Nesse contexto, segundo Foucault (2006, p. 205), “podemos dizer que o asilo tal
como o vemos funcionar numa terapia como esta é um dispositivo de cura no qual a ação
do médico se incorpora absolutamente à da instituição, dos regulamentos, dos edifícios.”
Assim, o poder psiquiátrico é uma
certa maneira de gerir, de administrar, antes de ser como que uma terapia
ou uma intervenção terapêutica: é um regime, ou melhor, é porque é e na
medida em que é um regime que se espera dele certo número de efeitos
terapêuticos – regime de isolamento, de regularidade, emprego do
tempo, sistema de carências medidas, obrigação de trabalho, etc.
(FOUCAULT, 2006, p. 217).
No século XIX, o tratamento psiquiátrico é uma luta constante contra a loucura, e o
psiquiatra assume o papel de dirigir não só o funcionamento do hospital, como também os
indivíduos, e isso em nome da realidade. Mas se o psiquiatra atua sem utilizar um saber
psiquiátrico de fato, mas age como sendo o próprio asilo, frente a esse panorama, o que
Foucault apresenta como questionamento é Por que um médico? A resposta aparece,
segundo o autor, desde textos do século XIX, pois se o asilo não for dirigido pelo médico,
“então este asilo não terá função terapêutica.” Contudo, vê-se “renascer sem cessar a
dificuldade para explicar esse princípio, renascer a inquietação com que, afinal de contas,
já que se trata de um estabelecimento disciplinar, bastaria ter um bom administrador.”
(FOUCAULT, 2006, p. 229)
Ou seja, o que deve, segundo o autor, ser considerado importante para um bom
funcionamento do asilo, “o que faz com que o asilo deva ser necessariamente marcado
medicamente é o efeito de poder suplementar que é dado, não pelo conteúdo de um saber,
mas, estatutariamente, pela marca do saber.” (FOUCAULT, 2006, p. 229-230)
Em outras palavras, é pelas marcas que designam nele a existência de
um saber, e é somente por esse jogo das marcas, qualquer que seja o
conteúdo efetivo desse saber, que o poder médico vai funcionar no
interior do asilo, como poder necessariamente médico. (FOUCAULT,
2006, p. 230)
E, aproximadamente entre os anos 1840 e 1860, “o poder psiquiátrico como tática
de sujeição dos corpos numa certa física do poder, como poder de intensificação da
realidade, como constituição dos indivíduos ao mesmo tempo receptores e portadores de
realidade, se disseminou.” (FOUCAULT, 2006, p. 236) De fato, para Foucault (2006, p.
236), sob o que ele chama de funções-psi (patológica, criminológica, etc.), é onde se
encontrará “esse poder psiquiátrico, isto é, essa função de intensificação do real, onde quer
que seja necessário fazer a realidade funcionar como poder.”