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E assim, sentou-se no sofá como se fosse uma visita na sua própria casa que,
tão recentemente recuperada, arrumada e fria, lembrava a tranqüilidade de uma casa
alheia. O que era tão satisfatório: ao contrário de Carlota, que fizera do seu lar algo
parecido com ela própria, Laura tinha tal prazer em fazer de sua casa uma coisa
impessoal. (LISPECTOR: 1998, p. 37).
A expectativa de sair às ruas, de braços dados com o marido, e de se
comportar como uma digna esposa povoa os pensamentos de Laura,
“tomariam o ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no
dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com
intimidade.” (p. 34).
Como afirma Lúcia Helena (1997), em Nem musa, nem medusa
Laura é a imagem em espelho de uma sociedade patriarcal, pois todos os seus atos
são um reflexo da tentativa de não se contrapor a Armando, o marido, e
subservientemente, respeitar as convenções patriarcais instituídas pelo casamento,
pela educação e pela religião católica em que foi criada. Por outro lado, durante todo o
tempo em que ela faz este movimento de aceitação e passividade, desenvolve-se no
texto o movimento contrário
. (HELENA,1997: 45).
A partir do contato com as rosas, “que ela comprara de manhã na feira”,
um sentimento de desejo, de anseio por libertar-se das amarras que a
aprisionam vai crescendo dentro dela, independente de sua vontade.
Conscientemente, Laura decide-se por aprontar-se para ir ao jantar, mas as
rosas a convidam ao prazer da contemplação, de se deixar ali admirando-as e
de retê-las para si. “Nunca vi rosas tão bonitas, pensou com curiosidade. (...)
Oh! Nada demais, apenas acontecia que a beleza extrema incomodava.” (p.
43). Desta forma, Laura decide enviar por meio da empregada, as rosas para a
amiga Carlota. E, a partir deste momento, Laura viu-se diante de um conflito:
enviar ou não as rosas para a amiga, como se fosse pecado sentir prazer em
ter algo que lhe pertencesse: “porque uma coisa bonita era para se dar ou para
se receber, não apenas para se ter. E, sobretudo, nunca para se “ser”.
Sobretudo nunca se deveria ser a coisa bonita. A uma coisa bonita faltava o