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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM LITERATURA E INTERCULTURALIDADE
MICHELLE RAMOS SILVA
CORDELISTAS PARAIBANAS CONTEMPORÂNEAS: DIÁLOGO E RUPTURA
COM A LÓGICA PATRIARCAL
CAMPINA GRANDE – PB
2010
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MICHELLE RAMOS SILVA
CORDELISTAS PARAIBANAS CONTEMPORÂNEAS: DIÁLOGO E RUPTURA
COM A LÓGICA PATRIARCAL
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Literatura e Interculturalidade da
Universidade Estadual da Paraíba, área
de concentração Literatura e Estudos
Interculturais, na linha de pesquisa
Estudos Socioculturais pela Literatura,
em cumprimento à exigência para
obtenção do grau de mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Maria
Soares de Queiroz
CAMPINA GRANDE - PB
2010
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É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa
como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins
acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título,
instituição e ano da dissertação.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB
S586c Silva, Michelle Ramos.
Cordelistas paraibanas contemporâneas
[manuscrito] : Diálogo e ruptura com a lógica patriarcal
/ Michelle Ramos Silva. – 2010.
117 f.
Digitado.
Dissertação (Mestrado em Literatura e
Interculturalidade) Universidade Estadual da Paraíba,
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, 2010.
“Orientação: Profa. Dra. Rosângela Maria Soares de
Queiroz, Departamento de Letras e Artes”.
1. Cordel. 2. Autoria Feminina. 3. Feminismo.
I. Título.
21. ed. CDD 398.5
4
5
A Deus, luz dos meus dias.
A minha mãe, Severina Ramos Silva.
Ao meu pai, Marcos Antônio da Silva (in memoriam).
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos/as que, direta ou indiretamente, contribuíram para o
desenvolvimento deste texto dissertativo:
A Deus, pelo dom da vida,
A minha mãe, pelo amor e dedicação constantes.
À Jackson Azevedo, meu namorado, pelo amor, carinho, apoio e compreensão.
Aos meus irmãos: Magna, Saúlo e Kátia pela paciência e motivação.
À minha orientadora Rosângela Maria Soares de Queiroz, pelos momentos de aprendizado,
companheirismo e amizade, pois sempre foi mais que uma orientadora: uma amiga! Agradeço
ainda pela confiança depositada em mim ao longo desses dois anos de pesquisa.
Aos professores que tanto fizeram parte das bancas de Qualificação e Defesa Pública: Antônio
de Pádua Dias da Silva (UEPB) e José Hélder Pinheiro Alves (UFCG).
A turma sensação do Mestrado em Literatura em Literatura e Interculturalidade 2008.1, pelos
momentos de estudo e total descontração!
À Francisca Santos (Fanka), pelo referencial teórico disponibilizado acerca da historiografia
de autoria feminina no cordel.
Às cordelistas que disponibilizaram folhetos para a realização desse estudo.
A todos os meus amigos e amigas de hoje e sempre, pelo constante incentivo e
companheirismo: Alessandra, Alessandro, Alex, Andreia, Ananília, Bruno, Claudionor,
Daniel, Davi, Edvânia, Jaqueline, Jeane, Juviniano, Kézia, Fabiana, Itamar, Ivon, Leonel,
Newton, Marcela, Marcelo, Marília, Max, Miguel, Patrícia, Raquel, Rayana, Ricardo,
Romero, Rômulo, Romualdo, Sayonara, Stefânnya, Túlio, Valdir (primo e amigo), e Willen.
Faço uma menção especial aos seguintes:
Álisson de Albuquerque Alves, um amigo desde os tempos de graduação e que dividiu
comigo as alegrias e tensões de ser mestrando/a. Meu amigo, obrigada por tudo!
Manassés Morais Xavier, pela amizade diária, companheirismo e motivação.
Mabel Macêdo, pela amizade linda que construímos diariamente! Minha amiga, obrigada
pelas orações e palavras de motivação ao longo dessa caminhada.
A todos, meu sincero muito obrigado!
7
RESUMO
O folheto de cordel, uma produção cultural predominantemente escrita por homens, abarca
questões associadas às relações de gênero. Tais produções foram pautadas, (in)
conscientemente, pelo ideário masculino, na medida em que exaltavam aspectos referentes à
lógica patriarcal. Mesmo diante de um sem-número de folhetos escritos por homens, percebe-
se uma presença significativa de mulheres produzindo folhetos em diversas partes do Brasil.
Em meio a essa produção de autoria feminina nesse âmbito literário, nosso estudo contemplou
a produção de cordelistas nordestinas, especificamente paraibanas, a saber: Clotilde Tavares,
Hélvia Callou, Maria Godelivie, Maria Julita Nunes, Maria de Fátima Coutinho e Maria de
Lourdes Nunes Ramalho. O objetivo deste texto dissertativo foi de verificar, através de
aspectos temáticos e discursos de representações de gênero, se as cordelistas representam
sociedades cujas bases de sustentação estão longe ou fora da lógica patriarcal e falocêntrica. A
pesquisa em questão é de natureza qualitativa; a perspectiva quantitativa aparece de forma
secundária. Os folhetos foram adquiridos em bibliotecas, mas principalmente na residência
das próprias cordelistas. Com base nisso, contemplamos um processo de seleção, catalogação
e interpretação dos folhetos à luz de categorias teórico-críticas que dizem respeito às
feminilidades com Del Priore (2005), questões feministas na esteira de Nye (1995), Scott
(2005) e Badinter (2005). E, como essa pesquisa contemplou uma discussão sobre a literatura
de cordel, tivemos as reflexões empreendidas por Abreu (1993, 1999; 2006) e sobre a
historiografia referente à produção de autoria feminina no cordel, através de Santos (2006;
2008; 2009) e Queiroz (2006). Foram selecionados 39 folhetos (trinta e nove) que tematizam,
direta ou indiretamente, questões associadas às relações de gênero na contemporaneidade. Foi
constatada uma predominância de folhetos que contemplam temáticas que fazem referência à
lógica patriarcal e ao falocentrismo (15 folhetos) e que trazem questões associadas ao
feminismo (06 folhetos). Além disso, a presença de folhetos que problematizam a vida em
sociedade (13 folhetos). Convém mencionar a presença de outras temáticas que dizem
respeito à vida de santos, preconceito racial, entre outros, mas que não fazem parte da nossa
análise (05 folhetos). Nesses termos, verificou-se a representação de personagens mulheres
mantenedoras dos laços com a lógica patriarcal e falocêntrica não abrindo mão, porém, de um
posicionamento crítico acerca dos direitos das mulheres e de um melhor relacionamento com
a outra parte do gênero – o masculino.
PALAVRAS-CHAVE: Cordel, Autoria feminina, Feminismo, Lógica patriarcal,
Falocentrismo.
8
ABSTRACT
The cordel booklet, which is a cultural production written predominantly by men, includes
questions associated with relations of genre. Such productions (un)consciously inhere the
male ideal which praise the aspects concerning to the patriarchal logic. Even with a countless
number of booklets written by men, it is found a significant presence of women producing
leaflets in various parts of Brazil. Among the production of female authorship in this literary
category, our research focused on the work produced by women who write cordel from
Paraíba: Clotilde Tavares, Hélvia Callou, Maria Godelivie, Maria Julita Nunes, Maria de
Fátima Coutinho and Maria de Lourdes Nunes Ramalho. The aim of this study was to verify
by means of thematic aspects and genre representation through discourse, if the female writers
of cordel represent societies whose models of sustentation are out of the patriarchal logic and
phallocentric.This research is a qualitative one; the quantitative perspective assumes Just a
secondary status. The booklets were collected in libraries, but primarily at the writer’s home.
Based on this, we have started a process of collection, catalogue and interpretation of the
booklets in the light of critical and theoretical categories which deal with the femininities as
Del Priore (2005), feminist discussions in Nye (1995), Scott (2005) and Badinter (2005). As
this research contemplated a discussion about the cordel literature, we had our reflections
based on Abreu (1993,1999; 2006), about the historiography in reference to the production of
female authorship in cordel through Santos (2006; 2008; 2009) and Queiroz (2006). We have
selected 39 booklets which thematize directly or indirectly questions associated with relations
of genre in contemporaneity. It was tested a predominance of booklets which highlights
thematics that make reference to the patriarchal logic and phallocentrism (15 booklets), and
which brings questions related to feminism (06 booklets). Moreover, the presence of booklets
which problematize the life in society (13 booklets). In addition, it is not useless to mention
the presence of other thematics which deal with saints, racial prejudice, among others, albeit
they are not part of our analysis (05 booklets). In this way, it was verified the representation
of women characters who maintain the bonds with the patriarchal and phallocentric logic, but
who do not give up a critical position in what concerns to the women rights and a better
relationship with the opposite genre – the male.
Key words: Cordel literature; Female authorship; Feminism; Patriarchal logic;
Phallocentrism
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 08
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
APONTAMENTOS SOBRE A LITERATURA DE CORDEL – I PARTE...................... 18
Literatura de cordel: da perspectiva lusitana ao contexto do Nordeste brasileiro............... 18
A literariedade nos folhetos de cordel................................................................................. 22
O cordel e seus temas.......................................................................................................... 28
O folheto de cordel e as relações de poder entre os gêneros............................................... 31
A MULHER EM CENA: UMA HISTÓRIA (RE) VISITADA – II PARTE .................... 35
A mulher brasileira e os impactos da sociedade industrial.................................................. 35
A contemporaneidade e as formas de conceber o amor e a sexualidade feminina.............. 40
Um olhar sobre o movimento feminista: entre direções e contradições.............................. 45
A escrituração feminina....................................................................................................... 52
A produção de autoria feminina no cordel.......................................................................... 54
A LÓGICA PATRIARCAL NOS CORDÉIS ESCRITOS POR MULHERES ................ 64
Os fios de uma herança falocêntrica nas personagens mulheres ........................................ 64
A traição das mulheres nos versos das poetisas: um viés machista?................................... 80
OS CORDÉIS NA PERSPECTIVA FEMINISTA ............................................................ 86
A condição das mulheres na contemporaneidade: versos, vozes, vontades....................... 86
Vozes que problematizam a vida em sociedade: política, economia, educação e meio
ambiente............................................................................................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 106
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 110
10
INTRODUÇÃO
No processo evolutivo das civilizações, as relações entre homens e mulheres
relações de gênero foram, paulatinamente, construídas de acordo com ‘influências’
histórico-culturais. Um exemplo disso está nas civilizações arcaicas em que “o deslocamento
da caça e coleta para a agricultura pôs fim gradualmente a um sistema de considerável
igualdade entre homens e mulheres” (STEARNS, 2007, p. 31). O trabalho agrícola era feito,
em sua maioria, pelos homens, pois eles cuidavam da plantação e a eles cabia a
responsabilidade de prover o lar. A ajuda das mulheres era relativamente secundária em
virtude da maternidade, de modo que a vida delas passou a ser definida “mais em termos de
gravidez e cuidado de crianças. Era o cenário para um novo e penetrante patriarcalismo”
(STEARNS, 2007, p. 32). Assim, tais preceitos vinculados à lógica patriarcal foram
sedimentados, através dos anos, nos comportamentos/atitudes dos sujeitos e, com isso,
repercutindo intensamente nas relações de gênero.
Ao trazermos essa lógica para as relações de gênero assumidas na contemporaneidade,
temos uma visão mais ampla sobre a masculinidade e a feminilidade, através do contexto
social em que estão alocados, permitindo, com isso, ver a pluralidade entre os gêneros,
levando em consideração os vários fatores que influenciam na formação da personalidade dos
sujeitos (COSTA, 1994). Nesta ótica, tais relações são construídas de forma histórico-cultural,
daí torna-se necessário refletir sobre as relações de gênero em contexto brasileiro, pois o
Brasil é um país marcado pela manutenção das relações de poder entre homens e mulheres.
Paralelamente a isso, bastaram as estruturas desta sociedade adentrar o século XX para
que aparecessem fissuras na sustentabilidade familiar de base patriarcal. Ora, nos referimos ao
movimento feminista da década de 60, pois as mulheres inseridas nesta construção cio-
11
cultural almejavam um equilíbrio nas relações entre homens e mulheres e obtiveram inúmeras
conquistas nos espaços apenas destinados aos homens.
Entre tais conquistas encontramos a possibilidade de trabalhar fora do ambiente
doméstico, ocupando cargos até então exclusivos aos homens. É válido destacar que a luta
feminista data de longos anos, ao pensarmos nas primeiras justificações sistemáticas dos
direitos das mulheres empreendidas no século XIX, as quais através de teorias democráticas
e liberais impulsionaram a questão do voto (NYE, 1995). Torna-se necessário dizer que
essas “vitórias das mulheres” não se fazem presentes da mesma forma para todas as mulheres.
Isso se deve a fatores ligados a condição social, grau de escolaridade destas, entre outros
fatores. No entanto, questões ligadas, por exemplo, à violência contra a mulher podem ser um
tanto relativizadas, ao pensarmos que esse tipo de situação não se restringe a classe social,
grau de escolaridade, idade ou raça, de modo que mesmo havendo uma lei – Maria da Penha –
para punir o agressor, a maioria das mulheres não consegue denunciar seu ‘parceiro’, talvez
por medo, vergonha ou até mesmo por dependência financeira, como reflete Renato Ribeiro
Velloso, Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim.
Paralelamente a isso, refletimos que a figura masculina sempre se fez presente ao
longo dos séculos nos vários segmentos sociais. E uma forma também de “autenticá-la” foi
através da escrita, a qual carrega os códigos e valores impostos pelos homens. Para tanto, vale
ressaltar que as mulheres sempre escreveram, porém a partir do século XX elas puderam
expressar seus anseios, bem como manifestar aspectos críticos, via escrita, acerca dos
acontecimentos desencadeados socialmente.
Sob esse viés, produções culturais predominantemente escritas por homens, como o
folheto de cordel, abarcam questões associadas às relações de nero. Tais produções foram
pautadas, (in) conscientemente, pelo ideário masculino, na medida em que exaltavam aspectos
referentes à lógica patriarcal. Os fatores que fazem do nordestino um sujeito associado à
12
virilidade e valentia, dentre outros atributos, está no enraizamento da lógica patriarcal. E
pensando no folheto de cordel, encontramos um número considerável de textos que
representam o nordestino como um ser que validava, perante outros homens, a capacidade de
honrar sua família, região, por meio de sua coragem e força, de forma a defender,
enfaticamente, os interesses do seu povo, principalmente os de sua família, base de seu poder.
Nessa medida, é oportuno ressaltar que “a literatura de cordel é um gênero da poesia
narrativa popular impressa representante da cultura [...] (ALBUQUERQUE, 2009) que no
Brasil, é escrito, predominantemente, por sujeitos nordestinos, em sua maioria homens. Uma
explicação para isso está na tradição e sistematização por parte de cordelistas como Leandro
Gomes de Barros e tantos outros que fazem parte do cancioneiro popular. Registramos, ainda,
que antes dessa sistematização de folhetos impressos, é observado como nos dias de hoje
poemas cantados em formas de desafios de cantadores, bem como através de canções de
amor, de luta, entre outras. Porém, essa habilidade poética não era apenas destinada aos
homens, pois havia mulheres cantadoras que ‘duelavam’ com repentistas ou cordelistas
famosos (SANTOS, 2008). A historiografia dessa literatura oculta a presença de tais mulheres
nesse meio poético.
Embora saibamos de uma intensa produção no âmbito da literatura de cordel por parte
dos homens, convém destacarmos que além da presença delas como cantadoras mesmo
ocultadas pela historiografia oficial dessa literatura mulheres que escreveram e escrevem
cordéis. Dentro desse cenário, o primeiro folheto publicado por uma mulher Maria das
Neves Batista Pimentel, a qual usava o pseudônimo masculino de Altino Alagoano para
publicar seus folhetos data de 1938 intitulado O Violino do Diabo ou o Valor da
Honestidade. Na esteira de Maria das Neves, várias cordelistas foram, gradualmente, não
apenas escrevendo, mas publicando seus folhetos, como mostram Santos (2009) e
Albuquerque (2009). Em pesquisa realizada no acervo Átila Almeida da Universidade
13
Estadual da Paraíba (UEPB) e no LAELL da Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), Albuquerque (2009) listou, em seu texto intitulado Vozes femininas na literatura de
cordel, a presença de mulheres cordelistas nesses acervos, porém argumenta que “apesar de
ser um número reduzido de vozes femininas na literatura de cordel, se compararmos com os
cordelistas [...] as mulheres também estão procurando contribuir com a literatura popular”
(ALBUQUERQUE, 2009).
Em meio a mulheres de diversas partes do Brasil que escrevem cordéis, nosso estudo
contempla a produção de cordelistas nordestinas, especificamente paraibanas. Assim, o
objetivo desta pesquisa está centrado na análise da produção das seguintes cordelistas
paraibanas: Clotilde Tavares, Hélvia Callou, Maria Godelivie, Maria Julita Nunes, Maria de
Fátima Coutinho e Maria de Lourdes Nunes Ramalho, identificando nos folhetos temáticas
que façam referência às relações entre homens e mulheres no nordeste brasileiro, bem como a
possibilidade de perceber traços linguísticos referentes ao falocentrismo e a presença de temas
de base feminista que problematizam a condição das mulheres na contemporaneidade, a saber:
o trabalho fora do ambiente doméstico, políticas públicas que as beneficiem, creches, escolas
e questões relacionadas à saúde delas.
Nesse contexto, consideramos que as cordelistas podem lançar “perspectivas
feministas”, através dos seus folhetos, instaurando novos temas e abordagens, de forma a
romper aos poucos com o discurso postulado pelo falocentrismo nessa representação literária.
Diante disso, problematizamos nosso estudo com a seguinte pergunta: As cordelistas
representam sociedades cujas bases de sustentação estão longe ou fora da lógica patriarcal e
falocêntrica?
Este estudo se justifica pela necessidade de analisarmos as relações de gênero no
cordel, sabendo que “o cordel fornece uma estrutura narrativa, uma linguagem e um código de
valores que são incorporados, em vários momentos, na produção artística e cultura
14
nordestina” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2001, p.112). Logo, o texto de cordel não reflete
a cultura e crença(s) nordestinas, mas também as relações de poder estabelecidas entre
homens e mulheres na região em questão. Nessa medida, tal estudo é oportuno por ser uma
forma de analisar, bem como valorizar a produção das mulheres que escrevem cordel, pois
além delas ressignificarem o folheto de cordel ao propor novos temas e abordagens, ainda há
uma lacuna na historiografia oficial dessa literatura no que se refere à produção dessas
cordelistas, bem como um número expressivo de estudos teórico-críticos que “auxiliem” o
pesquisador a aprofundar seus estudos nessa produção de autoria feminina na literatura de
cordel.
Para além desses fatos, faz-se necessário detalharmos os procedimentos metodológicos
que fazem parte da presente pesquisa. Assim, o nosso corpus de análise são folhetos de
cordéis, especificamente os escritos por mulheres paraibanas, por sabermos de uma
expressiva tradição da poesia popular no estado da Paraíba, a exemplo dos Nunes-Batista,
“[...] uma comunidade poética cujo berço é a Serra do Teixeira” (MENDONÇA, 1993, p. 12),
a qual remete a história da Literatura Oral, através de Agostinho Nunes da Costa Filho (1792-
1858), Nicandro (1829-1918) e Ugolino Nunes da Costa (1832-1895) e da poesia popular por
meio de Francisco das Chagas Batista (1882-1930).
Mesmo sabendo que essa tradição está relacionada a uma produção masculina,
lembramos que o veio poético também foi manifestado entre as descendentes mulheres -,
como também daquelas que, mesmo não pertencendo a uma família de poetas populares,
foram “embaladas” ao som de cantadores de viola na infância. Porém, é oportuno mencionar
que no universo dos folhetos das cordelistas paraibanas, contemplamos o folheto intitulado
Vaquejada e Vaqueiro (A história da fazenda) de Maria do Carmo Cristovão, por abordar de
forma mais direta questões relacionadas à lógica patriarcal e por ter sido o primeiro folheto de
autoria feminina catalogado em nossa pesquisa.
15
Assim pensando foi que, como dito anteriormente, destacamos a produção das
cordelistas: Clotilde Tavares, Hélvia Callou, Maria Godelive, Maria Julita Nunes, Maria de
Fátima Coutinho e Maria de Lourdes Nunes Ramalho. A ‘seleção’ de tais poetisas se deve ao
fato de algumas delas terem participado de projetos que valorizam a literatura de cordel, como
os projetos VIVA O CORDEL DA FUNCESP e CORDEL CAMPINENSE da cidade de
Campina Grande-PB, como também por problematizarem em seus folhetos, na maioria das
vezes, questões referentes às relações de gênero a exemplo de Clotilde Tavares, Maria de
Fátima Coutinho, Maria Godelivie e Lourdes Ramalho – e de ordem político-social – como os
folhetos de Hélvia Callou e Maria Julita Nunes. É válido destacar que além dessas poetisas,
nos primeiros passos da pesquisa, tínhamos pensado em analisar as produções de Maria Diva
e Zaíra Dantas, porém a ausência de folhetos e maiores informações sobre elas foram fatos
determinantes para não as contemplarmos nesse estudo.
Nessa empreitada, lançamos mão de categorias teórico-críticas que dizem respeito às
feminilidades, a partir de Del Priore (2005) e Rocha-Coutinho (1994), questões feministas na
esteira de Funck (1994), Nye (1995), Scott (2005) e Badinter (2005). E, como essa pesquisa
contempla uma discussão sobre a literatura de cordel, dialogamos com as reflexões
empreendidas por Abreu (1993, 1999; 2006); sobre a historiografia referente à produção de
autoria feminina no cordel, nos reportamos a Santos (2006; 2008; 2009) e Queiroz (2006).
Essa pesquisa é de natureza qualitativa, mesmo sabendo que o método quantitativo
torna-se necessário para termos uma visão mais abrangente desse estudo. Desse modo,
fizemos um ‘balanço’, por assim dizer, do maior número de folhetos escritos, até os dias de
hoje, pelas cordelistas em questão. É válido dizer que não foi feito um recorte no que diz
respeito ao ano de publicação de tais folhetos.
Nesse inventário, priorizamos a categoria de análise temática dos cordéis, bem como
os discursos de representação de gênero. Para tanto, foram catalogados os folhetos que
16
contemplam questões associadas às relações de gênero e, com isso, “separamos” de um lado
os folhetos que abordam direta e indiretamente aspectos referentes à lógica patriarcal e de
outro, folhetos que fazem referência, em maior ou menor grau, ao feminismo. Organizados
todos os folhetos através das temáticas abordadas e de posse de categorias teórico-conceituais,
como as feminilidades, analisamos cada folheto, guiados pelos objetivos propostos.
Levando em consideração não o aspecto qualitativo, mas também o quantitativo,
seguimos o processo de seleção, catalogação e interpretação dos folhetos das cordelistas, os
quais foram encontrados nas bibliotecas visitadas. Porém, um maior número de folhetos pode
ser adquirido nas residências das próprias cordelistas, como também por meio de pessoas que
‘colecionam’ folhetos. Através de tal processo, foram utilizados 39 folhetos (trinta e nove),
nos quais identificamos a presença ou ausência de temáticas que convergem para as relações
de gênero. Ao pensarmos nesse montante de folhetos, convém detalhá-los no que se refere à
produção de cada cordelista: Clotilde Tavares (04), Hélvia Callou (10), Maria Godelivie (14),
Maria Julita Nunes (05), Maria de Fátima Coutinho (03) e Maria de Lourdes Nunes Ramalho
(03). Vale ressaltar que além desses folhetos, elas produziram outros, porém a não inserção
dos demais folhetos na nossa pesquisa se deve à falta de acesso, pois os mesmos estão, em sua
maioria, arquivados a exemplo dos folhetos de Maria Julita bem como dificuldades de
acesso – como os folhetos Maria de Fátima Coutinho, uma vez que não conseguimos contatá-
la e assim adquirir outros folhetos e mais informações sobre essa poetisa.
Em meio a esses que foram selecionados, catalogados e posteriormente analisados e
em consonância com os objetivos dessa pesquisa, refletimos que uma predominância de
temáticas que fazem referência à lógica patriarcal e ao falocentrismo (15 folhetos) e folhetos
que trazem questões associadas ao feminismo (06 folhetos). Além disso, a presença de
folhetos que problematizam a vida em sociedade (13 folhetos). Convém mencionar a presença
de outras temáticas que dizem respeito à vida de santos, preconceito racial, entre outros, mas
17
que não fazem parte da nossa análise (05 folhetos). Vale ressaltar que o aspecto norteador do
nosso trabalho é o qualitativo; o quantitativo aparece em função dele e em segundo plano.
Como dito antes, os folhetos que fazem parte do corpus de análise foram adquiridos na
residência de cada cordelista, uma vez que elas dispõem de todos os folhetos produzidos, ou
pelo menos um número considerável. Porém, é válido afirmar que no inicio desse estudo,
foram realizadas visitas à biblioteca Átila Almeida (UEPB) e ao acervo bibliotecário do
LAELL (UFCG), porém por sabermos de um número expressivo de folhetos em tais
bibliotecas – 10 mil e 8 mil, respectivamente –, e por entendermos que um sem-número de
folhetos escritos por homens em seus “catálogos”, de modo que encontrar as produções das
cordelistas, nestes locais de pesquisa, torna-se uma tarefa “quase impossível”.
Diante desses fatos, convém esclarecermos como nosso texto dissertativo está
disposto, visto que além dessa parte introdutória, organizamos um primeiro capítulo centrado
na fundamentação teórica, a qual foi subdividida em duas partes. A primeira, intitulada
“Apontamentos sobre a Literatura de Cordel” é um breve panorama dos aspectos
concernentes à Literatura de cordel, da perspectiva lusitana ao contexto do Nordeste
brasileiro, onde houve uma “adaptação” dessa modalidade literária em solo nordestino, bem
como uma sistematização e consolidação dos folhetos. E dentro desse capítulo, ressaltamos
ainda a literariedade encontrada nos folhetos de cordel, como também os seus temas mais
recorrentes. Além disso, achamos por bem inserirmos uma breve discussão sobre o cordel e as
relações de poder entre homens e mulheres.
No que se refere à segunda parte da fundamentação teórica intitulada, A mulher em
cena: uma história (re) visitada”, discorremos sobre a condição feminina e suas
particularidades desde o século XIX com o advento, no Brasil, de uma sociedade industrial
passando pelo século XX e início do XXI, através das mudanças nas formas de conceber o
amor e a sexualidade feminina. Em meio a isso, discutimos os aspectos relacionados ao
18
movimento feminista, tendo em vista as várias contradições que o mesmo carrega e possíveis
direções. E, nessa esteira, lançamos mão da crítica feminista no que diz respeito às suas
influências e contribuições para a escrituração feminina. Nesse contexto, arrematamos, por
assim dizer, esse primeiro capítulo com reflexões sobre a produção de autoria feminina no
cordel.
Feito esse apanhado sobre as particularidades do folheto de cordel, a condição
feminina, o movimento feminista e sobre a produção das mulheres que escrevem cordel,
principalmente no que se refere às cordelistas paraibanas, adentramos nos capítulos de
análise, a saber, o segundo e o terceiro. O segundo capítulo, intitulado “A lógica patriarcal
nos folhetos escritos por mulheres” está dividido em dois tópicos: ‘Os fios de uma herança
falocêntrica nas personagens mulheres’ e ‘A traição das mulheres nos versos das poetisas: um
viés machista?’, os quais contemplam uma análise dos folhetos que convergem para temáticas
que reforçam os preceitos vinculados pelo pensamento patriarcal, além de aspectos
representacionais que direcionam, em maior ou menor grau, para o falocentrismo.
O terceiro capítulo, intitulado “Os folhetos das cordelistas na perspectiva feminista”,
está dividido em duas secções. A primeira, intitulada ‘A condição das mulheres na
contemporaneidade: versos, vozes, vontades’ e a segunda com o título de ‘Vozes que
problematizam a vida em sociedade: política, economia, educação e meio ambiente’. Em tais
secções, a análise dos folhetos está direcionada para temáticas que apontam para discussões
relacionadas ao movimento feminista e seus desdobramentos no cotidiano da mulher
contemporânea.
Além dessa divisão de ordem ‘organizacional’ do nosso texto dissertativo, procedemos
à inserção de notas de rodapé à medida que as cordelistas foram mencionadas na análise. Tais
notas abordam questões referentes às origens destas. Ao pensarmos, por exemplo, que
escritoras como Hélvia Callou – radicada na Paraíba desde 1970 – e de outras que são naturais
19
de Campina Grande (Clotilde Tavares e Maria Godelivie) ou Teixeira (Maria Julita Nunes).
Além disso, dados que informam sobre a formação acadêmica (quando nos foi
disponibilizado), o universo poético e social em que elas ‘descobriram’ a literatura de cordel e
a produção, de forma geral, dos seus folhetos. É oportuno esclarecer que todas essas poetisas
‘cresceram’ dentro de um contexto histórico-social e cultural que influencia, de forma direta
ou indireta, a sua produção literária.
20
APONTAMENTOS SOBRE A LITERATURA DE CORDEL – I PARTE
Literatura de cordel: da perspectiva lusitana ao contexto do Nordeste brasileiro
O termo literatura de Cordel é de matriz européia, especificamente lusitana, de modo
que o cordel é luso de origem, como aponta o registro dos dicionaristas mais remotos
(PEREGRINO, 1984). Porém, ao adentrar nos domínios dessa Literatura, percebemos que a
tarefa de defini-la se tornou algo complexo para os estudiosos que se debruçam sobre esse
assunto, como Abreu (1999), refletindo que “as características físicas dos folhetos, aliadas à
maneira de vendê-los, têm sido os atributos mais recorrentes ao se tentar uma definição” (p.
19).
Essa literatura abarca a divulgação de textos para diversos setores da população
portuguesa. No que se refere a esses textos, podemos apontar uma diversidade de assuntos,
pois vão desde autos que direcionam para “toda peça breve, de tema religioso ou profano
[...]” (MOISÉS, 2004, p. 45) e entremezes breves composições dramáticas até receitas
culinárias. Na tentativa de unificar toda essa produção do cordel luso, Abreu (1999) aponta
que a Literatura de Cordel portuguesa estaria envolta nos “moldes editoriais”, em que são
encontrados textos que pudessem se adequar à divulgação para grandes públicos. É válido
dizer que esse tipo de Literatura teve voga em Portugal, mais precisamente, entre os séculos
XVIII e XIX.
Uma possível explicação para esse “molde editorial” repousa no fato dos editores
perceberem a diversidade do público que estava tendo contato com essa literatura, como por
exemplo, pessoas de um estrato social inferior. Nessa medida, tais editores fizeram circular
textos que estavam destinados apenas a um público letrado daquela época, através de um
processo acessível, bem como uma necessária adaptação desses textos para um público
diversificado.
21
Para além desses fatos, faz-se necessário pensarmos nos primeiros textos
considerados como Literatura de Cordel que saíram de Portugal para o Brasil nas caravelas,
visto que uma diversidade de títulos, bem como textos de cordel precisariam passar por uma
certa ‘fiscalização’ por meio da Real Mesa Censória, a qual examinava, como também
verificava a ‘confecção’ de quaisquer texto ou livro que entrasse no Reino, com vistas à
autorização destes. É oportuno apontar que a maioria dos textos de cordel que foram trazidos
ao Brasil estava centrada nos clássicos da literatura européia como, por exemplo, Magalona,
D. Inês de Castro, Carlos Magno, Os Doze Pares de França, entre outros. Logo, passaram
por adaptações, com vistas à publicação nos moldes da literatura de Cordel, como indica
Abreu (1999). As narrativas que emergem desses textos direcionam para uma constante luta
maniqueísta, em que o Bem sempre vence o Mal. Em contrapartida, tais narrativas não
problematizam questões de ordem política, econômica e social, de forma a estabelecer uma
postura ‘utópica’, pois estariam em jogo valores morais que ‘harmonizam’ a vida em
sociedade, nesse âmbito ficcional.
Tal literatura foi introduzida no Brasil por meio dos colonizadores portugueses “[...]
instalando-se em Salvador, na Bahia. Dali foi difundida para os demais Estados nordestinos”
(AZEVEDO, 2004, p. 15-16). Antes de existir, categoricamente, a denominação de literatura
de Cordel no Nordeste brasileiro, era nítido o surgimento de poemas ‘cantados’, em forma de
desafios. Este desafio aponta uma criatividade por parte dos repentistas envolvidos, uma vez
que cada um tenta superar o verso do outro, através do elevado grau de inspiração ou até
mesmo com perguntas enigmáticas, em que o outro deve responder sob pena de ser derrotado.
A “arena” construída pelo desafio de cantadores, a cada verso, direciona para algumas
particularidades deste, uma vez que o mesmo faz parte da esfera da oralidade, em que temos
uma “disputa poética em versos, parte improvisada, parte decorada, entre dois cantadores
repentistas” (ANDRADE, 2003, p. 81). Acrescente-se a isso o fato dos repentistas precisarem
22
ter um equilíbrio entre originalidade e consciência técnica para a improvisação, o que se fazia
necessário para mostrarem ao público agilidade mental e talento poético.
Neste contexto, depois de algum tempo os poetas do repente começaram a fazer as
transcrições, em folhetos, das pelejas de que participavam. Tais transcrições, em geral, não
são cópias “fiéis” do que realmente ocorreu na peleja, uma vez que o poeta geralmente um
dos repentistas participantes do desafio – além de reproduzir os versos da peleja, lança mão de
acréscimos no momento da confecção do cordel, seja para tornar a peleja mais favorável ou
mesmo enaltecer a sua participação.
Essas pequenas alterações “sinalizam o cruzar da fronteira entre o registro do desafio
cantoria e o começo do desafio literário(ANDRADE, 2003, p.82). É nessa perspectiva que
verificamos vários poetas que mesmo não sendo cantadores repentistas, escreveram folhetos
de desafio imaginário. Com efeito, essa passagem da disputa poética para os domínios da
escrita inaugurará a invenção do marco, uma estrutura literária derivada do desafio.
Dando continuidade, modernamente, a essa tradição, dentre os poetas que escrevem
marcos e desafios literários e que não são repentistas, encontram-se os assim chamados,
popularmente, de poetas de bancada, que tem uma espécie de precursor em Leandro Gomes
de Barros, seguido de nomes como Francisco das Chagas Batista, João Martins Athayde,
Apolônio Alves dos Santos, entre tantos outros.
Esse breve percurso sobre os desafios de cantores foi necessário, devido ao fato de o
cordel ter as suas raízes fixadas também na oralidade. Leandro Gomes de Barros foi o
primeiro poeta de bancada a impulsionar o ‘desenvolvimento’ da produção cordelista no
Nordeste brasileiro. É neste sentido que ele:
[...] não foi apenas o primeiro, foi o maior de todos os poetas populares do Brasil.
Desbravador de uma seara nova, a da publicação dos folhetos, nenhum outro lhe
arrebatou a palma na quantidade e na qualidade da obra divulgada (ALMEIDA,
197?, p. 03)
23
Nesses termos, evocar o nome de Leandro Gomes de Barros é pensar na história’ da
literatura de cordel no Nordeste brasileiro. Esse importante cordelista conquistou um público
leitor para seus folhetos com um ‘sistema’ que fazia com que o leitor ficasse ‘preso’ em
narrativas ‘inacabadas’ que visavam à continuidade da história em outro folheto. Essa forma
de ‘cativar’ o leitor foi utilizada por vários poetas populares que ‘declamavam’ seus poemas e
no “clímax” da história exclamava: ‘quem quiser saber do final da história, é só comprar o
folheto’. Com efeito, criou-se, gradativamente, um “público leitor” para essa literatura, que
mesmo sendo constituído por pessoas, em sua maioria, que não soubessem ler e escrever
pudesse comprar o folheto por ser de um preço acessível. Estas pessoas ávidas de
curiosidade para saber o desenrolar da história, “as cenas do próximo capítulo”, pediam para
alguém de sua confiança ler o folheto em voz alta. Nesse momento de leitura, outras pessoas
se ‘juntavam’ àquela platéia de leitores/ouvintes. Um exemplo desse tipo de situação foi
narrado por Márcia Abreu em O menino e o poeta (2005) que faz parte de uma antologia
no momento em que uma das personagens:
“[...] fascinado com o que ouvia, [...] viu um homem, com um folheto na mão,
recitando versos que contavam uma história [...] e [...] em vez de continuar a ler o
folheto, o homem o fechou e disse: - Quem quiser saber a história...compre o
folheto! Está barato! E a história é boa...” (p. 15-16)
Como vimos, diferentemente da perspectiva lusitana, moldada para uma difusão
“editorial”, no Brasil, principalmente na região Nordeste, foi evidenciado um processo de
consolidação da literatura de folhetos vendidos na feira-livre para o povo, a partir do final do
século XIX, com o paraibano Leandro Gomes de Barros e outros cordelistas nordestinos. De
acordo com esta visão, “definem-se as características gráficas, o processo de composição,
erudição e comercialização e constitui-se um público para essa literatura. Nada nesse processo
parece lembrar a literatura de cordel portuguesa” (ABREU, 1999, p. 66).
24
Em meio às diferenças entre os folhetos de origem portuguesa e os ‘confeccionados’
no Nordeste brasileiro, encontramos, ainda, um enfoque destinado para a vida dos nobres e
cavaleiros e uma tematização do cotidiano nordestino (ABREU, 1999), respectivamente.
Dentro desse contexto, é válido destacar que “no final do século XIX e início do século XX, o
cordel fazia parte da vida de nordestinos que viviam no campo, dependendo da agricultura ou
ainda nas cidades, com seus pequenos comércios” (PINHEIRO, 2001, p. 11).
A literariedade nos folhetos de cordel
O processo criativo de alguns autores, seja na prosa ou na poesia, nos leva ao
encantamento diante da consciência técnica com que, não dominam os mecanismos da
escrita, como também propiciam à imaginação do leitor uma inebriante forma de (re)
descobrir seus anseios e compreender o mundo à sua volta. Assim sendo, pensamos no texto
de cordel como uma fonte profícua de elementos literários, através do uso artístico que os
cordelistas fazem das palavras.
No entanto, uma forma de tentarmos trilhar os caminhos que indicam o cordel como
uma peça literária e colocá-lo em seu lugar de direito entre um sem-número de obras da
literatura, necessário se faz recorrer a alguns conceitos literários com vistas a ‘desfazer’
qualquer mal-entendido acerca do valor literário dos folhetos. Nunca é demais lembrar que
alguns críticos literários não dão o devido crédito a tais textos, talvez por não estarem
vinculados a uma certa tradição literária, ou pelo fato de a maioria dos cordelistas não estarem
entre os grandes nomes dos escritores brasileiros. Além disso, essa ‘mínima valorização’ pode
estar associada aos lugares onde são comercializados os folhetos, (a feira, as residências de
seus autores).
Dentro desse contexto, percebemos que os princípios que levam os críticos a
diferenciar um texto literário de um texto não literário vêm primordialmente de três correntes
25
da crítica literária do inicio do século XX - Formalistas Russos, New Criticism e a Estilística
as quais colocaram em crise alguns aspectos literários, como, por exemplo, o próprio
conceito de Literatura. Ao visualizar os preceitos defendidos e/ou construídos pelos
Formalistas Russos a partir de 1914, percebemos que no seio desta corrente literária,
“constituiu-se uma teoria explicativa da literariedade que estava destinada a conhecer uma
fortuna excepcional nos estudos literários contemporâneos: a linguagem literária seria o
resultado, o produto de uma função específica da linguagem verbal” (AGUIAR E SILVA,
1983, p. 47-48). Tal concepção estava atrelada a uma perspectiva privilegiadora da função
‘literária’ da linguagem, uma característica típica dos estudos linguísticos da Escola de Praga.
Em consonância a essa concepção, a literariedade postulada pelos formalistas,
principalmente na figura de Roman Jakobson, indica que a linguagem literária desencadeia
particularidades que fazem dela um texto literário. Jakobson discorre sobre a Literatura,
indicando uma necessária seleção das palavras, ao pensar na função estética da linguagem
literária, de modo que este teórico, pensando nas funções da linguagem verbal, percebeu que a
função poética exerce um papel determinante no uso da linguagem literária, pois o signo
verbal transitará de forma original, através de uma criteriosa combinação e seleção das
palavras. É nessa perspectiva que vai resultar na Literariedade que aponta para as
especificidades que fazem de uma obra literária, ser, categoricamente, literária.
As reflexões de Jakobson acerca da literariedade apontam ainda para uma distinção
entre a linguagem literária (poética) e a linguagem cotidiana. Ao contrapor, bem como
distinguir esses dois tipos de linguagens, os formalistas verificaram que a linguagem literária
está relacionada à transgressões de ordem linguística e semântica, de modo a ‘compor’ uma
desautomatização da linguagem. Com isso, o escritor transforma a realidade violando, por
assim dizer, o signo linguístico, mostrando o ‘poder’ que emana da criação verbal. Em
contrapartida, a chamada linguagem cotidiana indica um encadeamento das palavras, de
26
forma a tecer um texto em que impera a objetividade ou mesmo um ‘contrato’ tácito com a
realidade.
Essa rápida incursão sobre as ‘origens’ do conceito de literariedade torna-se relevante
para a discussão acerca da literariedade do texto de cordel. Em meio a essas questões, é
oportuno assinalar que não só uma parcela considerável dos críticos literários, mas também as
pessoas que não são da área, ao ler um determinado texto literário, lançam mão de juízos de
valor, principalmente quando esse texto não obedece a certas normas gramaticais. Isso é
notório, também, quando o assunto discutido na obra é apenas do conhecimento de um
determinado grupo cultural, causando, às vezes, um certo ‘estranhamento’ para o leitor. No
entanto, “a apreciação estética não é universal: ela depende da inserção cultural dos sujeitos.
Uma mesma obra é lida, avaliada e investida de significações variadas por diferentes grupos
culturais” (ABREU, 2006, p.80).
Essa afirmativa converge para os folhetos de cordel, pois a apreciação estética de tais
textos ainda provoca discussões ‘calorosasentre os críticos literários, talvez pela origem do
cordel, lugar onde foi comercializado, ou melhor, o público preferencial desses folhetos: o
povo. No entanto, é oportuno esclarecer que na contemporaneidade uma aceitação
crescente dessa peça literária em várias camadas sociais. Pensando nessa possibilidade do
cordel ser, de certa forma, marginalizado por uma ‘elite literária’, encontramos a reflexão de
Coelho (2009) um pesquisador português em seu texto intitulado Apontamentos sobre
literaturas marginais, quando diz que “a literatura popular, tradicional, tem sido mais
propriamente marginalizada pelos historiadores literários por não se destinar a leitores cultos
[...]” (p.330). Nesse caso, a destinação desses folhetos seria mais uma ‘justificava’ para
alguns críticos. Porém, não devemos generalizar tal afirmação, uma vez que observamos
folhetos sendo produzidos para diversas escolas, bem como estudos voltados para a literatura
de cordel em âmbito acadêmico. É oportuno dizer que a adoção de folhetos de cordel nas
27
escolas não indica, na maioria das vezes, uma valorização dessa peça literária, pois está
apenas em jogo a veiculação de certos conteúdos privilegiados por esses estabelecimentos de
ensino.
O folheto de cordel nordestino, como foi discutido anteriormente, teve suas raízes na
oralidade, a partir das histórias cantadas, nos ‘causos’, e depois através dos ‘cantadores
repentistas’, chegando aos folhetos impressos, em que a voz do poeta era evocada para fazer a
‘propaganda’ do folheto. Assim, observamos que a figura do cordelista é revestida de várias
funções a fim de manter sua família com a renda dos folhetos, pois “[...] não basta ter um jeito
especial no manejo das palavras, é preciso associar destreza poética e habilidade comercial
e, em alguns casos, ter domínio das artes tipográficas” (ABREU, 2006, p. 65).
Essa reflexão nos mostra um ponto interessante: o cordelista precisaria ter um manejo
especial com as palavras. Ora, poderíamos pensar na ‘obediência’ de uma métrica
‘padronizada’, uma vez que o encadeamento certo das palavras até a última sextilha do
folheto, por exemplo, desencadeará no sentido (ou não) do texto para o leitor. Essa questão é
importante ser colocada porque da mesma forma que folhetos “bons”, folhetos “ruins”,
podendo esta conjuntura influenciar o comprador/leitor no momento de aquisição do folheto.
Essa assertiva foi empreendida por Abreu (1993) – em sua tese de doutorado intitulada Cordel
português/folhetos nordestinos: confrontos um estudo histórico-comparativo quando diz
que:
Entranhada na aparente espontaneidade e facilidade dos poemas que compõem o
universo da literatura de folhetos, uma teoria poética claramente expressa. Isto
está assente para os consumidores e, principalmente, para os autores, que a utilizam
como critério de distinção entre bons e maus folhetos (p.176).
Esse critério de cunho valorativo que impera entre consumidores e autores está
intimamente relacionado com a forma de composição dos folhetos, pois o cordelista Rodolfo
Coelho Cavalcante destaca em seu artigo Como fazer versos (1982) que “[...] um folheto
mal rimado e desmetrificado é um dinheiro perdido de quem empresa a sua edição”. Tal
28
reflexão indica um público leitor exigente, pois, um cordel ‘bem feito’ que esteja, por assim
dizer, nos moldes da literatura de cordel e que tenha um bom conteúdo agrada, na maioria das
vezes, os leitores que consomem essa literatura.
É nesse sentido que Abreu (1993) faz considerações acerca desse artigo de Cavalcante
(1982), pois o poeta em destaque lança mão de algumas características que devem ser
cuidadosamente observadas no momento da feitura do texto de cordel sob pena de prejudicar
a estrutura, a estética e a compreensão do mesmo: a versificação em sextilhas, setilhas e
décimas; a seleção vocabular, a qual “[...] deve estar intimamente ligada à manutenção do
sentido e à fácil compreensão, ou seja, a sonoridade deve submeter-se ao sentido” (ABREU,
1993, p. 179) e a construção de uma ‘boa’ rima.
Podemos pensar, em principio, que as características mencionadas são apenas
pertinentes para os folhetos impressos, as quais contribuem para a construção da literariedade
do texto de cordel, porém, se nos detivermos nessas particularidades de ordem escritural
deixaremos de lembrar que as raízes do cordel se encontram na oralidade e esqueceremos a
riqueza cultural que provém da poesia oral. É desse modo que observamos, por exemplo, na
‘declamação’ de um folheto a preocupação do poeta ou da poetisa em construir uma métrica
bem ajustada, dispondo de uma rima que possa aliar não apenas o aspecto sonoro, mas
também o semântico, entre outros recursos.
Diante disso, faz-se necessário refletir sobre algumas considerações feitas por
Zumthor (1997) sobre a existência da literariedade na poesia oral:
[...] eu defendo a idéia de que existe um discurso marcado, socialmente reconhecível
como tal, de modo imediato. A despeito de uma certa tendência atual, descarto o
critério de qualidade, devido a sua grande imprecisão. É poesia, é literatura, o que o
público leitores ou ouvintes recebe como tal, percebendo uma intenção não
exclusivamente pragmática: o poema, com efeito (ou, de uma forma geral, o texto
literário), é sentido como a manifestação particular, em um dado tempo e em um
dado lugar, de um amplo discurso constituindo globalmente um tropo dos discursos
usuais proferidos no meio do grupo social [...] (p.40)
29
Essas reflexões de Zumthor (1997) nos fazem pensar na diversidade de textos
literários ou mesmo poemas orais que estão sendo elaborados cotidianamente ao ‘sabor’, por
assim dizer, do próprio tempero cultural, de forma que podem se ‘assemelhar’ a outros
discursos, mas possuem singularidades de ordem estética e cultural. Assim, o cordelista, ao
estabelecer relações de sentido com o texto de cordel, põe em jogo uma das funções da
literatura, que é a arte de comunicar, de possibilitar a comunhão de conhecimentos, bem como
o ‘mergulho’ nos aspectos culturais, através do texto. Pensando assim, a título de
exemplificação sobre a questão da literariedade nos folhetos, selecionamos um excerto do
cordel Viagem à Santa vontade de Maria Godelivie:
O vento corria frio
A brisa beijava o mar
O mar se aninhava todo
Pra me deixar flutuar
Por cima das suas ondas
E ao meu destino chegar
(GODELIVIE, 2008, p.02)
Esse excerto nos remete à ‘ida’ da poetisa a Santa Vontade, cordel que sediscutido
mais apropriadamente em outra parte deste trabalho, de forma que, à medida que ela se
aproxima de tal lugar, todo o cenário destaque ao sonho, à fantasia. A construção desse
‘devaneio’ é feita na própria escolha das palavras ‘vento e brisa’, recriando assim, elementos
que apontam para a serenidade. Além disso, a poetisa lançou mão de rimas que provocam
efeitos sonoros ‘suaves’ como quem deseja ser ‘acalentado’.
Assim, a construção da literariedade nos folhetos de cordel pode ser evidenciada na
maneira de provocar no leitor ou ouvinte um efeito de sentido único ao estabelecer a união de
uma métrica ‘bem feita’, por exemplo, com o uso de recursos expressivos, e a construção de
um enredo que prenda a atenção do leitor, entre outras. Para isso, o cordelista deve estar em
‘sintonia’ com o seu público leitor, no sentido de compor histórias diversificadas,
possibilitando a recriação de uma dada realidade, a partir das especificidades dos folhetos de
30
cordel. É dentro desse cenário que concordamos com Abreu (2006) quando diz que “o valor
do poeta está na habilidade com que maneja essas regras, na destreza com que compõe e
recompõe versos e narrativas calcadas em estruturas tradicionais” (p.70).
O cordel e seus temas
Ao adentrar nos domínios da literatura de cordel, percebe-se uma profusão de temas
que fazem parte do cotidiano de inúmeros nordestinos ao longo dos anos. Desse modo,
convém mencionarmos alguns temas, dentro da diversidade encontrada nos textos de cordel:
[...] religião e misticismo ( com a forte presença de Cristo, dos santos, dos beatos
Padre Cícero e Frei Damião e do diabo), relatos de acontecimentos cotidianos e
políticos mais amplos, descrição de fenômenos naturais (como as secas ou as
enchentes) e sociais (como o cangaço), “decadência dos costumes” (muitas vezes
associada ao urbano), narração de histórias tradicionais, aventuras de heróis e anti-
herois [...] (GALVÃO, 2001, p. 35-36).
Nesse sentido, faz necessário refletir que a maioria dos folhetos escritos pelos
cordelistas (homens) remontam a uma imagem do nordestino como um ser que validava,
perante outros homens, a sua capacidade de honrar sua família e sua região, por meio de sua
coragem e força, de modo a defender, enfaticamente, os interesses do seu povo,
principalmente os de sua família, base de seu poder.
Com base nas temáticas veiculadas pelos cordelistas, destacamos uma pesquisa
intitulada Representação do masculino no imaginário do cordel
1
em que foi constatada, no
universo de 300 (trezentos) folhetos por meio de um processo de catalogação a presença
de pelo menos quatro conjuntos de indicadores possíveis de serem utilizados na pesquisa em
questão, os quais foram classificados por categorias juntamente com cordéis que contemplam
outras temáticas, a saber: a) virilidade/machismo (204 cordéis), b) luta pelo amor (39 cordéis),
1
A pesquisa em questão foi financiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica -
PIBIC/CNPq/UEPB, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio de Pádua Dias da Silva e que contou com a
contribuição de Michelle Ramos Silva e Rodrigo Emmanuel Araújo Leão.
31
c) homem traído (10 cordéis), d) homem em crise (06 cordéis), e) outros temas (41 cordéis)
(SILVA, 2007). Sendo assim, temos o homem representado em tais cordéis como
notadamente machista, preservando de diversas formas o “poderio” masculino.
Em meio a essa predominância de temas que direcionam para a representação do
homem nordestino calcada em aspectos que remontam à virilidade nos folhetos de cordel,
pensamos em tais aspectos decorrentes, também, de uma vida ‘difícil’ para aqueles que
faziam parte de uma paisagem de ‘seca’, em determinados períodos da história do nordeste,
como, por exemplo, a seca de 1877, entre outros - como uma forma de apontar esse caráter
telúrico de tal homem, posto que “[...] um macho poderia se defrontar com uma natureza
tão hostil, uma exagerada dose de virilidade para se conseguir sobreviver numa natureza
adusta, ressequida [...]” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2003, p.186).
Ao pensar na produção da literatura de cordel percebe-se que um dos temas
preferenciais dos cordelistas foi o do cangaço, de forma que é “na representação do cangaço
que os poetas têm como horizonte um imaginário povoado de heróis antigos” (TERRA,
1983). Um desses “heróis” do cangaço é conhecido como Lampião, um ser impiedoso/cruel,
que, em contrapartida, era também Virgulino Ferreira da Silva, um homem de ‘conduta
respeitável’, mas que ficou ‘transformado’ depois da impunidade da morte de seus pais,
fazendo com que este começasse a matar todos os seus inimigos. Sendo para alguns, um
‘justiceiro’ e, para outros, um ‘desordeiro’.
Esse senso de justiça está presente não só nos folhetos que discorrem sobre Lampião e
seu bando, mas também em vários folhetos sobre Antônio Silvino, o cangaceiro Silvério,
Corisco, entre outros. Diante disso, temos tais personagens “enredadas” em práticas
relacionadas com a questão da honra, de modo a validar, perante outros homens, a sua posição
dominante, através de demonstrações consideradas nobres “(coragem física e moral,
generosidade, magnanimidade etc), [...]” (BOURDIEU, 2003). Assim, observa-se que a
32
questão da honra para estes homens é algo que aumenta sua visibilidade e glória no meio
social.
Nesses moldes, é pertinente pensar, de acordo com Albuquerque Júnior (2001), que o
Nordeste foi uma construção das elites nordestinas para ‘sensibilizar’ o Congresso Nacional
com as imagens de miséria e seca, como também do cangaço – na figura de Lampião,
Corisco, entre outros. Tal discurso está tão disseminado no cenário brasileiro que tais imagens
se perpetuam até os dias de hoje no imaginário daqueles que fazem parte de outras regiões do
país. Porém, faz-se necessário refletir que essa construção foi tão bem difundida que a mesma
está enraizada na mente do próprio nordestino, assim como a ‘criação’ da região em destaque.
É válido ressaltar que essa imagem, construída sob o símbolo de uma região
Nordeste –, foi elaborada a partir de elementos históricos, culturais e sociais. Esse discurso
regionalista colocou em destaque a figura do nordestino como um homem telúrico, o qual se
‘confundia’ com a natureza: sua convivência com um meio tão hostil ‘emprestava’ os
aspectos ressequidos, rústicos a esse homem.
Diante dessa expressiva linha temática dos folhetos, que tendem para a representação
de um homem vinculado a aspectos viris e que fazem parte do imaginário de um sem-número
de nordestinos, percebemos na contemporaneidade, além dos temas considerados tradicionais,
a inserção de novos temas e novas abordagens que abarcam a diversidade de assuntos que
fazem parte da pauta do dia dos sujeitos sociais.
Uma dessas mudanças temáticas está centrada no movimento feminista da década de
60 aprofundaremos tal assunto nas próximas páginas do nosso estudo –, pois com esse
movimento as relações de poder entre homens e mulheres foram problematizadas, de modo
que na abordagem dos folhetos podemos encontrar, nas décadas seguintes, textos que
discorrem sobre o divórcio e mais recentemente sobre as mulheres ocupando cargos que eram
apenas destinados aos homens.
33
O folheto de cordel e as relações de poder entre os gêneros
A literatura de cordel que chegou ao Brasil pelos colonizadores foi, ao longo dos anos,
paulatinamente sendo adaptada aos moldes brasileiros, ou, melhor dizendo, à perspectiva
nordestina, pois no nordeste brasileiro o cordel se “distanciou”, por assim dizer, dos moldes
editoriais comumente desenvolvidos em Portugal para essa literatura, introduzindo, através de
anos de aperfeiçoamento, uma sistematização dos folhetos produzidos na região em destaque.
Nesses termos, através dessa “adaptação” literária empreendida em solo nordestino,
temos fatores ligados às ideologias, valores, crenças, entre tantos outros que foram cruciais
para a formação dessa literatura no Nordeste brasileiro, de modo que além de aspectos
estruturais, os folhetos produzidos “acabaram” por imprimir, de certa forma, as “feições” do
povo nordestino.
Com efeito, o nordestino representado no folheto de cordel é um homem vinculado a
aspectos patriarcais que norteavam a existência de inúmeros sujeitos, na medida em que estes
estariam preocupados com a terra, como também com a vida familiar. Ao refletir sobre as
particularidades do folheto cordel encontramos, de um modo geral, um reflexo do imaginário
coletivo da região Nordeste
2
, de modo que o texto de cordel não abarca a cultura e as
crenças nordestinas, mas também as relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres.
Tais produções foram estruturadas pelo ideário masculino, na medida em que
exaltavam aspectos referentes à lógica patriarcal. Dentro desse cenário, a mulher representada
nesses folhetos não foge a essa lógica, pois a maioria dos cordelistas sempre representou as
mulheres sob uma ‘perspectiva submissa’, de modo que “as mulheres personagens do cordel
são personagens-espelho: refletem o imaginário dos homens sobre as mulheres” (MELO,
2006, p. 67).
2
É oportuno destacar que indivíduos produzindo cordéis em outras regiões brasileiras, bem como em outros
países, porém, foi na região Nordeste que surgiu uma sistematização do folheto de cordel e a partir desse
processo foi evidenciada uma maior ‘organização’ deste, fato comentado anteriormente.
34
Essas representações desencadeadas nesses folhetos são, grosso modo, reflexos da
própria realidade entre homens e mulheres, tomando por base a concepção de literatura
enquanto recriação de uma dada realidade. Nesse caso, temos no Brasil, mas principalmente
na região Nordeste uma espécie de construção desse tipo de representação no cordel: o
homem, aquele que está na posição de detentor do poder, apresenta-se na maioria das vezes,
vinculado aos aspectos que denotem virilidade/machismo o macho propriamente dito e a
mulher apresenta-se como aquela que denota singeleza e compreensão, geralmente submissa
ao seu marido. A respeito disso, a socióloga Heleieth Saffioti, em seu livro intitulado O poder
do macho, diz que:
[...] a construção social da supremacia masculina exige a construção social da
subordinação feminina. Mulher dócil é a contrapartida de um homem macho.
Mulher frágil é a contraparte de macho forte. Mulher emotiva é a outra metade de
homem racional. Mulher inferior é a outra face da moeda do macho superior
(SAFFIOTI, 1987, p. 29) (Grifos da autora)
Por meio desse pensamento, em linhas gerais, o homem deve ser caracterizado como
sendo a contrapartida dos aspectos vinculados ao universo feminino. E com relação à
representação estabelecida nos folhetos, existe uma nítida demarcação dos papéis de
dominado (mulher) e dominador (homem), como também a mulher representada em uma
posição de dependência, como aquela que espera pelo seu amado, o qual enfrentará todos os
obstáculos para estar ao seu lado.
Essas características estão presentes, principalmente, na maioria dos cordéis escritos
por homens, a exemplo do folheto As aventuras de Luiz e Lúcia (1941) de Poeta Ferro, o qual
contempla a história de um rapaz valente (Luiz) que lutou com cento e trinta homens para
conseguir se casar com Lúcia fato que o faz digno de sua amada, obtendo, desse modo, o
consentimento do seu “futuro” sogro (o fato de o “mocinho” ou herói vencer outros homens
não desqualifica o(s) seu(s) oponente(s). Apenas cumpre, no plano estético, o estereótipo ou
35
trajetória do herói “macho” que deve vencer os obstáculos em favor do merecimento do seu
objeto amado).
Nesses moldes, temos também a história de Manassés e Marili entre a luta e o
amor (197?) de Manoel Cândido da Silva, a qual coloca em evidência as diversas lutas que
este casal enfrentou para concretizar o seu amor, uma vez que o pai da moça (Pedro Moisés)
matava qualquer homem que chegasse na sua casa “desprevenido”. Marili era uma moça
bondosa que se apaixonou por um rapaz que saiu de Pernambuco em busca de um trabalho e
foi contratado pelo pai dela, mas tão logo este ficou sabendo do romance, travou uma
sangrenta luta, contando com a “ajuda” dos seus cangaceiros, mas o jovem Manassés matou
todo o bando. Com isso, conseguiu a permissão do seu sogro para se casar com Marili.
Em contrapartida, com o paulatino aumento do número de folhetos escritos por
mulheres, temos a ‘perspectiva feminina’ sobre tais relações, pois em alguns deles, a mulher é
representada como aquela que detém o poder, fazendo com que o homem desempenhe
funções que sempre foram destinadas às mulheres como em O gostosão (2005) e Viagem à
Santa Vontade (2008), de Maria Godelivie, como veremos em outro momento desse estudo.
Diante disso, é oportuno destacar que o Nordeste brasileiro é uma região
marcadamente representada por uma resistência quanto a alterações nas relações de poder.
Uma explicação para tal fato está na “genealogia patriarcal” que foi internalizada pelos
sujeitos nordestinos ao longo dos anos, posto que “as sociedades patriarcais ou paternalistas
seriam aquelas onde as relações familiares se reproduziam em outras formas de dominação ou
dependência [...]” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2003, p.142).
A respeito dessas relações de poder percebidas nos folhetos escritos tanto por homens,
quanto por mulheres são concebidas como um próprio mecanismo da lógica patriarcal, porém
é pertinente esclarecer que “a sociedade não está dividida entre homens dominadores de um
lado e mulheres subordinadas de outro” (SAFFIOTI, 1987, p. 16), visto que o poder está para
36
além dessas relações desencadeadas entre ambos os sexos, assumindo uma multiplicidade de
relações.
Nesse sentido, pensando nessa resistência que é expressa em regiões como o Nordeste
sobre as relações de poder, assinalamos uma reflexão de Roberto Machado na introdução da
Microfísica do Poder (1984) de Michel Foucault, quando diz que “qualquer luta é sempre
resistência dentro da própria rede do poder, teia que se alastra por toda a sociedade e a que
ninguém pode escapar [...]” (p. XIV). Com efeito, tais relações são travadas em meio a
resistências. Porém, nas lutas pela “tomada” do poder verificamos pontos estratégicos, nos
quais pode haver certas negociações dentro dessa rede tecida pelo poder.
37
A MULHER EM CENA: UMA HISTÓRIA (RE) VISITADA – II PARTE
A mulher brasileira e os impactos da sociedade industrial
Durante um longo período as mulheres ficaram ‘presas’ a ocupações que as
direcionavam para os lugares ‘menos priorizados’ da sociedade, sendo, na maioria das vezes,
coadjuvantes de uma história construída sob o domínio masculino. Uma explicação para tal
fato está centrada na idéia do homem como provedor, em outras palavras, como o único
responsável pelo sustento da família. Isso nos faz refletir sobre um imaginário cultural que
postulava, desde tempos remotos, uma mulher que cuidava dos afazeres domésticos, bem
como gestava, amamentava e educava (SILVA, 2005), de forma a se consagrar como a
“rainha do lar”, enquanto o homem estava imbuído dos aspectos que norteavam a vida
pública.
Esse imaginário que postulava o confinamento da mulher à esfera doméstica, bem
como o papel primordial à maternidade e todos os seus desdobramentos, é visualizado de
forma mais latente a partir da ascensão da burguesia, e do surgimento da sociedade industrial
e do capitalismo (ROCHA-COUTINHO, 1994). Partindo desse pressuposto, percebemos que
a mulher exercia um papel essencial para a manutenção da ordem familiar, uma vez que ela,
através de aspectos que denotavam singeleza e submissão, seria o ‘repouso’ do marido que
chegava sobrecarregado do trabalho.
Dentro desse quadro, faz-se necessário abrir um parêntese acerca da Revolução
Industrial, uma vez que com as transformações tecnológicas iniciadas a partir do século XVIII
na Inglaterra e ‘adotada’ pelos diversos lugares do mundo no século XIX, surtiu significativas
alterações no processo produtivo em nível econômico, político e social. Com isso, tais
mudanças foram evidenciadas na estrutura familiar, e principalmente, na vida das mulheres.
38
Ao situarmos ‘os ares’ dessa sociedade industrial no cenário brasileiro, ao longo do
século XIX, temos a consolidação do capitalismo e a ascensão da burguesia (D’INCAO,
2004), fazendo emergir o ideário burguês em que se observa uma gradativa mudança no
convívio entre os membros da família e das atividades femininas. E, neste cenário, alterações
na intimidade e nas formas de conceber o amor. (D’INCAO, 2004).
Em meio a essas mudanças, percebe-se que o Brasil, um país predominantemente
rural, passa a assimilar uma perspectiva urbana da sociedade, através da incorporação do
imaginário da aristocracia portuguesa (D’INCAO, 2004) por parte dos membros da elite
brasileira. Assim, o clima de urbanização do Brasil adivinha dos “ares” europeus. É neste
sentido que percebemos uma preocupação com a organização espacial das cidades, colocando
em pauta fatores como a limpeza e o uso das cidades. “Com a aquisição de seu novo status de
lugar público, a rua passou a ser vista em oposição ao espaço privado a casa” (D’INCAO,
2004, p. 226).
Em contrapartida, esse modelo de uma sociedade industrial estava sendo,
paulatinamente, ‘assimilado’ pela população brasileira, uma vez que os impactos provocados
pelo industrialismo puderam ser vistos não apenas nas ruas – com a urbanização das cidades –
e no mundo do trabalho, mas, sobretudo, nas vidas dos sujeitos envolvidos nesse intento
capitalista. Assim sendo, refletimos, primeiramente, na população de baixa renda que ocupava
a maioria dos postos de trabalho nas fábricas. Eram operários industriais que ‘ajudaram’ a
concretizar, com seu suor e longas horas de trabalho, o ‘sonho’ capitalista e/ou burguês.
Tais trabalhadores estavam sob os olhares atentos de médicos e higienistas, dentre
outros profissionais que visavam a ‘eliminar’ quaisquer aspectos de ‘incivilização’ pelos
setores menos favorecidos da população, de forma que foi feito um verdadeiro ‘projeto’ para
incutir na mente desses sujeitos aspectos ligado à burguesia. Dentro desse cenário, as práticas
dos operários para além dos muros das fábricas foram, por assim dizer, ‘fiscalizadas’.
39
Acrescente-se a isso, uma significativa mudança nos hábitos e costumes de todos os membros
da família, principalmente em se tratando das mulheres. Estas deveriam ficar ainda mais
tempo no ambiente doméstico, construindo um lar aconchegante e terno para seu marido que
tinha cumprido uma árdua jornada de trabalho.
Em contrapartida, as esposas dos trabalhadores também trabalhavam em fábricas,
escritórios comerciais, serviços de lojas, em casas elegantes, em Companhia Telefônica
(RAGO, 1985), dentre outros estabelecimentos para ajudar no orçamento doméstico.
Diferentemente das mulheres ricas que se ocupavam em adquirir uma boa educação, regras de
etiqueta, bem como a ornamentação da casa. É válido assinalar que com essa nova sociedade
que estava surgindo as mulheres deveriam apenas exercer atividades que fizessem parte do
espaço privado, mesmo sabendo que o frisson do capitalismo, a urbanização apontava para o
espaço público. Nesses termos, a mulher deveria ficar distante dos aspectos que
caracterizavam a vida pública, posto que:
[...] quanto mais ela escapa da esfera privada da vida doméstica, tanto mais a
sociedade burguesa lança sobre seus ombros o anátema do pecado, o sentimento de
culpa diante do abandono do lar, dos filhos carentes, do marido extenuado pelas
longas horas de trabalho. Todo um discurso moralista e filantrópico acena para ela,
de vários pontos do social, com o perigo da prostituição e da perdição diante do
menor deslize (RAGO, 1985, p. 63).
Estava sendo desenhada uma representação de uma mulher que não era compatível
com uma mulher que trabalha na fábrica e que estava sujeita a toda espécie de vício, pois
como dito anteriormente, a sociedade burguesa, também estava de olho nas práticas das
famílias mais pobres, e particularmente da mulher. Então, estava em jogo uma evidente
preocupação com a reputação dela, no sentido de se preservar a pureza dessa mulher que
exerceria a função sagrada da maternidade.
Ao saber, brevemente, como se deu esses impactos nas famílias mais pobres,
especificamente na figura da mulher, verificamos, nesse momento, essas modificações no
40
espaço público e privado da burguesia, posto que a residência burguesa estabelece a
privatização da família instaurando a importância da intimidade (D’INCAO, 2004).
Paralelamente a essa perspectiva íntima, as famílias de maior poder aquisitivo abriam suas
residências para a realização de saraus noturnos, festas, entre outros. Nesses ambientes
festivos, a família, particularmente a mulher passava pela observação/avaliação das outras
pessoas. Por uma vida social ativa, a mulher de elite freqüentava teatros, cafés, mas não
estava isenta da vigilância do pai e/ou marido, pois a conduta desta mulher era observada pela
sociedade, um motivo expressivo para denotar um comportamento exemplar (D’INCAO,
2004).
Essa mulher acostumada a freqüentar encontros sociais em que eram feitas leituras em
voz alta de poemas e romances como de José de Alencar e Machado de Assis ou mesmo
lendo no “aconchego” da alcova, proporcionou a formação de um público leitor feminino.
Desta forma, percebe-se que as mulheres de elite liam romances, nos quais visualizamos “as
histórias de heroínas românticas, langorosas e sofredoras acabaram por incentivar a
idealização das relações amorosas e das perspectivas de casamento” (D’INCAO, 2004, p.
229).
Verificamos que apesar desses romances fornecerem a imagética de uma união
oriunda do amor verdadeiro, temos a realidade para tais mulheres: casamentos entre famílias
burguesas, visando a adquirir ascensão social. E, depois de casadas, as mulheres deveriam
contribuir para o “processo” de mobilidade social que se com a imagem de uma mulher
refinada, bem como apta para cuidar e educar afetuosamente da prole. Consideramos ainda
que a mulher da elite, além de esposa e mãe da família burguesa tinha um papel fundamental
com relação à castidade no encontro sexual com o marido: vigiar a castidade das filhas, pois
estava em jogo a perpetuação de uma descendência saudável.
41
Essa mulher devotada e afetuosa para com a família está associada às formas de
conceber o amor, uma vez que as sementes lançadas pela Revolução Sentimental no século
XVIII enfatizaram a questão da maternidade, da intimidade do casal sob um ângulo amoroso,
dando seus frutos ‘efetivos’ no culo XIX, através também, da Revolução Industrial que
estava em marcha. Convém apontar que é a partir daí que “o romantismo começa a ser usado
como um instrumento cultural para impedir a mulher de conhecer sua verdadeira condição de
opressão” (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 28).
Sabendo dessa ‘manipulação’ cultural para deixar a mulher envolta em um ambiente
fraterno, em que ‘reina’ a felicidade e o amor, a sociedade moderna imprimiu um casamento
em que o amor é ‘peça’ fundamental, pois as uniões ‘arranjadas’ pelos pais de ambas as partes
prática visualizada até as primeiras décadas do século XX ficam, gradativamente, em
segundo plano. Essa nova união dará as formas da família burguesa, em que o casal ficou
mais recluso, preservando a intimidade do núcleo familiar, de modo que as próprias
residências eram ‘pensadas’ com o intuito de proporcionar aconchego e intimidade aos
cônjuges e aos outros membros da família, como também a necessidades de particularizar
certos cômodos da casa, com vistas a separar aspectos que fizessem lembrar o espaço público.
Nessa perspectiva íntima que envolve todos os membros da família e que aproxima
cada vez mais dos aspectos afetivos, todos os olhares se voltam para a mulher-mãe, visto que
“ela passa a ser a principal responsável pelo bem-estar da criança e do esposo e é importante
intermediária entre o pai [...] e os filhos e entre a família e dois novos elementos que surgem,
o médico [...] e a escola” (ROCHA-COUTINHO, 1994, p. 29).
É nessa ótica que o ‘dispositivo’ do amor materno renasce de forma latente, em que a
mulher é coberta por uma ‘aureola’ de singeleza e doçura. E, com a ‘romantização’ da própria
ideia de casamento, como também por discursos de várias áreas do saber que apontavam a
maternidade como algo inato às mulheres, de maneira que a maternidade seria o resultado de
42
todo amor e felicidade do casal. Assim sendo, Rocha-Coutinho (1994) reflete que “o amor
materno é a origem e o ponto fundamental da criação do espaço sentimentalizado do lar, em
cujo interior a família vem se refugiar” (p. 36).
A família será, então, fonte de cuidados para essa mulher, principalmente em se
tratando das crianças por elas serem essenciais para a formação e/ou construção da nova
nação – centrada na burguesia e no capitalismo cada vez mais dominante –, na medida em que
esta precisará de um cidadão intelectual e cônscio de suas responsabilidades para com a
sociedade. Para tal intento burguês, cabe à mulher-mãe cuidar, vigiar e principalmente educar
as crianças. Assim, as responsabilidades que recaem sobre esta mulher são cotidianamente
vistas como parte de sua própria “natureza”, como dito anteriormente, de maneira que a mãe
será a primeira educadora desses/as pequenos/as cidadãos/ãs.
A partir da educação dada a seus filhos ela passa a ‘governar’ essa nova sociedade
mesmo estando na esfera privada, uma vez que ela terá a “honra” de educar o futuro adulto,
aquele que trabalhará para o bem comum da sociedade. Nesse sentido, percebemos que a
influência que a mãe exerce sobre o filho é determinante, no sentido de estabelecer não
uma cumplicidade e/ou confiança, mas também como boa educadora, como aquela que
passará os valores morais e éticos. Nessa medida, a mulher-mãe que não conseguir êxito no
exercício de ‘formação’ educacional de seus filhos será ‘mal vista’ pela sociedade, por não ter
cumprido o “sagrado” papel de mãe.
A contemporaneidade e as formas de conceber o amor e a sexualidade feminina
Ao trazer à luz um panorama das relações de gênero desencadeadas no século XIX,
percebemos a “construção” de uma mulher que foi, paulatinamente, educada para exercer suas
funções de e, “rainha do lar e, como dito anteriormente, propiciando o “processo” de
mobilidade social do seu cônjuge, consequentemente, resultando, em melhorias para a
43
família. Em contrapartida, esse cenário foi sensivelmente modificado ao adentrar nas
estruturas do século XX, pois estavam em marcha mudanças no plano político, econômico e
social, as quais se refletiram nas relações interpessoais, nas formas de se pensar e vivenciar o
amor e a sexualidade. E, em meio a essa conjuntura, profundas alterações se verificaram no
universo feminino.
No entanto, tais mudanças se deram de forma gradativa entre os brasileiros,
principalmente em se tratando das brasileiras, posto que ainda nas primeiras décadas do
século XX, com relação à vida de casada, “era indisfarçável o conformismo da maioria das
mulheres diante da condição de sujeição imposta pela lei e pelos costumes: serva do marido e
dos filhos, sua única realização aceitável acontecia no lar” (DEL PRIORE, 2005, p. 248).
Havia um claro discurso para a manutenção da família e do casamento, pois a prática
do divórcio já seria uma realidade em gestação, porém, era considerado um atentado aos laços
matrimoniais, de modo que se tornava impensável para as famílias mais conservadoras. Nesse
contexto, a mulher fazia de tudo para agradar ainda mais ao seu marido, visto que “o
importante era fortalecer as relações, afastando o risco do temido e vergonhoso divórcio”
(DEL PRIORE, 2005, p. 254).
Em meio a essa preocupação em conservar o casamento, a mulher deveria ter um
“amor amigo” com seu marido, no sentido de um devotamento, bem como carinho e respeito.
Com efeito, as manifestações de carinho ligadas à intimidade do casal, ou melhor dizendo, à
vida sexual, eram claramente ocultadas e reprimidas, principalmente entre as mulheres, uma
vez que “ a repressão sexual era profunda entre as mulheres e estava relacionada com a moral
tradicional [...]” (DEL PRIORE, 2005, p. 255). Dentro desse cenário, temos toda uma
educação previamente destinada a essas mulheres que estava pautada na castidade e/ou pureza
de servir ao seu marido, de maneira que, ainda solteira, era criado todo um clima de fantasia
44
sobre o ato sexual, mas “quando confrontadas com o marido, na cama, o clima de conto de
fadas se desvanecia [...]” (DEL PRIORE, 2005, p. 256).
Ao mesmo tempo, ainda no início das primeiras décadas do século XX, alguns casais
transgrediam a ordem estabelecida com relação ao aderir ao “amor livre”; em outras palavras,
um amor que se desvincula da obrigação de “prestar contas” à Igreja e ao Estado sobre a
situação amorosa do casal, que estava “livre” para permanecer um ao lado do outro até
quando desejarem. Tais uniões eram ensejadas pelos anarquistas como um ideal de felicidade,
porém, os casais que optavam por esse tipo de transgressão, recebiam sérias críticas da
sociedade.
Diante desse retrospecto sobre as relações entre homens e mulheres ao longo do século
XX, percebemos que dos anos 30 aos 50, mesmo diante da adesão de alguns ao “amor livre” e
de certos avanços no namoro entre os jovens considerados mais modernos, “[...] algumas
diferenças permaneciam: a do namoro sério, para casar, e o outro, em que o objetivo era a
satisfação imediata” (DEL PRIORE, 2005, p. 283). É válido destacar, com relação aos
homens, uma certa preferência por mulheres consideradas mais “difíceis”, pois os empecilhos,
as dificuldades, bem como a preservação da pureza “eram os ingredientes que atraíam o sexo
masculino” (DEL PRIORE, 2005, p. 283).
Nesse sentido, para continuar seguindo no caminho “certo”, a maioria das moças
burguesas lia revistas femininas que indicavam o comportamento adequado e as atitudes a
serem tomadas no que dizia respeito à vida amorosa, não das moças, mas também das
mulheres casadas, pois se ela soubesse de alguma traição por parte do marido, deveria
‘relevar’ tal impulso masculino e ficar mais dedicada e atraente para seu cônjuge esquecer da
outra, como reflete a historiadora Del Priore (2005).
Nas décadas de 60 e 70 observa-se uma brusca mudança no que se refere à esfera da
sexualidade: “revolução sexual”. Ora, tal revolução instaurou nas mentes e nos corpos dos
45
sujeitos a necessidade de repensar as formas de se relacionar com o outro, de ‘descobrimento’
das etapas sexuais que até então eram interditas. Nesse sentido, principalmente os jovens de
ambos os sexos puderam vivenciar tais descobertas de forma mais liberta.
Mesmo sabendo de todo esse ‘processo’ no cenário íntimo, a sexualidade era tida
como algo pecaminoso por parte da Igreja Católica, mas a maioria dos “católicos [...]
começava a acreditar que amor e prazer podiam andar juntos” (DEL PRIORE, 2005, p. 301).
De forma gradativa, entre os casais, priorizava-se o diálogo de forma espontânea para
melhorar a relação. Nesse sentido, não o homem tinha o “direito” de sentir prazer no ato
sexual, mas as mulheres também. E, com isso, o casal percebe a necessidade de atingir o
prazer para que ambos se sintam realizados.
Para além desses fatos, refletimos sobre uma “esfera” da sexualidade que se
transformou profundamente na sociedade contemporânea: a reprodução. A reprodução fez
parte da ordem das coisas em que era nítida a posição dos sexos. Para tanto, os seres sociais
fizeram emergir uma subjetividade moderna capaz de desvincular-se da ordem da procriação.
Essa ordem apontava para as mulheres a necessidade de procriar, mesmo sendo um
fardo, como aconteceu nos séculos passados, pois muitas vezes ocorria a morte da mulher no
parto (BOZON, 2004). Neste sentido, observamos que o corpo feminino era tido como objeto
e um receptáculo que os homens usufruíam ao seu “bel-prazer”, para instaurar,
paulatinamente, a devida posse. É desta forma que pensamos sobre a procriação, na medida
em que várias sociedades repensaram os conteúdos intrínsecos das relações entre os sexos.
Nesse cenário, podemos verificar o papel “secundário” da procriação na
contemporaneidade, pois, como vimos anteriormente, a sexualidade é visualizada como algo
essencial para o sujeito, possibilitando o autoconhecimento. Com efeito, “[...] a sexualidade
aparece como uma experiência pessoal, [...] em um domínio que se desenvolveu e assumiu
um peso considerável no decorrer dos séculos: a esfera da intimidade e da afetividade”
46
(BOZON, 2004, p.43). Desse modo, notamos que tais transformações implicaram também em
uma dissociação entre sexualidade e procriação (BOZON, 2004), pois com a “segunda
revolução contraceptiva” as mulheres começam a controlar a chegada de um determinado
filho.
Ora, os métodos medicinais de contracepção modificaram, em grande medida, as
formas de assimilar a fecundidade. Dentro desse contexto, o casal contemporâneo passou por
significativas mudanças, uma vez que ocorreu a substituição de um casamento “tradicional”
para uma perspectiva mais subjetiva do casal em que as relações em questão estão
“caminhando” para uma união voltada para o juntos por amor (BOZON, 2004). A troca
mútua entre o casal é que impulsiona a relação sexual, descartando uma união apenas pautada
na Instituição Casamento. Vale lembrar que os alicerces para tal união estavam sendo
construídos desde as primeiras décadas do século XX, como foi comentado antes.
Diante disso, importantes transformações a partir dos anos de 1960 traçaram um novo
cenário para as relações entre homens e mulheres. Neste aspecto, sentimos a necessidade de
colocar em questão alterações que afetaram, sobremaneira, a vidas das mulheres, uma vez que
elas começavam a usar métodos contraceptivos, conseguindo também um maior grau de
instrução, resultando na inserção destas no mercado de trabalho e a prática efetiva do
divórcio. Para tanto, estas mudanças o chegaram a um certo grau de igualdade, no tocante
as relações entre os sexos. Sendo assim, os frutos das mobilizações feministas trouxeram um
ideal de autonomia feminina, apontando para alterações na esfera da reprodução. Quando
pensamos nisso, consideramos que, apesar das mulheres obterem o domínio de sua
fecundidade, as responsabilidades em torno da reprodução aumentaram.
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Um olhar sobre o movimento feminista: perspectivas teóricas e contradições
No momento em que nos propomos a discorrer sobre o movimento feminista, nos
deparamos com várias tentativas desse movimento ‘construir’ uma teoria que fosse isenta das
ideologias veiculadas pelos homens. É nesse sentido que, aos poucos, como reflete a
pesquisadora Nye, em Teoria feminista e as filosofias do homem:
As mulheres tornando-se cônscias de sua exclusão de uma cultura masculina na qual
têm pouco poder, na qual os valores das mulheres não são expressos, na qual não
podem ser consideradas pessoas ou sequer criaturas de Deus, não encontram
absolutamente teoria feminista pura (NYE, 1995, p. 14).
Uma possível explicação para isso estaria na história das mulheres, pois nos mostra
quão escanteadas e silenciadas elas foram, principalmente, em se tratando dos espaços em que
as demonstrações de poder se faziam presentes, em outras palavras, os espaços públicos. Em
tais lugares é que importantes decisões foram/são tomadas, em que o arcabouço político e
econômico é “gestado” e onde as teorias sobre diversos assuntos são (re) formuladas,
desenvolvidas em “prol” da sociedade. Assim, as mulheres tiveram uma inexpressiva
contribuição na construção do pensamento lógico da humanidade. Fato que nos faz pensar
quão articuladas as teorias desenvolvidas pelos homens se mostraram no feitio do cenário
contemporâneo.
Sabendo de um necessário ajustamento dos propósitos feministas, bem como da
projeção de tal movimento para as próximas décadas, “[...] as mulheres têm adotado teorias,
sistemas e categorias inventadas pelos homens para racionalizar e justificar as atividades dos
homens” (NYE, 1995, p. 15). Com efeito, as mulheres foram, gradualmente, lançando mão de
todo esse aparato sistêmico utilizado pelos homens, de forma a refletir nas atitudes das
feministas, quando pensamos na reivindicação do direito das mulheres no século XIX. É
válido destacar que as feministas cunharam nos ideais liberais e democráticos, os
fundamentos para inúmeras reivindicações, as quais estiveram atreladas, primeiramente, aos
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direitos iguais e liberdades asseguradas a todo indivíduo na sociedade democrática (NYE,
1995).
Inspiradas nessa onda liberal e democrática, as feministas proclamavam seu direito ao
sufrágio, uma vez que pelo voto elas poderiam conseguir êxito em suas reivindicações, bem
como combater as várias injustiças que foram historicamente impingidas à mulher. Porém,
muito do que foi “prometido” pelos defensores democráticos foi posto em crise, pois o voto
delas estaria (in) diretamente imbuído de um desejo de resolver os problemas enfrentados
pelas mulheres durante anos. Em meio a isso, percebemos que vários filósofos, como
Rousseau, não comungavam com a possibilidade de atuação das mulheres enquanto “atrizes
sociais”, posto que, para eles, apenas os homens eram dotados de habilidades intelectuais e
aptos a exercer os postos de comando da sociedade.
Entre os filósofos que discorriam acerca da teoria democrática estão os nomes de
Locke, Rousseau e Bentham, os quais podem entrever através de seus escritos, expressivas
referências sobre o “lugar” da mulher na sociedade, pois estava em jogo a manutenção de uma
ordem social, na qual os lares continuariam chefiados pelos homens e as mulheres
permaneceriam cuidando da prole, do marido e dos afazeres domésticos. Em meio a esse
pensamento, temos um evidente essencialismo ao conceber os papéis de homens e mulheres
na sociedade, como o próprio Rousseau expôs em seus escritos, visto que, para ele, a natureza
da mulher está para ser submissa ao seu marido e aceitar seu destino ligado à reprodução,
descartando qualquer possibilidade dela ser inclusa na sociedade civil que estava sendo
“construída” pelos ideais democráticos. Nesse contexto, é oportuno destacar que vozes
femininas ecoaram na Assembléia Nacional como a de Olympia de Gouges que defendeu
enfaticamente os direitos das mulheres em sua Declaração dos Direitos da Mulher e da
Cidadã(1791), mas seu texto mais “instigante” foi um tratado que equivaleria ao Contrato
Social de Rousseau, mas ao avesso:
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Foi a sua versão do Contrato Social, que ela, sem falsa modéstia, considerou igual
ou até superior ao de Rousseau. Nesse tratado, Olympe de Gouges oferecia uma
dezena de propostas de reformas políticas e sociais, bem como longas críticas às
atitudes e práticas de seus contemporâneos (SCOTT, 2005, p. 11)
Dentro desse cenário, percebe-se que mesmo diante de vozes como a de Gouges e de
outras feministas, houve uma expressiva recusa em aceitar as mulheres na vida pública. Isso,
além de estar intimamente ligado a essa perspectiva essencialista, estava também associada à
ideia de que as mulheres são intelectualmente degradadas para fazer parte desse
pacto/contrato social, entre outras questões. Porém, esse segundo argumento é nitidamente
falho, visto que, se as mulheres tivessem a mesma educação que os homens, isso não seria
sequer cogitado. Tal como defendeu a feminista Mary Wollstonecraft ao pensar nos
benefícios da Revolução Francesa para as mulheres, pois se as mulheres são tratadas de forma
inferior, a resposta a isso “não está na natureza da mulher, mas nas atitudes e práticas
intimamente interligadas que [...], formam sentimentos, pensamento e caráter nas estreitas
linhas traçadas por uma lascívia masculina nanica” (NYE, 1995, p. 26).
Ao refletir sobre essa nítida exclusão das mulheres em meio aos princípios postulados
pela Revolução, encontramos a primeira sistematização dos direitos das mulheres, no século
XIX, através de John Stuart Mill, que seguia o utilitarismo defendido por Bentham, mas
depois se uniu à “ala” dos Radicais Unitaristas – mais radicais e libertários que os utilitaristas
(NYE, 1995) e pela feminista Harriet Taylor que fazia parte dos Radicais Unitaristas. Neste
contexto, esse encontro e/ou união de Mill e Taylor fez repercutir no movimento reformista e
na teoria democrática duas tendências conflitantes:
Em primeiro lugar, exigências utilitaristas de uma sociedade na qual haja a maior
felicidade para o maior número e, em segundo lugar, uma reivindicação libertária
rousseuniana de que a liberdade é o direito natural de todo ser humano (NYE, 1995,
p. 27).
Partindo dessas duas premissas, Mill e Taylor vislumbraram uma possível revolução
feminista, posto que os interesses e direitos dos indivíduos estariam protegidos e/ou
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defendidos. E, nesse aspecto, as mulheres se achariam no direito de reivindicar o que lhes foi
vetado, a saber: a educação irrestrita, a participação ativa na sociedade, através da escolha de
uma profissão, o direito de exercer seu direito enquanto cidadã, bem como usufruir dos
benefícios políticos, como o voto os Radicais Filosóficos Utilitaristas ensejavam a
ampliação do sufrágio –, ao atender tais solicitações e/ou reivindicações, a sociedade estaria
caminhando para uma suposta igualdade, como pensavam os democratas. Porém, como
pensar em tal igualdade se não estava garantida uma igualdade econômica para as mulheres
(NYE, 1995) no próprio utilitarismo? Uma vez que, assim como a construção do movimento
feminista, as mulheres tinham o direito de, nesse cenário, negociar e/ou barganhar com os
homens uma melhoria em sua situação, nesse caso, trabalhista. E era nessa possível
negociação que repousava uma certa igualdade.
Essa questão da igualdade, em uma sociedade civil que estava imersa nos ideais
propostos pela Revolução, entrava em choque com as necessidades das mulheres, uma vez
que, teoricamente, em tal sociedade, os fatores prazer e sofrimento seriam regiamente
controlados com vistas a beneficiar a todos. No entanto, se partimos desses fatores para evitar
qualquer tipo de sofrimento, aborrecimento, entre outros, ficariam em casa, cuidando dos
afazeres domésticos, enquanto o marido encontra na obediência da esposa e no conforto do
lar, claro, além do seu trabalho assegurado, todos os pré-requisitos para o prazer/felicidade.
Percebemos, com isso, que a lógica liberal e democrática foi construída em meio a vários
paradoxos.
Os paradoxos e contradições que foram denunciados desde os tempos da Revolução
Francesa ecoam até nos dias de hoje no movimento feminista. Tal movimento fez, ao longo
dos anos, os ajustes necessários para sobreviver nos novos arranjos sociais acenados
precisamente na década de 60 do século XX. Dentro desse contexto, várias questões que
estavam no cerne da luta feminista, como a igualdade tão almejada por elas, foram
51
problematizadas por feministas menos radicais. Essa igualdade estava atrelada a uma
diferença: ora, as próprias feministas, inseridas em meio ao discurso democrático, viam na
diferença sexual o ponto de partida para a reivindicação de igualdade, como estratégia de luta,
de modo que elas se dividiram (e ainda hoje se dividem) entre reafirmar essa diferença ou
lutar por diminuí-la, e até, se possível suprimi-la (SCHMIDT, 2003).
Dessa forma, foi que a estudiosa Simone Pereira Schmidt (2003) trouxe à luz o
pensamento da pesquisadora e feminista Joan W. Scott acerca dessa questão da diferença e da
igualdade na construção de um feminismo que buscasse um equilíbrio entre esses dois
princípios, pois “escrever uma história do feminismo, para Joan Scott, não é escolher entre a
estratégia da igualdade ou da diferença, mas enfrentar no presente esses impasses” (p. 453).
Seguindo o raciocínio de Scott, temos em seu artigo intitulado O enigma da
Igualdade” (2005) a possibilidade de ver problematizados assuntos referentes à identidades
individuais e de grupos, discussões relacionadas às minorias. E, nesse meio, tal pesquisadora
discorre sobre os conceitos de igualdade e diferença, de maneira a refletir que “a igualdade é
um princípio absoluto e uma prática historicamente contingente. Não é a ausência ou a
eliminação da diferença, mas sim o reconhecimento da diferença e a decisão de ignorá-la ou
de levá-la em consideração” (SCOTT, 2005, p. 15).
Ao atentarmos para essas palavras, percebe-se quão movediço e/ou paradoxal é o
conceito de igualdade, posto que “as demandas pela igualdade necessariamente evocam e
repudiam as diferenças que num primeiro momento não permitiriam a igualdade” (SCOTT,
2005, p. 20). Essa contradição é refletida nas nuances do próprio feminismo em que temos
uma tensão entre identidade de grupo - as mulheres enquanto grupos – e a identidade
individual, necessária para acionarmos os mecanismos para uma sociedade mais democrática.
Assim, manter tal tensão nos faz entender que a diferença é utilizada para organizar as
52
relações sociais (SCOTT, 2005) que são travadas nas constantes negociações que os sujeitos
“elaboram”, cotidianamente, em âmbito social.
Esse sentimento de contradição, após um longo período de luta feminista, traz à tona
questões que foram escamoteadas pelas feministas mais radicais, por, talvez, não pôr em crise
as ideologias e os rumos que o movimento trilhou durante todo esse tempo. Nesses termos, é
de se perguntar se as conquistas empreendidas pelo movimento feminista, realmente,
imprimiram as necessidades da mulher contemporânea, posto que tal mulher seja herdeira, por
assim dizer, de dois discursos feministas (BADINTER, 2005) que repercutem de forma
positiva e negativa no cotidiano de inúmeras mulheres, pois com as demandas solicitadas por
uma sociedade contemporânea que exige rapidez e excelência no trato das atividades, a
mulher possui uma carga de trabalho que se duplica, não porque, na maioria das vezes, tenha
uma jornada de trabalho que ultrapasse as horas pré-estabelecidas, mas porque ao chegar à
casa precise “cuidar” dos afazeres domésticos e do marido. Para além disso, elas precisam
preservar sua feminilidade, bem como conciliar um discurso que evoca as mulheres para os
benefícios da maternidade.
Ao pensarmos nos discursos feministas que foram veiculados e sabermos de um perfil
da mulher contemporânea que trabalha fora de casa e que faz parte de um estrato social
inferior, em sua maioria, percebemos que este público feminino “não es interessado nas
batalhas ideológicas ou teóricas, mesmo que as mulheres sejam as primeiras a sofrer suas
consequências” (BADINTER, 2005, p. 145).
Esse mesmo raciocínio pode ser evidenciado no perfil das mulheres que começaram a
trabalhar nas indústrias no século XIX e no movimento feminista que estava em marcha, pois
ainda mais “a mulher trabalhadora não tinha tempo para palestras ou especulação filosófica,
ou mesmo talvez para a instrução que essas palestras deviam oferecer” (NYE, 1995, p. 49).
Nessa medida, é válido notar que os aspectos tanto positivos, quanto negativos desencadeados
53
pelo feminismo devem considerar critérios relacionados à posição social destas mulheres,
uma vez que para uma mulher mais abastada o feminismo pode ter tido um balanço mais
benéfico ou não, o mesmo se aplica às mulheres de baixa renda quando pensamos, por
exemplo, nas políticas de planejamento familiar e contracepção. Assim, se para as mulheres
mais abastadas tais políticas ‘soavam’ como mais um direito, “[...] tomava ares de política
pública conservadora quando o alvo era as camadas populares” (MESQUITA, 2010), de
modo que as feministas tiveram um cuidado maior acerca dessa questão, levando em
consideração as reais necessidades dessas mulheres “sem cair em políticas discriminatórias”
(MESQUITA, 2010), como fora desencadeado na época do regime militar entre a população
pobre.
A repercussão dessas contradições não afetou a vida das mulheres, mas também a
de seus companheiros. Ora, os homens ainda hoje “degustam” com maior ou menor
intensidade as mudanças desencadeadas pelo feminismo. Uma prova disso está em uma
pesquisa realizada pela revista Elle ano de 2005, na qual Badinter (2005) comenta:
Libertos, para quebrar a monotonia, dos grilhões do convencionalismo, os homens,
seja qual for sua geração, não se incomodam em expressar seu mal-estar e seu
ressentimento diante das mulheres, a quem consideram as grandes vencedoras dos
últimos trinta anos (p. 148).
Diante da insatisfação dos homens e da parcial ou total insatisfação das mulheres,
observamos que existem entre ambos os gêneros uma necessidade de encontrar um ponto de
equilíbrio em meio a tantos paradoxos que se fazem presente na contemporaneidade, pois
“embora elas achem lentos os avanços, e eles, rápida demais a partilha de seus despojos, a
maioria das mulheres e dos homens tem vontade de conviver e de viver melhor”
(BADINTER, 2005, p. 145-146).
54
A escrituração feminina
Nesse instante, nos reportamos para o processo de escrituração das mulheres, pois o
mesmo foi, a partir de um dado momento, fortemente influenciado pelos ideais propostos
pelas feministas. Nessa medida, vemos que, a partir da segunda metade do século XX, a
mulher escritora pode ter uma autonomia, uma vez que, até antes do século em questão, a
mulher era apenas vinculada às ocupações ligadas à esfera privada como os afazeres
domésticos e o cuidado com a prole e o marido –, como mencionado anteriormente. Faz-se
necessário esclarecer que ao nos referirmos a essas ocupações, não estamos ‘inferiorizando-
as’, mas refletindo acerca de certas ‘restrições’ destinadas às mulheres no que se refere a
atividades que propiciassem visibilidade e reconhecimento na esfera pública da sociedade.
Assim, esse caráter restritivo associado à mulher fora confirmado pelos escritores homens,
pois eles representavam uma mulher sem autonomia, como também por um viés mítico em
que era a criatura, nunca a criadora (TELLES, 1997). É pensando ainda nesse modo de
representação na literatura que Funck (1994) argumenta:
Equiparada na literatura com conceitos como os de texto, objeto ou musa, a mulher
que questionasse esse status quo se via desamparada diante de um estabelecimento
crítico, sustentado pela universidade, que ignorava peculiaridades que não se
enquadrassem no paradigma masculino, dito universal (p. 17).
Vale ressaltar que apesar de enfrentarem diversas barreiras, como a proibição da
educação superior, elas começaram a escrever. Para dar início ao processo escritural feminino
“tiveram de ler o que sobre elas se escreveu, tanto nos romances quanto nos livros de moral,
etiqueta ou catecismo” (TELLES, 1997, p. 403) para depois dominar os mecanismos da
escrita. Após um longo percurso escritural é que tais mulheres puderam expressar seus
anseios e manifestar um posicionamento crítico sobre os assuntos do meio social.
Em meio a esse percurso trilhado pelas escritoras, percebe-se que foi com o
movimento feminista da década de 60 nos Estados Unidos “que um grupo de mulheres
55
editoras, escritoras, professoras e críticas começou a questionar, com o vigor característico
da década, a prática acadêmica patriarcal” (FUNCK, 1994, p.17).
Nesta medida, temos as três fases da crítica feminista, as quais se preocupavam
respectivamente, em primeiro momento, com o “combate” a misoginia da prática literária, por
meio da escritora Kate Millet em A política Sexual. Em um segundo momento, com a
investigação de uma literatura feita por mulheres, através das formulações propostas por
Elaine Showalter. Ainda sob a ótica dessa crítica, destacamos o terceiro momento da crítica
feminista, o qual “passou a exigir não reconhecimento da produção feminina, mas também
uma revisão dos conceitos básicos do estudo literário [...]” (FUNCK, 1994, p.19) que foram
apontados pelos escritores e críticos. Ainda nesse terceiro momento houve a inserção da
mulher nas questões de teoria e crítica literárias.
A partir desse terceiro momento, temos a inserção do conceito de gênero, o qual passa
a ser utilizado como categoria de análise no rol do discurso literário. Desta forma, é oportuno
destacar que com o surgimento de tal conceito percebe-se que o fator biológico/físico não é
determinante para estabelecer a diferença entre homens e mulheres, uma vez que os aspectos
sócio-culturais são essenciais para a construção social destes indivíduos.
Com relação ao Brasil, a crítica literária feminista e os estudos acerca das relações de
gênero se mostraram de forma indefinida, posto que em nosso país, diferentemente de outros
países, o movimento feminista não surgiu como um fenômeno político com a mesma
intensidade e abrangência. Isso se reflete também no cenário acadêmico, pois “os conceitos
críticos foram importados através das literaturas estrangeiras e das ciências sociais,
especialmente a antropologia” (FUNCK, 1994, p.21). Para tanto, convém destacar que foi a
partir das décadas de 70 e, principalmente, de 80 que o pensamento feminista no Brasil
apareceu na sua forma mais “nítida”, de modo que Daniela Manini (2008) destaca a
56
importância desse momento em seu artigo intitulado A Crítica Feminista à Modernidade e o
Projeto Feminista no Brasil dos anos 70 e 80, quando diz que:
Privilegio esse momento pois, apesar de reconhecer que as questões de gênero
sempre permearam os acontecimentos históricos, entendo que é a partir dque o
feminismo emerge enquanto crítica nova da modernidade, na medida em que aponta
para uma forma de fazer política, ao propor a “politização do cotidiano”.
Ao levar para a pauta acadêmica e política temas considerados da esfera privada, as
feministas trazem à tona questões que foram “abafadas” por uma cultura de base patriarcal,
como a denúncia a diversos preconceitos enfrentados cotidianamente pelas mulheres, mas que
a partir da união de diversas vozes femininas puderam empreender transformações em âmbito
sócio-cultural, evidenciando, gradualmente, as várias conquistas das mulheres que foram
elencadas nas páginas anteriores desse estudo. Diante disso, é válido destacar uma certa
autonomia para as mulheres, mas não ao ponto de uma igualdade entre os gêneros.
A produção de autoria feminina no cordel
Ao trilhar os “caminhos” das mulheres em um dado espaço geográfico e social, o
sertão nordestino, a partir do século XIX, o estudioso/a depara-se com um considerável
“trabalho” escritural sobre estas mulheres, o qual está presente nos livros de memória, e,
principalmente, na literatura de Cordel. Esse “trabalho” está centrado na forma de construir'
discursivamente estas mulheres, uma vez que temos, no cenário sertanejo, uma diversidade
delas que eram ricas ou pobres, instruídas ou não, como também livres ou que ainda eram
escravas (FALCI, 1997).
É oportuno mencionar alguns “traços” que direcionam para certas “diferenças” entre
esta ou aquela mulher, tomando por base a classe social. Assim, temos a mulher pobre e livre
que abarca também uma variedade da “figura” feminina; entretanto, os traços mais
conhecidos estão centrados na mulher da elite. Deste modo, percebe-se que ela está vinculada
57
ao cuidado para com a prole e a família. Vale lembrar que algumas delas poderiam ter um
certo grau de instrução, mas, muitas vezes, com um “rígido” professor particular, apenas
restrito à esfera privada.
Diante de um “perfil” nordestino e/ou sertanejo das mulheres no século em questão
XIX -, percebe-se que apenas as mulheres da elite tinham acesso à instrução e ainda assim
deveriam cuidar da prole e, em última instância, do seu marido, em outras palavras, do seu
“senhor”. Pensando assim, vemos que a mulher exercia um papel decisivo na preservação do
status de masculinidade, de maneira que o discurso “machista” aponta o destino da mulher,
nesta representação literária, desde o início do século XX: “o destino da mulher é o
casamento, e que amor, maternidade e vida doméstica são inseparáveis, e aquilo que realizaria
e traria a felicidade para a mulher” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2003, p.72). Nesse contexto,
a maioria dos homens daquela época, ‘nutridos’ por esse discurso que enaltecia, por exemplo,
o casamento, não via a mulher “solteirona” com ‘bons olhos’, talvez por ela não se mostrar
interessada com os benefícios oriundos dos laços matrimoniais e por se mostrar uma mulher
de difícil convivência. Porém, lembremos de dois aspectos: mesmo nos referindo a um
discurso desencadeado no inicio do século XX não devemos esquecer que ainda existe no
imaginário coletivo a imagem da “solteirona” como uma pessoa mal-humorada. Além disso,
há de se considerar aquelas mulheres que querem se casar e constituir uma família, mas ainda
não encontraram um parceiro para dividir a ‘vida a dois’, de forma que não podemos, sob
hipótese alguma, generalizar essa questão.
Mesmo sabendo disso, esse ‘estigma’ da “solteirona” encontra-se em vários cordéis
escritos por homens como os de Abraão Batista, a exemplo de sua “trilogia” sobre a
“solteirona” - Nascimento, vida e morte de uma coroa (1967), Encontro de Abraão Batista
com uma coroa (1967) e O que uma coroa deve fazer para se casar (1977) visto que o
cordelista representa a “solteirona” como uma mulher de difícil convivência, enfatizando que
58
esta é “escanteada” por seu comportamento agressivo e a falta de simpatia, de maneira que,
através desse cordelista, temos uma representação negativa das mulheres que não se
submetem a tais laços matrimonias.
Nesse sentido, no cordel intitulado O que uma coroa deve fazer para se casar (1977)
esse cordelista lança mão de alguns ‘conselhos’ para as mulheres que desejam se casar:
A mulher nunca demonstre
Querer no homem mandar
A mulher manda escondido
No seu sorriso e no chorar
E o homem, de mulher dessa
Se esconde até no mar
(BATISTA, 1977)
Assim, entre as recomendações descritas, por esse poeta popular, para que uma coroa
se case, está o “alerta” para a mesma o “mandar” no seu ‘companheiro’ sob pena dele não
tolerar este tipo de temperamento e/ou comportamento. Assim, uma forma de “mando” para
esta seria através de aspectos que denotem submissão.
Tomando por base cordéis escritos por homens, temos, grosso modo, através dessa
representação feminina, o papel da mulher em nessa época início do século XX de modo
que refletimos quão difícil foi para as mulheres se (auto) afirmarem no universo da escrita. E,
principalmente, quando pensamos na região Nordeste, pois além do rígido controle por parte
dos pais, o ato de escrever também era considerado como um ofício masculino.
Como dissemos, no Nordeste, na maioria das vezes, apenas as mulheres da elite
tinham acesso aos mecanismos da escrita e, mesmo assim, “timidamente”. Porém existiam
aquelas que, como Ignez Mariz, recebia um nítido apoio dos pais para se dedicar aos estudos,
uma vez que eles “haviam proporcionado à filha esta incrível e única ocasião dada a uma
moça naquele tempo: a de poder freqüentar uma escola e ali obter um diploma de alto nível”
(BERNARDO, 2005, p. 09-10). Convém ressaltar que essa escritora nasceu em Sousa-PB, no
ano de 1905, e que desde a sua infância gostou de livros. Este fato fez nutrir uma inclinação
59
para o fazer literário, tornando-se uma das pioneiras no estado da Paraíba, como assinala
Bernardo (2005): “a pioneira e eficaz presença da mulher na literatura do alto sertão da
Paraíba nós a temos já nos primeiros anos do século XX” (p. 09).
Ignez foi a primeira a introduzir, por assim dizer, “a vertente regionalista na literatura
de autoria feminina na Paraíba” (BERNARDO, 2005, p. 09) com o seu romance mais
conhecido, A Barragem. Além de romancista e poetisa, ela também escrevia artigos que
discorriam sobre as necessárias mudanças na sociedade, como também sobre a condição e
emancipação femininas. Essa breve menção à produção literária da paraibana Ignez Mariz
fez-se necessária para mostramos que:
Embora os livros de História da Paraíba não citem a presença e participação das
mulheres no contexto dos anos vinte, e, ainda hoje desconhecidas, as mulheres na
Paraíba foram presença constante, principalmente nos jornais, publicando crônicas,
poesias, contos” (QUEIROZ, 2006, p. 53).
Em meio a essas mulheres paraibanas que adentraram e/ou desbravaram o mundo da
escrita - majoritariamente masculino –, através de várias modalidades literárias, destacamos a
produção de autoria feminina na literatura de cordel. E um nome que emerge ao pesquisarmos
sobre essa produção é o da cordelista/poetisa Maria das Neves Batista Pimentel da cidade de
Teixeira-PB. Tal poetisa, filha do cordelista e editor Francisco das Chagas Batista e esposa de
Altino de Alencar Pimentel, se insere no mundo dos folhetos por meio de um pseudônimo
masculino Altino Alagoano para publicar em 1938 o folheto intitulado O Violino do
Diabo ou o Valor da Honestidade. É válido ressaltar que esse cordel “é uma reescritura do
romance O Violino do Diabo, publicado por Enrique Perez Escrich (1829-1897), que inicia
em 1850 sua produção literária” (MENDONÇA, 1993, p. 12).
O resgate da produção dessa cordelista foi possível por meio da pesquisadora
Maristela Barbosa de Mendonça que trouxe à luz a produção e os depoimentos de Maria das
60
Neves Pimentel, em sua dissertação transformada em livro Uma voz feminina no mundo
do folheto no ano de 1993. O trabalho empreendido por essa estudiosa:
[...] procura conjugar duas dimensões: a da memória e a dimensão da obra [...] o
enfoque dado ao discurso e à obra torna convergente três competências: da mulher
autora de folheto; da mulher personagem de uma comunidade poética e da mulher
testemunha da história da Literatura Oral (MENDONÇA, 1993, p. 16).
Essa citação nos faz pensar sobre essas três competências apontadas por Mendonça
(1993), as quais servem não só para termos um breve desdobramento sobre a importância da
cordelista Maria da Neves, como também servem de “ponte” para aprofundarmos a questão
da autoria feminina no cordel, uma vez que a primeira competência: da mulher autora de
folheto, nos remete ao fato de que não os homens escreveram nessa modalidade literária,
apesar de um sem-número de folhetos escritos por eles, as mulheres também foram,
paulatinamente, se inserindo em tal modalidade, pois como Maria das Neves Batista Pimentel
que, ao que tudo indica, foi uma das primeiras mulheres a publicar um folheto, quiçá a
primeira – outras também publicaram seus folhetos.
Nessa medida, uma pesquisa empreendida por Francisca Pereira dos Santos (2009)
indica que desde a década de 1950 a presença de mulheres publicando folhetos, como
Maria Isabel Galvão, que publicou dois e nas décadas posteriores houve um gradativo
aumento, mas foi na década de 1990 que tais cordelistas se “firmaram” nesse campo
(SANTOS, 2009). Porém, muitas mulheres que tiveram “vontade” de se lançar nesse universo
da literatura de cordel não puderam fazê-lo por proibições por parte do marido e /ou do pai,
ou mesmo porque, embora almejando a isso, algumas delas, tinham receio de não serem bem
vistas socialmente por ousarem adentrar em mais um âmbito reservado aos homens. Foi
pensando assim que a própria Maria das Neves decidiu usar um pseudônimo que o marido
havia lhe sugerido para tal empreitada – Altino Alagoano -, pois ela observava que os folhetos
vendidos na livraria de seu pai eram produzidos por homens e que não havia nenhum
61
produzido por uma mulher, de modo que a poetisa não queria ser a primeira a colocar seu
nome em um folheto (MENDONÇA, 1993).
A segunda competência mencionada da mulher personagem de uma comunidade
poética
refere-se, primeiramente, à inserção de Maria das Neves como cordelista em uma
longa tradição familiar masculina: a dos Nunes-Batista, “uma comunidade poética cujo berço
é a Serra do Teixeira [...]” (MENDONÇA, 1993, p. 12). Porém, um fato a ser exposto é que,
como sabemos, Maria da Neves lança mão de um pseudônimo masculino em seus folhetos, de
modo que (in) conscientemente “[...] rompe com seu próprio mundo, o mundo da mulher e
rompe com a tradição familiar dos Nunes-Batista” (MENDONÇA, 1993, p. 200).
Não podemos deixar de registrar que Maria das Neves admirava o trabalho do pai, não
como editor, mas como cordelista, de forma que, além do receio em ser a primeira poetisa
a publicar, talvez a opção por um outro nome e sobrenome, que não fossem ligados aos da
família e, em última instância, à imagem paterna, tenha sido proposital, por um certo receio
em “destoar” da produção de tal comunidade poética. Esse possível receio é justificado por
entendermos que nomes como Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e
tantos outros que publicavam seus folhetos e/ou declamavam seus versos processo que foi
comentado anteriormente fizeram história na Literatura de cordel nordestina. De forma que
mesmo que mulheres como Maria das Neves, por exemplo, estivessem imersas nesse
ambiente poético, é nítido um ocultamento destas por parte de uma sociedade patriarcal, como
reflete Santos (2006):
Apesar de estarem convivendo neste universo seja como filha dos poetas, esposas,
ou até mesmo enquanto poetisas, as mulheres do sertão não tiveram espaço de
visibilidade na sociedade patriarcal. Isso implica constatar que a trajetória do folheto
esteve centrada no homem, naquele poeta que ia para as feiras e palcos, enquanto à
mulher não cabia tal status cultural. O apagamento feminino nesse contexto cultural
impediu que muitas das mulheres com vontade de cantar ou escrever, manifestassem
os seus talentos (p. 184).
62
Tal ocultamento das mulheres cordelistas se confunde com a própria condição
feminina, visto que até as últimas décadas do século passado (XX) as mulheres, em sua
maioria, estavam destinadas aos afazeres domésticos, aos cuidados para com o marido e os
filhos, de modo que mesmo conseguindo autonomia em alguns espaços, elas encontravam
uma expressiva resistência em outros, principalmente naqueles espaços que demandassem
uma maior visibilidade e/ou poder por parte dos homens.
Dentro desse cenário, pensemos na terceira competência exposta por Mendonça
(1993): da mulher testemunha da história da Literatura Oral. Esta competência, que fora
percebida na figura de Maria das Neves Pimentel nos faz pensar na convivência dessa poetisa
em meio aos familiares que declamavam e/ou cantavam, bem como tantos outros cantadores/
repentistas que povoam o Nordeste brasileiro.
Paralelamente a isso, verificamos que, a exemplo da tradição dos Nunes–Batista,
muitos outros autores paraibanos se lançaram nesse universo da literatura de cordel. Porém,
nos permite ainda refletir quão “dificultoso” foi o caminho trilhado pelas primeiras
cordelistas, pois, como foi exposto logo no inicio do nosso trabalho, percebemos que na
historiografia dessa literatura “[...], no entanto, não houve espaço para a produção das
mulheres, o que não significa a sua inexistência enquanto poetisas” (SANTOS, 2006, p. 184),
posto que mesmo aquelas que não foram “agraciadas” com publicações de seus folhetos,
várias mulheres cantavam e/ou declamavam versos.
Nesse momento, convém registrar mais um artigo da pesquisadora Francisca Pereira
dos Santos (2008) intitulado As mulheres como transmissoras da tradição poética em cordel:
o caso de Patativa do Assaré. Esse artigo traz à luz questionamentos/discussões sobre a
presença das mulheres como “porta-vozes”, por assim dizer, dessa tradição poética não
como “espectadora” desse processo, mas como parte atuante. Essa atuação, como sabemos,
63
não consta nos registros oficiais e pesquisas sobre a poesia popular. Em contrapartida a essa
constatação, surge um fato a ser destacado:
[...] é no entanto, e paradoxalmente, nos seus próprios arquivos que temos
encontrado, subterraneamente, a presença das mulheres poetisas, cantadoras e
autoras de cordel. Essas vozes “descobertas” e/ou “achadas” em lugares
caracterizados como exclusivamente “do homem”, ecoam e aparecem na
historiografia de variadas maneiras (SANTOS, 2008)
Nessa medida, essa pesquisadora aponta duas possibilidades de “descobrimento” de
tais vozes, a saber: através de terceiros chegando aos ouvidos de cantadores “que ouviram,
viram, repetiram, transmitiram em seus versos informações sobre composições poéticas e
performances de mulheres [...] (SANTOS, 2008), como também terceiros que apontam a
realização de “pelejas - reais ou ficcionais -, criadas pelos poetas que narram duelos entre
repentistas ou cordelistas famosos com mulheres cantadoras [...] (SANTOS, 2008). Essas
informações são importantes na medida em que podem sedimentar as bases de uma nova
historiografia para essa literatura ou mesmo repensar alguns critérios teóricos-críticos nessa
área.
Uma prova da presença das mulheres como transmissoras dessa tradição, pôde ser
evidenciada por meio de uma entrevista realizada por Cláudio Andrade ao poeta Patativa do
Assaré, em que este comenta, entre outras coisas, como foi a sua inserção no universo dos
versos, ao passo que ele, como assinala Santos (2008) teve “[...] a sua experiência primeira, a
de ver e escutar a voz rítmica da poesia transmitida por uma mulher” (SANTOS, 2008).
Diante dessa revelação, percebemos que mesmo ocultadas na historiografia dessa modalidade
literária, as mulheres sempre declamavam seus versos e que um poeta consagrado relembrou,
através de uma entrevista, o encantamento desencadeado pela leitura dos versos realizados por
uma mulher.
Para além desses fatos, quando pensamos nesse ocultamento por parte da
historiografia, temos ainda, uma expressiva ausência de estudos teórico-críticos e até mesmo
64
metodológicos sobre a produção de autoria feminina no cordel. Essa reflexão é partilhada
também por Santos (2006) em seu artigo intitulado Mulheres fazem...cordéis, quando ela diz
que “na realidade a produção acadêmica nessa área é quase insignificante, demonstrando
ainda uma pobreza da fortuna crítica sobre a questão da mulher e do gênero , no popular,
caracterizando [...] uma lacuna que almeja ser imediatamente preenchida” (p. 185).
Em meio a esse “passado” de perpetuação da lógica patriarcal, representada aqui na
escrita dos cordelistas (homens) e na presença de uma historiografia marcadamente
masculina, encontramos entre esses cordelistas, um que apóia e incentiva o trabalho de várias
poetisas/cordelistas na cidade de Campina Grande-PB: Manoel Monteiro. Esse poeta popular
é natural da cidade de Bezerros-PE, mas reside há muitos anos na cidade de Campina Grande-
PB. Nesse sentido, a pesquisadora Doralice Alves de Queiroz em sua dissertação intitulada
“Mulheres cordelistas: percepções do universo feminino na Literatura de cordel”, destaca a
importância desse cordelista para fomentar, nessas poetisas, o desejo de publicar seus
folhetos, uma vez que:
Como parte das suas atividades para divulgação da Literatura de cordel, como
palestras, oficinas, entrevistas nos meios de comunicação, saliente-se o apoio que
às mulheres cordelistas, incentivando-as, fazendo revisões, cuidando da editoração,
constituindo-se referência tanto dos estudos dos poetas como das poetisas
(QUEIROZ, 2006, p. 65-66)
Além do apoio de Manoel Monteiro, encontramos na cidade de Campina Grande, a
partir do século XXI, contribuições para a produção e disseminação da literatura de cordel. E,
nessa medida, o processo de ‘regaste’ das vozes femininas no cordel por parte de projetos
desenvolvidos na Universidade Estadual da Paraíba UEPB em parceira com a prefeitura de
Campina Grande, como também a contribuição de órgãos públicos para impulsionar a
publicação dos folhetos produzidos por mulheres naquela cidade (QUEIROZ, 2006).
É nesse sentido que destacamos a presença significativa de mulheres produzindo
cordéis. E, dentre elas, temos a produção das cordelistas paraibanas que foram selecionadas
65
para nosso estudo, como exposto antes: Clotilde Tavares, Hélvia Callou, Maria Godelivie,
Maria Julita Nunes, Maria de tima Coutinho e Maria de Lourdes Nunes Ramalho. Assim,
nos próximos capítulos, discorreremos acerca de cada uma e de seus folhetos, com destaque
para as temáticas que fazem referência a lógica patriarcal, bem como temáticas e novas
abordagens que apontam para questões feministas, respectivamente, no âmbito da literatura de
cordel.
66
A LÓGICA PATRIARCAL NOS CORDÉIS ESCRITOS POR
MULHERES
Os fios de uma herança falocêntrica nas personagens mulheres
Com base no nosso estudo acerca da produção das cordelistas paraibanas, percebemos
um número expressivo de folhetos que abordam temáticas que reforçam aspectos ligados à
lógica patriarcal. Isso pode estar relacionado a uma longa tradição de folhetos escritos por
homens, como dito anteriormente. Além dessa hipótese, há de se pensar em uma outra – a que
está relacionada à dominação masculina (BOURDIEU, 2003), pois não as mulheres, mas
também os homens são, por assim dizer, “enredados” em articulações machistas que, (in)
conscientemente, perpetuam tal dominação seja nas práticas ou atitudes dos sujeitos, seja na
própria forma de vivenciar a sexualidade, entre outros.
Nesse sentido, a partir de um espaço predominantemente masculino, que é o da
Literatura de Cordel, refletimos que desvencilhar-se de uma produção escritural masculina
que fora propagada durante anos, bem como do discurso postulado pelo falocentrismo, pode
ser uma empreitada de difícil execução para mulheres nordestinas, posto que, na região
Nordeste, uma certa “herança patriarcal” é mais expressiva, de forma a preservar códigos de
valores que fazem parte do cenário sócio-cultural nordestino, a saber: a honra, a bravura e a
virilidade.
A respeito desses valores que estão, na maioria das vezes, ligados ao universo
masculino, como também servindo de pauta ou tema para vários cordéis escritos por homens,
encontramos um folheto intitulado Vaquejada e Vaqueiro (A história da fazenda), de autoria
de Maria do Carmo Cristovão. É válido lembrar que tal cordelista não faz parte do “grupo” de
poetisas selecionadas para esse estudo, porém dentre os vários folhetos catalogados e
analisados no decorrer dessa pesquisa, este foi o que manifestou de forma mais explícita e
67
direta no tema, valores relacionados à valentia e honra, pois nesse folheto um destaque
para a vida dos vaqueiros, através do trabalho e bravura que os fazem seguir de vaquejada em
vaquejada. Com relação à bravura a poetisa enfatiza: “O vaqueiro é corajoso/ Eu digo sem
exagero/ Enfrenta tudo que vem/ Juro por Deus verdadeiro/ Se a morte comesse bola/ Nunca
levava um vaqueiro” (CRISTOVÃO, S/D).
Os últimos versos desse folheto são destinados ao pai da cordelista, pois ela pede que
o seu pai não chore quando ela vier a morrer, pedindo ainda que quatro vaqueiros
“carreguem” seu caixão: “Todos de luva nas mãos/ De gibão e chapéu de couro/ Também
cantando toada/ Substituindo o choro/ E no peito o nome da saudade/ Feito em letras de ouro”
(CRISTOVÃO, S/D). Esses fragmentos são reveladores da construção de uma personagem
feminina imersa nos preceitos e códigos postulados pela lógica patriarcal. Entre tantos
aspectos a serem destacados nesses versos, verificamos uma nítida admiração pelos
vaqueiros, homens que enfrentam/enfrentavam as adversidades com austeridade e bravura. O
pedido feito por ela está não apenas ligado à honra de estar sendo carregada por quatro
vaqueiros, mas também por estes simbolizarem, também, a virilidade, em outras palavras, o
falo.
Pensando nos folhetos que apontam para o falocentrismo, destacamos, primeiramente,
a produção de Maria Godelivie
3
, pois esses folhetos dialogam, por assim dizer, com os temas
na esteira de uma tradição de cordéis produzidos por homens. A partir dos títulos
mencionados, em nota, podemos vinculá-los, em um primeiro momento, às “ideologias
masculinas”, uma vez que as mesmas dizem respeito às “construções cognoscíveis e
3
Maria Godelivie é natural da cidade de Campina Grande-PB. É graduada em Letras e possui o título de
especialista em Literatura. Nesse contexto, atua como professora e cordelista. A título de termos uma visão geral
da produção dessa poetisa, apontamos os cordéis publicados por ela, cronologicamente, a saber: O gostosão
(2002), O Homem que beijou uma alma (2003), A vingança da falecida (2003), O “doidinho” bem dotado ou O
tesão de Filomena (2003), A ganância do chifrudo (2004), Eita! Paixão dos diabos (2004), Ô mulher
desnaturada (2004), Tapa trocado não dói ou Chifre com chifre se paga (2006), Um marido duvidoso ou Um
casamento interesseiro (2006), O velhote enxerido (2007), Amor no escuro ou O cego e A dama da noite (2007),
A galega do negrão (2008), Chifrudos Associados (2008), Mulher Macho, sim senhor! (2008), Viagem à Santa
Vontade (2008) e O mistério do retrato (2009).
68
discursivas, dominantes nas sociedades que se estruturam com base em relações assimétricas
entre os gêneros, articuladas em forças e jogos que exibem multiplicidade de manifestações
[...]” (RAMIREZ, 1995, p. 77).
De acordo com esse pensamento, temos Amor no escuro ou o cego e a dama da noite
(2007), que trata da história de Marcelino, um cego que queria manter relações sexuais, pois
na vontade e/ou necessidade de satisfazer o seu desejo que “Ficava falando só/ Meio besta e
delirante/ Pensando em fazer “aquilo”/ Toda hora e todo instante” (GODELIVIE, 2007, p.03)
fez com que ele colocasse um fim em tal ‘angústia’, pedindo ajuda ao seu guia Serafim.
Porém, o mesmo o levou para um bordel sem que Marcelino soubesse, querendo “[...]
contratar uma morena/ [...] que fizesse o serviço/ Por uma taxa pequena,/ Tão pequena que
deu/ Pra contratar Marilena” (GODELIVIE, 2007, p. 06). Essa mulher tinha uma idade mais
avançada, a qual veio a ser revelada a Marcelino, por acaso, ao esclarecer que já era de
‘maior’: ‘Com setentinha estou’ (GODELIVIE, 2007, p. 09). Com isso, o ceguinho
descobriu a tempo a idade da sua provável parceira e “Como num passe de mágica/ O que
estava em pé baixou/ O cego vestiu-se às pressas/ E do quarto se ausentou/ Mas não
esqueceu-se da/ Decepção que passou” (GODELIVIE, 2007, p.10).
Ainda acerca desse folheto, podemos visualizar que a representação dessa personagem
feminina nos remete a uma concepção preconceituosa sobre a sexualidade da mulher na
velhice, através da atitude de Marcelino ao descobrir a idade de Marilena, posto que:
A resposta da mulher
Foi como um banho gelado
Ele escancarou a boca
E deu um grito abafado:
Vovó eu vou dar o fora,
Desculpe, eu fui enganado
(GODELIVIE, 2007, p. 10)
Como podemos ver nesse excerto, o fato de Marcelino imaginar que estaria nos
braços de Marilena, uma ‘vovó’, é tomado por um pavor diante dessa possibilidade. No
69
folheto não temos a descrição de como Marilena ficou ao ouvir tais palavras do cego, mas
podemos prever um desapontamento ao recusarem seus ‘serviços’ em razão da sua idade. Em
contrapartida, ao pensarmos na sexualidade masculina, diferentemente do que ocorre, na
maioria das vezes com a feminina, quando o homem envelhece, usufrui de benefícios que
‘garantem’ sua ‘vitalidade sexual’ para citar o Viagra e de um certo status valorativo que
lhe permite ter uma vida sexualmente ativa sem os ‘olhares preconceituosos’ da sociedade.
Dentro desse contexto, é oportuno mencionar, na representação de tal personagem, que, não
fosse o fato de Marcelino ter ‘descoberto’ a idade de sua parceira, o mesmo manteria relações
sexuais com a mesma, posto que ela ‘transbordava’ de sexualidade e estava disposta a ensinar
as “coisas novas” que Marcelino tanto almejava aprender.
Entre os folhetos que contemplam essa temática ligada ao falocentrismo está O
gostosão (2005), mas com um traço que o diferencia dos demais, pois está em jogo uma
possível vingança feminina. Assim, nesse folheto, encontramos, primeiramente, um homem
que diz “adorar” sua esposa Rosinha, mas não consegue viver sem Salomé (a amante). Nesse
contexto, sua esposa descobre essa traição e exige que ele escolha com quem pretende ficar,
alertando-o que, se resolver ficar com Salomé, ficará sem os seus “possuídos”. Vale ressaltar
que a maioria dos folhetos de Godelivie é dotada de um certo tom farsesco, como podemos
ver nessa passagem em que Rosinha ameaça cortar os “possuídos” do seu marido caso ele
resolva ficar com a amante, satirizando assim, de uma forma ‘agressiva’, a descoberta dessa
traição. Dentro desse contexto, ele volta para a “sua” Rosinha, mas para surpresa deste,
Rosinha planeja um castigo para o seu cônjuge:
[...] Meu “fogoso” maridão
Tu vais ficar na cozinha
E Trabalhar de montão
Enquanto passeio com
O gostosão Ricardão
(GODELIVIE, 2005, p. 08)
70
É oportuno mencionar o trabalho empreendido por essa poetisa na construção de suas
personagens, pois mesmo ainda “enredadas” nas malhas de um discurso milenar que é o da
lógica patriarcal, tais personagens travam negociações com a outra parte do gênero
masculino, de forma a insurgirem-se, gradativamente, contra tal discurso. Como foi o caso de
Rosinha, ao manifestar um castigo um tanto “transgressor” frente à traição do marido, de
modo a recusar uma possível submissão. Porém, lança mão de uma ‘vingança’ que se
equipara à masculina, ao avesso, quando diz que vai passear com “O gostosão Ricardão”.
Então, depreendemos que, para conseguir uma paridade na relação, a personagem Rosinha
precisou se utilizar do mesmo artifício da ideologia masculina. Nesse momento, é válido
retomarmos um pensamento exposto anteriormente sobre a igualdade, de forma que a mesma
suscita vários paradoxos, uma vez que “as demandas pela igualdade necessariamente evocam
e repudiam as diferenças que num primeiro momento não permitiram a igualdade” (SCOTT,
2005, p. 20).
Outra personagem que se vinga do marido é Sofia, mesmo estando morta, pois em A
vingança da falecida (2007), o castigo fica ainda mais evidente “[...] mesmo que o enganado/
faça parte do além” (GODELIVIE, 2007, p. 12), uma vez que Sofia se casou com um
homem interesseiro Joabe que no início do namoro deu-lhe um anel lapidado, ao passo
que a moça prometeu nunca tirá-lo do dedo. O casamento foi realizado com muita pompa e
depois de algum tempo Sofia ficou doente (o seu amado a envenenava diariamente), de modo
que quando estava prestes a morrer ela pediu ao marido que não tirasse o anel do seu dedo.
No entanto, “[...] antes do enterro/ Joabe agiu sem pudor/ Tirou o anel de Sofia/ Para dá-lo à
novo amor [...]” (GODELIVIE, 2007, p. 09). Feito isso, a vida de Joabe se transformou, pois
Sofia apareceu para ele exigindo o anel e o acusou da sua morte, de modo que o mesmo não
resistiu ao “choque” e morreu.
71
Até o presente momento, percebemos que a maioria dos cordéis de Maria Godelivie
remonta à lógica patriarcal, porém, alguns folhetos tendem a mostrar a personagem tentando
se desvencilhar de tal lógica, fato que nos faz lê-los com uma atenção “redobrada”. Dentro
desse cenário, temos o cordel intitulado Viagem à Santa Vontade (2008), o qual contempla a
representação da mulher que, em um momento de descanso, sonha com o lugar em que as
mulheres são detentoras do poder, pois “ quem domina é MULHER / Por ter muita
paciência / Os homens só obedecem / Já que não têm competência / Por isso SANTA
VONTADE / Nunca entra em decadência” (GODELIVIE, 2008, p. 02). Através desse
fragmento, é interessante notarmos que, em tal lugar, as mulheres dominam por terem,
primeiramente, certos atributos considerados, na maioria dos casos, da esfera feminina, como
a paciência e um senso de organização: “[...] não existia desordem / Estava tudo arrumado”
(GODELIVIE, 2008, p. 02).
Para além desses fatos, verificamos que a cordelista em destaque lança mão da
representação de uma mulher que está atrelada a uma das inúmeras contradições, dos
discursos feministas, conforme expresso anteriormente, uma vez que ela almeja igualdade,
porém “[...] para a maioria das mulheres, pode haver melhoria em sua situação através de
uma conquista de igualdade que não ponha em perigo as relações com os homens”
(BADINTER, 2005, p. 145). Esse pensamento está presente nos seguintes excertos:
Ter companheiro educado
Que lhe faça cafuné
Que lhe cubra de carinho
Que não pegue no seu pé
Tendo toda liberdade
De ser do jeito que é
(GODELIVIE, 2008, p. 03)
Saiba que em SANTA VONTADE
Homem tem obrigação
De preparar a comida
Com toda dedicação
E servir a companheira
Na hora da refeição
(GODELIVIE, 2008, p. 04)
72
O primeiro excerto nos instiga, ainda, a refletir que essa mulher deseja ter um
companheiro com alguns atributos educado e carinhoso –, mas que não “abre mão” de sua
liberdade. Neste sentido, identificamos que a maioria das mulheres, que foram submissas aos
desejos impostos pelos outros, se posicionam, gradualmente, como sujeitos “autônomos” que
priorizam, também, suas exigências pessoais. Tal afirmação está atrelada à concepção de
sujeito enquanto ator social (TOURAINE, 2007). É nessa perspectiva que encontramos no
segundo excerto um homem que tem a obrigação de não só preparar as refeições, mas também
de servir a sua companheira. Isso nos faz pensar em uma “inversão” de papéis, pois as
mulheres sempre foram aquelas que cuidavam de tais afazeres.
Diante dessa possível afirmação das mulheres enquanto “atrizes” sociais e em busca
de uma satisfação pessoal, percebemos que as vontades femininas estão, aos poucos, se
tornando realidade. No entanto, um número expressivo de mulheres que, em busca de
igualdade, lançam mão de atitudes que convergem para o “universo” masculino, como
podemos analisar nos fragmentos a seguir:
Andar sempre acompanhada
De um bonito garanhão
Não ter compromisso sério
E em qualquer ocasião
Ter um gostoso do lado
Que lhe estimule o tesão.
Fazer serão toda noite
Sem ter hora pra voltar
Conversar com as amigas
Tornar cerveja no bar
Só retornando pra casa
Quando a farra terminar.
(GODELIVIE, 2008, p. 03)
Nesses fragmentos, é posto em destaque, de forma implícita, um certo tom de
“vingança feminina”, pois a cordelista representa, no folheto, uma mulher que não pretende
ter “compromisso rio” e quer estar ao lado de alguém não só por prazer, mas para satisfazer
seus desejos. Esse comportamento foi/é, na maioria das vezes, vinculado ao homem por este
73
ter sido “educado” por meio de valores machistas, de maneira que para ele há, na maioria das
vezes, uma ‘exigência’ em demonstrar que se é viril e másculo. No entanto, para as mulheres,
tal pensamento não é equivocado quando pensamos na contemporaneidade, na qual
encontramos relacionamentos efêmeros e, por que não dizer, na esteira de Bauman (2004),
amores líquidos. Porém, vale lembrar que os fatores afetivos que caracterizam as relações
sexuais das mulheres estão vinculados a certos “preceitos machistas”, na medida em que
ainda existe, no inconsciente coletivo, um estereótipo que incorpora uma mulher romântica,
dependente e “envolvida afetivamente para se relacionar sexualmente com alguém”
(GOLDENBERG, 1995).
Em contrapartida, ao refletir sobre os desejos dessa mulher representada, notamos
valores que remontam às ideologias masculinas no que se refere ao sexo, visto que este
expressa uma articulação entre o prazer e o poder, uma vez que, culturalmente, os homens
“demonstram” e detêm a liberdade sexual (RAMIREZ, 1995). Com efeito, ao incorporarem
tais comportamentos na intenção de se igualarem aos homens, as mulheres estão, na verdade,
utilizando um comportamento tipicamente machista. Fato que não as torna, por completo,
imersas nos preceitos masculinos, pois em meio a esses versos, por exemplo, está imbuído um
desejo de discutir essas relações travadas, visto que as lutas pela tomada de poder ou mesmo
por uma negociação entre as partes envolvidas são disputadas dentro da própria estrutura do
poder. Isso nos faz lembrar do que Roberto Machado reflete na introdução da Microfísica do
poder de Michael Foucault, pois o “[...] caráter relacional do poder implica que as próprias
lutas contra seu exercício não possam ser feitas de fora, de outro lugar, do exterior, pois nada
está isento de poder” (p. XIV).
Em meio a esses cordéis que apontam para a representação de personagens imersas
nos preceitos patriarcais, refletimos sobre um folheto escrito por Lourdes Ramalho
4
intitulado
4
Maria de Lourdes Nunes Ramalho é natural de Jardim do Seridó entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte -,
sendo descendente de uma família de poetas populares da cidade de Teixeira-PB: os Nunes-Batista. Ela é prima
74
Porque a noiva botou o noivo na justiça, posto que o mesmo direciona para a história de uma
moça/donzela que fez várias orações aos santos para encontrar um marido, mas quando
recorreu à macumba “[...] a sorte mudou,/ apareceu casamento [...]” (RAMALHO,S/D, p. 03),
porém, depois de contrair matrimônio sua vida se transformou, pois o noivo não tinha o
“secho” definido, de maneira que tal rapaz fez uma “forte” oração para que a noiva
desaparecesse na noite de núpcias, para não ter como consumar o casamento. Esta oração fez
com que surgisse uma onça e, com isso, a noiva ficou assustada, correndo atordoada, pois o
animal estava atrás dela. Depois de algum tempo, ela consegue se segurar num galho e o
noivo em outro, mas logo este “deu com a carga no chão!” (RAMALHO, S/D, p. 11).
Nesse instante, convém dizer que esse folheto é dividido em três partes: “acusação da
noiva”, “defesa do noivo” e “a noiva a sentença”. Sabendo disso, quando ambos ‘relatam’,
o momento em que vêem a onça tanto na primeira parte que traduz a fala da noiva - quanto
na segunda que reporta o discurso do noivo -, compartilham quase que identicamente da
‘descrição’ desse animal, como podemos observar, respectivamente, nos dois excertos:
de Maria das Neves Batista Pimentel e Paulo Nunes Batista. Assim, Lourdes Ramalho cresce “rodeada” de
artistas populares que influenciaram/motivaram, por assim dizer, o gosto pelas diversas formas artísticas, de
maneira que a pesquisadora Xavier (2002), aponta essa versatilidade artística dessa cordelista, pois é uma
“profunda conhecedora e autora de cordel, peças teatrais, monólogos e outros” (p.177). Sua produção no meio
teatral é bastante expressiva e rica ao compor a figura do homem e da mulher nordestinos “enredados” em
problemas de ordem social, como por exemplo, em As velhas (1975). Nesse sentido, até mesmo seus folhetos
dialogam com as particularidades do texto teatral, sendo considerados “cordéis-peças”: Judite Fiapo em Serra
Pelada, Porque a noiva botou o noivo na justiça e Viagem no Pau-de-arara.
75
[...] – Daí a pouco, de branco,
Mais parecendo donzela,
Bufando – lá vinha ela,
- onça-noiva esfrebiada
Ou noiva-onça embrulhada
Dentro do véu-e-capela!
(RAMALHO, S/D, p. 05)
[...] via na noiva – a onça,
Via na onça – a donzela...
Dois vulto branco em querela,
Tava armada a ingrisia,
Eu, nas vascas da agonia
E o destino a fazer troça
- pois ou eu comia a moça
Ou a onça me comia!
(RAMALHO, S/D, p. 12)
Nos dois excertos, a imagem da onça se confunde, por assim dizer, com a da noiva e a
da noiva com a da onça. Porém, a descrição da onça adquire aspectos positivos e negativos,
pois sob o olhar da noiva a onça estava esfrebiada’, zangada, destacando, ainda, a sua
situação de abandono, ‘embrulhada’, e, por que não dizer, de ‘desengano’ no seu ‘véu-e-
capela’. Sob o olhar do noivo há uma inversão de papéis, pois, para ele, a noiva era a onça, de
forma que essa alusão pode estar relacionada ao fato da noiva estar brava com ele, com ares
selvagens, ao passo que o noivo personifica a onça ao vê-la como uma donzela, talvez por
percebê-la serena, ‘caminhando’ ao seu encontro. É interessante notarmos que a representação
dessa noiva, aos olhos do rapaz, em estado de uma aparente ria ou mesmo descontrole
emocional, é vista como algo negativo para uma mulher que zela pela manutenção do
matrimônio ou para aquelas que desejam contrair matrimônio. Dito isso, o segundo excerto
ainda suscita reflexões, na medida em que indica a agonia do noivo frente a uma delicada
decisão, posto que ou ele ‘comia a moça’ ou a onça o comia’ Com relação a essa ‘metáfora
da comida’, faz-se necessário dizer que a gíria “comer”, em linhas gerais, indica o interesse
sexual da perspectiva do participante ativo, posição que, na história, cabe à noiva. Resulta daí
que o noivo assume o estatuto de “barriga-branca”, ou seja, o homem dominado pela mulher.
76
Nos últimos versos que encerram a “defesa do noivo”, temos o rapaz se ‘atirando’
“[...] num dos dois pacotes branco/ [...] pra solucionar o impasse/ e acontece o desenlace.../ -
levou-me a onça um “bocado [...] mas eu fiquei ...sossegado” (RAMALHO, S/D). Dessa
forma, a onça “devorou” a parte do rapaz que parecia incomodá-lo, pois, como dito antes, ele
não tinha “secho” definido, fato que o deixou ainda mais preocupado quando contraiu
matrimônio, de modo que a onça resolveu o seu impasse de ordem sexual. E ao lembrarmos
da personificação da onça em moça pelo noivo, notamos que este preferiu ficar com aquela
que aos seus olhos era uma donzela: a onça, de modo que optou por ser devorado a devorar.
Diante disso, faz-se necessário uma reflexão acerca da simbologia da onça. Nessa
perspectiva, temos no pensamento das sociedades arcaicas, uma referência que confere à onça
o estatuto de símbolo de coragem, bem como o da dificuldade do ser humano em lidar com as
forças da natureza, que estão também dentro dele. Simbolicamente, o noivo recorreu à sua
própria natureza, personificada, neste caso, na figura da onça, que apareceu como uma forma
de solucionar seu problema. Com efeito, o noivo conseguiu o seu intento e a noiva se sentiu
ultrajada. Isto nos oferece uma perspectiva instigante para a visão desta relação amorosa não
concretizada. A chave da questão é a figura da onça, que tanto o noivo quanto para a noiva
parece refletir os principais aspectos de uma identidade feminina atávica: instintiva, agressiva,
sexual, selvagem, primal. A noiva apresenta estas duas faces no momento em que se
casada com esse rapaz que “desconstrói” o que ela idealizou como um “casamento perfeito”,
posto que:
77
[...] mal deu o padre a benção
Como alguém que se desterra,
subi pra morar na serra
- num lastro de caminhão
(RAMALHO, S/D, p. 03)
[...] fiz pelo pé a subida
De meus pecados – desconto!
Salto-alto, véu quase roto,
Subo de quatro os grotão,
Rolando que nem limão...
- Indiferente, na dele,
O noivo não foi aquele
Que me oferecesse a mão...
(RAMALHO, S/D, 04)
Esses excertos são reveladores dos entraves enfrentados pela noiva desde que o padre
abençoou essa união, de forma que podemos interpretar essa subida a ‘serra’, empreendida
pela noiva, como negativa, bem como o ‘salto-alto’ e o ‘véu quase roto’ estarem atrapalhando
essa subida e a indiferença do noivo diante dessa situação. Ao atentarmos para essa
representação da noiva que se sumamente humilhada diante da ‘indiferença’ do noivo é
que podemos entender o aparecimento da onça, a qual é, na verdade, a própria noiva na sua
forma instintiva como dito antes –, de maneira que ela precisou tomar a iniciativa nessa
relação, pois o noivo com o seu problema de identidade sexual quis ser dominado a
dominar na relação, por isso que ele pediu a Deus para que aparecesse alguma ‘assombração’
que fizesse desaparecer aquela mulher, de modo que ao terminar seu pedido surgiu à onça, ele
tentou fugir desse lado selvagem de sua noiva, mas logo se ‘atirou’ na ‘onça-noiva’. Vale
ressaltar que própria noiva se ‘assusta’ ao ver seu lado selvagem aflorar dessa forma, pois ela
esperou do rapaz uma postura ativa na relação que, por assim dizer, ‘tomasse as rédeas’
daquela situação, mas como ele hesitou a noiva se viu na obrigação de fazer tal papel, fato que
a deixou ‘injustiçada’.
Na terceira parte desse folheto (que é a sentença), notamos traços que apontam a
valorização do falo, pois a noiva diz:
78
Agora que sem embaraço
Foi o caso esclarecido
Não vou ficar sem marido
Faltando o melhor pedaço!
Muita mulher diz: - “Não passo
Sem um marido aprumado!
- Eu, tomei o bonde errado!
- Se essa não quer uma sacana,
- não quer aquela um banana
- nem eu – DESENBANANADO!...
(RAMALHO, s/d, p.13)
Nesse excerto, temos uma noiva que apesar de ter sido quase “devorada” por uma
onça, se mostra disposta a procurar um novo marido, pois argumenta que não vai ficar
sozinha “[...] faltando o melhor pedaço”. E ela começa a fazer referência à banana um
símbolo fálico –, afirmando que o quer um homem “desenbananado”. Ora, essa moça está
imersa nos preceitos vinculados à lógica falocêntrica. Diante disso, convém apontar a
dominação masculina postulada por Bourdieu (2003), posto que tal dominação “rege” homens
e mulheres, perpetuando de forma até mesmo “inconsciente” valores e preceitos que
confirmam a supremacia masculina. Vale ressaltar que essa ‘postura’ da noiva direciona,
ainda, para uma representação de uma mulher em busca de sua satisfação sexual, sem
entraves ou quaisquer aspectos repressivos. É nesse sentido que não devemos esquecer que
além da ideia do falo enquanto mbolo do poder, temos o pênis vinculado ao prazer, de
maneira que, através desse fragmento, refletimos que a noiva pretende usufruir,
principalmente, do seu ‘objeto de desejo’: o pênis.
Um outro cordel O “doidinho” bem dotado ou O tesão de Filomena de Maria
Godelivie nos remete também a esse desejo advindo do pênis, pois o “doidinho” dessa
história é Janjão, [...] um “maluco”/ Apenas abestalhado/ Não dizia uma palavra/ Estava
sempre calado,/ Tinha por sim um “Anran...”/ E um riso calado” ( GODELIVIE, 2003, p. 01)
e que tinha por mania varrer as calçadas de sua preferência. Certo dia começou a varrer a
calçada de uma bordadeira que tinha cinco filhas que a ajudavam nesse ofício. Enquanto
Janjão varria a calçada, a filha mais nova foi preparar um prato de comida para ele, pedindo
79
que fosse comer na cozinha. Ao terminar a refeição, Janjão quis se retirar e se dirigiu para a
sala onde estavam as moças bordando e Filomena, a filha mais velha, perguntou se o rapaz
havia realmente “enchido” a barriga e ele “Para mostrar que estava/ Com a barriga cheinha/
Levantou o camisão/ Pela parte da bainha/ Mostrando a barriga cheia/ E mais o “resto” que
tinha” (GODELIVIE, 2003, p. 05). Logo que viram o órgão genital dele, as irmãs ficaram
perturbadas com tal visão, principalmente Filomena, posto que:
Toda vez que avistava
Janjão na rua passar
Filomena atordoada
Só pensava em desfrutar
O “negócio” que um dia
Olhou sem querer olhar.
(GODELIVIE, 2003, p. 06)
A ânsia de satisfazer seu desejo foi tanta que Filó deixou de lado a agulha e linha,
como também deixou de comer e beber direito, de modo que a mãe da moça ficou preocupada
com essa situação, buscando ajuda de um médico da esquina, mas o doutor “[...] chamou a
mãe dela e disse/ Eu posso receitar/ Um homem pois fora disse (sic) / Ela vai piorar”
(GODELIVIE, 2003, p. 07). Ao escutar a “prescrição médica”, a mãe ficou revoltada, mas
Filomena sabia que nessa receita estava a sua “cura”. Sabendo disso, um dia saiu de casa e
voltou quando estava curada e ao ser indagada por sua mãe de seu “paradeiro” a filha
respondeu com ares de felicidade: “- Eu estava me curando/ Com um “cabra” sem juízo/ Mas
pode ficar tranqüila/ Só fiz o que foi preciso” (GODELIVIE, 2003, p. 09). Mesmo tendo
satisfeito seu desejo, Filomena foi morar com Janjão, sem o consentimento de sua família e
sob o olhar do povo, por achar “[...] Que seu marido é demente/ Mas ela nem se incomoda/
Pois diz que seu “doido” é quente”. Com efeito, desde que viu o que Janjão possuía por baixo
do camisão e depois de ter desfrutado de sua companhia, ou melhor, de seu objeto de desejo,
não quis “largá-lo” e nem mesmo deixa que ninguém mais olhe para o que ela “achou”.
80
Nesse momento, é oportuno atentarmos para um imaginário associado ao mito do
homem bem dotado; em outras palavras, do tamanho “avantajado” do pênis. Na maioria dos
homens esse mito exerce uma verdadeira curiosidade, pois está em jogo um certo “ranking
secreto [...]. Na verdade, a medida do pênis é muito mais uma curiosidade do que uma
necessidade prática” (WÜSTHOF, 1994, p. 31). Além disso, existe entre os homens, uma
preocupação vinculada ao tamanho do pênis em virtude de achar que está “abaixo do padrão”,
fato que está intimamente ligado à necessidade de agradar o outro – parceiro (a) – por ser uma
“garantia” de prazer no ato sexual, bem como de virilidade.
Esse imaginário que ‘consagra’, por assim dizer, o homem bem dotado exerce
também, na maioria das mulheres, curiosidade, mas também um ‘fascínio’ e em alguns casos
causa ‘espanto’ como aconteceu no cordel em destaque - O “doidinho” bem dotado ou O
tesão de Filomena quando as moças, descritas como recatadas, viram o órgão genital do
rapaz: “as moças se assustaram/ E Filomena, pasmou,/ Vendo a “coisa” que Janjão/ Inocente
lhes mostrou [...]” ( GODELIVIE, 2003, 06). Vale lembrar que esse imaginário está também
ligado à ideia de que existe uma preferência, entre as mulheres, pelos homens que possuem
um pênis com maior comprimento, porém essa informação não é consensual no universo
feminino, variando de pessoa para pessoa.
Seguindo esse mesmo pensamento, abrimos um parêntese para o folheto intitulado O
famoso Pau do Santo (2002) escrito por Hélvia Callou
5
. Vale ressaltar que esse folheto difere
dos demais escritos por ela como veremos nas próximas páginas desse estudo -, pois nesse
uma certa alusão ao símbolo fálico, de maneira que podemos relacioná-lo aos temas que
remontam à lógica patriarcal. Dentro desse contexto, a poetisa discorre sobre a sua ida à
5
Hélvia Callou é natural de Serrita-PE, radicada na Paraíba desde 1973. É graduada em Comunicação Social e
em Letras, possuindo, ainda, um título de especialista em Educação. Atua como professora, Jornalista, cordelista.
Com relação a sua produção no universo do cordel, podemos citar alguns títulos, a saber: Dona Crise e o Jovem
Maxi (1983), O saco (1983), Sonho de Jornalista (1984), Pinceladas da história previdenciária (2001), A gestão
de Dona Crise (2004), A vida do presidente (2005), O famoso Pau do Santo (2005), A maioridade de Maxicrise
(2007), Navegue com segurança (2007), Patrimônio da humanidade (2007), entre outros.
81
cidade de Barbalha no Ceará, onde estava ocorrendo à festa de Santo Antônio. Nesta festa é
tradição “[...] erguer o pau do santo/ com a bandeira sagrada/ a qual lhe serve de manto/
moças que querem casar/ vão o pau alisar/ tirar casquinha de um canto” (CALLOU, 2002,
p. 08). Nesse sentido, esta observa como os habitantes daquela cidade mantêm ‘viva’ a
nesta tradição popular, fazendo com que, até mesmo ela, que achava tal tradição uma “[...]
simpatia, ilusão [...]”, fica imersa na daquelas pessoas, como também, expressa, mesmo
que implicitamente, o desejo de casar ao aderir à simpatia do ‘Pau do Santo’.
É válido ressaltar a importância dessa simbologia advinda do falo, uma vez que as
moças da cidade, que estão em busca de casamento, o alisam com o intuito de serem
agraciadas e, assim, perpetuarem os laços com a lógica patriarcal. Nesse momento, convém
lembrarmos que essas simpatias e/ou tradições religiosas ligadas ao casamento, são ainda
comumentes praticadas, principalmente, na região Nordeste, sendo difundidas, também, na
contemporaneidade, através de outros recursos e/ou suportes – revistas, jornais, sites da
Internet, entre outros - para “fugirem” do estigma de solteirona. Essa “preocupação” com
relação à solteirona é recorrente nos folhetos escritos por homens, porém de forma jocosa,
apontando que tal mulher seria descrita como aquela desprovida de docilidade e de difícil
convivência.
Em meio a essa preocupação, está incutida uma longa tradição ligada ao destino da
mulher: o casamento. De forma que se desvencilhar dessa tradição é um tanto problemático
para a maioria dessas mulheres, mesmo sabendo que na contemporaneidade os seres sociais
buscam outras formas de se relacionar, em que não há, necessariamente, a união sacramentada
pela Igreja e documentada pelo Estado, atribuídos ao enlace matrimonial. Com efeito, para a
maioria das mulheres, de se pensar nesse estigma, ainda nos dias de hoje, associadas à
mulher que não casou ou mesmo que está sozinha, pois essa sociedade imersa em menor ou
82
maior grau nos preceitos vinculados pelo falocentrismo tende a “moldar”, por assim dizer, os
sujeitos nos mecanismos que regem tal lógica.
A traição das mulheres nos versos das poetisas: um olhar machista?
Diante dos cordéis escritos por mulheres que estão vinculados direta e indiretamente
aos folhetos produzidos por homens ao abordar temas que indicam, na maioria das vezes, a
manutenção dos preceitos patriarcais, percebemos alguns folhetos que fazem alusão a um dos
temas recorrentes na produção dos homens: a questão do adultério, ou popularmente falando,
do corno. Com efeito, vale lembrar que na pesquisa intitulada Representação do masculino no
imaginário do cordel (2007), mencionada anteriormente, percebe-se a representação desse
homem traído de forma pejorativa pelos cordelistas.
Paralelamente a essa representação empreendida pelos cordelistas, é oportuno
destacarmos alguns folhetos, de Maria Godelivie, que tratam do homem traído, de forma a
perceber como a personagem feminina é construída nesses folhetos, refletindo, ainda, como
essa traição feminina é abordada pela poetisa em questão. Mesmo sabendo que, na maioria
das vezes, temos um imaginário social brasileiro que rotula negativamente os homens que
fracassam no seu relacionamento sexual, na medida em que o estigma de “corno” recai sobre
quem falhou nas suas obrigações sexuais masculinas e no controle da conduta sexual de sua
mulher (GOLDENBERG, 1995).
Esse estigma do corno, como dito anteriormente, fora bastante satirizado na pena de
vários cordelistas e também nos folhetos de Maria Godelivie, por exemplo, em Chifrudos
Associados (2008) mostra esse imaginário ‘reavivado’. Assim, na forma de sextilhas, começa
a afirmar que:
83
[...] chifre é coisa antiqüíssima
Nasceu com a humanidade
E virou “Síndrome do Homem”
Que na masculinidade
Trás (sic) o carma do machão
Desde a mais terna idade
(GODELIVIE, 2008, p. 01)
Esse excerto é pertinente, na medida em que mostra uma preocupação recorrente dos
homens com o status de masculinidade, de forma que não aceitam sob nenhuma hipótese
serem traídos. Com efeito, esse “carma” que está presente no machão é problematizado por
Godelivie de maneira cômica, pois ela enumera algumas variações de corno conhecidas
popularmente, através de quadras, como estas:
CORNO INFLAÇÃO é um peso
Não dá mesmo pra agüentar
Cada dia que se passa
Tem mais chifre pra contar
(GODELIVIE, 2008, p. 05)
CORNO CUZCUZ é aquele
Que anda preocupado
Ele sabe que é traído
Mas deixa o caso abafado
(GODELIVIE, 2008, p. 07)
A respeito dessa expressão CORNO CUZCUZ encontramos folhetos que fazem
alusão a esse tipo de corno, mas com outro nome, principalmente em se tratando daquele que,
além de “abafar” o caso, tenta usufruir dos benefícios de estar sendo traído, o chamado corno
ganancioso, como no folheto As desventuras de um corno ganancioso. [199-?] de T. Osvaldo
Figueira. Nesses termos, um folheto de Godelivie intitulado A ganância do chifrudo (2005)
faz referência a esse tipo de corno, de maneira que tanto nesse folheto de Figueira, quanto no
de Godelivie, percebemos que os homens descobrem que são traídos em “flagrante”, mas as
esposas os convencem das vantagens de corneá-los. A representação desse homem traído, nos
dois folhetos, descreve-o como alguém preguiçoso, de modo que quando a esposa expõe as
vantagens dessa traição, ele aceita, mas impõe uma condição: ser sócio e/ou parceiro daquela
“empreitada”. Porém, no folheto de Godelivie, quando o marido – Juvenal – se pôs a reclamar
84
de um certo descaso de sua esposa Juliana para com os afazeres domésticos, ela expôs os
seguintes argumentos:
[...] – Quem és tu corno safado
Me diz com sinceridade
Se nesse bordel quem manda
São os homens da cidade.
(GODELIVIE, 2005, p. 05)
E tu dando uma de macho
Querendo me humilhar,
Vá agora pra cozinha
Um cafezinho passar
Que está em cima da hora
De Manezinho apontar
(GODELIVIE, 2005, p. 06)
Ao compactuar com essas traições “consentidas”, o marido traído não poderia
reclamar de tal situação, de forma que mesmo se “arrependendo”, em alguns momentos,
quando recebia a sua parte no pacto, logo esquecia dos inúmeros chifres. Porém, um certo dia
Juliana se apaixonou por um cliente e saiu de casa, mas antes, deixou um bilhete: “Vou
embora com Cardoso/ para um lugar bem distante”. Ao lê-lo, Juvenal pôs-se a chorar, porque
havia perdido o dinheiro e a mulher. Esse novo amado de Juliana era ladrão, ao passo que fora
preso, pedindo desculpas a Juliana, de modo a propor que sua amada trabalhasse como
“rameira”, ela gostou da ideia e “vez por outra levava/ Cigarros na detenção”. Com relação a
Juvenal “[...] se sabe/ Que o peste enlouqueceu/ Com o peso na testa e liso/ Do mundo se
escafedeu” (GODELIVIE, 2005, p. 13).
Na esteira da construção das personagens mulheres sobre esse assunto, temos o folheto
O velhote enxerido (2007), que traz a história de um “velho” que, depois da morte de sua
esposa, decide morar com uma mulher bem mais jovem, porém, esta o trai com frequência.
Porém, certo dia, seu esposo (Said) a entrando em um motel e quer explicações sobre tal
fato, ao passo que Madalena mente e ele dá-lhe um forte tapa, fazendo com que “quebrasse”
um dente da moça e ela resolve denunciá-lo:
85
[...] isso não fica assim
Eu vou te denunciar
Dizer que fui agredida
Por eu não querer ficar
Ao lado de uma pessoa
Que queira me matar.
(GODELIVIE, 2007, p.11)
Essa atitude de Madalena, frente a uma agressão do seu parceiro, mostra que a mesma
é ciente de seus direitos, pois não “espera” por outro “tapa” para ter coragem de denunciá-lo,
demonstrando uma mudança de mentalidade significativa para as mulheres ‘tomarem’ como
exemplo. Maria Godelivie aponta uma problemática do cotidiano de inúmeras mulheres, as
quais ‘optam’ pelo silenciamento diante de uma agressão, e ao abordar tal assunto, ela alerta
às mulheres para esse fato, através de Madalena. Vale lembrar que Madalena “volta” para
Said, mas fica implícita uma nova traição da moça.
Em contrapartida, é válido destacar as particularidades atribuídas àquela que é o
“pivô” do término de uma relação, a Outra, pois ela é descrita na maioria dos folhetos como
uma mulher que transborda sensualidade e que com o charme e astúcia consegue “hipnotizar”
o seu amado, fazendo com este um fim em uma relação “desgastada”. Com relação a isso,
Goldenberg (1995) afirma que “o estigma da Outra, é, então, fortíssimo, que ela fere os
padrões culturais estabelecidos na sociedade brasileira, em que o papel feminino
tradicionalmente valorizado é o da “esposa-mãe” (p. 138). Esse estigma é tão expressivo que
algumas mulheres, como Godelivie, o reforçam em seus discursos. Assim, temos no folheto
intitulado Tapa trocado não dói Ou Chifre com Chifre se paga (2006) um exemplo disso,
como podemos ver a seguir:
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Numa festa Beija-flor
Encontrou uma morena
Reboculosa e faceira,
Olhar de fera serena,
Roupa curta e provocante
Cobria a bela pequena
Quando a moça rebolava
Beija-flor se derretia,
Com os olhos fixos na saia
Tão pequena que se via
A poupa de sua bunda
Quando ela se remexia
(GODELIVIE, 2006, p. 03)
Lemos, através desses excertos, a representação de uma mulher sensual e provocante,
envolvendo aquele que estava a olhar fixamente para ela. O homem, Beija-Flor, é casado com
Jandira, “uma esposa exemplar” e virtuosa, como também bonita, mas Beija-flor é
conquistador, saindo todas as noites para farrar”. Em uma dessas noites, ele encontrou a
morena Rita, e os dois se apaixonaram. Ela exigiu que seu amado deixasse a sua mulher e
também dinheiro para satisfazê-la. Como estava envolvido por Rita, vendeu a casa “[...]
deixando a mulher e filhos/ Sem o lar que Deus lhe deu/ Tomou Rita pelo braço/ No mundo
se escafedeu” (GODELIVIE, 2006, p. 05). Jandira chorou bastante, mas como tinha seus
filhos e estava sem dinheiro, foi em busca de trabalho, que encontrou no armarinho de Pedro.
Este se apaixonou por ela e Jandira também se sentia atraída por ele. É válido destacar que
Pedro era marido de Rita e quando descobriu que ela o traía quis a separação. Diante disso, os
dois que foram traídos – Pedro e Jandira – se casaram.
A representação da traição das mulheres nos versos de poetisas como Maria Godelivie,
traz traços de um imaginário que rotula negativamente aquele que é traído, mesmo que essa
representação seja cômica, enaltecendo (in) conscientemente, a figura do macho. Satiriza
aquele que ‘destoa’ dos aspectos que compõem a sua virilidade ao ser chamado de corno.
Nesse sentido, as personagens mulheres também confirmam um certo estereótipo sobre aquela
que trai: sensualidade latente, astúcia, entre outros, como a personagem Rita. Porém, mesmo
87
traindo, elas não se submetem a atitudes violentas dos parceiros como, por exemplo, a
personagem Madalena. E aquelas que são traídas dão um castigo a seu parceiro a
personagem Rosa em O gostosão ou reconstroem suas vidas ao lado de outro homem a
personagem Jandira com Pedro que também havia sido traído por sua ex-mulher. Nesses
termos, a poetisa lança mão de um tema a questão do corno que faz parte do ‘repertório’
de vários cordelistas, porém o “reconstrói” de modo jocoso, no que se refere aos personagens
masculinos. Em contrapartida, ‘promove’ uma discussão, por exemplo, sobre aquelas
mulheres que são traídas ou sofrem alguma agressão dos parceiros.
88
OS CORDÉIS NA PERSPECTIVA FEMINISTA
A condição das mulheres na contemporaneidade: versos, vozes, vontades...
As mulheres obtiveram inúmeras conquistas nas esferas destinadas aos homens,
através do movimento feminista, ocupando, por exemplo, cargos que até então eram
exclusivamente dos homens. Contudo, estas “vitórias das mulheres” se realizaram de forma
paulatina, enfrentando diversos preconceitos à medida que se inseriam no universo masculino.
Nesta perspectiva, Badinter (2005), ao refletir sobre as ‘diversas formas’ de dominação
masculina, afirma que “assimilados aos capitalistas, tal como o são as mulheres aos
proletários, observa-se que os homens cedem seu poder em alguns pontos insignificantes,
para melhor conservar o essencial” (p. 52).
As formas de manutenção da supremacia masculina, por parte dos homens, fizeram
com que estes sempre estivessem presentes, ao longo dos anos, nos diversos segmentos
sociais. E uma forma também de “autenticar” tal supremacia foi expressa através da escrita, a
qual carrega os códigos e valores impostos pelos homens. Pensando nisso, nos reportamos
para o texto de cordel, uma produção tipicamente masculina, como foi mencionado
anteriormente, mas que, com o passar do tempo, abarcou folhetos de autoria feminina, de
modo que as mulheres foram, gradualmente, se afirmando nesse campo literário. E, à medida
que elas foram se apropriando, por assim dizer, das particularidades dos folhetos, começaram
a “lançar” novas abordagens e temas que até então não eram mencionados pelos cordelistas
homens, como o feminismo. Dessa forma, algumas poetisas, como Maria de Fátima
Coutinho
6
problematizam as inquietações da mulher contemporânea, bem como as relações
com o outro gênero – masculino.
6
Maria de Fátima Coutinho é professora de Literatura Brasileira e cordelista. Entre os seus cordéis publicados
temos os seguintes títulos: A vida da mulher (2002), Da luta do povo nasce uma escola em Santa Rosa (2002) e
De cordel e de mulher muito se tem a dizer (2004).
89
No âmbito da produção de Maria de Fátima Coutinho, temos o folheto intitulado A
vida da mulher, que aponta os conflitos enfrentados pela mulher na sociedade contemporânea,
pois ela conseguiu independência em diversos aspectos sociais, como “trabalhar fora”, em
contrapartida, começa a ficar constantemente cansada por sua dupla “jornada” de trabalho,
uma vez que esta também precisa cuidar dos afazeres domésticos, como reflete a cordelista:
A igualdade que ela
Perseguiu com tanto ardor
Transformou-se em trabalho
E duplicado labor
Como se o trabalho em casa
Não tivesse seu valor
(COUTINHO, 2002, p.06)
Nesse fragmento, percebemos uma inquietação dessa mulher sobre as conquistas
empreendidas pelas feministas, principalmente em se tratando da igualdade, pois ao buscar,
‘arduamente’, seus direitos como o trabalho fora do ambiente doméstico ela não pôde
sentir, na maioria das vezes, uma contrapartida positiva de tal conquista, visto que ao
conciliar o trabalho fora de casa com o doméstico houve uma duplicação de tarefas a serem
realizadas, de forma a deixá-la ainda mais cansada.
Essa situação contraditória é fruto, por assim dizer, da sucessão de dois discursos
feministas que foram arrolados nas últimas décadas, os quais repercutem, de forma
significativa, no cotidiano de homens e mulheres (BADINTER, 2005), tanto positivamente
quanto negativamente. A mulher, representada nesse folheto, além de tentar conciliar o
trabalho “fora de casa” com os afazeres domésticos, também precisa cuidar dos filhos.
Acrescente-se a isso, o fato dela ter, na maioria das vezes, um marido que trabalha “pesado”,
que “[...] chega em casa bem tranqüilo/ [...] olha a TV, cai na cama/ Pensando em fazer
aquilo”, mas que ela também está muito cansada e ele “[...] vai procurar na rua/ os braços
doutra mulher”. Diante disso, a cordelista “incita” as mulheres ao grito de liberdade e aponta
que as relações entre homens e mulheres devem ser pautadas na igualdade, respectivamente:
90
Liberdade! Liberdade!
Inda que seja tardia,
Mulheres vamos lutar
Porque chegará o dia
Que hão de reconhecer
A nossa real valia
Homem sem mulher padece
Mulher sem homem é penar,
A mulher aspira apenas
Ao homem se igualar
Pois o direito de todos
É amar, viver, gozar.
(COUTINHO, 2002, p.10)
Nesses fragmentos há uma expressiva reflexão sobre a necessidade de “manter viva” a
luta pelos direitos das mulheres. Com efeito, Coutinho (2002) “chama” as mulheres a lutar
por seus ideais, de modo que esse “grito” por liberdade seria uma forma de expressar a
condição feminina, como também uma tentativa, através do tom reivindicatório, de
influenciar o sujeito feminino pelo discurso. A esse respeito, nos reportamos a Hall (2007) e
ao que ele chama de “interpelação”, ou seja, quando um “chamamento“ do sujeito pelo
discurso. No entanto, faz-se necessário entendermos que “[...] para a maioria das mulheres, só
pode haver melhoria em sua situação através de uma conquista de igualdade que não ponha
em perigo as relações com os homens” (BADINTER, 2005, p. 145), como foi expresso no
segundo excerto desse folheto, no qual a cordelista aponta que a mulher almeja ao homem se
igualar, porém reflete que a ausência da mulher faz o homem sofrer e vice-versa. Assim é que
destacamos relações pautadas não na igualdade, em cujo domínio estas, na maioria das vezes,
não existem, mas na possibilidade de construir relações pautadas no tratamento igualitário
entre os gêneros, como apontado anteriormente.
Paralelamente a essa representação de uma mulher que trabalha fora e que ao chegar à
sua residência ainda precisa cuidar dos afazeres domésticos e se “depara” com um marido que
não a ajuda nas tarefas do lar, entre outros desencontros diários, encontramos no cordel
intitulado A jornada tormentosa de Clotilde, que se formou em doutora após muitos
91
desenganos (1975), da poetisa Clotilde Tavares
7
, a história de Clotilde, uma mulher que
passou por inúmeras dificuldades até se formar em Medicina. Tal história se confunde com a
da própria cordelista, como podemos evidenciar em nota, de modo que ao final do folheto ela
dedica sua formação acadêmica aos familiares e amigos, como também ao seu
“companheiro”: “E a Assis, o companheiro/ Que tanto apoio me deu/ Durante os anos de
estudo/ Em qualquer problema meu/ Dividiu comigo as dores/ Divido com ele as flores/ Pois
bem que ele mereceu” (TAVARES, 1975). Com efeito, percebemos que o apoio dele foi
essencial para motivá-la na sua longa jornada de estudo, de modo a dividir as flores” da
vitória com ele. Essa ênfase em relação a tal apoio faz-se necessária por sabermos que, na
maioria das vezes, a mulher/esposa almeja terminar seus estudos ou mesmo aprofundá-los,
como também trabalhar fora do ambiente doméstico e o homem/marido o a incentiva nessa
empreitada.
Nesse instante, convém pensarmos nas ‘vontades’ das mulheres representadas pelas
poetisas do nosso estudo, uma vez que ao dar voz a tais personagens, estão levantando, por
assim dizer, algumas ‘bandeiras’ em nome dos direitos iguais. Entre essas bandeiras estão à
luta por questões de ordem social, política, - como veremos nas próximas páginas desse
estudo -, mas também por temas voltados mais precisamente para as questões do universo
7
Clotilde Tavares é natural de Campina Grande-PB. Porém, divide suas atividades entre os estados da Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte. Possui graduação em Medicina pela UFRN (1975), obteve o título de
Mestre em Nutrição em Saúde Pública pela UFPE no ano de 1983 e o título de Especialista em Epidemiologia
pela UFRN no ano de 1990. Atuou como professora da UFRN de 1976 a 2002, lecionando na área de Saúde
Coletiva e Nutrição até 1993. A partir de 1993 passaria a se dedicar às atividades artistas e intelectuais. Uma
explicação para tal mudança está no fato dela gostar e se dedicar aos estudos relacionados ao Teatro, Literatura e
cultura popular. Clotilde Tavares possui uma vasta produção intelectual e artística bastante diversificada, pois é
composta de ensaios: Iniciação à Visão Holística (1998), A Magia do Cotidiano (1999), O Clã Santa Cruz:
genealogia e história (2008), Crônicas: A Agulha do Desejo (2003), Coração Parahybano (2008), Conto:
Esperando Paulinho (1975), Poema: Bilhetes de Suicida (1987), Novela: A Botija (2003) foi reeditada em
2006 e adotada como leitura obrigatória do Vestibular 2011 da UFCG. Além dessa produção, participou de
vários espetáculos teatrais, seja como atriz, diretora, autora de texto, produtora executiva, entre outras atividades.
E no cinema, atuou como atriz no documentário: Uma cruz, uma estrada, uma história (2003). No que diz
respeito a sua produção no âmbito da literatura de cordel, citamos os seguintes tulos: A jornada tormentosa de
Clotilde, que se formou em doutora após muitos desenganos (1975), A Vida e obra de Xico Santeiro, glória da
nossa arte popular (1976), A triste sina de Ritinha que criou seu filho sem dar de mamar (1981), O nascimento
de um menino chamado Jesus (1984), A vida de Quincoló Boiadeiro, bravo vaqueiro nordestino (1986), A Vida
e a Obra do Padre Malagrida, o Santo Andarilho do Nordeste (2005) e Cariri de A a Z (2008).
92
feminino como a necessidade do parceiro valorizar o trabalho fora do ambiente doméstico e
ainda a dupla jornada enfrentada pelas mulheres. Mas, existem outras reivindicações que
algumas cordelistas lançam mão, através de suas personagens, pois uma necessidade de
refletir sobre as práticas que os homens utilizam para demonstrar força e virilidade e que ao
adotar tais práticas, as mulheres são ‘reprovadas’ por grande parte da sociedade, como o fato
de ter mais de um companheiro (a) na relação.
Com base nisso, refletimos sobre mais um folheto de Maria Godelivie, Mulher macho,
sim senhor! , pois nele temos a história de Ramira, uma mulher de origem humilde que
trabalhou de faxineira a promotora de vendas, enfrentando inúmeras dificuldades para se
estabelecer profissionalmente. Em meio a isso, ela conhece um rapaz educado e honrado
Luan – que lhe propôs casamento, mas “[...] Ramira mesmo gostando/ Decidiu não se
“amarrar”/ E disse, antes do casório/ “Juntos devemos morar” (GODELIVIE, 2008). A atitude
de Ramira frente a proposta de Luan indica um comportamento que remete ao que Bozon
(2004) constata em A Sociologia da Sexualidade quando reflete que na contemporaneidade os
casais estão optando por uma união mais voltada para os Juntos por amor, como dito
anteriormente. No cordel em destaque, eles moram juntos e tiveram dois filhos. Depois de
algum tempo, Ramira recebe uma promoção da firma para trabalhar em outra cidade não
muito distante, ao passo que ela aceita, conhecendo um rapaz chamado José André e logo se
apaixonou por ele, mas não queria deixar o marido e os filhos. Com efeito, Ramira não queria
ficar sem suas duas paixões, de maneira que convenceu seu novo amor a aceitar a proposta de
dividi-la com o seu marido, mas este não compactuou facilmente com o que ela estava
traçando pra esse triângulo amoroso e depois de várias discussões houve uma conciliação:
93
Ramira conciliou
A questão e resolveu
O problema e desde então
Por muito tempo viveu
Feliz com os dois maridos
Que a vida lhe ofereceu
(GODELIVIE, 2008).
Dessa forma, ela conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio nessa relação. Ao lermos
esse folheto, lembramos de uma outra história, que também foge aos padrões convencionais:
Dona Flor e seus dois maridos, de autoria de Jorge Amado, em que Dona Flor divide suas
atenções com o marido Farmacêutico, Teodoro, e com o espírito do ‘marido-defunto’
Vadinho. Nesse cenário, é que Maria Godelivie traz à tona uma relação não convencional,
através da construção de uma personagem que possui coragem e autonomia suficiente para
enfrentar, num primeiro momento, a revolta de seus amores, e a repercussão desse triângulo
amoroso na sociedade, a qual rotula negatividade esse tipo de postura.
Em contrapartida, a poetisa reflete que “[...] se fosse ao contrário/ Ninguém ia se
chocar [...] Mas como o caso se deu/ envolvendo uma mulher/ o povo logo critica”
(GODELIVIE, 2008), pois existe um certo ‘conformismo’ entre as pessoas, ao pensar, por
exemplo, no homem casado que ‘arranja’ uma outra mulher, constituindo uma outra família.
Com isso, Maria Godelivie parabeniza a atitude de Ramira e a intitula de “MULHER
MACHO, SIM SENHOR”, em razão da coragem que teve ao final do cordel a poetisa
enfatiza que essa historia em questão não foi inventada por ela, mas que existiu e que
“Ramira” concordou em ‘divulgar’ sua história, mas que ocultassem os verdadeiros nomes.
Diante disso, Maria Godelivie destaca a importância de seu cordel para endossar a luta por
direitos iguais: “A toda mulher que luta./ Pra ter direitos iguais/ O cordel é meu presente/ Sem
regras conceituais [...]” (GODELIVIE, 2008). Com essas palavras, Maria Godelivie esclarece
que seu cordel está para ‘romper’, por assim dizer, com quaisquer preconceitos, como
também abordar questões que fazem parte da pauta do dia das mulheres.
94
Um outro folheto nos traz a construção de uma personagem que enfrenta também um
discurso de ordem patriarcal, o qual ‘espera’ das mulheres um comportamento que denote
submissão, docilidade e compreensão, entre tantas outras características, de modo que um
comportamento feminino que destoe desse modelo esperado, bem como postura que contrarie
o código moral é encarado como transgressor. Estamos nos referindo ao folheto intitulado
Judite Fiapo em Serra Pelada, de autoria de Lourdes Ramalho, no qual podemos ver pontos
importantes sobre a construção de uma personagem feminina, Judite Fiapo, no que se refere
aos aspectos comportamentais que divergem do modelo ‘esperado’ socialmente. Esse folheto,
com uma estrutura de peça teatral, é composto por vários ‘diálogos’ entre Judite e um
apresentador, que constituem as únicas personagens. Dito isso, logo no início do folheto, o
apresentador faz a ‘descrição’ de Judite: “Esta é Judite Fiapo/ natural desta ribeira,/ filha de
Mané Cavaco/ e de Maria Rendeira,/ nasceu com a sina no papo:/ cantadeira e dançadeira!”
(RAMALHO, S/D, p. 03). De forma que essa sina e, por que não dizer, essa ‘fama’ foi
conhecida em vários lugares, pois “De sua voz a beleza/ ganhou fama na ribeira,/ foi chamada
pra, na Igreja,/ ser do coro a cantadeira [...]” (RAMALHO, S/D, p. 05), mas as mães de
família, não viam a moça com bons olhos, e diziam: “Que moça semostradeira!”
(RAMALHO, S/D, p. 05).
Essa espécie de ‘aversão’ e ‘inveja’ com relação a essa moça, que não se dedica a uma
“preparação” para a vida nos moldes das jovens “casadouras”, está intimamente ligada ao fato
dela, Judite, ser conhecida por ter uma bela voz e por saber dançar, como também por ela
assumir seus desejos e vontades ao demonstrar um certo ‘desprendimento’ afetivo, e por que
não dizer, sexual, no momento em que fala sobre seus relacionamentos afetivos:
95
Namorei com dois tenentes,
Com três capitães me atraso,
Com seis major – fui em frente,
Com nove cabos me arraso,
Me abandonaram e eu somente
Fiquei com um soldado raso...
(RAMALHO, S/D, p. 04)
Percebe-se aqui uma mensagem subliminar: a mulher excessivamente liberal
desvaloriza-se e decai, gradualmente, aos olhos da sociedade patriarcal. Por meio dessa
sextilha, podemos ver que Judite se relacionou com rapazes que fazem parte de uma
hierarquia do Exército, mas que todos a deixaram, de modo que ela fica, ao final, com um
‘soldado raso’. Note-se que ela mede, quantitativamente, o número de namoros de acordo
com a ‘patente’ que eles possuíam, mostrando interesse em manter um certo ‘status’. Nesse
sentido, à medida que Judite vai dando prosseguimento à sua ida a Serra Pelada, várias vozes
advindas tanto de mulheres, condensadas polifonicamente na fala do apresentador na forma
de repúdio ao comportamento dela –, como de homens – manifestando desejo por ela,
disfarçado no desprezo de gracejos’ por vezes humilhantes enalteceram, de uma forma ou
de outra, a ‘fama’ de Judite Fiapo. Com efeito, faz-se necessário refletir que assim como esse
folheto de Lourdes Ramalho, outras poetisas, que fazem parte do nosso estudo, lançam mão
dessa peça literária para problematizar questões relacionadas à condição das mulher, de forma
a manifestar uma espécie de ‘tomada pelo poder’ em suas personagens, mesmo considerando
que na construção de tais personagens haja vestígios de práticas e posturas que comungam
com o universo machista.
Ao saber da importância do cordel na vida dessas poetisas, refletimos sobre mais um
cordel de Maria de Fátima Coutinho De cordel e de mulher muito se tem a dizer (2004) –,
pois nele temos um breve percurso sobre história da Literatura de Cordel na Europa,
principalmente em Portugal, até chegar ao Brasil quando essa modalidade literária assume
características gráficas, bem como o processo de composição tipicamente ‘brasileiros’. Feito
96
esse percurso, a poetisa introduz a mulher no âmbito dessa Literatura, porém aponta as
dificuldades que as cordelistas enfrentam quando começam a escrever seus folhetos,
refletindo que “[...] o saber que é de todos/ Parece pertencer/ Ao mundo dos homens”,
apontando para um machismo reinante entre os que produzem folhetos de cordel. Porém, “De
uns tempos para cá/ Para não ficar feio/ Têm aberto um certo espaço [...]” (COUTINHO,
2004, p. 06), proposta da abertura cultural que coloca em pauta a disseminação das idéias do
Outro, do que não tinha voz, ou melhor, que tinha sua voz abafada pelo jugo masculino: a
mulher.
Na última estrofe desse folheto, a cordelista ‘amarra’ seu mote indicando que Fazer
poesia é um dom/ O sexo não tem nada a ver/ Para fazer um Cordel/ Você precisa ter/
Saber e inteligência/ Saber ler e escrever” (COUTINHO, 2004, p. 08). Diante dessa
afirmação, é oportuno abrir um breve parêntese sobre a definição do que seria uma escrita
feminina, uma vez que tal ‘denominação’ é problemática no universo da crítica feminista.
Sendo assim, acerca da escrita feminina temos, em um primeiro momento, não uma
concepção sexualizante do termo, mas algo referente às mulheres, direcionando, assim, para
uma dicção feminina (CASTELLO BRANCO, 1991).
Paralelamente a esse tipo de concepção, retomamos a existência de duas formas de
crítica feminista, a saber: a ideológica (de caráter revisionista) e a ginocrítica (a experiência
da mulher como escritora). Nessa segunda forma ginocrítica tem-se a preocupação da
diferença nos escritos das mulheres, possibilitando a aprendizagem de algo mais sólido “[...]
sobre a relação da mulher com a cultura literária, de forma que as teorias da escrita das
mulheres fazem uso de quatro modelos de diferença: biológico, linguístico, psicanalítico e
cultural” (SHOWALTER, 1994, p. 31).
Diante dos quatro modelos, Showalter (1994) identifica o modelo cultural como mais
adequado para falar sobre a especificidade e a diferença dos escritos femininos, de forma que
97
esboça a necessidade das estudiosas adotarem esse modelo. Porém, alerta para uma certa
‘fantasia’ de desvencilhamento completo do postulado masculino de escrita, alertando que
“não pode haver escrita ou crítica totalmente fora da estrutura dominante; nenhuma instituição
é totalmente independente das pressões econômicas e políticas dominada pelos homens” (p.
50).
Ao voltarmos à última estrofe do referido cordel - De cordel e de mulher muito se tem
a dizer (2004) notamos que a cordelista em questão tem uma certa noção da crítica
feminista, no momento em que diz que “Fazer poesia é um dom/ O sexo não tem nada a ver”.
Neste sentido, direciona, ainda, que é através da sabedoria’, bem como dos mecanismos de
escrita e leitura que uma mulher conseguirá escrever seus cordéis.
Vozes que problematizam a vida em sociedade: política, economia, educação e meio
ambiente
Ao saber que a maioria das mulheres sempre foram submissas aos homens/donos,
deve-se refletir que a possibilidade destas discutirem sobre qualquer assunto que não fizesse
parte do seu “bordado” ou de algo relacionado à culinária, seria motivo para um olhar
castrador da parte do marido e/ou do pai. E, principalmente, quando estas começaram a se
posicionar, via escrita, a partir do século XIX, contrariando as “demandas machistas” daquela
época. Porém, em meio a essas imposições, é oportuno esclarecer que também houve
incentivo por parte de alguns pais e maridos para que suas filhas e/ou esposas se lançassem no
universo do fazer literário.
Em contrapartida, a maioria dos críticos homens não apreciava a escrita dessas
mulheres quando entrava em assuntos masculinos como a política, a guerra, visto que
consideravam estas incapazes de dissertar sobre tais matérias. Estes homens exaltavam os
98
romances e os poemas que fossem “leves” ou “adocicados”, enfim, próprios ao caráter
feminino e “adequados” às suas contemporâneas – as mulheres burguesas (TELLES, 1997).
Ao trazer esse pensamento para a contemporaneidade, pensando nas mudanças
empreendidas pelos movimentos sociais das décadas de 70 e 80, a exemplo do projeto
feminista no Brasil, percebemos que eles “[...] pretendiam realizar transformações políticas e
culturais, pois ao evidenciar o anseio por direitos que legitimassem a cidadania de seus
membros, denunciavam preconceitos e uma certa opressão cultural construída sobre eles
(MANINI, 2008). Em meio a tais reivindicações, principalmente o movimento feminista,
levou para o cenário político temas considerados da esfera privada, problematizando questões
que fazem parte do cotidiano dos sujeitos em sociedade, principalmente das mulheres.
Tendo em vista a importância organizacional e política do movimento feminista nas
décadas 70 e 80 e de suas implicações no cotidiano das mulheres na contemporaneidade, é
oportuno expor algumas particularidades dessas décadas, acerca desse movimento, para
entender como se deu esse caráter reivindicatório junto às instituições que fazem parte do
Estado, de modo a aprofundar a análise dos folhetos que apontem para essas questões.
Nessa perspectiva, nos anos 70 “a questão da autonomia foi um eixo conflitante e
definidor do feminismo [...] uma autonomia em termos organizativos e ideológicos frente aos
partidários políticos e outras organizações” (COSTA, 2010). Vale dizer que essa autonomia
surgia com um eixo estruturador de ideias, estratégias e possibilidades de refletir sobre as
problemáticas pelas quais as mulheres enfrentavam, de modo que não implicava um
isolamento no que tange aos “[...] outros movimentos sociais que compartilhassem
identidades” (COSTA, 2010).
No que se refere aos anos 80, percebemos uma maior reflexão sobre os dilemas e
necessários ajustes entre o movimento feminista e o Estado. Com o movimento mais
articulado e autônomo, as feministas conseguiram verdadeiros avanços nessa década e um
99
exemplo disso foi refletido no eleitorado feminino, de modo a se tornar “[...] um alvo do
interesse partidário e de seus candidatos, que começaram a incorporar as demandas das
mulheres aos seus programas e plataformas eleitorais [...]” (COSTA, 2010). Diante da vitória
das lideranças partidárias em alguns lugares do país, as feministas começaram a repensar “sua
posição frente ao Estado na medida em que a possibilidade de avançar em termos de política
feminista era uma realidade” (COSTA, 2010). Com efeito, houve a implementação de vários
conselhos em prol da condição, a exemplo do Conselho Estadual da Condição Feminina em
1983 em São Paulo.
Vale lembrar que essa atuação junto ao Estado não foi um consenso entre as
feministas, mas para a maioria delas representava mais um avanço na luta pelos direitos das
mulheres, pois com tal ‘aliança’ com o Estado, as feministas poderiam fiscalizar, ‘mais de
perto’, bem como buscar alternativas que viabilizassem as metas e projetos sociais que
estavam na pauta do movimento feminista. Assim, essas mulheres começavam a se
“familiarizar”, mais detidamente, com o “jogo” político e, nas palavras de Machado (1984),
com o próprio caráter relacional que emana do poder.
Nesse sentido, as feministas evocaram políticas que pudessem beneficiar as mulheres,
desde questões relacionadas à maternidade e a construção/implantação de creches para os
filhos das mulheres que trabalham fora do ambiente doméstico, até problemas relacionados à
baixa remuneração delas. Além disso, “o movimento feminista [...] assume novas bandeiras
como os direitos reprodutivos, o combate à violência contra a mulher, a sexualidade”
(COSTA, 2010). Entre as políticas públicas que foram empreendidas, principalmente a partir
da década de 80, está à questão do incentivo ao aleitamento materno, através de uma intensa
‘campanha’ do Ministério da Saúde ao mostrar os inúmeros benefícios tanto para a mulher
(mãe) quanto para a criança – oriundos dessa prática. Essa campanha foi de tal forma
desenvolvida que encontramos, por exemplo, nas páginas de um dos folhetos de Clotilde
100
Tavares, intitulado A triste sina de Ritinha que criou seu filho sem dar de mamar (1981), a
importância do aleitamento materno.
Com relação a esse folheto, temos a história de duas primas que se casaram no mesmo
dia, mas a prima mais velha Maria Rosa foi morar na cidade com seu esposo e a mais
nova Ritinha ficou em um pequeno sítio no sertão com seu respectivo esposo. Com o
passar do tempo, as duas primas tiveram filhos. Porém, nos primeiros meses de vida o filho de
Ritinha começou a ficar constantemente doente, apresentando sinais de desnutrição. Fato que
fez com que os pais da criança ficassem preocupados, tentando de todas as formas reverterem
esse quadro. Certo dia, Maria Rosa fez uma visita a Ritinha com seu marido e seu filho. Ao
ver o filho do casal com saúde, Ritinha e seu marido se puseram a chorar ao lembrar-se do
filho doente e começaram a contar o sofrimento que estavam passando. Entre uma conversa e
outra, Maria Rosa começou a amamentar seu filho e Ritinha ficou admirada com aquele gesto,
pois considerava algo pouco ‘civilizado’, dizendo: “[...] “Rosa, minha prima/ Você é muito
engraçada/ Bota o menino no peito/ Parece que não tem jeito/ De mulher civilizada”
(TAVARES, 1981, p. 07), ao passo que Maria Rosa mostrou que esse alimento é algo ‘dado’
pela natureza, por Deus:
[...] tome um conselho meu
Saiba que o leite do peito
É o alimento perfeito
Que a natureza nos deu
Toda mulher que tem filho
Tem dever de amamentar
Foi Deus quem deu esse dom
Nós devemos respeitar
Quem não segue a Natureza
Cedo ou tarde, com certeza
Bem cedo tem que pagar
(TAVARES, 1981, p. 08)
Esses excertos são pertinentes na medida em que percebemos uma nítida necessidade
de apontar uma das funções ‘inerentes’ à mulher que tem filho, amamentar, sob pena de sofrer
101
‘cedo ou tarde’ as conseqüências por ‘confrontar’ à Natureza. Esse pensamento é confirmado
quando observamos que este folheto foi escrito em 1981, ano em que foi criado “o Programa
de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM), que reforçava a amamentação como um ato
natural, instintivo, inato e biológico” (MONTEIRO; GOMES e NAKANO, 2010).
Na narrativa, percebemos que Rosa mostrou ainda para sua prima as vantagens do leite
materno, entre elas podemos destacar: “[...] não tem micróbio [...] quanto à parte nutritiva/ eu
lhe digo com certeza/ É próprio para criança/ [...] a ciência comenta/ Que a mulher que
amamenta/ Nunca tem câncer no seio” (TAVARES, 1981). Assim, a poetisa elenca os vários
benefícios do aleitamento materno, como forma de conscientizar as mães dessa prática.
Dentro nesse contexto, Maria Rosa começou a amamentar, diariamente, o bebê de Ritinha e a
criança logo voltou a ser sadia. Nessa mesma época, Ritinha descobriu que estava novamente
grávida, refletindo que dessa vez “[...] sabia criar/ no seio amamentar/ Com e
perseverança” (TAVARES, 1981, p. 13).
Esse incentivo ao aleitamento materno, por parte de Clotilde Tavares, pode estar
intimamente relacionado ao trabalho que ela desenvolveu quando atuava no Departamento
de
Saúde Coletiva e Nutrição da UFRN como dito em nota. Com isso, ela pôde lançar mão do
folheto, como mais uma forma de ‘atingir’ o público feminino, quando integrava tal
departamento, ao tratar de um assunto de importância para a saúde da mãe e da criança.
Ao mesmo tempo em que um verdadeiro incentivo para o ato de amamentar, não
devemos esquecer que para que essa prática seja realmente ‘vivenciada’, os órgãos
responsáveis devem proporcionar condições econômicas e políticas para essas mulheres,
principalmente em se tratando das mulheres que possuem baixa renda, de forma a “[...] aliviar
a sobrecarga de trabalho que a parturiente tem em sua casa e para sua manutenção
econômica” (BLAY, 2010). Além disso, faz-se necessário refletir que, juntamente com essa
campanha de incentivo ao aleitamento materno, não houve e, na maioria das vezes, não
102
uma preocupação para com o lado emocional das mulheres nesse período, pois se espera que
as mães estejam acolhedoras e prontas para amamentar seus filhos, mas “muitas vezes as
mulheres não têm a chance de revelar seus reais desejos e suas condições físicas e emocionais
para desenvolver essa função” (MONTEIRO; GOMES e NAKANO, 2010). Por isso, é
importante o desenvolvimento de políticas públicas que possam mostrar a importância do
aleitamento materno, bem como uma preocupação para com aquela que ‘dispõe’ desse
alimento nutritivo.
Dentro desse cenário, com essa aceitação e/ou credibilidade no meio político-social, as
mulheres discorrem sobre a política, economia, entre outros assuntos que estão na pauta do
dia, de forma a dar prosseguimento ao percurso escritural de mulheres que mesmo coibidas
a não escrever e não sendo bem vistas socialmente por publicarem seus trabalhos no século
XIX, por exemplo escreviam em jornais, revistas, manifestando criticidade ao tratar de
assuntos políticos. Além disso, faz-se necessário refletir que escritoras como Cecília Meireles,
Raquel de Queiroz, a título de exemplificação, já publicavam seus textos literários nas
primeiras décadas do século XX.
Diante disso, expomos, também, o posicionamento crítico da poetisa Hélvia Callou,
através de folhetos como Sonho de jornalista (1983), o qual destaca um sonho que a
cordelista teve com alguns escritores de renome da Literatura Brasileira (José de Alencar,
Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Américo de Almeida), em que eles concedem uma
entrevista a essa poetisa, expressando um descontentamento com a sociedade contemporânea.
Já ao final do cordel ela reflete sobre tal sonho:
Tentei decifrar o sonho,
Refleti as entrevistas
Vi que as personalidades
Eram famosos artistas
E eu sou desempregada
Com o curso de jornalista
(CALLOU, 1983, p.11)
103
Nesse cordel, encontramos além de uma análise sobre as diferenças de uma época para
outra (atual/contemporânea), através de várias comparações “feitas” pelos escritores, temos
também a cordelista enfatizando a situação de quem, mesmo com uma formação acadêmica,
se encontra desempregado/a, como foi o caso dela no inicio da sua carreira profissional. Ao
discorrer sobre a sua produção no âmbito da literatura de cordel, Hélvia Callou mostra-se
consciente da criticidade desencadeada pela leitura dos seus folhetos, pois afirma: “Meus
cordéis têm um teor político-histórico-social muito aguçado. Gosto de escrever sobre temas
sérios usando o humor da poesia popular, para levar o leitor a uma reflexão sobre a política
brasileira” (CALLOU, 1983). É oportuno destacar que ao ressaltarmos os cordéis escritos por
Hélvia Callou sobre questões políticas e sociais, não estamos omitindo uma extensa produção
de cordéis escritos por homens que abordam de forma crítica tais assuntos.
Dito isso, inserimos mais um folheto, Pinceladas da história previdenciária (2001),
em que ela aborda os “mecanismos” internos da Previdência Social Brasileira, de modo a
esclarecer, “didaticamente”, aos/as leitores/as, os artifícios utilizados pelo governo para
desviar significativas “quantias” de dinheiro da população:
Eu vou citar um setor
Chamado de previdência,
Onde nós temos que em breve
Tomar sérias providências,
Pra não deixar que o governo
Venha levar a (sic) falência
(CALLOU, 2001, p.02)
Em consonância com as problemáticas que circundam a vida em sociedade, não
podemos deixar de refletir sobre um tema que afetou e ainda afeta a vida de um sem-número
de pessoas, principalmente em se tratando daquelas que residem em determinadas áreas do
Nordeste brasileiro, mesmo que seja periodicamente. Estamos nos referindo à questão da seca
e de todas as suas implicações, principalmente quando não um planejamento por parte dos
órgãos estaduais e federais. Pensando disso, a poetisa Lourdes Ramalho aborda tal
104
problemática em diversos textos teatrais por meio de personagens que vivenciam essa
situação e na forma de folheto de cordel ela escreveu Viagem no Pau-de-arara. Mesmo não
sabendo o ano de publicação desse folheto, observamos que a essa ‘viagem’ num caminhão
‘pau-de-arara’ ainda é um meio de transporte utilizado por vários nordestinos/as nas cidades
do interior.
Nesse folheto de Ramalho Viagem no Pau-de-arara os passageiros são os
‘protagonistas’ dessa viagem fictícia, mas que expressa o cotidiano de diversas pessoas.
Assim, cada um começa a apontar as dificuldades enfrentadas num contexto de seca, de modo
que se veem obrigados a sair de suas casas para buscar melhorias em outros lugares, ou
melhor dizendo, no sul: “Corre corre lacochia/ para o sul, deixando o norte/ quer de noite quer
de dia [...]” (RAMALHO, S/D, p. 15). É oportuno mencionar que a poetisa se utiliza de dois
personagens masculinos e cinco femininos, a saber: Maria das Graças, Maria das Dores,
Maria Doida, a ‘buchuda’ e a ‘viúva’. Todas possuem uma história de vida difícil, mas
carregam a esperança de dias melhores. Vale ressaltar que em todas as falas dos “passageiros”
encontramos uma expressiva crítica aos governantes por eles se encontrarem nessa situação:
E por mais que se mereça
Ajuda ninguém nos dá
Tanto faz dar na cabeça
Como na cabeça dar
Cada governo que esqueça
Que tem de nos ajudar!
(RAMALHO, S/D, p. 17)
Essa discussão de ordem política, econômica e ambiental também pode ser observada
em outro folheto de Hélvia Callou intitulado Patrimônio da humanidade (2007), no qual o “ar
de denúncia” dessa cordelista aponta para a necessidade de preservar a natureza, pois reflete
que a busca incessante da sociedade contemporânea pelo progresso, através da utilização
indevida dos recursos naturais, está “esfacelando” o meio ambiente:
105
Lembre-te que a natureza
Te dá tudo que precisa
Pra viver nesse mundo.
É tua herança, mas, avisa!
Não queime, não mate ou polua
Se não a herança tua,
Vai virar uma carniça
(CALLOU, 2007, p.13).
No folheto Navegue com segurança (2007), Hélvia Callou “informa” às crianças e aos
jovens a forma adequada de utilizar os benefícios oriundos da Internet com “segurança”,
enfatizando as vantagens e desvantagens que a mesma proporciona. Esse folheto foi
encomendado pela Secretaria de Educação de Campina Grande e que a autora dedicou “[...] às
crianças,/ Aos jovens adolescentes,/ Aos internautas adultos/ e aos solteiros carentes/ Que na
sua euforia/ Em busca de companhia/ Cai no abismo e não sente” (CALLOU, 2007, p.02).
Esse tom educativo é recorrente nos folhetos não de Hélvia Callou, mas também
nos versos de poetisas como Maria Julita Nunes
8
, por meio de seus recentes folhetos: A
etimologia na Literatura de Cordel (2009) e O xico português e o escravo africano (2009),
8
Maria Julita Nunes é cordelista, natural da cidade de Teixeira-PB. Ela herdou a tradição poética dos Nunes-
Batista, da qual o seu pai também era descendente. O primeiro contato que ela teve com o universo da poesia
popular foi por meio das cantorias escutadas na infância. Embora despertada por esse imaginário popular desde a
infância, veio a escrever folhetos a partir da década de 90, com o seu primeiro folheto intitulado Direito de
Resposta (1998), porém, esse não veio a ser publicado. Com relação aos folhetos publicados, temos os seguintes
títulos: Estude o Dicionário se quiser saber também (2001) – parceria com Manoel Monteiro, Avante! Um, dois,
três... Fui! (2002), A Criança e o Idoso estão plantando esperança (2002), Regresso a São Saruê (2003), Rasga
Cristo o teu manto e embrulha os desgraçados! (2006), A Etimologia na Literatura de Cordel (2009), O léxico
português e o escravo africano (2009). Tivemos acesso, por meio da poetisa, aos títulos dos folhetos que não
foram publicados, em outras palavras, que estão arquivados: Direito de resposta (1998), A minha saudade chega
toda vez que a tarde morre! (1999), Eu me lembro do Teixeira, cidade do nosso sertão! (1999), Segue com Deus
(1999), Admiro os cantadores (1999), Graças a Deus (1999), São as flores do meu sertão que enfeitam a
natureza (1999), A raça do Riacho Verde (2000), Se você fizer... (2000), Nem toda língua se chupa... (2000),
Sextilhas esparsas (2001), Preservar o meio ambiente é a nossa obrigação! (2001), Onde está o teu fichu?
Pergunto à mãe Lolô (2001), Resposta à Agar ( Mesmo com “quatro olho” a cegueira continua)(2001),
Reconhecendo e agradecendo (ao Regina Coeli) (2001), Imagino ser Deus que está gritando quando ouço um
trovão no infinito (2001), A velhice é um resto de esperança que a infância deixou quando morreu ( 2001), Na
Budega de de Mano tem de tudo pra comprar (2001), Uma noite de poesia (2002), Solicitações solicitadas
(2002), A cana que Juca tomou dia dez de fevereiro ( 2002), Vocábulos idos e vindos (2002), O abecedário
(2002), De “A a Z” (através do tempo) ( 2002), Desabafo de F.H.C (2002), A morada de Deus é tão distante que
é preciso morrer pra chegar (2003), Abc do sentimento (2003), A sobra do couro (2003), Contribua c’o
Calepino, pois muita gente vai ler(2003), Sou antiga, sou quadrada, sou do tempo da vovó, não navego na
Internet, não possuo computador (2004), Moradora do sertão onde nasci me criei, Teixeira, meu doce chão é o
lugar que mais amei! (2004), O amor é o tema mais cantado pelos seres de toda geração (2004), Boca que
provou beijo recorda, tomando cana (2004), O amor que menos custa, custa a saudade que deixou (2004), O
amor que menos custa, custa a saudade que deixa (2004), Entupido para transmitir, desentupido pra receber
(2004), Amanhã será primavera, eu não poderei ver as flores! (2007) e “Quer pão Jujus?” (2007).
106
em que podemos ver, respectivamente, um minucioso trabalho empreendido pela poetisa na
tentativa de fazer um pequeno “inventário” etimológico e um resgate de termos oriundos do
continente africano e que fazem parte do léxico português:
A determinado léxico
A literatura obedece
Novos termos ou vocábulos
Nossa Língua favorece;
Assim o léxico português
Para manter a fluidez
De outras línguas se abastece
(NUNES, 2009, p. 03)
São 35 os termos
Que o escravo africano deu
Ao léxico português
E a língua enriqueceu
Nosso folclore, nossa tradição
Orgulho de toda Nação
Hoje liberta do europeu!
(NUNES, 2009, p. 02)
Nesse momento, faz-se necessário ressaltarmos que, a exemplo desses dois folhetos, a
poetisa tem como público alvo os estudantes. Com o intuito de, através do seu folheto, eles
terem mais uma possibilidade de se apropriar dos mecanismos linguísticos e culturais
desencadeados socialmente. Essa preocupação é marcadamente expressa, nas últimas ginas
dos dois folhetos, ao encontrarmos notas explicativas sobre o significado de termos
etimológicos, bem como oriundos do léxico africano.
Pensando em questões relacionadas à educação, verificamos no cordel intitulado Da
luta do povo nasce uma escola em Santa Rosa (2002), de Maria de Fátima Coutinho, em que
a poetisa aponta a construção de uma creche conhecida como “Grupo Cristina Procópio”, na
qual a comunidade participa da organização da mesma: “A escola que o povo/ Fez nascer com
tanto amor/ Continua sua luta/ Luta de trabalhador/ Que não desiste nem cansa/ Por que tem
fibra e valor” (COUTINHO, 2002)
Paralelamente a isso, voltando à poetisa Maria Julita, percebemos que ela também
problematiza outras questões de ordem social como no cordel A criança e o idoso estão
107
plantando esperança (2002), o qual enfatiza o descaso não com a criança, mas também
com o idoso revela uma questão complexa que circunda a vida em sociedade, de maneira que
a “esperança” e a “saudade” permanecem, muitas vezes, “perambulando” pelas ruas, ao passo
que argumenta:
A infância e a Velhice
Ambas são faces distintas
Na vida de todo ser
Aquarelas de fortes tintas
Enfeitando velhas cenas
Em memórias já extintas
(NUNES, 2001, p. 09)
Assim, a autora mostra a necessidade de “ver com outros olhos” essas “faces distintas”
que fazem parte da vida de qualquer ser humano. A poetisa enfatiza que políticas públicas
podem minimizar esse quadro, revelando que ao cuidar bem do idoso e da criança, a
sociedade “[...] Faz um gesto grandioso/ Com verbo e adjetivo/ RESPEITAR e
RESPEITOSO” (NUNES, 2002, p. 12).
A necessidade das cordelistas tratarem de assuntos que dizem respeito ao cuidado para
com as crianças, os jovens e os idosos reforçam um imaginário cultural que está intimamente
ligado à mulher como aquela que amamentava, educava (SILVA, 2005). De forma que tal
imaginário ainda atua, consciente e inconscientemente, no cotidiano de um sem-número de
mulheres, ao pensarmos que até as primeiras décadas do século passado a maioria delas estava
vinculada a esfera privada da sociedade. Com efeito, ao manifestarem preocupação, em seus
folhetos, sobre a educação de jovens ou mesmo sobre a situação e/ou descaso de crianças e
idosos em meio social, isso não impede de afirmamos que tais ideias estejam vinculadas ao
Projeto feminista empreendido no Brasil nas cadas de 70 e 80, pois estava em marcha a
“politização do cotidiano”, problematizando temas que até então eram da esfera privada para
o cenário político, como dito anteriormente.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na análise empreendida nos folhetos escritos pelas cordelistas enfocadas em
nosso estudo, foi constatada a predominância de temas que remontam à lógica patriarcal, bem
como às ‘marcas’ de um discurso falocêntrico, através da representação de personagens
mulheres que não conseguem se desvencilhar de atitudes e práticas que reforçam os laços com
a lógica patriarcal. Em contrapartida, foi verificado ainda um considerável número de folhetos
que tematizam a condição feminina na contemporaneidade, refletindo direta ou indiretamente
acerca das teorias desenvolvidas pelo movimento feminista, além de problematizarem
questões relacionadas à política, à economia, à educação e ao meio ambiente.
Essa predominância de folhetos de autoria feminina abarcando questões associadas à
lógica patriarcal e ao falocentrismo pode estar vinculada a possíveis ‘influências’ de uma
tradição de folhetos escritos por um sem-número de cordelistas que enaltecem, de forma
inconsciente ou não, aspectos ligados ao masculino. Um exemplo disso é encontrado na
maioria dos folhetos de Maria Godelivie seja no título, no conteúdo e mais especificamente na
representação de personagens mulheres, como os folhetos que apontam as personagens
mulheres sob o viés da traição, em que foram observadas significativas ‘semelhanças’ com a
produção de folhetos escritos por homens, por ‘reafirmar’ dois tipos de imaginários acerca do
adultério: o estereótipo negativo para aquele que foi traído e da mulher que traí com forte
poder de sedução e astúcia.
Paralelamente a essa questão, algumas personagens de Maria Godelivie ‘tomam
posse’, por assim dizer, de certos posicionamentos feministas na relação com o outro gênero –
masculino. A respeito disso, é válido dizer que há uma preocupação por parte dessa poetisa
em ‘construir’ personagens mulheres dotadas de um teor crítico sobre os direitos das
mulheres, a exemplo de Madalena em O velhote enxerido (2007), a qual tomou/sofreu um
109
forte tapa do seu companheiro e resolve denunciá-lo. Fato que nos leva a refletir que Maria
Godelivie lança mão dessa personagem para ‘tocar’ em um tema problemático que faz parte
do cotidiano de várias mulheres: a violência contra a mulher. Tal situação não se restringe a
classe social, grau de escolaridade ou raça, sendo considerada agressão de ordem física ou
moral. Existe a Delegacia de Defesa da Mulher, mas muitas mulheres não denunciam seus
parceiros por medo, vergonha, ou mesmo por dependerem deles financeiramente.
Além dos folhetos escritos por Maria Godelivie que convergem de forma mais direta
para o falocentrismo, a partir da análise foi observado em Porque a noiva botou o noivo na
justiça, de Lourdes Ramalho, a representação de uma personagem às voltas com a simbologia
que emana do falo, pois se trata de uma moça que sempre quis contrair matrimônio e quando
realizou seu sonho, descobriu que o noivo não tinha ‘secho definido, desencadeando um
verdadeiro ‘processo’ de natureza psicológica e moral, justificando o sentir-se humilhada e
ultrajada por fazer o papel de ‘dominante’ e por não desejar um marido ‘desenbananado’, isto
é, despido do que caracterizaria a sua identidade masculina como símbolo de poder e desejo.
Nos folhetos que fazem referência à condição das mulheres na contemporaneidade, foi
constato no folheto de Maria de Fátima Coutinho A vida da mulher (2002) reflexões sobre os
conflitos enfrentados pela mulher contemporânea, por ela ser, em linhas gerais, ‘herdeira’ de
um discurso feminista que traz à tona aspectos positivos e negativos para o cotidiano de várias
mulheres. Quando pensamos nisso, percebe-se que uma mulher que faz parte de uma classe
mais abastada da sociedade pode se beneficiar em maior ou menor grau, das contribuições
desse movimento, em virtude de, por exemplo, conseguir mais ‘oportunidades’, porém não
devemos generalizar tal afirmação, sob pena de cairmos em um discurso que não leva em
consideração as reais necessidades e possíveis entraves à sua realização.
Para além desses fatos, o folheto em questão A vida da mulher (2002) fala, mais
particularmente, do cotidiano de mulheres que possuem um menor poder aquisitivo, ao
110
lembrarmos, por exemplo, que ela não possui uma ‘secretária do lar’ para a execução das
tarefas domésticas, pois essa poetisa nos traz uma personagem que se ‘desdobra’ para
conciliar as atividades do trabalho com as tarefas do lar, não conseguindo apoio e
compreensão do marido na divisão dos afazeres da casa, de forma que Coutinho ‘incita as
mulheres a ‘gritarem’ por liberdade e por relações pautadas em uma convivência harmônica e
igualitária entre homens e mulheres.
Por meio da análise foi percebido também que as cordelistas abordam em seus
folhetos reflexões sobre política, economia e assuntos que fazem parte da pauta do dia de
várias pessoas – a exemplo do folheto Pinceladas da história previdenciária (2001) de Hélvia
Callou. Em se tratando das lutas empreendidas pelas feministas nas cadas de 70 e 80 do
século XX, percebe-se uma nova forma dessas mulheres ‘atuarem’ na arena política ao
promoverem a chamada ‘politização do cotidiano’, levando temas até então considerados da
esfera privada para a pública. Nesse sentido, as feministas empreenderam políticas públicas
que beneficiassem às mulheres, como a construção/implementação de creches para os filhos
das mulheres que trabalham fora do ambiente doméstico.
Em meio a essas políticas está à importância do aleitamento a partir da década de 80,
política que ecoou em um dos folhetos de Clotilde Tavares A triste sina de Ritinha que
criou seu filho sem dar de mamar (1981) o qual mostra necessidade da mãe amamentar seu
filho nos primeiros meses de vida, ao saber dos aspectos nutritivos advindos desse alimento.
Porém, ao promoverem esse tipo de política, não uma preocupação, como também uma
‘espécie’ de acompanhamento, na maioria das vezes, com a mãe que começa a amamentar, no
sentido de saberem/perguntarem as suas reais necessidades, pois muitas mulheres não
‘guardam’ boas recordações dessa prática.
Dentro desse contexto, questões ligadas à educação se fizeram presentes,
principalmente, nos folhetos A etimologia na Literatura de Cordel (2009) e O xico
111
português e o escravo africano (2009) da poetisa Maria Julita Nunes, posto que uma
preocupação dessa poetisa em mostrar o significado etimológico e a origem de certas palavras
através do texto de cordel, dirigindo-se, mais particularmente, a um público estudantil. Além
desses folhetos, outros reforçam um imaginário coletivo que vincula às mulheres ao cuidado,
a ‘missão’ de educar dos filhos, entre outros fatores.
Tratar de aspectos que reforçam, em maior ou menor grau, um imaginário coletivo que
faz referência a uma mulher que cuida, amamenta e educa, bem como tratar de uma gica
que se faz presente nas práticas e atitudes dos sujeitos como o pensamento patriarcal, nos diz
muito quando consideramos os resultados desta pesquisa. Verificou-se um elevado número de
folhetos escritos por mulheres que apontam para a representação de personagens mulheres
mantenedoras dos laços com a lógica patriarcal e falocêntrica, não abrindo mão, porém, de um
posicionamento crítico acerca dos direitos das mulheres e de um melhor relacionamento com
a outra parte do gênero – o masculino.
112
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