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Fadada ao esquecimento ou não, a crônica, mesmo que por um instante, nos faz
pensar, refletir, discutir, dialogar com o nosso tempo. Há quem considere esse gênero
menor. E, “graças a Deus”, isso acontece, conforme a opinião de Antonio Candido:
(...) Parece mesmo que a crônica é um gênero menor.
“Graças a Deus” – seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica perto de nós. E
para muitos pode servir de caminho não apenas para vida, que ela serve de perto, mas
para a literatura (...) Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do
ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de
todo o dia. Principalmente porque ela elabora uma linguagem que fala de perto ao
nosso modo de ser mais natural. Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização
lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa
profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem
fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição (CANDIDO, 1992,
p. 13).
Autores africanos como Ernesto Lara Filho, Mia Couto, Manuel Rui, Germano
Almeida, José Eduardo Agualusa, Arnaldo Santos, entre outros, também lançaram mão
desse “gênero menor” e o tornaram gigante a partir de suas sensibilidade e poeticidade.
Apreciemos, então, alguns exemplos.
No prefácio do livro Crónicas da Roda Gigante, de Ernesto Lara Filho, aprendemos
sobre a história da crônica em Angola através das linhas desenhadas por Artur Queiroz.
Vejamos o que suas palavras nos ensinam:
No período áureo das permutas com o interior e da escravatura, surge no país uma
imprensa combativa, na qual se destacaram vários angolanos como cronistas. Já no
período da queda da burguesia negra, essa imprensa ganha ainda mais combatividade
— perdiam-se rapidamente os privilégios — e surgem os ideais nacionalistas em
grande força. Os angolanos oriundos da burguesia, agora lançados no escol de
funcionários da administração colonial, não perdem a sua oportunidade de se
mostrarem alfabetizados, em oposição aos colonos que, na sua esmagadora maioria,
eram iletrados, não poucos criminosos de delito comum (alguns, presos políticos) e
por isso mesmo deportados. Surgem grandes jornalistas e grandes cronistas negros. A
crónica foi muito cultivada nesta época. E continuou a sê-lo ao longo dos tempos,
praticamente até a independência do país (QUEIROZ, 1990, p. 7 – prefácio).