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JULIANA FEDAK SABBATINI
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E
GOVERNANÇA CORPORATIVA:
uma intersecção possível?
Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo
São Paulo, 2010
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ii
JULIANA FEDAK SABBATINI
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E
GOVERNANÇA CORPORATIVA:
uma intersecção possível?
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Comunicação
Área de Interfaces Sociais da Comunicação,
Linha de Pesquisa: Políticas e Estratégias de
Comunicação da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
USP) como exincia parcial para obtenção
do Título de Doutora em Ciências da
Comunicação, sob orientação da Profa. Dra.
Margarida M. Krohling Kunsch.
São Paulo, 2010
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iii
JULIANA FEDAK SABBATINI
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E
GOVERNANÇA CORPORATIVA:
uma intersecção possível?
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Comunicação
Área de Interfaces Sociais da Comunicação,
Linha de Pesquisa: Políticas e Estratégias de
Comunicação da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
USP) como exincia parcial para obtenção
do Título de Doutora em Ciências da
Comunicação, sob orientação da Profa. Dra.
Margarida M. Krohling Kunsch.
São Paulo, 2010
iv
Ficha catalográfica
ELABORADA PELA SEÇÃO DE PROCESSAMENTO TÉCNICO DA SBD/ECA/USP
Sabbatini, Juliana Fedak
Comunicação Organizacional e Governança Corporativa: uma intersecção
possível? / Juliana Fedak Sabbatini São Paulo, 2010.
214 folhas (201 páginas).
Bibliografia.
Tese (Doutorado) Departamento de Relões Públicas, Propaganda e
Turismo / Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo,
2010.
Orientador (a): Profa. Dra. Margarida M. Krohling Kunsch
1. Comunicação Organizacional. 2. Governança Corporativa. 3. Empresas. 4.
Transformações. I. Título. II. Sabbatini, Juliana Fedak. III. Kunsch,
Margarida M. Krohling
v
Folha de Aprovação
A tese de doutorado sob o título “Comunicão Organizacional e Governança Corporativa:
uma intersecção possível?”, elaborada pela aluna
Juliana Fedak Sabbatini,
no Programa de s-Graduação em Ciências da Comunicação, da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo,
foi
no dia ____ de __________________________ de 2010, tendo sido avaliada pela
banca examinadora composta por:
vi
Sumário
Lista de Figuras, Gráficos, Quadros e Tabelas .................................................................... viii
Resumo ................................................................................................................................ ix
Palavras-chave ..................................................................................................................... ix
Abstract ................................................................................................................................ x
Key words............................................................................................................................. x
Agradecimentos ................................................................................................................... xi
Introdução ............................................................................................................................. 1
Capítulo 1: O novo capitalismo ............................................................................................. 5
1.1 Introdução ................................................................................................................... 5
1.2 Principais ocorrências .................................................................................................. 6
1.2.1 Liberalização ........................................................................................................ 7
1.2.2 Aumento da concorrência em nível global ............................................................ 9
1.2.3 Inovações: tecnológicas, financeiras e organizacionais........................................ 10
1.3 Efeitos Econômicos ................................................................................................... 13
1.3.1 Aumento da riqueza financeira ........................................................................... 13
1.3.2 Descentralização da produção e aumento do investimento direto externo ............ 15
1.3.3 Queda crescente dos preços e aumento da diversificação dos produtos ................ 16
1.3.4 Perda de autonomia do Estado ............................................................................ 16
1.3.5 Financeirizão como espaço central de acumulação .......................................... 18
1.4 Impactos Sociais........................................................................................................ 22
1.4.1 Profundas alterações sociais ................................................................................ 22
1.4.2 Novas organizações no mundo do trabalho ......................................................... 25
1.4.3 Novas formas de cidadania e pertencimento ........................................................ 27
1.4.4 Hegemonia do consumo ...................................................................................... 31
1.4.5 Papel da mídia .................................................................................................... 34
1.5 Conclusão ................................................................................................................. 36
1.5.1 Delineando os principais impactos ...................................................................... 37
1.5.2 Forte concentração de renda e aumento crescente das desigualdades ................... 41
1.5.3 Hegemonia do individualismo e perda das referências democráticas ................... 41
1.5.4 Impactos na organização do trabalho .................................................................. 42
1.5.5 Crises sistêmicas ................................................................................................. 43
Capítulo 2: notas sobre a história das empresas e o desenvolvimento capitalista .................. 46
2.1 Introdução ................................................................................................................. 46
2.2 As bases da empresa capitalista ................................................................................. 47
2.3 A firma na consolidação do sistema capitalista .......................................................... 49
2.4 Novas dimensões: evolução do sistema capitalista, agigantamento das corporações e
avanços nas práticas de gestão ................................................................................... 55
2.4.1 Os anos dourados de 1950 a 1970 .................................................................... 55
2.4.2 Novo contexto histórico: globalização ................................................................ 59
2.5 Alterações nas práticas de gestão ............................................................................... 61
2.5.1 Paradigma fordista .............................................................................................. 62
2.5.2 Paradigma das tecnologias da informação ........................................................... 65
2.6 Emergência de uma nova configuração ...................................................................... 73
2.7 Conclusão ................................................................................................................. 78
Capítulo 3: Evolução e práticas de governança corporativa ................................................. 84
vii
3.1 Introdução ................................................................................................................. 84
3.2 Nascimento da governança corporativa separação entre propriedade e gestão ......... 85
3.3 Aspectos determinantes, conceitos e modelos de governança corporativa .................. 93
3.3.1 Despertar e aceitação mundial............................................................................. 94
3.3.2 Conceitos e Valores ............................................................................................ 97
3.3.3 Abordagens e modelos de governança corporativa ............................................ 107
3.4 Processos mais eficazes: uma demanda latente ........................................................ 113
3.5 Conclusão ............................................................................................................... 117
Capítulo 4: Papel e evolução da comunicação organizacional ............................................ 119
4.1 Introdução ............................................................................................................... 119
4.2 Interlocuções e interfaces da comunicação............................................................... 120
4.3 Trajetória histórica da Comunicação Organizacional ............................................... 123
4.3.1 Gênese .............................................................................................................. 124
4.3.2 Desenvolvimento e consolidação: múltiplas abordagens ................................... 133
4.4 Desafios .................................................................................................................. 147
4.5 A comunicação e os diversos stakeholders .............................................................. 150
4.6 Conclusão ............................................................................................................... 154
Capítulo 5: Uma intersecção possível? .............................................................................. 157
5.1 Introdução ............................................................................................................... 157
5.2 Metodologia ............................................................................................................ 157
5.2.1 A construção dos índices quantitativos .............................................................. 158
5.2.2 Seleção de empresas e composição da amostra ................................................. 160
5.2.3 Cálculo dos índices e Análise estatística ........................................................... 162
5.2.4 Comentários sobre as limitações do uso de técnicas estatísticas ........................ 164
5.3 Resultados obtidos................................................................................................... 166
5.3.1 Análise de estatística descritiva ......................................................................... 166
5.3.2 Análise econométrica........................................................................................ 173
5.4 Conclusão ............................................................................................................... 177
Considerações Finais......................................................................................................... 179
Referências bibliográficas ................................................................................................. 186
Sites, bases de dados e softwares ................................................................................... 197
Anexo Estatístico .............................................................................................................. 198
viii
Lista de Figuras, Gráficos, Quadros e Tabelas
Quadro 2.1 Consolidação da empresa capitalista, de acordo com as proposições de Chandler
(1998) ..................................................................................................................... 50
Quadro 2.2 - Empresa, gestão e períodos de desenvolvimento do capitalismo .............................. 61
Quadro 2.3 - Mudanças do paradigma fordista para o das tecnologias da informação ................... 69
Quadro 3.1 Conflitos de agência propósitos imperfeitamente simétricos ................................. 86
Quadro 3.2 Remuneração anual dos mais bem pagos CEOs das empresas de capital aberto
dos EUA (em US$ e %), 2009 ................................................................................ 89
Quadro 3.3 Interesses legítimos dos diversos stakeholders ...................................................... 101
Quadro 3.4 ntese dos argumentos de legitimação de cada abordagem ................................... 109
Quadro 3.5 Aspectos relevantes de sintonia empresa X boas práticas de governança ............... 116
Quadro 4.1 Metáforas da Comunicão Organizacional .......................................................... 135
Quadro 4.2 - Principais fases da Comunicação Organizacional ................................................... 138
Quadro 4.3 - Comunicação estratégica e colaborativa diferenças ............................................. 141
Quadro 4.4 Interface entre as perspectivas teóricas e a Comunicação Organizacional .............. 146
Tabela 5.1 Amostra de empresas de capital aberto: fatos estilizados, 2007-2009 ..................... 166
Tabela 5.2 IGC e ICOM: estatísticas descritivas para a amostra de 22 empresas de capital
aberto ................................................................................................................... 168
Tabela 5.3 Freqüência das respostas às perguntas que compõe o ICOM (em %) ...................... 170
Tabela 5.4 Freqüência das respostas às perguntas que compõe o IGC (em %) ......................... 172
Tabela 5.5 Coeficientes de correlação entre os índices ICOM e IGC .......................................... 173
Tabela 5.6- Resultados da estimativa OLS para o modelo 1:
ICOMIGCROA
21
....................................................................... 174
Tabela 5.7- Resultados da estimativa OLS para o modelo 2:
ICOMIGCROE
21
....................................................................... 175
Tabela 5.8- Resultados da estimativa OLS para o modelo 3:
ICOMIGCVM
21
.. 176
Tabela Anexa I - Remuneração anual dos 90 mais bem pagos CEOs das empresas de capital
aberto dos EUA por empresa, (em US$ e %), 2009 ............................................... 198
Tabela Anexa II Desempenho econômico das 22 empresas da amostra, 2007-2009 ................. 201
ix
Resumo
Esta tese investiga uma possível correlação entre as políticas de comunicação
organizacional e as práticas de governança corporativa no universo empresarial, tendo como
pano de fundo as profundas transformações no ambiente econômico, político, social e cultural
a partir da segunda metade do século XX.
Utilizando-se de extensa revisão bibliográfica como principal ferramenta
metodológica e de uma pesquisa de campo com 22 empresas (que representam mais de 50%
do valor de mercado de todas as empresas de capital aberto do Brasil), buscou-se construir a
trajetória tanto da comunicação organizacional e seu corpus teórico, como da governança
corporativa; tentando assim, observar os elos de intersecção existentes entre elas, tanto do
ponto de vista teórico, como do ponto de vista de testes estatísticos.
O estudo defende a tese de que processos de comunicação mais transparentes,
colaborativos e integrados, além de heterogêneos no atendimento das diferentes demandas dos
diversos stakeholders presentes na organização, são determinantes na construção de boas
práticas de governança corporativa; ou seja, a intersecção positiva aqui identificada pode
contribuir de forma decisiva para uma melhor capacitação e adaptação das empresas às
profundas transformações presentes no cenário competitivo do capitalismo contemporâneo.
Palavras-chave
Comunicação organizacional; governança corporativa; empresas; transformações;
transparência; gestão organizacional.
x
Abstract
This thesis investigates a possible correlation between the organizational
communication policies and the practices of corporate governance in the entrepreneurial
sphere, using as a backdrop the profound transformations in the economic, political, social
and cultural ambit from the second half of mid twentieth century onwards.
With an extensive bibliographical review as the main methodological tool and a field
research with 22 firms (which represent 50% of the market value of all the public companies
in Brazil), I sought to build a trajectory of organizational communication and its theoretical
corpus as well as corporate governance in an attempt to observe the existing intersecting links
between them, both from a theoretical point of view and from the perspective of statistical
tests.
The study defends the thesis that more transparent, collaborative and integrated
communication processes, besides being heterogeneous in addressing the different demands
of diverse stakeholders present in the organization, are determinants in the construction of
good practices in corporate governance. In other words, the positive intersection identified
here may contribute decisively to a better empowerment and adaptation of the companies to
the profound transformations present in the competitive scenario of contemporary capitalism.
Key words
Organizational communication; corporate governance; companies; transformations;
transparency; organizational management
xi
Agradecimentos
À Profa. Dra. Margarida M. Krohling Kunsch agradeço imensamente pela orientação
deste trabalho, pela inesgotável gentileza, pelo constante apoio e também pelas instigantes
questões discutidas ao longo de toda minha passagem pela Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
Ao Prof. Dr. Paulo Nassar, pela maravilhosa recepção e diálogo, além das imeras
dicas, reflexões e análises e pela ajuda inestimável durante a pesquisa de campo.
Aos demais professores desta escola, pelos ensinamentos, pela dedicação e pela busca
constante em aprender sempre mais.
Agradeço à Facamp Faculdades de Campinas, pelo apoio e incentivo constantes
durante todo este período.
À Aberje Associão Brasileira de Comunicação Empresarial um obrigada especial
pela preciosa ajuda durante a pesquisa de campo na pessoa da Nara Almeida.
Agradeço a todos aqueles profissionais das 22 empresas da amostra que cooperaram e
responderam aos questionários, muitos de forma bastante socita; outros um pouco mais
reticentes; mas todos decisivos e fundamentais nesta etapa do trabalho.
Agradeço às minhas queridas amigas que sempre me aguentaram e apoiaram neste
momento tão particular: Yara, Larissa, Adriana Braga, Márcia, Dani, Ana Rosa, tima.
Obrigada por cada sorriso e palavra de conforto que me deram força e coragem para
continuar.
À querida amiga Juliana Filleti pela ajuda, incentivo, apoio e paciência junto aos
números e as inúmeras reflexões sobre a melhor opção de amostra e de modelo estatístico.
Ao adorável casal Susan Pyne e Fernando Cerdeira, agradeço imensamente a amizade
e o carinho ao longo de todos esses anos, os momentos de descontração e a ótima conversa;
além do apoio nas questões linguísticas.
À minha família pelo apoio durante este período, agradeço o incentivo constante e
carinhoso.
Ao meu companheiro Rodrigo de longa e maravilhosa jornada, agradeço cada minuto
de paciência, compreensão e amor; além do suporte emocional, das horas de discussão e
xii
diálogo e da confiança em cada etapa alcançada. Ao meu filho Pedro, um agradecimento
especial pelo seu amor e compreensão.
Muito obrigada a todos.
xiii
Para o Rodrigo com todo meu amor
1
Introdução
Este trabalho foi motivado pela tentativa de compreender os determinantes e efeitos de
um novo cenário econômico, político e social em que as empresas principais agentes do
capitalismo contemporâneo, estão inseridas, a partir dos anos de 1990. Tais mudanças
demandaram novas posturas, processos e estratégias por parte das empresas, que se viram
obrigadas a alterar suas relações, concepções e estruturas comunicacionais, buscando
adaptarem-se às novas demandas dos diversos públicos estratégicos com os quais as empresas
se relacionam, chamados também de stakeholders
1
.
Dentro deste novo cenário de profundas mudanças no comportamento do consumidor,
dos critérios de demanda (menos relacionados a preços e à qualidade do produto e mais
centrados na imagem, responsabilidade social e conduta ética) e da construção de vantagens
competitivas mais focadas nos aspectos intangíveis do que tangíveis; a interlocução entre as
áreas de comunicação organizacional e governança corporativa se torna prioritária na visão
desta tese.
O estudo aqui proposto buscará estabelecer uma correlação positiva entre as áreas de
comunicação organizacional e governança corporativa no resultado econômico e na criação de
diferenciais pelas empresas, que buscam incessantemente a manutenção da liderança e do
posicionamento nos seus respectivos mercados.
Desta forma, a interlocução da comunicação organizacional e da governança
corporativa buscaria apontar direções para uma maior integração entre a empresa
contemporânea e seus diversos stakeholders. Acredita-se que tal integração teria reflexos
positivos sobre a reputação e a credibilidade da empresa, além de possibilitar maior
valorização de suas ações e, desta forma, responder melhor às profundas transformações e
mudanças ocorridas principalmente a partir das duas últimas décadas do século XX, pensando
o somente na questão da concorrência, na luta por espaços no mercado; mas também na
busca pelo capital especulativo, que acabou por estimular situações de valorização imediata
das ações das empresas, em detrimento das políticas de longo prazo, dos interesses dos
pequenos acionistas e das políticas de gestão.
1
Stakeholders são todas as pessoas, grupos ou instituições com interesses legítimos em jogo e que afetam ou são afetados
pelas diretrizes e estratégias definidas pelas empresas, as ações por elas praticadas e os resultados alcançados. De acordo com
ANDRADE & ROSSETTI (2007), stakeholders são pessoas, grupos ou instituições, com interesses legítimos em jogo nas
empresas e que afetam ou são afetados pelas diretrizes definidas, ações praticadas e resultados alcançados.
2
Assim, este trabalho pretende mostrar a importância dos processos de comunicação
integrada no desenvolvimento e na manutenção de boas práticas de governança corporativa.
As profundas transformações no ambiente empresarial e a necessidade cada vez mais latente
de interlocução com os diversos stakeholders da empresa contemporânea parecem indicar que
a interação entre governança corporativa e comunicão organizacional poderia contribuir
para o fortalecimento competitivo das empresas.
Nesta tese, buscar-se-á analisar a organização como um espaço de múltiplas facetas e
intrinsecamente dependente dos processos de gestão organizacional, das políticas de
comunicação integrada e das práticas de governança corporativa que, a nosso ver, estariam
mutuamente inter-relacionadas.
A hipótese geral aqui apresentada é de que as políticas de comunicação organizacional
aliadas às práticas de governança corporativa poderiam contribuir para a construção de um
cenário e de uma imagem positiva da empresa, ou seja, sua reputação. Esta reputação e
credibilidade atuariam como imãs na atração dos investidores, na diminuição dos custos de
capital, na manutenção e expansão da demanda, na motivação dos funcionários, na geração de
publicidade favorável na mídia e, por consequência, poderia influenciar positivamente o
desempenho econômico e financeiro das empresas.
Principalmente após os escândalos contábeis de 2000
2
e a nova crise de credibilidade e
transparência vivida durante o biênio 2008/2009
3
, que atingiram em especial as grandes
corporações estadunidenses, mas foi de fato generalizado mundialmente; as organizações em
geral tiveram suas reputações abaladas. A crise de reputação e o consequente questionamento
das práticas de governança resultaram num processo de busca por maior participação nas
decisões estratégicas por parte dos seus stakeholders (tanto em corporações de capital aberto
como em organizações familiares; inclusive com participação do Estado), principalmente os
pequenos acionistas, a dia e os consumidores, na busca pela transparência de suas
informações e dos seus processos de gestão; trazendo inclusive fortes questionamentos quanto
à efetiva existência de canais transparentes de comunicão e de reais poticas de governança
corporativa.
Utilizando como ferramenta metodológica à revisão bibliográfica nos quatro primeiros
capítulos, esta tese se propõe a refletir sobre as dimensões e o papel da governança
2
Ver entre outros exemplos o caso Enron (Harvey, 2005; Machado Filho, 2006; Reich, 2007 e Silveira, 2010).
3
Ver Silveira, 2010.
3
corporativa e da comunicação organizacional, buscando identificar as interfaces existentes
entre esses dois campos teóricos e os resultados junto a uma amostra de empresas brasileiras,
utilizando como ferramenta metodológica para esta pesquisa empírica um modelo estatístico
de regressão múltipla, a partir da criação de dois índices de pesquisa empírica, a saber, o
Índice de Comunicação Organizacional e o Índice de Governança Corporativa, como descrito
adiante.
O capítulo 1 busca analisar as novas transformações do capitalismo e de seus
principais agentes as empresas. Tais mudanças passaram a ser constantes, a fazer parte do
dia a dia; em que a relação com o passado está cada vez mais distante e pouco se pensa em
questão do futuro, nesse mundo denominado modernidade líquida (Bauman, 2001). É a
máxima valorização do presente: efêmero, intenso e imediatista. Em adição a essa cultura do
passageiro, encontra-se a valorização das ações de curto prazo, as desfronteirizações dos
mercados reais e financeiros, o desengajamento do Estado empresário e a hegemonia do
liberalismo como modus operandi do capitalismo contemporâneo. Assim, através de vasta
revisão bibliográfica, serão contempladas, também no capítulo 1, as novas transformações
deste período do fim do século XX, as novas estruturas concorrenciais decorrentes da
globalização e as profundas mudanças nos processos de gestão organizacional.
O capítulo 2 desenhou a trajetória histórica do principal agente do capitalismo do
século XX, ou seja, as organizações de capital aberto. Na tentativa de realçar seu poderio e
influência junto aos mercados, Estados e sociedades, serão apresentadas as profundas
transformações sofridas ao longo dos anos pelas empresas, além do novo desenho que vem
surgindo e da forte valorização do capital financeiro em detrimento das poticas de longo
prazo e do capital produtivo, (valorização imediata do preço das ações x lucros de longo prazo
com dividendos, a partir de estratégias e financiamentos para aumento do parque produtivo).
o capítulo 3 contemplou as práticas de governança corporativa como ponto de
análise e reflexão, apresentando seus principais conceitos, objetivos e os novos desafios a
partir da profunda crise de transparência e agência vivida pela empresas, principalmente no
mercado norte americano nos anos de 2008/2009. As questões contemporâneas perpassam a
exincia de ir além do modelo atual e mostram a necessidade em ampliar os canais de
comunicação e transparência na tentativa de uma gestão mais integrada e próxima dos
diversos stakeholders das empresas.
4
O capítulo 4 se propõe a realizar uma análise histórica do corpus teórico da
comunicação organizacional, dando forte ênfase para as novas práticas de comunicação e
interlocução da empresa junto aos seus diversos stakeholders. Ou seja, procurará mostrar que
a construção de práticas colaborativas e plurais, em um ambiente composto pela diversidade
de condutas e pontos de vista poderá trazer resultados positivos quanto à competitividade das
empresas e seus resultados no mercado. Seria a superação da valorização da homogeneidade
de pensamentos e ações, base da tradicional estrutura burocrática das grandes corporações,
que tem a comunicação instrumental como procedimento padrão.
Na verdade, um dos caminhos apontados pelo capítulo é que o desenvolvimento
construtivo da comunicação dentro das organizações dependeria, necessariamente, da
interão entre os indivíduos plurais, de pensamentos divergentes e, portanto, de um conjunto
de interpretações e do contexto em que estão inseridas. E aqui se encontra a possibilidade em
desenvolver práticas de comunicação colaborativas envolvendo os diversos públicos das
empresas. Ainda neste capítulo será abordada a questão da interdisciplinaridade e as diversas
interfaces constituintes do campo da comunicação organizacional pela própria natureza
ubíqua da comunicação, como agente formador dos processos e dimicas sociais.
No capítulo 5, através de dois índices propostos: de Comunicação Organizacional
(ICO) e de Governança Corporativa (IGC) buscou-se investigar, através de metodologia
estatística duas hipótese, sendo elas: (1) a possível correlão entre essas duas áreas, ou seja a
identificão de uma intersecção positiva entre a área de comunicação organizacional e a área
de governança corporativa, e (2) suas consequências no desempenho final das empresas, tanto
no faturamento, como no valor das ações e finalmente na rentabilidade de seus ativos e
patrimônio quido.
Por fim, seguem as considerações finais.
5
Capítulo 1: O novo capitalismo
1.1 Introdução
A intenção neste capítulo é traçar um panorama sobre as profundas transformações
ocorridas no modo capitalista de produção, principalmente a partir da segunda metade do
século XX. Uma primeira etapa buscará apresentar os fatos e as características que
provocaram, mesmo que indiretamente, mudanças tanto no campo econômico, quanto social,
político e cultural.
Para analisar essas transformações é fundamental buscar compreender a intensidade, a
dimensão e as principais características que estão transformando o que entendíamos como
modernidade, alterando significativamente o ambiente competitivo de negócios, as políticas e
legislações; além da cultura e da sociedade.
Em um segundo momento, depois de identificados os principais fatos responsáveis
pelo que denominamos de novo capitalismo, como o aumento da acumulação pregressa, o
aumento da concorrência em nível global, a liberalização e a desregulamentação, através da
forte aceitação da doutrina neoliberal, a consequente perda de autonomia do Estado e as
inúmeras inovações; buscar-se entender as consequências e os efeitos de tais mudanças
tanto no campo econômico, como no campo social e cultural.
Finalmente, a conclusão tentará mostrar a fragilidade e a instabilidade presente nos
dias atuais, que acaba por permear todos os aspectos da vida (social, potico e econômico)
transformando as relações de trabalho, as noções de pertencimento e cidadania e transferindo
para as mãos das corporações um poder antes pertencente ao Estado, que buscava na sua
essência uma melhoria da sociedade como um todo.
6
1.2 Principais ocorrências
Tais transformações foram iniciadas a partir da década de 1970 e apresentam uma
nova configuração do capitalismo com alterações de ordem econômica, potica e social. Um
dos agentes decisivos nesta trajetória foram as empresas, que buscaram se tornar muito mais
competitivas, globais, inovadoras e passaram a ampliar sua forma de atuação e influência.
Alguns pontos determinantes podem ser identificados para a criação de um novo
modelo capitalista, tendo as corporações e a política neoliberal como pontos centrais e
decisivos nesse processo. Além disso, outro ponto importante que caracteriza essa nova
dinâmica é o aumento da concorrência às empresas norte-americanas (tidas na década de 1970
como as mais inovadoras e competitivas), por parte de empresas japonesas e alemãs; trazendo
a necessidade de ampliar os mercados de consumo e buscar novas formas de rentabilidade do
capital, já que o espaço geográfico e os mercados tradicionais não respondiam mais com a
mesma intensidade e os resultados começaram a ser menores e mais difíceis de serem obtidos.
O ponto chave nesta trajetória é o crescimento e a consolidação das poticas
neoliberais e a possibilidade, através da desregulamentação, da volatilidade do capital, com a
queda das políticas reguladoras, que controlavam e restringiam as formas e a intensidade de
busca por novas oportunidades de valorização do dinheiro. A idéia central era abrir à
acumulação de capital, novos campos de atuação (com a expansão das fronteiras e com a
criação de novos produtos / agentes) até então considerados excluídos das oões e tamm
do acesso das grandes corporações.
Finalmente, as bases de sustentação para a consolidação desse projeto foram as
crescentes inovações tanto na área da informática, como na área da telecomunicação e da
logística; trazendo uma integração e uma agilidade a troca de informações, dados e
mercadorias em nível global. Para isso, como será visto adiante, as empresas também
precisaram se estruturar internamente, alterando seus modelos de produção e gestão.
7
1.2.1 Liberalização
Ancorado no pensamento do economista Milton Friedman, o neoliberalismo buscava
retornar ao estado “naturaldo mercado, quando tudo estava em equilíbrio e não sofria com
as intervenções humanas. A ideia proposta era a retomada de um estágio do capitalismo,
denominado por ele de puro”, sendo, portanto livre de todas as interrupções, tais como:
regulação governamental, barreiras comerciais e interesses institucionais, com o objetivo de
alcançar a bonança e a riqueza.
O ponto chave em defesa dessa teoria era que as forças econômicas da oferta, da
demanda, a inflação e o desemprego se assemelhavam com as forças da natureza, sendo,
portanto fixas e imutáveis. O pressuposto apresentado como determinante para a viabilidade
do livre mercado é a de que todos os agentes que operam no mercado tenham acesso às
mesmas informações, o havendo, portanto assimetria informacional ou de poder que
possam vir a prejudicar a capacidade dos indivíduos de tomar decisões econômicas racionais
em seu próprio benefício. Desta forma, imagina-se que as condições de disputa seriam as
mesmas entre todos os participantes e que livres de interferência e regulamentações, o
equilíbrio se daria entre os mais bem preparados.
“A teoria dos “mercados eficientes” pretende, enfim, ensinar que todas as
informações relevantes sobre os fundamentals da economia estão
disponíveis em cada momento para os participantes do mercado. E que, na
ausência de intervenção dos governos, a ação racional dos agentes seria
capaz de orientar a melhor distribuição dos recursos, entre os diferentes
ativos, denominados em moedas distintas(BELLUZZO, 1995: 17).
Com a diminuição dos lucros, o aumento da concorrência e a pressão por novas
formas de valorização do capital, as estruturas produtivas voltaram-se na busca por novas
maneiras de aumentar sua riqueza. A economia cresceu rapidamente na época de ouro
4
, mas
acabou por ser distribuída de maneira bastante intensa (existência de poticas reguladoras,
além da necessidade de garantir a produção em massa e seu constante crescimento através da
manutenção de benefícios e garantias aos trabalhadores), por meio de impostos sobre as
4
Ver capítulo 2: desenvolvimento das companhias de capital aberto, dos anos 30 a década de 70, no mercado norte-
americano.
8
corporações e salários para os trabalhadores; o que acabou por fomentar a busca, pelo capital,
por novas e mais rentáveis alternativas, além da necessidade de fugir do aumento da
concorrência, que começava a incomodar.
As bases da teoria neoliberal acabaram por apresentar um caminho bastante vantajoso
e que respondia a tais anseios. Sob a ótica de Milton Friedman e a Escola de Chicago base
da economia neoliberal, os governos deveriam abolir todas as regras e regulamentações que se
impunham no caminho da acumulão do lucro. Deveriam também vender todos os ativos
públicos, para que pudessem ser administrados de maneira eficiente e lucrativa pela
propriedade privada. E finalmente deveriam cortar drasticamente todos os fundos e benefícios
destinados a programas sociais.
“A guerra que Friedman travou contra o “Estado de bem-estar” e o
“grande governo” acenou com a promessa de nova fonte de riquezas
que desta vez não era pela conquista de novos territórios, mas pela
transformação do próprio Estado em uma nova fronteira, leiloando seus
serviços públicos e ativos por um preço muito abaixo de seu real valor”
(KLEIN, 2008: 74).
Assim, as bases da liberalização se encontram na tentativa, de acordo com Klein
(2008) do capital multinacional de recapturar o modelo de acumulação livre de qualquer
regulamentação e intervenção, que já propunha Adam Smith, o pai intelectual dos neoliberais;
utilizando como campo de atuação a própria sociedade existente o Estado do bem estar
social.
Ao buscar analisar a teoria neoliberal, Harvey (2008) ilustra que seu objetivo principal
era abrir à acumulação de capital, novos campos de atuação até então considerados excluídos
do cálculo da lucratividade. Nesta nova fase de busca por espaços, pôde-se encontrar desde
serviços de utilidade pública (como água e esgoto), passando por instituições blicas (como
universidades e presídios), benefícios de seguridade social e chegando inclusive a operações
de guerra (como o que ocorreu na invasão do Iraque).
Ainda dentro da teoria neoclássica, a valorização da noção de liberdade extrapolava as
questões das leis do comércio, colocando-se também a favor da democracia, porém a partir da
concepção da “livre democracia”, onde cada homem pode votar, e também escolher a cor da
sua gravata. É o ápice do individualismo, da liberdade ao extremo, da ideia de cada agente
buscando seus melhores resultados na disputa pelo capital, sendo aplicada em todos os setores
9
da sociedade e permitindo ao cidadão ser livre de qualquer vínculo, obrigação e direito. ...
prometia “liberdade individual”, um projeto que elevava os cidadãos atomizados acima de
qualquer empreitada coletiva e liberava-os para expressarem sua mais completa vontade por
meio de suas escolhas de consumo” (KLEIN, 2008: 69).
Nessa lógica parte-se do pressuposto de que o mercado funciona como guia - uma
ética para todas as ações humanas. Desta maneira, fica a cargo do mercado determinar as
melhores decisões de alocação de tudo aquilo presente na sociedade. “A mercadificação
presume a existência de direitos de propriedade sobre processos, coisas e relações sociais,
supõe que se pode atribuir pro a eles e negociá-los nos termos de um contrato legal”
(HARVEY, 2008: 178).
O que será discutido mais adiante são as consequências e os novos rearranjos sociais
resultados da aplicação desse modelo em grande escala e do seu poder de aceitação junto à
sociedade.
1.2.2 Aumento da concorrência em nível global
A tentativa de expansão desses benefícios, a partir de um esgotamento do espaço
dispovel de valorização do capital, através da consolidação dos mercados norte-americano e
europeu; se deu através de uma forte política externa norte-americana para a expansão, em
âmbito global, das suas empresas, que eram na cada de 1970, as mais ricas, maiores e mais
avançadas em termos tecnológicos.
O mundo corporativo, através do modelo de sociedade anônima, tornou-se mais do
que uma forma de aglutinão de recursos para a valorização do capital; foi na verdade um
dos mais importantes instrumentos de organização social da propriedade, tendo os EUA como
seu maior representante.
As mudanças com a expansão das empresas para o mundo trouxeram novas dimicas
de valorização do capital e busca por melhores oportunidades, juntamente com o
ressurgimento de países como o Japão e a Alemanha, através da reconstrução de seus sistemas
industriais e empresarias a partir de bases mais novas e mais flexíveis. Em meados da década
de 1970, os grandes oligopólios norte-americanos viram suas posições sofrerem pequenos
arranhões e nascia a necessidade da busca por novos espaços de acumulação de capital.
Vários modelos começaram a surgir, ou seja, as opções variavam desde novas áreas
geográficas ainda não exploradas até novos mecanismos de financeirização do capital,
10
ampliando assim as possibilidades de valorização do mesmo. As empresas continuavam
grandes, porém sua posição competitiva se tornou mais precária. Os consumidores e
investidores passaram a ter mais escolhas.
Com o aumento da concorrência, houve uma forte pressão por maior rentabilidade,
que acabou por determinar, junto com a desregulamentação e as políticas neoliberais; a
criação de novas práticas de acumulação cada vez mais distantes da produção e mais
próximas da financeirização, da busca pelo capital especulativo. Além disso, as empresas se
viram pressionadas pela necessidade constante por mais diferenciação, redução de custos,
inovações de produto, de processo e gestão.
Juntamente com a intensificação da concorrência em escala mundial, pode ser
observada uma crescente dispersão espacial das forças produtivas (através da utilização de
o de obra mais barata), além da terceirização de várias funções acessórias a esse processo;
sempre centralizadas sob a cúpula da grande corporação.
Essas profundas transformações foram iniciadas a partir da década de 1970 e
apresentam uma nova configuração do capitalismo com alterações de ordem econômica,
política e social. Nesta trajetória de acesso a novas maneiras de acumulação de capital, as
empresas buscaram se tornar muito mais competitivas, globais, inovadoras e passaram a
ampliar sua forma de atuação e influencia.
1.2.3 Inovações: tecnológicas, financeiras e organizacionais
As duas últimas décadas do século XX foram responsáveis pelo surgimento de um
conjunto de inovações que permitiu mudanças significativas e de dimensões ainda sentidas até
hoje. O leque de inovações contemplou desde as inovações tecnológicas: de informação,
comunicação e transporte, passando pelas inovações na área de finanças: com a
desintermediação bancária e a securitização, com a criação de novos instrumentos de
valorização do capital, através da integração dos mercados financeiros, na criação dos
instrumentos de classificação de risco e na própria consolidação das práticas de governança
corporativa; chegando enfim às inovações no campo de gestão e estrutura organizacional,
como: produção enxuta, desverticalização, reengenharia e flexibilidade.
11
“Uma etapa de forte aceleração da mudança tecnológica, caracterizada
pela intensa difusão das inovações telemáticas e informáticas e pela
emergência de um novo padrão de organização da produção e da gestão na
indústria e nos serviços; padrão esse caracterizado pela articulação das
cadeias de suprimento e de distribuição através de redes que minimizam
estoques, desperdícios, períodos de produção e tempos-de-resposta,
tornando os processos mais rápidos e eficientes” (COUTINHO, 1995: 1).
Esse novo cenário permitiu, através do uso de diversos mecanismos, alterar o modo de
produção vigente e questionar as competências presentes nas empresas até então. Houve uma
profunda reorganização dos padrões de gestão e de produção, com o objetivo de combinar os
movimentos de globalização e de regionalização, além de um significativo aumento dos
oligopólios globais, que se tornaram agentes ativos dos processos regionais de produção e, ao
mesmo tempo, atuam tecnológica e financeiramente em âmbito global.
Se olharmos para a tecnologia, encontramos a consolidação dos sistemas de
informão, através das ferramentas de “teletecnologias” e da “telemática” (telecomunicação
e informática) que permitiram o deslocamento de capitais e informações, em decorrência dos
avanços nas áreas de engenharia microeletnica, computação, biotecnologia e sica, entre
outras. Além disso, permitiram ampliar a capacidade das empresas em gerenciar ltiplas
unidades produtivas (filiais) e a cadeia de fornecimento agora pulverizada pelo mundo.
no campo das finanças, houve a generalização e a supremacia dos mercados de
capitais em substituição ao padrão anterior de sistema de crédito comandado pelos bancos,
através da crião de inúmeros produtos e títulos. Além disso, ocorreu o surgimento do
investidor institucional
5
, através dos fundos de pensão e companhias de seguro que puderam
diversificar seus portfólios através de uma gama nascente de opções no mercado de capitais.
Tais mudanças acabaram por exigir mecanismos de adaptabilidade por parte das
empresas, na tentativa se superar seus limites, ampliar seus lucros e sustentar posições muitas
vezes ameaçadas. Desta forma, essas inovações serviram de base para a construção do novo
capitalismo que se caracteriza não pela ênfase na produção e no comércio, mas pela
financeirização e autonomização dos mercados financeiros, ancorados nos novos sistemas de
informão e comunicação.
5
São constituídos por fundos de pensão, fundos mútuos, companhias seguradoras e fundos de investimento que têm como
objetivo realizar investimentos no mercado financeiro e de capitais na busca pela maior rentabilidade possível de seu próprio
capital e de seus clientes (reúnem a poupança coletiva de milhares de indivíduos). Ver mais Silveira, 2010.
12
As práticas de gestão da produção enxuta buscaram reduzir significativamente os
custos, mantendo altos padrões de qualidade e integrando a rede de fornecedores. A
introdução de novas tecnologias e alterações nas estruturas de produção, acabaram por
ameaçar, a hegemonia dos oligopólios e da produção em massa que não necessariamente
estabeleciam como outrora, barreiras a entrada e garantiam as posições até então
conquistadas.
“Em consequência, a produção em grande escala não é obstáculo muito
difícil, começando a erodir-se como barreira de entrada na década de 1970.
Prova disso foi a redução constante e acentuada no poder de formação de
preços das grandes empresas que se situam no centro da economia”
(REICH, 2007: 54).
Neste ponto, vale destacar que a estrutura oligopólica de acúmulo de capitais, através
da criação, ampliação e manutenção de vantagens competitivas que garantem ganhos de
monopólios” assimétricos; ainda é determinante para o capitalismo, mesmo nesta nova fase
encabeçada pelo neoliberalismo.
“Viver sob o neoliberalismo significa também aceitar ou submeter-se a esse
conjunto de direitos necessários à acumulação do capital. Vivemos,
portanto, numa sociedade em que os direitos alienáveis dos indivíduos (e,
recordemos, as corporações são definidas como indivíduos perante a lei) à
propriedade privada e à taxa de lucro se sobrepõem a toda outra concepção
concebível de direitos alienáveis” (HARVEY, 2008: 194).
O que se pode observar é a troca de posições entre empresas tidas como gigantes há
rias décadas e que ocupavam posições de liderança nos seus respectivos segmentos por
empresas mais novas, com diferentes estruturas de produção e muitas vezes, com novos
modelos organizacionais. Entretanto, essa troca de posições não elimina a existência, ou
sequer abala a concentração do mercado. Portanto, continuamos dentro de uma estrutura de
mercado oligopolista, com poucos concorrentes, grande diferenciação de produtos e presença
de economias de escala, menor agora ao nível da planta; mas ainda presente de forma
significativa ao nível da firma, na medida em que cria condições para que a empresa
conquiste poder de barganha junto aos fornecedores, por exemplo.
Durante essa transição para um novo modelo capitalista, pode-se elencar alguns
aspectos decisivos nesse processo: o poder e a importância crescente dos financistas e dos
13
CEOs das grandes corporações - o que Chandler (1998) denominou de capitalismo gerencial,
agora no seu estágio mais avançado- as novas formas de remuneração e a volatilidade e
presença do capital financeiro, especulativo; a diminuição constante dos mecanismos de
regulamentação e controle, a queda considerável do poder do Estado, a presença maciça dos
conglomerados de dia, a volatilidade do emprego e a perda paulatina dos benefícios sociais
anteriormente conquistados.
1.3 Efeitos Econômicos
Os efeitos econômicos dessas mudanças podem ser sentidos em diferentes frentes,
ainda presentes nos dias atuais e muitas vezes, agentes decisivos nas crises sistêmicas do
capitalismo ocorridas em 2001 e em 2008. A seguir serão apresentados os cinco efeitos tidos
como de maior influencia e que acabaram por ajudar a desenhar esse novo cenário.
1.3.1 Aumento da riqueza financeira
Ocorreu um aumento expressivo da riqueza financeira de forma concentrada, através
de novos mecanismos de financeirização e da enorme oferta de títulos e opções que permitiu
um acúmulo expressivo por parte dos agentes econômicos, principalmente as empresas,
através do aumento do volume das transações nos mercados cambiais globalmente integrados.
“A forte onda de financialização que se instaurou a partir de 1980 tem sido
marcada por um estilo especulativo e predatório. O volume diário total das
transações financeiras nos mercados internacionais, que alcançava US$ 2,3
bilhões em 1983, elevou-se a US$ 130 bilhões por volta de 2001” (HARVEY,
2008: 173).
Como já citado anteriormente, houve a generalização e a supremacia dos mercados de
capitais em substituição ao padrão anterior de sistema de crédito comandado pelos bancos,
através da criação de imeros produtos financeiros e títulos. O capital encontrou novas
formas de valorização, que apesar do alto risco, permitem um acúmulo muito maior em um
período de tempo bem menor.
Nesse jogo, além da volatilidade e da busca constante pelo espaço de maior
rentabilidade, independente das fronteiras e dos mercados; ocorreu um aumento significativo
da concentração da riqueza agora cada vez menos aplicada no setor produtivo.
14
“A partir de mais ou menos 1980 não era incomum que as empresas
tivessem prejuízos na produção compensados por ganhos de operações
financeiras (que envolviam tudo, de operações de crédito e seguros à
especulação em moedas voláteis e mercados futuros). As fusões
intersetoriais uniram a produção, a comercialização, as propriedades
imóveis e os interesses financeiros de novas maneiras, produzindo
diversificados conglomerados” (HARVEY, 2008: 41).
Desta forma, essas inovações serviram de base para a construção do novo capitalismo
que se caracteriza não pela ênfase na produção e no comércio, mas pela financeirização e
autonomizão dos mercados financeiros, ancorados nos novos sistemas de informação e
comunicação.
As consequências desse aumento de riqueza podem ser observadas juntamente a um
aumento significativo do poder e da inflncia das grandes corporações no controle da
tecnologia, dos mercados e do capital circulante (em sua grande maioria). A busca por esse
capital gerou uma competição por melhores benefícios e atratividades que acabavam por
contemplar os interesses dos investidores; em detrimento das comunidades e políticas locais.
Todas as estratégias e decisões definidas pelas corporações tem o mercado como cerne
norteador, buscando o acúmulo incessante de lucro. Desta forma, as empresas não se sentem
fiéis ou leais a mercados, comunidades ou poticas locais; sendo livres para buscarem
melhores condições de valorização do capital a qualquer momento.
Entretanto, o foram somente as empresas que se privilegiaram desse novo modelo
de valorização do capital, fortemente ancorado no capital especulativo. Fortunas pessoais
através de indivíduos biliorios surgiram com uma rapidez extraordinária, principalmente em
mercados em desenvolvimento como o Brasil, a Índia e a Rússia. A distribuição de renda
encontra-se em determinados países em patamares muito inferiores aos encontrados 50
anos atrás. Por exemplo, de acordo com Harvey (2008: 43) o patrimônio líquido das 358
pessoas mais ricas do mundo em 1996 foi igual à somatória da renda total dos 45% mais
pobres do mundo, que equivalem a 2,3 bilhões de pessoas.
“Não se viam desde a década de 1920 as incríveis concentrações de riqueza
e de poder hoje existentes nas altas esferas capitalistas. Têm sido espantosos
os fluxos de tributos em favor dos principais centros financeiros mundiais”
(HARVEY, 2008: 128).
15
1.3.2 Descentralização da produção e aumento do investimento direto externo
Ao olhar para a organização da produção, novas formas surgiram, através da
descentralização da produção e da desverticalização das empresas, que foram auxiliadas e
influenciadas pelas inovações na comunicação e na infortica. Surgiram assim, redes de
produção hierarquizadas e internacionalizadas, incluindo fornecedores, empresas sub-
contratadas, parceiros e até empresas rivais na busca por redução dos custos de produção e no
compartilhamento dos investimentos de P&D para a criação e desenvolvimento de novos
produtos.
Através da generalização do modelo de produção enxuta (lean) e flexível, as empresas
puderam flexibilizar sua produção e diversificar sua linha de produtos, ampliando suas
vantagens competitivas, descentralizando ainda mais sua produção e ampliando os espaços de
acumulação de capital. Muitas empresas líderes passaram a se dedicar a elos da cadeia de
valor como P&D e marketing/comercialização, reduzindo significativamente ou até mesmo
extinguindo a função produtiva em suas organizações.
Outra conseqüência importante da globalização e da pulverização tanto da produção,
quanto do capital foi o aumento significativo do comércio regional intra-indústria e
principalmente intra-firma (entre as filiais das multinacionais), estabelecendo poticas
específicas nos mercados regionais, mas ao mesmo tempo atuando globalmente nas
estratégias competitivas e nos avanços tecnológicos. Com isso, houve um forte crescimento
do investimento direto externo, capacitando as filiais para novos produtos e mercados.
As descentralizações e a desverticalização da produção, juntamente com a composição
de redes estimularam o aumento do comércio exterior de bens, não apenas entre os produtos
finais, mas também para insumos, peças e componentes. Desta forma, o crescimento do
comércio intra-setorial e intra-firma aumentaram significativamente, transformando-se em
uma das principais modalidades de uma estrutura de comércio que, cada dia mais, responde a
esta nova forma de organização das cadeias produtivas mundiais.
16
1.3.3 Queda crescente dos preços e aumento da diversificação dos produtos
Com as alterações nos processos produtivos e a generalização da produção enxuta e da
desverticalização, as empresas buscaram novos fornecedores pelo mundo, inclusive
terceirizando suas produções e diminuindo consideravelmente os custos envolvidos,
principalmente aqueles referentes à mão de obra.
Juntamente com o aumento da tecnologia da comunicação e dos incrementos na
logística e distribuição; os novos modelos produtivos permitiram uma crescente redução dos
preços dos produtos, estimulados também pelo crescimento da concorrência.
Além disso, pode-se somar ao desenvolvimento da ciência e ao aprimoramento de
inúmeras técnicas, um crescimento significativo da diversificação dos produtos e de inúmeras
patentes e inovações surgindo dia a dia. As grandes empresas levam vantagens nesse processo
por usufruírem de economias de escala aos repartir os investimentos e riscos das atividades de
pesquisa e desenvolvimento pelo número de unidades produzidas; além de possuírem
laboratórios, centros de design e tecnologia e funcionários exclusivos na busca por inovações.
Com a importância crescente das tecnologias de base microeletnica e das
tecnologias de informação, as corporações que mais conseguem se destacar em termos de
vantagens competitivas e resultados positivos são aquelas que dão ênfase a comunicação e a
informática na inovação dos processos produtivos, dos produtos e dos processos
organizacionais trazendo um novo modelo que vai além da produção em massa, até então
considerado o paradigma dominante. Com isso trazem diversificação nas linhas de produto e
estabelecem vantagens significativas na busca por uma fatia do mercado consumidor.
1.3.4 Perda de autonomia do Estado
Conjuntamente com o fortalecimento das ideias neoliberais, através da justificativa de
melhorar o desempenho das empresas e possibilitar uma competição mais justa e igualitária,
sem interferências e regulamentações; o Estado foi perdendo sua autonomia e espaço;
deixando para trás políticas fiscais, monetárias e sociais como o pleno emprego que
traduziram e representaram os princípios do New Deal.
A partir da concepção do conceito de liberdade e individualismo, os neoliberais se
colocaram fortemente contrários a teoria de planejamento estatal centralizado, alegando que
as decisões do Estado estavam fadadas à tendenciosidade potica e que eram influenciadas
17
pelas forças dos grupos de interesse envolvidos (como sindicatos, ambientalistas, etc.). Além
disso, as informações contidas no Estado estavam sempre em defasagem com as informações
presentes nas os do mercado; portanto, as chances de sucesso das poticas estatais eram
sempre menores, se não nulas.
Tal pensamento foi ganhando corpo a partir dos anos 80, que foi se consolidando
através do desmantelamento de políticas fiscais e sociais, além do enfraquecimento das
instituições e práticas poticas do Estado social democrata, juntamente com um aumento
significativo do poder das grandes corporações. Nesse novo cenário, concomitantemente a
perda paulatina do Estado, pode-se observar um enfrentamento e desmantelamento das forças
sindicais, junto com a extinção de compromissos do Estado do bem-estar social, além da
privatização de empresas blicas, da redução de impostos e finalmente do favorecimento da
mobilidade e acumulação do capital e do forte fluxo de investimento externo.
O papel do Estado nesse momento acaba sendo, com a hegemonia da teoria neoliberal,
o de favorecimento aos direitos individuais e à propriedade privada, ao regime de direito e as
instituições de livre funcionamento e do livre comércio; não criando obstáculos ou
intermediando as transações de livre comércio.
O Estado perde sua soberania com relação aos movimentos de mercadorias e capital,
sendo que estes acabam sendo entregues a economia global. Para estimular e auxiliar esse
fluxo freqüente, que é tido como saudável, que aumenta a competitividade, melhora a
eficiência, ainda reduz os preços e vem inclusive a controlar as tendências inflacionárias; os
Estados devem colaborar assiduamente para a redução das barreiras comerciais e de qualquer
política de regulação. Dentro dessa lógica, um ponto determinante é a criação, por parte do
Estado, de um constante clima de necios ou de investimentos favorável para os
empreendimentos capitalistas; além disso, o Estado deveria tamm favorecer sempre a
estabilidade e integridade do sistema financeiro e da solvência das instituições financeiras,
muitas vezes em detrimento dos interesses da maioria da população (como ocorreu na recente
crise de 2008/2009, que será discutida mais adiante).
18
1.3.5 Financeirização como espaço central de acumulação
Vale aqui fazer um retrospecto para buscar entender o momento em que se deu tal
transição e as características que foram fundamentais para a consolidação desse processo. A
atividade financeira, principalmente a partir dos anos 80, cada vez mais liberta das restrições e
barreiras regulatórias através das poticas neoliberais, pode enfim florescer como nunca.
“Uma onde de inovações ocorreu nos serviços financeiros para produzir
não apenas interligações globais bem mais sofisticadas como também novos
tipos de mercados financeiros baseados na securitização, nos derivativos e
em todo tipo de negociação de futuros” (HARVEY, 2008: 41).
Em suma, as políticas neoliberais acabaram por permitir a financeirização de tudo.
Dentro dessa nova lógica, as empresas da época de ouro nos EUA (dos anos 30 aos anos 70),
preocupadas com o desenvolvimento e crescimento do país, onde o que era bom para a GM,
era bom para os EUA; passaram a ser administradas sob novos padrões de rentabilidade e
conduta, entendendo que o que era bom para Wall Street era o que interessaria a partir
daquele momento.
Esse contexto foi sendo paulatinamente alterado a partir da década de 1970, com o
aumento significativo do número de ações entre os cidadãos americanos, estabelecendo-se o
que no futuro seria identificada como uma sociedade de acionistas e investidores,
independente da sua relação de trabalho. No ano de 2005 a maioria das falias norte-
americanas possui alguma ação e tinha substituído outros tipos de poupança e investimento
pela rentabilidade rápida e crescente que, apesar dos tropeços com a bolha das ponto.com no
ano de 2000 e 2001, retomou a trajetória de crescimento alcançando seu auge até o estouro da
crise no biênio 2008/2009.
O que pode ser observado é que as mudanças foram além da diversificação de escolhas
por parte dos investidores, que antes buscavam a poupança e depois se voltaram ávidos para o
mercado de ações. De acordo com Reich (2007) acredita-se que a mudança principal esteja
relacionada com uma transformação na estrutura das empresas americanas, no sentido de
gerar altos retornos de forma rápida (e muitas vezes ilusória) aos seus acionistas, através do
papel atuante dos CEO.
A partir desse novo cenário ocorreu um rearranjo na distribuição de dividendos e na
valorização dos ativos nas empresas. Em um curto espaço de tempo, fortunas foram feitas;
19
através de arriscadas e extremamente rentáveis operações financeiras em detrimento muitas
vezes, de melhoria nas condições de salário, incrementos na produção ou mais benefícios aos
trabalhadores. Nesse processo, os acionistas minoritários também tiveram seus poderes
diminuídos ao participarem e conhecerem muito pouco das novas transações financeiras
realizadas pelas empresas na busca pela valorização rápida e pelos ganhos astronômicos dos
CEOs (Chief Executive Office).
“O advento da neoliberalização celebrou o papel do rentista, cortou os
impostos pagos pelos ricos, privilegiou os dividendos e ganhos especulativos
em detrimento dos salários e da renda e desencadeou crises financeiras
inéditas, ainda que geograficamente contidas, que trouxeram imenso
desemprego e tiveram um efeito devastador sobre as oportunidades de vida
em país após país” (HARVEY, 2008: 202).
Isso acabou por constituir um novo cenário econômico-financeiro e novas estruturas
de poder e de valorização do capital surgiram. Sob a lógica neoliberal, as empresas alteraram
suas estratégias e estruturas produtivas, depois de períodos de crise de lucratividade, passando
então a reformular sua conduta e se tornando, muitas vezes, reféns da valorização acionária.
Dentro dessa nova ótica, as estruturas corporativas, a organização hierárquica e a própria
necessidade da produção passaram a ser questionadas.
Um dos pontos chaves destacados por Harvey (2008) nessa transição se deu quando os
privilégios da propriedade e da gerência de empresas capitalistas separados desde a
consolidação da moderna empresa comercial se fundiram novamente quando se começou a
pagar os CEOs (diretores e presidente) em opções de ações (títulos de propriedade), trazendo
uma nova lógica de remuneração ao identificá-los como também proprietários das empresas e
o mais como funcionários exclusivamente. Nesse momento, acontece o início da transição
das políticas de longo prazo, para os ganhos mais imediatistas, já que a rentabilidade de
pelo incremento do valor das ações e não mais pela quantidade de produtos vendidos. “O
valor das ações tomou o lugar da produção como guia da atividade econômica e, como mais
tarde se evidenciou com o colapso de empresas como a Enron, as tentações especulativas
resultantes disso podem ser avassaladoras”. (HARVEY, 2008: 41).
As grandes corporações assumiram, portanto, uma orientão, principalmente a partir
dos anos 80, crescentemente financeira, mesmo quando possuíam uma forte estrutura
produtiva. Os ganhos no mercado de capitais, através de operações financeiras, traziam
20
benefícios muito superiores aos vinculados à produção, apesar da elevada taxa de risco. Os
investidores, dotados de um novo poder e ancorados na busca frenética pela valorização do
capital, queriam resultados a curto prazo.
Assim, as empresas passaram a ser avaliadas antes pelos preços das ações que pelos
dividendos corporativos. “A compra e venda de ações num mercado aberto e fluído dava
maiores e mais rápidos resultados que o controle de estoques acionários a longo prazo”
(SENNETT: 2006b: 43). Desta forma, enormes pressões foram exercidas sobre as empresas (e
sobre seus dirigentes) para que se fizessem belas aos olhos dos investidores; esta beleza
consistia muitas vezes em aparentar mudanças organizacionais e sinais de flexibilidade dando
a entender que a lógica da burocracia, da eficiência e da estabilidade tinham sido superadas
(mesmo que somente na aparência).
No processo de consolidação dessa nova lógica de valorização do capital, a própria
manutenção dos CEOs das grandes corporações em suas posições está estritamente
relacionada com o alcance e a valorização constante do valor das ações, independentemente
das opções realizadas para a obtenção desses resultados.
“Os CEOs de hoje não se dão ao luxo de agir de outra maneira. Se não
conseguirem produzir os números certo nível de lucro por ação, esperado
pelos gestores dos fundos de investimento, dos fundos de pensão, dos fundos
de hedge e das parcerias de private equity, que gerenciam o dinheiro dos
investidores eles serão substituídos” (REICH, 2002: 76).
De acordo com Sennett (2006b), um ponto decisivo que marca essa transição é a
mudança do poder gerencial para o poder acionário nas grandes corporações. Isso permitiu
que uma soma de dinheiro, antes presa a bancos locais e empresas nacionais, pudesse
percorrer o mundo em busca de uma melhor valorização. Na sede desse processo surgiram
rios fundos de investimento, fundos de pensão e novos formatos de ativos.
Nesse processo, os gestores ainda não tinham percebido a mudança da natureza dos
acionistas e investidores. De uma massa de cidadãos a empresa passou a responder a fundos
de pensão e grandes investidores que desejavam resultados a longo prazo, desvinculados
muitas vezes da cultura e da trajetória empresarial e aliados à tecnologia da informação que
subsidiou e ajudou a alavancar tais transformações. As modernas formas de administração e
organização corporativa são impulsionadas agora pelo passivo e o valor das ações
21
estabelecido nos mercados financeiros, e não mais pelo funcionamento interno da empresa ou
pelo seu planejamento de longo prazo e pela sua produção em massa.
O resultado para Sennett, sob o viés da estrutura corporativa é um baixo vel de
lealdade institucional, uma forte diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e o
enfraquecimento do conhecimento e da cultura presentes no interior das empresas. Soma-se a
isso uma forte desigualdade econômico-social, práticas desenfreadas de consumo e uma perda
significativa dos pilares democráticos vigentes na sociedade.
Nesse redesenho administrativo, o papel da classe de dirigentes executivos (CEOs e
diretores) passou a assumir posições autofortalecidas de poder principalmente quando da
fusão entre propriedade e gestão, com o pagamento dos gerentes em opções de ações (títulos
de propriedade), alterando a lógica predominante que consolidou a formação da moderna
empresa comercial, ícone do desenvolvimento capitalista entre os anos 30 e 70, enquanto
sistema hegemônico de organização das forças produtivas. Podendo receber uma parte do
salário como stock options, resultando em remunerações altíssimas e tendo a necessidade de
beneficiar os grandes investidores e fundos de pensão, a classe gerencial passou a reorientar
suas estratégias de planejamento e estabilidade, em detrimento do valor das ações; chegando
inclusive a prejudicar os pequenos acionistas em diversos momentos, que têm sua
rentabilidade ancorada preferencialmente no retorno de dividendos; do que, efetivamente, na
compra e venda das ações.
O conflito se pela divergência de interesses e pela assimetria de informações entre
os agentes, com objetivos cada vez mais díspares, que será detalhadamente analisado no
capítulo 3 desta tese. “Quando a busca do usufruto pessoal é a força-motriz dos que controlam
as companhias, os interesses dos acionistas já não são mais perfeitamente coincidentes com os
dos gestores” (ANDRADE & ROSSETTI, 2007: 75).
22
1.4 Impactos Sociais
Esse novo modelo capitalista, ancorado na lógica neoliberal trouxe conseqüências o
para a economia, mas alterou profundamente as estruturas sociais no mundo do trabalho,
reconfigurou as relações culturais e sociais, alterando as noções de cidadania e pertencimento;
além de consolidar e ampliar a lógica do consumo que passou a conduzir e determinar as
relações na sociedade em diversos aspectos. Vale agora um aprofundamento em cada um
desses impactos, o se esquecendo do aumento da influencia e do papel da mídia como um
dos alicerces chave de manutenção da ideologia neoliberal e da centralidade do
individualismo e do consumo desenfreado.
1.4.1 Profundas alterações sociais
Essas profundas transformações foram iniciadas a partir da década de 1970 quando as
empresas passaram a ampliar sua forma de atuação e influência. Reich (2007) sinaliza como
ponto de partida as novas tecnologias desenvolvidas pelo governo norte-americano nos
embates da Guerra Fria e que foram paulatinamente sendo incorporadas em novos produtos e
serviços surgindo oportunidades em diversos setores, desde transportes até telecomunicações.
Juntamente com o avanço tecnológico e o aumento do poderio e participação das grandes
corporações encontra-se uma perda de identidade coletiva, de valores democráticos, sendo
cada vez mais substitdos pelos interesses dos consumidores e acionistas.
“O mercado é eficiente em atender às exigências dos consumidores e dos
investidores, mas a democracia se tornou menos sensível às nossas
demandas como cidadãos, em busca de regras do jogo mais justas. Isso
ocorre, sobretudo, porque o supercapitalismo invadiu o espaço da política”
(REICH, 2007: 11).
Também para Lechner (2002), esta nova fase do capitalismo, onde o mercado possui
um papel organizador da sociedade, como um astro-rei, as consequências vão além se um
simples reorganizar da economia. O que pode ser observado é uma nova postura em relação
às práticas e representações sociais e culturais, permeando todos os espaços da sociedade.
Uma das profundas transformações é a construção de uma individualização da
responsabilidade e do papel do indivíduo, juntamente com a flexibilização dos vínculos
sociais que acabam por modificar drasticamente nossa forma de viver em sociedade.
23
Neste processo de transformação, várias são as causas que possibilitaram a construção
de um ambiente procio ao crescimento e poder das grandes corporações, a diminuição
gradativa da atuação dos cidadãos enquanto participantes e representantes de um projeto
coletivo; a criação de novas inserções no mundo do trabalho e as novas percepções vigentes
do conceito de tempo e espaço. Juntamente com isso, vivemos um sentimento de extremo
isolamento e auto-suficiência, onde a responsabilidade recai exclusivamente sobre os ombros
dos consumidores, livres para escolher não o que desejam consumir, mas para
incorporarem esse novo papel ao imaginário coletivo e a ideia de democracia.
“Vivemos hoje o presente como um tempo único. A aceleração vertiginosa
do ritmo de vida diário é impulsionada pelas tendências da época: a
simultaneidade criada pela globalização, a midiatização da comunicação
social, a velocidade das imagens e da realidade ao vivo, a flexibilização do
trabalho e a satisfação imediatista do consumo. Estas mudanças tendem a
esvaziar a principal estrutura de longa duração: as instituições” (tradução
própria de LECHNER, 2002: 123).
6
Também para Bauman (2001), essa nova fase da modernidade chamada, por ele, de
Modernidade Líquida traz diferentes configurações e profundas consequências ao nosso modo
de pensar, de sentir-se cidadão, de relacionar-se com o tempo e com o espaço, com o passado
e com o futuro.
Os tempos modernos “sólidos” (anteriores ao que denominamos de o novo espírito do
capitalismo), agora em fase de extinção, tentaram na sua origem formular mecanismos e
estruturas que trouxessem estabilidade e previsibilidade ao mundo e, portanto, transformá-lo
em administrável. É a forte presença do capitalismo de massa, da produtividade e eficiência a
qualquer custo, do foco nos meios de produção e na superestrutura. Nesse momento as
corporações aprenderam a essência da estabilidade, utilizando-se em muito da análise e dos
princípios militares. Possibilitou-se assim, a longevidade do negócio, o aumento significativo
dos empregados e criou-se uma burocracia, inspirada na militarização, onde cada um tinha seu
lugar e cada lugar uma função bem definida.
6
No original, antes de tradução própria: “Vivemos en el presente como tiempo único. La aceleración vertiginosa del ritmo de
vida diário es impulsada por las tendencias de época: la simultaneidad creada por la globalización, la mediatización de la
comunicación social, la velocidad de las imágenes y la realidad em vivo, la flexibilización del trabajo y la satisfacción
inmediata del consumo. Estos cambios tienden a vaciar al principal andamiaje del tiempo largo: las instituciones”
(LECHNER, 2002: 123).
24
“O fordismo era a autoconsciência da sociedade moderna em sua fase
pesada, volumosa, ou imóvel e enraizada, sólida. Nesse estágio de sua
história conjunta, capital, administração e trabalho estavam, para o bem e
para o mal, condenados a ficar por muito tempo, talvez para sempre
amarrados pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e
força de trabalho maciça” (BAUMAN, 2001: 69).
Neste processo de delimitação de espaços e funções, a sociedade se estruturava sobre
cargos minuciosamente definidos e projetados para transformar o ambiente de trabalho em
algo semelhante a um cárcere, onde a autoridade se dava pelas normas, leis e procedimentos,
trazendo a racionalidade ao extremo e determinando o alcance da satisfação e do
reconhecimento a posteriori, como uma recompensa pela aceitação cega às rotinas.
Entretanto, como nos apresenta o próprio Sennett (2006b), a rotina ao mesmo tempo
em que nos prende e nos apequena; também nos tranquiliza e protege. Imaginar uma vida de
impulsos, de ações de curto prazo, destitda de rotinas sustentáveis, de uma vida sem hábitos,
é imaginar, de fato, uma existência sem sentido. “O problema que enfrentamos é como
organizar as histórias de nossas vidas agora, num capitalismo que nos deixa a deriva
(SENNETT, 2006b: 140).
O que pode ser observado agora é uma perda das bases de referencia criadas nesse
período, alterando as estruturas política, econômica e social e consequentemente,
transformando o cenário macroeconômico, nossa cultura e valores e transferindo o poder das
pessoas como cidas, para elas mesmas, porém agora como consumidoras e investidoras;
chegando, por fim, a alterar profundamente as relações de trabalho, como veremos mais
adiante.
“A tendência é o surgimento de formas e condições de existência
individualizadas, que compelem as pessoas para sua própria
sobrevivência material a se tornarem o centro de seu próprio
planejamento e condução da vida... De fato, é preciso escolher e mudar a
própria identidade social, e assumir os riscos de fazê-lo... O próprio
indivíduo se torna a unidade de reprodução social no mundo da vida”
(BECK, 1992: 88).
25
1.4.2 Novas organizações no mundo do trabalho
Esse novo cenário trouxe consequências definitivas para o mundo do trabalho (que viu
sua centralidade sendo paulatinamente enfraquecida), desestruturando relações, mecanismos e
benefícios construídos durante mais de meio século de negociações entre os trabalhadores e o
capital. Uma parte da ideologia neoliberal se dedicava defender que a liberdade era tamm
essencial para o mundo do trabalho, ou seja, que a liberdade de ação no mundo do trabalho
traria benefícios tanto para o capital como para o trabalho em si.
“O trabalho não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual
envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida. Nem pode ser
concebido com facilidade como fundamento ético da sociedade, ou como
eixo ético da vida individual” (BAUMAN, 2001: 160).
Desta forma, dentro deste novo contexto, o mercado de trabalho precisou se tornar
mais flexível, mais dócil e malvel; sendo, portanto mais fácil de moldar aos interesses dos
investidores, sendo considerado uma variável econômica na equação. E assim, a flexibilidade
permite do lado da procura buscar locais onde as condições são mais interessantes do ponto de
vista do investidor e onde se desprezam todas as características e considerações que não
fazem sentido economicamente. Assim, ao mesmo tempo em que essa flexibilidade contribui
para a total ausência de benefícios e vínculos, de estabilidade e continuidade; na luta pela
busca por uma maior rentabilidade e valorização do capital; pelo lado da oferta as relações de
trabalho e os sentidos envolvidos traduzem se como um destino duro e cruel, onde os
empregos surgem e desaparecem, pautados pela velocidade, pela fragmentação e pela total
falta de laços de pertencimento, de auto-estima e participação.
De acordo com Polanyi (2000) os indivíduos entram no mercado de trabalho como
pessoas dotadas de sentido, como indivíduos inseridos em redes sociais de relacionamento e
participação, como indivíduos de competências e capacitações, de desejos e ambições; com
esperanças, sonhos e vidas. E nesse momento, encontram um cenário onde é considerado
um fator de produção, que deve atender certos requisitos, mas que deve primordialmente se
adaptar às novas regras de flexibilidade e adaptabilidade; em que as circunstâncias caminham
de acordo com os interesses do capital, agora livre de qualquer regulamentação e controle.
26
“O trabalhador individualizado e relativamente impotente -se assim
diante de um mercado de trabalho em que só se oferecem contratos de curto
prazo personalizados. A estabilidade no emprego se torna coisa do passado.
Um sistema de responsabilidade pessoal substitui as proteções sociais que
foram antes responsabilidade dos empregadores e do Estado. Os indivíduos
compram produtos nos mercados, que passam a ser os novos fornecedores
de proteções sociais(HARVEY, 2008: 181).
Assim, o trabalhador passa a responder por todas as suas escolhas, estando “livre” para
escolher onde, como e quando deseja se inserir e as consequências dos modelos escolhidos. A
ideologia neoliberal entregou para a força trabalhadora o poder de escolha, através da
flexibilidade e da utópica liberdade; estando os trabalhadores mais do que nunca
desamparados, isolados e vulneráveis ao poder dos grandes investidores.
Uma das consequências deste cenário é a consolidação de um mundo de trabalhos
descartáveis, flexíveis, com contratos de curto prazo; sem qualquer tipo de segurança ou
proteção social, que debilita e destrói os laços de sociabilidade e pertencimento e enfraquece o
que se entendia como democracia. “As identidades de trabalho se desgastam, exaurem-se,
quando as instituições propriamente ditas estão sempre sendo reinventadas” (SENNETT,
2006b: 131).
As empresas e seus laços de relacionamento e capital social acabam sendo preteridos
pela busca da valorização rápida, os trabalhadores acabam perdendo sua identificação,
confiança, lealdade e conhecimento institucional, pois as mudanças frequentes são orientadas
em detrimento de uma valorização imediata das ações e não visando a construção e a
manutenção de vínculos, conhecimentos tácitos e planejamentos de longo prazo.
“A reprodução e o crescimento do capital, dos lucros e dos dividendos e a
satisfação dos acionistas se tornaram independentes da duração de
qualquer comprometimento local com o trabalho” (BAUMAN, 2001: 171).
Desta forma as relações de trabalho perdem seu referencial e suporte, no momento em
que a própria cultura da organização está em cheque. Nada parece sólido, somente a
necessidade latente pela satisfação de um pequeno grupo de investidores globais, que
passaram a determinar o modus operandi desse novo estágio do capitalismo.
27
1.4.3 Novas formas de cidadania e pertencimento
Na tentativa de entender essa nova dinâmica, Bauman (2001) coloca a iia da fluidez
como ponto central, onde essa nova fase do capitalismo e da sociedade atemporal (tudo ocorre
no tempo presente) nos coloca em constante movimento, sem pontos de interlocução entre o
passado e o futuro. Sem qualquer constância ou estabilidade, a essência de pela busca
frenética ao presente, ao imediatismo, ao consumo, a troca de bens incessantemente, e ao
desapego a tudo que possa um dia ter tido significado e ou relevância.
“Na famosa frase de Guy Debord, os homens se parecem mais com seus
tempos que com seus pais”. E os homens e mulheres do presente se
distinguem de seus pais vivendo num presente “que quer esquecer o passado
e não parece mais acreditar no futuro”. Mas a memória do passado e a
confiança no futuro foram até aqui os dois pilares em que se apoiavam as
pontes culturais e morais entre a transitoriedade e a durabilidade, a
mortalidade humana e a imortalidade das realizações humanas, e também
entre assumir a responsabilidade e viver o momento” (BAUMAN, 2001:
149).
As construções de vínculos, de identidade e de sentidos são constantemente quebradas
e refeitas no surgimento de novas ligações mais efêmeras e passageiras que as primeiras e
desvinculadas de símbolos e contextos que possam lembrar do passado ou construir vínculos
com o futuro. As narrativas estão perdidas de sentido, de temporalidade e de conteúdo. o
e nem deve haver tentativas de questionar, avaliar e investigar; as questões estão postas
como cenas de um espetáculo, prontas somente para serem absorvidas superficialmente e logo
em seguidas, substitdas.
Vivemos nessa fábrica de produção de situações presentes, datadas por momentos
desconectados do tempo passado e do tempo futuro, onde a unidade mal consegue se
constituir face aos inúmeros fragmentos que tentam originar-se em narrativas, porém de
validade transitória. Nesse contexto, as empresas, as relações, as narrativas, os vínculos
sociais, as noções de pertencimento e cidadania são fluídas, são constantemente alteradas e
reconstruídas, dentro de um universo fechado de sentidos (o que Lechner (2002: 15) chama de
presente autista, onde “nossa experiência cotidiana parece cada vez mais restringida a um
âmbito estreito e imediatista”).
28
Quando o passado e o futuro se volatilizam, não resta senão o presente:
um presente onipresente. A predominância do presente debilita a tensão
entre duração e inovação e a substitui por um único dispositivo: a repetição.
A cultura da imagem, tão própria de nossa época, insinua a dissolução de
tudo que é sólido em formas instantâneas, sucedâneas e em simulacros.
Quando o tempo é consumido em uma repetição voraz de imagens fugazes,
como num videoclipe, a realidade se evapora e, por sua vez, torna-se
avassaladora” (LECHNER, 2002: 36).
7
Esse novo contexto, como já analisado anteriormente, caracteriza-se por uma
sociedade estruturada sob a base da inovação tecnológica permanente, (informática
transforma todo o usuário em cliente rendido), da fusão econômico-estatal (a absorção
inacessível do Estado pelo mercado) e finalmente o presente perpétuo onde há a total abolição
de toda consciência histórica; acabando por levar à idéia de servilismo voluntário e total
ausência de narrativa histórica. O espetáculo invadiu tudo, absorveu tudo, incluindo as críticas
parciais e localizadas do sistema, que visavam somente efeitos periféricos, já que, de acordo
com Debord (2005) não há possibilidade de uma rejeição radical do sistema.
“O mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da
mercadoria dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é
assim mostrado como ele é, pois seu movimento é idêntico ao afastamento
dos homens entre si e em relação a tudo que produzem” (DEBORD, 2005:
28).
Na mesma tentativa de analisar as profundas transformações sofridas pelas sociedades
e suas consequências, tendo como marco o processo de globalização e da dominação
hegemônica do modelo econômico e da cultura norte americana, Canclini (2005) se concentra
em entender como essas transformações ocorrem no nível dos sujeitos, definindo e analisando
uma sociedade na qual muitas funções do Estado desaparecem ou são assumidas por
corporações privadas, e a participação social é organizada mais através do consumo do que
mediante o exercício da cidadania.
7
No original, antes de tradução própria:Cuando el pasado y el futuro se volatilizan, no queda sino el presente: um presente
omnipresente. La preeminencia del presente socava la tensión entre duración e innovación y la reemplaza por um solo
dispositivo: la repetición. La cultura de la imagen, tan característica de nuestra época, insinúa la disolución de todo lo sólido
em instantâneas, sucedâneos y simulacros. Cuando el tiempo es consumido em una voraz repetición de imágenes fugaces al
estilo de um videoclip, la realidad se evapora y, a la vez, se vuelve avasalladora” (LECHNER, 2002: 36).
29
Nessas novas relações sociais, para muitos homens e mulheres, sobretudo jovens, as
perguntas próprias aos cidadãos, sobre como obtermos informações e quem representa nossos
interesses, são respondidas antes pelo consumo privado de bens e meios de comunicação do
que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação em organizações políticas
desacreditadas.
“Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos
cidadãos a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me
informar, quem representa meus interesses recebem sua resposta mais
através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa
do que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva
em espaços públicos(CANCLINI, 2005: 29).
Portanto, dada esta perda de identidade e de sentido, em que as relações sociais entre
as pessoas são balizadas pelo espetáculo, pelo pertencimento e por elos de consumo; podemos
fazer alusão às preocupações de Herbert Marcuse (1992) nos anos 60, quando previa a
redução do indivíduo a um conformismo subjugado antes pela tecnologia do que pelo terror e
no qual resultaríamos todos em um homem unidimensional”.
“Hoje, a capacidade do mercado de assimilar diferenças e contestações e
embaralhar as oposições ideológicas, graças à imprecisão criada entre
informação e espetáculo, recoloca os temores de Marcuse na ordem do dia.
O consumismo mundial faz rondar o perigo de uma sociedade na qual o
consumo se transforma na única atividade humana e, portanto, naquilo que
define a essência do indivíduo” (BARBER, 2003: 47).
Dentro dessa mesma perspectiva, autores como Lechner (2002) e Ortiz (1994) buscam
entender esta conjunção de mudanças como um processo que se expressa na cultura da
modernidade-mundo, sendo esta uma nova maneira de estar no mundo. Nesse processo estão
contempladas as transformações no mundo do trabalho, do lazer, da produção e mais, nos
modos de inserção e de percepção de tempo e espaço, de novas relações de sentidos
sustentadas através dos meios de comunicação e da tecnologia e que constroem uma teia de
sentidos imaginários, na maioria das vezes, deslocados completamente da realidade local em
que vivem e ancorados em estilos de vida, imagens e valores mundiais (ou na verdade, da
cultura mundial hegemônica).
30
As experiências rapidamente se tornam obsoletas, ao mesmo tempo em que
as expectativas sobre o futuro crescem mais e mais desconectadas da
realidade presente (utopias). Esta aceleração alcança uma reviravolta em
nossos dias. As novas tecnologias associadas ao processo de globalização e
às crises das ideologias da história levaram a um divórcio entre tempo e
espaço; o tempo se comprime ao ponto em que todos parecemos viver em um
mesmo instante, sem se importar onde nos encontramos. O tempo como
fluxo tende a desaparecer, nos levando ao que Castells (1996) chamou de
timeless time(LECHNER, 2002: 64).
8
O consumidor acaba buscando a diferença em produtos cada vez mais
homogeneizados, dando ênfase muito mais ao movimento das coisas, a troca frenética e
impulsiva dos eventos, se importando em constantemente repetir as mesmas ações, mas com
movimentos diferentes. Como nos apresenta Debord (2005), o que importa é o que o
consumidor faz com as coisas; ele viaja e preza por mudanças, desde que possa sentir seus
desejos em movimento e finalmente acaba comprando sempre nas mesmas lojas e das mesmas
marcas.
Essa nova dimensão da modernidade resulta em fragmentação e desconexão dos
indivíduos tanto na questão temporal como na idéia de pertencimento de um coletivo. Agora
parece que tudo converge para o papel individual e determinista do indivíduo, que deve
descobrir e desenvolver habilidades e capacidades para mudar e se ajustar sempre. Quebra-se,
portanto a racionalidade, a previsibilidade e o contexto burocrático que permeou toda a
sociedade, das estruturas piramidais das organizações às regras sociais.
8
No original, após tradução própria: “Las experiencias rápidamente devienen obsoletas a la vez que, por outro lado, las
expectativas de futuro crecen más y más despegadas de la realidad presente (utopias). Esta aceleración alcanza um giro
radical em nuestros dias. Las nuevas tecnologias asociadas al proceso de globalización y la crisis de las ideologías de la
historia han llevado a un desanclaje entre tiempo y espacio; el tiempo se comprime al punto de que todos parecemos vivir em
um mismo instante sin importar donde nos encontramos. El tiempo como flujo tiende a desaparecer, instalándonos em um
timeless time (Castells, 1996)” (LECHNER, 2002: 64).
31
“Nos últimos anos, determinado pela expansão do mercado, um processo de
longo prazo adquire maior visibilidade: a crescente individualização. As
pessoas se libertam da tutela dos valores, hábitos e laços sociais herdados e
começam a construir sua biografia por conta e risco. O poder normativo das
tradições se dilui e as reservas de sentido ancoradas na família, na escola
e na nação se debilitam(LECHNER, 2002: 93).
9
Desta forma, os indivíduos passam agora ao controle total (muitas vezes ilusório) de
seus destinos, entregues (violentamente) a si mesmos, podendo recorrer apenas a sua própria
capacidade para melhor reagir às instabilidades e incertezas do ambiente empresarial (com as
profundas ondas de reestruturação). E, ainda sofre da total falta de vínculos narrativos e
históricos, que promovam uma noção de pertencimento e um sentido de identidade
constitutivo de um ethos coletivo.
1.4.4 Hegemonia do consumo
No decorrer da consolidação destas transformações, uma desastrosa (ou talvez
proposital), confusão instalou-se, como afirma Barber (2003), entre a afirmação razoável de
que o mercado regulado com flexibilidade continua a ser o instrumento mais eficaz da
produtividade econômica e da acumulação de riqueza juntamente com a pretensão delirante
de que um mercado livre de qualquer regulamentação (como buscam afirmar os EUA) seria o
único meio capaz de produzir e distribuir tudo aquilo que nos importa: dos bens duráveis aos
valores espirituais, da reprodução do capital à justiça social, da rentabilidade do momento
presente à preservação do meio ambiente para o próximo século, do bem-estar individual ao
bem comum.
Assim, o papel dos mercados ancorados sob a ideologia neoliberal, nos permite
(através de uma pseudo-democracia, que antes mesmo da possível escolha, determina as
bases subjetivas e as alternativas possíveis), dizer aos fabricantes o que queremos no papel
ao qual nos resta desempenhar: o de consumidores. Além disso, essa dinâmica do mercado
fortemente ancorada nos moldes neoliberais possibilita aos fabricantes, via publicidade e
persuasão cultural, construir anteriormente nossos gostos e desejos. E ainda, acaba por
9
No original, antes de tradução própria: “En los últimos años, impulsado por la expansión del mercado, adquiere mayor
visibilidad um proceso de larga data: la creciente individualización. Las personas se liberan de la tutela de los valores, hábitos
y lazos sociales heredados y comienzan a cosntruir su biografia bajo su próprio riesgo y responsabilidad. El poder normativo
de las tradiciones se diluye y las reservas de sentido depositadas em la familia, escuela, empresa y nación- se debilitan
(LECHNER, 2002: 93).
32
dificultar nossa interlocução entre cidadãos e o desenvolvimento do nosso senso crítico, no
intuito de discutirmos as possíveis conseqüências de nossas escolhas particulares enquanto
consumidores.
Nesse novo estágio do capitalismo, de soberania do mercado (através da ideologia
neoliberal) frente ao Estado, é possível entender a grande batalha travada entre os
consumidores e os cidadãos. Como força de equilíbrio entre estes dois los, consegue-se
visualizar a sociedade civil, que busca partilhar e resgatar no Estado o sentido de coisa
pública e o respeito pelo interesse geral e pelo bem comum; servindo de mediador entre o
Estado e o setor privado, entre a identidade de uma tribo fechada e a idéia de um consumidor
consciente/cidadão.
Entretanto, as relações sociais constitutivas dessa sociedade civil estão em profundas
transformações, perdendo sua marca de equilíbrio, de terceira via. O que parece predominar
agora é a forte consolidação dos laços sociais, culturais e econômicos através da
uniformização do comportamento e do consumo massificado, estando fortemente amparado
pelos meios de comunicação de massa.
“E assim, o espaço público está cada vez mais vazio de questões públicas.
Ele deixa de desempenhar sua antiga função de lugar de encontro e diálogo
sobre problemas privados e questões públicas. Na ponta da corda que sofre
as pressões individualizantes, os indivíduos estão sendo, gradual mas
consistentemente, despidos da armadura protetora da cidadania e
expropriados de suas capacidades e interesses de cidadãos (BAUMAN,
2001: 50)
Ou seja, a perpetuação desse cenário fluido se direciona para o papel auto-suficiente
dos indivíduos, pensando em seus desejos e necessidades cada vez mais breves, nunca
satisfeitos e que a própria descontinuidade estabelece uma prática cada vez maior de busca
incessante a novos modelos e objetos, através de uma satisfação efêmera, passageira e nunca
completa, totalizante. A modernidade se volta, portanto, para o presente imediato, com total
desvinculação de qualquer concepção histórica e constantemente alimentada pela paixão
consumista, que se completa mais pelo desejo e aquisição de um bem do que na própria
utilização dos mesmos.
Além da forte pressão pela transitoriedade e pela busca constante de desejos nunca
satisfeitos incutidos fortemente nos indivíduos através de técnicas de marketing, encontramos
33
um ambiente de forte concorrência entre as empresas, na tentativa de responder aos anseios e
desejos coletivamente construídos pela lógica consumista. É preciso, portanto, entender o
consumo neste momento como marcador de diferenças e distinções sociais, como forma de
construção de identidade e estilo de vida e não somente como suprimento das necessidades
básicas, essenciais. Nessa direção, os bens, de acordo com Douglas & Isherwood (2006),
deixam de servir exclusivamente à satisfação das necessidades individuais, para carregarem
significados sociais, ou seja, os bens significam, são portadores de significados públicos
articulados pela cultura. Desta forma, o significado não está no bem em si, mas na relação
desses com outros.
Para os autores, o consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele
desempenha agora um papel central como estruturador de valores que constroem identidades,
regulam relações sociais e definem mapas culturais. Assim, os bens são investidos de valores
socialmente utilizados para expressar categorias e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar
estilos de vida, enfrentar mudanças e criar permanências.
Nesse momento, o que semeamos e plantamos como indivíduos é bastante diferente
daquilo que imaginamos receber como cidadãos, como comunidade. Estamos presos a uma
lógica e a uma cultura de consumo individualista, na qual não encontramos mais espaço para
as demandas blicas, democráticas. Os valores comunirios e as formas de pertencimento
foram redesenhadas a partir das possibilidades de participar ativamente do mercado de
consumo, independentemente das nossas necessidades serem reais ou construídas
(pseudonecessidades).
“De uma vez só, o consumidor imediatamente tanto absorve o mundo de
produtos, bens e coisas impostos a ele, e portanto o conquista, quanto é
definido via marcas, nomes de produtos e identidade de consumidor por
esse mundo. ... Ele anuncia um falso poder de consumo mesmo quando
renuncia ao seu verdadeiro poder de cidadão. ... deixando de ser uma
pessoa autodefinida para ser uma marca definida pelo mercado; de um
cidadão público autônomo passa a ser um comprador privado
heteronômico” (BARBER, 2009: 47).
34
1.4.5 Papel da mídia
A mídia representa um papel de destaque, juntamente com a hegemonia do consumo
no fortalecimento e na manutenção da ideologia neoliberal.
A partir das novas tecnologias de informação das redes globais de instrumentalidade
e pertencimento, e da conectividade do mundo atual; é preciso transpor a ideia de
comunicação e recepção como simplesmente mensagens que circulam, de efeitos e reações,
para problematizá-la, no campo da cultura, como forças definidoras de um modelo
hegemônico de pensamento, sustentado pela ideologia neoclássica e que passou a influenciar
significativamente nossas vidas.
Assim, de acordo com Martin-Barbero (2003), o ponto de partida para análise da
mídia seriam os lugares dos quais provêm às construções que delimitam e configuram a
materialidade social e a expressividade cultural dos veículos de comunicação. Tendo como
base os meios de comunicação, o avanço da tecnologia e as relações entre produção,
circulação e consumo no nível dos sujeitos, é preciso entender esse novo sentido de identidade
aqui definido como o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado,
principalmente com base em determinado atributo cultural e fortemente ancorado sob os
pilares do consumo.
Canclini (2005) também vem confirmar a forte inflncia, participação e crescimento
das tecnologias audiovisuais de comunicação como um dos elementos determinantes do
deslocamento das massas populares da esfera pública para as práticas de consumo.
Os sentimentos de pertencimento a grupos e comunidades são constitdos em (em
parte), através da dia e principalmente através do sistema dominante de consumo; assim, os
meios de comunicação de massa passam a desempenhar tanto o papel de responveis pelo
mundo (apresentando-nos uma globalidade e amplitude antes inimagivel), como colocam os
cidadãos / consumidores na agenda setting do consumo, legitimando ideologicamente os
valores da sociedade capitalista através de um processo de intercâmbio simbólico, que
constantemente se reafirma por convenções simbólicas e noções de pertencimento e
identidade.
Para Moraes (2003), a grande dia fabrica o consenso da necessidade e superioridade
da ideologia neoliberal, enquadrando o consumo como valor universal ao converter e alinhar
necessidades, desejos e fantasias em bens materiais. Ao mesmo tempo, a dia projeta-se em
35
duas frentes: como agente discursivo, através de uma proposta integradora e catalisadora em
torno da globalização e como agente econômico, presente nos mercados mundiais, e capaz de
oferecer os mais variados produtos sustentados por esta lógica (constantemente ampliada por
ela mesma) do consumo efêmero e nunca satisfatório.
“A mídia desempenha função estratégica primordial enquanto máquina
produtiva que legitima ideologicamente a globalização capitalista. Por deter
a capacidade de interconectar o planeta em tempo real, os dispositivos de
comunicação concatenam, simbolicamente as partes das totalidades,
procurando unificá-las em torno de crenças, valores, estilos de vida e
padrões de consumo quase sempre alinhados com a razão competitiva dos
mercados globalizados. E assim atuam apresentando-se como espaços
abertos à reverberação da “vontade geral” na verdade, um hábil artifício
retórico para dissimular vínculos orgânicos com a lógica do capital”
(MORAES, 2003: 9).
36
1.5 Conclusão
As consequências e os impactos dessa transição do capitalismo democrático para essa
nova fase, ancorada na ideologia neoliberal podem ser sentidos por todo o espectro da
sociedade.
Ao olhar para a trajetória das grandes corporações norte-americanas e sua expansão
pelo mundo com o advento da globalizão, que será melhor desenvolvido no capítulo 2;
pode-se começar a entender as novas dimicas do mundo do trabalho, a perda paulatina da
participação do Estado, a hegemonia da velocidade e da interação das novas tecnologias e a
perda de referenciais sociais e históricos.
Na busca pelo entendimento dessas profundas mudanças e suas consequências, não se
pode esquecer que o capitalismo vive em constante busca pela valorização máxima do capital,
busca que supera qualquer preocupação abstrata ou real com poticas de bem estar social e
direitos humanos, como descrito abaixo por Cardoso de Mello.
“O desenvolvimento monstruoso do capital financeiro revelou uma verdade
incontestável verdade bem conhecida de Marx e Keynes, de Braudel e
Polanyi nós é que andávamos meio entorpecidos pelas décadas de
capitalismo domesticado, esquecidos de que o capitalismo é um regime de
produção orientado para a busca da riqueza abstrata, da riqueza em geral
expressa pelo dinheiro. Esta abstração produtiva aparece com toda a sua
força nua e crua no atual rentismo especulativo. Mas aparece por assim
dizer encoberta pelo u tecnológico das forças produtivas desencadeadas
pela Terceira Revolução Tecnológica, sob o qual também se camufla o
conflito entre capital produtivo e capital especulativo” (CARDOSO DE
MELLO, 1998: 23).
Tais mudanças no capitalismo (na verdade o próprio instinto de sobrevincia e
manutenção) resultaram (como já descrito anteriormente) em novas formas de conduta e
atuação por parte das empresas, que se tornaram reféns da valorização acionária e do capital
financeiro em detrimento das estratégias de longo prazo e do crescimento sustentável.
A ideia a ser apresentada futuramente é que práticas de boa governança corporativa,
através de poticas de comunicação integrada podem vir a contribuir de forma decisiva para
uma alteração dessa trajetória e uma retomada do crescimento de longo prazo, fazendo
referência ao que Reich (2007) denominou de capitalismo democrático.
37
Acredita-se que um melhor resultado das práticas de governança corporativa, ocorrerá
proporcionalmente às poticas e processos de comunicação organizacional existentes na
empresa e que juntos poderão contribuir para a construção de um cenário e de uma imagem
positiva da empresa, ou seja, sua reputação. Esta reputação e credibilidade que historicamente
atuam como imãs na atração dos investidores, na diminuição dos custos de capital, na
manutenção e expansão da demanda, na motivação dos funcionários, na geração de
publicidade favorável na mídia e, por consequência, no desempenho econômico e financeiro
das empresas.
Na verdade, as práticas de governança corporativa, ao garantir maior transparência das
empresas, podem permitir uma possibilidade maior de capitalização por parte das mesmas,
cujas ações se tornariam ativos mais atrativos na disputa pelo dinheiro dos investidores,
buscando resultados mais a longo prazo, menos imediatistas e insustentáveis e portanto menos
suscetíveis a crises e instabilidades.
1.5.1 Delineando os principais impactos
A nova dimica da economia capitalista passa então a ser constituída a partir de três
pressupostos centrais a racionalidade econômica (baseada nos princípios do neoliberalismo),
o poder do livre mercado e os interesses privados dos executivos das grandes corporações;
que conjuntamente com a globalização, a desregulamentação e os novos processos produtivos
são responsáveis, de acordo com Korten (1995) pelo poder desmedido das grandes
corporações, pela perda de poder das instituições governamentais e pela busca constante e
desenfreada pelo lucro e pela ganância.
38
Os liberais pró-corporações (corporate libertarians) são ativos defensores
da eliminação da regulação governamental, posição justificada pela
potencial redução de custos para os consumidores, mas que ignora os
efeitos sociais e ambientais desta liberalização. De modo similar, tais
liberais aconselham comunidades que necessitam criar oportunidades de
emprego para seus residentes a serem competitivas internacionalmente no
processo de atração de investidores, lançando mão de subsídios, baixos
salários, regulações ambientais permissivas e incentivos tributários
(KORTEN, 1995: 77)
10
.
Vive-se a consolidação de uma nova era, também chamada de supercapitalismo por
Reich (2007), de corporate libertarian por Korten (1995) ou, finalmente como denomina
Deetz (1992) corporate colonization, onde a organização invade não nossas vidas como
nosso meio de vida e passa a ser o centro de refencia para toda a sociedade, através da
ideologia do livre mercado e do individualismo.
Ao destacar o poder dos executivos e a nova realidade de acumulação de dividendos e
ou bonificações a curto prazo, como uma das consequências desse novo modelo, Korten
exemplifica o papel dessa classe e o poder da ganância, sinônimo de greed.
“Ganância pode ser definida por um executivo altamente bem remunerado
que demite 10.000 empregados e que então decide se premiar com um bônus
multi-milionário, merecido por ter economizado grande somas de dinheiro
para a companhia. Ganância é o que é encorajado e premiado pelo sistema
econômico que vem sendo criado pelos liberais pró-corporações
(KORTEN, 1995: 75).
11
Ou seja, juntamente com o poder da classe dirigente, através de um crescente poder
das próprias organizações, principalmente a partir dos anos 80; Korten (1995) desenha um
cenário de total hegemonia das organizações, através de direitos e liberdades que as permite
existirem independentemente das pessoas que dela fazem parte. Desta forma, o autor busca
10
No original, antes de tradução própria: “The corporate libertarians are active advocates of eliminating government
regulation, pointing to potential cost savings for consumers and ignoring the social and environmental consequences.
Similarly, they advise localities in need of employment opportunities for their residents that they must become more
internationally competitive in attracting investors by offering them their costs through various subsidies, low-cost labor, lax
environmental regulations, and tax breaks” (KORTEN, 1995: 77).
11
No original, antes de tradução própria: “Greed is a high-paid corporate executive firing 10.000 employees and then
rewarding himself with a multimillion-dollar bonus for having saved the company so much money. Greed is what the
economic system being constructed by the corporate libertarians encourages and rewards” (KORTEN, 1995: 75).
39
expressar sua angústia frente às poticas de valorização imediata das ações e das estratégias
de curto prazo, organizadas pela elite de dirigentes, pelos acionistas e pela pressão das
agências de rating”; que transitam em um mundo independente da sociedade. Neste jogo de
interesses, as empresas buscam cada vez mais externalizar seus custos de produção, na
justificativa de melhorias competitivas; eliminando qualquer regulamentação do governo,
repassando vários custos aos consumidores e acabando por ignorar as consequências sociais e
ambientais dessa forma de conduta.
Nessa nova fase, também denominada de “corporate libertarianism”, a sociedade
encontra-se refém da nova estrutura corporativa, acabando por ceder a poticas de redução de
impostos e benecios fiscais, aumentando a atratividade das empresas a suas áreas de
produção e negando ou postergando muitas vezes direitos e políticas sociais conquistadas no
passado. Sob a desculpa da globalização e do aumento da concorrência, as empresas
determinam as cartas do jogo visando exclusivamente sua rentabilidade e crescimento rápido.
A própria noção de desempenho e desenvolvimento de um país passou, em vários
momentos, a ser validada e sustentada, inclusive pela mídia, através do número de miliorios
em crescimento; pela competência dos diretores e gerentes em demitir e enxugar as empresas,
aumentando sua rentabilidade; pelo sucesso individual e financeiro de alguns que chegaram lá
e finalmente pela expansão global de certas companhias que conseguem sustentar suas
operões pelo mundo.
Corporate libertarianism não se refere a criar as condições de mercado que
maximizam o bem-estar social, tal como defendido pelas teorias do livre-
mercado. Não se refere em absoluto ao interesse social. Se refere a defender
e institucionalizar o direito dos economicamente poderosos a fazer o que
melhor serve aos seus interesses mais imediatos, sem se preocuparem com
suas conseqüências sociais. Corporate libertarianism dá poder a instituições
que ignoram questões de equidade social e ambiental” (KORTEN, 1995:
86).
12
Dentro dessa mesma linha de pensamento, Deetz (1992) utilizando-se do conceito de
“corporate colonization” apresenta e critica essa nova fase do capitalismo através do
12
No original, antes de tradução própria: “Corporate libertarianism is not about creating the market conditions that market
theory argues will result in optimizing the public interest. It is not about the public interest at all. It is about defending and
institutionalizing the right of the economically powerful to do whatever best serves their immediate interest without public
accountability for the consequences. It places power in institutions that are blind to issues of equity and environmental
balance” (KORTEN, 1995: 86).
40
predomínio e da hegemonia das grandes corporações em detrimento aos direitos e benefícios
sociais previamente conquistados (e agora sob estado constante de questionamento e
desmantelamento).
Para o autor, o controle das organizações se estende além do poder do Estado,
chegando a controlar e influenciar o desenvolvimento de toda a sociedade. As relações
extrapolam as fronteiras do trabalho e se espalham pelos mais diversos âmbitos sociais,
influenciando a educação, a distribuão de renda, as relações familiares, os vínculos sociais, a
participação nas decisões da vida democrática, chegando ainda a definir nossa maneira de
pensar, agir e estabelecer prioridades de consumo e formas de se sentir pertencente a uma ou
outra comunidade.
Em muitos aspectos, a moderna corporação tem sido a patrocinadora e
não a indutora destas mudanças sociais. Mas o setor corporativo também
tem sido ativo na aprovação de legislação que amplia o poder e a
capacidade de controle das corporações. O mundo corporativo teme o que é
conhecido como a imprensa de esquerda e investe em relações públicas, em
maior envolvimento educacional e na capacidade de usar os meios de
comunicação de massa. Nada disso tem sido trivial e tem resultado em
mudanças significativas nas relações institucionais(DEETZ, 1992: 18).
13
Dentro desse estágio do capitalismo, a sensação mais permanente é o enorme
sentimento de insegurança e a perda de laços agregadores, as relações sociais estruturadas sob
as noções de cidadania perdem seu referencial e as mercadorias passam a trazer significados
de pertencimento, sendo criadas para não durar (para manter o desejo e a busca constante de
algo nunca alcançável), e se tornando tão voláteis quanto o capital financeiro. O papel do
trabalho e a importância da família e dos laços sociais foram paulatinamente sendo encobertos
pela lógica do consumo desenfreado e do ganho imediatista, individualista.
Toda essa lógica acaba sendo reproduzida nas relações de trabalho e fora delas,
trazendo a questão da volatilidade, da insegurança, da velocidade, dos fracos laços de
relacionamento e do individualismo para todas as dimensões da vida humana.
13
No original, após tradução própria: “In many respects the modern corporation has been the benefactor rather than initiator
of such social changes. But the corporate sector has also been active in getting favorable legislation passed to extend
corporate power and control. The corporate world’s fear of what was seen as a liberal press and expenditures on public
relations, greater educational involvement, and the purchase of most mass communication capacities. None of this has been
trivial, and significant shifts in institutional relations have resulted” (DEETZ, 1992: 18).
41
1.5.2 Forte concentração de renda e aumento crescente das desigualdades
Os efeitos mais significativos dessas profundas transformações podem ser sentidos por
toda a parte, criando ambientes de profunda pobreza e decadência, aumentando
significativamente o nível de desemprego, proliferando formas de organização do trabalho
precárias e instáveis, aumentando a desigualdade e piorando sensivelmente a distribuição de
riqueza, inclusive em países como os EUA.
Através da desregulamentação e dos novos mecanismos de financeirizão ocorreu um
acúmulo expressivo por parte dos agentes econômicos, principalmente as empresas,
aumentando significativamente a concentração de renda e definindo uma nova lógica de
conduta. Não as empresas, mas os cidadãos comuns deixaram de ser poupadores para se
transformarem em investidores (com um aumento expressivo no mercado de ações) na busca
pela rápida acumulação.
Essa mudança foi fortemente influenciada pelas novas políticas das empresas em gerar
retorno aos seus acionistas não mais através dos dividendos e de poticas de longo prazo; mas
sim pela valorização especulativa do valor das ações. Isso acabou por gerar uma forte
concentração de renda e uma desigualdade crescente entre os cidadãos, através da disparidade
cada vez maior entre os salários e das gordas bonificações dos altos executivos.
Com o fim das poticas de bem estar social, os cidadãos perderam certas garantias do
equilíbrio entre o crescimento econômico e social, em que tanto os interesses das empresas
quanto as demandas dos cidadãos eram contempladas. E que caracterizou a era de ouro nos
EUA, com a consolidação da classe média americana e de melhores condições de vida.
1.5.3 Hegemonia do individualismo e perda das referências democráticas
A consolidação e hegemonia da cultura neoclássica, que passou a determinar a
conduta o na economia, como também nas relações sociais através da cultura do
consumo conspícuo; originou uma nova estrutura social ancorada no individualismo e na
busca pelo bem estar individual. “A preocupação neoliberal com o indivíduo e em segundo
plano toda preocupação democrática social com a igualdade, a democracia e as solidariedades
sociais” (HARVEY, 2008: 190). Os laços de pertencimento e as relações ancoradas em
práticas democráticas antes garantidas pelo Estado, passam agora a um plano secundário.
Com a perda do poder do Estado, as noções de direito se tornam vazias; sendo paulatinamente
substitdas pela ideologia neoclássica e pela lógica do consumo.
42
Viver sob a lógica do neoliberalismo, significa aceitar um conjunto de direitos
necessários à acumulação do capital, que trazem um acirramento das perdas das refencias
democráticas e uma crescente desigualdade social. o eles: responsabilidades e obrigações
individuais, independência da interferência do Estado, igualdade de oportunidades no
mercado e perante a lei, recompensas à iniciativa e à atividade empreendedora e total
responsabilidade e liberdade sobre suas escolhas como cidadãos e consumidores através de
um mercado aberto.
Desta forma, este estágio do capitalismo, ancorado na lógica neoliberal acaba por
excluir cada vez mais as referencias sociais transformando inclusive o ser humano em uma
mercadoria na busca por um espaço constante de valorização. A expansão do mercado uma
individualização da responsabilidade e uma flexibilização dos vínculos sociais que estão
modificando profundamente as formas de viver em comunidade e as noções de democracia e
cidadania.
A liberdade de escolha tão fortemente estimulada em cada consumidor / cidadão
transpassa a idéia da escolha dos bens e serviços e passa a desenvolver um novo imaginário
coletivo e uma nova maneira de sentir-se pertencente a um grupo. Essa transformação pode
ser claramente visualizada na transição da sociedade do trabalho para a sociedade do
consumo. O trabalho não desaparece, mas perde sua centralidade, seu poder aglutinador e
referencial e se adapta, através da flexibilidade, aos novos mecanismos dessa etapa do
capitalismo. As relações sociais trazem o consumo e o individualismo para o centro das
referencias e dos significados nas construções das relações sociais. E a própria essência do ato
de consumir pressupõe a valorização do individual frente ao coletivo, da possibilidade de
diferenciar-se em relação aos outros, mesmo que esta diferenciação tenha uma duração
efêmera, passageira, transitória. Por isso, o consumo nunca é completo; sempre a
necessidade de buscar um espaço exclusivo, único frente aos outros.
1.5.4 Impactos na organização do trabalho
Com a ausência de práticas regulatórias e políticas de bem estar social, o mundo do
trabalho sofreu fortes impactos e passou por profundas transformações. O trabalho é
entendido como um mero fator de produção, desprovido de qualquer referencial histórico e
social, de trabalhadores inseridos em uma rede de significados, expectativas, direitos e
deveres. Nessa nova concepção, os vínculos são cada vez mais frágeis, estabelecidos por
contratos de curto prazo a fim de maximizar a flexibilidade nas relações.
43
Existia anteriormente (em meados do século XX), uma forte intersecção entre o
desenvolvimento daqueles que compravam trabalho e daqueles que forneciam, como uma
simbiose, que construía um modo de convincia interessante para todos. Hoje, as relações
entre trabalhador e empregado são quase inexistentes, desprovidas de qualquer benefício e
estruturadas na transitoriedade, onde os laços de comprometimento e responsabilidade de
ambas as partes acabaram por desaparecer. Nesse momento, o trabalhador se encontra preso à
própria sorte. Surge assim, a figura do trabalhador descartável, preso ao seu dilema de venda
da força de trabalho, sem qualquer proteção ou seguridade e submisso às leis de mercado.
Nesse redesenho das forças econômicas e sociais, tendo agora o mercado ao centro; o
trabalho perde seu espaço e poder, não mais oferecendo a segurança e o significado que
outrora possuía. Seu sentido passa a ser questionado e ele perde a posição de eixo
fundamental das relações sociais e da própria vida individual. A sociedade do trabalho,
moldada no século XX vem perdendo seu espaço e vem sendo completamente modificada.
“A presente versão liquefeita, fluida, dispersa, espalhada e desregulada da
modernidade pode não implicar o divórcio e ruptura final da comunicação,
mas anuncia o advento do capitalismo leve e flutuante, marcado pelo
desengajamento e enfraquecimento dos los que prendem o capital ao
trabalho” (BAUMAN, 2001: 171).
A incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora, que juntamente com a
ideologia do consumo acaba por enfraquecer os laços antes oriundos das relações trabalhistas
e constrói uma nova dinâmica de total ausência de significados, de certezas e de referenciais.
1.5.5 Crises sistêmicas
Para Mészáros (2009), quando tudo passa a ser controlado pela lógica da valorização
do capital, atraindo na grande maioria das vezes capital predador” e esquecendo-se dos
aspectos humanos; a produção e o consumo supérfluos levam a corroo do trabalho, através
da precarização e da criação do desemprego estrutural, além de impulsionar o crescimento das
desigualdades de maneira intensa. Dentro desse cenário surgem as crises sistêmicas, que de
tempos em tempos, questionam e colocam em xeque a lógica estabelecida.
A imensa expansão especulativa financeira, sobretudo nas últimas três décadas acabou
por fragilizar os alicerces do mundo do trabalho e o elo de intersecção existente entre os
capitalistas e trabalhadores (que caracterizou a era dourada nos EUA), trazendo
44
conseqüências de ordem econômica, social e potica. A crise assola o campo produtivo da
atividade econômica, com conseqüente aumento do desemprego e da má distribuição de
renda.
Além disso, acaba por desestabilizar toda a cadeia com a falta de limites e
regulamentações, permitindo que o capital busque a máxima valorização, sem quaisquer
considerações com as possíveis conseqüências e estragos, tanto no campo produtivo, como
econômico e social.
Aqui vale destacar a importância das práticas de governança corporativa na tentativa
de trazer transparência e maior responsabilidade aos gestores em relação ao uso do dinheiro
alheio, ou seja, dos acionistas e investidores. Na pressão por satisfazer à lógica do capital
especulativo, os gestores acabaram por transpor certos limites no uso do capital investido nas
empresas, acabando por prejudicar não os acionistas (minoritários principalmente) como
toda a cadeia envolvida: empregados, comunidade e a sociedade como um todo.
Com o predomínio da lógica neoclássica, as estruturas sociais e as práticas coletivas
foram aos poucos perdendo espaço e sentido entre os cidadãos, agora identificados como
consumidores. Nesse processo de transformação, as demandas coletivas perderam espaço e
poder para as necessidades individuais, pautadas pelo consumo conspícuo. Através de uma
luta individual de busca por necessidades efêmeras e noções de superioridade e exclusividade,
a sociedade caminha cada vez mais distante de um projeto social coletivo, que resgate os
alicerces da luta democrática.
À medida que esse novo estágio do capitalismo se consolida, as empresas buscam
atender a pressão dos acionistas, esquecendo-se de suas virtudes sociais e responsabilidades
coletivas. Elas acabaram por abandonar suas políticas paternalistas e os movimentos de
responsabilidade social e ambiental, ao serem constantemente pressionadas por maior retorno
junto aos seus acionistas, que podem rápida e voluntariamente deslocar seus investimentos
para empresas ou fundos que tragam um maior rendimento ao capital investido.
Como destacou Cardoso de Mello (1998) esta é a lógica natural e crua do capitalismo,
que busca a máxima valorização do capital independente das conseqüências envolvidas.
Assim, é preciso criar meios de controle e regulamentação que levem em consideração os
aspectos sociais, econômicos e poticos; buscando melhorar os efeitos já nefastos vivenciados
nas últimas décadas como: ampliação da desigualdade, redução da segurança no emprego,
novas formas de organização do trabalho, desestabilização ou destruição de comunidades,
45
degradação ambiental, violação dos direitos humanos e uma profusão de produtos e serviços
que apelam para nossos desejos mais primitivos e individualistas.
46
Capítulo 2: notas sobre a história das empresas e o
desenvolvimento capitalista
2.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é apresentar o desenvolvimento da moderna empresa
capitalista, destacando sua evolução histórica e as profundas mudanças pela qual ela vem
passando nos últimos anos, sobretudo em relação aos processos de gestão organizacional;
sempre à luz das transformações observadas no capitalismo, conforme discutido no capítulo 1.
Para analisar a história da moderna empresa capitalista é preciso contemplar não as
origens desta, como também a consolidação do sistema capitalista e o desenvolvimento da
ciência da administração. Ao longo desse processo, podem-se observar três aspectos
intimamente relacionados e que cooperam mutuamente na construção desse cenário: o
divórcio entre propriedade e gestão, o crescimento e agigantamento das corporações e a
ascensão da tecnoestrutura (gestão organizacional) como fonte de condução dos negócios.
Tentar-sedesenhar as principais características que constituem a moderna empresa
capitalista e posteriormente, analisar as profundas mudanças ocorridas no modelo corporativo
de gestão, alterando profundamente o que se definia como corporação e apresentando um
novo desenho de empresa, principalmente a partir dos anos 1990, inserida no paradigma das
tecnologias de informação e ancorada nas redes e em relações de interdependência, na busca
pela complementaridade de competências, pela diluição dos riscos e pela cooperação em áreas
como pesquisa e desenvolvimento, produção e até vendas.
Finalmente, a conclusão do capítulo discutia perda do papel da tecnoestrutura (da
grande estrutura administrativa e gerencial, com diversos níveis hierárquicos, e ancorada na
burocracia e na autoridade racional-legal), e das estratégias e visões de longo prazo na
condução da empresa, em detrimento dos ganhos especulativos e dos grandes pagamentos e
bônus aos altos executivos; além da constante necessidade de valorização imediata das ações.
Como resposta aos novos rumos e estratégias presentes nas grandes corporações e aos
escândalos de 2001 em empresas como Enron e WorldCom; pode-se verificar uma forte e
constante presença das práticas de governança corporativa na tentativa de trazer transparência
e equidade entre os acionistas e atuar na ligação destes com os gestores.
47
2.2 As bases da empresa capitalista
A análise da evolução da empresa capitalista, juntamente com a consolidação do
próprio sistema capitalista estará baseada em dois fatores determinantes e de importância
ímpar nesse processo, sendo eles: a doutrina liberal e a revolução industrial.
A doutrina liberal, que se desenvolveu a partir do final do século XVIII elaborou as
bases conceituais de um novo modo de organização das forças produtivas, permitindo
consolidar os alicerces de sustentação de um novo modelo econômico baseado na propriedade
privada dos meios de produção, na livre concorrência, na interferência cada vez menor do
Estado e na visão empreendedora de agentes individuais. Juntamente com esse fervilhar de
idéias surgiu a II Revolão Industrial inicialmente na Inglaterra, e alastrando-se rapidamente
pela Europa e depois pela América. Com a disseminação da energia a vapor e com o
desenvolvimento do setor siderúrgico houve uma transição e posterior substituição dos
artesanatos e das corporações de ofícios pela manufatura fabril, aumentando
significativamente a produtividade e alterando as relações entre os agentes econômicos. Neste
momento o poder dos proprietários de terra começa a ser questionado e uma nova classe
dominante isurgir composta pelos produtores de bens de capital, pelos proprietários das
grandes manufaturas e pelos empreendedores dos novos sistemas de transporte
(principalmente as ferrovias e os portos).
O surgimento das empresas fabris não foi, de maneira alguma, o primeiro exemplar de
empresas de capital aberto. As companhias licenciadas de comércio dos séculos XVII e XVIII
(cujos maiores representantes foram a Companhia das Índias Orientais e a Companhia
Holandesa das Índias Orientais) eram sociedades por ações, cuja licença e permissão eram
concedidas pelos monarcas com fins pré-determinados, sendo controladas pelos acionistas que
possuíam poder de voto e administravam, juntamente com os gestores, a alocação de recursos
e a distribuição de lucros advindos do comércio internacional.
De acordo com Micklethwait & Wooldridge (2003), com o surgimento da lei das SA
na Inglaterra em 1862, passa a ser permitida a constituição de companhias limitadas com
ações ao portador; nascendo então a figura artificial com os mesmos direitos dos seres
humanos (denominada como “mão morta”, ou seja, constitutiva dos mesmos direitos legais
das empresas familiares, pom com vários donos) e sem a necessidade de autorização prévia
do objetivo / finalidade ou permissão da razão social da empresa.
48
Já neste momento estão contemplados os três pilares da moderna empresa capitalista: a
empresa é uma pessoa artificial com a mesma capacidade de fazer negócio de uma pessoa
real, pode-se emitir o número de ações que desejasse para o número de investidores que
quisesse e o mais importante, a responsabilidade desses investidores era limitada, ou seja, eles
somente poderiam perder (em caso de falência) a mesma soma de dinheiro que haviam
investido, não havendo risco de responder com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa.
Este foi considerado um ponto decisivo para o desenvolvimento das empresas de capital
aberto.
Mas foram no século XX que as afinidades e estreitas relações entre a evolução do
sistema capitalista, a consolidação do mundo corporativo e o desenvolvimento da ciência da
administração se intensificaram, alterando as estruturas de poder e interação presentes entre
esses três elementos.
“O desenvolvimento da ciência da administração acompanhou todos os
grandes movimentos de formação e maturação do sistema capitalista.
Registraram-se sempre claras afinidades históricas entre as revoluções
tecnológicas, a acumulação do capital e as inovações organizacionais.
Tornaram-se parte de um mesmo todo a formação do capitalismo, a
evolução do mundo corporativo e o desenvolvimento da ciência da
administração” (ANDRADE & ROSSETTI, 2007: 102).
Portanto, devido à intensa intersecção e correlação entre estes aspectos, fica difícil
analisar a formação e o desenvolvimento da moderna empresa capitalista, sem analisar a
própria evolução do sistema capitalista e a criação da ciência da administração e das práticas
de gestão, tendo o paradigma fordista como seu maior representante. A própria transição da
empresa familiar para a moderna empresa capitalista se faz a partir da constituição de um
corpo gerencial e da criação de práticas administrativas, ao mesmo tempo em que se altera a
lógica de coordenação e controle dos bens e matérias primas no mercado, agora sob forte
influência dos oligopólios que passam a ser constituídos. A seguir, tentar-se-á apresentar a
evolução desse processo histórico, sempre buscando relacionar as conexões entre o sistema
capitalista, o mundo corporativo e as práticas de gestão, que muitas vezes parecem se
misturar; devido a própria natureza do processo histórico da sociedade capitalista.
A importância e dimensão que essa instituição denominada empresa passou a ocupar
na sociedade capitalista foram consolidadas somente no final da década de 1920. Até lá, as
49
empresas eram quase sempre ou familiares ou semiblicas de capital aberto, destinadas à
construção de infra-estrutura, transportes (principalmente as ferrovias), sistemas portuários,
abastecimento de água, saneamento e outros serviços de interesse público.
Apesar do agigantamento das escalas e do surgimento da produção em série com o
surgimento das teorias de Taylor desenvolvidas ainda no final do século XIX e da criação de
um corpo gerencial ainda incipiente; as empresas na sua maioria pertenciam a indivíduos ou a
pequenos grupos, estando à deriva das leis de mercado como pensava Adam Smith, e que
obteve certo respaldo teórico nos primórdios do capitalismo.
2.3 A firma na consolidação do sistema capitalista
Como bem descreveram Chandler (1998) e Tigre (1998), a firma em seu início tem um
papel limitado, combina fatores de produção dispoveis no mercado, muitas vezes de forma
aleatória na produção de um único produto. Além disso, as possibilidades tecnológicas de
inovação são nimas e disponíveis de forma igualitária no mercado, que tende a estabelecer
condições de concorrência e informações perfeitas, tendendo sempre ao equilíbrio entre oferta
e demanda.
“Sua única função é transformar insumos em produtos, e para isso basta
selecionar a técnica mais apropriada e adquirir os insumos necessários no
mercado, incluindo trabalho e tecnologia. O ambiente competitivo é simples
e inerte, praticamente sem incertezas” (TIGRE, 1998: 71).
A firma familiar era uma empresa comercial unitária, de influencia limitada, que
exercia uma única função econômica, lidava com uma única linha de produtos e operava em
uma única área geográfica, com pequenas dimensões. O regime jurídico vigente atribuía
responsabilidade integral dos proprietários pelas dívidas da firma. Em caso de falência, eles
respondiam com seus bens pessoais. Era considerada pela teoria neoclássica como um ator
passivo e sem autonomia, cujas funções eram regulamentadas pelo mercado.
Com a consolidação da moderna empresa comercial, ocorre a substituição da mão
invisível do mercado na coordenação das atividades da economia e na alocação de seus
recursos pela gerência por uma hierarquia de executivos assalariados, ou seja, pela moderna
empresa comercial. Ao assumir funções até então pertencentes ao mercado, a empresa ganha
força e passa a representar a mais poderosa instituição da economia até os dias de hoje. É o
surgimento do que Chandler (1998) denominou de Capitalismo Gerencial.
50
“O mercado continuou gerando a demanda de bens e serviços, mas a
moderna empresa comercial assumiu as funções de coordenar o fluxo de
bens através dos processos existentes de produção e distribuição, e de
alocar recursos financeiros e humanos para a produção e a distribuição
futuras” (CHANDLER, 1998: 248).
Chandler (1998) relata a transição da empresa familiar para a moderna empresa
comercial na sociedade capitalista norte americana, ao descrever o que ele classificou como
oito proposições necessárias para a consolidação desse processo, além da substituição da o
invisível do mercado de Adam Smith pela mão visível das empresas, ou melhor pela mão de
uma hierarquia gerencial.
Quadro 2.1 Consolidação da empresa capitalista, de acordo com as proposições de Chandler
(1998)
Empresa familiar
Moderna empresa capitalista
Primeira Proposição
Unitária, limitada área geográfica,
pequenas dimensões
Maior produtividade, custos mais baixos, lucros
mais elevados, multi-unitária
Interiorização de várias unidades independentes
Início da verticalização
Segunda Proposão
Dono e familiares
Criação de uma hierarquia gerencial
Várias unidades, vários níveis hierárquicos
O que vale é o cargo e não a pessoa
Terceira Proposição
Coordenação do mercado
Superioridade de volume e eficiência,
coordenação mais vantajosa, novas tecnologias
Quarta Proposição
Tempo limitado
Grandes dimensões, espaço e tempo
Lugar de crescimento a longo prazo
Quinta Proposição
Intuição, visão do patrão
Carreiras cnicas, profissionalizantes
Nada de parentesco
Sexta Proposição
Gestão dependente da propriedade
Separação da gestão e da propriedade,
conforme se tornava maior e mais diversificada
Sétima Proposição
Empresa vista como fonte de renda
da família
Empresa administrada para crescimento de
longo prazo, maximização dos lucros
Negócio a ser gerenciado a longo prazo
Oitava Proposão
Poder limitado e regionalizado
Forte expansão, crescente aumento de poder,
domínio dos principais setores da economia
alteração da estrutura básica, oligopólios
Fonte: Criação própria a partir de Chandler (1998).
Esse processo de transiçãofoi possível no momento em que essas oito etapas foram
superadas e a organização profissionalizada tomou corpo e passou a coordenar o fluxo de
bens através dos processos de produção e distribuição; a alocar recursos financeiros e
humanos e finalmente passou a ser responsável pela integração de bens e serviços desde a
matéria prima até a venda do produto. Tal evolução foi influenciada quando a melhor
coordenação dos recursos permitiu uma maior produtividade e consequentemente
51
lucratividade por parte da empresa, dando início ao processo de verticalização (através da
internalização de várias áreas necessárias para a execução e venda do produto final). Um
exemplo interessante é a existência de fazendas de gado pertencentes a Ford Motors para o
fornecimento de matéria prima destinada ao estofamento dos bancos de cada veículo.
Assim, com a expansão das empresas se tornando multiunitárias, com o aumento da
tecnologia e com a internalização de diversas etapas da fabricação e comercialização dos
produtos houve a necessidade latente da criação de uma hierarquia gerencial, através da
valorização das carreiras técnicas (buscando eliminar os níveis de parentesco), estruturadas
por função e baseadas na meritocracia e na estabilidade da empresa a longo prazo. Inicia-se a
formatação de empresa cujo modelo reinou durante mais de 50 anos, pautada na grande
estrutura, hierárquica e burocrática; com visão e planejamento de longo prazo, certa
estabilidade e crescimento constante. As pessoas iam e viam, mas a empresa tinha bases para
se manter por muitos anos no mercado, principalmente com a consolidação dos oligopólios
em diversos setores industriais. O negócio era administrado e gerido a partir de poticas de
longo prazo, bem distante da administração familiar onde a empresa se traduzia em renda para
toda a família e poderia desaparecer com a morte do fundador. Consolida-se a fase do
capitalismo gerencial, com forte crescimento das empresas, presente agora em diversos
setores, alterando radicalmente a economia através da inflncia e do poder junto a alocação e
coordenação dos fluxos de bens, se tornando muitas vezes mais poderosa que os próprios
governos.
Galbraith (1985) através de um estudo sobre a empresa moderna também irá
identificar a transferência de poder, primeiramente ancorado sob a posse da terra e depois
entre os fatores de produção, ou seja, as empresas. Porém, vale destacar que de início esse
poder estava presente na figura do empreendedor, do fundador da empresa familiar, que vivia
à custa de suas ações, de seus desejos e visões. Posteriormente, com a consolidação da
estrutura gerencial ocorre um deslocamento para o que ele chamou de Tecnoestrutura. O
poder foi deslocado agora para a competência organizada, para uma associação de homens de
diversos conhecimentos técnicos, experiência ou outro talento necessário para a condução de
empresas desta complexidade, amplitude e gigantismo.
52
“No passado, a liderança na empresa identificava-se com o empresário o
indivíduo que unia a propriedade ou o controle do capital com a capacidade
de organizar os outros fatores de produção e, na maioria dos contextos, com
a capacidade de fazer inovações. Com o advento da sociedade anônima
moderna, o surgimento da organização exigida pela tecnologia e pelo
planejamento modernos e a separação entre o dono do capital e o controle
da empresa, o empresário não mais existe como pessoa individual na
empresa industrial amadurecida” (GALBRAITH, 1985: 64).
Desta forma, para Galbraith a gestão administrativa (com seus vários níveis
hierárquicos, funções e atribuições), substitui o empresário como força direcional da empresa.
Entretanto, é fundamental esclarecer o que ele entende aqui por corpo administrativo (ou
administração), ou seja, é uma entidade coletiva e imperfeitamente definida que abrange
desde a presidência, passando pelos diretores, por outros cargos de gerência e de divisões
relevantes; mas chegando inclusive a incluir aqueles que contribuem com informações que
possam ser determinantes para a tomada de decies desse grupo estratégico, ou seja, a grande
estrutura hierárquica administrativa. Assim, para o autor, a grande massa de trabalhadores,
nomeada como tecnoestrutura e que abrange todos os que trazem conhecimentos
especializados, talento ou experiências acumuladas é o cérebro da empresa.
“Este, e não o restrito grupo de diretores é a inteligência orientadora o
cérebro da empresa. Não há nome para todos os que participam da
tomada de decisão de grupo ou para a organização que eles formam.
Proponho dar a essa organização o nome de Tecnoestrutura”
(GALBRAITH, 1985: 64).
Ainda na análise deste pensador, a sociedade anônima proporciona uma proteção e
respaldo muito grande à tecnoestrutura pela complexidade das decisões e do negócio,
diminuindo radicalmente a inflncia do acionista ou banqueiro que poderiam vir a duvidar de
um planejamento, de um designer, pesquisador de mercado ou diretor de venda, alterando a
condução do negócio. Desta forma, as decisões para ele passam a ser orientadas e desenhadas
pela somatória de forças de cada membro da tecnoestrutura.
Mesmo creditando o desenvolvimento e o sucesso da empresa a praticamente todos os
funcionários, que de alguma forma, puderam contribuir para a obtenção dos resultados,
aparentemente nem sempre as tomadas de decisão possuem essa característica. Galbraith
53
deixa claro que é fundamental discernir entre ratificação e decisão. Para ele, ratificação é na
verdade a aprovação e aceitação de algo construído coletivamente, enquanto que a decisão
está mais fortemente ancorada em um único ou poucos indivíduos. Embora ele acredite que
este raciocínio seja válido na maior parte das vezes, é fundamental esclarecer que as
cerimônias das empresas costumam disfarçar deliberadamente a realidade da ratificação e da
construção coletiva, no intuito de dar poder e representatividade, na percepção deste autor, à
diretoria e aos acionistas da qual ela representa.
Desta forma, embora seja um conjunto de forças que permitiu o alcance pela empresa
dos objetivos pré-determinados, existe sempre a impressão de que a tomada de decisão
pertence ao seleto grupo de diretores.
“Os ritos que atestam esse ponto são conduzidos com muita solenidade;
ninguém se permite ser cínico quanto à sua falta de substância. Pesadas
agendas, repletas de dados, são submetidas à Diretoria, com
recomendações a elas anexas. O debate é breve, convencional e superficial.
A maioria dos participantes são homens de idade. Dado o caráter e a
extensão do material de preparação do grupo, seria indispensável sua
rejeição. A Diretoria, entretanto, é sempre deixada com a impressão de que
tomou uma decisão” (GALBRAITH, 1985: 73).
A visibilidade do presidente e da diretoria dessas organizações, (comparada ao que se
observa atualmente) era relativamente restrita, embora procurassem com frequência adotar
uma postura de empreendedores, autoconfiantes, individualistas e até mesmo arrogantes.
Tentavam, com frequência, deixar claro que as rédeas da organização estavam em suas mãos,
o que estava longe de acontecer. É claro que existe uma interdependência entre a organização
e seu comandante, mas na visão de Galbraith a empresa tinha vida própria, ancorada na
tecnoestrutura e no conhecimento acumulado da coletividade e de vários cargos envolvidos.
Mesmo com a enfermidade, aposentadoria ou morte do seu presidente, a empresa estaria
solidamente estruturada para prosseguir sua jornada. Para o autor, o executivo de uma
sociedade anônima será pouco lembrado ao agraciado pelos seus feitos, principalmente se
comparado a um potico.
54
“Depois do último vôo no jato da companhia, haverá apenas uma
associação honorífica com a Diretoria e, às vezes, nem isso. Não haverá
interesse pelas suas memórias: o United Fund desejará um homem mais
afirmativamente identificado com os negócios, as únicas responsabilidades
públicas que ele continuará a ter serão para sua própria igreja; seu nome
não mais aparecerá nos jornais até o dia seguinte ao de sua morte. O
grande empresário viveu seus últimos dias dispondo de sua riqueza ou
resistindo àqueles que instavam que o fizesse. O executivo moderno
geralmente não tem dinheiro bastante para assim se ocupar. Chega assim a
seu fim, e a conclusão não requer uma ênfase indevida: evidentemente o
homem da organização é sustentado pela própria organização”
(GALBRAITH, 1985: 82).
Entretanto, vale aqui uma percepção de mudança radical neste aspecto, que será
futuramente melhor abordado no capítulo 3. Quando a diretoria passa a possuir, ou pelo
menos, ter a possibilidade de se tornar proprietária da empresa, através da opção de receber
seus rendimentos em ações; surge um novo cenário em que os gestores agora são também
proprietários da companhia, e sua conduta passa a ser bem diferente desta anteriormente
relatada. Assim, redesenham-se as poticas e estratégias de longo prazo, alteram-se os
montantes e salários negociados e ocorre uma nova transferência de poder, agora muito
concentrada na mão de poucos indivíduos, e de certa forma, semelhante ao que ocorria nas
companhias familiares.
55
2.4 Novas dimensões: evolução do sistema capitalista, agigantamento das corporações
e avanços nas práticas de gestão
O movimento expansionista das grandes companhias registrou expressivos índices de
crescimento principalmente durante o século XX. É bem verdade que a crise dos anos 30
trouxe reformulações e poticas de controle importantes na condução desse processo, mas se
olharmos para a trajetória histórica do agente mais importante do sistema capitalista, esse
período de crise não durou mais de quatro anos e após esse período a empresa viu seus
horizontes se expandirem significativamente.
Auxiliada por uma série de fatores históricos, como crescente avanço tecnológico,
expansão demográfica, juntamente com a expansão da renda, criação de uma forte classe
dia, que foi se consolidando até meados da década de 70; avanços nas técnicas de
produção, com a consolidação das grandes escalas e da produção em série, aumento
significativo da oferta a preços baixos, crescentes investimentos tanto públicos como privados
em setores importantes como infra-estrutura e transportes; as dimensões do mundo
corporativo alcançaram números sem precedentes históricos e transformaram-se na grande
força do sistema capitalista.
“Nos últimos cinqüenta anos, de 1955 a 2005, as receitas operacionais das
500 maiores corporações norte-americanas, em dólares correntes,
aumentaram de US$ 149,1 bilhões para US$ 9.088,0 bilhões” (ANDRADE
& ROSSETTI, 2007: 60)
14
.
2.4.1 Os anos dourados de 1950 a 1970
A era de ouro, caracterizada pela consolidação de grandes corporações, através dos
mecanismos de produção em massa, redução dos custos, aumento significativo da
produtividade e diversificação permitiu uma fase de longa e intensa acumulação do capital.
Reich (2007) denomina essa época de capitalismo democrático, caracterizado pelo
fortalecimento dos grandes oligopólios norte-americanos, através de eficiente produção em
massa sob as bases tayloristas, estruturada sob os princípios burocráticos e pautada pela
conduta racional-legal. As maiores empresas americanas neste período planejavam e
14
Vale ressaltar que o avanço e a consolidação deste poderio por parte das corporações sofreram um forte questionamento
com a crise financeira mundial iniciada em setembro de 2007 e que chegou ao auge no ano de 2008 e permanecendo ainda
em 2009; quebrando nos EUA mais de 200 bancos e levando à falência diversas empresas como o grupo AIG, o banco
Lehman Brothers e a GM.
56
executavam a produção em grandes volumes, gerando economias de escala, redução do custo
unitário das mercadorias e lucros substanciais ao poderem fixar os preços e determinar a
margem nima a ser alcançada. Parte desses lucros era reinvestida na própria empresa,
buscando maior capacidade produtiva; outra parte era destinada a melhores salários aos
gerentes médios e altos executivos e finalmente restava uma parcela destinada aos
trabalhadores de chão de fábrica, que juntamente com os sindicatos, desfrutavam de reajustes
e melhorias das condições de trabalho e ou benefícios em troca da estabilidade no fluxo de
produção.
As grandes empresas não queriam correr os riscos de novos entrantes e perda da sua
hegemonia
15
. Sua produção era planejada com muita antecedência, com base em alto grau de
confiança pela existência de uma demanda latente, o que através das práticas oligopólicas
acabava por estabelecer poticas de preço nos principais setores da economia. Com a
tecnologia da produção em massa e o indispensável comprometimento de tempo e capital, as
empresas precisavam prever as necessidades dos consumidores com meses ou anos de
antecedência, para a própria garantia do sistema.
Desta forma, as grandes empresas exerciam forte controle sobre o que era vendido e
também sobre o que era fornecido, possuindo na maioria das vezes uma estrutura
verticalizada. A preocupação e o objetivo era substituir o mercado pelo planejamento, e
assim; para planejar com eficiência, o processo de produção tinha de ser organizado com
exatidão e previsibilidade (ou seja, utilizando-se dos fundamentos do taylorismo e do
fordismo).
As normas e os procedimentos operacionais padronizados determinavam quem fazia o
quê e como. As pessoas, em sua maioria, não deveriam pensar por si mesmas, a não ser sob os
parâmetros mais estreitos. O pensamento original, na maioria dos casos, colocaria em perigo
todo o plano. O velho poder das vastas economias de escalas conseguia diluir custos e fixar
preços altos, determinando os volumes de produção, definindo os estilos de vida e até os
níveis de qualidade dos produtos oferecidos, sem qualquer preocupação ou medo da
concorrência (sendo esta ainda incipiente).
Neste momento, os grandes homens de negócios agiam como estadistas, preocupados
com o crescimento e o bem estar coletivo, agindo não somente pelo crescimento e pelo
15
Até hoje essa lógica prevalece, sendo que a estratégia mais comum empregada pelas grandes corporações é a de aquisições
e fusões com empresas menores (e atuais concorrentes) para assim ampliar seu poderio e manter sua hegemonia por mais
tempo.
57
sucesso da empresa (aumentando seus lucros), mas pelo bem estar da nação, pela melhoria de
vida da grande maioria das pessoas (responsáveis pela consolidação da classe média),
atuando, portanto, mais como gestores públicos do que administradores.
“Esses líderes de negócios tinham condições de atuar como estadistas
empresariais trabalhando, na opinião deles, para a melhoria do país, em
vez de, estritamente, para o benefício de seus clientes e acionistas porque
o sistema oligopolista lhes concedia o mandato de estadistas. Da mesma
maneira como podiam conceder a seus trabalhadores de fábrica salários e
benefícios generosos, sem se preocupar-se com a concorrência, também
podiam ir a Washington para defender o Plano Marshall, sem recear que
algum rival lhes roubasse fatias de mercado, enquanto se dedicassem a
outras questões” (REICH, 2007: 45).
Existia, conjuntamente, uma política de regulamentação que permitia certo equilíbrio
entre os interesses privados das empresas e o atendimento de demandas e melhores condições
de vida aos cidadãos. Tal parceria permitiu a construção de um ambiente extremamente
favorável de crescimento econômico e social, resultando no bem estar de milhares de
cidadãos e na construção e consolidação de inúmeras poticas sociais. As corporações
aprenderam a arte da estabilidade (ou se aproveitaram dela), permitindo a longevidade dos
necios e a consolidação da classe dia, através do crescimento dos empregos e da renda.
Um item de fundamental importância foi a maneira pela qual os negócios eram internamente
organizados, utilizando-se dos princípios da escola clássica e científica; estando a empresa
estruturado sob o viés da burocracia.
A sociedade norte-americana, através das suas empresas, como ícone de
representatividade dessa lógica de crescimento e distribuição da riqueza, contribuiu para a
construção de uma forte classe média, durante as décadas de 1930 a 1970; que em
contrapartida deveria retribuir com um aumento cada vez maior do consumo. Consumir era
tido como um ato de cidadania e de melhoria do bem estar coletivo.
É preciso destacar o papel dos sindicatos como essencial nesta trajetória. As
negociações entre os sindicatos e as empresas foram uma das características centrais para a
consolidação e sustentação do que Reich (2007: 30) denominou de capitalismo democrático.
“As negociações entre ambas as partes sobre salários e condições de trabalho estabeleciam
padrões para toda a economia, difundindo os benefícios da alta produtividade e contribuindo
58
para o crescimento da classe média americana”. Assim, a riqueza pode ser distribuída de
forma mais homogênea e tanto o poder de consumo como o acesso aos benefícios e melhores
condições de trabalho se tornaram um ponto importante no desenvolvimento da sociedade e
na construção da cidadania. Para as empresas era mais vantajoso aceitar as reivindicações,
contribuindo pela melhoria das condições de trabalho e distribuição da riqueza do que ter a
produção paralisada. De qualquer forma, depois de um determinado momento, as empresas
repassavam os aumentos de preço e as negociações acertadas com os sindicatos aos
consumidores, que sem opções pela baixa concorrência, arcavam com o aumento dos preços.
“A regulamentação estabilizava os setores, preservava os empregos e
salários, e protegia as bases econômicas das comunidades em que as
empresas regulamentadas tinham sede ou com que faziam negócios.
Também procuravam equilibrar as demandas das empresas por lucro com
as exigências do público por serviços seguros, justos e confiáveis” (REICH,
2007: 23).
Ainda dentro deste cenário extremamente otimista, vale destacar que as ações e
estratégias das empresas estavam pautadas em poticas de longo prazo, visando à
consolidação e fortalecimento da própria sociedade, através do acesso a bens de consumo
conjuntamente com poticas de bem estar social e práticas de cidadania. A própria
remuneração dos altos executivos estava distante de resultados imediatistas e/ou práticas e
técnicas de eficiência e eficácia operacional. O mercado respondia sistematicamente de
maneira favorável ao crescimento da produção, que imaginava e determinava em diversas
situações a demanda.
Neste período o mercado de ações e a busca por investimentos de liquidez imediata
eram ainda incipientes, somente 16%
16
dos americanos possuíam ações e a uma boa parte das
empresas sociedades anônimas ainda pertenciam a ricos homens de negócios. A distribuão
dos dividendos e lucros, era muito limitada; ficando grande parte disponível para o
reinvestimento em equipamentos e melhorias técnicas para garantir as economias de escala,
tidas como o carro chefe da sustentação dos oligopólios e da garantia da manutenção no
mercado e da determinação dos preços. A grande maioria das empresas não distribuía seus
lucros aos acionistas como dividendos, fato que será alterado, com conseqüências decisivas na
condução dos negócios, e cuja analise sefoco no capítulo 3. Com o aumento cada vez maior
16
Ver Reich (2007).
59
da concorrência e a constante diminuição dos rendimentos, as empresas se viram obrigadas a
buscar novos mercados e a diversificar seus portfólios na tentativa de manter suas posições
até então conquistadas.
2.4.2 Novo contexto histórico: globalização
Com o crescente aumento da concorrência, as empresas se viram obrigadas e
reestruturar suas formas de atuação, alterando suas poticas de rentabilidade e estratégias de
investimento.
Como já descritos anteriormente, alguns pontos determinantes podem ser identificados
neste novo estágio do capitalismo, tendo as corporações e a política neoliberal como agentes
centrais e decisivos nesse processo. Um ponto importante que caracteriza essa nova dinâmica
é o aumento da concorrência às empresas norte-americanas (tidas na década de 1970 como as
mais inovadoras e competitivas), por parte de empresas japonesas e alemãs; trazendo a
necessidade de ampliar os mercados de consumo e buscar novas formas de rentabilidade do
capital. O ponto chave nesta trajetória é a consolidação das poticas neoliberais e a intensa
volatilidade do capital, que agora se encontra livre para buscar melhores oportunidades de
retorno; através da queda das poticas reguladoras, que controlavam e restringiam a busca por
novas formas de valorização. A iia central era abrir à acumulação de capital, novos campos
de atuação até então considerados excluídos das oões e do acesso das grandes corporões.
Muitas empresas passaram a buscar novas formas de rentabilidade e valorização do
capital, muitas vezes distantes do processo produtivo em si, e fortemente ancorados em
operões financeiras e especulativas. A partir da desregulamentação via políticas neoliberais
e com o aumento acirrado da concorrência e da exigência por parte dos consumidores de
produtos diversificados e com qualidade; as empresas foram buscar novas formas de
rentabilidade (apesar do alto risco), majoritariamente centradas em operações financeiras,
alterando o espaço de acumulação da produção para as finanças.
Estas transformações representam um marco decirio na capacidade de
adaptabilidade das empresas. Durante longos anos de pouca concorrência, devido ao
oligopólio presente na maioria dos principais setores da economia, conjuntamente com um
papel bastante limitado tanto pela oferta, quanto pelo conhecimento, da classe consumidora
em geral, as empresas desempenharam suas atividades com relativo equilíbrio e estabilidade,
60
facilitados pela produção em massa e pelas fortes barreiras à entrada para quebra dos
monopólios muito tempo estabelecidos nos principais setores.
Entretanto, como apresentado anteriormente, as estruturas tanto no campo da oferta
de bens de consumo, quanto do lado da demanda sofreram alterações significativas. Pelo lado
da oferta, é possível observar um aumento representativo no número de competidores no
mercado, agindo agora em âmbito global e não necessariamente possuidores de todos os
setores e departamentos antes tidos como necessários para a existência de uma empresa. Ou
seja, é possível através das tecnologias de informação e das estruturas em rede o surgimento
de empresas que criam e comercializam seus produtos sem possuírem uma única planta
produtiva sob o seu comando.
pelo lado do mercado consumidor, pode-se observar um significativo aumento da
oferta de produtos, através da diversificação e de inovações constantes e a construção de uma
nova conscientização e maturidade dos consumidores que buscam ofertas, conhecimento,
interatividade e muitas vezes exigem e se felicitam ao participarem ativamente da criação ou
transformação de algum produto ou serviço. Com o aumento das dias digitais e interativas,
os consumidores participam como agentes atuantes no processo, estando muito distantes
daquele arquétipo passivo tão comum nos anos de 1980. Essas fases da evolão da empresa
capitalista podem ser identificadas no quadro abaixo:
61
Quadro 2.2 - Empresa, gestão e períodos de desenvolvimento do capitalismo
Consolidação
Golden Age
Globalização
Quando
Século XIX
1950’s – 1970’s
1980’s -
Marco tecnológico
1ª e 2ª Revolução industrial:
vapor, depois eletricidade,
petróleo, siderurgia e química
Consolidação da 2ª Revolução
Industrial
Tecnologia da informação e
microeletrônica: 3ª
Revolução Industrial
Marco conceitual
Liberalismo
Keynesianismo (e.g. maior ação
do Estado)
Neoliberalismo
Concorrência
Forte concorrência
predatória:laissez-faire,
laissez-passer
Oligopólio concentrado, estável
e regulamentado:”capitalismo
democrático
Oligopólio concorrencial,
instável e
desregulamentado:
supercapitalismo neoliberal
Mercados e consumo
Isolados mas em processo
de integração nacional via
expansão da estrada de ferro
Integrados nacionalmente,
consolidação da sociedade de
consumo de massas (sobretudo
bens duráveis)
Integrados globalmente,
forte expansão do consumo
conspícuo e do consumismo
Tamanho e tipo das
empresas líderes
Pequena, mas crescente
Grande empresa multidivisional,
verticalizada
Empresa-rede de alcance
global, desverticalizada
Propriedade do capital
Controle quase sempre
familiar
Controle pulverizado
Grandes blocos de controle
(e.g. fundos) x acionistas
minoritários
Poder decisório
Proprietário: “capitão da
indústria”
Consolidação da Tecnoestrutura
(cisão entre controle e
propriedade, corpo diretivo
profissionalizado)
Alta direção, papel decisivo
do CEO, do Board e da
governança corporativa
Objetivos centrais da
direção
Sobrevivência competitiva
Crescimento de longo prazo e
diversificação
Valorização acionária de
curto prazo
Modelo de gestão
Centralizado no proprietário,
sem níveis hierárquicos,
operários controlam cada vez
menos o processo produtivo
Paradigma mecanicista,
administração científica,
fordismo, burocracia, níveis
hierárquicos
Paradigma TI,produção
enxuta e flexível, toyotismo,
administração por
projetos/empowerment
Impactos sobre a renda
Forte concentração da renda
Melhor distribuição da renda
Reconcentração da renda
Fonte: Elaboração própria
Como resposta às profundas mudanças no sistema capitalista as empresas buscam
durante toda a sua trajetória, desenvolver novas bases de sustentação de suas estratégias,
olhando tanto para o macro ambiente, quanto para o próprio ambiente de necios e suas
práticas de gestão. É este ponto precisamente que será abordado a seguir.
2.5 Alterações nas práticas de gestão
Os efeitos econômicos, sociais e administrativos dessas mudanças podem ser sentidos
em diferentes frentes e acabam por impulsionar novas tentativas de adaptabilidade e modelos
por parte das empresas, no intuito de se tornarem mais dinâmicas, flexíveis e competitivas. A
inteão aqui é apresentar os dois principais modelos de gestão organizacional: o paradigma
fordista, hegemônico até os anos 1990 (estando muitas vezes ainda presente em grandes
setores da economia) e o paradigma das tecnologias de informação, sendo este atualmente a
forma predominante das empresas na busca por maior adaptabilidade a este novo cenário
competitivo; além de suas características e como se deu essa transição.
62
2.5.1 Paradigma fordista
O crescimento da grande empresa está fortemente atrelado a uma cadeia de eventos
interligados, sendo que os principais são: a disseminação da eletricidade, o desenvolvimento
do motor a combustão e as inovações organizacionais centradas na teoria taylorista e na
produção em massa associada a Henry Ford e a indústria automobilística.
Tendo como foco a questão da eletricidade, a pulverização desta permitiu um aumento
significativo do uso e do desenvolvimento de máquinas maiores e mais eficientes, sendo um
estímulo decisivo para a disseminação da produção em massa. Juntamente com a eletricidade
vieram a criação de diversas inovações que resultaram no desenvolvimento de setores
decisivos para a economia, como o setor elétrico e a indústria de eletrodomésticos.
O motor a combustão interna deu origem ao automóvel, ao trator, ao caminhão e
posteriormente ao avião. Seu surgimento ocorreu na Inglaterra, porém por volta de 1860 o
centro de desenvolvimento passou a se concentrar na França e na Alemanha, sendo que neste
último país houve importantes avanços que vieram a formar a Daimler-Benz, o primeiro
fabricante de automóveis do mundo e hoje oder no mercado de caminhões e ônibus.
Apesar do forte desenvolvimento ocorrido na Alemanha, foi nos Estados Unidos que a
indústria automobilística ganhou proporções gigantescas através da aplicão de inovações
organizacionais inspiradas na teoria taylorista e na criação da linha de montagem por Henry
Ford, possibilitando um aumento significativo da eficiência, uma redução expressiva dos
custos e um aumento exponencial da produtividade, reduzindo o preço do Ford T de US$ 950
em 1909, para US$ 730 em 1917; com uma escala de produção que passou de 10.607
unidades para 730.041 unidades. O resultado dessas inovações foi que a escala de produção
na Ford cresceu 70 vezes, as receitas operacionais aumentaram 30 vezes e os preços caíram
para menos da metade
17
.
A teoria mecanicista teve seus princípios baseados na administração científica criada
por Frederick Taylor no início do século XX. Taylor defendia a análise e a padronização de
cada etapa (movimento) do processo de trabalho, buscando o melhor desempenho no gasto de
energia. Deste pensamento decorrem dois princípios básicos que acabaram por nortear a
administração clássica: o primeiro dizia que tudo o que deve ser “pensado” é feito por
gerentes e planejadores enquanto tudo o que deve ser “feito” fica com os trabalhadores. O
17
Ver: Chiavenato (2006); Mowery & Rosenberg (2005); Rago & Moreira (1987).
63
segundo princípio introduz a tecnologia e a mensuração de cada movimento do trabalho,
transformando os trabalhadores em acessórios das máquinas, controlados e ritmados pela
organização e, que paulatinamente, deixam de usar suas habilidades específicas e artesãs.
“Nesta perspectiva, a criatividade, a iniciativa e a concepção competiam
aos especialistas dos departamentos “nobres” de pesquisa e
desenvolvimento, de análise, de planejamento, e todo o restante da
organização estava para executar, com diligência e submissão, os planos
de trabalho e os objetivos estrategicamente definidos na alta cúpula. O
empregado ideal, nessa ordem, era “o homem certo no lugar certo”,
obediente e zeloso instrumento de execução das instruções recebidas”
(Aktouf, 2003: 208).
De acordo com Sabbatini (2005), tais princípios tiveram grande êxito quando da
criação da produção em massa, que requeria racionalidade e agilidade na busca por eficiência,
além do grande volume produzido. Desta forma, através de uma linha de montagem com
produtos intercambiáveis, utilizando-se da teoria científica de Taylor, buscava-se simplificar
ao máximo cada etapa do trabalho, especializando os operários em funções bastante simples e
exigindo que o empenho do trabalhador estava determinado pela sua capacidade em se
adaptar ao ritmo da quina, cooperando sempre para aumentar a produtividade. Ignoravam-
se assim, as possíveis habilidades específicas de cada trabalhador, criando um processo de
supervisão e treinamento onde a o de obra se tornou barata, desvalorizada, fácil de treinar,
fácil de supervisionar e, conseqüentemente, de substituir. A empresa passa a ser vista e
vivenciada como uma máquina.
Este enfoque mecanicista de administração, com a criação de formas padronizadas de
conduta, com a responsabilidade limitada de cada trabalhador, com a perda da visão do todo,
com a obediência passiva e a criação e manutenção da burocracia e da autoridade (através das
normas e procedimentos) criou uma empresa estruturada sob os moldes da quina e da
eficiência e apta a responder em ambientes extremamente estáveis e conhecidos, sendo que a
questão do ritmo, do controle e do planejamento de conseguir sempre mais produtividade
extrapolou a produção e determinou a cultura e o modo de pensar do século XX.
A aplicabilidade de um método científico, através do controle do tempo e dos
movimentos trouxe a esta teoria a credibilidade necessária para evitar questionamentos e
dúvidas quanto ao seu sucesso em qualquer situação apresentada, desenvolvendo uma “receita
64
de bolo” que seria copiada pelos mais diversificados setores da economia. O papel do
trabalhador era participar com sua energia (nos resultados) e não na elaboração do processo
produtivo.
A empresa era entendida como um elemento desconectado com o ambiente, como já
afirmava Henry Ford: a produção em massa precede o consumo em massa; ou seja, bastava
reduzir ao máximo os custos de produção e consequentemente o preço; que automaticamente
a venda era tida como certa. Tal pensamento pode ser comprovado com a frase clássica de
Ford ao dizer que o consumidor poderia escolher qualquer cor de carro, desde que fosse preto.
A teoria clássica da administração trouxe o conceito de maximizar os recursos (mão de obra e
maquinário) ao máximo, desenvolvendo um processo racional do ato de produzir, através da
padronização das tarefas e dos procedimentos (cuja estratégia e planejamento se
concentravam nas mãos dos gerentes, retirando a habilidade e a possibilidade de intervir das
os dos trabalhadores) e finalmente criando cenários passíveis de controle com resultados
sempre previsíveis.
Entretanto, na maioria dos casos, apesar da eficácia deste modelo durante muito
tempo, verificou-se que a aplicação deste processo de gestão gerou empresas com grandes
dificuldades de adaptabilidade a circunstâncias de mudanças e a cenários turbulentos.
Detentor de uma burocracia nada flexível, este processo de gestão, provocou uma
desvinculação total dos funcionários com o trabalho, com os interesses da empresa e seus
próprios interesses, além de criar uma massa de trabalhadores alienada e apática.
Entretanto, o cenário foi se alterando e as empresas passaram a encontrar dificuldades
em responder às profundas transformações que vêem ocorrendo, principalmente após a
década de 1990.
Os remédios frequentemente utilizados para combater certos problemas se tornam
ineficientes frente às dificuldades até então desconhecidas e inimagináveis. Como já relatado
por Sabbatini (2005), as empresas se deparam com desafios tanto do front externo
(consumidor, concorrência, infidelidade às marcas); quanto internamente (busca por inovação
x organizações mecanicistas, flexibilidade x hierarquias, global x local) na tentativa de
adaptação a este novo cenário, emergente a partir dos anos 90. Frente à existência de uma
história de mais de cem anos de políticas mecanicistas, resta questionar: como criar e
desenvolver novas formas de cultura organizacional, estratégias e posicionamento na
construção de empresas mais fleveis e aptas a enfrentar um novo padrão de concorrência e
65
novas exigências do mercado consumidor? E ainda, como inserir em empresas de história
tradicionalmente mecanicista, conceitos como diferenciação, flexibilidade, criatividade e
competitividade exigidas através deste novo padrão de concorrência?
Tais demandas estão hoje no centro do debate das empresas, que se encontram com a
chegada do século XXI, em profundo questionamento aos padrões antes utilizados e buscam
encontrar novas soluções tanto para as estruturas organizacionais quanto para as estruturas
produtivas. Com a globalização dos mercados e a financeirização do capital, além do aumento
acirrado da concorrência; as empresas passam a buscar novas estratégias organizacionais,
além de inovações tecnológicas como saídas para a própria sobrevivência.
2.5.2 Paradigma das tecnologias da informação
Como relatam Benkeler (2006), Boltanski & Chiapello (2009), Reich (2007), Roberts
(2007) e Tigre (1998), as tecnologias da informação têm um papel central nesse processo de
transformação no qual as empresas buscam se adaptar às frequentes mudanças no ambiente,
no intuito de manter as posições antes consolidadas, mas chegando inclusive a buscar
estratégias para alterar suas poticas de atuação e criar vantagens competitivas que auxiliem
na sua própria sobrevincia. Hoje o que está em jogo não é somente uma posição ou um
espaço anteriormente conquistado no mercado, mas sim a necessidade de fazer com que a
empresa mude e consiga sobreviver através da criação de diferenciais sustentáveis.
O desenvolvimento na área da informática e da comunicão através da aplicação de
novas tecnologias vem permitindo a criação de diferenciais tanto nos produtos quanto nos
processos e principalmente nas áreas de logística e planejamento. Os novos sistemas de
comunicação, juntamente com a globalização, passaram a comandar o processo de mudança
presente em várias organizações e que se estende desde a negociação de matérias primas,
passando pela produção, distribuição e chegando ao conhecimento e análise do mercado
consumidor.
As ferramentas advindas das tecnologias de informação também são responsáveis pela
criação de inúmeras inovações que podem ser projetadas e testadas através de simulações e
que acabam por encurtar o processo de desenvolvimento de novos produtos, além de
direcionar melhor os esforços, reduzindo significativamente o tempo entre as especificações
iniciais e a execução do projeto final. Isso possibilitou que as empresas desenvolvessem um
66
sistema contínuo de lançamento e desenvolvimento de novos produtos e processos na
tentativa de melhorarem sua competitividade frente à concorrência.
“Primeiro, as tecnologias de informação permitiram aumentar o ritmo das
inovações, tanto em produtos quanto em processos. ... Consequentemente,
produtos e processos estão se tornando mais diferenciados e renovados mais
rapidamente, acelerando a velocidade do ciclo de vida do produto e o ritmo
da obsolescência técnica” (TIGRE, 1998: 89).
Além disso, as tecnologias de comunicação permitem uma ágil e maciça troca de
informações e conhecimentos, além do desenvolvimento em conjunto de diversos centros de
pesquisa e/ou design espalhados pelo mundo que acabam por compartilharem dados e
multiplicarem seu potencial individual de pesquisa de maneira integrada e rápida.
Como consequência das profundas transformações ocorridas após a década de 1990, as
empresas se viram obrigadas a administrar a instabilidade e transitoriedade dos mercados,
principalmente em se tratando do comportamento dos consumidores, apresentando produtos
com ciclo de vida mais curtos, muitas vezes atrelados às tendências da moda e cada vez mais
diversificados de acordo com hábitos, visões de mundo ou características de determinados
grupos de pessoas.
Neste contexto é fundamental que a empresa altere seus padrões de produção e
distribuição, além da própria interação com seu mercado consumidor. O ponto de partida
dessa mudança é a possibilidade da empresa ser flevel e conseguir constantemente
apresentar inovações ao mercado que venham a garantir a manutenção de certas posições
conquistadas até então. E é também neste ponto em que se encontra o maior obstáculo a ser
superado, pois se desenvolve no caminho oposto aquele frequentemente traçado pelo
paradigma mecanicista, assentado na especialização e divisão do trabalho, na padronização e
no controle total das etapas, além da baixa possibilidade de inovações.
“Tal flexibilidade requer a adoção de novas formas de organização da
produção que enfatizem uma estrutura horizontal de informação,
descentralização da produção e uma nova forma de coordenação da força
de trabalho, com ênfase na maior autonomia, polivalência e distribuição da
inteligência” (TIGRE, 1998: 90).
67
Na busca por novos produtos, serviços e mercados; as empresas precisam desenvolver
canais e processos de participação ativa por parte dos funcionários, quebrando a lógica da
separação entre concepção e execução do trabalho, para transformar cada funcionário em um
artesão criativo, dimico e participativo; capaz de contribuir além da sua energia mecânica e
trazer melhorias competitivas e inovações para a empresa. A habilidade da empresa está em
diagnosticar as novas situações e as oportunidades que surgem diariamente no mercado,
adotando um curso de ação significativo para a obtenção dos objetivos propostos.
Portanto, com uma nova estrutura de gestão, baseada no trabalho em equipe,
organizada por células, com funções redefinidas continuamente, organogramas flexíveis,
decisões descentralizadas e capacidade expandida de informações; a empresa deve estar
orientada a pensar estrategicamente (tanto interna como externamente), permitindo a seus
funcionários uma participação ativa e uma comunicão fluida, orientando e planejando suas
ações a partir de uma análise minuciosa do mercado (com freqüentes mudanças nas
quantidades, mix e desenho dos produtos), do público consumidor e de seus concorrentes,
integrando ativos tangíveis e intangíveis e trabalhando a comunicação como uma ferramenta
estratégica.
Para facilitar a coordenação e o aprendizado, [os executivos] têm
experimentado conectar diretamente seus funcionários de diversas partes da
companhia, de modo que a comunicação se torna mais horizontal, e não
apenas um processo de cima para baixo na hierarquia. Muitos tentaram
também redefinir a natureza do relacionamento que têm com seus
empregados ao tentar redesenhar a própria natureza do trabalho e do
emprego”. (ROBERTS, 2007: 2-3)
18
Assim, a freqüente necessidade de adaptar o processo produtivo às mudanças do
mercado acaba por exigir das empresas um rompimento (mesmo que parcial), do paradigma
mecanicista e sua rigidez característica, além da forte coordenação hierárquica. Faz-se
necessário também a substituição do planejamento antecipado da produção pelo conceito de
visão estratégica e monitoramento constante, permitindo que a empresa dance conforme as
oscilações do ambiente. É fundamental esclarecer que existem variados graus de flexibilidade,
que estão diretamente relacionados ao setor industrial e suas respectivas particularidades, o
18
No original, antes de tradução própria: To facilitate coordination and learning, they have experimented with linking
people in different parts of their organizations directly, so that communications are more horizontal and not just up and down
the hierarchy. Many have also tried to redefine the nature of the relationship they have with their employees while
redesigning jobs and the very nature of work”. (ROBERTS, 2007: 2-3)
68
que acaba por resultar em empresas com diferentes estágios e graus de flexibilidade e
adaptação. Para Tigre (1998):
“A visão inclui a avaliação permanente das oportunidades, vantagens e
desvantagens competitivas defrontadas pela firma em ambientes
competitivos mutáveis e o desenvolvimento de uma capacidade de resposta,
através de um processo de seleção, aprendizado e estabelecimento de novas
rotinas operacionais(TIGRE, 1998: 91).
A luta pela melhoria da competitividade extrapolou as questões relativas ao produto e
agora depende significativamente das questões relativas à capacidade de articulação, à
comunicação, à gestão organizacional e aos relacionamentos com os diversos públicos com os
quais a empresa interage.
Nesse novo cenário as empresas se vêem obrigadas a desenvolver alianças estratégicas
e redes como forma de articular recursos produtivos e tecnológicos, buscando complementar
competências nas áreas de pesquisa & desenvolvimento, produção e vendas. Tal fato se
porque as empresas não conseguem mais reunir individualmente a capacitação tecnológica e
os ativos necessários para promover a integração vertical, trazendo ainda alta rentabilidade e
mantendo índices frequentes de inovação. Desta forma, através de agentes dispersos
espacialmente, de uma coordenação não hierarquizada e com alto grau de intercâmbio de
informações, as empresas desenvolvem alianças estratégicas e passam a oferecer vantagens
competitivas mais sustentáveis.
O quadro abaixo sintetiza as principais características dos dois paradigmas descritos
acima:
69
Quadro 2.3 - Mudanças do paradigma fordista para o das tecnologias da informação
Paradigma fordista
Paradigma das tecnologias da informação
Intensivo em energia
Intensivo em informação
Padronização
Customização
Mix de produtos estável
Rápidas mudanças no mix de produtos
Produtos com serviços
Serviços com produtos
Firmas isoladas
Redes de firmas
Estruturas hierárquicas
Estruturas horizontais
Departamental
Integradas
Centralização
Inteligência distribuída
Especialização
Polivalência
Planejamento
Visão
Controle governamental
Papel do governo: informação, coordenação e regulação
Fonte: Tigre (1998: 89)
Ao confrontarmos os dois paradigmas sob a ótica dos gerentes, é possível perceber
uma demanda latente em aumentar a participação na tomada de decisões, buscando ao mesmo
tempo desenvolver autonomia pessoal e contribuir para o projeto coletivo. Boltanski &
Chiapello (2009) através de uma profunda análise da evolução da gestão empresarial traçam
um paralelo entre os anos 60 e os anos de 1990, buscando identificar as transformações e as
novas demandas.
Os anos de 1960 possuíam dois grandes problemas a ser gerenciados: a grande
insatisfação dos executivos (decorrência entre outras coisas da estrutura burocrática e
hierárquica das companhias) e as dificuldades de gestão associadas ao gigantismo das
empresas. A crise dos executivos passa primeiramente pela crítica ao lugar de especialista,
estando orientado para uma determinada função e num segundo momento como transmissor
de informações e ordens do topo para a massa de trabalhadores e da massa para a cúpula
diretora. Neste momento sua aspiração é compartilhar o poder de decisão, ter mais autonomia,
poder compreender a complexidade da organização, ter informações sobre as estratégias e
políticas do negócio. As empresas ao se tornarem complexas e grandes, acabaram por
acrescentar níveis hierárquicos na tentativa de responder e acompanhar tal crescimento, sem
delegarem uma única parcela de poder.
70
“O gigantismo sempre enseja um enorme formalismo nas relações, desde as
fórmulas regulamentares até os formulários, usados em abundância. Chega
a ocorrer em certos departamentos que o indivíduo deixe de ser conhecido,
passando a ser representado e manipulado somente pelas perfurações
cifradas e codificadas de um retângulo de cartolina. ... Nesse estágio,
evidentemente ele tem muita dificuldade para enxergar o objetivo final da
empresa” (COLIN, 1964 apud BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009: 92).
As tentativas em responder tais demandas passam pela busca por descentralização e
divisão de poder, juntamente com a aplicação da administração por objetivos. A
administração por objetivos vem responder, de maneira satisfatória, aos anseios dos
executivos por mais autonomia, ao mesmo tempo em que consegue determinar os objetivos e
controlar seus resultados, através de critérios claros e confiáveis. Os gerentes e executivos
passam a definir as metas e os objetivos para seus subordinados, porém permitindo que estes
decidam a melhor forma de alcançá-los. Para aplicar sua teoria criada em meados dos anos 50,
Peter Drucker estabelece ainda dois conceitos fundamentais para o sucesso da
descentralização: o empowerment entendido como dar poder de decisão aos gerentes e
executivos e o trabalhador do conhecimento, fazendo com que o trabalhador deixe de ser um
mero especialista e amplie sua visão e contribuição à complexidade das organizações.
Neste processo de transição, a emancipação dos executivos na busca por maior
legitimidade e poder, ocorre sobre o fundo da hierarquia, que não chega a ser questionada em
sua essência, mas sim esclarecida. A hierarquia continua presente, porém de forma mais
pulverizada, com a presença de equipes e um menor número de níveis hierárquicos;
entretanto, ela continua fundamentada no mérito aliado com a responsabilidade, ganhando
assim nova legitimidade e perdendo certos vínculos e símbolos que a tornaram ineficaz e
muitas vezes injusta.
“A cada executivo é concedida alguma autonomia, mas esta continua bem
enquadrada: por um lado pelas descrições de cargos, que possibilitam
especificar com detalhes as margens da autonomia concedida; por outro,
pela fixação, para cada um, de um objetivo coerente com a política geral da
empresa. (...) Ele ganhará certa autonomia na organização, terá meios à
sua disposição e será controlado, não em cada uma de suas decisões, mas
pelo resultado global” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009: 93).
71
A questão da burocracia é fortemente retomada nos anos de 1990, porém a crítica
agora é muito mais radical. Ela deve ser banida das organizações, por ser uma das razões de
dificuldade das empresas em se adaptarem as novas condições macroeconômicas, à forte
concorrência e às exigências dos clientes. Porém, principalmente as grandes organizações
encontram ainda sérias dificuldades na superação da hierarquia e da burocracia. A busca pela
flexibilidade e pela adaptação constante passa a ser o objetivo das organizações, estando
muitas vezes ainda longe de ser alcançado.
De acordo com Boltanski & Chiapello (2009) é a busca pela organização flexível e
inventiva que saberá “surfar” sobre todas as “ondas”, adaptar-se a todas as transformações
(cada vez mais dinâmicas) e ter sempre funcionários com novas idéias e conhecimentos
capazes de levar a empresa a ocupar posições à frente de seus concorrentes. Esta empresa
pode ser caracterizada como uma organização enxuta, que trabalha em rede com uma vasta
equipe ou por projetos, orientada para a satisfação do cliente e finalmente cuja motivação se
encontra na visão dos líderes e na possibilidade de participação ativa de seus funcionários.
“Os investimentos são feitos cada vez mais em colaboração com outras
empresas, por meio de alianças estratégicas e joint ventures, de tal modo
que a imagem típica da empresa moderna hoje em dia é de um núcleo
enxuto rodeado por uma miríade de fornecedores, serviços terceirizados,
prestadores de serviços e trabalhadores temporários que possibilitam variar
os efetivos segundo a atividade das empresas coligadas. Fala-se então em
rede de empresas” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009: 103).
Neste estágio de organização, é fundamental que a empresa saiba selecionar sua
atividade estratégia ou core business, mantendo aquela que ainda lhe concede vantagens
competitivas junto ao mercado e subcontrate as outras funções necessárias de outras
organizações que tenham mais condições de otimizá-las, podendo continuamente negociar as
especificações e controlar, se necessário, inclusive a produção. Neste caso uma das
habilidades essenciais para o sucesso da empresa, como já afirmou Tigre (1998) são as
tecnologias de informação, que permitem resolver vários problemas apresentados ao mesmo
tempo, buscando atender as necessidades de diferentes clientes e criando um efeito de
aprendizagem, intercâmbio e transferência de informações jamais vivenciado.
72
“Essas análises, de modo geral, põem em primeiro plano a importância da
informação como fonte de produtividade e lucro. Portanto, elas se
apresentam como altamente ajustadas a um mundo econômico no qual o
valor agregado não encontra sua fonte principal na exploração de
recursos geograficamente situados (como minas ou terras muito ricas), nem
na exploração de uma mão de obra fixa, mas na capacidade de tirar
proveito dos conhecimentos mais diversificados, de interpretá-los e
combiná-los, de criar ou de pôr em circulação inovações e, mais
geralmente, de manipular símbolos” (BOLTANSKI & CHIAPELLO, 2009:
103).
A análise da dinâmica das organizações e sua busca constante por planejamento e
controle permitem observar e comparar as características marcantes entre os dois principais
paradigmas administrativos (o paradigma fordista e o das tecnologias de informação). O
primeiro está fortemente ancorado no controle e planejamento da empresa e dos trabalhadores
como máquina; estando focando para os processos produtivos e de gestão do interior da
empresa. O segundo altera seu foco para fora do ambiente empresarial, para uma busca do
domínio e do controle de novas fronteiras além da empresa.
Tal iniciativa se dá primeiramente pela tentativa de controle dos mercados e da
concorrência, através das práticas e estratégias empresarias; passando pelo conhecimento do
comportamento dos clientes e pelo circuito de distribuição, através do marketing e da
logística; além de um forte controle dos fornecedores, através da gestão de compras e
finalmente buscando controlar a imprensa, a comunidade e o governo com a comunicação
institucional. Além disso, foram criados dispositivos para aumentar o controle interno nas
empresas junto à diretoria e à presidência; tentando amenizar o cssico conflito de interesses
entre acionistas e gestores e que será abordado no próximo capitulo.
73
2.6 Emergência de uma nova configuração
Neste constante processo de mudanças pelo qual o sistema capitalista e seu principal
agente a empresa vem passando, pode-se observar ainda novas transformações nas práticas
de gestão e no gerenciamento da imagem das organizações, além da gestão da reputação e da
comunicação.
Como já analisado no capítulo 1, profundas transformações ocorreram no
macroambiente. A desfronteirização de mercados reais e financeiros, através da consolidação
de blocos econômicos ou de mercados comuns; através da criação de acordos bilaterais e das
freqüentes quebras de barreiras de entrada em vários países e setores, possibilitou e ampliou a
circulação global do capital. A competitividade e a produtividade foram fortemente
estimuladas, inclusive com uma longa série de privatizações e uma paulatina diminuição do
poder e da influência do Estado. Novos players globais surgiram no mundo, notavelmente a
China que abriram oportunidades e novos desafios em uma velocidade sem precedentes.
Esse conjunto de transformações ampliou os fluxos de comércio e principalmente os
fluxos financeiros, aumentando significativamente a interdependência das estratégias entre os
países e principalmente entre as grandes empresas multinacionais. Observa-se uma
necessidade constante de inserção global para ganhos de produtividade e de market share,
além da gestão de mercados cada vez mais interconectados e a consequente quebra de velhas
hegemonias nacionais, através de um forte questionamento aos oligopólios até então tidos
como invencíveis.
“Novos países competidores, como os asiáticos, estabeleceram-se em
cadeias de negócios até então dominadas pelas economias centrais. Os
movimentos internacionais de capitais jamais foram o intensos exigíveis,
de investimento produtivo direto e especulativos voláteis. Em consequência,
as ações das companhias já não refletem apenas avaliações de agentes
domésticos. A entrada de investidores estrangeiros em todos os mercados se
dá em escalas crescentes” (ANDRADE & ROSSETTI, 2007: 96).
Nesta nova lógica de mercado, com a euforia constante por ganhos a curto prazo, é
fundamental a existência de padrões de análise e mensuração das empresas quanto a sua real
saúde financeira; além de um constante processo de perdas e ganhos atrelado a um alto risco.
74
Com a predominância cada vez maior da lógica financeira e dos ganhos de curto prazo, pouco
se desenvolve e se valoriza em relação à base produtiva. Juntamente com as transformações
de ordem global, o ambiente de negócios sofreu alterações na tentativa de se adequar e
usufruir de todas essas mudanças. Ocorreram consolidações setoriais, através de um forte
movimento de fusões e aquisições; estabelecendo-se novas estruturas de competição. Foram
definitivamente alterados os ambientes estáveis e controláveis, com riscos e oportunidades
previsíveis; predominantes na Era de Ouro e surgiram ambientes altamente complexos e
incertos; com muita turbulência e incerteza, exigindo por parte das empresas novas formas de
atuação, flexibilidade e capacidade de análise extremamente apurada. Os mecanismos e
modelos (vide receita de bolo), aplicados até então passaram a ser insuficientes, quando não
ultrapassados para responder às exigentes deste novo cenário.
Juntamente com esses fatores, as empresas se viram forçadas a reformular suas
estratégias de gestão e suas estruturas societárias que vêm sofrendo freqüentes alterações e
interferências do mercado global. Neste momento destaca-se o papel das práticas de
governança corporativa e os métodos de manutenção e controle da reputação e imagem das
empresas, considerado um importante diferencial e vantagem competitiva na atração por
investimentos e busca por melhores resultados no mercado.
O desenvolvimento das ideias e práticas de governança corporativa (foco do capítulo
3) fortemente presentes nos últimos 20 anos, ocorre principalmente por três razões
fundamentais: o aumento significativo dos conflitos de agência entre os acionistas e gestores
tanto pelo oportunismo cada vez maior de gestores face à dispersão do capital e ausência dos
acionistas, como pela luta constante entre os acionistas majoritários e minoritários por direitos
mais eqüitativos. A segunda razão ocorre pelo questionamento do papel dos conselhos de
administração e por anseios de mudanças de conduta e gestão destes, contribuindo para um
aumento da transparência e por um maior comprometimento quanto aos resultados almejados
e aqueles efetivamente obtidos. E a terceira razão é a crescente força do papel dos gestores,
com autobenefícios em escalas exageradas, geses muito focadas em curto prazo, diretrizes e
estratégias constantemente alteradas tendo muitas vezes o gestor como beneficiário imediato
e, por fim, a manipulação dos resultados.
75
“Apenas uma parte dos conflitos tem a ver com a astúcia oportunista de
práticas autoconcedentes de benefícios, exageradamente conflitantes com a
geração de valor para os acionistas, como remuneração e bônus da alta
gerencia ...Outros conflitos resultam de gestão mais focada em gerar
resultados de curto prazo, não sustentáveis, mas que produzem um falso
brilho, que, embora efêmero, implica pagamentos correntes de prêmios não
condizentes com a sustentabilidade de longo prazo dos negócios
corporativos” (ANDRADE & ROSSETTI, 2007: 92).
Portanto, as empresas têm buscado assimilar e internalizar as boas práticas de
governança corporativa, principalmente depois dos escândalos de 2001 e da crise de 2008, na
tentativa de minimizar os riscos e de certa forma controlar o crescente aumento de poder dos
gestores que, com a possibilidade de remuneração através de stock options, passaram a agir
muitas vezes em benecio próprio.
Outro aspecto fundamental hoje no cenário empresarial é a busca pela boa reputação e
credibilidade junto ao mercado. As empresas têm procurado estabelecer relações que possam
lhes trazer diferenciais junto aos seus concorrentes, aos investidores e ao mercado como um
todo. Uma reputação favorável significa maior atratividade daquela empresa junto aos seus
stakeholders, estabelecendo vantagens competitivas sustentáveis. Com isso, uma grande
valorização da comunicação organizacional e das práticas de relações públicas.
Como apontado por Caixeta (2008), a ampliação da importância da reputação
empresarial como recurso estratégico nos últimos anos vem ajudar numa melhor inserção das
empresas nos mercados globais, uma vez que estas são forçadas a uma avaliação constante de
suas políticas corporativas, ações e interações nos mercados em que atuam. Desta forma,
ampliam-se os esforços das empresas para mostrar e valorizar suas qualidades intrínsecas e
extrínsecas junto aos seus consumidores; realizar junto aos acionistas uma performance mais
favorável; trabalhar junto aos ambientalistas ações efetivas de preservação; desenvolver junto
aos empregados uma relação mais justa e democrática e finalmente realizar junto à
comunidade projetos de melhoria e responsabilidade social.
Neste cenário altamente competitivo, a construção da reputação e de boas práticas de
governança corporativa podem, atualmente, se tornar atributos cruciais para a conquista e
manutenção de posições no mercado, além de contribuir no fortalecimento e na própria
sobrevincia da organização.
76
“Sabemos que uma imagem está baseada na percepção. E o que determina
uma percepção positiva ou negativa são os valores associados a uma
imagem. Por isso, o esforço de consolidar uma reputação deve ser
permanente, porque devemos atuar arduamente para associar as imagens às
quais servimos aos valores sociais, culturais, éticos e históricos que as
fortaleçam. Nesse sentido, reputação não pode ser vista como uma espécie
de comenda, não como uma medalha. Reputação é um ativo, um patrimônio.
E como qualquer ativo, é preciso trabalhar permanentemente para que se
mantenha positivo, inclusive para que possa servir de lastro ou reserva na
eventualidade de uma crise” (ROSA, 2007: 66).
Também para Rosa (2007), as reputações não se sustentam em circunstâncias abstratas
e devem ser constantemente gerenciadas, ainda mais nesta nova sociedade digital em que
todos agora habitam.
“Reputação é um ativo, um patrimônio. E como qualquer ativo, é preciso
trabalhar permanentemente para que se mantenha positivo, inclusive para
que possa servir de lastro ou reserva na eventualidade de uma crise”
(ROSA, 2007: 66).
Para defender e zelar pela reputação é fundamental que as empresas expressem
confiança e credibilidade não nos produtos, mas em todas as relações que permeiam a
organização. Desta forma, como enfatiza Rosa (2007), os novos parâmetros éticos deixam de
ser um recurso teórico (como comumente ocorria em um passado recente) e se transformam
em uma necessidade competitiva, como vem sendo apontado em recentes pesquisas
internacionais e que o autor classifica como 5 s da credibilidade, que possibilitam, através
de uma reputação positiva: comprar em melhores condições, cobrar e contratar melhor,
competir melhor e pagar custos menores.
Desta forma, tanto Rosa (2007) como Arruda et al (2007) acreditam que a ética não é
um tema abstrato ou do bom “mocismo”, mas é fundamentalmente o caminho para um bom
necio. A ética não deve ser vivenciada e interpretada como algo que vem de fora e é
imposto por outros, mas sim que passe genuinamente a fazer parte do dia a dia e das práticas,
condutas e comportamentos organizacionais.
Neste processo de integração das dimensões empresarias e éticas, é fundamental
perceber que a empresa concebida e administrada sob o caráter puramente econômico de
77
maximização do lucro acabará por relacionar-se com a ética de maneira compulsória, a partir
de pressões sociais ou regulamentações vindas do meio externo, sendo que a ética ocupa um
lugar tangente e periférico na organização. em empresas com múltiplos propósitos, com
orientação shareholders orientend, os objetivos vão além do pilar econômico, abordando
também o desenvolvimento social e a melhoria ambiental e acabam por contemplar todos os
públicos estratégicos relacionados com a organização, tendo a ética como pilar norteador
deste processo, além da comunicação integrada e das boas práticas de governança corporativa.
“Portanto, o desafio da ética corporativa é desenvolver estratégias
empresarias que possam, ao mesmo tempo, atender a responsabilidades
econômicas e sociais (e ambientais); em outras palavras, que possam matar
dois coelhos com um golpe ou atingir situações ganha-ganha para a
empresa e a sociedade (e o meio ambiente)” (ANDRADE ET ALLI, 2007:
15).
A tese aqui apresentada buscará provar que as práticas de comunicação organizacional
aliadas às práticas de governança corporativa podem contribuir para a construção de um
cenário e de uma imagem positiva da empresa, ou seja, sua reputação. Esta reputação e
credibilidade que atuam de forma determinante na capitação de recursos, na manutenção dos
clientes e na consolidação de diferenciais competitivos sustentáveis.
78
2.7 Conclusão
As fortes e profundas transformações no sistema capitalista obrigaram as empresas a
se reestruturarem, tanto produtiva como administrativamente. As empresas sob o paradigma
das tecnologias da informão fazem parte agora de uma rede de alianças estratégicas cujo
sucesso depende da interação e coordenação desses agentes dispersos geograficamente. A
complementaridade nas áreas de P&D, produção e vendas permite questionar a hegemonia
dos antigos oligopólios e desenvolver empresas antes limitadas a uma pequena área
geográfica ou escopo.
Neste cenário pode-se observar que a dinâmica econômica está intrinsecamente
relacionada com as inovações em produtos, processos e / ou nas formas de organização da
produção. As empresas buscam, através de tecnologias de comunicação e desenvolvimento de
sistemas de inteligência oferecer estratégias e produtos inovadores, fortemente ancorados sob
serviços e que possuem propositavelmente, uma curta vida útil.
Além disso, muitas empresas passaram a buscar novos caminhos de rentabilidade,
muitas vezes distantes do processo produtivo em si, e fortemente ancorados em operações
financeiras e especulativas. Muitas delas se tornaram reféns da valorização acionária e do
capital financeiro, em detrimento das estratégias de longo prazo e do crescimento sustentável.
De acordo com Crotty (2003), existem duas grandes mudanças criadas a partir da
globalização neoliberal que influenciaram e alteraram as estratégias e as taxas de retorno das
empresas, levando-as a essa nova postura e comportamento. Primeiro uma queda do
crescimento do mercado americano e um intenso aumento da concorrência nos principais
setores, o que acabou por diminuir as taxas de lucro; e segundo, uma transformação no
mercado financeiro, cada vez mais de curto prazo, obrigando as empresas a destinar uma fatia
cada vez maior do seu fluxo de caixa para financiar tais agentes financeiros, alterando as
políticas de ganhos e incentivos junto aos gestores e, principalmente, alterando as políticas de
longo prazo da empresa.
Já no início dos anos de 1990, as empresas se encontravam entre dois grandes dilemas:
a intensa competição entre os produtos gerou uma drástica diminuição nos ganhos e nas taxas
de lucro (muito comuns na Era de Ouro), que já não crescem mais de forma exponencial;
enquanto o mercado financeiro passa a exigir das empresas um aumento cada vez maior da
79
rentabilidade e do valor de suas ações, buscando evitar ao máximo a tomada de capital,
através de takeovers
19
hostis.
“Investidores agressivos (raiders) confiam inicialmente em endividamento
para financiar aquisições (takeovers) hostis, enquanto os executivos das
empresas alvo destas takeovers se defendem dos raiders em potencial
lançando mão da recompra de suas próprias ações (através de
endividamento) e/ou de mecanismos especiais de distribuição de lucros em
dinheiro. Este processo de defesa elevou os níveis de endividamento das
corporações não-financeiras para recordes históricos. Além dito,
implicaram numa mudança nos objetivos estratégicos da gestão: da
preocupação com o crescimento de longo prazo para a obsessão de curto
prazo em manter o preço das ações suficientemente elevado para deter
takeovers hostis” (CROTTY, 2003: 2)
20
.
Nos anos de 1950, cerca de 90% das ações pertenciam às famílias americanas, que as
mantinham por um longo período, muitas vezes sem receber dividendos anuais. No final dos
anos de 1970, essa taxa caiu para 59%, mas mesmo assim o turnover ainda não passava de
20%. Entretanto, nos anos 2000, as famílias americanas possuíam menos de 40% das ações
comercializadas; enquanto os agentes institucionais (como fundos de pensão) passaram a
concentrar mais de 46% destas, sendo responsáveis por mais de três quartos de todas as
negociações no mercado de ações. Neste cenário, o turnover chega quase a 100%, sendo que
as ações, em dia, trocam de mãos a cada ano
21
.
19
Take-over hostil (aquição hostil / hostile takeover) ou também denominado mercado de controle corporativo é um termo
utilizado para definir a aquisição por investidores de grandes lotes de ações com direito a voto e consequentemente, a tomada
do controle da companhia. Ou como definine Siveira (2010: 29) consiste na aquisição do controle de uma companhia por um
terceiro sem que a administração-alvo tivesse inicialmente interesse na venda de seu controle. Geralmente é feita por uma
oferta pública de aquisição de ações realizada pelo potencial adquirente para quaisquer acionistas da companhia-alvo
interessados em vender suas ações.
20
No original, antes de tradução própria: Raiders relied primarily on debt to finance takeovers, while managers of targeted
firms often defended their turf by loading the firm with debt-financed stock buybacks and special cash dividends to deter
potential raiders. These developments pushed NFC debt burdens to historic highs. They also forced a change in managerial
goals, from concern with the long-term success of the firm to a short-term obsession with keeping the stock price high
enough to deter a hostile takeover” (CROTTY, 2003: 2).
21
Ver Crotty, 2003.
80
“Como agora os „acionistas racionais não se preocupam mais com a
performance de longo prazo (mais do que um ano) das companhias que
„possuem‟, os movimentos de preços das ações refletem sobretudo pressões
especulativas de curto prazo, e não mais „fundamentos‟ de longo prazo”
(CROTTY, 2003: 3)
22
.
Tal movimento alterou profundamente a lógica e a inserção das empresas no mercado,
visando poticas e estratégias de curto prazo no intuito de possibilitar a maior valorização
possível das suas ações, mesmo que muitas vezes possa vir a prejudicar o futuro das mesmas,
ou até, estar baseada em dados construídos, ou seja, manipulados e, portanto,o verdadeiros.
No último quarto de século, a concorrência destrutiva em mercados
produtivos dificultou severamente a capacidade das corporações não-
financeiras em realizar altos lucros e ampliar sua geração de caixa, muito
embora, neste mesmo período, os mercados financeiros e as políticas de
incentivos para executivos, venham demandando o aumento permanente dos
lucros, de modo a sustentar a permanente alta dos preços das ações”
(CROTTY, 2003: 3)
23
.
Para fechar esta equação, isto é, obter aumento dos lucros (tão somente para aumentar
a valorização das ações) num ambiente competitivo hostil, que, na verdade, tem implicado em
menores margens de lucro, as empresas não-financeiras têm utilizado cada vez mais
mecanismos de valorização financeira, inclusive através da proliferação de fusões e
aquisições.
Ao acrescentar mais e mais negócios [atras de aquisições], estas
corporações não-financeiras adquiriam novas fontes de retorno, que o
poderiam obter através da expansão em seus mercados produtivos
tradicionais, fortemente afetados pela concorrência destrutiva em voga”
(CROTTY, 2003: 3)
24
.
22
No original, antes de tradução própria: “Since rational stockholders now have no reason to concern themselves with the
performance of the companies they “own” beyond a one-year horizon, stock price movements primarily reflect short-term
speculative pressures, not long-term “fundamentals” (CROTTY, 2003: 3)
23
No original, antes de tradução própria: “Destructive competition in product markets in the past quarter century severely
constrained the ability ofs NFCs to earn high profits and cash flow, yet financial markets and managerial incentives
demanded ever-rising earnings to support ever-rising stock prices”. (CROTTY, 2003: 3)
24
No original, antes de tradução própria: By adding more and more businesses, these NFCs in effect bought the new
earnings they could not gain through expansion in traditional product markets because of destructive competition. In the end,
81
Juntamente com este movimento, é possível identificar um movimento de cooptação
dos gestores (principalmente CEO e diretores) pelos agentes institucionais, com a alteração
das formas de ganhos e dividendos; permitindo que os gestores passem a receber em stock-
options e se tornem “proprietários” das empresas.
Esta cooptação acabou por reforçar a mudança nas preocupações gerenciais dos
executivos. Como foi observado, tais preocupações voltaram-se para a valorização das ações
no curto prazo, só que agora não apenas para satisfazer os acionistas, mas também para
satisfazer as próprias expectativas de remuneração da alta gestão da empresa, remuneração
que, por sua vez, está cada vez mais associada ao preço das ações.
Ações que, para se valorizarem, têm que ser desejadas por um mercado acionário de
curto prazo, altamente obcecado pela divulgação de lucros cada vez maiores por parte das
empresas. E para divulgar lucros sempre maiores num ambiente competitivo hostil, os
executivos remunerados pela valorização acionária fazem o que for preciso, inclusive a
alteração ilegal de registros contábeis, como, aliás, os escândalos do final dos anos 90
demonstraram (ver Crotty, 2003: 3).
Ou seja, a mudança na estratégia de gestão, cada vez mais voltada para gerar retorno
de curto prazo para o acionista (que agora também é o alto executivo) é reforçada pela
mudança na forma clássica de separação entre propriedade e gestão.
Galbraith (1995), com sua análise sobre o gigantismo das organizações e o poder
crescente da tecnoestrutura, não conseguiu prever que um pequeno grupo de “gestores-
acionistas fosse capaz de acumular tamanho poder e que pudesse, sozinho, decidir o futuro
de uma organização. Tal fato se no momento em que os interesses dos gestores, ao se
tornarem “proprietários” passam a conflitar com os interesses dos pequenos e médios
acionistas. A disputa ocorre entre três agentes distintos: o gestor proprietário de ações, que
busca constantemente aumentar sua rentabilidade através do aumento do valor das ações; com
estratégias de curto prazo e muitas vezes altamente arriscadas. O acionista institucional (os
grandes fundos de pensão, por exemplo) que possuem uma vasta carteira de ações e poder
para alterar as estratégias e poticas da empresa, visando a maior rentabilidade possível em
um curto espaço de tempo e finalmente os acionistas minoritários; que possuem um poder
fraco e disperso, com pouca influência e margem de manobra frente às decisões tomadas
when even this strategy was not enough to keep earnings on the rise, management simply cooked the books” (CROTTY,
2003: 3).
82
pelos gestores e que apostam em ganhos de longo prazo. Para estes, acaba sendo importante a
escolha dos mecanismos de valorização feita pelos gestores, podendo inclusive comprometer
com a saúde da empresa, levando-a a falência.
Até o início dos anos 80, as stock options representavam 2% da remuneração dos
CEOs das companhias norte-americanas. Esta proporção subiu para 26% em 1994, superando
50% no final dos anos 90 (Andadre & Rossetti, 2007). Em 1999, a remuneração média total
dos CEOs norte-americanos era um pouco inferior a U$S 10 milhões anuais, além disso
recebiam pacotes altamente atraentes quando deixavam as corporações (um golden goodbye)
que variava de acordo com as dificuldades e os obstáculos superados, hoje tais remunerações
podem chegar até US$ 100 milhões anuais, como será discutido no capítulo 3. Entretanto, tais
valores cada vez mais astronômicos começaram a ser fortemente questionados,
principalmente com a crise de 2008/2009, ao desmascarar e vir a tona rias estratégias e
atuações empresariais que acabaram por prejudicar os acionistas em detrimento dos ganhos
dos CEOs.
Neste momento, a empresa passa a buscar uma alta valorização das ações em um
prazo extremamente curto (perto de 12 meses), buscando atender aos interesses dos agentes
financeiros institucionais (os grandes negociadores e influenciadores no mercado financeiro) e
paralelamente aos interesses particulares dos gestores (CEO e diretores) que viram seus
rendimentos quadruplicarem da noite para o dia. Essa situação não ocorre, necessariamente,
como apontada anteriormente, entre os acionistas minoritários, que possuem uma outra
lógica e intenção ao adquirir uma quantidade de ações. Primeiramente, essa quantidade é
pequena se olharmos cada indivíduo, impedindo formas de atuação, participação e até mesmo
poder de voto nas assembléias; o que acaba por limitar o poder de voz destes acionistas (a não
ser que consigam se unir num único objetivo). Outra questão pertinente é a razão de compra
destes ativos; geralmente atrelada a expectativas de longo prazo, como uma reserva na
aposentadoria e não como mecanismos de compra e venda de curto prazo, onde a informação
e o conhecimento da dinâmica do mercado fazem muita diferença, além do volume
negociado. Assim, esses pequenos acionistas esperam na velhice poder contar com os
dividendos dessas empresas para possibilitar uma melhor qualidade de vida. Portanto, a
intenção aqui é que a empresa dure bem mais que eles próprios.
Dentro dessa mesma lógica, se encontram os fornecedores, funcionários e a sociedade
civil, que mesmo não participando ativamente do mercado de ações; buscam atrelar seus
83
rendimentos ao desenvolvimento contínuo e sustentável destas organizações, pensando aqui
em poticas de longo prazo, em empregos relativamente estáveis e em benefícios para toda a
comunidade. Entretanto, o que acaba por acontecer é um predonio da lógica de curto prazo,
em detrimento de políticas de longo prazo; restringindo os investimentos em produção e
inovações, além de manter políticas agressivas de corte de custos (principalmente através do
corte de funcionários ou transferência para outras unidades produtivas menos dispendiosas).
Tais fatos acabam por questionar ainda mais a forte liberalização da economia,
juntamente com a intensa expansão especulativa financeira, trazendo conseqüências
profundas no mundo do trabalho, no sistema produtivo e na distribuição de renda. Ao
mesmo tempo, tendem a valorizar a importância de mecanismos de controle e do acesso a
informações, fortalecendo ainda mais a necessidade de boas práticas de governança
corporativa e a permanência de canais de comunicação transparentes na busca pela construção
de uma boa reputação da empresa e do acesso aos seus diversos stakeholders, como será
abordado no próximo capítulo.
84
Capítulo 3: Evolução e práticas de governança corporativa
3.1 Introdução
O capítulo 3 irá contemplar as práticas de governança corporativa apresentando seus
principais conceitos, objetivos e os novos desafios a partir da profunda crise de transparência
e agência
25
vivida pelas empresas, principalmente no mercado norte americano nos anos de
2008/2009. As questões que começam a surgir atualmente perpassam a exigência de ir além
do modelo atual e mostram a necessidade em ampliar os canais de comunicação e
transparência na tentativa de uma gestão mais integrada e próxima dos diversos stakeholders
26
das empresas.
Para analisar e entender as próximas tenncias da área de governança corporativa
será primeiramente descrita sua trajetória histórica, conceitos e valores; além das
particularidades de cada modelo presente nos principais países e seu renascimento após os
escândalos de 2001 nos EUA e a crise de biênio 2008/2009.
Finalmente, a conclusão tentará mostrar a forte intersecção existente entre as práticas
de governança corporativa e a comunicação organizacional, objeto de análise do capítulo 4,
buscando comprovar esta hipótese através do modelo estatístico que será aplicado e
desenvolvido no capítulo 5.
25
A crise de agência sofrida pelas empresas resulta de uma tensão mais forte, além da inerente ao conflito de agência, que
surge quando o resultado de um dos lados depende do comportamento e das ações tomadas pelo outro lado. Tal conceito será
melhor explicitado no decorrer deste capítulo.
26
Stakeholders são todas as pessoas, grupos ou instituições com interesses legítimos em jogo e que afetam ou são afetados
pelas diretrizes e estratégias definidas pelas empresas, as ações por elas praticadas e os resultados alcançados. De acordo com
Andrade & Rossetti (2007), stakeholderso pessoas, grupos ou instituições, com interesses legítimos em jogo nas empresas
e que afetam ou são afetados pelas diretrizes definidas, ações praticadas e resultados alcançados. De acordo com Reis (2009)
o termo, aplicado ao contexto dos estudos sobre as organizações, refere-se a grupos importantes para a vida organizacional,
reconhecidos institucionalmente como tais ou não. Stakeholders o grupos que sofrem ou podem vir a sofrer influência da
ação das organizações ou, no sentido oposto, podem influenciar ou vir a influenciar a ação destas.
85
3.2 Nascimento da governança corporativa separação entre propriedade e gestão
Uma das bases conceituais da governança corporativa se encontra na abordagem de
Berle & Means (1984) ao colocar em questão três pontos centrais na evolução do mundo
corporativo: o real afastamento entre propriedade e controle nas grandes companhias norte-
americanas; as mudanças no comando das companhias, com a criação de uma estrutura
gerencial e a divergência de interesses entre os gestores e os acionistas; e finalmente o
questionamento dos objetivos da moderna empresa capitalista e seus mecanismos de controle,
chegando a apontar que são muitas as razões para se admitir que a totalidade dos resultados
das companhias não deva destinar-se automaticamente apenas aos seus acionistas.
Com o crescimento das companhias e o constante processo de dispersão do capital,
ocorre (como já descrito no capítulo 2) a transição do controle das mãos dos proprietários do
capital aciorio para as mãos da administração / gestão (ou tecnoestrutura como denominou
Galbraith 1985). Desta forma, a direção executiva passa a ser a condutora dos necios,
sendo que nem sempre é escolhida pelos acionistas e pode não vir a seguir quaisquer
instruções dos mesmos, principalmente com o aumento significativo do número de acionistas
e conseqüentes dispersões do capital. Nesta transição, os autores apontam algumas
consequências importantes: a propriedade da empresa passou de agentes ativos para agentes
passivos, ou seja, dos proprietários de direito (acionistas) para os proprietários de fato
(gestores). Assim, os proprietários de direito são possuidores de um pedaço de papel que
representa uma série de direitos e expectativas em relação a uma companhia, não podendo,
entretanto influenciar na condução da mesma. Uma segunda consequência, decorrente da
primeira, é que o valor da riqueza acionária de uma pessoa passou a depender de forças
inteiramente alheias a ela mesma e a seus esforços. A influência e a depenncia agora são
representadas pelas ações dos indivíduos que comandam a empresa por um lado e, pela ação
dos agentes que operam no mercado acionário por outro (cada vez mais voltado à liquidez e
ao curto prazo).
Neste processo, os principais interesses dos acionistas passaram a ser: o usufruto de
uma parcela do lucro da companhia, por meio de dividendos; o aumento do valor de mercado
da companhia (valorizando as ações no mercado de capitais) e o recebimento da parte
correspondente em caso de venda da empresa. Assim, se tornou cada vez menor o interesse e
o conhecimento junto às ações e poticas de gestão das empresas, conduzidas integralmente
86
pela tecnoestrutura. Em caso de discordância ou descontentamento, o caminho mais comum
era a venda das ações, substituindo-as por de outras empresas.
Nasce então o termo conflitos de agência, que surge quando o resultado de uma parte
depende das decisões tomadas por outra parte. Embora o agente gestor deva agir em benefício
dos acionistas passivos, ocorrem situações em que os interesses são conflitantes, ocorrendo
ainda comportamentos oportunistas por parte dos gestores (e muitas vezes também dos
próprios acionistas). No momento relatado pelo texto, os conflitos eram bastante diferentes do
que se pode observar nos anos de 1990. Na “Era de Ouro da sociedade capitalista norte
americana (como analisada no capítulo 1 e 2), os interesses dos acionistas eram pela maior
maximização possível da riqueza, enquanto para os gestores poderiam ocorrer preocupações
com a segurança no emprego e a solidez da companhia, estilo de vida e poticas de
crescimento no longo prazo; além de uma preocupação com o próprio desenvolvimento do
país, muito atrelado às grandes corporações.
Quadro 3.1 Conflitos de agência propósitos imperfeitamente simétricos
Deveres
Objetivos
Fontes de conflitos de Agência
Acionistas
Recursos para capitalização
Remuneração pelos serviços de gestão
Decisões financeiras
Alocação de recursos
Carteiras de máximo retorno
Riscos e diversificação
Decisões que maximizam a
riqueza dos acionistas
Gestores
Controle e gestão da empresa
Informações sobre resultados,
oportunidades e riscos
Decisões empresariais
Domínio do negócio
Conhecimentos de gestão
Estratégia e Operações
Decisões que maximizam os
interesses dos gestores
Fonte: Criação própria a partir de Andrade & Rossetti (2007).
É determinante apontar que tais conflitos são inerentes ao mundo dos negócios e que
estão baseados em dois axiomas: primeiro que não existe contrato completo (de acordo com
Klein
27
) e segundo que não há agente perfeito (pelo axioma de Jensen-Meckling
28
).
O axioma de Klein foi apresentado originalmente em 1983 e se refere às novas
exincias e surpresas pelas quais a gestão corporativa está sujeita a passar em decorrência
das constantes mudanças no ambiente dos negócios, cada vez mais freqüentes após os anos de
1980. Devido aos novos cenários, descontinuidades e incertezas; a gestão passou de uma
administração por objetivos previsíveis e cenários relativamente estáveis para a administração
da incerteza e da surpresa. Assim, acaba-se a ilusão da existência de contratos completos e
27
Ver Klein (1985).
28
Ver Jensen & Meckling (1976).
87
ações previsíveis e conhecidas, devendo agora abranger todas as contingências e respostas
possíveis.
Neste cenário, surge a necessidade constante de identificar as mudanças cada vez mais
freqüentes e buscar respostas e ações que possam surtir efeitos e contribuir para o crescimento
da empresa. Com a impossibilidade de definão de contratos completos e as frequentes
mudanças no ambiente, acaba-se por delegar aos gestores algo além da análise e execução de
ações previsíveis para o desenvolvimento da corporação e maximização dos lucros; outorga-
lhes o direito de controle da empresa através do livre arbítrio para a tomada de decies, em
resposta a eventos inusitados e agora cada vez mais comuns. Essa nova condão de mais
poder nas mãos dos gestores é denominada juízo gerencial e acabou, como será apresentado
adiante, gerando um maior número de conflitos entre os acionistas e gestores, principalmente
quando estes passam a se tornar “proprietários” da empresa.
Já pelo lado dos agentes, Jensen & Meckling (1976) analisam como fator determinante
a força do interesse próprio em detrimento dos interesses de terceiros, mesmo na presença de
condições hierárquicas pré-definidas. Desta forma, acaba por prevalecer o jogo de interesses
no lugar da cooperão desinteressada e os agentes quase sempre se colocam mais eficazes na
consecução de seus próprios interesses em detrimento de terceiros, o que acaba por
comprovar a existência intrínseca de propósitos imperfeitamente simétricos entre os acionistas
e os gestores.
Entretanto, a intensidade e magnitude desses conflitos se alteram, quando as empresas
sofrem mudanças no seu capital acionário, passando a coexistir os acionistas majoritários
(acionistas institucionais, na grande maioria) e os acionistas minoritários (ainda mais
dispersos e limitados), principalmente com o fortalecimento do mercado financeiro depois dos
anos de 1980; conseqüência da constante diminuição das restrições e barreiras regulatórias,
através do fortalecimento das políticas neoliberais (como descrito no capítulo 1). Mesmo
com a ocorrência de tais mudanças, que serão intensificadas cada vez mais, o objetivo ao
identificar a existência intrínseca e inerente dos conflitos de agência no mundo dos negócios é
buscar o alinhamento entre tais interesses, nas estratégias de sucesso e no retorno alcançado
pelas empresas. Nessa trajetória, existem duas formas básicas para auxiliar na minimização
dos conflitos que são os mecanismos de incentivo (cada vez mais explorados e atualmente
88
bastante questionados) e os mecanismos de monitoramento (que passaram a sofrer alterações
depois da vigência da Lei Sarbanes-Oxley
29
).
Portanto, um ponto decisivo neste processo de mudança do conflito de agência
enfrentado pelas empresas e seus acionistas ocorre quando os gestores passam a receber uma
parte dos seus dividendos em stock options e outras formas de remuneração atreladas à
propriedade. Neste momento, os propósitos dos gestores estão parcialmente alinhados aos
propósitos dos acionistas majoritários ou acionistas institucionais, que ganham pela máxima
valorização do valor das ações em um curto espaço de tempo, colocando em risco inclusive a
própria sobrevivência da empresa, através de políticas e ações de alto risco, da constante
demiso da força de trabalho e eliminação de cargos (solapando o conhecimento tácito da
empresa), dos cortes em pesquisa e desenvolvimento, da manipulação dos resultados e da
utilização de práticas nem sempre consideradas éticas.
Esse modelo de incentivos, embora iniciado nos anos de 1950, como instrumento de
persuasão para convencer os gestores a buscar a máxima valorização do capital em prol dos
acionistas, somente tomou corpo na década de 1980, com as alterações na cobraa de
impostos pelo governo Reagan, através da reforma tributária de 1986, que diminui
significativamente a cobrança de impostos sobre estas receitas, tornando não viável como
extremamente atraente aos gestores optar por receber parte de seus rendimentos via stock
options.
Juntamente com as profundas mudanças tributárias e a abertura de novos campos de
atuação à acumulação de capital, antes restrita e sob forte intervenção e controle do Estado,
surgiram novos mecanismos de valorização do capital e o desenvolvimento do mercado de
capitais, através da criação de inúmeros produtos financeiros, conforme descrito no item 1.3.5
capítulo 1. Essa conjunção de fatores permitiu uma alteração nos conflitos de agência entre
acionistas e gestores e o nascimento de uma nova lógica, mencionada no capítulo 2. As
estratégias de crescimento e os planos de longo prazo tão característico da tecnoestrutura
desenhada por Galbraith (1985) acabam perdendo força pelo crescimento e influência dos
investidores institucionais
30
, que a partir dos anos de 1990 vêem se tornando majoritários.
29
A lei federal americana Sarbanes-Oxley de 2002, foi resultado de uma busca por maior controle e monitoramento após os
escândalos financeiros envolvendo empresas como Enron e WorldCom que geraram prejuízos astronômicos aos seus
acionistas. Em resumo, a lei procura ampliar os controles financeiros das empresas, elevando a transparência das informações
e da contabilidade divulgada e criando procedimentos de maior responsabilidade ao presidente e diretor financeiro pelos
dados divulgados ao mercado. Para mais informações ver Machado Filho (2006), Silveira (2010) e Tapscott & Ticoll (2005).
30
Vale destacar novamente que esses investidores denominados institucionais podem ser grandes instituições como fundos
de pensão, companhias seguradoras e fundos de investimento que têm como objetivo realizar investimentos no mercado
89
Com a paulatina cooptação dos executivos através da possibilidade de ganhos via stock
options (agora isentas de tributação direta), os objetivos e estratégias da empresa sofrem
alterações quanto ao ritmo e aos índices de valorização agora almejados. As políticas de longo
prazo e as estratégias de investimento perdem espaço para ações de curto prazo, que tragam
resultados imediatos com altas taxas de retorno.
De acordo com Crotty (2003), a porcentagem das stock options no rendimento total
dos gestores foi se alterando, passando de 2% no início dos anos de 1980, chegando a mais de
50% no final dos anos de 1990 e atingindo atualmente seu auge, onde a participação desta
forma de remuneração pode chegar a 100% do total dos rendimentos dos gestores conforme
tabela abaixo:
Quadro 3.2 Remuneração anual dos mais bem pagos CEOs das empresas de capital aberto
dos EUA (em US$ e %), 2009
Salários
Remuneração Atrelada ao
Desempenho das ações (a)
Remuneração
Total (b)
a/b (em %)
Média
1.499.068
11.256.282
22.263.194
50,5
Desvio Padrão
1.034.565
7.622.426
7.665.515
25,1
Mínimo
0
0
15.284.347
0,0
Máximo
8.100.000
50.730.092
56.810.851
100,0
Mediana
1.300.000
10.612.417
19.256.213
51,3
Total (90 mais bem pagos
CEOs)
134.916.097
1.013.065.400
2.003.687.495
50,6
Fonte: elaboração própria a partir de AFL-CIO‟s Executive PayWatch Database 2010
Percebe-se, por exemplo, que em 2009, apesar do auge da crise financeira, 17 dos 90
mais bem pagos CEOs de empresas de capital aberto dos EUA receberam mais de 75% de sua
remuneração total na forma de rendimentos atrelados ao valor das ações das empresas que
comandam (ver Tabela I do Anexo Estatístico). Em média estes executivos receberam US$
21,5 milhões em pagamentos associados às ações. Como apontado mais adiante, um dos
precursores desta política foi o CEO da GE - Jack Welch que depois de quase 20 anos de
companhia ainda possuía mais de US$ 900 milhões apenas em ações, que ainda não haviam
sido vendidas por ele.
Fox (2009) aponta dois pontos decisivos que contribuíram para disseminar essa nova
lógica e transformar as empresas em reféns da valorização acionária, sendo eles: profundas
financeiro e de capitais na busca pela maior rentabilidade possível de seu próprio capital e de seus clientes. Porém, um ponto
decisivo nesta análise é diferenciar os fundos de pensão (que frequentemente mantêm as ações em seu portfólio por muitos
anos, buscando rendimentos sustentáveis e de longo prazo) dos fundos de investimentos, extremamente agressivos, que
trabalham com rendimentos de curto prazo através da alta especulação financeira e do ganho imediato da compra e venda de
ações. Ver mais: Silveira (2010).
90
alterações nas estratégias de gestão e estruturas produtivas, através da aceitação de
“modismos gerenciais” como reengenharia, downsizing e terceirização e o exemplo
paradigtico de dois CEOs que se tornaram sinimos de uma nova era (e.g. Jack Welch da
GE e Roberto Goizueta da Coca-Cola).
A partir desse momento, o monitoramento dos executivos passa a ser feito pelo
mercado de capitais, que ao falharem serão punidos com a queda no preço das ações e a perda
de seus honorários. Essa lógica será estendida por toda a companhia, que sofrerá profundas
alterações no local de trabalho, com novos layouts e novas formas de medir a contribuição
individual para a empresa; através, por exemplo, da remuneração baseada no desempenho 360
graus, que exige mais comprometimento, responsabilidade e idéias inovadoras, sem criar em
contrapartida, na maioria das vezes, ambientes favoráveis ao desenvolvimento dessas
competências e habilidades.
De acordo com Micklethwait & Wooldridge (1998) a própria reengenharia, o maior
exemplo da poderosa inflncia de novos “gurus” da administração, trouxe profundas
alterações no processo de trabalho e na própria relação entre funcionário e empresa. A
reengenharia, através da proposta central de: rasgue tudo e comece do zero, buscou
redesenhar os fluxos de trabalho até então baseados em função / tarefa (originários do modelo
fordista e da burocracia) e propor uma nova estrutura construída a partir de processos, sendo
que cada processo engloba várias funções. Para que este modelo funcione adequadamente, é
necessário que diferentes funções venham a trabalhar conjuntamente em um mesmo processo,
utilizando as ferramentas da Tecnologia da Informação (TI), ao mesmo tempo em que muitas
são extintas. Com a aderência às ideias da reengenharia, ocorre uma brusca redução dos
custos operacionais da empresa, automaticamente sinalizado ao mercado, o que gera uma
abrupta valorização das ações da empresa, mesmo que o processo estivesse ainda incompleto
ou tivesse sido executado de maneira insatisfatória no decorrer do tempo, como ocorreu na
maioria dos casos. Ao eliminarem milhares de empregos e reduzirem os custos operacionais,
as ações das empresas se valorizavam bastante nos doze primeiros meses de aplicação da
reengenharia, sendo que a situação se invertia em até dois anos depois, quando os valores
alcançavam patamares abaixo do que antes da mudança.
91
“Muitas vezes, a reengenharia fracassou porque as empresas estavam mais
interessadas em saciar a sede de soluções rápidas do mercado de ações,
normalmente demitindo funcionários, do que em introduzir as mudanças
estruturais” (MICKLETHWAIT & WOOLDRIDGE, 1998: 18).
A reengenharia acabou por gerar consequências sentidas até hoje no mundo
corporativo e nas relações de trabalho: destruição da rede informal de contatos na empresa,
devido a eliminação de inúmeros cargos e níveis hierárquicos (tornando a empresa muitas
vezes horizontalizada), criação de processos falhos ou inviáveis, em um primeiro momento;
dificultando o conhecimento por parte dos funcionários que permaneceram na empresa e seu
comprometimento com as novas estratégias, constante ansiedade e pressão junto aos
trabalhadores, quebra do contrato empresa / trabalhadores (com a perda da estabilidade) e
finalmente falta de perspectiva de crescimento na carreira com a eliminação de inúmeros
cargos.
De acordo com Fox (2009), o outro aspecto que contribuiu de forma determinante para
a disseminação e aderência das empresas às novas práticas de curto prazo, atreladas ao
mercado de capitais e a valorização de suas ações foram os resultados obtidos pela GE e pela
Coca-Cola e que tiveram forte aceitação tanto na dia como entre os gestores de outras
companhias.
Jack Welch
31
, em meados da década de 1980, na busca pela valorização das ações da
empresa e por maior competitividade, eliminou inúmeros níveis hierárquicos e demitiu
milhares de funcionários, utilizando-se de modismos administrativos como a reengenharia.
Com o mesmo pensamento e utilizando-se de todos semelhantes, Roberto Goizueta
realizou profundas transformações na Coca-Cola sob o seguinte lema: os gestores o são
pagos para trazer conforto aos acionistas, mas sim para enriquecê-los
32
. Com os resultados
positivos das ações de ambas as empresas e a publicidade de ambos os CEOs, (Welch tornou-
se ícone de eficiência e rentabilidade, sendo venerado e idolatrado até hoje), uma nova era
31
Jack Welch atuou como diretor-presidente da GE por quase 20 anos e através de práticas questionáveis (como o alto corte
de cargos), conseguiu aumentar a capitalização da empresa na ordem de US$ 250 bilhões de dólares. Em contrapartida, veio a
público, tardiamente, o pacote de benefícios mantidos as sua aposentadoria que contemplava entre outras regalias a
utilização permanente de um apartamento da companhia em Manhattan (NY) com todas as despesas pagas (incluindo flores,
vinhos, comida, jornais, empregados), acesso aos jatos Boeing 737 e helicópteros da GE, carros com motoristas e o mais
impressionante: um contrato de consultoria vitalício com a companhia no valor mínimo de US$ 86.535 por ano, para os
primeiros 30 dias de trabalho, com acréscimo de US$ 17.307 para cada dia extra. No seu último ano de companhia, sua
remuneração foi da ordem de US$ 16,7 milhões, tendo acumulado até aquele ano de 2000, cerca de US$ 900 milhões
somente em ações da empresa. Ver mais em Silveira, 2010.
32
Ver Fox (2009: 270): “Management doesn’t get paid to make the shareholders comfortable; we get paid to make the
shareholders rich”.
92
coma a se desenhar, conforme já mencionado anteriormente, de cooptação dos gestores
pelos acionistas (a divisão clássica entre propriedade e gestão se altera) e da formação de
grandes blocos de controle de capital, através dos investidores institucionais.
A cooptação dos executivos pelos acionistas institucionais via stock options, inspirada
em histórias de sucesso e na possibilidade de ganhos astronômicos se torna o motor das novas
estratégias e poticas empresariais, sob a ideologia do mérito e do respaldo dado pelo
mercado; passou-se a “acreditar” que os salários dos executivos são determinados pelo
mercado e as variações estão fortemente correlacionadas com a boa ou má performance da
empresa
33
. Desenha-se um novo jogo de poder entre os agentes, estando os acionistas
institucionais fortemente alinhados com os gestores de um lado (tendo respaldo tanto na mídia
como da academia, com o argumento de que eles possuem interesses financeiros e
indepenncia para olhar as práticas gerenciais e as estratégias das empresas de maneira
imparcial e, portanto, contribuir para seu sucesso) e a grande massa de acionistas minoritários
do outro, pulverizada e perdendo cada vez mais sua influência e poder. Neste cenário passa a
ser decisivo o papel das práticas de governaa corporativa, que podem proteger os
minoritários das ações dos controladores, trazendo uma nova ótica ao conflito de agência,
como será analisado futuramente.
33
Ver Fox (2009: 275): “That executive salaries are determined by the market, and that changes in compensation are strongly
related to company performance”.
93
3.3 Aspectos determinantes, conceitos e modelos de governança corporativa
Existe um conjunto de diversidades e conceitos que cerca as questões relacionadas à
governança corporativa. Desde a ruptura entre propriedade e gestão, a partir da transferência
do poder de decisão a “alguém” que não é o proprietário do negócio; passando então a existir
conflitos de interesse, derivados da delegação de algum tipo de poder e da assimetria
informacional entre esses dois agentes, que são a essência da questão da governança
corporativa.
Desta forma, de acordo com Andrade & Rossetti (2007), Clarke (2004), Lodi (2000),
Machado Filho (2006), Silva (2006), Silveira (2010), Steinberg (2003), entre outros; as
definições de governança corporativa acabam sendo inúmeras, pois abrangem um amplo
leque de conceitos e diretrizes, que podem ser traduzidos como um conjunto de propósitos,
princípios, processos e práticas que coordenam o sistema de poder e os mecanismos de gestão
das empresas buscando defender e atender aos propósitos dos proprietários, sendo que
atualmente existe uma corrente teórica que busca considerar também os interesses dos outros
stakeholders.
Baseada em princípios éticos inegociáveis (fairness, disclosure, accountability e
compliance), como será analisado posteriormente, os propósitos da governança corporativa,
juntamente com suas práticas na gestão de conflitos de agência, na minimização dos custos
destes e na gestão de relacionamentos internos e externos buscam contribuir para o máximo
retorno total de longo prazo dos shareholders. Além disso, hoje se almeja também harmonizar
esses objetivos com os interesses dos demais stakeholders, principalmente considerando a
importância da reputação e da credibilidade para a formulação de estratégias e na própria
avaliação da empresa no mercado (ainda mais com a crescente utilização do conceito triple
bottom line, que implica avaliações integradas de elementos econômico financeiros, sociais e
ambientais), como será abordado ainda neste capítulo.
Esse estágio de credibilidade e importância dado ao movimento e às práticas de
governança corporativa tomou forma no início dos anos de 1990, com uma sucessão de
fatos decisivos na consolidação e na necessidade de aplicação das boas práticas de governança
corporativa junto às empresas. Entretanto, é fundamental apontar que a problemática existente
do conflito de agência e a necessidade de monitoramento já foram apontadas no nascimento
das empresas de capital aberto, quando Adam Smith em 1776 reforça a preocupação do papel
e da atuação dos gestores na busca pela maximização do resultado das empresas. Gerentes que
94
usam dinheiro de terceiros não poderiam ser tão vigilantes quanto seriam com seus próprios
recursos. Segundo Smith (1981: 741) nas empreitadas de “capital aberto” tais como as
Companhias das Índias Orientais, em que os proprietários não eram os gestores da empresa,
...sempre prevaleceria a neglincia e a abundância” ao invés do cuidado e da prudência.
3.3.1 Despertar e aceitação mundial
Embora as bases do conceito de governança corporativa tenham se iniciado com o
crescimento da dispersão entre capital e controle no início do século XX, foi somente nos
últimos vinte anos que o processo de consolidação desse movimento se intensificou, a partir
de três marcos históricos decisivos que motivaram e intensificaram a difuo e a adoção, em
escala global, de boas práticas de governança corporativa.
Um primeiro movimento que trouxe a tona às questões de governança corporativa foi
o ativismo realizado por Robert Monks
34
que a partir da segunda metade dos anos 80,
apresentou uma forte preocupação com o papel passivo dos acionistas nos EUA, mobilizando-
os para uma atuação mais ativa em prol do sucesso da empresa e da sociedade, trazendo a
tona os valores de justiça e comprometimento às normas e regimentos legais. Através de um
esforço constante junto aos acionistas e da publicação de diversas obras sobre o assunto
(Power and accountability 1992; Corporate Governance 1995, New global investors
2001, Reel and rout 2004, entre outras), Monks discorreu desde o problema crucial do
conflito de agência, até a transparência na prestação de contas e a impossibilidade de um
contrato perfeito, chegando a analisar os escândalos e megafraudes corporativas ocorridas
depois de 2001 e que intensificaram, na visão dele, a necessidade vital de resgate da ética
corporativa e a intensificação das práticas de governança corporativa.
O objetivo principal era transformar a atuação passiva dos acionistas, levando-os para
os conselhos das corporações e fazendo-os participar mais ativamente das decisões
estratégicas das corporações, quebrando a hegemonia dos administradores. Para Monks, a
ausência da participação dos proprietários nas decisões da corporação, juntamente com o
aumento do poder nas mãos dos gestores poderia levar, pela assimetria informacional e
interesses divergentes a perda de competitividade pela empresa e futuramente a uma crise que
acabasse por comprometer a existência da própria corporão. As contribuições de Monks
34
Robert Monks foi um franco atirador, ativista de resultados que se sentia inconformado com a passividade dos acionistas
minoritários. Formado em Direito e com passagens pela administração pública, assume um papel ativo na busca por
convencer os acionistas minoritários a participar mais ativamente dos negócios e a representarem seus próprios interesses.
Escreveu vários livros, entre eles um manual para a prática da governança corporativa.
95
foram decisivas na consolidação da trajetória das práticas de governança, ao elucidar e revelar
os desvios e as assimetrias vivenciadas nas práticas corporativas, ao definir caminhos e
processos de aproximar os acionistas, o conselho e a direção das empresas, ao mobilizar os
pequenos acionistas a um papel mais atuante e ao buscar institucionalizar as boas práticas de
governança corporativa objetivando maximizar os resultados das empresas, tendo sempre os
princípios da ética como norteadores desse processo.
O segundo marco na consolidação da importância das práticas de governança
corporativa foi o Relatório Cadbury, divulgado na Inglaterra em 1992 e que inspirou vários
outros que surgiram posteriormente. Lodi (2000) relata a pouca eficiência e a medíocre
atuação dos conselhos de administração no Reino Unido até os anos de 1990, onde havia troca
de interesses e informações entre conselheiros comuns a várias corporações, criando um
ambiente de favores e privilégios. Neste cenário é constitdo, pelo Banco da Inglaterra um
comipara elaboração de um digo de melhores práticas de governança corporativa sob a
responsabilidade de Adrian Cadbury. Baseando-se na prestação responsável de contas e na
transparência das informações, o comitê definiu e intensificou a responsabilidade dos
conselheiros e executivos na análise, apresentação e validação das contas e do desempenho da
empresa; definiu a constituição e o papel dos conselhos e finalmente apontou a importância e
as responsabilidades dos auditores na busca pela clareza e veracidade dos dados e
informações passadas aos acionistas e ao mercado.
A versão final foi editada em dezembro de 1992 e tais recomendações e práticas
influenciaram significativamente a alta gestão das corporações, não só no Reino Unido, como
também serviram de base para a criação de normas e proposições semelhantes em outros
países, como EUA e França. Os pontos centrais orientam que o conselho de administração
deve reunir-se regularmente, deve manter um controle ativo da companhia e deve monitorar a
direção executiva, ou seja, os gestores. Além disso, apesar de permitida a existência de
conselheiros que exercem cargos de direção, deverá também existir conselheiros
independentes, que exercerão julgamentos sobre a estratégia, o desempenho, a destinação dos
recursos e os padrões de conduta da companhia e finalmente é dever do conselho apresentar
uma avaliação equilibrada, compreensível e verídica da situação da companhia.
96
Um outro ponto considerado determinante para a consolidação das práticas de
governança a partir dos anos de 1990 foi a divulgação pela OCDE
35
(Organization for
Economic Co-operation and Development) em 1999, dos princípios de governança
corporativa, que além de considerados como elos determinantes para o desenvolvimento dos
mercados, das corporações e das nações; serviram também tanto para empresas de capital
aberto, como para empresas não negociadas em bolsa e foram utilizados por diversos países
(membros ou não da organização).
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), um bom regime de governança corporativa se traduz por uma forma eficaz de
utilização de recursos, e as empresas devem se ater não somente aos interesses dos acionistas,
mas também de uma gama maior de stakeholders. Dentro dessa linha, através dos princípios
de governança corporativa, a OCDE relaciona a adoção de práticas efetivas de governança
com a participação e inserção das organizações nos mercados cada vez mais globais. As
práticas e princípios devem permear cinco áreas centrais, sendo elas: direitos dos acionistas,
igualdade de tratamento entre os acionistas, papel dos stakeholders, divulgação e
transparência, e responsabilidades do conselho de administração, cujo papel principal é atuar
como guardião dos interesses dos acionistas, monitorando e controlando os executivos de alto
nível da corporação e suas estratégias e condutas.
A conjunção destes três fatos decisivos para o movimento permitiu a difusão e
aceitação das boas práticas de governança corporativa de maneira mais efetiva, refletindo na
condução dos negócios e no conflito de interesses entre gestores e acionistas.
35
A OCDE é uma sigla que significa Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), organização criada
em 1947 pelos países não-comunistas, que possui atualmente 30 países-membros. Ver: <http://www.oecd.org>. Ver mais em:
OCDE principles of corporate governance, 1999.
97
3.3.2 Conceitos e Valores
Pela própria complexidade e amplitude, os conceitos de governança corporativa
variam muito como destacam Andrade & Rossetti (2007), Clarke (2004), Lodi (2000),
Machado Filho (2006), Silva (2006), Silveira (2010), Steinberg (2003), entre outros que
trazem contribuições significativas para a emancipação deste campo de estudo, tanto no Brasil
como no mundo.
De acordo com Andrade e Rossetti (2007) os conceitos e valores da governança
corporativa podem ser agrupados em quatro grandes grupos, sendo eles: governança como
guardiã de direitos, como sistema de relações, como estrutura de poder e como sistema
normativo. Vale ressaltar, antes de explicitar cada um dos grupos acima que eles acabam se
sobrepondo e se interconectando, devido a própria complexidade da natureza das empresas,
de suas estruturas de poder e dos sistemas que as cercam.
Em primeiro lugar, classificar a governança como guardiã de direitos de partes
interessadas é entendê-la e estruturá-la para assegurar os direitos e deveres das principais
partes envolvidas, neste caso os acionistas e gestores; além de definir as regras e
procedimentos para a tomada de decisão em relação às questões corporativas. Mas, pode ir
além, na tentativa de assegurar como afirma Williamson (1996) que a “governança
corporativa trata de justiça, da transparência e da responsabilidade das empresas no trato de
questões que envolvem os interesses do necio em si, mas tamm da sociedade como um
todo”.
Em segundo lugar, ao considerar a governança corporativa como sistema de relões,
Andrade e Rossetti (2007) se baseiam na busca constante da gestão do relacionamento entre
os acionistas, conselho diretivo e gestores, além dos relacionamentos existentes das empresas
com seu entorno, no intuito de aumentar a competitividade da empresa.
Em terceiro lugar, tendo como base a questão da separação entre propriedade e gestão,
ao entender governança corporativa como estrutura de poder, nada mais é do que criar e
desenvolver mecanismos que possam contribuir para reger e controlar a estrutura de poder
existente entre os proprietários e os gestores, definindo claramente os papéis, através de
decisões de alto impacto compartilhadas e bem planejadas, e dentro de uma política de
transparência e confiança.
98
Finalmente, o último conceito que abrange a governança corporativa de acordo com
tais autores é o conceito de sistema normativo, ou seja, de um conjunto de estatutos legais e
regulamentos, fundamental para dar respaldo às práticas e diretrizes, através de uma conduta
ética que deve permear todas as esferas da empresa, além da busca pela integridade,
competência e responsabilidade corporativa para com todos os públicos estratégicos.
Essa classificação busca selecionar as principais frentes de atuação da governança
corporativa devido à complexidade e abrangência dos públicos relacionados e dos interesses
em jogo, que acabam por desenhar as dimensões abarcadas por este conceito. Entretanto,
independente da dimensão ou classificação aceita, existem quatro valores ou princípios éticos
norteadores da dimensão da governança corporativos e expressos nos principais códigos de
boas práticas editados em várias partes do mundo. São eles:
Fairness: que significa senso de justiça e equidade no tratamento aos
acionistas, principalmente na questão dos acionistas minoritários, muitas vezes
preteridos em relação aos majoritários.
Disclosure: que significa busca por transparência de informações e acesso aos
dados, principalmente aqueles de maior relevância ao negócio, cujo caráter
estratégico pode vir a comprometer a saúde da própria corporação.
Accountability: preocupação e comprometimento com a prestação de contas, de
maneira ética e responsável.
Compliance: busca pela conformidade e comprometimento às normas e
regulamentos expressos nos estatutos sociais, nos regimentos internos e nas
instituições legais do país, garantindo uma conduta ética e de acordo com a lei.
Tais valores devem permear e orientar a conduta e as práticas de governança
corporativa sendo, portanto, inegociáveis; além de determinantes na definição dos princípios
norteadores da alta gestão das companhias, independentemente do modelo de governança
corporativa vigente no país.
As práticas de governança corporativa, como já apresentado anteriormente, dizem
respeito à estrutura da administração de uma empresa, a forma de escolha dos seus
administradores e, fundamentalmente, a divulgação de informações da companhia para seus
acionistas e para o mercado.
99
“Governança corporativa é o sistema no qual as corporações são
monitoradas e controladas. A estrutura da governança corporativa
determina a distribuição de direitos e deveres dos diferentes participantes
da corporação, tais como a alta direção, os gerentes, os acionistas e outros
públicos estratégicos (stakeholders), assim como explicita as regras e os
procedimentos para a tomada de decisões dos interesses corporativos. Ao
fazer isto, a governança também se configura como a estrutura que define os
objetivos estratégicos, as formas de obtenção destas metas e o controle e
monitoramento de seu desempenho” (CLARKE, 2004: 1).
36
Como explicitado, toda a essência da teoria da governança está baseada em dois
pilares centrais: delegação de poder (as intenções do agente, cujo poder foi delegado, são
diferentes das intenções dos acionistas), e assimetria comunicacional. Os acionistas
(principal), ao delegarem poder aos gestores (agente), esperam por parte destes, além da
constante valorização do seu capital (objetivo central), a atribuição ética de respeitar os
direitos dos mesmos e promover o bem entre todos os agentes afetados pela firma (seguindo
valores éticos e morais). Deve-se incluir neste conjunto de agentes os clientes, fornecedores,
mídia, governo, comunidades, etc., ou seja, todos seus stakeholders (pelo menos em tese).
Desta forma, as práticas de governança e de comunicação são ferramentas essenciais
para a obtenção de um alinhamento corporativo entre os gestores e os acionistas, na tentativa
de contemplar tanto os interesses dos acionistas, quanto dos gestores. Como já apontado no
capítulo 2, atualmente a comunidade e a opinião pública passaram a influenciar
significativamente a reputação e consequentemente a sustentação das empresas no mercado.
Um exemplo ocorreu quando marcas consagradas como Nike tiveram sua reputação
questionada pela utilização do trabalho infantil na produção de seus tênis, em países do
terceiro mundo. Tanto as ONGs, como a Federação Mundial da Indústria dos Bens Esportivos
comaram uma batalha para a total eliminação do trabalho escravo e infantil em países como
Indonésia, Bangladesh e Paquistão, locais de produção terceirizada da Nike.
36
No original, antes de tradução própria: “Corporate governance is the system by which business corporations are directed
and controlled. The corporate governance structure specifies the distribution of rights and responsibilities among different
participants in the corporation, such as the board, managers, shareholders and other stakeholders, and spells out the rules and
procedures for making decisions on corporate affairs. By doing this, it also provides the structure through which the company
objectives are set and the means of attaining those objectives and monitoring performance” (CLARKE, 2004: 1).
100
Governança corporativa é de acordo com Clarke
37
(2004: 2): “um processo contínuo,
através dos quais os conflitos ou interesses diversos devem ser acomodados e uma ação
cooperada deve ser tida como padrão”. Ou seja, harmonizar interesses, alinhar visões
estratégicas, propor melhores práticas e condutas, estabelecer uma comunicação de duas vias,
buscar atenuar as barreiras burocráticas, atender aos interesses dos diversos públicos e
continuamente manter a credibilidade da empresa e aumentar seu valor de mercado. Tudo isso
faz parte dos objetivos da governança corporativa.
Assim, neste constante conflito de interesses entre os tomadores de risco e os gestores
está a intersecção entre as práticas de governança corporativa e de comunicação
organizacional, na tentativa de minimizar os riscos e atritos inerentes ao processo, e
principalmente, desenvolver procedimentos que possam contemplar os interesses dos diversos
stakeholders. Neste caso, podem-se classificar os stakeholders em 4 grupos: os shareholders
que são os proprietários e investidores; os internos que estão efetivamente envolvidos com a
geração e o monitoramento dos resultados; os externos que fazem parte da cadeia de negócios
e finalmente todo o entorno da organização. Ainda dentro dessa classificação podemos
subdividir cada grupo, como mostra o quadro abaixo, explicitando as diferenças de cada
membro e seus interesses mais particulares.
37
“A continuing process through which conflicting or diverse interests may be accommodated and co-operative action may
be taken” (CLARKE, 2004: 2).
101
Quadro 3.3 Interesses legítimos dos diversos stakeholders
Tipos
Interesses
SHAREHOLDERS
Proprietários, investidores
Maximização do valor da empresa, através da valorização das
ações
Dividendos ao longo do tempo
INTERNOS
Conselho e diretores
Base fixa de remuneração
Bonificações e stock options
Empregados
Segurança pela manutenção dos empregos
Salários
Participação nos resultados
Benefícios assistenciais materiais
Reconhecimento, oportunidades de crescimento
EXTERNOS
Credores
Capacidade de liquidação das dívidas contraídas
Fornecedores
Regularidade, desenvolvimento conjunto, pagamento
Clientes / Consumidores
Preços justos, produtos conformes, confiáveis
ENTORNO
Comunidades Locais
Geração de empregos e contribuição para o desenvolvimento
Sociedade como um todo
Bem estar social, sustentabilidade
Governos
Conformidade legal, crescimento, geração de empregos
ONGs
Preservação ambiental, direitos de minorias e provisões
Fonte: Adaptado a partir de Andrade & Rossetti, 2007: 109.
A partir da consideração de que existem outros agentes e partes interessadas que se
relacionam e fazem parte do universo das empresas, começaram a surgir fortes
questionamentos quanto aos objetivos das corporações, as concepções do próprio conceito de
governança corporativa e os valores determinantes na condução dos negócios.
Surgiram assim duas orientações diferentes quanto aos objetivos das organizações, as
estratégias e mensurações dos resultados, e os grupos de interesse envolvidos e contemplados.
Num primeiro momento, os proprietários das empresas são os agentes principais do
mundo dos negócios e o objetivo central da organização e consequentemente o foco das
decisões e estratégias dos gestores deve ser a busca pelo máximo retorno total aos
proprietários.
Como já apresentado no capítulo 1, esse conceito está baseado na teoria econômica
ortodoxa, tendo como base os pensadores dos séculos XVIII e XIX, ideólogos da Revolão
102
Liberal. Dentro desse conceito, o bem estar coletivo será melhor quando cada agente
econômico individualmente buscar a maximizão dos seus ganhos, trazendo uma melhoria
para o conjunto da sociedade. E ainda nesta linha, a interferência do Estado só vem prejudicar
e atrapalhar a lógica do mercado. Entretanto, alguns pressupostos definidos como bases da
teoria neoclássica, foram fortemente questionados nos últimos 20 anos, sem, no entanto,
alterar as proposições ideológicas e poticas do liberalismo econômico:
“Esta proposição está fundamentada em um conjunto de premissas. E uma
das mais importantes a concorrência perfeita modificou-se
substancialmente com o agigantamento das corporações e a formulação de
oligopólios, cartéis e monopólios. Modificaram-se também as condições
macroambientais, de que são exemplos os efeitos danosos da atividade
produtiva em escalas crescentes e ecologicamente incorretas as chamadas
externalidades negativas (ANDRADE & ROSSETTI, 2007: 118).
Assim, embora a corrente principal e majoritária da economia, ainda esteja ancorada
na teoria neoclássica, tendo como forte representante ortodoxo Friedman
38
, que afirma que “o
objetivo das companhias é a maximização do retorno dos acionistas, remetendo para a
autoridade blica a responsabilidade de regulação das imperfeições dos mercados livres”;
uma forte linha de questionamento vem surgindo, estando agora, depois da crise de 2008,
ainda mais fortalecida.
Questionando como única razão válida, a proposição da empresa em maximizar ao
máximo o retorno total dos proprietários, outra proposição vem surgindo, mesmo que muitas
vezes de maneira tímida, trazendo a necessidade de contemplar os diversos interesses dos
rios stakeholders e o valor para a sociedade como um todo.
Surgiu assim, uma primeira proposição que passa a considerar os interesses dos
diversos stakeholders que fazem parte do universo empresarial, propondo assim que o
objetivo da empresa é ser gerida para maximizar uma função de múltiplos interesses,
atendendo, portanto aos diversos stakeholders e seus objetivos particulares. Essa corrente é
chamada de stakeholder oriented e recebeu modificações, como será analisado mais adiante,
que permitem uma maior amplitude de ação, sendo denominada: comprehensive stakeholders
oriented.
38
Ver Friedman, 1998.
103
Paralelamente, uma outra proposição desenvolveu-se, que não chega a questionar o
princípio utilitário da maximização do retorno aos acionistas, mas que destaca a importância
da criação de novos indicadores de rentabilidade para as empresas, além do retorno sobre o
patrimônio líquido e dos ganhos de capital como um todo. É o conceito hoje chamado de
administração triple bottom line, que não questiona a legitimidade e o objetivo da empresa em
buscar a maior rentabilidade possível aos seus investidores, mas acredita que as companhias
devam considerar e podem passar a ganhar através de outros indicadores de performance,
como imagem e reputação corporativa através de um melhor relacionamento com a sociedade
e uma política de responsabilidade social. Ou seja, é passar a contemplar as questões
ambientais e sociais, além das econômico-financeiras; acreditando que isso possa trazer
ganhos no futuro; mas, além disso, que podem incorrer se ignoradas, em significativas perdas
e riscos para as corporações.
A despeito das linhas e abordagens escolhidas (stakeholders oriented ou shareholders
oriented, além da administração triple bottom line), existem questões a favor e contra para
cada uma dessas correntes, sendo que sua influência e o modelo de governança corporativa
utilizado está intrinsecamente relacionado com as condições históricas, culturais,
institucionais e sociais onde as empresas estão inseridas.
Ainda no processo de controle e gestão das empresas, pode-se identificar custos
intrínsecos de agência que são divididos em: custos atribuíveis ao oportunismo dos gestores
(função utilidade dos gestores x geração de riqueza dos acionistas; busca de status,
preferências por crescimento, participação, diversificação, tomada de risco) e custos
incorridos pelos acionistas para maior controle das ações gerenciais (custos de elaborão e
estruturão de contratos, custos de monitoramento dos agentes, custos com sistemas de
informações gerenciais complexos e custos com sistemas de incentivos).
“Na perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar
mecanismos eficientes sistemas de monitoramento e incentivos para
garantir que o comportamento dos executivos esteja alinhado com o
interesse dos acionistas. O alinhamento de interesses dos acionistas e dos
efetivos controladores da empresa não é automático; para tanto são
necessárias estruturas e sistemas que harmonizam os conflitos de interesse
entre eles” (SILVA, 2006: 7).
104
Desta forma, a análise das práticas de governança, permite perceber que a
complexidade se não necessariamente pela racionalidade limitada dos gestores na tomada
de decies ou pela divergência de interesses; mas, na maior parte das vezes, pela assimetria
informacional, onde os processos e fluxos de comunicação são unidirecionais e seletivos,
conferindo um acúmulo de poder e status ao depositário da informação.
Neste caso, o Conselho de Administração teria uma dupla função de atuação: controle
e suporte, ou seja, buscar alinhar os interesses entre os acionistas e os gestores, na tentativa de
minimizar o processo de perda de valor futuro das empresas e da disseminação de
informações conflitantes e assimétricas. Assim, na busca da criação de valor é preciso cada
vez mais inserir ações e formas de conduta que representem trade offs positivos para os
stakeholders, utilizando-se conjuntamente da comunicação integrada e das práticas de boa
governança.
Uma importante pesquisa
39
feita neste campo, com diversos investidores na Europa, na
Ásia e na América Latina, mostrou que mais de 80% dos entrevistados estariam dispostos a
pagar mais por ações de uma empresa com boas práticas de governança corporativa, enquanto
75% dos investidores consideram as práticas de governança tão importante quanto o
desempenho financeiro da empresa.
Antes disso, vale lembrar que a grande confiança depositada no CEO super-poderoso
(principalmente no modelo estadunidense) e o papel muitas vezes frágil do Conselho de
Administração acabaram por alimentar um cenário em que os gestores
40
estavam fortemente
desalinhados com os interesses dos acionistas, estabelecendo estratégias de entrincheiramento,
transações em benefício próprio, ausência de transparência, aumento do pacote remuneratório,
manipulação contábil, entre outras falhas de governança.
Na tentativa de limitar e alinhar os interesses de ambos, diversas novas leis (a mais
emblemática delas é a lei federal americana Sarbanes-Oxley, já discutida no início deste
capítulo) e práticas de monitoramento e controle foram estabelecidas, principalmente após os
escândalos dos anos 2001 nos EUA e estão sendo revistas novamente depois da forte crise
financeira (diretamente relacionada á credibilidade das empresas) vivenciada no ano de 2008
e 2009.
39
McKinsey Company: Investor opinion survey on corporate governance. Londres, 2000 apud Andrade & Rossetti (2007)
40
Os gestores acabam direcionando suas ações e interesses no pólo oposto aos acionistas: se preocupam mais com segurança
do que com lucros máximos, mais com crescimento do que com retorno, mais com usufrutos pessoais do que no real
potencial de crescimento do valor da empresa.
105
Exemplos paradigmáticos que expuseram certas fragilidades do mercado e deixaram
clara a necessidade de mecanismos de controle e monitoramento ainda mais intensos,
reforçando a importância das práticas de governança corporativa foram os casos das empresas
Enron e WorldCom
41
. A gigante Enron, por exemplo, cujo faturamento anual atingiu 100
bilhões de dólares, empregando mais de 20 mil funcionários e com 3.500 subsidiárias no
mundo chegou a 13 bilhões de endividamento, depois de superestimar lucros de 600 milhões
de dólares e mascarar dívidas de mais de 650 milhões de lares; tendo o aval da empresa
Artur Andersen responsável pela auditoria da empresa e que ajudava a manipular os dados e
resultados da empresa. Os prejuízos da WorldCom chegaram à quantia astronômica de 180
bilhões de dólares, juntamente com a extinção de 20 mil cargos de trabalho e fraudes no valor
de 11 bilhões de lares, que resultaram na prisão e condenação a 25 anos do seu ex-
presidente em julho de 2005.
Entretanto, mesmo com um aumento constante do monitoramento e controle na busca
por um maior alinhamento entre os acionistas e os gestores, os fluxos de comunicação e
informão ainda são bastante limitados, estando o gestor receoso de fornecer aos acionistas e
também a sociedade, toda a verdade dos fatos. Talvez, porque antigamente guardar a
informão era uma forma de poder; e ainda hoje, existem pessoas que continuam a reter
informações com o objetivo de ter mais poder e obter vantagens com isso. Porém, quando o
gestor se utiliza de recursos de terceiros ele está legalmente obrigado a fornecer informações a
esses terceiros sobre a utilização dos recursos, ou seja, de informar aos acionistas onde o seu
dinheiro está sendo aplicado e como está sendo aplicado.
Como demonstra Silveira (2010), apesar da crescente importância das práticas de
governança corporativa e do aumento de monitoramento e controle, pode-se observar na crise
de 2008/2009 sérios problemas de governança corporativa que causaram um enorme prejuízo
aos investidores (os problemas ocorridos nas empresas Sociéte Générale, Agrenco, Lehman
Brothers, Bear Sterns, AIG, Sadia, Aracruz, Siemens, Madoff, Satnford Bank e Satyam
42
resultaram em perdas aproximadas de US$ 341 bilhões), sem contar as perdas relacionadas
aos funcionários dessas empresas e a sociedade como um todo.
Ainda de acordo com o autor, alguns casos dessas empresas envolveram fraudes e
problemas legais, enquanto outros como (Aracruz e Sadia) foram resultados de más decisões
41
Ver: Machado Filho (2006), Tapscott & Ticoll (2005) e Taylor (2003).
42
Ver resumo dos casos em Silveira (2010) - apêndice 12.2.
106
na cúpula da empresa. Tanto o caso do Lehman Brothers como o Bear Sterns são resultados
de complexas operações financeiras que acabaram por levá-los a insolvência, sendo que o
primeiro faliu e o segundo foi vendido a preço simlico. Outro caso paradigmático é a então
maior seguradora do mundo AIG, que se envolveu em complexas e arriscadas transações
financeiras que acabaram trazendo prejuízos colossais, tendo sido socorrida pelo governo
norte-americano em mais de US$ 150 bilhões. Aqui no Brasil, além da Agrenco, temos a
Sadia e a Aracruz, que em setembro de 2008 reportaram perdas bilionárias da ordem de US$ 6
bilhões associadas a operações financeiras com derivativos. Como resultado, a Sadia fundiu-
se com a Perdigão e a Aracruz foi vendida a um valor bastante inferior ao anteriormente
lançado.
Silveira (2010: 385) conclui:
“Ao analisar os casos de forma agregada, observa-se que uma atmosfera de
arrogância e ganância associada à presença de CEOs excessivamente
poderosos, conselhos de administração ineficazes, controles internos
deficientes e ausência de questionamento dos investidores constituíram a
receita perfeita para os recentes escândalos empresariais associados a
falhas de governança”.
Em decorrência destes fatos, o mercado está hoje preocupado em exigir, cada vez mais
informações e de uma forma bastante transparente, trazendo mudanças na importância e
valorização das boas práticas de governança corporativa. E, como nunca visto antes, (dado os
escândalos com corporações de renome e importante participação no mercado), depende da
confiança construída e exige transparência, que significa, na concepção de Tapscott & Ticoll
(2005: 23): “a acessibilidade, para os stakeholders, às informações institucionais referentes a
assuntos que afetem seus interesses”.
107
3.3.3 Abordagens e modelos de governança corporativa
Abaixo serão analisadas e comparadas as duas principais abordagens de governança
corporativa, tendo como base a legitimidade dos interesses envolvidos entre os shareholders e
os demais públicos estratégicos relacionados com a empresa e denominados de stakeholders.
O estágio, a maturação e a evolução das abordagens e dos modelos de governança
corporativa efetivamente praticados se modificam conforme os países onde estão inseridos;
por sofrerem alterações e adaptações decorrentes das condições históricas, culturais,
institucionais e econômicas dos ambientes relacionados. Além de serem influenciadas pela
própria formão econômica dos mesmos, pela configuração e maturidade do seu sistema
financeiro, pelas instituições legais estabelecidas naquele país e finalmente pela forma
dominante de propriedade e de financiamento das empresas específica em cada país ou região.
Portanto, vale aqui destacar que não existe um modelo padrão de governança
corporativa que se ajuste a todos os cenários e ambientes. Como ressalta Oliveira (2000), é
importante saber que todos os sistemas de governança podem ser eficientes desde que
cumpram os critérios apropriados ao sistema econômico, político e legal do país, além de
respeitar a cultura local.
A abordagem ainda hegemônica, embora esteja sofrendo alguns fortes
questionamentos é a abordagem shareholders oriented, cujas raízes estão baseadas na teoria
econômica cssica (discutida no capítulo 1), reforçando que a legitimidade dos interesses
dos proprietários tem por fundamento a questão do risco e do espírito de empreendimento,
inerente aos novos negócios. O objetivo está em buscar maximizar o retorno total dos
proprietários (tanto através de dividendos ao longo do tempo, como também pelos ganhos de
capital resultantes do aumento do valor da empresa) e que se tornam o motor para a
continuidade de novos investimentos. Além disso, pelo próprio princípio utilitário da teoria
econômica clássica, esta abordagem acaba por estabelecer medidas de desempenho mais
objetivas, com parâmetros bem definidos de aferição de resultados, o que ajuda a consolidar e
facilitar ainda mais a aceitação desta abordagem. Embora esteja explicita a valorização do
direito a propriedade e dos interesses dos shareholders, a teoria na qual está ancorada afirma
que os objetivos de maximização do lucro o os que mais atendem ao interesse social,
levando a uma melhoria da sociedade como um todo. Tal consequência pode ser questionada
quando do agigantamento e do poderio que algumas corporações chegaram a alcançar,
podendo vir a tornarem-se insensíveis às necessidades da sociedade e às práticas de
108
responsabilidade social, além de outros fatores que podem contribuir com a imagem e
reputação da empresa, podendo afetar inclusive seu valor de mercado, como danos ao meio
ambiente ou utilizão de trabalho infantil.
“O foco nos interesses dos shareholders predomina nos países anglo-
saxões. Além de terem sido lugares onde mais vicejaram as bases
doutrinárias - teológicas, com o calvinismo; ideológicas, com a Revolução
Liberal do sistema capitalista ocidental, foi ali que mais fortemente se
desenvolveram todos os fatores determinantes da evolução do capitalismo e
da expansão do mundo corporativo. Dois desses fatores conduziram à
predominância nesses países de orientação shareholder: a
institucionalização do sistema de sociedade anônima e a notável expressão
do mercado de capitais como alternativa de investimento” (ANDRADE &
ROSSETTI, 2007: 126).
A outra abordagem procura contemplar todos os públicos estratégicos relacionados
com a empresa e se denomina stakeholders oriented. O objetivo corporativo está vinculado à
concilião de um conjunto ampliado de interesses, que possa satisfazer todos os públicos
envolvidos. De certa forma, busca-se conciliar os múltiplos objetivos na tentativa de satisfazer
todas as pessoas ou grupos com interesses legítimos junto a organização. Desta maneira, os
objetivos e as diretrizes estratégicas das empresas devem contemplar indicadores que vão
além do lucro. Existem, portanto, outras categorias de retorno maximiveis, como por
exemplo, as relações entre grupos e o capital humano, que juntos contribuem para a
sobrevincia, o crescimento e a continuidade das corporações. Assim, os diversos blicos
estratégicos são considerados além de simplesmente meio para que os acionistas alcancem
seus objetivos, possuem e almejam seus próprios fins e objetivam a maximização de seus
retornos. A dificuldade nesta abordagem está em estabelecer critérios de controle e objetivos
claros para cada um dos blicos envolvidos, já que os indicadores de desempenho vão além
dos resultados financeiros; muitas vezes trazendo um maior número de conflitos que pode
levar a situações de instabilidade ou de estagnação. Busca-se uma gestão mais consciente da
empresa, que tentará conciliar as demandas dos acionistas com as demandas dos demais
públicos envolvidos e que, de certa forma, são responsáveis pela manutenção e sobrevivência
da própria corporação.
109
“A doutrina da teoria dos stakeholders baseia-se na idéia de que o saldo
final da atividade de uma dada organização empresarial deve levar em
consideração os retornos que otimizam os resultados de todos os
stakeholders envolvidos, e não apenas os resultados dos acionistas”
(MACHADO FILHO, 2006: 8).
No quadro abaixo, segue a síntese dos principais argumentos que legitimam cada uma
das abordagens, valorizando àquilo que lhes é mais pertinente.
Quadro 3.4 Síntese dos argumentos de legitimação de cada abordagem
Interesses do ponto de vista dos shareholders
Interesses do ponto de vista dos stakeholders
Criação de valor para a sociedade como um todo,
do espírito de empreendimento e de geração de
riquezas
Grupos com os quais a empresa deixaria de existir, ou
seja, são constituintes da própria natureza da empresa
A busca pela maximização do retorno sobre os
investimentos e do valor da empresa a longo
prazo é condição sine qua non para a
continuidade da atividade profissional
Existem forças sinérgicas coletivas que, através de uma
inteligência organizacional, lutam pela sobrevincia,
pelo crescimento e pela continuidade da empresa
O capital integralizado é recurso ao qual os
proprietários só tem acesso se outros se
interessarem, livremente, em adquiri-lo
Os stakeholders não são somente meios para que os
acionistas almejem seus fins. Eles também possuem
objetivos e interesses que devem ser considerados
Os proprietários não são protegidos por ações
contratuais com a empresa, diferentemente com o
que ocorre com os demais stakeholders
Há interesses sociais difusos que são dependentes das
diretrizes, das ações e dos resultados da empresa e que
não podem ser desconsiderados
O máximo retorno total é um estímulo para mais e
novos empreendimentos
O grande entorno da empresa se movimenta como
suporte vital de seu desenvolvimento sustentável
Fonte: Adaptado a partir de Andrade & Rossetti (2007: 123).
Apesar do predomínio da abordagem shareholder oriented, principalmente em
decorrência da maturidade e importância do mercado de capitais dos EUA, existe um
movimento de convergência mundial decorrente da globalização e da constatação da
influência e dos impactos de repercussão positiva e redução de riscos quando da atenção às
demandas e necessidades de outras partes interessadas, ou seja, de seus stakeholders. Neste
caso, existe a busca pelo equilíbrio (trade-off) entre o máximo retorno aos acionistas,
considerado como o objetivo primário das companhias e a satisfação às demandas dos demais
públicos estratégicos, enquanto convergentes com esse objetivo. É determinante para a
própria sobrevivência das empresas considerar os interesses dos stakeholders que podem
conjuntamente contribuir para o aumento do valor da empresa, uma melhor promoção da sua
imagem e reputação, possíveis reduções de custos, elevação da moral dos funcionários,
chegando até a influenciar na construção da lealdade por parte dos clientes, entre outros
benefícios.
110
Essa proposta foi apresentada por Jensen (2001) e denominada de maximização
iluminada de valor (enlightened value maximization), objetivando atender às demandas dos
diversos stakeholders, através da criação e sustentação de vantagens competitivas e da gestão
eficiente entre os públicos envolvidos com o objetivo de máximo retorno do capital. Neste
momento destaca-se ainda mais a importância do papel das boas práticas de governança
corporativa que podem permitir uma gestão melhor dos negócios, maximizando a criação de
valor para os acionistas e para as outras partes correlacionadas.
Além das abordagens descritas acima, cuja reflexão está ancorada no papel social das
organizações, existem algumas características específicas dos modelos de governança
corporativa aplicados em cada país ou região, que variam, como já mencionado, de acordo
com o ambiente institucional no qual estão inseridos.
De acordo com Andrade e Rossetti (2007), Machado Filho (2006) e Silva (2006) e
Silveira (2002, 2010), torna-se imprescindível uma reflexão sobre os dois sistemas
predominantes, dentre os modelos existentes e que acabam por influenciar modelos em
diversas partes do mundo: o anglo-saxão que prevalece nos Estados Unidos e no Reino Unido
e o nipo-germânico que predomina no Japão, na Alemanha e na maioria dos países da Europa
continental. Vale ressaltar que ambos sofrem fortes influências dos princípios norteadores da
OCDE
43
de governança corporativa que acabam por assessorar governos membros e não
membros, em seus esforços de elaboração, avaliação e aperfeoamento das boas práticas de
governança corporativa em seus países, através da criação de uma estrutura jurídica e
regulatória, que tem por objetivo orientar a conduta dos investidores, das corporações e da
própria bolsa de valores.
As diferenças entre eles podem ocorrer quanto aos aspectos no interior da empresa ou
fora dela. Ao considerar os diferenciais presentes no ambiente externo, é possível verificar
diferenças quanto a existência ou não de protões legais aos acionistas, quanto as fontes
predominantes de financiamento, características de cada região; e diferenças quanto aos
estágios em que se encontram as práticas e os procedimento que dizem respeito a governança
corporativa. Ao considerar as diferenças tendo como ponto de partida o interior das
organizações, podem-se encontrar diferenças quanto ao modelo de separação entre
propriedade e gestão, quanto a intensidade e características dos conflitos de agência e
43
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (www.oecd.org).
111
finalmente observar diferenças ou semelhanças quanto ao papel e as formas de atuação do
Conselho de Administração.
O modelo anglo-saxão caracteriza-se pela extrema pulverização do controle acionário
e pela já consolidada separação entre propriedade e gestão. O tipo de financiamento
predominante se via mercado de capitais, o que acaba por influenciar na importância cada
vez maior dada ao valor das ações no mercado. Os conflitos de agência no início se
concentravam entre os acionistas e os gestores, chegando agora a se intensificar em busca de
maior protão aos acionistas minoritários (com o crescimento dos acionistas institucionais,
descrito no capítulo 1 e 2, depois dos anos de 1980). Tendo como abordagem hegemônica a
busca pela maximização dos acionistas, o papel do Conselho de Administração volta-se para
este objetivo, porém ainda de maneira insatisfatória e bastante criticada após os escândalos de
2001 e a crise de 2008/2009, que mostrou a fraca atuação do conselho e a necessidade de
mecanismos mais intensos de monitoramento e controle.
o modelo nipo-germânico se caracteriza pela preocupação com os interesses dos
demais blicos estratégicos da empresa, ou seja, seus stakeholders. Além disso, a forma
predominante de financiamento vem dos bancos, fazendo com que o mercado de capitais
possua um destaque bem menor. A propriedade é concentrada, sendo que a gestão na grande
maioria é compartilhada; várias empresas possuem dois conselhos de administração, um deles
com representantes dos funcionários e da comunidade e outro que representa os acionistas. O
conflito de agência se entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários e é
comum haver estruturas acionárias cruzadas, devida a forte participação dos bancos, que
realizam inclusive um papel constante de monitoramento e supervisão da gestão das
empresas.
Como já destacado, as instituições econômicas e legais de um país, além das práticas
culturais; acabam por afetar de maneira decisiva o sistema de governança corporativa adotado
pelas empresas e o nível de proteção legal oferecido aos acionistas. Portanto, mais importante
do que comparar e enumerar as diferenças entre os principais modelos, é buscar compreender
que todos possuem graus e combinações de proteção legal aos seus acionistas e diferentes
concentrações de propriedade, podendo ainda sofrer uma maior ou menor influência do
Estado.
A análise do modelo brasileiro, por sua vez, aponta uma baixa proteção legal aos
investidores, o financiamento em grande maioria é interno ou através de bancos estatais e
112
existe ainda uma grande concentrão da propriedade. Dentre as principais características das
empresas brasileiras listadas em bolsa, está a existência de um modelo particular de
propriedade, com uma forte concentração de ações com direito a voto, as chamadas ordinárias
e um alto índice de emissões de ações sem direito a voto denominadas de preferenciais. A alta
concentração da propriedade (posse de ações) e do controle das companhias (tomada de
decisão) cria um cenário onde o principal conflito de agência ocorre entre os acionistas
controladores e os minoritários, diferentemente do que ocorre nos EUA, entre os acionistas e
gestores. Os Conselhos de Administração possuem ainda um papel de coadjuvante, embora
tenham surgido melhorias na própria composição: separando as presincias do conselho-
direção, aumentando a heterogeneidade dos membros (através de conselheiros independentes)
e criando subcomitês dedicados a assuntos específicos.
Com alterações no mundo corporativo brasileiro, através das privatizações, de
processos sucessórios, de fusões e aquisições e da presença cada vez mais constante e
crescente de investidores estrangeiros e institucionais no mercado, além das duas reformas de
grande impacto que são: a Lei das Sociedades por ações em 2001 e a reforma do Código Civil
em 2002
44
, as práticas de governança corporativa têm evoluído no país estando, entretanto,
ainda distante dos modelos mais maduros existentes no mundo. Em 1999, o IBGC (Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa)
45
publicou o primeiro código de melhores práticas no
Brasil, baseado na análise de algumas codificações internacionais; entretanto, devido às
transformações e demandas do mundo corporativo nacional, surgiram novas versões em
2001 e 2004. O código, embora de aplicão voluntária por parte das empresas reforça a
importância dos valores da governança, como accountability, disclosure e fairness além de
estimular a aceitação e nortear a evolução do sistema de governança corporativa no país.
Ainda no intuito de estimular as boas práticas de governança nas empresas, a
BMF&Bovespa
46
instituiu novas regras e criou níveis diferenciados de atuação no mercado de
capitais baseados no estágio em que as empresas estão quanto às práticas de governança
corporativa. Este segmento é denominado de Novo Mercado e está dividido em três níveis
(Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado), conforme o comprometimento e a aderência das empresas
de capital aberto às práticas que gerem níveis de governança mais altos e conseqüentemente
44
Ver Andrade & Rossetti (2007) capítulo 7 e Silveira (2010) capítulo 7.
45
O IBGC exerce um papel bastante importante na disseminação das boas práticas de governança corporativa no Brasil, não
somente pela elaboração pioneira no país do código das melhores práticas, mas também como um agente de reflexão e
propagação dos conceitos e práticas no campo da governança corporativa, através de treinamentos, palestras, seminários e
pesquisas (www.ibgc.org.br).
46
Bolsa de Valores e Mercados do Estado de São Paulo (www.bovespa.com.br)
113
venham a valorizar os ativos dessas empresas, principalmente o valor de suas ações no
mercado, além de trazer credibilidade ao próprio mercado de capitais brasileiro, ao mesmo
tempo em que homogeneíza e alinha-o com as práticas aplicadas nos mercados internacionais.
“As regras do Novo Mercado representam um novo patamar de Governança
para o Brasil; com a maior pulverização do capital das empresas,
distribuído exclusivamente em ações ordinárias, cresce a necessidade por
maior transparência e equidade nas organizações. Sendo assim os
investidores estão acirrando a demanda por relatórios financeiros e práticas
de boa Governança” (MURITIBA, 2009: 35).
3.4 Processos mais eficazes: uma demanda latente
Principalmente após os escândalos de 2001 e a forte crise (ainda a ser totalmente
superada) do biênio 2008/2009, retomou-se um movimento de intensificão e preocupação
por aumentar a eficia das práticas de monitoramento e controle junto às empresas. Além
disso, existe uma preocupação em relação ao papel e a performance mais ativa do Conselho
de Administração, na tentativa de participar mais intensamente das estratégias e rumos
definidos pelas organizações, buscando minimizar os riscos e eventuais perdas e criando uma
atmosfera de tensão positiva entre o Conselho e os gestores objetivando construir e sustentar
vantagens competitivas de longo prazo. E sem vida, trazer transparência e interação entre
esses dois agentes.
Na busca por processos mais eficazes presentes nas práticas de governança
corporativa, criando condões para uma maior interlocução e integração entre as três bases:
acionistas, conselho e direção encontram-se três objetivos principais, de acordo com Andrade
e Rossetti (2007) e Muritiba (2009): promover o empowerment do Conselho de
Administração, assegurar o desenvolvimento da diretoria executiva (os gestores) e estabelecer
práticas de melhorias no monitoramento e controle.
Ao olhar para o Conselho de Administração, deve-se buscar ultrapassar a passividade
tão característica e estabelecer políticas de interação e atuação mais ativa e permanente junto
aos gestores. Para isso, deve-se estabelecer uma liderança do Conselho independente da
direção executiva, ou seja, o Presidente do Conselho e o CEO da empresa são figuras
distintas. Além disso, é preciso criar procedimentos mais claros de atuação, principalmente
junto aos comis específicos. Para tanto, deve-se compor um Conselho com competências
complementares, com um número significativo de conselheiros externos e independentes.
114
Outro ponto decisivo é ampliar os canais de comunicação entre os acionistas, buscando
sempre a ética e a transpancia nos dados e propostas apresentadas. Finalmente, é
fundamental estabelecer padrões de avaliações, monitoramento e controle mantendo um canal
de interlocução constantemente aberto e que permita a construção de caminhos e a definição
de estratégias, a partir da gestão do conflito, da diversidade de idéias e da busca constante por
objetivos comuns.
Pelo lado da diretoria executiva, existe a demanda cada vez maior pela condução ética
dos negócios, assegurando a formação de uma equipe competente e hábil na identificação de
novas oportunidades e na análise das constantes transformações pela quais as empresas vêm
passando. Além disso, pede-se maior clareza quanto aos programas de remuneração e
bonificões, medidos por uma variedade maior de critérios, estando muitas vezes ancorados
em desempenho de longo prazo; na tentativa de minimizar ações de interesses e benefícios
individuais, além de poticas de curto prazo centradas exclusivamente no valor das ações.
Ambos os lados, conselho e gestores trabalhando conjuntamente, devem buscar
ganhos superiores a empresa, agregando valor e promovendo direcionamentos e percursos
diferenciados na tentativa de enfrentar e superar as profundas mudanças no cenário
competitivo do qual elas fazem parte, harmonizando interesses e promovendo o crescimento
econômico.
Desta forma, processos mais eficazes de governança corporativa buscam evitar abusos
de poder e custos extorsivos de agência (que ocorreram nos escândalos de 2001), buscam
minimizar erros estratégicos, gestões deficientes, visões limitadas e principalmente fraudes
corporativas através da manipulação dos dados e da falta de transparência. Ao mesmo tempo,
trazem credibilidade e segurança ao mercado, aumentando a confiança no mundo dos
necios e promovendo uma maior canalização dos recursos para o mercado de capitais.
Entretanto, com a crescente financeirização amparada pela hegemonia das poticas liberais e
com a perda de autonomia do Estado, presente a partir dos anos de 1990; a canalização dos
recursos para o mercado de capitais trouxe prejuízos significativos para a organização do
trabalho e para a própria existência das corporações. As empresas passaram a alterar suas
estratégias de longo prazo e suas estruturas produtivas, utilizando-se do valor das ações como
guia da atividade econômica e, desta forma, como a razão de ser das empresas. Como já
discutido anteriormente, esse novo comportamento tem trazido fortes conseqüências às
sociedades, desde alterações na lógica do trabalho, até comportamentos consumistas
115
desenfreados, que começam a ser questionados quando o excesso dessas práticas passa a
beneficiar alguns poucos diretores, chegando ao extremo de contribuir para a destruição de
inúmeras companhias.
Neste cenário de mudanças surgem novos mecanismos no sistema de governança
corporativa, cujo intuito é permitir uma gestão ainda melhor, maximizando a criação de valor
para os acionistas e outras partes interessadas, e estimulando a confiança e transparência no
mercado. Pelo lado externo às organizações, surgiram normas mais duras e efetivas dos
óros de regulação (por exemplo, a Lei Sarbanes-Oxley), um maior ativismo dos
investidores institucionais na tentativa de se auto-protegerem e também na busca pela criação
de mercados mais confiáveis e homogêneos ( que eles m por costume investir em diversos
locais do mundo) e também pela organização e mobilização dos acionistas minoritários
profundamente preocupados com os caminhos tomados pelas organizações e receosos de
verem seus investimentos virarem . pelo lado interno das empresas, pode-se identificar
uma busca constante pela melhoria nas práticas de governança corporativa na tentativa de
harmonizar os conflitos de agência e de aumentar a credibilidade e a reputação da empresa no
mercado. Também existe uma preocupação em ampliar os canais de comunicação e favorecer
a transparência de informações, buscando assim evitar fraudes e outros custos de agência,
além de uma maior clareza na definição dos papéis e atribuições do Conselho de
Administração e da diretoria executiva.
116
Quadro 3.5 Aspectos relevantes de sintonia empresa X boas práticas de governança
Aspectos relevantes para uma boa
governança
Sinais e práticas presentes de melhoria
1. Monitoramento
Supervisão detalhada das finanças das empresas por conselheiros
independentes qualificados, livres de pressões da administração e
dispondo de recursos para contratar seus próprios consultores
especializados
2. Conflitos de interesse
Ausência de conflitos de interesse da parte dos conselheiro externos
como relacionamentos com seus próprios negócios, contratos de
consultoria e outras relações que lhes possam gerar benefícios
conflituosos com os das empresas em que atuam,
3. Conselho de Administração
Constituição de conselhos bem equilibrados em termos de
experiência, selecionados por um comitê de nomeação independente
do executivo- chefe
4. Remuneração da direção executiva
Padrões de remuneração do quadro executivo relacionados de forma
convincente com o desempenho de longo prazo, medido por uma
variedade de critérios. Vinculação do pagamento de incentivos ao
desempenho comparado com o dos concorrentes, tanto em termos
financeiros como em termos de mercado
5. Participação acionária
Requisitos rigorosos quanto à participação acionária, que limitem a
capacidade dos executivos e conselheiros de se desfazerem de suas
ações nas posições de pico no mercado
6. Conselhos externos
Reuniões regulares de conselheiros externos sem a presença do
executivo-chefe
7. Questões estratégicas
Sistemas estruturados que mantenham o conselho informado de
forma regular e detalhada sobre questões estratégicas, que são ali
abertamente debatidas
8. Questões operacionais
Conselhos que sabem como ficar fora de questões operacionais e se
concentrem no cenário geral dos negócios e em questões
corporativas críticas
9. Normas contábeis
Demonstrações financeiras acessíveis que evidenciem claramente
os princípios contábeis subjacentes e as conseqüências das
decisões tomadas
10. Transparência
Informações transparentes sobre decisões corporativas, tanto de
questões estratégicas, como de governança
Fonte: Andrade & Rossetti (2007: 524), apud The Economist & KPMG. Corporate governance: business under scrutiny.
London: The Economist Intelligence Unit, 2003.
117
3.5 Conclusão
As boas práticas de governança corporativa estão sendo cada vez mais valorizadas
junto às empresas e aos mercados de capitais como demonstrou a pesquisa da McKinsey
Company (2000), além de Andrade e Rossetti (2007), Muritiba (2009) e Silveira (2010). A
busca por práticas e procedimentos mais efetivos tem por objetivo ampliar o acesso ao
mercado, com menores custos de capital; transformando-se em um importante requisito para o
acesso a mercados financeiros internacionais.
Na tentativa de ampliar o controle e o monitoramento junto aos gestores,
principalmente após os escândalos de 2001 e a crise dos anos de 2008/2009, as práticas de
governança corporativa vêm ganhando destaque no mercado e dentro das próprias
corporações, muitas vezes estimuladas por pressões dos acionistas minoritários na tentativa de
participar mais ativamente das estratégias da empresa, buscando minimizar os riscos e
estabelecer diferenciais competitivos mais duradouros. E, por outro lado, os próprios
investidores institucionais são favorecidos pela homogeneidade dos códigos e pelo aumento
de confiança e credibilidade nos mercados onde atuam.
Os benefícios na aplicação das boas práticas de governança passam também por
ampliar a possibilidade de novas alianças estratégicas. E finalmente, acaba por promover uma
redução de conflitos de interesse, através de um maior alinhamento entre proprietários,
conselho e direção executiva gerando para a empresa maior credibilidade e confiança junto ao
mercado, que atualmente encontra-se disposto a pagar mais pelas empresas cujas práticas de
governança são mais efetivas, principalmente quanto à transparência de informações
(disclosure) e quanto ao comprometimento às normas e leis (compliance).
Neste ponto é fundamental a busca pela transpancia e clareza de informações tanto
entre o Conselho de Administração e os gestores, como entre os acionistas e seus
representantes o próprio conselho. Assim, as políticas de comunicação organizacional
podem contribuir ou até determinar o sucesso das boas práticas de governança corporativa ao
estabelecerem canais de comunicação efetivos, que permitam a existência e a manutenção de
uma comunicação de duas vias (e não somente a transmissão de informações unilateral), que
forneça credibilidade e estimule a interação entre estes agentes, além de facilitar a
interlocução com os demais públicos estratégicos e que, hoje, contribuem na construção da
credibilidade e da imagem da empresa e tornam-se fundamentais para o alcance do sucesso de
forma sustentável e competitiva.
118
Entretanto, vale destacar que as transformações ainda são insuficientes, o desequilíbrio
existente entre os gestores e os acionistas, sem falar na apatia do Conselho de Administração
ainda traz consequências danosas ao mercado e a sociedade como um todo. A própria
valorização excessiva no preço das ações como forma de mensuração da saúde financeira das
empresas trouxe sérios problemas que ainda não estão completamente resolvidos. A questão
central está permeada pelo conflito entre propriedade e gestão, sendo que os gestores passam
a receber grande parte da sua remuneração em stock options e desta forma agem de maneira
individualista e oportunista muitas vezes; deixando os interesses dos acionistas e dos demais
stakeholders em segundo plano. Além disso, o predomínio da lógica de curto prazo, através
da intensa expansão especulativa financeira prioriza estratégias que abandonam os processos
de gestão e de relacionamento antes presentes nas empresas e estabelecem contratos
temporários tanto com os próprios trabalhadores como com os fornecedores, na busca pela
maior valorização possível do capital, mesmo que em detrimento da perda de emprego por
centenas de trabalhadores, do abandono de cidades e regiões e da utilização de processos
produtivos duvidosos.
119
Capítulo 4: Papel e evolução da comunicação organizacional
4.1 Introdução
O capítulo 4 abordará uma análise histórica do corpus teórico da comunicação
organizacional, dando forte ênfase para as novas práticas de comunicação e interlocução da
empresa junto aos seus diversos stakeholders. Antes disso, será feita uma reflexão sobre as
intersecções, limites e interfaces do campo da comunicação organizacional com outras áreas
afins e os benefícios e questionamentos deste encontro.
A intenção neste capítulo é descrever a trajetória do pensamento comunicacional nas
organizações, tendo como ponto de partida os teóricos norte-americanos da década de 1950,
analisando a perspectiva tradicional, interpretativa e crítica; além da utilização das metáforas
e de novas perspectivas teóricas atualmente utilizadas no estudo da comunicação. Também
será apresentado um recorte da realidade brasileira e seus representantes, quais os desafios
para o campo teórico da comunicação no século XXI e as possíveis estratégias junto aos
diversos públicos das organizações.
Como uma das hipóteses desta tese, acredita-se que a comunicação organizacional
aliada à governança corporativa poderá contribuir, decisivamente, na busca pela
adaptabilidade e maior rentabilidade das empresas num novo cenário competitivo. Pode, ao
mesmo tempo, ser instrumento e consequência das alterações no processo de gestão das
mesmas, buscando um ambiente mais flexível, criativo, participativo e, consequentemente,
mais dinâmico. Na verdade, é a utilização da comunicação de duas vias, da participação ativa
e da interação e construção coletiva em cada etapa do processo organizacional.
É a superação dos fluxos e processos formais de comunicação, juntamente com uma
integrão efetiva das diversas áreas comunicacionais, por meio de uma nova filosofia e
cultura organizacionais. Só assim, a comunicação deixaria de ser encarada como um mero
conjunto de atividades (visão operacional), como um centro de custo para a empresa e
passaria a ocupar um lugar central no processo organizacional, desempenhando um papel
estratégico.
Desta forma, a comunicação organizacional passaria a englobar as questões
mercadológicas, institucionais e administrativas. E mais, deveria contemplar análises sociais,
120
políticas, mercadológicas, econômicas e culturais, buscando posicionar a empresa frente aos
seus diversos públicos, seus stakeholders, antecipando inclusive tendências futuras.
Ainda que as empresas percebam e acreditem na importância e no papel da
comunicação organizacional para a manutenção e sobrevivência das mesmas, há ainda poucas
evincias da utilização da comunicação de forma estratégica e integrada, perpassando toda a
empresa e sendo um reflexo do processo de gestão. Uma das razões para a existência deste
descasamento entre prática e discurso corporativo
47
ocorre devido ao fato da grande maioria
das empresas ainda estar organizada sob o padrão tradicional e burocrático da administração
clássica taylorista; concebendo a comunicação como um conjunto de atividades, com uma
atuação exclusivamente operacional
48
.
4.2 Interlocuções e interfaces da comunicação
Para o exercício da análise e reflexão do campo da comunicação, e mais
especificamente do campo da comunicação organizacional é fundamental buscar entender os
limites, as intersecções e as várias interfaces do campo da comunicação com outras áreas de
conhecimento.
De acordo com Mattos (2008) a interface não resulta em dispersão ou anulação de um
dos objetos diante das outras faces (disciplinas), fato que ocorreu em algumas situações pela
prática da interdisciplinaridade, quando o campo da comunicação ocupou por diversas vezes o
espaço de pano de fundo da análise e não o foco em si; mas sim a busca por uma melhor
compreensão e definição do objeto comunicacional.
“Diferentemente do efeito provocado pela prática da interdisciplinaridade
da Comunicação com outros saberes, a interface não resulta em dispersão
ou diluição do objeto da Comunicação e de fronteiras diante de outras faces
(disciplinas) dominantes nas articulações processadas entre as áreas de
conhecimento. Pelo contrário, nas abordagens de interfaces a articulação
entre as perspectivas disciplinas é realizada para atender à necessidade de
conhecer em profundidade a concretude do objeto comunicacional”
(MATTOS, 2008: 17).
47
Ver estudo realizado por Sabbatini, 2003.
48
Ver capítulos 1 e 2 desta tese.
121
A interdisciplinaridade com diversas áreas de conhecimento, principalmente as
ciências sociais aplicadas e as da linguagem, está presente desde o início nos estudos do
campo de comunicação, trazendo, por um lado, uma contribuição importante na compreensão
dos processos e das práticas comunicacionais, e por outro; dificultando a consolidação da
comunicação como disciplina científica, no momento em que muitas vezes tratava a
comunicação de forma secundária ou paralela.
Desta forma, como propõem Braga (2004), Mattos (2008) e Reis & Costa (2007) é
determinante para a consolidação do campo teórico da comunicão ultrapassar a natureza
interdisciplinar e ir além da mera aplicação de conhecimentos oriundos de outros campos
teóricos, resultando assim na construção de conhecimentos específicos, pertinentes e
relevantes ao saber comunicacional ao identificar, através das interfaces, quais questões
comunicacionais estão presentes e como trabalhar essa interação.
Pela própria natureza ubíqua da comunicação, ao identificar que a dimensão
instauradora dos processos comunicativos é formadora dos processos sociais, pode-se
reconhecer e identificar a comunicação nos processos e práticas sociais e em vários campos
do conhecimento, o que acabou por propiciar uma intersecção temática entre diversos campos
de estudo.
“Essa ubiqüidade da Comunicação na vida social contemporânea e a sua
indiscutível visibilidade talvez expliquem sua emergência e presença
crescente como tema de estudos em vários campos de conhecimento. Ao
buscarem entender e explicar os objetos sociais, esses campos não têm como
produzir explicações sem levar em conta os processos interativo-
interlocutivos formadores desses objetos” (MATTOS, 2008: 57).
No caso da comunicação organizacional, existe uma intersecção intrínseca e
definidora do próprio objeto de estudo, no momento em que o é possível produzir uma
compreensão sobre as organizações sem analisar a comunicação em sua totalidade.
Entretanto, o que acabou por prevalecer no campo da comunicação organizacional, inclusive
pelo próprio nascimento no Brasil como subárea dos estudos organizacionais é uma
valorização do olhar pelo viés administrativo, em detrimento dos aspectos comunicacionais.
Como define bem Braga (2004) através da mefora de forma e fundo, para os estudos
organizacionais a comunicação por diversas vezes não é forma, é fundo; enquanto as
organizações é que são formas, ou seja, o foco principal.
122
“Ainda utilizando a metáfora da forma e fundo, é possível dizer que no
âmbito do Campo da Comunicação, os estudiosos interessados em
compreender como os processos e produtos comunicativos fazem parte da
dinâmica organizacional, nem sempre têm tido sucesso em dar visibilidade à
Comunicação como forma e às organizações como fundo. Isso tem feito com
que, às vezes, eles ainda escutem de seus pares do campo, interessados em
outras temáticas mais comunicacionais, questionamentos sobre o que as
pesquisas em Comunicação têm caracterizadamente de comunicacional”
(MATTOS, 2008: 59).
Assim, a partir do pressuposto de que a comunicação, ao ser elemento constituinte de
todos os objetos sociais, acaba por ser objeto de visibilidade e reflexão entre várias áreas de
conhecimento, entretanto, na maioria das vezes ocupando um lugar periférico, o desafio
proposto por Braga (2004) e Reis & Costa (2007) é trazer a comunicação para a centralidade
da análise, sem perder as referências e interfaces com os outros campos teóricos, mas
trabalhando de forma tensionada e não como sobreposição de objetos ou compartilhamentos
harmônicos; pois é no conflito das interfaces que existe a possibilidade de criação de disputas
de sentido e o desenvolvimento de um campo teórico próprio. Para Braga (2004: 12) “no
estudo das interfaces, o campo de conhecimento (...) se constitui o por separação ou
distinção (...); o objeto não aparece nunca em estado puro (que seria o exclusivamente
comunicacional) isolado de motivos e processos que lhe dão tonalidades”.
O desafio aqui é deslocar a comunicação de fundo para forma; mantendo a natureza
originária do campo, entendido como constituído por objetos de interface (de acordo com
Reis & Costa (2007: 63) “porque se institui da somatória de objetos sociais sobre os quais o
tem exclusividade nem de ação nem de reflexão”) que, através do conflito e da tensão,
contribuem e disputam com a comunicação a construção de um olhar teórico próprio, porém
sempre conectado com teorias e conceitos de outros campos de conhecimento. De acordo com
Mumby (2009: 197): “por muito tempo os pesquisadores não prestaram atenção à
comunicação” na Comunicação Organizacional”.
Assim, a ampliação das interfaces, dadas às devidas considerações acima descritas, é
fundamental para o avanço dos estudos de comunicação organizacional, como explica Mattos
(2008: 34) face à complexidade dos processos e das práticas da comunicação na
contemporaneidade, que demandam perspectivas cada vez mais transversais e
transdisciplinares.
123
Ainda para Reis & Costa (2007: 65) a comunicação ao ser compreendida como sendo
constitda por múltiplas lógicas, pode ao mesmo tempo ser agente, ao criar e representar o
processo de organizar e também ser vista como o resultado desse processo. Sendo assim,
comunicação e organizações podem ser entendidas como consequências das diversas
maneiras de olhar um mesmo fenômeno: o que cria essa diferença é a construção do olhar
anatico, que impõe o filtro.
Assim, os estudos de interface acabam por permitir visualizar e discutir as
organizações a partir de seus processos interativos, contribuindo significativamente ao trazer
novos olhares e perspectivas, e ao referenciar as contribuições já dadas por outras áreas para a
compreensão da comunicação, inclusive a dos estudos organizacionais.
4.3 Trajetória histórica da Comunicação Organizacional
O campo da comunicão organizacional tem suas raízes em vários outros campos
teóricos das ciências sociais aplicadas, principalmente o da administração, da teoria das
organizações, da sociologia, da teoria da comunicação, da linística e da retórica e da
psicologia social e organizacional. Os pioneiros foram os pesquisadores oriundos dos Estados
Unidos, a partir da segunda metade da década de 1940, com trabalhos que prenunciavam
preocupações com os fluxos de comunicão dentro das organizações. Com um crescimento
bastante acentuado ao longo do século XX, hoje seus estudos no âmbito das ciências da
comunicação desenvolvem-se a partir de múltiplas perspectivas e interfaces, como visto
anteriormente.
Olhando pela perspectiva da organização, a comunicação organizacional é entendida
como processos comunicacionais e atos de interação planejados e espontâneos que se
estabelecem entre os diversos públicos da organização. Como área bastante abrangente e
complexa, que envolve diversas áreas de conhecimento sua trajetória sofreu (e ainda sofre)
inúmeras influências no decorrer da construção de um campo teórico de estudo, que será
analisado abaixo.
124
4.3.1 Gênese
Na fase inicial do campo de comunicação organizacional nos EUA, como subárea de
conhecimento da comunicação, o que se pode observar é uma forte correlação com os estudos
militares e os trabalhos na área industrial.
De acordo com Daniels et al (1997), a origem do campo pode ser identificada como
uma convergência de interesses do discurso comercial (pelo lado das empresas) e da instria
da comunicação no início da II Guerra Mundial. No início dos anos 50, o departamento de
linguagem da Universidade de Purdue sob a orientação de Charles Redding estabeleceu um
centro de pesquisa em Comunicação Industrial, denominado Industrial Communication
Research Center, que através de congressos e seminários colocou estudiosos da área de
lingüística, comunicação, ciências sociais e administração em contato na definição de um
novo campo de estudo. O primeiro curso de graduação surgiu em 1962, na Universidade de
Ohio e sua aceitação foi facilitada por uma série de eventos como a conferência de
comunicação organizacional patrocinada pela NASA em 1967 e pela criação da divisão de
comunicação organizacional da Associação Internacional de Comunicação em 1968.
O grande incentivador neste início, como define Mumby (2006: 2-3) era a aliança
entre os militares, a indústria e a academia, chamada de tripla aliança por Redding, que se
tornou decisiva para a construção de uma agenda de pesquisa, tendo como foco tanto o
cenário corporativo como a orientação gerencial.
“Então, as agendas de pesquisa focam, tipicamente, a demonstração de
causalidade entre os processos de comunicação e a produtividade-eficiência
corporativa, cobrindo áreas como a difusão de informação, comunicação
ascendente e descendente, redes de comunicação, técnicas de melhoramento
das habilidades comunicativas e questões de relações humanas”.
De acordo com Kunsch (2009a), outro fator de destaque e incentivo foi o trabalho
pioneiro de Barnard (1938) destacando a importância da comunicação no processo de
cooperação humana nas organizações ao afirmar que: “numa teoria exaustiva de organização,
a comunicação ocuparia um lugar central, porque a estrutura, a extensão e o âmbito da
organização são quase inteiramente determinados por técnicas de comunicação” (BARNARD,
apud LITTLEJOHN, 1982: 301).
125
Neste início, o novo campo de estudo emprestou muitas idéias e conceitos de campos
consolidados e que vinham estudando as organizações por mais tempo, como a psicologia
social, a sociologia organizacional e a administração. Vários destes estudos também tratavam
a comunicação, porém sempre de forma paralela e muitas vezes como sinônimo de
relacionamento interpessoal. Como destaca Daniels et al (1997: 6):
“Se perguntados sobre o papel da comunicação na vida organizacional,
estes teóricos devem dizer que a comunicação é um dos vários tipos de
comportamentos motivacionais em organizações ou que ela é um meio de
motivar membros organizacionais. Deste ponto de vista, a comunicação é
somente um ingrediente entre muitos na receita do comportamento
organizacional. O problema central é entender a motivação humana nas
organizações e o papel da motivação na eficiência organizacional. A
comunicação é meramente um conceito periférico”.
Desta forma, o início dos estudos de comunicação organizacional foi profundamente
marcado pela influência de outros campos acadêmicos e pelo resgate da visão periférica da
comunicação humana nas organizações exportada destas áreas de interlocução. Assim, o
desenvolvimento teórico inicial da comunicação organizacional tinha dois pilares centrais: a
visão periférica da comunicação e a preocupação pela eficiência organizacional. Tal agenda
de pesquisa, inspirada em orientações gerenciais e corporativas permaneceu estável nos EUA
até os anos 70, considerando a organização, de acordo com Mumby (2006, 2009) como um
objeto já definido, fechado; onde a comunicação era vista como uma variável que ocorria nas
organizações e assim analisada paralelamente. De acordo com Reis (2009), alguns exemplos
desta fase podem ser encontrados nos trabalhos de Berger (1977) sobre teoria e pesquisa em
comunicação interpessoal nas organizações ou nos trabalhos de Farace, Monge e Russel
(1977) sobre comunicação organizacional e network theory.
A busca por uma melhor definição do campo de estudo da comunicação
organizacional levou a novos questionamentos e indagações que passaram a analisar a
comunicação de maneira mais integrada às organizações, chegando a entender a comunicação
como constitutiva da organização.
126
“Nos Estados unidos, a literatura especializada sobre comunicação das
organizações, nos anos 1980, deixa entrever essa fermentação por meio da
exploração de novos temas (management communication, conversação para
a ação, comunicação e cultura, etc.), das elaborações teóricas e das
abordagens conceituais, bem como, no caso dos pesquisadores de
comunicação organizacional, da criação desse espaço de intersecção entre
a comunicação e os estudos organizacionais” (REIS, 2009: 149).
Essa mudança contribuiu para a emergência de novas perspectivas e análises no campo
teórico, sendo elas: perspectiva tradicional, perspectiva interpretativa e perspectiva crítica.
A perspectiva tradicional vê a comunicação como uma ferramenta, um acessório
dentro da organização. Aqui as organizações são consideradas objetos que podem ser
estudadas a partir dos conceitos e métodos tradicionais. Sendo assim, acreditava-se que o
comportamento comunicativo organizacional é uma atividade que pode ser observada e
mensurada de maneira objetiva. “Ele pode ser medido, nomeado, classificado e relacionado a
outros processos organizacionais” (DANIELS ET AL, 1997: 7).
O objeto de estudo nesta linha está fortemente relacionado com a eficácia
organizacional e com o gerencialismo, acreditando que a organização é uma máquina,
formada por um conjunto engenhoso de partes interconectadas que operam através do
controle gerencial (portanto, o papel dos gerentes é fundamental na análise) e dependem de
bons processos comunicacionais para que funcionem eficientemente e de maneira eficaz. A
eficácia da comunicação é alcançada quando o processo de envio e recebimento de mensagens
for exato e fidedigno e quando o receptor entender e responder a mensagem da maneira como
o transmissor deseja (sempre considerando a comunicão como uma ferramenta para o
controle gerencial). Essa visão tradicionalista foi refinada, por alguns estudiosos, ao
compreender que as organizações são um sistema vivo (Eisenberg, 1984) e não exatamente
uma máquina. Desta forma, o sistema pode sofrer influências internas (como auto-regulação)
e externas, por agências governamentais, a comunidade ou até grupo de consumidores. Ele
o funciona de maneira harmônica como uma máquina; existem subsistemas organizacionais
que cooperam entre si, mas também entram em conflito na busca por necessidades
específicas. Além disso, as organizações, diferentes das máquinas crescem e se adaptam às
mudanças. A perspectiva tradicional, independente das suas adaptões, foi durante muito
tempo a orientação dominante para a comunicação organizacional. Entretanto, vários críticos
127
comaram a questioná-la, mesmo que sem romper totalmente, como afirma Mumby (2006):
a “virada interpretativa” não significou uma completa revolução do paradigma no
desenvolvimento teórico e na pesquisa da área de comunicação organizacional; entretanto
trouxe reflexões para um abrir portas com novas perspectivas teóricas.
De acordo com Kunsch (2009a), os estudos interpretativos acabam por priorizar
aspectos como: a ênfase nas práticas cotidianas, na construção social, nas interações entre as
pessoas e nos processos simlicos.
Assim, para a perspectiva interpretativa a organização é um fenômeno mais subjetivo
que objetivo, constitdo por culturas (Putnam & Pacanowsky, 1983; Pacanowsky & Trujillo,
1982; McAuley, Duberley and Johnson, 2007) uma rede de significados compartilhados a
partir da ação social. Assim, o conteúdo da cultura organizacional se forma e é reafirmado
diariamente através das relações e processos sociais que ocorrem nas organizações. Desta
forma, os significados construídos coletivamente dão vida e forma à organização, constituem
a realidade social.
De acordo com Putnam, (1983) uma organização existe dentro das experiências
compartilhadas entre as pessoas que a formam. Isto não significa que a organização é uma
obra de ficção irreal da imaginação de alguém. Significa exatamente o contrário, que a
realidade organizacional é socialmente construída através da comunicação, que é criada e
sustentada através da nossa interação com os outros.
“Para os teóricos da corrente interpretativa, as estruturas são complexas,
são relacionamentos semi-autônomos que se originam das interações
humanas. uma interação e uma visão de conjunto entre departamentos,
que acabam por influenciar os comportamentos organizacionais, sendo que
estrutura e processo coexistem. A participação dos indivíduos na criação
dos seus próprios ambientes é característica predominante, chegando a
influenciar o ambiente e a realidade organizacional” (PUTNAM, 1983: 36).
Por fim, a perspectiva crítica entende a organização como instrumentos de repressão,
que acabam por utilizar-se de sistemas de linguagem e significados para exercer seu poder.
Dentro desta perspectiva, a opressão organizacional não está presente somente nas estruturas
ou mbolos de forma isolada; mas sim no relacionamento entre eles. Os estudiosos buscam
aqui desvendar o que Mumby (2006) classifica como estrutura profunda, ou seja, um sistema
particular de regras que acaba por obrigar as pessoas a organizarem seus comportamentos de
128
determinada maneira, muitas vezes sem perceber a dominação e a opressão a que são
submetidas. Tal sistema de regras é entendido aqui como a estrutura profunda da organização
e o que define o poder dos relacionamentos. Na busca pela manutenção e reprodução da
opressão e do poder, são utilizadas algumas formas simbólicas encontradas na comunicação
organizacional através do que Deetz (1992, 2005) classifica como distorção sistemática da
comunicação, através de um alinhamento falso de interesses entre os gerentes e funcionários.
“As organizações, assim como suas estruturas e práticas, são vistas como
criações históricas sociais alcançadas em condições de estrangulamento e,
usualmente, em posições desiguais de relacionamento de poder” (DEETZ,
2005: 94).
A intenção na perspectiva crítica é revelar as estruturas de opressão e injustiças que
constituem a própria organização, sendo fundamental possibilitar uma comunicação
organizacional mais livre que venha a fortalecer o ambiente democrático e as
responsabilidades de cada membro da organização, buscando desenvolver ao máximo todas as
suas potencialidades.
Na visão de Mumby (2009: 200):
“A abordagem crítica analisa e critica os mecanismos discursivos pelos
quais as corporações constroem realidades (frequentemente de maneira
arbitrária), que atendem seus interesses ao mesmo tempo em que, muitas
vezes prejudicam os interesses de outros stakeholders. Além de criticar,
tenta abrir possibilidades para pensar e praticar formas diferentes de
organização”.
Deetz (1992, 2005) ressalta o papel central que as organizações passaram a ocupar no
cotidiano das pessoas, no momento em que se transformaram no lócus de tomadas de decisões
antes destinadas ao espaço público, ao Estado ou à família.
129
“A moderna corporação emergiu como a forma predominante das relações
de assalariamento e como a instituição dominante na sociedade. Ao obter
tal dominância, a corporação submeteu o Estado, a família, as comunidades
e a moral comunitária. os conflitos morais que emergem de demandas. (...)
Práticas corporativas comandam a vida moderna fornecendo identidade,
determinando tempo e experiência, influenciando a educação e a produção
do conhecimento, e controlando a produção de informação e de
entretenimento” (DEETZ, 1992: 2).
49
Assim, é determinante buscar desvendar as relações de poder e opressão na busca por
processos de democratização do ambiente de trabalho, induzindo a criação de formas de
organização diferentes dos sistemas tradicionais, mecanicistas; buscando desenvolver
ambientes coletivos e cooperativos que aumentem a criatividade, a participação, a
responsabilidade e a autonomia de cada membro envolvido na organização.
Além destas três perspectivas, a partir do final dos anos 1980, novas abordagens,
relações e interfaces têm surgido ao mesmo tempo em que a área ainda buscava a
conceituação do seu objeto de estudo tradicional, procurava modos de abordagem para
estudos emergentes” (CASALI, 2005: 30-31) - o que acabou por permitir o desenvolvimento
de um campo teórico de multiperspectivas que busca continuamente a construção de um saber
comunicacional autônomo.
49
No original, antes de tradução própria: “The modern corporation has emerged as the central form of working relations and
as the dominant institution in society. In achieving dominance, the commercial corporation has eclipsed the state, family,
residential community, and moral community. (…) Corporate practices pervade modern life by providing personal identity,
structuring time and experience, influencing education and knowledge production, and directing entertainment and news
production” (DEETZ, 1992: 2).
130
“Nos últimos anos este fermento tem permitido reconhecer que o estudo da
comunicação organizacional se beneficia da exploração tanto das conexões
quanto das tensões entre as perspectivas teóricas. Assim, a Comunicação
Organizacional como campo de estudo tem desenvolvido uma identidade
interdisciplinar que alberga diversas perspectivas teóricas e assunções
epistemológicas, incluindo (pós) positivismo, realismo, interpretativismo,
retórica, teoria crítica, pós-modernismo e pós-estruturalismo, feminismo e
pós-colonialismo” (MUMBY, 2006: 5-6).
Para Kunsch (2009d: 51), a comunicação organizacional, no Brasil, na forma em que
se acha configurada hoje é fruto de sementes lançadas no período da Revolução Industrial,
cujas primeiras manifestações se processavam no formato de ordens e informações,
constituindo assim um caráter eminentemente instrumental, ferramental.
“Com a evolução do seu uso e a importância crescente nos processos de
gestão e na divulgação institucional propriamente dita, bem como o
desenvolvimento industrial mais acentuado do País a partir dos anos 1950,
a comunicação nas organizações foi assumindo novas características, sendo
mais produzida tecnicamente e baseando-se em pesquisas de opinião entre
os diferentes públicos, achegar ao estágio em que se encontra hoje em
muitas organizações top modernas, nas quais atinge um grau de sofisticação
na sua elaboração e, também, um caráter estratégico no conjunto dos
objetivos institucionais e corporativos. Em outras palavras, da comunicação
funcional e administrativa passa-se à comunicação estratégica; do
Jornalismo Empresarial, à Comunicação Empresarial; e da Comunicação
Empresarial à Comunicação Organizacional em uma perspectiva mais
abrangente e mais complexa” (KUNSCH, 2009d: 52).
Ao analisar o nascimento dos estudos de comunicação organizacional no Brasil, Reis
& Costa (2007) e Reis (2009) destacam o entendimento da comunicação como uma função
administrativa, instrumental; bastante ligada ao mercado e atrelada no início aos cursos de
Administração de Empresas.
Ainda de acordo com Kunsch (1997, 2009a), Torquato (1994, 2002) e Nassar (2006,
2007, 2010), a comunicação organizacional no Brasil possui, na fundação da Aberj
50
, em 8
50
Aberj: Associação Brasileira de Comunicação Empresarial www.aberje.com.br
131
outubro de 1967, um dos marcos para o desenvolvimento deste campo de forma organizada,
passando de atividades de difuo de informações para os trabalhadores industriais nos anos
de 1960, para a constituição de uma campo teórico e profissional complexo e abrangente, de
caráter interdisciplinar; ainda que fortemente marcado pela gestão mecanicista das
organizações e pelo papel instrumental da comunicação.
“Constata-se que o modelo de administração taylorista, fortemente
enraizado nas empresas brasileiras dos anos 60 e 70, priorizava os
processos internos organizacionais e relegava os aspectos relacionados aos
contextos histórico, político e social que, de alguma forma, influenciavam as
ações de uma empresa ou instituição. No entanto, esse enfoque do modelo
administrativo não eliminava as demandas públicas, oriundas das relações
entre as organizações e a sociedade brasileira. Demandas sociais que
traziam às organizações brasileiras a necessidade de ajustarem seus
processos administrativos e de trabalho aos parâmetros de competência,
legalidade e legitimidade, aceitos pela sociedade e pelos trabalhadores. E
mais, que essa adequação organizacional fosse comunicada para a
sociedade” (NASSAR, 2010: 320).
Entretanto, após os anos 1980, tanto as relações públicas como o campo de
comunicação organizacional ganham amplitude e destaque junto aos estudos de comunicação,
como se pode observar em alguns estudos paradigmáticos: a dissertação de mestrado de
Freitas (1985) que busca produzir contribuições metodológicas para uma gestão das relações
públicas; a artigo de Torquato (1985) sobre a necessidade de sinergia entre as especialidades
comunicacionais e da importância estratégica da comunicação e do livro de Kunsch (1986)
sobre a importância de uma comunicação integrada alinhada ao planejamento estratégico.
Durante os anos de 1990 e 2000, de acordo com Reis (2009: 157):
“Os estudiosos da comunicação das organizações tanto buscam caminhos
técnicos e metodológicos para o atendimento da demanda das organizações,
quanto investem em uma melhor compreensão da área e de seus
pressupostos. Surgem estudos com preocupações mais epistemológicas,
relacionadas ao entendimento e à inserção da área como campo de
conhecimento”.
132
Na busca por um maior desenvolvimento e uma melhor compreensão da área, várias
iniciativas de interdisciplinaridade e de aportes de outras disciplinas acabam surgindo, muitas
vezes resultando, de acordo com Reis (2009) em uma perda de foco e ou na construção de um
conhecimento teórico insuficiente para o desenvolvimento de uma teoria que forneça aportes
teóricos sustentáveis para a comunicação organizacional; pois na concepção da autora muitas
vezes a comunicação se encontra como fundo e o como forma
51
. Tal contribuição não
questiona, porém alerta, como já apresentado anteriormente, para a forte e genuína
interdisciplinaridade do campo, constitdo por objetos de interface e que acabam por permitir
visualizar e compreender as organizações e a comunicação a partir desta complexidade,
resultando em avanços ora positivos, ora negativos.
Entretanto, de acordo com Kunsch (2009d), grandes avanços epistemológicos
ocorreram desde os estudos de canais, mensagens, fluxos, redes e audiências predominantes
entres os anos de 1950 e 1970, passando pelos estudos interpretativos nos anos de 1980 e
culminando com os enfoques multidisciplinares nos anos 2000.
Os anos 2000 acabam por consolidar a necessidade de ampliar os escopos e as
responsabilidades da área de comunicação organizacional, com o objetivo de estrategicamente
realizar relacionamentos efetivos com seus diversos stakeholders e o de buscar o equilíbrio
entre os seus interesses e os dos públicos a elas vinculados.
“Assume-se que ela tem uma contribuição decisiva a dar em todas as frentes
de atuação da organização, tanto internas quanto externas. Cabe-lhe apoiar
os esforços para atrair, desenvolver e reter os melhores “trabalhadores do
conhecimento”, contribuir para o aumento da eficácia e da competitividade
organizacionais; alinhar as equipes à visão estratégica; gerar e disseminar
conhecimento; assegurar legitimidade social; favorecer a inovação para
conquistar e manter consumidores; valorizar a marca e a reputação; e
construir relacionamentos duradouros com todos os públicos. Em suma,
suportar a gestão dos ativos tangíveis e intangíveis para assegurar o melhor
desempenho, tanto no campo operacional quanto no da responsabilidade
social corporativa” (MELLO, 2010: 202).
51
Ver Braga (2004).
133
4.3.2 Desenvolvimento e consolidação: múltiplas abordagens
Na busca por compreender e analisar a evolução do campo da comunicação
organizacional, diversos autores apresentam propostas de classificação com o objetivo de
identificar os conceitos e desenhar uma trajetória histórica, que embora aparentemente
evolutiva, não pode ser identificada e encontrada em todas as empresas e ao mesmo tempo.
Na verdade, em várias organizações, mesmo no século XXI, é possível ainda identificar traços
da comunicação sob a perspectiva funcionalista ou na metáfora do conduíte. Desta forma, a
inteão aqui é apresentar diversas tipologias que auxiliam e auxiliaram na reflexão teórica do
campo da comunicação organizacional e que foram determinantes, na perspectiva desta tese,
para a evolução dos estudos da área.
Uma das análises dentro dos estudos de comunicação organizacional para o
entendimento e construção de um referencial teórico, já utilizada desde o século passado nos
EUA, é a comparação dos estágios da comunicação organizacional com metáforas. Tal
estratégia ajuda na construção de um conceito mais abstrato ao relacioná-lo com outro
conceito mais concreto, permitindo a construção de compreenes mais inovadoras e
esclarecedoras a respeito dos estágios da comunicação organizacional. De acordo com
Putnam (2009: 45): os estudiosos de comunicação usam metáforas para gerar novas teorias,
desfocar as antigas e elucidar as nuanças de diferentes perspectivas”. Com o intuito de
analisar o papel da comunicação e suas diversas facetas nos estudos de comunicação
organizacional, Putnam (2001, 2009) elabora sete diferentes metáforas, sendo elas: conduíte,
processamento de informação, vínculo, discurso, símbolo, performance e voz.
As três primeiras: conduíte, informação e vínculo estão fortemente correlacionadas,
sendo que a metáfora do conduíte, ao tratar a comunicação como ferramenta e transmissão, a
partir de um receptor passivo e foi durante muito tempo a idéia hegemônica nos estudos da
área. Apesar de abandonada como lente primária para compreensão e desenvolvimento de
estudos, ela está ainda bastante presente em estudos interdisciplinares que acabam por tratar a
comunicação como uma ferramenta dos objetivos organizacionais. A metáfora do
processamento de informações parte também da questão da troca de informações, bastante
amparada pela questão do monitoramento e apresenta uma preocupação antes inexistente
quanto ao feedback; mas não deixa de considerar a neutralidade da informação.
134
“Tanto na metáfora do conduíte como na do processamento de informação,
entretanto, os estudiosos continuam a ver as organizações como contêineres
com limites físicos e clara separação de stakeholders internos e externos”
(PUTNAM, 2009: 61).
Por fim, a metáfora do vínculo acaba por resgatar o sentido das metáforas do conduíte
e do processamento de informão, embora acabe por privilegiar as redes de relacionamentos
organizacionais, o que valoriza as conexões além dos espaços físicos, deixando de lado a
noção do contêiner. Entretanto, expressa uma visão innua ao acreditar que as redes de
relacionamentos e alianças são neutras, o que dificilmente ocorre. Na verdade, através de uma
análise mais profunda é possível identificar certa familiaridade e influência entre as próprias
escolhas na formação das redes, o que Putnam (2009) denominou de “coalizão dominante”.
“Os participantes estão interconectados em uma variedade de
relacionamentos que “transcendem as barreiras físicas” por meio de novas
tecnologias da informação, novos formatos organizacionais e redes de
relacionamento globais. Vínculos organizacionais são resultado de
similaridades entre participantes, processo e ações coletivas” (PUTNAM,
2009: 49).
As próximas quatro metáforas trabalham com a questão da forma como a comunicação
constrói a realidade social; elas descrevem processos de linguagem e visões da comunicação
como construtora da realidade social, pom utilizando-se de diferentes ferramentas. A
metáfora do discurso utiliza-se do discurso como definidor da estratégia e do gerenciamento
da organização, dando ênfase às palavras e significados. A metáfora dos símbolos, também
dentro da perspectiva da construção da realidade social, utiliza-se dos símbolos do ritual, das
narrativas e dos sinais físicos para representação e criação de identidades sociais. Acabam por
valorizar o tecido cultural para a construção da realidade organizacional. a metáfora da
performance busca valorizar a interão social, baseando-se no comportamento e no
simbolismo, através de um processo contínuo, dinâmico e reflexivo. Por fim, a metáfora da
voz expressa a construção de significados construídos, distribuídos e mascarados a partir do
exercício do poder e da expressão ou supressão da voz, ou seja, do acesso ou não à voz, fator
decisivo na construção de espaços democráticos e práticas de diálogo que contribuem para a
criação de processos mais participativos.
135
“Assim, as mensagens não são simplesmente produzidas, trocadas e
disseminadas. Ao contrário, elas são encenadas por meio do discurso
utilizado pelas pessoas (metáfora do discurso), da interpretação de símbolos
(metáfora dos símbolos), das ações de organização (metáfora da
performance) e da habilidade de falar, agir e exercer poder (metáfora da
voz)” (PUTNAM, 2009: 50).
Segue abaixo um quadro-síntese das metáforas da comunicação organizacional:
Quadro 4.1 Metáforas da Comunicação Organizacional
Metáforas
Sentido
Perspectiva
Comunicação
Organização
Conduíte
Canal que transmite uma
mensagem
Perspectiva do emissor
Fluxo assimétrico
Comunicação como
ferramenta
Comunicação como
transmissão
Organização como
contêiner
Ideologia funcionalista
Processamento
de Informação
Troca de informações,
direcionamento
Busca por feedback,
púbico ativo
Comunicação neutra
Organização como guia,
fluxo de informação
Vínculo
Busca pela conexão,
“agrupamentos
dominantes”
Interconectividade além
dos espaços físicos
Comunicação como elo,
vínculos. Olhar para os
stakeholders
Organizações como
redes de
relacionamentos
Discurso
Construção da realidade
social, através do discurso,
estrutura e significado da
linguagem
Retórica, ambigüidade,
discurso como definidor
da estratégia
Comunicação como
linguagem, uso de
palavras e significados
Organizações como
estruturas de linguagem,
construção de imagem
Símbolo
Significados produzidos a
partir dos símbolos: rituais,
narrativas e sinais físicos
Lócus da comunicação
é o significado
Mecanismo de
sensibilização,
representação, criação de
identidades
Organizações como
culturas que moldam
práticas organizacionais
Performance
Interação social, busca
pelas performances
comunicativas
Comportamental e
simbólica, coorientação
Processo contínuo,
dinâmico, reflexivo e
interconectado
Organizações como
ações coordenadas que
os participantes
representam
Voz
Habilidade de agir,
construir conhecimento e
exercer o poder
Engajamento ou
marginalização,
relacionamento de
poder. Busca pela
democratização
Comunicação como
expressão ou supressão
da voz; distoão,
dominação e acesso.
ideologia
Organização como
resultado de significados
construídos, distribuídos
e mascarados
Fonte: Elaboração própria a partir de Putnam (2001, 2009).
Já para Eisenberg & Goodall (2001), como uma alternativa para o desenvolvimento de
uma conceituação teórica, a trajetória da teoria da comunicão organizacional poderia ser
condensada em quatro fases principais que, resumidamente, transmitem o crescimento do
interesse e da construção de uma comunicação de duas vias, aberta, flexível e democrática:
comunicação como transferência de informação, comunicação como processo de troca,
comunicação como ferramenta de controle e, por fim, comunicação entre criatividade e
coerção.
A primeira fase mostra a idéia da comunicação como uma ferramenta exclusivamente
de transferência de informações, estritamente operacional. Não troca ou diálogo. O
136
receptor é considerado um ser passivo, que somente recebe a mensagem, não participando
ativamente do processo. a segunda fase considera o processo comunicacional como um
processo de relacionamento, onde o receptor adapta a mensagem recebida de acordo com suas
necessidades e expectativas. Existe uma troca de significados e sentidos entre emissor e
receptor.
Na terceira fase a comunicação é percebida como uma ferramenta de controle, de
orientação. É usada no controle do comportamento dos indivíduos, acabando por estagnar e
manipular o pensamento e as idéias e, conseqüentemente, alimentando o pensamento unívoco.
Por fim, a quarta e última fase contempla a idéia entre criatividade e coerção, que possibilita
aos indivíduos participarem com suas opiniões, mas, ao mesmo tempo, mantendo-os dentro
dos padrões e limites determinados pelas organizações.
De acordo com Sabbatini (2005), os autores acabam por propor uma evolução na
quarta fase, na década de 90, considerando que as organizações deveriam ser observadas,
interpretadas e desenvolvidas como diálogo, onde cada indivíduo teria a chance tanto de falar
como de ser ouvido. Na verdade, eles acabam por sugerir que a comunicação dentro das
organizações dependeria, necessariamente, da interação entre os indivíduos e, portanto, de um
conjunto de interpretações e do contexto em que estão inseridas.
Na busca por essa interação, três etapas representariam a possibilidade e viabilidade de
colaboração, respeito e participação. A primeira consistiria em que todos os funcionários
pudessem expressar suas opiniões e perspectivas, superando a barreira da visão funcionalista /
mecanicista, onde a única atitude prevista e possível era a aceitação inconteste das ordens.
Nesta visão tradicional, o fluxo multidirecional de comunicação prejudicaria o desempenho
dos trabalhadores, comprometendo o desempenho econômico da empresa. A segunda etapa
seria a possibilidade de aceitação de diferentes pontos de vista, da crítica e da reflexão,
superando o fato bastante presente ainda hoje, de realização de reuniões e discussões no
intuito único de referendar alguma proposta já aprovada. Ou seja, é o desenvolvimento de um
ambiente onde a troca de informações, o pensar crítico e as idéias coletivas passam a ser senso
comum.
137
“Isso promove o entendimento entre diferentes departamentos, torna
possível gerir a diversidade, e reconhece que, apesar de indivíduos e grupos
terem perspectivas diferentes na organização, nenhuma perspectiva é
inerentemente melhor do que as outras. O desafio está em aceitar diferenças
nas interpretações sem se sentir pressionado em atingir total acordo”
(Eisenberg & Goodall, 2001: 39).
Finalmente, a terceira etapa seria entender a comunicação democrática e o diálogo
constante como uma filosofia, indo além da perspectiva profissional e, portanto, considerando
o respeito, a coerência, a transparência e a credibilidade como uma necessidade pessoal do ser
humano.
“Diálogo autêntico também fornece uma prática habilidade de comunicação
que é inestimável: nós aprendemos a falar por experiência e a ouvir para
experimentar. Ao dividir e arriscar a verdade de nossas experiências, nós
descobrimos questões importantes que podem guiar nossas interpretações
sobre contexto, sobre os outros e sobre nós mesmos” (Eisenberg & Goodall,
2001: 41).
Desta forma, os autores formulam e desenvolvem a comunicação como uma
ferramenta estratégica e democrática, ou seja, através do diálogo todo indivíduo dentro da
organização deve participar ativamente dos fluxos comunicacionais, com suas proposições e
diferentes pontos de vista.
138
Quadro 4.2 - Principais fases da Comunicação Organizacional
Comunicação como transferência de
informação
(anos 1950-1970)
Comunicação como processo de
troca relacionamento
(anos 1970)
Comunicação como
ferramenta de controle
(anos 1980)
Comunicação entre criatividade e coerção
(anos 1990)
Metáforas
Como um conduíte: emissor transmite a
mensagem para o receptor
Comunicação é um processo que
cria relacionamento.
Como ferramenta de
controle
Balanço: criação de identidade própria dentro
do cenário das organizações
Características
Transmissão da mensagem através de um
canal. A comunicação é uma ferramenta
utilizada na busca por objetivos
A pessoa recebe a mensagem e
constrói seu próprio significado. O
emissor adapta suas mensagens de
acordo com as expectativas e
necessidades do receptor
Cria um pensamento e uma
identidade única. Promove
a unidade frente a
diversidade de pessoas e
ideias.
Refletem ao mesmo tempo a busca pela
diferenciação de cada indivíduo, criatividade e
diversidade; dentro das regras e parâmetros da
organização.
Objetivo
Fazer com que o receptor entenda
perfeitamente a mensagem enviada pelo
emissor.
Troca de significados,
relacionamento, interação.
Coordenar as ações e
manter uma unidade de
pensamento
Equilíbrio entre satisfação e criatividade
individual e participação e identidade
organizacional
Crítica
Considera a comunicação de forma
simplista, unilateral. O receptor é visto
como agente passivo, sem participação ou
envolvimento na constrão da
mensagem. Não considera a possibilidade
de não entendimento ou interpretações
diversas.
Forte ênfase no relacionamento e
na troca de significados. Falta de
percepção quanto à ambigüidade,
diversidade de pontos de vista e
não entendimento da mensagem.
Ênfase exagerada na regras
e no poder individual. Forte
manipulação, possibilidade
de dominação. Falta de
clareza e ética.
Existe a dificuldade de identificação de quais
valores são genuínos e quais são resultados da
coerção da identidade corporativa. Existe a
busca pelo equilíbrio e pela participação dos
funcionários, porém, falta ainda a valorização
do diálogo, da crítica, do questionamento.
Fonte: Sabbatini (2005) adaptação a partir de Eisenberg e Goodall Jr (2001).
139
Também na busca por uma comunicação de duas vias, porém através de uma teoria
bastante singular, trabalhando numa perspectiva interpretativa, encontra-se a Escola de
Montreal, sob a tutela de James Taylor. Neste caso, a comunicação é percebida como algo
além de simples transferência de informação (metáfora do conduíte), e sim, como agente ativo
de fenômenos sociais e processos simbólicos. Desta forma, a comunicação perpassa todas as
práticas organizacionais. Não existe comunicação sem organização e nem organização sem
comunicação eles são equivalentes. Na verdade indivíduos e organizações não criam os
ambientes em que atuam, mas criam também as próprias organizações. A quebra de
paradigma sob este novo pensamento e todo o conceito da Escola de Montreal está baseada na
teoria interpretativa da comunicação, apresentada anteriormente e que defini a organização
como um tecido de comunicão (atores sociais com capacidade de agir por meio da
comunicação).
Portanto, todas as estruturas e processos organizacionais são formatados a partir da co-
orientação. Esta reconhece a intersubjetividade entre sujeitos comunicadores e também
ressalta que a comunicação possui um objeto material. O ambiente é, portanto, resultado e
condição das constantes interações entre agentes humanos. Assim, informações não são
apenas transportadas em processos de comunicação. Informações são acima de tudo,
construídas por processos de comunicação. Leva-se em conta a importância da comunicação
nos processos de construção da realidade social e de constituição da identidade do ser, do
outro e da sociedade. As relações e trocas de informações ocorrem entre pessoas com
diferentes visões de mundo, que para o sucesso da organização devem ser capazes de agregar
seus accounts (vies de mundo) ao account maior da organização (razão de ser / estratégia).
Também Cheney et al (2004) apresentam a comunicão dentro do viés estratégico,
sendo concomitantemente o meio condutor e o resultado da transformação de um ambiente
menico para uma organização orgânica, democrática e flevel: (...) comunicação é mais
do que uma ferramenta para a mudança; comunicação é a mudança” (CHENEY ET AL, 2004:
320).
Nessa mesma linha, Deetz (1992, 1995, 2005, 2007, 2010) vem desenvolvendo uma
série de reflexões sobre as práticas colaborativas e a comunicação estratégica, dentro da
perspectiva crítica, já apresentada anteriormente. Tais conceitos partem do pressuposto de que
as teorias de comunicação utilizadas freqüentemente usam como objeto de reflexão situações
hoje pouco ou nada relevantes. São na verdade práticas e rotinas já consolidadas pelos
140
processos de gestão e por rotinas padronizadas que estão longe de atender as profundas
transformações em que as empresas passaram a se deparar nos últimos quinze anos. Após uma
reflexão crítica aos conceitos e modelos de comunicação, Deetz (2010) sugere a criação de
modelos sistêmicos no lugar de modelos lineares, que podem trazer melhores resultados na
adaptação das empresas às profundas demandas hoje presentes no mundo corporativo.
Nesta busca por novos caminhos, a autor propõe ainda que a saída esteja na
intersecção das diferenças para o nascimento da criatividade, através da troca e riqueza de
informações e na construção de um consenso, e não de verdades absolutas e maneiras únicas
de realizar uma tarefa ou resolver um problema. É a busca pela construção de processos
colaborativos objetivando a tomada de decisões em benefício mútuo.
Para isso, Deetz (2010) questiona a comunicação estratégica ao percebê-la ocupando,
na grande maioria das vezes, um papel secundário acessório da estratégia da organização.
Desta forma, a comunicação dentro desta perspectiva está orientada para o convencimento, ou
a “venda” de alguma iia, serviço, proposta, que alinhe todas as pessoas na busca pela
melhor eficiência possível, dentro de um planejamento estratégico já definido. Isso acaba por
limitar ou até eliminar o surgimento de ideias e posições diversas, que são fundamentais para
a gênese de ambientes mais democráticos e colaborativos.
Para melhor esclarecer o que o autor denomina comunicação colaborativa, deve-se
estabelecer um paralelo entre o diálogo (considerado a base da comunicação estratégica) e a
colaboração, a “cocriação(entendida como a base da comunicação colaborativa). Apesar de
o diálogo operar como um agente fundamental na construção da democracia participativa, ao
promover o entendimento das diferenças e de diversos pontos de vista, ele deixa a desejar no
momento em que não permite ou estimula a construção de decies e idéias de forma
colaborativa, integrada, criando algo novo, único.
141
“O diálogo também é uma pratica intencional diante da contestação, mas,
em comparação, seu foco é no entendimento da perspectiva do outro, e não
no da verdade da reivindicação. O foco está em que cada interlocutor seja
capaz de ver o mundo em que os outros vivem. O diálogo, da maneira como
é compreendido aqui, dá destaque ao entendimento por meio das diferenças.
Ele tem início com uma reciprocidade fundamental: ao reconhecer que você
tem um mundo e eu tenho um mundo, eu reconheço que você me concede
direito ao meu e eu lhe concedo direito ao seu. Nenhuma das partes da
interação tentará fazer do mundo dela o mundo. O diálogo é,
frequentemente, muito útil para reduzir tensões e criar sentido de
comunidade, mas não possui um modelo de decisão e raramente gera
escolhas criativas (DEETZ: 2010: 96).
O quadro abaixo resume as diferenças identificadas pelo autor entre a comunicação
estratégica e a colaborativa.
Quadro 4.3 - Comunicação estratégica e colaborativa diferenças
Comunicação Estratégica
Comunicação Colaborativa
Participanteso adversários
Participantes resolvem problemas juntos
Suas falas advêm de uma posição ou propõem
formas de fazer
Suas falas se dirigem à meta a ser atingida
Interações são polarizadas por diferentes posições
Interações buscam identificar interesses complexos
Interações contínuas reduzem as opções
disponíveis
Interações contínuas ampliam opções disponíveis
Fatos são utilizados para apoiar posições
Busca em grupo é utilizada para descobrir novos
fatos
Busca argumentos vencedores
Busca opções que possam ser trabalhadas
Definição do problema é obtida antes do encontro
Definição do problema é uma realização coletiva
Responsabilidade final da decisão fica com o outro
Responsabilidade final da decisão é compartilhada
pelo grupo
Fonte: DEETZ (2008) e CAJAZEIRA & CARDOSO (2010).
Com um mundo cada vez mais incerto e novas situações que exigem respostas ainda
o conhecidas, Deetz (2010) esclarece que apesar da comunicação estratégica, da
democracia liberal e do gerenciamento da cultura proporcionarem situações e maneiras de
comprometimento e diálogo entre os agentes da empresa, acabam sendo insuficientes na
142
criação e no surgimento de caminhos melhores e inovadores que sejam capazes de responder
à constante diversidade. Neste caso, a colaboração e a inter-relação entre poder, dominação e
resistência são determinantes na construção de práticas de comunicação colaborativa,
denominadas pelo autor dentro da teoria contemporânea de comunicação de teoria
construtivista-relacional politicamente responsável.
“Um foco como esse desvia a atenção da comunicação enquanto meio para
manipular estrategicamente significados coletivos e a coloca em direção à
comunicação como caminho através do qual significados particulares
emergem da interação social. Por conseguinte, o foco aplica-se aos
processos e consequências da formação de significado social. As interações
colaborativas, nesse modelo, desafiam a posições existentes, possibilitando
que aquilo que é dado como certo seja reformulado à luz das diferenças
claramente colocadas. Adicionalmente, proporcionam uma abordagem
colaborativa, e não confrontadora, para o julgamento de diferenças”
(DEETZ, 2010: 91).
Com o mesmo objetivo em desenvolver e ampliar os conceitos e referenciais para o
estudo da comunicação organizacional, encontram-se vários estudiosos brasileiros (Bueno,
2003, 2009; Curvello, 2003; Torquato, 1986, 2009; Kunsch, 1997, 2003, 2008, 2009a, 2009b,
2009c, 2009d; Marchiori; 2006, 2008, 2010; Nassar, 2003, 2006, 2010; Reis, 2007, 2009),
que se dedicam à reflexão e formatação deste complexo campo trico. Pode-se observar que,
apesar da pluralidade de nomes e siglas, o mote principal está sempre centrado na necessidade
de uma reformulação das diversas áreas de comunicação, na busca por uma integração e visão
sistêmica, juntamente com a necessidade de superão do papel exclusivamente funcionalista
/ operacional, para o papel estratégico da comunicação como um todo. Na verdade, é a busca
pela construção e aplicação, por parte das empresas, de uma filosofia de comunicação:
integrada, estratégica e democrática.
Esse processo de criação e gerenciamento da comunicação organizacional, na
perspectiva de Kunsch (1997, 2003, 2008, 2009), deveria ser composto por quatro etapas
principais: primeiro, a organização precisaria ter consciência da importância de um
planejamento estratégico; segundo, a comunicação precisaria ocupar um lugar estratégico no
organograma (na estrutura organizacional) da empresa; terceiro seria necessário que o
executivo principal e sua equipe tenham uma visão multidisciplinar, estratégica, além de
operacional e, finalmente, que o processo de gestão existente na empresa deveria valorizar a
143
efetiva participação dos funcionários, dando-lhes oportunidade de pensar criticamente, criar e
propor soluções, enfim participar ativamente no desenvolvimento da empresa.
Desta forma, a comunicação deve ser entendida como parte inerente à natureza das
organizações. Essas são formadas por pessoas que se comunicam entre si e que, por meio de
processos interativos, viabilizam o sistema funcional para sobrevivência e consecução dos
objetivos organizacionais num contexto de diversidades e de transações complexas. Portanto,
sem comunicação as organizações não existiriam. A organização é um fenômeno
comunicacional contínuo. De fato, segundo Kunsch (2009d):
“A Comunicação Organizacional precisa ser entendida de forma ampla e
abrangente. Pode-se dizer que é uma disciplina que estuda como se
processa o fenômeno comunicacional dentro das organizações e todo o seu
contexto político, econômico e social. Como fenômeno inerente à natureza
das organizações e aos agrupamentos de pessoas que a integram, a
Comunicação Organizacional envolve os processos comunicativos e todos
os elementos constitutivos. Nesse contexto faz-se necessário ver a
comunicação inserida nos processos simbólicos e com foco nos significados
dos agentes envolvidos, dos relacionamentos interpessoais e grupais,
valorizando as práticas comunicativas cotidianas e as interações nas suas
mais diversas formas de manifestação e construção social” (KUNSCH,
2009d: 54).
Ou seja, trata-se de trabalhar a comunicação não de um ponto de vista meramente
linear, mas de considerar, sobretudo, um processo relacional entre indivíduos, departamentos,
unidades e organizações. Se analisarmos profundamente esse aspecto relacional da
comunicação do dia-a-dia nas organizações, interna e externamente, perceberemos que elas
sofrem interferências e condicionamentos variados, dentro de uma complexidade difícil até de
ser diagnosticada, dado o volume e os diferentes tipos de comunicações existentes e que
atuam em distintos contextos sociais.
Todas essas transformações alteraram por completo o comportamento institucional das
organizações e a comunicação passou a ser analisada e trabalhada de uma outra maneira.
Dentro desse contexto, passou-se a privilegiar os diversos stakeholders, buscando ampliar a
interlocução e os canais de acesso, entendendo a crescente importância da reputação e da
credibilidade para a sustentação e valoração das empresas.
144
A comunicação organizacional configura-se, de acordo com a mesma autora, sob três
diferentes modalidades comunicacionais: a comunicação institucional, a comunicação
mercadológica e a comunicação interna (que contempla a comunicação administrativa). Para
que haja uma atuação sinérgica é necessária uma ação conjugada das atividades de
comunicação que formam o composto (mix) da comunicação organizacional.
“A convergência de todas as atividades, com base numa política global,
claramente definida, e nos objetivos gerais da organização, possibilitará
ações estratégicas e táticas de comunicação mais pensadas e trabalhadas
com vistas na eficácia” (Kunsch, 2003: 150).
Kunsch (2003, 2008, 2009a, 2009b, 2009c, 2009d) constrói o composto de
comunicação de forma integrada, objetivando o desenvolvimento de uma comunicação
estratégica. Analisando o mix de comunicação, a comunicação institucional ficaria
responsável pelos departamentos de relações blicas, jornalismo empresarial, assessoria de
imprensa, editoração multimídia, imagem corporativa, propaganda institucional, marketing
social e marketing cultural. Já a comunicação mercadológica teria sob sua responsabilidade os
departamentos e ou funções de marketing, propaganda, promoção de vendas, feiras e
exposições, marketing direto, merchandising e venda pessoal. E, finalmente a comunicação
interna seria responsável pelos fluxos comunicacionais, as redes formal e informal e os
veículos de comunicação.
“Nosso intuito tem sido demonstrar que a comunicação integrada precisa
ser entendida como uma filosofia capaz de nortear e orientar toda a
comunicação que é gerada na organização, como um fator estratégico para
o desenvolvimento organizacional na sociedade globalizada (Kunsch,
2003: 179).
Com a necessidade de contemplar diversos stakeholders e a partir do desenvolvimento
de um campo teórico de multiperspectivas que busca continuamente a construção de um saber
comunicacional autônomo, pode-se analisar a comunicação organizacional através da
intersecção de perspectivas que vão além das denominadas clássicas: tradicionalista,
interpretativa e crítica.
145
“A comunicação organizacional desenvolveu uma identidade
interdisciplinar, abrigando várias perspectivas teóricas e pressupostos
epistemológicos, incluindo (pós) positivismo, realismo, interpretativismo,
retórica, teoria crítica, s-modernismo e pós-estruturalismo, feminismo e
pós-colonialismo. Na primeira década do século XXI, ela pode ser
considerada um campo de perspectivas múltiplas e universal em sua
abordagem, por seus métodos, suas teorias, seus âmbitos de pesquisa e seus
postulados filosóficos. Essa abrangência e as inúmeras possibilidades de
estudos possibilitarão grandes avanços no sentido de realmente se
estudarem os fenômenos comunicacionais nas organizações como objetos de
uma disciplina própria, e não como análises sociológicas ou
psicológicas” (KUNSCH, 2009a: 71).
Para entender a amplitude e as possíveis interfaces do campo da comunicação
organizacional, Mamby (2009) e Marchiori (2008, 2010) tentam classificar e pontuar as
principais fases dos estudos de comunicação organizacional e contextualizá-los no cenário do
século XXI. A tabela abaixo descreve as cinco perspectivas utilizadas pelos autores:
funcionalista, interpretativa, crítica, s-moderna e feminista, com o respectivo modelo de
comunicação predominante e o referencial teórico utilizado.
Tal análise ajuda a contribuir de forma fundamental para o avanço do referencial
teórico e metodológico do campo da comunicação organizacional, uma vez que se propõe a
entender de que forma a comunicação organizacional e a organização interagem e se
constituem e como as teorias e os modelos podem ser desenvolvidos. (...) entendemos que,
ao explorar as interfaces, estamos oferecendo possibilidades para análise das organizações em
diferentes contextos, não qualificando uma perspectiva como mais correta que a outra para o
estudo da comunicação e da cultura organizacional” (MARCHIORI, 2008: 184).
A tabela a seguir resume as perspectivas propostas pelos autores e descreve seus
pontos principais, a relação entre comunicação e organização e os modelos propostos. Como
destaca Mumby (2009: 204-205), as organizações são estruturas comunicativas e sociais
extremamente complexas, tendo a comunicação como elo possível de interação, na verdade:
“não é insensato imaginar as organizações como teias de significação, dentro dos quais os
homens, como seres comunicativos, estão amarrados”. Neste aspecto, a análise proposta, a
partir de diversas perspectivas teóricas, pode contribuir no entendimento deste ambiente tão
singular, ao mesmo tempo profundo e complexo chamado organização.
146
Quadro 4.4 Interface entre as perspectivas teóricas e a Comunicação Organizacional
Perspectiva
Modelo de comunicação
Visão da organização
Relação entre comunicação
e organização
Concepção sobre o
conhecimento
Metáforas da
comunicação
Pontos principais
Principais
pensadores
Funcionalista
Modelo do conduíte:
comunicação como
instrumento, ferramenta.
Visão mecanicista e linear.
As estruturas e os
processos independem
das ações. Organização
como entidade única.
A comunicação possui um
espaço na organização pré-
determinado. Existem
inúmeros filtros e controles.
O conhecimento está externo as
pessoas. Existe um consenso e
uma verdade única. Leis universais.
Sentido de uniformidade.
Máquina
Conduíte
Racionalidade
Controle e poder. Falta de
acesso. Relações superficiais.
Predomínio da visão
management-oriented
Frederick Taylor
Henri Fayol
Fred Jablin
Interpretativa
Comunicação como um
sistema de criação de
significados. Como
constituição da realidade
organizacional.
Criação social a partir de
ações coletivas e
coordenadas. Sistemas
de construção social de
significados
compartilhados.
Comunicação e organização
são uma mesma coisa. Busca
pela interpretação e pelo
conhecimento.
O conhecimento é produzido pelos
membros do grupo. E se estabelece
através do consenso, da
participação ativa e da crítica.
Cultura
Diálogo
Narrativa
Interpretação
Organizações são
relacionamentos sociais.
“Organizar torna-se um
processo de comunicar”.
“Sensemaking”
Mike Pacanowsky
Linda Putnam
Nick Trujillo
George Cheney
Crítica
Comunicação como criação
de um sistema ideológico
mediado pelas relações de
poder. Livre e aberta.
Produtos sociais e
simbólicos de diferentes
interesses políticos e
diferentes fontes de
poder
Comunicação e organização
se co-produzem, ambos são
meio e produto de relações de
poder.
Identificar as distorções existentes
e liberar as pessoas da alienação e
exploração. Olhar para além da
organização. Consciência crítica.
Sistema político
Justiça
Conflito
Crítica ao injusto sistema de
poder. Emancipação das
estruturas organizacionais
opressivas. “Mudança social,
direitos democráticos”.
Stanley Deetz
Stewart Clegg
Dennis Mumby
Mats Alvesson
Pós-moderna
Comunicação como
diferentes visões e
perspectivas.
Forte ênfase no
relacionamento e na
troca de significados.
Descentralização da
autoridade.
Organização como produto de
e instável sistema de
significados e textos.
Vários conhecimentos e verdades
de diferentes discursos e grupos
sociais. Conhecimento é local, não
universal.
Hiper-realidade
Empowerment
Criatividade
Discurso
Forte poder da linguagem na
construção do conhecimento.
“Negociação social do
significado”.
Gibson Burrell
David Boje
David Knights
Feminista
Comunicação como criação
de significados de gênero e
identidades
Organização como
gênero, sistema de poder
e estruturas patriarcais.
Comunicação como
realização das práticas de
gênero e das estruturas
coletivas
Vários conhecimentos a partir da
percepção de gênero.
Gênero
Conexão
Diferença
Crítica a lógica binária.
Equilíbrio de gênero
Karen Ashcraft
Brenda Allen
Linda Putnam
Fonte: Elaboração própria a partir de Mumby (2009) & Marchiori (2008, 2010).
147
4.4 Desafios
No papel de peça chave na gestão contemporânea das empresas, a comunicação
organizacional não só contribuiria, mas também determinaria e influenciaria a criação de
novos processos e estruturas de gestão organizacional, visando a construção de um ambiente
democrático, flevel e integrado, possibilitando assim que as ações de comunicação
permeiem todos os processos de gestão. Ao mesmo tempo, transformaria o relacionamento da
empresa com seus diversos blicos, contemplando questões antes pouco valorizadas como
ética, responsabilidade social, preocupações com o meio ambiente e com a comunidade, e
desenvolvendo desta forma, uma comunicação integrada e estratégica.
“Organizações que seguem este modelo encorajam a formação de alianças
e relacionamentos em todas as direções, e poder a todos os empregados
para que lancem mão dessas relações na busca de suas metas. Como
conseqüência, a inteligência é distribuída por todo o sistema, e a
comunicação flui abertamente para onde quer que precise ir” (EISENBERG
& GOODALL, 2001: 335).
A construção de uma comunicação organizacional, como é entendida nesta tese, se
efetiva a partir da conjunção dos conceitos de ética, responsabilidade social, comunicação
estratégica, identidade organizacional, comunicação integrada e democracia na comunicação
interna; que representam em conjunto, a possibilidade e a existência de ferramentas e poticas
que de forma integrada, participam do processo de construção de uma comunicação tida como
excelente.
Desta forma, empresas que formularem políticas e implementarem ações abrangendo
estes elementos, podem estar próximas de incorporar eficientemente e para seu próprio
benefício organizacional, as melhores características da comunicação organizacional.
Considerando cada um dos conceitos acima, a comunicação para ser estratégica
precisa atuar conjuntamente com os objetivos globais da companhia. Precisa estar vinculada à
diretoria da empresa ou à presincia, não estando, portanto comprometida com nenhum
departamento específico. Precisa ser entendida e administrada como uma ferramenta de
análise, superando a percepção limitante de habilidade técnica e atividades de suporte.
Como alerta Kunsch (2009a: 72):
148
“Cremos que, mesmo em pleno terceiro milênio, as organizações não
mudaram muito seu comportamento. Muitas vezes, elas têm uma retórica
moderna, mas suas atitudes e ações comunicativas são ainda impregnadas
por uma cultura tradicional e autoritária do século XIX. A abertura de
canais de diálogo e a prática da “comunicação simétrica” requerem uma
nova filosofia organizacional e a adoção de perspectivas interpretativas e
críticas, capazes de incorporarem atitudes coerentes com os anseios da
sociedade pós-moderna”.
Para tanto, é necessária uma mudança na postura e visão das equipes gerenciais e dos
próprios funcionários das diversas áreas de comunicação. Existem muitas vezes feudos e
barreiras que dificultam a integração e a busca por uma visão global e estratégica, indo além
das atividades operacionais. Assim, a criação de uma equipe multidisciplinar e de canais
abertos de relacionamento é fundamental para a geração desta nova filosofia e maneira de
gerir a comunicação.
Com isso, a comunicação organizacional pode e deve ser percebida e administrada
como uma vantagem competitiva das empresas
52
frente ao mercado, ajudando a posicioná-la
como única, através do desenvolvimento de um planejamento estratégico, que contemple
tanto às expectativas e exigências dos diversos públicos interlocutores quanto os objetivos e
metas da empresa.
52
Ver Bueno (2003).
149
“Como se pode notar, a comunicação organizacional, nessa perspectiva
abrangente, é por si complexa. Nesse sentido a área de comunicação
deixa de ter uma função meramente tática e passa a ser considerada
estratégica. Em outras palavras, ela precisa agregar valor às organizações,
devendo ajudar as organizações no cumprimento de sua missão, na
consecução dos objetivos globais, na fixação pública dos seus valores e nas
ações para atingir seu ideário no contexto de uma visão de mundo sob a
égide dos princípios éticos. Ressalte-se, ainda, que as ações comunicativas
precisam ser guiadas por uma filosofia e uma política de comunicação
integrada que considerem as demandas, os interesses e as exigências dos
públicos estratégicos e da sociedade. Isso significa que deve haver total
integração entre a comunicação interna, a institucional e a de negócios na
busca da eficácia, eficiência e efetividade organizacional em benefício dos
públicos e da sociedade como um todo, e não da empresa isoladamente.
Estudar, compreender e praticar a comunicação organizacional, portanto, é
muito mais complexo do que se possa imaginar” (KUNSCH, 2009a: 80).
Tanto estrategicamente como no seu papel de inteligência empresarial, a comunicação
necessita para tanto, ser sistêmica, integrada e flexível. Ou seja, existe a obrigatoriedade da
mudança dos fluxos e processos comunicacionais e das estruturas formais até então vigentes,
para a criação de um ambiente aberto, passível de uma comunicação de duas vias, em que
políticas e ferramentas são implementadas na busca pela participação e por um
relacionamento transparente entre os funcionários e principalmente entre os diversos
departamentos da área de comunicação.
Entretanto, o basta a formulação de poticas de comunicação integrada para que
esse processo se concretize. É preciso que a democracia na comunicação interna e a
participação dos funcionários passem a vigorar com naturalidade na empresa, ou seja, que
faça parte da sua essência e do processo de gestão da mesma. Como que intrinsecamente
ligada ao corpo gerencial, ao restante dos funcionários, aos clientes. Ou seja, é o resultado da
comunicação como o espelho do processo de gestão.
150
Os processo de comunicação devem se assentar fortemente no diálogo e
nos fluxos de informação ascendentes (não confundir isso com caizinhas de
sugestões) e horizontais (laterais). Processos que sejam reflexos de uma
cultura de participação e de lideranças democráticas, que promovam os
trabalhadores de espectadores a agentes desses processo(NASSAR, 2003:
35).
No alcance desse objetivo, é importante que a comunicação deixe de ser encarada
como uma área de custo e passe a ser valorizada como um investimento, um instrumento de
integrão e busca por um diferencial competitivo. É a necessidade de superação da
burocracia e da comunicação unilateral, na busca pela adaptabilidade às constantes
transformações ocorridas no cenário competitivo, principalmente após os anos 90.
Transcender o presente com o gosto do passado, que emperra a gestão democrática e flexível
exigida no século XXI.
4.5 A comunicação e os diversos stakeholders
Na busca por identificar e desenvolver políticas de relacionamento e de comunicação
mais eficazes com os diversos stakeholders participantes da organização, Mitchell, Agle e
Wood (1997) propõem um metodologia de classificação dos stakeholders em função de três
características determinantes: poder, legitimidade e urgência de demandas. Ao identificar a
posição de cada stakeholder e suas demandas é papel da organização buscar estabelecer
canais de comunicação que contribuam para agregar valor e competitividade, além de auxiliar
diretamente para as boas práticas de governança corporativa.
151
“Nesse sentido, a perspectiva conceitual proposta por Mitchell, Agle e
Wood (1997) avança ao estabelecer para teste a hipótese de que a
relevância dos stakeholders está positivamente associada ao número
cumulativo dos atributos “poder”, “legitimidade” e “urgência”, percebidos
pelos gestores como representativos de uma dada realidade num momento
específico. Os diversos grupos de stakeholders não devem ser categorizados
de forma estática, pois seus relacionamentos com a empresa podem se
alterar ao longo do tempo, modificando seus tributos. Portanto, é necessário
adotar uma política dinâmica e proativa de comunicação com os diversos
stakeholders, considerando as potenciais oportunidades e ameaças que
podem oferecer” (ALMEIDA & BERTUCCI, 2010: 204).
Utilizando-se de uma perspectiva empírico/descritiva a questão central, de acordo com
Almeida & Bertucci (2010), é identificar a maneira como os gestores gerenciam as demandas
dos diversos stakeholders de naturezas bastante diversas. O conceito de stakeholder aqui
utilizado já foi apresentado no capítulo 2 desta tese, embora seja pertinente lembrar que
existem inúmeras definições para este conceito, valendo-se sempre de que são todos aqueles
que afetam ou são afetados em algum momento pelas organizações (Freeman, 1984).
Ao buscar identificar uma correlação de intersecção entre as políticas de comunicação
organizacional e as práticas de governança corporativa, a conceitualização e classificação
proposta por estes autores podem vir a contribuir para esta questão. Assim, Mitchell, Agle e
Wood (1997) desenvolvem três atributos que podem ajudar a orientar as políticas de
comunicação e responder adequadamente a cada público estratégico envolvido, sendo eles: o
poder do stakeholder de influenciar a organização, a legitimidade do relacionamento do
stakeholder com a organização e a urgência das suas reivindicações.
Entendendo o poder como “uma posição privilegiada de fazer prevalecer a sua vontade
a despeito das resistências”, advindo da definição weberiana, os autores utilizam-se da
categorização de Etzioni (1964) para definir três tipos de poder: o coercitivo quando ocorre o
uso da força sica ou moral; o utilitário baseado no uso de recursos financeiros ou materiais e
o poder normativo que se baseia no uso de recursos simlicos. Para os autores, de acordo
com Almeida & Bertucci (2010), a legitimidade ultrapassa a percepção e o julgamento
individual acerca de uma ação e passa a adquirir um significado atribuído pelo sistema de
normas e valores socialmente instituído na organização. E, finalmente, a urgência é
conceituada como uma pressão, um contexto que exige uma resposta imediata.
152
Assim, através do cruzamento destes três atributos e analisando cada stakeholder, os
autores propõem ampliar a análise das reais necessidades e suas legitimidades pelos gestores,
podendo desenvolver poticas de comunicão mais efetivas. Vale ressaltar que cada situação
requer uma análise, no momento em que poder e urgência são características extremamente
dinâmicas, sendo o poder fluido, relativo e temporal e a urgência contextual e dependente da
óptica de quem apresenta e para quem é apresentada determinada demanda” (ALMEIDA &
BERTUCCI, 2010: 197).
A partir do cruzamento de cada stakeholder com um ou mais atributos
simultaneamente, Mitchell, Agle e Wood (1997) classificam-nos com baixa, moderada ou
máxima relevância, a partir de sete classes de públicos estratégicos, sendo elas: inativos,
dominantes, definitivos, discricionários, dependentes, perigosos e demandantes. Para
exemplificar tal classificão, será aqui comparada a tipologia dos dominantes e dos
dependentes; aquela denominada de stakeholder dominante é composta por um grupo que
possui, ao mesmo tempo, poder e legitimidade e constitui a coalizão dominante da
organização. Neste caso, pela forte capacidade de influenciar nas decisões organizacionais,
este grupo acaba recebendo uma atenção bastante elevada. Um exemplo que comem esse
grupo são os acionistas majoritários, que acabam usufruindo desse poder muitas vezes de
forma individualista, não pensando no bem da empresa como um todo. Neste caso é
fundamental, como já apresentado no item 3.4 do capítulo 3 desta tese, estabelecer poticas
de equidade e transparência, principalmente em relação aos acionistas minoritário, buscando
inclusive minimizar o conflito de agência.
a classificação stakeholder dependente, são aqueles que possuem legitimidade e
urgência, mas seu poder é restrito, tendo como melhor exemplo os acionistas minoritários.
Dessa forma, precisam se unir a outros stakeholders ou utilizar-se de mecanismos legais como
as boas práticas de governança corporativa que buscam equilibrar e monitorar esses
relacionamentos e os interesses de cada público envolvido.
Tal metodologia se torna bastante eficaz na identificação da relevância de cada grupo
de stakeholders, juntamente com a análise dos momentos e contextos específicos do cenário
cada vez mais dinâmico em que se encontram as organizações. Ao mesmo tempo, permite
iniciar uma intersecção entre as boas práticas de governança corporativa e as poticas de
comunicação organizacional, que se acredita juntas poderem contribuir decisivamente para a
criação e manutenção de vantagens competitivas sustentáveis.
153
“Essa perspectiva possibilita o estabelecimento de bases conceituais para
identificar as categorias de stakeholders com as quais a organização lida,
orientando o direcionamento dos recursos, dos esforços no relacionamento
e das estratégias (nesse caso, em especial, das estratégias de comunicação),
para atender às expectativas de cada categoria de stakeholders(ALMEIDA
& BERTUCCI, 2010: 198).
Vale destacar a crítica feita por Bueno (2009) da pouca atenção dada continuamente
aos múltiplos blicos da organização, no momento em que sistematicamente as empresas
acabam por simplificar as práticas e os processos de comunicação a um único perfil ou a um
perfil padrão de público e a necessidade de superação desta conduta no momento em que as
empresas passam a enfrentar cenários cada vez mais instáveis e vêem sua competitividade
constantemente ameaçada.
“Embora o existam dúvidas quanto à existência de um número
significativo de públicos de interesse para as organizações,
independentemente de seu porte ou de sua área de atuação, elas continuam
planejando sua interação com esses públicos como se eles pudessem ser
reduzidos a um perfil único, a um pretenso “perfil padrão”. Por esse
motivo, a maioria das empresas ainda se vale de um veículo ou canal único
para relacionar-se com eles, apostando em uma linguagem ou um discurso e
em um formato que pretensamente atende a uma gama diversificada de
demandas e expectativas” (BUENO, 2009: 124).
Desta forma a metodologia utilizada por Mitchell, Agle e Wood (1997) ao identificar
as necessidades, a legitimidade e a urgência das demandas específicas de cada stakeholder,
juntamente com a reformulação das políticas de comunicão, através de procedimentos mais
personalizados, integrados e fleveis, juntamente com as boas práticas de governança
corporativa podem vir a desenhar uma nova estratégia de conduta das empresas e melhorias
significativas na construção de vantagens competitivas e na adaptabilidade aos novos tempos.
154
4.6 Conclusão
Através de uma análise histórica do corpus teórico da comunicação organizacional, a
partir da produção científica de diversos autores americanos e brasileiros, foi possível
identificar um forte movimento na busca por definir melhor os conceitos da área e propor
novas práticas de comunicação e interlocução da empresa junto aos seus diversos
stakeholders, indo desde a utilização das metáforas, passando pela busca da comunicação
estratégica e do diálogo, até posições mais críticas e inovadoras como a comunicação
colaborativa, desenvolvida em um ambiente composto pela diversidade de condutas e pontos
de vista e não pela homogeneidade de pensamentos e ões.
Juntamente com a análise e reflexão do campo da comunicação organizacional, é
fundamental entender os limites, as intersecções e as várias interfaces do campo da
comunicação com outras áreas de conhecimento, na busca por uma melhor compreensão e
definição do objeto comunicacional.
A necessidade da interface, apontada neste capítulo, não causa dispersão ou anulação
do objeto da comunicação, podendo vir a contribuir de forma decisiva na evolução do campo
teórico. A interdisciplinaridade pode ajudar de forma positiva no desenvolvimento do campo
teórico, no momento em que, como afirma Braga (2004: 4): a construção do campo pode
partir também dos próprios espaços de “indefinição”, das áreas em que os estudos de
Comunicação partilham objetos de interface ou competem por estes”.
Desta maneira, é determinante que o campo da comunicação ganhe fronteiras com
disciplinas que ao mesmo tempo possam contribuir e disputar com a própria comunicação a
construção de um olhar teórico distinto e privilegiado dos objetos sociais; ou seja, entender
que tudo pode ser analisado a partir de sua constituição e função comunicativas, pois como
afirma Deetz (1992, 1998) a comunicação como disciplina representa um campo de
conhecimento específico no âmbito das ciências sociais aplicadas, permitindo a existência de
sistemas interlocutivos de interação em várias áreas da vida social.
Na mesma linha de pensamento, Mumby (2009: 197) ao analisar a comunicação
organizacional e seu campo teórico, ressalta que compreender a organização é uma questão de
entender como os membros se envolvem coletivamente em processos de produção de sentido
por meio de práticas de comunicação e de que maneira, como resultado, as realidades
organizacionais são construídas. Entretanto, salienta que nãouma realidade organizacional
155
única, mas sim, uma organização repleta de complexidades, multiplicidades e contradições,
identificando o processo de organizing
53
por vezes precário, contestável e cheio de incertezas.
Desta forma, fica clara a necessidade de ampliar as interfaces da comunicão com
outros campos teóricos, no momento em que é possível definir a comunicão, de acordo com
Mumby (2009: 203):
“Como componente da organização, mas ao mesmo tempo a organização
age de volta na comunicação para funcionar como contexto semântico e
estrutural para processos de comunicação. Nós comunicativamente,
produzimos organizações e somos produzidos pelas organizações. Acho que
não é insensato imaginar as organizações como “teias de significação
dentro dos quais os homens, como seres comunicativos, estão amarrados”.
Uma das hipóteses desta tese, ao identificar a importância da interdisciplinaridade, é
que a comunicação organizacional aliada à governança corporativa poderá contribuir,
decisivamente, na busca pela adaptabilidade e maior rentabilidade das empresas neste novo
cenário competitivo. Pode, ao mesmo tempo, ser instrumento e consequência das alterações
no processo de gestão das mesmas, identificar a relevância e urgência das demandas dos
diversos stakeholders e responder mais eficazmente, buscando um ambiente mais flexível,
criativo, colaborativo e, consequentemente, trará mais competitividade e sustentabilidade às
organizações.
“Nesta perspectiva, a comunicação tem o potencial de tornar-se instrumento
e também processo de inteligência, uma fonte de geração de valor e
vantagem competitiva. Afinal, por perpassar todas as dimensões da
organização a humana, a econômica, a mercadológica, a cultural e a
social -, a comunicação torna-se inextrincavelmente vinculada, quer se
admita ou não, ao desempenho corporativo como um todo” (MELLO, 2010:
200).
Vale aqui destacar que a interface entre comunicação organizacional e governança
corporativa precisa ser continuamente analisada e desmembrada. Partindo do pressuposto que
boas práticas de governança necessitam de políticas de comunicação transparentes e fluxos de
duas vias, ainda existem poucos exemplos reais no mercado que consigam contemplar as
53
No sentido dado pelo texto (2009), organizing significa um movimento dinâmico, contínuo do ato de organizar. É também
utilizado como sinônimo de uma concepção mais contemporânea de organização.
156
necessidades e expectativas da maioria dos seus stakeholders. Geralmente, como bem
destacou Bueno (2010) as organizações possuem canais bem estruturados quando se dirigem
aos acionistas majoritários, aos investidores e aos mercados (incluindo aqui os veículos de
comunicação), pensando numa visão estritamente financeira.
Pois é isso mesmo. Muitas organizações que exibem orgulhosas as suas
boas práticas de governança corporativa (e muita hipocrisia e
manipulação nesse discurso) continuam tratando os seus públicos internos
com absoluto desrespeito, relegando a segundo plano os seus parceiros
essenciais. Proclamam transparência, relações saudáveis e democráticas
fora e continuam afrontando a diversidade cultural, sufocando a
divergência de idéias e opiniões no ambiente interno. Exibem prêmios
obtidos junto aos investidores (a maioria interessada apenas no retorno de
seus investimentos e pouco preocupada, infelizmente, com a maneira pela
qual ele foi obtido), festejam seus lucros formidáveis mas, ao mesmo tempo,
demitem sem pestanejar os seus colaboradores (termo detestável, mas bem
ao gosto da hipocrisia empresarial) e lhes engessam os salários”(BUENO,
2010).
Portanto, é fundamental e necessário na construção de vantagens competitivas, que ao
se dirigir aos stakeholders
54
internos (conselho administrativo, diretores e empregados), além
dos stakeholders externos (credores, fornecedores e consumidores), a organização se utilize
de políticas e fluxos de comunicação que favoreçam a diversidade, que permitam a real
expreso e participação dos envolvidos, que valorize a solidariedade e a ação colaborativa,
ou seja, que se utilize da comunicação organizacional de maneira estratégica, indo inclusive
além, como propõem Deetz (2010), ao permitir a construção de ambientes verdadeiramente
democráticos, que supere o diálogo e permita a intersecção entre pontos de vida distintos,
entre visões de mundo divergentes e que de forma colaborativa trará novos e inovadores
caminhos, processos, produtos.
Somente neste estágio de construção coletiva as empresas poderão desenvolver
diferenciais realmente sustentáveis para responder às fortes demandas do século XXI,
construindo credibilidade e imagem positivas, além de canais efetivos de interlocução com
seus públicos estratégicos.
54
Ver tipologia completa apresentada no capítulo 3 desta tese.
157
Capítulo 5: Uma intersecção possível?
5.1 Introdução
O capítulo 5 apresenta os resultados da pesquisa empírica que buscou identificar a
relação entre as boas práticas de governança corporativa e as poticas de comunicação
organizacional. Como foi discutido anteriormente nos capítulos 3 e 4, espera-se que, do ponto
de vista teórico, haja uma relação positiva entre as duas áreas. Isto é, empresas que têm
políticas de comunicação organizacional consideradas de excelência deveriam apresentar
melhores práticas de governança corporativa. O objetivo central deste capítulo é observar se
esta relão teórica pode ser ou não identificada também do ponto de vista estatístico.
Além disto, os testes estatísticos também buscaram identificar as conseqüências desta
correlação no desempenho econômico das empresas, em especial em seu valor de mercado,
testando a hipótese que, se uma empresa tem boas práticas de governança e bons processos de
comunicação, tal relacionamento positivo entre as áreas poderia contribuir para um melhor
desempenho financeiro da empresa.
5.2 Metodologia
A pesquisa empírica se desenvolveu em três etapas, a saber:
1) Definição dos questionários necessários para a construção de dois índices que
procuram quantificar as políticas de comunicação (Índice de Comunicação
Organizacional: ICOM) e as práticas de governança corporativa ndice de
Governança Corporativa: IGC) de uma empresa qualquer;
2) Seleção de empresas e coleta de dados primários junto a 24 empresas de capital
aberto no Brasil que, juntas, representavam, em 2009, cerca de 54% do valor de
mercado das empresas de capital aberto brasileiras. Os dados coletados foram:
questionários respondidos em pesquisa de campo para a construção dos índices e
dados econômico-financeiros dispoveis publicamente pelas empresas da
amostra, através de seus balanços e demonstrações financeiras;
3) Compilação dos dados, cálculo dos índices e aplicação de técnicas estatísticas e
econométricas de análise. Neste caso, foram realizados três processos anaticos, a
saber:
158
a. Cálculo dos índices ICOM e IGC por empresa e análise de estatística
descritiva (e.g. dia, mediana, desvio padrão, etc.) para o conjunto de
observações;
b. Cálculo da correlação linear (coeficiente de Pearson) e da correlação de
ranking de posicionamento (correlação de Spearman) com o objetivo de
testar a correlação entre o ICOM e o IGC;
c. Cálculo de modelos econométricos (regressões múltiplas usando o modelo
de nimos quadrados ordinários, OLS), com o objetivo de que testar o
efeito dos índices ICOM e IGC sobre o desempenho e sobre o valor de
mercado das empresas da amostra.
A seguir, estes passos são explicados de maneira mais detalhada.
5.2.1 A construção dos índices quantitativos
Os índices ICOM e IGC foram construídos a partir da identificação dos pontos
pertinentes a cada área afim, de modo a quantificar os processos de comunicação
organizacional e as boas práticas de governança corporativa
55
. Tais índices acabam por
contemplar, de maneira global, a abranncia e complexidade de processos e práticas que
permeiam toda a organização e que acabam por influenciar e também sofrer fortes influências
de variáveis externas. Desta forma, eles podem ser considerados um ponto de partida para a
análise e reflexão, entretanto, de hitese alguma esgotam toda a complexidade envolvida
nestas duas áreas, com seus processos e práticas organizacionais.
A seguir é apresentado o índice de governança corporativa, que é composto pela
somatória das respostas a doze perguntas, as quais possuem apenas duas possibilidades de
resposta: sim ou o; onde o resultado de cada pergunta será considerado como uma variável
binária, onde a resposta sim equivale ao valor 1 e o não é a categoria-base, ou seja, possui
valor 0. Portanto, o IGC de cada empresa assumirá um valor máximo de 12 e um mínimo de
0.
55
Um exemplo de índice com características semelhante pode ser encontrado em: Silva (2006), originário da pesquisa
originalmente desenvolvida em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) Ver em Carvalhal, A &
Leal, R. (2005).
159
i. Índice de Governança Corporativa
1. A empresa publica seus relatórios financeiros no prazo estabelecido pela lei?
2. A empresa contrata firmas de auditoria com reputação global?
3. A empresa divulga a remuneração do CEO e dos conselheiros?
4. O presidente do conselho e o CEO são pessoas diferentes?
5. O conselho de administrão da companhia disponibilizou para os acionistas a relação
de competências que considera necessárias para os candidatos ao cargo de conselheiros?
6. Existe uma avaliação constante do CEO e dos conselheiros?
7. O CEO atesta a precisão dos dados contábeis a cada ano?
8. As opções de ação não são a principal forma de remuneração dos altos executivos?
9. O conselho de administração é formado claramente por membros independentes?
10. Não há contestação dos acionistas minoritários na justiça contra a empresa?
11. Existem mais de 4 assembléias por ano na empresa?
12. A empresa facilita o processo de votação além do exigido pela lei?
Seguindo a mesma metodologia, foi criado o índice de Comunicação Organizacional,
com a formação da mesma variável binária para cada uma das respostas, porém esse índice
será composto por apenas 10 perguntas, assim o ICOM de cada empresa assumirá um valor
máximo de 10 e um mínimo de 0.
160
ii. Índice de Comunicação Organizacional
1. Há uma potica de gestão de comunicação corporativa na empresa?
2. A organização propicia oportunidades para uma comunicação participativa,
priorizando o fluxo ascendente?
3. Pode-se dizer que na organização há um equilíbrio entre os principais fluxos de
informações (descendente, ascendente e lateral/horizontal)?
4. A organização possui um programa de comunicação interna?
5. A empresa possui uma diretoria de Comunicação Corporativa?
6. A área de Relação com os Investidores responde ao Diretor Financeiro?
7. A área de Relações com os Investidores tem uma interface com a área de Relações
Públicas?
8. Os programas de comunicão interna não são desenvolvidos pelo departamento de
recursos humanos?
9. Os programas de comunicão institucional não são desenvolvidos pelo departamento
de marketing?
10. Existem programas regulares de ação para atingir os públicos estratégicos
(stakeholders)?
Assim, foram desenvolvidos dois índices quantitativos, que deveriam ser aplicados a
uma amostra de empresas, a partir da coleta de informações primárias.
5.2.2 Seleção de empresas e composição da amostra
A amostra na qual foram empregadas tais técnicas de análise empírica é composta por
22 empresas que fazem parte do índice IBovespa
56
, nosso universo escolhido, tendo, portanto,
ações comercializadas na Bolsa de Valores de SP em pelo menos um período de tempo t. o
elas: Ambev, Banco Bradesco, Banco de Brasil, Banco Itaú, Braskem, Cosan, CSN, Cyrela,
Embraer, Fibria Celulose, Klabin, Marcopolo, Natura, Petrobras, Santos Brasil, Souza Cruz,
Suzano Papel e Celulose, Tam, Vale do Rio Doce, Vicunha, Gol e Weg.
O período utilizado foi o ano fiscal de 2009, que apesar de pouco expressivo em várias
regiões do mundo, obteve um desempenho bastante interessante e surpreendente no Brasil. O
ano de 2008 é pouco recomenvel devido à alta instabilidade dos mercados acionários, em
56
Serão contempladas as empresas de todos os níveis de governança corporativa criados pela Bovespa. Desta forma, poderão
ser encontradas empresas tanto no nível 1, 2 ou novo mercado.
161
razão da crise financeira internacional; que no Brasil, no ano de 2009, estava parcialmente
superada.
A coleta se deu via questionário eletrônico, onde cada uma das 22 empresas possuía
uma senha para acesso do questionário e envio das respostas. Juntamente com o link e a senha
de cada empresa, foi enviada uma carta de apresentação sobre a natureza da pesquisa. Cada
uma das 22 empresas respondeu 2 questionários, sendo um enviado a área de comunicação
corporativa e outro destinado a área de governança corporativa ou relações com investidores.
Os contatos da área de comunicação corporativa formam previamente cedidos pela Aberje,
sendo um facilitador na comumente barreira inicial das empresas em participar de pesquisas
acadêmicas. Os contatos da área de governança corporativa vieram, na grande maioria, dos
próprios sites da empresas, que explicitam claramente um canal direto de comunicação para
os acionistas.
Inicialmente, a amostra era composta por 24 empresas, mas duas delas não
responderam um dos questionários o que inviabilizou a utilização dos dados. De qualquer
forma, o aproveitamento foi bastante expressivo, da ordem de 92% de retorno. Nesta trajetória
vale destacar a persistência e muitas vezes o jogo de cintura na obtenção dos dados, além do
argumento de que os questionários não demandariam muito tempo para serem respondidos.
os dados econômico-financeiros foram coletados a partir da base de dados
Economatica
57
(data base 2010) e através de informações blicas das cotações de ações na
Bovespa (para cálculo de valor de mercado), e dos balanços anuais e demonstrações contábeis
das empresas; sempre referentes à amostra de 22 empresas.
57
A base de dados ECONOMATICA Database 2010 foi acessada em 2 de março de 2010 nos servidores da Facamp
(Faculdades de Campinas). Disponível em http://www.economatica.com.br
162
5.2.3 Cálculo dos índices e Análise estatística
As a coleta das informações primárias foi construída uma base de dados que incluía
os dados financeiros de cada empresa (ver Tabela Anexa II para estes dados públicos) e seus
respectivos índices ICOM e IGC. De modo a garantir o sigilo das respostas individuais, tais
índices não serão aqui apresentados por empresa, razão pela qual apenas será analisado o
conjunto das informações. Tal análise conjunta foi realizada através de técnicas de estatística
descritiva, com destaque para a freqüência das respostas e as medidas de posição, tais como
dia, mediana e desvio padrão. Os resultados desta análise são discutidos na seção 5.3.1
abaixo.
Em seguida, de posse dos índices ICOM e IGC foram aplicadas técnicas estatísticas
para a mensuração da correlação entre estas duas variáveis. Cada uma das 22 empresas que
comem a amostra tem um par de observações, isto é; um ICOM e um IGC. Foram usadas
técnicas para mediar a correlação estatística entre estes pares de informações. Para isto, foram
utilizados o coeficiente de correlão linear de Pearson e o coeficiente de ranking de
posicionamento de Spearman
58
, de modo a testar a hipótese de que haveria uma correlação
positiva entre as duas variáveis para o conjunto da amostra, o que indicaria, por sua vez, que
haveria uma intersecção entre as áreas de comunicação e governança. Os índices variam de -1
a +1. Se os índices calculados forem maiores do que zero, haveria correlação positiva entre as
variáveis; se forem menores do que zero, a correlação seria negativa. Quanto mais próximo
dos extremos estiver o coeficiente calculado (-1 ou +1), mais significativa, do ponto de vista
meramente estatístico, seria esta correlação.
Por fim, foram utilizadas técnicas econométricas para testar a relação entre os índices
ICOM e IGC e o desempenho econômico das empresas da amostra. Neste caso, seria testada
a hipótese de que, quanto maiores forem estes índices, maior deveria ser o valor de mercado e
os indicadores de rentabilidade financeira da empresa analisada; isto é, espera-se observar
uma correlação positiva entre as variáveis independentes de performance da empresa e os
indicadores de comunicação e governança.
Para isto foram utilizados modelos de regressão múltipla, estimados pelo método de
mínimos quadrados ordinários (OLS), considerados como modelos simples, porém robustos
58
Ver mais: Gujarati (2006).
163
de análise econométrica
59
. Tais modelos foram aplicados para medir o efeito sobre Y das
variáveis explanatórias que construímos, sendo elas o índice de Comunicação
Organizacional (ICOM) e o índice de Governança Corporativa (IGC).
A partir da adoção e criação de índices, buscou-se analisar qual o efeito destas
variáveis sobre diversas variáveis independentes Y (aqui escolhidas como variáveis de
performance econômicofinanceira) que serão neste modelo indicadores de desempenho
econômico das empresas e/ou de suas ações, sendo eles: ROA, ROE e VM.
Foram construídos modelos de regressão linear múltipla com as seguintes
características:
Y
i
= 
IGC +
ICOM + 
onde, i=1,...,4 e:
Y
1
= ROA; Y
2
= ROE; Y
3
= VM;
Em que, por sua vez:
ROA = retorno sobre os ativos da empresa i no período t;
ROE = retorno sobre patrimônio líquido da empresa i no período t;
VM =valor de mercado da empresa i no período t;
é o erro aleatório;
IGC é o índice de Governança Corporativa proposto abaixo para cada uma das
empresas i no período t;
ICOM é o índice de Comunicação Organizacional definido em seguida para cada uma
das empresas i no período t;
e
são parâmetros das variáveis explicativas IGC e ICOM e cujas estimativas
serão calculadas pelo método de mínimos quadrados ordinários. Espera-se que as estimativas
de
e
sejam maiores que zero, isto é, esperou-se encontrar uma correlação positiva entre
as variáveis IGC e ICOM e as diversas variáveis independentes Y.
Ou seja, através de análise e interpretação dos dados quantitativos, esperou-se concluir
que empresas com maiores IGC e ICOM tenham melhor desempenho econômico.
Os resultados da análise econométrica serão discutidos na seção 5.3.2 abaixo.
59
Para uma descrição de modelos econométricos pode-se consultar, por exemplo, Gujarati (2006).
164
5.2.4 Comentários sobre as limitações do uso de técnicas estatísticas
A dificuldade em propor uma pesquisa de campo junto às empresas começa no retorno
dos questionários. Historicamente, as empresas são extremamente reticentes em compartilhar
suas informações e em participar de pesquisas junto à academia. Apesar da dificuldade inicial
e após grande insistência, o retorno atingiu expressivos 92% do universo das empresas para os
quais foram solicitadas informações.
Além disso, a construção dos índices também trouxe dúvidas e questionamentos. É
possível encontrar tanto no campo da governança como no campo da comunicação diversos
índices e questionários que buscam validar e contemplar os principais aspectos das
respectivas áreas. Entretanto, apesar do conhecimento e da preocupação quanto este aspecto, é
impossível atender e englobar em poucas questões áreas tão complexas e que estão
continuamente em mutação. A construção de ambos os índices tentou retratar as questões
consideradas importantes para cada área respectivamente e que, ao serem entrelaçadas
pudessem trazer contribuições válidas para ambos os lados.
Como afirma Silveira (2010), diversas variáveis acabam sendo esquecidas nos
modelos estatísticos e econométricos, dificultando assim a mensuração e a validade dos
resultados. Além disso, os resultados podem ser influenciados dependendo do setor em que as
empresas estão inseridas, setores de maior concorrência tendem a forçar um desempenho e
uma excelência em diversas competências, o que acaba ajudando as áreas de comunicação e
governança; setores de forte monopólio acabam apresentando uma segurança e estabilidade
maiores, alterando o ritmo e a dinâmica da gestão organizacional e trazendo mais acomodação
às empresas
É fundamental destacar que as respostas compiladas em cada um dos índices
representam uma fotografia das políticas e instrumentos que a empresa se utiliza em cada uma
das áreas. Entretanto, o grau de utilização e sua consequente eficiência não será aqui medida
ou analisada em profundidade, dado que os mecanismos de implantação e desenvolvimento de
cada uma das áreas estudadas demandam tempo, políticas e processos para serem executados,
além de muitas vezes implicar em necessidade de mudanças na cultura organizacional da
corporação.
As a crise de 2008/2009, este aspecto é ainda um dos pontos centrais nas questões
relacionadas à transparência de informações e práticas de governança corporativa; pois
mesmo muitas empresas tendo seguido o Código das Melhores Práticas do IBGC (revisado
165
em 2004) e as normas da CVM
60
, têm sido revelados inúmeros casos de conduta duvidosa e
falta de transparência nas ações e estratégias escolhidas por várias empresas que acabaram por
colocar as mesmas em sérios problemas, quando não ocasionaram sua falência
61
.
Tais escândalos explicitam a discutida (nos capítulos 3 e 4) dicotomia entre teoria e
prática. Assim, não será suficiente dizer da existência de poticas de comunicação
organizacional e de práticas de governança corporativa, as empresas terão mesmo é que
provar a existência efetiva das mesmas.
A crise de 2008/2009 e as profundas consequências sentidas por várias empresas
colocou em questionamento os processos de governança corporativa e os veis de
transparência presente nas mesmas
62
. Mesmo sendo bastante frequente a existência de códigos
de conduta e boas práticas de governança no ambiente corporativo, isso não foi suficiente para
permitir o conhecimento e o acesso por parte dos stakeholders e dos principais acionistas, das
estratégias e ações que muitas empresas realizaram e obtiveram como resultado fortes
prejuízos. Desta forma, como já descrito e analisado nesta tese, tanto os processos de
comunicação organizacional como os processos de governança corporativa passam por
profundas transformações, estando atualmente em constante debate.
As a análise e mensuração dos dados espera-se confirmar a existência e identificar
caminhos de que as políticas de comunicação organizacional e as práticas de governança
corporativa se inter-relacionam. Em suma, a hipótese a ser testada é de que haja uma
correlação positiva entre essas duas variáveis (ICOM e IGC) que, assim, poderiam interferir
positivamente na credibilidade das empresas, e, desta forma, contribuiriam para maior
valorização de suas ações e/ou maior rentabilidade de seus ativos. Tal desempenho ilustraria
como tais práticas inter-relacionadas poderiam ampliar a capacidade de resposta das empresas
às profundas transformações ocorridas principalmente a partir do fim do século XX.
60
Tanto o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) possuem
papel atuante na disseminação das práticas de boa governança, estando este último diretamente relacionado à aplicabilidade
de mecanismos de controle. Ver mais capítulo 3 desta tese.
61
Casos de escândalos de ausência de boas práticas de governança corporativa: Agrenco, Sadia, Aracruz, Lehman Brothers,
AIG, Siemens, Petrobrás, etc. ver Silveira (2010) - capítulo 11 e apêndice 12.2.
62
Ver mais capítulo 3 desta tese.
166
5.3 Resultados obtidos
Esta seção está dividida em dois itens, que descrevem, por um lado, a análise de
estatística descritiva das respostas ao questionário (5.3.1) e, por outro, a análise econométrica
da relão entre os índices ICOM e IGC e o desempenho das empresas selecionadas (5.3.2).
Por fim, seguem-se as conclusões sobre a pesquisa empírica.
5.3.1 Análise de estatística descritiva
Ao analisar as 22 empresas utilizadas na amostra, foi possível verificar que esse
conjunto representa mais de 50% do total de ativos das empresas presentes em 2009 no
IBovespa, no valor de R$ 2,5 triles. Ao agrupar essas 22 empresas; verificou-se que o valor
de mercado do conjunto está na ordem de R$ 1,2 trilhão, sendo que o faturamento deste
conjunto superou os R$ 353 biles em 2009; chegando a representar quase um terço do
faturamento total de todas as empresas de capital aberto do país, conforme mostra a Tabela
5.1 abaixo. Outro ponto interessante é que essa amostra foi responsável por quase 60% do
lucroquido de todas as empresas na Bovespa, no ano de 2009.
Tabela 5.1 Amostra de empresas de capital aberto: fatos estilizados, 2007-2009
Em R$ milhões de 2009 (IPCA)
Crescimento real
(b)/(a)
Participação no total de empresas
de capital aberto (Em %)
Média 2007/08 (a)
2009 (b)
Em %
Média 2007/08
2009
Valor de Mercado
1.045.938
1.188.674
13,6
52,8
51,5
Ativo
4.587.525
2.564.196
-44,1
44,2
50,5
Patrimônio líquido
381.583
458.843
20,2
39,9
41,8
Receita Líquida
391.796
353.381
-9,8
34,7
32,1
Lucro Líquido
84.752
86.098
1,6
56,4
59,1
ROE Médio (%)
13,8
25,9
ROA Médio (%)
5,3
8,1
Fonte: elaboração própria a partir de ECONOMATICA
63
Também de acordo com a Tabela 5.1, percebe-se que as empresas da amostra
escolhida recuperaram-se significativamente da crise de 2008. Por exemplo, em 2009
percebe-se que os indicadores de lucratividade como o ROE (return on equities ou lucro
líquido sobre patrimônio líquido) e o ROA (return on assests ou lucro quido sobre ativo
63
Ver mais em www.economatica.com.br
167
total) superaram os indicadores da média obtida nos anos 2007 (que foi de excelente
desempenho) e 2008 (que viveu o auge da crise). Neste mesmo sentido, percebe-se que o
valor de mercado das 22 empresas selecionadas cresceu em 2009 13,6% em relação à média
2007/2008.
Dando seqüência à análise de estatística descritiva, percebe-se que o valor médio para
o ICOM foi de 8,1, sendo que a nota máxima era 10. A dispersão em torno da média foi
significativa, com um desvio padrão de cerca de 1,7 (ou seja, uma variação em torno de 20%
sobre a média) e indicador nimo no valor de 5. Já o IGC apresentou uma média de 8,5, com
12 como a nota máxima. Apesar deste resultado positivo, o outro extremo é extremamente
preocupante, sendo que a nota nima no IGC foi também de 5 (sobre um total de 12). A
dispersão do IGC foi semelhante, com um desvio padrão de 1,9 (ou 22% em relação à média).
Os resultados do IGC podem ser explicados pela própria pressão de valorização
constante das ações junto ao mercado e pelo aumento do monitoramento e controle por parte
dos acionistas (embora isso o ocorra de forma sistemática e organizada, na maioria das
vezes); e ainda por regras e regulamentações, tais como a nova Lei das SA e as normas
consideradas rígidas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fatos que acabam por
exigir uma conduta mais sistemática por parte das empresas no que se refere às práticas de
governança corporativa.
os resultados da área de comunicação podem ser explicados antes pela
multiplicidade da própria área, dispersa entre diversos departamentos e funções e depois pela
falta de uma diretoria de comunicação corporativa em metade das empresas, o que acaba
levando a uma disputa de poder entre as diversas áreas de comunicação, a uma dispersão e
falta de foco; podendo resultar em retrabalho e falta de alinhamento da comunicação tanto
interna quanto externa.
Tais resultados, descritos na Tabela 5.2 abaixo, vão ao encontro da percepção já
registrada nesta tese de que ainda existe um cuo entre a importância e busca pela melhoria
nos processos de comunicação e governança e sua real efetividade. Mesmo empresas de
representativo valor de mercado ainda carecem de mecanismos e poticas que possam
contribuir para um avanço e desenvolvimento real nestas áreas.
168
Tabela 5.2 IGC e ICOM: estatísticas descritivas para a amostra de 22 empresas de capital
aberto
ICOM
IGC
n
22
22
Média
8,1
8,5
Desvio Padrão
1,7
1,9
Máximo
10
12
Mínimo
5
5
Mediana
8,5
8,5
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo
em relação às respostas obtidas para cada uma das questões que compõem os
índices, verificaram-se alguns pontos importantes.
Ao analisar o ICOM (ver Tabela 5.3 abaixo), foi possível identificar, por exemplo,
que na pergunta 1, 13,6% (ou 3 empresas) da amostra não possuem potica de gestão da
comunicação corporativa, sendo que uma delas inclusive possui uma diretoria de
comunicação corporativa, fato que revela certa incoerência entre a estrutura (ter uma diretoria
de comunicação) e a prática (não ter uma clara política corporativa de comunicação). Tal
constatação pode ser ainda mais grave ao constatar que todas as 22 empresas são associadas
da Aberje e são grandes empresas nacionais, representando como, já descrito acima, mais da
metade do valor de mercado de todas as companhias abertas brasileiras.
A questão 2, com 86,4% das empresas afirmando propiciar oportunidades para uma
comunicação mais participativa, aponta para uma conscientização da importância e da
necessidade de valorizão do fluxo ascendente de comunicação, porém muitas vezes
limitado a teoria. Entre as 3 empresas que afirmaram não possuir ou estimular uma
comunicação participativa, todas tiveram um ICOM menor que a média e uma variação do
valor de mercado (2007/2008 com 2009) inferior à média das empresas com ações negociadas
em bolsa.
A própria questão 3 com 86,4 % das empresas acreditando haver um equilíbrio entre
os fluxos de comunicação pode gerar cenários dúbios. Por um lado, confirma-se uma
tendência de valorização da importância e do papel da comunicação, buscando uma atuação
mais estratégica do que operacional. Por outro, pode-se questionar a real efetividade desse
equilíbrio, no momento em que se constata que em apenas 50% delas há uma diretoria de
comunicação organizacional e que ainda em 22,7% do total da amostra, o programa de
169
comunicação interna está sob a responsabilidade da área de recursos humanos. Em muitos
casos, este equilíbrio embora bastante almejado, acaba sofrendo influências da área de
marketing (que em muitas empresas ocupa um espaço central na organizão) e ainda
dificulta a construção de espaços de interlocução e participação mais heterogêneos,
envolvendo inclusive departamentos que não façam parte originalmente da estrutura de
comunicação, mas que podem contribuir e enriquecer na busca por novas capacitações e
inovações que muitas vezes acabam sendo abafadas dentro da complexa estrutura
organizacional. Um outro ponto a destacar é que muitas vezes, a comunicação interna
subordinada ao departamento de recursos humanos acaba por ocupar uma função estritamente
operacional, aquém da real importância e do papel estratégico a ser ocupado por esta.
Das 11 empresas que responderam não possuir uma diretoria de comunicação
corporativa, 7 delas tiveram uma variação do valor de mercado pior que a média de todas as
empresas de capital aberto quando comparado 2007/2008 com o ano de 2009; sendo que 5
delas tiveram um IGC menor do que a média da amostra. Isso acaba por confirmar a falta que
uma diretoria de comunicão pode fazer ao buscar harmonizar os interesses e papéis das
diversas áreas de comunicação dentro da empresa e buscar atender aos diversos stakeholders.
Outro ponto interessante referente a questão 6, é que embora quase 90% das empresas
tenha a área de RI (Relações com Investidores) subordinada ao diretor financeiro, todas
afirmaram ter uma forte interface com a área de relações públicas. Vale aqui destacar que
muitas vezes essa área acaba privilegiando interesses estritamente econômicos e acaba por
o atender aos interesses de todos os stakeholders da empresa. Eis aqui uma oportunidade
ímpar para o desenvolvimento e a consolidação do trabalho de relações públicas.
Finalmente, essa amostra acaba por referendar a importância cada vez maior da
comunicação organizacional dentro das poticas das empresas, com quase 72,7% dos
programas de comunicação organizacional sendo desenvolvidos desvinculados do marketing,
embora caminhando em sintonia com a comunicação mercadológica; mas, ao mesmo tempo,
criando suas próprias bases, poticas e processos. Entretanto, isso tornar-se preocupante a
despeito desta amostra representar empresas de alto valor de mercado, além de significativo
desempenho econômico no cenário brasileiro e que ainda estão tratando a comunicação de
maneira pulverizada, muitas vezes ancorada sob os pilares mecanicistas e de forma pouco
integrada. Ou seja, em 27,3% das empresas, os programas de comunicação institucional ainda
170
estão subordinados ao departamento de marketing, podendo contribuir de forma limitada no
desenvolvimento da reputação e da imagem da companhia.
Tabela 5.3 Frequência das respostas às perguntas que compõe o ICOM (em %)
Questões integrantes do ICOM (para 22 respondentes)
Frequência das respostas (%)
Sim
Não
1
Há uma política de gestão de comunicação corporativa na empresa?
86,4
13,6
2
A organização propicia oportunidades para uma comunicação
participativa, priorizando o fluxo ascendente?
86,4
13,6
3
Pode-se dizer que na organização há um equilíbrio entre os principais
fluxos de informações (descendente, ascendente e lateral/horizontal)?
77,3
22,7
4
A organização possui um programa de comunicação interna?
95,5
4,5
5
A empresa possui uma diretoria de Comunicação Corporativa?
50,0
50,0
6
A área de Relação com os Investidores responde ao Diretor Financeiro?
90,9
9,1
7
A área de Relações com os Investidores tem uma interface com a área
de Relações Públicas?
90,9
9,1
8
Os programas de comunicação interna não são desenvolvidos pelo
departamento de recursos humanos?
77,3
22,7
9
Os programas de comunicação institucional não são desenvolvidos pelo
departamento de marketing?
72,7
27,3
10
Existem programas regulares de ação para atingir os públicos
estratégicos (stakeholders)
86,4
13,6
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo
Ao analisar as 22 respostas obtidas no IGC foi possível identificar uma preocupação
constante das empresas em seguir as práticas de governança corporativa, porém dentro do
mínimo exigido pela lei, como na publicação dos relatórios financeiros e na contratação de
auditorias com reputação global. Mesmo assim, esses procedimentos mostraram diversas
falhas, como os escândalos referentes ao ano de 2001 e a recente crise de 2008/2009, como já
explicitado no capítulo 3 desta tese.
Por exemplo, ao avaliar a questão 3 referente à remuneração do CEO e dos
conselheiros, a situação não aparenta tanta transparência e confiabilidade. Somente 54,5% das
empresas divulgam a remuneração dos seus CEO, sendo que em quase 20% das empresas da
amostra, a remuneração se dá exclusivamente via stock options. Dentre esse universo
171
negativo, 40% tiveram uma variação do valor de mercado inferior à média de todas as
empresas de capital aberto, quando comparado 2007/2008 com 2009.
Outro ponto interessante é que apesar de 95,5% dos CEOs atestarem a precisão dos
dados contábeis, somente 60% passam por uma avaliação constante e têm suas competências
e necessidades explicitadas ao acionistas e aos demais stakeholders. Mesmo assim, diversos
relatórios acabaram por derrubar vários CEOs e diretores, não apenas pela imprecisão e
incoerência; como muitas vezes pela maquiagem dos dados que ocultavam decisões
prejudiciais aos acionistas, além de confirmar ganhos extras à cúpula gerencial
64
.
Tanto a questão 4 como a questão 9 tratam de um ponto determinante para a busca por
maior transparência e monitoramento. A primeira diz respeito ao CEO e o presidente do
conselho ser a mesma pessoa. Em 86,4% das empresas são pessoas diferentes que ocupam
esses cargos; mas em 3 empresas ainda temos o mesmo executivo ocupando essas duas
funções, sendo que em 2 destas não membros independentes presentes na composição do
Conselho de Administração. E, mesmo entre as 19 empresas cujos cargos são ocupados por
pessoas diferentes, ainda existem 12 delas em que não membros claramente identificados
como independentes na constituição do Conselho; o que acaba por indicar uma apatia,
subserviência e muitas vezes total falta de transparência do Conselho de Administração.
Quando se observa a questão da remuneração dos altos executivos, percebe-se, na
questão 3, que 10 das 22 empresas (ou 45,5% da amostra) não divulgam a remuneração de
seus executivos. Tal falta de transparência ajuda a ilustrar o argumento, desenvolvido no
capítulo 2, de cooptação dos gestores. Gestores que, ao tornarem-se proprietários” das
empresas, concentram suas ações em poticas de curto prazo, restringindo muitas vezes os
investimentos em produção e inovações, chegando a manter políticas agressivas de corte de
custos; sempre tendo como objetivo principal a máxima valorização do valor das ações no
menor espaço de tempo.
Neste mesmo sentido, percebe-se na questão 8, como mencionado anteriormente,
que em quase 20% da amostra a principal forma de remuneração dos executivos se por
stock options, o que também ajuda a ilustrar o argumento desenvolvido anteriormente (ver
capítulo 2) em que as políticas de valorização das ações podem ter prevalência em relação a
um crescimento econômico e social sustentável.
64
No Brasil é possível citar alguns casos graves de falta de transparência, omissão e falsidade como: Agrenco, Sadia,
Aracruz. Ver mais em Silveira (2010).
172
Tabela 5.4 Frequência das respostas às perguntas que compõe o IGC (em %)
Questões integrantes do IGC (para 22 respondentes)
Frequência das respostas (%)
Sim
Não
1
A empresa publica seus relatórios financeiros no prazo estabelecido pela
lei?
100,0
0,0
2
A empresa contrata firmas de auditoria com reputação global?
100,0
0,0
3
A empresa divulga a remuneração do CEO e dos conselheiros?
54,5
45,5
4
O presidente do conselho e o CEO são pessoas diferentes?
86,4
13,6
5
O conselho de administração da companhia disponibilizou para os
acionistas a relação de competências que considera necessárias para os
candidatos ao cargo de conselheiros?
40,9
59,1
6
Existe uma avaliação constante do CEO e dos conselheiros?
59,1
40,9
7
O CEO atesta a precisão dos dados contábeis a cada ano?
95,5
4,5
8
As opções de ação não são a principal forma de remuneração dos altos
executivos?
81,8
18,2
9
O conselho de administração é formado claramente por membros
independentes?
36,4
63,6
10
Não há contestação dos acionistas minoritários na justiça contra a
empresa?
86,4
13,6
11
Existem mais de 4 assembléias por ano na empresa?
50,0
50,0
12
A empresa facilita o processo de votação além do exigido pela lei?
59,1
40,9
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo
173
5.3.2 Análise econométrica
No item anterior, forma descritos os resultados da análise de estatística descritiva.
Nesta seção serão discutidos os resultados dos dois conjuntos de procedimentos
econométricos, que procuraram investigar duas das hiteses inicias da pesquisa empírica, a
saber:
1) Há ou não correlação estatística positiva entre esses os índices ICOM e IGC;
2) Quanto maiores forem estes índices, maior deveria ser o valor de mercado da
empresa analisada; isto é, espera-se observar uma correlão positiva entre as
variáveis independentes de performance da empresa;
Com relação à primeira hipótese, os resultados calculados pelos indicadores de
correlação mais comuns (Pearson e Spearman) indicaram que sim, existe uma correlação
positiva entre as variáveis, ainda que não tão intensa do ponto de vista estatístico. A tabela 5.5
mostra este resultado, que corrobora, através desta pesquisa empírica, uma das hiteses
centrais da tese, isto é, é possível estimar que haja uma intersecção entre as áreas de
comunicação e governança corporativa de empresas de capital aberto.
Tabela 5.5 Coeficientes de correlação entre os índices ICOM e IGC
Coeficiente de correlação de Pearson
+0,1143
Coeficiente de correlação de Spearman
+0,2332
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo
em relação às consequências entre essa intersecção e os resultados de performance
das empresas (expressos em três modelos econométricos, a partir das variáveis ROA, ROE, e
valor de mercado)
65
não foi possível identificar uma relação com validade estatística. Várias
podem ser as causas deste resultado: uma amostra relativamente pequena, a própria
imaturidade do mercado acionário brasileiro (ainda muito pequeno e concentrado), as diversas
variáveis econômicas externas que influenciam na construção e no desempenho das empresas,
um único tempo (ano de 2009) e a própria escolha do modelo econotrico como ferramenta
para este tipo de análise.
65
Durante os exercícios de estimativa, foi descartado o uso de um quarto modelo, que investigaria a relação entre IGC,
ICOM e a variação da receita líquida das empresas. A ausência de dados de receita para a totalidade do conjunto da amostra,
conforme pode ser observado na Tabela Anexa II, foi determinante para o abandono deste modelo.
174
As tabelas abaixo mostram os resultados dos três modelos, destacando os resultados
dos testes de validade estatística do modelo (r
2
, teste F, teste t, entre outros).
O primeiro modelo estimado procurou observar qual a importância dos índices IGC e
ICOM para o desempenho do indicador de rentabilidade ROA (return on assets). Como foi
observado na seção 5.2.3, esperava-se que as estimativas dos parâmetros para o IGC e o
ICOM fossem positivos e significativos (do ponto de vista de um teste econométrico), isto é,
esperava-se que os índices construídos influenciassem positivamente o desempenho do ROA,
em outras palavras, maiores IGC e ICOM, maior ROA. A Tabela 5.6 abaixo apresenta os
resultados.
Tabela 5.6- Resultados da estimativa OLS para o modelo 1:
ICOMIGCROA
21
Coeficiente
Erro Padrão
teste-t
p-valor
const
3,18604
12,927
0,2465
0,80797
IGC
-0,0221078
1,08909
-0,0203
0,98402
ICOM
0,623644
1,21981
0,5113
0,61506
Testes do modelo de significância do Modelo 1:
R
2
0,013646
R
2
ajustado
-0,090181
F(2, 19)
0,131432
P-valor(F)
0,877629
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo e base Economatica. Estimativas realizadas para 1-22
observações usando software GRETL
66
O teste F, que, em última análise mede a adequação do modelo, não foi significativo,
isto é, o se pode afirmar, com pelo menos 95% de confiança que os coeficientes estimados
do IGC (
1
) e do ICOM (
2
) não sejam nulos. Ou seja, o ajuste propiciado por este modelo,
nesta amostra específica, não permite ter certeza de que forma os índices IGC e ICOM
influenciam a variável de lucratividade ROA. O mesmo poderia ser observado no teste t
dos coeficientes, uma vez que todos foram não significativos, com 95% de confiança (p-
valores superiores a 0,05, conforme última coluna da tabela). Por fim, o coeficiente de
determinação do modelo (r
2
) é extremamente baixo, o que significa que as duas variáveis
estudadas explicariam menos de 2% (r
2
=0,013646) da variação do ROA.
a estimativa para o modelo 2 pretendia investigar a relação dos índices IGC e
ICOM com outra medida de rentabilidade, a saber, o ROE, ou Return on Equities.
66
Software GRETL GNU Regression, Econometric and Time-series Library, versão 1.7.1. Este software é livre e pode ser
obtido no site HTTP://gretl.sourceforge.net/.
175
Novamente, esperava-se que os índices contribuíssem positivamente com o desempenho do
ROE para a amostra. A Tabela 5.7 abaixo mostra os resultados.
Tabela 5.7- Resultados da estimativa OLS para o modelo 2:
ICOMIGCROE
21
Coeficiente
Erro Padrão
teste-t
p-valor
Constante
13,3253
32,2719
0,4129
0,68430
IGC
-0,187384
2,71887
-0,0689
0,94577
ICOM
1,74572
3,04521
0,5733
0,57319
Testes do modelo de significância do Modelo 1:
R
2
0,017003
R
2
ajustado
-0,086470
F(2, 19)
0,164323
P-valor(F)
0,849660
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo e base Economatica. Estimativas realizadas para 1-22
observações usando software GRETL
Também neste caso, os testes de significância estatística deste modelo se revelaram
insuficientes. O muito baixo R
2
, o teste F para o modelo e o teste t para os coeficientes
revelaram-se insignificantes (p-valores superiores a 0,05 em todos os casos). Novamente, não
foi possível observar, para esta amostra e com este tipo de modelo, a relação entre os índices
IGC e ICOM e o indicador de desempenho econômico das empresas, neste caso o ROE.
Por fim, o modelo 3 tentou medir a influência dos índices de comunicação e de
governança corporativa sobre a variação real do valor de mercado das empresas
67
da amostra
entre a média dos anos 2007/2008 e o ano de 2009. Também neste caso esperava-se uma
relação positiva entre a estimativa dos índices IGC e ICOM e o desempenho do valor de
mercado das empresas, isto é, maiores índices, maior valorização no mercado acionário da
empresa. A Tabela 5.8 abaixo mostra os resultados da estimativa da regressão múltipla.
67
Na base de dados ECONOMATICA, o valor de mercado é calculado pelo produto da cotação das ações da empresa num
dia qualquer e o número de ações disponíveis para negociação. No caso, foram utilizados os valores de mercado do último
dia útil do ano (2007, 2008 e 2009), sempre medido em reais constantes de 2009, deflacionados pelo IPCA.
176
Tabela 5.8- Resultados da estimativa OLS para o modelo 3:
ICOMIGCVM
21
Coeficiente
Erro Padrão
teste-t
p-valor
Constante
144,974
100,782
1,4385
0,16657
IGC
-4,73517
8,4908
-0,5577
0,58357
ICOM
-8,25497
9,50993
-0,8680
0,39621
Testes do modelo de significância do Modelo 3:
R
2
:
0,058973
R
2
ajustado:
-0,040083
F(2, 19):
0,595352
P-valor(F):
0,561333
Fonte: elaboração própria a partir de pesquisa de campo e base Economatica. Estimativas realizadas para 1-22
observações usando software GRETL
Mais uma vez, a experiência econométrica utilizando-se este tipo de modelo e para
este conjunto de dados mostrou-se insuficiente. Não houve significância estatística nem para
os coeficientes (testes t com p-valores superiores a 0,05), nem para o modelo como um todo
(teste F, com p-valor superior a 0,56). Também o coeficiente de determinação (R
2
) foi muito
baixo, sendo o modelo capaz de explicar menos de 6% da variação do valor de mercado entre
2007/2008 e 2009.
Portanto, como previsto (ver 5.2.4), as dificuldades para o uso econométrico de
variáveis de governança corporativa e desempenho econômico-financeiro das empresas se
revelaram apuradas. Não é possível verificar com estas técnicas estatísticas e com esta
amostra de dados a segunda das hipóteses levantadas pela pesquisa empírica. Ou seja, não foi
possível testar a hipótese de que bons índices de governança e de comunicação estariam
associados a um melhor desempenho econômico das empresas que têm tais indicadores
positivos.
Para tanto, é necessário um esforço maior junto à definão e coleta da amostra
(buscando ampliar o número de empresas) e /ou identificar novos modelos econométricos
ainda pouco utilizados na área de comunicação, na tentativa de estabelecer estatisticamente
uma correlação positiva de que poticas de comunicação mais integradas e colaborativas são
decisivas na construção de boas práticas de governança corporativa e acabam por resultar em
um desempenho econômico-financeiro superior por parte das empresas. A grande barreira a
ser vencida neste caso está na definição do período (t) tempo, pois várias dessas políticas e
práticas possuem um período de maturação, desenvolvimento e consolidação para
efetivamente começarem a trazer resultados não junto aos processos e procedimentos,
como também junto à performance das empresas.
177
5.4 Conclusão
Apesar da dificuldade e ousadia em buscar aplicar uma metodologia estatística na
busca por identificar a intersecção e correlação entre duas áreas bastante complexas, além da
própria pesquisa de campo junto às empresas brasileiras de capital aberto; historicamente
reticentes em responder e divulgar seus processos e políticas de gestão; alguns resultados
puderam ser observados e que podem trazer contribuições para os estudos da área de
comunicação organizacional.
Uma primeira observação é que as empresas são geralmente movidas por
determinantes legais, ao invés de preocupações reais de melhoria e pró-atividade. Um
exemplo disso é a média superior alcançada pelo índice IGC, resultado das inúmeras pressões
(algumas expressas em formato de lei), que surgiram depois dos anos de 2001 e que estão
sendo fortemente intensificadas após a crise de 2008/2009 (ainda sentida em diversos países).
Outro ponto de destaque é a importância dada ao valor de mercado das empresas (e
consequentemente de suas ações), principalmente quando passa a ser considerado como a
referência para a remuneração dos altos executivos (CEO e diretores), chegando em vários
casos a ser a única forma de cálculo na remuneração dos rendimentos destes executivos.
Outra conclusão observada é que apesar do crescimento da importância do papel da
comunicação organizacional dentro das empresas, ainda percebe-se uma dicotomia entre a
teoria e a prática, além da ausência de processos e políticas de gestão mais efetivas, ao
envolver coletivamente os membros da organização em novos processos de produção de
sentido e assim, reconstruindo continuamente novas realidades organizacionais. A interface
positiva aqui identificada entre as poticas de comunicação organizacional e as boas práticas
de governança corporativa seriam um dos caminhos possíveis para ampliar essa integrão na
busca por novas realidades organizacionais, que acabariam por ampliar a interlocução da
empresa com seus diversos stakeholders.
Além disso, através de uma comunicação integrada e transparente, distante da
percepção estritamente operacional e ancorada em bases estratégicas; o próprio papel dos
Conselhos de Administração poderia ser reconfigurado, deixando de ser uma peça de ficção
em muitos casos. Como afirma Muritiba (2009) é fundamental promover o empowerment do
Conselho, melhorar a conduta da diretoria executiva e estabelecer melhores práticas de
monitoramento e controle. A transparência, guiada por uma comunicação integrada, ajudaria
178
ainda no aumento da confiança e credibilidade das empresas e na busca por um equilíbrio
maior entre os interesses dos altos executivos (agora também proprietários), e dos demais
acionistas.
Por fim, a intersecção identificada entre as políticas de comunicação organizacional e
as práticas de governança corporativa podem, conjuntamente, estabelecer parâmetros mais
elevados de transparência, fluidez e integrão no relacionamento da empresa com seus
diversos públicos estratégicos. As práticas de governança corporativa (devido à forte pressão
externa, após os escândalos e crises) podem constituir um forte incentivo e pressionar
internamente as empresas a melhorar seus fluxos de comunicação tanto internos, quanto
externos.
Ao identificar, também na pesquisa empírica, essa correlação positiva entre as áreas
de comunicação organizacional e governança corporativa, pode-se esperar ainda uma potica
mais efetiva na construção da credibilidade das empresas e na ampliação dos canais de
comunicação com seus diversos stakeholders, favorecendo a diversidade, permitindo uma
participação mais efetiva e valorizando a ação colaborativa; além da sustentabilidade e do
meio ambiente.
Além disso, embora não tenha sido possível a comprovação do argumento através dos
modelos econométricos aplicados a esta amostra, acredita-se que empresas com melhor
comunicação organizacional e consequentemente melhores práticas de governança
corporativa, podem esperar uma maior valorização de suas ações e/ou maior rentabilidade de
seus ativos. E consequentemente ampliar a capacidade de resposta das empresas às profundas
transformações ocorridas principalmente a partir do fim do século XX.
179
Considerações Finais
O objetivo desta tese foi apresentar os limites e os avanços no campo da comunicação
organizacional e suas interfaces, em especial, a possível intersecção entre as poticas de
comunicação organizacional e as práticas de governança corporativa.
Tendo como pano de fundo as profundas transformações no ambiente econômico,
político, social e cultural a partir da segunda metade do século XX e o papel cada vez mais
central desempenhado pelas corporões, buscou-se identificar as necessidades cada vez mais
latentes das empresas ampliarem seus canais de comunicão com os diversos stakeholders e
desenvolverem estratégias e vantagens competitivas para melhor se adaptarem neste ambiente
de profundas transformações.
O Capítulo 1 buscou explorar os principais fatos que desencadearam e estimularam o
surgimento de uma nova configuração do capitalismo, de novos padrões de concorrência, de
novos modelos de gestão, de novas estruturas organizacionais e, inclusive, de novos
comportamentos por parte da sociedade.
Os pontos chave desta trajetória foram o desenvolvimento e o crescimento de políticas
neoliberais, a perda paulatina de poder por parte do Estado, a criação de novas dimicas no
mundo do trabalho e o aprofundamento de novos mecanismos de rentabilidade do capital,
quase sempre inseridos na lógica da acumulação financeira de curto prazo.
A nova dimica da economia capitalista, também chamada de corporate colonization
por Deetz (1992) ou de supercapitalismo por Reich (2007) caracteriza-se pelo aumento do
poder do livre mercado, pela profunda desregulamentação, além dos novos processos
produtivos vigentes e do poderio dos interesses privados dos grandes executivos de empresas
multinacionais, que operam em escalas cada vez maiores.
Como consequências centrais, é possível identificar uma mudança importante na
forma de acumulação de capital, voltada para novos campos de atuação fortemente ancorados
na valorização de curto prazo do capital financeiro (o que antes era predominantemente
produtivo); alterações nas formas de gestão das empresas, com perdas crescentes de
benefícios e de estabilidade, tendo um número cada vez maior de trabalhadores na condão
de temporários; gerando um enorme sentimento de insegurança; ademais, pode-se verificar a
perda paulatina dos laços sociais e das noções de cidadania e pertencimento, além do
crescente aumento das desigualdades e do profundo sentimento de imediatismo, de
180
volatilidade, de uma modernidade líquida (Bauman, 2001) centrada no consumismo e no
individualismo extremado.
Na tentativa de aprofundar as causas dessa nova fase do capitalismo e analisar o papel
central das organizações, o Capítulo 2 tratou da evolução histórica da moderna empresa
capitalista, buscando entender as razões do crescente aumento de poder junto às sociedades e
as transformações ocorridas nos modelos de gestão das empresas e no papel da classe
dirigente (gestores), em especial após os processos que levaram a uma crescente divisão entre
propriedade do capital e sua gestão. Além disto, procurou-se evidenciar a transformação
ocorrida após os anos de 1980, quando houve um estímulo enorme através das poticas de
desregulamentação, das remunerações envolvendo os altos dirigentes e executivos; além das
estratégias de valorização do capital da empresa, agora fortemente ancoradas na especulação
financeira.
De acordo com Crotty (2003), foram duas as grandes mudanças a partir da
globalização neoliberal que influenciaram e alteraram as taxas de retorno e as estratégias das
empresas. A primeira delas foi uma queda do crescimento do mercado norte-americano e um
intenso aumento da concorrência em diversos setores (principalmente automobilístico e
eletroeletnico) e a segunda foi uma profunda mudança no mercado financeiro, cada vez
mais de curto prazo, que acabou por obrigar as empresas não financeiras a destinar uma
parcela cada vez maior do fluxo de caixa para financiar esses agentes, alterando as políticas
de incentivo e as estratégias de longo prazo das organizações.
Esse cenário acabou por modificar a base de rentabilidade das empresas, agora
fortemente centradas na possibilidade de valorização crescente e rápida das ações, mesmo que
muitas vezes tais estratégias possam comprometer a saúde e a sobrevincia da própria
organização, como ocorreu com a Enron e com a Worldcom no caso norte-americano, ou
como a Sadia ou a Aracruz, no caso brasileiro
68
.
Uma outra mudança possível de se identificar foi o movimento de cooptação dos
gestores (CEOs e diretores) pelos agentes institucionais, os donos de grandes massas de
capitais, passando a receber grande parte de suas remunerações via stock-options e se
tornando “proprietários” das empresas. Mesmo com toda a sua análise sobre o poderio e
gigantismo das organizações e o poder da tecnoestrutura, Galbraith (1995) não conseguiu
prever que esse pequeno grupo de dirigentes fosse capaz de alterar a própria estrutura e gestão
68
Ver capítulo 3, item 3.3.2.
181
das organizações e virem a ser considerados como “líderes supremos e de competência
infalível”, capazes de colocar as empresas novamente em situação de equilíbrio e diferencial
competitivo, o que nem sempre acontece.
Com resultados pouco favoráveis (identificados com os escândalos de 2001 e a crise
de 2008), tais questões começaram a ser fortemente questionadas, principalmente em relação
aos valores das bonificações dadas aos gestores (transformando-os em milionários
69
) e a perda
de transparência e rentabilidade por parte dos pequenos acionistas, que muitas vezes em
suas ações se transformarem em “papel sem valor”, dado que as empresas acabam tão
seriamente comprometidas que perdem todo seu valor de mercado e capacidade de sanar suas
dívidas. Isso sem falar nas consequências para a manutenção do trabalho e para a sociedade
em geral, como as frequentes demissões em massa (denominadas de downsizing) e a
transfencia das operações fabris para regiões menos dispendiosas, com impactos sociais
negativos nas comunidades originais.
Neste movimento de forte questionamento por mais transparência e equidade, ocorre
uma valorização pelo maior acesso a informação e pelo resgate de mecanismos de controle
muitas vezes esquecidos, fortalecendo a necessidade de intensificação das boas práticas de
governança corporativa, como descrito no Capítulo 3 desta tese.
Além disto, o capítulo 3 discutiu as questões que perpassam a exigência de criação de
boas práticas de governança corporativa e que mostram a necessidade de maior transparência
e a criação de canais de relacionamento e comunicação com os diversos stakeholders da
empresa na busca pela própria sobrevincia da companhia e pela construção de diferenciais
competitivos. “A transparência exige novas idéias sobre a natureza das empresas, sobre seu
relacionamento com outras instituições e pessoas e mesmo sobre seu papel na sociedade”
(TAPSCOTT & TICOLL, 2005: 303).
A busca por maior controle e monitoramento, aliada a necessidade de melhorar os
relacionamentos com os diversos stakeholders, passa por uma maior transparência e equidade,
o somente pela racionalidade limitada dos gestores na tomada de decisões ou pela
divergência de interesses. A complexidade vivida pelas empresas está fortemente ancorada na
necessidade de se buscar estabelecer canais de informão de duas vias, quebrando a
69
Por exemplo, Michael Eisner, presidente do conselho e CEO da Disney, acumulou durantes os seis anos de 1996 a 2003
US$ 700 milhões de dólares em salário, tendo as ações da Disney neste mesmo período perdido 23% do seu valor. (Ver
Tapscott & Ticoll, 2005). Outro exemplo ocorrido na mesma empresa foi a contratação do executivo Michael Ovitz (amigo
de longa data do presidente Michael Eisner) em 1995 com uma cláusula de rescisão contratual que lhe permitiu deixar a
empresa 14 meses depois recebendo um pacote de remuneração no valor de US$ 140 milhões. (Ver Silveira, 2010).
182
assimetria informacional tão fortemente estabelecida na gestão organizacional. Neste caso, a
intersecção com as políticas de comunicação organizacional seria determinante no
desenvolvimento desse processo.
Como afirma TAPSCOTT & TICOLL (2005: 321):
“O gênio da transparência escapou da lâmpada, trazendo desastre para uns
e sustentabilidade e sucesso duradouro para outros, que o acolheram. Ele
exige que as empresas deixem de ser paternalistas, ensimesmadas e
autocomplacentes e se tornem comprometidas, preocupadas com os
stakeholders, responsivas e responsáveis. E exige, também, um novo tipo de
líder o executivo que traz a integridade nos ossos; que lidera com
determinação e pelo exemplo; que, longe de esmorecer ante o poder da
transparência, estimula a empresa a utilizá-lo; e que tem coragem para
fazer o que é certo e a visão para construir um caráter corporativo que
resista às vicissitudes de um século novo e volátil”
Desta forma, as empresas estariam, mesmo que forçosamente, buscando melhorar seus
canais de comunicação e seus relatórios e processos na tentativa de trazer transpancia e
aumentar ou reverter a confiança desenvolvida junto aos mercados e principalmente, junto aos
stakeholders. Um dos caminhos apontados por Tapscott & Ticoll (2005) como eficiente no
desenvolvimento desse processo seria o comprometimento das empresas com suas redes de
stakeholders. Embora já existissem antes do advento da internet, foi com a disseminação da
tecnologia que elas ganharam força e amplitude, podendo pulverizar uma informação
(positiva ou negativa) em poucos minutos através do mundo.
Tais redes acabariam por influenciar comportamentos, desvendar pontos obscuros e
fortalecer estratégias de transparência e comprometimento. Podem ser ativas, grandes e
bastante influentes ou mais limitadas, estáveis e morosas; entretanto, estão se tornando, na
opinião dos autores, uma força inexorável em prol de uma nova era de transparência e
abertura nos negócios e na sociedade capitalista, trazendo luz à opacidade ainda bastante
verificada em diversos setores.
A comunicação organizacional com seus fluxos e processos, como apontado no
Capítulo 4, possuiria um papel determinante na condução desse processo de transparência.
Antes tida como fonte de poder e status, a informação agora precisaria ser melhor
comunicada, em busca da confiança e da transparência. É fundamental destacar que nem tudo
183
deve ser colocado a público nos seus mínimos detalhes; mas considerando as demandas e
urgências de cada um dos diversos stakeholders, a empresa deve buscar ampliar seus canais
de comunicação de duas vias, trazendo informações relevantes e claras, e buscando se
comprometer em clarear as zonas que ainda trazem muita opacidade na sua estrutura. Mesmo
com disposição e vontade de mudar, as empresas precisam ainda investir vastas somas de
dinheiro e um bom período de tempo na criação de processos e infra-estruturas necessários. O
que geralmente acaba ocorrendo são pequenas iniciativas que se perdem no dia a dia, sendo
resgatadas somente no surgimento de uma crise ou via pressão de algum stakeholder mais
influente. Uma das saídas possíveis seria a criação de mecanismos de controle e
monitoramento também estendidos à área de comunicação organizacional (semelhantes aos
existentes na área de governança corporativa e intensificados nos últimos anos), como por
exemplo, a criação de uma certificação específica para as poticas e processos da área de
comunicação organizacional, ou um código de boas práticas.
Ou seja, a comunicação organizacional no papel de peça chave desse processo pode
buscar ampliar os canais de comunicação e trazer transparência e fluidez aos diversos
processos ainda muito obscuros, principalmente quando se observa as relações acionistas
versus gestores e as reais dificuldades cada vez maiores enfrentadas pelos acionistas
minoritários. Ao melhorar o relacionamento da empresa com seus diversos públicos, buscará
contemplar de forma sistemática (e não somente em momentos de crise) questões como ética,
sustentabilidade, responsabilidade social, preocupações com o meio ambiente e com a
comunidade, desenvolvendo desta forma, uma comunicação integrada e estratégica; além de
contribuir para aumentar a capacidade de adaptabilidade das empresas às constantes
transformações a que vêem sofrendo, além de torná-las mais competitivas.
O Capítulo 5, através da tentativa de estabelecer uma correlação empírica entre as
áreas de comunicação organizacional e de governança corporativa é uma amostra da enorme
complexidade que permeia as organizações como um todo e da existência real das interfaces
entre as áreas de comunicação e as práticas de governança corporativa.
A dificuldade na execução de uma pesquisa de campo, tanto na área de comunicação
organizacional como na área de governança corporativa foi comprovada novamente neste
trabalho. Além da barreira inicial de acesso aos cargos chaves dentro das corporações, a maior
dificuldade encontrada está em contemplar em poucas questões duas áreas tão complexas e
que sofrem continuamente mudanças e inflncias de variáveis internas e externas. Apesar
184
disso, foi possível verificar que existe uma correlação estatística positiva entre as políticas de
comunicação organizacional e as boas práticas de governança corporativa, ou seja, empresas
cujos processos de comunicação estão mais integrados, participativos e plurais possuem maior
transparência, equilíbrio entre as demandas dos diversos stakeholders e buscam maior
comprometimento e preocupação com a ética e com o cumprimento de normas e
regulamentos; o que acaba por resultar em boas práticas de governança corporativa.
Entretanto, vale ressaltar que esse resultado expressa uma fotografia relativamente
“frágildas organizações, dado que são inúmeras as possibilidades de perda de credibilidade,
de opacidade da informação e de falta de transparência e de processos de comunicação
efetivos junto aos diversos stakeholders, o que acaba por contribuir com resultados nem
sempre satisfatórios, quando não resultam em uma crise ou até na falência da empresa.
Assim, o objetivo desta tese foi identificar, entender e avaliar como as políticas de
comunicação organizacional e as práticas de governança corporativa se inter-relacionam e
quais os impactos junto às empresas e seus diversos stakeholders.
A primeira hipótese apresentada foi a de que existiria uma correlação positiva entre as
áreas de comunicação organizacional e governança corporativa, que foi na verdade
comprovada; tanto teórica como empiricamente. Ou seja, as políticas de comunicação
organizacional aliadas às boas práticas de governança corporativa, ao mesmo tempo em que
aumentam a transparência e a integração junto aos diversos blicos alvo da companhia,
podem contribuir para a construção de uma imagem positiva da empresa, atuando junto à sua
reputação e credibilidade. Podem ainda, atuar como imãs de atração dos investidores, como
fator determinante na diminuição dos custos de capital e no aumento de competitividade junto
à sociedade e seus consumidores representando um possível aumento de demanda, na
motivação dos funcionários (orgulhosos do local onde trabalham) e ainda na geração
favorável e espontânea da mídia.
a segunda hipótese apresentada nesta tese, e esmiuçada também no Capítulo 5, é a
de que essa intersecção seria ainda capaz de responder por um aumento no desempenho
econômico-financeiro das empresas; além de todos os benefícios elencados acima. Apesar de
a teoria apresentar elementos que confirmem esta ideia (ver capítulos 3 e 4); os modelos
econométricos utilizados na tentativa de comprovação desta hitese (no capítulo 5) junto a
uma amostra selecionada de 22 empresas brasileiras de capital aberto (que representam mais
de 50% do total de ativos das empresas presentes em 2009 no IBovespa, no valor de R$ 2,5
185
trilhões), não foram suficientes para comprová-la. Tal dificuldade, já relatada anteriormente,
se deu por diversos fatores, entre eles: a limitação da própria amostra, a escolha do modelo
econométrico e a própria natureza do mercado acionário brasileiro (ainda imaturo e bastante
concentrado).
Continuar se debruçando sobre estas questões, através inclusive de novas
metodologias de pesquisas de campo é, portanto, fundamental. Buscar construir e consolidar
conceitos de comunicação organizacional e buscar novas interfaces junto aos ambientes
organizacionais é uma tarefa complexa, mas de grande importância, tanto para o avanço
teórico destes campos de conhecimento, quanto sua aplicação prática no âmbito das
organizações. Faz-se necessário aprofundar as dimensões e o papel da comunicação neste
novo cenário competitivo, além de identificar a evolução e importância das práticas de
governança corporativa e o quanto essas duas áreas conjuntamente podem contribuir para o
crescimento do valor da empresa, aqui entendido como credibilidade e reputação junto ao
mercado, e também como crescimento do valor das suas ações. Assim, tanto no campo
teórico, quanto no ambiente empresarial, ainda existe um longo caminho a ser percorrido em
novos estudos.
186
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198
Anexo Estatístico
Tabela Anexa I - Remuneração anual dos 90 mais bem pagos CEOs das empresas de capital
aberto dos EUA por empresa, (em US$ e %), 2009
Empresa
Salários
Remuneração atrelada
ao valor das ações (a)
Remuneração
Total (b)
(a)/(b) em %
ORACLE CORP
1.000.000
50.730.092
56.810.851,00
89,3
MERCK & CO
1.467.542
14.462.704
49.653.063,00
29,1
GAMCO INVESTORS INC
0
0
43.576.932,00
0,0
CBS CORP
3.513.462
21.939.262
43.238.875,00
50,7
THERMO FISHER SCIENTIFIC INC
790.220
32.401.218
34.283.774,00
94,5
MCKESSON CORP
1.566.154
15.821.370
34.218.965,00
46,2
VIACOM INC
2.500.000
18.688.929
34.009.990,00
55,0
BOSTON SCIENTIFIC CORP
598.356
29.396.400
33.472.734,00
87,8
OCCIDENTAL PETROLEUM CORP
1.170.000
24.758.827
31.401.356,00
78,8
JOHNSON & JOHNSON
1.802.500
5.238.069
30.813.844,00
17,0
CVS CAREMARK CORP
1.400.000
11.050.007
30.429.113,00
36,3
HEWLETT-PACKARD CO
1.268.750
12.777.276
30.332.527,00
42,1
URBAN OUTFITTERS INC
1.000.000
26.931.904
29.944.180,00
89,9
PHILIP MORRIS INTERNATIONAL
1.500.000
14.950.000
29.364.371,00
50,9
AT&T INC
1.450.000
12.075.825
29.230.506,00
41,3
DISNEY (WALT) CO
2.038.462
14.645.156
29.028.362,00
50,5
FREEPORT-MCMORAN COP&GOLD
2.500.000
6.775.000
27.622.333,00
24,5
COMCAST CORP
2.908.483
10.913.500
27.246.367,00
40,1
EXXON MOBIL CORP
2.057.000
16.963.875
27.168.317,00
62,4
KRAFT FOODS INC
1.470.000
9.687.147
26.345.201,00
36,8
ABBOTT LABORATORIES
1.852.319
15.465.900
26.213.996,00
59,0
OMNICARE INC
1.856.458
9.487.750
25.234.045,00
37,6
HEINZ (H J) CO
1.245.211
7.567.771
24.398.056,00
31,0
INTL BUSINESS MACHINES CORP
1.800.000
13.517.401
24.313.795,00
55,6
VALEANT PHARMACEUTICALS INTERNATIONAL
1.000.000
19.950.489
24.047.455,00
83,0
PROCTER & GAMBLE CO
1.800.000
18.048.562
23.605.453,00
76,5
DREAMWORKS ANIMATION INC
0
23.443.500
23.443.501,00
100,0
LOCKHEED MARTIN CORP
1.834.615
9.122.920
22.996.763,00
39,7
TRW AUTOMOTIVE HOLDINGS CORP
1.680.000
3.762.888
22.752.714,00
16,5
AMERICAN NATIONAL INSURANCE
2.000.000
416.813
22.325.432,00
1,9
GENERAL DYNAMICS CORP
700.000
0
22.022.139,00
0,0
ANNALY CAPITAL MANAGEMENT
2.430.000
1.380.000
21.533.549,00
6,4
WELLS FARGO & CO
5.600.000
13.083.386
21.340.547,00
61,3
LILLY (ELI) & CO
1.483.333
11.250.000
20.927.649,00
53,8
SEMPRA ENERGY
1.184.300
6.401.233
20.894.518,00
30,6
TRAVELERS COS INC
1.000.000
10.878.709
20.628.969,00
52,7
BRIDGEPOINT EDUCATION INC
372.917
19.383.261
20.532.304,00
94,4
199
Continuação da Tabela Anexa I
Empresa
Salários
Remuneração atrelada
ao valor das ações (a)
Remuneração
Total (b)
(a)/(b) em %
UNITED TECHNOLOGIES CORP
1.435.000
13.225.560
20.501.712,00
64,5
POLO RALPH LAUREN CP -CL A
1.250.000
4.766.341
20.303.522,00
23,5
JARDEN CORP
1.975.688
12.135.721
19.933.672,00
60,9
NEWS CORP
8.100.000
1.735.629
19.887.610,00
8,7
LINCARE HOLDINGS INC
896.816
17.202.449
19.754.002,00
87,1
TIME WARNER INC
1.750.000
5.386.000
19.562.284,00
27,5
BOEING CO
1.930.000
6.272.493
19.443.472,00
32,3
VERTEX PHARMACEUTICALS INC
1.002.693
15.198.093
19.278.158,00
78,8
WAL-MART STORES INC
1.203.228
12.719.014
19.234.268,00
66,1
CHUBB CORP
1.275.000
8.339.203
19.161.231,00
43,5
HESS CORP
1.500.000
8.301.821
18.950.608,00
43,8
QUALCOMM INC
964.427
13.713.263
18.896.413,00
72,6
AMERIPRISE FINANCIAL INC
850.000
9.100.000
18.825.496,00
48,3
CIGNA CORP
1.155.000
1.769.673
18.818.467,00
9,4
COCA-COLA CO
1.200.000
7.433.790
18.813.013,00
39,5
RAYTHEON CO
1.297.920
10.353.257
18.636.872,00
55,6
PRUDENTIAL FINANCIAL INC
1.038.462
5.846.625
18.425.632,00
31,7
DOW CHEMICAL
1.650.000
9.284.750
18.279.792,00
50,8
BRISTOL-MYERS SQUIBB CO
1.500.000
10.871.576
18.221.434,00
59,7
AETNA INC
1.095.785
14.187.901
18.058.162,00
78,6
PNC FINANCIAL SVCS GROUP INC
2.750.000
11.872.450
18.027.856,00
65,9
AMERN EAGLE OUTFITTERS INC
1.600.000
13.120.151
17.946.755,00
73,1
NORTHROP GRUMMAN CORP
1.525.000
13.387.283
17.937.340,00
74,6
FORD MOTOR CO
1.400.003
16.024.782
17.916.654,00
89,4
MONEYGRAM INTERNATIONAL INC
580.385
16.653.113
17.860.338,00
93,2
COMMUNITY HEALTH SYSTEMS INC
1.300.000
4.848.000
17.835.990,00
27,2
MASSEY ENERGY CO
933.369
3.869.819
17.835.837,00
21,7
BERKLEY (W R) CORP
1.000.000
0
17.810.079,00
0,0
MCDONALD'S CORP
1.391.667
3.909.108
17.574.125,00
22,2
VERIZON COMMUNICATIONS INC
2.100.000
11.079.000
17.534.331,00
63,2
COVENTRY HEALTH CARE INC
584.243
11.521.500
17.427.789,00
66,1
AMERICAN EXPRESS CO
1.201.923
3.985.637
17.398.568,00
22,9
GOODYEAR TIRE & RUBBER CO
1.230.000
3.136.845
17.196.461,00
18,2
COLGATE-PALMOLIVE CO
1.150.000
9.581.819
17.160.398,00
55,8
CABLEVISION SYS CORP -CL A
1.872.000
4.722.651
17.143.660,00
27,5
VECTOR GROUP LTD
2.807.729
9.334.940
17.081.277,00
54,7
KNIGHT CAPITAL GROUP INC
750.000
12.128.227
16.903.081,00
71,8
MEMC ELECTRONIC MATRIALS INC
634.615
15.536.063
16.775.578,00
92,6
EVERCORE PARTNERS INC
305.128
9.081.000
16.736.128,00
54,3
FIRST SOLAR INC
202.692
13.000.095
16.552.847,00
78,5
CHEVRON CORP
1.793.750
9.907.850
16.550.745,00
59,9
MYLAN INC
1.566.184
5.418.533
16.481.387,00
32,9
REYNOLDS AMERICAN INC
1.270.000
6.241.998
16.442.578,00
38,0
DEVON ENERGY CORP
1.400.000
11.343.947
16.202.560,00
70,0
200
Continuação da Tabela Anexa I
Empresa
Salários
Remuneração atrelada
ao valor das ações (a)
Remuneração
Total (b)
(a)/(b) em %
MACY'S INC
1.500.000
3.849.851
16.092.487,00
23,9
TIME WARNER CABLE INC
1.000.000
8.247.676
15.939.389,00
51,7
BLACKROCK INC
500.000
5.988.337
15.859.416,00
37,8
PEPSICO INC
1.300.000
9.677.004
15.768.350,00
61,4
CROWN HOLDINGS INC
1.075.000
6.497.730
15.659.135,00
41,5
COCA-COLA ENTERPRISES INC
1.150.000
9.520.503
15.551.862,00
61,2
ARCHER-DANIELS-MIDLAND CO
1.300.000
11.787.344
15.466.064,00
76,2
AMGEN INC
1.682.308
9.081.671
15.345.717,00
59,2
UNION PACIFIC CORP
1.150.000
7.500.170
15.284.347,00
49,1
Fonte: elaboração própria a partir de AFL-CIO‟s Executive PayWatch Database 2010
201
Tabela Anexa II Desempenho econômico das 22 empresas da amostra, 2007-2009
ROA (%)
ROE (%)
Valor de Mercado*
Ativo*
Patrimônio Líquido*
Receita Líquida*
Lucro Líquido*
Empresa
média07/08
2009
média07/08
2009
média07/08
2009
média07/08
2009
média07/08
2009
média07/08
2009
média07/08
2009
AMBEV
8,1
14,9
16,9
27,2
72.521
98.213
39.034
40.101
18.634
22.017
21.753
23.194
3.151
5.986
BRADESCO
2,0
1,6
24,2
19,2
93.451
103.287
425.462
506.223
34.635
41.754
-
-
8.399
8.012
BANCO DO BRASIL
1,6
1,4
25,5
28,1
61.230
76.291
469.484
708.549
29.016
36.119
-
-
7.385
10.148
BANCO ITAU
1,8
1,7
22,6
19,9
109.095
154.411
492.885
608.273
38.775
50.683
-
-
8.751
10.067
BRASKEM S/A
-4,3
4,1
-19,6
19,3
4.979
7.008
23.380
22.105
5.099
4.742
19.132
15.248
-997
917
COSAN
-
5,1
-
13,8
5.050
10.399
-
13.397
-
4.917
-
10.942
-
678
CSN
14,7
8,9
60,5
47,2
33.803
40.823
31.371
29.167
7.641
5.510
13.623
10.978
4.626
2.599
CYRELA
5,8
6,9
16,8
18,9
6.461
10.348
6.551
10.551
2.250
3.853
2.428
4.088
378
729
EMBRAER
3,0
5,6
9,7
17,8
11.566
6.882
19.863
15.946
6.021
5.021
11.641
10.813
587
895
FIBRIA CELULOSE
-1,7
2,0
-4,2
5,6
7.994
18.292
13.165
28.324
5.266
10.015
3.334
6.000
-221
558
KLABIN S.A.
1,9
4,2
6,0
13,9
7.151
4.821
8.723
7.998
2.686
2.387
3.160
2.960
161
333
MARCOPOLO
6,0
5,5
20,9
18,9
1.236
1.441
2.401
2.492
684
724
2.497
2.058
143
137
NATURA
24,0
24,9
71,1
60,0
8.276
15.623
2.188
2.741
739
1.140
3.584
4.242
526
684
PETROBRAS
10,4
8,4
21,5
18,2
354.299
347.085
280.103
345.607
135.055
159.465
206.418
182.710
29.087
28.982
SANTOS BRASIL
2,5
2,1
3,2
3,6
2.358
2.295
1.529
2.020
1.186
1.141
429
661
38
41
SOUZA CRUZ
31,4
38,9
58,2
78,3
15.170
17.657
3.671
3.817
1.980
1.895
5.442
5.793
1.153
1.485
SUZANO
0,5
6,9
1,4
20,0
6.949
6.277
13.087
12.759
4.375
4.384
4.003
3.953
63
878
TAM
-6,1
10,2
-55,4
82,1
5.043
5.556
10.511
13.137
1.152
1.634
10.027
9.900
-638
1.343
VALE do Rio Doce
13,0
5,8
27,1
10,7
220.647
243.204
170.303
175.739
81.714
95.737
72.564
48.497
22.149
10.249
VICUNHA
-6,1
-1,9
-20,3
-5,6
109
430
1.674
1.475
501
501
1.255
1.142
-102
-28
GOL
-7,3
10,2
-24,5
30,2
5.927
6.907
6.773
8.401
2.028
2.840
6.087
5.993
-497
858
WEG
10,7
10,2
28,4
23,2
12.624
11.425
5.703
5.374
2.147
2.363
4.419
4.211
610
548
Selecionadas
5,3
8,1
13,8
25,9
1.045.938
1.188.674
2.027.861
2.564.196
381.583
458.843
391.796
353.381
84.752
86.098
Total Companhias de capital aberto na Bovespa
1.979.522
2.309.555
4.587.525
5.075.218
955.635
1.098.489
1.128.726
1.101.268
150.396
145.675
* R$ milhões 2009, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria a partir de base ECONOMATICA e dados públicos da BOVESPA e CVM
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