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Meu sofrimento na escola começou nos meus primeiros anos escolares. Eu apanhava
todo dia na escola [...] Não sei por que eles faziam isso comigo, me maltratavam,
eles me batiam, batiam e não sei por que ninguém via e ninguém me ajudava. Então
eu morria de medo deles. Isso foi no presinho. Eu não contava para a minha mãe,
eles me ameaçavam, me jogavam no chão, puxava o meu cabelo, me pisavam.
Lembro nitidamente como se fosse hoje. Então eu nem brincava. Se batia o sino e eu
fosse ao recreio, isso eu me lembro, se eles não estivessem na escola, eu brincava,
mas quando eles estavam eu não ia, e se eu fosse, eu ficava me escondendo atrás dos
pilares grandes das varandas. Eu comecei a estudar tinha sete anos. Com nove anos,
a coordenadora da escola disse que eu já deveria ter passado, eu ainda estava na
primeira série, não conseguia passar [...]. Depois na minha adolescência me tornei
agressiva, vivia irritada e se me provocasse, eu batia (Mãe em entrevista).
O testemunho dessa mesma mãe, alvo de bullying, grifa a associação entre a vivência
da prática do bullying e a vulnerabilidade e insegurança sentida hoje na trama cotidiana:
O fato é que hoje não consigo confiar em ninguém para estar próximo, não confio
nem em mim mesma. Não durmo direito, tenho lembranças muito doloridas. Casei-
me, mas tenho grandes disfunções na vida sexual, tenho pudores ao extremo, porque
fui abusada na infância e adolescência por parentes e colegas. No relacionamento
com as pessoas ainda sou agressiva, mandona, estressada, impaciente e violenta,
mesmo com o tratamento com a psicóloga há mais de três anos. Eu era pior, era
igual um “sargentão”. Buscava resolver as coisas no grito, quando me estressam
quero derrubar a casa, quero bater, quero quebrar tudo. Já bati inúmeras vezes no
meu filho, já o espanquei, já bati nele com uma borracha e o cortei [...]. Então assim
[...] É muito difícil [...] (Mãe em entrevista).
Esses depoimentos permitem aquilatar que as consequências para as “vítimas” desse
fenômeno são graves e abrangentes (FANTE, 2005; GUARESCHI, 2008), as quais produzem
subumanidades. De um lado, aparecem as consequências que não foram totalmente superadas
e que hoje interferem na própria vida pessoal e familiar; e do outro curso, a interferência
negativamente desses atos de bullying na convivência fora do núcleo familiar, como na
interação com sua família, na Igreja, no trabalho, gerando sempre situações conflituosas.
Os prejuízos financeiros e sociais causados pelo bullying igualmente aparecem nos
depoimentos da maioria das famílias. Esses prejuízos além de atingir as famílias, atingem
também as escolas e a sociedade em geral. Nesses casos, as crianças e adolescentes que
sofrem e/ou praticam bullying podem vir a necessitar de múltiplos serviços, como saúde
mental, justiça da infância e adolescência, educação especial e programas sociais, conforme
aponta a fala de uma mãe ao tomar consciência da situação da filha como vítima de bullying:
Minha
filha tem
dor de
cabeça constante,
ânsia
de vômitos.
Ela
teve uma
recaída muito
grande na aprendizagem, chora na sala, não consegue fazer a tarefa como fazia
antes. Já a levei ao médico. Eu não tenho condições de pagar um psicólogo para ela.
Busquei o atendimento com a psicóloga aqui do bairro, mas vai demorar muito.
Vamos fazendo aquilo que dá, diante das nossas condições (Mãe em entrevista).