II - O Caminho Espiritual do AA
Paes, 2006
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fora da Irmandade, outro como membro desta comunidade, onde veríamos a expressão da
espiritualidade em ação. Durante as reuniões de recuperação, por exemplo, isto é marcado
pela expressão inicial de que se está agora feliz, através do agradecimento ao Poder
Superior, porque agora se trabalharia, se teria família, sempre contrapondo este momento
com o de suas experiências como alcoólatras, invariavelmente infelizes e sem realizações a
apresentar.
“[...] Hoje sou um homem mais feliz, tenho problemas, mas são problemas de saúde. Ainda
há pouco, uns dois meses atrás, eu tive problemas com a minha saúde, na forma de uma
hérnia, mas também a minha mãe que estava doente, apareceu nela um nódulo que podia ser
maligno. Eu fiquei desesperado e por muito pouco não procurei o álcool pra tentar esquecer
essa desgraça, porque a minha mãe é o único tesouro que me restou nesta vida. Meu pai já
faleceu de uma doença parecida, o médico disse: olhe, leve ele. Dê os remédios, mas ele só
tem dois meses de vida. Eu não disse prá meu pai o quê o médico tinha dito, quarenta e cinco
dias depois o meu pai morreu. Então eu já havia decidido que se fosse o mesmo caso, eu faria
a mesma coisa. Não contaria prá minha mãe, mas graças ao Poder Superior, não foi assim e
ela está em tratamento. E graças ao AA por estar do meu lado, pois senão, não teria forças pra
enfrentar tudo isso, porque por outros motivos já não estou mais com minha família. Então
minha mãe foi o único tesouro que me restou.”
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Ele agora já como membro dos Alcoólicos Anônimos é, portanto, um homem mais
feliz, isto graças ao Poder Superior, graças ao AA. Aqui a identificação entre AA e Poder
Superior é forte, podendo um substituir o outro, ou como no caso, vir junto. Se antes uma
situação como esta, de desespero e insegurança, o levaria a procurar a bebida alcoólica,
detentora que é de sua própria rede de suporte, o apoio hoje virá através da participação na
Irmandade e em seu poder superior em atender aos apelos de seus adeptos.
“[...] Antes eu era de confusão, ainda há pouco eu passei por uma. Eu estava trabalhando, aí
nesse parque
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e um coroa assim me deu um tapão nas costas que eu até voei. Um cara
enorme parecia um armário, o braço quase da minha grossura, que sou magro, né? Um
companheiro disse: cara não vai fazer nada. Eu disse: não se preocupa que não bateu na
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João, reunião de recuperação, em 28/10/2004.
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Nesta data havia um parque de diversões, um arraial no pátio da igreja onde se localiza o grupo, naquela
noite. É época do Círio de Nazaré, realizado em outubro aqui em Belém (PA). O Círio corresponde à
procissão de maneira estrita, porém acontecem na cidade diversos outros eventos relacionados e por certo
período, nas paróquias católicas, a promoção de atividades ligadas a esta festa, tais como parques de
diversões, “arraiais”, onde há jogos, brinquedos, comidas típicas e muitas vezes bebidas alcoólicas. Sobre o
assunto, consultar: ALVES, Isidoro. O Carnaval Devoto: um estudo sobre a festa de Nazaré, em Belém.
Petrópolis, Editora Vozes, 1980.