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Cheguei com meu colega José Franco diante do portão de uma
instituição normal. Fui recebido por funcionários de forma absolutamente
normal. Passei por salas e corredores aparentemente normais. Até
freiras em trajes pretos nos receberam com atenção. Porém, à medida
que transpúnhamos portas e mais portas até atingir os pátios, sentíamos
que nada daquilo poderia ser normal. E as histórias e os relatos
apócrifos de gente que era abandonada ali por razões as mais diversas,
que ouvimos nos caminhos, começavam a fazer sentido naquele mundo
sem sentido.
Meu colega repórter, por vezes, se afastava de mim para ouvir pessoas,
buscar dados para seu texto. Passei uma tarde inteira fotografando
aquele hospital em cuja farmácia, alguém nos disse, não havia sequer
um comprimido para dor de cabeça. Um hospital... (Apud.,TOLEDO,
2008, p.27)
Segundo Barthes, A vidência do Fotógrafo não consiste em “ver”, mas em estar
lá. (BARTHES, 1984, p.76) Podemos notar, por esse relato, que o abandono do
hospital chegou a um nível degradante. E transformou-se em um pesadelo para a
sociedade médica e para os próprios cidadãos, nas palavras de João Batista
Magro Filho, professor de Medicina Social da FMUFMG (Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais), em seu texto “A cicatriz que nos faz
lembrar”:
(…) a história do Hospital Colônia de Barbacena é um pesadelo, um mal-
estar, uma palavra mal dita em nossa história. É um pesadelo que paira
sobre todos nós, médicos, psiquiatras, profissionais de saúde, pacientes,
cidadãos de Minas Gerais e do Brasil.
O Hospital Colônia de Barbacena foi um lugar de muita dor, de muitos
gritos, gritos de angústia, de morte, de perda de identidade, lugar
construtor e refletor de um imenso mal-estar social.
Criado para cuidar dos pacientes, ele próprio tornou-se patologia,
produziu iatrogenia em larga escala e necessitou de cuidados
permanentes para que pudesse se transformar.
A história é razoavelmente conhecida por todos e foi escrita, filmada e
mostrada em vários cantos de nossa terra. Com a função inicial de curar
os doentes mentais, o Hospital Colônia de Barbacena passou a receber
pessoas de todas as partes do Estado. Depois, se tornou um depósito de
doentes, um campo de concentração, um problema sério. Segregação,
exclusão, tratamentos inadequados para a recuperação dos doentes,
maus-tratos, super-lotação. Essas são apenas algumas palavras que
descrevem o passado desse hospício. (Apud.,TOLEDO,2008, p.39)