprendendo com a vida, né?
Entrevistadora: Até uma professora, né? Deixa eu fazer outra pergunta aqui pra vocês
na nossa conversa. Como foi essa história de ter que escrever de si, sobre si, na escola?
Vi: No começo foi um pouco diferente. Porque geralmente a gente faz algum,
escrever algum texto, e os professores dão o tema, né? A gente nunca parou pra pensar na
gente mesmo, né? Pelo menos eu, antigamente era assim, eu nunca pensei “Ah, o que vai
ser de mim?! O que, né?”. Primeira coisa que você vai perguntar, [o que] eu vou falar de
mim? Eu não sou tão interessante assim.
[risos]
Vi: As ideias, o passado, as coisas que você quer. Se for pensar bem pra fazer um
bom texto, uma boa história.
Entrevistadora: E aí, Ve?
Ve: Ah, pra mim, não foi tão complicado. que [o pessoal] olha pra mim e vê que
eu sou japonesa, [tem] olho puxadinho. Aí pergunta do Japão, aí vai contar a minha história
inteira, né?
[risos]
Ve: “Ai, porque eu nasci no Japão, porque eu vim com três anos, [incompreensível].
Então não foi uma coisa tão complicada assim.
Entrevistadora: Nem o fato de estar escrevendo de si na escola?
Ve: Não. Pra mim, não.
Entrevistadora: Foi tranqüilo?
Ve: É. Até eu tinha um diário também, que tava nas coisas aí...Acho que pra mim não
foi complicado, não.
Entrevistadora: E a P , escrever de si, sobre si na escola?
P: Ah, eu achei um pouquinho difícil, porque eu tenho um pouquinho de dificuldade
de me expressar. Aí eu tive que pensar bastante pra poder escrever sobre mim mesma.
Entrevistadora: Vocês acham que a escola, ela permite esse tipo de texto? Ou
escrever esse tipo de texto na escola não é muito comum? Como é que ficou essa ideia do
“ah, eu passei por uma experiência, eu escrevi sobre mim...” ? Vocês acham que a escola,
ela tem abertura pra isso? Como que é? Fala, M. Como é que foi escrever sobre você dentro
da escola?
M: Ah, pra mim não foi tão difícil, mas também não foi fácil. Foi mais ou menos.
Entrevistadora: Mais ou menos?
M: É que você aprende, né? Da primeira série até a oitava série tem aquela...
você já aprendeu. Agora chega no primeiro colegial você muda um pouco. Muda assim,
porque você já vai pra outra escola. é depois... Quando você do primeiro pro
segundo, aí já acostuma. Já sabe mais ou menos as coisas.
Entrevistadora: E aí, é comum escrever de si na escola? Não é comum... ?
M: Não. Não é comum.
176
Ve: Eu acho que isso devia acontecer mais vezes. Pra dar mais liberdade pros alunos,
os alunos ficam presos...
Vi: Se conhecer mais [Incompreensível[.
Ve: Que nem, metade da minha classe, pelo menos, eu não conheço, não converso.
No primeiro já era todo mundo, né? Era aquela união a classe. Depois mudou.
V: Mudou muito.
Entrevistadora: É uma forma de interagir, é isso?
Ve: É. Porque você a foto, vai perguntando o que você fez, né? Tem assunto,
sabe? Agora não, agora você já conhece.
V: É...
Fica separado.
Entrevistadora: Deixa eu fazer uma pergunta indiscreta, né? pra escrever tudo de
si?
Ve: Não.
Entrevistadora: Não? [pausa]. Então ficou muita coisa de fora?
Ve: Não muita coisa.
Não muita.
Ve: Uma ou outra coisa.
Entrevistadora: Mas não dá pra escrever tudo?
Ve: Não tudo. Às vezes tem coisa que você nem lembra...
Vi: É verdade. Tem coisas que você nem...
Entrevistadora: Nem lembra? [pausa]. E chegaram a pensar em escrever alguma
coisa, falaram “epa! Isso daqui não posso contar!”. Teve algum lance assim? [pausa].
Ou foi mais natural? Foi pensando, foi vendo... ?
Vi: É, fui pensando, fui vendo...
Entrevistadora: Tá. E vamos pra aquela página que está escrito “futuro”, que o
Vinícius lembrou no comecinho. O que está lá? Continua? Mudou?
Vi: Será que eu tenho?
Entrevistadora: Alguns alunos tiveram futuro, outros não.
Ve: Então eu não tenho.
M: Eu coloquei, mas não é esse curso que eu quero, não.
Entrevistadora: Então conta pra gente o que você mudaria, M ? O que você tinha
colocado aí?
M: Eu tinha colocado Psicologia, [incompreensível], mas não é isso daí, não. Sabe
quando eu fiz aquele curso?
Entrevistadora: Hã.
M: mudou. Que até eu vi mais outros cursos quando eu fiz aquele desenho da
vocacional...
Entrevistadora: Hoje você tem interesse em quê?
M: Ah, eu acho que mais Direito, Jornalismo e Artes Plásticas. E outras assim.
Entrevistadora: Você tinha colocado outras coisas pra você no futuro, que você
mudaria? Ou você colocou mais a questão da profissão... ?
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M: Não, eu acho que é mais no curso mesmo, mas eu mudaria, sim. Não, porque eu
não gostei desses aqui. Porque eu falei assim “nossa, medicina!” Aí eu vi negócio de
sangue lá, aí eu já mudei.
[risos]
Entrevistadora: Já mudou?
M: Já mudei.
Entrevistadora: Você fez página de futuro, V?
V: Fiz.
Entrevistadora: E aí, hoje o que você... Você tinha deixado a página em branco e hoje
já tem coisa pra colocar?
V: É, hoje já mudou, já tem mais história. Tema profissional, pessoal...
Entrevistadora: O que você colocaria hoje nessa página?
Vinícius: Boa pergunta. Acho que eu tenho que pensar mais. [risos]
Entrevistadora: Então enquanto você pensa, a Ve fala. O que vocolocou pro seu
futuro?
Ve: Eu não coloquei, mas na época eu pensava em fazer Fotografia. Eu penso ainda
em fazer, mas hoje, agora, desse jeito, não dá. Ah, só isso.
Entrevistadora: P pensou, tinha projetado alguma coisa pro futuro?
P: Não.
Entrevistadora: Só colocou o momento presente?
P: É. Só o presente.
Entrevistadora: Muito bem. Pensou, Vi ?
Vi: É, o que eu colocaria... antigamente era fazer Educação Física, mas hoje em dia
eu queria fazer uma faculdade, alguma coisa... Educação Física eu acho que virou meio que
modinha. Pra vida profissional eu acho que não vai ser muito interessante, porque todo
mundo tem. Outra alternativa é fazer, sei lá, tipo... alguma coisa assim, engenharia...
Arrumar uma boa empresa.
Entrevistadora: Casar, ter filhos... ?
Vi: Ah, aí não falo nada. [risos]
[risos]
Entrevistadora: É?
Vi: Por enquanto eu quero terminar, ter uma boa estabilidade financeira, eu acho
que depois eu penso em casar, namorar...
Entrevistadora: Os outros pensam assim? Como é que funciona?
Vi: Acho que mais pra frente também.
Entrevistadora: Primeiro estabilizar?
Vi: Exatamente. Primeiro tem que estudar bastante pra depois... Você tem que
[incompreensível]. É que nem minha mãe fala: “você tem que [incompreensível] pra
depois...
Entrevistadora: Tá certo. E deixa eu fazer uma última pergunta aí pra vocês, pra gente
poder encerrar, né? Se você tivesse deixando um depoimento pra uma pessoa que depois
vai ouvir essa fita daqui a algum tempo, assim. Afinal de contas, o que esse álbum
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possibilitou pra você? Ele permitiu que tipo de experiência fazendo esse álbum? Se alguém
fosse te ouvir, você ia falar “olha, eu sou um adolescente, eu fiz um álbum, eu contei a
minha vida e isso pra mim permitiu...” entender o que, viver o quê? O que vocês deixariam
aí de palavras finais aí pra quem vai ouvir vocês?
Vi: Começa, pode contar. [risos].
Entrevistadora: É, as palavras finais. O que você diria? O álbum permitiu algumas
coisas? O que ele possibilitou pra você?
Vi: Permitiu conhecer um pouco mais de mim, umas coisas que a gente não lembrava
do passado e pensar também já no futuro, já. Não é viver o presente, mas também se
preparar para o futuro, mesmo que você não saiba se vai tá vivo amanhã ou não. Tem que já
ir se preparando, de qualquer forma. Falei bonito, né?
[risos]
M: Falou tudo.
Entrevistadora: P?
P: Ah, não sei, assim, olhando o álbum agora, a gente começa a perceber como a vida
passando e que ela sempre vai passar. Eu não consigo me imaginar como que eu vou ser
no futuro, entendeu? Eu sei que a gente não vai ficar jovem pra sempre, né?que, é hoje,
né? A gente não vai ficar jovem pra sempre. Mas eu fico imaginando assim, adulta, com
a minha vida...
Ve: Com carreira...
Entrevistadora: É, o álbum fica, talvez vocês fiquem com um objeto que faça
essa reflexão, né? Foi um momento da adolescência, foi uma época de projeções, de planos.
De resgatar um pouco a infância. Vocês colocaram um pouco de ir lá, perguntar um pouco
pra mãe, pra vó, né?! Buscar as fotos, resgatar os traumas. Que nem a P aí, que fez o relato
do trauma dela. E aí, palavras finais?
Ve: Ah! [pausa]. Ah, não sei. Pra mim fazer o álbum... Pra eu fazer o álbum... Então,
acho da hora ficar corrigindo... Então, pra eu fazer o álbum, sei lá. Não mexeu assim tanto
comigo. O que mexeu comigo foi lembrar do meu amigo que faleceu, por procurar fazer a
história dele de novo. Isso mexeu comigo, da minha também. Mas dos outros fica a
saudade.
Entrevistadora: Legal, M!
M: Ah! Foi contar um pouco da sua vida, como que você, do passado, isso mudou um
pouco assim. É igual ele falou aí, a gente nunca sabe o que pode acontecer com a gente
amanhã, entendeu? A gente tem que tá preparado.
Entrevistadora: Encerramos a [entrevista].
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