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A avaliação básica do mecanismo de mercado na economia moderna está baseado,
em grande parte, no assim chamado „teorema fundamental da economia do bem-
estar‟. Isto tem relação somente com mercados que são perfeitamente competitivos e
concentra-se no que acontece quando os mercados estão em equilíbrio e não nos que
estão em estado de desequilíbrio.
A economia do bem-estar, de matriz utilitarista
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, dominou a economia moderna
fomentando um comportamento autointeressado segundo critérios baseados na utilidade. A
referência a partir do que se poderia julgar o êxito das realizações é a soma total das
utilidades, as quais possuem valor intrínseco e são critério para a avaliação das ações
empreendidas e para a normatização da organização da sociedade e das relações entre os
diferentes atores sociais. O critério de decisão das ações ocorre considerando o conjunto total
das realizações empreendidas. (SEN, 1999).
O domínio da concepção utilitarista na reflexão filosófica e na organização da
sociedade foi criticado por Rawls (2000a, p. 24) por ocasião da publicação da obra Uma
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Sen (2000, p. 77) sintetiza os principais fundamentos que compõem a tradicional reflexão utilitarista,
destacando as características, os representantes e os critérios para a avaliação da justiça: “O utilitarismo tem
sido a teoria dominante – e inter-adia, a teoria da justiça mais influente – há mais de meio século. A
tradicional economia do bem-estar e das políticas públicas foi durante muito tempo dominada por essa
abordagem, iniciada em sua forma moderna por Jeremy Bentham e adotada por economistas como John
Stuart Mill, Willian Stanley Jevons, Henry Sidgwick, Francis Edgeworth, Alfred Marshall e A. C. Pigou.
Os requisitos para a avaliação utilitarista podem ser divididos em três componentes distintos. O primeiro
deles é o „consequencialismo‟ [consequencialism] – um termo nada simpático -, segundo o qual todas as
escolhas (de ações, regras, instituições etc.) devem ser julgadas pelas consequências, ou seja, pelos resultados
que geram. Esse enfoque sobre o estado de coisas consequente rejeita particularmente a tendência de algumas
teorias normativas a considerar acertados determinados princípios independentemente de seus resultados. Na
verdade, o enfoque vai além de exigir apenas a sensibilidade para as consequências, pois determina que, em
ultima análise, nada a não ser as consequências pode ter importância. O grau de restrição imposto pelo
consequencialismo terá de ser julgado mais adiante, mas vale a pena mencionar agora que isso deve em parte
depender do que é ou não incluído na lista de consequências (por exemplo, se uma ação executada pode ou
não ser vista como uma das „consequências‟ dessa ação, o que - em sentido óbvio - ela claramente é).
Outro componente do utilitarismo é o „welfarismo‟ [welfarismo], que restringe os juízos sobre os estados de
coisas à utilidades nos respectivos Estados (sem atentar diretamente para coisas como a fruição ou a violação
de direitos, deveres, etc.). Quando o welfarismo é combinado com o consequencialismo, temos o requisito
que toda escolha deve ser julgada em conformidade com as respectivas utilidades que ela gera. Por exemplo,
qualquer ação é julgada segundo o estado de coisas consequente (devido ao consequencialismo), e o estado
de coisas consequente é julgado de acordo com as utilidades desse estado (devido ao welfarismo).
O terceiro componente é o “ranking pela soma” [sum-ranking], pelo qual se quer que as utilidades de
diferentes pessoas sejam simplesmente somadas conjuntamente para se obter seu mérito agregado, sem
atentar para a distribuição desse total pelos indivíduos (ou seja, a soma das utilidades deve ser maximizada
sem levar em consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades). Os três componentes
juntos oferecem a fórmula utilitarista clássica de julgar cada escolha a partir da soma total de utilidades
geradas por meio dessa escolha.
Nessa visão utilitarista, define-se injustiça como uma perda agregada de utilidade em comparação com o que
poderia ter sido obtido. Uma sociedade injusta, nessa perspectiva, é aquela na qual as pessoas são
significativamente menos felizes, consideradas conjuntamente, do que precisariam ser. A concentração sobre
a felicidade ou prazer foi removida em algumas formas modernas de utilitarismo. Em uma dessas variações,
define-se utilidade como realização de desejo. Nessa visão, o que é relevante é a intensidade do desejo que
está sendo realizado, e não a intensidade da felicidade que é gerada.”