Download PDF
ads:
ILANA DA SILVA REBELLO VIEGAS
CONTEÚDOS DE INTERPRETAR -
A LEITURA COMO PASSAPORTE PARA A INTERAÇÃO COM O MUNDO
Tese apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor em Língua
Portuguesa. Área de Concentração:
Estudos de Linguagem.
Orientadora: Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat
Niterói
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ILANA DA SILVA REBELLO VIEGAS
CONTEÚDOS DE INTERPRETAR -
A LEITURA COMO PASSAPORTE PARA A INTERAÇÃO COM O MUNDO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor
em Língua Portuguesa. Área de
Concentração: Estudos de Linguagem.
Aprovada em 06 de outubro de 2009.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat Universidade Federal Fluminense
- Orientadora
_________________________________________________________________________
Prof. Drª Maria Aparecida Lino Pauliukonis Universidade Federal do Rio de Janeiro
_________________________________________________________________________
Prof. Drª Leonor Werneck dos Santos Universidade Federal do Rio de Janeiro
_________________________________________________________________________
Prof. Drª Norimar Pasini Mesquita Júdice Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________________________________
Prof. Drª Beatriz dos Santos Feres Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________________________________
Suplente: Prof. Dr. Ronaldo Amorim Faculdade Cenecista de Itaboraí
_________________________________________________________________________
Suplente: Prof. Drª Lygia Maria Gonçalves Trouche Universidade Federal Fluminense
ads:
3
A todos que procuram superar o medo e instaurar a
esperança nas aulas de língua portuguesa.
4
Agradeço a DEUS, por sua constante presença;
à minha FAMÍLIA, pelo incentivo;
ao meu esposo LUIZ JÚNIOR, por me fazer feliz e por compreender a minha ausência em
alguns momentos;
à ROSANE MONNERAT, pela orientação dedicada e competente;
aos professores da BANCA, pela leitura crítica deste trabalho;
aos PROFESSORES da UFF, pelo conhecimento adquirido;
ao INSTITUTO de Letras da UFF, por me acolher tão bem;
aos meus ALUNOS, por me mostrarem que o ensino de leitura e interpretação precisa ser
reformulado,
à FABIANA, pela colaboração no resumo em inglês e
ao meu irmão IBER, pela ajuda na arte desses agradecimentos.
A todos o meu MUITO OBRIGADO!
5
“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma
forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam
a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor,
assim, não morre jamais...”
Rubem Alves
6
SINOPSE
Análise de atividades de compreensão e interpretação de
textos, realizadas por alunos de escolas públicas, de níveis
diversos, e de entrevistas com professores sobre quais
conteúdos são por eles trabalhados em interpretação textual,
com base na Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso
e nos pressupostos teóricos da Linguística do Texto.
Proposição de atividades com “conteúdos de interpretar”, a
partir de sequências didáticas, envolvendo diferentes modos,
tipos e gêneros textuais.
7
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:
Fatores pragmáticos da textualidade (Beaugrande & Dressler: 1983) ---------
32
Gráfico 2:
Fatores responsáveis pela coerência (Koch & Travaglia: 2000) ----------------
34
Gráfico 3:
Coesão gramatical e lexical (Val: 1999) -------------------------------------------
35
Gráfico 4:
Coesão gramatical e lexical (Duarte: 2003) ----------------------------------------
36
Gráfico 5:
Etapas do ato de ler (Silva: 2005b) -------------------------------------------------
48
Gráfico 6:
Pistas contextuais empregadas para a interpretação de enunciados (Dascal &
Weizman: 1987 apud Marcuschi: 2008) -------------------------------------------
50
Gráfico 7:
Diagrama do modelo de produção de textos (Meurer: 1997) -------------------
52
Gráfico 8:
Teoria da cebola semântica (Marcuschi: 2008) -----------------------------------
55
Gráfico 9:
Horizontes de compreensão textual (Marcuschi: 2008) --------------------------
56
Gráfico 10:
Processo de semiotização do mundo (Charaudeau: 1995b) ---------------------
68
Gráfico 11:
Mise en scène do ato de linguagem (Charaudeau: 2001b) ----------------------
74
Gráfico 12:
O processo de produção e o de interpretação no momento do ato de
linguagem (Charaudeau: 1983) ------------------------------------------------------
74
Gráfico 13:
O processo de semiotização do mundo atrelado aos processos de
compreensão e interpretação (Charaudeau: 2006a) -------------------------------
83
Gráfico 14:
Compreensão, interpretação e intercompreensão (Charaudeau: 1995a, 1999)
85
Gráfico 15:
Semiotização do mundo x níveis de estruturação da linguagem (Carvalho:
2004) ------------------------------------------------------------------------------------
89
Gráfico 16:
Construção do sentido (Charaudeau: 1996) ----------------------------------------
90
Gráfico 17:
Tipos de inferências (Marcuschi: 2008) --------------------------------------------
96
Gráfico 18:
Esquema da sequência didática (Dolz & Schneuwly: 2004) --------------------
125
Gráfico 19:
Incidência dos dois níveis de questões (compreensão e interpretação) no
total analisado --------------------------------------------------------------------------
136
Gráfico 20:
Quantidade de questões de compreensão ------------------------------------------
137
Gráfico 21:
Quantidade de questões de interpretação -------------------------------------------
140
Gráfico 22:
Percentual de respostas adequadas e não-adequadas às questões de
compreensão ---------------------------------------------------------------------------
148
Gráfico 23:
Com que frequência os alunos leem livros -----------------------------------------
149
Gráfico 24:
Tipos de livros preferidos pelos alunos ---------------------------------------------
149
8
Gráfico 25:
Com que frequência os alunos leem jornais ---------------------------------------
149
Gráfico 26:
Com que frequência os alunos leem revistas --------------------------------------
149
Gráfico 27:
Respostas adequadas e não-adequadas às questões de investigação
linguística -------------------------------------------------------------------------------
150
Gráfico 28:
Respostas adequadas e não-adequadas às questões de relação ------------------
150
Gráfico 29:
Respostas adequadas e não adequadas às questões de interpretação -----------
151
Gráfico 30:
Respostas adequadas e não adequadas às questões de conhecimento de
mundo -----------------------------------------------------------------------------------
151
Gráfico 31:
Respostas adequadas e não adequadas às questões de grandes inferências ---
151
Gráfico 32:
Respostas adequadas e não adequadas às questões de pequenas inferências --
152
Gráfico 33:
Respostas adequadas e não adequadas às questões de conhecimento da
estrutura do texto ----------------------------------------------------------------------
152
Gráfico 34:
Metodologia adotada por alguns professores no trabalho com textos ----------
154
Gráfico 35:
Esquema da sequência didática da nossa proposta de trabalho -----------------
163
Gráfico 36:
Organização de cada módulo da nossa proposta de trabalho --------------------
164
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1:
Formação acadêmica dos professores entrevistados ------------------------------
24
Tabela 2:
Estratégias cognitivas (Van Dijk: 1992; Koch: 2007) ----------------------------
59
Tabela 3:
Estratégias textuais (Koch: 2007) ----------------------------------------------------
60
Tabela 4:
Componentes da competência situacional (Charaudeau: 2007) -----------------
69
Tabela 5:
Estratégias de ordem enunciativa e de ordem enunciatória (Charaudeau:
2007) -------------------------------------------------------------------------------------
70
Tabela 6:
Conhecimentos compartilhados (Charaudeau: 2006a) ----------------------------
72
Tabela 7:
Conceito de texto e os níveis de competência para a produção do texto
(Charaudeau: 2001a) ------------------------------------------------------------------
72
Tabela 8:
Modos de organização do discurso (Charaudeau: 1992) -------------------------
79
Tabela 9:
Níveis de estruturação da linguagem (Coseriu: 1980) ----------------------------
87
Tabela 10:
Sentido literal x sentido não-literal (Mira Ariel: 2002 apud Marcuschi: 2008)
92
Tabela 11:
Sentido literal/sentido de língua x sentido não-literal/sentido de discurso
(Coseriu: 1980; Mira Ariel: 2002 apud Marcuschi: 2008; Charaudeau:
1995a, 1999) ----------------------------------------------------------------------------
93
Tabela 12:
Raciocínios utilizados em cada tipo de inferência (Marcuschi: 2008) ----------
97
Tabela 13:
Níveis de alfabetismo (INAF) --------------------------------------------------------
105
Tabela 14:
Evolução do indicador para o Total Brasil no período de 2001 a 2007
(INAF) -----------------------------------------------------------------------------------
106
Tabela 15:
Nível de escolaridade x nível de habilidades (INAF) -----------------------------
107
Tabela 16:
Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau e Carneiro
(Charaudeau: 1992; Carneiro: 2005) ------------------------------------------------
119
Tabela 17:
Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau, Marcuschi e Oliveira
(Oliveira: 2004) ------------------------------------------------------------------------
121
Tabela 18:
Agrupamento de gêneros com finalidades educacionais (Dolz & Schneuwly:
2004) -------------------------------------------------------------------------------------
124
Tabela 19:
Gêneros para o 1º Ciclo do Ensino Fundamental (PCN: 1997) ------------------
129
Tabela 20:
Gêneros para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental (PCN: 1997) ------------------
130
Tabela 21:
Gêneros para o 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental (PCN: 1998) -----------
131
10
Tabela 22:
Gêneros para o Ensino Médio (Reorientação curricular para o Ensino Médio:
2006) -------------------------------------------------------------------------------------
132
Tabela 23:
Exemplo de questão aplicada de investigação linguística ------------------------
138
Tabela 24:
Exemplo de questão aplicada que mostra a combinação das palavras ----------
139
Tabela 25:
Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento de mundo --------------
142
Tabela 26:
Exemplo de questão aplicada que exige grande inferência -----------------------
144
Tabela 27:
Exemplo de questão aplicada pequena inferência ---------------------------------
145
Tabela 28:
Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento da estrutura do texto -
146
Tabela 29:
Respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão e
interpretação ----------------------------------------------------------------------------
147
Tabela 30:
Nossa proposta (Charaudeau: 1992; Carneiro: 2005) -----------------------------
158
Tabela 31:
Gêneros de acordo com o modo de organização do discurso predominante ---
159
Tabela 32:
Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso ---------
161
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1:
Texto publicitário da CVC ----------------------------------------------------------
50
Figura 2:
Tira “Os pescoçudos” de Caco Galhardo --------------------------------------------
193
Figura 3:
Foto dos cartazes e livros expostos na Feira Literária -----------------------------
195
Figura 4:
Foto dos cartazes e livros expostos na Feira Literária -----------------------------
195
Figura 5:
Foto do cartaz sobre o que são fábulas ----------------------------------------------
195
Figura 6:
Foto do cartaz que apresenta alguns provérbios e ditados populares ------------
196
Figura 7:
Foto do cartaz sobre La Fontaine -----------------------------------------------------
196
Figura 8:
Foto do cartaz sobre Esopo ------------------------------------------------------------
196
Figura 9:
Foto do cartaz sobre Leonardo da Vinci ---------------------------------------------
196
Figura 10:
Foto do cartaz sobre Millôr Fernandes ----------------------------------------------
197
Figura 11:
Foto do cartaz sobre Monteiro Lobato -----------------------------------------------
197
Figura 12:
Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos --------------------------
197
Figura 13:
Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos --------------------------
197
Figura 14:
Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos --------------------------
198
Figura 15:
Foto de página interna de livro produzido pelos alunos ---------------------------
198
Figura 16:
Foto de página interna de livro produzido pelos alunos ---------------------------
198
Figura 17:
Foto de página interna de livro produzido pelos alunos ---------------------------
198
Figura 18:
Foto de página interna de livro produzido pelos alunos ---------------------------
199
12
SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ------------------------------------------------------
14
2. O PROBLEMA E O CAMINHO TRAÇADO -----------------------------------
19
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
3.1. Leitura, texto, sentido e o papel da memória --------------------------------
3.1.1. A leitura como experiência social ----------------------------------------
3.1.2. Texto: lugar de produção de sentidos ------------------------------------
3.1.3. Fatores pragmáticos da textualidade -------------------------------------
3.1.3.1. Coesão: facilitadora da compreensão textual -----------------
3.1.3.2. Coerência: princípio de interpretabilidade do texto ----------
3.1.3.3. Exemplificando ---------------------------------------------------
3.1.4. Autor e leitor: “estrategistas” na produção de sentidos ---------------
3.1.5. O papel da memória na produção e processamento da linguagem --
26
26
28
31
35
38
44
46
62
3.2. A contribuição da Teoria Semiolinguística para o ensino de língua
materna -----------------------------------------------------------------------------
3.2.1. O que é a Teoria Semiolinguística? ---------------------------------------
3.2.2. O processo de semiotização de mundo: transformação e transação---
3.2.3. A mise en scène do contrato de comunicação---------------------------
3.2.4. Os componentes do “jogo” da comunicação ----------------------------
3.2.5. Sentido de língua/compreensão x sentido de discurso/interpretação -
65
65
67
73
76
81
3.3. Articulação de Teorias: a Semiolinguística e a Linguística ---------------
3.3.1. Compreender e interpretar: o texto como processo de decodificação
e interpretação da realidade ------------------------------------------------
3.3.2. O texto e suas múltiplas possibilidades de leitura: pressupostos e
inferências --------------------------------------------------------------------
86
86
91
13
3.4. O papel social da leitura e da escrita: o que é ser letrado? ---------------
3.4.1. Qual a origem da palavra letramento? ------------------------------------
3.4.2. É alfabetizado ou letrado? Letrar é mais que alfabetizar? -------------
3.4.3. O INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional ------------
3.4.4. O papel do educador na formação de indivíduos letrados -------------
100
101
102
104
109
3.5. Os gêneros textuais ---------------------------------------------------------------
3.5.1. Um retorno às origens... ---------------------------------------------------
3.5.2. Modos de organização do discurso, tipos e gêneros textuais...: o
estado atual ------------------------------------------------------------------
3.5.3. Os gêneros textuais e o ensino de língua materna ----------------------
3.5.3.1. A proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com
gêneros textuais ----------------------------------------------------
3.5.3.2. Os PCNs e o trabalho com gêneros textuais -------------------
113
114
116
122
123
126
4. ATIVIDADES E ENTREVISTAS EM ANÁLISE: O INÍCIO ---------------
4.1. Atividades realizadas por alunos -----------------------------------------------
4.2. Pesquisa realizada com professores -------------------------------------------
134
135
153
5. NOSSA PROPOSTA ------------------------------------------------------------------
5.1. Um trabalho de interpretação em sequências didáticas -------------------
5.2. Testagem da nossa proposta ----------------------------------------------------
156
156
163
6. AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS A SERVIÇO DA LEITURA E DA
INTERPRETAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ENSINO ------------------------
201
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------
222
8. REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------
227
RESUMO
ABSTRACT
14
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
(...) ou se educa para a emancipação (conscientização, politização) ou se educa
para a submissão (enquadramento, adaptação). (...)
(Silva, 2005a: 82)
Por se tratar de um capítulo que reflete um pouco a minha trajetória como estudante
e educadora e que também justifica o início dessa pesquisa, peço licença a você, leitor,
para expor alguns parágrafos do meu diário pessoal.
Em dezembro de 1997, concluí o Curso Normal e já, no ano seguinte, comecei a
lecionar em turmas do 1º Segmento do Ensino Fundamental. Não imaginava quantos
problemas enfrentaria a fim de levar o aluno a adquirir a proficiência no processo da leitura
e da escrita. Profissionalmente, não foi um ano de grandes avanços, pois os conhecimentos
que havia adquirido ainda me faziam reproduzir conceitos e exercícios em sala de aula,
sem muita significação para os alunos.
Foi também em 1998, que ingressei no Curso de Letras da Universidade Federal
Fluminense. O estranhamento inicial, aos poucos, foi-se tornando encantamento diante do
novo.
Em 2001 e 2002, fui bolsista de Iniciação Científica e desenvolvi dois trabalhos
voltados para a análise de textos publicitários escritos.
Ao final da Graduação, em 2003, iniciei o Curso de Especialização em Língua
Portuguesa e continuei os estudos no Curso de Mestrado (2004/2005). Tanto na
Especialização como no Mestrado, trabalhei com o texto publicitário escrito. O estudo
desse gênero textual mostra-se revelador de valores, aspectos culturais de um povo e
modos de expressão de uma época.
Em 2006, após várias pesquisas e elaboração de atividades de leitura, interpretação
e produção textual com propagandas escritas, deparei-me com um problema: muitos alunos
não conseguiam apreender o sentido do texto. Não conseguiam entender o que estava por
trás do código linguístico. Tal fato era perceptível não apenas com textos de publicidade
escrita, mas também com outros gêneros textuais, como piadas, provérbios, fábulas etc.
Onde estava o problema?
15
Estudo realizado por Marcuschi (2001: 47) sobre o tratamento dado à compreensão
de textos nos livros didáticos de Língua Portuguesa revela que
a língua é tomada como um instrumento de comunicação não problemático e
capaz de funcionar com transparência e homogeneidade. (...)
(...) O vocabulário, por exemplo, é quase sempre proposto numa definição
ou explicação por sinonímia (ou antonímia), esquecendo-se outros aspectos de
funcionamento, tais como o metafórico, o figurado e, em especial a significação
situada. A realidade fonológica da língua é suplantada com naturalidade já nas
2ª e 3ª séries do ensino fundamental. As estruturas e funções sintáticas são
identificadas linearmente e com segurança, sobretudo na perspectiva de uma
metalinguagem, pouco se tratando o caso tão complexo da variação, seja dialetal
ou social. A produção textual, quando exercitada, não é explicitada sequer para
o professor, quanto menos para o aluno.
Essa realidade descrita por Marcuschi (ibidem) mostra que a maioria dos livros
didáticos de Língua Portuguesa não leva o aluno a
analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,
relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,
organização das manifestações, de acordo com as condições de produção e
recepção. (PCN, 1999: 127)
O livro didático de Língua Portuguesa, sendo uma das ferramentas e, talvez, a mais
utilizada pelos professores, acaba não contribuindo muito na formação de leitores críticos,
capazes de interpretarem o que leem. Remetendo novamente a Silva (2005a: 82), ou se
educa para a emancipação ou para a submissão. Se o aluno não consegue perceber o que
está por trás do código linguístico em um texto e se o professor não se esforça para levá-lo
a realizar tal operação, está educando para a submissão. Onde não há
compreensão/interpretação, não há crítica.
Porém, a dificuldade em se trabalhar com conteúdos de interpretar nem sempre
revela falta de interesse do professor, pois
se, para as atividades gramaticais, o professor dispõe de uma descrição precisa
dos conteúdos que os alunos devem adquirir a cada série, para as atividades de
expressão escrita e oral, nas quais os saberes a se construir são infinitamente
mais complexos, ele tem tido de se contentar com indicações muito sumárias.
Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a
escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se
16
desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que pudéssemos
ensiná-la sistematicamente. (Dolz & Schneuwly, 2004: 50)
O trabalho escolar, no domínio da interpretação e produção de linguagem, faz-se
sobre os gêneros. Eles constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e
o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. O problema
está em como os professores trabalham esses variados gêneros textuais. Infelizmente, a
prática tem-nos mostrado que, em muitas salas de aula, o texto tem sido um pretexto para o
ensino de gramática e não é explorado em suas múltiplas possibilidades de sentido.
Tal problema é detectado por muitos educadores e pesquisadores, como Kleiman
(2004: 56), levando-a a afirmar que
se o aluno é capaz de decodificar o texto escrito, se ele é capaz de utilizar a
informação sintática do texto na leitura, e se, ademais, ele já completou a
aquisição da língua materna, as dificuldades que ele revela na compreensão do
texto escrito são decorrentes de estratégias inadequadas de leitura. A prática
mencionada, a utilização do texto como pretexto da aula de gramática,
certamente contribui para a formação de estratégias de leitura inadequadas,
pela ênfase que coloca nos aspectos seqüenciais
1
e distribucionais dos
elementos lingüísticos do texto, justamente aqueles elementos que não são
constitutivos do texto enquanto unidade de significação.
Assim, com o intuito de reformular toda a Educação Nacional, o Ministério da
Educação, em colaboração com as demais Secretarias, publicou os PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais). Nesse documento, foi dada maior atenção à finalidade de
qualquer ato de linguagem: “a produção de sentido”. (PCN, 1999: 125). De acordo com os
PCNs,
(...) Na e com a linguagem, o homem reproduz e transforma espaços produtivos.
A linguagem verbal é um sementeiro infinito de possibilidades de seleção e
confrontos entre os agentes sociais coletivos. A linguagem verbal é um dos
meios que o homem possui para representar, organizar e transmitir de forma
específica o pensamento. (PCN, 1999: 125-6)
Nesse contexto, o professor de língua portuguesa tem a tarefa de motivar os alunos
para a produção e a leitura de diferentes textos. Nos dias de hoje, saber ler e escrever
1
Mantivemos a ortografia original das citações.
17
tem-se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas
contemporâneas. É preciso ser capaz de não apenas decodificar sons e letras, mas também
de entender os significados e usos das palavras em diferentes contextos.
Segundo Vargas (2000: 7-8), a estrutura educacional brasileira tem formado mais
ledores que leitores. Para a autora, a diferença entre uns e outros está
na qualidade da decodificação, no modo de sentir e de perceber o que está
escrito. O leitor, diferentemente do ledor, compreende o texto na sua relação
dialética com o contexto, na sua relação de interação com a forma. O leitor
adquire através da observação mais detida, da compreensão mais eficaz, uma
percepção mais crítica do que é lido, isto é, chega à política do texto. A
compreensão social da leitura dá-se na medida dessa percepção. Pois bem, na
medida em que ajudo meu leitor, meu aluno, a perceber que a leitura é fonte de
conhecimento e de domínio do real, ajudo-o a perceber o prazer que existe na
decodificação aprofundada do texto.
Diante disso, como formar leitores? Se a “educação é transformação do homem e
do mundo” (Silva, 2005b: 77), como fazer com que o aluno perceba as sutilezas em um
texto? Como levá-lo a ultrapassar a compreensão (“sentido de língua”
2
) e chegar a
interpretação (“sentido de discurso”)? Existem conteúdos de interpretar? Como tornar o
ensino de leitura/compreensão/interpretação em produção de sentidos? Esse é o problema
sobre o qual nos debruçamos na tentativa de encontrar possíveis soluções para resolvê-lo.
Assim, a fim de tentarmos responder algumas dessas perguntas, no próximo
capítulo, levantamos nossa hipótese com base no que pudemos observar nas atividades
de interpretação e em entrevistas realizadas nas escolas.
Ainda no segundo capítulo, tratamos tanto dos objetivos a serem atingidos ao se
trabalhar com conteúdos de interpretar a partir dos modos de organização do discurso e de
vários gêneros textuais, quanto dos procedimentos metodológicos.
A partir do terceiro capítulo, apresentamos o arcabouço teórico-metodológico no
qual nos apoiamos para desenvolver esse estudo. Tomamos por base não só a Teoria
2
Para Charaudeau (1995a, 1999: 29), “sentido de língua” trabalha apenas com um signo linguístico capaz de
associar o significante a um significado pleno nas suas relações sintagmáticas e paradigmáticas. Já no
“sentido de discurso”, o signo remete a algum significado, mas este não pode ser visto a partir de um valor
absoluto e autônomo, mas apenas como portador de um sentido potencial que precisa ser articulado com
outros signos e com a prática social.
18
Semiolinguística de Análise do Discurso, como também os pressupostos da Linguística do
Texto, focalizando, em particular, o texto e a produção de sentidos.
O capítulo da fundamentação teórica faz relação com a prática e nos ajuda a
entender melhor o que acontece no processo de leitura/compreensão/interpretação de
textos.
No quarto capítulo, são analisadas as atividades de compreensão e de interpretação
e as entrevistas com professores que deram início a todo esse trabalho. A dificuldade
apresentada por alunos de diferentes níveis de ensino em ler e interpretar um texto foi o
que nos motivou a tentar relacionar uma lista de conteúdos, que trabalhados de forma
sistemática em sala de aula, pudessem preparar melhor os alunos para entenderem o que
leem.
No quinto capítulo, apresentamos a nossa proposta de trabalho baseada em alguns
aspectos nas sequências didáticas de Dolz e Schneuwly (2004). Ainda no quinto capítulo, a
fim de verificar a funcionalidade da nossa proposta, fizemos a testagem de um módulo
sobre o gênero fábula - módulo este que é parte da sequência didática que aborda a
narração - com alunos do 1º Ano do Ensino Médio.
No sexto capítulo, organizamos um exemplo de sequência didática. Mais que uma
proposta, é uma tentativa de ajudar nossos alunos a entenderem melhor o mundo que os
rodeia.
Enfim, após o sexto capítulo, apresentamos nossas considerações finais a respeito
desse estudo, acreditando que, certamente, estaremos contribuindo, de alguma forma, para
a ampliação da visão quanto às formas de ensino da língua materna, tão desgastado nas
escolas, pelo modo tradicional e superficial como tem sido desenvolvido.
Estamos de acordo com Silva (2005b: 97) quando afirma que
(...) as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem
chegar analfabetas. Elas talvez não saiam analfabetas, mas podem sair
ignorantes...
Diante dessa realidade, a nossa proposta é que o exercício de
leitura/compreensão/interpretação seja significativo, a fim de que os educandos não
deixem a escola analfabetos e, muito menos, ignorantes.
19
2. O PROBLEMA E O CAMINHO TRAÇADO
Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não
consegue extrair sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em
sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais,
justamente porque ela não faz sentido.
(Kleiman, 2007: 16)
Os alunos, de modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar o que leem,
independentemente do grau de escolarização.
A hipótese levantada é a de que existem “conteúdos” de interpretação que não são
trabalhados de forma sistemática nas escolas, o que leva os alunos, de modo geral, a ter
dificuldades para interpretarem o que leem.
Diante dessa realidade, a nossa proposta de trabalho tem como ponto central propor
“conteúdos de interpretar” e apresentar sugestões de atividades, em sequências didáticas,
envolvendo conteúdos voltados para a interpretação, a partir dos modos de organização do
discurso, configurados em diferentes gêneros.
Para tanto, o professor precisa desenvolver trabalhos em sala de aula com diversos
gêneros textuais, o que não só estimula o aluno à prática social da leitura, como também o
leva a integrar-se ao meio social em que vive e à realidade, de modo a tornar-se um
cidadão consciente e participante, uma vez que, ao perceber o que está nas entrelinhas de
cada texto, estará tomando consciência do contexto histórico, social, econômico e cultural
em que vive.
Além disso, ao trabalhar com uma variedade de textos, o professor poderá mostrar
que, dependendo dos objetivos visados, um texto pode ser estruturado de formas diversas.
Atividades, a partir da interação com o texto, possibilitam o desenvolvimento de
habilidades de reflexão, interpretação, análise, síntese e avaliação. Ao interagir com o
texto, o aluno terá a possibilidade de articular seus conhecimentos de mundo com as
informações presentes no texto; estabelecer relações não só entre as partes desse texto,
como também estabelecer relações com outros textos; identificar relações linguísticas e
extralinguísticas entre fatos e ideias; interpretar comparações, metáforas, ironias etc.;
realizar inferências, relacionando-as ao seu conhecimento de mundo e/ou partilhado; em
20
suma, reconhecer fatores fundamentais da textualidade e as marcas linguísticas que a
estabelecem.
Se o aluno for habituado à prática da leitura, estará não só desenvolvendo a
habilidade de apreensão do(s) sentido(s) dos textos, assim como percebendo que podemos
nos expressar de várias formas e, com isso, obtermos efeitos de sentido diferentes.
Assim, para desenvolvermos esta pesquisa, partimos da análise de
(a) atividades de compreensão e de interpretação de variados textos realizadas por alunos
de níveis de ensino diversos, em 2006, 2007, 2008 e 2009 e
(b) de entrevistas com professores em 2006 e 2007 sobre quais conteúdos são trabalhados
por eles em interpretação textual, para ao final, propormos atividades com “conteúdos de
interpretar, a partir de sequências didáticas, envolvendo diferentes tipos e gêneros
textuais.
Em relação às atividades propostas aos alunos, elaboramos 43 atividades com
gêneros textuais diferentes: piada, provérbio, charge, propaganda escrita, bula de remédio,
receita culinária, fábula, conto, reportagem de jornal e poema. Ao todo, foram elaboradas
120 questões, pois cada atividade podia apresentar uma, duas, três ou quatro questões.
A fim de facilitar a análise dos dados, no capítulo 4, as questões propostas foram
organizadas em dois grandes grupos: questões relativas à camada linear do texto (questões
de coesão que levam à compreensão) e questões relativas à camada reticulada do texto
(questões de coerência que levam à interpretação)
3
.
Tal classificação leva em consideração os conceitos sentido de língua/compreensão
e sentido de discurso/interpretação. (Cf. Charaudeau: 1995a; 1999: 29).
As atividades com os alunos foram desenvolvidas em quatro escolas, aqui
chamadas de A, B, C e D. Todas essas quatro escolas são públicas. Em cada escola, foram
escolhidos, de forma aleatória, trinta alunos para realizarem as atividades. Nas escolas A,
B e C, as atividades aplicadas foram divididas entre as duas séries avaliadas do Ensino
Fundamental (quinze alunos de cada série). Na escola D, por se tratar de Ensino Médio, as
3
Feres (2003) faz essa distinção entre camada linear, correspondendo ao sentido de língua/compreensão e
camada reticulada, correspondendo ao sentido de discurso/interpretação.
21
trinta atividades foram divididas entre o 1º, 2º e 3º Anos (dez em cada ano). Ao todo,
foram avaliados 120 alunos, cujo perfil consta em anexo.
Um mesmo aluno realizou mais de uma atividade. Assim, o número de respostas
analisadas ultrapassou o número de questões elaboradas, como veremos no capítulo 4. Em
anexo, consta apenas uma amostragem do corpus, tendo em vista o grande número de
atividades realizadas.
A seguir, apresentamos alguns dados de cada escola onde realizamos as atividades.
? Escola A: Municipal, em Niterói.
Turnos: 1º e 2º (1º Segmento do Ensino Fundamental)
Total de alunos da escola: aproximadamente 800.
Séries avaliadas: 4º e 5º anos (3ª e 4ª séries) do Ensino Fundamental
Regular.
Ano de realização das atividades: 2007.
Na escola A, as atividades foram realizadas apenas com alunos do 4º e 5º Anos,
tendo em vista que são alunos que já estão concluindo o 1º Segmento do Ensino
Fundamental e, sendo assim, espera-se que tenham mais facilidade na leitura e na escrita.
? Escola B: Municipal, em São Gonçalo.
Turnos: 1º (1º Segmento do Ensino Fundamental)
2º (2º Segmento do Ensino Fundamental)
3º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental na modalidade EJA
Educação de Jovens e Adultos).
Total de alunos da escola: aproximadamente 1400.
Séries avaliadas: Grupo III Fases 1 e 2 (3ª e 4ª séries) da EJA.
Ano de realização das atividades: 2006 e 2007.
Nessa escola, desenvolvemos atividades apenas com os alunos do Grupo III Fases
1 e 2. Mesmo sendo alunos mais velhos, tendo em vista que a idade mínima é de 15 anos, a
dificuldade para realizar as atividades é a mesma apresentada pelos alunos do Ensino
Fundamental Regular.
22
Os alunos da escola A, em sua maioria, são crianças e menores de 15 anos. Já na
escola B, a idade mínima é de 15 anos. Assim, nessa última escola, trabalhamos com
adolescentes, adultos e idosos.
? Escola C: Municipal, em São Gonçalo.
Turnos: 1º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental)
2º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental)
3º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental na modalidade EJA
Educação de Jovens e Adultos).
Total de alunos da escola: aproximadamente 3500.
Séries avaliadas: 8º e 9º Anos (7ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental
Regular.
Ano de realização das atividades: 2008.
Na escola C, fizemos a pesquisa com duas turmas do 1º turno (8º e 9º Anos) do
Ensino Fundamental. A escolha das turmas foi feita aleatoriamente.
? Escola D: Estadual, em São Gonçalo.
Turnos: 1º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental e Ensino Médio
Formação Geral)
2º (Ensino Médio Formação Geral e Curso Normal)
(2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio
Formação Geral).
Total de alunos da escola: aproximadamente 3600.
Séries avaliadas: 1º, 2º e 3º Anos do Ensino Médio Regular.
Ano de realização das atividades: 2007 e 2009.
Na escola D, fizemos a pesquisa com os alunos do 2º turno, tanto do Curso Normal,
quanto do Curso de Formação Geral. As turmas foram escolhidas aleatoriamente.
As atividades desenvolvidas nas escolas nem sempre foram iguais para todos os
alunos. Não tivemos o objetivo de comparar rendimento de turmas e séries. Procuramos
diversificar, a fim de termos mais clareza sobre que conteúdos faltam ao aluno para que ele
possa interpretar corretamente textos variados.
23
Os textos escolhidos foram piadas, provérbios, charge, propagandas escritas, bula
de remédio, receita culinária e outros. Procuramos trabalhar com textos diversificados. Um
mesmo texto serviu, também, de atividade para diferentes níveis. Tivemos apenas o
cuidado de não aplicar uma atividade cujo conteúdo não fosse compatível com a série.
Em 2009, nos meses de maio, junho e julho, com o intuito de verificar a validade
deste trabalho, aplicamos uma atividade de leitura e interpretação com o gênero fábula (1ª
atividade), com 35 alunos do 1º Ano do Ensino Médio. Essa atividade foi realizada sem
que os alunos tivessem qualquer explicação prévia a respeito do modo de organização do
discurso e do gênero selecionado. A fábula escolhida foi “O gato e o galo” de Esopo.
Foram elaboradas quatro questões de compreensão e nove questões de interpretação. As
questões de interpretação são em número maior, tendo em vista que este é o foco do nosso
trabalho. Além do exercício, os alunos deveriam escrever uma fábula.
Nas aulas subsequentes à aplicação dessa primeira atividade, desenvolvemos um
trabalho com o modo de organização narrativo e com o gênero fábula, a fim de que os
alunos percebessem melhor as respectivas características e objetivos. Trabalhamos com as
características principais de uma narrativa (2ª atividade), em seguida, realizamos a leitura e
a interpretação de outra fábula “O cavalo e o burro”, de Monteiro Lobato (3ª atividade) e
fizemos a leitura e discussão de outras fábulas (4ª atividade).
Após esse trabalho, aplicamos uma outra atividade semelhante à primeira com os
mesmos alunos, com o mesmo modo de organização do discurso e gênero textual, trocando
apenas o texto (5ª atividade). A fábula escolhida foi O lobo e o cordeiro”, versão de
Monteiro Lobato. Foram elaboradas também quatro questões de compreensão e nove
questões de interpretação. Após o exercício, os alunos deveriam escrever uma fábula. Os
alunos realizaram a tarefa sem ajuda do professor.
E, por fim, aplicamos uma última atividade (6ª atividade) a fim de sanar algumas
dificuldades apresentadas na atividade anterior. Os alunos deveriam identificar, dentre
quatro textos, os que eram fábulas; identificar o tema que normalmente é abordado em
uma fábula; diferenciar autor, de narrador; identificar o foco narrativo e o tempo em um
texto narrativo. Além dessas questões, também foi revisado e fixado o que são
pressupostos.
Essa testagem teve por objetivo verificar até que ponto um trabalho sistemático
com “conteúdos de interpretar” ajuda o aluno a ler e entender melhor.
24
Os resultados dessa testagem são apresentados no capítulo 5 e as atividades e os
gráficos dos resultados constam em anexo.
Em relação à pesquisa realizada com os professores, responderam à entrevista
proposta (em anexo) quinze professores que atuam no 1º Segmento do Ensino
Fundamental (com graduação ou não, e inclusive, em Língua Portuguesa) e no 2º
Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio (com graduação em Língua
Portuguesa).
Em 2006 e 2007, dos professores entrevistados, três concluíram apenas o Curso
Normal (Formação de Professores na modalidade Ensino Médio) e doze têm Nível
Superior em alguma área. Desse grupo de professores, sete têm formação em Letras, cinco
são Especialistas, sendo três na área de Letras, três Mestres e um Doutor em Letras
Clássicas, como veremos na tabela a seguir.
Apenas cinco professores atuam no 2º Segmento do Ensino Fundamental (do 6º ao
9º Anos de Escolaridade) e Ensino Médio, na disciplina Língua Portuguesa. Os demais
(dez) atuam no 1º Segmento do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º Anos de Escolaridade).
Número de professores Cursos Concluídos
3 Curso Normal
12 Graduação: Letras: 7 professores
Arquivologia: 1
Pedagogia: 3
Psicologia: 1
5 Especialização: Linguística: 1
Língua Portuguesa: 2
Psicopedagogia: 3
Supervisão Escolar: 1
Obs.: Uma professora já fez três cursos de Especialização.
3 Mestrado: Letras Clássicas: 1
Literatura Brasileira e Teorias da Literatura: 1
Literatura Portuguesa: 1
1 Doutorado: Letras Clássicas: 1
Tabela 1 - Formação acadêmica dos professores entrevistados.
25
Os professores entrevistados, em sua maioria, têm entre 25 e 50 anos de idade e já
lecionam há mais de cinco anos. Todos atuam apenas no ensino público, seja municipal
e/ou estadual.
A partir dos dados levantados nos exercícios realizados pelos alunos e nas
entrevistas com professores, listaremos conteúdos que são necessários para a leitura e
interpretação de textos. As sequências didáticas são não só um elemento de análise, como
também a nossa proposta pedagógica para um trabalho efetivo de leitura e interpretação em
sala de aula.
Neste trabalho, a título de exemplo, organizaremos apenas uma sequência didática
(capítulo 6). O modo de organização do discurso escolhido foi o narrativo, tendo em vista
que, normalmente, é o mais trabalhado nas escolas.
Esperamos, assim, contribuir para a ampliação do número de leitores nas escolas,
que
o compromisso primeiro do professor de língua materna é auxiliar o aluno a
tornar-se um leitor autônomo e um produtor competente de textos. (Fiorin,
1996: 9)
26
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
3.1. Leitura, texto, sentido e o papel da memória
(...) o leitor pré-existe à descoberta do significado das palavras escritas; foi-se
configurando no decorrer das experiências de vida, desde as mais elementares e
individuais às oriundas do intercâmbio social e cultural circundante.
(Martins, 1994: 17)
Desde o momento em que os homens passaram a viver em sociedade, a
comunicação tornou-se imperativa. Somente através da comunicação os homens
conseguem trocar ideias e experiências.
3.1.1. A leitura como experiência social
Todas as sociedades têm uma prática discursiva que não se volta, necessariamente,
para uma prática objetiva imediata. Os discursos da sociedade fazem parte de uma
tradição, dando identidade a essa sociedade.
A escrita não foi o primeiro dos mecanismos de fixação cultural utilizado pela
humanidade. A transmissão oral da tradição, o uso de rituais e da dança, o apelo às artes
visuais precederam a escrita.
Hoje, sabemos que a leitura pode ser fonte de prazer, quando se consegue penetrar
no sentido por meio da percepção mais aprofundada do jogo das palavras que constroem o
texto. A verdadeira leitura ultrapassa os significantes e chega aos possíveis significados
permitidos pelo texto.
Nesse contexto, a leitura não é aceitação passiva, mas é construção ativa. Cada
leitura é uma nova escrita de um texto. O ato de criação não está somente na escrita, mas
na leitura. Autor e leitor são produtores do texto. Um mesmo texto multiplica-se em
infinitos textos, tantos textos quantas leituras houver. Cada leitura constituirá um novo
27
texto, produto de determinações múltiplas. Com isso, a leitura passa a ser entendida como
um ato social entre leitor e autor, que participam de um processo interativo. O leitor
constrói, e não recebe um significado pronto para o texto. Como afirma Martins (1994),
(...) a retomada do texto significa também uma nova postura diante dele; outras,
o fato de termos interrompido a leitura não nos impede de mergulharmos
novamente nela, como se narcotizados, mesmo havendo então emoções
diferenciadas. (p. 61)
(...) há tantas leituras quantos são os leitores, há também uma nova leitura a
cada aproximação do leitor com um mesmo texto, ainda quando mínimas as
suas variações. (...) (p. 79)
A releitura (...) pode apontar novas direções de modo a esclarecer dúvidas,
evidenciar aspectos antes despercebidos ou subestimados, apurar a consciência
crítica acerca do texto, propiciar novos elementos de comparação. (p. 85)
Assim, baseando-se numa concepção dialógica da língua, a leitura é vista como
uma troca de sentidos entre os sujeitos. Esses sujeitos são vistos como estrategistas,
construtores sociais, sujeitos ativos que dialogam, se constroem e são construídos no texto.
O sentido não é algo dado, pronto, mas é construído na interação texto-sujeitos,
considerando-se, para tanto, as “sinalizações” textuais dadas pelo sujeito comunicante e os
conhecimentos do sujeito interpretante.
Pelo exposto, pode-se dizer que a leitura não é comparável a nenhum outro meio de
aprendizagem e de comunicação, porque ela tem um ritmo que é governado pela vontade
do leitor; abre espaços de interrogação, de meditação e de exame crítico, isto é, de
liberdade; é uma correspondência não só com o livro, mas também com o nosso mundo
interior, através do mundo que o texto nos abre.
A leitura crítica nos possibilita sair da alienação, obrigando-nos a pensar, a
questionar. Lemos um texto a partir dos valores que a sociedade nos transmite. O homem
lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e
pensamentos. Aprendemos a partir do momento em que somos capazes de reformular
valores e opiniões, amadurecendo a cada nova leitura.
Segundo Jean-Paul Sartre (1989: 21),
(...) o escritor (...) desvenda o mundo e especialmente o homem para outros
homens, a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua
inteira responsabilidade. (...) a função do escritor é fazer com que ninguém
28
possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. E uma vez engajado
no universo da linguagem, não pode nunca mais fingir que não sabe (...).
Com isso, ao lermos um texto somos obrigados a tomar consciência de um fato. O
homem faz a história, mas a história não lhe é transparente. Ler, então, não é mera
decodificação de um aglomerado de palavras. Numa perspectiva ideal, aprende-se a ler
para ler criticamente o mundo que nos cerca. Ler, portanto, é um ato político somente
realizado pelo homem e exige uma constante capacidade de interação com o cotidiano do
mundo que está a nossa volta.
Assim, a leitura é um dos aspectos mais importantes para o homem como ponto de
partida para a aquisição de conhecimento, meio de comunicação e socialização. Ela abre as
portas para a criatividade e para a fantasia, indica caminhos.
O escritor traça uma imagem mais próxima do real e não a verdade sobre o real. O
real é filtrado pelos seus valores e princípios. Não existe uma única leitura de um texto.
Cabe ao leitor desvendar a ideologia que está implícita no texto, a fim de poder agir, fazer-
se sujeito. A história da leitura é, então, a história de cada um dos leitores.
3.1.2. Texto: lugar de produção de sentidos
Leitura, texto e sentido fazem parte do processo de interpretação. Se não existe
texto, seja ele verbal ou não-verbal, não há leitura e muito menos produção de sentidos.
A primeira dificuldade que o professor enfrenta ao tentar trabalhar com os alunos
estratégias de leitura que os levem a uma interpretação crítica é despertar neles o gosto
pela leitura. A primeira barreira parece ser o próprio texto. Porém, “formar leitores,
desenvolver competências em leitura e escrita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e
não pode sequer protelar.” (Antunes, 2009: 201).
Diante dessa tarefa, o que fazer quando os alunos não manifestam interesse em ler?
“Os meus alunos não gostam de ler e escrever” é, sem dúvida, a reclamação mais comum
ouvida entre professores. Por que essa realidade? Por que a leitura ocupa um lugar cada
vez menor no cotidiano das pessoas?
29
Ninguém gosta de fazer algo que acredita ser difícil demais, nem aquilo de que não
consegue extrair sentido. É dessa forma que, geralmente, a tarefa de ler e escrever é vista e
vivida em sala de aula: difícil demais, porque não faz sentido.
Segundo Antunes (2009: 201),
Não se nasce com o gosto pela leitura, do mesmo modo que não se nasce
com o gosto por coisa nenhuma. O ato de ler não é, pois, uma habilidade inata.
(...) o gosto por ler literatura é aprendido por um estado de sedução, de fascínio,
de encantamento. Um estado que precisa ser estimulado, exercitado e vivido.
Dessa forma, conversando com alunos de níveis de ensino diferentes, percebemos
que os mesmos não gostam de ler, porque sabem que, ao final da leitura, terão que
responder uma lista de questões que não fazem sentido para eles. Em alguns casos,
realmente, as perguntas não fazem sentido
4
; porém, na maioria das vezes, falta algum
conhecimento por parte dos educandos para que possam chegar aos implícitos do texto.
No discurso popular, circula a seguinte frase: “Só se aprende a fazer, fazendo”.
Assim, de nada adianta estudarmos teorias sobre textos, se não as praticarmos. Em sala de
aula, como desenvolver nos alunos competências de leitura e escrita, se eles não têm o
mínimo interesse em ler? Como fazer com que eles sintam prazer em ler e entender o que
leem? Que o texto exige do leitor? Que se entende por texto? Que significa ler?
Magda Soares apud Dell’Isola (2001: 8) afirma que
(...) a leitura não é uma atividade de mera decodificação, em que o leitor
aprende, compreende e interpreta a “mensagem” do autor, mas é processo
constitutivo do texto: é na interação autor/leitor que o texto é construído, é
produzido. Ou seja: o texto não preexiste à sua leitura, pois esta é construção
ativa de um leitor que, de certa forma, “reescreve o texto”, determinado por seu
repertório de experiências individuais, sociais e culturais.
Dessa forma, em se tratando de leitura e interpretação, tem-se por objeto de estudo
o texto. Mas, o que se entende por texto? Qual a diferença entre texto e discurso?
4
Remeto o leitor a dois trabalhos que fazem uma análise crítica das perguntas de exercícios de interpretação:
Marcuschi (2001, 1996) e Feres (2003).
30
Marcuschi (2008: 81-86) defende a ideia de que não se deve distinguir rigidamente
texto e discurso, pois segundo o autor, a tendência atual é ver um contínuo entre ambos
como uma espécie de condicionamento mútuo.
A idéia da visão complementar é importante e tem como conseqüência o
fato de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua no seu
aspecto genérico. (...) Adam (1999: 40) considera que “a separação do textual e
do discursivo é essencialmente metodológica”. Assim, de certo modo, a
distinção tende a anular-se e a se tornar menos significativa. (Marcuschi, 2008:
83).
Apesar da ideia de complementariedade defendida por Marcuschi, outros autores
preferem estabelecer alguma diferença, mesmo que apenas metodológica, entre texto e
discurso.
Meurer (1997: 16), baseando-se em Foucault (1972), Kress (1989) e Fairclough
(1992), define discurso como o conjunto de afirmações que, articuladas através da
linguagem, expressam os valores e significados das diferentes instituições e texto, como a
realização lingüística na qual se manifesta o discurso. Ainda segundo o autor (ibidem),
texto é uma entidade física, a produção lingüística de um ou mais indivíduos e discurso,
conjunto de valores, princípios e significados “por trás” do texto.
Segundo Feres (2003: 17), a origem da palavra texto ou tecido pressupõe
entrelaçamento de fios, superposições de camadas, enredamento de uma trama. Parte desse
tecido é construído pelo autor/produtor do texto e a outra parte, passível de mudança a cada
nova leitura, é produzida pelo leitor.
Como afirma Koch (2007: 30),
um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma
atividade comunicativa global, diante de uma manifestação lingüística, pela
atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional,
cognitiva, sociocultural e interacional são capazes de construir, para ela,
determinado sentido.
De acordo com essa concepção de texto, o sentido não está no texto, mas é
construído a partir dele, no curso de uma interação. Nesse contexto, os sujeitos são vistos
como entidades psicossociais, ativos e que (re)produzem o social na medida em que
participam ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, e são atores
31
na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia
existir. Como assinala Meurer (1997: 17),
(...) sempre que alguém escreve há uma expectativa de que o texto produzido
seja o reflexo de determinados discursos e que, portanto, espelhe as maneiras de
falar ou escrever das diferentes instituições que regulam a comunidade onde o
indivíduo está inserido.
Assim, na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais, e o texto é o próprio lugar da interação. Nele, os sujeitos
dialogam, constroem-se e são construídos. Dessa forma, no texto, há lugar para toda uma
gama de implícitos, cabendo ao leitor decifrá-los.
Azeredo (2004: 39) ao definir texto, também defende que o sentido faz parte de
uma produção em parceria:
(...) o texto é um produto da atividade discursiva. Em um texto circulam,
interagem e se integram formações várias, explícitas ou implícitas, evidentes por
si mesmas ou dependentes de interpretação. Por isso, um texto é
necessariamente fruto de uma construção de sentido em que cooperam quem o
enuncia e quem o recebe (...)
A partir das conceituações apresentadas, percebemos que o texto é considerado uma
unidade significativa (tanto para quem o produz, como para quem o recebe). Porém, para
que um texto seja considerado como tal e não como um amontoado aleatório de frases ou
palavras, é preciso que tenha textualidade ou textura, como veremos a seguir. Os fatores
responsáveis pela textualidade em um texto, como a coesão e a coerência, contribuem
também no processo de compreensão e interpretação, ou seja, na produção de sentidos.
3.1.3. Fatores pragmáticos da textualidade
Vários fatores são responsáveis pela textualidade, assim definida por Koch &
Travaglia (2000: 26):
32
textualidade ou textura é o que faz de uma seqüência lingüística um texto e não
um amontoado aleatório de frases ou palavras.
Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela textualidade:
a coerência, a coesão e a informatividade (centrados no texto), a intencionalidade e a
aceitabilidade (centrados nos interlocutores) e a situacionalidade e a intertextualidade
(centrados no contexto).
Gráfico 1 Fatores pragmáticos da textualidade
Fonte: Beaugrande e Dressler (1983)
Todos esses fatores contribuem para a produção e compreensão do texto, que se
constitui, assim, de um conjunto de pistas destinadas a orientar o leitor na construção do
sentido e, mais ainda, para realizar essa construção, o leitor terá de preencher lacunas,
formular hipóteses, testá-las, tudo isso por meio de inferências que exigem a mobilização
não só de seus conhecimentos pressupostos, como dos partilhados, do conhecimento da
situação comunicativa, do gênero textual etc. Verifica-se, assim, que a
produção/compreensão não se dá de forma linear e sequencial.
Dentre os sete fatores responsáveis pela textualidade (Cf. Beaugrande & Dressler,
1983), a coesão ajuda na compreensão do texto, tendo em vista seu caráter linear. Na
Coerência
Coesão
Informatividade
Intencionalidade
Aceitabilidade
Situacionalidade
Intertextualidade
TEXTO
INTERLOCUTORES
CONTEXTO
33
coesão, interessa o significado das palavras e suas regras de combinação analisadas na
estruturação mesma do texto.
Já a coerência é tida como um princípio de interpretabilidade do texto (Cf. Koch &
Travaglia, 2000: 47), num processo cooperativo entre produtor e receptor. Ela depende da
capacidade de cálculo do usuário, que aciona seu conhecimento linguístico, seus modelos
cognitivos, seu conhecimento de mundo, seu conhecimento partilhado e faz relações
semânticas e contextuais sempre esperando que exista sentido em determinado enunciado.
Os outros cinco fatores pragmáticos da textualidade - intencionalidade,
aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade e a informatividade - serão estudados
no grupo dos fatores que possibilitam a coerência (Cf. Koch & Travaglia, 2000),
juntamente com o conhecimento linguístico, o conhecimento de mundo, o conhecimento
partilhado, as inferências, os fatores pragmáticos
5
, a focalização e a relevância.
A seguir, reproduzimos um gráfico de Koch& Travaglia (2000: 103), que mostra a
coerência articulada a todos esses fatores mencionados.
5
Em Koch & Travaglia (2000), fatores pragmáticos que levam à coerência de um texto são: tipos de atos de
fala, contexto de situação, interação e interlocução, força ilocucionária, intenção comunicativa, características
e crenças do produtor e recebedor do texto etc. (p. 74)
34
Gráfico 2 Fatores responsáveis pela coerência
Fonte: Koch & Travaglia (2000: 103)
Passemos, agora, a analisar a coesão e a coerência, com suas respectivas
classificações.
Conhecimento
linguístico
Conhecimento de
mundo
Conhecimento
partilhado
Inferências
Fatores
pragmáticos
Situacionalidade
Intencionalidade
Aceitabilidade
Informatividade
Focalização
Intertextualidade
Relevância
Produtor
Texto
Receptor
Coerência
35
3.1.3.1. Coesão: facilitadora da compreensão textual
A coesão responde pela conectividade textual, constituindo, então, fator importante
da textualidade. É realizada por meio de marcas linguísticas, índices formais na estrutura
da sequência linguística e superfície do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já que se
manifesta na organização sequencial do texto.
Val (1999: 6), ao definir os mecanismos linguísticos da coesão textual, classifica-os
em dois grupos: o gramatical e o lexical. A coesão gramatical é estabelecida por meio de
pronomes anafóricos, de artigos, da elipse, da concordância, da correlação entre os tempos
verbais e das conjunções. Esses recursos estabelecem a coesão não apenas no interior de
uma frase, mas também entre frases e sequências de frases dentro de um texto.
A coesão lexical é feita, segundo a autora, pela reiteração, pela substituição e pela
associação. A reiteração é realizada pela simples repetição de um item lexical e também
pelo processo da nominalização. A substituição ocorre quando um termo é substituído por
seu sinônimo, ou antônimo, ou hipônimo, ou ainda, hiperônimo.
E, por último, a associação ocorre quando se relacionam itens de um vocabulário
pertinente a um mesmo esquema cognitivo (por exemplo, quando se fala em festa, pode-se
em seguida, mencionar bolo, presentes, música, esses termos sendo interpretados como
alusivos ao mesmo evento). A associação é um tipo de coesão que utiliza os
conhecimentos de mundo armazenados em forma de frames (Cf. tópico 3.1.5.).
COESÃO
GRAMATICAL
pronomes anafóricos
artigos
elipse
concordância
correlação entre os tempos verbais
conjunções etc.
LEXICAL
reiteração
substituição
associação
Gráfico 3 Coesão gramatical e lexical segundo Val (1999).
Fonte: Val (1999: 6)
36
Duarte (2003: 87-123) separa também a coesão em dois grupos: coesão gramatical
e coesão lexical, porém com subdivisões diferentes das propostas por Val (1999).
COESÃO
GRAMATICAL
Coesão frásica
Coesão interfrásica (junção)
Coesão temporal
Paralelismo estrutural
Coesão referencial
Exofórica
Endofórica Anáfora
Catáfora
Elipse
LEXICAL
Reiteração
Substituição
Sinonímia
Antonímia
Hiperonímia
Hiponímia
Holonímia
Meronímia
Gráfico 4 Coesão gramatical e lexical segundo Duarte (2003)
Fonte: Duarte (2003: 87-123)
Conceituaremos cada tipo de coesão, de acordo com a classificação de Duarte
(ibidem). Começaremos pelos tipos de coesão gramatical: (a) coesão frásica, (b) coesão
interfrásica, (c) coesão temporal, (d) paralelismo estrutural e (e) coesão referencial.
a) A coesão frásica engloba os processos de ordenação linear que estabelecem
ligações significativas entre os elementos linguísticos em nível sintagmático e oracional.
b) A coesão interfrásica indica os processos de sequencialização que exprimem
vários tipos de interdependência semântica das frases que ocorrem na superfície textual.
37
c) A coesão temporal designa a ordenação sequencial dos enunciados de acordo
com as condições conceptuais sobre localização temporal e ordenação relativa que
sabemos serem características dos estados de coisas.
d) O paralelismo estrutural caracteriza-se pela ocorrência, em trechos de textos
vizinhos, de traços gramaticais comuns (como tempo e aspecto, por exemplo), da mesma
ordem de palavras ou da mesma estrutura frásica.
e) A coesão referencial assinala, por meio de formas linguísticas apropriadas, se os
itens citados no texto estão aparecendo pela primeira vez, se estão sendo retomados ou se
fazem parte do espaço físico exterior ao texto, entre outras relações. A coesão referencial
pode ser exofórica (referencial) ou endofórica (co-referência).
Por meio da coesão exofórica o sujeito comunicante apresenta um dado objeto ao
sujeito interpretante. Esse objeto só tem uma identidade no contexto situacional e
discursivo.
Já a coesão endofórica consiste na identificação entre fragmentos textuais do ponto
de vista referencial. Tais fragmentos são considerados co-referentes e constituem uma
“cadeia anafórica”. Esse tipo de coesão, a endofórica, pode ser estabelecida por meio da
anáfora, da catáfora ou da elipse.
Se o antecedente vier antes dos termos anafóricos, tem-se a anáfora. Se o
fragmento textual que estabelece o referente da cadeia anafórica ocorrer no discurso
subsequente àquele em que surgem os termos anafóricos, tem-se a catáfora. E, por fim, a
elipse consiste em assinalar a anáfora por meio de uma categoria vazia.
Além da coesão gramatical, Duarte (2003) cita a coesão lexical, que pode ser
estabelecida por meio da (a) reiteração ou da (b) substituição.
a) A reiteração consiste na repetição de expressões linguísticas, o que lhes confere
identidade.
b) A substituição consiste na construção da coesão por meio do emprego de
expressões linguísticas com boa parte dos traços semânticos idênticos na sinonímia ou
opostos na antonímia; ou ainda, o emprego de itens que tenham entre si uma relação de
38
classe-elemento a hiperonímia ou de elemento-classe a hiponímia; por fim, a
primeira expressão pode manter com a segunda uma relação todo-parte a holonímia, ou
uma relação parte-todo a meronímia.
A coesão promove, então, a inter-relação semântica entre elementos do discurso.
3.1.3.2. Coerência: princípio de interpretabilidade do texto
A coerência estabelece o nexo entre os conceitos e não deve ser buscada
simplesmente na sucessão linear dos enunciados. A interpretação de um texto exige situá-
lo em seu contexto de ocorrência, ou seja, é preciso situá-lo num tempo e num espaço. A
coerência é estabelecida na interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre
dois ou mais usuários.
Assim, o estabelecimento da coerência depende de elementos linguísticos
(conhecimento e uso), do conhecimento de mundo, conhecimento partilhado pelo(s)
produtor(es) e receptor(es) do texto e fatores pragmáticos e interacionais (inferências,
contexto situacional, grau de informatividade, intertextualidade, intencionalidade e
aceitabilidade).
Cada um desses fatores se relaciona com outros fatores. O conhecimento
linguístico oferece marcas que possibilitam o cálculo de sentidos do texto. Diz respeito ao
conhecimento e uso das marcas linguísticas e à organização dos elementos em um
enunciado.
Koch & Travaglia (2000: 59) citam vários elementos de natureza linguística
importantes para a construção do sentido. Dentre eles estão a anáfora, as descrições
definidas, o uso dos artigos, as conjunções, os conectores interfrásticos, as marcas de
temporalidade, os tempos verbais, a repetição, a elipse, a subordinação e coordenação, a
substituição sinonímica, a ocorrência de signos do mesmo campo lexical, a ordem de
palavras, os marcadores conversacionais, o componente lexical e os conceitos e mundos
que se deflagram no texto, os fenômenos de recuperação pressuposicional, os fenômenos
de tematização etc.
39
Assim, para Koch & Travaglia (ibidem: 23) a coesão contribui para estabelecer a
coerência, pois para o sujeito interpretante chegar ao sentido global do texto sentido de
discurso precisa ter um certo conhecimento das marcas linguísticas - sentido de língua -
que compõem um determinado enunciado.
Dessa forma, o conhecimento linguístico que possibilita a interpretação tem por
objetivo o sentido de discurso. A origem das marcas linguísticas na coerência é a mesma
da coesão, porém, o enfoque é outro. Na coesão, as marcas linguísticas são vistas em seu
significado próprio, literal sentido de língua. Na coerência, essas marcas linguísticas
adquirem um sentido de discurso, plural, resultado da relação com todo o processo
enunciativo.
Outro fator que possibilita a coerência é o conhecimento de mundo. Diz respeito ao
conhecimento que se encontra armazenado na memória de cada indivíduo, quer se trate de
conhecimento do tipo declarativo (conhecimento sobre fatos do mundo), quer do tipo
episódico (conhecimento socioculturalmente determinado e adquirido por meio da
experiência).
O conhecimento de mundo auxilia a interpretação, a construção do mundo textual e
sua adequação aos modelos de mundo do produtor e do receptor do texto. A construção do
mundo textual vai depender das inferências que o receptor faz ou pode fazer. O
conhecimento de mundo, também no nível semântico, proporcionará a
unidade/continuidade de sentido para o texto e o grau de informatividade, ou seja, a
previsibilidade/imprevisibilidade da informação dentro do mundo textual.
Além do conhecimento de língua e de mundo, o leitor se vale do seu conhecimento
partilhado, ou seja, aquele conhecimento de mundo operado pelo emissor e pelo receptor
com certo grau de similaridade que ajudará na interpretação do texto.
Por inferência (estudaremos mais detalhadamente no tópico 3.3.2. deste capítulo)
entende-se aquilo que se usa para estabelecer uma relação, não explícita no texto, entre
dois elementos desse texto. Charolles (1987a) apud Koch & Travaglia (2000: 70-1) diz que
o processo de interpretação e reinterpretação é comandado pelo princípio da
coerência, que leva aquele que interpreta o texto a construir relações que não
estão expressas nos dados do texto: estas relações são as inferências que podem
ser ou não lingüisticamente fundadas.
40
Outros elementos responsáveis pela coerência são os fatores pragmáticos, que não
se confundem com os fatores pragmáticos da textualidade citados por Beaugrande e
Dressler (1983). Koch & Travaglia (2000) incluem, entre os elementos responsáveis pela
coerência de um texto, tipos de atos de fala, contexto da situação, interação e interlocução,
força ilocucionária, intenção comunicativa, características e crenças do produtor e
recebedor do texto etc., denominando todos esses elementos de fatores pragmáticos.
Vários desses elementos servem de pistas para o leitor reconhecer os objetivos, ou
propósitos que um falante, em dada situação de interação, pretende atingir, como o título, o
início do texto, o estilo de época, a corrente científica, filosófica, religiosa a que pertence,
a indicação de local, data etc.
A situacionalidade diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e
relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre a situação sociocomunicativa.
convenções que regem o funcionamento da linguagem na interação social e que
determinam, especificamente, qual tipo particular de texto é adequado a cada ato
comunicativo. Por exemplo, numa conferência, espera-se um texto de caráter dissertativo
ou argumentativo, com uma linguagem científica, diferentemente do texto esperado entre
namorados, ou ainda, em uma caixa de remédios. Cada situação comunicativa exige que se
escreva de acordo com um determinado gênero textual.
O contexto situacional está relacionado tanto com o nível semântico e o
conhecimento de mundo, quanto com a identificação de referentes e com o nível
pragmático. Dessa forma, a coerência depende do sujeito interpretante, que recebe o texto
e busca interpretá-lo, usando seus conhecimentos linguísticos, de mundo etc.
A intencionalidade e a aceitabilidade também fazem parte do grupo de fatores
responsáveis pela coerência de um texto. São centrados nos interlocutores.
A intencionalidade diz respeito ao trabalho do produtor em construir um texto
coerente, coeso, capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente numa determinada
situação comunicativa. O sujeito comunicante constrói o seu texto de modo a dar pistas ao
sujeito interpretante que lhe permitam construir o sentido desejado. O objetivo pode ser
informar, ou impressionar, ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender etc. Assim, a
intencionalidade, em outras palavras, diz respeito ao valor ilocutório do texto.
Já a aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. Diz respeito à
expectativa do sujeito interpretante de que o conjunto de ocorrências com que se defronta
41
seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos
ou a cooperar com os objetivos do produtor.
Princípios conversacionais, como os de Grice (1982), podem afetar a
produção/interpretação textual. Grice estabelece, como postulado básico que rege a
comunicação humana, o Princípio da Cooperação ("Faça com que sua contribuição
conversacional seja tal como é requerida no momento em que ocorre pelo propósito ou
direção do intercâmbio em que está engajado.") do qual decorrem quatro máximas:
Máxima da Quantidade ("Faça que sua contribuição seja tão informativa quanto for
requerido para o propósito corrente da conversação; não a faça mais informativa do que o
requerido."); Máxima da Qualidade ("Não diga o que acredita ser falso; não diga senão
aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada."); Máxima da Relação ("Seja
relevante", pertinente) e Máxima do Modo ("Seja claro").
Se uma dessas máximas for infringida, o cálculo do sentido pode ser prejudicado.
Entretanto, o locutor pode infringi-la intencionalmente, com o objetivo de comunicar um
sentido de maneira implícita e, consequentemente, provocar um cálculo mais complexo por
parte do interlocutor. Essa "infração" seria, então, considerada uma implicatura
conversacional. O receptor prefere supor que a infração aos princípios conversacionais é
intencional e significativa a simplesmente aceitar que seu interlocutor possa produzir um
discurso sem sentido.
Dessa forma, segundo o Princípio Cooperativo de Grice (1982), o postulado básico
que rege a comunicação humana é o da cooperação, isto é, quando duas ou mais pessoas
interagem por meio da linguagem, elas se esforçam em fazer-se compreender e procuram
calcular o sentido do texto do sujeito comunicante, ativando seu conhecimento de mundo,
da situação etc. e partindo das pistas oferecidas pelo próprio texto.
Assim, os usuários, numa situação comunicativa, sempre se assumem mutuamente
como cooperativos. O produtor do texto pressupõe, da parte do leitor, conhecimentos
textuais, situacionais e enciclopédicos e, orientando-se pela Máxima da Quantidade, não
diz coisas óbvias, informações consideradas redundantes. Com base na Máxima da
Relação, o sujeito comunicante verbaliza somente as unidades referenciais e as
representações necessárias à compreensão.
Na disputa pela palavra, é necessário ainda, ser sincero (Máxima da Qualidade) e
claro no que se enuncia (Máxima de Modo). Comunicar é conquistar o direito à palavra
(Charaudeau: 1994).
42
Mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente
coerente e não tenha explícitos os elementos de coesão, o sujeito interpretante vai tentar
estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, tendo em
vista os demais elementos responsáveis pela organização do sentido de língua e de
discurso de um texto.
A informatividade, centrada no texto, é avaliada em relação ao grau de novidade e
previsibilidade do texto. Quanto mais previsível, menos informativo será o texto para
determinado usuário, porque acrescentará pouco às informações que o recebedor já tinha
antes de processá-lo. O grau de informatividade de um texto varia de um indivíduo para
outro. Por exemplo, um manual de Física pode ser altamente informativo para um aluno do
Ensino Médio e absolutamente simples para um cientista.
A informatividade está relacionada ao equilíbrio entre a informação dada e a nova.
Também está relacionada à noção de leitor virtual (Orlandi, 2000: 10) e de leitor-modelo
(Maingueneau, 2001: 49-50). Para os autores, o leitor virtual ou leitor-modelo (TU
destinatário, para Charaudeau) é aquele inscrito no texto, constituído no próprio ato de
escrita. E o leitor real (TU interpretante, para Charaudeau) é aquele que efetivamente
entrará em contato com o texto, que pode coincidir, ou não, com o leitor virtual.
Um professor de Matemática, quando escreve um texto, idealiza, como seu leitor,
uma pessoa também da área de Ciências Exatas e que tenha um conhecimento sobre o
assunto tratado; um professor de Português, ao se deparar com um texto de Medicina,
certamente pouco, ou nada, entenderá, tendo em vista que ele não é o leitor-modelo para
esse texto. Nesse caso, o grau de informatividade é muito alto. Assim, o autor de um texto
atribui aptidões a uma imagem de leitor, ou seja, constrói a imagem de um leitor-modelo.
Ainda outro exemplo: um professor que esteja trabalhando com a noção de
"discurso" em duas turmas distintas - a primeira turma formada por iniciantes e a segunda,
por pessoas que já fizeram outros cursos sobre o assunto em questão - terá que trabalhar
com textos de níveis diferentes nessas turmas. O leitor virtual, ou seja, o leitor-modelo não
poderá ser o mesmo. Caso o professor se baseie apenas num leitor-modelo, correrá o risco
de não ser entendido, ou mal interpretado, já que seu público é formado por um leitor real,
que não conhece nada sobre o assunto e por um outro leitor real, que já leu ou estudou
sobre o tema. Assim, da mesma forma que esse professor não poderá usar o texto da
segunda turma para os iniciantes, porque correrá o risco de não ser compreendido, também
43
não poderá usar o texto feito para iniciantes na segunda turma, porque será considerado
cansativo, irrelevante.
O conhecimento de mundo, portanto, varia de um indivíduo para outro, o que faz
com que um texto seja altamente informativo para um e pouco, para o outro.
A focalização é tida como outro elemento facilitador da coerência. Trata-se da
atenção especial que o sujeito comunicante ou interpretante prestam a um dado ponto do
texto, tornando-o central naquela interação verbal. A perspectiva adotada em relação a um
determinado assunto, por exemplo, afeta, sem dúvida, a leitura por parte do interlocutor.
Este conseguirá se ausentar dessa influência se for capaz de inferir e perceber os objetivos
do produtor do texto.
A intertextualidade é também importante para a interpretação do sentido global do
texto. Como diz Maingueneau (1976: 39) apud Val (1999: 15), "um discurso não vem ao
mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação ao qual
ele toma posição".
Qualquer assunto pode, em princípio, propiciar um processo de relações entre
textos lidos. As leituras prévias funcionam como condicionadores de cada nova leitura. O
mesmo texto lido, em épocas diferentes, torna-se outro, pois, nesse intervalo de tempo, o
repertório do leitor se alterou. É necessário atentar para o fato de que a constituição desse
repertório não decorre apenas da vontade do leitor, mas também daquilo que lhe é
oferecido no processo de produção, circulação e consumo dos bens culturais.
Nesse sentido, não existe texto completamente original, porque toda escrita se apoia
em leituras prévias. Mesmo que não aconteça de forma explícita, é da observação de outros
fatos que criamos novas hipóteses.
E, por último, a relevância discursiva mostra que um texto é coerente quando o
conjunto de enunciados que o compõem pode ser interpretado como tratando de um
mesmo tópico discursivo, ou seja, um conjunto de enunciados será realmente relevante em
um enunciado se eles forem interpretáveis como atribuindo algo sobre um mesmo tema.
44
3.1.3.3. Exemplificando
Para exemplificar os fatores da textualidade, citamos um enunciado extraído de
Koch (2007: 55) - "Pedro não foi classificado no concurso. O novo namorado de minha
irmã não anda realmente com muita sorte.", o leitor precisa utilizar os fatores mencionados
anteriormente para chegar ao sentido total do texto. O que o locutor faz é anunciar ao leitor
que Pedro é agora namorado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado. Além disso,
pode-se inferir que Pedro tem feito concursos e que não está conseguindo a classificação.
A palavra "sorte" pode, também, não estar sendo relacionada apenas à situação de
concurso, mas à outra.
Em um enunciado aparentemente simples, vários fatores facilitam a compreensão.
Quem não souber o que é um concurso e, ainda, que a pessoa pode ser aprovada, mas não
classificada, não entenderá o sentido global do texto.
No exemplo citado, pelo mecanismo da coesão, o nome "Pedro" é retomado por "o
novo namorado de minha irmã". A retomada por uma expressão definida implica sempre
uma escolha dentre as propriedades ou qualidades que caracterizam o referente. Além
disso, essa escolha é feita de acordo com as propriedades que, em dada situação de
interação, em função dos propósitos a serem atingidos, o produtor do texto tem interesse
em ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas do seu leitor (interlocutor).
Embora coesão e coerência constituam fenômenos diferentes, opera-se, muitas
vezes, uma ligação entre eles por ocasião da organização textual.
Para Charolles (1978), um texto coerente e coeso satisfaz a quatro requisitos, ou
como chama o autor, metarregras: a repetição, a progressão, a não-contradição e a
relação. Val (1999: 21) atribui outro nome à primeira e à última metarregras, a saber
continuidade, progressão, não-contradição e articulação.
A primeira metarregra chamada de repetição diz que um texto é coerente quando
tem, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita. A repetição (a
reiteração de palavras e expressões) e a paráfrase (a retomada de ideias, formuladas de
maneira diferente), por exemplo, na construção de textos, têm um papel fundamental para
manter o tema, deixar mais claro aquilo de que se fala em cada passagem e tornar mais
inteligível para os interlocutores alguma ideia representando-a em outros termos.
45
A segunda metarregra diz respeito à progressão. Para que um texto seja coerente é
preciso que haja, no seu desenvolvimento, uma contribuição semântica constantemente
renovada. Não basta que um texto mantenha a coerência temática, é preciso, também,
mostrar que tem algo a dizer, desenvolvendo-se e apresentando novas ideias. É preciso
haver um equilíbrio entre a informação velha (o dado) e a informação nova (o novo).
Segundo Koch (2007: 38), a informação dada - aquela que se encontra na
consciência dos interlocutores - tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para
receber a informação nova. Com ancoragem na informação dada, opera-se a progressão
textual, por meio da introdução de informação nova, estabelecendo-se, assim, relações de
sentido.
A terceira metarregra de Charolles (1978) é a não-contradição. Não deve ser
introduzido, num texto, nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou
pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência. Essa
metarregra diz respeito à lógica interna do texto. Um texto não pode negar o que afirmou,
ou afirmar o que negou.
A metarregra da não-contradição também diz respeito à relação entre o "mundo
textual" e o conhecimento de mundo do interlocutor. O interlocutor tende a considerar
coerente o texto que lhe parece verossímil, verdadeiro, fidedigno, sustentável, de
argumentação consistente.
Para Charolles (1978), a não-contradição se manifesta, no plano da coesão, por
meio de marcas linguísticas que estabelecem o regime enunciativo do texto, situando o que
foi dito no tempo, no espaço em relação às pessoas do discurso e, ainda, definindo
modalidades. Sinaliza-se a não-contradição pelo uso de dêiticos, pronomes, advérbios,
tempos e modos verbais, modalizadores e operadores argumentativos, que indicam a
posição do enunciador quanto àquilo que enuncia.
A quarta e última metarregra é chamada de relação. Segundo essa metarregra,
uma sequência de um texto é coerente quando os fatos que denotam no mundo
representado estão diretamente relacionados. No plano microestrutural, essa metarregra é
realizada por meio de conectivos e articuladores que sinalizam as relações semânticas entre
orações e entre partes do texto e indicam ao interlocutor a ordenação e organização
concebidas pelo locutor.
As quatro metarregras apontadas por Charolles (1978) permitem aos professores
operarem com o "conteúdo" do texto e com a manifestação verbal desse conteúdo guiados
46
por parâmetros consistentes, mas não inflexíveis, e que podem ser facilmente
compreendidos e aceitos pelos alunos. Para Val (2000: 46),
as meta-regras se mostram úteis em sala de aula porque "destrinçam" de que se
constitui a coerência, possibilitando ao professor orientações e avaliações mais
objetivas, menos dependentes de gosto ou crença pessoal, no trabalho com
textos. (...) O trabalho de Charolles enfatiza também essa necessária
relativização das meta-regras e não perde de vista que a coerência não é uma
questão que se resolva no âmbito do texto enquanto produto, mas, antes, é um
processo que se desenvolve na relação de interlocução.
Enfim, um texto se apresenta como uma rede. Todos os fatores pragmáticos da
textualidade devem estar muito bem articulados, a fim de que a cooperação aconteça e,
com isso, o interlocutor de uma situação comunicativa possa compreender e chegar ao(s)
seus sentido(s).
3.1.4. Autor e leitor: “estrategistas” na produção de sentidos
Produtor e interpretador do texto são estrategistas, tendo em vista que mobilizam
uma série de conhecimentos de ordem sociocognitiva, interacional e textual, com vistas à
produção do sentido.
Segundo Koch & Elias (2006: 19), fazem parte do jogo da produção de sentido
1. o produtor/planejador, que procura viabilizar o seu “projeto de dizer”,
recorrendo a uma série de estratégias de organização textual e orientando o
interlocutor, por meio de sinalizações textuais (indícios, marcas, pistas) para
a construção dos (possíveis) sentidos;
2. o texto, organizado estrategicamente de dada forma, em decorrência das
escolhas feitas pelo produtor entre as diversas possibilidades de formulação
que a língua lhe oferece, de tal sorte que ele estabelece limites quanto às
leituras possíveis;
3. o leitor/ouvinte, que, a partir do modo como o texto se encontra
lingüisticamente construído, das sinalizações que lhe oferece, bem como
pela mobilização do contexto relevante à interpretação, vai proceder à
construção dos sentidos.
47
Assim, autor e leitor são estrategistas sociais do texto. Isto porque, todo texto
constitui uma proposta de sentidos múltiplos e não de um único sentido. A leitura é
produzida à medida que o leitor interage com o texto. Como afirma Dell’Isola (2001: 28),
(...) Nenhum texto apresenta um sentido único, instalado, imutável,
depositado em algum lugar. Texto quer dizer “tecido”, não um produto, mas
uma produção. De igual maneira, a leitura não é um produto, antes, uma
produção. A leitura é produzida à medida que o leitor interage com o texto.
Ler um texto não é decodificar a mensagem. Para Marcuschi
6
(2008: 239), só se
pode falar em leitura quando há compreensão.
Ler e compreender são equivalentes. (...) ler equivale a ler
compreensivamente. (...)
A compreensão de texto é um processo cognitivo. (...)
(...) compreender é partir dos conhecimentos (informações) trazidos pelo
texto e dos conhecimentos pessoais (chamados de conhecimentos
enciclopédicos) para produzir (inferir) um sentido como produto de nossa
leitura. (...)
Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao
compreendermos um texto. (...)
Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens.(...)
O gráfico a seguir, procura retratar a natureza da leitura, o que ocorre quando um
sujeito estabelece um projeto de ler um texto e a resultante desse projeto. Identificar a
intenção do produtor do texto permite que o leitor construa, a partir de pistas fornecidas
pelo texto, possíveis significados. Além disso, pelo gráfico, fica evidente que, quando o
leitor consegue atribuir significados, ele é capaz de ver os horizontes do texto, ou seja,
ampliar a sua leitura, entendendo as experiências trazidas pelo texto.
6
O autor não faz distinção entre compreender e interpretar.
48
ATO DE LER
MUNDO
PERCEPÇÃO EXISTÊNCIA
DO SER
DOCUMENTOS LEITOR
Gráfico 5 Etapas do ato de ler
Fonte: Silva (2005b: 92)
Explicando o paradigma acima, Silva (2005b: 95) afirma que
o ato de ler inicia-se quando um sujeito, através da sua percepção, toma
consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao buscar a
intencionalidade, o sujeito abre-se para possibilidades de significação, para as
proposições de mundo que os signos do documento evocam ou sugerem.
Ao buscar a compreensão do texto, a partir das referências sugeridas pelos
signos impressos que compõem o documento, o sujeito executa as atividades de
constatação, cotejo e transformação. Na constatação, o sujeito situa-se nos
horizontes da mensagem, destacando e enumerando as possibilidades de
significação; no cotejo, o sujeito interpreta os significados atribuídos; na
transformação, o sujeito responde aos horizontes evidenciados, re-elaborando-os
em termos de novas possibilidades.
A leitura se manifesta, então, como a experiência resultante do trajeto
seguido pela consciência do sujeito em seu projeto de desvelamento do texto. É
essa mesma experiência (ou vivência dos horizontes desvelados através do texto)
que vai permitir a emergência do ser leitor. Por sua vez, os novos significados
apreendidos na experiência do leitor fazem com que este se posicione em relação
CONSCI
Ê
NCIA
DO DOCUMENTO
INTENCIONALIDADE
CONSTATAÇ
ÃO
COTEJO
TRANSFORMAÇÃO
ATRIBUIÇÃO DE
SIGNIFICADO
EXPERIÊNCIA
DOS HORIZONTES
DO TEXTO
POSICIONAMENTO
DO SER NO MUNDO
COMO LEITOR
ABERTURA DA CONSCIÊNCIA
PARA O TEXTO
POSSIBILIDADES DE MODIFICAÇÕES DO DOCUMENTO OU CRIAÇÃO DE NOVAS DERIVAÇÕES
LEITURA COMPREENSÃO
49
ao documento lido, o que pode gerar possibilidades de modificação do texto
evidenciado através do documento, ou seja, a incrementação dos seus
significados.
Pelo exposto, o ato de ler, como afirma Silva (2005b: 96),
sempre envolve apreensão, apropriação e transformação de significados, a
partir de um documento escrito. Leitura sem compreensão e sem recriação do
significado é pseudoleitura, (...).
E, o autor ainda expõe algumas dúvidas sobre o trabalho que é desenvolvido com o
texto nas escolas:
(...) Será que as escolas propõem leituras que levam à compreensão e re-
criação?
(...)
(...) Será que as escolas possibilitam a reflexão e a tomada de posição,
despertadas pelo ato de ler? (p. 96)
A leitura, sendo compromisso de todas as áreas (Cf. Neves et alli (Orgs.): 2007)
deve permitir que o sujeito interpretante não aprenda a repetir palavras, mas a dizer a sua
palavra. Como afirma Citelli (1994: 50) apud Seffner (2007: 113),
É necessário ter claro que desenvolver uma competência para a leitura (da
palavra) implica contribuir no sentido da formação de um cidadão mais pleno,
que possa, criticamente, se assenhorar de um mecanismo tradicionalmente
utilizado pela classe dominante. Tomar posse da palavra não para refazer o
circuito da discriminação, mas para forçar espaços de libertação.
Assim, para que isso ocorra, é necessário que o professor leve o aluno a reconhecer
e utilizar-se de estratégias ou pistas, como as citadas por Marcuschi (2008), a seguir, que o
auxiliem na busca do(s) sentido(s) de um texto.
Marcuschi (2008: 245) reproduz um gráfico proposto por Dascal & Weizman
(1987: 37), em que são explicitadas as pistas contextuais empregadas para a interpretação
de enunciados. Nesse gráfico, são citadas as seguintes pistas contextuais:
(A1) contexto extralinguístico específico: traços específicos da situação referida no texto.
(B1) contexto metalinguístico específico: traços específicos das circunstâncias linguísticas
relevantes para o enunciado em questão.
50
(A2) contexto extralinguístico “superficial”: suposições gerais sobre os traços de um dado
conjunto de situações.
(B2) contexto metalinguístico “superficial”: suposições gerais sobre a estrutura
convencional de um texto montado para determinado objetivo; suposições sobre
convenções dependentes de um certo registro.
(A3) conhecimento extralinguístico de fundo: conhecimentos de mundo gerais.
(B3) conhecimentos metalinguísticos de fundo: conhecimentos gerais sobre o
funcionamento da comunicação verbal.
Para Dascal e Weizman (1987) apud Marcuschi (2008: 247), todos os textos são,
em alguma medida, “opacos” e como tal requerem o contexto para sua interpretação.
A. PISTAS EXTRALINGUÍSTICAS B. PISTAS METALINGUÍSTICAS
específica (1) - _______ _ _ _ _ _ _ - (1) específica
superficial (2) - ____________ _ _ _ _ _ _ _ _ - (2) superficial
de fundo (3) - _______________ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ - (3) de fundo
Interpretação
Gráfico 6 - Pistas contextuais empregadas para a interpretação de enunciados
Fonte: Marcuschi (2008: 245)
Vejamos um exemplo:
Significado do enunciado
Co-texto sequencial
51
Blue Dream. O navio mais moderno na costa brasileira.
92% das cabines são externas, 72% delas com varanda.
CVC Um estilo de navegar
Isto É: 05/11/03
Figura 1 Texto publicitário da CVC
Fonte: Revista Isto É (05/11/03)
As pistas contextuais podem ser acionadas da seguinte forma na leitura e
interpretação do texto publicitário da CVC:
(A1) contexto extralinguístico específico: leva-nos a inferir que uma pessoa que compra
um Cruzeiro como o anunciado pela CVC tem um padrão de vida alto, gasta muito com
viagens, tem muito dinheiro etc.
(B1) contexto metalinguístico específico: ênfase nas adjetivações e nas vantagens do
Cruzeiro Blue Dream, a fim de levar o leitor a se identificar com o produto anunciado.
(A2) contexto extralinguístico “superficial”: no caso do Cruzeiro, pode-se imaginar as
pessoas que lá comparecem, seus modos, seus trajes etc., algo como os frames” ou
scripts”.
(B2) contexto metalinguístico “superficial”: estratégias linguísticas utilizadas pelo texto
publicitário a fim de levar o leitor a compra.
(A3) conhecimento extralinguístico de fundo: conhecimentos do tipo as pessoas se
vestem, as pessoas comem para sobreviver, as pessoas trabalham para ganhar dinheiro, as
pessoas se divertem etc..
(B3) conhecimentos metalinguísticos de fundo: conhecimentos gerais sobre a língua, tanto
para falar como para entender; conhecimento de regras gerais de interação etc..
52
Assim, o destinatário (sujeito interpretante) de um texto guia-se por dois tipos de
pistas contextuais: extralinguísticas (conhecimentos de mundo) e metalinguísticas
(conhecimentos de convenções e estruturas linguísticas). Em cada tipo de pistas, são
postulados níveis que vão desde o específico (conhecimento imediato) até o mais distante
(propriedades convencionais, fatos, crenças).
Como leitura e produção textual são atividades paralelas, reproduziremos um
gráfico proposto por Meurer (1997: 25), em que o autor aborda traços linguísticos e
sociocognitivos do ato de escrever.
Gráfico 7 Diagrama do modelo de produção de textos
Fonte: Meurer (1997: 25)
Fatos/Realidade
B - Texto
M
O
N
I
T
O
R
História Discursiva Individual
Discursos institucionais
Práticas Sociais
Parâmetros de Textualização
A
- Representação mental de fatos/realidade por
parte do escritor
Focos de atenção
E - Sumário, esquema etc.
D - Macroestrutura
C - Representação mental do texto produzido até então
53
Para Meurer (ibidem), a produção textual (Módulos A e B) se inicia a partir de uma
motivação espontânea (história discursiva individual) ou imposta (discursos institucionais;
práticas sociais).
A partir da motivação, o escritor inicia o percurso da produção textual, formando
uma representação mental dos fatos/realidade a que quer se referir (Módulo A).
A representação mental criada pelo escritor é controlada por um monitor (um
aparato mental complexo que planeja e executa o processo de escrever), cujo
funcionamento depende dos parâmetros de textualização (objetivo do texto, identidade do
escritor e do leitor, tipo de gênero textual...) (Cf. Meurer, 1997).
Assim, após ter produzido uma primeira parte ou uma primeira versão do texto que
pretende escrever (Módulos A e B), o escritor assume a função específica de leitor do seu
próprio texto (Módulos C, D e E). Na função de leitor, segundo Meurer (ibidem: 25-26),
o escritor experiente lê o seu texto, tentando trazer para o ato de leitura um
aparato mental monitorador enriquecido pela consciência de parâmetros de
textualização aprovados e pela consciência das práticas sociais e dos discursos
institucionais relevantes para a situação de produção e de consumo de cada texto
específico.
Dessa forma, a leitura faz parte do próprio ato de escrever. Escrevemos e, ao
mesmo tempo, monitoramos, por meio da leitura, o que produzimos, assumindo, portanto,
o papel de um sujeito interpretante, que busca apreender o que está por trás das palavras.
Como afirma Silva (2005b: 63),
(...) o próprio autor, ao acabar de escrever seu texto morre como autor e
transforma-se, ele próprio, num leitor. (...)
Texto e leitor são o ponto de partida para a compreensão; esta só se dá quando
ambos entram em contato. O texto torna-se unidade de sentido na interação com o leitor. A
leitura possibilita que o leitor se posicione diante do texto, perceba as intenções do
produtor, faça cálculos de sentidos possíveis e ultrapasse a simples compreensão. Quando
o leitor é capaz de identificar os sentidos possíveis que estão escondidos sob significantes e
consegue vislumbrar a intencionalidade do autor, relacionar o texto com o mundo,
podemos dizer que chegou ao nível da interpretação.
54
Em Dell’Isola (2001), encontramos várias definições do que é leitura. Todos os
autores citados afirmam que a leitura é produção. Citaremos algumas definições.
Leitura é um processo psicolingüístico pelo qual o leitor um usuário da
língua reconstrói, o melhor que pode, uma mensagem que foi codificada pelo
escritor como uma exibição gráfica. (...) (Goodman (1973) apud Dell’Isola
(2001: 29))
Leitura é um processo de seleção que se dá como um jogo, com avanço
para predições, recuos para correções, não se faz linearmente, progride em
pequenos blocos ou fatias e não produz compreensões definitivas. (Marcuschi
(1985: 3) apud Dell’Isola (2001: 30)).
O texto não preexiste a sua leitura, e leitura não é aceitação passiva, mas é
construção ativa: é no processo de interação desencadeado pela leitura que o
texto se constitui. (Soares (1988: 1) apud Dell’Isola (2001: 34)).
A leitura é o momento crítico da constituição do texto, é o momento
privilegiado da interação, aquele em que os interlocutores se identificam como
interlocutores e, ao se constituírem como tais, desencadeiam o processo de
significação do texto. (Orlandi (1983: 173) apud Dell’Isola (2001: 35)).
Metaforicamente, a leitura pode ser entendida como um passaporte para a interação
com o mundo. No termo passaporte subentende-se “permissão legítima”, o que nos leva a
ver a leitura - não apenas da palavra, mas do mundo - como um meio ou, talvez, o meio de
interação legítima do leitor com o mundo. A falta de leitura pode imobilizar o homem no
sentido de que ele terá mais dificuldade para entender o mundo e tomar a sua palavra.
Assim, percebemos nas definições citadas por Dell’Isola (2001) palavras-chave
como reconstrução de mensagem, jogo, construção, interação, mostrando que ler é uma
atividade muito mais complexa do que se imagina. Isso porque, na leitura de um texto, nem
todas as informações se encontram explícitas.
Koch (2007: 30) defende a ideia de que o sentido não está no texto, mas se constrói
a partir dele, no curso de uma interação. E para ilustrar tal ideia, recorre à metáfora do
iceberg: como este, todo texto possui apenas uma superfície exposta e uma imensa área
imersa subjacente. Para se chegar às profundezas do implícito e dele extrair um sentido,
faz-se necessário o recurso a vários sistemas de conhecimento e a ativação de processos e
estratégias cognitivas e interacionais.
55
Enquanto Koch (2007) se utiliza da metáfora do iceberg para ilustrar a construção
de sentido em um texto, Marcuschi (2008: 257) utiliza-se da "teoria da cebola semântica",
desenvolvida por Dascal. De acordo com essa teoria, o sentido de um texto é construído
por várias camadas superpostas. As camadas centrais (núcleo) são formadas pelas
informações objetivas, como dados factuais, nomes, lugares etc.; as camadas
intermediárias, pelos fatores que propiciam as implicaturas conversacionais, as intenções,
os subentendidos e as suposições e as camadas mais periféricas (as mais longe do núcleo),
por fatores como crenças individuais, conhecimentos de mundo, forças ilocutórias e outros.
As camadas que ficam mais afastadas do núcleo são as mais complexas e estão
sujeitas a muitos equívocos, já que é o domínio das crenças e valores individuais. São
camadas vulneráveis, pois estão no domínio das extrapolações. São nessas camadas que
costuma surgir o equívoco mais evidente nas interpretações textuais.
etc.
Gráfico 8 - Teoria da cebola semântica
Fonte: Marcuschi (2008: 257)
56
Assim, para que o sujeito interpretante consiga atingir a camada central do texto,
ou seja, o seu conteúdo proposicional sentido de discurso - precisa penetrar nas
sutilezas dos enunciados, ativando o contexto da situação de comunicação.
Por exemplo, o contexto cultural ajuda a compreender os textos de cada cultura,
fornecendo o conhecimento necessário para a produção de inferências exigidas para a
interpretação. O contexto verbal (co-texto) é importante, porque as partes de um texto
estão intimamente relacionadas, por meio da referência pronominal, dos marcadores de
tópico, dos conectores etc.
Além do contexto cultural e verbal, o contexto pessoal, como conhecimentos,
atitudes, metas e fatores emocionais dos interlocutores, as forças ilocutórias (informar,
impressionar, alarmar, convencer, pedir, ofender etc.) e as implicaturas conversacionais
também influenciam na interpretação de um texto.
Para entender melhor como se dá a compreensão, Marcuschi (2008: 258) traduz a
imagem da cebola semântica desenvolvida por Dascal num gráfico intitulado de
“Horizontes de compreensão textual”.
TEXTO ORIGINAL
Gráfico 9 - Horizontes de compreensão textual
Fonte: Marcuschi (2008: 258)
57
De acordo com esse gráfico, o texto original é aquele que recebemos para leitura.
Podemos ler esse texto de várias maneiras. Essas diferentes maneiras são horizontes ou
perspectivas diversas.
Marcuschi (2008: 258) define cada horizonte:
1. Falta de horizonte: leitura reduzida à repetição das informações objetivas inscritas
de modo transparente no texto; cópia.
2. Horizonte mínimo: leitura parafrástica; identificação de informações objetivas que
podem ser ditas com outras palavras.
3. Horizonte máximo: leitura a partir de inferências; leitura do que vai nas entrelinhas;
não se limita à paráfrase nem fica reduzida à repetição.
4. Horizonte problemático: leitura que vai além das informações do próprio texto e se
situa no limite da interpretabilidade. Trata-se do âmbito da extrapolação. Leitura de
caráter pessoal.
5. Horizonte indevido: leitura indevida, errada.
Assim, para o processamento do texto, ou seja, para chegar ao sentido do texto e
evitar o “horizonte indevido”, ou ficar sempre na “falta de horizonte”, o leitor precisa
utilizar algumas estratégias.
Cabe à escola, trabalhar com os alunos estratégias de leitura de modo que sejam
capazes de sair da “falta de horizonte” e “horizonte mínimo” e alcançar o “horizonte
máximo”. Incentivar o “horizonte problemático” não é uma boa estratégia de leitura. O
aluno precisa perceber que “um texto permite muitas leituras, mas não infinitas. (...)
compreender é produzir modelos cognitivos compatíveis preservando o valor-verdade”.
(Marcuschi, 2008: 257) (Grifo nosso).
Segundo Dell’Isola (2001: 107), há processos decisivos que compõem o
mecanismo da leitura. São eles:
(a) decodificação;
(b) compreensão;
(c) inferenciação;
(d) avaliação e
(e) retenção na memória.
58
Dessa forma, num primeiro momento, o leitor decodifica o texto (a) , para
posteriormente compreender (b) a informação explícita. Em seguida, seleciona o que
considera mais significativo, de acordo com a sua visão de mundo, direcionando a sua
leitura a uma determinada compreensão específica.
O segundo momento consiste em ler as “entrelinhas” (c) e integrar os dados do
texto à própria experiência ou conhecimento do mundo. O leitor infere de acordo com seu
conhecimento de mundo, que está enraizado em uma sociedade e em uma cultura. É nesse
momento que ele consegue sair do nível da compreensão para ir mais além na leitura, ou
seja, interpretar o que lê.
Após as inferências, o leitor é levado a se posicionar emocional e afetivamente
diante do texto e a avaliar (d) os fatos que lhe forem apresentados. E, por último, aquilo
que for significativo para o leitor fica retido na memória (e), podendo ser ativado em
outros momentos, para o entendimento de situações comunicativas diversas.
Na acepção de Van Dijk (1992: 23), o processamento cognitivo de um texto
consiste também no uso de diferentes estratégias processuais. Para o autor,
As estratégias são parte de nosso conhecimento geral; elas representam o
conhecimento procedural que possuímos sobre compreensão de discurso. Elas
se constituem em um conjunto aberto. Necessitam ser aprendidas e reaprendidas
antes de se tornarem automatizadas. Novos tipos de discurso e formas de
comunicação podem requerer o desenvolvimento de novas estratégias. (...)
Van Dijk cita diferentes tipos de estratégias para a compreensão de um texto, ou
seja, para que a leitura seja significativa: proposicionais, de coerência local,
macroestratégias, esquemáticas, de produção e ainda, sob o rótulo de outras estratégias, o
autor cita as estratégias estilísticas, retóricas, de conversação e não-verbais.
Koch (2007: 34) agrupa as estratégias citadas pelo autor em um único bloco
estratégias cognitivas e cita mais dois tipos de estratégias textuais e sociointeracionais.
As estratégias cognitivas consistem em estratégias de uso do conhecimento, ou
seja, consistem na execução de algum “cálculo mental” por parte dos interlocutores.
59
ESTRATÉGIAS COGNITIVAS
Proposicionais Permitem uma rápida análise de estruturas de superfície em uma
configuração semântica relativamente fixa e simples.
De coerência
local
Permitem o estabelecimento de conexões significativas entre as
sucessivas sentenças em um discurso.
Macroestratégias Permitem a identificação do que chamamos de enredo, trama ou
tópico de um texto. O usuário de uma língua não necessita esperar
pelo final de um parágrafo, capítulo ou discurso para inferir do que
trata o texto ou fragmento de texto.
Esquemáticas Permitem que o leitor e/ou produtor perceba que muitos textos
exibem uma estrutura esquemática convencional e,
consequentemente, variável de acordo com a cultura.
De produção Permitem que o leitor escolha entre as informações explícitas e
implícitas, a fim de estabelecer e sinalizar a coerência local e,
finalmente, formular estruturas de superfície com os diversos dados
semânticos, pragmáticos e contextuais, enquanto “inputs”
controladores.
Estilísticas Permitem que o leitor e/ou produtor faça opções linguísticas entre
maneiras alternativas de expressar mais ou menos o mesmo
significado ou denotar o mesmo referente sob a área de ação do tipo
de texto e das informações contextuais (tipo de situação, grau de
formalidade, categorias dos participantes da conversação e objetivos
gerais).
Retóricas Permitem perceber, da melhor maneira possível, os objetivos da
interação verbal, tais como compreensão, aceitação do discurso e
sucesso do ato de fala. São usadas para aumentar a eficácia do
discurso e a interação comunicativa.
De conversação Incluem as funções sociais e interacionais das unidades discursivas,
tais como atos de fala e proposições.
Não-verbais Envolvem informações não-verbais, como direção do olhar, gestos,
pausas ou ações concomitantes dos participantes, além do contexto
específico (quem tem o direito e o poder de manter ou tomar a
palavra?).
Tabela 2 Estratégias cognitivas
Fonte: Van Dijk (1992); Koch (2007)
60
Já as estratégias sociointeracionais são estratégias socioculturalmente
determinadas que visam estabelecer, manter e levar a bom termo uma interação verbal.
Ente elas, podemos citar as estratégias de preservação das faces e/ou representação positiva
do “self” (Goffman, 1980), que envolvem o uso de formas de atenuação, as estratégias de
polidez, de negociação, de atribuição de causas aos mal-entendidos, entre outras.
E por último, as estratégias textuais dizem respeito às escolhas textuais que os
interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a produção de
determinados sentidos. Koch (2007: 38-43) cita as seguintes estratégias textuais: de
organização da informação, de formulação, de referenciação e de “balanceamento”
(“calibragem”) entre explícito e implícito.
ESTRATÉGIAS TEXTUAIS
De organização da informação Dizem respeito à distribuição do material linguístico na
superfície textual, ou seja, ao balanceamento entre a
informação dada e a informação nova e às estratégias
de articulação de tema-rema.
De formulação Têm funções de ordem cognitiva-interacional. Entre
tais estratégias, podemos citar os vários tipos de
inserção e de reformulação.
De referenciação Têm a função de reativar referentes no texto,
formando-se, dessa maneira, cadeias coesivas mais ou
menos longas.
De “balanceamento” entre
explícito e implícito
Têm a função de fazer a dosagem entre informações
textualmente expressas e conhecimentos prévios,
pressupostos como partilhados.
Tabela 3 Estratégias textuais
Fonte: Koch (2007)
61
Assim, de acordo com Marcuschi (1991: 52), compreender
7
um texto não significa
memorizá-lo, muito menos, apreender os seus significados literais. Na verdade, para
compreender um texto, o leitor precisa fazer uma série de inferências, que são comandadas
por um conjunto de fatores que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma
sequência de frases. Compreender é, ao mesmo tempo, buscar novos significados,
enriquecer-se e apreender as várias possibilidades sociais indicadas no texto. Barthes
(1980: 11-3) apud Dell’Isola (2001: 38) pressupõe que
Interpretar um texto não é dar-lhe um sentido (mais ou menos
fundamentado, mais ou menos livre), é, pelo contrário, apreciar o plural de que
ele é feito. Suponhamos a imagem de um plural triunfante, que não
empobreceria nenhuma obrigatoriedade de representação (de imitação). Nesse
texto ideal, as redes são múltiplas e jogam entre si sem que nenhuma delas
possa encobrir as outras; esse texto é uma galáxia de significantes e não uma
estrutura de significados; não há um começo: ele é reversível; acedemos ao
texto por várias entradas sem que nenhuma delas seja considerada principal; os
códigos que ele mobiliza perfilam-se “a perder de vista”, são indecidíveis (o
sentido nunca é aí submetido a um princípio de decisão, a não ser por uma
jogada de sorte); os sistemas de sentido podem apoderar-se desse texto
inteiramente plural, mas o seu número nunca é fechado, tendo por medida o
infinito da linguagem.
Nessa perspectiva, interpretar um texto não é apenas dar um sentido a ele, mas
perceber a sua plurissignificação. E, para chegar ao núcleo, ou seja, a um dos possíveis
sentidos indicados pelo texto, o ouvinte/leitor deverá utilizar vários sistemas de
conhecimento e ativar processos e estratégias cognitivas e interacionais.
Portanto, como afirma Kerbrat-Orecchioni (1986: 299)
8
, para interpretar um texto é
preciso combinar as informações extraídas do enunciado (competência linguística) e certas
informações que fazem parte do repertório cultural do sujeito interpretante (competência
enciclopédica), de tal modo que a interpretação esteja de acordo com as leis do discurso
(competência retórico-pragmática) e com os princípios da lógica natural (competência
7
Nesse parágrafo, compreender está sendo utilizado como sinônimo de interpretar. Mantivemos o termo
compreender, respeitando as ideias do autor. Neste trabalho, entendemos que é no nível da interpretação que
o leitor busca novos significados.
8
Original em francês: D’une manière générale, le travail interprétatif consiste, en combinant les
informations extraites de l’énoncé (compétence linguistique) et certaines informations dont on dispose
‘préalablement’ (compétence encyclopédique), et de telle sorte que le résultat se conforme aux lois de
discours (compétence rhétorico-pragmatique) et aux príncipes de la logique naturelle (compétence logique),
à construire de l’énoncé une représentation sémantico-pragmatique cohérente et vraisemblable: (...)”. (p.
298).
62
lógica), para construir do enunciado uma representação semântico-pragmática coerente e
provável.
3.1.5. O papel da memória na produção de sentidos
Nos tópicos anteriores, mencionamos que nem todas as informações aparecem
explícitas em um texto. O leitor precisa recuperar na memória algumas informações, por
meio de processos cognitivos (como os frames), pela lógica (por meio de processos
dedutivos, com base no conhecimento de mundo) ou por inferências.
Isso acontece porque o homem representa, no interior de sua mente, o mundo que o
cerca e, nas estruturas da mente, desenrolam-se determinados processos de tratamento, que
possibilitam atividades cognitivas bastante complexas. O conhecimento não consiste
apenas em conteúdos de experiência, mas também em habilidades para operar sobre tais
conteúdos e utilizá-los na interação social.
Nesse contexto, de acordo com a Ciência Cognitiva, Koch & Elias (2006: 37)
destacam que a memória opera em três fases do processamento da informação, a fim de
produzir compreensão
9
e ação. A primeira fase é a estocagem, em que as informações
perceptivas são transformadas em representações mentais, associadas a outras. A segunda
fase é a retenção, em que se dá o armazenamento das representações e, por último, a fase
da reativação, em que se opera, entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o
processamento textual.
Nem todas as informações ficam retidas de forma permanente na memória. Existe
uma memória de curtíssimo termo ou memória de percepção, em que os estímulos são
retidos por cerca de 250 milésimos de segundo; uma memória de curto termo (MCT), em
que as informações são mantidas durante um curto tempo e uma memória de longo termo
(MLT), em que os conhecimentos representados permanecem. Há um contínuo ir-e-vir
entre as MCT e MLT.
Segundo Koch & Elias (2006: 38),
9
Normalmente os autores não fazem distinção entre compreensão e interpretação.
63
(...) hoje em dia, a maior parte dos autores considera a MCT como uma
espécie de recorte da MLT, que, em momento determinado, entra em estado de
ativação.
Isso significa dizer que, paralelamente ao sistema da MCT, que tem por função
armazenar informações facilmente evocáveis em tempo determinado e, na maioria das
vezes, limitadas, opera a MLT, que seria responsável pelo gerenciamento da MCT, com o
intuito de organizar as informações para utilização posterior.
As informações armazenadas na memória podem ser de natureza semântica
(conhecimento geral sobre o mundo e as proposições acerca deste) e de natureza episódica
ou experiencial (informações sobre vivências pessoais).
Baseando-se em Beaugrande (1983), Koch & Travaglia (2000: 64-5) e Bentes
(2001: 265-7) afirmam que o nosso conhecimento de mundo pode ser armazenado em
nossa memória em forma de frames, esquemas, planos ou scripts.
Frame diz respeito ao conjunto dos conhecimentos armazenados em nossa memória
sobre um tema central, seus componentes sendo trazidos à memória sem ordenação. Por
exemplo, “música” pode ativar pagode, funk, samba, dança, festa etc.; “festa” pode ativar
música, bebidas, doces, salgados, pessoas, dança, conversa, animação etc.
Esquema, por sua vez, diz respeito ao conjunto de conhecimentos armazenados
numa progressão, ou seja, numa sequência temporal ou causal. Por exemplo, quando
vamos fazer um doce, temos que seguir uma "receita", ou seja, uma ordem para misturar os
ingredientes; quando vamos ao supermercado, primeiro escolhemos os produtos para,
depois, pagá-los.
Já o plano é o conjunto de conhecimentos que nos permitem agir em uma
determinada situação para atingir um objetivo. Esses conhecimentos, além de levarem a
agir numa ordem previsível, levam-nos a um fim planejado. Por exemplo, um texto de
instruções para montagem de um aparelho, as etapas de uma partida de xadrez, ou da
confecção de uma roupa etc.
E, por último, script é o conjunto de conhecimentos estereotipados sobre como
devemos agir em uma determinada cultura. Os scripts, na verdade, especificam os papéis
dos participantes e as ações deles esperadas em uma dada situação. Por exemplo, como
devemos agir num casamento, numa sessão de júri, numa missa, num batizado etc.
O falante, numa situação comunicativa, leva em conta não só as informações sobre
o contexto social em questão - o tema específico, o frame do contexto, as propriedades das
64
posições sociais, funções e indivíduos que as preenchem mas também as convenções que
determinam as ações socialmente possíveis dos membros envolvidos.
Exercitar a memória é de fundamental importância quando se sabe que o
conhecimento nada mais é que estruturas estabilizadas na memória de longo termo, que são
utilizados para o reconhecimento, a compreensão de situações e de textos -, a ação e a
interação social.
Assim, quando constatamos que nossos alunos apresentam dificuldades de
interpretar o que leem, percebemos que há uma espécie de “vazio” na memória de longo
termo, o que dificulta a reativação de informações pertinentes ao texto.
Dessa forma, quanto mais situações o nosso aluno vivenciar, mais conhecimento
terá armazenado em sua memória, o que o ajudará no momento da leitura. Só assim se
pode falar de aquisição e construção de conhecimentos.
65
3.2. A contribuição da Teoria Semiolinguística para o ensino de língua materna
(...) na Semiolingüística, o discurso é visto como "jogo comunicativo", ou seja,
o jogo que se estabelece entre a sociedade e suas produções linguageiras.
(Machado, 2001: 46)
Nos tópicos anteriores, aproveitamos algumas contribuições da Linguística do
Texto, focalizando, em particular, o texto e a produção de sentidos.
A Linguística, antes preocupada com a língua enquanto sistema de signos, amplia
seu horizonte de pesquisa por meio da Linguística do Texto e da Análise do Discurso. No
presente trabalho, tomamos por base orientações da Semiolinguística (vertente da Análise
do Discurso), fundada por Patrick Charaudeau.
A teoria Semiolinguística nos ajuda a compreender melhor, por exemplo, como
acontece a produção de sentidos atrelada às competências múltiplas dos sujeitos; quem são
os sujeitos do contrato de comunicação; quais são os componentes do ato de comunicação
e a distinção entre sentido de língua e sentido de discurso/compreensão e interpretação.
3.2.1. O que é a Teoria Semiolinguística?
A Semiolinguística é uma teoria da Análise do Discurso, criada pelo pesquisador
da Universidade Paris XIII, Patrick Charaudeau. Segundo Oliveira (2003: 23),
a proposta de Charaudeau, em meio à trama de teorias que surgiram ao
longo do século XX preocupadas com o conhecimento dos mecanismos da
linguagem, situa-se a meio caminho entre as abordagens lingüísticas stricto
sensu (limitadas ao estudo da fonologia, da morfossintaxe e, quando muito, de
uma semântica da langue) e as excessivamente abertas ao extralingüístico, como
a de Pêcheux, por exemplo, que se acabam confundindo com as próprias
ciências humanas e pouco têm de estudo da linguagem.
66
A teoria de Charaudeau, portanto, trabalha com a linguagem como veículo social de
comunicação, ou seja, leva em conta o lado psicossocial e o lado linguageiro dos sujeitos
comunicantes nos diversos Atos de Linguagem.
Em Semiolinguística, sémio-, vem de sémiosis a construção do sentido e sua
configuração se fazem por meio de uma relação forma-sentido; já o termo linguística
lembra que a forma de ação pretendida pelo sujeito-comunicante é sobretudo constituída
por um material linguageiro oriundo das línguas naturais. (Charaudeau, 1995b: 98)
Charaudeau (1983:14) afirma que uma análise semiolinguística do discurso é
semiótica porque o objeto de que se ocupa só existe dentro de uma intertextualidade
dependente dos sujeitos da linguagem, em que se procura identificar possíveis
significantes, e é linguística porque o instrumento por meio do qual questiona esse objeto
se constrói após um trabalho de conceptualização estrutural dos fatos discursivos. Os
sujeitos da comunicação, para interpretarem o que leem, ou ouvem recorrem não só ao
signo verbal (morfemas, palavras, frases etc.), o que interessa à linguística, mas também ao
não verbal, o que interessa à semiótica. Além disso, a Semiolinguística é do discurso,
porque o texto deve ser analisado em seu contexto discursivo, do qual fazem parte outros
textos pré-existentes a ele, que circulam na sociedade em geral, ou num dado grupo social.
Assim, a Semiolinguística em Análise do Discurso aponta para a impossibilidade de
se pensar a experiência da linguagem distante dos sujeitos históricos. Nessa perspectiva, o
discurso não é construído apenas em torno do binômio estrutura/enunciado, tendo em vista
que todo discurso apresenta características individuais e sociais, ou seja, características de
língua e de fala.
Segundo Machado (2001: 46),
O homem é um ser social (sentido amplo da palavra), criado, condicionado
pela sociedade/cultura do lugar onde vive. Logo, enquanto sujeito-falante, ele
“repete” a voz do social, mas o lado psicossocial-situacional lhe garante também
uma individualidade.(...)
Dessa forma, a Análise do Discurso deve ultrapassar o meramente linguístico a fim
de sinalizar a importância da linguagem no processo social. Se as práticas de linguagem
são historicamente determinadas, é preciso que o seu processo de produção já esteja antes
comprometido com o histórico.
67
A Análise do Discurso não busca apenas entender certos fatos da estrutura de uma
língua ou certas propriedades da natureza da linguagem, mas também procura entender
como os falantes interagem quando estão produzindo um discurso, quando agem em
função dele, quando o usam para informar ou para desinformar, quando o acionam para
reproduzir convenções ou para manifestar intenções, quando dele fazem uso para
comunicar ou para mandar calar.
Nesse contexto, no trabalho da Análise do Discurso, são levados em conta quatro
processos: o enunciativo (heterogeneidade constitutiva dos discursos, polifonia,
procedimentos e operadores argumentativos...), o histórico (social, ideológico, cultural...),
o interativo (estratégias de persuasão e sedução, de preservação dos espaços de
interlocução...) e o linguístico (anáforas, estrutura sintático-semântica...). O discurso,
assim, é constituído de um material linguístico estruturado de acordo com a intenção do
sujeito produtor que, por sua vez, é influenciado por fatos históricos.
Como diz Machado (2001:60),
o interessante da teoria Semiolinguística, enfim, é que ela, com sua
diversificação de sujeitos, acaba por abranger tanto idéias como as de Ducrot e
Austin - que enfatizam o poder das palavras, em um mundo a elas interno -
quanto as idéias de Bourdieu (1982), que preconizam a legitimidade situacional
e/ou institucional dos sujeitos comunicantes.
3.2.2. O processo de semiotização de mundo: transformação e transação
Para Charaudeau (1995b: 101), a comunicação parte de um processo de
semiotização de mundo, elaborado por meio de um processo de transformação entre o
mundo a ser significado e o mundo significado, e um processo de transação (base da
construção do contrato de comunicação) entre o sujeito comunicante e o sujeito
interpretante-destinatário.
68
mundo a significar < sujeito comunicante > mundo significado < sujeito interpretante
processo de transformação
processo de transação
Gráfico 10 Processo de semiotização do mundo
Fonte: Charaudeau (1995b: 101)
Enquanto o processo de transformação compreende as operações de identificação
(identidades nominais), qualificação (identidades descritivas), ação (identidades
narrativas) e causação (os seres agem em razão de certos motivos), o processo de
transação realiza-se segundo quatro princípios: de alteridade, de pertinência, de influência
e de regulação.
Assim, no primeiro processo, o de transformação, para significar o mundo em
direção ao outro, o sujeito comunicante deve intervir em dois espaços de organização do
sentido: o da tematização (que engloba a identificação, a qualificação, a representação dos
fatos e das ações e a explicação de sua razão de ser e de fazer) e o da relação (finalidade
do ato de comunicação e identidade dos protagonistas da transação).
No segundo processo de semiotização de mundo - o de transação - o sujeito
interpretante se encontra diante do problema de ter que reconhecer, para certos fins, um
mundo já significado por um outro, decodificando-o (forma-sentido), por meio de um ato
de interpretação.
Além disso, o processo de transação é a base do contrato de comunicação, em que
os sujeitos da comunicação fazem, cada um, apelo aos seus respectivos imaginários
culturais ou a saberes supostamente partilhados entre eles. Diante disso, conclui-se que
todo processo de comunicação se constrói por meio de uma interação real ou suposta entre
dois parceiros (princípio da alteridade), em que cada um desses parceiros procura
modificar, ou seja, influenciar os comportamentos ou pensamentos do outro (princípio da
influência). Nesse processo de comunicação, cada um dos parceiros deve administrar a
troca de maneira a torná-la possível (princípio da regulação), tornar o processo válido e ter
um saber em comum (princípio da pertinência).
Para exemplificar o processo de transformação e o processo de transação,
transcrevemos um exemplo dado por Machado (2001: 48):
69
(...) Imaginemos que, no decorrer de uma aula, o professor construa um
processo de transformação centrado em um “Et voilà”, inserido no final de um
enunciado em português, enunciado este que carrega em si uma intenção
explicativa sobre determinada questão. Quem garante que os interlocutores
deste professor ou seja, os alunos saberão “decifrar” o sentido final do
enunciado em pauta? Isso acontecerá, mas só se eles cumprirem duas condições.
Para começar, terão que saber francês, ou possuir alguns rudimentos desta
língua, para classificar mentalmente o “Et voilà” como um sintagma oriundo da
língua francesa; em seguida, precisam também saber o conteúdo implícito que
um Et voilà”, colocado no final de um enunciado carrega, ou seja: A
explicação está concluída”, “É tudo que quero/posso dizer sobre o assunto no
momento”. Se as duas condições forem preenchidas, estará então se realizando o
processo de transação, processo que depende da intercompreensão entre os
parceiros da linguagem. (...)
O processo de semiotização de mundo desenvolve-se, então, em função das
competências dos sujeitos envolvidos no contrato comunicativo. A construção do sentido,
mediante qualquer ato de linguagem, procede de um sujeito que se dirige a outro sujeito,
dentro de uma situação de intercâmbio específica, que sobredetermina parcialmente a
escolha dos recursos disponíveis. De acordo com Charaudeau (2007), cada sujeito tem uma
múltipla competência que precisa ser ativada nas trocas linguageiras. Essa competência
múltipla diz respeito à:
a) competência situacional: exige que todo sujeito comunicante construa seu discurso de
acordo com a identidade dos protagonistas do intercâmbio, com a finalidade e, ainda,
com o propósito e com as circunstâncias materiais.
IDENTIDADE
Quem fala a quem?
Status,
papel social e
localização.
FINALIDADE
Estou aqui para dizer o quê?
Fins discursivos (prescrever, solicitar, informar, incitar,
instruir, demonstrar...).
70
PROPÓSITO
Qual o propósito da minha fala?
Princípio de pertinência,
Tematização e
a maneira como se estrutura “sobre o que se fala”.
CIRCUNSTÂNCIAS
MATERIAIS
Troca/não-troca O contrato admite uma troca interlocutiva (como
nas conversas e diálogos quotidianos), ou, ao contrário, não admite
a troca (como em uma conferência, pelo menos na parte "expositiva
do conferencista"). Geralmente, o contrato de troca ocasiona uma
situação de comunicação interlocutiva e o contrato de não-troca,
uma situação monolocutiva.
Tabela 4 Componentes da competência situacional
Fonte: Charaudeau (2007)
b) competência discursiva: exige de cada sujeito que se comunica e interpreta
capacidade para manipular (EU) - reconhecer (TU) as estratégias postas em cena. Leva
em conta os Modos de Organização do Discurso.
ESTRATÉGIAS
ESTRATÉGIAS
DE
ORDEM
ENUNCIATIVA
Dizem respeito às atitudes enunciativas que o sujeito falante constrói em
função
dos elementos de identificação,
da situação de comunicação e
da imagem que o falante quer transmitir de si mesmo ao outro.
O sujeito falante utiliza-se do jogo da modalização e dos atos locutivos. A
modalização pode ser:
lógica: consiste em uma avaliação de alguns elementos do
conteúdo temático, apoiada em critérios (ou conhecimentos)
elaborados e organizados a partir do mundo objetivo. Os fatos são
apresentados do ponto de vista de suas condições de verdade, como
fatos atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais,
necessários etc.
71
deôntica: consiste em uma avaliação de alguns elementos do
conteúdo temático, apoiada nos valores, nas opiniões e nas regras
constitutivas do mundo social.
apreciativa: diz respeito às avaliações subjetivas de aspectos do
conteúdo temático.
pragmática: introduz um julgamento sobre algum aspecto da
responsabilidade de um personagem, grupo, instituição etc. em
relação às ações de que é agente.
Os atos locutivos podem ser:
elocutivo: revela o ponto de vista do locutor (relação do locutor
com o dito),
alocutivo: estabelece uma relação de influência entre locutor e
interlocutor (relação do locutor com o interlocutor) e
delocutivo: testemunha a fala da terceira pessoa (relação do locutor
com a terceira pessoa).
ESTRATÉGIAS
DE
ORDEM
ENUNCIATÓRIA
Dizem respeito aos modos de organização do discurso:
o modo descritivo ( corresponde à ação de nomear e qualificar os
elementos do mundo),
o modo narrativo (corresponde à ação de descrever as ações que
ocorrem no mundo),
o modo argumentativo (corresponde à ação de organizar as
sequências causais que explicam os acontecimentos) e
o modo enunciativo (corresponde à ação de utilizar os processos de
modalização do narrador e comanda os outros três modos).
Tabela 5 Estratégias de ordem enunciativa e de ordem enunciatória
Fonte: Charaudeau (2007)
c) competência semântica: remete aos conhecimentos compartilhados. Diz respeito aos
critérios para estruturar não só o propósito (assunto), como também a tematização
(falar de quê?).
72
CONHECIMENTOS
COMPARTILHADOS
Saberes de conhecimentos: são aqueles que procedem de uma
representação racionalizada da existência dos seres e dos
fenômenos sensíveis do mundo. O sujeito constrói o
conhecimento através das práticas da experiência e dos dados
científicos e técnicos. Esses conhecimentos dão conta do
mundo de maneira mais objetiva possível.
Saberes de crenças: são os saberes que resultam da atividade
humana quando esta se aplica a comentar o mundo, isto é, a
fazer com que o mundo não mais exista por si mesmo, mas
sim, através do olhar subjetivo que o sujeito lança sobre ele.
São sistemas de valores, mais ou menos normatizados, que
existem dentro de um mesmo grupo social, ou seja, as
opiniões coletivas.
(Charaudeau, 2006a)
Tabela 6 Conhecimentos compartilhados
Fonte: Charaudeau (2006a)
d) competência linguística: postula que todo sujeito que se comunica e interpreta pode
manipular - reconhecer a forma dos signos, suas regras combinatórias e seu sentido,
sabendo usar as formas para expressar uma intenção de comunicação, de acordo com
os elementos do contexto situacional e das exigências da organização do discurso. A
construção do sentido e sua configuração se fazem por meio de uma relação forma-
sentido. É nesse nível que se constrói o texto.
TEXTO: (...) o resultado de um ato
de linguagem produzido por um
sujeito dado dentro de uma situação
de intercâmbio social dada e
possuindo uma forma peculiar.
(Charaudeau: 2001a: 17)
10
Níveis de competência para a produção do texto:
Saber-fazer: composição do texto,
Saber-fazer: construção gramatical e
Saber-fazer: uso adequado das palavras e do
léxico segundo o valor social que transmitem.
Tabela 7 Conceito de texto e os níveis de competência para a produção do texto
Fonte: Charaudeau ( 2001a)
10
Original em espanhol: “(...) si entiende por texto el resultado de um acto de lenguaje producido por um
sujeto dado dentro de una situación de intercambio social dada y poseyendo una forma peculiar. (...)”
73
Assim, não existe ato de comunicação em si mesmo. Durante a construção do
sentido, os sujeitos estão em franco processo de interlocução, compartilham saberes e
desdobram-se em dois "eus" e dois "tus". Mesmo os enunciados produzidos por um único
sujeito por exemplo, o discurso de um orador, o curso de um professor, o monólogo de
um ator são monológicos apenas em sua forma exterior, mas, em sua estrutura interna
são essencialmente dialógicos.
A natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenha papel
fundamental no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin. Já no início da década de 20 do
século passado, o autor defende a ideia de que toda enunciação é um diálogo; faz parte de
um processo de comunicação ininterrupto:
O dialogismo representa, para Bakhtin (2000), o espaço interacional entre o eu e o
tu ou entre o eu e o outro, no texto. Nenhuma palavra é de um único sujeito, mas traz em si
a perspectiva de outra voz. Dessa forma, o sujeito comunicante deixa de ser o centro da
interlocução, que passa a estar não mais no eu e nem no tu, mas no espaço criado entre
ambos, ou seja, no texto.
Desse modo, no ato de comunicação, a palavra não pertence unicamente ao sujeito
comunicante. É claro que ele tem sua participação, seus direitos inalienáveis em relação à
palavra, mas o sujeito interpretante também está presente de algum modo. Da mesma
forma, todas as vozes que antecederam o ato de comunicação ressoam na palavra do
sujeito comunicante.
3.2.3. A mise en scène do contrato de comunicação
A relação dialógica entre o eu e o tu, no texto, tem sido objeto de estudo de várias
disciplinas, dentre elas, a Análise do Discurso de linha francesa, do pesquisador Patrick
Charaudeau.
De acordo com Charaudeau (2001b: 31-2), todo ato de linguagem é uma encenação
que comporta quatro protagonistas, sendo dois situacionais, externos e dois discursivos,
internos. Os sujeitos “externos” são o EUc (eu-comunicante) e o TUi (tu-interpretante) e
os sujeitos “internos”, o EUe (eu-enunciador) e o TUd (tu-destinatário).
74
No circuito externo, os seres são de ação, instituídos pela produção (EUc) e pela
interpretação (TUi) e guiados pelo FAZER da situação psicossocial. Já no circuito interno,
os seres são da fala, instituídos pelo DIZER (EUe e TUd ).
O quadro enunciativo da Semiolinguística mostra que todo ato de linguagem, seja
ele falado ou escrito, é uma representação comandada pelos sujeitos externos e internos.
Charaudeau chama essa representação de mise en scène, como se evidencia no quadro
seguinte:
Gráfico 11 - Mise en scène do ato de linguagem
Fonte: Charaudeau (2001b: 31-2)
Nesse sentido, o ato de linguagem não pode ser visto como uma simples produção
de uma mensagem por um Emissor em direção a um Interlocutor, mas como um encontro
dialético. É esse encontro que determina os dois processos:
o processo de Produção, produzido por um EU que se dirige a um TU-destinatário;
o processo de Interpretação, produzido por um TU-interpretante que constrói uma
imagem do EU-emissor.
Fazer
-
Situacional
EUc TUi
? ?
autor interlocutor
real
circuito externo - FAZER
Mundo psicossócio-cultural
Relação Contratual
circuito interno
-
DIZER
Mundo das palavras
EUe ? -----------------------? TUd
? ?
emissor interlocutor virtual
75
Universo de discurso de EU
Zona de intercompreensão
suposta
Universo de discurso do TU
Gráfico 12 O processo de produção e o de interpretação no momento do ato de linguagem
Fonte: Charaudeau (1983: 39)
Assim, para a construção de sentidos, a colaboração entre parceiros é forçada pela
própria vida em sociedade. E, dessa forma, o texto é resultante de um processo de trocas de
sentido entre dois parceiros ligados, em parte, por uma mesma finalidade de ação. O
sujeito comunicante tem por função significar, para certos fins, um mundo endereçado a
um outro, configurando o sentido e a forma por meio de um ato de discurso. É um
produtor-diretor. Por outro lado, o sujeito interpretante precisa reconhecer, decodificar o
mundo já significado pelo sujeito comunicante, por meio de um ato de interpretação. É um
receptor-decodificador.
O sentido atribuído pelo sujeito comunicante ao texto pode ser entendido, ou não,
pelo sujeito interpretante, que pode ter uma interpretação diferente daquela pretendida pelo
sujeito comunicante. O texto, por ser “o produto de um ato de comunicação Charaudeau
(1992: 635) não pode ser interpretado (nem analisado) fora da situação comunicativa.
Para comunicar há necessidade do outro. Comunicar é arriscar-se à incompreensão
ou à negação. A ameaça é o próprio ato de comunicação. O reconhecimento recíproco
deve ser construído socialmente pelos parceiros envolvidos no ato de comunicação. Deve-
se conquistar o direito à palavra.
O ato de comunicação é representado como um dispositivo, no centro do qual se
encontra o sujeito comunicante (o locutor, que fala ou escreve), em relação com um outro
parceiro (o sujeito interpretante). Assim, o sujeito comunicante, querendo comunicar, seja
pela fala, seja por escrito, seja por gestos, desenhos usará os componentes do dispositivo
de comunicação, em função dos efeitos que visa provocar em seu interlocutor.
EU Processo de Produção TU
EU Processo de Interpretação TU
76
Os componentes desse dispositivo são quatro: a) a situação de comunicação, b) os
modos de organização do discurso, c) a língua e o produto final, d) o texto. Abordaremos
cada um desses componentes do “jogo” da comunicação no próximo tópico (3.2.4.).
3.2.4. Os componentes do “jogo” da comunicação
O primeiro componente do “jogo” da comunicação é a situação de comunicação
(a). Esse componente, de ordem psicossocial, constitui o quadro físico e mental em que se
encontram os parceiros da troca linguageira. Tais parceiros são determinados por uma
identidade (PSICOLÓGICA e SOCIAL) e ligados por um contrato de comunicação. Para
Charaudeau (1983: 54),
o contrato de comunicação é um ritual sociodiscursivo constituído pelo
conjunto das restrições e liberdades resultantes das condições de produção e
interpretação do ato de linguagem, as quais codificam tais práticas, deixando ao
eu-comunicante uma margem de manobra, dentro da qual este elabora seu
projeto de comunicação.
Assim, todo sujeito comunicante se encontra no centro de uma situação de
comunicação que constitui um espaço de troca entre ele e o sujeito interpretante. Está
implícita em toda situação de comunicação uma “aposta”, um desafio, lançado ao outro.
Segundo Machado (2001:52),
(...) há um sujeito que cria seu texto a partir de dados extraídos de sua
cultura, de suas convicções e de seu ethos, enfim, do universo discursivo que lhe
é próprio, a ele, sujeito-individual único. Mas, essas convicções vão encontrar
eco no sujeito coletivo e social, cujos gestos e palavras são determinados por
uma ideologia de vida ou, se preferirem, por contratos sociais dominantes.
A situação comunicativa compõe-se dessa forma, de um espaço de restrições, ou
seja, de algumas condições que não podem ser infringidas pelos parceiros sob pena de não
haver a comunicação. Além disso, a comunicação também é um espaço de estratégias que
constituem os diferentes tipos de configurações discursivas de que o sujeito comunicante
77
dispõe para satisfazer as condições do contrato e atingir seus objetivos comunicativos.
Nessa perspectiva, comunicar exige cooperação. É necessário que os parceiros se
reconheçam. O processamento textual, quer em termos de produção, quer de compreensão,
depende, assim, essencialmente, de uma interação entre produtor e interpretador.
A comunicação linguística precisa apoiar-se, a todo instante, no conhecimento de
uma infinidade de elementos não-linguísticos, ou seja, de informações gerais sobre o
mundo. E, nesse sentido, o sujeito interpretante precisa colocar em questão seu
conhecimento de mundo, localizar a parte desse conhecimento que é importante para a
compreensão do texto em questão e fazer as devidas ligações de sentido que amarram o
texto, tornando-o uma unidade.
De acordo com Charaudeau (1996: 35), as hipóteses definem o ato de linguagem
como nascendo de uma situação concreta de troca, que envolve a intencionalidade, o
espaço de limitações, o espaço de estratégias e a interdependência entre um espaço externo
e um espaço interno. Diante disso, o autor propõe um modelo de estruturação em três
níveis: o situacional, o comunicacional e o discursivo.
O nível situacional se ocupa dos dados do espaço externo e constitui, ao mesmo
tempo, o espaço de limitações do ato de linguagem. É o lugar onde são determinadas a
finalidade do ato de linguagem, a identidade dos parceiros, o domínio do saber veiculado
pelo objeto de intercâmbio e o dispositivo constituído das circunstâncias materiais do
intercâmbio.
O nível comunicacional determina a maneira de falar (escrever) em função dos
dados da situação. Nesse nível, o sujeito falante precisa ter em mente que “papéis
linguageiros” ele deve desempenhar que justifiquem seu “direito à palavra” (finalidade),
mostrem sua “identidade” e lhe permitam tratar de um certo tema (propósito) em certas
circunstâncias (dispositivo). Como afirma Charaudeau (1994), comunicar é conquistar o
direito à palavra tendo em conta as restrições do mercado social da linguagem para a
atualização do discurso.
E o nível discursivo constitui a intervenção do sujeito falante, que deve satisfazer as
condições já apontadas por Charaudeau (1996) de legitimidade, de credibilidade e de
captação, para realizar finalmente um texto.
A legitimidade (princípio de alteridade todo processo de comunicação pressupõe
uma interação entre um eu que fala, um tu que escuta e um ele de quem se fala) depende
da posição que o sujeito ocupa nos domínios do Saber e do Poder. O domínio do Saber é o
78
espaço dos discursos de verdade e de crenças dos grupos sociais, e o domínio do Poder
confere autoridade ao sujeito.
Já a credibilidade (princípio de pertinência para que a mensagem seja entendida -
é necessário que os elementos envolvidos tenham um saber comum acerca do que se fala)
depende do Saber Fazer do sujeito falante nos quatro tipos de atividade da linguagem:
incitação, informação, persuasão e sedução. O sujeito falante precisa defender uma
imagem de si mesmo (um “ethos”).
O projeto de fala do sujeito falante é construído, então, em torno desses objetivos
comunicativos: factivo, ou seja, a incitação (é a atividade que consiste em Fazer Fazer, ou
seja, levar o outro a fazer algo favorável ao sujeito falante, sem que ele perceba isso como
uma ordem), informativo (consiste em Fazer Saber algo ainda desconhecido), persuasivo
Fazer Crer, ou seja, fazer com que o outro participe do mesmo pensamento, da mesma
opinião do sujeito falante) e sedutor (a sedução é Fazer Prazer ao outro, ou seja, transferir-
lhe um estado emocional eufórico).
Além desses objetivos comunicativos, o sujeito falante pode adotar diferentes
atitudes discursivas para adquirir a credibilidade: atitude de neutralidade (leva o sujeito a
apagar, em seu discurso, qualquer vestígio de julgamento ou avaliação pessoal), atitude de
distanciamento (leva o sujeito a adotar a atitude fria e controlada de um especialista) e a
atitude de engajamento (leva o sujeito a optar, de maneira mais ou menos consciente, por
uma tomada de posição na escolha de argumentos ou palavras, ou por uma modalização
avaliativa trazida a seu discurso). Assim, a comunicação é muito mais que uma simples
troca de informações. É condicionada pela exterioridade social, isto é, pelas regularidades
sócio-comunicativas.
E a última condição, a captação (princípio de influência cada um dos elementos
ligados pelo ato de comunicação procura influenciar o comportamento do outro e princípio
de regulação os elementos do ato de comunicação devem buscar um equilíbrio, uma
troca de informações) diz respeito à necessidade que o sujeito falante tem de buscar a
atenção do público.
Segundo Charaudeau (2006a: 91), a condição de captação está orientada para o
parceiro da troca. Esse parceiro não é natural (é necessário instituí-lo como destinatário de
uma mensagem), não é passivo (ele tem suas próprias faculdades de interpretação) e não é
conquistado antecipadamente (é necessário persuadi-lo, seduzi-lo).
79
O segundo componente do “jogo” da comunicação são os modos de organização do
discurso (b), que são constituídos de princípios de organização da matéria linguística. Tais
princípios dependem da finalidade comunicativa do sujeito comunicante: ENUNCIAR,
DESCREVER, NARRAR e ARGUMENTAR. Esses princípios são reunidos em quatro
modos: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argumentativo, cada um com uma
função de base e um princípio de organização.
A função de base diz respeito à finalidade discursiva do projeto de fala do sujeito
comunicante. Por exemplo, a função de base do modo enunciativo diz respeito não só à
relação de influência (EU ? TU), como também ao ponto de vista situacional (EU
?ELE) e ao testemunho sobre o mundo (ELE). No modo descritivo, a função de base é
identificar a sucessão dos seres do mundo de maneira objetiva/subjetiva; no modo
narrativo, construir a sucessão das ações de uma história no tempo, em torno de uma
busca, para colocar em narrativa, com seus atores e, por último, a função de base do modo
argumentativo é explicar uma verdade em uma visão racionalizante, para influenciar o
interlocutor.
O princípio de organização marca, no modo enunciativo, a posição do sujeito
comunicante em relação ao sujeito interpretante, ao dito e aos outros discursos e marca,
nos demais modos, não só a organização peculiar da construção descritiva (Nomear -
Localizar - Qualificar), da lógica narrativa (atores e desenvolvimento) e da lógica
argumentativa, como também os aspectos da encenação de cada um deles (efeitos e
procedimentos, no descritivo; identidades e status do narrador, no narrativo e
procedimentos semânticos e discursivos, na argumentação), que compõem o status próprio
de cada um desses modos.
Os quadros a seguir mostram a função de base e o princípio de organização de
cada modo de organização do discurso.
MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO
ENUNCIATIVO
Relação de influência
(EU ? TU)
Ponto de vista situacional
(EU ? ELE)
Testemunho sobre o mundo
(ELE)
Posição em relação ao
interlocutor
Posição em relação ao dito
Posição em relação aos
outros discursos
80
MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO
DESCRITIVO
Identificar a sucessão
dos seres do mundo de maneira
objetiva/subjetiva
Organização da construção
descritiva
(Nomear - Localizar - Qualificar)
A colocação em descrição
(efeitos e procedimentos)
MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO
NARRATIVO
Construir a sucessão das ações
de uma história no tempo, em
torno de uma busca, para colocar
em narrativa, com seus atores.
Organização da lógica
narrativa
(atores e desenvolvimento)
A colocação em narração
(identidades e status do narrador)
MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO
ARGUMENTATIVO
Explicar uma verdade em uma
visão racionalizante para
influenciar o interlocutor
Organização da lógica
argumentativa
A colocação em
argumentação
(procedimentos semânticos e
discursivos)
Tabela 8 Modos de organização do discurso
Fonte: Charaudeau (1992: 642; 2008)
O discurso ultrapassa os códigos de manifestação linguageira uma vez que é o lugar
da encenação da significação.
O terceiro dispositivo do “jogo” da comunicação é a língua.
A língua (c) constitui a matéria verbal estruturada em categorias linguísticas que
são ao mesmo tempo, de modo consubstancial, uma forma e um sentido.
No ato de comunicação, não importa se a modalidade de língua é oral ou escrita.
Mas é importante considerar se os parceiros estão em presença um do outro, se o canal de
transmissão é oral, ou gráfico, se a troca é permitida, ou não e, sobretudo, se a situação é
interlocutiva ou monolocutiva. Tais características que remontam à situação de
81
comunicação possibilitam constatar as consequências das estratégias postas em prática pelo
sujeito comunicante para agir sobre o sujeito interpretante.
O quarto e último componente do “jogo” da comunicação é o texto.
O texto (d) é a manifestação material (verbal, gestual, icônica etc.) da mise en scène
de um ato de comunicação, em uma situação dada, para servir ao Projeto de fala de um
sujeito comunicante. Os textos dão testemunho das escolhas conscientes ou inconscientes
que o sujeito realiza dentro das categorias de língua e dos modos de organização do
discurso, tendo em vista as restrições impostas pelo quadro físico e mental da situação.
3.2.5. Sentido de língua/compreensão x sentido de discurso/interpretação
Os pressupostos teóricos da Teoria Semiolinguística mostram-se adequados ao
embasamento teórico de nossa pesquisa, que pretende buscar alternativas para o processo
de interpretação nas escolas. Distinguir sentido de língua de sentido de discurso
(terminologia proposta por Patrick Charaudeau: 1995a, 1999: 29) é de fundamental
importância tendo em vista que o nosso objetivo é propor estratégias que ajudem o aluno a
ultrapassar o sentido de língua/compreensão e chegar ao sentido de discurso/interpretação.
No ato de comunicação, o sujeito comunicante tem por objetivo significar o mundo,
a partir de seus propósitos, para um sujeito interpretante. Nessa troca, ou seja, nesse
processo de transação, para proceder a uma análise do texto, o sujeito interpretante precisa
não só mobilizar o sentido das palavras e suas regras de combinação (langue) como
também construir um sentido que corresponda a sua intencionalidade (parole). Nesse
ponto, passa-se do sentido de língua ao sentido de discurso, tendo em vista que o sujeito
interpretante não busca o significado das palavras ou sua combinação (sentido de língua),
mas seu sentido social (sentido de discurso).
Charaudeau (1995a, 1999: 29) estabelece uma distinção entre sentido de língua e
sentido de discurso, tendo como base a noção referencial da língua. Tal distinção é
importante porque mostra a diferença entre dois processos tomados comumente como
idênticos a compreensão e a interpretação.
82
O sentido de língua refere-se ao mundo de maneira transparente, construindo uma
imagem de um locutor-ouvinte-ideal, ou seja, uma visão simbolizada referencial do
mundo. O sentido linguístico trabalha apenas com um signo linguístico capaz de associar o
significante a um significado pleno nas suas relações sintagmáticas e paradigmáticas. O
movimento é centrípeto de estruturação de sentido, atribuindo às palavras traços
distintivos, pois age de acordo com uma sistematicidade intralinguística, baseada no
sistema.
Já o sentido discursivo caracteriza-se por sua opacidade em relação ao mundo, no
momento em que se refere ao próprio processo de enunciação e a um sujeito que se define
em relações múltiplas de intersubjetividade. Assim, o signo remete a algum significado,
mas este não pode ser visto a partir de um valor absoluto e autônomo, mas apenas como
portador de um sentido potencial que precisa ser articulado com outros signos e com a
prática social para que seja construído o sentido discursivo.
No sentido de discurso, o significante pode ter múltiplos sentidos, pois, para
Charaudeau (1995a, 1999), as palavras não valem por si, mas quando estão relacionadas a
um “ailleurs” (contexto). Nesse caso, o sujeito que interpreta um texto não busca o sentido
intrínseco das palavras (significado referencial), mas seu valor social e seu peso na troca
interativa.
De acordo com Charaudeau (1994), o signo é o resultado de uma tríplice
conceptualização: referencial (ele recorta a materialidade do mundo), contextual (ele
significa em relação com outros signos) e situacional (ele mostra os “enjeux” do discurso:
o que está em jogo). O signo, assim, é construído com a atualização simultânea dessas três
dimensões.
O sentido discursivo, ao contrário do sentido linguístico, é construído como
resultante da força centrífuga que relaciona as palavras e sequências portadoras de sentidos
de língua com outras palavras e sequências que se acham registradas na memória de
experiência do sujeito.
Dessa forma, o sentido de língua resulta de um processo semântico-linguístico de
ordem categorial e o sentido de discurso resulta de um processo semântico-discursivo de
ordem inferencial.
Ao mobilizar as regras de comunicação (langue), o sujeito comunicante constrói
um sentido literal ou explícito, ou seja, um sentido de língua que se mede segundo critérios
83
de coesão. Por outro lado, há o sentido indireto ou implícito, ou seja, um sentido de
discurso, que se mede segundo critérios de coerência.
O processo de ordem categorial que termina no reconhecimento do sentido de
língua pode se chamar “compreensão”. E o processo duplo (discursivo e situacional) de
ordem inferencial, que leva ao reconhecimento construção do sentido de discurso
problematizado e finalizado - pode ser chamado de “interpretação”.
Assim, o “mundo significado” construído pelo sujeito comunicante e que se
encontra contido num texto torna-se para vários sujeitos destinatários possíveis, de um
lado, um mundo comumente significado (atividade de compreensão) e, por outro lado, um
mundo diversamente significado (atividade de interpretação), em que cada sujeito
destinatário é um agente dessa diversificação.
Processo de transação
CONTRATO DE COMUNICAÇÃO
< > < >
Processo de transformação Processo de transformação
COMPREENSÃO INTERPRETAÇÃO
Gráfico 13 O processo de semiotização do mundo atrelado aos processos de compreensão e
interpretação
Fonte: Charaudeau (2006a: 42; 114)
Para que o sujeito interpretante consiga chegar ao sentido de discurso, ou seja,
consiga perceber as intenções do sujeito comunicante, são necessários, pelo menos, dois
processos: primeiramente, por meio da seleção do material linguístico, ocorre a operação
de semiotização e, depois, na arrumação desse material, ocorre a organização dos
elementos discursivos, em modos específicos de organização da matéria discursiva.
O primeiro processo (seleção do material linguístico) abrange várias operações,
que consistem em dar conta de um modo de existência dos seres do mundo. Tais operações
são:
Mundo a
significar
Texto bruto
I
nstância de
produção
Sujeito comunicante
Mundo
significado
Texto
decodificado
Instância de
recepção
Sujeito interpretante
Mundo
significado
Texto
interpretado
84
a) operação de identificação: designar os seres, nomeando-os e classificando-os uso
de substantivos;
b) operação de qualificação: mostrar as propriedades dos seres ou informações a seu
respeito - uso de adjetivos;
c) operação de processualização, ou representação dos fatos e das ações: sinalizar as
mudanças de estado dos seres - uso de verbos e advérbios;
d) operação de modalização ou explicação: explicitar a razão de ser e de fazer dos
seres, marcando o ponto de vista do locutor sobre alguns elementos discursivos -
uso de modalizadores.
e) operação de relação: especificar as regras de combinação e de hierarquização nos
níveis sintático e semântico uso de operadores lógicos.
O segundo processo (modos de organização do discurso) corresponde à
organização dos elementos discursivos em textos. São eles: o modo enunciativo, o modo
descritivo, o modo narrativo e o modo argumentativo de que já tratamos no tópico 3.2.4.
.
O reconhecimento da seleção do material linguístico e dos modos de organização
do discurso permite compreender melhor as significações específicas de cada texto
particular. E, cabe ao sujeito interpretante perceber essas significações. Porém, às vezes,
mesmo com todas as pistas dadas pelo sujeito comunicante, o sujeito interpretante não
consegue chegar ao sentido de discurso pretendido pelo sujeito produtor do texto. Além
disso, um texto pode ter sentidos diferentes, dependendo do sujeito leitor. O sentido de
língua será o mesmo para qualquer leitor, mas o de discurso dependerá da bagagem
cultural de cada um.
Dessa forma, toda relação entre o sujeito comunicante e o sujeito interpretante está
relacionada com a compreensão, a interpretação e, ainda, com a intercompreensão.
O ato de compreensão se limita, então, a reconhecer o sentido de língua; o ato de
interpretação coloca esse sentido de língua em relação com as condições que presidem à
finalização prática do ato de comunicação e a intercompreensão consiste no grau de
recuperação entre o sentido do discurso projetado pelo sujeito comunicante e o construído
pelo sujeito interpretante.
85
SENTIDO DE LÍNGUA
COMPREENSÃO
SENTIDO DE DISCURSO
INTERPRETAÇÃO
INTERCOMPREENSÃO
Gráfico 14 Compreensão, interpretação e intercompreensão
Fonte: Charaudeau (1995a, 1999) Criação nossa.
Sendo assim, uma linguística do discurso deve integrar, na sua análise, as condições
de produção do ato de linguagem, construindo um objeto multidimensional que opera entre
o mundo (como real construído), a linguagem (como forma-sentido) e um sujeito
intersubjetivo em situação de interação social.
Assim, para Charaudeau (1995a, 1999
), entender os sentidos de um texto significa
ultrapassar o sentido de língua e chegar ao sentido de discurso. Penetrar nas entrelinhas de
um texto não é tarefa muito fácil, daí a necessidade de um trabalho sistemático com os
alunos.
86
3.3. Articulação de Teorias: a Semiolinguística e a Linguística
(...) Uma vez que postulamos que o homem, ao se expressar através da língua,
manifesta, explícita ou implicitamente, o seu ponto de vista, acreditamos na
necessidade de a escola possibilitar ao educando o reconhecimento dos valores
veiculados pelos discursos de outrem, bem como pelos seus próprios, levando-
o a assumir efetivamente o seu papel de cidadão consciente, crítico e atuante.
Sendo assim, cabe ao professor, dentre outras atribuições, organizar ações
que tornem os alunos aptos a desvelarem os implícitos nas práticas de
linguagem incluindo intenções, valores, preconceitos, explicitação de
mecanismos de desqualificação de posições, entre outros itens. [Grifos das
autoras].
(Gavazzi & Eduardo, 2005: 87)
Não basta que o leitor reconheça o sentido de língua, ou seja, o sentido linear das
palavras e frases para que perceba a mensagem pretendida pelo sujeito comunicante, mas
que penetre nas sutilizas do texto, isto é, chegue ao sentido de discurso, a fim de que
reconheça as ideias que estão implícitas no texto. Portanto, o leitor precisa ir além do
significado literal das palavras para interpretar o que lê.
3.3.1. Compreender e interpretar: o texto como processo de decodificação e interpretação
da realidade
Para entender melhor a diferença entre sentido de língua e sentido de discurso,
podemos nos valer dos três níveis da competência linguística estabelecidos por Coseriu
(1980: 93). Pode-se perceber que, embora sob ângulos de análise diferentes, os dois autores
Charaudeau e Coseriu abordam a questão do “compreender” e do “interpretar” como
sendo processos distintos, ainda que complementares.
Dessa forma, em contribuição aos estudos linguísticos, Coseriu (1980) identificou
três níveis da linguagem, como atividade universalmente humana o nível universal, o
histórico e o individual.
87
No nível universal, a linguagem, considerada como atividade, é o falar em geral,
não determinado historicamente. Corresponde ao saber elocucional que todos possuem.
Refere-se à realidade extralinguística, ou seja, ao designado. Para se comunicar, o leitor
precisa ter conhecimento dessa realidade extralinguística.
No nível histórico, a linguagem como atividade é a língua concreta, tal como se
manifesta no falar. É a língua como saber tradicional de uma comunidade, que recebe os
significados atribuídos pelos falantes dessa comunidade. Trata-se do saber idiomático, ou
seja, cada comunidade tem a sua própria língua.
Já no nível individual, a linguagem como atividade é o discurso, isto é, o ato
linguístico de um determinado indivíduo numa situação dada. Trata-se do saber
expressivo, próprio de cada pessoa. É ainda neste nível que se constrói o sentido, a
interpretação.
Sintetizando,
Pontos de vista
Níveis
atividade
saber
conteúdo
produto
UNIVERSAL falar em geral saber
elocucional
designação totalidade do
“falado”
HISTÓRICO
língua concreta saber idiomático significado língua abstrata
INDIVIDUAL
discurso saber expressivo sentido texto
Tabela 9 Níveis de estruturação da linguagem
Fonte: Coseriu (1980: 93) Adaptação nossa.
Assim, em todo ato de comunicação se realizam e manifestam esses três tipos de
saberes linguísticos, relativos aos três planos linguísticos, que, por sua vez, correspondem,
ainda, a três tipos diferentes de conteúdo linguístico:
88
a) a designação (ou referência), que se refere à realidade extralinguística e corresponde
ao plano linguístico geral (universal) e ao saber elocucional;
b) o significado, que se refere ao conteúdo designado linguisticamente em uma
determinada língua, vinculado ao plano linguístico particular (histórico) e ao saber
idiomático e, ainda,
c) o sentido, que é o dito no texto, ou seja, o conteúdo linguístico expresso por meio da
designação e do significado; refere-se ao plano do discurso (individual) e ao saber
expressivo (à competência textual).
Estabelecendo uma relação entre o processo de semiotização do mundo da teoria
Semiolinguística de Patrick Charaudeau (1995a, 1999) e os níveis de estruturação da
linguagem de Coseriu (1980), teríamos o seguinte gráfico:
89
Gráfico 15 Semiotização do mundo x níveis de estruturação da linguagem
Fonte: Carvalho (2004: 22). Adaptação nossa.
Sentido
de
mundo
MOVIMENTO
CENTRÍ
FUGO
Saber expressivo
Sentido
Processo de ordem inferencial
PAROLE
Sentido indireto ou implícito
Critérios de coerência
MOVIMENTO CENTRÍPETO
Saber idiomático
Significado
Processo de ordem categorial
LANGUE
Sentido direto
ou explícito
Critérios de coesão
Compreensão
Sentido de língua
Interpretação
Sentido de discurso
90
Para chegar ao sentido de discurso”, o sujeito interpretante precisa, portanto,
realizar o processo interpretativo que consiste em determinar, no texto, as relações
significativas pretendidas pelo sujeito comunicante. O processo interpretativo, segundo
Carvalho (1973: 351-2) compreende três fases: identificação das identidades linguísticas de
que se compõe o texto, os respectivos valores significativos e a identificação da realidade
designada.
Assim, o sentido não é construído apenas por intermédio da relação língua / mundo,
mas pela relação que subordina a referência ao mundo (a proposicional) à
intersubjetividade dos interlocutores: eu e tu (a relacional).
MUNDO
(ELE)
EU ----------------------------------- TU
Gráfico 16 Construção do sentido
Fonte: Charaudeau (1996: 7)
A significação, por sua vez, é construída por meio de dois espaços de produção de
sentido (externo e interno) e de dois espaços enunciativos de produção (EU)/ interpretação
(TU) com a interposição de uma avaliação. A linguagem não se reduz à articulação de
alguns enunciados, mas é o resultado de uma ampla combinação textual que se articula
sobre dois planos, o do enunciado e o da enunciação.
Diante disso, podemos dizer que a comunicação é um jogo. Depende de uma
atividade estratégica (conjunto de estratégias discursivas) que considera as determinações
do quadro situacional. Além disso, o ato de linguagem é o produto da ação de seres
psicossociais que são testemunhas, mais ou menos conscientes, das práticas sociais e das
representações imaginárias da comunidade a que pertencem.
Segundo a teoria gerativa de Chomsky apud (Charaudeau: 2001b: 27), o ato de
linguagem se constitui a partir de um “locutor-ouvinte-ideal” e de um processo simétrico
entre aquele que o produz e aquele que o recebe e o decodifica. Isso significa dizer que o
sujeito comunicante não está sozinho; há sempre o outro que pode estar presente, ou não,
no ato da enunciação.
91
Nesse contexto, os processos de “compreender” e “interpretar” são processos ativos
e criativos, porque aquele que compreende e interpreta participa do diálogo, continuando a
criação de seu interlocutor. A cada palavra do outro fazemos corresponder uma série de
palavras nossas, formando uma réplica. Como já vimos, para Bakhtin (2000), o sentido de
um enunciado não está na palavra nem na alma do sujeito que comunica, assim como
também não está na alma do sujeito que interpreta; o sentido de um enunciado é o efeito da
interação entre esses dois sujeitos.
E, para que a comunicação possa atingir a finalidade esperada pelo sujeito
comunicante, é imprescindível que os parceiros estejam ligados pelo que Charaudeau
chama de “contrato de comunicação” e que tenham um saber em comum; caso contrário,
a comunicação estará vazia de significados para o sujeito interpretante. Não basta falarem
a mesma língua, é preciso que se entendam culturalmente. O processo de comunicação é
uma co-construção de sentido, ou seja, não dispensa a participação de um dos sujeitos.
Cada um tem a sua função dentro do processo. O texto, como resultante é, portanto, uma
configuração de sentido.
3.3.2. O texto e suas múltiplas possibilidades de leitura: pressupostos e inferências
Para que os sujeitos falantes possam comunicar-se eficazmente, é preciso que
utilizem um mesmo código linguístico, um mesmo conjunto de significantes e significados.
E, mesmo assim, ainda é possível ocorrerem mal-entendidos, tendo em vista que, numa
língua qualquer, é comum que um plano da expressão (um significante) seja suporte para
mais de um plano de conteúdo (significado), ou seja, que um mesmo termo tenha vários
significados.
Trabalhar essa polissemia das palavras com os alunos é de fundamental importância
quando se fala em interpretação. Às vezes, a dificuldade de interpretar o que se lê, o que se
ouve ou o que se vê tem como um dos motivos o não conhecimento da plurissignificação
da linguagem. Por exemplo, é com essa polissemia que os textos humorísticos são
construídos. Para provocar o riso, alguns termos são usados com ambiguidade, dada a
possibilidade de polissemia; muitas informações ou se encontram pressupostas, ou se
encontram subentendidas, cabendo ao leitor desvendá-las.
92
As palavras e enunciados de uma língua podem operar em dois eixos de
significação: o eixo denotativo e o eixo conotativo.
Uma palavra tem valor denotativo quando o sujeito comunicante a utiliza em seu
sentido literal, ou seja, aquele que corresponde à primeira significação atribuída às
palavras. Quando, por exemplo, contamos uma piada e o nosso interlocutor não a entende,
é porque apreendeu todas as palavras no eixo denotativo. Ele não conseguiu ultrapassar o
sentido de língua”, de acordo com Charaudeau (1995a, 1999).
O “sentido de discurso” (Charaudeau (1995a, 1999)) está relacionado com o eixo
conotativo. Uma palavra ou enunciado tem valor conotativo quando seu sentido não é
tomado literalmente, mas é ampliado e modificado pelo sujeito comunicante, que usa a
linguagem, com o objetivo de obter um efeito particular, em um contexto específico de
interlocução. É o que acontece no contexto das piadas. O riso é provocado pelos implícitos
dos enunciados.
Alguns autores, ao invés de utilizarem as terminologias “denotação” e “conotação”,
falam em “sentido literal” e “sentido não-literal ou figurado”.
Assim, o sentido literal é um sentido básico que entendemos quando usamos a
língua em situações naturais. Segundo Marcuschi (2008: 235), não se trata de sentido
dicionarizado, nem de uma oposição ao sentido figurado, e sim daquele sentido que é
construído como preferencial. Não se pode vincular o sentido literal de forma automática a
palavras, pois elas podem ter vários sentidos literais.
O sentido não-literal ou figurado pode ser visto como uma ampliação do sentido
literal ou denotativo e origina-se de alguma semelhança real ou pressuposta entre o
contexto de manifestação do sentido literal e o novo contexto em que esse sentido se
expande, para cobrir outras situações.
SENTIDO LITERAL SENTIDO NÃO-LITERAL
Automático
Obrigatório
Normal
Não-marcado
Indispensável
Não-figurativo
Não-automático
Opcional
Fortuito
Marcado
Dispensável
Figurativo
Indireto
Tabela 10 Sentido literal x sentido não-literal
Fonte: Mira Ariel (2002: 363) apud Marcuschi (2008: 235)
93
Estabelecendo uma associação com a teoria Semiolinguística de Charaudeau
(1995a, 1999) e com a classificação proposta por Coseriu (1980), temos a seguinte tabela:
SENTIDO LITERAL
SENTIDO DE LÍNGUA
transparente
sentido direto ou explícito
processo de ordem categorial
saber idiomático
significado
SENTIDO NÃO-LITERAL
SENTIDO DE DISCURSO
opaco
sentido indireto ou implícito
processo de ordem inferencial
saber expressivo
sentido
Tabela 11 - Sentido literal/sentido de língua X sentido não-literal/sentido de discurso
Fonte: Mira Ariel (2002) apud Marcuschi (2008); Charaudeau (1995a, 1999); Coseriu (1980)
Assim, toda palavra tem um significado denotativo, já que em toda palavra se
pressupõem reciprocamente dois planos: o plano de conteúdo (significado) e o plano de
expressão (significante).
Sobreposto ao significado denotativo, implanta-se o significado conotativo, que
consiste num novo plano de conteúdo, investido no signo como um todo. O sentido
conotativo varia de cultura para cultura, de classe social para classe social, de época para
época. Saber depreender a força conotativa das palavras em cada tipo de cultura é
indispensável para usá-las bem.
Além do jogo denotação/conotação, outro importante aspecto no processo de
construção do sentido de um texto é o papel desempenhado pelas informações implícitas,
as quais serão divididas aqui, em pressupostos e subentendidos.
Segundo Kerbrat-Orecchioni (1986: 21- 22)
11
, os conteúdos implícitos
(pressupostos e subentendidos) têm em comum a propriedade de não constituir em
princípio o verdadeiro objeto do dizer, enquanto os conteúdos explícitos correspondem em
11
Original em francês: “(...) les contenus implicites (présupposés et sous-entendus) ont en commun la
propriété de ne pas constituer en principe (...) le véritable objet du dire, tandis que les contenus explicites
correspondent, en principe toujours, à l’objet essentiel du message à transmettre, ou encore sont dotés, (...)
de la plus grande pertinence communicative.” (pp. 21-22).
94
princípio sempre ao objeto essencial da mensagem a transmitir, ou ainda são dotados (…)
de maior pertinência comunicativa.
Vejamos a distinção entre pressupostos e subentendidos.
Segundo Ilari (2001: 85),
Diz-se que uma informação é pressuposta quando ela se mantém mesmo
que neguemos a sentença que a veicula. (...) Sempre que um certo conteúdo está
presente tanto na sentença como em sua negação, dizemos que a sentença
pressupõe esse conteúdo.
Pressupostos, assim, são aquelas ideias não expressas de maneira explícita, mas que
o leitor pode perceber a partir de certas palavras ou expressões contidas na frase. Na frase
“Pedro deixou de beber” diz-se explicitamente que, no momento da fala, Pedro não bebe.
O verbo “deixar”, todavia, pressupõe que Pedro bebia antes.
Segundo Platão; Fiorin (1990), a informação pode ser questionada pelo ouvinte,
que pode, ou não, concordar com ela. Os pressupostos, no entanto, têm que ser verdadeiros
ou, pelo menos, admitidos como verdadeiros, porque é a partir deles que se constroem as
informações explícitas. Se o pressuposto é falso, a informação explícita não tem sentido.
No exemplo comentado anteriormente, se Pedro não fumava antes, não tem cabimento
dizer que ele deixou de fumar.
Em outras palavras, o pressuposto tem uma marca linguística: o posto. O posto
pode ser negado, mas o pressuposto, não. Por exemplo, em “João parou de bater na
mulher.”, temos o posto (João parou de bater na mulher.) e o pressuposto (João batia na
mulher.). Se negarmos o pressuposto, o posto torna-se incoerente.
Como afirma Kerbrat-Orecchioni (1986: 26; 29)
12
, os pressupostos são inscritos na
língua, e o contexto intervém apenas para levantar uma possível polissemia. Além disso, os
conteúdos veiculados em pressuposições correspondem, normalmente, a realidades já
conhecidas e admitidas pelo destinatário.
Dessa forma, os pressupostos fazem parte de muitos textos, tendo em vista que
explicitá-los significaria, muitas vezes, informar o óbvio, o esperado em um dado contexto.
12
Original em francês: “(...) les présupposés sont inscrits en langue, et le co(n)texte n’intervient que pour
lever une éventuelle polysémie (...)” (p.26); “(...) les contenus formulés en présupposés sont censés
correspondre à des réalités déjà connues ed admises par le destinataire soit qu’ils relèvent de son savoir
encyclopédique spécifique, soit qu’ils correspondent à des ‘évidences’ supposées partagées par l’ensemble
de la communauté parlante: (...)” (p. 29, 30).
95
Outro importante aspecto no processo de construção de sentidos é o subentendido,
também chamado de implícito e, na pragmática, considerado como implicatura
conversacional
Quando uma informação não é dita, mas tudo o que é dito nos leva a identificá-la,
estamos diante de algo subentendido ou inferível. Os diversos tipos de conhecimento de
mundo (ou modelos cognitivos, a saber, os frames, os esquemas, os planos, os scripts) que
precisamos partilhar com o produtor do texto estão implícitos e precisam ser inferidos por
nós. Nada é gratuito num texto, tudo tem sentido, é fruto de uma intenção consciente ou
inconsciente. Assim, para captar os implícitos, o leitor precisa inferir.
Podemos definir inferência como o processo de raciocínio segundo o qual se
conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.
De acordo com Koch & Travaglia (1990: 65),
Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma
série de inferências para podermos compreendê-los integralmente. Se assim não
fosse, nossos textos teriam que ser excessivamente longos para poderem
explicitar tudo o que queremos comunicar.
Marcuschi (2008: 254, 255) identifica uma série de inferências, separando-as em
três grupos principais: inferências de base textual, inferências de base contextual e
inferências sem base textual e contextual, como veremos no gráfico a seguir.
96
lógicas
dedutivas
indutivas
abdutivas
condicionais
sintáticas
De base textual
semânticas
associativas
generalizadoras
correferenciais
pragmáticas
intencionais
conversacionais
avaliativas
experienciais
De base contextual
cognitivas
esquemáticas
analógicas
composicionais
falseadoras
Sem base textual e
contextual
extrapoladoras
Gráfico 17 Tipo de inferências
Fonte: Marcuschi (2008: 254, 255)
Além desse gráfico, Marcuschi (2008: 255), estabelece um quadro de operações
que permite entender o que ocorre com cada tipo de inferência. Segundo o autor, embora
haja vários tipos de inferências, no nosso dia-a-dia, procedemos muito mais por raciocínios
práticos do que por raciocínios lógicos em sentido estrito.
O gráfico, a seguir, proposto por Marcuschi, é dividido em tipo de operação
inferencial, natureza da inferência e condições de realização. Um tipo de operação
inferencial pode ter uma única natureza, como a dedução e a indução, que são de natureza
lógica, mas também, pode apresentar, simultaneamente, naturezas distintas, como a
particularização, que é de natureza lexical, semântica e pragmática.
97
Tipo de operação
inferencial
Natureza da
inferência
Condição de realização
1. dedução lógica Reunião de duas ou mais informações textuais que funcionam como
premissas para chegar a outra informação logicamente. A conclusão será
necessária se a operação for válida.
2. indução lógica Tomada de várias informações textuais para chegar a uma conclusão com
valor de probabilidade de acordo com o grau de verdade das premissas.
3. particularização lexical
semântica
pragmática
Tomada de um elemento geral de base lexical ou fundado em
experiências e conhecimentos pessoais individualizando ou
contextualizando num conteúdo particular com um lexema específico.
4. generalização lexical
pragmática
Saída de uma informação específica, por exemplo, um lexema, para
chegar à afirmação de outra mais geral.
5. sintetização lexical
semântica
pragmática
Condensação de várias informações tomando por base saliências lexicais
ou cognitivas por associação de ideias.
6. parafraseamento lexical
semântica
Alteração lexical para dizer a mesma informação sem alteração
fundamental de conteúdo proposicional.
7. associação lexical
semântica
pragmática
Afirmação de uma informação obtida através de saliências lexicais ou
cognitivas por associação de ideias.
8. avaliação ilocutória lexical
semântica
pragmática
Atividade de explicitação dos atos ilocutórios com expressões
performativas que os representam. Funciona como montagem de um
quadro para explicitação de intenções e avaliações mais globais.
9. reconstrução cognitiva
pragmática
experiencial
Reordenação ou reformulação de elementos textuais com quadros total ou
parcialmente novos. Diverge do acréscimo na medida que insere algo
novo situado no velho.
10. eliminação cognitiva
experiencial
lexical
Exclusão pura e simples de informações ou dados relevantes e
indispensáveis, impedindo até mesmo a compreensão dos dados que
permanecem.
11. acréscimo pragmática
experiencial
Introdução de elementos que não estão implícitos nem são de base
textual, sendo que muitas vezes podem levar até a contradições e
falseamentos.
12. falseamento cognitiva
experiencial
Atividade de introduzir um elemento e afirmar uma proposição falsa que
não condiz com as informações textuais ou não pode ser dali inferida.
Tabela 12 Raciocínios utilizados em cada tipo de inferência
Fonte: Marcuschi (2008: 255)
98
Essa série de operações e suas respectivas condições de realização arroladas por
Marcuschi (2008) possibilitam que se avalie o que é feito em termos inferenciais quando
compreendemos um texto.
Assim, as inferências são as insinuações escondidas por trás de uma informação.
Alguns tipos de textos, como as piadas, exploram, com malícia, os implícitos. Vejamos o
exemplo a seguir:
A babá sentada no banco da praça, tomava conta da criança.
Um velhinho sirigaita puxou assunto:
- Eu posso me esconder onde quiser que meu cachorro me acha.
A moça deu uma cheiradinha no ar e disse:
- Já experimentou tomar um banho, antes?
(PINTO, Ziraldo Alves. Mais anedotinhas do bichinho da maçã. São Paulo:
Melhoramentos, 1998, p. 43)
Nessa piada, a moça fez-se de desentendida e lançou mão de uma inferência a partir
de um dado contextual que o leitor não domina: o mau cheiro do velhinho. Assim, ela
rejeita a aproximação, acusando, implicitamente, o velhinho de “mau cheiroso”. A fala do
velhinho passa a ter outro sentido quando temos uma nova informação a respeito dele,
dada pela atitude e fala da moça. O cão consegue encontrá-lo em qualquer lugar em função
do mau cheiro.
Podemos fazer várias operações inferenciais para chegar ao implícito do texto. Por
meio da fala do narrador A moça deu uma cheiradinha no ar e disse: e da fala da
personagem moça - Já experimentou tomar um banho, antes?” (operação inferencial de
dedução) chegamos a uma outra informação lógica: o cão consegue encontrar o velhinho
em qualquer lugar em função do mau cheiro.
A partir dessa operação de dedução, podemos estabelecer outras associações:
Inferência 1: O velho tem mau cheiro.
Inferência 2: O velho não gosta de tomar banho.
Inferência 3: O cão consegue encontrar o velho pelo mau cheiro etc.
Nesse exemplo, também podemos dizer que o velhinho infringiu três máximas a
da Quantidade, da Relação e de Modo. Ele iniciou uma conversa desnecessária para se
99
aproximar da moça, dizendo coisas irrelevantes e não foi claro. Assim, permitiu que a babá
inferisse e chegasse à conclusão de que ele não toma banho.
O subentendido difere do pressuposto num aspecto importante: o pressuposto é um
dado posto como indiscutível para o falante e para o ouvinte, não é para ser contestado; o
subentendido é de responsabilidade do ouvinte, pois o falante, ao deixar a informação
implícita, pode esconder-se por trás do sentido literal ou polissêmico das palavras, ou
ainda, do contexto circunstancial e pode dizer que não estava querendo afirmar o que o
ouvinte depreendeu.
Quando observamos um fato ou ouvimos uma frase, tiramos certas conclusões a
partir de dados que se encontram implícitos, ou seja, contidos no fato ou na frase. Não é
necessário que todas as ideias sejam explicitadas para que possamos tirar nossas
conclusões, como na frase a seguir:
O carnaval foi menos violento este ano., podemos fazer várias generalizações:
Inferência 1 houve campanhas de esclarecimento à população;
Inferência 2 o maior policiamento nas ruas evitou a violência;
Inferência 3 o governo se empenhou mais na proteção ao cidadão etc.
Podemos tirar essas conclusões, porque a frase apresenta indícios que serão
completados com nosso conhecimento da realidade brasileira, do contexto sócio-cultural-
econômico em que vivemos. Estamos, portanto, sempre complementando e interpretando o
que vemos e ouvimos com nosso repertório de informações. Nossos textos não precisam
ser prolixos e redundantes. O leitor pode complementar a leitura do texto com base em
seus dados de leitura da realidade.
Dessa forma, na leitura e interpretação de um texto, é muito importante detectar os
pressupostos e os subentendidos, pois se constituem como recursos argumentativos
utilizados com vistas a levar o ouvinte ou o leitor a aceitar o que está sendo comunicado.
Ao introduzir uma ideia sob a forma de pressuposto, por exemplo, o falante transforma o
ouvinte em cúmplice, uma vez que essa ideia não é posta em discussão e todos os
argumentos subsequentes só contribuem para confirmá-la.
100
3.4. O papel social da leitura e da escrita: o que é ser letrado?
(...) A leitura de mundo precede a leitura da palavra, (...) a leitura da palavra não
é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-
lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática
consciente.
(Freire, 1989: 11-20)
Até aqui abordamos alguns conceitos fundamentais para o entendimento do processo
de interpretação. Por que é tão importante saber escrever, ler e interpretar? Por que a
dificuldade dos alunos em entenderem o que leem preocupa tantos educadores? Qual a
importância da leitura em nossa sociedade? Como está o nível de alfabetismo (leitura) dos
brasileiros? Será que a deficiência em interpretar o que lê é só de alguns grupos de alunos
ou é um problema nacional? Tentaremos nos aprofundar um pouco mais nessas questões.
Nos dias de hoje, saber ler e escrever de forma mecânica tem-se revelado condição
insuficiente para responder adequadamente às demandas da sociedade. Há alguns anos, não
muito distantes, bastava que a pessoa soubesse assinar o nome, porque dela, só interessava
o voto. Hoje, saber ler e escrever de forma mecânica não garante a uma pessoa interação
plena com os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade. É preciso ser capaz de
não apenas decodificar sons e letras, mas entender os significados e usos das palavras em
diferentes contextos.
Afinal, o que falta a uma pessoa que sabe ler e escrever? Por que muitos terminam a
Educação Básica e não conseguem entender uma bula de remédio ou redigir uma simples
carta? Para Moacir Gadotti apud Vargas (2000: 14):
O ato de ler é incompleto sem o ato de escrever. Um não pode existir sem o
outro. Ler e escrever não apenas palavras, mas ler e escrever a vida, a história.
Numa sociedade de privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio. Ensinar
o trabalhador apenas a escrever o nome ou assiná-lo na carteira profissional,
ensiná-lo a ler alguns letreiros na fábrica como perigo, atenção, cuidado, para
que ele não provoque algum acidente e ponha em risco o capital do patrão não é
suficiente... Não basta ler a realidade. É preciso escrevê-la. [Grifo da autora].
101
A preocupação com o analfabetismo funcional (terminologia que a Unesco
recomendara nos anos 70 e que o Brasil passou a usar somente a partir de 1990, segundo a
qual a pessoa apenas sabe ler e escrever, sem saber fazer uso da leitura e da escrita) levou
os pesquisadores ao conceito de “letramento” em lugar de “alfabetização”. O conceito de
alfabetização tornou-se insatisfatório. Segundo Soares (2000a: 1),
Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um
jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma
carta, é alfabetizada, mas não é letrada.
Assim, nas sociedades letradas, decodificar sons e letras é insuficiente para
vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas da sociedade. Mas, o que é
letramento? Que é uma pessoa letrada? Quando se pode dizer que uma criança ou um
adulto estão letrados? É possível trabalhar a leitura e a escrita letrando?
Mesmo que não consigamos responder a todas essas questões, somos conscientes
de que é preciso um novo olhar, um jeito diferente de caminhar, a fim de conduzirmos o
processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita de modo significativo tanto para
crianças como para jovens e adultos. É preciso repensarmos o processo de interpretação
textual nas escolas, ou seja, com quais conteúdos trabalhar a fim de desenvolvermos nos
alunos a capacidade de inferir e chegar aos possíveis significados de um texto?
3.4.1. Qual a origem da palavra letramento?
Segundo Soares (2000a: 15), a palavra “letramento” surge no discurso dos
especialistas nas áreas de Educação e de Ciências da Linguagem na segunda metade dos
anos 80. Uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato, de 1986, em que a
autora afirma que
(...) a chamada norma-padrão, ou língua falada culta é conseqüência do
letramento, motivo por que indiretamente, é função da escola desenvolver no
aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita.
102
É interessante observar que, mesmo Kato não tendo definido o que é letramento, ser
letrado não se trata apenas de saber ler e escrever. A missão do professor é a de orientar o
aluno na aquisição da flexibilidade linguística necessária ao desempenho adequado que lhe
será exigido em sociedade. Analisar diferentes textos, compará-los, pesquisar os porquês
das diferenças, construir regras sobre o uso da língua e, a partir das descobertas, reescrever
textos são práticas que produzem excelentes resultados na capacitação do aluno no uso da
língua. Nesse sentido, letrar é mais que ensinar a ler e a escrever.
Em 1988, dois anos depois da publicação de Mary Kato, Leda Verdiani Tfouni
publica um livro intitulado “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”, em que no
capítulo introdutório distingue alfabetização, de letramento.
Desde então, a palavra “letramento” torna-se cada vez mais frequente no discurso
escrito e falado de especialistas, de tal forma que, em 1995, já figura em título de livro
organizado por Ângela Kleiman e em outro livro de Leda Verdiani Tfouni.
Afinal, de onde vem a palavra letramento?
Sabe-se que a palavra “letramento” é versão para o português da palavra da língua
inglesa “literacy”, que pode ser traduzida como a condição ou estado que assume aquele
que aprende a ler e escrever. Segundo Soares (2000a: 17), está implícita no conceito de
“literacy” a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer
para o indivíduo que aprenda a usá-la. Um indivíduo letrado é capaz de envolver-se nas
práticas sociais de leitura e de escrita. Diante disso, qual a diferença entre letrado e
alfabetizado?
3.4.2. É alfabetizado ou letrado? Letrar é mais que alfabetizar?
Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever. Já letrado é aquele que
sabe ler e produzir textos, dos mais variados gêneros e temas. Um escritor competente deve
saber selecionar o gênero apropriado a seus objetivos e à circunstância em que realizará
seu discurso.
Letrar é mais que alfabetizar. A alfabetização deve-se desenvolver em um contexto
de letramento como início da aprendizagem da escrita, como desenvolvimento de
103
habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Alfabetizar letrando é,
portanto, ensinar a ler e escrever o mundo, ou seja, no contexto das práticas sociais da
leitura e da escrita, tendo em vista que a linguagem é um fenômeno social.
O processo de ensino-aprendizagem de leitura e escrita na escola não pode ser
configurado como um mundo à parte. Deve ter a finalidade de preparar o sujeito para a
realidade na qual se insere. E, nesse contexto, cabe à escola propiciar ao aluno interação
plena com diferentes tipos de textos e trabalhar com ele conteúdos de interpretar. O texto
não pode servir apenas como pretexto para se trabalhar conteúdos gramaticais. Existem
conteúdos de interpretação textual.
É importante destacar que letramento não é um método. A discussão do letramento
surge sempre envolvida no conceito de alfabetização, o que tem levado a uma inadequada
e imprópria síntese dos dois conceitos, com prevalência do conceito de letramento sobre o
de alfabetização. Não podemos separar os dois processos, pois a princípio, a inserção do
aluno no universo da escrita e o desenvolvimento de habilidades da leitura e da escrita se
dá ao mesmo tempo, por meio desses dois processos: a alfabetização e o letramento.
O letramento inicia-se muito antes da alfabetização, ou seja, quando uma pessoa
começa a interagir socialmente com as práticas de letramento no seu mundo social. Como
afirma Freire (1989: 11-12),
(...) A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada
por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o
contexto.
Nesse sentido, se a leitura de mundo precede a leitura da palavra, um indivíduo
pode ser letrado, mas não alfabetizado. Por exemplo, um adulto mesmo não sabendo ler e
escrever pode pedir a alguém que escreva por ele, dita uma carta, pede a alguém que leia
para ele a carta que recebeu, ou uma notícia de jornal, ou uma placa na rua, ou a indicação
do roteiro de um ônibus etc. Essa pessoa não sabe escrever e não sabe ler, mas já conhece
as funções da escrita e da leitura, lançando mão do alfabetizado. Segundo Soares (2000a:
47), essa pessoa é analfabeta, mas é, de certa forma, letrada, ou tem um certo nível de
letramento. O mesmo acontece com crianças ainda não alfabetizadas. Para a autora
(ibidem),
104
uma criança que vive num contexto de letramento, que convive com livros, que
ouve histórias lidas por adultos, que vê adultos lendo e escrevendo, cultiva e
exerce práticas de leitura e de escrita: toma um livro e finge que está lendo (...),
toma papel e lápis e “escreve” uma carta, uma história. Ainda não aprendeu a ler
e escrever, mas é, de certa forma, letrada, tem já um certo nível de letramento.
Da mesma forma que é possível ter um certo nível de letramento e não ser
alfabetizado, um indivíduo pode ser alfabetizado mas não ter um bom nível de letramento.
É capaz de ler e escrever, porém, não possui habilidades para práticas que envolvem a
leitura e a escrita: não lê revistas, jornais, receitas de médico, bulas de remédio etc., ou
seja, apresenta grande dificuldade para interpretar textos lidos, como também, pode não ser
capaz de escrever uma carta ou bilhete.
Enfim, ser alfabetizado não é condição essencial para ser letrado. Na prática, vemos
alunos que chegam ao Ensino Médio e não entendem o que leem. É preciso que o processo
de leitura e escrita seja significativo, a fim de que o número de pessoas alfabetizadas e
letradas em nossa sociedade seja cada vez maior. Enquanto não atribuir à leitura o
verdadeiro valor que ela merece, a sociedade, de modo geral, continuará com a “mente
fechada” e incorrendo nos mesmos erros que sociedades passadas.
3.4.3. O INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
A iniciativa de criar um Indicador de Alfabetismo Funcional no Brasil, medindo
diretamente as habilidades da população por meio de testes, foi tomada por duas
organizações não-governamentais, a Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro.
Criado em 2001, o INAF/Brasil é baseado em entrevistas e testes cognitivos
aplicados a amostras nacionais de 2000 pessoas representativas dos brasileiros entre 15 e
64 anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais em todas as regiões do país.
O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional o INAF/Brasil foi publicado
anualmente entre 2001 e 2005, focalizando habilidades de leitura/escrita (2001, 2003 e
2005) e habilidades matemáticas (2002 e 2004).
O objetivo desse indicador é gerar informações que ajudem não só a compreender o
alfabetismo funcional como também a orientar a formulação de políticas educacionais e
105
propostas pedagógicas. Quais são as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros?
Quantos anos de escolaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios
de alfabetismo? Que outras condições favorecem o desenvolvimento de tais habilidades ao
longo da vida?
Com base nos resultados do teste de leitura, o INAF classifica a população estudada
em quatro níveis, como mostra a tabela a seguir:
Analfabeto Não consegue realizar tarefas simples que envolvem decodificação de palavras e
frases.
Alfabetizado Nível Rudimentar Consegue ler títulos ou frases, localizando uma informação
bem explícita.
Alfabetizado Nível Básico Consegue ler um texto curto, localizando uma informação explícita
ou que exija uma pequena inferência.
Alfabetizado Nível Pleno Consegue ler textos mais longos, localizar e relacionar mais de uma
informação, comparar vários textos, identificar fontes.
Tabela 13 Níveis de alfabetismo
Fonte: INAF (www.ipm.org.br)
Os resultados do INAF/Brasil ao longo do período 2001-2007 mostram que os
esforços em universalizar o acesso e estimular a permanência na escola têm produzido
resultados na melhoria das capacidades de alfabetismo da população brasileira. Porém,
mostram também que, além de ampliar o acesso, é preciso investir na qualidade, de modo a
que a escolarização garanta de fato as aprendizagens necessárias para que os cidadãos se
insiram de forma autônoma e responsável na sociedade moderna.
No Brasil, a aprovação automática, na grande maioria das escolas públicas, tem
propiciado o aumento do número de analfabetos funcionais. Os alunos concluem o Ensino
Fundamental, mas não demonstram competências no processo de leitura e escrita. A maior
preocupação política no Brasil é diminuir a evasão escolar, porque aluno na escola garante
verba, financiamentos. A qualidade no ensino vem em segundo plano.
106
A tabela, a seguir, mostra a evolução do indicador para o Total Brasil no período de
2001 a 2007.
INAF/BRASIL Evolução do Indicador
2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2007
Analfabeto
12% 13% 12% 11% 7%
Rudimentar
27% 26% 26% 26% 25%
Básico
34% 36% 37% 38% 40%
Pleno
26% 25% 25% 26% 28%
Escore Médio
100 98 100 101 105
Tabela 14 - Evolução do indicador para o Total Brasil no período de 2001 a 2007.
Fonte: INAF (www.ipm.org.br)
De acordo com esses dados,
o número de brasileiros de 15 a 64 anos classificados pelo INAF como “analfabetos
absolutos” vem caindo ao longo dos anos, totalizando 7% no mais recente
levantamento. O mesmo vem ocorrendo com a parcela dos indivíduos classificados no
nível rudimentar de alfabetismo, de 27% em 2001 para 25% em 2007;
em relação ao nível básico de alfabetismo, houve um aumento, passando de 33% em
2001 para 40% em 2007;
o nível pleno tem oscilado por volta de ¼ do total de brasileiros: 26% em 2001 e 28%
em 2007. É um percentual ainda muito pequeno, tendo em vista que no nível
rudimentar e básico as competências de leitura e escrita são bastante elementares. Isso
significa que só 28% de 2000 pessoas entrevistadas apresentam boa capacidade de
leitura e escrita.
a pontuação média ou escore (que equivale a uma “nota”) varia de 0 a 200, tendo seu
ponto médio ao redor de 100. Após oscilar ao redor da média nos primeiros 5 anos,
2007 mostra uma variação positiva: 105.
107
Apesar de algumas melhorias nos níveis verificados, 65% da população brasileira
ainda se encontra no nível rudimentar e básico. Isso significa dizer que essas pessoas só
conseguem ler pequenos textos e extrair inferências simples.
Internacionalmente, as medidas de alfabetismo funcional tomam por base os anos
de estudo da população, considerando analfabetos funcionais as pessoas que não
completaram pelo menos a 4ª série do Ensino Fundamental (hoje, no Brasil, 5º Ano de
Escolaridade). Supostamente, ao completar esta série, os alunos já deveriam dominar
habilidades básicas de alfabetismo. Analogamente, espera-se que, ao concluir o Ensino
Fundamental (8ª série: equivalente ao 9º Ano de Escolaridade), tais habilidades atinjam um
desenvolvimento que permita ao aluno uma inserção mais plena na cultura letrada.
Sem dúvida, quanto maior o nível de escolaridade, maior a chance de atingir bons
níveis de alfabetismo. Porém, no Brasil, os dados do INAF do período de 2001 a 2007
mostram também que nem sempre o nível de escolaridade garante o nível de habilidades
que seria esperado.
% de 1ª a
série
% de 5ª a 8ª
série
% Ensino
Médio
% Ensino
Superior ou
mais
% Total Brasil
(Pessoas com
alguma
escolaridade)
% Total Brasil
( Pessoas com
ou sem
escolaridade)
Analfabeto
12 1 0 0 4 11
Rudimentar
52 26 8 2 26 26
Básico
31 53 45 24 41 37
Pleno
5 20 47 74 29 26
Analfabetos
Funcionais
(Analfabeto +
Rudimentar)
64 27 8 2 30 37
Funcionalmente
Alfabetizados
(Básico + Pleno)
36 73 92 98 70 63
Tabela 15 Nível de escolaridade x nível de habilidades
Fonte: INAF (www.ipm.org.br)
108
Para classificar a população nos níveis, o INAF se baseia nas respostas obtidas nos
testes cognitivos aplicados. A pessoa não é classificada pela série escolar.
A análise dos níveis de alfabetismo por grau de escolaridade evidencia a realidade
da situação brasileira:
a maioria (64%) dos brasileiros entre 15 e 64 anos, que estudaram até a 4ª série,
atinge, no máximo, o grau rudimentar de alfabetismo, ou seja, esses brasileiros possuem,
no máximo, a habilidade de localizar informações explícitas em textos curtos e não são
capazes de compreender textos mais longos e localizar informações que exijam alguma
inferência;
12% dos que estudaram até a 4ª série podem ser considerados analfabetos absolutos
em termos de habilidades de leitura/escrita, não conseguindo nem mesmo decodificar
palavras e frases, ainda que em textos simples. Tal percentual pode ser uma das
consequências da aprovação automática;
dentre os que cursam ou cursaram da 5ª a 8ª série, apenas 20% pode ser
considerado plenamente alfabetizado, enquanto a maioria se enquadra no nível básico de
alfabetismo. Chama mais atenção o fato de que 26% dos que completaram entre 5 a 8
séries do Ensino Fundamental ainda permaneçam no nível rudimentar;
47% dos que cursaram ou estão cursando o Ensino Médio conseguiram atingir o
nível pleno de alfabetismo (esperado para 100% deste grupo), porém 45% ainda
permanecem no nível básico;
somente entre os que chegam ou completaram o Ensino Superior é que prevalecem
(74%) os indivíduos com pleno domínio das habilidades de leitura/escrita, o que também
levaria a esperar que fossem 100%.
Tais resultados do INAF reforçam a hipótese inicial deste trabalho de que as
pessoas, de um modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar o que leem,
independentemente do grau de escolarização.
Diante disso, qual o papel do professor na formação não só de alfabetizados, como
também de letrados? Como trabalhar a leitura e a escrita letrando? Se a educação é um
processo contínuo, que só termina com a morte do indivíduo, como então fazer com que
esse indivíduo sempre se interesse pelas práticas de leitura e de escrita? Como ajudá-lo a
viver numa sociedade grafocêntrica?
109
3.4.4. O papel do educador na formação de indivíduos letrados
Numa sociedade letrada, o objetivo do ensino deve ser o de aprimorar a
competência e melhorar o desempenho linguístico do estudante, tendo em vista a
integração e a mobilidade sociais dos indivíduos.
O ensino da leitura e da escrita deve ser entendido como prática de um sujeito que
age sobre o mundo para transformá-lo e, para, por meio da sua ação, afirmar a sua
liberdade e fugir à alienação.
É através da prática que desenvolvemos nossa capacidade linguística. Conhecer
diferentes tipos de textos não é, pois, decorar regras gramaticais e listas de palavras. No rap
Estudo Errado, Gabriel, o Pensador, diz com propriedade:
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi. Decoreba: este é o método de
ensino. Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino.
É lamentável que, no Brasil, a escola, lugar fundamental para a pessoa desenvolver
sua capacidade de linguagem, continue limitando-se, na maioria das vezes, a um ensino
mecânico. Na perspectiva do letramento, a leitura e a escrita são vistas como práticas
sociais.
O objetivo de se ensinar a ler e escrever deve estar centrado em propiciar ao
estudante a aquisição da língua portuguesa, de maneira que ele possa exprimir-se
corretamente, aconselhado pelo professor por meio de estímulos à leitura de variados
textos, nos quais serão verificadas as diferentes variações linguísticas, tornando-se um
poliglota em sua língua” (Bechara: 1999), para que, ao dominar o maior número de
variantes, ele possa ser capaz de interferir socialmente nas diversas situações a que for
submetido.
A educação, sendo uma prática social, não pode restringir-se a ser puramente
livresca, teórica, sem compromisso com a realidade local e com o mundo em que vivemos.
Educar é também um ato político. É preciso resgatar o verdadeiro sentido da educação. De
acordo com Freire ( 1989: 58-9),
(...) o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo, é
expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais,
110
históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem mas sabem
que sabem.
Assim, quando os alunos são o sujeito da própria aprendizagem, "seres fazedores,
transformadores", no dizer de Paulo Freire, tomam consciência de que sabem e podem
transformar o já feito, construído. Deixam a passividade e a alienação para se constituírem
como seres políticos.
Como afirma Freire (1996: 42), o diálogo é fundamental em qualquer prática social.
O diálogo consiste no respeito aos educandos, não somente enquanto indivíduos, mas
também enquanto expressões de uma prática social.
(...) A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar,
oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade
das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa
certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o
educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua
compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não
seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O
pensar certo por isso é dialógico e não polêmico.
O professor precisa despertar no aluno a curiosidade, a vontade de aprender, pois
como afirma Safady apud Silva (2005b: 44),
(...) o leitor curioso e interessado é aquele que está em constante conflito com
o texto, conflito representado por uma ânsia incontida de compreender, de
concordar, de discordar - conflito, enfim, onde quem lê não somente capta o
objeto da leitura, como transmite ao texto lido as cargas de sua experiência
humana e intelectual.
Assim, a partir do momento em que o aluno percebe a riqueza de conhecimentos e
de prazer que pode encontrar na leitura, compreenderá que
(...) ler é (...) não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um
modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão
registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo. (Silva, 2005b: 45).
Em uma educação significativa, o aluno não pode ser um simples objeto nas mãos
do professor. É o que Freire (ibidem) chama de “educação bancária”, isto é, o educando, ao
111
receber passivamente os conhecimentos, torna-se um depósito do educador. “Ensinar não é
transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua
construção”. (Freire, ibidem: 52). Como afirma Martins (1994: 34),
(...) aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a
nós próprios, o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados. A função
do educador não seria precisamente a de ensinar a ler, mas a de criar condições
para o educando realizar a sua própria aprendizagem, conforme seus próprios
interesses, necessidades, fantasias, segundo as dúvidas e exigências que a
realidade lhe apresenta. Assim, criar condições de leitura não implica apenas
alfabetizar ou propiciar acesso aos livros. Trata-se, antes, de dialogar com o
leitor sobre a sua leitura, isto é, sobre o sentido que ele dá, repito, a algo escrito,
um quadro, uma paisagem, a sons, imagens, coisas, idéias, situações reais ou
imaginárias.
Nesse sentido, cabe ao professor mostrar aos alunos uma pluralidade de discursos.
Trabalhar com diferentes textos possibilita ao professor fazer uma abordagem mais
consciente das variadas formas de uso da língua. Assim, o professor pode transformar a
sua sala de aula num espaço de descobertas e construção de conhecimentos.
A tarefa de selecionar materiais de leitura para os alunos é uma das tarefas mais
difíceis. Nessa escolha, são postas em questão as diferentes concepções que tem cada
professor sobre a aprendizagem, os processos de leitura, a compreensão, as funções dos
textos e o universo do discurso. Além disso, coloca-se em jogo a representação que tem
cada docente não só do desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo dos sujeitos a quem vão
ser dirigidos os materiais, mas também dos interesses de leitura de tais destinatários. Dessa
forma, também intervém como variável significativa o valor que o docente atribui aos
materiais como recursos didáticos.
Trabalhar com gêneros textuais variados nos permite entender que a escolha de um
gênero leva em conta os objetivos visados, o lugar social e os papéis dos participantes. Daí
decorre a detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais.
Diante disso, na medida em que o educador tomar consciência de sua posição
política, articulando conteúdos significativos a uma prática também significativa,
desvinculando-se da função tradicional de mero transmissor de conteúdos e,
consequentemente, de mero repetidor de exercícios do livro didático, estará transformando
o ensino da leitura e da escrita. Um educador, como mediador, que parta da observação da
112
realidade para, em seguida, propor respostas diante dela, estará contribuindo para a
formação de pessoas críticas e participativas na sociedade.
Assim, uma prática significativa depende do interesse do professor em planejar as
suas aulas com coerência, visando à construção de conhecimentos com os alunos.
É importante destacar que letrar não é apenas função de professor de Língua
Portuguesa. Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos
aprendem por meio de práticas de leitura e de escrita: em História, em Geografia, em
Ciências, mesmo em Matemática, enfim, em todas as disciplinas, os alunos aprendem
lendo, interpretando e escrevendo.
Letrar é função de todos os professores, mesmo porque, em cada área de
conhecimento, a escrita e a leitura têm peculiaridades, que só os professores que nela
atuam conhecem e dominam.
(...) nós, professores de todas as áreas, em vez de nos limitarmos a
choramingar que nossos alunos não têm o hábito da leitura, devemos nos
dedicar a proporcionar muitas e muitas oportunidades para que todos
descubram que ler é uma atividade muito interessante, que a leitura nos
proporciona prazer, diversão, conhecimento, liberdade, uma vida melhor,
enfim. E essas oportunidades terão de ser tantas quantas forem necessárias
para que o aluno passe a gostar de ler e, por isso, contraia a necessidade da
leitura e que esta vire hábito.
(...)
Isso é tarefa do professor de português? É. É tarefa do professor de
história, de geografia, de ciências, de artes, de educação física, de
matemática... É. É tarefa da escola: (...). (Guedes & Souza, 2007: 19)
O educador reeducando-se e transformando-se, deixará de vez suas tarefas e as
funções da educação sob a ótica das elites econômicas, culturais e políticas das classes
dominantes, em direção a uma prática libertadora. Assim, o ensino deixará de ser um
martírio, para se tornar num processo de construção permanente de conhecimentos. O
educador deve estimular no aluno o pensamento crítico, de modo que ele possa atuar na
sociedade como um indivíduo pensante, questionador.
Enfim, nos dias atuais, o conhecimento é uma das "ferramentas" para se conquistar
oportunidades de trabalho e renda. Assim, aos professores, cabe a responsabilidade de
fazer com que seus alunos se interessem pela leitura e pela escrita de diferentes textos e
que sejam capazes de interpretar o que leem.
113
3.5. Os gêneros textuais
A existência de uma multiplicidade infinita de textos assim construídos fez
com que logo se notassem suas semelhanças e diferenças e surgisse a
necessidade de classificá-los a partir de algum critério reconhecidamente válido.
Ocorreu, porém, no âmbito desse estudo uma enorme confusão terminológica e
tal tipologia continua sendo motivo de disputas e desacordos entre estudiosos,
pois as várias tentativas de construir tipologias e classificações têm
acompanhado o desenvolvimento teórico do que se poderia designar, de forma
simplista, Lingüística do Texto, o que fez surgir classificações bastante
diferentes.
(Carneiro, 2005: 62)
Embora o nosso trabalho não tenha como tema central os gêneros textuais, faremos
uma abordagem a respeito do assunto, tendo em vista que, em nossa proposta pedagógica
com sequências, trabalharemos com tal conceito. Sabemos que existem várias abordagens
a respeito dos modos de organização do discurso, tipos de textos e gêneros textuais.
Apresentaremos algumas diferentes visões a respeito do assunto, com o intuito de
promovermos uma análise mais ampla do tema e justificarmos a nossa escolha.
Começaremos com uma distinção entre “gênero textual” e “gênero discursivo”.
A terminologia empregada pelos teóricos oscila entre “gêneros do discurso ou
discursivos” e “gêneros de texto ou textuais”, de acordo com a vertente da base teórica por
eles assumida.
Rojo (2005: 185), em estudo realizado, procura explicar a diferença terminológica
entre “gêneros do discurso” e “gêneros textuais”. Segundo a autora, ambas as posições
encontram-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a
primeira teoria dos gêneros do discurso centra-se sobretudo no estudo das situações de
produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos, e a segunda
teoria dos gêneros de textos - na descrição da materialidade textual.
Para Rojo (ibidem), apesar de os teóricos adotarem vias metodológicas diferentes
para o tratamento dos gêneros uns mais centrados na descrição das situações de
enunciação em seus aspectos sócio-históricos; outros, na descrição da composição e da
114
materialidade linguística dos textos no gênero - todos acabam por fazer descrições de
“gêneros”, de enunciados ou de textos pertencentes ao gênero. (Cf. Rojo, 2005: 185-186).
Em nosso trabalho, adotaremos a terminologia “gênero textual”.
Apresentamos, a seguir, um breve retorno às origens das discussões a respeito de
gêneros textuais.
7.1. Um retorno às origens...
A expressão “gênero” esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos
gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão, para se firmar com Aristóteles,
passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade,
até os primórdios do século XX. (Cf. Marcuschi, 2008: 147).
Atualmente, a noção de “gênero” já não mais se vincula apenas à literatura, mas a
uma prática social e a uma prática textual-discursiva.
É com Aristóteles que surge uma teoria mais sistemática sobre os gêneros e sobre a
natureza do discurso. No capítulo III de Retórica (1358a), Aristóteles apud Marcuschi
(2008: 147, 148) afirma que existem três gêneros da retórica: o deliberativo, o judiciário e
o demonstrativo, também chamado de epidítico.
O gênero deliberativo caracteriza-se por aconselhar ou desaconselhar sobre uma
questão de interesse público ou particular, gerando uma ação futura. O judiciário diz
respeito à acusação e à defesa, refletindo-se sobre o passado. E por último, o gênero
demonstrativo abrange o elogio e a censura, levando em conta o estado atual das coisas, ou
seja, o tempo presente.
Hoje, o estudo dos gêneros textuais tem uma perspectiva diferente da aristotélica. A
maior parte desses estudos se situa na vertente sócio-discursiva
13
. Bakhtin, cuja concepção
de linguagem serviu de herança em relação aos diversos conceitos de gêneros, é referência
comum entre os teóricos.
Já na metade do século XX, graças aos estudos de Mikhail Bakhtin, o interesse
pelos gêneros ultrapassou o âmbito dos estudos literários para abarcar a comunicação oral
13
Vertente de estudos que incorporam à própria reflexão aportes da análise do discurso, da teoria do texto e
das teorias enunciativas.
115
e escrita. Até então, o conceito de gêneros era associado aos estudos literários, tendo em
vista a grande influência de Aristóteles.
Em 1979
14
, em sua obra original “Estetika Slovesnogo Tvortchestva”, Bakhtin já
abordava a noção de gênero textual. O autor discutia os caminhos para um estudo da
linguagem como atividade sociointeracional. Após várias traduções, em diferentes
idiomas, percebe-se que os estudos de Bakhtin influenciaram muito o que está atualmente
definido no campo de gêneros textuais.
Segundo Bakhtin (2000: 279),
cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.
Esses gêneros do discurso são caracterizados por três elementos: a) conteúdo
temático (o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero), b) construção
composicional (estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero) e c) estilo
(configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição
enunciativa do locutor).
Bakhtin realiza uma distinção fundamental entre gêneros primários ou simples e
secundários ou complexos.
Os gêneros primários se relacionam de forma direta com a realidade, constituindo-
se em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. São exemplos de gêneros
primários: bilhetes, cartas, diálogos e relato familiar.
Já os gêneros secundários mostram uma comunicação cultural mais complexa,
realizada, sobretudo, pela escrita: artística, científica e sociopolítica, como o romance, o
teatro, o discurso científico etc.
Os gêneros secundários acabam, de certo modo, suplantando os gêneros primários,
tendo em vista que os primários fazem parte de uma troca verbal espontânea e os
secundários representam uma intervenção nessa espontaneidade, pois se apresentam de
modo mais complexo sendo, geralmente, escritos. Na verdade, os gêneros primários são
instrumentos de criação dos gêneros secundários.
Ao definir gêneros discursivos, Bakhtin (2000: 279-280) sublinha sua
heterogeneidade constitutiva.
14
Em nosso trabalho utilizamos a tradução de 2000.
116
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a
variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa
atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-
se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais
complexa. Cumpre salientar de um modo especial a heterogeneidade dos
gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta
réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este pode apresentar
conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato
familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em
sua forma lacônica e em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório
bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o
universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as políticas).
E é também com os gêneros do discurso que relacionaremos as variadas formas
de exposição científica e todos os modos literários (desde o ditado até o
romance volumoso). (...)
Constata-se, portanto, que a dificuldade atual com as terminologias sobre gêneros
textuais e com a forma de agrupá-los é antiga. Nesse sentido, afirma Bakhtin (2000: 180):
(...) Ficaríamos tentados a pensar que a diversidade dos gêneros do discurso é
tamanha que não há e não poderia haver um terreno comum para seu estudo: (...)
A diversidade funcional parece tornar os traços comuns a todos os gêneros do
discurso abstratos e inoperantes. (...)
Enfim, para Bakhtin, os gêneros não devem ser entendidos como uma camisa de
força na qual se retém cada forma do pensamento humano. Pelo contrário, os gêneros do
discurso são tipos relativamente estáveis, representantes de valores culturalmente
instituídos, sujeitos ao tempo e ao espaço no qual são originados.
3.5.2. Modos de organização do discurso, tipos e gêneros textuais...: o estado atual
Os estudos atuais sobre gêneros textuais partem não só de uma necessidade de
responder a perguntas que ainda surgem a respeito do assunto, mas também de dar conta da
evolução histórica a que os gêneros são invariavelmente submetidos.
117
Abordaremos mais detalhadamente os conceitos sob a ótica de dois autores: Patrick
Charaudeau e Agostinho Dias Carneiro, tendo em vista que aproveitaremos contribuições
deles em nossa proposta pedagógica.
Todo ato de comunicação social pressupõe uma interação entre parceiros. Nesse
cenário, constrói-se o contrato de comunicação, responsável pela organização da matéria
linguística, nos vários modos de organização discursiva.
Os modos de organização do discurso são definidos por Charaudeau (1992: 635;
2008) como o conjunto de procedimentos de colocação em cena do ato de comunicação.
Tais procedimentos dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante: enunciar,
descrever, narrar e argumentar.
Não se deve confundir os modos de organização da matéria discursiva com tipos
de textos. Um texto pode resultar da combinação de vários modos de organização do
discurso. Porém, tal fato não impede que, às vezes, um texto se caracterize pela
predominância de um dos modos.
Para Charaudeau (1992, 2008), são tipos de textos o literário, o publicitário, o
legislativo, o burocrático, o científico, o jornalístico etc. Quando se nomeia um certo texto
como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o tipo textual e
sim, o predomínio de um modo de organização do discurso.
Os tipos textuais compõem-se de gêneros textuais. O tipo de texto jornalístico, por
exemplo, engloba os gêneros notícia, editorial, crônica esportiva etc.; o literário inclui os
gêneros poesia, ficção, teatro etc.; o tipo de texto publicitário reune os gêneros outdoor,
propaganda televisiva, propaganda escrita em revistas e assim por diante.
Charaudeau (2004), em seu texto: “Visadas discursivas, gêneros situacionais e
construção textual”, defende a ideia de que para classificar textos é necessário considerar
seus pontos comuns que podem ser encontrados em três níveis: nos componentes do
contrato situacional, nas restrições discursivas e nos diferentes aspectos da organização
formal do texto.
O primeiro nível, o contrato situacional, diz respeito à identidade dos sujeitos
comunicantes e ao lugar que eles ocupam na troca, à finalidade que os liga em termos de
objetivos, ao propósito e às circunstâncias materiais nas quais a troca se realiza.
118
Segundo Charaudeau (2004), dentre os componentes do contrato situacional, a
finalidade é que determina a orientação discursiva. O autor cita seis finalidades (visadas).
São elas: prescrição, solicitação, incitação, informação, instrução e demonstração.
Charaudeau (ibidem: 24) chama a atenção do leitor para o fato de que essas visadas
(finalidades) não são “esquematizações abstratas de um texto”, não são “atos de fala”, não
correspondem às “funções da linguagem tais como definidas por Jakobson” e não podem
constituir um “princípio de tipologização dos textos.” As visadas ajudam a classificar os
textos, mas não são elas a própria classificação.
O segundo nível, a restrição discursiva, diz respeito ao lugar onde se instituem, sob
efeito das restrições da situação, as diferentes “maneiras de dizer” mais ou menos
codificadas.
E o terceiro e último nível, os diferentes aspectos da organização formal do texto,
diz respeito às recorrências formais nos seguintes domínios: na mise en scène textual
(disposição do paratexto), na composição textual interna, na fraseologia e na construção
gramatical.
Para ilustrar esses três níveis de classificação de um texto, Charaudeau (2004: 22-
23) cita como exemplo os títulos de imprensa. Para o autor, os títulos de imprensa
se inscrevem em uma situação de comunicação jornalística que se inscreve, ela
própria, no domínio de comunicação midiática em nome de sua finalidade que
seleciona uma visada de informação. Estes dados situacionais demandam uma
restrição discursiva de anúncio das notícias que demanda, por sua vez, a
restrição formal de titulação. Vemos, assim, que poderíamos falar de gêneros
em cada um destes diferentes níveis: o gênero informação determinado pelo
domínio midiático, o gênero jornalístico determinado pela situação, o gênero
anúncio determinado pela restrição discursiva, o gênero título determinado pela
restrição formal.
Enfim, esses são os três níveis que, segundo Charaudeau (2004) estruturam os
textos e que permitem agrupá-los de acordo com suas características comuns.
Carneiro (2005), partindo dos pressupostos teóricos da Semiolinguística do Prof.
Patrick Charaudeau, trabalha com os conceitos de modos de organização do discurso,
tipos textuais e gêneros. Porém, enquanto Charaudeau (1992, 2008) considera como modos
de organização da matéria discursiva o enunciativo,o narrativo,o descritivo e o
argumentativo, Carneiro (ibidem: 62) não cita o modo enunciativo e acrescenta o
119
conversacional (texto em que predomina o diálogo), substituindo o modo argumentativo
pelo dissertativo, que pode apresentar-se de forma expositiva ou argumentativa.
Sobre os tipos textuais, Carneiro (ibidem), tendo como base a função textual cita
nove tipos, a saber normativos (regulamentar), fáticos (contatar), expressivos
(automanifestar-se), apelativos (convencer), didáticos (ensinar), instrucionais (instruir),
informativos (informar), preditivos (prever) e literários (função estética).
Segundo o autor, os oito tipos primeiros dizem respeito a sua finalidade na
interação social, enquanto os textos do tipo textual literário se prendem a uma função
prioritariamente estética, produtora de prazer.
Todos os tipos textuais citados por Carneiro (2005) podem realizar-se por gêneros
diferentes: por exemplo, um texto apelativo pode aparecer em forma de oração,
requerimento, cartaz publicitário etc.
Sintetizando os pontos de vista de Charaudeau (1992, 2008) e Carneiro (2005),
tem-se a seguinte tabela:
MODOS DE ORGANIZAÇÂO DO DISCURSO
Charaudeau (1992, 2008) Carneiro (2005)
enunciativo
narrativo
descritivo
argumentativo
-----
-----
narrativo
descritivo
dissertativo
conversacional
TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS
Charaudeau (1992, 2008) Carneiro (2005)
TIPOS GÊNEROS TIPOS GÊNEROS
literário
publicitário
legislativo
burocrático
científico jornalístico
etc.
notícia
editorial
crônica esportiva
poesia
ficção
teatro
outdoor
propaganda televisiva
propaganda escrita em
revistas...
normativos
fáticos
expressivos
apelativos
didáticos
instrucionais
informativos
preditivos
literários
oração
requerimento
cartaz publicitário...
Tabela 16 Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau e Carneiro
Fonte: Charaudeau (1992, 2008); Carneiro (2005)
expositivo
argumentativo
120
A classificação proposta por Carneiro (2005) é interessante porque evita um
número muito grande, ou talvez, infinito de tipos textuais e permite que o professor, ao
trabalhar com gêneros textuais, mostre a função social de cada um, levando o aluno a
perceber em quais situações ele utilizaria um determinado gênero textual.
Outro autor que aborda esses conceitos é Marcuschi (2002), que se refere a tipo,
gênero e acrescenta mais uma nomenclatura domínio discursivo.
Para Marcuschi (2002: 23), tipo textual designa uma espécie de construção teórica
definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, relações lógicas). São tipos textuais: narração, argumentação, exposição,
descrição e injunção.
Já o gênero textual corresponde ao texto materializado encontrado na vida diária e
que apresenta características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica. São exemplos de gêneros textuais:
telefonema, sermão, carta, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio, cardápio, piada, outdoor etc.
E o domínio discursivo designa uma esfera ou instância de produção discursiva ou
de atividade humana. São domínios discursivos: jurídico, jornalístico, religioso, midiático,
político, acadêmico etc. Esses domínios dão origem a vários gêneros.
Oliveira (2004), baseando-se em Charaudeau (1992) e em Marcuschi (2002), adota
os conceitos de modos de organização do texto (descritivo, narrativo, argumentativo,
expositivo, enunciativo e injuntivo), domínios discursivos (jornalístico, literário,
publicitário etc.) e gêneros textuais ( carta, romance, fábula etc.).
O autor defende a sua escolha afirmando que,
como a expressão “tipo de texto” tem sentidos diferentes nas duas
nomenclaturas
15
, proporíamos abolir esse termo, adotando as denominações da
terceira coluna do quadro a seguir:
15
Oliveira (2004) está se referindo à proposta de Charaudeau (1992) e à de Marcuschi (2002).
121
CHARAUDEAU (1992)
adaptado por
OLIVEIRA (2003)
MARCUSCHI (2002)
OLIVEIRA (2004)
Modos de organização do
discurso:
descritivo
narrativo
argumentativo
enunciativo
Tipos de textos:
descritivo
narrativo
argumentativo
expositivo
injuntivo
Modos de organização do
texto:
descritivo
narrativo
argumentativo
expositivo
enunciativo
injuntivo
Tipos de textos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Domínios discursivos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Domínios discursivos:
jornalístico
literário
publicitário etc.
Gêneros textuais:
(Cada tipo tem seus gêneros)
Gêneros textuais:
(Cada domínio discursivo tem
seus gêneros)
Gêneros textuais:
(Cada domínio discursivo tem
seus gêneros)
Tabela 17 Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau, Marcuschi e Oliveira
Fonte: Oliveira ( 2004: 188)
Oliveira (2004), então, em sua proposta, substitui o termo tipos de texto, de
Charaudeau por domínios discursivos (da terminologia de Marcuschi) e, em lugar dos tipos
de Marcuschi, cita os modos de Charaudeau, denominando-os modos de organização do
texto, já que se trata de uma classificação predominantemente intratextual. O autor ainda
acrescenta aos quatro modos de Charaudeau o modo expositivo e o modo injuntivo,
mantendo o enunciativo, que Marcuschi não menciona.
Pelo exposto, apesar de todas essas classificações, não é muito comum encontrar
um texto só narrativo, só descritivo etc. O que ocorre são misturas, articulações, de modo
que um discurso pode ter um funcionamento dominantemente argumentativo, ou tender
para a descrição. As categorizações facilitam apenas o estudo.
122
3.5.3. Os gêneros textuais e o ensino de língua materna
Cada texto tem algo a dizer e é organizado de acordo com uma estrutura
determinada. A competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os a detectar o
que é mais adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais. Essa competência
permite, ainda, que o falante perceba se, em um texto, predominam sequências de caráter
narrativo, descritivo, argumentativo, expositivo e/ou injuntivo.
Assim, a leitura faz parte do próprio ato de escrever. O sujeito comunicante escreve
e ao mesmo tempo monitora, por meio da leitura, o que produz. Como leitura e produção
textual são atividades paralelas, a escolha do modo de organização do discurso deverá
levar em conta os objetivos visados, o lugar social e os papéis dos participantes. Além
disso, essa escolha normalmente é feita com base no tipo de texto que se quer construir.
Num discurso político, o sujeito comunicante utilizará predominantemente o modo
argumentativo; num guia turístico, o modo descritivo será o mais utilizado e assim por
diante. Como afirma Koch (2006: 53),
o contato com os textos da vida quotidiana, como anúncios, avisos de toda a
ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias
turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas etc., exercita a nossa
capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos.
Nesse sentido, todos os nossos enunciados são construídos com base em um modo
de organização do discurso. Esses modos podem aparecer de forma exclusiva ou, ainda,
mesclada num texto. De acordo com os modos de organização do discurso podemos ter
diferentes tipos de textos que, por sua vez, comportam gêneros textuais variados.
Cabe à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam
socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Como afirma Costa (2000: 68),
(...) ler textos ser leitor também é apropriar-se de um conjunto de
capacidades lingüísticas e psicológicas (cognitivas e metacognitivas) que, além
de relacionar símbolos escritos a unidades de som, é, principalmente, um
processo de construir sentidos e relações ({inter}textualidade) e de interpretar
textos diversos, dialogicamente, no sentido bakhtiniano, adentrando o dizer do
outro.
123
A seguir, explicitaremos a proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com
gêneros textuais, com a qual trabalharemos, mas fazendo pequenas alterações.
Apresentaremos também a proposta dos PCNs que, normalmente, norteia a prática
pedagógica com textos nas escolas.
Após essas duas abordagens e com base em todo o levantamento teórico utilizado
no decorrer deste trabalho, analisaremos as atividades realizadas com os alunos e as
entrevistas feitas a professores, para em seguida, no capítulo 5, apresentarmos,
detalhadamente, a nossa proposta de trabalho.
3.5.3.1. A proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com gêneros textuais
Dolz & Schneuwly (2004: 121) propõem um agrupamento de gêneros com
finalidades educacionais. Para os autores, os gêneros podem ser considerados um
megainstrumento, tendo em vista que podem funcionar como as unidades organizadoras do
ensino e da aprendizagem da língua, porque é por meio deles que as práticas de linguagem
se materializam. Assim, os autores propõem a seguinte organização para o trabalho com os
gêneros textuais:
124
DOMÍNIOS SOCIAIS DE
COMUNICAÇÃO
CAPACIDADES DE LINGUAGEM
DOMINANTES
EXEMPLOS DE GÊNEROS
ORAIS E ESCRITOS
Cultura literária ficcional. NARRAR
Mimeses da ação através da criação
de intriga.
Conto maravilhoso
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Novela fantástica
Conto parodiado
Documentação e
memorização de ações
humanas.
RELATAR
Representação pelo discurso de
experiências vividas, situadas no
tempo.
Relato de experiência vivida
Relato de viagem
Testemunho
Curriculum vitae
Notícia
Reportagem
Crônica esportiva
Ensaio biográfico
Discussão de problemas
sociais controversos.
ARGUMENTAR
Sustentação, refutação e negociação
de tomadas de posição.
Texto de opinião
Diálogo argumentativo
Carta do leitor
Carta de reclamação
Deliberação informal
Debate regrado
Discurso de defesa
Discurso de acusação
Transmissão e construção de
saberes.
EXPOR
Apresentação textual de diferentes
formas de saberes.
Seminário
Conferência
Artigo ou verbete de
enciclopédia
Entrevista de especialista
Tomada de notas
Resumo de textos “expositivos”
ou explicativos
Relatório científico
Relato de experiência científica
Instruções e prescrições. DESCREVER AÇÕES
Regulação mútua de
comportamentos.
Instruções de montagem
Receita
Regulamento
Regras de jogo
Instruções de uso
Instruções
Tabela 18 - Agrupamento de gêneros com finalidades educacionais.
Fonte: Dolz & Schneuwly (2004: 121)
125
Módulo Módulo Módulo
1 2 n
Para os autores, esses agrupamentos não são estanques uns em relação aos outros,
pois não é possível classificar um gênero de maneira absoluta em cada um deles. No
máximo, é possível determinar alguns gêneros que poderiam ser protótipos para cada
agrupamento e, assim, talvez particularmente indicados para um trabalho didático.
A partir desse esquema, Dolz e Schneuwly propõem um trabalho organizado em
sequências didáticas. Uma sequência didática é um conjunto de atividades de leitura,
produção e análise linguística em torno de algum gênero do discurso. Essas atividades
visam explorar aspectos da sócio-história do gênero em questão, suas condições de
produção, seu conteúdo temático, sua forma composicional e suas marcas linguísticas.
Gráfico 18 - Esquema da sequência didática
Fonte: Dolz & Schneuwly (2004: 98)
O modelo de trabalho com base nas sequências didáticas proposto por Dolz e
Schneuwly envolve quatro fases:
Após uma apresentação da situação na qual é descrita de maneira
detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar,
estes elaboram um primeiro texto inicial, oral ou escrito, que corresponde ao
gênero trabalhado; é a primeira produção. Essa etapa permite ao professor
avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios
previstos na seqüência às possibilidades e dificuldades reais de uma turma.
Além disso, ela define o significado de uma seqüência para o aluno, isto é, as
capacidades que deve desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em
questão. Os módulos, constituídos por várias atividades ou exercícios, dão-lhe
os instrumentos necessários para esse domínio, pois os problemas colocados
pelo gênero são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. No momento
da produção final, o aluno pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e,
com o professor, medir os progressos alcançados. (...) (Dolz & Schneuwly,
2004: 98)
Apresentação
da situação
PRODUÇÃO
INICIAL
PRODUÇÃO
FINAL
126
Vários são os objetivos ao se trabalhar com os gêneros em sequências didáticas,
dentre eles, os autores citam: uma progressão “em espiral” (o mesmo gênero é trabalhado
em níveis de ensino diferente, com atividades diversas, de acordo com os objetivos
visados), que permite o melhor domínio do mesmo gênero em diferentes níveis; a
possibilidade de os gêneros serem tratados de acordo com os ciclos/séries, além do fato de
o trabalho com os gêneros no início do Ensino Fundamental assegurar a aprendizagem ao
longo das séries e evitar a repetição, ao serem propostas atividades com diferentes níveis
de complexidade.
Essa não é a única possibilidade para agrupar gêneros, mas tal classificação tem a
vantagem de levar os alunos a (a) terem o domínio social da comunicação a que os gêneros
pertencem; (b) desenvolverem as capacidades de linguagem envolvidas na produção e
compreensão desses gêneros; e (c) reconhecerem a tipologia geral dos gêneros.
Uma outra proposta de classificação dos gêneros encontra-se nos PCNs. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, por exemplo, indicam como
critério de agrupamento de gêneros a esfera de circulação social a que cada gênero se
vincula, propondo-se, então, a seguinte classificação: gêneros literários, de imprensa, de
divulgação científica e de publicidade a qual veremos a seguir.
3.5.3.2. OS PCNs e o trabalho com gêneros textuais
A importância de se trabalhar com gêneros textuais diversos em sala de aula é
também recomendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(PCNs). De acordo com esse documento, as aulas de língua materna devem ser pautadas
em diferentes gêneros textuais, que atendam a faixa etária dos alunos.
Os PCNs conceituam gênero de acordo com o que foi proposto por Bakhtin (2000):
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários
gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de
enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo
temático, estilo e construção composicional. Pode-se ainda afirmar que a noção
de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas
características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o
127
texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade,
por exemplo, existindo em número quase ilimitado. (PCN, 1997: 23)
Nos PCNs referentes ao terceiro e quarto ciclos, os elementos que caracterizam os
gêneros conteúdo temático, construção gramatical e estilo aparecem em um quadro,
com suas respectivas definições e explicações. Ao se definir estilo, os PCNs abordam o
conceito de sequências (Adam, 1992) em nota de pé de página. O conceito aparece como
foi proposto por Adam, apesar de os PCNs não fazerem nenhuma referência ao autor.
As seqüências são conjuntos de proposições hierarquicamente constituídas,
compondo uma organização interna própria de relativa autonomia, que não
funcionam da mesma maneira nos diversos gêneros e nem produzem os mesmos
efeitos: assumem características específicas em seu interior. Podem se
caracterizar como narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva e
conversacional. (PCN, 1998: 21)
Adam (1992) apud Bonini (2005: 218) propôs seis tipos de sequências: narrativa,
descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal. Tais sequências são, na verdade, o que
denominamos de modos de organização do discurso.
Referindo-se aos gêneros e sequências, os elaboradores dos PCNs propõem vários
objetivos de trabalho. Citaremos alguns.
Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com
eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos
tanto orais, como escritos coerentes, coesos, adequados a seus destinatários,
aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados;
(PCN, 1997: 33 - Objetivos gerais de Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental
16
.)
Ler textos dos gêneros previstos para o ciclo, combinando estratégias de
decifração com estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação;
Produzir textos escritos coesos e coerentes, considerando o leitor e o
objeto da mensagem, começando a identificar o gênero e o suporte que melhor
atendem à intenção comunicativa;
(PCN, 1997: 68-69 Objetivos de Língua Portuguesa para o 1º ciclo)
16
O Ensino Fundamental compreende nove anos de escolaridade - 1º ciclo ( alfa, 1ª e 2ª séries), 2º ciclo (3ª
e 4ª séries), 3º ciclo (5ª e 6ª séries) e 4º ciclo (7ª e 8ª séries).
128
Ler autonomamente diferentes textos dos gêneros previstos para o ciclo,
sabendo identificar aqueles que respondem às suas necessidades imediatas e
selecionar estratégias adequadas para abordá-los;
Produzir textos escritos, coesos e coerentes, dentro dos gêneros previstos
para o ciclo, ajustados a objetivos e leitores determinados.
(PCN, 1997: 79-80 Objetivos de Língua Portuguesa para o 2º ciclo)
Ler
17
de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha
construído familiaridade: selecionando procedimentos de leitura adequados a
diferentes objetivos e interesses e a características do gênero e suporte; (...)
(PCN, 1998: 50 Objetivos de ensino).
Articular os enunciados estabelecendo a progressão temática, em função
das características das seqüências predominantes (narrativa, descritiva,
expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior
do gênero.
(PCN, 1998: 56 Objetivo da leitura de textos escritos).
Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,
relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de
produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da
criação e propagação de idéias e escolhas, tecnologias disponíveis etc.).
(PCN, 1999: 29 Competências e habilidades de Língua Portuguesa para o
Ensino Médio).
Assim, de acordo com os objetivos propostos pelos PCNs, fica evidente que o
professor deve trabalhar com os alunos diferentes gêneros textuais, de modo que eles sejam
capazes de ler, compreender e interpretar esses textos, sabendo utilizá-los em situações
concretas.
O estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam
proporciona uma visão ampla das possibilidades de usos da linguagem, (...)
(PCN, 1999: 18)
Porém, como são muitos os gêneros, os PCNs recomendam que o professor priorize
os que caracterizam os usos públicos da linguagem, já que é compromisso da escola
17
No texto original consta “Leia...”. Substituímos por “Ler” para não quebrar o paralelismo. O mesmo
acontece no objetivo seguinte: no lugar de “Articulação dos...”, optamos por “Articular os...”.
129
assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania. (Cf. PCN, 1998: 24) e citam os
seguintes gêneros para o trabalho em sala de aula:
1º Ciclo do Ensino Fundamental
Gêneros adequados para o trabalho com a
linguagem oral
Gêneros adequados para o trabalho com a
linguagem escrita
contos (de fadas, de assombração, etc.),
mitos e lendas populares;
poemas, canções, quadrinhas, parlendas,
adivinhas, trava-línguas, piadas;
saudações, instruções, relatos;
entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e
televisão);
seminários, palestras.
receitas, instruções de uso, listas;
textos impressos em embalagens, rótulos,
calendários;
cartas, bilhetes, postais, cartões (de
aniversário, de Natal, etc.), convites,
diários (pessoais, de classe, de viagem,
etc.);
quadrinhos, textos de jornais, revistas e
suplementos infantis: títulos, lides
18
,
notícias, classificados, etc.;
anúncios, slogans, cartazes, folhetos;
parlendas, canções, poemas, quadrinhas,
adivinhas, trava-línguas, piadas;
contos (de fadas, de assombração, etc.),
mitos e lendas populares, folhetos de
cordel, fábulas;
textos teatrais;
relatos históricos, textos de enciclopédia,
verbetes de dicionário, textos expositivos
de diferentes fontes (fascículos, revistas,
livros de consulta, didáticos, etc.).
Tabela 19 Gêneros para o 1º Ciclo do Ensino Fundamental
Fonte: PCN (1997: 72-73)
18
Mantivemos a grafia do texto original.
130
2º Ciclo do Ensino Fundamental
Gêneros adequados para o trabalho com a
linguagem oral
Gêneros adequados para o trabalho com a
linguagem escrita
contos (de fadas, de assombração, etc.),
mitos e lendas populares;
poemas, canções, quadrinhas, parlendas,
adivinhas, trava-línguas, piadas,
provérbios;
saudações, instruções, relatos;
entrevistas, debates, notícias, anúncios (via
rádio e televisão);
seminários, palestras.
Cartas (formais e informais), bilhetes,
postais, cartões (de aniversário, de Natal,
etc.), convites, diários (pessoais, de classe,
de viagem, etc.), quadrinhos, textos de
jornais, revistas e suplementos infantis:
títulos, lides, notícias, resenhas,
classificados, etc.;
anúncios, slogans, cartazes, folhetos;
parlendas, canções, poemas, quadrinhas,
adivinhas, trava-línguas, piadas;
contos (de fadas, de assombração, etc.),
mitos e lendas populares, folhetos de
cordel, fábulas;
textos teatrais;
relatos históricos, textos de enciclopédia,
verbetes de dicionário, textos expositivos
de diferentes fontes (fascículos, revistas,
livros de consulta, didáticos, etc.), textos
expositivos de outras áreas e textos
normativos, tais como estatutos,
declarações de direitos, etc.
Tabela 20 Gêneros para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental
Fonte: PCN (1997: 82)
131
3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental
Gêneros privilegiados para a prática de escuta e
leitura de textos
Gêneros sugeridos para a prática de produção
de textos orais e escritos
Linguagem oral Linguagem escrita Linguagem oral Linguagem escrita
LITERÁRIOS
cordel, causos e
similares
texto dramático
canção.
DE IMPRENSA
comentário
radiofônico
entrevista
debate
depoimento
DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
exposição
seminário
debate
palestra
PUBLICIDADE
propaganda
LITERÁRIOS
contos
novela
romance
crônica
poema
texto dramático
DE IMPRENSA
notícia
editorial
artigo
reportagem
carta do leitor
entrevista
charge e tira
DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
verbete
enciclopédico
(nota/artigo)
relatório de
experiências
didático (textos,
enunciados de
questões)
artigo
PUBLICIDADE
propaganda
LITERÁRIOS
canção
texto dramático
DE IMPRENSA
notícia
entrevista
debate
depoimento
DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
exposição
seminário
debate
LITERÁRIOS
crônica
conto
poema
DE IMPRENSA
notícia
artigo
carta do leitor
entrevista
DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA
relatório de
experiências
esquema e
resumo de artigos
ou verbetes de
enciclopédia
Tabela 21 Gêneros para o 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental
Fonte: PCN (1998: 54 - 57)
132
Gêneros Ensino Médio
1ª Série 2ª Série 3ª Série
Conto
Romance
Crônica
Poema
Canção
Texto de divulgação
científica
Textos didáticos
Notícia
Entrevista
Carta de leitor
Editorial
Artigo de opinião
Tira
HQ
Charge
Propaganda
Regras
Texto normativo
Carta formal
Texto oficial
Conto
Romance
Crônica
Poema
Canção
Notícia
Entrevista
Carta de leitor
Editorial
Artigo de opinião
Tira
HQ
Charge
Propaganda
Regras
Texto normativo
Carta formal
Texto oficial
Conto
Romance
Crônica
Poema
Canção
Notícia
Entrevista
Carta de leitor
Editorial
Artigo de opinião
Tira
HQ
Charge
Propaganda
Regras
Texto normativo
Carta formal
Texto oficial
Tabela 22 Gêneros para o Ensino Médio
Fonte: Reorientação curricular para o Ensino Médio (2006: 132-147)
Os PCNs sugerem, então, uma lista de gêneros com os quais os professores podem
trabalhar em cada ciclo e/ou série. A maior parte dos gêneros propostos se repete em todas
as séries; alguns são omitidos sem nenhuma explicação. Em alguns momentos, nos quadros
propostos pelos PCNs, há uma mistura de elementos que são partes da organização
133
composicional de um gênero (títulos e lides), com gêneros propriamente ditos (notícias e
classificados). Às vezes, há também a mistura de suportes,
19
com gêneros, como por
exemplo, embalagens, rótulos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis, teatro,
enciclopédia (que podem conter uma variedade de gênero).
Em relação aos gêneros propostos para o Ensino Médio, percebemos que eles se
repetem nas três séries, com exceção de dois textos de divulgação científica e textos
didáticos. Para cada série são propostos objetivos e atividades diferentes com cada gênero
textual, levando-se em conta o grau de complexidade do conteúdo a ser abordado e da
organização gramatical e discursiva, a fim de garantir melhor adequação à faixa etária do
aluno.
Enfim, essas indicações de gêneros textuais não esgotam todas as possibilidades de
organização das práticas educativas relativas ao uso da língua materna. Cabe aos
professores que atuam em um determinado nível escolar, ao definir coletivamente seu
projeto pedagógico, avaliar as listas de gêneros propostos, efetuando os acréscimos ou os
cortes que julgar necessários, sempre com o objetivo principal de desenvolver, em cada
aluno, a proficiência de leitura e a capacidade de compreender e interpretar criticamente
diferentes textos e, consequentemente, a realidade que o cerca.
O importante em uma classificação de gêneros, seja a proposta por Dolz e
Schneuwly , seja a dos PCNs, ou outra qualquer, é permitir que se possa efetivar uma
progressão curricular. Dessa forma, o interessante seria que, em todas as séries do Ensino
Fundamental e Médio, gêneros orais e escritos pertencentes a diferentes agrupamentos
fossem trabalhados mais aprofundadamente. Isso implicaria, por exemplo, trabalhar com
gêneros da ordem do argumentar desde as séries iniciais e não somente nas séries finais.
Pode-se, por exemplo, trabalhar com discussões e debates orais ou com discurso político
nas séries iniciais e trabalhar com editorial ou com resenha crítica nas últimas séries.
Assim, a diversificação de agrupamentos deve ser um dos critérios de escolha de gêneros.
19
Entendemos aqui como suporte de um gênero, tal como definido por Marcuschi (2008: 174), um lócus
físico ou virtual com formato específico, que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado
como texto.
134
4. ATIVIDADES E ENTREVISTAS EM ANÁLISE: O INÍCIO
(...) Compreender não é uma ação apenas lingüística ou cognitiva. É muito
mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na
relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade. (...)
(Marcuschi, 2008: 230)
Por que os alunos não conseguem entender o que leem? Qual ponto deve ser
atacado?
Em 2005, aproveitamos várias sugestões de atividades com textos publicitários
para aplicar nas aulas de Língua Portuguesa. Independentemente da idade/série, os alunos
mostravam total alienação diante do que liam. Assim, começamos a trabalhar com
diferentes textos, a fim de perceber se a dificuldade apresentada era em função do gênero
textual propaganda escrita que estava sendo utilizado até então.
Depois dos resultados obtidos nessas atividades desenvolvidas com os alunos de
séries distintas, resolvemos encarar um novo desafio, com o intuito de tentar estabelecer
conteúdos que pudessem auxiliar os alunos na interpretação de textos.
Assim, começamos este trabalho. Como recomendam os PCNs, procuramos
desenvolver atividades com gêneros textuais diversos.
Neste capítulo, o nosso objetivo é mostrar o que nos motivou a começar este
trabalho, fazendo uma análise das respostas dadas por alunos nas tarefas indicadas, e
apontando o que esperávamos deles. A nossa proposta de trabalho em sequências didáticas
será mostrada no próximo capítulo.
Em anexo, consta apenas uma amostragem do corpus, tendo em vista o grande
número de atividades realizadas.
Dessa forma, analisaremos dois materiais. O primeiro é constituído de atividades
de interpretação de variados textos (item 4.1), realizadas por alunos de níveis de ensino
diversos, em 2006, 2007 e 2008.
As atividades com os alunos foram desenvolvidas em quatro escolas públicas, aqui
chamadas de A, B, C e D, como já explicitamos no capítulo 2 deste trabalho.
135
O segundo material analisado, neste capítulo, são as entrevistas com professores
(item 4.2) sobre quais conteúdos são trabalhados por eles em interpretação textual.
Em 2006 e 2007, responderam à entrevista proposta professores que atuam no 1º
Segmento do Ensino Fundamental (com graduação ou não, e inclusive, em Língua
Portuguesa) e no 2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio (com graduação em
Língua Portuguesa).
A partir dos dados analisados, no próximo capítulo, apresentaremos a nossa
proposta, para em seguida, no capítulo 6, apresentarmos atividades de leitura e
interpretação de textos baseadas nos conteúdos de interpretar e nas sequências didáticas.
4.1. Atividades realizadas por alunos
Em consonância com os pressupostos teóricos assinalados no decorrer deste
trabalho, analisaremos as respostas dadas pelos alunos.
As questões propostas foram organizadas em dois grandes grupos: questões
relativas à camada linear do texto (questões de coesão que levam à compreensão) e
questões relativas à camada reticulada do texto (questões de coerência que levam à
interpretação). Essa classificação leva em consideração os conceitos sentido de
língua/compreensão e sentido de discurso/interpretação. (Cf. Charaudeau: 1995a; 1999:
29).
A coesão ajuda na compreensão do texto, tendo em vista o seu caráter linear. O
trabalho de compreensão realizado pelo sujeito-interpretante consiste, em linhas gerais, na
identificação das marcas formais do texto a fim de construir o sentido de língua, literal,
transparente, explícito, numa visão simbolizada, mas referencial.
Assim, consideramos, portanto, pertencentes à camada linear (questões de coesão)
as atividades que abordam os seguintes itens:
a) o reconhecimento do sentido literal das palavras e expressões. Trata-se do
conhecimento linguístico, no que diz respeito ao sentido de língua.
136
b) as regras de combinação das palavras por meio da análise da coesão textual
(lexical, frásica, interfrásica, temporal e referencial).
Já a coerência é tida como um princípio de interpretabilidade do texto, tendo em
vista que leva o sujeito-interpretante a acionar operações de caráter inferencial que
permitem a construção do sentido de discurso, indireto, implícito, caracterizado pela
opacidade face ao mundo por se referir ao próprio processo de enunciação.
Em relação à camada reticulada do texto (questões de coerência), consideramos as
questões que acionam operações de caráter inferencial relativas:
a) ao conhecimento de mundo;
b) ao conhecimento partilhado;
c) aos fatores pragmáticos;
d) à focalização;
e) à intencionalidade/aceitabilidade;
f) à situacionalidade;
g) à informatividade;
h) à intertextualidade e
i) à relevância.
O gráfico, a seguir, mostra a incidência dos dois níveis de questões no total
analisado.
Gráfico 19 Incidência dos dois níveis de questões (compreensão e interpretação) no total
analisado.
9; 8%
111; 92%
Camada linear
Camada reticulada
137
Não foram aplicadas muitas questões relativas à camada linear do texto, pois o
nosso objetivo é levar o aluno a ultrapassar o sentido de língua e chegar ao sentido de
discurso.
Os resultados das questões que levam à compreensão do texto foram organizados
em dois grandes grupos:
a) questões de simples investigação linguística (sentido denotativo, identificação
de classes gramaticais, estrutura e formação de palavras etc.) e
b) questões de relação (coesão lexical, frásica, interfrásica, temporal e referencial).
Gráfico 20 - Quantidade de questões de compreensão
As questões de reconhecimento do sentido literal das palavras e expressões
(investigação linguística) exigem do sujeito-interpretante um conhecimento básico da
língua. Para que esse sujeito chegue ao sentido global do texto, precisa primeiramente,
identificar os sentidos literais de uma palavra ou expressão. Após esse primeiro
reconhecimento, ele terá mais possibilidades de perceber os outros possíveis sentidos
atribuídos às palavras e as implicações que tais sentidos trazem ao texto.
Por exemplo, no texto da marca de calçados Timberland a seguir, o publicitário
joga com a polissemia da expressão “pé frio”.
Numa primeira análise, após lermos o texto argumentativo, compreendemos que os
calçados da Timberland, feitos de couro hidrofugado “couro com tratamento especial e
costura selada, que proporciona total impermeabilidade” permitem que o leitor fique com
os pés aquecidos, mesmo em montanhas. Porém, a expressão “pé frio” é também utilizada
popularmente em relação às pessoas pessimistas, que não acreditam no sucesso, ou que
Inv
estigação lingu
ística
Relação
2; 22%
7; 78%
138
atraem azar. Assim, numa segunda leitura, escalar montanhas não é atividade para “pé
frio”, ou seja, para pessimistas.
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
1. Muitos textos publicitários “jogam” com a polissemia
das palavras ou expressões, possibilitando várias
interpretações. Escreva o(s) sentido(s) denotativo(s)
(sentido de língua, dicionarizado) da palavra ou
expressão em destaque e, quando houver, o(s)
sentido(s) conotativo(s) (sentido de discurso, figurado):
Montanha não é lugar de pé frio.”
Timberland
Veja: 04/06/03
Investigação
linguística
(sentido denotativo)
20
Grandes inferências
(sentido conotativo)
Linear
(compreensão)
Reticulada
(interpretação)
Tabela 23 Exemplo de questão aplicada de investigação linguística
As questões que assinalam a combinação das palavras (relação) têm por objetivo
mostrar ao aluno os elementos que constroem a articulação entre as diversas partes de um
texto. Para que as ideias estejam bem relacionadas, também é preciso que estejam bem
interligadas, bem “unidas” por meio de vocábulos que têm a finalidade de ligar ou retomar
palavras, locuções, orações e períodos ou atribuir a marca da temporalidade.
20
Utilizamos, indistintamente, sentido de língua/denotação; sentido de discurso/conotação.
139
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
1. Observe o texto publicitário a seguir e responda as
perguntas:
“O casamento perfeito: ela, impossível de tirar os olhos;
ele, discreto como deve ser. Duetto Philco tela plana e
DVD. Enfim juntos.”
Philco
Veja: 08/06/05
a) Levando-se em consideração os produtos
anunciados, a que se referem os pronomes pessoais do
caso reto?
Relação
(coesão referencial)
Linear
(compreensão)
Tabela 24 - Exemplo de questão aplicada que mostra a combinação das palavras
Na atividade com o texto publicitário da marca Philco, em uma das questões
propostas, o aluno deveria identificar o referente dos pronomes pessoais do caso reto: ela
(TV tela plana) e ele (DVD). É uma questão de coesão referencial, que leva o aluno à
simples identificação de elementos do texto.
As questões de interpretação, por pertencerem ao âmbito do discurso, exigem do
sujeito-interpretante uma ação mais efetiva durante o processo de construção e apreensão
do sentido global do texto. No nível da interpretação, não basta apenas conhecer o léxico
do texto, mas é preciso identificar os possíveis sentidos e suas implicações no texto. Como
afirma Marcuschi ( 1996: 14),
(...) compreender
21
o é o mesmo que decodificar palavras e frases do
texto. Compreender é inferir, criar, representar e propor sentidos. (...)
21
Lembramos que o autor não faz distinção entre compreender e interpretar.
140
(...) a compreensão é um processo criador, ativo e construtivo que vai além
da informação estritamente textual. (...)
Nesse sentido, no corpus de nosso trabalho, foram propostas 111 questões que
exigem do sujeito-interpretante uma leitura mais aprofundada, mais inferencial. O nosso
objetivo é perceber até que ponto nossos alunos conseguem ultrapassar o sentido de língua
em um texto.
Os resultados das questões que levam à interpretação do texto foram organizados
em quatro grupos. Aproveitamos os fatores de coerência assinalados por Beaugrande &
Dressler (1983) e Koch & Travaglia (2000), bem como sugestões obtidas no decorrer da
leitura dos textos que embasaram este trabalho:
a) conhecimento de mundo (conhecimento geral sobre as “coisas” e os seres do
mundo e intertextualidade);
b) conhecimento a partir de grandes inferências (sentido conotativo, subentendido,
efeitos de ironia ou humor, recursos expressivos e efeitos de sentido, tema, a
relação entre texto verbal e texto não-verbal, relações de causa-consequência e
contexto situacional).
c) conhecimento a partir de pequenas inferências e
d) conhecimento da estrutura do texto (características do gênero, função social, tipo
textual e características do modo de organização do discurso).
Gráfico 21 Quantidade de questões de interpretação
Assim, organizamos as questões de interpretação nesses quatro grupos por
acreditarmos que englobam, de forma mais didática, todos os fatores da textualidade.
13; 12%
14; 13%
31; 28%
53; 47%
Conhecimento de mundo
Grandes inferências
Conhecimento da estrutura do texto
Pequenas inferências
141
Todas as questões do grupo da interpretação levam o leitor a uma análise mais
aprofundada do texto, mesmo as que exigem apenas um conhecimento da estrutura do
texto, pois a identificação do gênero textual nos permite uma interpretação mais
direcionada.
Para interpretar qualquer texto, obviamente, o leitor precisa recorrer ao seu
conhecimento de mundo, porém, classificamos como questões do grupo “conhecimento de
mundo” somente as que priorizam os conhecimentos pessoais que os indivíduos têm. Para
que a interpretação seja feita é preciso haver correspondência, ao menos parcial, entre os
conhecimentos ativados a partir do texto e o conhecimento de mundo do sujeito-
interpretante, armazenado em sua memória de longo termo. O conhecimento de mundo é
visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na
memória.
A partir do conhecimento de mundo e de outros textos é que o sujeito-interpretante
reconhece também uma relação de intertextualidade. Questões que envolvem esse fator da
textualidade requerem que o aluno assuma uma atitude crítica e reflexiva em relação às
diferentes ideias relativas ao mesmo tema encontradas em um mesmo ou em diferentes
textos, ou seja, ideias que se cruzam no interior dos textos lidos, ou aquelas encontradas
em textos diferentes. Essas questões podem envolver também a comparação de textos de
diversos gêneros. A partir daí, o aluno estará estabelecendo relações de intertextualidade
não apenas de conteúdo, mas de forma.
Na questão, a seguir, com auxílio do texto publicitário, o aluno deveria identificar a
intertextualidade presente no texto.
Não é uma atividade fácil, tendo em vista que muitos alunos, talvez a maioria, não
saibam o que significa intertextualidade. Tal defasagem não é culpa apenas dos alunos que
não mostram interesse pela leitura e por aprenderem mais, mas também dos professores,
que muitas vezes, em virtude de muitos motivos, não trabalham com seus alunos conteúdos
voltados para a leitura plena e interpretação de textos, limitando-se a reproduzir regras
gramaticais.
142
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
Muitos textos publicitários dialogam com outros textos.
Identifique a intertextualidade utilizada nos textos a
seguir:
Gigante pela própria natureza. Guia Quatro
Rodas Brasil.”
Guia Quatro Rodas
Veja Rio: 25/02/04
Conhecimento de
mundo
(intertextualidade)
Reticulada
(interpretação)
Tabela 25 - Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento de mundo
Nessa atividade, esperava-se que o aluno percebesse que no texto Gigante pela
própria natureza. Guia Quatro Rodas Brasil.”, há a retomada explícita de um fragmento
de um texto. O leitor que conhece o Hino Nacional do Brasil identifica a intertextualidade,
com facilidade.
As questões do grupo conhecimento a partir de grandes inferências” exigem que o
leitor faça uma leitura mais aprofundada do texto. São questões que envolvem a
identificação do sentido conotativo das palavras e expressões, de subentendidos, dos
efeitos de ironia ou humor, dos recursos expressivos e efeitos de sentido, do tema, da
relação entre texto verbal e texto não-verbal, das relações de causa-consequência, do
contexto situacional, dentre outros.
Inferir significa realizar um raciocínio com base em informações já conhecidas, a
fim de se chegar a informações novas, que não estejam explicitamente marcadas no texto.
Essas atividades requerem do aluno um pensamento mais elaborado.
Nas questões de sentido conotativo, o aluno precisa reconhecer, por exemplo, que
sentido uma palavra ou expressão adquire em um determinado contexto.
143
Além do jogo denotação/conotação, outro importante aspecto no processo de
construção do sentido de um texto é o papel desempenhado pelas informações implícitas.
(Cf. Cap. 3, tópico 3.3.2.).
No processo de leitura, muitas atividades exigem que o aluno perceba os implícitos.
Por exemplo, o tema de um texto é o eixo sobre o qual ele se estrutura. Para que o aluno
identifique o tema, é necessário que relacione as diferentes informações para construir o
sentido global do texto.
As atividades que relacionam texto verbal e texto não-verbal propiciam ao leitor
relacionar informações expressas verbalmente com as imagens, fotos, tirinhas, charges etc..
Essas atividades exigem que o leitor perceba os mínimos detalhes do texto visual para
relacioná-los com a imagem como um todo e, a partir daí, extrair sentidos.
O uso de recursos expressivos possibilita uma leitura para além dos elementos
superficiais do texto e auxilia o leitor na construção de novos significados.
Os sinais de pontuação, como reticências, exclamação, interrogação etc., e outros
mecanismos de notação, como o itálico, o negrito, a caixa alta e o tamanho da fonte podem
expressar sentidos variados. O ponto de exclamação, por exemplo, nem sempre expressa
surpresa. Faz-se necessário, portanto, que o leitor, ao explorar o texto, perceba como esses
elementos constroem a significação, na situação comunicativa em que se apresentam.
Em diferentes gêneros textuais, os recursos expressivos são largamente explorados.
Por exemplo, nas piadas, os implícitos provocam efeitos de ironia ou humor; nas
propagandas, para realçar um determinado produto, utilizam-se letras em negrito, bastante
adjetivação; nos poemas, os poetas usam e abusam das figuras de linguagem, das rimas e
por aí em diante.
As questões que abordam a relação causa-consequência levam o aluno a reconhecer
o motivo pelo qual os fatos são apresentados no texto, ou seja, as relações expressas entre
os elementos que se organizam, de forma que um é resultado do outro.
Essas são apenas algumas habilidades que o aluno precisa demonstrar para a
resolução das questões desse grupo.
144
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
Seu Manuel era um marido exemplar,
carinhoso, incapaz de matar uma mosca. Um dia,
Maria precisou ir ao mercado e pediu ao bom
homem:
- Manuel, meu amor, não tire os olhos do
Manuelzinho, enquanto vou ao mercado, certo.
- Oh, Maria, você sabe que eu não mato
uma mosca. Acha que teria a coragem de tirar os
olhos do meu próprio filho?
a) O que esperava Maria quando fez a
recomendação ao marido?
b) Como Manuel entendeu a recomendação da
mulher?
Grandes inferências
(sentido conotativo/
subentendido/ironia)
Reticulada
(interpretação)
Tabela 26 Exemplo de questão aplicada que exige grande inferência
Na piada do Seu Manoel, o riso é provocado porque Manuel entendeu literalmente
a fala de Maria, sua esposa, ou então, fez-se de desentendido. Esta esperava que o marido
tomasse conta do Manuelzinho, com atenção. Assim, nessa piada temos:
Sentido denotativo (literal): “não tirar os olhos” significa não “arrancar o órgão do
sentido”.
Sentido conotativo (figurado): “não tirar os olhos” significa tomar conta, com
atenção.
Na piada, o personagem Manoel não demonstra ter sido capaz de fazer inferências e
perceber o subentendido na fala de Maria, ou seja, perceber o “sentido de discurso”.
Assim, as duas questões propostas exigem que o aluno perceba o que está implícito
e, consequentemente, o humor da piada que, até certo ponto, é preconceituoso, tendo em
vista a escolha do nome masculino Manuel nome próprio bastante usado em Portugal,
impregnado do estigma de “pouco inteligente”, conforme crença disseminada socialmente
entre os brasileiros em relação ao povo português.
Já as atividades do grupo “pequenas inferências” exigem que o leitor localize uma
informação explícita ou que exija um grau de inferência mais simples. São questões cujas
145
respostas não estão totalmente expostas a partir de uma leitura superficial, mas que
também não exigem grande raciocínio. O aluno precisa focalizar mais o que é solicitado no
texto, como na questão, a seguir, sobre a fábula “O caracol e a pitanga”.
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
O caracol e a pitanga
(Millôr Fernandes)
Há dois dias, o caracol galgava lentamente o
tronco da pitangueira, subindo e parando, parando
e subindo. Quarenta e oito horas de esforço
tranquilo, de caminhar filosófico. De repente,
enquanto ele fazia mais um movimento para
avançar, desceu pelo tronco, apressadamente, no
seu passo fustigado e ágil, uma formiga-maluca,
dessas que vão e vêm mais rápidas que coelho de
desenho animado. Parou um instantinho, olhou
zombeteira o caracol e disse:
_ Volta, volta, velho! Que é que você vai
fazer lá em cima? Não é tempo de pitanga.
_ Vou indo, vou indo - respondeu
calmamente o caracol. _ Quando eu chegar lá em
cima, vai ser tempo de pitanga.
1- A que parte da árvore o caracol se dirigia?
Pequena inferência
Reticulada
(interpretação)
Tabela 27 Exemplo de questão aplicada que exige pequena inferência
A questão sobre o texto “O caracol e a pitanga” exige uma pequena inferência. O
aluno deveria perceber que, se o caracol queria comer pitanga, estava se dirigindo para a
copa da árvore.
E, por último, as atividades do grupo “conhecimento da estrutura do texto” levam o
aluno a reconhecer o gênero, o tipo textual, a função social e o modo de organização do
discurso predominante no texto, com suas características. Os alunos precisam familiariza-
se com a diversidade de textos existente na sociedade. Precisam reconhecer as várias
funções que a escrita pode ter (informar, entreter, convencer, definir, seduzir...) e os
diferentes suportes materiais onde pode aparecer (jornais, livros, cartazes etc.).
146
Como sugere Marcuschi (1996: 15),
(...) A escola poderia oferecer mais oportunidade de contato com textos mais
complicados em que não aparecem personagens, tais como as bulas de
remédio, as instruções de uso de aparelhos, os contratos de aluguel, as atas de
condomínio, as propagandas, as notícias de jornal. (...)
Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)
exigido(s)
Camada(s)
textual(is)
Receita Culinária: Empadinhas de queijo
A receita de empadinhas de queijo compreende as
seguintes etapas:
(A) ingredientes e modo de fazer. X
(B) substâncias e tipo de sabor.
(C) experiências e arrumação.
(D) utensílios e formato.
Conhecimento da
estrutura do texto
Reticulada
(interpretação)
Tabela 28 Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento da estrutura do texto
Inserimos nas atividades uma receita culinária, cujo objetivo é fornecer ao leitor a
descrição das etapas a serem seguidas para fazer uma determinada comida. A receita
culinária apresenta uma estrutura que se compõe de um texto em tópicos, sobre os
ingredientes e medidas a serem usados e, depois, um texto em prosa, sobre o modo de
fazer. As perguntas propostas não testavam informações óbvias, de reprodução fiel do
texto, mas levavam o leitor a identificar elementos da estrutura do texto.
Agora, analisaremos as respostas dadas pelos alunos, classificando-as como
adequadas ou não-adequadas à proposta de trabalho solicitada. Estamos de acordo com
Marcuschi (1996: 11), quando afirma que
(...) Compreender um texto não é uma atividade de vale tudo. Um texto
permite muitas leituras, mas não inúmeras e infinitas leituras. Não
podemos dizer quantas são as compreensões possíveis de um determinado
texto, mas podemos dizer que algumas delas não são possíveis. Portanto, pode
147
haver leituras erradas, incorretas, impossíveis e não-autorizadas pelo texto. (...)
[Grifo nosso].
Como sugestão da Banca do Exame de Qualificação, não expusemos as atividades e
sim, uma análise das respostas que obtivemos.
Questões que exigiam: Respostas
Adequadas
Respostas
Não-
adequadas
Investigação linguística 6 10 CAMADA LINEAR
COESÃO
Relação 9 25
Conhecimento de mundo 27 30
Grandes inferências 157 253
Pequenas inferências 69 72
CAMADA
RETICULADA
COERÊNCIA
Conhecimento da estrutura do texto 37 50
Tabela 29 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão e interpretação.
De cada nível de ensino (1º Segmento de Ensino Fundamental, 2º Segmento do
Ensino Fundamental, 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio
Regular) responderam às questões apenas 30 alunos (total de 120 alunos). Porém, um
mesmo aluno realizou mais de uma atividade, o que justifica o número de respostas
analisadas.
Não mostraremos o percentual de respostas adequadas e não-adequadas de cada
nível de ensino separadamente, tendo em vista que o nosso objetivo não é comparar níveis
de ensino, mas analisar os dados como um todo.
Os resultados das atividades confirmam o problema inicial constatado de que os
alunos apresentam dificuldades em entender o enunciado de uma questão e, mais ainda, em
interpretar o que leem. Nem sempre conseguem relacionar texto e contexto, fazendo
inferências a fim de alcançarem o sentido global do texto.
148
Nas questões que exigiam “grandes inferências”, obtivemos em todos os níveis de
ensino mais respostas não-adequadas do que adequadas. Isso mostra que os alunos estão
habituados a extrair mais informações explícitas em um texto e, quando precisam ler textos
mais longos, localizar e relacionar mais de uma informação, ficam “perdidos” e acabam
perdendo o interesse pela leitura. Identificar grandes inferências é estar no “Nível Pleno de
Leitura” para a série, de acordo com o INAF. (Cf. Cap. 3, tópico 3.4.3.).
A seguir, apresentamos os gráficos com o percentual de respostas adequadas e não-
adequadas.
Foram elaboradas, para este trabalho, apenas 9 questões de compreensão, sendo 7
de investigação linguística e 2 de relação (coesão).
Obtivemos 50 respostas do grupo da “compreensão”: apenas 15 (30%) respostas
adequadas à proposta de atividade contra 35 (70%) não-adequadas. Tais dados mostram
que o conhecimento linguístico dos alunos ainda é muito pequeno, o que pode ser
justificado pelo desinteresse pela leitura. Se os alunos lessem com mais frequência,
ampliariam o vocabulário e, consequentemente, entenderiam melhor o que leem.
Gráfico 22- Percentual de respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão.
Pesquisa (Questionário sócio-cultural) realizada com os alunos que responderam às
questões mostra que os estudantes não têm o hábito de ler. A maior parte, de 120 alunos,
94 (78%) leem, às vezes. E os livros mais lidos são os didáticos (30%) e os religiosos
(25%). Isso revela que os alunos ainda se limitam a ler apenas no espaço escolar ou
religioso. Os livros literários ocupam o quarto lugar de preferência (19%).
22
22
Os gráficos e dados de todo o Questionário sócio-cultural constam em anexo.
Questões de compreensão
15; 30%
35; 70%
Adequadas
Não-adequadas
149
Gráfico 23 - Com que frequência os alunos leem livros
Gráfico 24 Tipos de livros preferidos pelos alunos
O mesmo acontece com jornais e revistas. Vejamos os gráficos a seguir.
Gráfico 25- Com que frequência os alunos leem jornais
Gráfico 26 - Com que frequência os alunos leem revistas
Com que frequência leem LIVROS
Nunca
Todos os dias
Às vezes
8%
14%
78%
Livros que leem
30%
25%
5%
19%
21%
didáticos
religiosos
infantis
literários
outros
Com que frequência leem JORNAIS
Nunca
Todos os dias
Às vezes
13%
27%
60%
Nunca
Todos os dias
Às vezes
66%
18%
16%
Com que frequência leem REVISTAS
150
Além de lerem, às vezes, jornais e revistas, muitos alunos declararam que leem
apenas a capa dos jornais nas bancas. As revistas mais lidas são as que tratam de
futilidades e pouco ampliam o vocabulário, como “Minha Novela”, “Canal Extra”, “Fm O
Dia”, “Capricho”, entre outras.
No grupo de questões de investigação linguística (16 respostas obtidas), 10
respostas não atenderam à proposta.
Gráfico 27 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de investigação linguística
O resultado das questões de relação mostra que exercícios de coesão não são muito
trabalhados em sala de aula. Só responderam a essas questões os alunos da 7ª e 8ª séries (8º
e 9º Anos do 2º Segmento do Ensino Fundamental) e os do Ensino Médio. Mesmo sendo
conteúdo específico desses níveis de ensino, das 34 respostas obtidas, 25 foram não-
adequadas.
Gráfico 28 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de relação
No grupo da interpretação, foram elaboradas 111 questões, sendo que 14 exigiam
conhecimento de mundo; 53, grandes inferências; 31, pequenas inferências e 13,
conhecimento da estrutura do texto.
Obtivemos 695 respostas de interpretação, tendo em vista que esse é o foco do
nosso trabalho. No total, obtivemos 290 (42%) respostas adequadas contra 405 (58%) não-
adequadas. Ler e extrair sentidos, para muitos, não é tarefa das mais fáceis.
Questões de investigação linguística
6; 38%
10; 62%
Adequada
s
Não-adequadas
Questões de relação
Adequadas
Não-adequadas
9; 26%
25; 74%
151
Gráfico 29 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de interpretação
Nas questões de “conhecimento de mundo” (57 respostas), obtivemos resultados
muito próximos: 27 (47%) respostas adequadas contra 30 (53%) não-adequadas. Desse
grupo, as questões que mais geraram dificuldades foram as que envolviam o conceito de
intertextualidade.
Gráfico 30 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de conhecimento de mundo
Do grupo das “grandes inferências”, obtivemos 410 respostas, sendo 157 (38%)
adequadas contra 253 (62%) não-adequadas.
Gráfico 31 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de grandes inferências
Questões de interpretação
290; 42%
405; 58%
Adequadas
Não-adequadas
Questões de conhecimento de mundo
Adequadas
Não-adequadas
27; 47%
30; 53%
Questões de grandes inferências
157; 38%
253; 62%
Adequadas
Não-adequadas
152
O aluno que consegue extrair de um texto “grandes inferências” adquire o
conhecimento profundo sobre o processo de semiotização do mundo, ou seja, passa pela
superfície do texto, compreendendo as informações oferecidas pelo sentido de língua e
aprofunda-se no sentido de discurso, interpretando, extraindo sentidos.
Do grupo de questões que exigiam “pequenas inferências” (141 respostas obtidas),
69 (49%) foram adequadas contra 72 (51%) não-adequadas. Os resultados, no todo, estão
bem próximos. Essas questões exigiam que o aluno localizasse pequena inferência. Trata-
se do “N ível Básico de Leitura, segundo o INAF (Cf. Cap. 3,tópico 3.4.3.).
Gráfico 32 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de pequenas inferências
E, por último, obtivemos 87 respostas que exigiam conhecimento da estrutura do
texto: 37 (43%) adequadas contra 50 (57%) não-adequadas.
Gráfico 33 Respostas adequadas e não-adequadas às questões de conhecimento da estrutura do
texto
Nem sempre se trabalha com diferentes gêneros textuais na escola. Muitos
professores limitam-se a apresentar apenas alguns gêneros do tipo literário, como poemas,
fábulas e contos. Outros textos, como os do tipo apelativo (carta de leitor, texto de
Questões de pequenas inferências
72; 51%
69; 49%
Adequadas
Não-adequadas
Questões de conhecimento da estrutura do texto
37; 43%
50; 57%
Adequadas
Não-adequadas
153
opinião...), informativos (notícia, reportagem, crônica...), instrucionais (receita culinária,
bula de remédio, regulamentos...) etc. não são muito trabalhados, e, quando se trabalha,
muitas vezes, são feitas perguntas óbvias que não levam o aluno a analisar a estrutura e a
finalidade do gênero textual.
Diante de tal realidade, como conduzir o trabalho de interpretação de forma
produtiva? É interessante observar que alunos de diferentes idades e séries tiveram
dificuldades em realizar uma mesma atividade.
O objetivo desta pesquisa, ao se analisarem algumas respostas, foi mostrar a
grande importância de se estabelecerem conteúdos de interpretar, a fim de que os alunos
sejam mais capacitados na tarefa de entenderem aquilo que leem.
Gostaríamos de ressaltar que muitos alunos também conseguiram realizar as
atividades propostas. Porém, chama-nos a atenção a quantidade de alunos que ainda se
encontram no nível rudimentar de leitura e interpretação. Os alunos que apresentaram mais
facilidade precisam ser trabalhados, a fim de enfrentarem novos desafios, e os que
demonstraram dificuldades precisam atingir, pelo menos, o nível de leitura esperado para a
série deles.
4.2. Pesquisa realizada com professores
Responderam à entrevista proposta quinze professores, entre 25 e 50 anos de idade.
Todos lecionam no sistema público de ensino há mais de cinco anos.
Não fizemos um número maior de entrevistas, tendo em vista que esse não é o foco
de nosso trabalho (é meramente ilustrativo) e também devido à falta de “boa vontade” de
muitos professores em participarem de uma atividade como essa. O professor,
normalmente, está sempre muito atarefado e, quando tem um tempo vago, não gosta de
ficar respondendo entrevistas. Assim, os professores que participaram, fizeram-no pela
amizade.
Obtivemos as seguintes respostas na pesquisa
Como você trabalha a interpretação de textos?
154
Sobre essa pergunta, alguns (9) professores responderam, citando a metodologia
utilizada (interpretação oral e escrita, estudo dirigido, debates, desenhos); outros (5)
citaram alguns gêneros textuais (fábulas e contos de fada) e um (1) respondeu que trabalha
a interpretação atrelada ao conteúdo gramatical do momento.
Essa pergunta tinha por objetivo saber qual (is) estratégia (s) (metodologia(s)) é
(são) utilizada (s) pelos professores quando trabalham com o texto. De quinze professores,
cinco responderam que trabalham com alguns textos. Isso é óbvio, porque estamos tratando
de interpretação textual, seja de texto verbal ou não-verbal.
Gráfico 34 Metodologia adotada por alguns professores no trabalho com textos.
Outra pergunta feita foi:
Com quais conteúdos (pertinentes ao texto) você trabalha?
Obtivemos respostas variadas. Dos professores entrevistados (15), somente seis
citaram algum conteúdo voltado para a atividade de interpretação. Desses seis professores,
apenas quatro se detiveram em conteúdos de interpretação. O texto ainda é utilizado para a
análise simples de conteúdos gramaticais e ortográficos. Alguns conteúdos de interpretação
citados foram:
modalidade textual;
nível de linguagem;
figuras de linguagem;
elementos da narrativa;
aspectos literários;
5%
35%
23%
5%
32%
Interpretação oral
Interpretação escrita
Desenhos
Com os gêneros textuais
Atrelada ao conteúdo gramatical
155
intertextualidade e
contextualização temática.
Os professores não entraram em detalhes sobre quais aspectos literários são
trabalhados, quais elementos da narrativa são privilegiados etc. Como o nosso objetivo era
verificar se os professores citariam conteúdos de interpretação, não insistimos no
detalhamento das respostas.
Onze professores responderam que aproveitam o texto para explorar conteúdos
gramaticais, ortográficos, semânticos e para a produção textual.
Assim, normalmente, nas escolas, a atividade de interpretar é feita a partir de
questões soltas relativas ao texto, sem se ter como objetivo um conteúdo. Trabalha-se hoje
com um exercício de interpretação, e o próximo não tem nenhuma relação com o anterior e
daí por diante. A interpretação de um texto é feita como um trabalho estanque, sem
qualquer relação com outros conteúdos.
Não estaria aí a dificuldade apresentada pelos alunos de interpretarem o que leem?
156
5. NOSSA PROPOSTA
Não sei se seria sonhar muito. Mas acredito que, se desde o início, for dada
aos alunos a oportunidade da leitura plena (do livro e do mundo) aquela que
desvenda, que revela, que lhes possibilita uma visão crítica do mundo e de si
mesmos se lhes for dada a oportunidade da leitura plena, repito, uma nova
ordem de cidadãos poderá surgir e, dela, uma nova configuração de sociedade.
(Antunes, 2009: 206)
5.1. Um trabalho de interpretação em sequências didáticas
Com base nos autores consultados, sugerimos, para fins didáticos, o trabalho com
sequências didáticas. Dolz & Schneuwly (2004: 97) definem
uma “seqüência didática” (como) um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito.
O trabalho com textos organizados em sequências didáticas tem por objetivo ajudar
o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, ultrapassar o sentido
de língua. Se o aluno for capaz de interpretar o que lê, terá, sem dúvida, mais facilidade
para se expressar e produzir diferentes textos de acordo com a situação de comunicação.
Normalmente, nas aulas de Língua Portuguesa, as atividades gramaticais ocupam a
maior parte do tempo. Um dos motivos está na ênfase que os manuais didáticos dão às
regras gramaticais, como se as atividades de leitura, interpretação e produção textual não
exigissem estudo e “conteúdos” a serem desenvolvidos. Como observam Dolz &
Schneuwly (2004: 50),
(...) Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que
a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se
desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que pudéssemos
ensiná-la sistematicamente.
157
Carneiro (2002: 211), em sua tese de doutorado sobre interpretação de texto, faz a
seguinte observação
(...) [nas] aulas de conteúdo gramatical ou literário, as anotações (no diário) do
que foi ensinado são bem claras, com informações precisas sobre os itens
abordados; mas, quando se trata de interpretação de texto, os dados são bem
poucos, no máximo o título e o autor do texto analisado. Mas, o que foi
ensinado na atividade? As perguntas formuladas supõem algum conhecimento
adquirido nas séries anteriores?
E, Carneiro (ibidem: 211) conclui que
Na verdade, falta aos professores um programa, que só poderá ser construído a
partir de uma sistematização dos conhecimentos textuais. Como tal
sistematização ainda não foi realizada de forma adequada, continuamos nós, os
professores, a construir a tarefa de forma intuitiva.
Dessa forma, pesquisas realizadas com professores e atividades desenvolvidas com
alunos mostram que é necessário o estabelecimento de objetivos a serem cumpridos no
ensino e aprendizagem da interpretação textual. É preciso que o professor tenha
consciência do que seja texto e de seu funcionamento como estrutura produtora de sentido,
pois ensinar a ler e a interpretar é perceber os conteúdos e os conhecimentos que se tornam
dizíveis por meio dos textos; reconhecer os elementos das estruturas comunicativas e
semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero e, por fim,
identificar as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente,
da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e
de tipos discursivos que formam sua estrutura. (Cf. Dolz & Schneuwly: 2004: 75).
Cada gênero pode ser abordado em diferentes níveis de complexidade. A retomada
de objetivos já trabalhados, após um certo espaço de tempo e, numa nova perspectiva, é
indispensável para que a aprendizagem seja assegurada.
Dolz & Schneuwly (2004) propõem um trabalho com sequências didáticas, em
torno de um gênero textual. Aproveitamos a sugestão dos autores, porém organizaremos as
nossas sequências a partir dos modos de organização do discurso.
Assim, para fins didáticos, propomos um trabalho com sequências didáticas a partir
dos modos de organização do discurso apresentados por Charaudeau (1992, 2008), com
uma pequena alteração. Charaudeau cita como modo de organização o argumentativo.
158
Preferimos denominá-lo de dissertativo, a fim de separar os textos, de acordo com a
função, em dois blocos: expositivo e argumentativo.
Optamos também pelas tipos de textos propostos por Carneiro (2005). O autor,
tomando como base a função textual cita nove tipos, a saber normativos (regulamentar),
fáticos (contatar), expressivos (automanifestar-se), apelativos (convencer), didáticos
(ensinar), instrucionais (instruir), informativos (informar), preditivos (prever) e literários
(função estética).
O esquema seguinte resume nossa proposta:
Modos de
organização do
discurso:
Enunciativo, descritivo, narrativo e dissertativo (expositivo e
argumentativo).
Tipos de textos:
Normativos, fáticos, expressivos, apelativos, didáticos,
instrucionais, informativos, preditivos e literários.
Gêneros textuais:
(Cada tipo tem seus gêneros)
Oração, requerimento, cartaz publicitário etc.
Tabela 30 Nossa proposta
Fonte: Charaudeau (1992, 2008); Carneiro (2005)
O trabalho será dividido em quatro sequências didáticas, de acordo com um modo
de organização do discurso. Em cada sequência, constarão diferentes tipos de textos, tendo
em vista que serão explorados diversos gêneros textuais. As sequências serão divididas em
módulos, nos quais serão explorados os gêneros. O modo enunciativo não encabeçará uma
sequência, já que perpassa todos os outros. Esse modo tem por objetivo “organizar as
categorias da língua, ordenando-as de forma a que deem conta da posição que o sujeito
falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que ele diz e em relação ao que o
outro diz.” (Cf. Charaudeau, 2008: 82).
Listamos, a seguir, alguns gêneros de acordo com o modo de organização do
discurso predominante. Um texto pode ser predominantemente narrativo e conter várias
passagens descritivas, por exemplo, as fábulas.
Como afirma Charaudeau (2008: 109-110),
159
(...) uma mesma categoria de língua pode estar presente em diferentes
modos de organização de discurso: por exemplo, as categorias semânticas de
Designação, Quantificação e Apresentação encontram-se tanto na organização
descritiva quanto na organização narrativa ou argumentativa de um texto (...).
Por outro lado, um mesmo Modo de discurso pode evocar diferentes
categorias lingüísticas. Por exemplo, o descritivo também pode utilizar verbos
de ação (marcas que se consideram, tradicionalmente, próprias ao narrativo),
como nos textos de Receitas de cozinha (...).
As categorias de língua são, enquanto tais, operatórias para determinar um
modo de discurso. Pode-se dizer que as marcas que compõem um texto
constituem, em combinação com as marcas de outras categorias, os traços de
uma possível caracterização discursiva. [Grifos do autor].
MODOS DE ORGANIZAÇÃO
DO DISCURSO
TIPOS DE
TEXTOS
EXEMPLOS DE GÊNEROS
ORAIS E ESCRITOS
Narrativo Literários
Expressivo
Fático
Informativos
Conto maravilhoso
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Novela fantástica
Conto parodiado
Relato de viagem
Testemunho
Ensaio biográfico
Correspondência
Notícia
Reportagem
Crônica esportiva
160
MODOS DE ORGANIZAÇÃO
DO DISCURSO
TIPOS DE
TEXTOS
EXEMPLOS DE GÊNEROS
ORAIS E ESCRITOS
Descritivo Instrucionais
Apelativos
Preditivo
Receita de cozinha
Regulamento
Regras de jogo
Instruções
Bula de remédio
Oferta de emprego
Catálogo de vendas
Publicidade
Horóscopos
Expositivo Didáticos
Informativos
Normativos
Seminário
Conferência
Artigo ou verbete de enciclopédia
Entrevista de especialista
Tomada de notas
Resumo de textos “expositivos” ou
explicativos
Relatório científico
Relato de experiência científica
Leis
Portarias
Estatutos
Dissertativo
Argumentativo Apelativos Texto de opinião
Diálogo argumentativo
Carta do leitor
Carta de reclamação
Deliberação informal
Debate regrado
Discurso de defesa
Discurso de acusação
Propaganda
Tabela 31 - Gêneros de acordo com o modo de organização do discurso predominante
161
Diante disso, no trabalho de língua portuguesa, um mesmo gênero textual permite
que o professor explore, com seus alunos, diferentes categorias de língua e,
consequentemente, diferentes modos de organização do discurso.
Em termos didáticos, para cada modo de organização do discurso, citaremos alguns
conteúdos de interpretar. O modo enunciativo, mesmo sem encabeçar uma sequência
didática, tem conteúdos de interpretar que serão explorados nos outros modos.
Apresentamos, a seguir, um quadro com as sugestões dos “conteúdos de
interpretar” para cada modo de organização do discurso.
Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso
Enunciativo
O emissor, o receptor e a mensagem na situação de comunicação;
A comunicação oral e escrita;
Fatores que interferem na comunicação;
Atitudes enunciativas que o sujeito falante constrói em função
dos elementos de identificação,
da situação de comunicação e
da imagem que o falante quer transmitir de si mesmo ao outro.
Utilização do jogo da modalização e dos atos locutivos.
Diferentes efeitos de saber, de realidade/ficção, de confidência e de gênero.
Maneiras de implicar o destinatário-leitor, nos modos de intervenção do
narrador, estatutos e pontos de vista do narrador.
Procedimentos nos tipos de posição do sujeito que argumenta e nos tipos de
valores dos argumentos.
(...)
Narrativo
Relação entre sentido e contexto;
Figuras de linguagem;
Verificação de como se realiza a passagem de tempo no texto;
As marcas explícitas de sucessão cronológica;
As marcas implícitas da sucessão psicológica;
Observação dos diferentes valores dos tempos verbais do passado;
Efeitos de distância, de proximidade e de atualidade;
As formas de designar os personagens na narrativa;
Compreensão do sentido implícito e do discurso indireto livre;
Atos de fala;
Pontos de vista dos personagens e do narrador;
162
Modelos de enredo;
Compreensão das noções de agente e de paciente;
O desenvolvimento: processos de intensificação e de suspense;
O cenário narrativo e sua implicação nas ações narradas;
A verossimilhança narrativa e as marcas de realidade;
Figurativização/Tematização.
(...)
Descritivo
Ato de Nomear (identidades nominais);
Ato de Qualificar (identidades descritivas: atributos);
Descrição objetiva e descrição subjetiva;
Apreensão do tema-núcleo;
Meios de identificar/nomear, instruir, listar, localizar (no tempo e no
espaço) ou caracterizar o tema núcleo;
O observador.
(...)
Dissertativo
expositivo
Expressão de fatos conectados por elementos lógicos;
Estrutura do texto expositivo;
Agentes animados e inanimados;
Relações de condição e de hipótese;
Conectores;
A expressão dos fatos de forma impessoal, passiva e pronominal;
Consideração do destinatário: a seleção linguística;
Perguntas retóricas;
Processos de condensação discursiva;
Regras de apresentação.
(...)
Dissertativo
argumentativo
Os métodos argumentativos da sedução;
Intimidação;
Gratificação e competição;
A figura do argumentador;
O tema e a tese;
Tipos de raciocínio.
(...)
Tabela 32 Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso
163
A lista de conteúdos proposta é aberta. Em termos de um trabalho didático, listamos
apenas alguns. Cabe ao professor, selecionar os conteúdos pertinentes aos gêneros com os
quais deseja trabalhar, sempre levando em consideração que o trabalho com tais conteúdos
deve ser sistemático. O aluno precisa saber interpretar um número maior possível de
gêneros textuais.
5.2. Testagem da nossa proposta
Tendo em vista que a nossa proposta de pesquisa não se limita à análise de
atividades realizadas por alunos, mas objetiva apresentar estratégias de ensino, fizemos
uma testagem da nossa proposta.
No gráfico a seguir, é explicitada a nossa proposta de trabalho. Na testagem, não
trabalhamos com uma sequência didática inteira, mas apenas com um módulo.
Escolhemos a sequência que aborda a narração, tendo em vista que este é o modo de
organização do discurso mais comumente trabalhado nas salas de aula e que constitui
conteúdo específico do 1º Ano do Ensino Médio. O gênero textual escolhido foi a fábula.
Esquema da sequência didática
Gênero Gênero Gênero
1 2 n
Gráfico 35 - Esquema da sequência didática da nossa proposta de trabalho.
Apresentação d
o Modo de
Organização do Discurso
Módulo 1 Módulo 2 Módulo n
Gênero 1 Gênero 2 Gênero n
PRODUÇÃO FIN
AL
Conclusões finais sobre
o modo de organização
do discurso
predominante nos
gêneros trabalhados.
164
Organização de cada módulo
Gráfico 36 Organização de cada módulo da nossa proposta de trabalho.
Ao se trabalhar com o gênero fábula, esperamos que os alunos percebam que esse
gênero textual procura espelhar, “imitar” a vida real. Nele, os autores criam personagens e
tramas para nos contar o que pensam sobre os homens, seu modo de vida, seus medos,
incertezas e desejos, e também como veem o mundo. Por isso, para compreender uma
fábula, é importante tentar perceber a intenção que existe por trás da história.
Sabemos que os animais não falam, não fazem festas, nem batalham na vida real,
mas nas fábulas, eles aparecem fazendo isso para representar algo que pode ser vivido
pelos homens. Nas fábulas, os animais ou objetos são personificados.
Segundo Fernandes (2001: 43), normalmente os fabulistas escolhem animais como
personagens
(...) devido a algumas características que servem para a comparação com as
atitudes humanas. Sempre houve o costume de comparar as pessoas aos
animais. Por exemplo, (...) “Você é rápido como uma lebre” ou “Você é
esperto como uma raposa”. Essas comparações são bastante comuns, quase
todo mundo as conhece.
Na verdade, quem dá essas características aos animais são os homens, porque não
existe animal bom ou ruim, eles apenas seguem seus instintos. Dessa forma, não é só a
característica do animal que determina a escolha de uma personagem para a fábula, mas
também a visão que os homens têm sobre os animais.
O modo indireto de atingir os ouvintes ou os leitores é uma das características
marcantes das fábulas. É um jeito de levá-los a pensar sobre certas atitudes humanas e até
Trabalho de pesquisa: Conclusões gerais sobre as car
acterísticas do gênero trabalhado e outros exemplos do
gênero.
Compreensão
/
Interpretação
Leitura
Apresentação
do gênero
textual
Produção
textual
165
convencê-los de certas ideias. Quando o autor usa a comparação, os leitores são induzidos
a identificar a situação contada com certas situações da vida real.
Como já ficou explicitado no capítulo 2, a nossa testagem foi organizada em seis
atividades:
1ª atividade: Exercício de sondagem (leitura, interpretação e produção textual) com o
texto: “O gato e o galo” (Esopo).
2ª atividade: Teorização sobre uma narrativa (resumo das principais características).
3ª atividade: Exercício de fixação (leitura e interpretação) com o texto: “O cavalo e o
burro” (Monteiro Lobato).
4ª atividade: Leitura de fábulas: A raposa e as uvas”, “A cigarra e a formiga” e “O corvo e
a raposa” (Esopo) e “O ratinho e o leão” (Pedro Bandeira).
5ª atividade: Exercício avaliativo (leitura, interpretação e produção textual) com o texto:
“O lobo e o cordeiro” (Monteiro Lobato).
6ª atividade: Exercício avaliativo (identificar fábulas e o tema que, normalmente, é
abordado nelas; diferenciar autor, de narrador; identificar o foco narrativo e o tempo em
um texto narrativo e, por fim, o que são pressupostos).
As atividades 1 e 5 foram organizadas da seguinte forma: quatro questões de
compreensão (2 de investigação linguística e 2 de relação: coesão) e nove questões de
interpretação (2 de conhecimento de mundo, 2 de pequenas inferências, 2 de grandes
inferências e 3 de conhecimento da estrutura do texto).
Na primeira testagem, escolhemos a fábula “O gato e o galo”, de Esopo.
O gato e o galo
Esopo. (Fonte: http://sitededicas.uol.com.br/fabula1a.htm)
Um gato capturou um galo, e ficou imaginando como achar uma desculpa, qualquer que fosse, para
que seu desejo de devorá-lo fosse justificado.
Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava
dormir.
O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam acordar
cedo para irem ao trabalho.
O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar.” E assim
comeu o galo.
Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.
166
A primeira e a segunda questões versavam sobre investigação linguística. Na
primeira, os alunos deveriam escrever uma frase com a palavra “legitimar” extraída do
texto. Os alunos mostraram dificuldades: 15 (43%) respostas adequadas, 16 (46%) não-
adequadas e 4 (11%) em branco.
Apesar de termos obtido 43% de respostas adequadas, a maior parte das frases
construídas foram paráfrases do exemplo retirado do texto.
Texto: “Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.”
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS
23
:
“Uma pessoa sem conduta, consegue legitimar seus atos e pensamentos.” (A07)
24
“Ele é expert em legitimar seus erros.” (A16)
“Ana legitimou sua opinião sobre o aborto.” (A22)
“O aluno chegou atrasado à aula e usou uma falsa doença para legitima
25
seu atraso.”(A26)
“O motorista que causou o acidente tentou legitimar sua ação com desculpas”. (A27)
Como os alunos não sabiam bem o que significava “legitimar”, fizeram pequenas
variações e perceberam, pelo exemplo, que o verbo em questão pede um complemento.
Assim, nas frases dos alunos, encontramos os seguintes complementos: “seus atos e
pensamentos”, “seus erros”, “sua opinião”, “seu atraso” e “sua ação”. Além disso, como na
fábula o verbo “legitimar” estava relacionado a uma ação negativa, na maior parte das
frases construídas pelos alunos foi mantida essa orientação.
Dentre as frases consideradas não-adequadas, citamos:
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Ele sempre achará sua legitimações.” (A09)
“Carol quebrou o vaso e tua mãe a legitimou.”(A10)
“O menino legitimou seu desaparecimento.” (A32)
Essa última frase chega a ser absurda. Como uma pessoa vai legitimar o próprio
desaparecimento?!
23
Não citaremos sempre a mesma quantidade de respostas adequadas e não-adequadas em todas as questões,
porque muitas respostas se repetem ou são muito parecidas.
24
Os alunos dessa testagem serão identificados pela letra maiúscula A (Aluno) e por um número de 01 a 35.
25
Mantivemos a ortografia dos alunos.
167
Na segunda questão, os alunos deveriam identificar a forma de tratamento utilizada
entre o gato e o galo. Não obtivemos nem uma resposta sequer adequada. Tivemos 20
(57%) respostas não-adequadas e 15 (43%) em branco. Estava bem explícito, no texto, que
os dois animais personificados estavam-se tratando por você. Dentre as respostas não-
adequadas, obtivemos:
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Eles cuparam um ao outro.” (A03)
“Em forma de culpa do galo.” (A05)
“Argumentos.” (A13)
“o gato uma forma de desculpas, o galo uma forma de benefício” (A15)
“Uma forma calma, uma conversa em que cada um mostra o seu argumento.” (A22)
As questões 3 e 4 versavam sobre coesão referencial e interfrásica. Na questão 3, os
alunos deveriam identificar os referentes de alguns pronomes, no texto. Não demonstraram
dificuldades. Obtivemos 26 (74%) respostas adequadas em relação ao pronome oblíquo os
e 24 (68%), em relação ao pronome demonstrativo isso. Na passagem citada do texto, o
pronome oblíquo os refere-se aos homens e o pronome oblíquo isso refere-se ao fato de o
galo cantar à noite.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pronome os:
“aos homens” (A02)
“se refere aos homens” (A11)
“aos homens que não conseguiam dormir.” (A27)
Pronome isso:
“acordar os homens cedo, cantando à noite.” (A02)
“Está se referindo ao canto do galo.” (A04)
“cantava a noite” (A06)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pronome os:
“aos galos” (A01)
“Se refere aos gatos.” (A04)
“deixava dormir” (A15)
168
Pronome isso:
“Indicar algo.” (A03)
“galo” (A05)
“em benefício aos homens” (A’5)
Tal dado nos deixou bastante aliviados, ao percebermos que a maior parte dos
alunos do Ensino Médio consegue identificar referentes de pronomes no texto. Em nossa
pesquisa preliminar (Cf. capítulo 4), das 34 respostas a um exercício de coesão, obtivemos
25 não-adequadas. Porém, a maior parte dessas respostas não-adequadas foram obtidas de
alunos do Ensino Fundamental.
Na quarta questão, obtivemos apenas uma resposta adequada. Os alunos deveriam
identificar o valor da locução conjuntiva “para que” em uma passagem do texto. Apesar de
esse conteúdo ser trabalhado nos 8º e 9º Anos de Escolaridade, normalmente os alunos
“decoram” para prova e não são levados a refletir, para extraírem o sentido pelo enunciado.
Assim, dos 35 alunos do 1º Ano do Ensino Médio que realizaram a atividade, apenas um
respondeu corretamente a questão.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“finalidade, oração subordinada adverbial final” (A05)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Uma justificação.” (A03)
“Para justificar e complementar a frase.” (A07)
“É um conjunto de palavras que tem palavras que explicam a frase.” (A12)
“objetivo direto” (A26)
Nessa quarta questão, as respostas não-adequadas mostram que os alunos não
lembram de nada a respeito das conjunções. As respostas não denotam confusão com a
classificação de outras conjunções. E o mais problemático é saber que esse conteúdo,
normalmente, é trabalhado no 9º Ano de Escolaridade.
Pelo exposto, essas quatro questões propostas inicialmente se detiveram na camada
superficial do texto. São questões de compreensão. Nessa mesma atividade, foram
propostas nove questões de interpretação. A primeira e a segunda versavam sobre
conhecimento de mundo.
169
Na primeira questão, os alunos deveriam relacionar o modo de agir dos animais da
fábula lida com o modo de agir dos seres humanos. Obtivemos 17 (48,5%) respostas
adequadas, contra 17 (48,5%) não-adequadas e 1 (3%) em branco. Os dados mostram que
os alunos não entenderam bem a questão. De acordo com o texto, uma pessoa que age
como o gato da fábula quer vencer o mais fraco pela força; é injusta com os mais fracos; é
violenta e inventa mentiras para dominar os outros. Consideramos como adequadas,
respostas como:
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O modo de matar, roubar e arranja uma desculpa para fazer essas ações.” (A09)
“O homem faz alguma coisa de errado e depois inventa varias desculpas para não se dar mal.”
(A11)
“O modo de egoísmo pois o gato viu que o galo tinha pouca força e o intimidou.” (A15)
“Muitos ‘homens’ passam por cima de outros, ou melhor, prejudicam outros, visando somente o
seu bem estar.” (A16)
“que só pensamos no nosso imbigo.” (A35)
Das respostas não-adequadas, podemos citar:
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O modo do ser humano comer animais, carne vermelha e branca.” (A05)
“Por que os seres humanos e o gato estava aborrecido com galo que cantava a noite na hora de
dormir.” (A17)
“Ter que matar uma pessoa para sua propia defesa.” (A29)
Se uma interpretação fosse totalmente aberta, uma espécie de “vale-tudo”, as
respostas acima poderiam ser aceitas. Porém, esperava-se que os alunos percebessem que,
na fábula, o gato demonstra egoísmo, soberba e força. Por ser mais forte, intimidou o galo
e o matou. É injusto com o mais fraco, violento e inventa mentiras para dominar os outros.
É claro que esta é a lei natural dos animais, mas não estamos tratando disso aqui. Se
estamos trabalhando com o gênero fábula, precisamos interpretar o texto de acordo com as
características desse gênero textual.
Na fábula, o gato não matou o galo para se defender e se fosse por uma
necessidade, não haveria necessidade de tantos argumentos. No mundo das fábulas,
precisamos ver os animais como tipos humanos.
170
Na segunda questão relativa ao conhecimento de mundo, os alunos deveriam
explicar a moral da história: “Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para
legitimar suas ações.” Obtivemos apenas 18 (51%) respostas adequadas, contra 15 (43%)
não-adequadas e 2 (6%) em branco.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Quem possui uma índole ruim, conseguirá sempre explicar seus atos, por mais tolos que estes
sejam; pois a vida do próximo para estes não tem a mínima importância.” (A16)
“A moral é que tem sempre o ‘maú e o bem’, por isso o lado mais forte tenta se aproveitar e
arranjar uma desculpa, para não atingir ele.” (A25)
Muitos alunos parafrasearam a moral do texto, como:
“Quem é mau caráter sempre vai dar um jeito de sair livre de suas ações.” (A08)
“A pessoa que é mau caráter procura sempre uma desculpa para justificar seus erros, suas
ações.”(A18)
“Que quem e mal caráter, sempre vai procurar uma desculpa para conseguir seu objetivo.” (A26)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Depois do ato de capturar o galo, o gato deu uma desculpa mais convincente, por isso se deu bem,
e devorou o galo.” (A11)
“Foi um gato que tinha uma enorme vomtade de devorar um galo, e o matou, e depois tentou
colocar a culpa no galo, para que os homens não brigassem com ele.” (A14)
A terceira e a quarta questões de interpretação exigiam pequenas inferências. Os
alunos não demonstraram dificuldades. Na terceira questão, os alunos deveriam identificar
o argumento utilizado pelo gato para devorar o galo. O gato acusa o galo de causar
aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir. Obtivemos 29
(83%) respostas adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir” (A01)
“Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava
dormir.” (A03)
“Ele fala que o galo não deixa os homens dormirem à noite por causa da sua cantoria e assim os
deixavam aborrecidos.” (A13)
171
Na quarta questão, os alunos deveriam identificar o contra-argumento do galo. No
texto, o galo se defendeu dizendo que cantava em benefício dos homens, e assim eles
podiam acordar cedo para irem ao trabalho. Obtivemos 32 (91%) respostas adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam acordar cedo para irem ao trabalho.”
(A01)
“Ele disse que cantava para ajudar os homens a acordar cedo.” (A10)
“O galo afirmou que sempre canta para os homens acordarem cedo e irem para o trabalho.” (A27)
A quinta e a sexta questões exigiam um grau de inferência maior. Na quinta
questão, os alunos deveriam identificar a alteração na estado inicial da fábula que dá
sentido ao final da história. Apenas 9 (26%) respostas adequadas, contra 18 (51%) não-
adequadas e 8 (23%) em branco. Os alunos deveriam perceber que, para ser coerente com a
moral, na fábula, o gato come o galo, mostrando ter um mau caráter.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O gato come o galo.” (A11)
“Quando o gato diz que apesar do galo ter uma boa desculpa, ele não poderia ficar sem jantar. E
comeu o galo. (A14)
“Que o gato devorou o galo, e com isso ele tentou se explicar.” (25)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Um gato faminto captura um galo” (A08)
“Um gato capturou um galo”... e ... “e ficou imaginando como achar uma desculpa”... (A12)
“A fábula já começa falando sobre o que se diz e o sentido da história.” (A28)
Na sexta questão, os alunos deveriam identificar a relação de causalidade narrativa,
ou seja, a motivação que levou a ação na fábula. A motivação foi um gato faminto capturar
um galo. Obviamente, a fome fez com que devorasse a presa. Nessa questão, apenas 8
(23%) das respostas estavam adequadas ao que foi pedido. Obtivemos, ainda, 19 (29%) de
respostas não-adequadas e 17 (48%) em branco.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“por que o gato estava com fome.” (A09)
“O gato estava com fome.” (A12)
172
“Sua fome de comer” (A19)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O gato queria comer o galo” (A01)
“Um gato capturou um galo.” (A03)
“O gato acusa o galo, o galo da uma boa desculpa mesmo assim não adiantou” (A11)
As questões 7, 8 e 9 diziam respeito à estrutura do texto. Na sétima questão, os
alunos deveriam explicar o que é uma fábula. Apesar de ser um gênero textual conhecido e
muito trabalhado nas primeiras séries do Ensino Fundamental, não obtivemos nem uma
resposta sequer adequada. Alguns alunos até citaram determinados elementos ou
determinadas características de uma fábula, mas não conseguiram definir esse gênero
textual.
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Sim. Porque contém um ditado popular” (A01)
“Sim, pois é uma história engraçada.” (A03)
“Sim, por que é um conto narrativo.” (A09)
“porque trata como se fosse uma história real” (A10)
“Por ela narra um conto” (A19)
“Porque envolve apenas dois personagens, no caso é o gato e o galo.” (A20)
Na oitava questão, os alunos deveriam identificar o narrador, o foco narrativo, os
personagens, o lugar e o tempo da fábula. Desses itens, os alunos demonstraram ter
conhecimento apenas do que seja um personagem em um texto.
Assim, em relação ao narrador, obtivemos apenas 4 (11%) respostas adequadas; nos
itens foco narrativo, lugar e tempo não obtivemos respostas adequadas e, em relação aos
personagens, obtivemos 33 (94%) respostas adequadas. Normalmente, em atividades de
interpretação, há sempre alguma questão sobre personagens, mas nem sempre sobre a
diferença entre autor e narrador e sobre tempo e lugar na narrativa. Na fábula, não é citado
o lugar onde ocorrem os fatos e o tempo é cronológico, ou seja, o narrador apresenta os
fatos de acordo com a ordem dos acontecimentos.
173
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Narrador:
“Esopo” (A04)
Personagens:
“O gato e o galo” (A01)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Narrador:
“gato e galo” (A10)
“eu-lírico” (A11)
Foco narrativo:
“O gato comeu o galo” (A01)
“O gato” (A03)
Personagens:
“gato, galo e homens.” (A14)
Lugar:
“cidade” (A03)
“galinheiro” (A04)
“fazenda” (A05)
“floresta” (A06)
“no trabalho” (A09)
Tempo:
“Passado” (A01)
“Presente” (A03)
“noite” (A04)
Na última questão, na nona, os alunos deveriam, relacionando duas colunas,
identificar as partes do enredo da fábula em questão: situação inicial, quebra da situação
inicial, estabelecimento de um conflito, desenvolvimento, clímax e conclusão. Obtivemos
13 (37%) respostas adequadas, contra 22 (63%) não adequadas.
Em relação à produção textual, das 35 redações, 14 (40%) apresentaram
características de fábula, 20 (57%) não se enquadraram no gênero solicitado e 1 (3%) dos
alunos deixou em branco.
174
A seguir, apresentaremos duas redações adequadas e duas não-adequadas.
REDAÇÕES ADEQUADAS DOS ALUNOS:
(A06)
175
(A16)
176
REDAÇÕES NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
(A09)
177
(A28)
Essa primeira testagem mostrou que é necessário um trabalho sistemático com um
determinado gênero textual, enfocando suas características e o do modo de organização do
discurso predominante.
Após essa primeira testagem, realizamos um estudo sobre as características básicas
de uma narrativa, relacionando-as com o gênero fábula. Em seguida, foi feita a leitura e
interpretação de uma outra fábula: “O cavalo e o burro”, de Monteiro Lobato. Para que os
alunos percebessem melhor as características de uma fábula, foi feita a leitura e discussão
de outras, como “A raposa e as uvas”, “A cigarra e a formiga”, “O corvo e a raposa” e “O
ratinho e o leão”. Depois da realização dessas atividades, aplicamos uma segunda
178
testagem, a fim de verificar se um trabalho sistemático com alguns conteúdos de interpretar
ajudaria o aluno a ler e a interpretar melhor.
Na segunda testagem, a fábula escolhida foi “O lobo e o cordeiro”, uma versão de
Monteiro Lobato. As questões seguiam a mesma estrutura e organização das questões da
primeira testagem.
O lobo e o cordeiro
(Monteiro Lobato)
Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.
- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro arreganhando os dentes. -
Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
- Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo que o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.
- Além disso - inventou ele - sei que você andou falando mal de mim o ano passado.
- Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundindo pela voz da inocência, o lobo insistiu:
- Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
- Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo, furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo
faminto:
- Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.
Contra a força não há argumentos.
As duas primeiras questões versavam sobre investigação linguística. Na primeira
questão, os alunos deveriam explicar a expressão “não deu o rabo a torcer.” Na fábula, o
lobo não deu importância às respostas do cordeiro, ou seja, mesmo sabendo que o cordeiro
falava a verdade, continuou atacando-o. Das 35 respostas, 33 (94%) foram adequadas e
apenas 2 (6%) não-adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“que não ia desistir, para justificar sua ameaça ao cordeiro.” (A01)
“Ele não deixou de lado, continuou insistindo.” (A03)
“Que mesmo errado com seus argumentos o lobo não desistiu do que ele tinha em mente.” (A04)
“Significa que mesmo o lobo sabendo que estava errado, não aceitou a justificativa do cordeiro.”
(A06)
179
“Ele não deu mole para o cordeiro e continuou a inventar histórias.” (A09)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“É que o lobo estava tentando degredir o caráter do cordeiro mas teve que dá o rabo a torcer pois se
atrapalhou com a resposta do cordeiro.” (A15)
“demorou a inventar uma resposta e não consiguiu, e nem por isso quis falar a verdade ele negou.”
(A17)
Na segunda questão, como foi solicitado na primeira testagem, os alunos deveriam
identificar qual foi a forma de tratamento utilizada pelo cordeiro para se dirigir ao lobo. Na
fábula, o cordeiro trata o lobo de “senhor”, demonstrando mais do que respeito, medo.
Obtivemos apenas 3 (9%) respostas não-adequadas e 32 (91%) adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Senhor.” (A01)
“A palavra senhor.” (A15)
“A palavra é senhor, que é um tratamento mostrando respeito.” (A22)
“O cordeiro chamava o lobo de senhor.” (A24)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Como.” (A02)
“Como posso e como poderia.” (A25)
“Como poderia.” (A29)
A terceira e a quarta questões diziam respeito à coesão referencial e frásica. Na
terceira questão, os alunos deveriam identificar o referente de um pronome oblíquo no
texto. Na primeira testagem, nesse mesmo tipo de questão, obtivemos 74% e 68% de
respostas adequadas. Na segunda testagem, essa resultado já foi melhor, pois obtivemos 32
(91%) acertos. O pronome oblíquo -o do exercício solicitado referia-se ao cordeiro, no
texto.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“ao cordeiro” (A01)
“se refere ao cordeiro” (A02)
“sangrou ele o cordeirinho” (A23)
“se refere ao pescoço do cordeiro” (A27)
180
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
ao lobo” (A13)
“lobo” (A15)
“aditiva” (A34)
O mesmo aconteceu na quarta questão, em que os alunos deveriam identificar o
valor da conjunção se, em uma passagem do texto. Obtivemos 18 (51%) respostas
adequadas contra 14 (40%) não-adequadas e 3 (9%) em branco.
Parece um resultado baixo, porém, se compararmos com os 3% de acertos na
primeira testagem, percebemos que houve uma melhora significativa.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“se condição ou hipótese.” (A02)
“condição.” (A03)
“Tem o valor de hipotese ou condição” (A06)
“Conjunção condicional.” (07)
“A conjunção se nas frases acima expressão condição ou possibilidade.” (A13)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“comparação” (A08)
“de adverção, contradição.” (A18)
“como se fosse Bloqueando oque o lobo ta falando.” (A21)
“consequência.” (22)
“De explicação. De consequência. De fato.” (A24)
Mostrar o valor semântico de uma conjunção deve ser um exercício sempre atrelado
ao texto, de modo que o aluno perceba a sua função discursiva e seu emprego. Se
queremos melhorar a proficiência dos nossos alunos na leitura e na escrita, precisamos
trabalhar sempre a gramática atrelada ao texto. Aspectos gramaticais ajudam muito
também no entendimento de um texto.
Na segunda parte do exercício, também foram propostas nove questões que
levavam à interpretação do texto. As questões um e dois exigiam do aluno conhecimento
de mundo. Na questão um, como também solicitado na primeira testagem, os alunos
deveriam relacionar o modo de agir dos seres humanos ao modo de agir do lobo e do
cordeiro na fábula. Uma pessoa que age como o lobo da fábula quer vencer o mais fraco
pela força; é injusta com os mais fracos; é violenta e inventa mentiras para dominar os
181
outros. Já uma pessoa que age como o cordeiro da fábula tenta refutar respeitosamente as
acusações do mais forte; intimida-se diante do mais fraco e é dominada pelo mais forte.
Na primeira testagem, obtivemos apenas 48,5% de respostas adequadas. Já na
segunda testagem, esse número subiu para 94%, ou seja, obtivemos 33 respostas adequadas
contra 2 não-adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Quando uma pessoa tem a força (financeiramente, corporal) não querem nem saber os argumentos
da pessoa que eles querem prejudicar.” (A02)
“Eles falam, são capazes de ter raciocínio, agem como seres humanos e pensam perfeitamente.”
(A07)
“É que o lobo é mentiroso, ele fica inventando historias. E o cordeiro é bem educado.” (A09)
“A semelhança do lobo é que o ser humano faz de tudo para conseguir o que quer/ e a semelhança
do cordeiro é que sempre arranjamos argumentos para tentar nós livrar de algo ou nós defender
também.” (A13)
“Que as pessoas mais fortes mesmo sendo erradas querem ganhar ou se aproveitar dos mais
fracos.” (A25)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Que antes de tudo houve um diálogo e eles tentaram estabelecer um acordo.” (A24)
“Lobo: não depende se você vai trata bem ou mal se tiver que fazer mal pra você irá fazer.
Cordeiro: nem tudo nessa vida nós temos que levar com inocência.” (A35)
Na segunda questão, os alunos deveriam explicar a moral da história: “Contra a
força não há argumentos.” Obtivemos 28 (80%) respostas adequadas contra 18 (51%) da
primeira testagem.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Que nem sempre quem está certo ou fala a verdade fica na melhor.” (A02)
“Que quando se trata do seu eu não interessa quem vai se dar bem ou mau o importante para essas
pessoas que não sabe assumir que errou é sempre está certo.” (04)
“Quando uma pessoa coloca uma coisa na cabeça, não existe o poder das palavras que faça mudar
de idéia.” (A07)
“Se o oponente é forte, argumentos não vão impedi-lo de fazer o que ele quer.” (A11)
182
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Que mesmo o lobo tratando o carneiro com tal ignorância, o carneiro não deixou de tratá-lo como
devia, assim ele poderia ter conseguido muito mais.” (A03)
“Ninguém pode inventar historias ou ameaçar para fazer mal para os outros.” (A09)
“Quer dizer que contra fatos não há argumentos o lobo sempre via as ações do cordeirinho que
eram boas.” (15)
“O lobo queria bater no cordeiro.” (A17)
As questões três e quatro exigiam pequenas inferências. Também solicitavam que
os alunos identificassem argumentos e contra-argumentos, como na primeira testagem.
Assim, na questão três, os alunos deveriam identificar os três argumentos dados pelo lobo
para fazer mal ao cordeiro. Em relação ao primeiro argumento, obtivemos 28 (80%)
respostas adequadas, para o segundo argumento, também 28 (80%) respostas adequadas e
para o terceiro argumento, 25 (71%).
No texto, o lobo faz várias acusações ao cordeiro. As três primeiras são: o lobo
acusa o cordeiro de turvar a água do córrego, depois, acusa-o de falar mal dele no ano
anterior e, como o cordeiro diz que ainda não era nascido no ano anterior, o lobo acusa o
irmão mais velho do cordeiro de falar mal dele no ano anterior. Esses são os três
argumentos que os alunos deveriam identificar.
Nessa questão, muitos alunos erraram porque não prestaram atenção à ordem dos
argumentos.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
1º Argumento:
“Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber?” (A01)
“Turvou a água dele.” (A03)
“Acusou o cordeiro, dizendo que ele estava sujando a água que ele iria beber.” (A16)
2º Argumento:
“Além disso, sei que você andou falando mal de mim o ano passado.” (A01)
“Falou mau dele.” (A03)
“Inventou que o cordeiro tinha falado mal dele no ano passado.” (A16)
3º Argumento:
“Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A01)
“O lobo falou que seu irmão tinha falado mau dele também.” (A03)
183
“Disse que se não foi o cordeiro quem havia falado mal dele, teria sido o irmão mais velho do
cordeiro.” (A16)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
1º Argumento:
“Espere que vou castigar tamanha má-criação!...” (A7)
“(...) Sei que você andou falando mal de mim ano passado.” (A13)
2º Argumento:
“Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A13)
“espere, que vou castigar tamanha má criação!” (A35)
3º Argumento:
“Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!” (A5)
“Além disso inventou ele sei que andou falando mal de min o ano passado.” (A35)
Na quarta questão, os alunos deveriam identificar um contra-argumento do
cordeiro. Obtivemos 32 (91%) respostas adequadas. Tanto na primeira testagem, como na
segunda, obtivemos resultados satisfatórios. No texto, o lobo acusou o irmão mais velho do
cordeiro de falar mal dele. E, o cordeiro contra-argumentou dizendo que era filho único.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?” (A01)
“Que ele era filho único.” (A12)
“Argumentou, dizendo, como poderia ter sido seu irmão mais velho se ele é filho único.” (A16)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“E foi a única argumentação que o cordeiro pode dizer, pois sem tempo, o lobo o devorou sem
deixa falar nada.” (A05)
“Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?” (A015)
As questões cinco e seis exigiam grandes inferências. Na questão cinco, os alunos
deveriam identificar a resposta do lobo para o terceiro contra-argumento do cordeiro. O
resultado foi satisfatório: 30 (86%) respostas adequadas. Porém, nessa mesma questão, o
aluno deveria identificar o que estava implícito na resposta do lobo. Obtivemos apenas 3
(9%) respostas adequadas, contra 18 (51%) não-adequadas e 14 (40%) em branco. Esse
184
resultado nos levou a desenvolver uma outra atividade. Os resultados serão mostrados mais
adiante.
No texto, o cordeiro disse ao lobo que era filho único. Mas como o lobo queria
comer o cordeiro de qualquer jeito, respondeu ao cordeiro que se não foi o irmão mais
velho do cordeiro que havia falado mal dele, teria sido o pai ou o avô, o que dava no
mesmo. O subentendido (implícito) é que o cordeiro deveria pagar pelos atos daqueles com
quem convivia.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Resposta do lobo:
“Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!” (A01)
Subentendido:
“significa que mesmo que não tenha sido ele iria sofre as consequencias.” (A08)
“Entende-se que poderia ser quem for, mais quem iria levar a pior seria o cordeirinho, que o lobo
iria abocanha-lo de qualquer jeito.” (A14)
“Que de qualquer jeito a culpa seria dele.” (A18)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Resposta do lobo:
“’Nhoque’, devorou o cordeiro.” (A05)
“Se não foi você foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A09)
“novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:” (A35)
Subentendido:
“Contra a força não há argumentos.” (A02)
“De inventação.” (A09)
“O desejo de comelo com esse pretexto.” (A19)
“depois que seus argumentos (Lobo) não funcionou, a fome falou mais alto e o Lobo partiu para a
ação e devorou o cordeiro.” (A20)
A questão seis, ainda de grandes inferências, pedia que o aluno identificasse a
finalidade com que cada personagem do texto se dirigiu ao córrego. Na fábula, o cordeiro
queria beber água, mas o lobo utilizou esse pretexto apenas como uma desculpa para
devorar o cordeiro. Obtivemos 23 (66%) respostas adequadas, contra 12 (34%) não-
adequadas. Na maior parte das respostas não-adequadas, os alunos responderam que os
dois personagens foram apenas beber água. Não ultrapassaram o simples conhecimento
185
imediato, a fim de perceber que, na mise en scène da fábula, o lobo tinha outras intenções
que simplesmente beber água.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O cordeiro com a finalidade de beber água já o lobo para comer o cordeiro.” (A06)
“O cordeiro foi beber água e o lobo estava esfomiado.” (A09)
“Sim, o cordeiro foi beber água e o lobo foi para comer o cordeiro.” (A10)
“O cordeiro só queria beber água e o lobo queria comer o cordeiro” (A11)
“O cordeiro para matar sua cede e o Lobo usou a mesma desculpa, mas com a finalidade de devorar
o cordeiro.” (A20)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“O cordeiro para beber água e o lobo também.” (A13)
“sim. Para saciar a sede em que eles estavam de beber água num córrego.” (A15)
“o cordeiro já estava lá, quando o lobo horrendo chega” (A25)
“De beber água.” (A28)
As questões sete, oito e nove, como na primeira testagem, diziam respeito ao
conhecimento da estrutura do texto. Na sétima questão, os alunos deveriam definir o que é
fábula. Na primeira testagem, não obtivemos respostas adequadas. Já na segunda testagem,
obtivemos 23 (66%) respostas adequadas. A maior parte das respostas não-adequadas foi
considerada assim porque estava incompleta, trazia apenas uma característica da fábula.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Sim. Porque é uma narrativa curta, onde os personagens normalmente são animais e que traz uma
lição de moral no final.” (A02)
“Sim, pois é uma narrativa de caráter pedagógico com estrutura simples e de curta duração. A
história apresentada tem por objetivo transmitir princípios de natureza moral e ética, muitas vezes
utilizando-se de animais como personagens.” (A03)
“sim, porque se usa animais para retratar atitudes humanas, que ao final sempre tem uma lição de
moral.” (A06)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Sim. Porque tem perguntas e respostas e animais como personagens.” (A12)
“Sim. Por que em vida real, lobo e nem cordeiro fala só em contos.” (A17)
“Sim. Porque é um conto uma narrativa.” (A19)
“Sim. Porque fala sobre o diálogo de dois animais.” (A24)
“Sim. Porque conta uma história fictícia.” (A25)
186
Na questão oito, os alunos deveriam identificar o narrador, o foco narrativo, os
personagens, o lugar e o tempo. Em relação ao narrador, obtivemos 24 (68%) respostas
adequadas, contra 4 (11%) na primeira testagem. Em relação ao foco narrativo, obtivemos
17 (48%) respostas adequadas. Parece um número pequeno, porém, na primeira testagem
não obtivemos nem uma resposta sequer adequada. Assim, podemos afirmar que houve
uma melhora.
Em relação aos personagens, mais uma vez os alunos mostraram que tem esse
conhecimento. Obtivemos 34 ( 97%) acertos.
Em relação ao lugar, na primeira testagem, na fábula, não havia um lugar específico
e os alunos não perceberam isso. Nessa primeira testagem, não tivemos respostas
adequadas. Já na segunda testagem, como o lugar era mais evidente, obtivemos 100% de
acertos.
Em relação à distinção entre tempo cronológico e psicológico, na primeira
testagem, não tivemos respostas adequadas. Já na segunda testagem, houve uma melhora,
pois das 35 respostas, 19 (55%) foram adequadas.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Narrador:
“o próprio Monteiro Lobato” (A02)
“Monteiro Lobato” (A03)
“O próprio autor” (A09)
Foco Narrativo:
“3ª pessoa” (A02)
“narrador de terceira pessoa” (A13)
“Narrador de terceira pessoa (onisciência narrativa)
Personagens:
“O lobo e o cordeiro” (A02)
“cordeiro, lobo” (A14)
Lugar:
“no córrego” (A02)
“na fonte (num córrego).” (A07)
“na beira do córrego” (A11)
187
Tempo:
“cronológico” (A02)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Narrador:
“eu-lírico” (A11)
“lobo e o cordeiro” (A21)
Foco Narrativo:
“O lobo e o cordeiro” (A03)
“Monteiro Lobato” (A04)
“a situação de conflito entre o lobo e o cordeiro” (A08)
“primeira pessoa” (A19)
Personagens:
“cavalo e burro” (A34)
Tempo:
“psicológico” (A05)
“atual” (A20)
“A situação ocorreu quando o lobo e o cordeiro estavam num córrego.” (A28)
E a última questão solicitava que os alunos identificassem as partes do enredo. Na
primeira testagem, obtivemos 13 (37%) acertos e na segunda, 19 (54%). Houve uma
melhora. Nessa questão, só consideramos como adequadas aquelas completamente
corretas. Muitos alunos conseguiram identificar até mais de uma parte do enredo, mas
como erraram uma ou duas, as suas respostas foram consideradas não-adequadas.
E, por fim, das 35 redações, todas apresentavam características de fábula. Isso
mostra que houve construção de conhecimento, pois se não soubessem o que é uma fábula,
produziriam textos não coerentes com a proposta.
As duas redações apresentadas a seguir são de alunos que, na primeira testagem,
não redigiram o texto coerente com a proposta solicitada. (Cf. pp. 183 e 184). Portanto,
houve avanço.
188
REDAÇÕES ADEQUADAS DOS ALUNOS:
(A09)
189
(A28)
190
Após essa segunda testagem, aplicamos uma última atividade (6ª atividade) a fim
de sanar algumas dificuldades apresentadas no exercício referente à fabula “O lobo e o
cordeiro”. A atividade era composta de sete questões e apenas 32 alunos a realizaram, pois
3 alunos que participaram das testagens anteriores faltaram (A07, A33 e A35).
A primeira questão dessa última testagem pedia que os alunos identificassem,
dentre quatro textos, qual(is) era(m) do gênero fábula. O primeiro e o terceiro textos eram
fábulas. O segundo era do gênero piada e o quarto, lenda. Obtivemos 29 (91%) respostas
adequadas, contra 3 (9%) não-adequadas. Isso mostra que, após um trabalho sistemático
com um determinado gênero, os alunos são capazes de identificá-lo, como também
produzir o próprio texto, como já vimos nas redações expostas aqui.
A segunda questão solicitava que os alunos assinalassem dentre três opções, a que
citava um tema que, normalmente, é abordado nas fábulas. Todos os alunos marcaram a
opção correta, ou seja, obtivemos 100% de acertos.
A terceira questão era subdivida em quatro perguntas. Todas essas perguntas eram
baseadas em um trecho do livro “Confissões de um vira-lata” de Orígenes Lessa. O trecho
era intitulado “O bicho homem”. Primeiro os alunos deveriam responder se era uma fábula
ou não. Obtivemos 31 (97%) acertos. A segunda pergunta era sobre o autor do texto. Dos
32 alunos, 31 identificaram corretamente o autor do texto em questão, ou seja, 97% de
acertos. A terceira pergunta era sobre o narrador. No texto de Orígenes Lessa, o narrador
era um cão vira-lata. Obtivemos 26 (81%) respostas adequadas. E a pergunta quatro da
questão 3 pedia que os alunos identificassem o foco narrativo do texto. Se o texto é uma
confissão de um cão vira-lata, logo é narrado em primeira pessoa. Obtivemos também 26
(81%) respostas adequadas.
A quarta questão retomava a diferença entre tempo cronológico e psicológico. Os
alunos deveriam identificar o tipo de tempo utilizado em duas narrativas. Obtivemos 21
(66%) respostas adequadas.
A sexta questão retomava o conteúdo de pressupostos, pois, na segunda testagem,
obtivemos apenas três respostas adequadas. Antes de aplicarmos essa última testagem,
explicamos o que era um pressuposto, a diferença entre posto e pressuposto e o que era um
marcador de pressuposição.
Assim, a sexta questão era subdividida em cinco letras. Cada letra apresentava uma
frase e os alunos deveriam identificar o posto, o pressuposto e o marcador de
pressuposição. Obtivemos para a letra (a) 27 (84%) respostas adequadas, para a (b) 29
191
(91%), (c) 27 (84%), (d) 29 (91%) e (e) 20 (63%). Só consideramos adequadas aquelas
respostas em que os três itens estavam corretos: posto, pressuposto e marcador de
pressuposição. Os alunos não tiveram dificuldades para identificar o posto.
a) Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Posto:
“Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.” (A01)
Pressuposto:
“Os resultados já deviam ter chegado.” (A01)
“Os resultados já eram para ter chegado.” (A02)
Marcador de pressuposição:
“ainda” (A01)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pressuposto:
“vai chegar até nós” (A32)
Marcador de pressuposição:
“verbo chegar” (A28)
b) O caso da corrupção tornou-se público.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Posto:
“O caso da corrupção tornou-se público.” (A04)
Pressuposto:
“Antes não eram público o caso da corrupção.” (A04)
“O caso da corrupção era oculto” (A34)
Marcador de pressuposição:
“tornar” (A04)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pressuposto:
“O caso não podia ser público” (A24)
192
c) João conseguiu fechar a porta.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Posto:
“João conseguiu fechar a porta.” (A01)
Pressuposto:
“João não conseguia fechar a porta.” (A01)
“João não conseguia fechar a porta antes.” (A31)
Marcador de pressuposição:
“conseguiu” (A01)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pressuposto:
“João fechou a porta” (A18)
“A porta não fechava.” (A02)
Marcador de pressuposição:
“fechar” (24)
d) Ela adoeceu de novo.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Posto:
“Ela adoeceu de novo” (A02)
Pressuposto:
“Ela já havia adoecido antes.” (A02)
“ela adoeceu mais uma vez” (A03)
Marcador de pressuposição:
“de novo.” (A02)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pressuposto:
“Ela adoeceu.” (A18)
Marcador de pressuposição:
“adoeceu” (31)
193
e) João ficou gripado depois que apanhou muita chuva.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Posto:
“João ficou gripado depois que apanhou muita chuva.” (A01)
Pressuposto:
“antes João estava bem.” (A02)
“João ficou doente porque panhou muita chuva” (A08)
Marcador de pressuposição:
“depois” (A02)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
Pressuposto:
“João ficava gripado antes de apanha da chuva” (A01)
“João ficou gripado” (A18)
Marcador de pressuposição:
“ficou” (A01)
“apanhou” (A03)
E a sétima e última questão abordava os subentendidos da tira abaixo. Na letra (a),
os alunos deveriam explicitar o conteúdo subentendido sobre as mulheres e sobre o
casamento. O primeiro
subentendido, sobre as mulheres, é o
de que falam sem parar. O segundo,
sobre o casamento, é o de que a fala
incessante das mulheres
“enlouquece” os homens. Obtivemos
26 (82%) respostas adequadas, 1
(3%) não-adequada, 2 (6%) em
branco e 3 (9%) respostas
adequadas, mas incompletas.
Figura 2 - Tira “Os pescoçudos” de Caco Galhardo
194
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Para o autor a mulher fala muito. No casamento a mulher fala de mais e enlouquece o homem.”
(11)
“Que a mulher é tagarela. É que o homem fica estressado quando a mulher fala de mais.” (A14)
“’As mulheres’ em geral não param de falar, no casamento, o fato das mulheres ficarem falando
sem parar, deixa os homens irritados.” (A25)
“Mulher fala demais e o homem fica estressado.” (A34)
RESPOSTAS INCOMPLETAS DOS ALUNOS:
“Que as mulheres falam muito e no casamento mais ainda.” (A15)
“Que a mulher fala de mais.” (A31)
RESPOSTA NÃO-ADEQUADA DO ALUNO:
“Eles não ficavam em silêncio nem um minuto. Ele usou o apito para ela ficar em silêncio.” (A28)
Já a letra (b) dessa mesma questão mostra ao aluno que, pela análise do conteúdo
subentendido, é possível concluir que o autor da tira é homem. Diante disso, pede-se que o
aluno crie um conceito sobre os homens, caso o autor da tira fosse uma mulher.
Uma mulher provavelmente diria que o que cria problema para o casamento é a
incapacidade de “ouvir” e/ou “conversar” dos homens. Nessa questão, obtivemos apenas
10 (30%) respostas adequadas. Dos 32 alunos, 19 (60%) mostraram que entenderam a
questão, porém, responderam como o homem deveria ser com a mulher e não o que a
mulher pensa sobre o homem no casamento.
RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Os homens não gostam de ouvir as mulheres.” (05)
“Os homens não pensam, não se importam no que as mulheres querem falar.” (A09)
“Não gostam de ouvir, ficam sem paciência.” (A11)
“Os homens não gostam de ouvir as mulheres, eles não tem paciência.” (25)
“Que os homens não prestam atenção no que as mulheres dizem.” (A32)
RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:
“Ela já estava doente.” (13)
“Como usar as regras de dona de dona de casa para resolver pequenos problemas do casamento.”
(A28)
195
“Que os homens fosse mais paciente, que saibam ouvir mais as mulheres em vez de ficar só se
estressando.” (A02)
“Que o homem seja mais paciente e que ele escute mais o que a mulher tem a dizer.” (A20)
Que ele escute mais a esposa e que ele tenha mais paciência com as mulheres.” (27)
Para o fechamento do módulo, cada aluno produziu um livro com a fábula criada.
Os livros foram expostos na Feira Literária da escola, juntamente com uma pesquisa
realizada sobre fábulas. Algumas redações e fotos da feira foram postadas em um blog na
internet. A seguir, algumas fotos da feira.
Figura 3 Foto dos cartazes e livros
expostos na Feira Literária.
Figura 4 Foto dos cartazes e livros
expostos. na Feira Literária.
Figura 5 Foto do cartaz sobre o que
são fábulas.
196
Figura 6 Foto do cartaz que apresenta
alguns provérbios e ditados populares.
Figura 7 Foto do cartaz sobre La
Fontaine.
Figura 8 Foto do cartaz sobre Esopo.
Figura 9 - Foto do cartaz sobre
Leonardo da Vinci.
197
Figura 10 Foto do cartaz sobre Millôr
Fernandes.
Figura 11 - Foto do cartaz sobre
Monteiro Lobato.
Figura 12 Foto de alguns livros de
fábula produzidos pelos alunos.
Figura 13 Foto de alguns livros de
fábula produzidos pelos alunos
198
Figura 14 Foto de alguns livros de
fábula produzidos pelos alunos
Figura 15 Foto de página interna de
livro produzido pelos alunos
Figura 16 Foto de página interna de
livro produzido pelos alunos
Figura 17 Foto de página interna de
livro produzido pelos alunos
199
Figura 18 Foto de página interna de
livro produzido pelos alunos
A nossa proposta didática não tem por objetivo trabalhar apenas os gêneros
textuais. Pelo contrário, partimos dos modos de organização do discurso narrativo,
descritivo, dissertativo expositivo e dissertativo argumentativo, para, em seguida, abordar
os gêneros. Assim, essa testagem diz respeito a apenas um módulo da sequência didática
que aborda a narração. Em cada sequência didática, o professor deve tratar de diferentes
gêneros textuais, focalizando as características do modo de organização do discurso
predominante e do gênero textual em cada texto. Ao final de cada sequência, o professor
deve propor um trabalho que retome as principais características dos textos e do modo de
organização do discurso trabalhados.
Alguns conteúdos de interpretar, como por exemplo, implícitos, intertextualidade,
aparecerão em todas as sequências, pois não constituem características específicas de um
modo de organização do discurso.
Esta é uma tese de doutoramento de preocupação didática, ou seja, a pesquisa tem
por objetivo otimizar o trabalho de língua portuguesa em turmas do Ensino Fundamental e
Médio. A partir de problemas constatados, procuramos propor conteúdos e atividades que,
se trabalhados de forma sistemática, poderão contribuir para melhorar a capacidade de
leitura e interpretação dos alunos.
Sem dúvida, a análise de um texto não depende apenas das características textuais,
mas também das características dos usuários da língua, tais como seus objetivos,
convicções e conhecimento de mundo, entretanto, o trabalho sistemático de alguns
conteúdos, como por exemplo, o dos modos de organização do discurso, de forças
200
ilocutórias, de implicaturas conversacionais, pressuposição e subentendido, fatores
pragmáticos da textualidade, dentre outros, facilitaria a construção da interpretação de um
texto.
Como afirma Queirós (1999: 19-20),
As palavras são portas e janelas. Se debruçamos e reparamos, nos
inscrevemos na paisagem. Se destrancarmos as portas, o enredo do universo nos
visita. Ler é somar-se ao mundo, é iluminar-se com a claridade do já decifrado.
Escrever é dividir-se.
Cada palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estação. E
os olhos, tomando das rédeas, abrem caminhos, entre linhas, para as viagens do
pensamento. O livro é passaporte, é bilhete de partida.
A leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e
apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua
experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto
redimensiona seus entendimentos.
(...)
Acredito que ler é configurar uma terceira história, construída
parceiramente a partir do impulso movedor contido na fragilidade humana,
quando dela se toma posse. A fragilidade que funda o homem é a mesma que o
inaugura, mas só a palavra anuncia.
A iniciação à leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as
letras que aí estão já escritas. É mais que preparar o leitor para a decifração das
artimanhas de uma sociedade que pretende também consumi-lo. É mais do que a
incorporação de um saber frio, astutamente construído.
Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para
tomar a sua palavra. Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para fazer-se
menos indecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades do isolamento.
Ler é evadir-se com o outro, sem, contudo, perder-se nas várias faces da palavra.
Ler é encontrar-se com as diferenças.
Assim, refletindo sobre as palavras de Queirós (ibidem), se “o livro (leitura) é
passaporte, é bilhete de partida” para a interação com o mundo, é preciso que a escola
contribua na formação do leitor, dando-lhe conhecimentos necessários para que ele, a partir
do que leu, saiba questionar, criticar, produzir, ou seja, “tomar a sua palavra”.
A seguir, apresentaremos um exemplo de sequência didática, de acordo com a
nossa proposta de trabalho.
201
6. AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS A SERVIÇO DA LEITURA E DA
INTERPRETAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ENSINO
Não tenho um caminho novo. O que eu tenho é um jeito novo de caminhar.
(Poeta Thiago de Melo)
Não existem fórmulas mágicas para o ensino de qualquer disciplina. Se não temos
um caminho novo, precisamos encontrar um jeito novo de caminhar. O caminho pode ser o
mesmo, mas se as estratégias e objetivos forem repensados, é possível resultados bem mais
animadores do que os que mostramos nos dois capítulos anteriores. Acreditando em uma
mudança no nível de compreensão e interpretação de nossos alunos é que sugerimos o
trabalho a seguir.
Os autores Dolz e Schneuwly (2004) propõem um trabalho com sequências
didáticas, em torno de um gênero textual. Nesta pesquisa, aproveitamos a sugestão dos
autores, porém organizamos as nossas sequências a partir dos modos de organização do
discurso.
O trabalho será dividido em quatro sequências didáticas, de acordo com um modo
de organização do discurso. Em cada sequência, constarão diferentes tipos de textos, tendo
em vista que serão explorados diversos gêneros textuais. As sequências serão divididas
em módulos, nos quais serão explorados os gêneros.
Não organizamos as nossas sequências em torno dos gêneros, pois o professor
precisa mostrar ao aluno a variedade de textos existentes em nossa sociedade. O trabalho
com as sequências didáticas como proposto por Dolz e Schneuwly demanda um maior
tempo. Em um ano, o professor não pode e não deve trabalhar com apenas um ou dois
gêneros textuais.
A seguir, apresentaremos um exemplo da parte introdutória de uma sequência
didática e um módulo.
202
Nesta unidade
26
, analisaremos textos em que predomina o modo de organização do
discurso narrativo. Por isso, antes de iniciarmos a leitura e interpretação dos textos,
faremos um breve estudo de alguns elementos básicos do texto NARRATIVO, a fim de
auxiliar você, aluno, nas atividades propostas em cada módulo.
Apresentação do Modo de Organização do Discurso:
Conto maravilhoso
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Novela fantástica
Conto parodiado
Relato de viagem
Testemunho
Ensaio biográfico
Correspondência
Notícia
Reportagem
Crônica esportiva
etc.
Características da narrativa
26
Esta sequência pode ser trabalhada no 9º Ano de Escolaridade do Ensino Fundamental (8ª Série) ou no
Ensino Médio.
203
1. Uma narrativa se apóia numa sucessão cronológica de ações.
Os fatos narrativos são identificados pelo uso do pretérito perfeito do indicativo (algumas
vezes, pelo presente do indicativo) ou gerúndio correspondente ao pretérito perfeito e pelo uso do
pretérito imperfeito.
Em alguns casos a sucessão cronológica está explicitamente marcada por algumas
palavras e expressões: a seguir, depois, então, aí...
A estruturação cronológica da sequência de ações leva obrigatoriamente a um fim. Caso
contrário, é uma simples descrição de ações.
Leia o texto a seguir:
O gato e o galo
Um gato capturou um galo, e ficou
imaginando como achar uma desculpa, qualquer
que fosse, para que seu desejo de devorá-lo fosse
justificado.
Acusou ele então de causar
aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite
e não os deixava dormir.
O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam
acordar cedo para irem ao trabalho.
O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar.” E
assim comeu o galo.
Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.
Esopo. (Fonte: http://sitededicas.uol.com.br/fabula1a.htm)
O texto narrativo que você acabou de ler é uma fábula. Esse gênero textual
apresenta, normalmente, personagens animais humanizados, a fim de expor algum
ensinamento, alguma preocupação moralizante.
Identifique, no texto lido, as ações que se sucedem.
204
Primeira ação Um gato capturou um galo.
Segunda ação Sugestão de resposta: O gato acusou o galo de causar aborrecimentos com o seu
canto, à noite.
Terceira ação Sugestão de resposta: O galo se defendeu.
Quarta ação Sugestão de resposta: O gato comeu o galo.
Qual tempo verbal predomina no texto?
Sugestão de resposta: Pretérito Perfeito do Modo Indicativo.
Além dos verbos, a sucessão cronológica no texto está explicitamente marcada por
algumas palavras e expressões. Copie-as.
Sugestão de resposta: Acusou ele então de causar(...)”; “(...) e assim eles podiam acordar cedo (...)”; “(...) E
assim comeu o galo”.
Que efeito de sentido o uso do pretérito imperfeito do indicativo provoca em
algumas passagens do texto?
Sugestão de resposta: O pretérito imperfeito do indicativo dá ideia de continuidade da ação.
2. Toda narrativa implica uma diferença entre estados do mundo ou situações, ou seja, a
ocorrência de ações é verificada por meio de diferenças de estados.
No texto lido, a estruturação cronológica da sequência de ações leva
obrigatoriamente a um fim, que dá razão de ser a todas as ações narradas. Que alteração no
estado inicial dá sentido ao fim da história?
Sugestão de resposta: A morte do galo.
3. Toda narrativa apresenta uma causalidade narrativa da intriga.
205
Identifique no texto “O gato e o galo” essa relação de causalidade narrativa, ou seja,
a motivação-ação?
Sugestão de resposta: Um gato faminto capturou um galo, levando-o a querer devorar a presa.
4. Toda narrativa deve apresentar personagens humanos ou humanizados.
Existe uma certa hierarquia entre os personagens (actantes), podendo-se reconhecer os
actantes principais, o agente responsável pela ação e o paciente, que é afetado pela ação; os
actantes secundários, o aliado, que auxilia na realização da ação, e o oponente, que contraria a
realização da ação.
Quais são os personagens do texto? Com base nas atitudes (ações) é possível
atribuir características aos personagens? Quais?
Sugestão de resposta: Os personagens são o gato e o galo. Com base nas ações dos personagens do texto
é possível caracterizar o gato como um animal de mau caráter, falso e forte e o galo como um animal
indefeso.
Por que no início do texto é utilizado o artigo indefinido um para acompanhar os
nomes dos personagens? Por que nos parágrafos seguintes o artigo indefinido utilizado
para se referir aos animais é substituído pelo artigo definido o?
Sugestão de resposta: O artigo indefinido é utilizado quando é citado um nome pela primeira vez no texto. A
partir do parágrafo o leitor já tem conhecimento do gato e do galo, o que justifica o uso do artigo definido.
5. Toda narrativa deve apresentar uma integração de ações.
Se excluirmos o 2º parágrafo do texto, o 3º e o 4º parágrafos continuam fazendo
sentido? Por quê?
Sugestão de resposta: Não, porque no 2º parágrafo o gato faz uma acusação ao galo. A defesa do galo só
faz sentido para o leitor se ele souber da acusação do gato. Se não há acusação, não tem porque haver
defesa.
O foco narrativo
206
Toda narrativa tem um narrador, que não pode ser confundido com o autor do texto. O
autor é aquele que assina o texto, ou seja, aquele que escreve. O narrador é aquele que coloca a
história em cena, que a organiza. Pode adquirir diversas identidades segundo relate uma história
real ou fictícia, podendo o próprio autor, sem disfarce, assumir a narração de uma história, ou
passar essa responsabilidade para um personagem.
Os pontos de vista do narrador podem ser identificados por meio de uma série de meios
linguísticos: por meio dos verbos, da organização das frases e do uso do discurso direto ou
indireto. Ao ponto de vista externo correspondem os verbos de ação, as frases curtas e
justapostas e o discurso direto. Já ao ponto de vista interno correspondem os verbos de
percepção, as frases complexas e o discurso indireto.
A tradição escolar fala do narrador de primeira pessoa, a que corresponde o papel de
personagem e a não-onisciência narrativa, e do narrador de terceira pessoa, a que corresponde o
papel de observador e a onisciência narrativa.
Quem é o autor da fábula lida?
Sugestão de resposta: Nessa fábula, o autor é Esopo.
Na fábula que você leu, o narrador participa da história ou simplesmente conta a
história?
Sugestão de resposta: O narrador só conta a história. É o próprio Esopo.
Que efeitos de sentidos o foco narrativo em 3ª pessoa provoca no texto?
Sugestão de resposta: Um narrador em 3ª pessoa, onisciente, apresenta-nos uma visão mais distanciada da
narrativa. Ele oferece, também, uma série de informações para o leitor que o narrador em primeira pessoa,
por ser particularizado, não pode fornecer.
Tipos de discurso
Discurso é um termo que se refere às possibilidades de que o narrador dispõe para
apresentar a fala dos personagens.
Quando a fala da personagem é apresentada de modo integral, sem a interferência do
narrador, diz-se tratar de um discurso direto. Para registrá-lo, o narrador pode fazer uso de um
verbo dito elocucional (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.) seguido de dois pontos (:) e de
travessão (-) na linha seguinte. Também é comum a separação da fala das personagens por meio
207
de aspas (“ ”) no lugar dos travessões.
No discurso indireto, em lugar de apresentar a fala das personagens tal como ocorre em
um diálogo, o narrador reconstrói por meio de sua linguagem o que as personagens teriam dito.
E, por último, no discurso indireto livre há a combinação de diferentes pontos de vista.
O narrador insere “falas-pensamentos” das personagens no seu próprio discurso, dificultando a
identificação precisa de quem seria o responsável pelo que está sendo dito (narrador ou
personagem).
Copie da fábula uma passagem que indica a “voz” (discurso direto) de algum
personagem. Sublinhe o verbo de elocução.
Sugestão de resposta: O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar
sem jantar.”
Copie da fábula um exemplo de discurso indireto.
Sugestão de resposta: Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e
não os deixava dormir./O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles
podiam acordar cedo para irem ao trabalho.
O tempo na narrativa
O tempo em uma narrativa pode ser definido como a duração da ação. Pode ser
cronológico ou psicológico.
O tempo cronológico é submetido a uma série de divisões, servindo como ponto de
referência nos intercâmbios comunicativos. Apresenta os fatos de acordo com a ordem dos
acontecimentos. Já o tempo psicológico é a maneira pela qual a passagem do tempo é vivenciada,
ou seja, é o tempo que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do
narrador ou dos seus personagens.
A sucessão cronológica pode apresentar marcas explícitas ou implícitas em um texto.
1. Marcas explícitas da sucessão cronológica
Algumas palavras e expressões têm essa função: a seguir, depois, então, aí, minutos
depois, só então...
2. Marcas implícitas da sucessão cronológica
208
Relação de condição-ação.
Relação de motivação-ação.
Relação de causa-consequência.
Princípio da expectativa.
Função de uma ordem cultural estabelecida.
A presença de diálogo.
Marcas gráficas: divisão de capítulos, uma separação de seções por meio de espaços em branco
mais amplos...
No texto lido “O gato e o galo”, o tempo é cronológico ou psicológico? Por quê?
Sugestão de resposta: O tempo é cronológico porque os fatos narrados seguem uma ordem de
acontecimento.
No texto, as marcas que indicam a passagem do tempo cronológico são explícitas
e/ou implícitas? Explique.
Sugestão de resposta: No texto há marcas explícitas que indicam a passagem do tempo cronológico, como
“então” e “assim e marcas implícitas, como a relação motivação-ação: a fome leva o gato a agir de má e
comer o galo.
Na fábula lida, o tempo não é indicado com precisão (algo como, por exemplo,
janeiro de 1930). Uma fábula procura trazer ensinamentos, conselhos, constatações, que
podem ser válidos por muito tempo.
Pensando nisso, o que você acha mais adequado: indicar com precisão o tempo em
que ocorrem os acontecimentos, não determinar o tempo ou estabelecer um tempo
impreciso, como nos contos de fadas, com “um dia”, “uma vez”, “era uma vez”?
Sugestão de resposta: Se a função primordial da fábula é trazer um ensinamento moral que perdure por
muito tempo, é valido não determinar com precisão o tempo em que os fatos ocorrem.
A localização espacial
209
O espaço é o lugar em que a narrativa ocorre.
Há diversos tipos de espaço: único ou variado, apresentado de maneira vaga ou detalhada,
referencial ou imaginário, protetor ou agressivo etc.
Em uma fábula não há necessidade de que o tempo e o lugar sejam muito
detalhados, pois nela o quando e o onde acontece a história não são tão importantes.
Porém, nem todos os textos narrativos são assim.
Outros textos, como as notícias já precisam indicar o tempo e o espaço com
precisão para dar mais credibilidade, valor de verdade ao enunciado.
Leia a notícia a seguir, extraída do jornal O Estado de S. Paulo on-line:
Onde e quando aconteceram os fatos narrados na notícia lida?
Gato recebe por sete meses benefício do Bolsa Família
AE Agência Estado
CAMPO GRANDE Billy, um gato com 4 anos de idade, foi cadastrado no Bolsa-Família como Billy da
Silva Rosa, e recebeu durante sete meses o benefício do governo, R$ 20 por mês. A descoberta ocorreu
quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a casa do bichano convocá-lo para a pesagem
no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças: “Mas o Billy é meu gato”, disse a
dona da casa ao agente.
Ela não sabia que o marido, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador do programa no município de Antônio
João (MS), recebia o benefício do gato e de mais dois filhos que o casal não tem. Os filhos fantasmas
faziam jus a R$ 62 cada, desde o início de 2008, quando Eurico assumiu o cargo.
O golpe foi identificado em setembro e o benefício foi suspenso. Eurico ainda tentou retirar Billy do
cadastro e pôr o sobrinho Brendo Flores da Silva no lugar. Mas já era tarde. No início desta semana o
“pai” do gato Billy acabou exonerado a bem do serviço público e está sendo denunciado à Justiça. O
promotor Douglas Oldegardo Cavalheiro disse que o servidor terá de devolver o que recebeu ilegalmente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(estadao.com.br, 24/jan./2009)
210
Sugestão de resposta: O fato aconteceu em Mato Grosso do Sul, no município de Antônio João, no ano de
2008. A descoberta da fraude se deu em setembro de 2008.
Quanto tempo passou entre a descoberta da fraude e a publicação da notícia?
Sugestão de resposta: A descoberta da fraude se deu em setembro de 2008 e a notícia foi publicada em
janeiro de 2009. Logo, se passaram cinco meses.
Como se organizam os enredos
Os enredos ora se organizam sob o ponto-de-vista dos personagens, ora sob o ponto-de-
vista das ações. Às vezes, não é dada uma solução para o problema apresentado.
Os enredos podem ser desenvolvidos de várias formas:
1. Apresentação de um problema aos personagens;
A busca da solução para o problema;
O encontro da solução.
2. Situação inicial, em que personagens e espaço são apresentados.
Quebra da situação inicial, em que um acontecimento modifica a situação apresentada.
Estabelecimento de um conflito, em que surge uma situação a ser resolvida, que quebra a
estabilidade de personagens e acontecimentos.
Desenvolvimento, em que se busca uma solução para o conflito. É o desenrolar da história.
Clímax, em que o ponto de maior tensão do relacionamento se verifica;
Conclusão, em que tudo se reorganiza segundo um novo equilíbrio.
Algumas histórias são interrompidas sem que todas as fases estejam presentes no
percurso. As fases também podem não ocorrer sempre nessa ordem.
Identifique na fábula, o clímax, ou seja, o ponto de maior tensão.
Sugestão de resposta: “E assim comeu o galo”.
Na notícia extraída do Estadão on-line, copie a passagem que indica a quebra da
situação inicial.
Sugestão de resposta: A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a
casa do bichano convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de
crianças: “Mas o Billy é meu gato”, disse a dona da casa ao agente.
Como se iniciam as narrativas
211
Para que uma narrativa se torne possível, é indispensável selecionar o fragmento de
tempo que interessa ao narrador e, nesse processo seletivo, no que diz respeito ao momento
inicial do relato, podem ocorrer duas estratégias básicas:
1. a história começa diretamente pelo fato narrativo inicial, sem qualquer introdução textual que
prepare o leitor para o mundo novo que se inicia. Nesse caso, as informações indispensáveis ao
entendimento do texto ora são dadas (ou inferidas) por partes, durante o correr do relato, ora são
dadas em bloco, por meio de um flash-back.
2. a história pode começar por um segmento preparatório da leitura e compreensão do relato a
introdução. Os modelos mais comuns de introdução narrativa são:
a) uma introdução resumitiva, que resume, no parágrafo inicial, os elementos básicos de uma
trama narrativa.
b) uma introdução documental, que procura criar verossimilhança ao que vai ser narrado.
c) uma introdução dramática, de tipo teatral, em que o cenário e os personagens participantes da
trama são descritos como que congelados, antes de sua atuação.
d) uma introdução situacional, na qual são fornecidos dados de que vai necessitar o leitor para
um perfeito entendimento do relato.
e) uma introdução descritiva, em que a situação espacial não apresenta relações de significação
com o restante do texto, parecendo atender a uma moda de valorização pictórica do discurso, ou
a uma preocupação de verossimilhança.
Como são iniciadas as narrativas lidas: a fábula e a notícia?
Sugestão de resposta: A fábula é iniciada diretamente pelo fato narrativo inicial. Já a notícia é iniciada por
uma introdução resumitiva e situacional.
Nessa introdução do modo de organização do discurso NARRATIVO, você teve
acesso a apenas dois gêneros textuais: a fábula e a notícia de jornal. No decorrer dessa
sequência, nos módulos, você aprenderá sobre vários gêneros textuais em que predomina a
narração.
27
GÊNERO TEXTUAL: Fábula
27
Essa redação constaria no manual para o aluno. Aqui, apresentaremos apenas um módulo.
212
TIPO DE TEXTO: Literário
O texto que você vai ler é uma fábula. Esse gênero textual foi criado há mais de
2800 anos. Geralmente, as fábulas apresentam uma cena, vivida por animais, plantas ou
objetos que falam e agem como se fossem gente. Elas são contadas ou escritas para dar um
conselho, para alertar sobre algo que pode acontecer na vida real, para transmitir algum
ensinamento, para fazer alguma crítica, uma ironia etc. Por isso, muitas vezes, no final das
fábulas, isto é, quando a história acaba, aparece uma frase destacada, que costumamos
chamar de moral da história. A maioria dessas histórias trata de atitudes humanas, como a
disputa entre fortes e fracos, a esperteza de alguns, a ganância, a gratidão, o ser bondoso, o
não ser tolo etc. Esses são alguns dos temas das fábulas.
As fábulas são tão antigas quanto as conversas dos homens. Como foram passadas
de boca em boca pelo povo, não sabemos quem as criou. De qualquer forma, conhecemos
algumas fábulas que foram escritas no século VIII antes de Cristo, ou a.C. (800 anos antes
do ano número 1!). Sabemos também que fábulas muito antigas, do Oriente, foram
difundidas na Grécia no século VI a.C., há 2600 anos, por um escravo chamado Esopo.
Nos anos que se seguiram, elas continuaram a ser contadas e foram também escritas. Mais
tarde, nos anos de 1600 (século XVII), o escritor francês Jean de La Fontaine, um nome
muito importante no mundo das fábulas, reescreveu e adaptou as fábulas de Esopo, além de
criar novas histórias.
Muitos outros escritores escreveram fábulas no mundo inteiro. No Brasil, um dos
escritores mais importantes que reescreveu antigas fábulas e criou novas foi Monteiro
Lobato. Seus primeiros livros dirigidos às crianças foram publicados em 1921, portanto, no
século XX.
(FONTE: FERNANDES, Mônica Teresinha Ottoboni Sucar, 2001: 17-19)
LEITURA:
213
Leia, a seguir, duas versões da fábula “O lobo e o cordeiro” de Jean de La Fontaine.
A primeira versão é um texto escrito em prosa, organizado em parágrafos. Já a segunda
versão, é um poema organizado em versos.
TEXTO 1: O lobo e o cordeiro
(Monteiro Lobato)
Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo
aspecto.
- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro arreganhando
os dentes. - Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
- Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo que o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.
- Além disso - inventou ele - sei que você andou falando mal de mim o ano passado.
- Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundindo pela voz da inocência, o lobo insistiu:
- Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
- Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo, furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão
de lobo faminto:
- Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.
Contra a força não há argumentos.
TEXTO 2: O lobo e o cordeiro
214
(Jean de La Fontaine. Trad. De Luciano Vieira Machado)
A razão do mais forte vai sempre vencer
é o que diante vocês hão de ver.
Num límpido regato um dia
um cordeiro, sereno, bebia.
Eis que surge um lobo faminto:
- Como ousas sujar minha água?
diz o lobo com fingida mágoa:
- Logo vais receber o castigo
por assim desafiar o perigo.
- Senhor o cordeiro responde -,
não te zangues: não vês que me encontro
vinte passos abaixo de ti
e, portanto, seria impossível
macular tua água daqui?
- Tu a sujas diz o bicho feroz -,
além disso estou informado
que falaste de mim ano passado.
- Como poderia te ter ofendido
se não era nascido então,
e o leite materno inda bebo?
- Ora, ora, se não foste tu,
com certeza foi teu irmão.
- Não o tenho.
- Então foi algum dos teus:
pois que nunca me deixam em paz,
tu, teus pastores e cães;
necessária a vingança se faz.
E no fundo da floresta
com toda tranquilidade
o lobo devora o cordeiro
sem outra formalidade.
O AUTOR JEAN DE LA FONTAINE
215
Francês de origem burguesa, nascido na
região de Champagne, foi autor de contos, poemas,
máximas, mas com as fábulas ganhou notoriedade
mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século
VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. C.), os textos
de La Fontaine não apresentam grande originalidade
temática, mas recebem um tempero de fina ironia. O
autor francês não só tornou mais atuais as fábulas de
Esopo, como também criou suas próprias, dentre elas
"A cigarra e a formiga" e "A raposa e as uvas".
Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a corte do Rei Sol - Luís XIV, de
onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou o chamado "Quarteto da Rue du
Vieux Colombier", composto também por Racine, Boileau e Molière. Participou da
Academia Francesa com ingresso em 1683, em que sucedeu o famoso político Colbert, a
quem se opunha ideologicamente.
Estreou no mundo literário em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira
coletânea de fábulas data de 1668, sucedida de mais 11, lançadas até 1694. No prefácio
dessa primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos:
"Sirvo-me de animais para instruir os homens."
Morre aos 73 anos sendo considerado o pai da fábula moderna. As narrativas de La
Fontaine estão permeadas de pensamentos filosóficos com forte moralidade didática e,
apesar de tão antigas, mantêm-se vivas até hoje.
(Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/lafontaine/lafontaine.htm. Acesso em fev./2009)
COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DO TEXTO:
1- Explique a expressão destacada do texto 1: “Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se
com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer”.
Sugestão de resposta: O lobo não deu importância à resposta do cordeiro, ou seja, mesmo sabendo que o
cordeiro falava a verdade, continuou atacando-o.
216
2- Observando as respostas que o cordeiro deu ao lobo nas duas versões da fábula,
podemos perceber que ele tratou bem ao lobo. Que palavra aparece repetida nas respostas
do cordeiro, provando esse bom tratamento?
Sugestão de resposta: Senhor.
3- Releia os seguintes trechos retirados do texto 1:
- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro
arreganhando os dentes. - Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...” (2º parágrafo)
- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.” (13º parágrafo)
A que se referem, no texto, os pronomes sublinhados?
a) esse Sugestão de resposta: Refere-se à acusação feita pelo lobo ao cordeiro: “turvar a água do
córrego”.
b) o Sugestão de resposta: Refere-se ao cordeiro.
4- No texto 1, em todas as respostas do cordeiro ao lobo aparece uma conjunção
subordinada adverbial. Qual é essa conjunção? Que valor essa conjunção expressa?
Sugestão de resposta: A conjunção subordinada adverbial é “se”. Expressa um valor de condição, hipótese.
5- Qual foi o primeiro argumento do lobo, para justificar sua ameaça ao cordeiro?
Sugestão de resposta: O cordeiro estava sujando a água que ele ia beber.
6- O texto 2 afirma que, ao apresentar o primeiro argumento, o lobo demonstrava fingida
mágoa. (verso 7). Com que objetivo ele finge que está magoado?
Sugestão de resposta: Com o objetivo de disfarçar a falsidade de seu argumento.
7- O lobo apresenta mais dois argumentos para justificar sua ameaça ao cordeiro.
Identifique os outros dois argumentos.
- Sugestão de resposta: Acusou o cordeiro de falar mal dele no ano anterior.
- Sugestão de resposta: Acusou o irmão mais velho do cordeiro de falar mal dele (do lobo) no ano
anterior.
217
8- Qual foi o contra-argumento do cordeiro para o terceiro argumento do lobo?
Sugestão de resposta: “- Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?”
9- Qual foi a resposta do lobo para o 3º contra-argumento do cordeiro? O que está
implícito na resposta do lobo?
Sugestão de resposta: Já que o cordeiro era filho único, o lobo então diz: “- Pois se não foi seu irmão, foi
seu pai ou seu avô!” O implícito é que o cordeiro deveria pagar pelos atos daqueles com quem convivia.
10- O lobo e o cordeiro foram ao mesmo córrego. Com que finalidade cada um se dirigiu
para lá?
Sugestão de resposta: O cordeiro foi beber água e o lobo foi com a intenção de comer o cordeiro.
11- Recorde as palavras finais do lobo no poema: “necessária a vingança se faz.” Foi
mesmo por vingança que o lobo devorou o cordeiro? Justifique sua resposta.
Sugestão de resposta: Não, não havia razão para vingança, o cordeiro não tinha cometido nenhuma falta;
devorou o cordeiro porque estava faminto.
12- Que modo de agir dos seres humanos é semelhante ao modo de agir do lobo e do
cordeiro, na fábula?
Sugestão de resposta: Uma pessoa que age como o lobo, na fábula, quer vencer o mais fraco pela força; é
injusta com os mais fracos; é violenta e inventa mentiras para dominar os outros. Já uma pessoa que age
como o cordeiro da fábula tenta refutar respeitosamente as acusações do mais forte; intimida-se diante do
mais forte e é dominada pelo mais forte.
13- Explique, com suas palavras, a moral da história.
Sugestão de resposta: Nem sempre quem tem razão leva a melhor.
14- Identifique, na fábula, os seguintes elementos da narrativa:
Sugestão de resposta:
Narrador
Monteiro Lobato.
Foco narrativo
3ª pessoa
Personagens
O lobo e o cordeiro.
Lugar
Num córrego.
Tempo
Cronológico: os fatos narrados seguem uma ordem de acontecimento.
218
15- O enredo de uma narrativa é o encadeamento dos fatos. Relacione as colunas,
identificando as partes do enredo:
(A) Situação inicial (C) As acusações feitas pelo lobo ao
cordeiro.
(B) Quebra da situação inicial (E) O momento em que o lobo sangra o cordeiro.
(C) Estabelecimento de um
conflito
(F) Nem sempre quem tem razão leva a
melhor.
(D) Desenvolvimento (B) A chegada de um lobo no córrego.
(E) Clímax (D) O diálogo entre o lobo e o cordeiro.
(F) Conclusão (A) O cordeiro vai beber água em um
córrego.
16- O texto que você leu é uma fábula. Por quê?
Sugestão de resposta: Porque é uma narrativa curta, cujos personagens são animais personificados e que
ilustra um preceito moral.
PRODUÇÃO TEXTUAL:
Agora você vai escrever uma fábula. Pense em alguma situação que envolve
personagens animais. No final dessa história deve ser possível apreender algum
ensinamento moral.
Atenção: Você não fará uma adaptação de alguma fábula já conhecida. Portanto, o
seu texto deverá ser inédito. Você poderá utilizar algum provérbio ou ditado popular como
a moral de sua história. Eis algumas sugestões:
“De grão em grão a galinha enche o papo.”
“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”
“Quem ama o feio, bonito lhe parece.”
“Em terra de cegos, quem tem um olho é rei.”
etc.
2
19
TRABALHO DE PESQUISA:
Observe a propaganda a seguir. Não se trata de um texto narrativo, porém faz
referência à fábula que você acabou de ler. As fábulas, por serem textos tão conhecidos,
muitas vezes, são utilizadas de forma intertextual.
Intertextualidade é a relação que se estabelece entre dois textos, quando um deles
faz referência a elementos existentes no outro. Esses elementos podem dizer respeito ao
conteúdo, à forma, ou mesmo à forma e ao conteúdo.
(IN: CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:
linguagens, 7ª Série.São Paulo: Atual, 1998, p. 175.
220
O texto de propaganda acima, veiculado na revista Veja de 13/11/1996, faz
referência à fábula “O lobo e o cordeiro”. Pela relação intertextual, constrói-se uma
associação entre “lobo” e “governantes, de modo geral e, do outro lado, “cordeiro” e
“servidores públicos”. Sendo assim, os servidores públicos seriam os inocentes e indefesos.
Observe agora o texto a seguir extraído da Folha de S. Paulo
28
:
As uvas estavam verdes
“ ‘Quando saí do Brasil, o presidente [da CBF] disse que [a Copa das Confederações] não
valia nada. Portanto seguimos no mesmo prisma.’ Emerson Leão, técnico da seleção brasileira ao
comentar o fracasso da equipe na Copa das Confederações, ontem na Folha.”
(Frases. Folha de S. Paulo, 11 de jun. 2001.)
Por que “as uvas estavam verdes”? É preciso conhecer a referência feita pelo jornal
para perceber que, mais que um título, essa chamada é um comentário que permite aos
leitores compreenderem como a fala de Leão deve ser interpretada. Sem a referência, o
título parece completamente absurdo.
Leia, agora, a fábula de Esopo que inspirou o “título-comentário” da Folha.
“Uma raposa faminta, ao ver alguns cachos de uvas pendente de uma certa parreira, tentou
apoderar-se deles, porém não o conseguiu. Afastando-se, então, dizia para si mesma: ‘Estão
verdes’.
Assim também certos indivíduos, não sendo capazes, por sua própria fraqueza, de resolver
os seus problemas, acusam as circunstâncias.”
(ESOPO. A raposa e as uvas. In: As fábulas de Esopo. Trad.
De Manuel Aveleza. Rio de Janeiro: Thex, 1999)
Após a leitura da fábula, é fácil entender o sentido dado ao texto da Folha. Na
fábula, a raposa desdenha as uvas que queria comer e não conseguiu alcançar. Incapaz de
alcançá-las, prefere se convencer de que estavam verdes e, então, não serviam para o seu
consumo.
No texto da Folha, Leão, ao retornar para o país após a derrota da seleção brasileira
na Copa das Confederações, sugere que aquela era uma competição menor, sem
importância. O fato de a seleção brasileira não ter alcançado o título em disputa, portanto,
28
Exemplo extraído de ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana.
Português: língua, literatura, produção de texto. Vol. 1. São Paulo: Moderna, 2005, pp.179-180.
221
não deveria (na visão do treinador) ser encarado como um fracasso de maiores
consequências.
Agora, faça uma pesquisa sobre as características do gênero fábula trabalhado e
escreva outros exemplos desse gênero textual.
OBSERVAÇÕES PARA O PROFESSOR:
Neste módulo foram trabalhados os seguintes conteúdos:
TEXTO: fábula.
COMPREENSÃO/INTERPRETAÇÃO: Polissemia (Questão 1); posição enunciativa dos
sujeitos da narrativa (Questão 2); coesão referencial e frásica (Questões 3 e 4); o
desenvolvimento da narrativa: argumentos e contra-argumentos a serviço da intensificação
e do suspense (Questões 5, 6, 7, 8 e 9); reconhecimento de implícitos a partir de pistas
textuais (Questão 6 e 9); o cenário narrativo e suas implicações nas ações narradas
(Questão 10); verossimilhança narrativa e as marcas de realidade (Questões 11, 12 e 13);
elementos da narrativa: narrador, foco narrativo, personagens, lugar e tempo (Questão 14);
partes de um enredo (Questão 15); características do gênero textual fábula (16).
PRODUÇÃO TEXTUAL: Gênero fábula.
PESQUISA: A pesquisa proposta possibilitará ao professor não só trabalhar outras fábulas
com os alunos, interpretando e analisando as características, como também,
desenvolvendo o conceito de intertextualidade.
A proposta é que o professor trabalhe, nos próximos módulos dessa primeira
sequência, outros gêneros textuais em que predomine a narração. Dessa forma, o professor
estará, ao mesmo tempo, mostrando ao aluno a diversidade de gêneros textuais existentes
em nossa sociedade e fixando as características básicas de uma narrativa.
Ao final da sequência, o professor deve organizar com os alunos um quadro em que
constem as conclusões finais, ou seja, as características sobre o modo de organização do
discurso predominante nos gêneros trabalhados.
222
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para conquistar as coisas importantes, devemos não apenas agir, mas
também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar.
(Anatole France)
Acreditando que para conquistar “coisas importantes” devemos não apenas agir e
planejar, mas também sonhar e acreditar, é que iniciamos este trabalho.
Em Educação, é comum ouvirmos reclamações de professores sobre os baixos
salários e as péssimas condições de trabalho e até mesmo sobre a falta de interesse dos
alunos. E o mais interessante é que, apesar de tanta desilusão, cansaço e medo, o professor
não desiste nunca e, prova disso, são as inúmeras pesquisas que têm sido desenvolvidas na
área. O professor procura sempre desenvolver o seu trabalho da melhor maneira possível,
mesmo que, às vezes, esse “possível” nem sempre traga bons resultados.
O professor sabe que “ensinar é um exercício de imortalidade” (Rubem Alves:
2004) e que é uma “peça chave” na formação de um estudante, pois “(...) ou se educa para
a emancipação (conscientização, politização) ou se educa para a submissão
(enquadramento, adaptação).” (Silva, 2005a: 82). E o que a escola tem feito? Será que tem
deixado acesa a chama da busca pelo conhecimento? “(...) Mudar é difícil, mas é possível”
(Freire, 1996: 88).
Reclamar que o ensino não caminha bem e continuar fazendo o mesmo só aumenta
o número de pessoas alienadas na sociedade, pois nesse caso, o professor estará
“educando” para o enquadramento do indivíduo na comunidade em que ele vive, sem levá-
lo a tomar consciência de seu papel enquanto sujeito, fazedor de sua história no mundo. É
preciso levar o aluno a “transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, (...)”
(Freire, 1996: 76).
Imagine se um médico continua insistindo em receitar o mesmo remédio que não
está dando resultado para um determinado paciente? Se o paciente não morrer, ao menos
não ficará curado. O mesmo podemos dizer em relação ao processo de ensino-
aprendizagem na escola. Se quisermos resultados positivos, precisamos acreditar e
procurar novas estratégias que despertem no aluno a busca pelo conhecimento.
223
Assim, este trabalho partiu de um problema vivenciado nas salas de aulas por
muitos professores os alunos, de modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar
o que leem, independentemente do grau de escolarização. Tal fato não é constatado apenas
nas salas de aula, mas até mesmo, pessoas que já terminaram o Ensino Médio não
apresentam um domínio de leitura e escrita adequado para o nível de escolaridade
concluído.
Em 2006, 2007 e 2008, aplicamos algumas atividades de compreensão e
interpretação para estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Obtivemos 695 respostas
do grupo de interpretação, porém, 405 foram respostas não-adequadas à proposta de
atividade. Tal dado mostra que é necessário um trabalho consciente com o texto nas
escolas.
Os resultados do INAF/Brasil (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional)
mostram que os governantes do Brasil têm-se esforçado em universalizar o acesso e
estimular o maior tempo possível de permanência dos estudantes na escola. Tais esforços,
sem dúvida, têm produzido resultados na melhoria das capacidades de alfabetismo da
população brasileira. Porém, além de viabilizar o acesso, é preciso investir na qualidade, a
fim de que a escolarização garanta, de fato, as aprendizagens necessárias para que os
cidadãos se insiram de forma autônoma e responsável na sociedade moderna. De que
adianta um diploma sem o conhecimento adquirido?!
O professor reclama, mas nem sempre dá o “remédio” certo. Se o aluno não sabe
interpretar o que lê, precisamos ensiná-lo. Mas de que forma?
Pesquisa realizada com educadores mostra que “conteúdos de interpretar” são
desconhecidos por muitos. E, fazer do texto um pretexto para o ensino da gramática não é
um bom caminho. Dos professores entrevistados (15), somente seis citaram algum
conteúdo voltado para a atividade de interpretação.
Assim, “ensinar a ler não implica apenas alfabetizar ou propiciar o acesso aos
livros” (Martins, 1994: 34), mas “conduzir” o leitor aos implícitos do texto. Como diz
Antunes (2009: 206), “se desde o início, for dada aos alunos a oportunidade da leitura
plena (do livro e do mundo) aquela que desvenda, que revela, que lhes possibilita uma
visão crítica do mundo e de si mesmos (...), uma nova ordem de cidadãos poderá surgir e,
dela, uma nova configuração de sociedade.
O problema já é visível e os profissionais da Educação devem fazer por onde e
procurar estratégias de ensino que ponham fim no problema apresentado. Parece otimismo
224
exacerbado, mas se não for possível erradicar o problema, pelo menos, é possível
amenizar, a fim de que a educação brasileira não caminhe a passos largos para a total
alienação dos estudantes.
Com base nos conceitos da teoria Semiolinguística de Análise do Discurso e nos
pressupostos da Linguística do Texto e, em particular, aproveitando alguns aspectos da
proposta de trabalho com sequências didáticas de Dolz & Schneuwly (2004), propomos
“conteúdos de interpretar” e apresentamos sugestões de atividades, em sequências
didáticas, envolvendo conteúdos para a interpretação, a partir dos modos de organização do
discurso, configurados em diferentes gêneros. Para o ensino de leitura e interpretação,
também é necessário o estabelecimento de objetivos a serem cumpridos. O professor
precisa levar o aluno a ter consciência do que seja um texto e de seu funcionamento como
estrutura produtora de sentido, pois ler e interpretar é perceber os conteúdos e os
conhecimentos que se tornam dizíveis por meio dos textos.
Em 2009, fizemos uma testagem da nossa proposta de trabalho em sequências
didáticas. Aplicamos duas atividades avaliativas, sendo que a primeira foi realizada sem
explicação prévia a respeito do gênero textual em questão - fábula. Ao final das questões
de compreensão e interpretação, foi solicitado que o aluno produzisse uma fábula. Na
primeira avaliação, dos 35 alunos, apenas 14 (40%) produzirem um texto de acordo com a
proposta. Já na segunda avaliação, todos os alunos produziram o texto adequado à
proposta.
Assim, os resultados dessa testagem revelam que se da mesma forma que existem
conteúdos gramaticais para serem trabalhados sistematicamente do 1º Ano de Escolaridade
do Ensino Fundamental ao 3º Ano de Escolaridade do Ensino Médio, houvesse um
trabalho sistemático com conteúdos de interpretar, teríamos uma população com um nível
de leitura e escrita muito melhor.
Os dados já mostrados neste trabalho revelam que é possível melhorar a capacidade
leitora dos nossos alunos. Alunos que não sabiam o que era uma fábula conseguiram, ao
final da testagem, produzir o próprio texto de acordo com as características do gênero
trabalhado. E o que dizer da Feira Literária? Isso sim é construção de conhecimentos!
Conteúdos como “pressupostos”, “subentendidos”, “foco narrativo”, “tempo
cronológico e psicológico”, por exemplo, totalmente desconhecidos para os alunos, após
serem apresentados, discutidos e trabalhados, passaram a fazer parte do conhecimento
225
deles. Tais conteúdos são apenas alguns dentre tantos fundamentais na apreensão dos
sentidos do texto.
Mesmo que a atividade de interpretar não seja uma disciplina, como a Gramática e
a Literatura, mesmo que não haja uma metodologia precisa, ela não pode ser trabalhada
como algo intuitivo. Precisa de estratégias e, começar organizando objetivos e conteúdos,
já é uma possibilidade de caminho.
É importante também destacar que, às vezes, a dificuldade de interpretar o que lê se
deve ao fato de o aluno vivenciar conteúdos estanques em interpretação. Ou seja, ensina-se
hoje as características de uma narração e esse conteúdo não é retomado. Se os conteúdos
forem trabalhados em forma de “elos”, ou seja, sempre sendo retomados, fixados e
comparados com os novos conteúdos, permanecerão por muito mais tempo na memória
dos alunos.
A nossa proposta de conteúdos de interpretar trabalhados em sequências didáticas e
módulos possibilita que os modos, tipos e gêneros textuais sejam abordados em diferentes
níveis de complexidade. A retomada de conteúdos já trabalhados após um certo espaço de
tempo e, numa nova perspectiva, é indispensável para que a aprendizagem seja assegurada.
Precisamos ultrapassar o tradicional, a fim de perceber que é possível trabalhar com
todos os modos de organização do discurso, em todos os anos de escolaridade, em graus
diferentes de complexidade. Nessa perspectiva, acabamos com a ideia de que, por
exemplo, a argumentação é conteúdo do 9º Ano de Escolaridade e do 3º Ano do Ensino
Médio. Se o aluno tiver contato com textos em que predomine esse modo, desde as
primeiras séries, com certeza, ao chegar ao 3º Ano do Ensino Médio, terá mais facilidade
para interpretar e produzir textos argumentativos. E isso vale para todos os outros modos.
Além disso, se queremos que o aluno ultrapasse o “sentido de língua” e chegue ao
sentido de discurso (Charaudeau: 1995a, 1999), precisamos criar oportunidades para que
isso ocorra. Em outras palavras, se o professor insistir sempre no mesmo gênero textual,
com questões explícitas ou não reflexivas, pouco ou nada estará fazendo para estimular o
raciocínio do aluno. Este precisa ler textos que o instiguem a procurar pistas, indícios que o
levem a descobrir sentido(s).
Parafraseando o poeta Thiago Melo, o caminho não é novo. Novo deve ser o jeito
de caminhar. Isso significa dizer que temos todas as ferramentas em nossas mãos, mas
precisamos utilizá-las de forma responsável e coerente com os objetivos que pretendemos
226
alcançar. E, não custa nada repetir que, o livro (a leitura) é passaporte, é bilhete de partida
para a interação com o mundo. Resta a cada um de nós, educadores, fazer a nossa parte.
227
8. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Vanessa Chaves de. A interpretação de texto com base nos fatores de
coerência. Rio de Janeiro, UFRJ, 2005. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.
ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 8. ed. Campinas: Papirus, 2004.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola é possível. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de gramática do português. 3. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BEAUGRANDE, Robert; DRESSLER, Wolfgang. Introduction to text linguistics.
London: Longmans, 1983.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. ver. e ampl. Rio de
Janeiro: Lucerna, 1999.
BENTES, Anna Christina. Lingüística textual. In: MUSSALLIN, Fernanda; BENTES,
Anna Christina (Orgs.) Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Vol. 1. São Paulo:
Cortez, 2001.
BEZERRA, Maria Auxiliadora. Textos: seleção variada e atual. In: DIONÍSIO, Ângela
Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.) O livro didático de português: múltiplos
olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
BONINI, Adair. A noção de seqüência textual na análise pragmático-textual de Jean-
Michel Adam. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée
(Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
228
------. Gêneros textuais e cognição: um estudo sobre a organização cognitiva da
identidade dos textos. Florianópolis: Insular, 2002.
BRONCKART, Jean-Paul. Os tipos de discurso; Seqüências e outras formas de
planificação. In: Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo
sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado, Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.
CARNEIRO, Agostinho Dias. Uma sinopse de uma gramática textual. In:
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid. (Orgs.) Da língua ao
discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
------. A interpretação interpretada. Os novos conhecimentos textuais e a presença do
texto nos livros didáticos. São Paulo, USP, Faculdade de Filosofia, Letras a Ciências
Humanas: 2002. Tese de Doutorado em Linguística.
CARVALHO, Gisele de. Gênero como ação social em Miller e Bazerman: o conceito, uma
sugestão metodológica e um exemplo de aplicação. In: MEURER, José Luiz; BONINI,
Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005.
CARVALHO, José G. Herculano de. Teoria da linguagem: a natureza do fenômeno
lingüístico e a análise das línguas. Tomo I. 3ª tiragem. Coimbra: Atlântida Editora, 1973.
CARVALHO, Tânia Maria dos Santos. (In)ferindo Caetano: estudo dos fatores da
textualidade em canções. Niterói, UFF, Instituto de Letras, 2004. Dissertação de Mestrado
em Língua Portuguesa.
CAVALCANTE, Mônica et alli. (Org.) Texto e discurso sob múltiplos olhares: gêneros
e seqüências textuais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. Coord. da
equipe de trad. Ângela M. S. Corrêa; Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto, 2008.
229
------. Linguagem e discurso: das categorias de língua às categorias de discurso. Palestra
proferida em 11 de abril de 2007 na UFRJ.
------. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006a.
------. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2006b.
------. Identité sociale et identité discursive, le fondement de la competence
communicationnelle. In: Revista Gragoatá. Nº 21. Niteroi: UFF, (2º semestre) 2006c.
------. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção gramatical. In: MACHADO,
Ida Lucia; MELLO, Renato de (Orgs.). Gêneros: reflexões em Análise do Discurso. Belo
Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004.
------; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo:
Contexto, 2004.
------. De la competencia social de comunicación a las competencias discursivas. In:
Revista Latinoamericana de Estudios del Discurso. Vol. 1, nº 1. Venezuela: ALED,
2001a.
------. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, H. et alli. Análise do
discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso
FALE / UFMG, 2001b.
------. Análise do discurso: controvérsias e perspectivas. In: MARI, H. et alli.
(Orgs.). Fundamentos e dimensões da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Carol
Borges - Núcleo de Análise do Discurso. Fale UFMG, 1999.
------. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho. (Org.) O discurso
da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.
230
------. Les conditions de compréhension du sens de discours. In : Anais do I Encontro
Franco-Brasileiro de Análise do Discurso. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995a.
------. Une analyse sémiolinguistique du discours. In: Langages nº 117, Les analyses du
discours en France. Paris, Larousse, mars 1995b.
------. O que quer dizer comunicar. Mimeo. 1994.
------. Grammaire du sens et de l’ expression. Paris: Hachette, 1992.
------. Langage et discours. Paris: Hachette, 1983.
CHAROLLES, Michel. Introduction aux problémes de la cohérence des textes. In:
CHAROLLES, M.; PEYTARD, J. Langue française enseignement du récit et cohérence
du texte. Nº 38. Paris: Larousse, 1978.
COSERIU, Eugenio. Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
COSTA, Sérgio Roberto. A Construção de “títulos” em gêneros diversos: um processo
discursivo polifônico e plurissêmico. In: ROJO, Roxane (Org.) A prática de linguagem
em sala de aula: praticando os PCN’s. São Paulo: EDUC; Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2000.
DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão. RS, São Leopoldo: Editora Unisinos,
2005.
DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007.
------. A noção de gêneros textuais e discursivos: percursos teóricos. Artigo apresentado
durante a Semana de Eventos da FALE/UFMG em 2006.
231
------. Leitura: inferências e contexto sociocultural. Belo Horizonte: Formato Editorial,
2001.
DIONÍSIO, Ângela Paiva. Intertextualidade e multimodalidade na escrita didática. In:
Revista do GT Lingüística de Texto e Análise da Conversação junho/2006.
------; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros
textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
------; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.) O livro didático de português: múltiplos
olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard e colaboradores. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad. e org. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2004.
DUARTE, Inês. Aspectos lingüísticos da organização textual. In: MIRA MATEUS, Maria
Helena et alli. Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.
FERES, Beatriz dos Santos. A escola “faz questão” de leitores autômatos ou
autônomos? A atividade de leitura no Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado em
Letras. Niterói: UFF, Instituto de Letras, 2003.
FERNANDES, Mônica Teresinha Ottoboni Sucar. Trabalhando com os gêneros do
discurso: narrar: fábula. São Paulo: FTD, 2001.
FIORIN, José Luís. Teorias do discurso e ensino da leitura e da redação. In: Gragoatá. nº
1 (2. sem. 1996). Niterói: EDUF, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
232
------. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores
Associados, 1989.
GAVAZZI, Sigrid; EDUARDO, Silvana. Lugares/valores argumentativos no ensino
médio. In: PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid. (Orgs.) Da língua
ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001.
GOFFMAN, Erving. A elaboração da face. Trad. Jane Russo. In: FIGUEIRA, Sérvulo
Augusto (Org.). Psicanálise e ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
GRICE, H. Paul. Lógica e conversação. Trad. João Wanderley Geraldi. In: DASCAL,
Marcelo (Org.) Pragmática Problemas, críticas, perspectivas da lingüística - bibliografia
vol. 4. Campinas, 1982.
GUEDES, Paulo Coimbra; SOUZA, Jane Mari de. Leitura e escrita são tarefas da escola e
não só do professor de português. In: NEVES, Iara Conceição Bitencourt et alli. (Orgs.)
Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 8. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2007.
ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo:
Contexto, 2001.
INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional: um disgnóstico para a inclusão
social pela educação. Avaliação de leitura e escrita. São Paulo: Instituto Paulo
Montenegro; Ação Educativa, setembro de 2005. Disponível em: <www.ipm.org.br >
Acesso em: maio de 2008.
------. Indicador de Alfabetismo Funcional. INAF/Brasil 2007. São Paulo: Instituto Paulo
Montenegro; Ação Educativa, s/d. Disponível em: <www.ipm.org.br > Acesso em: maio
de 2008.
233
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1991.
KARWOSKI, Acir et alli. (Org.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2006.
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática,
1986. (Série Fundamentos)
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L’implicite. Paris: ARMAND COLIN, 1986.
KLEIMAN, Ângela B. (Org.). Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 11. ed.
Campinas: Pontes, 2008.
------. Oficina de leitura: teoria e prática. 11. ed. Campinas, SP: Pontes, 2007.
------. Leitura: ensino e pesquisa. 2. ed. Campinas: Pontes, 2004.
------. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da
escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.
KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 9. ed. São Paulo:
Contexto, 2007.
------. Desvendando os segredos do texto. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
------; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo:
Contexto: 2006.
------. Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
------; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
------; ------. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.
234
LARA, Gláucia Muniz Proença; MACHADO, Ida Lucia; EMEDIATO, Wander (Orgs.)
Análises do discurso hoje, vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
LAURIA, Renata Cardoso. O papel dos nomes na (des)construção das fábulas.
Dissertação de Mestrado em Letras. Niterói: UFF, Instituto de Letras, 2008.
LEFFA, Vilson J.; PEREIRA, Aracy E. (Orgs.) O ensino da leitura e produção textual:
alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999.
LIMA, Maria Luiza Cunha. A leitura como atividade interdisciplinar e a formação do
professor. In: MATTE, Ana Cristina Fricke (Org.). Lingua(gem), texto, discurso entre a
reflexão e a prática. Vol II. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte, MG: FALE/UFMG,
2007.
MACHADO, Anna Rachel. A perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In:
MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.). Gêneros:
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
MACHADO, Ida Lúcia. Uma teoria de análise do discurso: a Semiolingüística. In: MARI,
H. et alli. (Org.) Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo
de Análise do Discurso FALE/UFMG, 2001.
MAINGUENEAU, Dominique. Diversidade dos gêneros do discurso. In: MACHADO, Ida
Lucia; MELLO, Renato de (Orgs.). Gêneros: reflexões em Análise do Discurso. Belo
Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004.
------. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
235
------. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva;
MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e
ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.
-----. Compreensão de texto: algumas reflexões. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA,
Maria Auxiliadora (Orgs.) O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2001.
------. Exercícios de compreensão ou copiação. In: Em Aberto. Brasília, ano 16, nº 69,
jan./mar. 1996.
------. Leitura e compreensão de texto falado e escrito como ato individual de uma prática
social. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Orgs.). Leitura:
perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1991.
MARI, Hugo; SILVEIRA, José Carlos Cavalheiro. Sobre a importância dos gêneros
discursivos. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato de (Orgs.). Gêneros: reflexões
em Análise do Discurso. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MENEZES, Gilda et alli. Como usar outras linguagens na sala de aula. 4. ed. São
Paulo: Contexto, 2003.
MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.). Gêneros:
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
------. Esboço de um modelo de produção de textos. In: MEURER, José Luiz; MOTTA-
ROTH, Désirée (Orgs.). Parâmetros de textualização. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1997.
MIRA MATEUS, Maria Helena; BRITO, Ana Maria; DUARTE, Inês. Gramática da
língua portuguesa. 5. ed. rev. e aumentada. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.
236
------. Gramática da língua portuguesa. 3. ed. Lisboa: Editorial Caminho, 1989.
MOTTA-ROTH, Désirée; HEBERLE, Viviane Maria. O conceito de “estrutura potencial
do gênero” de Ruqayia Hasan. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH,
Désirée (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
NEVES, Fabiana Esteves. “Eu escrevo, nós lemos, nós reescrevemos”: o processo de
produção textual e a afirmação do sujeito-autor no ensino médio. Dissertação de Mestrado
em Letras. Niterói: UFF, Instituto de Letras, 2005.
NEVES, Iara Conceição Bitencourt et alli. (Orgs.) Ler e escrever: compromisso de todas
as áreas. 8. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
OLIVEIRA, Ieda de. Pressupostos teóricos. In: O contrato de comunicação da literatura
infantil e juvenil. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2003.
OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Os gêneros de redação escolar e o compromisso com a
variedade padrão da língua. In: HENRIQUES, Cláudio Cezar; SIMÕES, Darcília (Orgs.)
Língua e cidadania: novas perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: Ed. Europa, 2004.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 5. ed. São Paulo: Cortez: Campinas, SP:
Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2000.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: ensino médio: linguagens, códigos e
suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 1999.
------. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília:
Ministério da Educação, 1998.
------. Ensino de primeira à quarta série: língua portuguesa. Brasília: Ministério da
Educação, 1997.
237
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Os gêneros de discurso: tipologia textual e modos de
organização discursiva. Texto apresentado (mesa-redonda) no Seminário Interdisciplinar
na UFRJ, em nov. 2002.
------. Processos de discursivização: da língua ao discurso. Caracterizações genéricas e
específicas do texto argumentativo. In: Veredas, Revista de Lingüística, v. 7, UFJF, 2001.
------. Lino; GAVAZZI, Sigrid. (Orgs.) Da língua ao discurso: reflexões para o ensino.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
------. SANTOS, Leonor Werneck (Orgs.). Estratégias de leitura: texto e ensino. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2006.
PEIXOTO, Cyntia Santuchi et alli. Letramento: você pratica? In: Anais do VIII
Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. Disponível
em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno09-06.html> Acesso em: julho de
2005.
PLATÃO Savioli, Francisco; FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e
redação. São Paulo: Ática, 1990.
PROUST, Marcel. Sobre a leitura. Trad. Carlos Vogt. Campinas, SP: Pontes, 1989.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. O livro é passaporte, é bilhete de partida. In: PRADO,
Jason; CONDINI, Paulo (Orgs.) A formação do leitor: pontos de vista. Leia Brasil, 1999.
(www.leiabrasil.com.br/)
REBELLO, Ilana da Silva. O produto (marca) como garoto-propaganda: as
modalidades do ato delocutivo e a intertextualidade - uma leitura semiolingüística do
texto publicitário escrito. Dissertação de Mestrado em Letras. Niterói, UFF, Instituto de
Letras, 2005.
238
RECTOR, Mônica; YUNES, Eliana. Manual de semântica. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1980.
REORIENTAÇÃO CURRICULAR: curso de atualização para professores regentes
português: ensino médio. Volume I. Secretaria de Estado de Educação, 2006.
ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas.
In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.). Gêneros:
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
------. Letramento e diversidade textual. In: Boletins Salto Para o Futuro/TV Escola,
2004. Disponível em: <http://www.redebrasil.tv.br/salto/boletins2004/ale/tetx5.html>
Acesso em: outubro de 2008.
------. (Org.) A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN’s. São Paulo:
EDUC; Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.
SANTOS, João Bosco Cabral dos. O gênero textual como manifestação discursiva. In:
MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato de (Orgs.). Gêneros: reflexões em Análise do
Discurso. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2004.
SARTRE, Jean-Paul. Que é literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática,
1989.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1977.
SEFFNER, Fernando. Leitura e escrita na história. In: NEVES, Iara Conceição Bitencourt
et alli. (Orgs.) Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 8. ed. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2007.
SIGNORINI, Inês. (Org.) (Re)discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
239
SILVA, Ezequiel T. da. Elementos de pedagogia da leitura. São Paulo: Martins Fontes,
2005a.
------. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 10.ed.
São Paulo: Cortez, 2005b.
------; ZILBERMAN, Regina. Pedagogia da leitura: movimento e história. In:
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Orgs). Leitura: perspectivas
interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1991.
SMITH, Frank. Compreendendo leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do
aprender a ler. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educ.
Soc., Campinas, vol.23, n. 81, dez.2002. Disponível em < http://www.cedes.unicamp.br>
Acesso em: julho de 2005.
------. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. 2. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica,
2000a.
------. Letrar é mais que alfabetizar. In: Nossa língua nossa pátria. Rio de Janeiro:
Jornal do Brasil, 26/11/2000b. Entrevista. Disponível em <http://intervox.nce.ufrj.
br/~edpaes/magda.htm> Acesso em: julho de 2005.
SOUZA, Luiz Marques; CARVALHO, Sérgio Waldeck de. Compreensão e produção de
textos. Petrópolis: Vozes, 1999.
TFOUNI, Leda Verdiani. Alfabetização e letramento. São Paulo: Cortez, 1995. (Coleção
Questões de nossa época)
------. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. São Paulo: Pontes, 1988. (Coleção
Linguagem/Perspectivas)
240
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipologia textual, ensino de gramática e o livro didático. In:
HENRIQUES, Cláudio Cezar; SIMÕES, Darcília (Orgs.) Língua e cidadania: novas
perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: Ed. Europa, 2004.
------. Tipos, gêneros e subtipos textuais e o ensino de língua materna. In: BASTOS, Neusa
Barbosa. (Org.) Língua Portuguesa uma visão em mosaico. São Paulo, EDUC, 2002.
VAL, Maria da Graça Costa. Repensando a textualidade. In: AZEREDO, José Carlos de
(Org.) Língua Portuguesa em debate Conhecimento e ensino. Petrópolis/RJ: Vozes,
2000.
------. Redação e textualidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
VALENTE, André. Intertextualidade - aspectos da textualidade e fator de coerência. In:
HENRIQUES, Cláudio Cezar; PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves (Orgs.) Língua e
transdisciplinaridade - rumos, conexões, sentidos. São Paulo: Contexto, 2002.
VAN DIJK, Teun Adrianus. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1992.
VARGAS, Suzana. Leitura: uma aprendizagem de prazer. 4. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2000.
ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
241
RESUMO
Este estudo parte da análise de atividades de compreensão e de interpretação de
textos, realizadas por alunos de escolas públicas, de níveis de ensino diversos, e de
entrevistas com professores sobre quais conteúdos são trabalhados por eles em
interpretação textual. Tal análise mostrou que os alunos, de modo geral, têm dificuldades
para entender e interpretar o que leem, independentemente do grau de escolarização e que
existem “conteúdos de interpretar” que não são trabalhados de forma sistemática nas
escolas. Diante dessa realidade, tendo como escopo a teoria Semiolinguística de Análise do
Discurso, os pressupostos da Linguística do Texto, focalizando em particular, o texto e a
produção de sentidos e a proposta de trabalho com sequências didáticas (Dolz &
Schneuwly: 2004), propomos “conteúdos de interpretar” e apresentamos sugestões de
atividades, em sequências didáticas, envolvendo conteúdos voltados para a interpretação, a
partir dos modos de organização do discurso, configurados em diferentes gêneros. Mais do
que uma proposta didática, é uma tentativa de aperfeiçoar o ensino - tão desgastado nas
escolas - da leitura de diferentes textos.
Palavras chaves: Semiolinguística, Linguística Textual, conteúdos de interpretar,
sequências didáticas.
242
ABSTRACT
This study is based on a series of activities of comprehension and interpretation of
texts, performed by public school students, from different grade levels, as well as by
teachers who are responsible for teaching such contents. Such analysis showed that, in
general, students have difficulties to understand and interpret what they read,
independently of their grade level, and also that there are “interpretation contents” that are
not dealt with in a systematic way in schools. Thus, having as a scope the Semiolinguistic
Theory of Discourse Analysis, the presuppositions of Text Linguistics, focusing
particularly on the text, production of meanings, and the didactic sequences approach
(Dolz & Schneuwly: 2004), we propose “interpretation contents” and present suggestions
of activities in didactic sequences, involving content related to interpretation, departing
from organizational modes of discourse, configured in different genres. More than a
didactic proposal, it is an attempt to improve the teaching so impoverished in school of
reading of different texts.
Key words: Semiolinguistics, Text Linguistics, interpretation contents, didactic sequences.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo