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futebol, para mim, é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos;
porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e
tomar banho de sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no
carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que
não existe jamais um “não” diante de situações formais e que todas
admitem um “jeitinho” pela relação pessoal e pela amizade; porque entendo
que ficar malandramente “em cima do muro” é algo honesto, necessário e
prático no caso de meu sistema; porque acredito em santos católicos e
também nos orixás africanos; porque sei que existe destino e, no entanto,
tenho fé no estudo, na instrução e no futuro do Brasil; porque sou leal a
meus amigos e nada posso negar à minha família; porque, finalmente, sei
que tenho relações pessoais que não me deixam caminhar sozinho neste
mundo, como fazem os meus amigos americanos, que sempre se vêem e
existem como indivíduos!
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O antropólogo apresenta nesta citação maneiras de definir o povo brasileiro,
características desta sociedade e mostra a realidade de algumas tradições culturais:
o carnaval, evento capaz de unir várias classes sociais em um único lugar,
oportunidade de utilizar a fantasia que desejar; a falta do não, fenômeno causado
pelo jeitinho brasileiro, pelo amigo, parente, ajeitação para privilegiar alguém que
depois possa lhe retribuir vantagens.
O referido jeitinho brasileiro serve para definir um traço identitário da nação
brasileira, e essa expressão é reconhecida dentro e fora do país. Por um lado, essa
atitude pode ser considerada uma virtude que usa criatividade e jogo de cintura para
resolver e superar dificuldades, mas, por outro, entende-se como um traço
lamentável do caráter brasileiro. O autor afirma que os cidadãos desta nação estão
dispostos a burlar as regras e leis para adquirir vantagens sobre os outros e
instituições. Na maioria das situações, o “jeitinho” é considerado uma solução para
amenizar as dificuldades, transformando-as em fatos solucionáveis. Esse jeito é
brasileiro, faz parte da identidade cultural de um ser que foi criado em uma casa, na
qual a família lhe ensina que é um ser especial e que para tudo há solução. Por
maiores que sejam as dificuldades “na rua”, conseguirá superá-las, mesmo que para
isso, em alguma situação, sejam facilitadas as regras.
Sérgio Buarque de Holanda
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, em seu texto, conceitua o homem cordial. O
autor situa essa definição em um homem que possivelmente ainda está presente na
atual sociedade brasileira. A primeira classificação remete à oposição entre Estado e
família, e afirma que não refletem às mesmas atitudes e comportamentos nos dois
ambientes, mas sim contrárias.
43
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil . Rio de Janeiro: Rocco, 1984. p.16-17.
44
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympo, 1973. p. 56.