A partir de 2000, livros escritos por homens presos ou recém-saídos da prisão
ganharam as páginas dos suplementos culturais dos grandes jornais
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e revistas, fosse
porque publicados por casas editoriais médias ou grandes
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, fosse porque parece haver, hoje
em dia, maior curiosidade em torno da vida na prisão
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.
Este trabalho procura investigar, a partir da análise de quatro volumes de um
conjunto bastante mais amplo
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, livros escritos por homens que, na cadeia, vêem na
publicação de seus escritos uma possibilidade de se tornarem autores: Diário de um
detento: o livro, de Jocenir; Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru), de
André du Rap e Bruno Zeni; Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes; e
Vidas do Carandiru: histórias reais, de Humberto Rodrigues
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.
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Ver, por exemplo, na ocasião de lançamento de Sobrevivente André du Rap: “Sobrevivente relata massacre
do Carandiru” (Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 09/09/2002). Ou a resenha do livro de Humberto Rodrigues
feita por Hélio Schwartsman: “Vidas do Carandiru: instantâneos expõem o sistema prisional
brasileiro” (Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 21/12/2002). Ainda, sobre Luiz Alberto Mendes: “Ex-preso usa
as próprias cicatrizes” (FSP, “Ilustrada”, 20/08/2005) ou as resenhas que lhe dedicaram a escritora Ana
Miranda (“Arte e crime em rota de convergência”, FSP, “Ilustrada”, 17/03/2002) e o sociólogo Sérgio
Adorno (“A ciência da tortura”, Jornal de resenhas, 12/01/2002). Na revista Istoé gente, saíram, sobre o
livro de Jocenir, “Memórias do cárcere: parceiro do rapper Mano Brown, o ex-detento Jocenir lança livro
sobre a sua vida atrás das grades” (04/06/2001), sobre o livro de André du Rap e Bruno Zeni: “Sobrevivente
André du Rap: ex-detento conta o que viu no Pavilhão 9” (07/10/2002); sobre Vidas do Carandiru: “Vidas
no cárcere: livro de jornalista que ficou preso no Crandiru ajuda leitores deprimidos” (29/01/2003). Em O
Estado de S. Paulo: “Chega às livrarias Vidas do Carandiru” (11/12/2002); “Ex-detento descreve em livro a
rotina da violência” (21/02/2001, sobre Diário de um detento).
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Para me ater apenas aos autores abordados nesta tese: a Companhia das Letras publicou dois dos livros de
Luiz Alberto Mendes: Memórias de um sobrevivente, 2001, e Às cegas, 2005; a Geração Editorial publicou
um outro livro de Mendes (Tesão e prazer, 2004), além de Vidas do Carandiru, de Humberto Rodrigues
(2002); a Labortexto Editorial foi responsável pelo lançamento de Sobrevivente André du Rap, de André du
Rap e Bruno Zeni (2002) e Diário de um detento, de Jocenir (2001).
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As razões hão de ser várias. Regina Dalcastagné, por exemplo, em edição da revista Cult dedicada ao
tema, sugere que: “A atração pela escatologia e a literatura de presos talvez supra o prazer de violência do
público” (Cult 59, p. 40). É possível apontar ainda o crescimento na mídia das discussões sobre
criminalidade, política de segurança pública, bem como o surgimento, desde o fim dos anos 90, de bens
culturais versando sobre violência e o universo prisional.
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Ver, na Bibliografia, a seção “Outros livros do cárcere”.
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Há, pelo menos, dois casos que merecem ser comentados por seu caráter predecessor, ainda que não
façam parte desta pesquisa. O médico Hosmany Ramos tornou-se escritor depois de preso. Descoberto pela
prestigiosa editora francesa Gallimard, é, entre os escritores que pertencem a esse segundo grupo (qual seja,
o dos que se tornam escritores na prisão), um caso bastante particular: começou a escrever e publicar
muitos anos antes e, salvo em seu Pavilhão 9, sua escrita diferencia-se bastante das demais por não narrar
em nome de um grupo, não demonstrar compromisso com o que se entende por “coletividade” na cadeia
(distanciando-se nesse sentido do grupo que será aqui analisado): “Não faço literatura de presidiário. Sou
um escritor preso” (Revista Cult 59, p. 39). Em seu Pavilhão 9, a pedido de outro detento, Milton Marques
Viana, um sobrevivente do Massacre do Carandiru, narrou o 2 de outubro de 1992 assumindo a ótica de
Viana.
Além dele, o caso talvez mais conhecido seja o de William Carlos da Silva, cujo Quatrocentos contra um:
uma história do comando vermelho, publicado em 1991 entrelaça sua trajetória ao processo de formação da
famosa facção criminosa carioca. A reedição do livro (por um selo que se dedicaria a essa literatura – a
Labortexto Editorial) em 2001, ano em que saem outras publicações ligadas à vida na prisão, revela seu
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