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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA - EST
Contribuições do Movimento dos
Focolares ao Ecumenismo
Beatriz Sarkis Simões
Orientador: Dr. Valério Guilherme Schaper
São Leopoldo
2010
“No momento devido haveremos de
colher, se não desfalecermos”. (Gal 6,9)
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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
BEATRIZ SARKIS SIMÕES
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São Leopoldo
2010
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BEATRIZ SARKIS SIMÕES
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Dissertação de Mestrado
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programas de Pós-Graduação em
Teologia
Área: Teologia e História
Orientador: Dr. Valério Guilherme Schaper
São Leopoldo
2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada pela Biblioteca da EST
S593c Simões, Beatriz Sarkis
Contribuições do Movimento dos Focolares ao
ecumenismo / Beatriz Sarkis Simões ; orientador
Valério Guilherme Schaper. São Leopoldo :
EST/PPG, 2010.
191 f.
Dissertação (mestrado) Escola Superior de
Teologia. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em
Teologia. o Leopoldo, 2010.
1. Movimento dos Focolares . 2. Ecumenismo. 3.
Lubich, Chiara, 1920-. 4. Unidade cristã Igreja
católica. I. Schaper, Valério Guilherme. II. Título.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Escola Superior de Teologia pela acolhida no Curso de
Mestrado, bem como a todos os professores e funcionários que demonstraram
dedicação e compromisso com a educação.
Agradeço, em especial, ao Professor Valério Schaper por ter aceitado
orientar o meu trabalho e por toda dedicação e paciência demonstradas. O
estímulo e a confiança que recebi de sua parte foram fundamentais nesta
caminhada.
Agradeço ao Professor Pedro Kunrath da PUC-RS que, apesar de suas
inúmeras atividades, aceitou o convite para fazer parte da minha banca com
sua valiosa contribuição.
Agradeço ao Professor Rudolf von Sinner por ter feito parte desta
minha trajetória acadêmica e pelo incentivo ao desenvolvimento do meu tema.
Agradeço a CAPES pelo financiamento recebido que viabilizou esta
pesquisa.
Agradeço aos meus familiares e amigos: o apoio e o encorajamento
oferecidos contribuíram significantemente para realização deste trabalho.
Expresso meu profundo agradecimento, ainda, a todos aqueles que,
espalhados no mundo inteiro e, talvez, no anonimato, dedicam suas vidas com
generosidade à causa ecumênica.
Dedico esta minha pesquisa
a Chiara Lubich (1920-2008),
fundadora do Movimento dos
Focolares, que consagrou a sua vida à
causa da unidade, do ut omnes unum
sint‟ (Jo 17,21) de Jesus.
Através de seu testemunho e de seus
ensinamentos fez com que esta paixão
se tornasse também minha e a de
milhares de pessoas.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo dar uma maior visibilidade às contribuições
específicas que o Movimento dos Focolares, fundado em 1943 por Chiara Lubich,
tem a oferecer à caminhada ecumênica. A primeira parte aborda a história do
ecumenismo: o conceito, os fatos históricos, que levaram a rupturas na Igreja de
Cristo, a gênese do movimento ecumênico e a relevância do ecumenismo. Ao
analisar a importância do diálogo ecumênico, a pesquisa apresenta a proposta do
diálogo da vida que tem suas raízes na espiritualidade do Movimento dos
Focolares e é considerada uma de suas contribuições específicas ao ecumenismo.
A segunda parte apresenta uma hermenêutica ecumênica que tem dois princípios: o
da fraternidade e o da cruz. Acredita-se que não é possível alcançar a plena
comunhão (koinonia), sem passar pelo caminho da cruz, pelo caminho do abandono
de Jesus (kenosis). Em seguida, faz-se uma reflexão sobre o Movimento dos
Focolares e a Eclesiologia de comunhão. A reflexão conduz ao ponto central desta
parte: o aprofundamento da proposta do diálogo da vida, oferecido como uma
resposta atual às exigências do mundo ecumênico. A terceira parte apresenta uma
segunda contribuição específica do Movimento dos Focolares à caminhada
ecumênica: o Projeto da Economia de Comunhão na Liberdade, nascido em 1991
durante uma das viagens de Chiara Lubich ao Brasil. Este Projeto de cunho social e
realizado ecumenicamente está presente hoje emrios países do mundo e reflete a
realidade de comunhão que é a base da espiritualidade proposta pelo Movimento
dos Focolares. Desse modo é possível asseverar que o Movimento dos Focolares
tem algo de significativo a oferecer à caminhada ecumênica, quer seja em nível
espiritual, quer seja em nível prático.
Palavras-chave: Movimento dos Focolares. Chiara Lubich. Ecumenismo. Diálogo da
vida. Economia de comunhão.
ABSTRACT
This research aims to give greater visibility to the specific contributions that the
Focolare Movement, founded in 1943 by Chiara Lubich, has to offer to the
ecumenical journey. The first part deals with the history of ecumenism: the concept,
historical events that also led to ruptures in the Church of Christ, the genesis of the
ecumenical movement and the relevance of ecumenism. Analyzing the importance of
ecumenical dialogue, this research presents the proposal of the dialogue of life
which has its roots in the spirituality of the Focolare Movement and is considered one
of its specific contributions to ecumenism. The second part presents an ecumenical
hermeneutics which has two principles: fraternity and cross. It is believed that it is not
possible to reach full communion (koinonia), without going through the way of the
cross, through the way of the abandonment of Jesus (kenosis). Then a reflection on
the Focolare Movement and the ecclesiology of communion is made. The reflection
leads to the central topic of this chapter: the proposal of the dialogue of life presented
as an answer to the demands of the current ecumenical world. The third part
presents a second specific contribution of the Focolare Movement to the ecumenical
journey: the Project of the Economy of Communion in Freedom, which was launched
in 1991 by Chiara Lubich during one of her trips to Brazil. This social Project, which is
put into practiced ecumenically, is present in several countries around the world
today and reflects the reality of communion which is the basis proposed by the
spirituality of the Focolare Movement. So, it is possible to asseverate that the
Focolare Movement has something significant to offer to the ecumenical journey,
whether on a spiritual or a practical level.
Keywords: The Focolare Movement. Chiara Lubich. Ecumenism. Dialogue of life.
Economy of communion.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9
1 ELEMENTOS DO ECUMENISMO .................................................................................... 15
1.1 Significado do termo ................................................................................................ 16
1.2 As divisões na Igreja de Cristo ............................................................................... 17
1.3 O movimento ecumênico ......................................................................................... 20
1.4 O diálogo................................................................................................................... 25
1.5 Tipos de ecumenismo .............................................................................................. 27
1.5.1 Ecumenismo doutrinal........................................................................................ 28
1.5.2 Ecumenismo prático .......................................................................................... 29
1.5.3 Ecumenismo institucional ................................................................................... 30
1.5.4 Ecumenismo espiritual ....................................................................................... 31
1.6 Dificuldades para o ecumenismo ............................................................................ 32
1.7 Importância do ecumenismo ................................................................................... 35
1.8 O que almeja o ecumenismo? ................................................................................. 36
1.9 A construção da unidade ......................................................................................... 37
1.10 Perspectivas ........................................................................................................... 40
2 DIÁLOGO DA VIDA ......................................................................................................... 49
2.1 Hermenêutica ecumênica da amizade .................................................................... 50
2.1.1 O sentido da amizade a partir de Jesus ............................................................. 52
2.1.2 Comunhão na diversidade ................................................................................. 54
2.2 Hermenêutica ecumênica da cruz ........................................................................... 55
2.2.1 Caminho de “purificação da amizade” ................................................................ 57
2.1.2 O amor cristão como estilo de vida ecumênica .................................................. 61
2.3 O Movimento dos Focolares e a eclesiologia de comunhão ................................. 62
2.3.1 Diálogo da Vida.................................................................................................. 67
2.3.2 Jesus crucificado e abandonado: chave para a comunhão plena e visível entre as
igrejas ......................................................................................................................... 72
3 ECONOMIA DE COMUNHÃO: UM PROJETO................................................................. 76
3.1 A gênese da economia de comunhão ..................................................................... 77
3.2 A vivência da partilha a partir da espiritualidade do Movimento dos Focolares . 79
3.3 A vivência da reciprocidade na economia .............................................................. 83
3.4 Uma economia voltada à pessoa humana .............................................................. 89
3.5 Trabalhar em comunhão .......................................................................................... 91
3.6 Economia de comunhão: nasce uma cultura nova ................................................ 94
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 105
ANEXO A Chiara na cerimônia de Advento: “Oração Ecumênica do Advento” ....... 112
ANEXO B Entrevista de Sandra Hogget com Chiara Lubich ..................................... 117
ANEXO C Chiara aos internos da Grã-Bretanha e da Irlanda .................................... 128
ANEXO D Chiara no Congresso Ecumênico dos Bispos ........................................... 145
ANEXO E Discurso de Chiara Lubich em Stuttgart, Maio de 2007. ........................... 158
ANEXO F Encontro de Chiara com as comunidades: Malta, Sicília e Calábria ........ 163
ANEXO G Documentário: doutorado honoris causa de Chiara em Piacenza ........... 174
ANEXO H Pronunciamento do Pr. Ervino Schmidt na abertura da SOUC 2008 ....... 189
INTRODUÇÃO
No momento devido
haveremos de colher,
se não desfalecermos.
(Gal 6,9)
A presente pesquisa, desenvolvida para obtenção do grau de Mestre em
Teologia, na Área de Concentração Teologia e História, tem como objeto o
Movimento dos Focolares fundado em 1943 por Chiara Lubich, leiga pertencente à
Igreja Católica Romana. As questões estudadas foram como e por que este
Movimento Eclesial, surgido dentro do catolicismo, adquiriu abrangência ecumênica
e quais contribuições vêm oferecendo ao ecumenismo no decorrer destes anos.
Meu envolvimento com a temática do ecumenismo, o que determinou a
escolha do tema para esta dissertação, tem uma história. Desde o ano de 1985,
participo ativamente do Movimento dos Focolares. Pouco a pouco, isso despertou
meu interesse pelo ecumenismo. As palavras de Jesus, ditas no Seu último
testamento, “Que todos sejam um (Jo 17,21), adquiriram um significado mais
profundo na minha vida e se tornaram um imperativo, no sentido de que sinto a
exigência de me comprometer para que este testamento possa chegar a sua plena
atuação.
De fundamental importância para minha caminhada pessoal, e que
contribuiu muito para que este interesse pela causa ecumênica se aprofundasse
ainda mais, foi o fato de ter morado por seis anos na Inglaterra, devido ao meu
10
envolvimento com o Movimento dos Focolares, onde convivi lado a lado com
cristãos de diferentes denominações. Confesso que levei meses para identificar
quem era membro da Igreja Católica Romana, quem era Anglicano, Batista,
Metodista, etc. Neste sentido, a constatação de Chiara Lubich, quando esteve em
Londres em novembro de 1996, onde se encontrou com mais de mil pessoas
pertencentes ao Movimento, provenientes de várias Igrejas, teve profundo impacto
sobre mim: ela afirmou que, em qualquer lugar onde se vive a espiritualidade de
comunhão, forma-se um único povo, uma única família em Cristo. Assim como
Chiara, eu tamm me deparei com cristãos (leigos, sacerdotes, pastores, bispos)
unidos sob o nome de Cristo. Aquilo que os unia era mais forte do que suas
diferenças: “Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou Eu
no meio deles” (Mt. 18,20). Comecei a refletir sobre isso e a me perguntar se aquilo
que experimentei em Londres era um fenômeno localizado ou geral, se era algo
próprio do movimento ecumênico em geral ou se havia nele uma colaboração típica
dos Focolares.
Voltando para o Brasil, logo engajei-me nos organismos ecumênicos locais,
como o SELEO (Serviço Ecumênico Leopoldense) e o CONIC-RS (Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil Região RS). Percebi que o Movimento dos
Focolares tamm tem algo a oferecer para a realidade brasileira com sua proposta
do diálogo da vida (proposta que será aprofundada nesta dissertação). Posso dizer
que se instaurou, através da realidade do amor recíproco atuado entre os membros
destes organismos, um vínculo muito forte de fraternidade e estima. Talvez, seja
relevante citar aqui o fato de que foi justamente um dos membros do SELEO, que
me encorajou a fazer um Mestrado na EST a partir da experiência ecumênica do
Movimento, o que denota certo reconhecimento por parte de alguém que, aentão,
11
desconhecia tal proposta. Isso reforçou a minha impressão de que o Movimento dos
Focolares tem algo de particular a oferecer ao movimento ecumênico. Essa
impressão se acentuou ainda mais, quando vivenciei outra experiência singular.
De 26 a 31 de julho de 2009, reuniu-se uma equipe de diálogo teológico
internacional composta por membros do Pontifício Conselho para a Unidade dos
Cristãos (PCPUC) e por membros da Aliança Evangélica Mundial na cidade de São
Paulo. O PCPUC requisitou a presença de um membro do Movimento dos Focolares
e, por circunstâncias diversas, acabei participando da consulta. Discutimos várias
questões teológicas, detivemo-nos em muitos aspectos doutrinais de nossas Igrejas
e, quando se tratava de ilustrar com a vida como a teoria era colocada em prática,
eram solicitadas experiências do Movimento dos Focolares. Solicitaram que eu
falasse, inclusive, a respeito da experiência da Economia de Comunhão na
Liberdade (tópico ao qual será dedicado o terceiro capítulo desta dissertação) como
uma iniciativa de caráter social empreendida em nível ecumênico. Por fim, um dos
participantes do grupo me agradeceu, dizendo que as discussões em nível teológico
eram todas importantes e que ficava muito contente de ver que conseguíamos
conciliar a teoria e a prática através de um ecumenismo realizado na vida cotidiana.
Com esta experiência, verifiquei mais uma vez que o Movimento dos Focolares traz
em si algo que pode ser oferecido ao movimento ecumênico no seu todo e espero
poder tornar tal proposta mais conhecida através desta pesquisa.
Uma das hipóteses que orientou esta dissertação é a de que o modelo de
unidade proposto e vivido pelo Movimento dos Focolares pode servir de estímulo
para a Igreja atual, visto que, partindo da ótica da comunhão (koinonia), esse
modelo considera as diversidades como riquezas. Esse modo de conceber a
12
unidade da Igreja (Igreja Comunhão) ainda não foi suficientemente aprofundado,
como será demonstrado no item 1.2.4.
Durante a pesquisa, recorri a alguns autores e percebi que uma
discussão entre eles a respeito dos diversos tipos de ecumenismo e dos
conseqüentes modelos de Igreja que derivam deles. Entre esses autores, cito o
teólogo de tradição protestante Gottfried Brakemeier e Enrique Cambón, teólogo
Católico Romano.
Metodologicamente, a dissertação baseia-se na pesquisa bibliográfica das
fontes indicadas nas referências, as quais foram selecionadas com base no histórico
da caminhada ecumênica e nas contribuições específicas oferecidas pelo
Movimento dos Focolares, ou seja, a proposta do diálogo da vida e do Projeto da
Economia de Comunhão na Liberdade. A distribuição dos resultados da pesquisa foi
feita em três capítulos.
O primeiro capítulo aborda o histórico do ecumenismo, partindo do próprio
significado do termo e avançando para questões mais amplas, como as divisões da
Igreja de Cristo, a origem do movimento ecumênico e a importância do ecumenismo.
Enfatiza o fato de que a Igreja de Cristo é apresentada como a comunidade dos fiéis
unidos nos Atos dos Apóstolos: “[...] eram um coração e uma alma” (At 4,32).
Ao longo dos séculos, porém, esta unidade foi enfraquecida, e a comunhão do corpo
místico de Cristo deixou de ser plenamente visível, não obstante terem permanecido
membros do único corpo de Cristo mediante o Batismo.
Neste contexto, o movimento ecumênico é apresentado. No movimento
ecumênico, o Espírito Santo vem promovendo a obra de reconciliação entre os
cristãos e iluminando muitas pessoas a aderirem à causa da unidade. Em seguida,
aborda-se a importância do diálogo ecumênico, bem como as dificuldades com as
13
quais o movimento ecumênico depara-se. São apresentados os motivos que levam
as pessoas a trabalhar pela plena unidade entre as Igrejas, o como fazê-lo, e é
oferecida aqui, pela primeira vez neste trabalho, a proposta do diálogo da vida.
O segundo capítulo procura analisar a vida e a espiritualidade do Movimento
dos Focolares na perspectiva da comunhão, a qual suscitou o chamado diálogo da
vida. Como caminho para se chegar à proposta do diálogo da vida, foi apresentada
uma hermenêutica que tem dois princípios de leitura: o da fraternidade e o da cruz.
A chamada hermenêutica ecumênica da amizade coloca em relevo o quanto é
precioso o papel de uma autêntica amizade na construção de relacionamentos
ecumênicos. A amizade autêntica leva a ultrapassar barreiras impostas por
diferenças que podem gerar conflitos. A pesquisa apresenta o conceito de amizade
e, em seguida, aborda o sentido do termo na ótica de Jesus, refletindo, por fim,
sobre a questão da comunhão na diversidade. Já a hermenêutica ecumênica da cruz
introduz a cruz de Cristo como condição indispensável para alcançar a plena
unidade. Por fim, há uma reflexão sobre o Movimento dos Focolares e a Eclesiologia
de Comunhão, aprofundando a proposta do diálogo da vida.
O terceiro capítulo apresenta o Projeto da Economia de Comunhão na
Liberdade. Trata-se de um projeto de cunho social colocado em prática
ecumenicamente. O capítulo aborda o processo da gênese de tal Projeto. Em maio
de 1991, enquanto o avião estava aproximando-se da cidade de São Paulo, Chiara
Lubich surpreendeu-se ao ver a vasta área de favelas circundada por uma das
maiores concentrações de arranha-céus do mundo. Inspirada na Encíclica de João
Paulo II, Centesimus Annus, publicada justamente naqueles dias, Chiara criou o
Projeto da Economia de Comunhão.
14
Nasceu aqui no Brasil, [...], uma idéia: sob o impulso da comunhão dos
bens, deveriam surgir indústrias, empresas [...], a novidade seria essa: o
lucro seria colocado em comum. Deveria nascer assim, uma Economia de
Comunhão da qual esta Mariápolis Permanente
1
seria o modelo, a cidade-
piloto. Queremos que o lucro seja colocado em comunhão livremente.
2
O Projeto teve uma resposta imediata não somente na América Latina, onde
foi lançado, mas também em outros Continentes. Até o presente momento, o Projeto
abrange oitocentas e cinqüenta empresas. No decorrer do capítulo, alude-se
também ao valor do ser humano enquanto criado “[...] à imagem de Deus [...]” (Gn 1,
27) e às implicações desta afirmação no âmbito econômico.
Por fim, destaca-se a cultura que nasce a partir do Projeto da Economia de
Comunhão. Desde seu início, o aspecto cultural acompanhou a experiência concreta
da Economia de Comunhão, através da produção de teses, artigos, monografias,
convenções acadêmicas e outros. De fato, o princípio motor do Projeto tem inspirado
vários estudos, facilitando, assim, a reciprocidade entre a teoria e a prática. Este
aspecto constitui uma das características específicas da Economia de Comunhão.
Ao longo destes anos, foram conferidos títulos de Doutorado honoris causa a
Chiara Lubich, devido ao Projeto da Economia de Comunhão, bem como
reconhecimentos públicos ao Projeto por parte de especialistas em Economia. Neste
sentido, Stefano Zamagni, professor de Economia Política da Universidade de
Bolonha, Itália, afirmou: “A experncia da Economia de Comunhão é um desafio
tanto no âmbito intelectual quanto no âmbito propriamente existencial”.
3
1
Mariápolis Permanentes o as pequenas cidades onde habitam membros do Movimento dos
Focolares. Elas têm o objetivo de ser um esboço de uma sociedade nova. A lei fundamental
dessas cidades, compostas por casas, escolas, empresas, é a lei do amor recíproco. Isso tem por
consequência a plena comunhão de todas as riquezas culturais, espirituais e materiais. Hoje,
espalhadas nos cinco Continentes, existem trinta e cinco Mariápolis Permanentes.
2
LUBICH, Chira apud EDC a Idéia. Disponível em: <http://www.edc-online.org/index.php/br/o-que-
e/o-projecto/a-historia.html>. Acesso em: 14 jan. 2010.
3
ZAMAGNI, Stefano. Disseram... Disponível em: <http://www.edc-
online.org/index.php/br/publicacoes/disseram/326-hanno-detto.html>. Acesso em: 14 de Jan.
2010.
1 ELEMENTOS DO ECUMENISMO
4
[...] O sacrifício mais agradável a Deus
é a nossa paz e a concórdia fraterna,
e um povo cuja união seja um reflexo da unidade
que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
5
Um olhar planetário sobre a época atual confirma que esta é caracterizada
por tendências aparentemente contrastantes: por um lado, trata-se de uma realidade
essencialmente pluralista e, por outro, de uma busca desenfreada pela globalização.
É neste contexto de pluralidade e de busca de unidade que se situa o movimento
ecumênico.
Empenhar-se pela construção de uma comunhão sempre maior entre os
cristãos é mais do que uma tarefa, é uma urgência dos nossos tempos. E o
movimento ecumênico sente-se particularmente chamado a corresponder aos
desafios dessa época. O ecumenismo pretende tornar visível a unidade que já existe
entre os cristãos mediante o Batismo e, partindo desta base, esforça-se pela
construção da fraternidade na família humana. Porém, muitas vezes, percebe-se
que existe uma falta de clareza, seja em relação à definição, seja quanto ao
4
Ainda sem fazer referência direta quero reconhecer ao longo deste capítulo a contribuição da
autora Sandra Ferreira Ribeiro.
5
SÃO CIPRIANO apud JOÃO PAULO II. Ut Unum Sint: Carta Enclica sobre o Empenho
Ecumênico. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1995. n.102. Citada doravante pela sigla UUS.
16
horizonte que o termo “ecumenismo” abrange. O mesmo pode ser aplicado com
relação ao modo de se concretizar o ecumenismo.
1.1 Significado do termo
Ecumenismo traduz o grego oikoumenee significa “toda a terra habitada”,
num sentido universal, refere-se à casa na qual se habita. Há tanto no Antigo
Testamento quanto no Novo Testamento exemplos que ilustram a interpretação de
oikoumene dentro desta ótica: “De Iahweh é a terra e o que nela existe, o mundo e
seus habitantes [...]” (Sl 24,1); De um Ele fez toda a raça humana para habitar
sobre toda a face da terra, [...]” (At 17,26).
É importante ressaltar tamm que o termo oikoumeneestá relacionado a
outros termos gregos como, por exemplo, o verbo oikein”, que designa habitar”,
“reconciliar-se”, “estar familiarizado”. Sendo assim, ecumenismo refere-se à idéia de
vivência na mesma casa, de irmãos habitando juntos, contrapondo-se, desta forma,
a todo tipo de separação. O termo oikoumenepassou a ser aplicado tamm para
indicar a Igreja no seu todo e aqui se entende a catolicidade da Igreja no seu sentido
mais profundo, isto é, enquanto como sendo realmente universal.
6
Com o passar do tempo, “oikoumene adquiriu uma conotação mais
religiosa, indicando as diversas Igrejas cristãs no seu conjunto. O Concílio Vaticano
II, em seu Decreto sobre o Ecumenismo, assim define o termo: Ecumenismo o
todas as “[...] atividades e iniciativas, que o suscitadas e ordenadas, segundo as
várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer
6
Cf. BRAKEMEIER, Gottfried. Preservando a Unidade do Espírito no nculo da Paz: um curso de
ecumenismo. São Paulo: ASTE, 2004. p. 9.
17
a unidade dos cristãos”.
7
De acordo com essa definição, entende-se por movimento
ecumênico o esforço que tende a reunificar os cristãos provenientes de diversas
denominações entre eles, seja enfatizando os pontos teológicos de convergência,
seja propondo um ecumenismo de base, feito de conhecimento e estima recíproca.
Embora o termo “ecumenismo” seja utilizado num horizonte mais amplo para
indicar o relacionamento com as grandes religiões, o que é denominado
frequentemente de “macroecumenismo”, esta pesquisa utilizará o termo
“ecumenismo” para designar o esforço de unidade no âmbito das Igrejas cristãs.
1.2 As divisões na Igreja de Cristo
A unidade entre os cristãos sofreu várias rupturas com o passar dos séculos.
De fato, ao percorrer a história da Igreja, é possível constatar que os cristãos
enfrentaram anos muito difíceis. no Novo Testamento, encontram-se contínuos
apelos dos Apóstolos para evitar qualquer espécie de divisão entre cristãos, visto
que todos eram membros de um só corpo, o Corpo de Cristo.
Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos
os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um corpo. Assim
tamm acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num Espírito
para ser um só corpo, judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos
de um só Espírito. [...] Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois os seus
membros, cada um por sua parte. (1 Cor 12, 12-13; 27).
No Novo Testamento, encontram-se ainda exemplos significativos de
esforços pela preservação da unidade da Igreja, respeitando, porém, a sua
diversidade. Isto pode ser verificado em Atos 15 e Gálatas 2.
Na história, não foram poucas as situações em que, após um Concílio,
grupos de cristãos se separaram por não aderirem às decisões tomadas. No século
7
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Unitatis Redintegratio:
Decreto sobre o ecumenismo, n. 4. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. 2. ed. São
Paulo: Paulus, 2002. Citado doravante pela sigla UR.
18
V, destacam-se as Igrejas que hoje se denominam Antigas Igrejas Orientais. Estas
são porções do cristianismo que não aceitaram as decisões dos Concílios de Éfeso,
em 431, quando se formou a Igreja Síria Oriental, e de Calcedônia, em 451,
originando as Igrejas Síria Ortodoxa, Armena Ortodoxa, Copta Ortodoxa e Etíope
Ortodoxa. Atualmente, tais Igrejas são conhecidas como Antigas Igrejas Orientais e
elas mantêm um diálogo permanente com as Igrejas Católica Romana, Anglicana e
Ortodoxa.
No século XI, os Cristãos que tinham sido fiéis a todos os Concílios
realizados até então se dividiram: os do Ocidente passaram a se denominar
Católicos Romanos e os do Oriente, Ortodoxos. Traian Valdman, pároco e professor
de teologia ortodoxa, descreve a separação da seguinte maneira:
[...] por motivos culturais, históricos, políticos e, especialmente, por motivos
de caráter teológico entre os quais os mais importantes são a introdução
do „Filioque‟ no Credo (por parte da Igreja Ocidental) e a pretensão de um
primado universal do bispo de Roma a Igreja dividiu-se em duas, seguindo
a fronteira lingüística e política que naquela época dividia o Império
Romano. Depois deste fato dramático, conhecido na histórica com o nome
de Grande Cisma de 1054, a Igreja ocidental romana ficou com o nome de
„Católica‟ e a oriental bizantina (de Bizâncio = Constantinopla, atual
Istambul), com o nome de „Ortodoxa‟.
8
A partir do século XVI, a Igreja do Ocidente se fragmentou ainda mais sob a
influência do Movimento de Reforma iniciado por Martinho Lutero, João Calvino e
Ulrico Zwinglio. Na ocasião, formaram-se as Igrejas Evangélicas ou Luteranas na
Alemanha e as Igrejas Reformadas na França e na Suíça. Este grupo de Igrejas
sente-se parte constituinte da única Igreja de Cristo que é una, santa, católica (no
sentido de universal”) e apostólica. A separação aqui se deve a diversidades em
matérias de fé. Cabe salientar também que tais reformadores não tinham a intenção
de criar novas Igrejas, mas sim de reformar a Igreja da qual participavam.
8
VALDMAN, T. apud CAMBÓN, Enrique. Fazendo ecumenismo: uma exigência evangélica e uma
urgência histórica. São Paulo: Cidade Nova, 1994. p. 41.
19
Na Inglaterra, o rei Henrique VIII, por questões pessoais, declarou a
autonomia da Igreja da Inglaterra com relação à Igreja Romana, à autoridade do
Papa. Surgiu assim a Igreja Anglicana. Esta separação facilitou a penetração das
idéias dos reformadores na Igreja da Inglaterra. Portanto, mesmo se a Igreja
Anglicana historicamente não seja fruto da Reforma, na realidade, desde o início ela
se tornou uma Igreja doutrinalmente reformada. Com o passar dos anos, estas
Igrejas se fragmentaram, originando sempre mais uma grande variedade de novas
igrejas e uma série de movimentos.
Seja por circunstâncias históricas, culturais, políticas, geográficas, sociais,
seja por falta de vivência do amor cristão, cada igreja, ao longo dos séculos, foi
fechando-se em si mesma e aumentando ainda mais as indiferenças e as
incompreensões entre elas. As divisões constituem não motivo de dificuldade,
como também de escândalo perante o mundo que, ao invés de ver o testemunho do
amor vivido pelos cristãos, assiste a inimizades. Nesse sentido, talvez seja oportuno
mencionar a visão de alguém que soube colher o aspecto positivo de todo este
quadro ilustrativo de tamanha divisão entre os cristãos. João Paulo II, à pergunta
feita “Por que o Espírito Santo permitiu todas estas divisões?”
9
assim respondeu:
Não poderia ser que as divisões tenham sido também um caminho que
levou e leva a Igreja a descobrir as múltiplas riquezas contidas no
Evangelho de Cristo e na redenção operada por Cristo? Talvez tais riquezas
não pudessem vir à luz de maneira diferente.
10
Tal afirmação expressa que unidade não é sinônimo de uniformidade e que,
portanto, é preciso contemplar a diversidade com um novo olhar e compreender seu
valor. Os cristãos são capazes de reconhecer o específico que cada Igreja traz como
expressão do inexaurível mistério, sem perder a dimensão do todo plural.
9
JOÃO PAULO II; MESSORI, Vittorio. Cruzando o limiar da esperança. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1994. p. 147.
10
JOÃO PAULO II, MESSORI, 1994, p. 147.
20
1.3 O movimento ecumênico
No Novo Testamento, percebem-se insistentes apelos dirigidos aos cristãos
para que vivam unidos e em harmonia. A unidade é uma vontade específica de
Deus, um mandamento determinado pela Sua própria essência que, por ser Amor,
quer ver todos agindo como verdadeiros filhos Seus. Além disto, o fato de os
cristãos fomentarem divisões representa um escândalo tanto para os não-cristãos
quanto para aqueles que não professam religiosa alguma, uma vez que estes
encontrarão, nesta falta de testemunho evangélico, um obstáculo para acreditar na
mensagem do Cristo que diz: “Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35) e, ainda, “Que todos sejam um para
que o mundo creia(Jo 17,21). É nesta oração de Jesus ao Pai que está a raiz do
trabalho ecumênico. É dela que nascem a urgência e a paixão de trabalhar, com
perseverança, na tarefa inadiável de reconstrução da unidade entre os cristãos,
que estes formam um só Corpo em Cristo.
Por isso afirmava com razão o teólogo protestante W. Pannenberg: “Não
podemos mais nascer e viver tranquilamente em Igrejas separadas, sem
reconhecer com o apóstolo Paulo quão grave é o escândalo da separação,
porque divide o que é indivisível: o Corpo de Cristo”.
11
A falta de unidade entre os cristãos constitui um verdadeiro escândalo
também à sociedade atual, onde o fenômeno da globalização avança de forma
irreversível. Diante deste quadro, os cristãos não podem permanecer alheios, mas,
pelo contrário, devem unir forças para testemunhar uma unidade que seja visível e,
dessa forma, guiar a humanidade no seu crescimento espiritual e humano, seguindo
os ensinamentos do Evangelho.
11
PANNENBERG, W. apud CAMBÓN, 1994, p. 20.
21
Diante dessas exigências evangélicas, iniciou-se um caminho de
reconstrução da unidade. As origens do chamado movimento ecumênico situam-se
nos inícios do século XIX e estão ligadas, de modo especial, à atuação de
Anglicanos e Protestantes europeus em suas atividades na pastoral universitária.
Assisti-se então à criação, entre outras, da Comunhão Anglicana (1867), da Aliança
Reformada Mundial (1875), da Conferência Ecumênica Metodista (1881), da
Federação Batista Mundial (1905), da Convenção Luterana Mundial (1923), etc.
Entre muitas Igrejas cristãs já existe uma comunhão eclesial, tendo as mesmas,
reconhecido que professam a mesma fé.
Um dos fatores determinantes que motivou as Igrejas Cristãs a trabalharem
com mais afinco pela reconstrução da unidade foi a atividade missionária. O trabalho
missionário contribuiu para uma crescente conscientização ecumênica que levou à
Assembléia de Edimburgo (Escócia) em 1910. Esta Conferência Internacional sobre
Missão, considerada o marco inicial do movimento ecumênico, trouxe à luz a
dificuldade de evangelização que surgia nos países de missão, devido à divisão
entre os cristãos. A título de ilustração, segue parte da mensagem que as Igrejas
dos países considerados campo de missão mandaram às Igrejas que tinham
enviado a missão:
Fostes vós que nos enviastes os missionários que nos fizeram conhecer
Jesus Cristo: o podemos fazer outra coisa, senão agradecer-vos. Mas
vós nos trouxestes também vossas diferenças e divisões [...]. Nós vos
pedimos que pregueis o Evangelho e deixeis a Cristo Senhor o encargo de
suscitar, Ele próprio, no meio de nossos povos, sob a solicitação de seu
Santo Espírito, a Igreja conforme sua exigência, que será a Igreja de Cristo
[...] libertada finalmente de todos os „ismos‟ com que classificastes a
pregação do Evangelho no meio de nós.
12
A este propósito assim afirmou João Paulo II:
Pode-se afirmar que o movimento ecumênico teve início, em determinado
sentido, da experiência negativa daqueles que, anunciando o único
12
GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. o Paulo: Loyola, 1998. p. 488.
22
Evangelho, se apelavam cada qual à própria Igreja ou Comunidade eclesial:
uma contradição que não podia passar despercebida a quem escutava a
mensagem de salvação e que nisso via um obstáculo para acolher o
anúncio evangélico.
13
A partir disso, iniciou e se desenvolveu um verdadeiro programa de ação e
de estudo, cada vez mais decidido e organizado, sob o impulso do Espírito Santo,
como mais tarde irá afirmar o Concílio Vaticano II, com o objetivo de alcançar a
unidade entre os cristãos. Foram surgindo vários organismos, os quais contaram
com a participação de diversas Igrejas.
No panorama mundial, tem-se o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), fundado
em 1948, fruto da convergência das duas Comissões Life and Work (Vida e Ação) e
Faith and Order (Fé e Constituição), tendo estas suas raízes na Conferência de
Edimburgo. É importante mencionar que o Conselho Missionário Internacional foi
incorporado ao Conselho Mundial de Igrejas na terceira Assembléia do Conselho
Mundial de Igrejas, que ocorreu em Nova Deli, na Índia, em 1961. Recentemente
(em 2008) o CMI, cuja sede encontra-se em Genebra, na Suíça, completou sessenta
anos de história. Juntas, as mais de trezentas e quarenta Igrejas-membro
celebraram esta data especial sob o tema: “Making a difference together”, i.e.,
“fazendo a diferença juntos”.
O CMI, como coloca Gibellini, [...] não é uma espécie de „superigreja‟, e sim
um espaço eclesial que cria as condições para que as Igrejas estejam em vivo
contato entre si”
14
. De fato, a fórmula do CMI é assim expressa: “O CMI é uma
associação de Igrejas que confessam que o Senhor Jesus Cristo é Deus Salvador
segundo as Escrituras e procuram, pois realizar juntas sua vocação comum para a
13
UUS, n. 23.
14
GIBELLINI, 1998, p. 489.
23
glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo”
15
. Nas seis décadas de caminhada,
o CMI tem colaborado muito no trabalho de reconstrução da unidade. Sua atuação
se destaca tanto na produção de valiosíssimos “[...] documentos de reflexão e de
consenso teológico”.
16
, quanto no engajamento em questões relacionadas à área
social.
No panorama latino-americano, existe o Conselho Latino Americano das
Igrejas (CLAI) assim como em nível europeu existe a Conferência das Igrejas
Européias (KEK). No Brasil, tem-se o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs
(CONIC). Essas organizações não são Igrejas à parte. Não se trata de uma
fundação de novas Igrejas. Ao contrário, essas organizações têm a função de
facilitar a interação entre as Igrejas e estão a serviço nesta busca da unidade entre
os cristãos.
A partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), mais especificamente através
do Decreto sobre o ecumenismo Unitatis Redintegratio (1964), a Igreja Católica
entrou decididamente no movimento ecumênico. De fato,
O Concílio Vaticano II pediu expressamente aos católicos para estenderem
o seu amor a todos os cristãos, com uma caridade que deseja ultrapassar,
na verdade, aquilo que os separa e se empenha ativamente nessa missão;
devem atuar, com esperança e na oração, pela promoção da unidade dos
cristãos; [...].
17
Neste Concílio, o estabelecimento de uma eclesiologia de comunhão
expressa na constituição dogmática Lumen Gentium foi determinante. Nesta, afirma-
se que a Igreja de Cristo e dos apóstolos “[...] subsiste na Igreja Católica [...]”
18
e
15
GIBELLINI, 1998, p. 489.
16
BRAKEMEIER, 2004, p. 45.
17
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS. Diretório para a
aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo. São Paulo: Paulinas, 1994. p. 17.
18
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Lumen Gentium:
Constituição Dogmática sobre a Igreja, n. 8. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. 2.
ed. São Paulo: Paulus, 2002. Citada doravante pela sigla LG.
24
admite-se que “[...] fora do seu corpo se encontrem realmente vários elementos de
santificação e de verdade [...]
19
. Denota-se, assim, uma verdadeira virada no campo
ecumênico, que foi excluída a idéia, vigente até então, de que somente na Igreja
Católica Romana poderia ser encontrada a Igreja de Cristo.
Embora tenha sido a última a dar o passo nesta caminhada ecumênica,
pode-se afirmar que a Igreja Católica Romana está fazendo muito neste sentido
atualmente. No ambiente do Concílio, mais precisamente no dia 5 de junho de 1960,
foi criado o Secretariado para a promoção da unidade dos cristãos, um órgão a
serviço do Concílio para tratar dos relacionamentos da Igreja Católica com as outras
Igrejas. Mais tarde, este Secretariado “[...] passou a ser integrado, em caráter
permanente, na estrutura da Cúria Romana, pela Constituição Apostólica de Paulo
VI Regimini Ecclesiae Universale
20
. No dia 1º de março de 1989, o Papa João Paulo
II transformou esse Secretariado em Pontifício Conselho para a Promoção da
Unidade dos Cristãos (PCPUC) justamente para afirmar que o ecumenismo na Igreja
Católica não tem caráter temporário, mas é um empenho irreversível, de cunho
permanente. Foi ainda João Paulo II quem afirmou várias vezes, que o ecumenismo
era uma das prioridades do seu Pontificado. De fato, na sua Carta Encíclica Ut
Unum Sint expressou que
[...] o ecumenismo, o movimento a favor da unidade dos cristãos, não é só
uma espécie de apêndice, que se vem juntar à atividade tradicional da
Igreja. Pelo contrário, pertence organicamente à sua vida e ação, devendo,
por conseguinte, permeá-la no seu todo e ser como que o fruto de uma
árvore que cresce sadia e viçosa até alcançar o seu pleno
desenvolvimento.
21
E ainda,
19
LG, n. 8.
20
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS, 1994, p. 186.
21
UUS, n. 20.
25
Quando afirmo que para mim, Bispo de Roma, o empenho ecumênico
constitui uma das prioridades pastorais do meu pontificado, é por ter no
pensamento o grave obstáculo que a divio representa para o anúncio do
Evangelho.
22
O CMI, em um trabalho conjunto com o PCPUC, promove anualmente a
Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (SOUC). Esta é celebrada no
hemisfério norte de 18 a 25 de janeiro e, nos países do hemisfério sul, na semana
que antecede a festa de Pentecostes. Em 2008, o centenário da SOUC foi
comemorado em nível mundial. A oração pela unidade dos cristãos é, sem dúvida,
imprescindível na caminhada ecumênica e, neste sentido, a SOUC é de grande
auxílio. De fato, “Para dar visibilidade à vontade de Jesus de que „todos sejam um‟
(Jo 17,21)”
23
, a SOUC propicia oportunidades para que “[...] muitos cristãos e cristãs
das mais variadas denominações do mundo inteiro [...]”
24
orem em conjunto.
Enfim, pode-se dizer que o CMI e o PCPUC trabalham juntos promovendo o
diálogo em nível teológico entre as diversas Igrejas e propiciando ocasiões para um
sempre mais visível testemunho de unidade. Estas são iniciativas que nascem como
fruto de uma relevante caminhada de diálogo e como expressão concreta do amor
fraterno, realidade entre as várias Igrejas cristãs.
1.4 O diálogo
Cresce a consciência de que o diálogo constitui uma dimensão essencial da
vida humana. Em sua Encíclica Ut Unum Sint, João Paulo II afirmou assim: “A
atitude de diálogo situa-se ao nível da natureza da pessoa e da sua dignidade. [...] O
22
UUS, n. 99.
23
KILPP, Nelson. Espiritualidade e compromisso: dez boas razões para...orar; praticar justiça; cuidar
da criação; acolher o outro; compartilhar. São Leopoldo: Sinodal, 2008. p. 20-21.
24
KILPP, 2008, p. 21.
26
diálogo é passagem obrigatória do caminho a percorrer para a auto-realização do
homem, tanto do indivíduo como de cada comunidade humana
25
.
A palavra diálogo tornou-se, inclusive, uma palavra moderna. Diálogo
significa que pessoas diferentes se encontram e, mesmo possuindo idéias muitas
vezes antagônicas, o capazes de chegar a um entendimento recíproco através do
qual desentendimentos, conflitos e rancores se resolvem. Elemento integral ao
diálogo é a escuta recíproca. Esta conduz não apenas ao reconhecimento das
riquezas do interlocutor, mas leva igualmente a transmitir aquele específico
patrimônio que cada um possui em uma atitude de profundo respeito. Nesse sentido,
João Paulo II, na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, convida cada um a “[...]
entrar no diálogo intimamente dispostos a ouvir”
26
. Além disso, outro modelo que
pode ser útil na via do diálogo é aquele proposto pelo apóstolo Paulo que diz ter-se
feito “[...] servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível” (1 Cor 9,19).
Esta atitude de Paulo é importante, pois leva ao estabelecimento de um sincero e
fraterno diálogo com todos.
No campo ecumênico, o verdadeiro diálogo busca a unidade,
salvaguardando as diferenças e a liberdade de cada um. Além disso, ele visa evitar
toda e qualquer atitude de superioridade, arrogância e autosuficiência. O diálogo
gera um amor recíproco. Nele, deve-se ir além dos próprios pontos de vista e
estabelecer relações autênticas e profundas com cada um. O amor recíproco exige
que, incondicionalmente, tome-se a iniciativa sem esperar recompensas. A este
respeito, pode-se afirmar que “o passo mais importante para a concretização do
ecumenismo foi a mudança de atitude entre os cristãos: de uma posição apologética
25
UUS, n. 28.
26
JOÃO PAULO II. Novo Millennio Ineunte: Carta Apostólica do Sumo Pontífice João Paulo II ao
Episcopado, ao Clero e aos Fiéis no Termo do Grande Jubileu do Ano 2000. 4. ed. São Paulo:
Paulinas, 2001. n. 56. Citada doravante pela sigla NMI.
27
[...], polêmica, agressiva, de controvérsia, passaram a uma mentalidade de
diálogo
27
.
No decorrer dos anos, organismos ecumênicos dedicaram-se ao estudo e a
formulação de Documentos tendo em vista o ponto específico do diálogo. Importante
ressaltar ainda que o autêntico diálogo ecumênico exige amor à própria tradição.
Somente fundamentado na própria fé, pode-se dialogar sobre as diferenças. Desta
forma, é possível dar ao outro o devido espaço sem renunciar à própria identidade.
1.5 Tipos de ecumenismo
Existe uma variedade de autores que utilizam uma linguagem bastante
diversificada ao tratarem do ecumenismo. Ao abordar o aspecto mais doutrinário,
por exemplo, quem denomine essa abordagem de Ecumenismo Doutrinal
28
;
quem o classifique como Ecumenismo de Consenso
29
. Posteriormente, no que se
refere às ações feitas conjuntamente por cristãos de diferentes denominações,
quem as denomine de Ecumenismo Prático
30
e quem utilize a terminologia
Ecumenismo de Serviço
31
. Em todo o caso, apesar da variedade de classificações e
nomenclaturas dadas às rias ênfases do ecumenismo, estas estão
intrinsecamente ligadas entre si. Nas palavras de Brakemeier, “Doutrina e práxis
devem ser distinguidas, mas não podem ser separadas”
32
. Também o teólogo e
filósofo Enrique Cambón segue esta mesma direção: Quando o agir não se limita
apenas ao ativismo, mesmo se bem intencionado e generoso, mas é inspirado pelo
amor que provém do Espírito Santo, então amor e verdade, prática e conhecimento,
27
CAMBÓN, 1994. p. 125.
28
CAMBÓN, 1994, p. 72.
29
BRAKEMEIER, 2004, p. 77.
30
BRAKEMEIER, 2004, p. 85.
31
CAMBÓN, 1994, p. 74.
32
BRAKEMEIER, 2004, p. 88.
28
caminham inseparavelmente unidos”
33
. Enfim, segue abaixo uma apresentação de
alguns tipos de ecumenismo, considerando a abordagem dos autores acima citados.
1.5.1 Ecumenismo doutrinal
Doutrinariamente, as várias Igrejas possuem visibilidade através de seus
teólogos, representantes para dialogar a respeito da própria história e doutrina. São
eles que esclarecem os pontos de vista de suas Igrejas, verificando quanto têm em
comum e encontrando os pontos de divergência para resolvê-los.
Elemento muito importante neste assim chamado tipo de ecumenismo é o da
unidade na diversidade. O estudo da situação das Igrejas no Novo Testamento, visto
que cada comunidade possuía características próprias, bem como o
aprofundamento da no Deus Uno e Trino, levou a teologia a compreender que é
possível a existência de algumas diversidades dentro da unidade das Igrejas. Aliás,
é até mesmo lógico que existam, pois unidade não quer dizer uniformidade. Tal
conceito embasa-se na vida da Trindade, onde cada uma das três Pessoas divinas
não é a outra, mas as três (Pai, Filho e Espírito Santo) são um Deus. O diálogo
ecumênico visa verificar quais diversidades, em cada Igreja, representam não uma
anomalia ou infidelidade a Cristo, mas uma riqueza para as demais. Nas palavras do
grande teólogo reformado Oscar Cullmann: “Devemos chegar à unidade não apesar,
mas através da diversidade”
34
. Em todo o caso, ainda há desafios no que diz
respeito ao desenvolvimento deste tipo de ecumenismo.
Segundo Brakemeier, [...] confirma-se a necessidade de desenvolver uma
hermenêutica ecumênica, incumbida de estudar as condições e possibilidades de
33
CAMBÓN, 1994, p. 140.
34
CULLMANN, Oscar apud ECUMENISMO: é possível a unidade na diversidade? Torre de Babel ou
todos bebemos da mesma fonte? Revista Mundo e Missão, n. 115, Set. 2007. (Em Debate, n. 12).
Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/evangecumenbabel.htm>. Acesso em: 21
ago. 2009.
29
entendimento entre as Igrejas”
35
. É importante que os cristãos tornem os progressos
dos diálogos teológicos oficiais como sendo propriedades suas. Isto porque a própria
história ensina que uma declaração formal de unidade feita por responsáveis de
Igrejas não é suficiente para selar a plena comunhão entre as Igrejas. É preciso que
o povo seja informado e que viva conforme o que foi declarado.
1.5.2 Ecumenismo prático
O ecumenismo sob a ótica da práxis é aquele que convoca todos os cristãos
a irem além das fronteiras de suas próprias Igrejas e, juntos, trabalharem pelo bem
comum. Ele impele a todos a não mais fazer separados aquilo que podem fazer
juntos. Isso é de fundamental importância para testemunhar o Evangelho vivido aos
não-cristãos e à humanidade como um todo. As palavras de João Paulo II em sua
Encíclica Ut Unum Sint confirmam esta realidade: “Aos olhos do mundo, a
cooperação entre os cristãos assume as dimensões de um testemunho cristão
comum, tornando-se instrumento de evangelização proveitoso a uns e a outros”
36
.
Os grandes desafios que caracterizam o cenário da sociedade atual, como a luta em
defesa da vida e dos direitos humanos, justiça social, preservação do meio
ambiente, paz, saúde, desafiam todos os cristãos a unirem suas forças e a
trabalharem juntos na construção de uma sociedade mais fraterna.
Na América Latina, o Ecumenismo Prático encontrou solo rtil, já que a [...]
opção preferencial pelos pobres tem sido proeminente catalizador ecumênico,
gerando novas formas de comunhão na busca de uma sociedade alternativa, justa,
igualitária, pautada pelos valores do reino de Deus”.
37
35
BRAKEMEIER, 2004. p. 83.
36
UUS, n. 40.
37
BRAKEMEIER, 2004, p. 85.
30
1.5.3 Ecumenismo institucional
O Ecumenismo Institucional é aquele que se caracteriza pelo reencontro
fraterno entre as autoridades cristãs. Através de visitas cordiais, os responsáveis de
diversas Igrejas estreitam os laços de amizade recíproca e, assim, contribuem de
forma determinante para o progresso do ecumenismo. Nessa direção, inúmeras
visitas poderiam ser citadas. Entre elas, podem-se destacar aquelas ocorridas em
Roma durante o ano jubilar (2000). Além do ato solene de abertura da Porta Santa,
feito em conjunto pelo Papa João Paulo II, o Primaz da Igreja Anglicana, George
Carey, e o Metropolita do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, Sua Santidade
Bartolomeu I, ocorreram encontros importantes com Patriarcas Ortodoxos e
responsáveis de outras confissões cristãs, como por exemplo, a visita de Sua
Santidade Karekin II, Patriarca Supremo e Catholicos de todos os Armênios.
Durante o mandato do atual Papa Bento XVI, tais visitas cordiais continuam
acontecendo. Aqui pode ser mencionada sua visita ao Patriarcado Ecumênico de
Constantinopla (Istambul, Turquia) em novembro de 2006; seu encontro em Roma
com Sua Santidade Karekin II, Patriarca Supremo e Catholicos de todos os
Armênios, em maio de 2008; sua visita a Jerusalém no Encontro Ecumênico na Sala
do Trono da Sede do Patriarcado Greco-Ortodoxo de Jerusalém em maio de 2009; e
outras.
Os relacionamentos vividos na cordialidade vêm facilitando importantes
negociações entre as diversas Igrejas. Neste sentido, pode ser citada aqui a
assinatura, em 31 de outubro de 1999, na cidade de Augsburgo - Alemanha, da
Declaração Conjunta católico-luterana sobre a Doutrina da Justificação pela Fé
38
;
38
A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação pela Fé foi assinada pelo Cardeal Edward
Cassidy e pelo bispo luterano Christian Krause. Tal documento declara que, embora com
diferentes implicações as Igrejas Católica Romana e Luterana professam a mesma doutrina sobre
31
bem como a elaboração de importantes documentos nascidos como fruto dos
diálogos bilaterais. Entre estes, pode ser mencionado o documento que trata sobre o
lugar e a importância de Maria na vida dos cristãos. Tal documento, lançado em
2005, é intitulado Maria: graça e esperança em Cristo. Ele é resultado do trabalho da
Comissão Internacional Católico-Anglicana (ARCIC Anglican-Roman Catholic
International Comission).
1.5.4 Ecumenismo espiritual
Quando se menciona Ecumenismo Espiritual, logo se faz associação com o
aspecto da oração. Esta é uma verdade e uma necessidade, já que a unidade
pedida a Deus por Jesus “é um dom de Deus e é preciso implorá-lo juntos”
39
.
Referindo-se ao ecumenismo espiritual, o Cardeal Walter Kasper, atual presidente
do PCPUC, disse ser este “a alma de todo o movimento ecumênico”
40
.
No entanto, deve-se considerar igualmente a questão da coerência de cada
cristão na vivência do Evangelho, o que deveria guiar toda a sua existência. A este
respeito, assim sugere-nos o Decreto do Vaticano II Unitatis Redintegratio:
“Lembrem-se todos os cristãos de que tanto melhor promovem e até realizam a
união dos cristãos, quanto mais se esforçarem por levar uma vida pura, de acordo
com o Evangelho
41
.
No âmbito do Movimento dos Focolares, movimento nascido na Itália no seio
da Igreja Católica Romana durante a Segunda Guerra Mundial, mas de cunho
ecumênico, encoraja-se a viver esta mesma prática. Em uma determinada ocasião,
a justificação pela fé. DECLARAÇÃO Conjunta sobre a Doutrina da Justificação: Declaração
Conjunta Católica Romana e Federação Luterana Mundial, Augsburgo, 31 de outubro de 1999.
São Leopoldo: Sinodal, Brasília: CONIC, São Paulo: Paulinas, 1999.
39
CAMBÓN, 1994, p. 72.
40
KASPER, Walter. Vaticano apresenta „manual‟ para o ecumenismo. Disponível em:
<http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=8712>. Acesso em: 31 mar. 2009.
41
UR, n. 7.
32
assim dirigiu-se Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, a um grupo
de membros pertencentes a tal movimento:
Se vivemos as Palavras de Jesus, ou melhor, se as suas Palavras vivem em
nós, até o ponto de nos transformarmos em Palavras vivas somos um com
Ele; não mais o eu ou o nós vive em todos, mas a Palavra. Isso nos permite
pensar que, vivendo assim daremos uma contribuição para que a unidade
entre todos os cristãos se torne uma realidade.
42
Enfim, além de oração, que impulsiona a uma entrega constante a Deus da
caminhada ecumênica das Igrejas, exige-se uma conversão. Faz-se necessário dar
espaço ao Espírito Santo para que seja Ele a transformar as mentes e os corações,
a fim de que o amor de cada cristão seja como o de Jesus que não no outro, no
diferente, um rival, alguém a ser excluído, mas um irmão.
1.6 Dificuldades para o ecumenismo
Apesar de todos os esforços e conquistas realizadas até então, o movimento
ecumênico depara-se com imeras dificuldades. Nesse sentido, o cardeal Walter
Kasper encoraja: “[...] devemos empenhar-nos em superá-las com grande paciência,
num processo muitas vezes longo e cansativo, feito de pequenos passos,
recordando a humildade de o querer alcançar tudo de imediato”
43
. Uma dessas
dificuldades é o surto do neopentecostalismo e dos movimentos transconfessionais.
Sobre a possibilidade de estabelecer um diálogo ecumênico com tais Igrejas,
Brakemeier sugere que “A pergunta é de difícil resposta devido à complexidade do
fenômeno”
44
. Seguindo a mesma linha de pensamento, Altmann complementa a
resposta dizendo que o problema “[...] parece consistir em aguçar o confronto
42
LUBICH, Chiara. Amar como Ele ensinou. Revista Cidade Nova, São Paulo, ano XLVII, n.1-2
(edição bimestral), p. 28-29, 2005. p. 28.
43
KASPER, Walter. Intuição Profética. Revista Cidade Nova, São Paulo, ano L, n. 5, p. 54-55, 2008.
p. 55.
44
BRAKEMEIER, 2004, p. 91.
33
religioso, por meio de uma exacerbação cada vez mais intensa da concorrência,
uma perigosa contradição total com o mandato bíblico em favor da unidade”
45
. Isto
porque uma das características deste movimento é o fato de serem fortemente
proselitistas e agressivos contra as Igrejas cristãs tradicionais.
Aqui deve ser salientada a importância de uma intensificação na construção
da unidade entre os cristãos, a fim de que o Evangelho se torne sempre mais
credível. Cada Igreja é convidada a fazer um verdadeiro exame de conscncia e
perguntar-se sobre “o que é que não está indo bem na minha Igreja, na minha
comunidade?”; “o que será que tantas pessoas estão encontrando no
Neopentecostalismo?”; “em que se deve melhorar como Igreja para que haja mais
coerência com o Evangelho?”; “o que fazer para que cada Igreja se torne mais
atraente, mais à altura dos tempos atuais, com maior capacidade de responder às
necessidades do povo?”.
Ainda dentro desta temática, outro desafio encontrado no contexto atual do
movimento ecumênico é a confusão que se faz muitas vezes entre as Igrejas
Pentecostais e Livres com aquelas neopentecostais: “Isto tem gerado desconforto
[...], porque as Igrejas Pentecostais e Livres não podem ser confundidas com grupos
e movimentos que em determinados momentos vêm à tona na mídia envolvidas com
escândalos, principalmente financeiros”
46
. Reforçando esta mesma idéia, o mestre e
teólogo Antônio Gouvêa Mendonça afirma que
O neopentecostalismo talvez até merecesse hoje um outro nome que não o
de pentecostal. O pentecostalismo clássico traz forte herança cristã, e
principalmente do cristianismo protestante. O neopentecostalismo perdeu
dois elementos fundamentais desses dois ramos: do pentecostalismo
clássico praticamente perdeu a segunda bênção (batismo com o Espírito
45
ALTMANN, Walter. O pluralismo religioso com desafio ao ecumenismo na América Latina. In:
SUSIN, Luiz Carlos (Org.). Sarça ardente. Teologia na América Latina: Prospectivas. São Paulo:
Paulinas; SOTER, 2000. p. 407. (p. 391-414)
46
SOUZA, Darli A. de. Ecumenismo na América Latina. In: BORTOLLETO FILHO, Fernando (Org.).
Dicionário Brasileiro de Teologia. São Paulo: ASTE, 2008. p. 332.
34
Santo); e do protestantismo, a Bíblia. Em lugar desses elementos, entraram
aspectos mágicos com o instrumental herdado das religiões
correspondentes ao imaginário social, [...]. Os atos de exorcismo entram
como instrumental de reorganização do universo dos clientes separando o
bem do mal.
47
Outro desafio à tarefa ecumênica, verificável no âmbito do relacionamento
entre as Igrejas cristãs tradicionais, é a necessidade de uma maior purificação das
mútuas memórias históricas
48
. Ou seja, ainda existem Igrejas que continuam a
assegurar que a recordação de acontecimentos do passado impede ou dificulta os
relacionamentos ecumênicos. Embora o ato de purificação da memória já tenha
contribuído muito no caminho da reunificação das Igrejas, como afirma o próprio
João Paulo II, “essa purificação da memória reforçou os nossos passos no caminho
para o futuro, tornando-nos ao mesmo tempo mais humildes e vigilantes na nossa
adesão ao Evangelho”
49
, sente-se que ainda a necessidade de um maior
aprofundamento neste aspecto.
Ainda pode-se mencionar como um desafio crucial para aqueles que
trabalham em prol da unidade dos cristãos a insuficiente ou inadequada formação
ecumênica. Atualmente, a formação ecumênica é absolutamente indispensável.
Além de ajudar a perceber com mais clareza o que é essencial e o que é
secundário, evita equívocos e iniciativas inoportunas que podem nascer de um
desconhecimento recíproco no que diz respeito aos aspectos doutrinais das rias
Igrejas. Atitudes deste tipo poderiam retardar o processo de reconstrução da
unidade, ao invés de fomentá-lo.
Diante destas dificuldades, a proposta do diálogo da vida pode contribuir
significativamente, visto que convida a todos a, mediante a prática do amor
47
SOUZA, Irivaldo Joaquim de. Introdução às Principais Religiões. História, ecumenismo e diálogo
inter-religioso. Maringá: Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2001. p. 155.
48
Aqui optei por manter a terminologia mais usada na tradição Católica Romana (cf. UUS, n. 2), ao
invés do termo reconciliação, que é mais adotado nas Igrejas da Reforma.
49
NMI, n. 6.
35
recíproco vivido no dia-a-dia, valorizar o que têm em comum mais do que as
diferenças que os separa. Além disso, pode-se dizer que os membros do Movimento
dos Focolares procuram trabalhar como verdadeiros apóstolos da unidade
50
,
ajudando a criar, seja dentro da própria igreja, seja no trabalho com membros de
outras Igrejas, uma atmosfera de unidade e amor.
1.7 Importância do ecumenismo
Ecumenismo, para alguns, esta palavra sugere um horizonte distante,
desafios e questões em discussão. Para outros, evidencia-se o sofrimento existente,
as dificuldades que ainda devem ser superadas. Para outros ainda, significa a
grande esperança do cristianismo atual, a possibilidade de alcançar a meta da plena
comunhão entre as Igrejas. É verdade, tal meta não foi ainda totalmente atingida, o
que exigirá um esforço renovado na caminhada futura. Porém, é necessário fazer
prevalecer tudo o que foi construído durante culos de empenho ecumênico, o
que é, sem dúvida, motivo de gratidão. Assim, embora esta trajetória pareça, muitas
vezes, fatigosa, devemos manter uma atitude positiva e contar com a presença do
Espírito do próprio Cristo presente na Sua Igreja. Tal presença, além de renovar
constantemente nossas forças, é “[...] capaz de surpresas sempre novas”
51
.
É importante salientar igualmente que o ecumenismo não se justifica apenas
por uma exigência apologética, cultural ou sociológica. Trata-se de uma exigência
primordialmente evangélica. Afinal, o povo de Deus é chamado a viver em
comunhão. É este o distintivo de seus seguidores (cf. Jo 13,35). Sendo assim, o
desafio da vida em comunhão torna-se um imperativo, e a tarefa ecumênica, um
50
JOÃO PAULO II. Orientale Lumen: Carta Apostólica do Sumo Pontífice João Paulo II ao
Episcopado, ao Clero e aos Fiéis no Centenário da Orientalium Dignitas do Papa Leão XIII.
Petrópolis: Vozes, 1995. n. 3.
51
NMI, n. 12.
36
dever para o cristão. Partindo desta ótica, fazer ecumenismo significa devolver à
Igreja o seu verdadeiro vulto.
O Papa João Paulo II afirmou rias vezes que o Ecumenismo é algo do
qual não se pode mais prescindir, ou seja, é um processo irreversível: “Com o
Concílio Vaticano II, a Igreja Católica empenhou-se, de modo irreversível, a
percorrer o caminho da busca ecumênica, colocando-se assim à escuta do Espírito
do Senhor, que ensina a ler com atenção os sinais dos tempos”
52
. A consciência de
que Cristo fundou a Igreja Una não permite mais que os cristãos permaneçam
acomodados enquanto o Corpo Místico de Cristo esteja dividido. O testemunho
evangélico deve ser tal hoje ao ponto que o apóstolo Paulo o se sinta mais no
dever de dirigir tamm aos cristãos do século XXI a mesma repreensão que dirigiu
aos coríntios que se gloriavam por serem uns de Apolo, outros de Cefas, como se
Cristo mesmo estivesse dividido (cf. 1 Cor 1,13). Além disto, existe uma urgência
histórica que impele a viver pela reconstrução da unidade da Igreja. Nas palavras de
Enrique Cambón,
O sentido da Igreja não é viver para si mesma, mas a serviço da
humanidade. Diante dos enormes problemas que o mundo enfrenta, diante
da responsabilidade que temos de levar à frente o projeto de Deus para que
a humanidade se realize plenamente e seja feliz, os cristãos divididos
retardam o avanço da história.
53
1.8 O que almeja o ecumenismo?
A Igreja custou a Cristo o Seu próprio sangue, por isto não pode permanecer
dividida. O ecumenismo nada mais almeja que devolver à Esposa de Cristo o seu
aspecto mais profundo, que é a unidade. Será somente mediante um trabalho
incansável e perseverante, fundamentado na oração de Jesus dirigida ao Pai “Que
52
UUS, n. 3.
53
CAMBÓN, 1994, p. 21.
37
todos sejam um” (Jo 17,21), que será possível revelar ao mundo o coração da Igreja,
ou seja, a comunhão vivida na sua plenitude segundo o modelo da Trindade.
Portanto, o ecumenismo deseja colaborar com Deus na realização desta tarefa
através de um compromisso sempre mais consciente por parte daqueles que se
encontram engajados em primeira linha no campo do diálogo. Enfim, é importante
salientar que o objetivo do movimento ecumênico de que a unidade entre as Igrejas
se torne visível não tem um fim em si mesmo, mas almeja contribuir para a
realização da segunda parte da oração sacerdotal de Jesus: [...] para que o mundo
creia [...]” (Jo 17,21).
1.9 A construção da unidade
O objetivo final do ecumenismo é não apenas reforçar a unidade da Igreja,
mas tamm, através do testemunho do amor recíproco, contribuir para a edificação
de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Porém, é fundamental lembrar que
esta unidade não é algo que se pode simplesmente fazer, não depende de
determinadas estratégias ou cnicas, nem é meramente resultado de capacidades
humanas. Sem dúvida alguma, cada cristão deve empenhar-se com todas as suas
forças, mas é necessário também reconhecer que, em última análise, esta unidade é
um dom de Deus, pois a Igreja a Ele pertence. De fato, “É sobre a oração de Jesus,
não sobre as nossas capacidades, que se apóia a confiança de poder chegar,
também na história, à comunhão plena e visível de todos os cristãos”
54
.
Desse modo, a oração tem um lugar de relevo no trabalho ecumênico, é
fundamental rezar para que se chegue “[...] a unidade que Deus quiser, quando Ele
54
NMI, n. 48.
38
quiser, com os meios que Ele quiser [...]”
55
. O aspecto da eficácia, da potência da
oração não pode jamais ser esquecido. Quando questionado sobre quais teriam sido
os frutos da caminhada ecumênica nos cem anos desde a primeira SOUC, o atual
moderador do CMI e presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil (IECLB), Pastor Walter Altmann, respondeu:
É benéfico olhar para nossa história e renovarmos nosso compromisso com
a visão ecumênica e com o peregrinar conjunto em busca da unidade. De
„inimigos que no passado até travaram guerras, passamos a nos ver
mutuamente como irmãos na fé, uma mudança extraordinária [...].
56
Uma unidade construída de modo unicamente político ou intelectual seria
uma unidade de certa forma parcial, não vindo a realizar a unidade da Igreja
pensada por Deus. É certo que esse modo de viver o ecumenismo exige algumas
qualidades fundamentais: demanda tolerância, paciência e requer perseverança na
caminhada conjunta. No entanto, essa paciência não é uma simples capacidade de
espera, algo de passivo e de vazio, mas é ação e iniciativa, é uma dimensão da
colaboração com Deus e também é uma dimensão da esperança. A paciência
ecumênica é ativa, não é espera sem conteúdo, mas renúncia a toda e qualquer
pressa apologética de pura vitória confessional.
Faz-se necessário ainda um esforço na vivência da humildade que conduz
ao espírito de serviço e que respeita o outro nas suas diferenças e se deixa por ele
interpelar e corrigir. Ocorre neste caminho de construção da unidade, um
permanente processo de crescimento onde um elemento essencial é a cruz de
Cristo. Como a própria Escritura adverte, [...] sem efusão de sangue não
remissão(Heb 9,22). Ora, Se em todos os campos é válido que nada de profundo
e duradouro pode ser construído no Reino de Deus se não passar pela cruz, como
55
GIBELLINI, 1998, p. 490.
56
ALTMANN, Walter. De inimigos a irmãos na fé. Revista Cidade Nova. São Paulo, ano L, n. 6, p.
24-26, 2008. p. 25. (Entrevista concedida a Ricardo Zugno).
39
poderia ser de outra forma com o ecumenismo?”
57
. Porém, deve ser lembrado que a
cruz é uma passagem que leva à Ressurreição. Nesse sentido, Chiara Lubich
propõe Jesus na Sua experiência de abandono quando grita “Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?” (Mt 27,16) como chave de leitura tamm para a questão
ecumênica. Diz Chiara que,
[...] o trabalho ecumênico será realmente fecundo em proporção a quanto,
quem a ele se dedicar reconhecer em Jesus Crucificado e Abandonado, [...],
a chave para compreender toda e qualquer falta de unidade e recompô-la.
Receberá Dele a luz e a força para não parar diante do trauma, na fenda da
divisão. Assim, irá adiante e encontrará sempre uma solução, a melhor
possível.
58
Partindo dessa ótica, entende-se que é preciso acreditar que a dor que
persiste ainda hoje, devido às feridas provocadas pelas divisões, deve no tempo
por Deus estabelecido conduzir a uma comunhão mais plena. A propósito da
tarefa dos cristãos do culo XXI, disse certa vez o Cardeal Cormac Murphy
O‟Connor - Arcebispo Emérito de Westminster - que cabe a estes “[...] curar as
feridas de inúmeros séculos de conflito e divisões”
59
, a fim de encontrar novamente
aquela unidade que encaminhará a Igreja a ser una novamente.
No momento, o que pode ser feito, e que é de inestimável valor neste
processo de construção da unidade, é enfatizar tudo o que é comum entre as
Igrejas. É necessário valorizar o fato de que todos os cristãos são membros do
Corpo Místico de Cristo através do Batismo, o fato de estes terem como patrimônio
comum as grandes riquezas do Antigo e Novo Testamento, o Credo
Nicenoconstantinopolitano, a vida da graça, a fé, a esperança e a caridade.
57
CAMBÓN, 1994, p. 89.
58
LUBICH, Chiara. Chiara na cerimônia de Advento: Oração Ecumênica do Advento. Igreja de
Sant‟Ana, Augsburg, Alemanha. 29 Nov. 1998. (Material de uso interno do Movimento dos
Focolares, reproduzido no Anexo A).
59
“[…] to heal the wounds of many centuries of conflict and division”. MURPHY-O‟CONNOR,
Cormac. Lutheran Vespers. The Briefing, UK, p. 24, 2001. (Tradução Própria)
40
1.10 Perspectivas
De que modo pode-se continuar a avançar no caminho ecumênico? Dar
prosseguimento ao trabalho ecumênico constitui, ao mesmo tempo, um desafio e um
mandato maravilhoso que exige constância e comprometimento.
Há quem acredite que hoje o ecumenismo esteja passando por uma fase de
estagnação, seja devido a particulares situações que cada Igreja deve enfrentar no
seu interior, seja pelo enorme crescimento dos novos movimentos religiosos,
movimentos estes que, na maioria das vezes, não são abertos ao diálogo. Porém,
tais desafios devem servir unicamente para incentivar ainda mais a luta pela plena
realização da oração de Jesus no Cenáculo: “Que todos sejam um” (Jo 17,21). A
este respeito, são significativas as palavras de Bento XVI proferidas no seu discurso
durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos em Janeiro de 2007:
O ecumenismo é um processo lento, às vezes desanimador, quando caímos
na tentação de sentir e não escutar, de falar sem convicção, porque não é
sempre fácil abandonar o conforto. Mas se o ecumenismo é uma estrada
lenta e íngreme, como toda via de penitência, é também um caminho que,
apesar de suas dificuldades, apresenta amplos espaços de alegria, paradas
refrescantes, e permite também respirar a plenos pulmões o ar da
comunhão.
60
É necessário renovar a conscncia de que não é possível saber quando o
dom de Deus da plena unidade se materializará, nem como exatamente será a
Igreja do futuro. Talvez, é possível apenas presumir que esta não será a “[...]
absorção de uma instituição por outra”
61
, mas, ao contrário, que ela venha a ser uma
Igreja que expressará uma única verdade observada de vários ângulos, na qual a
60
BENTO XVI apud ECUMENISMO: é possível a unidade na diversidade? Torre de Babel ou todos
bebemos da mesma fonte? Revista Mundo e Missão, n. 115, Set. 2007. (Em Debate, n. 12).
Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/evangecumenbabel.htm>. Acesso em: 21
ago. 2009.
61
BRAKEMEIER, 2004, p. 208.
41
riqueza específica de cada Igreja será refletida; uma Igreja onde unidade e
pluralidade irão se complementar. Neste sentido, afirmou certa vez Chiara Lubich:
Estou convencida que Deus não abandonou nenhuma das Igrejas durante
estes séculos de divio. Portanto, amanhã, com a reunificação, cada Igreja
unida às outras, refletindo justamente a unidade de Deus, não só manterá a
característica particular que foi desenvolvendo ao longo dos culos, mas
colocando-se em comunhão com todas as outras Igrejas, completar-se-á,
fortalecer-se-á. Por isso, cada Igreja tornar-se-á, de certo modo, uma
„especialista‟ daquele determinado aspecto de verdade que ela mesma, ao
longo dos séculos, foi aprofundando.
62
A propósito disso, Brakemeier propõe a estratégia dos pequenos passos em
relação às perspectivas ecumênicas:
A magnitude do projeto ecumênico pode assustar, acarretando o perigo da
resignação. Enquanto faltar uma utopia ecumênica, importa investir nas
possibilidades de cooperação existentes. Mesmo que as Igrejas exibam
dificuldades com a abertura ecumênica, é possível fazer muita coisa em
conjunto. Por isto importa enfatizar a necessidade da estratégia dos
pequenos passos. São esses, e não os saltos gigantescos, que levam
longe. Isto significa em termos concretos fazer o que promove a
comunhão.
63
Este tipo de estratégia contribuirá, sem dúvida, para uma comunhão sempre
mais profunda entre os fiéis. Neste contexto, é oportuno citar a proposta de uma
eclesiologia de comunhão, onde a unidade é constituída na diversidade. Tal modelo
de unidade eclesial enfatiza o aspecto da Igreja vista como comunhão (koinonia),
onde as diversidades são riquezas e, dessa forma, é dada uma maior visibilidade de
unidade da Igreja de Cristo. Este modo de conceber a Igreja ainda não foi totalmente
explorado e, embora possua suas limitações, especialmente no que diz respeito à
carência de estruturas, apresenta uma grande potencialidade no que se refere ao
avanço da caminhada ecumênica. Referindo-se a tal modelo de unidade eclesial,
Brakemeier diz que “Não foram esgotadas, [...], as riquezas dessa concepção. O
62
LUBICH, Chiara apud ECUMENISMO: é possível a unidade na diversidade? Torre de Babel ou
todos bebemos da mesma fonte? Revista Mundo e Missão, n. 115, Set. 2007. (Em Debate, n. 12).
Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/evangecumenbabel.htm>. Acesso em: 21
ago. 2009.
63
BRAKEMEIER, 2004, p. 129.
42
assunto deve permanecer na agenda”
64
. Na Carta Apostólica Novo Millennio
Ineunte, encontra-se igualmente uma valiosa abordagem de concepção de Igreja
enquanto koinonia:
Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que
nos espera no milênio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de
Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo. Que
significa isso concretamente? Também aqui o nosso pensamento poderia
fixar-se imediatamente na ação, mas seria errado deixar-se levar por tal
impulso. Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma
espiritualidade da comunhão, [...]. Espiritualidade da comunhão significa em
primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade,
que habita em nós e cuja luz de ser percebida tamm no rosto dos
irmãos que estão ao nosso redor. [...] Espiritualidade da comunhão é ainda
a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para
acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus [...]. Por fim, espiritualidade da
comunhão é saber [...] rejeitar as tentações egoístas que sempre nos
incidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja
ilusões! Sem essa caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos
exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma,
máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e
crescimento.
65
É a prática de uma comunhão vivida nessa dimensão que deve estar na
base, deve ser o sustento de todo o diálogo ecumênico. O teólogo luterano Harding
Meyer tamm considera a reflexão sobre a concepção de Igreja vista a partir da
ótica da comunhão como uma importante contribuição para o campo ecumênico:
“Trata-se de uma idéia que descreve o alvo do esforço ecumênico [...] partindo da
essência da Igreja [...] abrangendo, a partir daí, tamm as diversas dimensões do
alvo ecumênico juntamente com seus diversos motivos e correlacionando uns aos
outros”.
66
Comunhão e unidade são expressões constitutivas do Carisma
67
que anima
a vida do Movimento dos Focolares. Esta unidade, porém, não se atém apenas ao
64
BRAKEMEIER, 2004, p. 109.
65
NMI, n. 43.
66
MEYER, Harding. Diversidade Reconciliada: o projeto ecumênico. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p.
45.
67
Esta é uma terminologia bastante usada no âmbito da Igreja Católica Romana e vem assim
definido pelo Catecismo da Igreja Católica: [...] os carismas são graças do Espírito Santo que,
direta ou indiretamente, m uma utilidade eclesial, ordenados à edificação da Igreja, ao bem dos
43
âmbito da Igreja Católica. A difusão do movimento nos seus primeiros quinze anos
ultrapassa as fronteiras de todas as nações européias. Começa a penetração do seu
espírito entre cristãos de outras Igrejas, de outras religiões e com o mundo
secularizado, com os quais o Movimento estabelece um profícuo diálogo, visando a
realização do “Que todos sejam um” (Jo 17,21). Assim, o ecumenismo apresentado
e vivido pelos membros do Movimento dos Focolares, que teve início na década de
1960, está em plena sintonia com a proposta da eclesiologia de comunhão.
Interessante notar que, ainda na década de 1950, quando perguntada se o
Movimento procurava a unidade dos cristãos, Chiara respondeu simplesmente que
não. Nessa ocasião, ela não sabia o que estava para acontecer.
Bem longe de s, por exemplo, a idéia do ecumenismo. Do qual não
tínhamos algum conhecimento. Mesmo alguns anos depois, [...] quando nos
perguntaram se a unidade, na maneira como a entendíamos, agia em
função da unidade da Igreja, com firmeza respondemos negativamente.
68
O primeiro contato com cristãos de outras Igrejas aconteceu na Alemanha,
em 1960, instaurando-se imediatamente o diálogo espiritual e o diálogo da caridade.
Estes se surpreenderam quando descobriram que também os católicos viviam o
Evangelho e, assim, eles fizeram seu o espírito evangélico proposto pelo
Movimento. Após o contato com os luteranos na Alemanha, começou-se a realizar
encontros de luteranos e católicos em Roma. Surgiu uma fraternidade sincera
baseada no amor e na verdade. Desta forma, preconceitos de séculos foram caindo.
Em um destes encontros, estavam presentes também três ministros
anglicanos que ficaram muito impressionados pela atmosfera que havia entre
católicos e luteranos, pelo clima fraterno característico onde se reconheciam irmãos
pelo Batismo, cristãos que há muito tempo estavam totalmente separados. Quiseram
homens às necessidades do mundo” (CATECISMO da Igreja Católica. 5. ed. Petrópolis: Vozes;
São Paulo: Loyola, Ave-Maria, 1993. p. 160, § 799).
68
LUBICH, Chiara. A Unidade e Jesus Abandonado. São Paulo: Cidade Nova, 1985. p. 34.
44
também eles fazer parte desta família e, a partir desse momento, iniciou-se a difusão
do Movimento tamm na Igreja da Inglaterra.
O Cônego Bernard Pawley, um anglicano observador no Concílio Vaticano II,
encontrou Chiara Lubich em 1961. Ao retornar a Inglaterra, falou sobre a experiência
do Movimento dos Focolares a Michael Ramsey, na época Primaz da Igreja
Anglicana. Este, acolhendo-a em Londres, reconheceu imediatamente que existia
”[...] a mão de Deus nesta Obra”
69
. Incentivou-a a trabalhar e a manter a comunhão
com eles.
Chiara passou a ter um contato direto não com Michael Ramsey, mas
também pode encontrar pessoalmente os outros quatro últimos primazes da Igreja
da Inglaterra, que ocuparam sucessivamente este cargo: Donald Coggan, Robert
Runcie, George Carey e Rowan Williams. Em todos, ela encontrou uma grande
abertura. Estabeleceu-se, assim, uma profunda amizade com cada um. Foi tamm
graças ao apoio destas pessoas que o Movimento se difundiu no mundo anglicano.
Chiara Lubich ainda foi interlocutora de grandes personalidades religiosas do
mundo contemporâneo. Um desses contatos se deu com Atenágoras I, o patriarca
ecumênico de Constantinopla. Em 1967, ele quis conhecer Chiara, a qual
considerava sua filha. Certa vez, declarou: “Você tem dois pais: um grande, em
Roma, e um velho, aqui”
70
. Chiara viajou repetidamente a Istambul para se encontrar
no Fanar com Atenágoras I e, mais tarde, com Demétrio I e Bartolomeu I.
69
LUBICH, Chiara. Ideal e luz: pensamento, espiritualidade, mundo unido. Organizado por Michel
Vandeleene. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 47.
70
LUBICH, Chiara. Frente a Frente Parte, Rocca di Papa, Itália. 21 Abr. 2003. Entrevista
concedida a Sandra Hogget. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares, reproduzido no
Anexo B).
45
A espiritualidade da unidade proposta pelo Movimento dos Focolares, como
afirmou Chiara Lubich, é uma “[...] espiritualidade que foi feita para a Igreja”
71
. Ela
penetra cada vez mais nas diversas Igrejas, ao ponto de se passar do diálogo da
caridade, ao diálogo da vida, do povo.
Uma das contribuições características oferecida pelo Movimento à
caminhada ecumênica é a corrente espiritual e a proposta do diálogo da vida, que
nasce do relacionamento cotidiano, com pessoas de outras Igrejas e que vem
renovando a vida cristã de modo tangível. Hoje cerca de cinquenta mil membros de
mais de trezentas e cinqüenta Igrejas cristãs, inseridos em suas próprias Igrejas,
partilham esta espiritualidade e vivem unidos de tal modo que nada os pode separar.
Uma presença tão maciça de cristãos de outras denominações cristãs
sugere que o ecumenismo faz parte da vida do Movimento, apresentando-se com
um novo rosto. Esta foi a constatação que Chiara Lubich fez ao se encontrar, em
novembro de 1996, em Londres, com uma comunidade do Movimento composta por
pessoas de várias Igrejas e que viviam intensamente o amor recíproco. Chiara
surpreendeu-se ao constatar que, apesar da não-plena comunhão entre as Igrejas e
Comunidades eclesiais, aqueles ali presentes eram realmente uma porção do povo
cristão, um coração e uma alma, graças a tudo o que os unia, bem como
pela particular presença de Jesus entre os Seus: “Pois onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, ali estou Eu no meio deles” (Mt 18,20). Esta é uma
realidade que se verifica onde quer que estejam presentes as pessoas que buscam
colocar em prática a espiritualidade proposta pelo Movimento dos Focolares. Assim
pronunciou-se “um bispo anglicano” ao término do Primeiro Encontro Ecumênico de
Bispos do Brasil promovido pelo Movimento dos Focolares em abril de 2008 na
71
LUBICH, Chiara. Dimensão Eclesiológica de Jesus no Meio no pensamento de Chiara Lubich.
Escola de Ecumenismo, São Paulo, n. 4, p. 17-27, 1986. p. 17.
46
cidade de São Paulo: “A nossa meta é a eucaristia em comum. Por ora temos o
„sacramento‟ do pacto do amor recíproco”
72
.
Desde que começaram as reuniões ecumênicas do Movimento, procurou-se
fazer de modo que houvesse a presença de Jesus entre todos os irmãos cristãos.
Tornava-se sempre mais evidente o valor eclesial desta presença do Ressuscitado.
Certa vez, aos participantes de um Congresso Ecumênico, disse Chiara:
Estamos aqui para amar. E o amor deverá ser tão ardente, tão purificado
pela crucifixão do nosso eu (contínua, constante) que quem nos vê possa
dizer: não existe nem católico, nem luterano, nem anglicano, nem ortodoxo:
o todos um em Cristo Senhor [...].
Então Ele virá entre nós espiritualmente [...] e nos guiará hora após hora,
dia após dia, [...]. Ele pode ser para este momento ecumênico a via da
unidade, a via de uma unidade que já existe, e será Ele que fará brilhar a
verdade da única Igreja de Cristo.
73
Assim, com a presença de Jesus no meio, trazida pela vivência do amor
mútuo, criou-se um vínculo tão forte entre todos a ponto de cristãos de diferentes
Igrejas se questionarem: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8,35). A tal
pergunta, Chiara respondeu: “Mas quem me separará de Lesley e de Callan?
Ninguém, porque Cristo nos uniu! Jesus no meio nos uniu. Ninguém nos
separará!”
74
. A este modo de viver, foi dado o nome de diálogo da vida e tamm de
povo em diálogo, pois todos sentiam que formavam um único povo cristão,
abrangendo não somente leigos, mas tamm monges religiosos, diáconos,
sacerdotes, pastores, bispos, já que o povo de Deus é feito por todos.
Poucos meses depois deste marcante evento com a comunidade do Reino
Unido, Chiara foi convidada a apresentar a espiritualidade ecumênica do Movimento
72
FARO, José Antônio. Um pacto pela unidade. Revista Cidade Nova, São Paulo, ano L, n. 6, p. 22-
23, 2008. p. 23.
73
LUBICH, 1986, p. 24-25.
74
LUBICH, Chiara. Chiara aos internos da Grã-Bretanha e da Irlanda: Responde a 21 perguntas.
Logan Hall, Londres. 16 Nov. 1996. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo C).
47
dos Focolares na Assembléia Ecumênica Européia, em Graz, na Áustria. Em 2002,
Chiara falou do Movimento dos Focolares ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI):
Por isso nós nos sentimos uma família: sentimos que nós todos, de
diferentes Igrejas, compomos um povo cristão que envolve não somente
leigos, mas sacerdotes, pastores, bispos. Ainda que a comunhão plena e
visível entre as nossas Igrejas deva compor-se. Não é um diálogo que se
contrapõe ou se justapõe quando realizado pelos chamados vértices ou
responsáveis das Igrejas, mas um diálogo do qual os cristãos podem
participar. E este povo cristão é como um fermento no Movimento
ecumênico. Além disso, temos a esperança de que outras formas de diálogo
o diálogo da caridade, do serviço comum, da oração, teológico possam
ser potencializadas pelo “diálogo da vida”. E não só: esperamos que o
perene problema do modo como as pessoas poderão receber os progressos
dos diálogos teológicos oficiais possa ser superado por um povo
ecumenicamente preparado.
75
Pode-se afirmar que um dos benefícios do diálogo da vida é que este
mobiliza tanto o povo quanto as autoridades religiosas. A este respeito, Chiara
Lubich afirmou:
Tamm o diálogo teológico terá grandes vantagens do "diálogo da vida".
Se os teólogos se amarem reciprocamente e estabelecerem a presença de
Jesus entre eles, Jesus, que é a única verdade para a qual todos tendem,
iluminará as suas mentes e indicará o caminho a seguir para alcançar a
plena unidade de pensamento.
76
É o amor entre todos que impulsiona naturalmente ao conhecimento mútuo,
colocando em evincia as riquezas peculiares de cada Igreja. Tal atitude gera um
apreço e estima recíprocos. Ela favorece edificação da unidade pedida por Jesus ao
Pai. Deste modo, embora a comunhão entre as Igrejas ainda não seja plena, torna-
se mais forte o vínculo de amor que une as pessoas sejam estas luteranas,
anglicanas, reformadas, católicas, metodistas do que as diferenças encontradas
em suas Igrejas. Esta forte experiência de amor recíproco leva a pensar quão bela
75
LUBICH, Chiara. Diálogo da vida, diálogo do povo. Disponível em:
<http://www.focolare.org/page.php?codcat1=280&lingua=PT&titolo=os%20caminhos%20do%20diá
logo&tipo=entre%20as%20Igrejas>. Acesso em: 14 abr. 2009.
76
LUBICH, Chiara. Chiara no Congresso Ecumênico dos Bispos: s sois um em Cristo Jesus
(Gal 3,28) A presença de Jesus entre os seus e o diálogo da vida. Rocca di Papa, 26 de
novembro de 2003, 26 Nov. 2003. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo D).
48
será a Igreja de Cristo quando os cristãos estiverem plenamente unidos.
No decorrer deste capítulo, constatou-se que a Igreja de Cristo sofreu
rupturas ao longo dos séculos e, com o intuito de sanar tais divisões, nasceu o
movimento ecumênico. Este, nos cem anos de sua existência, muito têm colaborado
para a atuação do “Que todos sejam um” (Jo 17,21). Os elementos teóricos
oferecidos neste capítulo refletem que a experiência ecumênica vivida, seja na
Inglaterra, seja no Brasil, serve para reforçar a suspeita de que existe um potencial
no Movimento dos Focolares que pode ser de auxílio ao movimento ecumênico.
Logo, no capítulo seguinte, será apresentada a proposta oferecida pelo Movimento
dos Focolares do diálogo da vida. Esta proposta parte da vivência de uma amizade
profunda geradora de comunhão e vem contribuindo significativamente à caminhada
ecumênica.
2 DIÁLOGO DA VIDA
A amizade purifica-se através de sua própria prática,
seu próprio desenvolvimento;
através dos mal-entendidos,
tensões, incompreensões e conflitos, [...],
e na medida em que vão sendo superados.
77
O capítulo anterior procurou abordar os fundamentos do ecumenismo,
percorrendo uma trajetória que incluiu desde elementos etimológicos e históricos,
até questões mais abrangentes. Refletiu-se sobre a complexidade da caminhada
ecumênica atual e os desafios com os quais ela se depara. Foram apresentados
também meios para a concretização do ecumenismo, bem como suas perspectivas
para o futuro.
Neste capítulo, evidencia-se o quanto o papel de uma verdadeira amizade é
importante para a caminhada ecumênica. A amizade pode contribuir de forma
determinante na superação das diferenças e na renovação dos relacionamentos. O
capítulo se inicia com a conceituação de amizade e, partindo de uma breve análise
bíblica, indica o valor atribuído pelo próprio Cristo, bem como a nova dimensão por
Ele estabelecida, aos laços de amizade presentes na comunidade a qual pertencia.
Prossegue-se com a proposta de uma hermenêutica da amizade, onde se constata
77
GALILEA, Segundo. A Amizade de Deus: o cristianismo como amizade. São Paulo: Paulinas,
1988. p. 45.
50
que o fruto de uma amizade embasada em valores cristãos, que traz em si a medida
do amor de Cristo pelos seus “[...] amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo
15,12) é a de uma profunda comunhão entre os membros da única Igreja de
Cristo.
A seguir, reflete-se sobre a condição necessária para que uma amizade se
torne sempre mais madura, sólida e duradoura: a cruz de Cristo. Esta é apresentada
como a chave para superar as inclinações ao egoísmo, ao fechamento àquilo que é
diferente, às incompreensões, aos preconceitos e, enfim, a toda forma de
comportamento que esteja em antítese com o sonho de Jesus: “Que todos sejam um
para que o mundo creia” (Jo 17,21). É proposto, então, um estilo de vida ecumênico
embasado na vivência do amor cristão.
Por fim, faz-se alusão à proposta ecumênica oferecida pelo Movimento dos
Focolares de uma forma mais direta. Ou seja, aborda-se o diálogo da vida. O
capítulo se encerra retomando a questão do sofrimento e da cruz de Cristo,
apresentados como condições indispensáveis para que o diálogo da vida seja
plenamente realizado.
2.1 Hermenêutica ecumênica da amizade
Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa on-line, o termo amizade “do
latim amicitate designa afeição, amor, boas relações, laço cordial entre duas ou mais
entidades, dedicação, benevolência”
78
.
Já, um Dicionário Bíblico evidencia o aspecto
78
DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. Língua Portuguesa On-Line: Priberam Informática, 2008.
Disponível em: <http://www.priberam.pt.dlpo>. Acesso em: 18 dez. 2008.
51
da confiança quando se trata de um amigo: “Amigo é a pessoa em quem confiamos
e que amamos; companheiro íntimo [...]
79
.
Percebe-se que está ocorrendo um resgate do conceito e do valor da
amizade atualmente, justamente para indicar uma nova opção diante dos modelos
de relacionamentos que a sociedade oferece hoje. Ao invés da desconfiança, do
egoísmo e da dominação, abre-se espaço ao diálogo, à comunhão e à igualdade.
Assim, quando se fala em amizade pensa-se em um relacionamento de confiança,
de sinceridade e de reciprocidade, o qual cria as bases necessárias para a
superação de toda e qualquer desigualdade. Desta forma, a amizade ganha espaço
na caminhada ecumênica, que esta busca renovar a vida cristã por meio do
testemunho da unidade. Ilustrando o que foi dito, Emdocles sugere que “Pela
ação da amizade, o múltiplo tende a constituir uma unidade”
80
.
A amizade supõe e reflete a superação das diferenças, gerando um
relacionamento de abertura ao outro que, por sua vez, leva a um crescimento e
enriquecimento do eu. Portanto, a amizade é fundamental ao ecumenismo, pois esta
impede que se coloque “[...] o „eu‟ acima do „nós‟, o individual sobre o social, a
corporação sobre a coletividade. Isto tem reflexos no relacionamento das Igrejas
entre si”
81
. Esta tarefa de buscar na amizade uma nova forma de relacionamento
entre as pessoas pode, então, contribuir para o agir ecumênico no sentido de que
potencializa o caráter relacional do ser humano, levando simultaneamente ao
respeito da individualidade e da diversidade intrínseca a cada pessoa.
79
YOUNGBLOOD, Ronald; BRUCE, F. F. & HARRISON, R.K (Co-ed.). Dicionário Ilustrado da Bíblia.
São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 54.
80
EMPÉDOCLES apud SOARES, Órris. Dicionário da Filosofia. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Saúde, Instituto Nacional do Livro, 1952, Vol. I A-D. p. 49.
81
BRAKEMEIER, Gottfried. Ecumenismo, Sociedade e Missão. Reflexões sobre o caminho da
Unidade. São Paulo, 10 ago. 2004. Disponível em:
<http://www.itesc.ecumenismo.com/bibliovirtual/artigos/ecumenismobrakemeier.htm>. Acesso em:
04 nov. 2008.
52
2.1.1 O sentido da amizade a partir de Jesus
Na Bíblia, encontram-se inúmeros exemplos de relacionamentos de
profunda amizade. Pode-se citar 1 Sm 18,1-4, que descreve a amizade existente
entre Davi e Jônatas; ou ainda 2 Cr 20,7, onde Abraão é chamado de amigo de
Deus”. igualmente a passagem de Ex. 33,11, onde o Senhor fala com Moisés
“[...] face a face, como qualquer fala a seu amigo”.
No Novo Testamento, o tema da amizade é enfatizado ainda mais. É
possível perceber nas passagens que o próprio Jesus profundidade e um novo
significado ao conceito de amizade. Ele não chama seus discípulos de servos, mas
sim de amigos. Ele qualifica de amor a sua relação com aqueles que o seguem:
“Vós sois meus amigos, se praticais o que vos mando. não vos chamo servos,
porque o servo não sabe o que o senhor faz; mas vos chamo amigos, porque tudo o
que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer” (Jo 15,14-15). De fato,
O amor de Jesus para com os seus é amor de amizade, que, como o amor
do Pai para com o Filho (Jo 5,20), exclui a submissão e a distância próprias
do servo (Jo 15,13-15); a amizade baseia-se no cumprimento do que Jesus
manda, ou seja, na prática do amor mútuo, que põe em sintonia com Ele (Jo
15,14; 15,12-17). Tão importante é que o vínculo com Jesus seja o da
amizade e não o de subordinação, que é o objeto da pergunta decisiva de
Jesus a Pedro. (Jo 21,17).
82
Além do mais, partindo do princípio de que a amizade pressupõe a livre
escolha, ou seja, os amigos são escolhidos e não impostos; cada um pode sentir-se
privilegiado e pleno do amor de Deus, pois “Ele nos escolheu como amigos,
livremente, desde sempre. „Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos
escolhi‟(Jo 15,16)
83
.
82
MATEOS, Juan & BARRETO, Juan. O evangelho de São João: análise lingüística e comentário
exegético. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 27.
83
GALILEA, 1988, p.13.
53
Um texto singular é a ressurreição de Lázaro em Jo 11. Jesus chama Lázaro
de amigo: “Nosso amigo Lázaro dorme, [...]” (Jo 11,11). Talvez, seja importante
ressaltar aqui o fato de que Jesus, ao se referir a Lázaro, usou o pronome
possessivo nosso. Ao dizer nosso amigo, percebe-se que Jesus se insere no grupo,
o que demonstra uma relação de igualdade. Ora, é conseqüência lógica que, como
fruto de tal relação, aqueles que circundavam Jesus viviam com Ele em um clima de
total confiança e liberdade, sendo estas características próprias de uma autêntica
amizade. Na seqüência desta mesma passagem, encontram-se as palavras: “Jesus
chorou” (Jo 11,35), o que prova quão verdadeiro e profundo era o sentimento de
amizade que Jesus experimentava por Lázaro.
Existem inúmeras outras passagens no Novo Testamento, onde Jesus
oferece, através do Seu testemunho de vida, exemplos daquelas características que
são essenciais para se gerar e se manter relacionamentos de amizade: atitudes de
serviço (cf. Jo 13,1-15); de demonstração de um amor inclusivo (cf. Lc 5,29-32;
10,29-37); de companheirismo (cf. Lc 10,1); de confiança (cf. Lc 12,22-32); de
liberdade (cf. Jo 8,31-32); etc. Entretanto, é necessário ressaltar, que além dos
aspectos citados, a característica mais determinante e, poder-se-ia dizer única à
proposta de Jesus, é a sua atitude de total entrega, de dom de si aos próprios
amigos: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”
(Jo 15,13). Desta forma, Jesus eleva a um plano muito maior o conceito de amizade,
dando legitimidade à relação entre os amigos, através do alto preço de Sua morte na
cruz por amor à humanidade. A partir de Jesus, é possível entender que o há
espaço para sentimentalismo ou egoísmo em uma verdadeira amizade. No entanto,
através da imitação do modelo deixado por Ele, espaço para constante entrega
de si em favor dos outros.
54
2.1.2 Comunhão na diversidade
Vive-se em um contexto de pluralidade e, simultaneamente, de constante
busca por unidade. Nesse sentido, “a Igreja de Jesus Cristo não deixa de ser
afetada e constrangida pelo espírito da época e da sociedade em que vive”
84
. Essa
busca por unidade, porém, não visa à uniformidade. Ao contrário, procura valorizar
todos aqueles elementos que se tem em comum para, assim, chegar à construção
de um mundo mais de acordo com o plano do Criador. Um princípio básico para o
pensamento ecumênico é admitir que, além da minha interpretação, existem muitas
outras interpretações, existe uma multiplicidade. Então, como relacionar o paradoxo
de pluralidade e unidade no ecumenismo? Aqui o papel de uma hermenêutica
ecumênica da amizade é fundamental.
Infelizmente, vive-se em um mundo onde as diferenças servem mais para
separar as pessoas umas das outras do que para enriquecê-las. No entanto, no
arquétipo de amizade proposto por Jesus existe espaço para todos. Desse modo,
Jesus desafia a viver o aspecto da inclusão. Saber valorizar o diferente e respeitá-lo
é tarefa de todo aquele que se considera cristão.
Não se pode esquecer que, apesar das inúmeras diferenças, existe um
ponto onde todos se encontram ancorados: Jesus Cristo. Baseado em um
relacionamento de verdadeira amizade cristã, torna-se possível conviver
harmoniosamente com as diferenças. Além do mais, estas diferenças espelham o
somente a sociedade atual. autores que defendem a idéia de que o cânon do
Novo Testamento não afirma a unidade, mas a diversidade da Igreja
85
. Tal afirmação
deixa claro que, desde os primeiros anos do Cristianismo, a unidade era descoberta
84
BRAKEMEIER, 2008.
85
Cf. afirmação feita por Ulrich Körtner durante sua aula de Hermenêutica ao Mestrado em Teologia
na EST em 10 set. 2008. (Anotações Pessoais).
55
e vivida dentro da pluralidade. A partir do momento em que as diferenças são
ignoradas, geram-se tensões. Ao invés disso, onde existe atitude de tolerância e de
escuta, nasce um diálogo frutífero. Neste campo, o papel da amizade é de um valor
inestimável, já que “A amizade ameniza as tarefas difíceis [...]”
86
.
Baseado em tudo quanto foi dito até então, pode-se constatar que, um
relacionamento de profunda e sólida amizade, capaz de superar as diversidades e
gerar comunhão, é uma tarefa que exige empenho e constância na caminhada.
Encontram-se aqui os elementos de uma hermenêutica ecumênica da amizade que
“Não pretende nem nivelar nem uniformizar. Procura o consenso, a diversidade
reconciliada, a cooperação conjugada dos membros do mesmo corpo”
87
. Justamente
por gerar o amor recíproco, conduz à unidade, que é a alma do testamento de
Jesus: “Pai que todos sejam um (Jo 17,21). Porém, um forte vínculo de união, como
aquele pedido por Jesus em sua proposta de autêntica amizade, pressupõe o
elemento da cruz.
2.2 Hermenêutica ecumênica da cruz
Em geral, ninguém gosta de ouvir falar de sofrimento, de dor. De fato,
prefere-se lutar para anular a dor e evitar a morte. A sociedade atual, caracterizada
como uma sociedade de consumo, oferece todo tipo de prazer, emprega todos os
meios para promover o bem-estar, o comodismo, tudo aquilo que acredita ser a
felicidade. Tal sociedade está perdendo o senso de Deus: ou não crê mais em Deus
ou vive como se Deus não existisse. Se Deus não existe, Ele não participará da vida
do ser humano. Porém, quando se perde o senso de Deus, se perde tamm o
86
SCHNEIDER, Roque. Referências bibliográficas de documentos eletrônicos [Power-point
recebido]. Mensagem recebida por sarkisbeatriz@gmail.com em 25 out. 2008.
87
BRAKEMEIER, 2008.
56
senso do outro e de si mesmo. Assim sendo, neste tipo de sociedade sem Deus,
instaurou-se o individualismo, e a conseqüência imediata é a perda da percepção do
outro. Não há espaço para uma atitude de abertura, de encontro, de escuta em
relação ao outro. Ao contrário, olha-se para o outro com medo e com desconfiança;
ele é diferente de mim, é algo distinto de mim. O que é o recurso às drogas, aos
tóxicos senão uma busca desenfreada de felicidade que, na prática, se torna uma
fuga que ilude, engana e destrói a pessoa? Então, como se deve viver em uma
sociedade onde persiste a dolorosa verdade expressa no lamento da filósofa Maria
Zambrano: uma sociedade que está enfrentando “[...] uma das noites mais escuras
que jamais vivemos?”
88
.
Numa perspectiva cristã, sabe-se que a felicidade não é decorrência apenas
do entusiasmo, nem existe somente quando tudo vai bem. Ao contrário, pode-se
dizer que a alegria verdadeira é aquela que tem raízes mais profundas, ou seja, que
a alegria mais pura é aquela que brota justamente das raízes da dor, do sofrimento.
Essa é uma experiência que pode ser aplicada ao cristão seja enquanto indivíduo
seja enquanto membro de uma comunidade onde se caminha lado a lado com os
irmãos. Somente através da vivência do amor, que gera a comunhão, poder-se-á
ultrapassar toda e qualquer barreira a fim de difundir a fraternidade até torná-la
universal. E talvez seja importante salientar que este processo não é isento de
sacrifícios, de sofrimento, pois é justamente em Jesus, na cruz, que se encontra o
vértice do Amor.
88
ZAMBRANO, Maria apud LUBICH, Chiara. Por uma Cultura de Comunhão: Discurso de Chiara
Lubich em Stuttgart: Stuttgart, Alemanha. 12 Maio 2007. (Material de uso interno do Movimento
dos Focolares, reproduzido no Anexo E).
57
De fato, na caminhada conjunta, não faltam oportunidades onde se deve
superar, mesmo com sacrifício, os limites do eu para poder construir uma verdadeira
comunhão cristã. A esse respeito, Bonhoeffer afirma:
O Criador não fez o outro como eu o teria feito, não me deu o irmão para
que eu o dominasse, mas para nele encontrar o Criador. [...] Deus o
deseja que eu molde o outro conforme a imagem que eu considero boa,
portanto, à minha imagem. [...] Deus, porém, cria o homem à semelhança
de seu Filho, o crucificado, quadro que, aliás, também se me afigurava
estranho e nada divino, antes de o compreender.
89
Jesus veio a terra para que todos sejam um, e foi justamente na cruz e no
abandono que Ele pagou pela unidade. Assim, cada cristão deve estar pronto para,
através do amor a cruz, encontrar a força para superar cada divisão e contribuir para
a realização do testamento de Jesus (cf. Jo 17,21). Somente desse modo,
desempenhará a sua mais profunda vocação como instrumento de unidade a serviço
de toda a humanidade.
2.2.1 Caminho de “purificação da amizade
90
Assim como em todo tipo de relacionamento humano, tamm no exercício
da amizade, encontram-se diferentes fases que são indispensáveis para um
amadurecimento. Num primeiro momento, acontece uma escolha determinante, ao
ponto que se pode declarar: Este é meu melhor amigo. A seguir, vem a etapa a qual
se deve demonstrar com fatos esta escolha de predileção; demonstrar fidelidade à
amizade. Esta fase envolve anistia das ofensas recebidas, atitude de serviço, de
renúncia interior, perseverança e, sobretudo, sacrifício. Por fim, chega-se ao estágio
mais difícil no relacionamento entre amigos: é a fase na qual o egoísmo inerente à
natureza da condição humana se expressa de forma mais intensa, e, assim, as
89
BONHOEFFER, Dietrich. Vida em Comunhão. São Leopoldo: Sinodal, 1982, p. 47.
90
Expreso utilizada a partir de GALILEA, 1988, p. 45.
58
segundas intenções que muitas vezes se instauram inconscientemente e
determinam nossas ações são refinadas. Somente tendo ultrapassado tais etapas,
pode-se considerar como maduro um relacionamento de amizade. Fundamental
nesse processo é que o olhar fraternal passe através da cruz de Cristo, pois a única
imagem que reflete a dialética, a lógica do paradoxo subtendido em tal processo de
crescimento, é a cruz:
Deus aceitou os homens, e eles o esmagaram. Deus, porém, ficou com
eles, e eles com Deus. Suportando os homens, Deus manteve comunhão
com eles. Essa é a lei de Cristo cumprida na cruz. Os cristãos tomam parte
nessa lei. Devem suportar e agüentar o irmão e, o que é mais importante,
agora podem suportá-lo sob a lei de Cristo cumprida.
91
É Jesus na cruz quem dá a chave para ultrapassar toda crise que conduz ao
amadurecimento e, conseqüentemente, a um amor ainda maior. Foi Ele quem,
derramando seu sangue sobre a cruz, possibilitou que a humanidade fosse
reconciliada com Deus. A cruz de Cristo, portanto, pode ser considerada
metaforicamente como o ponto onde Deus e a humanidade se encontram.
Apropriadas aqui são as palavras do ex-Secretário Geral do Conselho Mundial de
Igrejas, Konrad Raiser: “Quanto mais nos aproximamos da cruz de Cristo, mais nos
aproximamos uns dos outros. É na cruz que podemos estender os nossos braços
uns para os outros”
92
. Seguindo esta mesma linha de pensamento, Igino Giordani
93
afirma: “Um impulso para cima o conduz a Deus; um em latitude o conduz à
91
BONHOEFFER, 1982, p. 51.
92
Esta citação é uma fala do Pastor Konrad Raiser como reação ao discurso de Chiara Lubich no
Conselho Mundial de Igrejas em 2002, cujo título foi: O Mistério de Jesus Crucificado e
Abandonado, chave para a unidade entre as Igrejas. RÁDIO VATICANA. O Mistério de Jesus
Crucificado e Abandonado, chave para a unidade entre as Igrejas. Disponível em:
<http://www.focolare.org/articolo.php?codart=3145>. Acesso em: 18 dez. 2008.
93
Igino Giordani (1894-1980) foi uma personalidade do mundo cultural italiano, humanista, deputado,
escritor. É considerado co-fundador do Movimento dos Focolares. Atualmente, está em
andamento seu processo de canonização; é já considerado Servo de Deus.
59
humanidade: os dois impulsos não o independentes, mas ligados, como as duas
tábuas da cruz, que se encontram sobre o coração de Cristo [...].
94
Na perspectiva da cristã, talvez não exista nada mais enigmático, mais
difícil de entender do que a cruz, o sofrimento. Porém, o sentido do sofrimento é
justamente o de fortalecer a fé. Se tal elemento se faz presente, a cruz, a dor
adquirem um novo sentido e se torna possível repetir com São Paulo: Com efeito, a
linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se
salvam, para nós, é poder de Deus” (1 Cor 1,18).
Enfim, a purificação, apesar de dolorosa, se faz necessária. Ao cristão cabe
sempre lembrar que o discipulado de Cristo é o discipulado da cruz, o que requer um
esvaziamento até o último lugar. Assim sendo, o cristão pelo legado que herdou do
próprio Cristo é facilitado na vivência de uma autêntica amizade e na superação de
suas tensões. Na carta de São Paulo aos Filipenses, por exemplo, encontram-se
orientações valiosíssimas para essa posição:
[...] levai à plenitude a minha alegria, pondo-vos acordes no mesmo
sentimento, no mesmo amor, numa só alma, num pensamento, nada
fazendo por competição e vanglória, mas com humildade, julgando cada um
os outros superiores a si mesmo, [...]. Tende em vós o mesmo sentimento
de Cristo Jesus. Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a
Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo,
e assumiu a condição de servo, [...]. (Fil 2,2-7).
A verdadeira amizade supõe e conduz à unidade de pensamento e de
sentimentos; porém, isto não significa uniformidade. Ou seja, é possível que se
estabeleça uma amizade profunda, real e duradoura tamm entre aquelas pessoas
que provêm de culturas e tradições religiosas diferentes. Aqui se faz referência, de
modo particular, ao diálogo ecumênico que, em sua caminhada histórica, propiciou
94
“Una spinta in altezza lo conduce a Dio; una in latitudine lo conduce all‟umanità: le due spinte non
sono indipendenti, ma legate, come le due assi della croce, che s‟incontrano sul cuore di Cristo;
[...]”.GIORDANI, Igino. Segno di Contradizione. Brescia: Casa Editrice Morcelliana, 1933. p. 244.
(Tradução própria)
60
que se instaurassem verdadeiros vínculos de amizade, amadurecidos ao longo do
tempo, partindo do modelo deixado por Jesus. Em tal modelo, a cruz é vista como
uma passagem que leva à ressurreição. A cruz foi e continua sendo o instrumento
necessário através do qual o divino penetra no humano, a fim de que a humanidade
possa superar seus conflitos e divisões e, desse modo, participar mais plenamente
da vida de Deus. De fato, ao defrontar-se com a cruz, o ser humano deve perceber
“[...] que a força de vida divina alcança a plenitude na fraqueza”
95
.
Partindo desta ótica, deve-se acreditar que uma amizade construída sobre
bases sólidas ajudará a superar toda e qualquer dor que possa decorrer das
diversidades encontradas através do amor. A cruz supõe a ressurreição: “E, se
Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia tamm é vossa fé” (1 Cor
15,14). Sem a perspectiva da ressurreição, o drama da cruz o encontra solução:
“Isso se traduz num compartilhar os sofrimentos de Cristo, como prelúdio à
configuração plena com Ele mediante a ressurreição, que contemplamos com
esperança”
96
. Em síntese, pode-se afirmar que, para o cristão, o caminho de
purificação da amizade implica a passagem pela cruz. Nas palavras de Santo
Agostinho, recentemente citadas pelo Papa Bento XVI,
Os cristãos não são poupados do sofrimento; ao contrário, a eles cabe um
pouco mais, porque viver a fé é uma expressão do valor de enfrentar a vida
e a história mais em profundidade. Contudo só assim, experimentando o
sofrimento, conhecemos a vida em sua profundidade, em sua beleza, na
grande esperança suscitada por Cristo crucificado e ressuscitado. (sic).
97
95
RAISER, 2008.
96
RTNER, Ulrich. [Sem Título]. São Leopoldo, 08 a 12 de Setembro de 2008. Material Didático
fornecido durante o Seminário de Hermenêutica Teológica realizado na EST. (polígrafo) p. 34.
97
AGOSTINHO apud BENTO XVI. São Paulo, modelo de como fazer teologia. ZENIT, Roma, 5 de
Novembro de 2008. Disponível em: <http://www.zenit.org/article-19977?l=portuguese>. Acesso
em: 20 Nov. 2008.
61
2.1.2 O amor cristão como estilo de vida ecumênica
Como já mencionado anteriormente, a essência da espiritualidade cristã
consiste em relacionar-se com Deus como amigo, e, de conseqüência, relacionar-se
com o próximo nesta mesma dimensão. Nesse sentido, diz-nos Galilea: A
espiritualidade, basicamente, é crescer na amizade com Jesus e na fraternidade
com os demais”
98
.
Para ser verdadeira, a amizade cristã deve manter os dois movimentos:
vertical, no amor a Deus; e horizontal, através do amor ao próximo. Cabe salientar
que a amizade proposta por Jesus é universal Jesus morreu por todo o nero
humano e, assim, ela é oferecida a todos indiscriminadamente. Da mesma forma,
“O amor fraterno é igualmente universal: oferecido a todos sem discriminação, pois a
amizade de Jesus e o amor de Deus Pai são oferecidos a todos, o que nos torna
irmãos e irmãs”
99
. será um autêntico cristão da reconciliação quem souber amar
os outros com a mesma caridade de Deus, a qual faz reconhecer Cristo em cada
um, leva a amar cada próximo como a si mesmo.
Encontra-se aqui um paradoxo, pois é justamente assumindo a unicidade de
Jesus Cristo que se assegura a universalidade; e é justamente desse
relacionamento de livre amizade com Deus e com cada próximo que brotam novas
práticas capazes de tornar a comunidade mais rica. Nasce, então, por exemplo, o
trabalhar juntos ecumenicamente, no qual as diferenças são naturalmente
superadas através de uma prática que visa a um bem maior. De fato, “um dos sinais
de amadurecimento da amizade humana é a colaboração em ideais e causas
comuns”
100
. Tudo é facilitado quando, como fruto de uma sólida amizade, os
98
GALILEA, 1988. p. 28.
99
GALILEA, 1988, p. 73.
100
GALILEA, 1988, p. 79.
62
indivíduos se colocam a trabalhar, apesar de suas diversidades, fazendo próprios os
objetivos e projetos de cada um.
Para ilustrar, talvez seja relevante citar uma ação social realizada
conjuntamente por membros de diversas Igrejas e que teve sua origem no âmbito do
Movimento dos Focolares. Trata-se aqui do Projeto da Economia de Comunhão na
Liberdade, o qual será aprofundado no terceiro capítulo desta dissertação, que foi
lançado no Brasil em 1991 por Chiara Lubich, fundadora do Movimento. Neste
Projeto, encontram-se “Pessoas de diferentes origens religiosas [que] descobriram-
se unidas na luta pela mesma nobre causa”
101
.
2.3 O Movimento dos Focolares e a eclesiologia de comunhão
O fato de se viver num mundo secularizado que não é majoritariamente
cristão faz com que a evangelização, talvez mais do que em épocas passadas, se
torne algo urgente. Isso faz tamm com que surja mais uma vez a pergunta sobre a
Revelação, como resposta aos sinais dos tempos. Andrés Torres Queiruga, por
exemplo, procura responder a questão da Revelação, afirmando, por um lado, a
vontade salvífica universal e, por outro, o desejo de realização por parte de todas as
pessoas. Portanto, para Queiruga, existe uma relação direta, uma proporção, entre a
Revelação por parte de Deus e a acolhida desta mesma Revelação por parte dos
seres humanos. Queiruga expressou do seguinte modo:
Deus, como puro amor sempre em ato, está sempre se revelando ao
homem na máxima medida que lhe é possível; de modo que os limites da
revelação histórica não se devem a uma reserva divina, mas antes a uma
incapacidade humana: a incapacidade constitutiva do homem que, como ser
finito, tão-somente obscura, ambígua e lentamente pode ir-se apercebendo
da palavra viva que Deus lhe está constantemente dirigindo.
102
101
BRAKEMEIER, Gottfried. Ecumenismo: Repensando o Significado e a Abrangência de um Termo.
Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v.33, n. 90, p. 195-216, 2001. p. 206-207.
102
QUEIRUGA, Andrés T. A Revelação de Deus na Realização Humana. São Paulo: Paulus, 1995. p.
408.
63
Falar do Movimento dos Focolares significa, de algum modo, colocar-se em
contato com a Revelação e, de maneira explícita, referir-se à dimensão carismática
da Igreja, a qual é indissociável da dimensão institucional. De fato, o Movimento dos
Focolares, enquanto portador de um carisma o carisma da unidade tem em si
significado teológico para a explicitação da Eclesiologia de Comunhão. Esta,
enquanto paradigma teológico, nasceu da atenção despertada, já a partir de meados
do século XIX, em relação ao ministério da Igreja. Mais tarde, surgem os
movimentos de renovação bíblica, patrística, litúrgica, espiritual. Enquanto isso,
passados quatro séculos do famoso Concílio, surgia em Trento, na Itália, em 1943
ano da publicação da Mystici Corporis, de Pio XII o Movimento dos Focolares. Este
Movimento nasceu no seio da Igreja, comungando de todo o seu patrimônio
espiritual, doutrinal e histórico.
Desde que Chiara Lubich e suas companheiras, vivendo a Palavra, no
encontro com o discurso de despedida de Jesus, e especialmente com Jo 17,21,
perceberam uma particular vocação à unidade, esta passou a ser o objetivo
específico do Movimento nascente. A vida cristã passou a ter a característica
particular de vocação à unidade. Essa característica foi tomando feições cada vez
mais claras à medida que se progredia na sua compreensão e na sua realização. A
vida de unidade vivida por aquele grupo levou Chiara a afirmar que,
Nós temos sentido se estivermos na Igreja e com a Igreja. O „ut omnes
unum sint‟ foi confiado à Igreja por Jesus; e a unidade, este carisma, é para
a Igreja, [...], porque a Igreja é una (além de ser santa). Este carisma serve
para reforçar essa qualidade da Igreja. Então, temos de caminhar em plena
sintonia com a Igreja.
103
103
LUBICH, Chiara. O Ano do Pai: Encontro de Chiara com as comunidades de Malta, da Sicília e da
Calábria. Malta, 25 Fev. 1999. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares, reproduzido
no Anexo F).
64
Assim, a unidade é uma das notas da Igreja. Não se pode setorizar a vida
eclesial: viver a unidade significa viver simultaneamente a santidade, a catolicidade
e a apostolicidade da Igreja. Cada uma das notas comporta as demais, havendo
entre elas uma mútua interioridade, como na Trindade, onde se vive a distinção de
Pessoas, mas se é um só Deus. Da mesma forma é a Igreja, por isso a unidade não
significa uniformidade. À unidade corresponde a pluralidade de experiências, de
vocações, de estados de vida, de culturas. É preciso ser um para chegar a realizar o
testamento de Jesus, ser um[...] a fim de que todos sejam um”. (Jo 17,21).
A unidade é simultaneamente dom e tarefa, por isso, quando em Jo 17,21
Jesus fala da unidade, Ele se dirige ao Pai. Ele sabia muito bem que o Seu desejo
superava totalmente a capacidade humana. A unidade não é, de fato, um
mandamento, é um designo de Deus sobre toda a humanidade, do qual a Igreja é
chamada a ser sinal e sacramento, antecipando no tempo algo que espara vir e
que é característico do Reino de Deus. A unidade é uma realidade divina.
No plano histórico, a unidade da Igreja está sempre em projeto. Cada nova
época lança uma nova luz sobre a vida da Igreja, iluminando-a e orientando-a. O
carisma da unidade parece ter, na Igreja, a função de colaborar de maneira nova e
determinante para uma maior plenitude de unidade que encontra sua expressão em
uma profunda comunhão entre todos os seus membros. Isso vem ajudando a refazer
o tecido eclesial rompido ao longo dos séculos por incompreensões e divisões. Hoje,
porém, urge mostrar ao mundo este rosto que não é mais desfigurado como então, a
fim de que a Igreja volte a ser aquilo que ela é efetivamente, ou seja, sacramento de
unidade.
A Eclesiologia de comunhão apresenta-se como algo situado entre o e o
ainda não do Reino de Deus. Do ponto de vista doutrinal ou teológico, mesmo tendo
65
seu mistério explicitado, há que, no entanto, procurar indícios de como esse mistério
pode radicar-se cada vez mais na vida da própria Igreja, modelando suas estruturas
e determinando sua missão.
A Trindade é o modelo de unidade buscado pelo Movimento dos Focolares,
consiste nisso a sua identidade fundamental. Sabemos pela experiência de que,
em Jesus Cristo, deu-se a Revelação de Deus-Trindade. Ao mesmo tempo, Jesus
estendeu esta mesma unidade a todos os seus seguidores (cf. Jo 17,11-23; 25-26),
ou seja, a unidade entre os cristãos tem uma raiz na pericorese trinitária. Isto
significa ter um amor semelhante ao das Pessoas da Trindade (cf. Jo 13,34-35). A
comunhão gera a unidade, mesmo se neste caso faz-se necessário ter claro que
existe um abismo espiritual e antropológico entre o mistério trinitário e a unidade das
pessoas. Mas, o que é afinal a unidade? É a inabitação trinitária, que é ao mesmo
tempo pessoal e comunitária (cf. Mt 18,20).
Na história da Igreja, percebe-se como Deus suscitou carismas, suscitou
novos modos de viver o cristianismo necessários para um determinado período
histórico dos quais nascem aquelas que, na Igreja Católica Romana, são
chamadas de espiritualidades. Geralmente, o fundador é um líder carismático, que
recolhe ao seu redor discípulos e está em grau de fazer nascer obras concretas, e
aqui Chiara Lubich pode ser apresentada como um exemplo de tal realidade.
Assim como as várias espiritualidades que nasceram ao longo dos séculos
na Igreja podem ser definidas através de uma única palavra, como por exemplo,
pobreza para os franciscanos; obediência para os jesuítas; oração para as
espiritualidades que se baseiam em Santa Teresa de Ávila, e assim por diante,
para o Movimento dos Focolares seria suficiente a palavra unidade para exprimir
aquilo que Deus quer dizer à Igreja e ao mundo através deste.
66
De fato, expoentes e responsáveis de Igrejas, entre os quais, o Patriarca
Atenágoras I e o Patriarca Teoctist, além dos vários Pontífices de Paulo VI em
diante, reconhecem Chiara Lubich como portadora de um carisma para a unidade. O
Cardeal Agostino Bea, o grande ecumenista da Igreja Católica e o primeiro
presidente do então Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, nos
anos 1960, definiu o carisma de Chiara Lubich como “[...] um carisma para a unidade
das Igrejas”.
104
Porém, mais uma vez pode retornar a pergunta: qual é o conceito que se
tem de unidade? Esta não é uma simples união de corações, não é uma
convivência de pessoas, não é simplesmente um grupo. A unidade em Cristo é uma
realidade especial, porque traz consigo a presença do próprio Cristo que disse:
“Onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome, ali estou eu no meio deles”.
(Mt 18, 20). Portanto, o horizonte da unidade é novo e sugere uma mudança de
atitude em relação a um passado bem recente. A este respeito, são significativas as
palavras de Rahner:
Nós anciãos, fomos espiritualmente individualistas, dada a nossa origem e a
nossa formação. [...] é verdade que, substancialmente, a genuína
experiência do Espírito, a verdadeira espiritualidade, a mística, entendida
como evento obviamente pessoal, sempre foram realidades entendidas e
vividas no plano pessoal, ou seja, na meditação solitária, na experiência da
própria conversão, nos exercícios espirituais feitos na solidão, na cela do
claustro, e assim por diante.
105
Logo, a perspectiva apontada por Rahner é a da passagem de uma
espiritualidade individual para uma espiritualidade comunitária. A proposta de Chiara
Lubich encontra-se em perfeita sintonia com tal idéia. Chiara afirma que a
espiritualidade do Movimento dos Focolares é uma espiritualidade essencialmente
104
BEA, Agostino apud BACK, Joan. Uma Espiritualidade para o Diálogo Ecumênico. Revista
Humanidade Nova, n.177, p. 389-402, 2009. p. 390.
105
RAHNER, Karl. Elementos de Espiritualidade na Igreja do Futuro. In: GOFFI, Tullo; SECONDIN,
Bruno. Problemas e Perspectivas de Espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992. p. 367. (p. 361-370)
67
comunitária. De fato, a Espiritualidade da Unidade vivida pelo Movimento dos
Focolares deu origem a uma autêntica cultura da unidade. Essa cultura contribui
também para abater preconceitos existentes séculos entre os cristãos e é
partilhada hoje por cerca de cinqüenta mil membros de mais de trezentas e
cinqüenta Igrejas cristãs, sendo que os membros permanecem fiéis de sua Igreja.
Ao longo dos anos, o diálogo ecumênico não se manteve e se
desenvolveu, muitos cristãos aderiram à espiritualidade e à vida do Movimento que
se tornou, assim, uma realidade ecumênica reconhecida internacionalmente.
O ecumenismo é vivido pelo Movimento dos Focolares no sentido de
sensibilizar e formar os católicos para a unidade dos cristãos. Mas também
é vivido, fundamentalmente, como comunhão fraterna com todos os cristãos
de outras Igrejas.
106
2.3.1 Diálogo da Vida
A exigência de uma espiritualidade que possa auxiliar neste processo de
renovação da vida cristã nasceu como resultado de um amadurecimento no
relacionamento de amizade fraterna instaurado entre os cristãos. De fundamental
importância em tal processo está a vivência do mandamento de Jesus Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida
pelos próprios amigos”. (Jo 15,13). Este mandamento contribui significativamente
para realização do Seu testamento: “Que todos sejam um para que o mundo creia”.
(Jo 17,21). Cada cristão, seguindo o Seu mesmo caminho, encontrará a coragem
para tamm dar a própria vida pelos seus companheiros de caminhada e, assim,
aconteceo milagre da superação do medo, das diferenças e das divisões. Afinal,
na unidade, as riquezas e as diferenças não são anuladas, mas, ao contrário,
potencializadas e colocadas a serviço de todos.
106
LUBICH, Chiara. A Aventura da Unidade: entrevista de Franca Zambonini. o Paulo: Cidade
Nova, 1991. p. 127.
68
Uma espiritualidade ecumênica vivida desse modo poderá produzir frutos
excepcionais principalmente neste momento onde tantos dizem que o movimento
ecumênico está passando por um momento de crise na busca da unidade. De fato, a
esse respeito, o teólogo brasileiro Gottfried Brakemeier afirmou: O barco
ecumênico, neste início de milênio, sente o vento soprar pela proa, estando
ameaçado de ver anuladas as milhas avançadas até o momento”
107
.
Contudo, é necessário deixar-se interpelar pelas palavras do profeta Isaías:
“Não fiqueis a lembrar coisas passadas, não vos preocupeis com acontecimentos
antigos. Eis que vou fazer uma coisa nova, ela já vem despontando: não a
percebeis?” (Is 43,18-19). Em sintonia com essa realidade estão as palavras de
Chiara Lubich: “O mundo ecumênico depara-se com uma situação mutável: alguns a
vêem como um inverno, outros como uma primavera, outros ainda como uma crise.
[...] emerge a exigência de um caminho novo
108
. “E é nesse contexto que [...] se fala
do „diálogo da vida‟ [...]”.
109
Através do “diálogo da vida” abrem-se os espaços nos quais membros de
diversas Igrejas, inseridos em seus próprios contextos, vivem já unidos entre si de tal
modo que nada os pode separar. Esta experiência permite fazer enxergar já a Igreja
do futuro, onde unidade e pluralidade se complementam. A este respeito, uma
personalidade do mundo ecumênico escreveu, Sua Santidade o Catholicos Aram I
da Igreja Armena:
É preciso levar o movimento ecumênico às pessoas, à base e abri-lo a
novos horizontes. [...] Devemos procurar um novo rumo para o
ecumenismo, novos modos de viver ecumenicamente. [...]. O panorama
107
SCHMIDT, Ervino. Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2008: “Orai sem cessar
(Pronunciamento do Pr. Ervino Schmidt na abertura da SOUC 2008). [Arquivo de Word recebido].
Mensagem recebida por sarkisbeatriz@gmail.com em 13 out. 2008. (Arquivo reproduzido na
íntegra no anexo H).
108
LUBICH, Chiara. Mensagem de Chiara à Hope University de Liverpoool. Noticiário Mariápolis. São
Paulo: Cidade Nova, ano XXV, n.3, p. 8-9, 2008.
109
LUBICH, 2008, p. 9.
69
ecumênico atual indica que o movimento ecumênico está em uma
encruzilhada e necessita de uma direção clara. Devemos decidir que tipo de
ecumenismo queremos. Um ecumenismo das Igrejas institucionais ou um
ecumenismo que abrace todo o povo de Deus? [...] A minha opinião é que
um ecumenismo orientado ao povo é a estrada certa a ser percorrida.
110
A espiritualidade da unidade leva a viver com maior empenho aquilo que
somos: o Corpo místico de Cristo, a Igreja. O diálogo da vida para o Movimento dos
Focolares é viver com Jesus no meio. A promessa de Jesus em Mt 18,20, da Sua
presença entre aqueles que estão unidos no Seu nome - que significa, como dizem
os Padres da Igreja, estar unidos no Seu amor - leva a viver em unidade, onde cada
um doa a sua própria contribuição, a fim de que a plena comunhão se torne uma
realidade. Nesse contexto, pode-se afirmar que o diálogo da vida situa-se em uma
realidade bem precisa do Evangelho vivido: é a experiência da unidade com Jesus
no meio, é a koinonia construída por meio do amor a Jesus Crucificado e
abandonado para viver a realidade de Cristo Ressuscitado.
A falta de comunhão entre os cristãos impediu relacionamentos de
reciprocidade e agora é Jesus em meio aos Seus que novo vigor e força ao
vínculo sacramental que já existe entre todos os batizados. Como é afirmado no
Decreto Unitatis Redintegratio: “O Batismo [...] constitui o vínculo sacramental da
unidade que liga todos os que foram regenerados por ele”
111
. É possível
experimentar, assim, o tesouro que já foi recebido através deste sacramento, graças
ao qual “vos revestistes de Cristo”. (Gal. 3,27) e com Cristo caminhamos em “uma
vida nova” (cf. Rom. 6,3-4).
É Jesus em meio aos Seus que transforma os fiéis em células vivas do
Corpo Místico de Cristo. Já em 1949, Chiara dizia que era preciso reavivar as células
vivas e, no ano de 2003, afirmou em um seu discurso ser esta uma tarefa a ser
110
ARAM I apud BACK, 2009, p. 391.
111
UR, n. 22.
70
desempenhada principalmente por aqueles que estão, em primeira linha, envolvidos
no trabalho ecumênico: “Devemos criar continuamente estas células vivas do Corpo
Místico de Cristo, que são os irmãos unidos no seu nome, para dar vida ao Corpo
todo”.
112
A vida é a Vida Trinitária: quando se procura viver o mandamento do amor
recíproco, vive-se segundo o modelo da Santíssima Trindade, e o amor circula entre
todos. Uma nova dinâmica de koinonia na Igreja é oferecida, comunicando esta vida
aos outros para torná-los participantes deste tesouro. Chiara sempre insistiu na
necessidade desta corrente de amor entre as Igrejas: “Cada Igreja com o passar dos
séculos petrificou-se em si mesma pela onda de indiferença, de incompreensão,
para não falar de ódio recíproco. Por isso mesmo cada uma deve ter um suplemento
de amor”.
113
Neste sentido, o diálogo da vida coloca em evidência o fato de que, tendo
sido unidos pelo próprio Cristo, os fiéis constituem um povo, apesar de
pertencerem a diferentes Igrejas. A este respeito, disse Chiara Lubich:
O fato é que Cristo nos uniu e fez de nós um único povo. [...] Este é o nosso
ecumenismo. Existirão dificuldades. [...] Estas dificuldades são teológicas.
Nós temos a vida. Nós nos amamos. Nós nos queremos bem. Nenhuma
dificuldade teológica pode travar o amor! Nós vamos adiante. Nós nos
compreendemos. Nós nos ajudamos. [...] E seremos aquele povo que
vencerá!
114
Este ecumenismo do povo é a base sobre a qual todos os outros diálogos
podem apoiar-se e prosperar. Em conseqüência, este novo modo de atuar o
112
LUBICH, Chiara. Chiara no Congresso Ecumênico dos Bispos: s sois um em Cristo Jesus
(Gal 3,28) A presença de Jesus entre os seus e o diálogo da vida. Rocca di Papa, 26 de
novembro de 2003, 26 Nov. 2003. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo D).
113
LUBICH, Chiara. Chiara na cerimônia de Advento: Oração Ecumênica do Advento. Igreja de
Sant‟Ana, Augsburg, Alemanha. 29 Nov. 1998. (Material de uso interno do Movimento dos
Focolares, reproduzido no Anexo A).
114
LUBICH, Chiara. Chiara aos internos da Grã-Bretanha e da Irlanda: Responde a 21 perguntas.
Logan Hall, Londres. 16 Nov. 1996. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo C).
71
ecumenismo intensifica a valorização de todas as outras estradas que conduzem à
plena realização do testamento de Jesus: “Que todos sejam um”. (Jo 17,21).
Portanto, o caminho da caridade se transforma numa reciprocidade de
pessoas que se sentem membros do mesmo corpo, o que somos de fato mediante o
batismo, segundo a cristã. O caminho da oração ou o ecumenismo espiritual se
intensifica, pois foi o próprio Jesus quem disse: “Se dois de vocês na terra estiverem
de acordo sobre qualquer coisa que queiram pedir, isso lhes será concedido por
meu Pai que está no céu(Mt 18,19) . Então, se união no amor, os pedidos são
certamente acolhidos por Deus.
O diálogo teológico encontra novo impulso, pois, se Jesus estiver presente
entre aqueles que falam, será Ele mesmo a iluminar cada idéia, cada palavra. A este
propósito, o Cardeal Walter Kasper afirmou: “O „ecumenismo do amor‟ e o
„ecumenismo da verdade‟, que tem sem dúvida uma grande importância, devem ser
concretizados por meio do „ecumenismo da vida‟”
115
.
Enfim, pode-se dizer que a metodologia utilizada neste novo modo de fazer
ecumenismo não parte das estruturas, discussões teóricas, doutrinas e
organizações; mas de uma unidade vivida, experimentada. Tal metodologia vem
sendo valorizada e apreciada por muitos na caminhada ecumênica, por exemplo, à
pergunta: “Que contribuição o senhor acha que o Movimento dos Focolares pode dar
ao ecumenismo”?
116
, o Reverendo Samuel Kobia então Secretário Geral do
Conselho Mundial de Igrejas respondeu:
Para mim, o Movimento dos Focolares representa o melhor exemplo de
ecumenismo aplicado. [...] Vocês vivem o Evangelho de Jesus Cristo,
caminham no sulco do Evangelho, falam do Evangelho, partilham o
115
KASPER, Walter apud BACK, Joan, 2009, p. 401.
116
Pergunta formulada por Gabri Fallacara na entrevista com Samuel Kobia. KOBIA, Samuel. Os
Últimos Encontros com Chiara. Noticiário Mariápolis. São Paulo: Cidade Nova, ano XXV, n. 4,
2008. p. 6. (Entrevista concedida a Gabri Fallacara)
72
Evangelho num modo muito atraente. [...] Uma das coisas de que o mundo
mais precisa hoje é o amor. [...] Eu diria que difundir a amizade ecumênica,
como vocês fazem, é a melhor contribuição que podem dar ao Movimento
ecumênico. [...] Continuem a fazer o que estão fazendo.
117
Segundo o Cardeal Kasper:
O Movimento dos Focolares deu um grande contributo para o movimento
ecumênico, partindo da idéia central da presença de Jesus em meio aos
Seus, da centralidade do amor. Vejo grupos de focolarinos onde estão
presentes os protestantes, anglicanos, ortodoxos, e isto é um
ecumenismo da vida. São pequenas células, mas que têm uma importância
enorme.
118
Constata-se que a grande atualidade do diálogo da vida é aquela de
fornecer os elementos para responder as perguntas e às exigências do mundo
ecumênico. Quando o povo vive o diálogo da vida, potencializam-se todos os outros
diálogos. Não são apenas os outros diálogos que m necessidade do diálogo da
vida, mas o mundo ecumênico de hoje exige uma simbiose entre todos. É esta, em
resumo, a essência do diálogo da vida, que, sem dúvida, não dissociada da vivência
do mistério da cruz, procura construir pontes para restabelecer e / ou reforçar os
vínculos de unidade. Portanto, é necessário voltar a refletir sobre o mistério da cruz.
2.3.2 Jesus crucificado e abandonado: chave para a comunhão plena e visível entre
as Igrejas
A unidade revelou-se como a síntese da espiritualidade do Movimento dos
Focolares. Esta pressupõe merecer as promessas de Mateus 18,20: a presença de
Cristo entre os Seus. Tal presença, porém, requer o amor à cruz, isto é, a Jesus
crucificado e abandonado. Ou seja, para chegar-se à koinonia e para ter a presença
de Jesus no meio, é necessário passar pela kenosis. Assim, para que o modelo de
ecumenismo proposto acima seja concretizado, faz-se necessária uma chave. Esta
chave é a cruz de Cristo. O modelo de Jesus crucificado e abandonado que grita na
117
KOBIA, 2008, p. 6.
118
KASPER, Walter apud BACK, 2009, p. 401.
73
cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,16 e Mc 15,34) é a
chave para uma pessoal koinonia com Deus e entre os irmãos, para construir a
koinonia na própria Igreja e entre as Igrejas. Não existe koinonia sem kenosis.
Jesus, enfrentando o abandono sobre a cruz mostrou o caminho por excelência. Foi
na Sua paixão e morte, quando sofreu no momento da agonia no horto, da
flagelação, da coroação de espinhos, da crucifixão que Ele deu a Sua vida pela
humanidade.
Neste mesmo sentido, a Ut Unum Sint cita a carta aos Efésios: “‟[...]
destruindo o muro de inimizade que os separava [...], pela Cruz levando em Si
próprio a morte à inimizade‟ (Ef 2,14-6), Ele fez a unidade entre o que estava
dividido”.
119
É esta também a chave para compreender o estilo de vida ecumênica
do Movimento dos Focolares. É amando Jesus crucificado e abandonado, porque se
reconhece com amor o Seu vulto em cada dor, que se encontra a força para
enfrentar e transformar o sofrimento: “[...] Ele manifestou o Seu amor, sobretudo com
o sacrifício de si mesmo na cruz e no abandono. Jesus abandonado é o nosso estilo
de amor”
120
.
Hoje, para edificar plenamente a comunhão no amor recíproco, é importante
contemplar, sobretudo, esta dor de Jesus e espelhar-se nela. Jesus se ofereceu
para tirar os pecados do mundo e reunir os homens separados de Deus. Por
conseqüência, desunidos entre eles, o único modo para realizar esta Sua missão foi
experimentando em Si a abissal separação entre Ele, Jesus, que é Deus, e o Pai:
sentiu-se abandonado por Ele. Jesus, porém, volta a abandonar-se no Pai: “Em tuas
mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Assim ele superou essa imensa dor e
reconduziu os homens ao Pai e à aceitação recíproca. Portanto, não é difícil ver que
119
UUS, n. 5.
120
LUBICH, Chiara. A Unidade e Jesus Abandonado. São Paulo: Cidade Nova, 1985. p. 62-63.
74
é exatamente Jesus abandonado aquele que deve guiar e iluminar o caminho
ecumênico:
O mesmo diria diante das divies maiores, como aquelas entre as nossas
Igrejas: temos que trabalhar para recompor a plena e visível comunhão. [...]
Experimentaremos que Jesus abandonado, amado, é sempre a chave da
unidade: nele encontraremos o motivo e a força para não fugir desses
males, mas para dar a nossa solução pessoal e coletiva. A cultura da
comunhão tem como caminho e modelo Jesus crucificado e abandonado.
121
O amor recíproco vivido com esta medida leva, em consequência, a atuar a
unidade e esta, colocada em prática, tem como efeito um elemento chave para um
ecumenismo vivo. E aqui se reforça a idéia da presença de Jesus entre várias
pessoas, na comunidade: “Onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome, ali
estou eu no meio deles”. (Mt 18,20). E é Ele quem vigor e força neste processo
de superação de toda e qualquer barreira. Nesse sentido, o Padre Richard Quinlan,
um pároco de Londres, participante ativamente da espiritualidade do Movimento dos
Focolares, expressa:
No bairro londrino de Putney, o ecumenismo era um valor apreciado,
sobretudo, quando praticado pelos outros! Contudo, dez anos, iniciamos
uma grande mudança: passamos de um Conselho local de Igrejas
diferentes a uma Igreja reunida por um profundo entendimento de amor.
Isso significou um empenho profundo para agirmos juntos, para
partilharmos o que temos em comum e nos respeitarmos mutuamente,
quando não é possível caminhar lado a lado. [...] O que cresceu entre as
diversas Igrejas e o respectivo clero foi o respeito mútuo, que nos levou a
amar a Igreja do outro como amamos a nossa. Não escondemos nem
abolimos as diferenças. Ao contrário, aceitamos as tradições de todos sem
a preocupação de corrigir as que são diferentes das nossas. [...] Isso gera a
presença de Cristo entre nós, em nossas associações e fraternidades. [...]
Naturalmente, sempre um preço a pagar em qualquer iniciativa. O seu
nome é Jesus crucificado e abandonado. Ele está presente para ser amado
e para fazer surgir um novo germe de vida. Poderíamos dizer que a nova e
maravilhosa Igreja do futuro acontece na medida em que
experimentarmos Jesus crucificado e abandonado. É Ele quem abre e fecha
as portas do diálogo. Foi assim que começamos a descobrir uma nova
identidade no clero de nossa diocese em Putney [...].
122
121
LUBICH, Chiara. Por uma Cultura de Comunhão: Discurso de Chiara Lubich em Stuttgart:
Stuttgart, Alemanha. 12 Maio 2007. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo E).
122
REVISTA MUNDO E MISSÃO. Evangelização e Ecumenismo. Disponível em:
<http://www.pimenet.com.br/mundoemissao/evangplano.htm>. Acesso em: 21 nov. 2008.
75
Portanto, o restabelecimento de toda unidade -se não pela análise dos
eventuais problemas ou causas de desunidades, mas pelo amor mais radical a
Jesus abandonado presente na cotidianidade dos membros do Movimento. A
unidade é o fruto maduro do amor a Jesus abandonado. Esse amor liberta as
pessoas de si mesmas, dos afetos, dos bens, de tudo o que possa impedir a
unidade. Esse amor gera a unidade com Deus e a unidade com os irmãos. Essa
unidade é identidade e integração, quer seja em nível pessoal, quer seja em grupo.
Através desta intimidade com Jesus abandonado, a comunidade se torna
verdadeiramente pascal: comunidade do Ressuscitado. Enfim, para ser um, vive-se
o amor radicado no abandono de Jesus na cruz, o qual, dando Seu Espírito, gera a
comunhão: “[...] nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, sendo
membros uns dos outros”. (Rom 12,5).
A partir do que foi apresentado nesse capítulo, pode-se dizer que o diálogo
da vida, que nasce de um profundo relacionamento de amizade, amadurecido e que
é sustentado pela vivência da cruz de Cristo, é uma das contribuições específicas do
Movimento dos Focolares ao ecumenismo. A seguir, será oferecida uma sua
segunda contribuição à caminhada ecumênica, proposta esta de cunho mais prático:
trata-se do Projeto da Economia de Comunhão na Liberdade.
3 ECONOMIA DE COMUNHÃO: UM PROJETO
A Economia de Comunhão
é uma construção toda de amor,
só de amor, [...].
É uma obra que, sendo amor,
não permanecerá
somente nesta terra, mas, [...],
que permanecerá na outra vida.
123
Os carismas são modos diferentes, porém complementares de viver o
Evangelho. Como a vida da Igreja é um progredir rumo à plenitude do Reino de
Deus, cada carisma suscitado pelo Espírito Santo compreende, em si, todos os
anteriores e, ao mesmo tempo, traz uma novidade na compreensão da palavra de
Deus.
Os capítulos anteriores evidenciaram que a novidade do carisma do
Movimento dos Focolares é a unidade, a qual é o ponto central da mensagem de
Jesus e do Seu testamento: “Que todos sejam um para que o mundo creia” (Jo
17,21). Assim, é constituída uma espiritualidade que coloca, no seu centro, os dois
pólos fundamentais da ética cristã: a caridade e a comunhão.
Típico da espiritualidade da unidade é o fato de ser uma espiritualidade
coletiva: a comunhão que dela desabrocha não é coletivismo nem companheirismo,
mas transcende tanto o coletivismo como o individualismo. É uma terceira alternativa
123
LUBICH, Chiara. Economia de Comunhão: História e Profecia. São Paulo: Cidade Nova, 2004. p.
52.
77
que privilegia a pessoa como alguém que é se está em comunhão com os demais.
Dentro dessa perspectiva, deduz-se que não separação entre conversão
individual e reforma das estruturas sociais e políticas; entre moralidade pessoal e
ética social.
Os grandes problemas da humanidade, sem negligenciar a contribuição da
ciência e da tecnologia, só poderão ser resolvidos através da reconstrução da
comunhão humana em todos os níveis. Aqui está a importância da vivência coerente
por parte de cada cristão. Se cada cristão viver a sua fé, será caridade viva. E esse
viver a tem conseqüências, transformando o ambiente que o circunda. De fato, a
ética cristã é uma ética da caridade e, da mesma forma que essa caridade é o amor
que existe em Deus, também a ética cristã é a ética da comunhão.
Foi, então, como resultado da vivência da espiritualidade da unidade
espiritualidade esta embasada na vivência radical do Evangelho - que nasceu em
1991, durante uma visita de Chiara Lubich ao Brasil, o Projeto da Economia de
Comunhão na Liberdade. Este capítulo dedica-se à apresentação de tal Projeto que,
colocado em prática conjuntamente por membros de diferentes Igrejas, tem muito
contribuído para gerar relacionamentos e estruturas sociais verdadeiramente justas
e de acordo com a dignidade do ser humano.
3.1 A gênese da economia de comunhão
A proposta do Projeto da “Economia de Comunhão na Liberdade” foi lançada
por Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, em maio de 1991, na
ocasião de sua visita às comunidades dos Focolares no Brasil. Sua idéia principal
consistiu em fundar ou reorganizar empresas e indústrias, de todos os setores da
economia, a fim de obter lucros que pudessem ser livremente partilhados. Os lucros
78
partilhados são divididos em três partes: uma parte destinada para o
desenvolvimento da própria empresa; outra parte ajudaria àqueles que estão em
necessidade; e uma terceira parte destinada ao desenvolvimento das estruturas
necessárias para a formação de “homens novos” (cf. Ef 4,24). Isso aconteceria
também pelo ânimo do amor cristão, sem o qual não é possível conceber uma
economia de comunhão e uma cultura da partilha.
Assim que Chiara anunciou a Economia de Comunhão, os membros do
Movimento dos Focolares foram atraídos por esse Projeto através de uma
impressionante participação. Para o Projeto, foram colocados à disposição terrenos,
casas, meios econômicos e capacidades; muitas empresas nasceram e muitas se
transformaram segundo os parâmetros da Economia de Comunhão na Liberdade
124
.
A adesão foi imediata não nas várias comunidades do Brasil, mas tamm entre
os membros de outras nações e de outros Continentes. Hoje existem cerca de
oitocentas e cinqüenta empresas que participam do Projeto.
Com a Economia de Comunhão (EDC), Chiara Lubich propõe a todos
àqueles que atuam no campo da economia que partilhem os lucros, e, desta forma,
é possível transformar os bens materiais em instrumentos de fraternidade. Esse
novo modelo de economia tem sido aprofundado por estudiosos e por empresários
de diversas partes do mundo. Desses estudos está emergindo um quadro
interessante sobre os possíveis desenvolvimentos deste modo de conceber a gestão
de uma empresa. Além disto, a validade da proposta de Chiara Lubich começa a ser
reconhecida em âmbito acadêmico. Devido à Economia de Comunhão, Chiara
Lubich recebeu três doutorados honoris causa: em Ciências Sociais pela
Universidade de Lublin (Polônia); em Economia pela Universidade Católica de
124
Aqui, ao utilizar a expressão parâmetros da Economia de Comunhão, refiro-me às características
específicas do Projeto já citadas no parágrafo acima.
79
Pernambuco (Brasil); e em Economia e Comércio pela Universidade Católica do
Sagrado Coração de Piacenza (Itália).
A Economia de Comunhão, expressão da espiritualidade da unidade na vida
econômica, pode ser compreendida, em sua integridade e em sua complexidade,
somente se inserida no contexto da visão do homem e da sociedade que brota da
espiritualidade do Movimento dos Focolares. Espiritualidade que provém do
Evangelho vivido, do qual nasce a partilha, a comunhão, a unidade. Nas palavras da
própria Chiara Lubich:
A Economia de Comunhão tornou-se vvel, porque nasceu num contexto
cultural bem determinado: a cultura do amor, que requer comunhão,
unidade, e ajuda a visar a um mundo novo, a criar um povo novo, com uma
cultura nova, que traz em si aqueles valores dos quais somos mais
ciosos.
125
A este respeito, na cerimônia de entrega do doutorado honoris causa a
Chiara Lubich pela Universidade de Piacenza (1999), o professor de Economia
Stefano Zamagni falou sobre:
[...] uma necessária re-fundação das categorias econômicas, justamente
porque nesse agir econômico entram em ação fatores desconhecidos à
teoria econômica dominante, como a comunhão, em oposição ao
individualismo, o doar, em oposição ao possuir, a centralização do homem
com valores de plena realização, confiança, felicidade, que se revelam
como fatores produtivos.
126
3.2 A vivência da partilha a partir da espiritualidade do Movimento dos
Focolares
A fim de compreender melhor a proposta do projeto da Economia de
Comunhão na Liberdade, é necessário retomar os objetivos e a espiritualidade do
Movimento dos Focolares. Como mencionado anteriormente, embora tenha nascido
125
LUBICH, 2004, p. 46.
126
Parte do pronunciamento de Stefano Zamagni na outorga do doutorado honoris causa a Chiara
Lubich pela Universidade de Piacenza, 1999. Economia de Comunhão. Doutorado h.c. Piacenza
(Itália). 21. fev. 2000. Disponível em: <http://focolare.org/br/edcC_pt.html>. Acesso em: 27 out.
2009).
80
no seio da Igreja Católica, o Movimento difundiu-se rapidamente entre pessoas das
mais diversas Igrejas, religiões e culturas. Como conseqüência disso, desenvolveu-
se um profícuo diálogo ecumênico e inter-religioso. Assim, estão inseridos, no
Movimento, membros de várias confissões cristãs, membros de outras religiões,
inclusive, pessoas que o professam uma ou uma crença religiosa, mas que
anseiam por uma sociedade mais fraterna, embasada nos valores da justiça, da
igualdade e da paz.
No início da experiência de Chiara, o que tamm é seu fundamento, está a
compreensão de que Deus é Amor. Tal compreensão inaugura um novo
conhecimento de toda a realidade enquanto reflexo do amor trinitário. Tudo o que
existe está numa relação de amor recíproco, numa relação de comunhão que gera a
unidade. Desse modo, o Movimento dos Focolares coloca suas raízes no amor
recíproco e na unidade e o carisma permeia sua espiritualidade.
E é justamente por essa espiritualidade da unidade que o Movimento
consegue unir de forma harmoniosa pessoas tão diferentes por convicções e
culturas. A unidade é considerada a expressão suprema do amor cristão. Os
principais pontos-chave da espiritualidade do Movimento estão fundamentados e
voltados à unidade. Através da unidade, Chiara sempre conduziu os membros do
Movimento a olharem para o alto:
Na Economia de Comunhão nada se consegue fazer se não houver na base
a cultura do dar, que é o Evangelho. O Evangelho é amor, porque Deus é
amor, e nós devemos ser o amor. Concretamente amor significa dar. Sem
dar, sem servir, sem ajudar, não existe amor, existe sentimentalismo.
Portanto é preciso sem vida que haja na base uma transformação do
homem velho em homem novo, com diz São Paulo, e, por conseguinte, que
seja subtraído o egoísmo, que sejam eliminadas as divisões, que haja o
amor e a unidade.
127
127
LUBICH, 2004, p. 65.
81
Portanto, a espiritualidade presente no Movimento dos Focolares investe a
pessoa no seu todo e a ajuda a estabelecer um relacionamento de unidade, de
filiação com Deus, de fraternidade com os demais irmãos. Esse relacionamento
deve ser traduzido em gestos concretos sob todos os aspectos da vida, tamm do
ponto de vista sócio-econômico; além disso, deve-se respeitar a liberdade da
pessoa, espelhando a comunhão típica da espiritualidade evangélica do Movimento.
De fato, ao observar a história do Movimento, constata-se que a vida dos
seus membros, desde o início, foi caracterizada pela prática espontânea da
comunhão dos bens. Com suas primeiras companheiras, Chiara Lubich colocou em
comum as poucas coisas pessoais, retendo para si o estritamente indispensável. A
comunhão originária, de corações e de bens, semelhante à prática das primeiras
comunidades cristãs (cf. Atos 4, 32-37), eco dos ensinamentos de Jesus, havia
perdido a sua força ao longo da vida da Igreja. A comunhão cristã enfraqueceu,
apesar de que sua prática ainda acontecia em mosteiros, em conventos e em
algumas comunidades de leigos.
Através deste carisma emergia como uma possibilidade para as multidões,
para todo o povo cristão, com todos os frutos e conseqüências que amadureceram
mais tarde. Era forte a consciência, para aquele primeiro grupo, do que aconteceria:
Nós tínhamos como meta atuar a comunhão dos bens ao máximo alcance
que pudéssemos pensar, porque não é que s queríamos amar os pobres
pelos pobres, ou apenas amar Jesus nos pobres, nós queríamos resolver o
problema social.
128
Em diversas ocasiões, Chiara Lubich voltou a este assunto. Mesmo que
fossem poucas pessoas e estivessem dando os primeiros passos na nova aventura,
a convicção era de chegar ao mundo inteiro com a meta da comunhão. Contudo,
128
LUBICH, Chiara. Linhas Mestras para o aspecto: Comunhão dos Bens e Trabalho. São Paulo:
Cidade Nova, 1983. p. 18.
82
naquela época, as pessoas do Movimento estavam conscientes de que com aquilo
que faziam poderiam atingir somente a cidade de Trento.
O que eu sentia fortemente dentro de mim era atuar a comunhão dos bens
na cidade de Tento, porque não podia ir mais além. Eu pensava: Existem
duas ou três localidades onde existem pobres [...] vamos até eles, levemos
o que temos e dividamos com eles.
129
Portanto, a base de tudo é um raciocínio muito simples, mas com efeitos
revolucionários: realizar a igualdade entre todos. Não se tratava de uma comunhão
dos bens finalizada apenas em obras caritativas ou assistenciais para socorrer
alguns. Havia uma viva atenção à questão social e ao desejo de contribuir para a
sua solução.
Em Trento no ano de 1943, na cidade atingida pelos horrores da II Guerra
Mundial, os primeiros membros da comunidade do Movimento recolhiam alimentos,
vestuário e remédios e os distribuíam o para aqueles que aderiam ao
Movimento. Em poucos meses eram, aproximadamente, quinhentas pessoas que
auxiliavam os doentes, os sem-teto, os mutilados, os presidiários, as pessoas que
perambulavam entre os destroços da guerra. O Movimento se empenhava também
em encontrar trabalho para quem não o tinha.
A confiança na Providência: “Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a
sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6,33) era vida
quotidiana. Assim, foi justamente essa vida de comunhão e partilha dos bens a
premissa e o fundamento para o projeto da Economia de Comunhão.
Muitas iniciativas e ações internacionais concretizaram-se nos mais variados
contextos sociais, sobretudo as ações que foram ao encontro das exigências dos
mais pobres e marginalizados, ou por ocaso de calamidades naturais, ou para
129
LUBICH, 1983, p. 18.
83
ajuda a países em graves dificuldades. Tais iniciativas decorrem naturalmente, como
um fruto da espiritualidade que anima os membros do Movimento dos Focolares.
Esses membros almejam dar visibilidade ao amor ensinado pelo próprio Jesus:
“Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei(Jo 13, 34) a ao ponto de gerar a
unidade que é a idéia central do Movimento.
3.3 A vivência da reciprocidade na economia
Alguém poderia perguntar-se: „Mas o que levou Chiara Lubich a lançar o
Projeto da Economia de Comunhão na Liberdade?‟ Um primeiro motivo que inspirou
Chiara a lançar o Projeto no Brasil foi o fato de ela haver tocado com as próprias
mãos os fortes contrastes sociais existentes no Brasil. Embora ela os conhecesse
pessoalmente através de viagens feitas na década de 1960, agora Chiara encontrou
os contrastes sociais ainda mais agravados e isso lhe causou um forte impacto.
Em São Paulo, com seus enormes arranha-céus, circundados por inúmeras
favelas, Chiara Lubich encontrou aquilo que o Cardeal Paulo Evaristo Arns definiu
plasticamente como a coroa de espinhos, onde milhões e milhões de pessoas
vivem em condições desumanas. Essa é a situação do Continente latino-americano,
causada pelas “[...] estruturas de pecado [...]”,
130
como definiu o Papa João Paulo II.
De fato,
[...] Chiara Lubich ficou impressionada com a extrema miséria e com as
muitas favelas que [...] circundavam a cidade; uma impressão profunda
causada principalmente pelo enorme contraste entre aqueles barracos [...] e
os muitos arranha-céus luxuosos. O problema social, sempre muito vivo
nela, por uma inspiração, apresentou-se a ela naquele momento em toda a
sua dureza e dramaticidade. Depois chegou [...] com um forte sentimento
íntimo: à urgência de fazer algo concreto para aquelas pessoas.
131
130
JOÃO PAULO II. Aprendendo com João Paulo II Pecado Social e Pecado Pessoal. Disponível
em: <http://www.universocatolico.com.br/content/view/1052/3/>. Acesso em: 29 dez. 2008.
131
BRUNI, Luigino. Comunhão e as Novas Palavras em Economia. São Paulo: Cidade Nova, 2005. p.
26.
84
Além do impacto com a realidade brasileira, deve-se considerar uma forte
intuição que Chiara Lubich teve mais de cinqüenta anos e que deu um impulso à
economia de comunhão. Ela estava em Einsiedeln, na Suíça, pequena localidade,
que hospedava um notório santuário mariano com uma abadia beneditina em seu
centro. Um dia, do alto de uma colina, Chiara Lubich e suas companheiras
observavam a belíssima Igreja onde os monges rezavam; observavam o conjunto de
casas onde moravam, a escola onde estudavam e os terrenos ao redor onde
exerciam suas atividades. Ali, Chiara viu realizado o carisma de São Bento: ora et
labora. Após alguns anos, em 1964, surgiu Loppiano, a primeira das trinta e cinco
cidadezinhas atualmente espalhadas no mundo todo. Entre estas, está a Mariápolis
Ginetta, onde Chiara lançou a proposta da Economia de Comunhão.
Outro motivo que inspirou Chiara a lançar o Projeto da Economia de
Comunhão na Liberdade foi a reflexão sobre a Encíclica Centesimus Annus
132
,
publicada em maio de 1991. As reflexões decorrentes da Encíclica aconteceram
justamente nos dias em que Chiara preparava-se para sua viagem ao Brasil. Assim
Chiara Lubich exprime a sua reflexão:
Ora, depois da queda do coletivismo comunista, o Papa reafirma a Doutrina
Social Cristã, o direito à propriedade privada, a liberdade de associação e a
salvaguarda dos direitos humanos sob todos os aspectos. E fala,
simultaneamente, do objetivo social e universal da propriedade, e da
solidariedade, até sugerir a idéia de uma economia mundial. Foram
justamente a lembrança daquela primeira intuição de nossas cidadezinhas e
a reflexão sobre a Centesimus Annus que nos levaram a considerar um
elemento essencial da espiritualidade do nosso Movimento: o seu aspecto
socioeconômico. Ele enfatiza a comunhão de bens; e o só a enfatiza,
mas a realiza quarenta e sete anos sob diversas formas. [...] Todos os
membros do Movimento, de modo mais ou menos radical e sempre com
liberdade, vivem a comunhão de bens. É um elemento novo. De fato, todo
carisma que surge na Igreja traz uma novidade implícita no Magistério e nas
Sagradas Escrituras, mas que o Espírito Santo torna explícita por meio
daquele determinado carisma. Nós explicitamos a necessidade de o cristão
atuar, livremente, a comunhão de bens.
133
132
Cf. JOÃO PAULO II. Centesimus Annus: Carta Encíclica no Centenário da Rerum Novarum.
Petrópolis: Vozes, 1991.
133
LUBICH, 2004, p. 12-13.
85
Chiara pensou, então, qual seria a contribuição que o Movimento poderia dar
na América Latina. Ela viu que todos os membros do Movimento deveriam fazer um
salto de qualidade no campo social. Por isso, Chiara propôs que a comunhão de
bens fosse mais ampla.
A partir da Mariápolis Ginetta e depois das outras cidadezinhas do
Movimento, graças à comunhão dos bens, surgiram empresas e indústrias,
administradas por pessoas competentes, capazes de fazê-las funcionar com a
máxima eficiência e obtenção de lucros. A novidade de Chiara Lubich consiste
exatamente nisto: esses lucros, repartidos entre aqueles que participam do capital,
deveriam, livremente, ser colocados em comum. Deste modo, poderia nascer uma
economia de comunhão e a Mariápolis Ginetta seria um modelo para tal economia.
A esse respeito, são apropriadas as palavras de Chiara na sua conversa com os
habitantes da Mariápolis Ginetta: Comecemos por essa Mariápolis brasileira,
justamente para partir de um lugar do mundo onde os problemas sociais são
especialmente dramáticos, mas tamm onde o ímpeto para enfrentá-los é mais
intenso. Além disso, sabemos, que o exemplo arrasta".
134
A novidade de tal proposta está exatamente na destinação dos lucros, os
quais não seriam exclusivamente para incrementar o capital, mas também para
objetivos de justiça social.
[...] Mas o lucro deve ser posto em comunhão com todos, para aliviar os
pobres, dando assim o exemplo de uma sociedade em que não haja pobres.
Não basta um pouco de caridade, uma ou outra obra de misericórdia, um ou
outro supérfluo de pessoas isoladas. É necessário que empresas inteiras
ponham livremente em comum o próprio lucro que obtiverem. Uma tarefa
particular é formar homens novos, porque sem homens novos nada
faremos. Essas empresas, hoje pequenas, mas que amanhã crescerão,
serão uma realidade na comunhão de lucro, se houver homens novos.
135
134
LUBICH, 2004, p. 15.
135
LUBICH, 2004, p. 62
86
Baseado no que foi dito, pode-se constatar que ocorre um aprofundamento
do conceito de comunhão dos bens. De fato, enquanto nesta existe apenas o ato de
doar, na Economia de Comunhão há um uso ativo dos bens, que “[...] são colocados
em circulação no tecido social para que por sua vez produzam outros”.
136
Ao mesmo
tempo, a Economia de Comunhão pressupõe a comunhão dos bens tanto no sentido
de formação de capital, como na distribuição dos lucros. A Economia de Comunhão,
portanto, investe no trabalho e na empresa, ambos destinados a colocar em comum
os recursos. Desse modo, a empresa se torna um instrumento na construção de
uma economia que esteja a serviço de todos, colaborando, assim, para “[...] construir
uma sociedade mais justa e fraterna”.
137
Quanto aos empresários, eles representam uma nova ética empresarial: os
relacionamentos organizativos internos devem ser orientados para a fraternidade, e
a relação com os fornecedores, clientes e com a administração pública deve seguir a
mesma linha. os trabalhadores das empresas são tão fundamentais quanto os
donos e os sócios das empresas, pois tamm estes possuem a tarefa de
transformar tais firmas em empresas de comunhão. Os pobres, que, numa visão
tradicional da solidariedade para com as pessoas carentes teriam um papel passivo,
segundo o Projeto da Economia de Comunhão passam a ser considerados agentes,
parte ativa, fundamental do Projeto. Os pobres se tornam integrantes, participantes
desta fraternidade que se almeja realizar.
Assim, nas empresas da Economia de Comunhão, procura-se, de modo
especial, estabelecer relações de lealdade e respeito. Relações motivadas por um
sincero espírito de serviço e de colaboração com os clientes e fornecedores, com a
136
COSTA, Rui, et al. Economia de Comunhão: projeto, reflexões e propostas para uma cultura da
partilha. São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 8.
137
DIÁLOGO com o Leitor. Revista Cidade Nova, São Paulo, ano XLII, n. 5, p. 3-5, 2000. p. 3.
87
administração pública e, até mesmo, com os concorrentes. Da mesma forma,
procura-se valorizar os funcionários, formando-os e envolvendo-os como possível na
gestão da empresa.
Aqui é importante salientar que esta relação de reciprocidade entre a direção
da empresa e seus funcionários não tem por objetivo obter resultados quantitativos.
Porém, é evidente que as conseqüências de novas posturas como estas propiciam
uma maior satisfação dos funcionários, os quais passam a trabalhar com maior
prazer e compromisso, trazendo vantagens para a empresa. É a gratuidade que
gera reciprocidade. Portanto, pode-se afirmar que os diversos agentes do Projeto da
Economia de Comunhão, cada um com sua contribuição específica, desejam formar
uma comunidade fraterna, onde todos possam contribuir com igual dignidade.
Os adeptos de tal Projeto se empenham em dar atenção ao ambiente de
trabalho e ao respeito à natureza, mesmo quando isto significa ter que enfrentar
investimentos de custo elevado. Além disso, buscam cooperar com outras
realidades empresariais e sociais em nível local e em nível internacional.
Muitas pessoas se perguntam como podem sobreviver no mercado
empresas tão atentas às exigências de todos os sujeitos com que tratam e
ao bem de toda a sociedade. Com certeza, o espírito que as anima ajuda-as
a superarem os contrastes internos que dificultam e, em certos casos,
paralisam as organizações humanas. Além disso, seu modo de atuação
atrai a confiança e a estima de clientes, fornecedores ou financiadores. Não
devemos, contudo, esquecer um outro elemento essencial que vem
acompanhando constantemente o desenvolvimento da Economia de
Comunhão durante esses anos. Nessas empresas dá-se espaço à
intervenção de Deus, também na atuação econômica concreta. E
experimenta-se que, depois de toda escolha que vai na contracorrente,
desaconselhada pela prática dos negócios costumeira, Ele não deixa faltar
aquele acréscimo que Cristo prometeu: uma receita imprevista, uma
oportunidade inesperada, a oferta de uma nova colaboração, a idéia de um
novo produto de sucesso [...].
138
É importante salientar que dar espaço à intervenção de Deus ocorre através
da vivência das palavras de Jesus. Afinal, foi Ele mesmo quem afirmou: “Buscai, em
138
LUBICH, 2004, p. 35.
88
primeiro lugar, o Reino de Deus a sua justiça, e todas essas coisas vos serão
acrescentadas” (Mt 6,33). A doutrina social da Igreja ensina-nos que os bens
materiais não são a verdadeira riqueza, mas que antes de tudo está Deus.
139
Os bens servem para assegurar ao indivíduo as suas necessidades e para
garantir-lhe certa autonomia. Todavia, o indivíduo não pode desvincular-se da
relação com os outros seres humanos, que ele é um ser social. As próprias
necessidades o medidas em relação a de outros indivíduos. Portanto, o possuir
pode encontrar o seu verdadeiro significado apenas na partilha. A este respeito, a
socióloga Vera Araújo escreve o seguinte:
Além do que cada um precisa para suprir as suas necessidades
fundamentais (alimento, roupas, habitação), para viver na sociedade à qual
se pertence, começa a esfera do „dever de dar‟, dever não apenas moral,
mas também de justiça.
140
O dar gratuito responde a mais profunda exigência da natureza humana.
Logo, o ato de dar pode estar presente não apenas no agir econômico, mas constitui
a necessidade, ainda que inconsciente, desta época tipicamente tecnológica, com
enormes riquezas produzidas e mal distribuídas. A esse respeito, são relevantes as
seguintes palavras da Gaudium et Spes: “Mas, para tanto, requerem-se muitas
reformas na vida econômico-social e uma mudança de mentalidade e de hábitos por
parte de todos”
141
. Para alcançar esse nível é preciso uma plena adesão que, sem
dúvida, não pode ser imposta, mas que, se for verdadeira e profunda, torna-se, na
consciência do indivíduo, uma espécie de norma de comportamento mesmo quando
requer sacrifícios.
139
Cf. JOÃO PAULO II. Centesimus Annus: Carta Encíclica no Centenário da Rerum Novarum.
Petrópolis: Vozes, 1991, n. 61.
140
ARAÚJO, Vera. Para superar o consumismo, a cultura do dar. Revista Cidade Nova, São Paulo,
ano XXXV, n. 2, p. 19-21, 1993. p. 20 (Entrevista concedida a José Quartana).
141
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Gaudium et Spes (GS):
Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo, n. 63. In: Documentos do Concílio Ecumênico
Vaticano II. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002.
89
Atualmente a atividade econômica é exasperada: produz-se para acumular e
para possuir bens, produtos e serviços; no consumo se uma melhor qualidade de
vida e, portanto, a felicidade. Isso prejudica a dimensão individual e social da vida
humana.
3.4 Uma economia voltada à pessoa humana
Baseado no que foi exposto em relação à Economia de Comunhão na
Liberdade, pode-se dizer que esta é um fato espiritual, sociológico e antropológico
ao mesmo tempo. É um fato espiritual, porque para realizar a Economia de
Comunhão é preciso ser renovado espiritualmente; é preciso sentir-se irmão de
outras pessoas, todos filhos de um mesmo Pai. É um fato sociológico, porque se
trata de um uso ativo dos bens e não de uma mera renúncia.
Na Economia de Comunhão, os bens são multiplicados e colocados em
comunhão para outros objetivos, não para si mesmos. Em prática, na Economia de
Comunhão, existe aquilo em que São Paulo sempre insistiu, sobretudo na carta aos
Efésios: “[...] mas trabalhe com as suas próprias mãos, realizando o que é bom, para
que tenha o que partilhar com o que tiver necessidade” (Ef 4,28). No tempo de
Paulo, as necessidades eram alimentação e roupas. Atualmente, além de alimentos
e roupas, outras necessidades emergem: emprego, moradia, condições básicas de
saúde, de instrução, capacitação profissional, melhoria das condições sociais.
Em todas as experiências que estão sendo realizadas no mundo através da
Economia de Comunhão é perceptível o surgimento de um novo modo de relações
sociais concretas. pessoas que, à distância, colocam em comum os bens
materiais, somas em dinheiro. Tamm pessoas que se transferem para outros
lugares, colocando em comum as capacidades profissionais, os talentos, as
90
habilidades empresariais, as competências pessoais, a serviço de regiões em vias
de desenvolvimento para criar novas empresas e novas possibilidades de trabalho.
Existem famílias que repensam seus investimentos e aplicam as suas economias em
objetivos de solidariedade. O que surge é uma sensibilidade para as necessidades
dos outros. Não se trata apenas de dar, mas sim de um doar-se totalmente.
Eis porque Chiara Lubich fala do nascimento de uma nova mentalidade: a
cultura do dar, a cultura da partilha, capaz de despertar o sentido do social,
apagado em muitas pessoas. Essa nova cultura tem seu fundamento evangélico:
“Dai, e vos será dado [...]” (Lc 6,38). Tal fundamento, prometido por Jesus, leva a
assistir a intervenção da providência divina.
A Economia de Comunhão constitui um fato antropológico, porque no
centro da Economia de Comunhão está o homem e o seu crescimento integral, ou
melhor, esta é uma economia para o ser humano:
[...] Ela requer que se coloque no centro o homem e as relações
interpessoais, evitando comportamentos contrários ao amor do Evangelho.
Pede a valorização dos empregados mediante seu envolvimento na gestão
[...].
142
Tamm quem possui pouco pode tornar-se acionista, agente econômico
em pequena escala, como fizeram e fazem muitos. Também os jovens e as crianças
se tornam participantes ativos, tornando-se promotores de inúmeras iniciativas. Isso
comporta um crescimento em dignidade humana, porque quem consegue libertar-se
da mentalidade consumista, tende a horizontes sobrenaturais. Com a cultura da
partilha, o indivíduo abre-se para a comunhão com Deus e isso o leva a estabelecer
relações mais verdadeiras com os outros seres humanos e com a criação. Somente
em Deus, o indivíduo encontra a sua mais autêntica realização. O sociólogo
142
LUBICH, 2004, p. 55.
91
Tommaso Sorgi tem uma teoria a este respeito: ele diz que o ponto de
amadurecimento de um ser humano é alcançado quando este consegue dar sem
esperar o retorno
143
.
Confirmando tal pensamento, Chiara Lubich afirmou que é muito importante
buscar o lucro da empresa, usando bem todas as capacidades econômicas e
profissionais. Todavia, este não deve ser obtido, passando sobre os outros como
acontece na economia moderna que, fechada em si mesma, leva a consumir sempre
mais para produzir ainda mais. Busca-se o lucro, mas pede-se para colocar a
pessoa humana no centro do agir econômico. É uma gica nova, a economia
adquire uma alma e, ao mesmo tempo, liberta-se e torna-se libertadora.
3.5 Trabalhar em comunhão
Na cultura da partilha, o trabalho readquire o seu valor espiritual e o seu
significado original: tornar o homem consciente de que através de suas atividades
ele torna-se partícipe “[...] na obra do Criador e, num certo sentido, continua, na
medida das suas possibilidades, a desenvolvê-la e a completá-la, [...]”
144
. E, continua
ainda a Laborem Exercens:
Esta verdade, segundo a qual o homem mediante o trabalho participa na
obra do próprio Deus, seu Criador, foi particularmente posta em relevo por
Jesus Cristo, aquele Jesus de quem muitos dos seus primeiros ouvintes em
Nazaré ficavam admirados e exclamavam: „Donde lhe veio tudo isso? E que
sabedoria é essa que lhe foi dada? Porventura não é este o carpinteiro‟?
145
Infelizmente, hoje são poucas as pessoas que realizam o próprio trabalho da
maneira mais perfeita possível, pensando naqueles que podem usufruir dos
143
SORGI, Tommaso. A Cultura do Dar. In: COSTA, Rui, et al. Economia de Comunhão: projeto,
reflexões e propostas para uma cultura da partilha. São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 68. (p. 31-
68)
144
JOÃO PAULO II. Laborem Exercens: Carta Encíclica sobre o Trabalho Humano no 90º Aniversário
da Rerum Novarum. São Paulo: Loyola, 1981, n. 25. Citada doravante pela sigla LE.
145
LE, n. 26.
92
resultados do trabalho. Todos são absorvidos pelos deveres a cumprir, pelo lucro a
obter, colocando, inevitavelmente, um freio no crescimento em humanidade e a
própria realização.
Seguindo o pensamento de Chiara Lubich, no Movimento sempre se
procurou acreditar no Amor de Deus e na Sua providência, ou seja, acreditar que Ele
está realmente presente e que age na vida de cada ser humano. Deus é um Pai que
acompanha cada um com a sua providência e pede que os homens Lhe deixem um
pouco de espaço, pede aos homens que não confiem apenas nas suas próprias
forças. Naturalmente, a consciência de que Deus não deixará faltar nada não
significa que não seja necessário trabalhar, porque o próprio Jesus trabalhou
durante a sua juventude.
Entretanto, é preciso evitar o risco de fazer do trabalho o único objetivo da
vida, o seu centro. É importante empenhar-se, mas com espírito de desapego
interior, porque somente quem “[...] deixar os campos [...]” (cf. Mt 19, 29; Mc 10, 30;
Lc 18,30), receberá o cêntuplo sobre esta terra. (Cabe mencionar que por campos
aqui entende-se tamm o trabalho).
O Reino de Deus deve ser buscado segundo o caminho indicado por Jesus.
As pessoas não devem buscar o Reino sozinhas, mas junto com os demais irmãos.
A união entre as pessoas leva à compreensão recíproca; ao sentimento de assumir
como próprios os problemas alheios, a fazer próprias as fadigas dos outros, a
encontrar novas formas de organização do trabalho. A conseqüência de tudo isso se
torna evidente, porque o trabalho não se torna alienante, não leva ao anulamento da
personalidade, mas, ao contrário, leva a um crescimento, porque cada pessoa
nele o fruto da sua inteligência e das suas mãos.
93
O trabalho torna-se trabalhar com o outro em comunhão e um trabalhar para
o outro, porque nele descobre-se a presença de Cristo: “Todas as vezes que fizestes
isso a um destes meus irmãos mais pequeninos a mim o fizestes” (Mt 25, 40). Deste
modo, pode-se chegar a trabalhar com Deus e por Deus. Somente assim poderá
acontecer a passagem da cultura do ter para a cultura do dar, da partilha. Portanto,
“O apelo de Chiara Lubich pretende fazer desse dar a alma de novo modelo de
comportamento econômico, provocando uma verdadeira revolução de concepções:
no centro da economia está o homem. Mas que homem? O irmão”
146
.
A cultura da partilha não apenas inspira, mas está na base do Projeto da
Economia de Comunhão. Não se trata de um dar contaminado pelo desejo de poder
e de domínio sobre os outros, o que constitui apenas um dar aparente. Não se trata
de um dar impulsionado pelo egoísmo que busca a própria satisfação e que leva o
outro a sentir-se oprimido e humilhado. Também não se trata de um dar interessado
que busca obter um retorno, ou seja, o próprio proveito. Estas diversas formas de
dar alimentam sempre a mentalidade consumista.
Ao contrário disso, a cultura da partilha é gerada pelo dar evangélico e é
parte integrante das atitudes daqueles que acolhem e se empenham na construção
do Reino de Deus. Além do mais, a cultura da partilha oferece um crescimento da
dignidade humana que não ignora usos, costumes, culturas, tradições, porque
como mencionado, liberta o indivíduo da mentalidade consumista e o impulsiona
a novos horizontes em conformidade com o desígnio de Deus.
Pode-se dizer, enfim, que a Economia de Comunhão, como um instrumento
privilegiado na edificação e difusão da cultura do dar, contribui de maneira singular
na construção de um mundo mais unido, na construção da fraternidade universal. A
146
SORGI, 1998, p. 67.
94
Economia de Comunhão representa o caminho para um desenvolvimento integral da
pessoa humana, no respeito ao direito de todos os indivíduos ao desenvolvimento. O
Projeto da Economia de Comunhão inclui o desenvolvimento integral de todas as
capacidades humanas, seja no plano técnico material o que exige competência
seja no plano espiritual, através do amadurecimento de uma consciência social que
faz alargar os próprios horizontes às necessidades do próximo. E tudo isto no mais
alto respeito à liberdade de cada um.
Portanto, o Projeto da Economia de Comunhão não se apresenta tanto como
uma nova forma de empresa, mas quer transformar no seu âmago as estruturas
empresariais de trabalho usuais, baseando todas as relações fora e dentro da
empresa à luz de um estilo de vida de comunhão. É, ainda, característico deste novo
modo de conceber o trabalho, que tem como base a cultura da partilha, contribuir
para que se abram caminhos para um intercâmbio entre nações, gerando espaços
ainda mais amplos de solidariedade.
3.6 Economia de comunhão: nasce uma cultura nova
Após ter lançado a proposta da Economia de Comunhão Chiara Lubich, em
uma entrevista concedida à Revista Cidade Nova, disse:
[...] o que me esperança de que a idéia da Economia de Comunhão se
traduza em testemunho visível vem justamente da resposta prática que
deram imediatamente aqueles que a compreenderam. E não no Brasil,
mas também nos países latino-americanos vizinhos e na Europa,
oferecendo disponibilidades concretas de pessoas, de meios econômicos,
de capacidades e competências específicas. Dizem desde já como
sempre acontece com os impulsos que vêm do Espírito que essa
Economia de Comunhão, que nos propomos colocar em prática como nossa
contribuição específica para a realização da Doutrina Social da Igreja, terá
um futuro. E haverá de contribuir para estimular uma nova mentalidade, um
novo estilo de vida no campo socioeconômico.
147
147
LUBICH, 2004, p. 15-16.
95
Não se trata de um Projeto fechado, ao contrário, ele está adquirindo uma
dimensão planetária. O Projeto nasceu para resolver o problema social dentro do
Movimento, todavia, cada vez mais, seu alcance está fora do Movimento. Hoje, com
a queda do coletivismo e com a crise do individualismo, esperanças de que
aconteça algo para resolver os problemas sociais e econômicos, visando as
exigências mais verdadeiras do ser humano o qual - criado à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gn 1,26) - aspira a mais plena comunhão.
Seguem algumas reflexões de expoentes na área acadêmica e/ou
econômica poucos anos após o surgimento da Economia de Comunhão:
Jung Mo Sung, economista e teólogo coreano, residente no Brasil:
O grande aspecto positivo e, talvez, a principal razão do seu sucesso está
no fato de ser uma proposta concreta e praticável imediatamente por
pessoas de „boa vontade‟. A proposta de uma economia de comunhão,
fundada na idéia da „empresa como família‟, sobre a destinação social dos
lucros e sobre uma nova espiritualidade, é muito louvável. O mérito desta
proposta do Movimento dos Focolares reside, a meu ver, em três pontos
principais:
1. assumir a questão econômica, tanto em vel teórico quanto prático,
suscitando debates teóricos e realizando experiências novas, dentro da
missão evangelizadora da Igreja;
2. propor caminhos concretos ao alcance dos indivíduos ou de pequenos
grupos (particularmente naqueles setores da classe média e dos pequenos
e médios empresários cristãos que se sentiam um pouco deixados de lado
no discurso eclesial sobre os problemas sociais);
3. estimular a necessidade de pensar em novas formas de relações de
trabalho dentro das empresas e entre as empresas. Estas novas formas se
baseiam sobre uma nova espiritualidade que substitui a atual espiritualidade
capitalista, mesmo se isto não é dito explicitamente.
148
Pasquale Foresi, sociólogo e teólogo:
É verdade que Chiara Lubich freqüentemente, mesmo não tendo uma
competência específica num certo campo, tem intuições que fazem
emudecer as pessoas mais especializadas. Também neste caso concreto,
não é que ela possui um conhecimento espefico dos meandros e das
complexidades da vida econômica. Porém, quando lançou esta idéia, ela a
fez apoiar-se imediatamente sobre dois princípios: a liberdade na condução
148
SUNG, J. M. apud ARAÚJO, Vera. Por uma economia de comunhão. A Sociedade. n. 8-9, p. 513-
514, 1994. p. 513.
96
da empresa e o fato que livremente os proprietários poderiam colocar em
comum os lucros. Eu fiz a seguinte reflexão: „Talvez é mesmo o Espírito
Santo que a ilumina‟, pensando que ela, justamente por não estar dentro
dos aspectos técnicos da economia, era mais livre para ouvir a voz de
Deus.
Em suma, creio que esta pode ser uma solução realmente grandiosa
tamm por todas as implicações que comportará num plano não apenas
nosso, mas também da Igreja e da sociedade civil.
149
Adam Biela, na época Decano da Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade de Lublin (Polônia) em seu pronunciamento durante o cerimonial de
outorga do título de doutor honoris causa em Ciências Sociais a Chiara Lubich em
Junho de1996:
Chiara Lubich criou um novo fenômeno social que, indicando a possibilidade
de aplicação de um novo paradigma de unidade, pode ter uma importante
função inspiradora, com chance de encontrar-se na base das ciências
sociais e de significar tanto quanto a revolução copernicana para as
ciências naturais.
150
Stefano Zamagni, professor de economia política na Universidade de
Bolonha, assim afirmou em um Congresso sobre a Economia de Comunhão em abril
de 1998:
A experiência da Economia de Comunhão é um desafio seja em nível
propriamente intelectual, seja em nível propriamente existencial. Com
relação às razões específicas que a caracterizam, com relação a outras
formas de experiência..., vejo duas diferenças: a primeira é que na
Economia de Comunhão, quem aceita livremente esta fórmula, não aceita
separar o momento da produção de riqueza do momento da distribuição. O
segundo elemento qualificativo é o contrapor-se à opinião segundo a qual a
Ética pode submeter-se às exigências da economia. (...)
A experiência da Economia de Comunhão demonstra que, ou se acredita
em certos valores, como, por exemplo, a dignidade das pessoas, o respeito
pela autonomia, a justiça - mas se acredita, independentemente dos
resultados que estes valores trazem - ou então, o risco é a produção de
efeitos perversos. Por estas duas razões, acredito que o modelo da
Economia de Comunhão tenha todas as premissas para desenvolver-se e
enriquecer-se.
151
149
FORESI, P. apud ARAÚJO, p. 514, 1994.
150
BIELA, Adam. Economia de Comunhão O que falaram... Disponível em:
<http://focolare.org/br/eco9_pt.html>. Acesso em: 21 Jan. 2010.
151
ZAMAGNI, Stefano apud ECONOMIA de Comunhão O que falaram... Disponível em:
<http://focolare.org/br/eco9_pt.html>. Acesso em: 21 Jan. 2010.
97
E o Padre Theodoro Peters, S. J., na ocasião Reitor da Universidade
Católica de Pernambuco, em seu pronunciamento durante o cerimonial de outorga
do título de doutor honoris causa em Economia a Chiara Lubich em Maio de1998:
A sua luta incansável pela unidade, fundamentada no amor que vence tudo,
levou-a a conceber aqui no Brasil, uma nova cultura - a cultura da partilha,
que denominou Economia de Comunhão. Chiara Lubich faz o Evangelho
transbordar no mundo social, econômico, transformando a água em vinho,
isto é, a feroz competição capitalista em sinfonia humana de comunhão.
152
Como foi dito anteriormente, as diversas implicações decorrentes a partir da
proposta da Economia de Comunhão têm sido aprofundadas por estudiosos de
vários campos e vem alcançando um amplo reconhecimento no mundo acadêmico.
Segundo o Prof. Sérgio Zaninelli, então reitor da Universidade Católica de Piacenza
(Milão), quando esta concedeu a Chiara Lubich o doutorado honoris causa em
Economia e Comércio:
Eu diria que existe uma primeira perspectiva interessante, é justamente
aquela dos teóricos, daqueles que procuram interpretar e direcionar os
sistemas econômicos. Eles reconhecem que a experiência em economia
dos focolarinos é significativa e digna de ser objeto de estudo, porque é
concreta.
153
Esses reconhecimentos a Chiara Lubich, além de dar maior visibilidade à
proposta do Projeto da Economia de Comunhão, representam uma etapa
significativa no processo de elaboração de teorias econômicas implícitas em tal
Projeto. Além disso, o interesse do mundo acadêmico pelo Projeto da Economia de
Comunhão, proposto por Chiara Lubich, insere-se no horizonte da pesquisa teórica
encaminhada já há alguns anos por economistas, sociólogos e estudiosos de
diversas disciplinas sobre essa nova teoria econômica de comunhão. Tal
pensamento econômico tem sido objeto de congressos, seminários de estudos
152
PETERS, Theodoro apud ECONOMIA de Comunhão O que falaram... Disponível em:
<http://focolare.org/br/eco9_pt.html>. Acesso em: 21 Jan. 2010.
153
ZANINELLI apud DOCUMENTÁRIO sobre o doutorado honoris causa em Economia e Comércio a
Chiara pela Universidade Católica do Sagrado Coração. Piacenza, 29 de janeiro de 1999.
(Material de uso interno do Movimento dos Focolares, reproduzido no Anexo G).
98
organizados por universidades e centros culturais, no Brasil, na Colômbia, na
Polônia, em Portugal, na Itália e em tantos outros países.
CONCLUSÃO
Ao longo desse trabalho buscou-se oferecer um panorama histórico da
caminhada percorrida pelo movimento ecumênico, traçando alguns de seus desafios
e de suas perspectivas. A trajetória ecumênica pode dar um novo vigor no desejo de
trabalhar pela plena realização do “Que todos sejam um” (Jo 17, 21).
Esta dissertação procurou mostrar como um dos novos movimentos
eclesiais, o Movimento dos Focolares, fundado por Chiara Lubich, vem contribuindo
de forma determinante para a concretização da plena unidade entre as Igrejas,
que o Movimento tem justamente a unidade como seu fim específico. Assim, o
Movimento dos Focolares possui uma ampla e profunda bagagem ecumênica que,
no decorrer dos mais de sessenta anos de sua existência, muito tem auxiliado na
sensibilização e na formação dos cristãos, levando-os a uma maior experiência de
comunhão fraterna.
Gostaria aqui de compartilhar parte da mensagem que Chiara Lubich, em
uma de suas visitas ao Brasil, dirigiu à Trigésima Sexta Assembléia da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil em 27 de abril de 1998. Nessa mensagem, na qual
ela reporta sua experiência no campo ecumênico, encontram-se elementos que
estão em perfeita sintonia e que retratam aspectos abordados no decorrer dessa
dissertação.
[...] Se nós cristãos, hoje, no limiar do terceiro milênio, recapitularmos os
dois mil anos da nossa história e, sobretudo, a do segundo milênio, não
podemos evitar a consternação por constatar que muitas vezes ela foi um
alternar-se de incompreensões, de atritos, em lutas que rasgaram em
muitas partes a túnica sem costuras de Cristo, que é a sua Igreja.
100
De quem é a culpa? É claro que das circunstâncias históricas, culturais,
políticas, geográficas, sociais, mas também do desaparecimento, entre os
cristãos, de um elemento unificante, típico deles: o amor. [...] Viver uma
espiritualidade ecumênica significa dar aos homens e às mulheres uma
possibilidade maior de viverem e revelarem-se como filhos e filhas de Deus.
[...] Uma espiritualidade de comunhão, portanto. E a unidade é a
característica que poderá resumi-la por completo.
154
Nessa pesquisa, foi apresentado, como caminho para se chegar à unidade,
o caminho da amizade. A amizade constitui um campo de profunda convivência
entre os seres humanos, levando-os a, quase que naturalmente, superarem as
tendências egoístas intrínsecas a sua natureza. Foi salientado, que, muitas vezes, o
espírito individualista que se infiltra no relacionamento entre indivíduos e no
relacionamento em maior escala entre instituições não é tão simples de ser
superado. Assim, foi vislumbrada a proposta de amizade, partindo da ótica de Jesus
Cristo cuja medida de amor é aquela de dar a própria vida pelos amigos: Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Prosseguindo, através de uma hermenêutica da cruz, apresentou-se o
segredo para concretizar tal proposta: a cruz de Cristo. Essa foi apresentada como a
chave capaz de compor e recompor os laços de amizade. A cruz de Cristo recompõe
os laços de amizade ameaçados e leva a um amadurecimento até o ponto de gerar
a comunhão no amor recíproco. Partindo desse ponto de vista, constatou-se que
Jesus crucificado e abandonado é de extrema importância para o diálogo
ecumênico: Ele que assumiu em si todas as divisões, todas as dores.
Apresentou-se a experiência ecumênica do Movimento dos Focolares com a
proposta do diálogo da vida. Proposta que pode ser considerada uma das
contribuições específicas do Movimento à caminhada ecumênica. Aqui as palavras
de Segundo Galilea são apropriadas: “A amizade se pratica e cresce compartilhando
154
LUBICH, Chiara. Pronunciamento de Chiara Lubich na 36ª Assembléia da CNBB, 1998. (Material
de uso interno do Movimento dos Focolares).
101
tempo e momentos com o amigo”. Em resumo, essa é a idéia central do diálogo da
vida que, não desvinculada do elemento da cruz, procura construir pontes para
restaurar e/ou fortificar os vínculos de unidade.
Porém, essa comunhão, essa unidade a qual se almeja não é um fim em si
mesma, mas deve ser mostrada e levada à humanidade que não conhece Deus, que
não sabe o que significa a esperança: “Que sejam um para que o mundo creia”. (Jo
17,21). Nesse contexto, foi apresentado, no terceiro capítulo, uma outra contribuição
específica oferecida pelo Movimento dos Focolares à caminhada ecumênica: o
Projeto da Economia de Comunhão na Liberdade. A esse Projeto aderem e
empenham-se diretamente membros de diversas Igrejas. Eles trabalham
conjuntamente, mobilizando as energias no sentido de resolver situações de
injustiça social. Relevantes, neste sentido, são as palavras de Chiara Lubich:
Às vezes pensa-se que o Evangelho traz somente o Reino de Deus
entendido num sentido religioso e não resolve os problemas humanos. Mas
não é assim. Cada cristão, como outro Cristo, membro do seu Corpo
místico, pode dar uma contribuição pica para uma cultura de comunhão
em todos os campos: na ciência, na arte, na política, nas comunicações,
etc. E maior será a sua eficácia se trabalhar com outros, unidos no nome de
Cristo. [...]
No âmbito econômico, por exemplo, é possível suscitar de modo
espontâneo, entre aqueles que vivem o Evangelho, uma comunhão de bens
que imite aquela que foi feita entre os primeiros cristãos, sobre os quais
está escrito que “não havia necessitados entre eles(At 4,34).
Nas empresas é possível tentar aplicar o mandamento do amor recíproco
em todos os níveis e assim gerar a presença de Jesus no meio, prometida
pelo Evangelho: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu
estou no meio deles”. (Mt 18,20).
155
No mundo atual, é visível a trágica situação de desequilíbrio econômico
entre os povos e as conseqüências decorrentes de tal situação. Assim, o Projeto da
Economia de Comunhão procura ser uma resposta, trazendo ao mundo da
economia os pilares fundamentais da ética cristã. O Projeto da Economia de
155
LUBICH, Chiara. Por uma Cultura de Comunhão: Discurso de Chiara Lubich em Stuttgart:
Stuttgart, Alemanha. 12 Maio 2007. (Material de uso interno do Movimento dos Focolares,
reproduzido no Anexo E).
102
Comunhão é comunhão e acontece na liberdade e, portanto, é ditado unicamente
pelo amor. Tal postura ética é indispensável para estabelecer os alicerces de um
profícuo diálogo, visto que não diálogo que se sustente se este o acontecer
entre iguais.
Na base da Economia de Comunhão está uma visão do ser humano não
somente como sujeito de direitos que devem ser respeitados, mas como um irmão
pelo qual se está pronto até mesmo a ceder o que se tem por direito. Além disso,
outro aspecto fundamental desse modelo econômico é que a sua estrutura
empresarial é baseada na comunhão. Desta forma, todos os membros da empresa
encontram-se em uma posição ativa e criadora na produção de um capital que será
destinado não ao desenvolvimento da própria fonte de trabalho, mas também à
geração de mais empregos.
Pode-se afirmar que o Projeto da Economia de Comunhão na Liberdade
está em grau de contribuir muito ao processo de moralização da vida social, na
medida em que ajuda a realizar a comunhão entre as pessoas e as empresas,
colocando umas e outras na posição de sair do próprio isolamento egoísta. As
palavras de Luigino Bruni são significativas
156
. Aqui ele, em forma de homenagem a
Chiara Lubich, devido ao seu falecimento
157
, expressa seu profundo agradecimento
pela proposta da Economia de Comunhão:
Querida Chiara, antes de tudo obrigado em nome dos pobres, dos
empresários, dos trabalhadores de toda a Economia de Comunhão (EDC):
com a sua intuição do ano de 1991 você abriu a todos nós um caminho de
felicidade, de liberdade e de justiça na normalidade das operações
econômicas [...]
Muitos carismas no decorrer da história da Igreja produziram efeitos no
campo econômico (Bento, Francisco, Inácio etc), mas o seu carisma não
deu apenas vida a importantes obras econômicas, ele gerou, e continua a
156
Luigino Bruni (1966) é professor de Economia Política da Universidade de Milão Biocca (Itália) e
foi um dos maiores colaboradores de Chiara Lubich na elaboração do pensamento e contribuição
do carisma do Movimento dos Focolares no campo econômico.
157
Chiara Lubich faleceu em 14 de março de 2008.
103
gerar, tamm efeitos na teoria econômica. [...] Três coisas tocaram-me
profundamente nestes anos vividos com você. [...] você me fez entender o
que significa um carisma e o papel que não o seu carisma, mas todo
carisma autêntico, desempenha na vida civil e econômica. [...] você me
ensinou, com a vida, que não se pode fazer qualquer experiência
autenticamente intelectual se as teorias e os pensamentos que se elaboram
e se escrevem não se tornam vida em quem os organiza e produz. [...]
Enfim, Chiara, você me levou a descobrir o significado profundo da riqueza
e da pobreza. Levou-me a compreender que [...] sem relacionamentos de
reciprocidade nenhum bem se torna bem-estar, e mesmo quando os bens
o escassos ou ameaçados, o amor recíproco nunca permite a
indigência.
158
Enfim, pode-se dizer que, ao longo dos anos, o Movimento dos Focolares
contribuiu de forma significativa e tem muito a oferecer nesse caminho de
construção da unidade. Essa contribuição acontece no campo espiritual, através do
diálogo da vida e no campo prático, através da atuação do Projeto da Economia de
Comunhão na Liberdade.
Pensando no futuro do ecumenismo, imeras foram as dificuldades e
inúmeras foram as conquistas nesses cem anos do movimento ecumênico. Hoje as
opiniões encontram-se dividas: existem aqueles que consideram que o ecumenismo
esteja atravessando uma crise e existem aqueles que vêem, nos obstáculos,
caminhos de oportunidades de crescimento, de maturação para chegar ao “Que
todos sejam um (Jo 17,21). As palavras relevantes e tão realistas e, ao mesmo
tempo, ricas de otimismo, do Cardeal Walter Kasper são de grande estímulo a todos
aqueles que se empenham com zelo e generosidade a fim de que o testamento de
Jesus chegue a sua plena atuação:
[...] Não há um novo ecumenismo nem o velho acabou. [...] Certamente não
estamos surdos diante das perguntas ainda abertas. Expusemos com
clareza que existem questões fundamentais de hermenêutica, antropologia,
eclesiologia e teologia sacramental que ainda devem ser resolvidas. De
qualquer maneira, um problema delineado com exatidão já é metade da
solução. [...] Também está a crescer uma geração nova de ecumenistas que
158
BRUNI, Luigino. Obrigado pela Economia de Comunhão. Revista Cidade Nova. São Paulo, ano L,
n.5, p. 32-33, 2008.
104
m idéias inéditas e vigorosas, [...] Isto prova que o ecumenismo não é algo
do passado: está a enfrentar um novo início.
159
Nesse sentido, pode-se dizer que o Movimento dos Focolares tem algo a
oferecer, a partir de sua experiência ecumênica. Hoje o Movimento está presente em
diferentes partes do mundo, está entre milhares de cristãos provenientes de várias
tradições que vivem a espiritualidade da unidade contribuindo, assim, para fortalecer
a caminhada ecumênica não no tempo presente, mas garantindo um estímulo
para o seu futuro.
159
KASPER, Walter. Para o futuro do ecumenismo. L‟osservatore Romano. Edição semanal em
português, n. 48, p. 4, 2009.
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106
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ANEXO A Chiara na cerimônia de Advento: “Oração Ecumênica do Advento”
Augsburg Igreja de Sant'Ana, 29 de novembro de 1998
Chiara na cerimônia de Advento:
“Oração ecumênica do Advento”
Speaker: Perto de Augsburg, antiga Augusta, cidade da Alemanha
famosa pela sua história e arte, nasceu a Mariápolis permanente «Nova lei»,
uma das primeiras do Movimento dos Focolares. É sede de uma Escola de
ecumenismo, que visa aprofundar o conhecimento das diversas Igrejas e é
um lugar privilegiado para encontros de vários níveis entre cristãos de
diversas confissões. A Mariápolis um eficaz testemunho do ecumenismo
da vida.
Não podia existir ambiente melhor para sediar o XVII Encontro dos
Bispos de várias Igrejas promovido pelo Movimento dos Focolares, realizado
de 26 de novembro a 2 de dezembro, do qual participaram 34 bispos:
ortodoxos, sírio-ortodoxos, anglicanos, evangélico-luteranos, um velho-
católico e católicos romanos.
Um dos momentos mais significativos do congresso, que proporcionou
a experiência do que é um povo cristão unido, foi quando os Bispos
animaram com Chiara Lubich e com centenas de pessoas a Oração
ecumênica do Advento na Igreja Evangélica de Sant'Ana.
(Música)
Speaker: A história desta igreja nos recorda os anos muito dolorosos
para os cristãos. Ela foi construída em 1321, como mosteiro dos carmelitas.
Hoje a Igreja de Sant'Ana é uma das mais importantes para a história
luterana.
Em outubro de 1518, Lutero se hospedou nesta cela do convento de
Sant'Ana. Ele foi a Augsburg para encontrar-se com o Cardeal Caetano,
representante do Papa. Esse encontro foi considerado determinante para a
ruptura com a Igreja de Roma.
Em 1530, em Augsburg, os chamados "protestantes" apresentaram um
documento que procurava evidenciar as teses em comum com a Igreja de
Roma: a «Confissão Augustana», documento básico da doutrina de mais de
100 Igrejas evangélicas no mundo. A tentativa de reunificação fracassou. O
Conselho municipal impôs a reforma e a Igreja de Sant'Ana se tornou a
igreja principal.
113
No entanto, depois do tratado de Westfália, que em 1648 pôs fim à
terrível Guerra dos 30 anos, é que a igreja de Sant'Ana foi definitivamente
designada aos luteranos.
Na sacristia está um pequeno livro no qual, desde 1648, todos aqueles
que pregaram na igreja escreveram a data e uma breve frase sobre o próprio
discurso. A última assinatura nos conduz ao presente: «29 de novembro de
1998. Rumo à meta de sermos um único povo cristão. Chiara Lubich».
Às 17h e 30 min a Igreja de Sant'Ana está cheia. É o primeiro domingo
do Advento, início do novo ano litúrgico. muita expectativa, esperança.
Os hinos de entrada, acompanhados por uma orquestra de metais, falam de
portas abertas, de céus a serem abertos.
O pastor da igreja, Peter Thorn, dá as boas-vindas aos bispos do
encontro ecumênico de Ottmaring e de modo especial a Chiara.
A leitura feita pelo decano luterano Rudolf Freudenberger é a do
testamento de Jesus: «Que todos sejam um» (Jo 17, 17-26). Quando Chiara
tomou a palavra para apresentar o seu «caminho para a plena comunhão
entre as Igrejas», o seu discurso pareceu mesmo a resposta ao último desejo
de Jesus.
Chiara:
Eminência Cardeal Vlk, senhores bispos,
Reverendo Decano Freudenberger,
Irmãos e irmãs no Senhor,
hoje sei que desejam ouvir uma reflexão minha sobre aquele diálogo
que é muito importante para todos nós: o diálogo ecumênico.
Qual é a situação das nossas Igrejas hoje, às portas do Terceiro
Milênio?
Se nós, cristãos, observarmos a nossa história de 2 mil anos e
principalmente aquela do segundo milênio, não podemos evitar a
consternação por constatar que muitas vezes ela foi um alternar-se de
incompreensões, de brigas, de lutas.
A culpa, certamente, é das circunstâncias históricas, culturais,
políticas, geográficas, sociais, mas também do desaparecimento entre os
cristãos de um elemento unificante, típico deles: o amor.
É a pura verdade.
Então, na tentativa de sanar hoje todo o mal que se fez, devemos
considerar o princípio da nossa comum: Deus. Ele, porque é Amor, nos
convida também a amar. De fato, que motivação temos para amar os outros,
se não nos sentimos profundamente amados? Se não está viva em todos nós,
cristãos, a certeza de que Deus nos ama?
Hoje é realmente Deus Amor que deve revelar-se novamente a nós,
cristãos, individualmente, mas também às Igrejas que compomos.
Deus ama as Igrejas por tudo o que fizeram na história
correspondendo ao seu desígnio sobre elas, mas - e este é o lado magnífico
114
da misericórdia de Deus - Ele ama as Igrejas também quando elas não
corresponderam, como no caso da divisão entre os cristãos, contanto que
hoje busquem a plena comunhão com as outras Igrejas.
Esta consoladora convicção emerge de um texto de João Paulo II, o
qual, confiando naquele que extrai o bem do mal, respondeu à pergunta:
«Por que o Espírito Santo permitiu todas estas divisões?», mesmo admitindo
que um dos fatores pode ter sido os nossos pecados, dizendo assim: «Não
poderia ser também que as divisões tenham sido um caminho que levou e
leva a Igreja a descobrir as múltiplas riquezas contidas no Evangelho de
Cristo e na redenção operada por Cristo? Talvez tais riquezas não pudessem
vir à luz de maneira diferente...»
1
.
Acreditar que Deus é Amor também para as Igrejas.
Mas, se Deus nos ama, nós não podemos ficar inertes diante de tamanha
bondade divina. Como verdadeiros filhos devemos retribuir o seu amor
também como Igreja.
Cada Igreja com o passar dos séculos petrificou-se em si mesma pela
onda de indiferença, de incompreensão, para não falar de ódio recíproco. Por
isso mesmo cada uma deve ter um suplemento de amor.
Amor pelas outras Igrejas e amor recíproco entre os cristãos e entre as
Igrejas, que leva cada uma a ser um dom para as outras. Assim podemos
prever, na Igreja do futuro, que uma e uma única será a verdade, mas
expressa de várias maneiras, observada de vários ângulos, embelezada por
muitas interpretações.
O amor recíproco, porém, é realmente evangélico e plenamente válido
se for praticado segundo a medida pedida por Jesus: «Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida
pelos próprios amigos» (Jo 15, 13).
Ele deu a sua vida por nós na sua paixão e morte, quando sofreu no
momento da agonia no horto, da flagelação, da coroação de espinhos, da
crucifixão, mas também quando experimentou uma dor atroz, que exprimiu
no grito: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»
2
Esse
sofrimento, como afirmaram teólogos e místicos, foi a sua provação mais
aguda, a sua escuridão mais tenebrosa.
Ora, parece que hoje, para edificar plenamente a comunhão no amor
recíproco, é importante contemplar, sobretudo, aquela dor de Jesus e
espelhar-se nela. E se entende. Se Jesus se ofereceu para tirar o pecado do
mundo e reunir os homens separados de Deus e, por conseqüência,
desunidos entre eles, o único modo para realizar a sua missão era
experimentando em si a abissal separação entre Ele, Jesus, que é Deus, e o
Pai, sentindo-se abandonado por ele. Jesus, porém, voltando a abandonar-se
no Pai («Em tuas mãos entrego o meu espírito» Lc 23, 46), superou essa
imensa dor e reconduziu assim os homens ao Pai e à aceitação recíproca.
1
João Paulo II. Em: Cruzando o limiar da esperança. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves,
1994,
pág. 147.
2
Mt 27, 46
115
Se é assim, não será difícil ver que é Ele, exatamente Ele, Jesus
abandonado, a estrela mais radiante que deve iluminar o caminho
ecumênico.
Parece que o trabalho ecumênico será realmente fecundo em
proporção a quanto, quem a ele se dedicar, reconhecer em Jesus crucificado
e abandonado, que volta a abandonar-se no Pai, a chave para compreender
toda e qualquer falta de unidade e recom-la. Receberá dele a luz e a força
para não parar diante do trauma, na fenda da divisão. Assim irá adiante e
encontrará sempre uma solução, a melhor possível.
O amor recíproco vivido com esta medida leva também a atuar a
unidade. E a unidade vivida tem um efeito que também é, por assim dizer,
um elemento chave para um ecumenismo vivo. Trata-se da presença de
Jesus entre várias pessoas, na comunidade. «Onde dois ou três disse Jesus
estiverem unidos no meu nome, ali estou eu no meio deles» (Mt 18, 20).
Jesus entre um católico e um evangélico que se amam, entre
anglicanos e ortodoxos, entre uma armênia e uma reformada... Quanta paz
desde já! Quanta luz para um reto caminho ecumênico!
Jesus em meio é uma dádiva que ainda por cima torna menos dolorosa
a espera do momento em que todos juntos o receberemos sob as espécies
eucarísticas.
É necessário ainda um grande amor pelo Espírito Santo, Amor feito
Pessoa. O Espírito Santo une as Pessoas da Santíssima Trindade e é ponto
de união entre os membros do Corpo místico de Cristo.
Sei por experiência que, se todos nós vivermos assim, os frutos serão
extraordinários, produzindo sobretudo um efeito especial: vivendo juntos os
diversos aspectos do nosso cristianismo, nos daremos conta de que
formamos um único povo cristão, que será um fermento para a plena
comunhão entre as Igrejas. Será quase a atuação de outro diálogo,
articulado ao da caridade, ao teológico e ao da oração, chamado: diálogo da
vida, diálogo do povo de Deus.
Esse diálogo é mais do que nunca urgente e oportuno, se é verdade
(como a história ensina) que pouca coisa é garantida no campo ecumênico
sem a participação do povo. Esse diálogo revelará com maior evidência e
interesse, e valorizará o imenso patrimônio comum entre os cristãos,
constituído pelo batismo, pela Bíblia, pelos primeiros Concílios, pelos Padres
da Igreja.
Esperamos ver realizar-se este povo, que já vai despontando aqui e ali.
Será útil, também agora, renovar o compromisso de vivermos assim
como Jesus quer. Na verdade, não nada de mais urgente no mundo do
que uma potente corrente de amor, se sonhamos com aquela civilização do
amor, que o Terceiro Milênio espera de nós.
Obrigada senhor Cardeal, senhores Bispos, todos, irmãos, irmãs por
me terem ouvido. E que Jesus esteja entre nós desde já, pelo nosso amor
(aplausos).
116
Speaker: Após um momento de silêncio e uma canção, um bispo
luterano, um católico, um anglicano, um romeno-ortodoxo e um sírio-
ortodoxo formulam a própria oração.
Oberkirchenrat Merz: Aproxima-nos tu nas nossas diferenças de e
diversidades de pensamento e doa-nos a graça de levar, em teu nome, a paz
onde discórdia, a onde reinam a dúvida e a angústia. Rezemos ao
senhor.
Speaker: A última foi Chiara. A sua não é uma simples oração. É
um diálogo pessoal com Jesus, emprestando a todos nós a sua voz.
Chiara: Jesus, acho e tenho certeza de que estás aqui entre nós.
Por isso eu me dirijo a ti, vivo, ressuscitado, ressuscitado em meio a nós,
leigos e leigas, bispos de diferentes Igrejas.
Jesus, tu estás realmente entre nós, porque estamos unidos no teu
nome, nos amamos em ti. Estamos aqui para que se possa dar um passo
adiante na unidade das Igrejas.
Estamos conscientes do que aconteceu nos séculos passados. Foram
séculos tremendos, terríveis, que feriram o teu coração.
Por isso, Jesus, nós te pedimos: perdão. Perdão por tudo aquilo que
aconteceu no passado. A nossa voz quer ser a voz de todos os cristãos, que
nos precederam. Também em nome deles te pedimos perdão.
Ao mesmo tempo, porém, que o nosso sofrimento é grande, o desejo do
teu perdão é palpitante no nosso coração, nós, Jesus, temos uma imensa
no teu amor e na tua misericórdia. Sabemos que o teu amor e a tua
misericórdia são maiores do que tudo o que aconteceu e que poderá
acontecer nos séculos futuros.
Então, nós nos abandonamos confiantes neste amor. Temos a certeza
de que, se nós nos dirigirmos com confiança a ti, tu como uma mãe que
pelo amor que sente não recorda os erros dos próprios filhos te
esquecerás de tudo, porque sabes não só perdoar mas também esquecer.
Então, permite que sejamos teus instrumentos, unidos a muitos
outros, que trabalham pela unidade. Sabemos que, se ninguém semeia,
ninguém colhe.
Creio que vivos não veremos realizada a belíssima Igreja Una, que tu
fundaste. Porém, do Paraíso esperamos vê-la. Entretanto, dá-nos a chance
de viver os anos que nos restam para que todos sejam um. Amém.
Traduzione di Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni, 20/4/2010
Nome file:BS291198
ANEXO B Entrevista de Sandra Hogget com Chiara Lubich
Rocca di Papa, 21 de abril de 2003
Entrevista de Sandra Hogget com Chiara Lubich
FRENTE A FRENTE
(3
a
parte)
Sandra:
1.Chiara, a senhora vive num ritmo incrível, mas não será para
sempre assim. O que faz para assegurar o futuro do Movimento?
Chiara: Eu estou preparando o Movimento para o futuro, isto é,
para quando eu tiver falecido, neste sentido: explico como são as coisas nas
obras de Deus. Existe um primeiro momento, nas obras de Deus, que é um
momento carismático e é o período no qual eu estou viva, porque recebi este
carisma e o transmiti. Com este carisma nasceu uma espiritualidade, um
estilo de vida e uma grande Obra. E dia após dia, nesses anos, vi realizar-se
sempre algo novo, até que fomos aprovados pela Igreja... com toda a Obra
completa. Havia ainda alguns detalhes para se resolver. Falei sobre isso com
o Papa atual e ele me ajudou a definir também o que faltava.
Contudo, uma Obra, no período em que o portador do carisma está
vivo e depois, é muito diferente, porque quando um fundador faz nascer uma
Obra, é como se nascesse um filho, o qual, mesmo pequeno, é completo.
Depois, para fazer crescer o filho, não se pode acrescentar mais nada, por
exemplo, um dedinho a mais. Apareceria um monstro. Portanto, as obras de
Deus, geralmente, são completas desde que nascem, de forma que o
fundador possa dizer: isto é o que Deus queria. Geralmente é sua obra-
prima, cuja carteira de identidade é o Estatuto aprovado pela Igreja, onde
está descrito tudo com a sabedoria.
Eu me lembro, quando escrevi os Estatutos, que possuía também
graças de profecia, no sentido de que previa como iriam para frente as
realidades. Só para dizer: nos anos 80 eu via como caminhariam as coisas
nos anos 90, em 2000.
Depois de mim, a realidade será totalmente diferente, porque fui a
fundadora e por isso Deus centralizou em mim (sem depender de mim, pois
era Deus que o queria) uma grande carga de autoridade. Portanto, muitos
me seguem de bom grado. Mas no futuro, a autoridade será subdividida em
todas as pessoas presentes nos Estatutos: a presidente, o Conselho da Obra,
o Centro de coordenação, muitos centros... E será, portanto, diferente; o
será necessário acrescentar nada. A única coisa que será necessária fazer é
aprofundar depois darei um exemplo e difundir. Difundir significa que, se
118
nós chegamos a 182 nações (e nos faltam ainda três para...) e, nas nações
onde estamos, se somos 10 mil, precisamos chegar a 20 mil, 30 mil...
Expandir e aprofundar.
Por exemplo, há dez anos, nasceu a Escola Abbá, que tem como
objetivo elaborar, extrair a doutrina desta espiritualidade. foi feito um
certo trabalho, mas será um trabalho de séculos, séculos, porque é
riquíssima a iluminação do carisma. Para ressaltar a doutrina, deverão
estudar, estudar, estudar.
Portanto, o futuro será muito belo, mas totalmente diferente. Eu o
devo me preocupar em formar pessoas particularmente capazes, que talvez
morrerão antes de mim. Devo me preocupar em deixar para a Igreja uma
Obra completa e preparar os outros, que permanecerão, para fazer aquilo
que deverá ser feito, que não será uma repetição deste período, mas será
diferente.
Sandra:
2.Como a senhora pode assegurar que, quem guiará os vários
Centros do Movimento estará em condições, espirituais e humanas, de
levar para frente a sua Obra?
Chiara: Nós continuamos a formar as pessoas. Todos os meses, por
exemplo, temos o assim chamado ‗collegamento‘.
Nós fazemos uma conferência telefônica todos os meses, com o mundo
inteiro através do telefone, mas também com o vídeo, em certos lugares, e
continuo a formá-los, a formá-los, a formá-los. Naturalmente, cada um
responde, e depois são escolhidas as pessoas melhores, mas cada um
responde como pode. Porém, mais do que formar, continuar a formá-los, o
que devemos fazer? Rezar, certamente.
Temos muitos encontros de formação, temos os centros Mariápolis, e,
às vezes, precisamos de outras salas, porque o nosso salão é quase pequeno.
Portanto...
Sandra:
3.Como se sente quando está diante de uma multidão que repete:
“Chiara, Chiara”?
Chiara: É, sem dúvida, uma coisa que não agrada. Mas tem isso: nós
estamos em contato com cerca... Se contarmos as línguas que temos, são 91.
Portanto, os povos são ainda mais, porque o inglês é falado em muitas
nações. Em cada povo encontramos alguma coisa de "anormal" para nós. É
preciso ter paciência! Paciência! Eu entendo que a senhora, Sandra, sendo
do norte, não entende essas explosões; se fosse à África! Nessas coisas, onde
se comunicam... veria que é toda uma outra realidade.
Portanto, nós procuramos dar o exemplo com a nossa pessoa,
comportando-nos... mas temos também que entender esses povos: são todos
119
diferentes, muito diferentes de nós, não podemos uniformizar todos segundo
os ingleses ou os italianos..., não podemos. Por exemplo, tendo escutado
esta crítica, eu mando dizer ou eu mesma digo, sem mencionar o nome, mas
também Jesus tinha discípulos um pouquinho "cabeças duras"! É assim.
Sandra: I understand. Capisco!
4.A senhora mencionou três fases do Movimento: a primeira
“Assis” aquela espiritual; a segunda “Paris” – aquela cultural; e a
terceira “Hollywood” – as comunicações.
A que ponto chegou com Hollywood?
Chiara: fizemos bastante, bastante! Por exemplo, nós estamos
justamente em Hollywood. Na própria cidade de Hollywood, temos um bom
grupo de diretores, de pessoas que trabalham no cinema, que são cultivadas
nesta espiritualidade.
pouco tempo nasceram as "inundações" do Espírito Santo nos
vários âmbitos humanos e uma das "inundações", bela e forte, é aquela da
arte. Nós esperamos muitos dos artistas.
Temos caminhado, não posso dizer que somos... Não é como o
Movimento político, que é mais forte, pois faz anos que existe o Movimento
político; também o Movimento econômico é mais forte, tem mais anos. A da
arte é uma das últimas, porém, existe. Além disso, temos muitos artistas,
existem muitos artistas entre os nossos, de todos os setores. E eles
deveriam, devem levar esses valores ao teatro, ao cinema, à TV.
Sandra: Interessante.
Chiara: Sim, é interessante esta possibilidade para os leigos, como
somos nós, de entrarmos nessas realidades.
Sandra:
5.Gosto de desenhar e sei que a senhora é uma artista também...
Chiara: Oh! Quando eu era jovem.
Sandra: A senhora diria que a arte e a beleza são sinônimos?
Chiara: Certamente, porque a beleza é outra qualidade de Deus, além
da verdade e da bondade. Deus é verdadeiro, é bom, é belo! E, portanto, o
belo é somente de Deus e das coisas boas e verdadeiras.
Atualmente, existe toda essa confusão, pois dizem que o feio é quase
como se fosse belo. Não é assim. Pode-se fazer também... se poderia pintar e
esculpir algo trágico, mas que diga que é trágico e que anuncie o belo.
120
Sandra:
6.Já que o tema é a beleza, falemos de Maria. Quem é Maria para a
senhora?
Chiara: Maria, hoje, para mim, mas também para a Igreja e para os
cristãos, deveria ser muito mais atual do que antes, porque Maria, nos
séculos passados, era objeto de devoção. Hoje está se tornando objeto de
imitação: imita-se Maria. Por que isso? Aqui existe toda uma realidade
doutrinal, mas que é bela e vou explicar.
Nos primeiros tempos, quando Jesus era vivo, era circundado por uma
constelação de pessoas: Maria, Pedro, João, Tiago, depois veio também
Paulo. Eram as pessoas mais próximas de Jesus. A figura de Pedro
permaneceu nos Papas, e pareceu que as outras tivessem desaparecido, ao
invés, não é assim. O Papa, pessoalmente, me explicou isso, baseando-se
num grande teólogo, que é von Balthasar. Esses outros estão presentes até
hoje, porque não existe somente o perfil petrino, isto é, o perfil da hierarquia,
mas existe também o perfil mariano que continua na Igreja. Onde? Nos
Carismas. Os Movimentos carismáticos, os vários carismas, são a presença
de Maria na Igreja. Nós, eu mesma, sou um braço de Maria. Uma mística,
Adrienne von Speyer, que é conhecida por von Balthasar, afirma que nós, os
Movimentos, somos o trem de Maria, cada um é um vagão. Portanto, o
Movimento dos Focolares seria um vagão de Maria.
Os carismas sempre estiveram presentes na história, basta pensar em
São Basílio, Santo Agostinho, São Bento, São Francisco, e em muitos outros
que nasceram depois de 1800, sobretudo com obras sociais. Hoje, existem
esses Movimentos: é Maria presente, é Maria.
Em 1998, o Papa reuniu na Praça de São Pedro muitos Movimentos.
Naquela vez, eram 60 e fez um discurso extraordinário. Ele disse que era
como o Cenáculo, quando no Pentecostes desceu o Espírito Santo, e a seguir
o Papa invocou o Espírito Santo.
João Paulo II explicou que na Igreja existe um duplo perfil: o perfil
petrino, a hierarquia e o perfil mariano, os carismas. E que é necessário
estar cientes desses dois aspectos da Igreja, que são muito unidos entre eles,
porque o aspecto carismático: os Movimentos, deve estar sempre em unidade
com a Igreja e obedecer-lhe. Não recebem dela as idéias, mas submetem o
próprio carisma para que seja verificado. Ao mesmo tempo, se o aspecto
petrino não se deixar plasmar pelos carismas, os quais trazem santidade,
amor, liberdade, familiaridade, fraternidade, solidariedade, a hierarquia
permanece dura, não apetecível. Portanto, também a hierarquia deve receber
dos carismas.
Maria está muito presente na Igreja por meio dos carismas, porque ela
era a carismática, por excelência, não teve uma função de direção. É plena
de carismas, sobretudo, do carisma do amor. Ela possuía o super carisma. E
ela é a sua presença.
Depois, mencionei outros, que estavam ao lado de Jesus. Por exemplo,
João está presente e tinha o perfil do amor; Paulo, o perfil da novidade;
121
Tiago, o perfil da tradição, isto é, todo o passado permanece como base para
o futuro. Portanto, esses não passaram, estão presentes.
O que nós devemos fazer nos Movimentos? Maria, para nós, não é
somente para ser venerada, com a novena, com as flores, não; para nós ela
deve ser imitada, é a nossa forma. De fato, sobretudo para nós, mulheres,
ela é importantíssima, porque ela trouxe ao mundo a realidade mais
importante, que permanecerá para sempre. Enquanto que a hierarquia não
existirá na Outra Vida; existirá o amor. Ela é a figura que traz, que trouxe ao
mundo o que mais tem valor no cristianismo: o amor. Portanto, a mulher se
realiza se for consciente de que é livre, livre do aspecto jurídico para poder
afirmar o grande valor do cristianismo, que é o amor.
Sandra:
7.Numa sua meditação, diz que Maria é o silêncio e que sem o
silêncio não existiria a palavra. Este conceito me interessa.
Chiara: Certamente, certamente. Ela é a acolhida, ela é... É
extraordinária!
Sandra:
8.A senhora tem um relacionamento especial com o Papa atual,
mas o teve com todos os outros Papas no decorrer de sua vida. O que
significa esse relacionamento?
Chiara: É importantíssimo! Importantíssimo! Estou convencida
daquilo que dizia santa Catarina, que ele é Cristo na terra, nele está
justamente o carisma da unidade de toda a Igreja.
Na verdade, tive contato com cinco Papas, porque tenho a idade que
tenho. Sinto muita sintonia com o João Paulo II e ele comigo, penso. Ele me
escreveu muitas cartas, muitas e me pediu para levar este espírito para fora
do Movimento, a todos os lugares. Ele está muito contente com o trabalho
que fazemos para unir os Movimentos, em comunhão. Nós nos reunimos,
periodicamente, com os superiores carismáticos dos Movimentos ou com os
seus sucessores, justamente para gerar essa comunhão entre os
Movimentos, que é uma força.
Lembro-me que nunca tive medo de falar com as pessoas, nem para as
multidões nem para as pessoas individualmente, mas me agitava ao ter que
falar com o Papa, porque ele é realmente importante demais para mim. O
Papa possui um grande carisma. Mas quando pensei de ir para amá-lo,
como uma filha, me passou o medo. Existe um relacionamento belíssimo,
um belíssimo relacionamento com o Papa. Às vezes, me convida para
almoçar com ele.
Temos que saber quem é o Papa.
Sandra:
9.Graças aos Papas, a senhora conheceu outras pessoas...
122
Chiara: No tempo de Paulo VI, conheci Atenágoras e ele se afeiçoou
muito a nós, como Movimento. Ele gostava muito de nós, pois entre nós
encontrava a vida, o amor, que é algo muito oriental, e também Maria, que é
muito oriental.
Nesse caso, fui realmente um instrumento entre o Papa e ele, porque
ele me dizia em confidência muitas coisas, porque me considerava sua filha.
Ele me dizia sempre: «Você tem dois pais: um grande, em Roma, e um velho,
aqui». Portanto, fui como uma ponte entre Istambul e Roma. Eu transmitia a
Paulo VI o que Atenágoras me pedia para lhe dizer, pois ele amava muito o
Papa, com o coração. Por exemplo, me dizia: ―Mas diga-lhe para passear um
pouco, que se alimente um pouco mais, não como está magro?‖ Assim ele
me dizia.
Tenho muitas cartas de Paulo VI, onde eu referia tudo e ele respondia.
Eu também transmitia a Atenágoras o pensamento do Papa. Provavelmente
foi isso que moveu o coração de Paulo VI para ir, pela segunda vez, até
Istambul, encontrar-se com Atenágoras.
João Paulo II é diferente. Ele pega da nossa espiritualidade coisas que
servem para toda a Igreja. Por exemplo, ele chama a espiritualidade da
unidade de ―espiritualidade de comunhão‖, mas é a mesma. Ele generalizou
na Igreja o conceito de Jesus abandonado, mas o pegou daqui. Ele mesmo o
reconheceu. Temos uma carta, dirigida aos cardeais e bispos do Movimento,
onde ele diz: «A espiritualidade da unidade, que é a de vocês; a
espiritualidade de comunhão, que é de vocês».
Portanto, aqui existe, eu diria, uma comunhão de carismas, se
podemos dizer assim. Ao passo que Paulo VI nos ajudou muito, porque o
nosso Movimento era novo. Não existiam Movimentos mistos na Igreja, isto
é, com homens, mulheres, jovens, sacerdotes, frades, todos. Não existia;
existiam somente as freiras de um lado, os frades de outro... Foi o Papa
Paulo VI que... Ele era parente da minha secretária. E foi Paulo VI que nos
ajudou a escrever o novo Estatuto e a aprová-lo, porque como Papa podia
aprová-lo, embora o código de Direito Canônico não previsse estas realidades
eclesiais.
Sandra:
10.Assim como aconteceu com os santos e com as pessoas que
tiveram um dom particular, sabemos que também a senhora foi
provada. Poderia me dizer como enfrentou a provação?
Chiara: Eu passei por elas. Prefiro não comentar! Porque está escrito
na Escritura, em latim: ―Sacramenta regis abscondere bonum est‖, que
significa: os segredos do rei é melhor mantê-los escondidos. Eu prefiro.
Passei por elas. Podem ser chamadas ―noites escuras‖, podem se
chamar ―noites de Deus‖, podem se chamar com muitas palavras. São
terríveis! É participar dos sofrimentos de Jesus abandonado. Porém, o
quero entrar nos particulares, não me sinto.
123
Sandra:
11.Lembro-me do Papa que, naqueles momentos terríveis, naquela
solidão assustadora, terá sido o único a sustentar e ajudá-la, terá sido o
único a quem recorrer e que podia dizer se o que a senhora fazia era
correto.
Chiara: É isso que queremos do Papa: o discernimento. Ele tem a
graça, com todos os bispos, do discernimento. Entender: esta é uma obra de
Deus; esta não é uma obra de Deus. O Papa, com todos os documentos que
possuo, confirma que é uma obra de Deus. E é esta a grande alegria. Isso me
permitiu ir para frente, para frente.
Sandra:
12.Acenou aos fatos extraordinários
1
, onde se nota a intervenção
do Espírito Santo. Poderia me contar alguns deles, no qual ele
intercedeu?
Chiara: Ah, sim, esses episódios (primeiramente digo algo em geral)
são muito importantes! Para escrever este livro, li cerca de 300 episódios. A
um certo momento, sobressaía sempre a intervenção de Deus: a pessoa
confia tudo a Deus; passa um dia e eis que Deus intervém. É uma coisa
estupenda! E a coisa estupenda é esta: que é um Evangelho vivido pelo povo,
não nos conventos, mas no meio do mundo. É algo... Não vejo a hora de ter
tempo para ler esses episódios.
Cada vez que os leio, quando chega o momento da intervenção de
Deus, me comovo, porque são coisas sobrenaturais. Se você visse essas
mães pobres, essas famílias, esses pais que procuram emprego, que vivem o
Evangelho e Deus responde. É uma coisa impressionante! É uma coisa
impressionante! Uma coisa estupenda! Porque nós não conhecemos bem o
Movimento neste aspecto. Vamos, falamos, tomamos... resolvemos muitas...
temos as Mariápolis permanentes para construir. Eu lhes pedi: ―Mandem-
nos um pouco desses...‖ e chegavam pilhas de episódios todos os dias...
Depois, os recolhemos nesses livros. É lindo, porque desta vez é a multidão,
não são as pessoas eleitas.
Esta manhã, por exemplo, li um: uma senhora é encarregada por
certas obras sociais. Então, se levantou e trabalhou como assistente social;
ajudou uma pessoa, e depois voltou para casa. Estava muito cansada e
disse: «Hoje trabalhei demais, basta. Agora vou para casa». Porém,
voltando para casa, encontrou uma senhora albanesa, que tinha conhecido e
lhe disse: «Poderia me ajudar, preciso falar com a senhora?». Ela, que estava
cansada, disse: «Sim, sim, uma outra vez». Foi para casa e assim que entrou
em casa disse: «Meu Deus, o que eu fiz! Não vivi bem; deveria ter conversado
com ela»; telefonou logo para esta senhora e disse: «Venha, venha conversar;
encontrei um tempo». Ela disse: «Olhe, estou grávida, mas é impossível; não
temos condições para mantê-lo, meu marido... Então, está decidido, vou
abortar». Ela disse: «Não; é uma criatura, é uma criatura de Deus». E salvou
a criança. Mas se ela não tivesse feito aquele telefonema, teria partido uma
1
I fioretti.
124
criatura. Escutar a voz de Deus, fazer a vontade de Deus, viver bem o
momento presente, nos traz a vida.
Sandra:
13.Existe este grupo de estudiosos, a Escola Abbá. Por que é tão
importante?
Chiara: A sua importância depende disso: sempre, na história da
Igreja, quando surge uma forte espiritualidade, por exemplo, a
espiritualidade franciscana ou a espiritualidade dominicana, Deus manda
também uma pessoa que interpreta, de forma doutrinal, aquela
espiritualidade para doá-la à Igreja.
Desses grandes carismas, que nos dão uma espiritualidade, a um
certo ponto, se extrai uma doutrina, uma doutrina universal, que não é
somente daquele Movimento. Foi assim para São Francisco com São
Boaventura, o teórico que elaborou a partir do franciscanismo uma doutrina.
Foi assim também para São Tomás, que era dominicano, e conseguiu extrair
da espiritualidade dominicana, toda centralizada na verdade, uma doutrina,
que faz parte da doutrina da Igreja.
Nós, a certa altura, nos apercebemos que estava emergindo da nossa
espiritualidade uma nova doutrina. Então, nasceu, há cerca de 20 anos (mas
está trabalhando 10 anos), com um bispo focolarino e comigo, nasceu
esta Escola.
Devido aos momentos de iluminações particulares, que tivemos, nós
estudamos, de modo especial, essas iluminações, extraindo dali uma
doutrina que, amanhã, se for perfeitamente ortodoxa e se estuda para que
seja ortodoxa, confrontando-a com a verdade da , vai se tornar doutrina
da Igreja
Por isso é muito importante, muito importante.
Sandra:
14.Qual foi o momento mais belo da sua vida?
Chiara: Olhe, eu não posso dizer, porque foram muitos, foram muitos,
foram muitíssimos. Todas as vezes que percebo a presença do Espírito Santo
em mim, é a felicidade, é a felicidade. Eu sei o que é a felicidade, eu sei o que
é a felicidade! É o Espírito Santo, é ele que... Os seus dons são: paz, luz
vemos, entendemos, nos apercebemos , amor: é ele.
Por exemplo, eu não entendo como alguém pode não acreditar em
Deus, porque acho tão claro que, no mundo, tudo seria um absurdo, até as
nossas vidas, se não existisse alguém. Não sou eu o rei do universo, nem
mesmo você, nem mesmo ela; o que somos nós? Vivemos, morremos. O que
somos? Nós somos o melhor do universo. Como não compreender que existe
alguém que sentido a todas essas coisas? Caso contrário, tudo é sem
sentido, para mim nada tem sentido.
125
Por que existem as árvores? Por que a história? Por que a política? Por
que a... se não existe um objetivo, se não existe... por quê? Porém, é o
Espírito Santo que coloca isso dentro de nós como um prego.
A ressurreição, que é algo tão delicado, tão difícil... Uma das coisas
mais belas que me vem aos lábios: «creio na ressurreição da carne».
É possível que em todas as primaveras as flores floresçam, que em
todas as primaveras as flores floresçam; é possível que também nós sejamos
enterrados e não refloresçamos? Existe uma evolução cristã que leva tudo
para frente, tudo vai para frente, e que exprime a vida.
Repito, no Credo, para mim, as duas frases mais importantes são:
«Creio na ressurreição da carne». Não porque me esforço por acreditar, mas
«creio na ressurreição da carne, creio na vida eterna», porque essa é a vida.
Não posso indicar: um momento de alegria, um momento... Foram muitos na
minha vida, muitos! Realmente, quem segue Deus...
Diz-se que a evangelização consiste nisso, em dizer: «Deus te criou por
amor; Deus te quer salva por amor, porque mandou, por amor; o seu Filho
morreu por ti, por mim, por ti, por você; Deus te preparou um futuro de
amor e de felicidade». Este é o Evangelho e eu o experimentei e estou
experimentando.
Qual o período mais belo? Como é este último período? O mais belo da
minha... Este último é o mais belo da minha vida, o mais belo da minha
vida, sem comparações, porque são mais freqüentes esses momentos assim,
são mais...
Sandra:
15.Vi pessoas muito tristes, sobretudo no mundo ocidental.
Materialmente eles têm tudo aquilo que desejam, mas parece que
perderam a própria identidade. Segundo o seu ponto de vista, é
importante, antes de tudo, conhecer a si mesmo?
Chiara: Bem, agora é mais intensa, mais clara, agora é mais mística,
pertence mais ao reino místico, onde se sente... Contudo, desde pequena eu
já tinha a minha identidade. Eu era aquela que era. Era filha de Deus.
Nós, geralmente, com essas pessoas... procuramos falar, sobretudo
partilhar das suas realidades, procurando entendê-las, fazendo o vazio,
como se diz: Jesus abandonado se anulou. Também nós devemos ser o nada
para entender, para entender. Se desejarem ouvir uma palavra, muitas vezes
explicamos que Jesus, no abandono, perdeu tudo, tudo, tudo, e as pessoas
se sentem um pouco semelhantes a Jesus abandonado. Às vezes retomam o
sentido das coisas, entendem.
Por exemplo, por que em certos países a espiritualidade do Movimento
penetra menos e em outros, mais? Na minha opinião, não depende nem da
santidade das pessoas que estão ali, nem da raça. Depende, muitas vezes,
dos bens, das riquezas. Por exemplo, tomamos certas... Não quero
mencionar as nações; porém, em algumas nações se tem tudo: a própria
realização, o estudo, uma pátria muito estimada no mundo, uma família,
126
uma casa, se tem tudo. Outras, ao invés, onde... o nosso espírito se difunde
mais, não se tem tudo, mas falta alguma coisa ou são pobres, de modo que
são mais livres para entender. De fato, Jesus disse: vim para evangelizar os
pobres, porque são os primeiros a compreender.
Têm tudo, têm tudo. Eu estive nessas nações. Porém, o que possuem
também? A percentual mais alta de suicídios. Portanto, têm tudo até certo
ponto. Enquanto que, em certos países muito pobres, nem conhecem o
suicídio, não sabem o que é. Geralmente é assim: se estamos plenos ou um
pouco vazio; se estamos plenos, não entra mais nada; por isso, é mais difícil.
Sandra:
16.A senhora fala da “rosa mística”. Poderia me explicar?
Chiara: Sim, sim. A nossa Obra é como uma rosa mística, porque a
Obra tem uma vida. Às vezes, por exemplo, em outubro, todos os anos, os
dirigentes da Obra no mundo inteiro, viajam para Roma. Dizemos que eles
são como muitas pétalas do mundo inteiro, que compõem uma rosa. Depois,
partem de novo. Aqui eles são nutridos com muita, muita nova sabedoria, e
também são ajornados sobre muitas realidades. Essas notícias são
importantes, para que em cada ponto do mundo saibam tudo e sejam... De
fato, é assim, se for às Ilhas Fiji, sei que encontrarei a mesma formação que
em Roma; vou à Argentina: a mesma coisa que em Roma. É algo estupendo!
Poderíamos pensar que os que estão distantes são mais enfraquecidos! Não,
não, não, não!
Quando termina o mês de outubro, essas pétalas partem e com os
dirigentes do Movimento locais recompõem outra rosa que receber formação,
notícias. Depois, cada um deles... Entre os responsáveis, por exemplo, está o
responsável pelas famílias, pelas crianças, pelos adolescentes, pelos jovens,
responsável pelos sacerdotes. Depois que se reuniram como uma rosa,
abrem-se e vão ajornar, formar as famílias, este outro vai formar... e assim
por diante.
Naturalmente, esse modo de viver na Obra é também variado, não são
somente os responsáveis que vêm para Roma. Por exemplo, se fará o
congresso dos gen 3, dos adolescentes, e ali chegarão adolescentes do
mundo inteiro. Eles se ajudam, porque a viagem é cara. Fazem atividades
durante meses para conseguir a passagem, para ajudar os que vivem mais
longe, para que possam participar.
Então, parte do mundo inteiro essa fileira de representantes, porque
seriam muitos mais. os representantes vêm a Roma e compõem outra
rosa, de uma outra cor, talvez amarela, e depois, se voltam para os centros...
Assim, dessa forma.
Sandra:
17.Há alguns anos, você escreveu que esperava ansiosamente pelo
ano 2000, quando chegaria a civilização do amor. Estamos no ano
2000? Onde ela está?
127
Chiara: Existe e começou. Existe! É preciso ter confiança. É preciso
entrar num outro mundo. Jesus tinha mesmo razão em dizer que estamos
no mundo, mas não somos do mundo. O mundo nos desencoraja, o mundo
nos tira a esperança. É preciso estar no mundo, mas estar no nosso mundo,
e dali vemos o progresso, conseguimos entender também o progresso que os
outros fazem e valorizamos todas as coisas.
Realmente, é necessário estar no mundo, mas não ser do mundo... O
mundo...!
Sandra:
18.Última pergunta. O seu relacionamento com Deus: quantos
anos está "casada" com Ele? Mais de cinqüenta! Em todo casamento
existem altos e baixos. Como amadureceu o seu relacionamento com
Deus?
Chiara: Existiram altos e baixos, mas dependia sempre de mim,
não dele. Eu é que, talvez, não fazia um ato de amor e sentia logo que faltava
alguma coisa, então, pedia perdão! Eu me recolocava e dizia: recomeço.
Nós temos uma palavra fabulosa que é: recomeço. Nós recomeçamos
sempre, recomeçamos...
É assim!...
Sandra: Belíssimo. Obrigada.
Traduzione fatta alla Mariapoli Ginetta, rivista da Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni,
20/04/2010Nome file: TBS-FACCIA A FACCIA 3 2003.doc
ANEXO C Chiara aos internos da Grã-Bretanha e da Irlanda
Logan Hall (Londres), 16 de novembro de 1996
Chiara aos internos da Grã-Bretanha e da Irlanda:
“Responde a 21 perguntas”.
Chiara: Então, finalmente nos encontramos. Visitei várias pessoas, como
vocês foram informados, mas é a primeira vez - depois dos gen 4 -, que me
encontro com membros do Movimento. Imaginem a minha alegria. (aplausos)
(...) Obrigada, realmente obrigada por todo o amor de vocês. E obrigada
também pela recepção que me deram, com tantos presentes, que não sei
como levar para Roma. E também pelas suas cartas, pelas flores e por todas
as coisas.
Agora eu devo responder a umas vinte perguntas que vocês me fizeram.
Eram mais. Porém, o tempo à disposição limitou-as a vinte.
Então, a primeira.
Michel John: Esta é a minha pergunta:
1. Muitos dos meus amigos não acreditam em Deus. Como posso
explicar-lhes que Deus é Amor e quer que estejamos todos unidos?
Chiara: (...).
A nossa experiência nos diz assim: para que os outros acreditem que
Deus é Amor, os outros saberão que nós acreditamos em Deus, se amarmos.
Assim eles vão deduzir: "Se eles amam, o estilo do Deus deles é Amor".
Depois, nós devemos difundir o amor também entre os homens, entre
nós. Assim Jesus estará entre nós. Ele é Deus e é Amor. Ele mesmo
testemunhará aos outros que Ele é Amor. De fato, Ele disse: "Que sejam um
- como sabem - para que o mundo creia" (Jo 17, 21). É potentíssima a
presença de Jesus no meio para que o mundo creia!
Outra coisa importante é falar. Vocês não devem ficar calados. Eu
sempre falei; na minha vida eu sempre falei. E a minha experiência é que,
não obstante as palavras por vezes possam até ferir, deixam sempre uma
marca nas pessoas; de forma que mais tarde, talvez na hora da morte ou em
circunstâncias dolorosas, são recordadas.
Portanto, para que, quem não crê, acredite que Deus é Amor: amem,
amem-se reciprocamente e falem. Assim. (aplausos)
129
Simone Giles:
2. Caríssima Chiara, você disse que todos são candidatos à unidade. Eu
procuro sempre viver estas palavras junto com as palavras do
Evangelho. Na escola estudamos a segunda Guerra Mundial e as suas
conseqüências. Eu li o livro 'Diário de Ana Frank' e fui visitar a sua casa
em Amsterdã. Você diz para 'amar a todos', mas eu não consigo amar os
nazistas. Eles mataram as pessoas por motivos racistas.
O que você acha e o que diria aos rabinos que nos dizem para jamais
perdoar?
Chiara: Eu respondo assim.
Os judeus possuem outra religião, que não é a religião cristã. Nós temos
a religião cristã e sabemos que devemos amar também os inimigos, ainda
que fossem nazistas. Nós temos que amar também os inimigos. Os nazistas
fizeram um grande mal aos outros, pois mataram muitas pessoas, mas se
nós nos comportássemos como eles, se nos vingássemos e matássemos, o
mundo logo pereceria. Ao invés, é preciso (tal como Jesus quer) criar um
mundo novo, onde todos se amam. E por algum lado é preciso começar!
Os cristãos estão num ponto estratégico, pois podem ser os primeiros a
amar, porque eles sabem amar também os inimigos. Eles possuem um amor
mais forte.
Em muitas outras religiões o amor é mais natural, mais humano, e não
chega ao ponto de amar o inimigo. O nosso é um amor mais forte. (aplausos)
Manfred: Ciao, Chiara, sou Manfred.
3. Vivemos numa sociedade que considera o indivíduo muito
importante. Por isso vemos que o relacionamento pessoal é essencial
para o nosso apostolado e muitos não gostam de encontros numerosos.
Que solução encontrar para conseguir levar o Ideal ao maior número
possível de pessoas?
Chiara: (...) Eu diria assim: é uma conseqüência natural.
Quando amamos, quando estamos nos nossos lugares de trabalho, na
escola, na família, comecemos com pequenas coisas, com pequenos
encontros, porque este é o modo de nos inculturarmos na Inglaterra, que
ama... os contatos pessoais, os pequenos encontros, etc. Sempre, sempre
devemos inculturar-nos com quem está ao nosso lado, isto é, assumir a sua
cultura.
Depois, naturalmente, amando-os, somos amados por eles e, assim
sendo, Jesus estará entre nós. Mas Jesus não disse: "Que sejam um para
que alguém creia". Ele disse: "Que sejam um para que o mundo creia"!
Portanto, muitos.
Uma prova de que os ingleses são feitos também para grandes
encontros são vocês. (aplausos)
130
Mônica: 4. Chiara, estamos mergulhadas numa cultura individualista,
que é natural neste país, mas promovida de propósito, sobretudo nos
últimos 15 anos. Embora amemos as pessoas com um amor divino e
humano, elas nada mais vêem que um amor meramente humano, uma
filantropia.
Que conselho você nos dá para viver sempre um amor sobrenatural?
Chiara: Eu gostaria de dizer isso. Os outros acreditarão que a nossa é
uma filantropia, é um modo de amar humano, é bondade, enquanto Jesus
não os tocar. Quando forem tocados por Jesus, notarão que o seu amor é
sobrenatural, além de humano.
Ora, sabemos que muitos santos, que viviam uma espiritualidade
individual, com a presença deles, com o fato de se apresentarem em
alguma parte, impressionavam as pessoas. Era como se ali tivesse passado
Jesus.
Portanto, também hoje elas ficarão tocadas e sentirão que é um amor
diferente. Depois, notarão também que são tratadas com um amor
sobrenatural, que é diferente.
Se depois nós... Eu repito sempre isso, pois é a... única saída. Além
disso, se colocarmos Jesus no meio, Ele penetra nos corações, pois é Ele que
fala de si! Humanamente falando, é impossível amar-se, amar-se sempre,
abraçando Jesus Abandonado, e incrementar esse amor, se não formos
movidos por um amor sobrenatural. Somente um amor sobrenatural produz
a unidade.
De fato, a unidade é uma graça que vem do alto, porque nos amamos
reciprocamente. A graça, que recebemos, é mesmo a presença de Deus entre
nós. Ora, esta presença de Deus toca os outros, que passam a acreditar.
Por isso, não pensem: "Mas eles pensam... Os ingleses são assim, o
assim...". O mundo Por toda a parte é igual. Vocês terão também as suas
características, como vi na encenação que fizeram. Vocês são muito
personalizados. São inconfundíveis. Enfim, não são os outros. Por isso, têm
uma personalidade própria, belíssima. Porém, também somos todos filhos de
Deus. Somos todos iguais. E Jesus, quando fala, dirige-se a todos: para os
ingleses, aos italianos, aos espanhóis, até mesmo aos napolitanos! (aplausos)
Tim: Sou Tim, do focolare de Londres.
Chiara: Sim, Tim.
Tim 5. Um dos aspectos mais picos da cultura inglesa é a
rejeição do indivíduo a submeter-se ao coletivo. Frases como "fazer
unidade", "cortar a cabeça", "a unidade ou a morte", usuais na nossa
linguagem, soam mal e suscitam a suspeita de que se trate de algum
131
tipo de corporativismo. Esta linguagem é parte integrante da forma do
Ideal ou pode ser adaptada à cultura local para exprimir melhor o seu
conteúdo?
Chiara: Olhe. Nós, com toda a certeza, não pedimos a ninguém que se
submeta ao coletivismo; de modo algum. Nós queremos que todos construam
juntos a comunidade, a unidade, e esta é a vontade de Deus, porque temos
que viver segundo a Santíssima Trindade, que é uma comunidade de três
Pessoas em um só Deus.
A respeito das palavras, mais uma vez é uma questão de inculturação.
Não devemos usar palavras que os outros não compreendem ou
compreendem mal ou subentendem. É preciso... usar as palavras justas. Por
isso, ao invés de "fazer-se um", vocês digam: "amar". Amar é "fazer-se um".
Ao invés de dizer: "É preciso cortar a cabeça", devem dizer: "É preciso amar a
ponto de dar a própria vida, portanto, a deixar de lado o próprio pensamento
para penetrar no outro, para compreender o outro". "A unidade ou a morte";
ninguém precisa proclamar... pois nem sequer é uma palavra de Deus. É um
lema dos focolarinos. Basta dizer: "Olhe que a unidade exige muito empenho;
não é uma coisa simples, que fazemos... por divertimento; não é banal. É
uma opção forte". Entendeu?
Portanto, você mude as palavras. Quando vamos para outro país,
aprendemos até outra língua. Ainda mais é preciso mudar... para
inculturarmo-nos. (aplausos)
Morade: Oi Chiara !
6. Pode nos dizer algo mais sobre como você se faz um com
personalidades importantes, por exemplo, no âmbito da Igreja ou da
política? E qual é a sua experiência pessoal a este propósito?
Você não treme um pouco?
Chiara: Olhe, eu confesso que, quando era jovem, eu tremia um
pouquinho, sobretudo quando ia encontrar o Papa, que é a maior
personalidade que encontrei na minha vida. Conheci diversos papas. Eu
sempre me agitava um pouco.
Quando comecei a pensar: "Devo ir para amar também ele; vou para
amá-lo", desapareceu tudo! Por isso, eu me aproximo de qualquer pessoa...
Podem chamar aqui todos os reis do universo, os príncipes, quem quiserem
e eu não me agitarei, porque sei que devo amá-los.
Eu me perguntei: "Mas por que será, se vou para amá-los, não me
preocupo?". Porque se a minha intenção é ser a primeira a amar, a caridade
em mim me move. A caridade é potente, porque é a vida de Deus dentro de
mim. E onde existe o amor, não lugar para o temor. Deve ser por isso!
(aplausos)
132
Padre Dick:
7. Chiara, muitos sacerdotes possuem como centro de suas vidas a
paróquia que os absorve completamente. Geralmente não lhes interessa
nenhuma realidade fora da paróquia tal como, por exemplo, a comunhão
entre os sacerdotes.
Que conselho nos daria para mostrar melhor a esses nossos irmãos a
beleza e o fascínio da vida animada por uma espiritualidade coletiva?
Chiara: Eu diria assim: não se preocupem com os sacerdotes que não
querem saber de nada exceto que da paróquia. Vivamos nós. Nós. Os
senhores. Vivam os senhores.
Por exemplo, numa paróquia em que dois sacerdotes vivem juntos num
focolare, vivendo com Jesus no meio, acontecem muitas coisas. Em primeiro
lugar, possuem uma alegria que os outros sacerdotes não têm. Depois, um
conceito positivo do celibato, que muitas vezes é suportado pelos outros. Os
senhores, porém, sentem que é até uma libertação. Nascem por todo o lado -
por força, porque Jesus no meio irradia! - grupos de pessoas da Palavra de
Vida. O presbitério da diocese dos senhores, ao redor do bispo, começa a
tornar-se uma única família, porque Jesus no meio irradia o amor, produz a
unidade, a unidade. Os senhores começam a abrir-se a pessoas de outras
Igrejas, enquanto os outros têm medo e por vezes se fecham até demais na
própria paróquia. Os senhores começam a ter contato também com pessoas
de outras religiões, acolhendo-as. Ou também, por exemplo, outra coisa:
chega muita providência, se os senhores buscarem o Reino de Deus. Então,
constróem a sala para isso, a sala para aquilo, a igreja, etc., etc. Os outros
sacerdotes, com o tempo, dirão: "Mas como é que fizeram tudo isso? Como
conseguiram construir uma unidade tão bela assim com o bispo; por que
estão sempre contente? Eu os vejo sempre com o sorriso nos lábios. Nós
temos tantas preocupações, preocupações. Como é?".
Então, falem. Falem. Digam: "Nós escolhemos Deus e não o sacerdócio
como nosso primeiro Ideal. Escolhemos Deus por Ideal. O nosso Ideal é Deus
Amor; Ele nos ensina a amar. Nós nos amamos reciprocamente.
Estabelecemos a presença de Jesus no meio e Jesus atrai muitas graças".
(aplausos)
Pauline: Ciao, Chiara.
8. Como você tem a certeza de que está fazendo a vontade de Deus?
Chiara: No início do Ideal inclusive para nós, primeiras focolarinas, o
era tão claro. Não sabíamos qual era a vontade de Deus, se era essa ou
aquela. Então, encontramos um truque, que era esse. Dizíamos a Jesus:
"Ouça, eu faço isso; se estiver errada, por favor, leve-me para o outro lado.
Mas eu não posso fazer mais do que aquilo que sinto. Eu acho que a vontade
de Deus é esta. Se não for, me ajude a mudar para a certa".
Começamos a fazer assim, mas à medida que crescemos no Ideal, a voz
interior vai aumentando, a voz de Deus fica cada vez mais potente. Ela
133
emudece as outras vozes e entendemos logo: "Esta é a vontade de Deus".
Temos toda a certeza que aquela é a vontade de Deus. Entendeu? (aplausos)
Gerard: 9. Chiara, somos de uma cidadezinha do Lancashire.
Freqüentamos uma paróquia onde muitas gerações as famílias são
católicas e os pais levam os filhos à igreja, procurando dar-lhes uma
formação cristã. Porém, de uma geração para os filhos não querem
ir à igreja e não vão. Essa situação é universal.
Como fazer para não desanimar e como podemos preveni-la?
Chiara: (...) Então. Esta é uma situação universal, você diz. Os jovens,
acima dos 10 anos, não querem ir à igreja, é uma situação universal,
geral. Não era assim alguns anos atrás.
Bem. É uma situação geral, devemos admitir. É uma situação universal,
admitimos. Porém, existem exceções. Por exemplo, observando os nossos gen
2, os gen 3 sobretudo, nós notamos que nasce neles, com o Ideal, a paixão
pela Igreja. Eles não a abandonam e nos seguem, porque nós lhes
explicamos o que é.
Porém, o que é preciso fazer? Temos que formar os jovens, dando-lhes o
Ideal, porque - como explicarei depois -, o Ideal suscita também a paixão
pela Igreja. É preciso que nós formemos os jovens.
E depois, estejamos atentos. Em tempos difíceis aparecem sempre
ajudas especiais do Espírito Santo. Pois bem, na época atual vemos a
presença forte, no mundo - não sei se também aqui na Inglaterra -, dos
Movimentos. Confiem os jovens a sacerdotes, por exemplo, desses
Movimentos, que sabem convencê-los, explicar as coisas, etc.
Esta poderia ser uma boa solução para que os nossos jovens não
abandonem a Igreja muito cedo. Esses sacerdotes sabem formá-los através,
não sei...
Vocês mesmos, como pais, aproveitem as festas, as férias juntos, o
teatro... Eu soube que no Trentino, ou no Vêneto, os pais, para manterem a
família unida, produziram um filme, mas muito bem feito. Os atores eram a
mãe, o pai, os filhos de uma família, de outra. Estão exibindo este filme.
Para dizer que os pais... Então, os filhos gostam e, aonde os pais vão, os
filhos também vão.
Confie no Ideal, sabe? Devo lhe dizer a verdade: é assim, porque sei que
é difícil encontrar ajuda em outras partes. Entendeu? (aplausos)
Voluntário: Em carne e osso, não via Internet, Chiara.
10. Estudo num grande instituto católico. Os estudantes e os
professores têm sempre uma atitude negativa em relação às estruturas
da Igreja e debocham de quem é obediente à Igreja. Eu reajo. Porém, o
que mais posso fazer para mudar isso?
134
Chiara: Veja bem; eu dou um pequeno exemplo que me lembro. Se
tivesse outro melhor, lhe daria. Mas se deu quando eu ia à escola. Você
deve conhecer este episódio.
Quando eu fazia o Magistério, havia um professor ateu que falava
sempre mal da Igreja, regularmente. Eu recordo que depreciava santo
Agostinho. A certo ponto eu não agüentei mais. Porém, não sabia como
contradizê-lo, porque não tinha argumentos. Eu era ignorante, pois sabia
pouco da religião. Porém, regularmente eu levantava a mão: "Professor, não é
verdade!". Depois eu me sentava. Ele continuava o discurso. "Professor, não
é verdade!". E depois eu sentava.
As minhas colegas me puxavam pela camisa. "Mas, Chiara...", me
diziam: "Lubich, fique quieta. Você vai se arrepender da nota! Você vai ver!".
Mas eu não podia ficar calada: "Professor, não é verdade!". Então, dizia: "Mas
Agostinho... isso e aquilo!". "Não é verdade!" e chega.
No final do trimestre eu tirei a nota máxima, que naquela época era 10.
A nota máxima. E as minhas colegas, disseram: "É assim que se faz!".
Mais tarde a esse professor, que era ateu, aconteceu uma desgraça em
família. Ele cruzou comigo numa rua e me disse: "Sabe, Lubich - disse -,
entrei naquela igreja, que você vai sempre, para invocar aquele Deus no qual
você acredita". Portanto, algum efeito teve.
Portanto, é preciso convencê-los! E convencê-los com a nossa convicção,
mas que não conseguimos explicitar, porque não temos os argumentos, ou
convencê-los com os argumentos.
Por exemplo, eles acreditam em Cristo, mas não na Igreja. Mas assim
dividem Cristo pela metade! A hierarquia da Igreja foi fundada por Cristo. Foi
Ele que disse: "Quem vos ouve, a mim ouve". Foi Ele que disse, que impôs as
mãos e deu o Espírito Santo aos apóstolos para que se tornassem os
primeiros bispos, os primeiros sacerdotes. Foi Ele que lhes deu a
possibilidade e o poder de consagrar a Eucaristia, de perdoar os pecados. Foi
Ele que disse a Pedro: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja". Foi Ele que disse isso.
Portanto, se você tirar do Evangelho tudo o que se refere à hierarquia,
ele vai ficar sem uma parte. Portanto, não é verdade que podem acreditar em
Jesus sem acreditar na Igreja. Ou acreditam em Cristo por inteiro, inclusive
na Igreja, ou não acreditam em nenhum Cristo. (aplausos)
Focolarino casado:
11. Chiara, somos 4 focolarinos casados e dirigimos juntos uma escola
de inglês. Como podemos ter a certeza de que o nosso modo de
administrar os negócios é uma expressão da espiritualidade coletiva?
Chiara: Olhe, antes de mais nada eu os felicito por esta escola tão bela,
sobre a qual chegam notícias até em Roma, naturalmente.
E depois, a coisa é a seguinte: você quer fazer algo segundo a linha da
"economia de comunhão". Ora, para fazer a "economia de comunhão" é
135
necessário ter homens novos; mas os homens novos são aqueles que vivem o
Ideal, aqueles que vivem o Ideal, vivem os instrumentos da espiritualidade,
vivem o amor recíproco, vivem a unidade.
Vocês quatro de vez em quando devem encontrar-se para comunicar
como agiram, para fazer um balanço e ver se tudo correu bem, ou se correu
mal; para ouvir os conselhos dos outros, para escutar o que dizem e depois
aplicar, cada um, aquilo que aprendeu do outro, voltando ao trabalho.
Depois, de vez em quando repitam essa reunião. Mas deve ser Jesus no meio
a dirigir a escola de vocês.
Todas as empresas, as indústrias de "economia de comunhão", devem
ser dirigidas por Jesus no meio; senão não é "economia de comunhão", mas
uma economia qualquer, daquelas do mundo, que não servem para nada. É
do mundo. (aplausos)
Margaret: 12. Na Irlanda do Norte o sistema político criou estruturas
que contribuem para fomentar a desigualdade e a divisão entre pessoas
de diversas tradições. Você acha que além de se ocupar de cada
expressão dolorosa dos nossos irmãos ou das comunidades, amando
Jesus Abandonado, também devemos trabalhar ativamente para mudar
as estruturas no modo necessário, apesar dos riscos que isso comporta?
O que podemos fazer para que Jesus no meio possa crie "homens novos"
e para construirmos assim uma nova sociedade?
Chiara: Para mudar as estruturas, é preciso ter a possibilidade de fazê-
lo. E temos essa possibilidade, se tivermos um emprego de interesse público.
É por isso que o Movimento convida - como faz o Papa, de resto - a
entrar na política, a entrar na política, para cristianizar também o mundo da
política, que muitas vezes é o oposto do cristianismo.
Que os outros, entretanto, amem Jesus Abandonado e rezem pelos
nossos que trabalham na política a fim de que sejam fortalecidos por um
batalhão de orações e que, quando eles propuserem uma lei, seja aceita, ou,
quando fizerem um debate, que sejam ouvidos.
A resposta é: entremos na política. É uma resposta estranha para
Chiara, não é? Trabalhar em política. Mas é assim.
"O que fazer para que Jesus no meio crie homens novos?". Vivam o
Ideal. Vivam o Ideal. Vão adiante com a nossa Obra.
Gen: 13. Quando organizamos atividades com os Jovens por um
mundo unido, nas quais os nossos amigos ateus estão envolvidos, ou
quando eles nos perguntam como vivemos, às vezes é difícil usar a
palavra Deus, o Evangelho, ou o amor por Jesus, porque eles associam
estas palavras à Igreja, à qual são contrários. Podemos evitar de usar
estas palavras sem "enganá-los"? Que palavras poderíamos usar?
As pessoas sem fé podem participar do Movimento Jovens por um
mundo unido?
136
Podemos partilhar com eles o ideal de um mundo unido, sem assustá-
los com este tipo de linguagem?
Chiara: Olhe, para responder a esta pergunta, ou seja: se é possível
evitar certas palavras, eu conto um pouco como estou me preparando para ir
à Tailândia.
Provavelmente você sabe que nos próximos meses, no final de dezembro
e todo o mês de janeiro, eu estarei na Ásia e parte do mês estarei na
Tailândia. Eu vou lá, porque - como Natália deve ter dito - fui convidada pela
Universidade budista para fazer um discurso. Fui convidada também por
grupos de monges budistas, depois de ter conhecido Luz Ardente, sobre
quem Natália lhes falou. Ele é um monge. E também o seu Grande Mestre.
Eles ficaram tão entusiasmados com Loppiano, ficaram tão impressionados
com a realidade de Loppiano, que fizeram de tudo para que eu ao país
deles. Portanto, prepararam tudo...
Porém, me escreveram: "Procure falar somente do amor, da unidade e...
do diálogo inter-religioso", isto é, não fale de Deus, porque os budistas não
acreditam em Deus.
Por um lado, eu quero fazer o que me pediram; por outro, não posso
trair a minha fé. Então, pensei em fazer assim.
Devo apresentar o nosso Movimento. Em geral, nós apresentamos o
Movimento partindo da escolha de Deus e do amor, etc. Porém, lhes
apresentarei o nosso Movimento assim. Vou dizer: "Estou aqui porque fui
convidada a contar algo de um Movimento que se difundiu no mundo inteiro.
Ele é formado por cristãos, por pessoas de outras religiões e também por
pessoas que não acreditam em Deus, mas possuem boa-vontade. Todas
estas pessoas procuram estar unidas com o amor, naturalmente que varia
de acordo com cada uma". Então continuo: "Os cristãos vivem um amor que
é participação da vida da Santíssima Trindade". Eu devo dizê-lo. Não é que
imponho nada. É o meu testemunho. "Enquanto que outros, por exemplo, as
pessoas de outras religiões, vivem o amor que está contido na "regra de
ouro", que quase todas as religiões possuem, que diz: 'Faça aos outros aquilo
que gostaria que lhe fizessem. Não faça aos outros aquilo que não gostaria
que...?", que é cristianismo. Porém, pertence também a todas as outras
religiões, cujos membros também amam, mas com um amor que não é como
o nosso amor cristão, que é inclusive o ágape, a vida da Trindade, que é a
caridade, o maior dos carismas.
Eles possuem a bondade, a não-violência, digamos. Eles amam para
amar; têm a filantropia.
Nós dizemos: "Vocês acionem tudo isso. Nós acionamos o nosso amor.
Cada um vive o amor como sabe. Quem não crê, é movido pelo desejo de
fazer o mundo unido, de fazer do mundo... uma fraternidade universal. Nós
reunimos tudo, todos estes amores, que são diferentes uns dos outros, e
tentamos suscitar no mundo uma onda de fraternidade".
Por um lado, uso os termos deles; por outro, testemunho que eu sou de
Cristo. Entendeu?
137
Você deve fazer o mesmo em relação ao seu amigo que não crê.
(aplausos)
Irmã Teresita:
14. À luz da sua experiência com os religiosos no mundo e dado que
diminuem sempre as vocações à vida religiosa, como você o seu
desenvolvimento?
Quais são as palavras sapientes que você pode dizer aos religiosos para
que permaneçam fiéis neste período de transição?
Chiara: Um modo para aumentar as vocações (um deles; podem existir
outros) é difundir a nossa espiritualidade, que está superando as
fronteiras do Movimento.
Eu soube recentemente que, em Roma, fizeram uma reunião com o
Cardeal Arinze, que é o presidente do Pontifício Conselho para as Religiões
1
,
da qual participou um focolarino. O tema da reunião era: "Uma
espiritualidade para o diálogo inter-religioso". E o cardeal Arinze disse: "Uma
espiritualidade boa, a melhor (a melhor!) que existe para o movimento inter-
religioso é aquela dos focolares". Ele disse isso.
Portanto eles agora, no campo inter-religioso, se apropriarão da nossa
espiritualidade, a desenvolverão em todos os centros, no mundo inteiro, em
todas as dioceses, e irão difundi-la. E nós estamos contentíssimos, porque
ela provém do Evangelho, que é de todos e todos podem vivê-la.
Um instrumento para reavivar o mundo religioso é mesmo a nossa
espiritualidade. Os mosteiros, os conventos - assim dizem os documentos da
Igreja - foram criados de maneira que sirvam de exemplo para a comunidade
cristã.
Por exemplo, os religiosos colocam em comum os bens; são um
exemplo. Os outros darão o supérfluo; darão também esmolas. Porém,
seguem o exemplo. Dado que o nosso Movimento ensina mesmo a viver
comunitariamente, através desta espiritualidade, as Ordens religiosas se
reforçam.
Outra coisa que eu gostaria de dizer. Nós, por exemplo, temos 54.000
religiosas e 20.000 religiosos, que "produzem muitos frutos", dentre os quais
as vocações que se multiplicam.
Uma coisa bela que ouvi recentemente foi esta.
Dois conventos... Contaram-me o episódio em momentos diferentes. Um
convento era formado por pouquíssimas religiosas que tinham mais de 80
anos. Eram três, quatro religiosas e não havia novas vocações. Elas me
escreveram: "Chiara, ensine-nos a morrer bem". Morrer queria dizer: ver a
congregação morrer, não elas mesmas. Eu pensei: "Eu não ensino ninguém
a morrer bem! Eu não!", disse: "Tenham Jesus no meio e verão os frutos!"
Enfim: oitenta anos, três, quatro... Nasceram duas vocações, duas jovens
entraram para o convento. Foi uma festa! Imaginem!
1
Para o diálogo inter-religioso.
138
Em outra congregação também as religiosas queriam terminar bem,
porque não tinham novas vocações. Elas viveram o Ideal e também viram
nascer novas vocações.
Para dizer que a esperança não morre, se temos Jesus no meio, pois é
Ele que chama e Ele não tem idade.
Muitas vezes se diz: "Mas se não formos jovens, não atraímos os
jovens!". Quem foi que disse? Depende se eu tiver Cristo dentro de mim. Se
Cristo vive em mim, Ele não tem idade e atrai jovens, velhos, crianças...
Atrai todos.
Assim deveriam fazer as religiosas: vivam bem a espiritualidade coletiva,
a espiritualidade comunitária, pois: multiplicam-se as vocações,
naturalmente compreendem melhor o fundador. Acontece isso. Unem-se
melhor com os membros da própria comunidade. Unem-se melhor com os
seus superiores. Depois, as Ordens se fraternizam. Os religiosos estabelecem
a unidade com os sacerdotes seculares. Eles se unem também com os leigos.
Eis a Igreja que refloresce toda unida e graças à espiritualidade do
Movimento dos Focolares. Entendeu? (aplausos)
Nick: 15. No Novo Testamento muitas vezes se que a nossa vida
aqui é uma preparação para o Paraíso. Quando vivemos uma verdadeira
experiência de Jesus no meio, temos a impressão de 'estar no Paraíso'.
É certo dizer, então, que podemos experimentar o Paraíso antes de
morrer?
Chiara: Ah!, é claro que sim! Nós vivemos a vida da graça, que é uma
coisa sobrenatural. A vida aqui e a vida são bem parecidas. teremos a
visão beatífica de Deus, pois veremos Deus face a face. Aqui nós
experimentamos o Paraíso, por exemplo, com Jesus no meio: uma grande
alegria, uma segurança, um ardor. Queremos ir em frente. Queremos
melhorar. Queremos não retroceder. Queremos desenvolver... Somos
movidos pela força da graça que temos em nós.
Porém, por vezes não acontece assim. Regredimos um pouco. Caímos
em alguma imperfeição, em algum pecado, etc. Então, é por isso que a Igreja
diz que existe o "já" e o "ainda-não", isto é: experimentamos o paraíso,
mas ainda não de modo perfeito como será. Porém, ambos possuem a
mesma natureza, a mesma substância, porque Jesus no meio que temos
entre nós, será o mesmo do Paraíso. É o mesmo Jesus. que aqui é
presente espiritualmente. Lá o veremos com os olhos. (aplausos)
Anthea:
16. Pertencemos a várias denominações cristãs e existe uma grande
unidade entre nós. Você acha que, nesta região, onde existem cristãos
de várias denominações, a nossa vida de unidade é um modelo para
139
incrementar o amor e a compreensão recíproca entre pessoas de várias
Igrejas? Como isso pode acontecer?
Chiara: É claro que é um modelo! Certamente, desde que cada uma de
vocês, de Igrejas diferentes, obedeça à própria consciência; isto é, que não
caiam no erro de eliminar certos aspectos da própria consciência para fazer
uma unidade, um irenismo, se diz. Isso estaria errado.
Se vocês se mantiverem: a católica, católica; aquela outra... respeitando
a própria consciência, então é uma unidade justa. Assim testemunharão... e
podem ter Jesus no meio. Vocês testemunham realmente como podem ser as
Igrejas desde já. Não quando serão unidas. Vocês ainda não estão unidas
teologicamente, etc., neste caso são como as Igrejas.
Eu diria que sim! Vão em frente e testemunhem isso. (aplausos)
Chiara: Os focolarinos de Dublim. Não é que exageramos em escolher
mais perguntas da Irlanda do que da Inglaterra? Não.
Focolarino:
17. Chiara, como você a contribuição da Escola Abbá para a vida do
ecumenismo?
Chiara: (...) Olhe, a impressão que temos, nestes primeiros anos desta
Escola Abbá é esta: nascerá uma teologia nova, que conseguirá também
captar a beleza e tudo o que existe de bom nas outras Igrejas, nas outras
denominações cristãs. Ela conseguirá, aliás, enfatizá-los. Isto é, o belo e o
bom das outras Igrejas serão essenciais para essa teologia. Essa teologia
precisa exprimir-se também assim, também assim, também assim, também
assim. Por isso, será muito útil o diálogo teológico que nascerá!
Não sei se sabem que Hubertus, que é da Escola Abbá, esteve na
Alemanha. Ele é especializado em Lutero e foi falar sobre Lutero. Pois bem,
os pastores, os presentes e os professores que estavam presentes, disseram:
"Mas você fala de Lutero melhor do que nós!", porque Hubertus conseguiu
compreender por que Lutero dava tanta importância à Palavra, por exemplo.
Ele também diz: "Tem as suas limitações". Porém, também eles sabem que
tem limitações. Todavia não sabiam que fosse tão linda a descoberta de
Lutero a respeito da Palavra! E ele - agora eu não sei repetir, porque não
tenho aqui o tema - o explicou amplamente de forma que ficaram muito
fascinados! Entendeu?
Por isso, é o que se fará. E não com as outras Igrejas cristãs, mas
também com as outras religiões. Por exemplo, Enzo Fondi é especializado, na
Escola Abbá, no estudo dos elementos de outras religiões que fariam parte
da teologia da Escola Abbá. E se fazem progressos. Ele explica certas
coisas. Certas experiências nossas, por exemplo, Enzo ilustra com...
experiências de Buda. E foi o que fez. Existe muita consonância. Não é a
mesma coisa, mas existem sementes do Verbo ali que é preciso desenvolver.
Desenvolvem-se ao contato com o Verbo de Deus.
140
Por isso, a nossa teologia terá muito a ver com as outras Igrejas.
(aplausos)
Christopher:
18. Chiara, poderia nos dizer que aspecto da Escola Abbá lhe mais
satisfação e alegria?
Chiara: É tudo interessante. Na Escola... Abbá é tudo, tudo interessante.
Por que é assim?
A Escola Abbá, como sabem, não apresenta somente uma nova teologia,
mas faz florescer uma nova filosofia e também ilumina as ciências pela raiz,
de modo que todas passam a ser - para dizer a verdade - como que servas
diante de Deus, diante da teologia. E não sabemos de que lado... qual é a
mais linda, sabe? Quando se fala, por exemplo, de sociologia, ou de física, ou
de outras coisas, eu me sinto empolgada, porque é a primeira vez que vejo
uma ciência humana iluminada pela fé, por conceitos religiosos. É a
primeira vez. Então, é super-fascinante este aspecto humano, mais humano.
Naturalmente, na Escola Abbá alguns são inclinados a amar mais a
teologia nova que nasce, por exemplo, os focolarinos, os focolarinos
sacerdotes, os sacerdotes, os religiosos, etc., que possuem também o
ministério; não excluo os demais.
Os aspectos mais humanos... das ciências humanas são compreendidos
melhor e valorizados pelos focolarinos, por causa do aspecto humano da sua
vida, pelos voluntários, pelos gen, etc.
Os nossos religiosos... apreciam muito a nova espiritualidade que está
nascendo, que é a nossa. Mas tem uma série de implicações; por exemplo,
nasce uma nova ascética, uma nova mística, e eles estão muito interessados
nestas coisas.
Os nossos bispos apreciam tudo. -se que possuem a graça de seguir
todo o povo de Deus em todas as suas expressões.
O meu caso é... Eu vibro muito, neste momento, com a teologia, porque
é a mais desenvolvida. Porém, quero dizer que vibro de modo igual também
com as outras coisas. (aplausos)
Lesley: 19. Nós sabemos que existe o pecado e a luz que você recebeu
pode nos iluminar sobre o seu significado. Porém, existem muitas
definições diferentes sobre ele e impera o relativismo neste campo.
Pode nos explicar o que é o pecado para Deus?
Chiara: Olhe: o pecado - esta é uma definição, creio, somente nossa - , o
pecado é o oposto do bem. Isto é, para mim o mal não existe; existe o
demônio, mas o mal não existe. Existe o contrário do bem, isto é: é pecado
não obedecer a Deus, não observar os mandamentos, não fazer o que Deus
quer; não observar a sua palavra. É um "não". E todo o bem está
concentrado no mandamento novo, porque quem ama, observa todos os
141
mandamentos: não rouba, não faz mau atos, não mata. Todos os
mandamentos estão dentro do amor recíproco; no amor e no amor recíproco
ainda mais.
A Igreja tem o mandato de... fazer, em nome de Deus, leis, etc., portanto
é preciso obedecer também à Igreja.
Porém, o pecado é não fazer o bem, porque o bem indica que é preciso
fazer assim, assim, assim. Não fazer como ele diz, significa pecar. O pecado é
um vazio. (aplausos)
(...)
Padre Jonathan:
20. O carisma da unidade uniu, na família dos religiosos da Obra,
muitas famílias religiosas. Como você vê que esta unidade pode se
estender também aos religiosos das outras Igrejas cristãs e a todos
aqueles das grandes religiões?
Chiara: Não é que podemos nos unir também a religiosos de outras
Igrejas ou religiosos de outras religiões, mas devemos na Obra de Maria.
Devemos.
E cada ramificação (temos 16; serão 17 com a dos bispos), cada
ramificação tem os membros de outras Igrejas e de outras religiões, como
também pessoas que não crêem. Por exemplo, um religioso está em crise,
não acredita em mais nada; então, faz parte daquela ramificação ali. Cada
ramificação tem os seus.
Temos os voluntários anglicanos, temos os voluntários luteranos, os
voluntários católicos, temos os voluntários... Cada ramificação tem os seus.
Não é que podemos, devemos, porque existe algo que nos une.
Entre nós, cristãos, é uma coisa... Outro dia eu falei em York àquele
grupo de pessoas... Na minha frente estava uma garrafa quase cheia d'água.
Eu disse: "Nós somos assim! Temos quase tudo em comum: os
mandamentos, os sacramentos, o Antigo Testamento, o Novo Testamento;
temos uma série de coisas! Outros dizem: 'Mas aqui está vazio. Estamos
ainda separados; estamos ainda divididos".
"Mas você não vê a parte cheia?".
Nós, focolarinos, vemos a parte que está cheia e dizemos: "Mas você -
dirigindo-se a um anglicano - acredita no que eu acredito. Você pode colocar
Jesus no meio. Você acredita em Deus, na Trindade. Você acredita, acredita,
acredita... Por que, então, não nos unimos? Se ainda existe alguma
divergência, paciência! A garrafa está cheia!", nós dizemos. E os outros:
"Não. Está vazia!". E nós: "A garrafa está cheia!". E os outros: "Não, está
vazia!". Nós não vemos a parte vazia. Veremos mais tarde. Por enquanto
vemos a garrafa cheia.
Por isso, com os outros de outras Igrejas e também com pessoas de
outras religiões temos coisas...
142
Estou certa de que se Luz Ardente, que esteve em Loppiano, não tivesse
sido hospedado pelos religiosos, não teria compreendido o que compreendeu,
porque eles tinham em comum, pelo menos, com os religiosos, a
consagração. Não digo a Deus, porque os budistas não acreditam em Deus,
mas falo da consagração com os votos. Tinham isso em comum.
Logo, não só podemos, mas devemos. (aplausos)
Cathrin:
21. Poderia nos contar em que fase está a Obra no desígnio de Deus? E
qual deve ser o nosso objetivo hoje? O que lhe sugeriu o Espírito Santo
nestes dias para as nossas regiões?
Chiara: A Obra hoje é assim: está bastante completa, porque temos
também os bispos aprovados pela Igreja como membros da Obra. Esta é uma
das últimas coisas que conseguimos em Roma. E é uma grande graça,
porque temos 780 bispos, amigos do Movimento, que fazem parte do
Movimento efetivamente, mas que ainda não eram reconhecidos como tais
pela Igreja. Foi o Papa que interveio pessoalmente e os aprovou como
membros da Obra de Maria. Portanto, a nossa Obra está bem completa,
porque mais acima dos bispos, não é possível ir.
Então, o que falta ainda é desenvolver esta doutrina que está jorrando
da espiritualidade e da vida. É preciso desenvolvê-la bem, porque a Escola
Abbá tem só 5 anos.
E depois está surgindo a terceira era, que já mencionei e que chamamos
de "terceira fase", aquela de "Hollywood", isto é: propagar o Ideal através dos
meios de comunicação, do teatro, do cinema, através dos mídias. E já
estamos conseguindo, porque os sintomas são vários: certas redes televisivas
querem mostrar as nossas produções por inteiro. Também agora, por
exemplo, na Itália, o conjunto Gen Verde está fazendo uma turnê com o
show "Primeiras páginas", que narra o nascimento do Movimento. É
belíssimo! É belíssimo! E tem um sucesso enorme. pessoas que choram,
pessoas que... Vocações que nascem! Dizem: "Eu quero ser uma gen. Eu
quero ser uma focolarina. Quero segui-las. Eu quero ser como elas".
Crianças... pequenas assim, gen 4, que choram. Vão para casa e a mãe
pergunta: "O que você tem?". "Quero ser uma Gen Verde! Quero ser uma
Gen Verde!" dizem assim.
A nossa Sarah é uma semente. Vimos que tem talento. Amanhã,
quem sabe o que nascerá aqui?
Mas não só. Temos muitas coisas. A televisão solicita muitas coisas.
Portanto, é um modo de difundir o Ideal através da beleza, porque Deus não
é apenas bondade e verdade mas também é beleza.
Depois, você me perguntou: "O que lhe sugeriu..."?
Agora digo uma última coisa.
Vindo aqui, explodiu algo. Explodiu esta idéia: realmente Deus nos deu
um novo ecumenismo.
143
Antes havia o ecumenismo da caridade, isto é, o diálogo da caridade,
como quando Atenágoras levava presentes ao Papa, e o Papa levava
presentes a Atenágoras; como quando Ramsey levava presentes ao Papa, o
Papa dava presentes... como um sinal de amizade.
Depois havia o diálogo da oração, onde todos rezamos juntos, sobretudo
na Semana pela unidade.
E ainda havia o diálogo teológico, que está travado em muitas partes,
também aqui na Inglaterra... está travado.
Nós percebemos, sobretudo vindo aqui, que temos um quarto diálogo,
uma quarta linha. O nosso diálogo é o diálogo da vida, o diálogo de um povo
que é católico, anglicano, luterano, reformado... de um povo que está
unido e que é um povo... É "o" povo cristão do ano 2000, de agora. Este é o
nosso modo de fazer ecumenismo: despertar nos cristãos o seu instinto
cristão, unirmo-nos, porque a garrafa está quase cheia, e fazer crescer este
povo.
O Papa nos tinha dito anos: "Vocês são um povo", mas ele o dizia
referindo-se ao número. Agora quadruplicamos. Mas nós pensamos assim:
que povo é? É o povo cristão. O povo... somos nós; somos nós.
Eu dizia outro dia, falando aos focolarinos, estavam presentes Lesley e
Callan: "Mas quem me separará de Lesley e de Callan? Ninguém, porque
Cristo nos uniu! Jesus no meio nos uniu. Ninguém nos separará!".
Pois bem, quem fala assim no mundo cristão em geral entre ortodoxos e
católicos e luteranos? Todos seguem a sua linha. Todos seguem a própria
Igreja, naturalmente; é preciso fazer assim. E cuidam das próprias almas,
das pessoas dali, da própria corrente, da própria denominação; mas quem
diz: "Ninguém me separará, porque Cristo nos uniu"?
O fato é que Cristo nos uniu e fez de nós um único povo. Esta é a
pequena "bomba" que explodiu aqui na Inglaterra. (aplausos)
Caríssimos, muito obrigada pelos aplausos. Nunca agradeço os
aplausos, mas é sinal de que vocês aceitam o que eu disse, que aceitamos.
(aplausos) Quer dizer que existe na Inglaterra uma expressão daquele grande
povo, que conta com quatro milhões e meio de pessoas... espalhado por
toda a terra.
Nós vamos em frente! Este é o nosso ecumenismo. Existirão
dificuldades. Agora existem dificuldades, como sabem, entre Inglaterra e
Roma. Estas dificuldades são teológicas. Nós temos a vida. Nós nos amamos.
Nós nos queremos bem. Nenhuma dificuldade teológica pode travar o amor!
Nós vamos adiante. Nós nos compreendemos. Nós nos ajudamos. Colocamos
em comum os nossos bens. Vamos em frente. E seremos aquele povo que
vencerá!
Porque, olhem, há muitos séculos fizeram o "Concílio de Florença", onde
tinham restabelecido a unidade entre católicos e ortodoxos. E fizeram uma
procissão por Florença. Fizeram a unidade, procissões, declarações, festas,
canções nas igrejas, etc. Pouco depois tudo se desfez. Por quê? Porque o
144
povo não estava preparado. O povo não era um povo cristão, mas eram dois
povos cristãos. Cristãos? Até certo ponto! Porque se olhavam com
hostilidade!
Pois bem aqui, isso não pode acontecer se nós pudermos fazer crescer o
nosso povo. Também os teólogos vão ceder! Também eles mudarão de idéia.
Eles também se esforçarão... Atenágoras dizia: "Os teólogos, sabe Chiara,
para onde devemos mandar? Para uma pequena ilha, sem comer; enquanto
não tiverem resolvido tudo, não os chamaremos de volta!". E tinha razão,
tinha razão!
Nós não os levaremos para uma ilha, porque seriam demais. Porém,
vamos obrigá-los a chegar à unidade, com a nossa vida. (aplausos)
Traduzione di Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni, 20/4/2010.
nome file: bs161196.doc
ANEXO D Chiara no Congresso Ecumênico dos Bispos
Rocca di Papa, 26 de novembro de 2003
Chiara no Congresso Ecumênico dos Bispos:
Vós sois um só em Cristo Jesus (Gal 3,28)
A presença de Jesus entre os seus e o diálogo da vida
Speaker: O Congresso ecumênico de bispos amigos do Movimento foi
transferido, na última hora, para Rocca di Papa. Os trinta e quatro
participantes, que conseguiram mudar a passagem para Roma, eram:
ortodoxos, sírio-ortodoxos, armênio-apostólicos, anglicanos, evangélico-
luteranos e católicos. Florescido de uma grande dor, esse encontro produziu
frutos especiais.
Cardeal Miloslav Vlk, de Praga: Todos participamos de uma grande
experiência: o ódio destrói os programas e fecha as estradas, mas o amor cria
novos programas e abre novas estradas.
Marco: João Paulo II, o Patriarca Ecumênico Bartolomeu e o arcebispo
de Cantuária, Rowan Williams, enviaram mensagens de calorosa
participação ao encontro.
Chiara acolheu os bispos, no coração do Movimento, nos locais do Centro da
Obra, e preparou cada detalhe da hospitalidade. O seu discurso sobre: «A
presença de Cristo em meio aos seus e o diálogo da vida», pode ser definido
como uma verdadeira carta magna do ecumenismo do Movimento dos
Focolares.
Chiara: Senhores bispos, antes de tudo: que Jesus esteja no nosso meio.
Isso é importante!
Cardeal Vlk: Antes, dissemos que era assim que queríamos receber
você, com a nossa unidade.
Chiara: Hoje, pediram-me para abordar o tema: «A presença de Cristo
entre os seus e o diálogo da vida». Trata-se do subsídio específico que o
Movimento dos Focolares é chamado a dar ao empenho comum dos cristãos
em vista do restabelecimento da plena comunhão visível de todas as Igrejas.
O diálogo da vida é o nosso diálogo específico.
Então, vamos começar com Jesus no nosso meio.
Quando foi que, no nosso Movimento, tivemos a idéia de ter Jesus no
meio, que é a expressão máxima da nossa espiritualidade? Isso se deu
quatro anos antes da data que consideramos o nascimento do Movimento.
Ele nasceu em 1943. Em 1939 tivemos a primeira idéia sobre Jesus no meio.
Estávamos em 1939. Eu tinha 19 anos. Foi há quase um século!
146
Fui convidada para ir a Loreto. Para quem não sabe, Loreto é uma
cidade no centro da Itália que hospeda aquela que, segundo a história (mas
foi comprovado), foi a casinha da família de Nazaré. Esta casinha fica
dentro de uma grande igreja tipo fortaleza. Ela foi trazida para a Itália no
tempo das Cruzadas.
Eu fui convidada a Loreto para participar de um Congresso para
jovens católicas. Mesmo seguindo o curso, eu me sentia fortemente atraída
por esta grande igreja, que protege a casinha, como a chamam, onde se
pensa que a Sagrada Família de Nazaré viveu. Durante o curso visitei a
casinha várias vezes e, ajoelhada perto das paredes enegrecidas pelos
lampiões, algo novo e divino sempre me envolvia, me comovia
profundamente e quase me esmagava. Eu imaginava e contemplava a vida
virginal de Maria e José com Jesus entre eles. Eu não entendia o porquê
dessa fortíssima impressão.
Mais tarde, com os anos, tudo ficou claro para mim: era a vocação a
viver uma vida de comunhão, realizada por pessoas que viviam com Jesus
no meio, tal como na família de Nazaré: virgens, como Maria e José, com
Jesus entre eles. Para mim, para nós essa presença de Jesus é espiritual.
Esse era o início de uma espiritualidade comunitária e não pessoal:
a espiritualidade da unidade, que seria vivida pelas pessoas que haveriam de
fazer parte do Movimento, que estava nascendo.
Jesus no nosso meio apresentava-se também como a lei de cada
pequeno ou grande núcleo organizativo ou das manifestações da nossa Obra,
como esta. Por exemplo, do focolare, que é uma moderna reprodução da
Família de Nazaré, uma comunidade de homens ou mulheres, virgens e
casados, porém consagrados a Deus. Pelo constante amor recíproco, vivido e
sempre renovado, contam com a presença espiritual de Jesus entre eles,
segundo a promessa: «Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome,
ali estou eu no meio deles» (Mt 18, 20).
O Movimento nasceu em 1943 e o primeiro trabalho do Espírito Santo
foi aquele de gravar nos nossos corações, um por um, os pontos
fundamentais desta espiritualidade, sobre os quais os senhores falaram
ontem. Foram necessários cinco ou seis anos para aprendermos os
principais, que muitos já conhecem: Deus Amor, a vontade de Deus, a
Palavra, etc., para que atingissem o seu verdadeiro objetivo. Todos eles são
vividos para gerar como diz Paulo VI a presença de Cristo entre nós,
espiritualmente. Todos esses pontos estavam em função disso. A vocação da
nossa Obra, de todo o nosso Movimento é esta: levar ao mundo Jesus,
espiritualmente presente entre os seus.
Com o passar dos anos, compreendemos que Jesus no meio era a base
da nossa vida, não o vértice. Por isso, nos Estatutos temos uma norma,
que chamamos a "norma das normas". Ela diz: antes de fazer qualquer
coisa, no campo espiritual e concreto, é preciso ter Jesus no meio, caso
contrário nada vale para nós.
Simplificando tudo, poderíamos dizer que, a presença de Jesus no
meio é fruto do mandamento novo de Jesus vivido: «Amai-vos como eu vos
amei» (cf. Jo 13, 34). A caridade recíproca, praticada com empenho e
seriedade, teve logo conseqüências impensadas. Quando a vivemos
realmente, prontos a dar a vida um pelo outro, sentimos uma segurança,
147
uma alegria jamais experimentada, uma paz nova, uma plenitude de vida,
uma luz inconfundível; sabemos como caminhar. Por quê? Porque Jesus se
introduz silenciosamente entre nós, que nos amamos, como um irmão
invisível, e entre nós se realizam as suas palavras: «Onde dois ou três
estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles».
Nos anos 70 começamos um estudo, para ter a certeza de que este
nosso modo de viver era conforme às verdades da nossa fé cristã. Em relação
à presença de Jesus em meio aos seus discípulos, foi interessante o estudo
dos padres da Igreja, que são comuns a todos nós. Os padres ilustram as
condições pedidas para que Jesus possa estar presente em meio aos seus
discípulos.
Para João Crisóstomo, trata-se de amar o irmão por amor a Jesus e de
amá-lo como Jesus o ama, com a sua mesma medida. Ele deu a vida pelos
seus inimigos. De fato, se não morrermos um pelo outro, se não estivermos
prontos a "não ser" para amar, não realizaremos a unidade e não teremos
Jesus no meio.
São João Crisóstomo explica assim a frase «onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles»: «É possível encontrar
reunidos, dois ou três, em seu nome? Sim, mas raramente. De fato, Jesus
não fala de uma simples reunião material. O que ele diz tem este significado:
se alguém me considera a causa principal do seu amor pelo próximo, eu
estou com ele. Mas é difícil diz Crisóstomo encontrar alguém que ame por
Cristo, como se deve amar, como Cristo amou o próximo. Quem ama (por
Cristo), embora seja odiado, insultado, ameaçado de morte, continua a
amar, pois assim Cristo amou os inimigos, com o maior amor»
1
. Isso explica
realmente como nós a vivíamos desde o início do Movimento, segundo o
carisma.
Este padre da Igreja, comentando o Salmo 133: «Vede como é bom,
como é agradável habitar juntos como irmãos, (...) pois aí Deus manda a sua
bênção!», explica: «Ali, onde? Nessa morada, nessa concórdia, num tal
acordo, nessa convivência. Isso atrai a bênção; e o contrário, é maldição!»
2
. É
uma afirmação forte. Quando não colocamos Jesus no meio, Deus se afasta
de nós.
O Santo diz: «Por este motivo louva-se, dizendo: "O irmão ajudado pelo
irmão é como uma cidade fortificada" (cf. Prov 18,19)»
3
.
Orígenes insiste no "acordo" de pensamento e de sentimento entre
várias pessoas, a ponto de alcançar, como ele diz numa forma magnífica, a
concórdia que "une e contém o Filho de Deus"
4
. Isso é maravilhoso! Espero
que a nossa concórdia aqui contenha Jesus entre nós. Orígenes afirma:
«Cristo, onde dois ou três reunidos na no seu nome, estabelece-se no
meio deles, atraído pela fé e provocado pela unanimidade deles»
5
.
Os padres gregos têm expressões magníficas para louvar o "estar
juntos" e alertam contra a solidão.
É de Teofilato, bispo da Bulgária, uma frase maravilhosa: «Em
1
Cf. In Math., Hom. 60, 3, in PG 58, 587;
2
Cf. Expos. In Psalm., 133, in PG 55, 358;
3
Idem;
4
Comment. In Math., XIV, 1s., in PG 13, 1187;
5
In Cantica Cantic., 41, in PG 13, 94;
148
verdade, Deus não se alegra por uma grande multidão; no caso, "onde dois
ou três estiverem reunidos em seu nome, ali está no meio deles»
6
.
Então eu digo: se Deus se alegra com a unidade, qual é o ideal maior
do que fazer da própria vida uma sucessão de dias que acrescentam cada
vez mais alegria à bem-aventurança [...] que Deus experimenta? Este seria
o motivo da vida de focolare: viver todos os momentos com Jesus no meio, a
fim de que o Céu se regozije.
Ainda. A presença de Cristo no nosso meio, que estabelecemos
segundo a sua promessa, pode ser logo realizada, também agora, sem
esperar para depois. Orígenes diz que não é preciso «minimizar as palavras
do Senhor, pois ele não diz: "onde dois ou três... eu estarei", mas eu estou no
meio deles»
7
.
Também Teofilato observa: «Não diz "estarei" (ele não hesita), mas diz
"estou", já se encontra ali»
8
. Que este momento seja assim! Não teremos feito
nada melhor do que estabelecer a presença de Jesus entre nós.
Santo Atanásio aplica o versículo de Mateus 18, 20 também àqueles
que estão distantes. Isso é maravilhoso! Os senhores sabem que estamos em
182 países. Uma das nossas consolações é que podemos estabelecer a
presença de Jesus no meio também com quem está na Austrália, com
aqueles na Terra do Fogo, pois os padres da Igreja dizem assim.
Santo Atanásio aplica o versículo também àqueles que estão distantes,
mas unidos espiritualmente e essa é uma grande alegria para nós. Ele
afirma: «Ainda que a distância nos separe, Deus, todavia, nos reúne
espiritualmente mediante a concórdia e o vínculo
9
da paz»
10
. Isso é
estupendo!
Agora, falemos do diálogo da vida ou do povo em diálogo.
Passemos agora à experiência ecumênica do Movimento dos Focolares.
Pois bem, é acima de tudo em virtude desta particular presença de Jesus no
meio aos que estão unidos em seu nome, que o nosso Movimento teve um
desenvolvimento ecumênico impensado e que hoje ele pode dar a sua
contribuição específica à plena comunhão entre as Igrejas. Depois de muitos
anos de vida do Movimento, compreendemos que Jesus no meio vivificava o
Corpo místico. É claro, se aqui temos Jesus no meio, o Corpo místico é mais
vivo. Com ele no nosso meio, nos tornamos "células vivas" do Corpo místico
que é a Igreja.
Graças ao nosso batismo comum, havia um vínculo sacramental da
unidade, mas as implicações disso não eram, em geral, vividas entre nós,
cristãos. Jesus entre os seus, mediante essas células, ativou esses vínculos,
fazendo-os funcionar, de modo que jorrava a linfa divina e nova. Essa era a
nossa conclusão: Devemos criar continuamente células vivas do Corpo
místico de Cristo, que são os irmãos unidos no seu nome, para dar vida ao
Corpo todo!
Sentíamos que Deus estava entre nós e queríamos que esta corrente
de amor que é a corrente do amor trinitário passasse pelo mundo,
6
Expos. in Proph Os, in PG 126, 587;
7
Comment. in Math. XIV, 1s.; in PG 13, 1191;
8
C. Enarr. in evang. Math., 18, 19-20, in PG 123, 343;
9
Lapsus;
10
Epist. fest., in PG 26, 1397-1398;
149
atingindo e iluminando todos os membros do Corpo místico. A Igreja seria
diferente, se vivêssemos assim. E sem nos darmos conta, despontava a
vocação ecumênica do Movimento, embora naqueles anos pensássemos em
trabalhar unicamente pela unidade entre os católicos. Deus ainda não tinha
revelado o seu plano ecumênico sobre o Movimento.
Agora, nos últimos 40 anos de trabalho ecumênico do Movimento, por
meio de cristãos de diferentes Igrejas, procuramos reavivar as suas Igrejas
com células que, por serem vivas, aumentam a unidade no interior de cada
Igreja.
Antes do Vaticano II (que em 1964, com o decreto sobre o
ecumenismo, fala de Jesus em meio aos cristãos) e muitos anos antes que
João Paulo II escrevesse: «Nos reunimos no nome de Cristo que é Uno; ele é
a nossa unidade»
11
, nós nos sentimos impelidos a colocar Jesus no meio
também entre os cristãos de diferentes Igrejas: entre um católico e um
armênio, por exemplo, entre católicos e luteranos, anglicanos, ortodoxos, etc.
E isso era possível. Se eles estavam na graça de Deus foram batizados e
estavam dispostos a morrer por nós como nós a morrer por eles, como o
amor recíproco exige, Jesus devia estar presente entre nós. Formaram-se e
se formam, assim, na Igreja católica e nas outras Igrejas e entre membros de
Igrejas diferentes, fragmentos do povo cristão unido no nome de Jesus à
espera de mais um vínculo de unidade, isto é, a Eucaristia, quando Deus
assim dispor.
Mas como foi que compreendemos esta nossa vocação à unidade em
chave ecumênica? Narrarei algo da nossa história para aqueles que não a
conhecem.
Um dia, estando com João Paulo II, eu lhe dirigi a seguinte pergunta:
«Santidade, como o senhor o nosso Movimento?» Ele respondeu: «Como
um Movimento ecumênico». Creio que ele usou esta palavra com um
significado mais amplo, não referente à unidade dos cristãos, mas
também à fraternidade com os fiéis de outras religiões e, no plano humano,
com as pessoas de boa vontade. Seja como for, o nosso Movimento é também
um Movimento ecumênico no sentido estreito da palavra. Um episódio é
famoso, e nos faz compreender que a nossa é uma Obra de Deus. Quando,
em 1950, o Jesuíta Charles Boyer, fundador da Associação e da Revista
Unitas, me perguntou se a unidade, como nós a entendemos, estivesse em
função da unidade da Igreja, eu respondi com firmeza: «Não»!
Naquele tempo, eu não imaginava certamente que, em 1961, teríamos
conhecido os primeiros pastores evangélicos e que, a seguir, a nossa Obra se
teria difundido a tal ponto que milhares de cristãos de 350 Igrejas e
comunidades eclesiais teriam vivido conosco, católicos, a espiritualidade da
unidade. Portanto, é uma bela coisa, uma bela realidade. Este foi um
grande resultado, graças ao fato de que a nossa espiritualidade, vivida, teve
a vantagem de interessar outras Igrejas, de conquistá-las, impressioná-las
sob um ponto de vista ou outro.
Os evangélicos, os luteranos, em contato conosco, católicos,
focolarinos, antes do Concílio Vaticano II, ficaram maravilhados, pois
amávamos o Evangelho e o vivíamos com grande intensidade; então, eles
desejaram vivê-lo conosco e que levássemos essa espiritualidade às suas
11
Ut Unum Sint, n.23;
150
paróquias.
Os anglicanos, na Inglaterra, foram atraídos pela idéia e pela prática
da unidade e nos convidaram para visitá-los. [...] Os ortodoxos ficaram
conquistados pelo nosso modo de por em ressalto a vida, o amor, Maria. E os
reformados gostaram da presença de Jesus em meio aos seus, formando
pequenos grupos. Aos metodistas agradou a tensão à santidade que esta
espiritualidade suscita. Com os armênios, encontramos uma grande sintonia
no amor a Jesus crucificado e ressuscitado nas dores da vida. E com os
sírio-ortodoxos em querer viver como as primeiras comunidades cristãs.
Embora sejamos cristãos de Igrejas diferentes, nos descobrimos todos
irmãos neste estilo de vida.
A espiritualidade da unidade revelou-se com o tempo uma
espiritualidade ecumênica e muitos confirmaram essa sua característica,
durante a Segunda Assembléia Ecumênica Européia, que se realizou em
Graz, em junho de 1997, na qual fui uma das congressistas. A nossa vida
em comunhão sempre foi abençoada e encorajada pelas autoridades
católicas e por todas as outras autoridades.
Eu tive quatro encontros com os últimos primazes da Igreja da
Inglaterra, por exemplo. Desde Atenágoras, com os últimos Patriarcas
Ecumênicos.
Os efeitos desse modo de viver esta espiritualidade em cada Igreja são
iguais aos produzidos na católica: conversões a Deus, vivendo assim, novas
vocações, renovação das paróquias, renovação das comunidades,
recomposição de matrimônios, unidade entre as gerações, etc. Os efeitos são
todos esses.
Agora, depois de muitos anos de vida ecumênica do Movimento, vemos
delinear-se cada vez melhor uma nossa específica contribuição no campo
ecumênico, devido à espiritualidade da unidade, que é muito útil à causa.
De fato, a falta de uma espiritualidade ecumênica, como os ecumenistas hoje
continuam a apontar, faz com que o objetivo da unidade entre as Igrejas seja
muito difícil.
Tomei consciência dessa contribuição que damos, de modo especial em
Londres, em 1996, quando me encontrei com muitas pessoas de várias
Igrejas, que viviam como nós. Eram todas do Movimento. Eu senti que,
apesar da não plena comunhão entre as Igrejas e Comunidades eclesiais,
éramos realmente um fragmento do povo cristão vivo, um coração e uma
alma, graças a tudo o que nos une. De fato, com os irmãos e irmãs de
outras Igrejas, que aderem ao nosso Movimento, conhecendo-nos e vivendo
juntos a mesma espiritualidade, que nos une, gerando a presença de Jesus
no meio e a sua luz, valorizamos ao máximo o fato de sermos todos membros
do Corpo místico de Cristo pelo batismo comum; sentimos que é patrimônio
de cada um e de todos juntos as grandes riquezas do Antigo e do Novo
Testamento, dos dogmas dos primeiros Concílios, que compartilhamos, do
Credo niceno-constantinopolitano, dos padres gregos e latinos, dos mártires,
da vida da graça, a fé, a esperança, a caridade. Antes não estávamos
conscientes dessas riquezas ou as conhecíamos teoricamente. Ao invés,
passamos a valorizar tudo o que é comum entre as Igrejas. Foi como um
renascer.
Experimentávamos ainda que, com a presença de Jesus no meio,
151
trazida pela vivência da comum espiritualidade, criava-se um vínculo tão
forte entre todos nós a ponto de nos levar a dizer (foi o que disse, enquanto
falava a essas 1.600 pessoas): «Quem nos separará do amor de Cristo?» (Rm
8,35). Perto de mim estava um focolarino anglicano e outra focolarina
anglicana
12
. Olhando para eles eu disse: «Quem nos separará? Isso é
impossível, pois é Cristo que nos une, Jesus no meio.»
Demos o nome a este modo de viver: «diálogo da vida» e também «povo
em diálogo», pois sentimos que compomos um único povo cristão, que
abrange leigos, mas também monges, religiosos, diáconos, sacerdotes,
pastores, bispos, pois o povo de Deus é feito por todos. «Povo em diálogo»,
que não é um diálogo da base que se contrapõe ou justapõe ao diálogo dos
vértices ou dos responsáveis de Igrejas. É um diálogo do qual todos os
cristãos podem participar. Este povo é um fermento no movimento
ecumênico, que reaviva em todos a noção de que, sendo cristãos e batizados,
na possibilidade de amar-nos, todos podem contribuir para a realização do
Testamento de Jesus.
Dando-nos o carisma da unidade, Deus fez realmente algo novo.
Antes, cada um seguia o próprio caminho. Agora todos se interessam
também pelos outros. Pelo amor recíproco, [...] vivido entre nós, passamos a
conhecer as nossas diversas tradições e apreciamos os dons uns dos outros
e o que temos em comum. Desse modo, é incrementado entre nós o diálogo
da caridade, pois nos conhecemos melhor. Jesus no nosso meio suscita a
comunhão e nos faz ser irmãos e irmãs.
No trabalho ecumênico a oração tem um lugar de relevo, pois a
unidade é, em primeiro lugar, um dom do alto. É evidente que poderíamos
obter mais facilmente a graça da unidade, pedindo-a juntos ao invés que
sozinhos. Jesus disse: «Em verdade eu vos digo: se dois de vós estiverem de
acordo nesta terra ("consenserint") sobre qualquer coisa que queiram pedir,
isso será concedido por meu Pai que está no Céu» (Mt 18,19). Não se trata de
estar simplesmente lado a lado, como na igreja, mas de rezar realmente
unidos espiritualmente com Jesus em meio à comunidade.
São João Crisóstomo diz que ninguém se reúna com outros para rezar
«confiando na sua virtude, mas na comunidade e no acordo, que Deus tem
em máxima consideração e com o qual fica comovido e aplacado, porque
continua Crisóstomo - "onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome,
eu estou no meio deles". De fato, o que não se obtém rezando sozinho, se
obterá, rezando com a comunidade. Por quê? Porque, se a virtude própria
não tem uma grande força, a tem, porém, a unanimidade: "onde estiverem
dois ou três reunidos"...»
13
.
Essa oração ao Pai, feita em unidade, fez chover infinitas graças sobre
o Movimento: espirituais e materiais. Temos a certeza de que a oração de um
povo cristão, unido no nome de Jesus, surtirá o máximo efeito para alcançar
a plena comunhão entre as Igrejas.
Também o diálogo teológico terá grandes vantagens do "diálogo da
vida". Se os teólogos se amarem reciprocamente e estabelecerem a presença
de Jesus entre eles, Jesus, que é a única verdade para a qual todos tendem,
iluminará as suas mentes e indicará o caminho a seguir para alcançar a
12
Na realidade, eram Leslie e Callan, dois focolarinos anglicanos (N.d.T.);
13
In Epist. II ad Thess., Hom. 4, 4, in PG 62, 491;
152
plena unidade de pensamento.
Orígenes afirma: «Se não conseguimos resolver e explicar algum
problema, aproximemo-nos de Jesus com toda a concórdia dos sentimentos
em relação ao nosso pedido, que ele está presente onde dois ou três estão
reunidos no seu nome e, enquanto está presente com a sua potência e o seu
poder, está disposto a iluminar os corações... para penetrar com a alma nas
questões»
14
.
Portanto, podemos esperar da espiritualidade da unidade grandes
progressos para o diálogo teológico, vivida por teólogos das várias Igrejas.
Porém, será de suma importância ter imprimido no coração e na prática o
amor a Jesus crucificado e abandonado, que, desde o início da nossa
história, identificamos como a chave da unidade com Deus e com os irmãos.
Em prática, não podemos entrar na alma de uma pessoa para compreendê-
la, se o nosso espírito estiver rico de uma preocupação, de um julgamento,
de um pensamento, de qualquer coisa. O amor e o amor recíproco exigem a
máxima pobreza de espírito; só com ela é possível realizar a unidade.
Só Jesus abandonado, que perdeu tudo, que foi martirizado na cruz de
um modo incrível e no último momento gritou o abandono, ele pode
ensinar a nos desprendermos de tudo, de tudo, de tudo. Este máximo
desapego exterior, mas sobretudo interior, faz com que sejamos capazes de
compreender os outros, abrindo-nos para receber os dons que eles trazem.
Por fim, espero que também o perene problema de como o povo pode
encarar os progressos dos diálogos teológicos oficiais, pode ser superado por
um povo ecumenicamente preparado. A história nos ensina que, uma
declaração formal de unidade, feita até mesmo por responsáveis das Igrejas,
não basta para selar a plena comunhão entre as Igrejas; é preciso que o povo
seja informado e viva conforme ao que se compreendeu e declarou. Teremos
a alegria de assistir a episódios semelhantes ao que aconteceu no Concílio de
Éfeso, em 431, quando os padres conciliares proclamaram Maria, como
Theotókos, e todo o povo festejou.
Senhores bispos, procurei ilustrar a presença de Jesus entre as
pessoas e a contribuição que o Movimento dos Focolares é chamado a dar ao
grande Movimento ecumênico, que quase um século, por uma graça do
Espírito Santo, permeou todo o povo cristão.
nos resta formular no coração um propósito sincero: vivenciar o
amor, amando a todos, todos, sendo os primeiros a amar, amando
concretamente Jesus em cada um e, sobretudo, amando-nos
reciprocamente, a fim de que ele esteja presente entre nós.
Que a Santíssima Trindade conceda a nós e a todos os que nos
seguirão, a graça de ver o extraordinário momento da plena e visível
comunhão da Igreja.
E que Cristo esteja sempre presente no nosso meio!
Obrigada pela atenção dispensada. (aplausos)
Cardeal Vlk: Obrigado, Chiara, por este dom que você nos trouxe.
Fiquei muito impressionado pelo que você destacou acerca de Jesus no
meio. Essa idéia já existia em 1939, no século passado. Parece-me simbólico.
A guerra destruiu muitas coisas, provocou a solidão dos homens e nesse
14
Comment. in Mathaeum, XIII, 15: PG 13, 1131;
153
momento chegou esta esperança: Jesus no meio, Jesus perto de nós. Jesus
no meio foi muito importante para o período que vivemos sob o comunismo.
Ele era mesmo a nossa força, era paz e esperança. Certamente, também hoje
após 60 anos, 64. Se sente que ele é ainda mais necessário, vendo a divisão,
o ódio. Somente Jesus pode sanar. E nós o sentimos entre nós, entre as
Igrejas. A solução para a divisão é Jesus no meio, a unidade.
Obrigado, por nos ter trazido esta esperança.
Se tiverem alguma pergunta...
Cardeal Vlk: Outra pergunta.
Bispo Gennadios Zervos: Eu gostaria de agradecer muito. Um grande
obrigado à caríssima Chiara por esta preciosa lição que nos fez hoje. Você
nos deu um grande dom. As suas palavras são um tesouro inestimável.
Fiquei impressionado e muito encorajado por tudo o que você nos disse hoje.
Muitas vezes participei deste encontro, mas essas coisas são sempre novas
para mim. Estou muito comovido, pois vivo isso que você, com grande
alegria, nos apresenta e nos faz viver: Jesus no meio. Eu o vivo muito
fortemente.
Desde jovem, quando eu estudava em Constantinopla, no tempo do Patriarca
Atenágoras foi ele que me mandou para a Itália -, na faculdade
aprendemos uma teoria; mas esta teoria e a Palavra tornaram-se a minha
vida, quando conheci o Movimento. É um Movimento evangélico, um
Movimento de força espiritual, de consolação espiritual de unidade
espiritual, que ajuda a superar as dificuldades e os obstáculos dogmáticos.
Estar unidos como irmãos, isso é Cristo. Nós vivemos esta grande... Eu a
vivo muitos anos e posso dizer o meu grande obrigado, porque o
Movimento me ajudou a viver a palavra e me ajudou muito durante a minha
missão.
Eu vim para a Itália muito jovem. Tinha 21 anos. Agora tenho outra idade.
Este Movimento, esta fraterna colaboração que tenho até hoje com os
focolarinos e com as focolarinas, foi para mim uma grande alegria, uma
força muito grande. Não tive mais medo; venci todos os obstáculos e as
dificuldades.
E com este nome "Maria", que para a Igreja Ortodoxa e também para todos
os cristãos é a nossa maior alegria, é a mãe da vida, Nossa Senhora, este
amor que ela mostrou também na Anunciação do Arcanjo Gabriel, que foi
mandado para pedir o seu sim. Este seu amor e o amor de Cristo tornou-se,
como dizemos em grego, inclusive os grandes padres Capadócios: João
Crisóstomo, como a senhora bem sabe, Gregório e Basílio, tornou-se uma
kenosis, este esvaziamento do amor de Cristo. Kenosis, nada, tornou-se
nada, para dar este exemplo de amor e de unidade a todos. Mais uma vez
obrigado.
Cardeal Vlk: O senhor fez uma comunhão de almas e não uma
pergunta. O metropolita Serafim, em francês.
Metropolita Serafim: Eu farei uma pergunta muito simples. Sendo bispos,
somos muito interessados em dar vigor às nossas dioceses e às nossas
paróquias. Estamos conscientes de que é muito duro, muito difícil ter
154
paróquias vivas e ter sobretudo jovens na paróquia.
Constato que a espiritualidade do Movimento dos Focolares é muito
simples, é unicamente Evangelho. Não é algo dogmático. Pode ser
compreendida por todos. Se a senhora fosse um bispo, o que faria no nosso
lugar? Como pregaria aos fiéis, aos nossos jovens a essência da fé cristã?
Por vezes, dizemos muitas teorias, coisas dogmáticas que não entram
nas pessoas, ao passo que a vida é mais simples. O que a senhora nos diz,
nos toca, e penso que deveria tocar tanto os jovens como os adultos.
Então, o que a senhora faria no nosso lugar, como bispo?
Chiara: Fazem-me virar bispo!
Se eu estivesse no lugar dos senhores digo o que consigo
compreender , se eu estivesse no lugar dos senhores, eu faria duas coisas: o
que Jesus fez. Ele começou a viver e depois a ensinar. Portanto, eu
começarei a viver esta espiritualidade, se eu fosse um bispo, mas a vivê-la
plenamente, como é. Depois, começaria a difundi-la de duas maneiras: antes
de tudo, comunicaria a quem está perto de mim. Por exemplo, o bispo tem o
seu presbitério. Eu procuraria comunicar a espiritualidade aos sacerdotes,
sem falar da espiritualidade de modo teórico, mas prático, ou seja: «O que
vale é amar a Deus com todo o coração. Nós amamos realmente...? Eu fiz
assim...» Eu explicaria aos sacerdotes, que vivem ao meu redor, como fiz
para assumir plenamente esta espiritualidade.
Entre todos os sacerdotes, um ou dois aceitarão, a acolherão. Então, o
senhor estabelece Jesus no meio com ele, chamando-o para conversar e
aprofundar a espiritualidade. Naturalmente, com Jesus no meio, o senhor
recebe uma nova luz e também o sacerdote. Terá novos elementos para
explicar aos outros e fazê-los conhecer a espiritualidade. Todos eles terão
uma função na paróquia, na diocese, e onde estão, também eles difundirão a
espiritualidade.
Eu estava dizendo que agiria em duas direções: começaria a viver
pessoal e seriamente a espiritualidade... Primeiro vivendo, depois ensinando
às pessoas ao redor. Outra coisa é considerar as circunstâncias. Muitas
vezes Deus move as circunstâncias, pois tem desígnios seus.
Por exemplo, a certa altura encontrei Igino Giordani. Deus tinha um
desígnio para ele. Era uma circunstância. Eu fui encontrá-lo no Parlamento.
Era um deputado. Fui para lhe pedir uma casa, pois precisávamos de uma
casa em Roma. Ele me pediu para que eu contasse o que fazia. Eu falei da
espiritualidade. Ele ficou encantado, conquistado. Era uma personalidade de
grande valor humano: era um apologeta, um jornalista, um deputado e estão
para proclamá-lo santo. É Servo de Deus. É o meu co-fundador. Ai de mim
se não o tivesse encontrado para desenvolver certa parte do Movimento, pois
ele tinha mesmo a graça de ajudar-nos a nos abrir sobre toda a
humanidade... Ele tinha a graça do ecumenismo, pois era um ecumenista
antes de nos conhecer. Ele ensinou a todos nós esta paixão pelo
ecumenismo. Para dizer que as circunstâncias são importantes.
No início do Movimento Deus pensou em fazer assim: me fez encontrar
um frade que me disse: "Fale a este grupo" e eu falei do amor a Deus. Natália
estava presente. Natália é a focolarina que mais ama no nosso Movimento.
Imediatamente tive com ela Jesus no meio. Depois conversei com ela sobre
155
os meus ideais, o Evangelho. Ela o comunicava a outras pessoas e assim
nasceu o Movimento.
Se estamos no mundo inteiro, porque é mesmo verdade, é porque
aprendemos a amar, com aquele amor que nós dizemos que é uma arte, mas
é a arte do cristianismo: ser os primeiros a amar. Jesus não esperou que
fôssemos bons para nos salvar. Ele deu o primeiro passo. Amar a todos,
como o Eterno Pai, que manda o sol e a chuva sobre os maus e sobre os
bons. Temos que amar a todos. Temos que amar, mas não com as palavras,
não de modo filosófico, mas concreto; muitas vezes basta um sorriso, uma
saudação ou algo concreto. Temos que conseguir nos amar reciprocamente
para estabelecer a presença de Jesus, que vence o mundo. Ele venceu
sempre o mundo ao nosso redor, pois é ele que vai em frente, não somos
nós.
Vamos festejar os 60 anos do Movimento. Pediram-me para escrever
um pensamento sobre... para esta circunstância. Eu escrevi o seguinte: nós
temos dois motivos que explicam a difusão mundial do Movimento, primeiro:
a unidade com a Igreja, pois somos ramos que nascemos no século XX, de
uma grande árvore, que é a Igreja. Segundo: a unidade entre nós, pois temos
Cristo. Ele foi para frente. Portanto, também numa diocese, numa paróquia
temos que deixar que ele cresça. Naturalmente, é preciso rezar, para que ele
nos faça encontrar a pessoa que ele deseja, mas é ele que estabelece. O
bispo de uma diocese deve ser Jesus, não tanto uma pessoa ou outra. Ele
tem que ser Jesus. Depois, com a graça de ser bispo, fará milagres na
diocese. Mas não seria difícil.
Temos muitos sacerdotes no Movimento. São 17 mil. Muitas vezes eu
digo que gostaria de ser um pároco para poder fazer o que sei fazer. A arte de
amar: ser os primeiros a amar, amar a todos, amar concretamente, amar-se
reciprocamente, ver Jesus no outro, todos podem compreender.
Ontem eu li, me contaram, um pequeno episódio de uma criança.
Temos as gen 4 no Movimento. Elas são pequenas. Temos também as gen 5,
os recém-nascidos. Na sua família ela ouvia falar da guerra, não é? A certa
altura ela disse: «Eu teria a solução». Então, perguntaram qual seria.
Não sei se sabem que os gen 4 têm o dado do amor e em cada lado
está escrita uma frase da arte de amar: amar a todos, ser os primeiros a
amar, amar o inimigo, amar Jesus, amar-se reciprocamente. A criança disse:
«Eu daria a todos os presidentes o dado, porque com o dado eles farão as
pazes, pois devem amar o inimigo, etc.» Foi o que disse esta criança, para
dizer que todos podem compreendê-lo e é o Evangelho, é o amor evangélico.
Se nós partirmos agora, também os senhores bispos, com esta única
idéia no coração: vou para viver o Evangelho do amor, que compreende tudo,
verão milagres, milagres. Não sofram, se as coisas não darão muito certo; se
há dificuldades é Jesus abandonado; abrace-o e vá em frente. (aplausos)
Cardeal Vlk: O Bispo Herrmanns quer falar.
Bispo Herrmanns: Obrigado, pois pude compreender a base de sua
vida, a fonte na qual bebe. Tenho uma pergunta, à qual talvez possa me
responder. Entre as numerosas tradições da espiritualidade cristã, da qual a
senhora se sente mais próxima? Os cristãos muitas vezes vivem a diaconia,
como o bom samaritano, outros nas missões e dizem: «Nós levamos o
156
Evangelho a países distantes ou à Europa, que se tornou uma terra de
missão». Alguns vivem na contemplação, onde se dedicam totalmente à
adoração de Deus. Na tradição luterana existe o pietismo, que se baseia no
Evangelho e também no relacionamento pessoal com Jesus. Existem outros
fenômenos. Na semana passada, visitei um grupo carismático: era uma
combinação de devoção e espírito carismático. Em qual deles a senhora se
colocaria?
Chiara: Onde estamos nós? Sim, certo, existem muitos modos para
chegar a Deus. O importante é chegar a Deus, pois estamos convencidos de
que na vida tudo, cada coisa, sempre tem um só motivo: conduzir-nos para a
união com Deus. Para Santa Teresa D'Ávila era rezar. Ela tinha o carisma da
oração. São Francisco tinha o da pobreza; vivendo aquele carisma São
Francisco chegou à santidade. Santo Inácio tinha o da obediência, assim ele
chegou a Deus.
Nós temos a unidade, isto é, nós chegamos a Deus de várias maneiras,
mas o modo principal, indiscutível é amar o irmão, amando o irmão temos a
união com Deus.
Experimentem durante todo o dia. Nós o experimentávamos, quando
éramos pequenas, jovens, pois éramos iluminadas pelo carisma.
Experimentem amar o irmão que encontram, o dia inteiro, sem pensar em si,
sem pensar em nada. À noite os senhores sentirão que aconteceu algo novo
interiormente. É Deus que os chama em seus corações, pois quer estar com
os senhores. É a união com Deus, que se sente, que se manifesta. O senhor
sente que não está mais sozinho, alguém o chama a unir-se com ele, a falar-
lhe, a confiar-lhe tudo, a rezar. Amar o irmão é o caminho por excelência.
Igino Giordani, de quem falei antes, escreveu esta frase: «Eu, o irmão e Deus;
eu, o irmão e Deus». Eu chego a Deus, amando o irmão.
Nós temos uma grande experiência disso; por exemplo, alguém diz:
«Quero atingir rapidamente a união com Deus». Então, nós explicamos que,
para isso, para sentir essa união o dia inteiro e de noite... Nós acordamos
durante a noite e sentimos que somos dois. Nós nos recolhemos de dia e
somos dois. Ele está sempre à nossa espera. Temos sempre que lhe
responder. Por exemplo, para chegar depressa à união com Deus, é preciso
amar o irmão a ponto de morrer. Quando falamos com um irmão, por
exemplo, é preciso estar mortos a si mesmos, esquecendo de tudo, para
entrar nele, para compreendê-lo, para assumir a sua cultura, para nos
inculturarmos nele. Quando fazemos isso e ele tem a certeza absoluta de ser
amado por nós, a ponto de nos perguntar: «E como você pensa? O que você
pensa também no campo religioso?». Assim temos a unidade com o irmão.
Esse é o modo para aprofundar em s a união com Deus. Quanto mais
amamos o irmão em profundidade, mais temos uma profunda união com
Deus.
Descobrimos isso, mas Santa Catarina também o diz e Santa Teresa.
Um padre da Igreja afirma isso, mas não recordo exatamente qual. Existe
uma ligação entre o amor a Deus e o amor ao próximo: quanto mais cresce o
amor pelo irmão, mais cresce o amor por Deus, isto é, a união. Quanto mais
cresce a união com Deus, mais amamos o irmão. Existe uma equivalência
entre essas duas coisas. E isso é o que todos dizem.
157
Nós damos o exemplo da plantinha e dizemos: quanto mais ela penetra
as raízes no terreno, mais ela cresce. E quanto mais a plantinha absorve o
oxigênio do ar, mais se aprofundam as raízes. Existe essa relação.
Experimentamos isso a vida inteira. Esse é o nosso modo de viver. Por outro
lado, São João disse que não podemos amar a Deus que não vemos, se não
amarmos o irmão... É o caminho, é o mais evangélico, na minha opinião: o
irmão.
Existem outras maneiras de encontrar a união com Deus, e falamos de
Jesus abandonado, por exemplo. Quando sofremos, nós sabemos que por
trás daquela dor está Jesus, pois ele tal como Rahner afirma , tendo
assumido a natureza humana, ele assumiu tudo o que dizia respeito a ela.
Ele assumiu a morte, o abandono, a traição, ele também assumiu os nossos
pecados. Não eram dele, mas nossos. Ele assumiu tudo. É como se tivesse
vestido um casaco. Nesse casaco eu vejo Jesus. Por isso, quando sofro, eu
digo: «Eu te amo, Jesus abandonado!», porque é ele. Mas dizendo assim, o
que acontece? Acontece o que nós dizemos: é uma alquimia, uma mudança.
Se continuarmos a ir em frente e a viver, sentiremos que aquela dor
desaparece. Nós nos sentimos fortes. No lugar de Jesus abandonado, que
nós vivíamos, surgiu o ressuscitado, que traz os dons do Espírito dentro de
nós e a união com Deus. Esse também é um caminho. Porém, o caminho por
excelência para o Movimento dos Focolares é o irmão, este é o caminho
principal.
Outro dia me perguntaram isso numa entrevista: «Mas da qual você se
sente mais próxima?», depois de me terem perguntado sobre o Movimento.
Eu respondi que Deus não se repete. Deus não se repete. O papa diz sempre
isso: cada homem é irrepetível, cada criatura é irrepetível. Os seus dons são
ainda mais perfeitos. Os seus dons são irrepetíveis.
Eu aprendo com os santos, mas não os imito. Eu desejo aprender, por
exemplo, de Santa Teresa como rezar. Isso me interessa muito! De São
Francisco aprendo a pobreza. Aprendo, sem ter que imitá-lo. Nós temos que
fazer a vontade de Deus, tal como eles a fizeram, e também Jesus a fez.
Imitar Jesus exteriormente: flagelar-se, porque ele foi flagelado, não
corresponde ao nosso estilo. Temos que imitar Jesus, fazendo a vontade de
Deus para nós. Isso!
Cardeal Vlk: Desejo agradecer-lhe por essas perguntas. Desejamos
agradecer muito por esses dias, por esta abertura, por esta possibilidade de
estar aqui. Então, obrigado, obrigado!
Chiara: Eu agradeço a todos os bispos. O fato de que as perguntas eram
poucas é bom sinal. Quer dizer que são ―um‖ no pensamento. Pelo menos
no que dissemos aqui. Eu os agradeço, mas agradeço também pela bela
pergunta que o senhor me fez. (aplausos)
ANEXO E Discurso de Chiara Lubich em Stuttgart, Maio de 2007.
Por uma cultura de comunhão
Chiara Lubich
Caríssimos amigos, irmãos e irmãs,
O título da conversação é envolvente. Um tema particular, apropriado
para nós, que estamos mergulhados em problemas sempre novos.
Se considerarmos como é o mundo hoje, veremos que se apresenta
realmente como foi descrito pelo Papa Bento XVI, quando ainda era cardeal.
Ele assim se exprimiu: «Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes
últimos decénios: (...) do marxismo ao liberalismo, até chegar à libertinagem;
do colectivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo
religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante.»
1
.
Parece que Deus deixou de ser, sobretudo para nós, na Europa, o
interlocutor a quem se dirigir para resolver os problemas e as questões que
para nós são importantes.
Constata-se, com preocupação, que os valores cristãos estão a deixar
de ser um ponto de referência fundamental, e que declarar-se cristão é algo
muito raro.
Deste modo, vivemos num mundo em que Deus, por assim dizer,
parece estar ausente e o Evangelho o é considerado a fonte das normas
éticas.
Até mesmo as principais festas litúrgicas cristãs, que conservam ainda
o mesmo nome, estão a deixar de ser vividas no seu significado religioso.
Nos dias de hoje, o aumento das descobertas científicas e tecnológicas,
velozes e sem limites, é tão grande que a ética não consegue acompanhar
o passo, abrindo assim uma fenda entre ciência e sabedoria, entre cérebro e
coração, como no caso da invenção da bomba atómica ou das manipulações
genéticas, de modo que a humanidade corre o risco de perder o seu controle.
Por estes e por outros motivos, persiste como dolorosa verdade o
lamento da filósofa espanhola do século XX, Maria Zambrano: estamos a
viver uma das noites mais escuras que jamais vivemos
2
.
1
Homilia do cardeal Ratzinger na Santa Missa pro eligendo romano pontefice, 18.4.2005;
http://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo-
pontifice_20050418_po.html;
2
Maria Zambrano, Persona e democrazia, vers. It., Milano 2000, p. 2;
159
Mas Deus não está ausente da história. São muitos os fermentos de
vida nova em acção hoje no mundo, por uma nova cultura, uma cultura de
comunhão.
Podemos constatar que o Espírito, precisamente nesta época, foi
generoso, entrando com força na família humana por meio dos vários
carismas, que inspiraram movimentos, correntes espirituais, novas
comunidades, novas obras.
Cada movimento, comunidade, obra é uma resposta à noite colectiva
que domina o mundo. Projecta uma luz que nasceu do Espírito Santo, é uma
resposta àquela específica escuridão e constrói redes de fraternidade.
Hoje mais do que nunca é preciso ampliar estas redes e, na vivência do
amor recíproco (entre elas), compor uma grande rede de fraternidade
universal.
João Paulo II ressaltou: «É preciso promover uma espiritualidade de
comunhão»
3
e indicou a estrela para este caminho, aquele que é a Via para a
unidade: «Nunca terminaremos de indagar disse o abismo deste mistério
(...)»: Jesus que grita: «“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”» (Mc
15,34)
4
. E explica: «abandonado” pelo Pai, Ele “abandona-se” nas mãos do
Pai»
5
.
É um mistério sobre o qual o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I
escreveu: «Jesus, o Verbo encarnado, percorreu a maior distância que a
humanidade perdida podia percorrer. “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?”»
6
.
Grandes místicos nos séculos passados, e alguns teólogos de várias
Igrejas nas décadas mais recentes, chamaram a atenção do povo cristão
para o abandono de Jesus.
Diz o teólogo evangélico luterano Hermann Bezzel: «O facto de ser
abandonado por Deus (...) transformou a miséria do meu afastamento de Deus
em alegria: o mundo esreconciliado com Deus, o país estrangeiro tornou-se
a pátria, o deserto tornou-se vale verdejante, a distância de Deus tornou-se
proximidade de Deus»
7
.
E é precisamente este grito de abandono que hoje gostaríamos de
propor a todos.
Jesus, na hora nona, não viveu uma treva tão densa que superava até
ao infinito a nossa noção de escuridão?
Não são semelhantes a Ele as pessoas famintas, angustiadas, tristes,
desiludidas...?
Não é sua imagem cada divisão dolorosa entre irmãos e irmãs, entre
Igrejas, entre porções de humanidade com ideologias contrastantes?
3
João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, n. 43.
4
João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, N. 25;
5
ID., n. 25.
6
Bartholomeos I, Patriarca ecumenico, Gloria a Dio per ogni cosa, Ed. Kikajon, Comunità
di Bose, Magnano 2001, p. 152.
7
HERMANN BEZZEL, Die Wort am Kreuz, Verlag Ernst Franz, Metzingen/Württ. 1967.
160
Não são figura de Jesus, que se fez "pecado" por nós - como diz São
Paulo -, muitas das chagas da humanidade?
Cada um de nós, ao longo da vida, também passa por situações
semelhantes à dele. Quem não se sente, de alguma forma, separado de Deus
quando a escuridão invade a sua alma? Quem nunca teve dúvidas,
perplexidades, angustias como Jesus que, na cruz, duvidou, ficou perplexo,
perguntou ―por quê‖?
Quando sentimos estes sofrimentos, estas dores, recordemo-nos dele,
que os assumiu: são quase uma sua presença, uma participação na sua dor.
Façamos como Jesus, que não ficou petrificado, mas acrescentou ao grito as
palavras: «Em tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito» (Lc 23,46), voltando
a abandonar-se ao Pai.
Assim como Ele, também nós podemos superar a dor e a provação,
dizendo-lhe: «Nesse sofrimento eu amo a ti, Jesus abandonado, amo a ti; ele
me recorda a ti, é uma tua expressão, uma tua fisionomia».
E se, no momento seguinte, nos lançarmos a amar o irmão e a irmã e
a actuar o que Deus quer, experimentaremos, quase sempre, que o
sofrimento se transforma em alegria, como por uma alquimia divina. De
facto, pelo nosso amor por Jesus abandonado, os dons do seu Espírito
florescem na alma.
Então, também para nós a noite será uma passagem e a luz da
ressurreição iluminar-nos-á. Veremos nascer uma nova cultura, uma
cultura de comunhão.
Os pequenos grupos em que vivemos a família, o escritório, a
empresa, a escola, os nossos centros podem vir a experimentar pequenas
ou grandes formas de divisão. Também nesse sofrimento podemos ver o seu
rosto, superar o sofrimento que sentimos e fazer de tudo para recompor a
fraternidade com os outros.
O mesmo diria diante das divisões maiores, como aquelas entre as
nossas Igrejas: temos que trabalhar para recompor a plena e visível
comunhão.
E também entre os diversos Movimentos e grupos, em toda a parte.
Experimentaremos que Jesus abandonado, amado, é sempre a chave
da unidade: nele encontraremos o motivo e a força para não fugir desses
males, mas para dar a nossa solução pessoal e colectiva.
A cultura da comunhão tem como caminho e modelo Jesus crucificado
e abandonado.
Às vezes pensa-se que o Evangelho traz somente o Reino de Deus
entendido num sentido religioso e não resolve os problemas humanos.
Mas não é assim.
Cada cristão, como outro Cristo, membro do seu Corpo místico, pode
dar uma contribuição típica para uma cultura de comunhão em todos os
campos: na ciência, na arte, na política, nas comunicações, etc. E maior será
a sua eficácia se trabalhar com outros, unidos no nome de Cristo.
161
Nasce assim, e difunde-se no mundo, aquela que poderíamos chamar
―cultura da Ressurreição‖: cultura do Ressuscitado, do Homem novo e, nele,
da humanidade nova.
Como será possível difundir na sociedade onde vivo esta cultura? O
que posso eu fazer?
No âmbito económico, por exemplo, é possível suscitar de modo
espontâneo, entre aqueles que vivem o Evangelho, uma comunhão de bens
que imite aquela que foi feita entre os primeiros cristãos, sobre os quais está
escrito que ―não havia necessitados entre eles‖ (At 4,34).
Nas empresas é possível tentar aplicar o mandamento do amor
recíproco em todos os níveis e assim gerar a presença de Jesus no meio,
prometida pelo Evangelho: «Onde dois ou três estiverem reunidos em meu
nome, eu estou no meio deles». (Mt 18,20).
Quando Cristo tomar as rédeas do mundo económico e isso
acontecerá à medida que se multiplicarem aqueles que, sapientemente,
colocam os seus talentos humanos à Sua disposição , certamente florescerá
a justiça e assistiremos ao maciço deslocamento de bens, de que o mundo
hoje precisa urgentemente.
«Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de os vazias» (Lc
1,53). É esta a revolução social que somos chamados a realizar.
No campo das comunicações, sempre nos pareceu um sinal da
providência de Deus o actual desenvolvimento dos poderosos meios de
comunicação social, que favorecem a unidade da família humana
Ao mesmo tempo, é evidente basta olhar para os factos que estes
meios sozinhos não bastam para unir povos e pessoas e para melhorar a
qualidade de vida. É preciso que sejam colocados a serviço do bem comum, e
que os que ali trabalham sejam animados pelo amor.
É preciso difundir o amor verdadeiro nos corações, e com ele o
interesse por cada homem e mulher, e por tudo o que diz respeito à
humanidade. É sendo o amor, como ensina o Evangelho, que se suscitam
relações criativas, duradouras, construtivas e se actua aquela arte de
comunicar que sabe receber, acolher o outro, os acontecimentos do mundo e
sabe doar, isto é, falar, escrever, no momento e nos modos mais oportunos.
Então instaurar-se-á maior comunicação, valorização dos meios que a
tornam possível, mas também e sobretudo haverá mais frutos de diálogo,
partilha, participação, comunhão.
É possível pensar que, quando vários profissionais partilharem esta
arte de comunicar, os mass media demonstrarão melhor a sua capacidade
de multiplicar o bem, a voz de Deus tornar-se-á mais sonora e os seus
agentes desempenharão melhor a sua vocação como instrumentos ao serviço
de toda a humanidade.
Temos ainda o âmbito da política.
Não é talvez função da política conseguir compor em unidade, na
harmonia de um projecto, a multiplicidade, as legítimas aspirações dos
162
diversos componentes da sociedade? E não deveria talvez o político, pela sua
função de ―mediador‖ entre as várias partes sociais, dominar a arte do
diálogo e da identificação com todos?
Os políticos que vivem assim, qualquer que seja o seu partido,
decidem antepor o ternidade universal, hoje queremos dar um passo em
profundidade: dar prioridade a amar e seguir como nosso modelo Cristo
crucificado e abandonado. Assim poderemos abraçar o grito da humanidade
de hoje e pelo Seu ―grito‖, que tudo redimiu, criar ao nosso redor a família
que o mundo espera ver.
Poderemos então dizer realmente com São Lourenço, jovem mártir
romano do terceiro século: «A minha noite não conhece escuridão, mas
todas as coisas resplandecem na luz»
8
8
SÃO LOURENÇO, diácono romano, martirizado em 258: “Mea nox obscurum non habet, sed
omnia in luce clarescunt da Liturgia das horas, Vésperas, 10 de agosto.
ANEXO F Encontro de Chiara com as comunidades: Malta, Sicília e Calábria
Malta, 25 de fevereiro de 1999
«O Ano do Pai»
Encontro de Chiara com as comunidades de Malta,
da Sicília e da Calábria
Ajornamento sobre a vida e o desenvolvimento da Obra em 1998:
como procuramos viver com a Igreja o ano dedicado ao Espírito
Santo
Como viver o ano de 1999
A relação de Chiara com Deus-Pai
Saudação final
Chiara: Não é: Chiara é a nossa alegria! Vocês é que são a minha alegria
(aplausos)!
Seria bom que todo o mundo "Ideal" viesse aqui e visse o que é esta
pequena Malta e este grande Movimento! Isso sim. Não imaginam! Porém,
espero que os nossos meios de comunicação tornem público e universal
também o nosso encontro de hoje.
Caríssimos, devo lhes dizer algumas coisas.
Para dizer a verdade, não estava previsto o meu encontro com vocês. Porém,
devendo falar, pensei em lhes dizer coisas que geralmente nunca digo. É o
seguinte: devemos fazer juntos uma espécie de exame para ver se nós, nos
últimos três anos, caminhamos junto com a Igreja.
Nós temos sentido se estivermos na Igreja e com a Igreja. O «ut omnes
unum sin foi confiado à Igreja por Jesus; e a unidade, este carisma, é para
a Igreja, não para a Obra de Maria. Também, mas é para a Igreja, porque a
Igreja é una (além de santa). Este carisma serve para reforçar esta qualidade
da Igreja. Então, temos que caminhar em plena sintonia com a Igreja.
Ora sabemos que em 1997 (talvez um pouco antes) o Papa João Paulo II
disse que tínhamos que nos preparar para o Jubileu (o grande ano do
aniversário de Jesus) e que o faríamos em três anos. Dedicou o ano de 1997
a Jesus, 1998 ao Espírito Santo e 1999, que precede o Jubileu, dedicou-o ao
Pai.
Eu disse: quero fazer com os focolarinos, com os gen, os sacerdotes, os
religiosos do Movimento, uma espécie de exame de consciência e ver: nós
vivemos assim com a Igreja? Nós, que somos uma coisa só com a Igreja?
Então disse: bem, 1997 já passou há mais tempo, é provável que não
recordemos como agimos; mas vejamos o ano de 1998.
164
1998 era dedicado ao Espírito Santo. O que é que fizemos nesse ano para
caminhar junto com a Igreja? Recordo que nós, em Roma, ouvíamos as
catequeses que o Santo Padre fazia às quartas-feiras, assim, sobre um ponto
de cada vez, mas com grande sabedoria, e ele falava sempre do Espírito
Santo. Lembro-me que me encantavam as palavras do Papa sobre o Espírito
Santo. Ele via sua ação em toda a parte, até na arte, por exemplo.
Depois, logicamente, aproveitamos esse ano para ir buscar no nosso arquivo
meditações que fizemos anos atrás sobre o Espírito Santo e recordo que
voltavam a produzir efeitos muito fortes nas nossas Jornadas, nas nossas
Mariápolis. Mas sobretudo quando explodiu o nosso amor, o nosso interesse
pelo Espírito Santo, foi na celebração de Pentecostes, quando o Papa reuniu
todos nós de uns 60 Movimentos, naquela Praça maravilhosa, com 500.000
pessoas, e explicou qual é o nosso lugar na Igreja.
Nós vivíamos assim, mesmo antes de ter esse lugar, porque o Espírito Santo
é aquele que continua a renovar as coisas; portanto, renovava sempre o
amor de Deus no nosso coração. Porém, a realidade é que nós, na Igreja...
Ninguém tinha definido o nosso lugar na Igreja. E não o nosso lugar: não
sabíamos onde nos "sentar" na Igreja, mas a própria Igreja, se pensarmos
nas suas estruturas centrais, não tinha um Pontifício Conselho para os
Movimentos eclesiais; para os Movimentos leigos. Ora, como se podem
vincular certos Movimentos ao Pontifício Conselho para os Leigos quando
eles englobam religiosos, sacerdotes e bispos?
Do nosso Movimento fazem parte bispos amigos (não falo dos simpatizantes)
que são 800! Com os simpatizantes são 2.500. Como podemos vincular os
bispos ao Pontifício Conselho para os leigos? De forma que agora alguns
peritos em direito canônico disseram explicitamente que a Igreja terá de criar
também um ponto de contato entre todos estes Movimentos e a Cúria.
Nós sentíamos que não tínhamos um lugar. Naquele dia, que foi a vigília do
Domingo de Pentecostes…
O Papa tinha-me dito antes, pessoalmente, e no ano anterior a todos:
«Vou lhes dar um lugar». E nós ficamos esperando! Porém, não sabíamos
onde achá-lo; parecia-nos que tudo estava ocupado, que não havia um
lugar para nós.
Eu ficava um pouco perplexa quando eram emanados certos documentos da
Igreja e diziam: «Eminentes Cardeais, excelentíssimos bispos, sacerdotes,
religiosos e religiosas». Ponto final. E nós eu dizia , onde estamos? Não. No
máximo falavam de leigos. E nós, onde estamos?
Ao passo que o Papa resolveu isso, pois nos ama muito. Ele pensou que a
Igreja, realmente, assim como é vista até por muitos, não reflete o seu
verdadeiro ser; o seu verdadeiro rosto. A Igreja não é formada apenas pela
hierarquia, pela instituição, mas possui outro aspecto, que vale tanto quanto
o primeiro: é o seu aspecto carismático, ou seja, tudo o que na Igreja é
suscitado por carismas, que servem para construir a Igreja embora de
outra forma tal como o aspecto institucional.
Ora o Papa, ali, naquele sábado, na Praça de São Pedro, disse o que são os
Movimentos: os Movimentos «são uma expressão significativa do aspecto
carismático da Igreja». Portanto, nós vimos o rosto da Igreja muito mais
bonito, muito maior, muito mais dinâmico, muito mais vivo, como são os
Movimentos, que se uniam ao aspecto institucional da Igreja.
165
Explicou (como o fez em outras ocasiões) que a relação entre a Igreja
institucional (formada pelo Papa, os bispos, os cardeais, os sacerdotes...) e o
aspecto carismático deve ser de amor recíproco, como se diz: uma relação de
pericórese, em que um serve o outro.
Nós sabemos que a Igreja institucional nos serve! É lógico. Serve-nos,
porque nos aprovou, nos examinou, porque nos os sacramentos, porque é
através dela que conhecemos a Palavra de Deus, etc., e obter a graça de
Deus. Portanto, devemos amá-la como mãe, porque foi ela que nos deu tudo.
Porém, ela também deve amar o aspecto carismático. Nesse sentido vão
todos os conselhos da Igreja e do Papa para prestar atenção e estudar bem
os carismas, e não apagar o Espírito Santo. Esta é a questão!
De maneira que terminamos a vigília de Pentecostes com o coração pleno de
felicidade.
Vocês dirão: «Chiara, o que você sentiu?». Ali, na praça de São Pedro, sabem
que fui a primeira a ser chamada para falar ao Santo Padre e explicar o que
é o nosso Movimento. Eu terminei o discurso dizendo que este modo de ver a
Igreja e de ter dado um lugar aos nossos Movimentos é, provavelmente, uma
das obras-primas do seu pontificado. Depois eu disse que queria fazer de
tudo para criar a unidade entre os Movimentos, visto que temos o carisma
da unidade.
Esta manhã fiz meditação sobre os textos de São Paulo e a unidade. Ele
primeiro fala da unidade, e isso é frisado numa nota; depois fala dos
diversos membros. Portanto, a unidade é muito importante! Também na
relação entre os Movimentos é muito importante frisar a unidade; depois
cada um tem o seu carisma, de maneira que também há a distinção.
Digo coisas difíceis demais? ("Não!") (aplausos)
Isso, o que representou para nós? Para mim foi uma alegria imensa! Eu
tinha esperança, pois o Espírito Santo nos ama, mas a este ponto eu não
podia imaginar! Foi uma alegria imensa. Dei-me conta de que a Igreja deu
um passo enorme com as afirmações do Santo Padre.
Vocês não se lembram, porque ainda não tinham nascido; muitos de vocês
são jovens. Mas no tempo de Foco, ele dizia: «Sabe, Chiara, nós somos os
proletários da Igreja». Naquele tempo a Igreja era vista apenas como
hierarquia, portanto numa perspectiva vertical, não num modo também
horizontal. Igreja era sinônimo de hierarquia.
Giordani, que escreveu uns 100 livros, muitos dos quais para defender a
Igreja, pois a amava muito, dizia: «Somos os proletários».
Deixávamos de ser os proletários. Estávamos também nós em primeiro
plano. Foi uma coisa enorme.
Outra coisa que aconteceu naquele dia é que foram reconhecidas, tidas em
consideração, as nossas vocações. Antes não era assim. Eu via que todos
diziam: há falta de vocações!
Dois bispos recentemente encontraram o Papa e o primeiro lhe disse: «Vossa
Santidade, faltam vocações!…». E o Papa: «Elas vão chegar dos Movimentos!»
mas eles... Depois chegou outro (não sei se no dia seguinte ou quase!) e
disse ao Papa: «Santidade, faltam vocações!…». «Elas vão vir dos
Movimentos!». Quem sabe o que pensavam!?
Mas a verdade é mesmo assim: os Movimentos também suscitam
muitas vocações. Sabem quantos gen agora são personalidades?
166
Coordenadores de Movimentos ou sacerdotes ou religiosos!? Em Loppiano
falei disso. Ali havia uma grande variedade de vocações, como aqui: irmãs,
sacerdotes, leigos, rapazes, crianças, e eu lhes disse que, a partir daquele
dia, as nossas vocações são tidas em consideração. Então disse: não são
apenas vocações ao Movimento dos Focolares, que são muitas. São cerca de
800 as jovens e um bom número também de rapazes e de sacerdotes que
querem entrar em focolare. Não é isso. São também as vocações que os
Movimentos dão para outras obras da Igreja. Eu contei-lhes isso.
Logo depois, aproxima-se uma jovem religiosa e me diz: «Chiara!» «O
que é?» «É mesmo como você disse». «Por quê?». «Eu era uma gen». «Ah,
bem!». Dou dois passos, aproxima-se outra religiosa, de outra Ordem, e me
diz: «Chiara, sabe?» «O quê?» «Eu era uma gen». «Por que não subiram ao
palco para confirmar o que eu estava dizendo!?».
Isso demonstra que é mesmo assim.
Ainda ontem encontrei um sacerdote, que me disse: «Eu era um gen». É esta
a nossa alegria: servir a Igreja, produzir muitas vocações, encher os
seminários, encher os conventos! Esta é a nossa vocação.
Ah, esperem um pouco! Primeiro enchamos os focolares (aplausos)!
Eu dizia que, para isso, precisamos de alguns anos, pois, se não tivermos
focolarinos, focolarinas, focolarinos casados que vivem este espírito, não
poderemos suscitar vocações. Mas será assim no futuro; este é o nosso
futuro.
O Papa naquele dia valorizava essas vocações; ele as via como vocações
novas na Igreja, pois a Igreja avança ao passo com os tempos; não fica
parada... Podem faltar vocações de certos tipos, mas nascem de outros. A
Igreja avança; o Espírito Santo continua a soprar. Isso foi outra coisa
belíssima: ver confirmadas as nossas vocações.
Como lhes disse, prometi ao Papa que trabalharia pela unidade. Mas agora
dou-me conta cada vez mais como é importante essa unidade, pois, se São
Paulo antecede a unidade aos membros do corpo, significa que a unidade é
importantíssima; temos de antepô-la ao resto. Quase a ponto de ter em
conta primeiro a unidade entre os Movimentos e depois entre nós. A este
ponto!
De fato, eu disse também aos nossos bispos outro dia
1
: sabem, não
rezo apenas pelo Movimento dos Focolares. Rezo pela comunhão entre os
Movimentos e por toda a Igreja; no fim rezo também pelo Movimento dos
Focolares. E eles ficaram olhando. Disseram: «Até esse ponto?». Até esse
ponto.
Então, tudo isso é para lhes dizer que para nós existe um: antes de
Pentecoste e depois de Pentecostes 1998. Antes de Pentecostes, conseguimos
organizar todos os setores da Obra, com todos os aspectos, as secretarias
para os diálogos, os 18 setores. O que faltava era o setor dos bispos, que
ainda não tinha sido aprovada no ano passado. Fomos com o cardeal Vlk.
Eu fui com ele nos encontrar com o Papa e lhe apresentar um regulamento
para os bispos amigos do Movimento. E ali o Papa teve uma graça
extraordinária, pois o aprovou pessoalmente. Ele entendia que, se
tivéssemos interpelado os vários dicastérios, eles teriam hesitado, pois é algo
1
Provavelmente no encontro para os bispos católicos que se realizam no mês de fevereiro
(n.d.t.);
167
muito novo, tão novo. Então, o Papa o aprovou pessoalmente. Ele depois me
disse que seria bom, por gentileza, ir falar com os outros dicastérios. Fomos,
mas com a aprovação do Papa, tudo estava resolvido.
No ano passado concluímos a Obra nas suas linhas principais. Agora
deve crescer, multiplicar-se, invadir o mundo. Por isso, este ano podemos
nos dedicar à unidade com os outros Movimentos.
Então vocês, alguns sabem, outros não, poderão perguntar: fizeram
alguma coisa? Conto-lhes como vai.
O que fizemos? Entretanto, procurei conversar com alguns fundadores. O
primeiro que conhecemos foi o Prof. André Riccardi, fundador da
Comunidade de Santo Egídio. Nasceu logo uma grande e bela unidade, não
só entre nós, mas também entre os membros dos nossos dois Movimentos.
Contemporaneamente, tivemos a ocasião de conhecer o coordenador italiano
do Movimento de Renovação no Espírito (que é aprovado pela Igreja) e
fizemos o mesmo. Mas não foi uma amizade assim, platônica, sinfônica e
sentimental. Logo desde o princípio nós nos conhecemos e apresentamos
reciprocamente os respectivos Conselhos do Movimento, de Santo Egídio e
do Movimento de Renovação. Colaboramos; falamos em encontros deles;
quiseram os nossos depoimentos; eles vieram aos nossos encontros, etc.
Também concretamente, por exemplo com Santo Egídio há um trabalho
concreto. Eles, com grande generosidade, impelidos pelo carisma deles
(porque senão não se entende), cederam-nos três casas e estão vendo como
nos dar uma casa muito grande. pessoas com um carisma é que fazem
estas dádivas!
Ontem fui visitar a Igreja maravilhosa dos Cavaleiros da Ordem de Malta e
me disseram que eles davam três quartos dos bens que possuíam e
sustentavam-se com o quarto. Eu disse: «Deviam ter muitos bens para
poderem dar três quartos!». Mas quando é que se na Igreja uma
generosidade tal? Repete-se nos carismas, nos carismas! Eles nos dão sem
nos pedir nada. É uma coisa maravilhosa!
Assim, quando soubemos que eles, de Santo Egídio, estavam fazendo um
abaixo-assinado com muitas assinaturas para fazer com que, pelo menos
durante o Jubileu, não se aplique a pena de morte, nós nos mobilizamos
logo. Como somos muitos, muitos, recolhemos muitas assinaturas! Eles
ficaram todos contentes.
Eu soube, por exemplo, que temos a mascote destas assinaturas,
porque havia um gen 4 pequenino, que não sabia escrever, mas achava que
devia assinar, até que a certa altura conseguiu fazer a sua assinatura. Então
disse logo à mãe: «Quero ir assinar contra a pena de morte». Era uma coisa
muito participada, porque feita em conjunto.
Num dia destes vou me encontrar com Kiko Argüello, que é o fundador dos
Neocatecumenais. Na Alemanha, o Movimento de Schönstatt está à nossa
espera; encontraremos o responsável mundial e a comunidade. Será muito
belo! Os "Cursilhos" também pediram para entrar em contato conosco, assim
como os responsáveis... Vou voltar da Suíça no dia 12 ou 11 do próximo
mês, pois me encontro com o responsável mundial de Renovação
Carismática. Eles são 400 milhões, incluindo também os não católicos; os
católicos devem ser uns 80 milhões. Se conseguirmos envolver todos eles,
compreendem o que significa para o Reino de Deus e para a Igreja? E poder
168
corrigir, em nós, mas também lá fora, qualquer coisa que não anda muito na
linha, é uma coisa enorme!
Recordo que um Cardeal participou numa manifestação organizada pela
Comunidade de Santo Egídio com a nossa ajuda. Viu o efeito da unidade
entre dois Movimentos e disse: «Se os Movimentos se unirem, serão uma
potência para a Igreja». Sabem, esta palavra "potência" perturba um pouco a
humildade das pessoas, mas eu disse: por Jesus Cristo até uma
superpotência! Tudo, tudo! (Aplauso)
Agora decidimos que nos encontraremos em Speyer, na Alemanha, onde
reuniremos todos os fundadores da Europa, que puderem vir ou os
responsáveis internacionais e nacionais. Faremos um duplo encontro. Estará
presente também o Cardeal Vlk… mas irá como focolarino, pois são os
Movimentos que se devem colocar de acordo. Ele é o Presidente do Conselho
das Conferências Episcopais Europeias. Em Speyer faremos este encontro,
que estamos preparando.
Temos recebido muitas adesões. Não calculam a felicidade dos outros
Movimentos. Logo que lhes dizemos: «Querem...?». «Sim!». Com um
entusiasmo...! Vê-se que é a hora; é mesmo a hora. Isso também porque o
Papa, naquele dia, abateu todas as divisões. Antes havia quando muito a
indiferença em relação aos outros Movimentos; cada qual pensava no seu...
A partir daquele dia todos abriram os olhos e o coração e se sentem irmãos:
um fenômeno! É um fenômeno! Não existem rivalidades, mas nem sequer a
indiferença. Todos estão interessados.
De fato, André Riccardi, de Santo Egídio, me diz sempre: «O que é
meu, é teu», ou seja: uma conquista deles, é nossa e uma nossa... É assim.
É assim.
Outro dia um deles me disse: «Sabe, me chamaram para ir falar na
Inglaterra a toda a comunidade anglicana». «Ótimo!», eu disse. «Mas acha
que devo ir?». «Claro! Temos de ir a toda a parte. Enquanto tiver forças, tem
de ir!».
Depois, acompanhamos tudo, telefonamos para saber como correu;
preparamos o terreno, mandamos os nossos; os outros mandam os deles.
Em suma: é um grande comércio maravilhoso! (Aplauso)
Logicamente procurei informar o Papa de tudo, pois eu tinha lhe prometido
que iria trabalhar nisso. Então, achei que devia informá-lo. No dia de Natal,
como sempre, preparamos um cesto de Natal enorme para o Papa.
Na Páscoa mandamos um ovo deste tamanho, que não entra no
elevador do Papa. Têm de vir buscá-lo lá embaixo os secretários ou as
religiosas, que trabalham ali, para ajudar a levá-lo lá para cima.
Desta vez preparamos um cesto enorme com muitas coisas, caixas…,
produtos de Natal, também oferecemos pequenas esculturas do Centro Ave,
que o Papa aprecia. A nossa Fonte, a focolarina do Centro dos Encontros
Romanos, de Roma, levou o cesto ao Papa, mas não cabia no elevador!
Porém, tinha de subir com o elevador! Em resumo: três pessoas puseram-se
a empurrá-lo até fazê-lo entrar! Quem sabe como terá ficado!?
Era acompanhado por uma carta minha, onde eu dizia: Santo Padre, quero
dar-lhe um presente de Natal. Expliquei-lhe tudo o que estamos fazendo;
sobretudo a respeito das Jornadas, que decidimos fazer no mundo inteiro,
com a colaboração dos Movimentos para repetir a Jornada de Pentecostes de
169
98. Nessas Jornadas projetamos também o filme feito por nós, intitulado:
«Nas Asas do Espírito», que saiu muito bem, acerca da celebração de
Pentecostes de 1998 e apresentando alguns Movimentos.
Mandei esse presente ao Papa. Dias depois recebi esta carta... Vejam como é
comprida. Autográfica, porque é assinada mesmo por ele. Autográfica é
quando tem a assinatura e manuscrito é quando é todo escrito....
Então diz assim. Primeiro agradece muito, porque (como vocês viram) tinha
havido o encontro com 800 seminaristas, que foi maravilhoso. Depois diz:
«Agradeço-lhe por tudo o que me comunicou acerca do trabalho em comum
com outros Movimentos eclesiais para encontrar um ponto de encontro, de
unidade, embora na diversidade dos vários carismas. Este não é apenas um
pequeno presente natalício diz o Papa -, mas é uma notícia muito
confortante, que me enche de alegria».
Eu, quando a li, ao pensar que por um momento o coração do Papa se
tinha enchido de alegria, decidi fazer muito mais!
«... enche-me de alegria, pois a indispensável colaboração entre as diversas
realidades eclesiais dará com certeza muitos frutos. É significativo que o
grande encontro dos Movimentos se tenha realizado na véspera do Domingo
de Pentecostes do ano que, na preparação do Grande Jubileu do ano 2000,
se dedicava ao Espírito Santo.
Alegra-me também a iniciativa, tomada de acordo com o Pontifício Conselho
para os Leigos e com os Ordinários (que são os bispos), de organizar
encontros (as Jornadas) na solenidade de Pentecostes para reviver juntos
nas diversas dioceses a experiência do grande encontro da Praça de São
Pedro.»
O Papa nos dá todas as bênçãos.
«Desejo as maiores graças do Senhor para a senhora, para toda a grande
família dos Focolares (portanto, também para vocês) e para as oportunas
iniciativas que me indicou (como o encontro de Speyer), e agradeço o vídeo
"Nas asas do Espírito", que me fez reviver o grande encontro da véspera de
Pentecostes do ano passado.»
Significa que o viu. Fiquei muito contente com isso. Sei que tem uma sala
onde se projetam os filmes que deseja ver; e naquela tarde viu este. (Aplauso)
Continua: «Muito obrigado pelas felicitações que me transmitiu para o Santo
Natal e formulo votos...» Leio ainda este parágrafo porque manda uma
bênção também para vocês.
«Formulo votos de que este privilegiado período, rumo ao Grande
Jubileu, que nos faz cruzar as portas do novo milênio, seja rico de graças
para todos. Acompanho estes votos com a minha bênção para todos.»
Portanto, têm a sua bênção. (Aplauso)
Nós já recebemos muitas bênçãos do Santo Padre, mas sabem como é?
Cada vez que chega, é uma bênção, que nos dá alegria.
Disse alguma coisa de tudo o que aconteceu em 1998 e como
procuramos viver com a Igreja o ano dedicado ao Espírito Santo.
Agora o ano de 1999 está começando, que é o ano dedicado a Deus-Pai.
Eu queria agora com todas as forças que tenho e contando com a atenção
de vocês dizer como devemos vivê-lo, nós focolarinos, nós do Movimento
170
dos Focolares. Para podermos viver o ano dedicado ao Pai, temos que ver
como é que o nosso carisma nos apresentou o Pai.
Vocês recordam aquele fato de quando eu estava sozinha e um sacerdote na
escola onde eu dava aulas me disse: «Poderia oferecer uma hora do seu dia
pelo meu ministério?». Eu, que via no sacerdote a Igreja, Jesus, respondi:
«Só uma hora? Ofereço tudo, toda a vida!». Ele me disse: «Ajoelhe-se. Deus a
ama imensamente».
Eram palavras ditas por um sacerdote, por isso acreditei nelas e fiz bem,
porque era verdade. Foi como uma fulguração para mim, pois vi que Deus
não é aquilo que eu, como boa católica, penso: um Deus a quem se reza
de vez em quando, que se contempla para além das estrelas, etc. Ele está
aqui, a meu lado. Ele é Amor; me ama imensamente. Todas as
circunstâncias são guiadas por ele; portanto, as alegrias, as dores, as
preocupações... Ele conduz tudo. E de repente senti que, a vida antes nos
parecia coberta por um véu de orfandade (como dizemos), como se fôssemos
órfãos, embora acreditássemos em Deus, e depois era bem diferente, porque
Deus, de certa forma, através deste carisma, voltava a revelar-se como era:
Amor, Pai.
Logicamente não fui eu que fiz esta experiência, mas também as
primeiras focolarinas. E anunciávamos a todos: «Deus a ama imensamente».
Era uma descoberta! Tínhamos a força inicial do carisma e todos ficavam
impressionados em saber que eram amados assim. «Até os cabelos da vossa
cabeça estão contados». Era a revelação de Deus-Pai como a Sagrada
Escritura nos apresenta.
Se recordarem, algumas frases que descrevem Deus... uma que recordo
sempre, pois me faz impressão, uma belíssima impressão. Referindo-se ao
povo hebraico, diz que, mesmo que uma mãe se esquecesse do seu filho,
Deus nunca se esquecerá dele (cf. Is 49, 15). É incrível! Este é o Deus Amor
que já começava a cintilar no Antigo Testamento.
Mas depois veio o Novo Testamento. Jesus explica bem quem é o Pai na
Parábola do Filho Pródigo. dias um focolarino me deu uma reportagem,
onde se vê um quadro de Rembrandt, muito famoso, que representa o pai e o
filho pródigo. O pai está com as mãos nos ombros do filho; é idoso, velhinho,
meio cego e olha para o filho. O filho está ajoelhado na sua frente, descalço,
sujo e com a cabeça apoiada no pai. Nota-se nesse quadro, além da beleza
artística extraordinária, que o pai está com as duas mãos apoiadas nos
ombros do filho: uma mão é bastante forte, grande, quase rude, eu diria; a
outra mão é mais delicada. Uma representa o amor de um pai; a outra, o
amor de uma mãe, para dizer que Deus (como diz também o Cardeal Martini
numa esplêndida carta sobre o Pai) é pai e mãe ao mesmo tempo. Não é pai
no sentido humano; é pai e mãe. E Rembrandt o representa assim.
Jesus, ao descrever o pai que acolhe o filho, que quer, não perdoá-lo mas
esquecer tudo; dar-lhe uma túnica nova, dar-lhe um anel no dedo, mandar
tocar música, preparar-lhe um grande banquete, Jesus exprime o amor do
pai, que passou a vida desde que o filho saiu de casa à espera dele. Esta
era a sua ocupação principal. E ao vê-lo, perdoa-lhe. Não quer que se fale do
passado; quer que seja novo. Assim é o Pai. Assim devemos pensar o Pai.
Este é o Pai.
171
Então, recordemos que temos um Pai que é assim e devemos descobri-lo em
tudo. Portanto, como viver bem este ano dedicado a semelhante Pai?
Eu diria que Ele ficará contente se aceitarmos o seu amor, mesmo antes de o
amarmos. Ele não precisa do nosso amor, que é um dever para nós. Mas
deseja que aceitemos o seu amor. E quem nos diz como é que Ele nos ama?
É Jesus.
Desde que começou o ano dedicado a Deus-Pai, por exemplo, o "Pai nosso",
que Jesus nos ensina para podermos aceitar o seu amor, para mim tornou-
se uma coisa enorme! Quando rezo o terço, logo que chego ao Pai nosso...
Porque nós, eu, vocês sentimos a exigência de trabalhar pelo reino de Deus;
porém eu, pequenina, miserável, o quê posso fazer? E vocês? Precisamos
dele, da sua ajuda para desenvolver esta revolução de amor e de unidade.
Então: «Pai nosso, que estais no céu, santificado seja...». Ajudai-me a
santificar o vosso nome. «Venha o vosso reino», ajudai-me; sozinha não
consigo. «Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu».
Sempre que rezamos o "Pai nosso", acolhemos o amor do Pai que nos quer
ajudar. É verdade, pois se Jesus o disse é porque quer. Logicamente, depois,
na vida precisamos de muitas coisas: de pão, de roupa, de perdão;
precisamos ser ajudados nas tentações; em todos os obstáculos da vida...
Então, a segunda parte do "Pai nosso" é muito bonita, mas eu gosto muito
da primeira (aplausos).
Uma das coisas de que mais necessitamos nós, focolarinos (que somos fogo)
é do Espírito Santo. Então Jesus nos diz (e no ano de Deus-Pai vem ainda
mais em relevo)... Jesus diz uma frase maravilhosa: «Qual é o pai entre vós
que, se um filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se lhe pedir um ovo,
lhe dará um escorpião?»
2
. Seria absurdo. «Portanto, se vocês, que são maus,
sabem dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celeste
dará o Espírito Santo a quem lho pedir!»
3
.
A nossa vida graças a Deus sendo vida evangélica, aprendida com o
Evangelho, baseia-se neste modo de raciocinar. Portanto, é fácil obtê-lo.
Vamos encontrar uma pessoa ou um grupo, vamos trabalhar, e precisamos
do Espírito Santo. «Eterno Pai, olha que Jesus disse que é fácil obtê-lo.
Pedimos Espírito Santo, Espírito Santo, Espírito Santo!» e Ele nos indicou
muitas maneiras de obtê-lo. Abraçando Jesus Abandonado, temos sempre o
Espírito Santo à disposição; mas sobretudo devemos pedi-lo ao Pai: «Eterno
Pai, se um pai na terra não dá coisas más..., me o Espírito Santo». É fácil.
Foi Jesus que o disse. É fácil!
É também uma experiência pessoal.
Depois, precisamos de muitas graças na nossa vida. Ele nos responde e diz:
«Se dois de vós se puserem de acordo para pedir seja o que for, o meu Pai
que está nos céus vo-lo concederá. Porque, onde dois ou três estão reunidos
no meu nome, eu estou no meio deles»
4
.
Por isso é que fazemos o consenserint, também o fizemos antes de virmos
para aqui, com as focolarinas no hotel: «Ajude-nos, dê-nos o Espírito Santo».
E é a nossa vida; foi sempre a nossa vida. que neste ano, dedicado a
2
Lc 11, 11-12.
3
Lc 11, 13.
4
Mt 18, 19-20.
172
Deus-Pai, vem em relevo tudo o que Ele nos dá. Ele quer que acolhamos as
graças que nos dá.
Depois outro aspecto das Escrituras que vivemos 56 anos: «Lançai
nele todas as vossas preocupações (...)»
5
.
Nós trabalhamos, vivemos pelos outros em geral. De vez em quando surge
uma preocupação: ele está com problemas, o outro está assim. Ou uma
doença, a mãe… Temos de nos libertar, de nos livrar de tudo. Jesus não diz:
"coloquem", mas diz: «lancem!». Portanto quer que o façamos depressa, que
lancemos nele as preocupações para podermos estar livres, com otimismo,
enquanto Ele toma sobre si todos os problemas e os resolve. Se eu pudesse,
escreveria um livro assim, contando todas as preocupações que Ele me
resolveu. Resolve-as mesmo. Esse é o ponto! Resolve-as mesmo! Depois,
revemos aquela pessoa que estava triste e está contente; e quem a ajudou? O
Eterno Pai. Descobre-se que aquela doença era um fantasma
6
. Muitas,
muitas coisas. E foi Jesus que nos ensinou a fazer assim.
Depois, uma frase muito linda do Evangelho, de que eu gosto muito, que
diz: «Não vos preocupeis (...) com o que haveis de vestir, (...), com o que
haveis de comer. (...) O vosso Pai sabe…»
7
. Eu gostaria de falar da
"providência" que recebemos, sempre! Porque reparem aquilo que
contamos dos primeiros tempos: que o corredor estava cheio e nós o
esvaziávamos, distribuindo tudo aos pobres e voltava a se encher; também
acontece hoje. Eu vejo a minha pequena experiência e das focolarinas que
vivem comigo. Se vocês viessem à minha casa, veriam quantas vezes o
corredor se enche… os seus presentes de ontem teriam enchido um
corredor! Para dizer que esta "providência" é uma realidade.
E compreendi uma coisa bela: que este contar com a "providência" (foi assim
que o nosso Gérard me explicou. Ele é da Escola Abbá)… não é ficar à espera
de um pequeno milagre que acontece aqui ou ali. Não. Os primeiros cristãos
contavam com a "providência" que vinha da comunidade. Quando Jesus diz:
«Tereis cem vezes mais em pais, em mães…»…
De fato, também nós, quando contamos: «Deixamos tudo, pelo menos
nos desprendemos de tudo, e o que aconteceu? Recebemos cem vezes mais:
pais, mães, irmãos, casas muito mais que cem! -, vestidos»… Quantos
vestidos recebo! Com eles vou vestindo toda a comunidade feminina! É pena
eu não receber roupas masculinas! Então… (aplausos)
Os estudiosos dizem que este "cêntuplo" provém da comunidade cristã
e, a partir dali, chega-se… Temos todas as possibilidades.
Então, porque é que devemos amar o Pai? Porque somos chamados e
este é o último conceito -, somos chamados a fazer da humanidade
(possivelmente o máximo que pudermos e o resto fará quem nos seguir),
devemos fazer da humanidade uma única família. Devemos realizar o «que
todos sejam um». Porém, dizem explicitamente que, quando Jesus rezou:
«Que todos sejam um», referia-se aos cristãos. «Que todos sejam um». Porém,
também todos os outros: budistas, muçulmanos… E vocês sabem os
5
Cf. 1 Pd 5, 7; o versículo em português diz: «Confiai-lhe todas as vossas preocupações…»;
mas Chiara frisa muito o conceito de "lançar", como se dizia na edição italiana mais
antiga (N.T.).
6
Expressão usada por Chiara, para exprimir que foi um falso alarme (n.d.t.);
7
Cf. Lc 12, 22-30.
173
contatos que temos com eles, que temos uma relação de amizade, de
benevolência, atuando a "Lei de ouro", etc.
Em todo o caso, estamos na estrada certa, fazendo assim. Deus-Pai
ama a todos: bons e maus. Ele disse que manda a chuva sobre os bons e
sobre os maus. Assim devemos fazer também nós: amar a todos, ser os
primeiros a amar, etc. Jesus morreu por todos. E Maria também está muito
presente nas outras religiões, porque, aonde chega a redenção de Cristo,
chega a maternidade de Maria para todos. E Deus é Pai de todos, se mandou
o Filho para morrer por todos. Portanto, se não tivermos esse ponto de
referência, o que é a família humana? É preciso um pai para ter uma família.
Por isso este ano o meu conselho é este, o meu encorajamento, o meu
desejo: damos uma grande glória ao Pai, acolhendo no coração tudo o que
nos dá: o alívio das preocupações, a roupa, a comida que recebemos, o
Espírito Santo de que necessitamos, todas as graças, porque Ele fica
contente, sim, se nós o amarmos e ainda mais se acolhermos o Seu amor em
nós. (aplausos)
Esta comunidade de Malta é um milagre! (aplausos) Sabem de uma coisa? É
um milagre quanto à beleza e à quantidade! Sabem de uma coisa? Creio que
não. É uma coisa grande o que vou dizer agora para a alegria de todos: no
mundo "ideal"
8
, a terra em que, proporcionalmente, há uma maior densidade
de membros da Obra, é Malta (aplausos). Fizemos os cálculos e vimos que é
assim. Onde maior densidade de Ideal pelo número dos membros é aqui.
A tal ponto que outro dia eu o disse a um Fundador e ele me disse: «Então
Malta é a capital do Movimento!». (aplausos)
8
Levando em consideração a população e o número de membros da Obra naquela nação,
as proporções são essas que Chiara explicou (n.d.t.);
Tradução feita por Teresa Martins em expressão portuguesa, revisada por Iracema Amaral
para a expressão brasileira em 2009 - ****
Ufficio Traduzioni, Rocca di Papa, 04/05/2000
ANEXO G Documentário: doutorado honoris causa de Chiara em Piacenza
Piacenza, 29 de janeiro de 1999
Documentário sobre o doutorado honoris causa
em Economia e Comércio a Chiara
pela Universidade Católica do Sagrado Coração
Speaker: Em Piacenza, uma cidade italiana rica de história e de tradições,
mas também de um forte espírito empresarial, está a sede de um dos 4
campus da Universidade Católica do Sagrado Coração, de Milão.
A Universidade ocupa um lugar de destaque internacional pela sua
atuação no campo da formação e da pesquisa segundo a inspiração
cristã, principalmente no campo social.
Por isso este ano a Universidade decidiu outorgar a Chiara o doutorado
honoris causa em Economia pela «inovadora contribuição
socioeconômica do projeto Economia de comunhão».
Prof. Sérgio Zaninelli (reitor da Universidade Católica do Sagrado
Coração):
Eu diria que existe uma primeira perspectiva interessante, é justamente
aquela dos teóricos, daqueles que procuram interpretar e direcionar os
sistemas econômicos. Eles reconhecem que a experiência em economia
dos focolarinos é significativa e digna de ser objeto de estudo, porque é
concreta.
Speaker: Atualmente são mais de 600 as empresas no mundo que aderem
a este projeto, que foi tema de seminários e congressos organizados
por Universidades do Brasil, Polônia, Portugal e Itália. São mais de 40
as teses de doutorado sobre o assunto defendidas até hoje.
Sérgio Ostan: Para nós, escrever uma tese sobre a Economia de
comunhão foi como aceitar um desafio. Na Universidade estudamos a
teoria econômica, mas achamos melhor introduzir algo novo, que
nenhum estudante havia tratado.
Pierangelo Romersi: As nossas teses permitiram que os docentes e
pesquisadores das nossas faculdades conhecessem o projeto "Economia
de Comunhão". Foi dessa colaboração com eles que surgiu a idéia de
entregar este doutorado a Chiara motivada pela Economia de
comunhão.
175
Speaker: O projeto Economia de comunhão também faz notícia. Diversos
noticiários italianos veicularam amplas reportagens e entrevistas a
Chiara.
Chiara: Não é um ato puramente ―humano‖ como se pode pensar,
quando quem doa algo fica sem ele. É um ―doar‖ que preenche, porque
inspirado numa cultura profundamente cristã. Vemos que os nossos
empresários são pessoas realizadas justamente por este modo de
praticar a economia, a economia da ―partilha‖.
Speaker: Na manhã do dia 29 de janeiro o Centro de Convenções
[Congressos] da Universidade recebeu Chiara, que passou entre duas
alas de pessoas, atraídas pela importância do acontecimento (aplausos).
No lotado Centro de Convenções da Universidade, além de estarem
presentes os vários componentes da Universidade diretamente
interessada, compareceram também docentes de outras Universidades
italianas e estrangeiras, empresários, políticos interessados no modelo
econômico original proposto pela Lubich, que lhe proporcionou o título
honorífico (aplausos).
O reitor da Católica, o professor Zaninelli, representando o inteiro corpo
docente e os estudantes da Universidade, no seu pronunciamento de
abertura, explicita duas das suas convictas reflexões, que o evento de
hoje suscitou nele, relativas à história presente e futura da
Universidade que representa.
Prof. Sérgio Zaninelli: A entrega do diploma honoris causa visa ser,
sobretudo nesta ocasião, um momento sublime, no qual a Universidade
propõe e indica solenemente à atenção pública da cultura e da ciência
uma personalidade de destaque e a sua contribuição ao campo do saber
e da convivência civil.
É esta a primeira reflexão que eu gostaria de propor. Refiro-me ao fato
de que esta Universidade nasceu e tornou-se grande graças à
contribuição de pessoas ilustres que aceitaram o radicalismo evangélico
e o tornaram tão concreto e persuasivo que fizeram dele um fator
genético e um elemento da construção de uma instituição com as atuais
dimensões e importância.
A Universidade Católica não pode privar-se destas condições para ela
essenciais. Por um lado, não pode abandonar a recordação dessas
testemunhas da e, por outro, não pode eximir-se do conhecimento,
da valorização e do encontro com as testemunhas atuais, como aquilo
que estamos fazendo hoje.
A outorga de um reconhecimento acadêmico a Chiara Lubich está
implicitamente ligada a toda a experiência do Movimento dos Focolares
e se deve explicitamente à particular experiência da Economia de
comunhão na liberdade. A este propósito tomo a liberdade de fazer uma
segunda reflexão muito sintética.
Alinhando-se contra a tradição iluminista e racionalista, a cultura que
deu vida à Universidade Católica, e que ela pretende representar e
176
servir, inspirou-se sempre no realismo, num conceito de conhecimento,
de conhecimento global, inclusive científico, não intelectualista e
desligado da experiência, mas que adere à realidade e lhe é obediente.
É nesta perspectiva que a outorga do diploma honoris causa de hoje
assume um significado para nós muito exigente. Nós reconhecemos
solenemente uma pessoa que consentiu e gerou uma experiência
humana e social coletiva em si relevante. Nós colhemos o seu valor
como um dos fatores que a nossa investigação não pode deixar de
considerar, ainda que com liberdade e medidas diferentes.
Esta Universidade está a serviço de uma Igreja concebida não de um
modo abstrato, mas a partir do povo que ela é, do povo que nela vive.
Neste sentido todas as experiências, as várias tradições culturais
existentes dentro da Igreja, uma vez reconhecidas e indicadas hoje pela
sua autoridade como paradigmáticas de um modo adequado de viver o
cristianismo, representam para nós uma fonte da qual como católicos e
como estudiosos não nos podemos privar e não podemos ignorar
também no exercício efetivo da nossa pesquisa e da tarefa educadora
que nos é confiada.
Portanto, estamos gratos à Faculdade de Economia, que nos hoje a
chance de formalizar explícita e solenemente estes nossos propósitos e
estas nossas convicções.
Peço que o professor Moramarco inicie a leitura da motivação da
deliberação de conceder o diploma honoris causa. E concluo renovando
à senhora as minhas congratulações e estima pela sua obra, mas
principalmente se me é concedido , exprimindo a minha profunda
gratidão pelo seu testemunho pessoal. Obrigado (aplausos)!
Speaker: O professor Moramarco apresenta brevemente a figura de
Chiara e o Movimento por ela fundado, indicando-o como uma resposta
concreta, inspirada nos valores cristãos, para as mais variadas
situações em que vive a nossa sociedade.
Introduzindo o projeto Economia de comunhão, ele evidencia a novidade
da proposta em relação às teorias econômicas hoje formuladas.
Prof. Moramarco: Boa parte da teoria econômica contemporânea se
baseia no comportamento do homo economicus, que é considerado
racional quando maximiza o próprio proveito. O mercado é considerado
o único instrumento regulador capaz de produzir o maior bem-estar
social. Os debates que se seguiram nas últimas cadas levaram à
conclusão de que não é de todo eficiente esta visão da economia. As
contribuições teóricas de Arrow, Sen e de outros estudiosos
importantes, destacaram que devem ser alargadas as variáveis a serem
consideradas no comportamento econômico, introduzindo novamente o
altruísmo, com toda a sua envergadura, nas análises econômicas.
De uma consideração dos pobres apenas na fase da redistribuição da
renda [rendimento], com a Economia de comunhão se passa também
para um envolvimento deles no âmbito produtivo, fazendo deles os
destinatários dos lucros produzidos e, onde é possível, proprietários da
empresa por meio de sociedades por ações, como acontece na
177
cidadezinha-piloto do projeto, a Mariapólis Araceli, perto de São Paulo,
onde nasceu um pólo industrial, administrado por uma sociedade com
mais de 4 mil sócios, uma parte dos quais moram em favelas. As
primeiras experiências demonstram que a Economia de comunhão
representa um incentivo também à criação de empregos, pois tem como
efeito dar novas chances de inserção no mundo do trabalho para estes
indigentes.
No momento atual é cada vez mais praticada a participação
internacional dos capitais, a concessão de créditos e a transferência de
tecnologias entre as empresas situadas em nações e Continentes
diferentes. As empresas de vários portes que aderiram ao projeto são
hoje centenas.
No plano teórico o projeto Economia de comunhão está suscitando
grande interesse também por parte de alguns estudiosos e economistas
italianos.
Por estas motivações a Faculdade de Economia deliberou por
unanimidade a outorga do diploma honoris causa a Chiara Lubich
(aplausos).
Leitura da motivação: Eu Sérgio Zaninelli, Reitor Magnífico da
Universidade Católica do Sagrado Coração, a Chiara Lubich que,
enquanto a guerra recrudescia, deu vida a uma comunidade ligada pelo
vínculo do amor, que se difundiu amplamente no arco de 50 anos
entre cristãos do mundo inteiro; que atualmente promove uma nova
visão das atividades empresariais, exortando a restituir a terceira parte
dos lucros de cada indústria aos mais necessitados, seguindo um
critério preciso: eles mesmos se tornam sócios das fábricas e oferecem,
por conseqüência, a própria contribuição, porque o bem-estar dos
cidadãos não consiste unicamente no poder pessoal e privado dos bens,
mas também na felicidade de todos juntos e no cultivo dos sentimentos
humanos, entrego o título e os privilégios de doutor em Ciências
Econômicas honoris causa.
Milão, 29 de janeiro de 1999
O Reitor Magnífico e o Presidente da Faculdade (aplausos).
Chiara: Excelências reverendíssimas, Reitor Magnífico, prof. Sérgio
Zaninelli, ilustre Senado Acadêmico, ilustres Professores, Senhoras e
Senhores, prezados amigos, em primeiro lugar dirijo o meu mais caloroso
agradecimento ao Reitor Magnífico desta Universidade Católica, ao Senado
Acadêmico e ao diretor da Faculdade de Economia, prof. Vito Moramarco,
por me terem agraciado com este doutorado.
Ele foi conferido a mim, visando homenagear o Movimento dos Focolares,
que constitui uma entidade religiosa e social ao mesmo tempo; um dos
Movimentos eclesiais que, na véspera de Pentecostes de 98, o Santo Padre
João Paulo II definiu: significativas expressões do aspecto carismático da
Igreja.
178
O Movimento dos Focolares pode ser considerado a partir de vários pontos
de vista: do espiritual ao apostólico, do caritativo ao social e econômico, do
aspecto político ao ecumênico, inter-religioso, cultural.
Pensando que seja do interesse dos senhores, ao descrever brevemente o
Movimento, aproveitarei para evidenciar em primeiro lugar a sua atuação
no social, que o caracterizou desde que nasceu, e na segunda parte
ilustrarei o projeto Economia de comunhão, que é a expressão econômica
desta Obra mais visível e famosa.
O Movimento dos Focolares, no seu conjunto tal como João Paulo II o vê
é "um povo", expressão do grande povo de Deus, um povo que caminha
edificando uma civilização do amor, com o objetivo de criar a fraternidade
universal, tendo como alvo um mundo mais unido.
Ele nasceu em Trento, em 1943. Hoje tem mais de 5 milhões de membros
de todas as raças, idiomas, nações e religiões, presentes no mundo inteiro,
em 182 países.
Aderem ao Movimento cristãos católicos, mas também cristãos de outras
Igrejas, fiéis de várias religiões, e pessoas que não possuem um referencial
religioso, mas são homens e mulheres de boa vontade.
Se os seus membros cristãos estão unidos como irmãos e irmãs pela
caridade de Cristo, de origem divina, os fiéis de outras religiões estão
unidos a eles pela benevolência que, em prática, todas as religiões
propõem; esse amor é aceito, como meio necessário para que os homens
possam viver como irmãos, até por pessoas indiferentes à religião.
"A primeira centelha inspiradora" do Movimento, como a definiu o Papa,
foi simples como tudo o que vem de Deus.
Durante a Segunda Guerra Mundial, fruto do ódio, tivemos uma nova
revelação, se assim podemos dizer, sobre a verdadeira essência de Deus:
Deus é Amor; Ele ama a todos e nos ama imensamente.
Essa redescoberta fez com que nós, que formávamos aquele primeiro
grupo de jovens, sentíssemos que Deus não estava longe de nós mas
muito próximo, presente em todas as circunstâncias da vida.
Era esse o primeiro anúncio que dávamos a quem encontrávamos: «Deus
te ama; Ele conta até os cabelos da tua cabeça».
E acreditamos realmente no Amor, em Deus-Amor.
Mas espontaneamente quisemos retribuir o infinito amor de Deus com o
nosso amor.
Podíamos amá-lo, praticando as suas Palavras.
Não era possível levar nada conosco quando corríamos aos abrigos
antiaéreos de dia e de noite para nos protegermos das bombas.
pegávamos um Evangelho, um pequeno Evangelho. E lá, enquanto
esperávamos, lendo aquelas palavras conhecidas, por uma luz especial,
descobrimos que eram novas, únicas, universais, feitas para todos,
eternas, para qualquer época e que podiam ser colocadas em prática.
Intuímos logo que, se vividas, suscitariam uma revolução.
De fato, o mundo dentro de nós e ao nosso redor se transformava.
Infinitos episódios evangélicos aconteceram naquele período.
179
Jesus garantia no Evangelho: "Pedi e obtereis"
1
. Pedíamos coisas para os
pobres e sem falta chegavam coisas e mais coisas: pão, leite em pó, doces,
lenha, roupas... que dávamos a quem precisava.
Um dia este é um fato, talvez o primeiro, que contamos sempre um
pobre me pediu um par de sapatos número 42. Sabendo que Jesus tinha
se identificado com os pobres, dirigi a Jesus na igreja esta oração: "Eu
preciso de um par de sapatos número 42 para você naquele pobre". Ao
sair da igreja uma senhora me entregou um pacote. Eu o abri: era um par
de sapatos número 42. Este é um exemplo dos milhões de fatos que se
verificaram com o passar dos anos.
"Dai e vos será dado"
2
, lemos um dia no Evangelho. Dávamos o que
tínhamos e voltava multiplicado.
Um dia tínhamos em casa algumas maçãs, que demos aos pobres. Na
mesma manhã chegou um saco de maçãs, que demos novamente aos
pobres e recebemos depois uma mala cheia de maçãs... Tudo aquilo que
dávamos, recebíamos. Portanto, o Evangelho era verdadeiro! Jesus
mantinha também hoje as suas promessas!
Essas entusiasmantes experiências evangélicas passavam de boca em
boca. E quem encontrava esta nova realidade eclesial, que estava
nascendo, não encontrava um Movimento nem sequer uma comunidade.
Quem a encontrava, deparava é uma frase ousada, mas verdadeira
com Jesus vivo entre nós, fiel às suas promessas.
E se os Apóstolos um tempo gritaram: "Cristo ressuscitou!", nós
exclamávamos: "Cristo está vivo!" E tendo-o encontrado, ninguém jamais
poderia esquecê-lo.
Fascinadas por tudo o que o Evangelho dizia, fomos tocadas
principalmente por algumas palavras de Jesus, que poderiam ser
sintetizadas assim: amar a Deus com todo o coração, amar cada próximo
como a si mesmos, amar-nos reciprocamente com a medida exigida por
Jesus: estando prontos a dar a vida uns pelos outros; acolher e gerar
como disse Paulo VI a presença espiritual de Cristo entre nós, pois Ele
prometeu que estaria onde dois ou mais se reúnem no seu nome
3
, isto é,
no seu amor; seguir como modelo do amor ao próximo o Amor
completamente revelado: Jesus crucificado; realizar a unidade segundo o
modelo da Santíssima Trindade, estabelecendo relacionamentos
interpessoais nos quais a diversidade é riqueza e a individualidade de
cada um desabrocha na abertura e na doação ao outro.
Um fato daquela época nos indicou bem a nossa vocação à unidade,
quando um dia nos reunimos num subterrâneo para nos protegermos dos
perigos da guerra. Abrimos o Evangelho ao acaso e nos deparamos com a
solene oração de Jesus ao Pai. "Pai Santo (...) que todos sejam uma coisa
como nós"
4
. E naquele momento tivemos a certeza de que havíamos
nascido para realizar aquela página do Evangelho, para realizar a unidade
entre todos. Era a "carta magna" do novo Movimento.
1
Mt 7, 7; Lc 11, 9
2
Lc 6, 38
3
cf Mt 18, 20
4
Jo 17
180
A seguir, as frases evangélicas citadas acima começaram a compor as
linhas de desenvolvimento de uma espiritualidade sintonizada com o
nosso tempo: a espiritualidade da unidade, pessoal e comunitária
conjuntamente.
Para viver esta espiritualidade colocamos tudo em comum, de livre e
espontânea vontade, na comunidade de 500 pessoas aproximadamente
que se formou em Trento nos primeiros meses de 1944. Colocamos em
comum os bens espirituais e os poucos bens materiais, mas também as
necessidades.
Essa iniciativa, com a qual desejávamos de alguma forma imitar os
primeiros cristãos, foi o primeiro indício podemos dizer de que o nosso
Movimento teria também uma expressão social. E isso não deixou
indiferente quem nos observava.
De fato, um dia alguns senhores se apresentaram no nosso primeiro e
pequeno focolare perguntando-nos qual era o segredo de tudo o que
estava acontecendo ao nosso redor. Afirmaram também que, o que tinham
visto realizado na cidade de Trento, eles teriam atuado no mundo inteiro.
Indicamos um crucifixo na parede. Não era por Ele que nos amávamos
reciprocamente a ponto de partilharmos tudo o que tínhamos? Mas esse
segredo, evidentemente, não se conciliava com a ideologia deles e,
abaixando a cabeça, foram embora. Mais tarde nos revimos e nasceu
também entre nós um diálogo.
A guerra terminou e o Movimento começou a expandir-se rapidamente:
primeiramente na Itália, de 1956 em diante na Europa, inclusive Oriental,
e a seguir nos outros Continentes.
Tudo isso graças ao "segredo" que indicamos àqueles senhores que nos
tinham visitado. De fato, viemos a saber que Jesus crucificado chegou ao
ápice do seu sofrimento quando experimentou o abandono do Pai,
gritando: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?‖
5
.
Esse fato nos comoveu. A nossa pouca idade, o entusiasmo, mas
sobretudo a graça de Deus impeliram-nos a escolher como ideal da nossa
vida justamente Jesus no seu abandono, máxima expressão do seu amor
por nós, chave para recompor a união com Deus e com os irmãos.
Desde então descobrimos o seu semblante em nós mesmos, quando
sofríamos, e nos próximos.
Ele, que experimentou a terrível a separação do Pai, foi reconhecido por
nós em todas as divisões do mundo, grandes ou pequenas: entre pobres e
ricos, entre as raças, entre os povos, entre as gerações, no interior da
Igreja, entre as várias Igrejas; e ainda, na luta entre as Religiões e no
contraste entre quem crê e quem não possui uma fé religiosa.
Mas isso é importante nenhuma dessas fraturas nos intimidou. Pelo
contrário, pela escolha que fizemos dele Abandonado, todas nos atraíram.
Vimos que o nosso lugar era exatamente aquele, onde havia as
desigualdades prejudiciais, os desequilíbrios, as faltas de unidades, para
procurar resolvê-las.
Os efeitos positivos dessa vida foram e são imensos.
Uma espiritualidade comunitária, como a nossa, contendo em si o "código"
para transformar a sociedade, tem influência em todos os seus campos,
5
Mt 27, 46
181
desde o mundo da economia e do trabalho ao da política, da justiça, da
saúde, da educação, da comunicação social, da arte, etc.
Nas famílias, por exemplo, revitaliza-se o amor. Casais à beira da
separação ou do divórcio readquirem a força para iniciarem um diálogo
novo.
A diferença entre as gerações é transformada num positivo intercâmbio de
dons.
E ainda, produz efeitos semelhantes em todos os campos: leigos e
eclesiásticos.
Em 1960 o espírito do Movimento começou a penetrar entre os luteranos,
que ficaram impressionados com o fato de que católicos falassem e
vivessem tão intensamente o Evangelho. E quiseram fazer como nós.
Atualmente são de mais de 300 Igrejas os cristãos que aderem ao nosso
Movimento.
No campo ecumênico a nossa espiritualidade produz principalmente um
efeito: sendo comunitária, une espiritualmente todos aqueles que a vivem.
Eles se sentem solidários entre si. Formamos com alegria um único povo
cristão e descobrimos o imenso patrimônio que temos em comum como o
Batismo, a Bíblia, os Concílios, etc.
O Movimento promove também o diálogo com fiéis de outras religiões:
judeus, muçulmanos, budistas, xintoístas, sikhs, fiéis de religiões
tradicionais. Muitos episódios, contatos e atividades recentes ou não
poderiam ilustrar este diálogo.
Muitas pessoas de outras culturas partilham os nossos objetivos, que são
iguais aos delas, por exemplo, a defesa dos valores universais como a
unidade, o amor, a paz, a legalidade, os direitos humanos, a solidariedade,
etc., e colaboram nos nossos projetos e nós nos delas.
O grande desenvolvimento do Movimento se deve, sobretudo, à unidade
entre os seus membros sempre vivida e restabelecida. E da unidade
sabemos o que podemos esperar. Jesus disse: "Que todos sejam um para
que o mundo creia"
6
.
Além disso, o seu grande desenvolvimento se deve também à sua perfeita
comunhão com a Igreja.
Quanto ao aspecto cultural, na verdade, no Movimento sempre tivemos
muita consideração pelos estudos. Todavia nestes últimos anos
percebemos que está desabrochando desta experiência evangélica uma
doutrina que contribui para a renovação da tradição teológica.
Já que em Jesus todas as realidades criadas foram recapituladas, ela está
iluminando também outras ciências.
Passemos agora ao aspecto social do Movimento.
A respeito da comunhão de bens no Movimento alguns membros a fazem
de modo total (e são milhares), pois dedicaram-se completamente às suas
finalidades, que dão todos os meses o salário [ordenado] inteiro e
entregam todos os seus eventuais bens através de um testamento em
favor dos pobres, que serão beneficiados sobretudo através de atividades
formativas, apostólicas, caritativas e sociais da Obra, que por sua vez
pensa em sustentá-los.
Os outros membros dão o que têm a mais.
6
Cf. Jo 17, 21
182
A atividade social do Movimento exprime-se também em obras concretas.
Elas não são programadas previamente, mas nascem espontaneamente do
coração dos seus membros educados ao amor. Não são um fim em si
mesmas, mas querem ser testemunho do amor para que se realize entre
muitos o testamento de Jesus.
Um exemplo.
Numa floresta de uma região da República dos Camarões, chamada
Fontem, vivia um povo pagão, os Bangwas, cheio de dignidade e rico de
valores humanos. Entretanto estava sendo dizimado pelas doenças: 98 por
cento das crianças morriam no primeiro ano de vida.
Em 1954, não sabendo o que fazer, esses africanos se questionaram: ―Por
que Deus nos abandonou?‖ E concluíram: ―É porque não rezamos‖. Então
decidiram: ―Rezemos; pode ser que assim Deus se recorde de nós!‖ Mas no
fim notaram que nada havia mudado. Então disseram: ―Por que Deus nos
abandonou? Porque as nossas orações não valem para Ele. Façamos uma
coleta para dar ao bispo, que pedirá a uma tribo mais digna que reze por
nós‖.
O bispo se comoveu e nos informou sobre isso. Em 1963 transferimos
para alguns médicos, que no início viviam em cabanas, onde entravam
inclusive as cobras. O povo Bangwa viu nisso a resposta de Deus. Foi
aberto um ambulatório, superando dificuldades imensas.
Três anos depois eu também fui visitar Fontem. O vilarejo era
irreconhecível: com ruas e algumas casas.
A obra precedente dos missionários, que raramente podiam visitar a
região, havia colocado as bases. Mas alguns anos depois de nos termos
estabelecido lá, pelo testemunho de amor dos focolarinos e pela unidade
vivida entre eles e com todos, a marcha desses animistas para o
cristianismo havia assumido as proporções de uma avalanche.
Atualmente, depois de 32 anos, chegando a Fontem vemos uma
harmoniosa cidadezinha com mais de 600 casas, a igreja, o hospital, com
98 funcionários, a escola do 1º grau completa.
Fontem tornou-se um distrito da região de língua inglesa e, juntamente
com outras localidades a ela ligadas, tem hoje uma população de 80 mil
habitantes.
O Movimento, no esforço de ser amor e serviço, é uma presença que
irradia, ilumina, surpreende, converte... Quem entra, por motivos de
trabalho, também nas repartições públicas polícia, escolas, obras
públicas sente que deve mudar de vida. Muitos acham que Fontem é a
esperança de uma África nova.
No mundo são cerca de mil as obras sociais de vários portes.
Porém, é típica do nosso Movimento a "Economia de comunhão" na
liberdade, uma experiência particular de Economia solidária. Ela é uma
autêntica expressão da espiritualidade da unidade na vida econômica e
pode ser compreendida completamente e na sua complexidade se
estiver inserida no contexto da visão que a nossa espiritualidade tem do
homem e dos relacionamentos sociais.
Nasceu como foi dito no Brasil, em 1991.
O Movimento, presente nesse país desde 1958, difundiu-se em todos os
seus Estados, atraindo pessoas de todas as categorias sociais.
183
Porém, fazia alguns anos que, apesar da comunhão de bens, eu estava
percebendo que, devido ao crescimento do Movimento (no Brasil somos
cerca de 250 mil pessoas), não conseguíamos cobrir as necessidades
mais urgentes de certos membros.
Pareceu-me, então, que Deus convidasse o nosso Movimento a tomar
providências.
Embora eu não seja competente em problemas econômicos, pensei que era
preciso criar empresas, a fim de que a capacitação e os recursos de todos
confluam para a produção de riquezas em favor de quem se encontra em
dificuldades. Elas seriam dirigidas por pessoas competentes, capazes de
fazê-las funcionar com eficiência e obter lucros, que livremente deveriam
ser colocados em comum.
Em parte os lucros seriam destinados aos mesmos objetivos da primeira
comunidade cristã: ajudar os pobres e dar-lhes um meio de subsistência
enquanto não conseguem um trabalho. Outra parte seria para construir
estruturas de formação de "homens novos" (como os define São Paulo),
formados e animados pelo amor, idôneas em viver a "cultura da partilha".
E uma terceira parte, é lógico, é novamente investida na empresa.
Desse modo, nas nossas cidadezinhas-testemunho (que são cerca de 20
no mundo) que são um modelo de convivência com todas as expressões
da vida moderna e por isso exigem também a presença de empresas junto
das escolas de formação, das casas para as famílias, da igreja, do
artesanato e das outras obras que nasceram para manter os seus
habitantes , nasceria também um verdadeiro pólo produtivo.
Essa idéia foi acolhida com entusiasmo não no Brasil e na América
Latina, mas também na Europa e em várias partes do mundo.
Muitas empresas nasceram e muitas já existentes aderiram ao projeto
modificando o próprio estilo de gestão empresarial.
A este projeto aderiram 654 empresas e 91 atividades produtivas
menores. São empresas que atuam nos diversos setores econômicos, em
mais de 30 países: 164 no comércio, 189 são indústrias e 301 prestam
outros serviços.
A experiência da "Economia de comunhão", com as suas particularidades
que derivam da espiritualidade da qual nasce, coloca-se ao lado de
numerosas iniciativas individuais e coletivas que procuraram e procuram
"humanizar a economia": iniciativas de muitos empresários e
trabalhadores em geral pouco conhecidos , que concebem e vivem a
própria atividade econômica como algo mais amplo e diferente da simples
busca de uma vantagem material.
De fato, como em muitas outras realidades econômicas permeadas por
motivações ideais, os que aderem ao projeto empresários, dirigentes,
trabalhadores ou outras figuras da empresa empenham-se antes de
mais nada colocar no centro da própria atenção, em todos os aspectos de
suas atividades, as exigências e as aspirações da pessoa e as instâncias
do bem comum. Em particular eles procuram:
instaurar relacionamentos de lealdade e de respeito, animados por um
sincero espírito de serviço e de colaboração em relação aos clientes, aos
fornecedores, à administração pública e até aos concorrentes;
184
valorizar os seus funcionários, informando-os e envolvendo-os de vários
modos na gestão da empresa;
manter uma linha administrativa empresarial inspirada na cultura da
legalidade;
reservar grande atenção ao ambiente de trabalho e ao respeito pela
natureza, mesmo suportando investimentos de alto custo;
cooperar com outras realidades empresariais e sociais presentes no
território, abertos também à comunidade internacional, com a qual se
sentem solidários.
O projeto "Economia de comunhão" apresenta ainda outras características
muito significativas para nós, porque mais diretamente ligadas à visão do
mundo que nasce da nossa espiritualidade. Refiro algumas:
1. Os protagonistas das empresas da "Economia de comunhão" procuram seguir,
embora nos moldes exigidos pelo contexto de uma empresa produtora, o
mesmo estilo de comportamento que eles vivem em todos os âmbitos da vida.
De fato, estamos convencidos de que é preciso imbuir dos valores nos quais se
crê cada momento da vida social e, portanto, econômica, que assim se torna
mais um espaço de crescimento humano e espiritual.
2. A "Economia de comunhão" propõe comportamentos inspirados na gratuidade,
na solidariedade e na atenção para com os mais necessitados
(comportamentos que normalmente o considerados picos das organizações
sem fins lucrativos) também a empresas às quais é conatural a busca do
lucro. Portanto a "Economia de comunhão" não se apresenta como uma nova
forma de empresa, alternativa às que já existem. Ela pretende sobretudo
transformar a partir de dentro as estruturas empresariais tradicionais (podem
ser sociedades anônimas, cooperativas, ou outras), direcionando todos os seus
relacionamentos intra e extra-empresariais segundo um estilo de vida de
comunhão. Tudo isso respeitando plenamente os valores autênticos da
empresa e do mercado (evidenciados pela Doutrina Social da Igreja e, de modo
especial, por João Paulo II na Centesimus Annus).
3. As pessoas que se encontram em dificuldades econômicas e que são os
destinatários de uma parte dos lucros, não são considerados simples
"assistidos" ou "beneficiários" da empresa. Ao contrário, eles o membros
essenciais do projeto, no âmbito do qual oferecem aos outros as próprias
necessidades. Também eles vivem a "cultura da partilha". De fato, muitos
renunciam à ajuda que recebem, tão logo recuperam um mínimo de
independência econômica; e muitas vezes partilham com outros o pouco que
possuem. Tudo isso porque na "Economia de comunhão", que também
ressalta a "cultura da partilha", não se dá muita ênfase à filantropia de
alguns, mas à partilha, onde cada um dá e recebe, com a mesma dignidade,
no âmbito de um relacionamento de substancial reciprocidade.
185
4. As empresas de "Economia de comunhão", além de se firmarem em um
profundo entrosamento entre os dirigentes de cada uma delas, sentem-se
parte integrante de uma realidade mais ampla. Os lucros o colocados em
comum, porque se vive uma experiência de comunhão. Por este motivo as
empresas como já mencionei desenvolvem-se no interior de pequenos (pelo
menos por enquanto) "pólos industriais", situados perto das Mariápolis
permanentes do Movimento ou, se geograficamente distantes, "coligam-se"
idealmente a elas.
Muitos se perguntam como podem sobreviver no mercado empresas tão
atentas às exigências de todos os interlocutores com os quais tratam e ao
bem de toda a sociedade.
É claro que o espírito, que as anima, ajuda a superar muitos daqueles
contrastes internos que obstaculizam e, em certos casos, paralisam todas
as organizações humanas. Além disso, o seu modo de operar atrai a
confiança e a benevolência de clientes, fornecedores ou financiadores.
Todavia, não podemos esquecer um outro elemento essencial: a
Providência divina, que acompanhou passo a passo o desenvolvimento da
"Economia de comunhão" durante estes anos. Nas empresas em que se
aplica a "Economia de comunhão" se deixa espaço para a intervenção de
Deus inclusive nas ações econômicas concretas. E se constata que, após
cada decisão "contracorrente", que a usual praxe comercial
desaconselharia, Deus nunca faz faltar o "cêntuplo" prometido por Jesus:
um faturamento imprevisto, uma oportunidade inesperada, a oferta de
uma nova colaboração, a idéia de um novo produto que faz sucesso no
mercado...
Esta é, em linhas gerais, a "Economia de comunhão".
Quando a propus, eu decerto não pensava numa teoria. Todavia vejo que
atraiu a atenção de economistas, sociólogos, filósofos e estudiosos de
outras disciplinas, que encontram nesta nova experiência e nas idéias e
categorias, nela subjacentes, motivos de interesse que ultrapassam o
próprio do Movimento no qual se desenvolveu historicamente.
Em particular, na visão "trinitária" dos relacionamentos interpessoais e
sociais, fundamento da "Economia de comunhão", quem vislumbre
uma nova chave de leitura que poderia enriquecer também a compreensão
das interações econômicas e contribuir, portanto, para superar a visão
individualista que prevalece hoje na ciência econômica.
Excelências, Reitor Magnífico, ilustre Senado Acadêmico, excelentíssimos
professores, senhoras e senhores, queridos amigos, com estas palavras
espero ter demonstrado que existe uma nova e ampla Obra na Igreja e na
nossa sociedade, com diversos objetivos, um dos quais é econômico,
realizada sobretudo por Aquele que faz triunfar a sua força e a sua
potência exatamente onde se encontra a fraqueza.
Obrigada a todos pela atenção que me dispensaram.
Que o Senhor abençoe esta ilustre e amada Universidade Católica e todos
os que nela trabalham e a freqüentam (aplausos).
186
Prof. Zaninelli: A palavra agora a sua Excelência dom Monari, bispo de
Piacenza, para uma saudação.
Dom Monari: Direi brevemente a minha admiração e a alegria pela
outorga deste diploma honoris causa em Economia a Chiara Lubich.
O motivo da minha admiração é compreensível. A palavra Economia
leva a pensar nos problemas da produção e do mercado, no valor do
Produto Interno Bruto e no índice de inflação. São coisas importantes,
mas pensávamos que não fosse objeto do trabalho de Chiara Lubich.
Nós conhecemos Chiara sobretudo pelo Movimento dos Focolares,
difundido no mundo inteiro, e pelo seu diálogo incansável com muitas
figuras do mundo religioso.
Nós a conhecemos pela Palavra de vida que escreve e que todos os
meses acompanha a meditação e a oração de muitos cristãos. Que
ligação têm os comentários espirituais de versículos do Evangelho com
uma ciência tão material como é a Economia? A admiração é calcada
pela motivação da outorga do diploma: a "Economia de comunhão". o
sei se alguma vez na vida vocês ouviram estas duas palavras
combinadas. Elas me dão a impressão de um paradoxo. O termo
"comunhão" logo me leva a pensar na Trindade, como mistério de um
Deus que existe em doação, cuja existência é comunhão. Enquanto o
termo "economia" me sugere instintivamente a busca do próprio
interesse. É claro que encerra a esperança de que o interesse de cada
um redunde no bem de todos, como garantia com otimismo Adam
Smith, mas indubitavelmente com uma ótica bem diferente daquela da
comunhão, do viver pelo outro.
São estas as causas da admiração, que são as mesmas da minha
alegria, porque é belo ouvir falar de partilha no contexto de uma
Faculdade de Economia. Eu acho que assim são reconhecidas e
valorizadas muitas experiências importantes da nossa vida, que
poderiam ficar esquecidas.
Por exemplo, refleti, mas creio que cada um de nós poderia pensar o
mesmo, que no meu relacionamento com os meus pais, eu recebi mil
vezes mais do que dei do ponto de vista econômico e também afetivo.
Esta experiência, tão fundamental para a minha vida, para a nossa
vida, não pode ser calculada em termos de trocas. Todavia é exatamente
esta experiência que me tornou uma pessoa adulta e me capacitou a
entrar no tecido dos intercâmbios pessoais, culturais e também
econômicos, que constitui hoje a minha, a nossa vida.
Se não tivesse recebido, eu não teria sido capaz de viver o intercâmbio.
É belo, portanto, que a partilha volte a ser objeto de atenção também da
análise econômica. Creio que a imagem do homem, a imagem do homo
economicus, que dela deriva, é a mais correta e também entre
parênteses a mais agradável.
E ainda, estamos contentes com este diploma porque nos ajuda a
recordar quanto a tem ligação com a vida cotidiana concreta. e
dinheiro são coisas diferentes, mas a manifesta a sua seriedade,
porque obriga também a enxergar o dinheiro com uma nova visão,
187
assim como obriga a considerar com olhos novos o poder, a cultura, a
sexualidade, a pessoa humana em si.
Portanto, estou agradecido a Chiara Lubich pelo testemunho de
humanidade e de fé que nos transmite. E obrigado à Universidade
Católica que, outorgando um diploma honoris causa em Economia a
uma pessoa como Chiara Lubich, nos transmite uma imagem atraente
da ciência econômica em si, aquela de uma ciência a serviço do bem e
da comunhão entre os homens (aplausos).
Prof. Stefano Zamagni (professor de economia política da Universidade
de Bolonha): Como estudioso de questões econômicas, eu diria que a
considero interessante, porque representa o típico desafio que é lançado
das bases, ou seja, do agir econômico concreto ao mundo da ciência
econômica.
O mundo da ciência econômica, que tem muitos méritos, de alguns
tempos para está em crise, em crise no sentido literal do termo. É
um tempo de passagem, de transição, porque desapareceram as antigas
certezas, aquelas que afirmavam que para obter prosperidade, bem-
estar e sobretudo felicidade, o único meio era incentivar os mecanismos
do mercado e comportar-se segundo o paradigma do homo economicus,
que convida cada um a pensar em seus interesses. O modelo da
Economia de comunhão mostra com os fatos que é possível produzir
riqueza, ser eficientes, ser produtivos no interior de um paradigma
relacional, isto é, reconhecendo-se como pessoas e não mais como
indivíduos que, porque aderem a valores que poderão ser religiosos mas
também não religiosos, porém profundamente humanos, que
conseguem realizar concretamente iniciativas de grande relevo.
Deputada Burani Procaccini: Nós nos debatemos entre mercado e
Estado. Chiara nos uma terceira indicação. Até agora individuamos
o famoso non-profit. Chiara nos diz que também com o lucro podemos
fazer algo grande. A meu ver esta é uma estrada muito inteligente para
nos apropriarmos de novo do mercado como o novo milênio deveria.
Prof. Adriano Bausola (ex-reitor da Universidade Católica): Nem
sempre as coisas de sucesso provêm de gente considerada muito prática
ou de professores importantes. Em muitos campos, em geral os
professores se limitam a interpretar o que aconteceu, dizendo que
tinham previsto, mas... Os industriais, os agentes, etc. vivem barricados
demais numa dimensão própria.
Se quisermos testar algo novo, é bom que venha de pessoas que tenham
até mesmo um carisma, como Chiara, a fundadora, mas transmitindo
tudo aos outros. Portanto, a novidade por vezes parte de pessoas de
fora. Não é a primeira vez que acontecem transformações históricas que
não dependeram dos poderosos de turno, mas das pessoas do povo,
digamos.
Speaker: Daquela inicial intuição de 1991, chegou-se ao reconhecimento
de uma teoria científica que se fundamenta numa experiência
188
evangélica. Certamente foi colocada sobre o monte uma luz para
muitos, mas isso também representa um novo empenho para recolher a
sabedoria suscitada pelo carisma da unidade.
Traduzione di Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni, 20/4/2010.
Nome file:bs290199
ORIGINALE
Piacenza, 29 gennaio 1999
Conferimento a Chiara della laurea honoris causa in Economia e Commercio all'Universi
del Sacro Cuore:
Testo preparato del videogiornale.
Traduzione in espressione brasiliana.
File:
bs290199
(winword)
Disco:
11
Stampata il:
20/4/2010
Rivista da:
Para a tradução simultânea do vídeo n. 1337 PORTOGHESE
(in espressione brasiliana)
ANEXO H Pronunciamento do Pr. Ervino Schmidt na abertura da SOUC 2008
Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2008
“Orai sem cessar”
Pr. Ervino Schmidt
Queridas Irmãs, Queridos Irmãos,
Mais uma vez celebramos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. É,
sem dúvida, um momento muito especial. Aqui, nessa comunidade, a
Semana já se tornou tradição.
Que bom! Demos graças a Deus. Mas hoje tem algo diferente das outras
vezes.
Hoje é dia de lembrar uma longa história. Aliás, uma história linda e
estreitamente relacionada com a Igreja Anglicana. A Semana completa um
século de existência. É isso mesmo. Um século! Exatamente cem anos atrás,
por iniciativa do padre episcopal anglicano, Paul Wattson, foi celebrada, em
1908, uma oitava de Oração pela Unidade dos Cristãos, em Graymoor, Nova
York. Aos poucos essa iniciativa foi se espalhando pelo mundo. A partir de
1968 (exatamente 60 anos mais tarde) a Semana passou a ser preparada,
em conjunto, pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos
Cristãos, da Igreja Católica Romana e pela Comissão de e Constituição do
Conselho Mundial de Igrejas. Em nosso país a Semana é coordenada pelo
CONIC (Conselho Nacional de igrejas Cristãs do Brasil). Recordo com que
alegria e também com que cuidado cada ano os subsídios para as
celebrações são adaptados a nossa realidade. Entre nós esse projeto secular
é realizado no período que antecede Pentecostes. No hemisfério norte, em
janeiro. Vocês hão de concordar que o período de férias de verão não seria
muito apropriado. De qualquer modo, a Semana tornou-se um marco para
as Igrejas. Muitas pessoas têm, em uma das celebrações que acontecem
nesses dias, a sua primeira experiência ecumênica. E ficam maravilhadas!
Quem uma vez experimentou como é ―bom e agradável viverem unidos as
irmãs e os irmãos‖, será dali em diante uma fiel testemunha do desejo de
Cristo ―que todos sejam um‖ durante toda a sua vida.
Nunca estaremos mais próximos uns dos outros do que quando unidos em
oração do mesmo e único Deus.
Mas eu preciso contar mais um detalhe que julgo de interesse geral. Depois
de assumir a secretaria executiva do CONIC, em 1992, conheci uma pessoa
extraordinária e que me ajudou muito no trabalho em favor da unidade.
Trata-se do Frei Leonardo. Ele desenvolvia um belo projeto ecumênico em
São Paulo do qual nasceu o Movimento de Fraternidade das Igrejas Cristãs
que veio a se tornar a primeira Representação regional do CONIC. Frei
190
Leonardo provinha de uma Congregação religiosa dos Estados Unidos,
chamada Frades Franciscanos da Reconciliação. Essa Congregação tem o
ecumenismo como carisma. Por que eu conto tudo isso? Porque o mesmo
Reverendo Paul Wattson que lançou a Semana de Oração, alguns anos
antes, fundou essa Congregação. A busca da unidade e outras
circunstâncias levaram os freis e as irmãs a solicitarem ao Vaticano que
aceitasse essa Congregação na Igreja Católica Romana. É um fato deveras
curioso.
Esse pedido foi atendido. Era a primeira vez que uma Congregação religiosa,
de origem protestante, teve a permissão de ingressar na Igreja Católica
Romana, diretamente, em bloco e tal qual estava constituída. O normal teria
sido conversão individual e adesão a alguma Congregação existente. Bem,
tudo isso, de algum modo, está relacionado com a história da Semana de
Oração.
―Orai sem cessar‖. Cem anos de oração pela unidade.
Alguém poderia argumentar: Mas não mudou tanta ciosa assim. Continua a
haver incompreensão entre as Igrejas. Podemos perceber disputas de poder e
até concorrência entre elas.
estudiosos, inclusive, falando em retrocesso na caminhada ecumênica.
pessoas que dizem estarmos passando por um ―inverno‖ na busca da
unidade ou, no mínimo, por uma época de crise.
Dois anos atrás tivemos, aqui em Porto Alegre, a IX Assembléia do CMI.
Nessa ocasião o então Moderador, Aram I, disse em seu relatório: ―Olhando
retrospectivamente o período que deixamos atrás, podemos perguntar o
quanto fomos capazes de avançar rumo aos nossos objetivos ecumênicos. Na
verdade, não é fácil descrever exaustivamente tudo o que ocorreu nessa
caminhada da nossa comunhão de Igrejas. Uma das palavras
freqüentemente usadas em anos recentes para caracterizar a vida e o
trabalho do CMI é ‗crise‘. Temos atravessado crises de vários tipos. Temos
enfrentado tensões tremendas e conduzido nosso testemunho sob pressões
enormes‖.
E o teólogo brasileiro Gottfried Brakemeier afirmou: ―O barco ecumênico,
neste início de milênio, sente o vento soprar pela proa, estando ameaçado de
ver anuladas as milhas avançadas até o momento‖.
São expressões críticas e bastante fortes.
Cem anos de oração pela unidade e, no entanto, os avanços parecem
pequenos. Será que Deus não ouviu as orações? Será que Ele não as atende?
Com essas perguntas lembrei-me de uma história que um velho missionário
contou de um cristão que tinha dedicado muito tempo à oração, mas que
não havia percebido qualquer atendimento. Aos seus olhos tudo permanecia
igual ao seu redor. Então procurou um irmão de muita experiência de fé.
Chegou a ele triste e lhe disse: ―Não estou vendo qualquer resultado das
minhas orações‖.
191
O amigo experiente, então, lhe colocou uma cesta nas mãos e o enviou para
buscar água do rio.
Ele foi. Mas quando voltou, lógico a cesta estava vazia. O irmão lhe ordenou
que novamente fosse ao rio com a mesma incumbência. A cesta outra vez
estava vazia. Foi pela terceira vez. Na volta, o mesmo resultado. Então
protestou: ―Por que me mandas se nada acontece‖? A resposta foi: ―Sim, a
cesta está vazia, mas olha para dentro dela! Antes estava suja, agora está
limpa‖.
Deus atende a nossa oração. Disso podemos ter certeza!
Ela é uma necessidade na vida das pessoas cristãs e se localiza no contexto
da camada mais profunda da existência. Na verdade, ela é a resposta que
acontece em um diálogo iniciado por Deus mesmo. Ele vem a nós. E a cada
um de nós Ele se dirige bem pessoalmente como Redentor e Salvador. A
relação com Deus não é algo impessoal, algo nebuloso, mas sim pessoal. Ela
se manifesta na mais profunda realidade do amor. Assim, gratidão e entrega
confiante são expressão máxima da nossa oração.
Por isso, a melhor maneira de nos dirigirmos a Deus é conversar com Ele,
assim como se conversa com uma pessoa amiga. Isso tanto mais porque
Deus, encarnado em Seu Filho, apareceu-nos em rosto humano. E Jesus
mesmo ensinou-nos a chamar Deus de Abba‖, Pai. A oração deve ser uma
constante. Ela não é um último recurso em situações sem saída. É
conhecida a história de caráter anedótico em que um capitão exclamou,
quando seu navio estava no maior dos perigos em alto mar: ―Agora nos
resta orar‖. Alguém então poderia ter respondido: ―Mas chegamos a esse
ponto‖?
Deus não é um ‗tapa-furo‘. Dietrich Bonhoeffer, conhecido teólogo luterano,
assassinado durante o Regime nazista, insistia que o lugar de Deus é no
centro da vida e não na periferia da mesma. Seu lugar não é lá, onde nossa
razão humana não consegue chegar. A oração não é um pedido para que
Deus interrompa o curso das leis naturais. Ela expressa, muito antes, a
absoluta confiança que nos fundamentos de toda existência está o infinito
amor do Pai.
É na certeza desse infinito amor de Deus que aconteceram os cem anos de
oração pela Unidade. E é nesta mesma certeza que hoje estamos aqui unidos
em oração. Chamando Deus de Pai reconhecemos todas as pessoas como
irmãs e irmãos.
Estar assim diante de Deus tão diretamente é o início do próprio
atendimento da oração. Aqui começam as grandes transformações!
Conforme o texto da Primeira Carta aos Tessalonicenses, base para a
Semana de Oração deste ano, é na presença de Deus que passamos a viver
em paz, a exortar-nos e a encorajar-nos mutuamente, a sustentar os fracos, a
ser pacientes para com todos a não retribuir o mal com o mal e a buscar
sempre o bem entre nós.
Eis aí uma segura base para autêntica vivência ecumênica!
192
Nossa cesta não fica vazia. Nem a cesta de cem anos de Semana de Oração
ficou vazia. O Movimento ecumênico é irreversível!
Muita coisa aconteceu: criou-se, ao longo do tempo, uma maior sensibilidade
ecumênica nas relações entre nossas igrejas. Isso corresponde às
necessidades práticas do testemunho e do serviço, mas, sobretudo, ao desejo
de Jesus Cristo ―que todos sejam um‖. Percebeu-se que o ecumenismo não é
um simples capricho ou desejo de poucos, mas um mandato do próprio
Senhor.
Nenhuma Igreja nega sua confessionalidade, mas agora o caráter separatista
da mesma está sendo superado.
As Igrejas, cada vez mais, se esforçam em expressar visivelmente a unidade
a partir de elementos que lhes são comuns com vistas à plena comunhão
em Cristo.
Em conjunto elas também se empenham para combater a injustiça, aliviar o
sofrimento humano, superar a violência, enfim, buscar a plenitude de vida
para todas as pessoas.
Isso é pouco? Não, isso é muito!!
Só nos cabe confessar: O Senhor tem feito maravilhas. Por isso: ―Estai
sempre alegres, orai sem cessar, dai graças, em todas as circunstâncias,
pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus‖. Amém.
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