Mas, de qualquer maneira, se deu uma situação extremamente crítica em relação ao estado, que já se havia
dado em outras oportunidades, mas que na Rússia, depois de fevereiro de 1917, adquiriu um caráter
dramático. Abre-se uma etapa de subsistência do estado burguês, porém completamente em crise. Essa
crise é conseqüência do fato que o movimento operário e de massas, através de suas próprias instituições,
mandava, tinha poder em muitos setores da sociedade, tanto ou mais poder que o estado burguês. Os
órgãos de luta e de poder do movimento de massas foram os sovietes de operários, camponeses e
soldados, os sindicatos, os comitês de fábrica. Os sovietes eram organismos de poder "de fato". Em alguns
lugares, o povo fazia o que o soviete ordenava, não o que ordenava o governo. Em outros lugares, era o
contrário. Por isso o chamamos de poder dual ou duplo poder. Isto era dinâmico, mudava. Porém, tomado
de conjunto, o poder mais forte, quase dominante, eram os sovietes, não o governo burguês.
O poder soviético se assentava na crise do estado burguês, fundamentalmente na profunda crise das forças
armadas, em que os soldados não acatavam as ordens e desertavam aos milhares da frente de combate.
Diante desse estado semidestruído, o poder dominante era o operário, camponês e dos soldados.
Definimos o kerenskismo e o poder dual como um regime porque é uma combinação, embora muito
instável, de distintas instituições: o governo, a cúpula militar e os partidos burgueses e pequeno-burgueses
por um lado, e por outro, os sovietes e outras organizações operárias e populares.
O poder da burguesia vinha também dos próprios sovietes, porém de forma indireta, através de sua
direção. Os socialistas revolucionários e mencheviques tinham a maioria nos sovietes e convenciam os
operários, camponeses e soldados de que tinham que apoiar o governo burguês.
c) O golpe de Kornilov:
No transcurso da revolução russa ocorre, pela primeira vez na história (com a única exceção da repressão
à Comuna de Paris) um golpe contra-revolucionário de tipo burguês, capitalista. Houve quem opinasse
que o golpe de Kornilov era pró-czarista, a serviço dos latifundiários feudais. Trotsky polemizou contra
eles, insistindo em que era um golpe claramente pr&capitalista e contra-revolucionário, não pró-feudal.
Esse golpe, que nao triunfou, prenuncia futuros golpes da contra-revolução burguesa que mais tarde,
desgraçadamente, triunfaram: o de Mussolini, Chiang Kai Chek, Hitler e Franco.
Com Komrnilov surge, pois, um novo tipo de contra-revolução: a contra-revolução fascista,burguesa, não
feudal.
O golpe de Kornilov é derrotado pela mobilização da classe operária e de todos os partidos que se
reivindicam dos trabalhadores, que se unem para enfrentá-lo. Os bolcheviques mudam a sua tática. Até
então, vinham centrando todos os seus ataques contra Kerensky e colocando que devia ser derrotado e que
os sovietes deviam tomar o poder. Porém, quando Kornilov ataca, definem que esse golpe é o grande
perigo contra-revolucionário e chamam à unidade de todos os partidos operários e populares, em primeiro
lugar ao próprio Kerensky, para combater, de armas na mão, a contra-revolução de Kornilov. Passam a
um segundo plano os ataques a Kerensky. Deixam de exigir sua derrubada de forma imediata, como
tinham feito até então. Agora, denunciam Kerensky porque é incapaz de fazer uma luta revolucionária
conseqüente, apelando para medidas anticapitalistas audazes, de transição, para derrotar Kornilov.
d) O governo operário e camponês:
Para essa etapa da revolução, Lênin e Trotsky levantaram uma possibilidade política e uma palavra-de-
ordem: que os partidos reformistas (socialista-revolucionário e mencheviques) tomassem o poder, como
direção indiscutível dos sovietes. Tratava-se de fazer uma revolução que mudasse o caráter do estado,
construindo um novo sobre a base de instituições soviéticas. Se os partidos reformistas aceitassem a
proposta de Lênin, essa revolução seria pacifica. Ao mesmo tempo, se os reformistas o fizessem, os