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tentava se adequar ao “processo civilizador”
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em marcha, o médico alemão Robert
Avé-Lallemant, em sua passagem por Santa Catarina, oferece um discurso que vai
permear os olhares sobre Lages durante muitas décadas, e que em muitos casos ainda
permanecem vivos no imaginário catarinense. O médico visitou várias regiões do
Brasil, além de Santa Catarina, nos anos de 1858 e 1859, entre elas: Bahia, Pernambuco,
Sergipe, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Sul e o norte do país. A descrição de Avé-
Lallemant sobre a vila de Lages, nas vésperas de ser elevada à condição de cidade, e os
costumes da população, mostra claramente seu ponto de vista, como analisamos
anteriormente ao nos depararmos com os escritos de Debret, sendo mais um europeu
olhando o Brasil tendo como referência uma Europa vista por eles como moderna.
Mesmo sendo longo o relato de Ave-Lallemant, destacamos alguns pontos, por
considerarmos de fundamental importância para termos a noção de seu discurso:
“Todas as moradas são térreas, faltam vidraças nas janelas, dando
aparência erma; Terra onde pastam centenas de milhares de reses e não se
encontra uma libra de manteiga para comprar. Deixam animais comendo
no campo até crescerem, depois é feito o abate, vendem couro e chifres,
fazem carne seca e exportam; mulheres libertinas, terrivelmente feias, por
preços irrisórios, amenizam a vida dos criadores de gado e negociantes de
cavalos que moram nos arredores e na própria vila; preciosos tecidos para
vestidos e valiosos chalés de lã são comprados por mulheres de apavorante
fealdade... é raro que as serranas, mesmo quando se vestem com apuros,
usem meias... Lages é um pequeno ninho muito triste. Decerto o tempo e a
estação eram bastante desfavoráveis, razão para que a vida mostrasse com
má aparência. Creio que não vivem 500 habitantes no ninho, na Vila, cujo
território municipal perfaz centenas de léguas quadradas, com 8 a 9 mil
habitantes. Com isso ganha a pequena Cidade a expressão da maior
negligência e indiferença de seus habitantes pelo asseio e pela limpeza.
Lages fica situado a apenas cinco ou seis dias de viagem do mar.
Refletindo-se quão bonitas e aprazíveis parecem as localidades do Rio
Grande, como São Gabriel, Cachoeira, Alegrete e Uruguaiana, tão longe
no Uruguai, não se pode admitir que Lages, Vila principal de um grande
Município, fique muito aquém de localidades poucos importantes do Rio
Grande. Aqui ninguém viaja no inverno: as manhãs são muito frias, os dias
muito curtos, os caminhos muito maus, os animais muito magros ou
melhor a gente é muito preguiçosa para submeter-se a qualquer incômodo
ou risco. O conjunto tem ainda em si algo de áspero, de vulgar: De um
lado, rude, franco e hospitaleiro; do outro devasso e brutal. A civilização
não contribuiu aqui com coisa alguma, nem para o bem, nem para o mal.
E com essa injustiça provocada pela desolação da Natureza, afirmo que,
quanto mais conheci Lages – e infelizmente conheci-a por mais tempo do
que a princípio era meu intento e do que, depois, era meu desejo- tanto
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ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1995.