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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E DE PÓS-GRADUAÇÃO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, COTIDIANO E DIFERENÇA
CULTURAL
AS PERSONAS JUVENIS E OS RITUAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO EM DUAS
ESCOLAS DA REDE AGOSTINIANA; BRASIL-BELO HORIZONTE-BARREIRO
E ÁFRICA-MOÇAMBIQUE-MAPINHANE.
PATRÍCIA REGINA CORRÊA DIAS
Belo Horizonte
2009
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PATRÍCIA REGINA CORRÊA DIAS
AS PERSONAS JUVENIS E OS RITUAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO EM
DUAS ESCOLAS DA REDE AGOSTINIANA; BRASIL-BELO HORIZONTE-
BARREIRO E ÁFRICA-MOÇAMBIQUE-MAPINHANE.
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Sandra de
Fátima Pereira Tosta
Belo Horizonte
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dias, Patrícia Regina Corrêa
D541p As personas juvenis e os rituais na escola: um estudo em duas
escolas da rede agostiniana, Brasil –Belo Horizonte - Barreiro e
África – Moçambique –Mapinhane / Patrícia Regina Corrêa Dias.
Belo Horizonte, 2009.
157f. : il.
Orientadora: Sandra Fátima Pereira Tosta
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação
1. Jovens – Conduta. 2. Grupos sociais – Belo Horizonte
(MG). 3. Grupos sociais Mapinhane (Moçambique). 4. Rituais. 5.
Comportamento coletivo. 6. Antropologia educacional. 7.
Sociologia histórica. I. Tosta, Sandra Fátima Pereira. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 398.32
Patrícia Regina Corrêa Dias
AS PERSONAS JUVENIS E OS RITUAIS NA ESCOLA: UM ESTUDO EM
DUAS ESCOLAS DA REDE AGOSTINIANA; BRASIL-BELO HORIZONTE-
BARREIRO E ÁFRICA-MOÇAMBIQUE-MAPINHANE.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
_____________________________________________
Prof. Dra. Sandra de Fátima Pereira Tosta - PUCMINAS
_____________________________________________
Prof. Dr. Geraldo Magela Pereira Leão - FAE- UFMG
____________________________________________
Prof. Dra. Maria Inês Salgado de Souza – PUCMINAS
_____________________________________________
Prof. Dra. Maria Nazareth Soares Fonseca - PUCMINAS
A Deus, por ter proporcionado a mim força, coragem e audácia para que eu
conseguisse concretizar meus objetivos.
Aos meus pais, por minha vida e pelo amor doados incondicionalmente.
Aos meus irmãos Flavinho e Luciana e os meio-irmãos Tamires e Rudson, pelo
apoio de sempre.
A todos os que abraçam a causa das missões no mundo e acreditam que os
sonhos são possíveis.
Ao Ricardo, meu companheiro de luta e doador de amor e carinho.
Aos meus filhos Guilherme e Lucas, pelo entendimento e a compreensão
durante as minhas muitas ausências.
AGRADECIMENTOS
À minha mestra das antropologias da vida, sempre dedicada, sempre
decidida, amorosa e vivida. De mãos postas, em sinal de consideração,
amizade e respeito, agradeço à Prof. Dra. Orientadora Sandra Tosta. Ela me
faz lembrar Santo Agostinho em seu pensamento: “É melhor amar com
severidade do que enganar com suavidade”.
Mestre é aquele que instrui e demonstra ao seu discípulo que a
caminhada nunca se concluída, antes pelo contrário, será construída e
reconstruída durante toda a vida. Por isso, a todos os professores e colegas do
Mestrado, que contribuíram ativamente com as construções de conceitos,
olhares, atitudes e experiências. Souberam compreender minhas limitações,
humanas, é certo, mas que de maneira ou outra não pertenciam diretamente a
eles, em algumas ocasiões. Ainda assim... ouviram... acalentaram.
À Coordenação do Programa de Mestrado em Educação da PUC Minas,
na pessoa do Prof. Carlos Jamil Cury, que com sua paciência, educação e
sensibilidade mostrou-me a humildade como instrumento eficaz na busca do
crescimento pessoal e profissional.
A todos os funcionários da PUC Minas, sempre de prontidão para a
ajuda e o diálogo. Em especial, agradeço a Valéria e Renata, grandes
incentivadoras; Tia Ângela, que também torcia, animada, esperando os
resultados e procurando ajudar; Prof. Dra. Maria Inês Salgado, colaboradora de
grandes idéias e atitudes.
À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras, da PUC
Minas, a qual se prontificou, desde e sempre, a estabelecer um diálogo entre
Letras e Educação, aliás, diálogo este necessário e importante. Por isso,
agradeço ao Prof. Dr. Hugo Mari e à Prof. Dra. Maria Nazareth Fonseca.
Às Irmãs Agostinianas Missionárias, que num gesto de confiança e
partilha, me ensinaram que uma comunidade é feita de comum-unidade. Assim
é nossa vida hoje: repleta de gestos fraternos que se espalham por
Moçambique Roma, Índia, Ilha de Marajó, São Paulo... tenho certeza de um
contágio mundial da partilha entre irmãos... Um abraço especial, apertado,
cheio de carinho para a Irmã Ana de Fátima Mendonça, quem nos recebeu em
Moçambique como se fôssemos velhas amigas...para a Irmã Ângela Cecília
Traldi, minha grande companheira. Perto dela me sinto Indiana Jones! Irmãs
Bernadete e Lenice, minhas irmãs de sangue moçambicano. Irmã Ivone
Colombo, dona de um largo sorriso e abraço acolhedor, amigo e compreensivo;
Irmã Maria Gonçalves Assis, que apesar da distância, foi quem acreditou e
investiu, desde 2003, na concretização desse trabalho; Irmãs Valentina Tonon
e Irmã Iraci que dizem muito, sempre, em seus olhares e gestos.
Aos professores e funcionários da Escola Secundária Padre Gerardo
Gumiero, em Mapinhane, Moçambique e do Colégio Santa Rita, no Barreiro,
Brasil, pela receptividade e abertura dos espaços para a pesquisa.
Aos entrevistados pela boa vontade e disponibilidade.
Aos jovens por me seduzirem e me levarem para conhecer um mundo
cheio de audácias, astúcias e coragem. Aos jovens do povo do Barreiro e aos
jovens do povo Tshwa, de Mapinhane, atores desse projeto e que merecem ser
destacados, com carinho e ternura.
Aos funcionários da “nossa” casa em Moçambique: D. Ana, Sr. Inácio, D.
Maria e Sr.Neném. Quanto aconchego, carinho e disponibilidade recebemos
deles! Ao meu padrinho na cultura Xi-tswa, Papá Paulo Saiela, obrigada pelas
bênçãos.
À PUC Minas e a CAPES, pela ajuda financeira. Sem essa ajuda não
teria condições de realizar o curso de Mestrado.
Agradeço a minha família, que tal qual a Galoucura (imensa e
barulhenta), torcia, muito. Especialmente minhas tias, todas elas; VoOnofra,
minha madrinha e vovozinha querida e a D. Zulmira, irmã de sangue africano.
Meus amigos: Geralda, Cleiton, Bete, Imaculada, Suzana e Liliana,
Rejane e Renato, de quem eu via e sentia os olhos brilhando, cada vez que eu
falava ou contava algo novo sobre a pesquisa. À Sônia, Andréia e Rosana, do
Colégio Santa Rita, pela revisão e produção dos resumos.
Por fim, essa é uma grande lista, que o terminará aqui, porque é
extensa demais, Graças a Deus. Espero que, na minha vida, ainda tenha muito
o que fazer e AGRADE-SER.
... As coisas estão longe de
Ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer;
A maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num
espaço em que nenhuma palavra nunca pisou
Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta.
RESUMO
A presente dissertação de Mestrado teve como principal objetivo interpretar o
discurso de jovens pertencentes a dois grupos em duas escolas agostinianas:
uma no Brasil e outra em Moçambique, África. Em uma abordagem
socioantropológica, a pesquisa procurou destacar no discurso dos atores,
rituais próprios da escola e que por sua vez acontecem na escola. Eles foram
analisados a partir das vivências dos envolvidos no ambiente escolar. O Grupo
Horizonte Literário e o Grupo Educando para a Autonomia forneceram para a
pesquisa, categorias recorrentes as quais se encaixaram na descrição de ritual
teoricamente desenvolvida. Outra categoria, personas juvenis , sinônimo de
pessoas juvenis, ofereceu aporte teórico para a análise. Como resultado, a
palavra indisciplina foi a que mais se destacou e pela maneira como foi
dita,desenvolvida e transmitida, exerce a função de ritual na escola. Esse ritual
aparece como resistência às normas impostas pela instituição escolar, tanto no
Brasil como em Moçambique.
Palavras-chave: Socioantropológica. Personas juvenis. Rituais. Indisciplina
ABSTRACT
The present dissertation had as objective the youthful´s interpretation
discourses in two groups located in two Augustinian schools. The first in
Mozambique, Africa; the second in Brazil. An abortage social and
anthropological approach, the research it aimed at showing into youthful actors
own reports rituals that belongs and developed in the school, thinking the
school experiences. The Horizonte Literario group and The Educando para a
Autonomia group gave to research recents youth categories in repetitions that
becomes in ritual´s description. Some other category, the Persona juvenis,
youthful people equally, supported the analysis. The result it finded by the word
repetition and attitude pointed by the youth. In this case, the indiscipline. The
repetition and transmission showed it’s obviously a school ritual. This ritual
appear with resistence to the rules placed by school system in Mozambique and
Brasil.
Key words: Personas. Rituals. School. Indiscipline/Disorder.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Ação de Graças a Santo Agostinho/
Celebração Igreja São Paulo da Cruz, Barreiro 33
Figura 2: Paróquia São José de Mapinhane 37
Figura 3: Aluna Angolana de Cabinda 41
Figura 4: Cerimônia Moçambicana, Tsemani bolo 43
Figura 5: Alunas do tatuadas 45
Figura 6: Alunas com piercing 45
Figura 7: Sede da Fazenda Barreiro 50
Figura 8: Siderúrgica Mannesmann 56
Figura 9: Moradores da região 57
Figura 10: Imbondeiro em Mujavangue 69
Figura 11: Fundadoras da Congregação Agostiniana Missionária 75
Figura 12: Colégio Santa Rita de Cássia 1 81
Figura 13: Colégio Santa Rita de Cássia 2 82
Figura 14: Construção da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero 89
Figura 15: Inauguração da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero 91
Figura 16: Logomarca do Projeto Educando para a Autonomia 112
Figura 17: Jovens alunos do grupo de relacionamento 114
Figura 18: Equipe de Cultura em comemoração ao Dia do Estudante 118
Figura 19: Mostra Cultural do Colégio Santa Rita/Grupo de teatro 119
Figura 14: Aluno do Horizonte Literário declamando poesia 124
Figura 15: Grupo Horizonte Literário 127
Figura 16: Logomarca do grupo Horizonte Literário 129
Figura 17: Horizonte Literário na comemoração/ 131
Dia da Independência de Moçambique
Figura 18: Meninas do Horizonte Literário 131
Figura 19: Diz-me o que vês. Tell me what you see. 132
Dit mo ice que tu vois (IX).
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Localização do Barreiro no mapa do Brasil do
Estado de Minas Gerais, Brasil 49
Mapa 2: África, Moçambique, Inhambane 60
Mapa 3: Moçambique e Províncias 62
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Relação de equipes e número de participantes 111
Quadro 2: Relação de equipes e suas linhas de ação 111
Quadro 3: Avaliação das turmas – relatos da Equipe de Relacionamento 116
Quadro 4: Respostas dos ALUNOS brasileiros à pergunta número 9 do
questionário: O que significa para você participar do Educando para a
Autonomia? 120
Quadro 5: Relação de equipes e objetivos do Horizonte Literário 126
Quadro 6: Respostas à pergunta: O que significa para você participar
do grupo Horizonte Literário? 132
Quadro 7: Respostas dos moçambicanos à pergunta número 5
do questionário aplicado: O que você menos gosta de fazer na
escola e por quê. 142
Quadro 8: Respostas dos brasileiros à pergunta número 5: O que você
menos gosta de fazer na escola e por quê. 143
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Demonstração dos participantes do PEA em relação aos alunos
matriculados no EFII e EM no Colégio Santa Rita em 2008
Gráfico 2: Demonstração dos participantes do HL em relação aos alunos
matriculados na Escola Secundária Padre Gumiero em 2008.
Gráfico 3: Resposta à pergunta: Você já se envolveu em confusões na escola?
LISTA DE SIGLAS
PEA – Projeto Educando para a Autonomia
HL – Horizonte Literário
FRELIMO – Frente Libertadora Moçambicana
RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana
SIDA – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
AIDS – Adquireted Imunodeficience Syndrome
DSTs- Doenças Sexualmente Transmissíveis
OMS – Organização Mundial da Saúde
V & M – Vallourec e Mannesmann
BH – Belo Horizonte
EPC – Escolas Primárias da Comunidade
JOLIM – Jogos Olimpicos
SUMÁRIO
1 UM ENCONTRO SINGULAR ........................................................................ 19
1.2 Buscando respostas? ......................................................................... 23
2 EXISTEM RELAÇÕES ENTRE RITOS,RITUAIS E A ESCOLA ................... 28
2.1 Sobre a importância da prática silenciosa e polissêmica dos rituais ..... 33
3 DUAS HISTÓRIAS: BRASIL E MOÇAMBIQUE .......................................... 49
3.1 Minas Gerais, Barreiro, Brasil ............................................................... 49
3.2 Inhambane, Mapinhane, Moçambique ................................................... 59
4 AS AGOSTINIANAS: FILOSOFIA E MISSÕES .......................................... 70
4.1 Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona, Filósofo de Tagaste ..................... 70
4.2 A educação humanista e os princípios cristãos ..................................... 74
4.2.1 A missão de Belo Horizonte: O Colégio Santa Rita de Cássia ........ 76
4.2.2- A missão de Mapinhane: Escola Secundária Padre Gerardo
Gumiero .................................................................................................... 86
5 JUVENTUDE(S), PERSONAS E INSTITUIÇÃO ESCOLAR ........................ 94
6 AS INTERAÇÕES JUVENIS, SEGUNDO MC LAREN ............................... 102
7 OS JOVENS DO BARREIRO E DE MAPINHANE .................................... 105
7.1 Educar para a autonomia: Utopia? ...................................................... 106
7.1.2 O dia do estudante e o estado de esquina de rua ......................... 117
7.1.3 A Mostra Cultural........................................................................... 118
6.2 Em cena: Os jovens do grupo Horizonte Literário ............................... 120
6.2.1 HL e o Dia 25 de Junho – Independência de Moçambique ............ 128
7.1 Os estados juvenis e os rituais de resistência ...................................... 134
8 A HORA DO ENCONTRO É TAMBÉM DE DESPEDIDA .......................... 145
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 152
O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano, italiana
O mundo, filé milanesa
Tem coreano, japonês, japonesa
O mundo é uma salada russa,
Tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia
O mundo é uma esfiha de carne
Tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire
O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
O açúcar é doce, o sal é salgado
O mundo, caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata, o homem que mente
(...)
Todos somos filhos de Deus, só não falamos a mesma língua!
(André Abujamra, O mundo)
19
1 UM ENCONTRO SINGULAR
Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que sua própria existência cotidiana lhe
oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em
qualquer beleza – relate tudo isso com íntima e humilde sinceridade.
Rainer Maria Rilke
O tema desta pesquisa nasceu das inquietações durante a minha prática
em sala de aula como educadora, e do desejo de compreender melhor os
jovens com os quais, dezesseis anos, trabalho diariamente. Sei o quanto é
necessário saber quem são esses jovens, como vivem, como entendem a
escola, suas normas e seus saberes. Não é segredo o quanto as relações se
tornam mais maleáveis quando sabemos com quem nos relacionamos.
Essa História, creio eu, tem início em minha família, onde a maioria das
mulheres, quase todas elas, optaram pela carreira do magistério. Mas o marco
dessa pesquisa tem início em 1998, quando fui admitida por uma escola
dirigida pelas Irmãs Agostinianas Missionárias. Ali eu encontrei uma realidade
diferente daquela onde eu havia trabalhado desde 1992, no caso, a escola
pública do Estado de Minas Gerais. Essa diferença custou-me muitas horas de
estudo, com o objetivo de adequar-me à proposta da escola e ao projeto
educativo, o que, por fim, acrescentou à minha prática um outro olhar diante da
educação, calcado na filosofia Agostiniana. Conheci Santo Agostinho e suas
Confissões, O livro do mestre, O livro da doutrina Cristã, A catequese dos
principiantes (MARCOS, 1993, p.21). A partir dessas leituras, iniciei um diálogo
entre os teóricos da educação que eu havia lido, até então: Paulo Freire,
Rubem Alves, Leonardo Boff e Padre Libânio, dentre outros e a prática
pedagógica agostiniana. Na dialogia, percebi muitas ideias em comum e que,
sob o meu ponto de vista, deveriam ser praticadas, pois não eram novos
assuntos, por longas e longas datas.
Uma delas e para mim a mais importante é a aproximação entre o
educador e o seu educando. Por isso, entendi que ao conhecer melhor o
jovem, poderia exercer a prática de educadora, não apenas como mera
transmissora de conhecimentos, mas de provocadora de reflexões e diálogos
tanto em sala de aula, quanto fora dela. Implicaria também, em determinados
20
momentos, assumir meus próprios equívocos e demonstrar aos jovens a
dimensão humana do profissional de educação. Em outras palavras, significaria
deixá-los conscientes de que a pessoa, ali, frente ao quadro é parceira, e não
antagonista deles.
Uma segunda idéia foi assumir a educação como missão, não como
prática assistencialista, mas uma prática, antes de mais nada, consciente de
suas necessidades e suas limitações sociais, políticas e culturais.
Em consequência dessa prática, no ano de 2003 idealizei um projeto
denominado Saber além de fronteiras. Esse projeto pretendia provocar trocas
entre a cultura brasileira e a moçambicana. Para isso, seguiria os caminhos
que a própria Congregação oferecia, com representações em quinze países.
Dos quinze, Moçambique chamou-me a atenção. Então iniciei pesquisas sobre
a cultura moçambicana, registrei relatos das irmãs que chegavam de
Moçambique, procurei conhecer a Literatura africana. Entretanto, apenas
esses estudos não bastariam para atingir meus objetivos, pois era meu desejo
vivenciar a cultura moçambicana.
Ainda assim, eu sabia da necessidade de aprofundar mais nesses
estudos, desenvolver reflexões e novas leituras. Nessa época, Irmã Maria
Gonçalves Assis, diretora do Colégio Santa Rita, incentivou-me a desenvolver
um projeto de pesquisa de mestrado articulado ao projeto Saber além de
fronteiras.
Esses motivos colaboraram para minha chegada, em 2007, ao Mestrado
em Educação da PUC MINAS. Durante as orientações e aulas de antropologia
e as leituras de Durkheim (1978, 1984), Geertz (1989), Laraia (2006),
Malinowski (1984), primeiramente, levaram-me a pensar sobre as formas e
manifestações culturais seus e os processos rituais como sociais e culturais.
Antes, porém, de descobrir o problema de pesquisa, precisava
compreender os rituais. Por isso fui orientada a realizar outras leituras sobre a
antropologia dos rituais, como Cazeneuve (s/d), Turner (1974), Gennep (1978),
Mc Laren, (1992).
Sendo a escola um espaço onde ocorre o encontro de vários
conhecimentos e culturas, sabia que ali também seria um ambiente rico em
rituais juvenis. Aprendi que o enfoque ritualístico pode trazer os
acontecimentos de sala de aula para além do óbvio, do concreto e os estudos
21
sobre os rituais na escola poderão servir de auxílio a um melhor entendimento
de como os rituais se manifestam ali, em suas práticas e os sentidos expressos
por eles.
Minha principal referência foi o trabalho de Mc Laren (1992) intitulado Os
rituais na escola. Nesse trabalho o autor faz uma análise da escola na
educação capitalista em uma escola confessional católica no Canadá e as
relações de poder marcadas pelos rituais católicos. Seu estudo alertou-me
sobre a prática escolar como a cultura da dor, o que, obviamente muito me
intrigava, pois ouvia sempre os estudantes dizerem que gostavam de
freqüentar a escola, não gostavam de estudar, tampouco de cumprir
determinadas normas, principalmente aquelas impostas. Afirmações óbvias
para quem é educador.
O meu convívio com os jovens alunos, seus comportamentos em sala de
aula, as competições entre si e com a escola, criou uma indagação sobre o
conflituoso relacionamento escola x jovens, a qual também apontou para os
significados dos comportamentos juvenis. Por isso levaram-me a refletir sobre
as metáforas, ícones e estruturas de significados, e onde os símbolos têm força
tanto centrípeta como centrífuga (MC LAREN, 1991, p. 35). Primeiramente,
seria interessante descobrir que forças são essas, ou seja, quais são os
símbolos, as metáforas criadas pelos jovens, na escola, em sala de aula ou
não os quais os atraem. A força centrífuga pode ser definida como todas as
forças de atração que os símbolos ritualísticos têm na escola. Ao mesmo
tempo em que atraem os jovens os repelem (centrípeta), pois em sua maioria
são dolorosos ao marcarem uma passagem de uma fase à outra.
Nas escolas onde lecionei percebi as diferenças contextuais e sociais e
a insistência de muitas delas valorizar os estigmas do sujeito ali recebido como
despido de qualquer conhecimento e vivência fora da escola. Dessa maneira,
instala-se a luta pelo poder, onde o aluno, mais fraco, acaba sendo destituído
de participação e posicionamento.
Assim, as Personas juvenis são a metáfora dos múltiplos olhares e
personalidades pertencentes aos jovens. As personas são usuárias de
alegorias ideológicas as máscaras - para representarem o mundo palpável,
sensível, e o seu próprio mundo. As máscaras, por sua vez, remetem ao teatro
grego, e seu uso. Mesmo sabendo mundialmente da existência de múltiplas
22
máscaras, optei pelas gregas. No teatro grego, as máscaras serviam como
uma alegoria de ampliação do som da voz do artista em execução. Na História,
o teatro grego serviu e serve de modelo, inclusive em técnicas de som e
localização, para técnicas que surgiram depois. Não significa, entretanto, que
eu mesma queira trabalhar com estereótipos. Antes disso, as máscaras das
personas juvenis são alegorias. Destaco, por isso a necessidade de manter a
ênfase nas personas e suas atitudes na escola, e não nas máscaras.
O texto dessa pesquisa será, então, carregadamente polissêmico e
sincrético, ao buscar, através de várias culturas, tais como: grega, americana,
brasileira, moçambicana... representações juvenis ritualísticas na escola em
dois lugares sociais distintos: duas escolas da rede Agostiniana Missionária em
dois países: Brasil e Moçambique.
É necessário dizer que os rituais são apenas uma vertente de muitas
outras manifestações culturais e/ou uma de suas dimensões. Sua principal
relevância reside no fato de que, em seus significados, eles podem se
converter em ferramentas úteis para nós, educadores, e acrescentar às nossas
percepções novas leituras; ampliar o foco educacional para os sujeitos que
vivem e convivem na escola e ainda colaborar para as reflexões a respeito dos
símbolos em sala de aula e/ou fora dela.
Não é segredo que a escola é um ambiente conflituoso, com
competições ideológicas, sociais e culturais. Assim, parafraseio Mc Laren ao
dizer que dei um enfoque “ritológico” a essa pesquisa, procurei demonstrar
uma nova leitura que possa desobrigar a definição de sala de aula,
consequentemente a escola, de algo evidente, lógico e preciso, algo puramente
mensurável e numérico. E como falar de rituais envolve, via de regra, a
apropriação/ desapropriação do corpo, é oportuna a maneira como Mc Laren
trata a noção de corpo em seu trabalho Rituais na Escola (1992). A escola,
para ele, é responsável pela dor corporal de seus atores, dor essa ligada à
prática pedagógica. E esse autor transformou-o num símbolo chave para a
finalidade de exegese crítica da escola como uma cultura da dor. A dor, seja
ela existencial ou física, está intimamente ligada ao encontro pedagógico.
Os ritos se caracterizam, também, por estarem inacabados, ou seja, são
sujeitos a modificações temporais ou históricas. Assim, a natureza dessa
pesquisa tratará da percepção que os jovens têm sobre situações da escola e
23
os rituais. Pretendi, com isso, encontrar uma categoria que mais se destacasse
no discurso dos jovens alunos brasileiros e moçambicanos com a intenção de
ler características e rituais desses grupos que poderão ser comuns a outros
lugares e jovens, e nesses aspectos estaria, portanto, colaborando com leituras
de outras pessoas.
1.2 Buscando respostas?
Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia
viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois,
aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta.
Rainer Maria Rilke
Desenvolver uma pesquisa nesses âmbitos pode parecer um
atrevimento, inclusive, pois, além de envolver dois grupos de países distintos,
dar um enfoque nos jovens e nos seus símbolos significa se permitir entrar, ou
até mesmo invadir, um mundo superficialmente conhecido, se assim posso
dizer. Além disso, a simbologia cultural é ampla e pesadamente subjetiva. Os
símbolos permitem um envolvimento com as intenções veladas das pessoas.
Será possível para alguém descobrir o verdadeiro significado de determinadas
subjetividades no contexto da escola? Como afirmar uma idéia sem se perder
no necessário exercício da alteridade? É preciso, mesmo, descobrir o
significado dos dizeres individuais dos jovens, principalmente em falas e
atitudes?
São tarefas trabalhosas e que envolvem, obviamente, o posicionamento
do pesquisador. E no meu caso, propriamente dito, a dificuldade foi intensa,
porque eu precisei observar os jovens alunos brasileiros na escola onde
trabalho, “não abandonando” o exercício de distanciamento, desde a
construção do problema, a observação e a escrita. Foi difícil enxergar os jovens
em alguns momentos como pesquisadora e em outros, como professora. No
caso dos moçambicanos, digo que a tarefa foi ainda mais difícil, pois não havia,
em princípio, como diferenciar o “eu” missionária do “eu” pesquisadora, uma
vez assumida minha posição. Esse foi o maior desafio encontrado e me dei
conta após descobrir como o meu olhar influenciava a minha escrita.
24
Descoberta a lacuna, tentei desenvolver um trabalho que determinasse,
ou pelo menos tentasse, uma postura observadora dos jovens. No meu
imaginário, eu deveria ter agido como se eles fossem pessoas encontradas
num passado vivido. Porém, no meu íntimo, elas estavam mais vivas do que
nunca. Ao final, me atrevo em dizer, que o distanciamento exigido ao
pesquisador simplesmente não existe. Talvez a palavra mais correta para essa
postura metodológica possa ser atitude. Para mim, o pesquisador deve
escolher determinadas atitudes em sua pesquisa, tarefa igualmente pesada.
Então, afirmo essa ser uma das fragilidades desse texto. Não consegui
obedecer à ciência quando ela me pediu para distanciar de pessoas tão
próximas de mim e mais: pessoas que fazem parte do meu cotidiano.
Metodologicamente, pesquisei seguindo algumas idéias de, por
exemplo, Bogdan & Biklen (1994). Em Fundamentos da investigação qualitativa
em educação, esses autores discorrem sobre o plano da investigação e de
pesquisa no campo. Dentre suas inúmeras contribuições, importante é
evidenciar alguns critérios adequados à realização dessa pesquisa e suas
necessidades, os quais serviram-me como norteadores:
A abordagem contextual do ambiente pesquisado;
A utilização de recursos diversos, tais como: vídeos, entrevistas,
fotos, documentos pessoais e/ou registros oficiais;
A utilização de critérios para a descrição dos dados, registrando
sempre, pois A palavra escrita assume particular importância na
abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados para a
disseminação dos resultados; analisar o acontecimento a partir de
seu processo, sua trajetória. (BOGDAN, 1994, p.49)
E por entender que a contextualização perpassa obrigatoriamente pela
História dos atores envolvidos na pesquisa, procurei identificar aspectos
relevantes na História dos dois lugares, Barreiro e Mapinhane;
Apliquei questionário aos dois grupos de jovens alunos, nos quais li
recorrências discursivas dos grupos citados. Utilizei também entrevistas,
relatos orais de Histórias de vida e dos lugares gravadas em DVD, bem como
documentos colhidos nos dois lugares. As anotações do caderno de campo e
um questionário aberto foram utilizados para a análise de manifestações dos
25
jovens alunos. Após compilados, uma forma de manifestação foi eleita para
estudo, por sua recorrência comuns nos dois discursos.
Procurei também, entender a maneira como as máscaras são utilizadas
por eles. Certamente, as duas categorias: personas e máscaras não foram
expostas aos atores, uma vez que se tratavam, no meu entendimento, de
categorias auxiliares ao entendimento da pesquisa.
Por fim, relaciono alguns questionamentos os quais nortearam o
processo dessa pesquisa e o plano final da dissertação:
Quem são os jovens pesquisados?
Em que medida os aspectos históricos dos lugares podem
interferir no presente dos jovens?
Como esses jovens se comportam na escola?
Nos discursos apresentados nas anotações de campo e nos
questionários, o que surge recorrentemente e que pode ser
configurado como ritual?
De que maneira os rituais escolares acontecem, na escola, sob os
olhares desses grupos?
Partindo do princípio de que todo texto estabelece um diálogo com
outros, preferi estruturar os capítulos e intertítulos desse trabalho com reflexões
em forma de epígrafes do livro Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria
Rilke. A voz de Rilke desvela a necessidade da busca do que de humano
em s, sem disfarces. Para ele, essa busca é possível na coragem da
solidão. Outro motivo que me levou a destacá-lo foi a de demonstrar a ligação
existente entre ele, o professor, e seu neófito Franz Xaver Kappus, que lhe
pede socorro no momento em que vai escolher sua profissão. Nesse caso,
longe, é um lugar que não existe, pois mesmo distantes, Rilke e Kappus
mantém uma aproximação que antes de fantástica, é linda. Por fim, Rilke, ao
responder perguntas a um jovem neófito da Literatura, nos presenteia com
vários conselhos. Segundo ele, para o jovem poeta. Para mim, o poeta somos
todos nós. Eternos iniciantes na magia da educação e da vida. No fundo eu
tenho consciência de que:
... As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto
se nos pretenderia fazer crer; A maior parte dos acontecimentos é
26
inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca
pisou. (RILKE, 2003, p. 25)
Por isso não quero pretenciosamente traduzir, descobrir ou decretar
nenhum significado sobre os jovens, categorias juvenis e rituais. Minha
intenção era de reflexionar sobre os jovens, seus rituais e escola.
Evidentemente não me excluo dessa reflexão, pois falei de um lugar comum: a
de educadora de uma Congregação Missionária. Como se trata de um texto
despretencioso, não o epigrafei com poesias mapinhanenses ou brasileiras,
pois correria o risco de avantajar um lado ou outro. Preferi manter o caráter
eclético da pesquisa.
Essa dissertação está estruturada da seguinte maneira:
1 UM ENCONTRO SINGULAR: Explicitação dos motivos e do processo que
me levaram à pesquisa com os jovens brasileiros e moçambicanos.
2 EXISTEM RELAÇÕES ENTRE RITOS, RITUAIS E A ESCOLA:
Demonstração dos principais conceitos sobre os rituais orientadores da
pesquisa no campo. Recorri, nesse capítulo, a teóricos da sociologia e da
antropologia do ritual e por meio dessa recorrência, procurei demonstrar a
importância desse campo de pesquisa para a educação através da descrição e
comentários sobre a execução alguns ritos e rituais.
3 DUAS HISTÓRIAS: BARREIRO E MAPINHANE: Relato histórico do
Barreiro e de Mapinhane, dialogando com relato dos moradores das regiões
em questão.
4 AS AGOSTINIANAS: FILOSOFIAS E MISSÕES: Primeiramente, descrição
da filosofia que determina a missão das escolas pesquisadas, um breve
histórico sobre Aurélio Agostinho e as Irmãs Agostinianas Missionárias. Em
segundo lugar, o histórico das missões de Belo Horizonte, Barreiro e
Inhambane, Mapinhane.
5 JUVENTUDE(S) E PERSONAS NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR: Discussão
sobre os conceitos de juventude(s) e explicitação teórica sobre a categoria
27
personas juvenis. Posteriormente a demonstração da relação entre juventude,
personas e escola.
6 GRUPOS DE JOVENS ALUNOS DE MAPINHANE E DO BARREIRO:
Discussão sobre os grupos pesquisados: PEA, do Barreiro e HL, de
Mapinhane. Descrição de experiências dos jovens alunos na atuação como
integrantes do PEA e do HL, bem como comentários sobre os diferentes
sentidos que os rituais têm para os jovens em suas vivências. Eleição de uma
das vivências recorrente no discurso desses jovens e sua análise.
7 AS INTERAÇÕES JUVENIS, SEGUNDO PETER MC LAREN: Definição dos
estados de interação segundo Peter Mc Laren, que serviram como arcabouço
teórico para as análises dos grupos pesquisados. Uma interpretação dos rituais
como elemento simbólico que faz parte não somente da família e da igreja,
mas também da escola e como ele se mostra como resistência a normas e
padrões impostos.
8 A HORA DO ENCONTRO É TAMBÉM DE DESPEDIDA: Uma leitura sobre
os jovens alunos, as personas e os modos de viverem a escola. Observações
sobre a escola, de uma maneira generalizada e da escola Confessional
Católica Agostiniana.
28
2 EXISTEM RELAÇÕES ENTRE RITOS,RITUAIS E A ESCOLA
A criação intelectual, com efeito, provém também da criação carnal. É da mesma essência; é
apenas uma repetição mais silenciosa, enlevada e eterna da volúpia do corpo.
Rainer Maria Rilke
Nesse capítulo, discorri sobre rituais e suas práticas em algumas
sociedades, incluindo a brasileira e a moçambicana. Falo sobre diferentes
lugares, como a família, a igreja e a escola, entendendo que os alunos, de
qualquer lugar e escola, a qualquer tempo, carregarão consigo sua natureza
simbólica. Dessa maneira, para conviverem em sociedade, serão de certa
forma, influenciados pelos rituais e seus significados no contexto onde vivem.
Embora o quadro teórico desse trabalho dê uma maior ênfase em Mc
Laren (1992), ele é híbrido, na medida em que o evidenciadas uma os quais
apresentam alguns pontos de intercessão, pois apresentam posicionamentos
sobre os rituais.
Lima-Mesquitela (1929-2007) Martinez e Filho (1991, p. 138)
1
, na obra
Antropologia Cultural, afirmam que os sistemas de rituais existem em todas as
culturas. E entre todos os significados, o mais importante será aquele gerado
dentro da cultura de origem do indivíduo. Para esses autores, os rituais e suas
significações são de natureza emocional, pois provocam reações semelhantes
nos indivíduos de um mesmo grupo, se configurando em maneiras próprias de
ver o mundo, de agir e pensar coletivamente. Mas os sistemas de sinais na
sociedade não podem ser confundidos unicamente com mudanças corporais e
psicológicas, por esses fazerem parte da individualidade das pessoas. (LIMA-
MESQUITELA, 1991, p. 137-138) A escola é um ambiente heterogêneo em
crenças e valores, ambiente nesse sentido por si privilegiado para ser feita
uma observação e interpretação de jovens e sua cultura ritualística.
Cazeneuve (s/d, p. 27), ao dizer sobre a importância dos estudos
ritualísticos, os destaca como solução a alguns problemas fundamentais na
1
Mesquitela Lima (1929-2007), antropólogo e escritor caboverdiano, foi professor catedrático de
Antropologia Cultural da Faculdade de Ciências Sociais e humanas da Universidade ova de Lisboa,
desde 1975 a sua morte, em 2007. Doutorou-se em antropologia pela Universidade de Paris X –
anterre. Trabalhou, dentre outros, com Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. .
(WWW.portugaldigital.com.br
)
29
sociedade, porque toda a condição humana
2
é exposta aos ritos e rituais. O rito
é, para ele, uma ação seguida de conseqüências reais é uma linguagem e
algo mais do que isso. Obedece a uma lógica, tem uma finalidade, estrutura e
causa, e acrescenta um resultado real aos participantes. A evolução dos ritos
pode ser lenta e imperceptível, de maneira que uma mudança brusca na
sociedade pode fazer desaparecer todo um conjunto ritual e fazer aparecer
outro que, por sua vez, se manterá, repetindo-se. A repetição é a essência do
rito.
Pela repetição e rigidez para a mudança, os ritos acabam por constituir
um fenômeno social que oferece uma fonte de pesquisa muitas vezes
indiscutível. Entretanto, um rito tal observado em tal lugar pode ser re-
significado por novas observações fora dos modelos sociais que eles
nasceram, se desenvolveram e se realizaram durante um espaço de tempo,
pois as interferências da vida humana transformam as condições de vida da
população e essas mesmas interferências vão refletir na prática ritual . Um rito,
então,
Parece ser uma noção que se repete segundo regras invariáveis
onde se não que o seu cumprimento produza efeitos úteis”. Ele é
também um acto cuja eficácia (real ou pretendida) não se esgota na
ligação empírica das causas e dos efeitos. Se ele é útil, não pelas
vias puramente naturais e é por que ele se diferencia da prática.
(CAZENEUVE, s/d, p.13)
Não ser útil pelas vias puramente naturais quer dizer que os ritos são
aprendidos, repetidos e repassados nas sociedades, de indivíduo para
indivíduo, de gerações a gerações, por outros modos de conhecimento que não
são, naturalmente, da teoria para a prática, mas sugere ser o contrário. O ato
ritual parte da prática vivenciada para sua interpretação. E isso faz dele sempre
um símbolo a ser interpretado pro novos indivíduos em novas épocas,
sucessivamente.
Quanto ao significado dos rituais, são relevantes os questionamentos de
Cazeneuve (s/d): Por que recorremos à linguagem ritualística, aparentemente
insensata, ao invés de recorrer a outras linguagens? Por que existem os ritos e
o que há neles que os tornam insubstituíveis e faz com que sejam repetidos por
2
Por condição humana entende-se o conjunto das determinantes que se impõem ao indivíduo,
isto é, o condicionamento geral ou a totalidade das condições a que a sua acção está sujeita e
que limitam o campo do seu livre arbítrio ou da sua indeterminação. (CAZENEUVE, s/d, p. 23)
30
tanto tempo? Seriam eles solução para algum problema social, e, portanto,
dotados de tanta importância? (CAZENEUVE, s/d, p. 18-19). Essas são
perguntas aparentemente simples, mas que, sob o meu olhar traduzem em sua
simplicidade lingüística grande complexidade social, histórica, subjetiva...
Para Mesquitela (1991) são muitas as funções dos ritos, tais como:
manter a cultura integrada, estabelecer ligações com o passado dos indivíduos
envolvidos, para que eles possam reviver determinadas experiências vividas
por seus antepassados. Sem a repetição das experiências, muitos significados
podem ser esquecidos no decorrer do tempo. Ao se repetirem, mantém e
estabelecem uma coerência dentro da cultura e ao mesmo tempo ajudam-na a
funcionar harmonicamente.
Durkheim (1978, p. 206) ao se referir às sociedades mais simples, nos
atenta sobre o fato de que os ritos considerados bárbaros, diferentes e
bizarros, traduzem, em sua essência, necessidades humanas aplicadas à vida
social.
Por mais simples que seja o sistema que estudamos, nós
reencontramos nele todas as grandes idéias e todas as principais
atitudes rituais que estão na base das religiões mais avançadas:
distinção das coisas em sagradas e profanas, noção de alma, de
espírito, de personalidade mítica, de divindade nacional e mesmo
internacional, culto negativo com as práticas ascéticas que são sua
forma exasperada, ritos de oblação e de comunhão, ritos imitativos,
ritos comemorativos, ritos de expiação. Aqui nada falta de essencial.
(DURKHEIM, 1978, p. 221)
Não se pode negar a eficácia do ritual para demonstrar sentimentos
coletivos, seja como símbolos ticos, ou determinadores da alguma essência
religiosa. Sabe-se, entretanto, que as crenças, ritos, rituais e cultos são
efetivados e sentidos de diferentes maneiras e contribuem essencialmente para
a formação e educação das pessoas. Através deles, elaboram-se
conhecimentos, ampliam-se representações. Durkheim (1978) afirma que os
ritos nascem nos grupos e suas funções são fazer emergir, manter ou recriar
certas idéias atreladas à religião desses mesmos grupos. Por seu turno, Mc
Laren (1992) ao longo da pesquisa sobre os rituais na sociedade mais
complexa, em uma escola confessional católica canadense, não os banaliza
traduzindo-os como acontecimentos superficiais. Antes, porém, esse autor
determina a importância e o reconhecimento dos rituais contemporâneos,
31
subestimados como estudo científico por autores que preferem entendê-los em
sociedades pequenas, monolíticas, a nível de subsistência (sic) (MC LAREN
1992, p. 51). Mc Laren então, destaca que em função desse raciocínio, o ritual
está sendo roubado de sua verdadeira significação, porque são considerados
anacrônicos ao século XX
3
e muitos autores descrevem os rituais modernos
como invólucros simbólicos que vivem na roupagem da cultura – um lugar onde
os antropólogos revistam as aparências exteriores da sociedade (MC LAREN,
1992, p. 52).
O termo ritual costuma ser associado, frequentemente, aos estudos que
enfocavam os princípios religiosos de sociedades mais totêmicas, “primitivas”,
maneira pela qual a televisão costuma levar ao ar programas que descrevem
cenas ritualísticas como bizarras, estereótipos que exemplificam claramente
uma visão etnocêntrica sobre os rituais. Esses processos acabam por enfatizar
negativamente o ritual, ao invés de destacar sua reputação positivamente,
como um processo de significação social notória (MC LAREN, 1992, p. 47).
Nessa pesquisa entendi os rituais como capazes de carregar
significações conotativas de regeneração, limpeza e purificação; energia e luz
para a nova vida; disciplina, organização; sacrifício, morte e novo nascimento;
novo estado e missão. Outras significações são trazidas para os rituais por
meio de tarefas, como danças e adivinhações, lendas, enigmas, provérbios,
sentenças e mitos. O que delega aos ritos não apenas dores, como no caso da
circuncisão (incisão) ou no caso da tatuagem, do piercing, dos alargadores de
orelhas. Todavia,
Os cientistas sociais da linha dominante tendem a assemelhar um
ritualista a uma conceituação pálida de alguém que executa gestos
exteriores mecânica e perfunctoriamente – sem um comprometimento
interior com os valores e idéias que estão sendo expressos. (...) Ao
banalizar os rituais, relegando-os a um aspecto superficial, eles
continuam a subestimar a primazia do ritual na sociedade
contemporânea. Tal perspectiva, se não for impedida, poderá varrer o
conceito de ritual para fora do campo de consideração científica. (MC
LAREN, 1992, p. 50-51)
Não se trata de combinar gestos mecânicos sem uma interiorização,
mas sim, através de ações hereditárias do grupo ao qual o indivíduo faz parte,
compreender que aqueles gestos são importantes para a própria sobrevivência
3
A obra de Mc Laren, Rituais na Escola, foi editada em 1992.
32
do grupo. Por sua vez os gestos e atitudes por não serem aleatórios,
obedecem a determinadas regras e arranjos. Nesse sentido, o rito ultrapassa
as barreiras sociais e invade o terreno religioso e das crenças, ao aproximar-se
do culto.
Concordo com Lima Mesquitela (1991) o rito é um conjunto de regras
estabelecidas pelo culto, sendo esse último a expressão coletiva de adoração e
veneração de uma divindade (LIMA-MESQUITELA, 1991, p. 141). Para eles,
religião e magia o fenômenos inventados pelos humanos numa tentativa de
controlar o Universo, porque as religiões apresentam uma série de tabus
irrecusáveis aos seus seguidores. A religião seria uma forma de reconciliação,
pois é uma expressão de desejo, ou de agradecimento. A magia, por sua vez,
tende a forçar a natureza e seus efeitos (LIMA MESQUITELA, 1991, p. 140).
Na religião encontram-se práticas grupais e práticas individuais, como
por exemplo:
A crença em seres sobrenaturais, a personificação de fenômenos
naturais, o culto de antepassados, o medo dos sonhos, etc. A religião
pressupõe normalmente uma igreja, o que faz que a grande maioria
das práticas religiosas sejam práticas sociais ou de grupo (por
exemplo as procissões, missas e peregrinações do nosso catolicismo
tradicional); porém, não é raro que muitos devotos mantenham uma
relação individualizada com o sagrado através de orações e outras
formas de prece (o rosário por exemplo). (LIMA MESQUITELA, 1991,
p. 140)
Tosta (1997, p. 302), ao pesquisar sobre os integrantes de duas
comunidades eclesiais de base do bairro Petrolândia, em Contagem, Minas
Gerais
4
, evidencia vários posicionamentos daqueles grupos a respeito da
missa e do culto. Duas das falas dos próprios atores determinam a missa como
o fato central da experiência religiosa, pois nela é possível celebrar fé e partilha
com o deus (TOSTA, 1997, p. 302). O momento da comunhão é, então,
quando ocorre uma inversão de papéis entre Deus e o fiel. Isto é, um ocupa o
lugar do outro na medida em que durante a comunhão Deus vem ao encontro
do fiel (na Terra) e o fiel vai ao encontro de Deus (no céu) e ocorrem
manuseios de objetos sagrados para esse fim, afirma a autora ao citar Da
Matta (1990).
4
A pesquisa resultante da tese de doutorado em Antropologia Social da autora, buscou
interpretar os significados da missa e do culto como os rituais mais importantes da Igreja
Católica, do ponto de vista do grupo e fiéis que os realizava, e a importância desses ritos no
cotidiano dos grupos em questão e suas dinâmicas de interação no espaço urbano, que
todos eles eram de origem rural e interiorana.
33
Então, ao freqüentar a missa e o culto, os fiéis estão assumindo os
rituais executados na igreja como uma narrativa repetitiva, que carrega o
sentido de reforçar a memória de quem participa e demonstram a naturalidade
e gosto das pessoas ao participarem desse ritual. Essas idéias se traduzem
nas falas dos fiéis: a gente vai à missa também pelo ritual, pois a gente busca o
que sabe. Na missa está repetindo uma certa história (sic) que a gente
sabe, mas a gente precisa ouvir e quer ouvir também (TOSTA, 1997, p. 306).
2.1 Sobre a importância da prática silenciosa e polissêmica dos rituais
Sobre a base do acaso que parece cumprir-se nesse abraço, acorda a lei que faz com que um
germe forte e poderoso avance até o óvulo que vem aberto ao seu encontro.
Rainer Maria Rilke
A prática dos rituais é uma atitude que acontece desde os primórdios.
Sua importância reside no seu desenvolvimento e imposição silenciosa aos
participantes, seja em sociedades simples ou complexas. A sua aceitação e
repetição é uma demonstração da própria necessidade de sua existência.
A polissêmica significação dos rituais pode ser explicada pelas
características, necessidades e evolução de cada sociedade pelo mundo.
Nessa perspectiva, procurei exemplificar alguns tipos de rituais praticados por
diferentes tipos de pessoas em diferentes lugares.
Em Mapinhane, Moçambique, África, um ritual comum é o Nza ku bonga,
marcha e um gesto de agradecimento a Deus por ter criado o homem. Ele
acontece normalmente na Igreja após receberem o Corpo de Cristo (Ação de
Graças) ou em outros momentos sagrados, como por exemplo o batismo ou o
casamento: Eu te agradeço, Senhor/ O que Te darei?/ Oh meu Senhor!/ Deste-
me os pais, Senhor/ O que Te darei?/Mostras-me sinais, Senhor/ O que Te
darei? (ADGENTES LEIGOS MISSIONÁRIOS DA CONSOLATA, 2008, faixa
5).
5
5
Nza ku bonga Hosi Dadani/Nzi ta ku nyika a yine ke?/ We hosi ya mina/ A vapwali u nzi
nyikeleko Hosi (Nzita ku nuyika a yine ke?)/ Zikombiso u nzi kombako Hosi (Nzita ku nuyika a
yine ke?)
(ADGENTES – LEIGOS MISSIONÁRIOS DA CONSOLATA, 2008, faixa 5).
34
no Brasil, um dos rituais vividos na escola e na igreja pelos alunos do
Colégio Santa Rita é a Ação de Graças a Santo Agostinho. Essa celebração
acontece durante o mês de agosto. Em 21 de agosto de 2008, durante a missa
de ação de graças, notei gestos semelhantes aos dos africanos nos brasileiros,
tais como as músicas entoadas para louvar e dar graças ao ser Supremo, os
cantos de entrada, de louvor, ofertório e comunhão. Esses cantos podem ou
não serem acompanhados de dança.
Nos dois rituais citados, o significado contido em Nza Ku Bonga -
Agradeço a Deus -. O Supremo e seus símbolos, o corpo de Cristo (hóstia) e o
sangue/vinho e a promessa de repetir o ritual da comunhão em nome D’ Ele,
em memória D’Ele. Repetindo tais ritos contidos no ritual da missa, poderemos
ser aceitos no Reino dos Céus, como reza a liturgia católica.
Figura 1: Ação de Graças a Santo Agostinho
Celebração Igreja São Paulo da Cruz, Barreiro
Fonte: Registro da pesquisadora
Tosta (1989, p. 64) ao mencionar aspectos litúrgicos da missa, afirma
que:
A missa se constitui no momento privilegiado, ao mesmo tempo em
que o mais tenso da Instituição Católica, através do qual ela reafirma
seus princípios e seu papel na sociedade. Privilegiado, na medida em
que é um espaço de arregimentação e de reunião de fiéis em um
ritual repetitivo, diário, no qual a Instituição afirma e reafirma seus
significantes. (TOSTA, 1989, p.64)
Os rituais, então, são de suma importância para a instituição da qual os
jovens fazem parte, seja da igreja, da família, ou da escola, pois através deles
a instituição se reafirma na sociedade e executa seus papéis. Os ritos citados,
35
como todos os outros existentes, não são celebrações fechadas no tempo e no
espaço, antes, porém, transcendem as delimitações físicas dos locais onde
eles acontecem. Transcendem porque significam, fora dali, uma reafirmação de
determinados símbolos precípuos à vida social dos indivíduos e até mesmo de
seus papéis sociais.
Para Van Gennep, a sociedade geral possui sociedades autônomas
cujos contornos são definidos de acordo com o grau de civilização.
Exemplificando, esse autor cita as sociedades leigas, as religiosas, a nobreza,
as finanças e as classes operárias. Para ele (GENNEP, 1978, p. 26), nas
sociedades menos evoluídas
6
, o mundo sagrado sobrepõe ao profano em
praticamente todos os atos sociais. Nascer, casar, plantar, morrer... pois as
bases essenciais desses atos são religiosas. Portanto, são marcadas por ritos,
como batismo, aniversários, casamentos, morte e funeral.
Os Vatswa de Mapinhane, Moçambique, durante o ritual da “missa de
corpo presente” cantam muito. Eles são entoados antes, durante e depois de o
corpo chegar na igreja. São cantos que aparentemente significam o lamento da
morte. Ao presenciar uma cerimônia desse tipo em Mapinhane, em 17 de junho
de 2008, chamou-me à atenção o uso de indumentárias próprias, no caso, as
capulanas
7
, seu uso e as diferentes formas como as pessoas se relacionam
com ela. Muito mais que um “pano qualquer”, a capulana demonstra e revela
uma maneira de ser de um povo peculiar e rico em tradições.
O corpo do homem, morador da região de Mujavange, chegou
acompanhando por um ancião. Foi colocado ao chão, em frente ao
altar da igreja, enquanto todos cantavam. A biografia do morto foi lida
pelo filho dele, em Língua Portuguesa, enquanto o ancião traduzia
para a língua Xi-tswa. Uma missa foi rezada em Xi-tswa e logo após o
corpo foi levado para o terreno da família. Os homens, amigos da
vítima, carregaram o caixão para colocá-lo no carro que o
transportaria, em seguida. As mulheres, atrás, seguiam em silêncio.
Normalmente as pessoas são enterradas nos terrenos onde moram e
geralmente elas escolhem o lugar onde querem ser sepultadas.
(Registro de campo, Mapinhane, 19/06/08)
O respeito ou a tristeza pela morte Mapinhane notei no olhar desse
povo, e em seus silêncios. Povo que conviveu com a guerra étnica
6
Categoria utilizada por Van Gennep para definir as sociedades onde o mundo sagrado
predomina sobre o profano (GENNEP, 1978, p.26).
7
As capulanas, em Moçambique, o panos que possuem valores simbólicos. Suas
utilizações mais significativas são aquelas envolvidas em cerimônias como casamento, funeral
ou batismo.
36
(portugueses e moçambicanos); a guerra civil (moçambicanos da FRELIMO X
RENAMO)
8
(HERNANDEZ, 2005, p. 607) e mais recentemente a guerra contra
a fome, a SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), as DSTs (Doenças
Sexualmente Transmissíveis), o analfabetismo, a malária... É contraditório e
pode parecer insensível dizer que esse povo devia ter se acostumado com a
morte. Creio que não se trata desse fato, mas trata-se do que a morte e os
rituais fúnebres significam para eles e como podem ter sido transmitidos por
seus antepassados. Percebi a morte ali como personificada e cruel,
humanizada, e estivesse, o tempo inteiro, rondando o africano, mapinhanense,
esperando o momento certo de agir. Pareceu-me que não há respeito, mas sim
muito medo, refletido no depoimento de um morador da região:
Para o africano, a morte assusta muito. Segundo o que pensamos,
devemos nos dirigir para a casa daquela pessoa. É alguém que nem
todo o dinheiro do mundo pode comprar. A vida é surpresa, por isso,
a morte, para nós também é uma surpresa. Na África do Sul, compra-
se o caixão. Quem trabalha nas minas tem... nós fazemos uma
retirada atrás do morto e então seguem nossos rituais. (Sérgio,
Morador da região, 18/06/08)
O exemplo nos leva a compreender porque os Vatshwa tem um alto
conceito da velhice, admiram e respeitam os anciãos. É um ideal, uma meta
que todos desejam alcançar. Na velhice, a pessoa tem condições de avaliar o
que fez durante a vida, se foi uma pessoa produtiva, teve filhos, foi bem
sucedida socialmente, o que lhe resta é somente esperar uma vida próspera
junto de seus antepassados, ou seja, a morte.
Sobre os significados da morte, Martinez (MARTINEZ, 2006, p. 225-226)
afirma que para os Vatswa ela é o tempo de plenitude, a continuação entre os
dois mundos: o visível e o invisível. Por isso os defuntos continuam
pertencendo à família. Eles os enterram próximos às casas, para dar
continuidade aos dois mundos. Eles não têm medo dos defuntos, pois
consideram que são membros da família e podem, inclusive, influenciar na vida
da comunidade. (MARTINEZ, 2005, p. 225-226)
Os parentes, vizinhos e conhecidos participam do cortejo fúnebre. Um
pequeno grupo fica em casa, cuidando da limpeza da casa e preparando a
8
FRELIMO: Frente Libertadora Moçambicana e RENAMO: Resistência Nacional Moçambicana
(HERNANDEZ, 2005, p. 607).
37
refeição para os que acompanham o falecido no enterro. Parte da comida pode
ser preparada em alguma casa vizinha. O cadáver é envolto em um pano
branco e colocado em um caixão de madeira, revestido com pano negro.
Chegando no lugar preparado, o chefe da família entra primeiramente próximo
à cova, para receber o defunto, acompanhado por duas a três pessoas. Junto
ao defunto colocam-se alguns objetos usados por ele durante sua vida e algum
perfume ou talco. Depois de colocar o caixão na fossa, o chefe da família
deposita um pouco de terra, seguido por pessoas da família, sempre em ordem
hierárquica, do mais velho para o mais novo. Antes de saírem, evoca-se a
proteção dos antepassados. Terminando o enterro, seguem para a casa do
falecido. Alguns queimam ervas junto à cova. Queimam ervas e evocam
proteção, erguendo-as aos quatro pontos cardinais e pedindo que nada de mal
aconteça naquela região (MARTINEZ, 2005, P. 231).
É muito importante destacar que os rituais de Moçambique foram
descritos com imparcialidade, por um antropólogo, que antes de ser
antropólogo é um sacerdote da igreja católica. Nas obras do Padre Francisco
Lerma Martinez
9
, por exemplo: Os mártires do Guiúa, O povo Macua e,
principalmente, Os Matswa de Mozambique. Quando o conheci pessoalmente
em Maputo, Moçambique, pude entender melhor a imparcialidade e o
distanciamento que nos são colocados pela academia. Em conversa, mostrou-
me suas obras e suas referências: Malinowski, Geertz, Da Matta, Turner,
dentre outros...
Quero destacar a relevância desse fato, pois os missionários são
tratados muitas vezes como pessoas que buscam, primeiramente, interferir nos
costumes e atividades culturais dos povos onde se inserem. Na verdade, o que
presenciei em Moçambique, nas regiões onde conheci (Mapinhane, Inhassoro,
Massinga, Maputo) foi o exatamente o contrário. Vivenciei um processo de
inculturação, consciente e respeitoso e, efetivamente, uma troca de
conhecimentos entre missionários e aborígenes.
Um fato que comprova esse testemunho é a missa da paróquia São
José de Mapinhane, por exemplo. Mesmo estando ela calcada nos
9
Missionário Francisco Lerma Martinez em sua Tese de Doutoramento em Missiologia na
Pontifícia Universidade de Roma. Morou em Moçambique de 1971 a 1985 e esteve, além de
outros povos ao sul, com os Macuas de Mauá e em Cuamba, no Niassa.
38
ensinamentos da Santa em termos de liturgia, ela é rezada em nos dois
idiomas: Xi-tswa e Português, em dois horários diferentes. Os cantos são
entoados em Xi-tswa e o celebrante, na maioria das vezes, é um morador da
região. Na igreja são resolvidos, após a missa e publicamente, problemas da
Vila (Escola, Igreja, Jovens, Crianças), de maneira que ali a igreja mantém uma
função social, e não puramente religiosa e ritualística.
Figura 2: Paróquia São José de Mapinhane
Fonte: Registros da pesquisadora
No Brasil, para os fiéis da religião católica, o ritual das exéquias, como é
chamado pela Legislação Diocesana (GOUVEIA, 1994, p. 1) é um momento de
consolação e de esperança. Consolação porque o defunto, incorporado pelo
Batismo em Cristo, passa da morte à vida, é purificado e seu corpo aguardará
a ressurreição dos mortos.
Na prática, é costume que o corpo seja preparado pela funerária e
enviado a um local para ser velado, onde permanece exposto à visitação. O
velório pode ser na casa do morto, no próprio cemitério onde será enterrado ou
cremado, ou até em velórios cedidos pela Prefeitura, onde de segue cortejo
fúnebre para o cemitério. Em muitos casos, é feito um cortejo fúnebre seguindo
o carro que carrega o corpo. É comum chamar um Sacerdote para rezar a
“missa de corpo presente” ou a Missa de Exéquias, para a Igreja. Não deve
haver, como foi citado, a leitura da biografia do falecido. Não muito raro
nessa cerimônia ou durante o velório, é possível que alguém se habilite em
39
contar alguma “piada” ou anedota num local mais reservado. Poderia ser essa
atitude um possível remédio para alívio da dor? Ou uma tentativa de manter-se
alienado durante um momento tão triste? Isso porque o velório para os
brasileiros é de extrema importância, no sentido de que encontram-se ali,
independente da crença, amigos, parentes, vizinhos que muito não se viam,
numa oportunidade de “parar” a vida e refletir sobre a morte, ou sobre a vida.
Inclusive a do morto.
Retorno agora as observações de Cazeneuve (s/d), pois até aqui as
complexidades simbólicas e lingüísticas são evidentes e se traduzirem em duas
maneiras de se tratar um cadáver, que para muitos, não passa de uma massa
corporal inerte e sem vida. Poderia, nesse caso, ser tratada de qualquer forma,
inclusive. Por que os homens, então, preferem repetir as práticas simbólicas na
sociedade?
Talvez Mesquitela (1991) e seus co-autores estejam corretos, ao
dizerem que para o funcionamento harmônico na sociedade e coerente na
cultura, as simbologias são repetidas por seus integrantes, épocas após
épocas. Ritos e rituais diferentes para conviver com situações naturais. No
entanto, sentimentos tão inerentes e comuns a todos nós são explícitos através
dos rituais de passagem da vida carnal para a morte espiritual, da carne para o
espírito.
definição de Gennep, quando ele afirma que nas sociedades menos
evoluídas (GENNEP, 1978, p.26) o mundo sagrado se sobrepõe ao profano,
dada a natureza essencial dos ritos, ou seja, religiosa. O fato de o indivíduo
pertencer a uma sociedade configura a obrigatoriedade das passagens de uma
sociedade a outra, ou de uma situação social a outra (GENNEP, 1978, p.26).
São situações pré-determinadas e associadas às passagens da natureza, tais
como as mudanças da lua, ou as estações do ano, pois, nenhuma categoria
social, (seja das grandes e pequenas sociedades, mais ou menos simples) ou
biológicas (dos animais racionais ou irracionais) não podem ser independentes
da natureza.
Na sociedade brasileira, mesmo que não haja comemorações, completar
15 anos para as meninas constitui uma importante data. Ter 15 anos pode
significar ter atravessado as fronteiras biológicas transformar-se em moça,
menstruar e as fronteiras do desenvolvimento social participar de bailes ou
40
ter namorado, por exemplo. Pode significar, todavia, freqüentar o Ensino Médio
(curso secundário), começar a pensar na universidade e vida profissional para
uns. Para outros é a marca de entrada no mercado do trabalho, constituição
familiar, etc. Em todos os casos, esses atos representam a passagem de um
estágio social para outro.
Paulina Chiziane (2006) consegue delinear em sua obra literária ficcional
Niketche (2006), o que vem a ser os ritos de iniciação para uma mulher
Moçambicanae e as condições femininas para as mulheres viverem em
sociedade. Nesse caso, embora anarrativa seja ficcional, estabelece
comparações que realmente acontecem entre as mulheres do norte de
Moçambique e do Sul. Na escrita de Paulina (2006) o plsno real e o ficcional
tornam-se um só.
Os ritos de iniciação são como o baptismo cristão. Sem baptismo
todo o ser humano é pagão. Não tem direito ao céu. No sul, homem
que o lobola
10
a sua mulher perde o direito à paternidade, não pde
realizar o funeral da esposa nem dos filhos. Porque é um ser inferior.
Porque é menos homem. Filhos nascidos de um casamento sem
lobolo não têm pátria. Não podem herdar a terra do pai, muito menos
da mãe. Filhos ficam com o apelido materno. Há homens que
lobolaram suas esposas depois de mortas, para lhes poderem dar
um funeral condigno. Há homens que lobolaram os filhos e os netos
crescidos, para lhes poder deixar herança. Mulher não lobolada
não tem pátria. É de tal maneira rejeitada que não pode pisar o chão
paterno nem mesmo depois de morta.
(CHIZIANE, 2006, p. 48-49)
Os ritos remetem ao ato de atravessar fronteiras, seja de um lugar para
o outro, ou atravessar fases da vida social, da infância para a adolescência ou
da vida de solteiro para a vida de casado, os quais obrigam o indivíduo a
vivenciar um período entre dois mundos o mundo do profano e o mundo do
sagrado. A fase de estar entre um mundo e outro é chamado, por Gennep
(1978) de período de margem. Passar de uma fase a outra significa despojar
do homem velho e, literalmente adquirir uma pele nova (GENNEP, 1978, p.
153). Os rituais, então, propiciam as passagens acontecerem.
Nascimento, puberdade social, casamento, paternidade, progressão
de classe, especialização de ocupação, morte. A cada um desses
conjuntos acham-se relacionadas cerimônias cujo objeto é idêntico,
fazer passar um indivíduo de uma situação determinadas a outra
10
Lobolo é o pagamento do dote à família da noiva, ou esposa.
41
situação igualmente determinada. Sendo o mesmo objetivo, é de todo
necessário que os meios para atingi-los sejam pelo menos análogos,
quando não se mostram idênticos nos detalhes. (GENNEP, 1978,
p.27)
Há também os ritos que conservam a passagem material simbólica,
abaixo de um marco ou uma porta, por exemplo. Gennep cita lugares tais
como: Marrocos, Mongólia, Andes, Alpes, Assam, Tibete (GENNEP, 1978,
p.38). Outra maneira de representar a “passagem” é utilizar a analogia da
sociedade como uma casa, com todas as suas características: portas, paredes,
corredores. A facilidade de trânsito entre um cômodo e outro é, para Gennep,
diretamente proporcional ao nível de desenvolvimento das sociedades.
Nas sociedades mais simples, os compartimentos são isolados uns dos
outros, o que torna a adoção de cerimônias mais comuns, por elas
apresentarem proximidade maior dos ritos de passagem material. Não quer
dizer que qualquer indivíduo possa entrar na casa livremente. Por isso, os
indivíduos sempre transitam entre muitas divisões, porque a vida em sociedade
passa a ser uma sucessão de etapas e acontecimentos que ocorrem de
maneira linear. É possível transitar de uma ocupação à outra, ou de uma idade
a outra. E para transitar usamos as cerimônias e os rituais, onde a sagacidade
entre um espaço e outro ou entre um rito e outro é explicada pelo fato de que
as divisões são mais densas ou menos densas de acordo com o grau de
desenvolvimento da sociedade em questão.
Nessas sociedades, as mudanças na vida de qualquer indivíduo
significam um diálogo entre o profano e o sagrado. Assim, seja em uma
mudança de ocupação social ou a entrada em uma nova fase do
desenvolvimento físico e biológico, a adoção das cerimônias, como
podemos ver:
Toda alteração na situação de um indivíduo implica ações e
reações entre o profano e o sagrado, ações e reações que devem ser
regulamentadas e vigiadas, a fim de a sociedade geral não sofrer
nenhum constrangimento ou dano. (GENNEP, 1978, P. 26)
Seguindo esse raciocínio, viver a vida em sociedade, está fundada na
troca contínua, que diz de movimentos tais como: agregar e desagregar,
constituir e reconstituir, morrer e renascer são algumas das muitas atividades
essencialmente humanas. Viver é também agir, parar, esperar e repousar para
recomeçar e poder agir de maneira diferente.
42
Em Cabinda, Angola, a garota que passa para a adolescência fica algum
tempo dentro da Casa de Tinta. Dentro dessa casa, ela recebe instruções de
sua madrinha que dizem respeito à vida adulta. A Casa de Tinta é real, um
lugar físico destinado ao isolamento da menina. Assim que ela estiver
preparada para a vida adulta, ela pode sair dali. Muitas vezes, dada a pouca
idade para o casamento, as meninas são enviadas à Casa de Tinta para ser
preparadas ao matrimônio. O noivo-marido deve pagar para retirá-la de lá,
numa espécie de dote. As formas de pagamento podem ser em dinheiro ou a
base de trocas (alimentos, jóias, roupas). (Registro de campo, Belo Horizonte,
20/11/08)
A moral tradicional dos Cabindas visa basicamente comportamentos
tendentes à coesão e fortalecimento da família, da etnia. Por isso o
argumento da obrigatoriedade é a tradição dos antepassados.
Nesta perspectiva, as faltas e os crimes são o da deterioração da
coesão do grupo: furtos, roubos, insultos, feitiçaria, faltas sexuais
contra o direito de terceiros. No que concerne à moral sexual,
constituem faltas gravíssimas as práticas de relações sexuais com
raparigas ainda não iniciadas (chicumbe), isto é, sem que elas
tenham passado pela «casa das tintas»; a prática de relações com
mulher sobre o solo ou sem ser em local vedado e coberto; a prática
de relações sexuais com mulher casada ou a viver maritalmente. A
mulher casada ou amancebada é obrigada a guardar fidelidade ao
marido ou ao companheiro. O homem, porém, não é obrigado a
guardar fidelidade à esposa ou à companheira. (Registro de campo,
11/03/09)
Imagem 3: Aluna Angolana de Cabinda
Fonte: Registro da pesquisadora
O ritual de agregação é um tipo de ritual que acontece quando um
estranho é recebido em um lugar. Um estrangeiro poderá ser recebido por uma
sociedade com roubos, assassinato ou deferência. Pode-se, inclusive, delegar
43
a ele poder ou tomam contra ele medidas em defesa mágico-religiosas
(GENNEP, 1978, p.41). Muitos podem fugir, se armar, até que o estrangeiro
consiga entrar na sociedade. Após a aceitação, feita depois da comprovação
das intenções do estrangeiro, acontece o período de margem, com a troca de
presentes e finalmente a agregação, com a comensalidade, ou seja, os ritos de
agregação por contato direto, como descreve Van Gennep:
...observo que os ritos descritos por Ciszewski em suas pesquisas
classificam-se da seguinte maneira: comensalidade individual ou
coletiva, comunhão cristã simultânea, serem ligadas as pessoas com
uma mesma corda ou cinto, segurarem a mão , dar o braço
(abraçarem-se), colocarem juntas o sobre o lugar da lareira,
trocarem presentes (tecidos, vestidos), armas, moedas de ouro ou de
prata, ramalhetes de flores, coroas, cachimbos, anéis, beijos, sangue,
sacra cristãos (cruzes, círios, ícones), beijar os mesmos sacra (ícone,
cruz, evangelho), pronunciar um juramento. (GENNEP, 1978, p.43-
44)
Através dos rituais de agregação acontece mais que um toque corporal.
neles uma troca de personalidade que marca a continuidade do
relacionamento em questão, em forma de uma comunhão.
Da Matta (1981), ao relacionar o mundo do ritual ao cotidiano, destaca a
ação do aperto de mãos. No nosso dia a dia, isso pode parecer simples, mas
não quando esse ato adquire um significado especial. Para isso, basta, para Da
Matta, que o coloque em uma situação especial, ou seja, o significado desse
ato passa a ser mais que um aperto de mãos ao ser contextualizado.
Uma maneira de agregar alguém, em Mapinhane é pelo cumprimento
em forma do aperto de mão. Foi, para mim, uma das situações peculiares
vivenciadas com o povo Tshwa. Apertam-se as mãos três vezes: uma na
posição de frente para quem se está cumprimentando, outra na posição com os
polegares cruzados e volta-se para a posição inicial, em sinal de confirmação.
Segundo os nativos Matswa, esses toques significam que o nativo gostou de
quem está cumprimentando, teve simpatia à primeira vista, ou seja, recebeu e
aceitou quem chegou ali na região. Isso pode acontecer em qualquer momento,
com estrangeiros ou não.
Outro ritual moçambicano é o Tsemani Bolo, feito para o corte de um
bolo. Pode ser em festas de aniversário, de casamento, ou em uma cerimônia
qualquer, onde haja bolo. A canção é acompanhada por uma dança tradicional
44
tipo Makwaela, que se assemelha a uma marcha. Homens se colocam ao lado
das mulheres e, em filas, obedecem ao ritmo do canto: Cortem bolo, Queremos
vos ver, Cortem bolo, Queremos vos ver. (Pesquisa de campo, Mapinhane,
01/07/08)
11
.
Após a música, as mulheres soltam um som pela língua estridente
chamado “kulungwane”. Segundo os mapinhanenses, apenas a mulher
africana sabe emitir o som corretamente. Para eles, esse som é um sinal de
contentamento e de agradecimento pelo momento vivido e apenas nos
momentos especiais ele deve ser emitido. Após o canto, o bolo deve ser
cortado. O corte é executado por duas mãos: a de quem ofereceu e a de quem
recebeu o bolo. A primeira fatia deve ser segurada pelas mãos de quem o
ofereceu. Essa pessoa coloca na boca do homenageado, que deve mordê-la e
agradecer. A foto representa Tsemani bolo oferecido a mim em Mapinhane, na
ocasião do término do curso de formação de professores da escola o qual
ministrei na Escola Secundária Padre Gerardo Guimero em junho de 2008.
Imagem 4: Tsemani bolo
Fonte: Registro da pesquisadora
Entre os brasileiros é possível identificar toques similares. Existem
grupos nas escolas que “combinam” os seus toques de mãos, treinam com os
companheiros para que todo encontro seja marcado com o “toque”.
11
Tsemani bolo, Hinavela ku miwona, Tsemani bolo, Hinavela ku mowona. (Dados da
entrevista oral, pesquisa de campo realizada em Mapinhane, 01/07/08).
11
45
Nas duas culturas o significado não me pareceu ser diferente. Trata-se
da aceitação do outro pelo grupo. Mais que um aperto de mão, o ato significa
trocar e tocar o outro, em uma irmandade. Em outras palavras, é como se
fosse dito: “Eu te aceito. Pode fazer parte do meu grupo e de minha vida
social”.
Outras categorias, destacadas por Gennep (GENNEP, 1978, P.70)
foram o rito de iniciação, a puberdade fisiológica e social, a circuncisão e a
mutilação. Esse autor difere a puberdade física da social e embora ela seja
marcada pelo desenvolvimento corporal, fato que não define categoricamente
condições para o indivíduo viver como adolescente, pois variantes corporais
e sociais para que o indivíduo possa fazer parte do meio ao qual ele pertence.
Os ritos da puberdade têm em sua essência o caráter sexual, pois
caracterizam para o sujeito a passagem de um mundo assexuado para um
sexuado a partir de seu desenvolvimento corporal. São momentos, tanto no
menino quanto na menina, difíceis de se datar. Por isso é importante
diferenciar (e não convergir) a puberdade física e a puberdade social. A
circuncisão, por outro lado, é tratada por Gennep (1978) como um rito social,
dada à grande variação cronológica de quando ela é praticada. O autor delimita
idades entre 2 a 13 anos (GENNEP, 1978, p.74).
Para os moçambicanos, a cultura da circuncisão significa muitas coisas,
e pode, inclusive, resultar na comensalidade, como citado na obra literária de
Paulina Chiziane, que mesmo sendo uma obra ficcional, carrega elementos
reais da cultura moçambicana:
As culturas são fronteiras invisíveis construindo a fortaleza do mundo.
Em algumas regiões do norte de Moçambique, o amor é feito de
partilhas. Partilha-se mulher com o amigo, com o visitante nobre, com
o irmão de circuncisão. Esposa é água que se serve ao caminhante,
ao visitante. A relação de amor é uma pegada na areia do mar que as
ondas apagam. (...) No sul, a situação é bem outra. se entrega a
mulher ao irmão de circuncisão quando o homem é estéril.
(CHIZIANE, 2006, p. 41)
O irmão de circuncisão é aquele que vivenciou, no mesmo período, no
mesmo grupo, os ritos de iniciação. Por meio da circuncisão, provoca-se no
menino ou na menina uma marca eterna.
No Brasil a marca da tatuagem, os piercings, os cortes de cabelos
(moicanos, rastafáris, surfistas...) ou mesmo não cortá-los. Essas marcas
46
demonstram um desejo único de determinado grupo de se reunirem pelos
mesmos interesses, os quais podem ser, inclusive, sentir as mesmas dores
físicas ao marcar-se com uma tatuagem ou um piercing.
Essas atitudes talvez não possuam o mesmo sentido religioso e cultural
que a circuncisão em Moçambique, uma vez que se tatuar ou colocar um
piercing determina uma legitimação/marca de grupos urbanos.
Imagem 5
Jovens alunas com tatuagem
Fonte: Registro da pesquisadora
Imagem 6
Alunas com piercing
Fonte: Registro da pesquisadora
Outras maneiras de marcar o corpo podem se aproximar da circuncisão,
como a troca de dentes, a tatuagem, alguns cortes do cabelo ou a mutilação de
outras partes, como a última falange do dedo mínimo no caso da África do Sul.
(GENNEP, 1978, p. 75). As mutilações são uma forma de “diferenciação
definitiva” (GENNEP, 1978, P.76). No entanto, pintar o corpo, usar
determinadas roupas ou máscaras, marcam uma diferenciação temporária.
Segundo Araújo (2007), em 2007, a mutilação genital foi proibida no
Egito, fruto da luta de Warris Dirrie, somaliana de 42 anos de idade e
47
embaixadora da ONU. O Egito foi o 15º. País que aderiu à sua campanha, que
tem por objetivo disseminar a proibição da mutilação pelo mundo.
São vinte e nove os países onde a extirpação do clitóris é comum.
Nesses países, 97% das mulheres casadas responderam que não têm clitóris e
a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que aproximadamente 150
milhões de mulheres já tenham passado por esse ritual. E, a cada dia, 8 mil
meninas passam pela circuncisão feminina (ARAÚJO, 2007, p. 45). A operação
expõe as mulheres à infecções, dores para urinar e manter relações sexuais,
assim como problemas no parto e menstruação. Mesmo com todos esses
problemas, dois terços das mulheres não querem o fim das cirurgias por
optarem para manter as tradições desses povos, pois, segundo elas,
A prática existe desde a Antiguidade, para garantir a pureza sexual
das garotas. É um rito de passagem para a vida adulta. Arrancam o
clitóris porque acreditam que, se o fizerem isso, as mulheres ficam
fora de controle, sexualmente falando, diz a socióloga americana
Hanny Lighfoot-Klein, especialista no assunto. (ARAÚJO, 2007, p. 45)
As mulheres que não passam por esse rito, em sua cultura não têm
chance de se casar. Sob outra interpretação pode parecer assustadora essa
prática, mas trata-se de um ritual peculiar daquela região, como diz Martinez
(MARTINEZ, 2005, p 166). Ele atenta para o fato de que as iniciações não
podem ser reduzidas apenas no ato da circuncisão, pois trata-se de algo muito
mais profundo e amplo, tal como um processo completo composto de fatores
que têm muita importância para o jovem como indivíduo e membro da
sociedade. Em primeiro lugar, trata-se de um processo psicológico de evolução
da personalidade, quando o indivíduo passa de adolescente para adulto; se
trata também de um processo de inserção do jovem na sociedade como
membro competente, com direitos e deveres; de um processo de formação,
quando o indivíduo recebe as normas de convivência e valores éticos;
pedagógico quando permite um exercício dos valores e a socialização do
jovem; religioso, pois o jovem entra em contato com as entidades espirituais e
as práticas rituais do povo; finalmente, de um processo de inserção global na
vida da sociedade, onde se encontram os aspectos fundamentais para a vida,
individuais e sociais. (MARTINEZ, 2005, P. 165-166)
48
Durkheim (1984, p. 33) nos chama a atenção para os ritos de iniciação
quando destaca que a criança apenas pode ter conhecimento do dever, por
intermédio de seus pais ou professores; ela somente poderá saber aquilo que o
dever é, através da forma pela qual eles lho revelarem, por meio da sua
linguagem e da sua conduta.
Entre os Vatshwa
12
de Moçambique, as meninas recebem as instruções
de sua tia paterna mais velha, essa tia é encarregada de preparar todos os
rituais, desde as instruções até a alimentação e o local para que aconteçam os
ritos de iniciação da menina. Alguns dos provérbios mencionados: As galinhas
de Massinga entram no galinheiro pela parte de trás, ou seja, as jovens levam
para o matrimônio a inteligência, a perícia e a dedicação.
13
Depois da travessia
das rodas está o lar, as jovens aplaudem e dançam marimba. A marimba é o
nome de um instrumento musical que nome a uma dança que participam as
jovens.
12
Os Vatshwa, ou o povo Matswa, vive ao sul de Moçambique.
13
Tihuku ta li ka masinge tu enghena hi zisuka. Vanhanya va li kA masingi vu kanza na va
khidzamili. A xikhingelu xi wumbulukelaku xiya hubzeni. Vanhanyana va wawatelaku vaya
nduzumben. (MARTINEZ, 2005, 159-160)
49
3 DUAS HISTÓRIAS: BRASIL E MOÇAMBIQUE
A grande renovação do mundo talvez resida nisto: o homem e a mulher, libertados de todos os
sentimentos falsos, de todos os empencilhos, virão a procurar-se não mais como contrastes,
mas sim como irmãos e vizinhos; a juntar-se como homens para carregarem juntos, com
simples e paciente gravidade, a sexualidade difícil que lhes foi imposta.
Rainer Maria Rilke
3.1 Minas Gerais, Barreiro, Brasil
Localizada no estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil, a cidade de
Belo Horizonte é dividida em nove regiões administrativas: Centro-sul, Venda
Nova, Pampulha, Barreiro, Oeste, Noroeste, Nordeste, Norte e Leste. O
Colégio Santa Rita de Cássia localiza-se na região do Barreiro. O Barreiro
limita-se ao norte com o anel rodoviário (BR-262), a leste com Nova Lima, ao
sul Ibirité e a Oeste Belo Horizonte.
Mapa 1
Localização do Barreiro no mapa do Brasil do Estado de Minas Gerais, Brasil
Fontes: WWW.images.google.com.br
acesso em 16/03/09. GUIZZO, J. et
alii.Trabalhando com mapas. As regiões brasileiras.
Barreiro
50
A origem do nome da região do Barreiro deve-se ao fato de ter existido
na região uma fazenda com esse nome, cujo registro de posse de terra está
datado de 3 de agosto de 1855. (Plano Diretor de Belo Horizonte, Regional
Barreiro, 1995). Nessa época, a Capital mineira era ainda Ouro Preto.
...
o Coronel Damazo da Costa Pacheco, em observância do disposto
no Artigo noventa e hum, do regulamento número mil trezentos e
dezoito de trinta e hum de janeiro de mil oito centos e sincoenta e
quatro declara que possue neste Districto e Freguezia do Curral de El
Rey hua fazenda de cultura denominada o Barreiro cujas terras
dividem com as Fazendas do Jatubá, Cercado, Olaria e Cachoeirinha,
as quaes terras levarão quatro centos e sincoenta alqueires de
planta, inclusive cultura, e campos, Barreiro dous de Agosto de mil
oito centos e sincoeta e cinco, Damazo da Costa Pacheco. Nada
mais se continha em a dita cédula, que fielmente aqui copiei. Curral
de El Rey 3 de agosto de 1855. Vigário Bernardino José de Aquino.
(SOUZA, 1986, p. 6)
A fazenda Barreiro é o “marco zero” da colonização da região, cuja
documentação oficial de 1855 a incluía no Distrito do Curral Del Rey, que seria
47 anos depois, a capital Belo Horizonte. Após cultivá-la por muitos anos, seu
dono, Damaso Pacheco, resolveu variar de atividade, vendendo-a para seu
compadre, o major Cândido José dos Santos Brochado.
A família Brochado era descendente de portugueses e oriunda do Rio de
Janeiro. Membro do Partido Conservador, Major Cândido Brochado gozava de
grande prestígio político na região. Onde hoje se localiza o Hospital Santa Rita,
ficava o marco de divisa entre as sesmarias do Barreiro (de Baixo e de Cima) e
as do Jatobá, Olaria e Cercado. As terras do Barreiro incluíram a Fazenda do
Pião (Barreiro de Baixo) e a Colônia Vargem Grande (Barreiro de Cima).
(JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 12). Por ser produtiva e o Major
Cândido uma pessoa conhecida, a fazenda recebia várias visitas influentes. O
Major, que utilizava a mão-de-obra escrava, infringiu a Lei do Sexagenário,
desenvolvendo inimizades na região. Em conseqüência disso, foi assassinado
por um escravo fugido.
O historiador Abílio Barreto relata que, após vender um escravo,
Matias, de mais de sessenta anos que, pela lei vigente, deveria ser
libertado foi jurado de morte pelo mesmo, que retornou para tocaiar
seu ex-senhor. (SOUZA, 1986, p. 7)
51
Imagem 7: Sede da Fazenda Barreiro
Fonte:: JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p.12
O Major deixou dois filhos, Sinfrônio José dos Santos Brochado e
Damaso José dos Santos Brochado e sua esposa, D. Leopoldina Brochado.
Esse trágico acontecimento motivou a família vender a fazenda para o Sr.
Manoel Pereira de Melo Vianna e mudar-se para o local onde hoje se localiza a
empresa Vallourec & Mannesman, na ocasião, Fazenda do Pião. Sinfrônio
Brochado, que estudava no Seminário do Caraça, voltou para casa no intuito
de administrar os bens da família. Depois da construção da Fazenda do Pião,
casou-se com a Sra. Margarida Edwiges e teve quinze filhos. (JORNAL
CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 12)
Quando o engenheiro Aarão Reis chegou com sua equipe para construir
Belo Horizonte, foi conhecer de perto a Fazenda Barreiro, ocupada por
imigrantes estrangeiros que cultivavam produtos agrícolas. Nessa época, a
fazenda foi vendida ao governo por iniciativa do engenheiro em razão da
topografia, abundância de água e das terras boas para plantio. Na região foi
fundada em 1896 uma colônia denominada Vargem Alegre (SOUZA, 1986, p.
13).
À época da construção da nova Capital a Fazenda Barreiro foi
vendida pela importância de 75.000$000 (setenta e cinco mil réis) ao
governo, por iniciativa do engenheiro Aarão Reis chefe da
Comissão Construtura a fim de serem aproveitadas as águas dos
córregos Capão das Posses, Clemente e Antônio Francisco e garantir
o abastecimento à população, havendo a previsão de que esta seria
atendida até atingir 200.000 habitantes. (SOUZA, 1986, p. 12)
A Colônia Vargem Alegre foi transformada em grandes terrenos de
250.000 a 300.000 m
2
que deveriam ser pagos num prazo de cinco anos. De
52
1906 a 1908 (SOUZA, 1986, p.13) Dr. João Pinheiro, então Presidente do
Estado, visitava os colonos, ouvia e atendia às reivindicações deles, facilitando
a compra de utensílios e equipamentos. Foi então que a agricultura foi
desenvolvida na região, a horticultura, a criação de aves e gado. (SOUZA,
1986, p. 13).
O nome Barreiro é originário da matéria prima que abastecia as várias
olarias existentes na região. Nos fornos e olaria do Barreiro foram fabricados os
tijolos e telhas para os canteiros de obras de Belo Horizonte. Foi um lugar que
colaborou para que o projeto do Engenheiro Aarão Reis fosse efetivado em
vários aspectos, fornecendo tijolos ou alimentos para o abastecimento dos
canteiros de obras para a construção da Capital do Estado, tais como
hortifrutigranjeiros e bovinos.
Em 1896, a Colônia Várzea Grande contava com uma população de 53
pessoas – brasileiros, franceses, alemães, austríacos, suecos, espanhóis e
italianos – e estava ainda em organização (SOUZA, 1986, p. 13).
Em 1919 o Barreiro de Baixo, que era “pasto” das terras da Fazenda do
Pião, foi cortado pelas linhas férreas da estrada de ferro Central do Brasil. Além
da linha ferroviária, passava dentro do Barreiro a antiga estrada Belo
Horizonte-São Paulo, antes da abertura da Avenida Amazonas e da construção
da Rodovia Fernão Dias. (JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 12)
O Barreiro é o resultado de um conjunto de culturas e tradições
trazidas por imigrantes portugueses, Japoneses, espanhóis,
austríacos, alemães, franceses e suecos de caráter muito peculiar.
Apesar de incorporado administrativamente a Belo Horizonte, O
Barreiro manteve sua identidade e características próprias. (JORNAL
CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 10)
Dentre os pioneiros da região, destacam-se algumas famílias, que,
dentre muitas outras anônimas, colaboraram para o desenvolvimento do bairro.
São elas: Hilbert, Peters, de Moro, Pongeluppe, Aganetti, Ricoy, Hoffmann,
Rossi, Wacha, Cardoso, Sales Barbosa, Teixeira Dias e Gatti.
O templo mais antigo foi construído na Fazenda Barreiro de Cima, por
volta de 1928 e a religião professada era a católica. Os padres vinham de
longe, muitas vezes a cavalo, em carroça ou em charretes. Em 1929 foi
construída no Barreiro de Baixo a igrejinha de Nossa Senhora do Rosário. Em
1950 o Barreiro recebeu seu primeiro vigário, Padre Augusto Pinto Padrão,
53
com grande festa no Cine Estrela D’ Alva. A construção da Matriz foi iniciada
em 1961 e sua primeira missa rezada por Padre Antônio Gonçalves, primeiro
sacerdote nascido no bairro a ordenar-se. Em 1964 a igreja ganhou cobertura,
em 1966 iluminação e urbanização da praça denominada São Paulo da Cruz
(SOUZA, 1982, p.46-48).
Rosemeire Gatti, neta de Domingos Paschoal Gatti, narrou um pouco da
História de sua família, a qual colaborou enfaticamente para o desenvolvimento
da região. A chegada de Domingos Gatti no Barreiro, seu avô, aconteceu lá
pelos idos de 1930, durante a revolução. Nessa época, Domingos residia na
Av. Augusto de Lima, próximo ao 12º. Batalhão do Exército. Assustado com os
riscos que sua família corria exposta aos tiroteios e mortes, Domingos resolveu
fixar residência no Barreiro com a família, lugar onde possuía glebas. Foi
dono da Cerâmica Irmãos Gatti, fornecedora, segundo sua neta, de telhas para
a construção da Igreja São José, Palácio da Liberdade e as secretarias em seu
entorno. Gatti plantou, com a ajuda de seus funcionários, as primeiras árvores
da Av. Afonso Pena. Também doou 150 lotes para a construção de casas da
Vila Rica, onde depois moraram os funcionários da Rede Ferroviária.
Outra transformação importante foi a venda de parte da Fazenda Pião
por Sinfrônio Brochado ao italiano Domingos Gatti, em 1928. Como
primeiro passo, o italiano construiu a Igreja Nossa Senhora do
Rosário e, na parte mais alta, divisa do Barreiro de Baixo com o
Barreiro de Cima, fez erguer um Cruzeiro. Loteando sua terras em
vários quarteirões de 22 lotes cada abrindo as ruas, Domingos Gatti
criou a Vila Rica, com casas de campo destinadas a expandir,
desenvolver e fazer o lugar conhecido. Com o progresso levado pelos
Gatti, a região foi provida da energia elétrica. Domingos Gatti
explorou uma pedreira existente nos seus terrenos e montou uma
Olaria e Cerâmica. Pedras, tijolos e telhas francesas, produzidas
pelos Gatti, foram utilizadas para a construção de casas e empresas
que começavam a se instalar no Barreiro e até na capital. Ainda hoje
é possível ver a chaminé da olaria, ainda conhecida na região como
Chaminé da Olaria dos Gatti. O primeiro telefone do Barreiro de uso
público, foi instalado na residência de Domingos Gatti.
(http://www.jornaldobarreiro.hpg.ig.com.br/historiaindice.htm)
Uma das cenas presentes na memória de Rosemeire Gatti foi a
inauguração do campo do Barreiro Futebol Clube. Com muita nostalgia e ao
mesmo tempo orgulho, mesmo sendo criança naquela ocasião, não consegue
apagar da memória esse acontecimento especial. Por ser politizado, Domingos
Gatti tinha bons amigos políticos. Um deles era Juscelino Kubitschek,
freqüentador assíduo da fazenda Gatti duas vezes por semana, e
54
principalmente, segundo Rosemeire, quando no cardápio estava incluída a
famosa “Pasta”.
Todos da família então se reuniam quando Juscelino os visitava. Nessas
ocasiões, os netos gostavam de esconder os sapatos dele, fato que ele
permitia e ainda gostava de se divertir e fazer algazarra com as crianças. Numa
ocasião, a própria Rosemeire escondeu os sapatos de Juscelino e se esqueceu
onde os colocou. A narrativa de Rosemeire destaca uma realidade peculiar do
povo barreirense que até hoje é viva nas atitudes dos moradores. Outros
depoimentos adiante podem comprovar essa característica.
Outra família que participou da constituição da região do Barreiro foram,
os Teixeira Dias. Eles vieram de Portugal para trabalhar na Colônia Vargem
Grande na pecuária e na agricultura. Joaquim Teixeira Dias partiu de Portugal
em 1907 e era casado com Maria da Conceição Alves e tiveram doze filhos. As
duas últimas, Filomena e Amélia nasceram no Brasil. O casal Teixeira Dias
além de popular na colônia, contam os barreirenses que os dois chegaram a
ter 60 afilhados. Mesmo outros moradores senão os afilhados os chamavam de
“padrinho” e “madrinha”. Na páscoa, todos os visitavam para buscar o afular”
(guloseimas), costume trazido de Portugal. Segundo Souza (1986). Um dos
fatos marcantes sobre essa família diz respeito ao apadrinhamento de uma
criança abandonada. Certa vez, o “Padrinho”, ao passar por uma praça, em
frente ao Palácio do Barreiro, avistou uma criança sozinha, chorando, de
aproximadamente quatro anos. Ninguém tinha informação sobre ela. O
“Padrinho” a conduziu até sua casa, e ali essa criança permaneceu aa idade
adulta, com apelido de “Zé Pequeno” (SOUZA, 1986, p. 17).
Filho de Joaquim e Maria, Antônio Teixeira Dias, nasceu em 1888, em
Portugal. Casou-se com Adélia Hilbert, filha do colono Francisco Hilbert e
Vivência Globaz Hilbert. Sócio de Modestino Sales Barbosa, Antônio
costumava carregar tubos para a construção da estrada de ferro e cascalho
para as rodovias, era dono de uma olaria e comerciava cana de açúcar e
capim.
Adélia Hilbert Teixeira nasceu na Croácia em 1893, ano em que seus
pais mudaram para o Brasil. Em 1900 Adélia foi para Nova lima, com o objetivo
de aprender as letras, pois no Barreiro ainda não havia escola disponível.
Retornou ao Barreiro onde continuou os estudos sozinha. Em 1910, aos
55
dezessete anos, casou-se com Antônio Teixeira Dias, com quem teve oito
filhos e adotou outros quatro. Adélia colocava em prática na família o que dizia
“Nunca é tarde para se aprender alguma coisa, tanto na vida prática como nos
livros” (JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 4). Ela era muito
solidária com os vizinhos e amiga dos médicos Alfredo Balena, Hugo Werneck,
Borges da Costa e Santa Rosa. Por se preocupar com idosos e desamparados,
doou para a Sociedade São Vicente de Paulo uma área para a construção de
um asilo. (JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 12). Uma de suas
filhas, D. Emília Rosa Teixeira de Matos foi diretora da primeira escola do
Barreiro, a Escola Desembargador Rodrigues Campos, por 35 anos.
Com o nome de Adélia Hilbert, foi inaugurado um Centro Educacional
em 1990, quando comemorava-se oitenta anos do casamento de Adélia Hilbert
com Antônio Teixeira Dias. Nesse Centro, Rosalice Matos Donatelli, filha de
Emília Rosa Teixeira de Matos deu continuidade às aptidões de sua avó, de
dedicar à educação. Atualmente a escola possui berçário, auditório e uma área
de 3000. Especializada na educação infantil, ali as crianças têm contato com
galinheiro, horta, viveiro e animais domésticos. Na réplica de uma “fazendinha”,
o lazer e o bem estar dizem ser lemas da escola.
Na década de 50, Novos moradores foram trazidos pela região após a
construção da linha férrea, provocando uma alteração na paisagem, que antes
mais rural, transformou-se em urbana. Motivado pelas condições de transporte,
água e terras, o governo do Estado intermediou negociação entre os
proprietários da Fazenda Barreiro e um grupo estrangeiro. O resultado foi a
doação de grande área para construção de primeira grande indústria em Minas
Gerais, a Companhia Siderúrgica Mannesmann (Siderúrgica V&M do Brasil),
um marco social e histórico não para a região, mas também para a capital e
para o estado de Minas Gerais.
A Siderúrgica Mannesmann foi fundada em fevereiro de 1952. Em 31 de
maio de 1952 foi lançada a pedra fundamental da Usina Barreiro e tiveram
início os serviços de terraplenagem. Em agosto de 1954 a usina foi inaugurada
por Juscelino Kubitschek, sendo produzido o primeiro tubo Mannesmann sem
costura em solo brasileiro.(SOUZA, 1982, p. 59). Nessa época, não havia o
mínimo de infraestrutura suficiente, tal como água e energia, muito menos um
sistema viário.
56
Não havia água na região. Os vizinhos cediam água uns para os
outros. Tenho duas irmãs. Não havia colégios na região. Estudei no
Calafate e ia de subúrbio. O viaduto do Barreiro não existia ainda.
Tinha ônibus com hora marcada. A população do Barreiro de Baixo
foi marcada com a chegada da Mannesmann. Com isso os
ferroviários foram diminuindo. (Registro do caderno de campo,
04/11/08)
A região experimentou um grande desenvolvimento e ocupação com a
chegada da companhia Siderúrgica, pois em suas proximidades existia apenas
um núcleo pequeno de habitantes que viviam ao redor da estação ferroviária.
Minha família (Marques) chegou no Barreiro em 1954. A referência do
Barreiro era a Mannesmann (...) A rua Rodolfo Jacob (Ferroviários)
era referência profissional. As casinhas eram todas iguais. A igreja
era chamada paróquia o Domingos e Santa Maria Goretti. O que é
hoje salão paroquial do Santuário São Paulo da Cruz era igreja. Os
animais andavam soltos pela rua. (Registro do caderno de campo,
04/11/08)
Figura 8: Siderúrgica Mannesmann
Fonte: JORNAL CORREIO BARREIRENSE, 2007, p. 11
Em 1960 o Barreiro contava com 15 mil habitantes. Dentre eles, um
total de 3 mil eram empregados pela Siderúrgica. O comércio e as outras
profissões liberais começaram a chegar. Em 1966, o Barreiro contava com
mais de 60 mil habitantes (SANTOS, 1982, p. 61). Tanto o crescimento do
comércio, quanto das ruas e avenidas, proporcionou o surgimento de outros
bairros e ampliação do centro comercial.
O nome Antônio Teixeira Dias foi dado a um bairro de classe média da
região do Barreiro na década de 80. É um lugar comum, um conjunto
habitacional como muitos, aos olhos dos outros, mas não aos meus. Muita
gente diz, claramente: o Barreiro parece ser uma cidade do interior, ou então:
57
fulano é gente nossa (ou seja, barreirense). Hoje resido na região e não
pretendo sair dali.Conheço, inclusive, muitas pessoas que mudaram, mas
sempre nos visitam, outras mudaram e voltaram e outras ainda, mudaram e
querem voltar para cá. Naturalmente essa não é uma característica apenas do
Barreiro ou do Conjunto Antônio Teixeira Dias, porém ressalto o grande
sentimento de pertença à região. Além disso, os vários povos os quais
compuseram o povo estão ali presentes em seus decendentes, dispostos a dar
continuidade aos trabalhos de suas famílias.
Um dos primeiros moradores do bairro Teixeira Dias e muito conhecido
na região é o senhor Cigano, gosta de ser chamado assim, pois seu apelido
relembra sua origem. Nossa entrevista aconteceu um dia após seu aniversário,
quando completou 78 anos e idade e infelizmete não sobreviveu para
presenciar o término dessa dissertação. Segundo ele, nasceu em barraca dos
ciganos, em Carmópolis de Minas, em 26/01/31, de onde não tem muitas
lembranças, porque deixou a “manada de ciganos” com a idade de oito anos.
Chegou ao Barreiro em 1959 para morar à Rua Barão de Coromandel. Casou-
se em primeiras núpcias com D. Efigênia Rosa Gonçalves, com quem teve uma
filha: Eliane Gonçalves. Sua esposa faleceu em 1962. Foi quando o Cigano se
casou com D. Efigênia Ferreira Gonçalves em 2ª. núpcias, com quem teve oito
filhos, tem vinte e dois netos e três bisnetos. Conta, orgulhoso, que teve um
time de futebol em casa. Apenas o goleiro era de “fora”. Esse time rendeu uns
cem troféus e alguns deles ficam em exposição no bar, agora dirigido por um
dos filhos.
Eu trabalhava na Mannesmann em 1959, era encarregado lá. Em
1963 sai para entrar no comércio, na R.Barão de Coromandel, 916,
tinha um armazém onde vendia de tudo: ferramentas, ferradura de
cavalo, pano para caixão, tudo... tive esse comércio durante cinco
anos. Depois fui para o centro do Barreiro e Padre Eustáquio. Tem
trinta e oito anos que mecho com comércio e nessa História tive onze
bares. (Registro do caderno de campo, 27/01/09)
Acredito no poder que os “anônimos” têm de constituir, seja uma família,
um clã ou uma tribo. São os pequenos comerciantes, como mesmo começou o
Sr. Antônio Teixeira Dias ou o Sr. Cigano, morador do Conj.Antônio Teixeira
58
Dias é que socorrem as pessoas recém instaladas no lugar, com suas vendas,
seus bares e seus secos e molhados.
14
Imagem 8: Morador do Barreiro
Fonte: Registros da pesquisadora
O sr. Cigano faleceu dia 17 de abril de 2009. Por esse motivo não pode
ver, tampouco compartilhar do jogo inaugural do Ginásio do Teixeirão, com seu
time de futebol.
O Barreiro está inserido num contexto de grande entrada de capitais e
produtos estrangeiros na economia brasileira. O poder de consumo da
população local se concentra em duas zonas: a do núcleo urbano central
(Barreiro de Baixo), onde se concentra a maior parte da riqueza local e a
segunda, composta pela maioria, é a dos bairros periféricos (operários), onde a
população convive com diferentes níveis salariais. O espaço urbano do qual o
Barreiro faz parte, que é de fluxos necessários à realização da atividade
produtiva ou a acumulação de capital, para a maioria da população se
apresenta como um espaço de conflitos, onde a luta pela sobrevivência a
obriga não só a submeter-se ao corre-corre diário – especialmente nas grandes
cidades mas a se organizar, reivindicar e lutar por condições de
sobrevivência.
O Barreiro, então é Uma cidade dentro de BH (LOBATO, 2008, p. 20),
possui a melhor pista de skate de Minas e é palco de diversos campeonatos.
O Barreiro merece vários capítulos nos livros que contam a História
de Balo Horizonte. Primeiro, porque a área foi povoada, no início do
século 18, décadas antes da inauguração da própria capital, fundada
14
Expressão utilizada para caracterizar as vendas que vendiam de tudo um pouco. Os mini mercados.
59
em 12 de dezembro de 1897. Segundo: o bairro se desenvolveu, a
população cresceu e, hoje, poucos moradores precisam sair da
região em busca de trabalho, estudo, saúde ou lazer. (LOBATO,
2008, p.20)
Segundo reportagem de Lobato (2008), os moradores admiram a região
e a comparam a Uma cidade dentro de BH, pois possui ampla infra-estrutura,
rede de comércio, faculdades, dentre elas a PUC Minas, construída próximo ao
que será, num futuro próximo, o Restaurante Popular do Barreiro.
Moradores mais antigos compuseram a população barreirense vindo
também de outras cidades do país, não somente do exterior. Esses, em busca
de emprego, atraídos pela empresa Siderúrgica Mannesmann (hoje V&M
Tubes). Encontraram, nesse lugar, um povo acolhedor e trabalhador e para
sempre ficaram.
3.2 Inhambane, Mapinhane, Moçambique
Moçambique é um país que participou ativamente da construção cultural
brasileira. É uma nação que sofreu, de maneira mais agressiva, a colonização
portuguesa, pois esse processo durou até o início da década de 1975. Há,
portanto, uma identificação do Brasil com a cultura deste país, visíveis em
marcas como a língua, a comida, festas e religião. Localizado na Costa
Sudeste do Continente Africano, Moçambique tem como limites a Leste o
Oceano Índico, a Norte a Tanzânia, o Malawi e a Zâmbia, a Oeste o Zimbabwe
e a África do Sul e a Sul a Swazilândia. Limitada a Norte pela Província de
Gaza, a Sul pela África do Sul, a Oeste pela Swazilândia e Leste pelo Índico, a
Baía de Maputo que juntamente com os rios Incomati e Maputo limita a capital,
confina em frente a Ilha de Inhaca, considerada patrimônio biológico da
humanidade. (disponível em http://bragatel.pt/btm4/mocambique.html)
60
Mapa 2: África, Moçambique, Inhambane
Fonte: MARTINEZ, 2005, p. 24.
As etnias dominantes são os Matshwa, Bitonga e Chopi.O povo Tshwa
15
ocupa uma grande área no sudeste de Moçambique, cerca de 40.000 km2, na
província de Inhambane. A província de Inhambane é formada pelos destritos
de Panda, Homoíne, Morrumbene, Massinga, Funhalouro, Vilankulo, Mabote,
Inhassoro e Govuro. O território limita, ao norte, com o rio Save e as províncias
de Sofala e Chimoio; a leste com o Oceano Índico, ao sul com o município de
Maxixe e os distritos de Jangamo, Inharrime e Zavala; ao oeste com a
província de Gaza. Os Vatshwa também vivem nas províncias de Manica,
Sofala, Gaza e Maputo, no noroeste da África do Sul e no sudeste do
Zimbabwe. (MARTINEZ, 2005, p.23) Os Vatshwa formam 52,7% (MARTINEZ,
2005, p.29) da população total da província de Inhambane e é o grupo étnico
15
Término Tshwa, substantivo é o nome do povo. Usa-se Mutshwa para o adjetivo singular,
referindo-se à pessoa desse povo. No plural se usa Vatshwa, ou seja, as pessoas desse povo.
(MARTINEZ, 2005, p.23)
61
mais numeroso da província. Nesse trabalho me refiro ao povo Tshwa de
Mapinhane, localizada a 70 km de Inhambane, capital da província e 550 km de
Maputo, capital do país.
Moçambique é multilíngüe. A Língua Portuguesa é a língua oficial do
país. O Xi-tshwa (idioma Tshwa) está classificado entre as línguas de origem
Bantu e está aparentado com as línguas do sul de Moçambique, tais como: Ci-
Chopi (Inhambane e Gaza); Xi-Changane (Gaza e Maputo); Xi-Ronga (Maputo)
e Zulu (África do Sul) (MARTINEZ, 2005, p. 46).
Como todas as nguas maternas africanas, durante a época colonial, o
Xi-tshwa foi considerada linguagem bárbara, era apenas um dialeto, impróprio
de pessoas civilizadas e por conseqüência disso, deixada para os não
assimilados da cultura portuguesa. As igrejas e os missionários reconhecem
nas línguas um papel muito importante para a conservação, estudo e
transmissão do Xi-tshwa e foram eles os responsáveis pela escrita dos
primeiros dicionários, gramáticas, instrumentos de alfabetização em Xi-tshwa,
tradução da Bíblia, dos outros textos para catequese, litúrgicos e livros de
canto.
Mapa 3:
Moçambique e províncias
Fonte: MARTINEZ, 2005, p. 25
62
Mapinhane foi uma região muito afetada pela guerra. Há registros de
massacres neste local, sendo o mais comentado, o massacre do Guiúa,
acontecido em 1992. O Centro de Promoção Humana do Guiúa tem por
objetivo promover a formação holística dos que ali se matriculam, incluindo a
formação catequética e espiritual. As famílias ali presentes são católicas
praticantes e recebem, além de formação humana (informações), cursos,
estágios e outras atividades que possam proporcionar o pleno desenvolvimento
do indivíduo, um desses centros é o Centro de Promoção Humana do Guiúa.
O Centro de promoção Humana do Guiúa está formado por um
complexo habitacional disposto do modo seguinte: um bloco de 31
casas destinadas aos alunos; um bloco polivalente destinado a salas
de aulas, escritório; a capela; um bloco residencial para a equipa
formadora; um Centro de Saúde; uma Escola Primária e campos de
cultivo. (MARTINEZ, 2001, p. 6)
A tragédia do Guiúa aconteceu dia 22.03.1992. Durante das guerras
moçambicanas acontecidas entre 1976 e 1992, a igreja nunca se calou. Pelos
apelos constantes, procurava fazer acontecer a paz em Moçambique. A Carta
Pastoral Um Apelo à Paz, enviada em janeiro de 1983 exigiu a promoção dos
bens fundamentais à vida e o diálogo. (MARTINEZ, 2001, p. 8) Nos dias 19 e
20 de novembro de 1991, a Assembléia Diocesana de Pastoral de Inhambane
também exigiu uma atitude nova, que erradicasse todas as formas de violência
presentes nas guerras fratricidas. No dia 22.03.1992, 24 catequistas, dentre
eles mulheres, crianças e idosos, foram massacrados por rebeldes.
Em missão autorizada pelo governo a trabalharem promoção social e
formação humana, os Missionários da Consolata chegaram ali em 1946 e as
Irmãs Agostinianas Missionárias em 1994.
Em contato com a escola Padre Gumiero, nas reuniões de professores,
nas aulas e cursos de reciclagem, pude perceber o fato que Pe Lerma Martinez
previa, a descoberta da importância social e cultural das línguas
moçambicanas, tanto que foram introduzidas no curriculum escolar e as
escolas têm procurado vencer, na medida do possível, os estigmas deixados
pelo colonialismo. As razões dessa decisão histórica são múltiplas:
a- De ordem antropológica, pode-se reconhecer o valor insubstituível das
línguas maternas na formação do indivíduo e na transmissão cultural;
63
b- De ordem pedagógica, porque para o aluno pode ser prejudicial o uso,
na escola, de uma língua desconhecida;
c- De ordem política, a língua materna desperta e criatividade e prepara
melhor os cidadãos para a participação em vida pública. (MARTINEZ,
2005, p. 48)
A vida dos Vatswa que eu pude observar é uma vida calcada nos
aspectos místicos e religiosos, no entanto, o movimento migratório hoje é
destaque nessa sociedade os mapinhanenses partem para as minas e para a
agricultura para a prestação de serviços na região do Transvaal (África do Sul).
Sem dúvida, a imigração tem influenciado diretamente na vida dos Vatshwa,
em sua cultura. Nota-se, inclusive, na construção de suas habitações, no modo
de vestir, no transporte, na alimentação e na prática religiosa.
Aos mineiros se dá o nome de madjonjoni, literalmente os de Johne,
nome derivado de Johannesburgo, capital econômica da África do
Sul, na região das minas de ouro. A experiência migratória tem se
convertido a um passo obrigatório antes do matrimônio, como o
jovem demonstra que é adulto, que é capaz de pagar o dote (lobolo)
e de manter um lugar. Está praticamente substituindo os ritos de
iniciação.
16
É fato na História que os movimentos migratórios sejam, em algumas
sociedades, oportunidade para o desenvolvimento econômico, o sonho de
realizações materiais. No caso de Moçambique, o jovem enxerga em
Johannesburgo uma oportunidade de vida melhor. Assim, é comum eles
partirem para a África do Sul buscando trabalho nas minas. O problema
consiste nas péssimas condições de sobrevivência que encontrarão. Um
grande número retorna a Moçambique sem dinheiro e doente. As doenças são
a Silicose e a SIDA/AIDS. Nesse caso, retornam à terra natal para morrer. É
muito comum ouvir, principalmente em Mapinhane, fulano disse que perdeu um
filho nas minas, outros estão em casa a morrer...
Então, quando Martinez (2004) diz que a migração para a África do Sul
está praticamente substituindo os ritos de iniciação é porque, em muitos casos,
16
A los mineros se lês da El nombre de madjonjoni, literalmente los de Johne, nombre
derivado de Johannesburgo, capital econômica de Sudáfrica, em La región de lãs minas de
oro. La experiência migratória se convertido em El paso obligatorio antes Del matrimonio,
com El que El joven demuestra que es adulto, que ES capaz de pagar La dote y de mantener
um hogar, y prácticamente está substituyendo los antiguos ritos de iniciación. (MARTINEZ,
2005, p. 42)
16
64
o jovem deixa de participar dos ritos do seu povo e vai para Johne, com a
esperança de voltar com condição de ter uma vida melhor.
Em Moçambique, o homem manda em casa, enquanto a mulher precisa
trabalhar na machamba
17
. A mulher moçambicana carrega o país nas costas é
título do Suplemento do Semanal Savana para o Dia da Mulher Moçambicana,
07 de abril.
Em todos os setores da sociedade, a mulher exerce um papel
fundamental, principalmente na produção de alimentos, pois 91.3% das
mulheres de Moçambique trabalham na lavoura. (ZUBIRIA, 2006, p. 4). Para
Zubiria (2006), as mulheres africanas devem ser entendidas em sua vida real,
independente da crença à qual pertencem, pois os problemas que a sociedade
atravessa são temas de ordem primeiramente cultural, política, econômica e
social. (ZUBIRIA, 2006, p. 18).
Antes de partir para Mapinhane, havia recebido das Irmãs Agostinianas
informações a respeito do povo, da cultura, como era a
alimentação...informações de ordem prática. Mas na verdade, nem imagináva
como seria essa experiência. No dia 24 de junho de 2007. A casa onde fui
recebida é simples, porém com conforto. Capacitada com computador, internet
discada e televisão. No refeitório temos freezer, mas no banheiro não temos
água quente. Temos que esquentar a água na cozinha e tomarmos banho de
caneca. A conexão do telefone e, consequentemente, da internet não é muito
boa. Por isso preferimos utilizar o telefone da casa e o celular de minha amiga
para enviarmos mensagens ao Brasil. A água não é canalizada. um poço
artesiano na porta da cozinha que fornece água para a casa e para o internato
feminino do colégio. A luz é gerada duas ou três horas diárias, a partir das
18:00 horas.
No dia seguinte, 25 de junho de 2007, tivemos um encontro com alunos
do time de futebol do Colégio. Registrei o aquecimento do time de vôlei, porque
aconteceu o jogo final do campeonato entre escolas, chamado Jogos da
Amizade; Fui a uma vila comprar verduras, alface e mostarda. O lugar era
afastado e as casas são dispostas em formato tribal. Nessa vila estava a
matriarca da família, a qual não se comunicava em Língua Portuguesa. Uma
17
Plantação.
65
outra mulher trabalha no Colégio. Havia também um casal de crianças de
aproximadamente cinco anos e uma adolescente de 18 anos com o filho de 8
meses. Nessa família, apenas a mãe e a filha falavam Português. As crianças
falavam Xytswa, a língua predominante na região. Não há como não
estabelecer comparações com o nosso ambiente. Mas ao mesmo tempo,
um sentimento inexplicável no ar. Um sentimento de pertença àquele lugar,
como se eu não fosse estranha ali. É verdade que o fato das Irmãs estarem
em Mapinhane desde 1994 faz de nossa recepção mais calorosa e habitual,
que os moradores estão acostumados com a chegada e partida de
missionários.
A História de Mapinhane foi relatada por Dércio Bambamba, um morador
de Mapinhane, em carta de próprio punho. Preferi transcrevê-la integralmente
para manter fidelidade ao texto original:
Mapinhane, antigamente localidade e atualmente posto
administrativo, herdou o nome Mapinhane do seu rei, que era
chamado Nwobinhane. Então, pela chegada dos colonialistas
portugueses durante o reinado de Nwabinhane, o local herdou o
nome do seu régulo, ou rei. Os portugueses perguntaram qual era o
nome do rei e, como eles não conseguiram pronunciar bem o nome
Nwabinhane, eles escreveram Mapinhane, o que facilitou a
pronúncia. Esse posto administrativo de Mapinhane compreende
atualmente três localidades: Belane, Muabsa e Mapinhane Sede.
Antigamente, como localidade do reinando de Mapinhane
compreendiam cerca de 35 zonas que partiam desde Cheline (ao
norte) até Inhassoro (ao sul). Mapinhane Vila, que acolhe e é centro
de recepção de várias culturas vindas de outras vilas, cidades,
províncias e até do estrangeiro, devido a existência duma Escola
Secundária da Igreja Católica, que é dirigida por Irmãs Agostinianas
Missionárias. Essa escola acolhe alunos vindos de várias províncias e
partes do país, enquanto as outras escolas primárias acolhem alunos
vindos doutras regiões e zonas rurais. A vila é, portanto, sujeita a
uma grande aculturação, pelo grande fluxo de pessoas de outras
culturas.Atualmente têm-se desenvolvido na Vila várias atividades
que possam empregar os habitantes deste posto administrativo, como
o comércio, que abrange quase tudo, a agricultura, que compreende
a produção de hortículas como couve, cebola, alho, alface, repolho,
cenoura e tomate. Produz-se também amendoim e nos arredores dos
rios cana doce, utilizada para a fabricação de tontonto (bebida
tradicional que quimicamente é misturada a álcool etílico ou etanol).
O posto administrativo é dividido em localidades, zonas, bairros,
círculos e células, onde estão organizados os seus dirigentes que
coordenam e colaboram com o governo nos programas de
desenvolvimento, ordem e segurança do país. É constituído de várias
congregações religiosas, das quais a Igreja Católica da Paróquia de
São José de Mapinhane. Ela oferece bolsas de estudos aos alunos
que o conseguem pagar as mensalidades na Escola Secundária
Padre Gerardo Gumiero. Essas bolsas são oferecidas igualmente
pelos padres da Consolata e pelas Irmãs Agostinianas Missionárias.
A atual organização social compreende o chefe do posto
66
administrativo, os chefes das localidades, o chefe tradicional (Régulo)
e a organização dos médicos tradicionais de Moçambique
METRAMO, que é composta por curandeiros. Eles ajudam na
resolução dos problemas tradicionais e nas investigações criminais e
na descoberta de casos acontecidos no escuro, sem serem vistos,
tais como: assassinatos, crimes graves, roubos. Para a segurança e
vigilância existem também os que chamam de polícia comunitária,
que colabora com a Polícia da República na detenção, patrulha,
vigilância, segurança social e harmonização nas zonas, quer na Vila
como nas comunidades em geral. (Dércio Bambamba, 10/07/08)
Em uma cidade próxima a Mapinhane, chamada Vilankulos, os lodges
pertencem aos estrangeiros, vindos, principalmente da África do Sul. Na
estrada, poucos carros. Normalmente os moradores de Vilankulos e do
entorno, caso de Mapinhane, se locomovem por meio dos maxibombos, as
vans, porém esse transporte não parece ser regulamentado, pois os carros não
oferecem segurança aos passageiros nem tem hora certa para sair. Ficam
parados no centro da cidade esperando enchê-los para partir. Na falta de
maxibombos as pessoas quando precisam locomover vão caminhando,
mesmo. Ou então pedem carona na boléia de quem estiver disposto a parar.
Os moçambicanos, principalmente os Mapinhanenses vêem nos
missionários as respostas para suas perguntas e querem soluções para os
seus problemas. Ouvi: o que a sra. Professora veio trazer para nosso povo?
As perguntas são fortes apelos. Ao ouvi-las preferia, em alguns casos,
ficar calada, porque eu não tinha respostas para elas. Como explicar para
alguém que os problemas ali vividos eram consequências de ações Históricas,
muitas vezes distantes deles, como a Conferência de Berlim? Como explicar
que o governo é responsável pela miséria ali existente? Como opinar para uma
menina que veio relatar sua aversão pelos ritos de iniciação na sua família?
A questão da inferioridade é latente e gritante. As pessoas sempre estão
olhando para o chão, falam muito baixo e dependendo da situação, nem tem
coragem de conversar conosco. Não tenho explicações lógicas para isso, mas
pode ser que a História me autorize a dizer que as marcas da colonização de
um povo são feridas que demoram a cicatrizar. O homem branco quando ali
chegou, trouxe com ele também a instabilidade econômica àquelas sociedades
ao levar seus habitantes para lugares distantes ou matá-los, sem seus
67
consentimentos ou o menor respeito. Os colonizadores que permaneceram,
trataram de escravizar e instaurar o medo e o terror.
Atualmente, as crianças e mães que sobrevivem ao parto vivem na
miséria. Não só alguns, mas todos os Mapinhanenses são obrigados a lutar de
maneira desesperadora pela sobrevivência. Não há muitas perspectivas para o
futuro. Mapinhane é uma sociedade renascida de uma revolta sangrenta como
a guerra civil, ainda colhe seus frutos.
O depoimento de D. Ana, funcionária da casa das irmãs demonstra uma
das vivências da guerra civil em Moçambique:
Tempo de guerra aqui a situação era de bandido matar pessoas.
Esse tempo de matar pessoas, quando chega numa casa primeira
vez, os bandido disseram que não mata ninguém. Isso para que as
pessoas não fugisse. E depois ficava as pessoas nas casas dela.
Chega bandido e pergunta Onde está cabrito, senhora? Se pegar
uma mamana em casa pergunta onde está cabrito? Não tenho cabrito
você tem cabrito. Batia naquela senhora até mostrar cabrito, se
tem. Se não tem acaba de matar. Levar os bens todos que tinha
nessa casa. Depois saíram para outra casa. Chegando numa casa
apanham um velho assim. Esse velho não tinha nada, era só... estava
assim... numa casa. Esse bandido chega e perguntava e o velho
disso Não tenho nada Quero comida o tenho comida. Bate
esse velho até pelo menos uma coisa para levar. Depois de comer
essa comida mata aquela velha. Bastava. Se panhar uma senhora
grávida disse O que tem você, senhora? Eu tenho grávida, para
quê? Mas ser uma pessoa... essa pessoa para servir a quem? Não
tem a maneira de responder e depois abre aquela barriga para ver
esse, que sexo tem na barriga essa senhora, se é moça ou
rapaz.Esse rapaz é de sere soldado da FRELIMO... matava aquele
bebê que ainda não estava bem para dar parto. Matava aquela
criança, matava a mãe, deixa aí. Saía outra vez para outras casas,
pegava uma criança de três ou quatro meses, fêmea ou rapaz...
esses bandidos perguntava que sexo tem esse bebê é um
masculino. lá, mesmo que é masculino. Leva aquele
menininho, pôr no pilão, leva o pilador: - você é mãe, pila sua
criança... pilava a criança, morria, matava também a mãe, deixava.
[...] Sairmos das casas dormir no mato com as criança. Chega no
mato encontra talvez tem criança no colo, tem que dormir aí a criança
no colo, nem chegava tere sono ... é pra ouvir o que se pasa
aqui, até amanhecer. (MARIA RAFAEL DEMBEL,, 28/01/08)
No dia 27 de junho de 2007 visitamos uma Vila chamada Mujavangue,
próxima de Mapinhane. Saímos bem cedo, minha companheira, eu e um
moçambicano, cunhado de D. Maria, cozinheira da casa onde estávamos.
Mujavangue é uma vila feita de vários terrenos, alguns demarcados com
árvores e flores, outros apenas com a “varredura” do terreno. As casas o
dispostas em formato tribal como no Brasil e a maioria delas é feita de
68
caniço
18
.Nos terrenos é tudo muito silencioso, pois fomos num horário que as
crianças estavam na escola e as mamanas lavando roupas. A estrada é muito
cheia. Crianças circulando, mamanas com bebês amarrados.
No caminho, a presença imponente do Baobá, chamado em
Moçambique de Imbondeiro. Não poderia deixar de registrar o encontro com
essa árvore nativa, maravilhosa. Reza a lenda que um Imbondeiro nunca deve
ser cortado nem arrancado, porque é considerada a árvore da vida.
Não tive a oportunidade de ver o Imbondeiro florido. Dizem os
moradores que ele floresce apenas uma vez por ano, suas flores ficam sempre
de cabeça para baixo. Oferecer flor de Imbondeiro à pessoa amada é sinônimo
de jurar amor eterno. Contudo não é boa idéia, porque segundo relataram-me,
ela tem um cheiro horrível de carniça. Uma das lendas africanas sobre o
Imbondeiro diz que a árvore, por ter muita inveja das demais espécies, foi
punida pelos deuses que a puseram de cabeça para baixo. A copa foi
enterrada e as raízes ficaram para cima.
Imagem 11: Imbondeiro em Mujavangue
Fonte: Registro da pesquisadora
A população dessa região planta milho, feijão e amendoim. O solo não é
muito fértil e senti a ausência de vacas e bois. No lugar deles, alguns poucos
porcos, cabritos e galinhas. De qualquer maneira, todos ali, de Mapinhane ou
de Mujavangue, procuram sobreviver utilizando o que têm em mãos. Saúde e
educação estão em situação precária, bem como saneamento, distribuição de
renda e oportunidades de desenvolvimento.
A guerra terminou em 1994. Desde então Moçambique elege seus
líderes pelo voto direto. muito o que fazer nas poucas cidades onde
18
Tipo de bambu
69
conheci. Ainda assim, a população está longe de ter um telefone em casa ou
luz elétrica. Por isso mesmo, as propagandas de empresa de celulares são
extremamente agressivas.
Na capital Maputo luz, a água encanada . Em Mapinhane, apenas
700 quilômetrosdali, luz durante poucas horas noturnas gerada pelo
gerador. Em 2008, por iniciativa das irmãs, foi feita uma associação entre os
moradores da região. Cada um pagava parte do combustível para o gerador.
As irmãs recolhiam o dinheiro e compravam mais combuistível. O dinheiro
mensamente precisa cobrir os gastos com eventuais avarias e trocas de peças.
Esse texto é superficial para demonstrar a vida em sua plenitude em
Mapinhane. Todos sabemos que as vidas somadas em qualquer parte do
planeta o muito mais do que as aparências podem mostrar. A vida do povo
de Mapinhane a qual fiz parte, procurei participar e pesquisar, foi a vida de um
povo simples, agradável e hospitaleiro pelo qual me apaixonei e desenvolvi
profundo respeito. Sinto muito por me enquadrar na condição de pesquisadora
sem poderes maiores para resolver os problemas mais urgêntes da população.
Gostaria de ter feito algo suficiente para ver aqueles rostos tão sofridos terem
alento e esperança. Sei que muitas pessoas têm os mesmos pensamentos
que eu e às vezes se sentem impotentes, como eu me sinto hoje, com a
impressão de não ter contribuído absolutamente nada.
Mas tenho consciência dos limites e sei o quanto as pequenas
pesquisas podem somar às grandes e enfin, ser algo a longo prazo.
70
4 AS AGOSTINIANAS: FILOSOFIA E MISSÕES
Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançam as estrelas, são imensos. Alegre-se
com essa imensidade, para a qual não pode carregar ninguém consigo.
Rainer Maria Rilke
É comum as congregações religiosas registrarem sua História em relatos
orais, fotografias, correspondências, constituições e projetos diversos. Isso o
acontece de maneira diferente na Congregação Agostiniana Missionária. Têm-
se, muitas fontes para consulta. Dentre elas, vale destacar os Capítulos Gerais,
A Constituição, Publicações da Casa Geral de Roma, Biografia das
Fundadoras, chamada de Vôos de Longo Alcance, datada de 1999 e outros
estudos reunidos nos livros: Notas para una educación agustiniana e Valores
Agustinianos Pensando em la educación, ambos publicados pela Federación
Agustiniana Española.
19
Foi-nos indicada como mais utilizada pela própria Congregação, não
pela maior veracidade, mas antes como obra mais recente o livro de Carlos
Alonso – Lãs Agustinas Misioneras (1883 1971)
20
, do qual serão encontradas
muitas citações e referências nesse capítulo. Não deixaremos, porém, de
utilizar outros autores em menor teor.
4.1 Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona, Filósofo de Tagaste
Não lhes peça conselho e não conte com sua compreensão, mas acredite num amor que lhe é
conservado como uma herança e fique certo de que há nesse amor uma força e uma benção e
que não se arrancará mesmo se for para muito longe.
Rainer Maria Rilke
Aurélio Agostinho foi um homem audacioso. Procurou conhecer a vida em
toda sua plenitude e por isso mesmo suas idéias são plenamente difundidas
atualmente. Sob o meu olhar, um dos mestres mais sábios que a humanidade
recebeu de presente.
19
Notas para uma educação agostiniana e Valores agostinianos – Pensando na educação
(tradução nossa).
20
As Agostinianas Missionárias (1883-1971) (tradução nossa).
71
Quando Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, na África, o mundo
vivia uma era de quedas imperiais e decadências políticas. Era um tempo
ruidoso e de pouca valorização à interioridade e referências transcendentais.
Naquela época, o curriculum acadêmico era dividido nos seguintes níveis:
Litterator primeiras Letras; Gramaticus Latim; Rethor ou rethoricus
humanidades e oratória. A imagem central da educação era a do mestre.
Agostinho cursou os três níveis graças a um mecenas. Ao terminar os estudos,
entrou para o magistério. Foi quando exerceu os seguintes cargos:
Gramático em Tagaste (374-375);
Retórico em Cartago (376-383);
Dono de escola de retórica em Roma (383-384), onde fez concurso para a
cadeira de retórica da Casa Imperial de Milão;
Professor em Milão (384). (MARCOS, 1994, p. 20)
Dado por Deus significou o nome do filho falecido aos dezessete anos,
Adeodato. Em uma de suas obras O mestre - Agostinho dialoga com ele,
através de métodos que provocam e suscitam sua capacidade de iniciativa
respeitando sua originalidade e o princípio de que: A aprendizagem deve
começar pela exploração e conhecimento de si mesmo, e deve culminar no
descobrimento e desfrute da Verdade (tradução nossa)
21
(MARCOS, 1994, p.
20)
O filósofo Herdou de seu pai Patrício o interesse pela intelectualidade e da
mãe, Mônica, a certeza do amor a qualquer preço. De ambos destaca uma
síntese de binômios em concordância, tais como cabeça e coração; verdade e
amor; ciência e sabedoria, ensinamentos e educação. Para ele, todo homem
deve educar. Em síntese, todos os seres humanos são e serão Mestres.
Nas obras principais de Agostinho, fica claro para mim o quanto a
valorização, não somente da palavra, mas também dos atos dos Mestres. Aqui
grafo Mestres como nome próprio, no intuito de destacar não somente a
importância da palavra, mas também para ressaltar o seu desuso na
atualidade, o qual acaba determinando prioritariamente aos professores a
função de educar como mestre, quando,na verdade, há uma tremenda carência
do binômio família-escola, na sociedade.
21
El arendizaje debe comenzar por la exploración y el conocimiento de si mismo, y debe
culminar em el descubrimiento y disfrute de la Verdad.
21
(MARCOS, 1994, p. 20)
72
Dentre as principais obras de Agostinho, estão:
a- Livro do Mestre
22
: Trata da comunicação entre aluno e professor (mestre
interior e mestre exterior). O verdadeiro mestre é a verdade, fala de dentro
(tradução nossa) (MARCOS, 1994, P.21). A função do mestre interior e mestre
exterior pode ser explicada conforme citação de MARCOS (1994, p.21):
A função principal de um mestre exterior é facilitar e desabrochar o
caminho do encontro do aluno com a Verdade e para ele um duplo
mistério: levar a verdade ao aluno que exige competência e
profissionalismo – e levar o aluno à verdade, que exige testemunho e
contágio. Implica também ao encontro do próprio mestre com a
Verdade, o que o constitui em “condiscípulo dos seus condiscípulos”.
A educação não consiste em que os alunos sejam “cópias repetidas”
do mestre exterior (ou pai de família) e a não ser na tentativa – que é
sempre um projeto inacabado de que cada um deles descubra e
leve a maturidade sua própria originalidade. E a educação não
termina nunca, o que faz do mundo “uma grande escola” e de todos
os homens companheiros de caminho e de busca.(tradução
nossa)
23
(MARCOS, 1994, p.21)
A educação, segundo Santo Agostinho, deve proporcionar ao aluno
condições do aluno desenvolver suas capacidades intelectuais sem
dependência, procurando sempre a Verdade e sua própria originalidade. A
educação é um processo interminável e o mundo é uma grande escola:
b- O livro da doutrina cristã (De doctrina christiana): Neste livro, a educação
deve situar-se em um contexto de uma relação do aluno com a Verdade,
relação esta que deve ser dinâmica e ascendente, como a vida é, e se articular
sobre três pilares: Fé, no empenho educativo, e que é o ponto de partida;
Esperança de atingir seus objetivos, como motivação do esforço e Amor, ligado
à verdade, como uma força de gravidade.
c- A catequese dos principiantes (De catechizandis rudibus): O encontro
professor aluno deve ser central. A importância da linguagem, a aproximação
ou não do mestre ao aluno, equilíbrio na fala dos temas e a necessidade de
22
Libro El Maestro – De Magistro, em Latim.
23
La función primordial Del maestro exterior es facilitar y desbrozar el camino Del encuentro
Del alumno com la Verdad y para ello um doble ministério: acercar la Verdad al alumno que
exige competência y profesionalidad y acercar el alumno a la Verdad, que exige testimonio y
contagio. Implica también el encuentro Del próprio maestro com la Verdad, lo que constituye
en “condiscípulo de sus condiscípulos. La educación no consiste em que los alumnos sean
“fotocópias estandarizadas Del maestro exterior (o Del padre de família), sino en el intento
que es siempre um proyecto inacabado – de que cada uno de ellos descubra y lleve a madurez
su propia originalidad. Por ello la educación no termina nunca, lo que hace Del mundo “uma
gran escuela” y de todos los hombres compañeros de camino y de búsqueda.
23
(MARCOS,
1994, p.21)
73
personalizar a ação educativa, tríade ouvir-escutar-entender, como pilares da
aprendizagem e o amor como encontro com a pessoa do aluno.
Características do planejamento metodológico de Santo Agostinho:
Método dinâmico bíblico com autoridade e fé;
Sentido profundo do mistério de Deus;
Subordinação da Teologia e da Caridade;
Claridade da exposição;
Os passos mais importantes do método são a narração, que deve
suscitar o interesse do ouvinte; explicação do que foi narrado;
interrogação como o diálogo didático, os alunos perguntam; Exortação:
motivar a razão e o coração a atuar. (tradução nossa) (MARCOS, 1994,
p. 22).
24
:
Clareza de exposição de maneira memorizável;
Atender ao nível de formação, idade, profissão e ambiente dos ouvintes;
Cada catequese individual contemplada no contexto de um ciclo
catequético, que tem como fim amadurecer a e formar um verdadeiro
discípulo de Cristo através de um conhecimento mais aprofundado da
mensagem cristã.
Identificar sua filosofia com a filosofia de São Pablo, Santa Mônica e a
Filosofia do ascetismo e da oração;
Orientação histórico-salvífica no sentido cristão.
A História registra no século V, a educação como formalista e utilitarista.
Assim, o objetivo principal em educar era de obter um adestramento
meramente formal para a obtenção de lucro monetário. Segundo Agostinho, a
educação pagã era a causa de tantos males morais. Isso porque a base de
toda a educação até então havia sido implantada a partir de ensinamentos
advindos da Mesopotâmia, do Egito, 2000 anos antes da era Cristã. Aos
gregos atribui-se a invenção do alfabeto em aproximadamente 1200 a.C. e as
24
Narratio: suscitar el interes Del oyente. Explicatio: explicación de lo narrado. Interrogatio o
diálogo didáctico: los alumnos preguntan. Exhortatio: animar a la razón y al corazón a actuar.
(MARCOS, 1994, p.22)
74
escrituras, e as ciências pedagógicas, tais como a educação básica estendida
a várias camadas sociais, a Mayêutica
25
, a Retórica
26
, a Academia e o Liceu
27
.
Como já mencionado na introdução, minha vida profissional desde 1998
tem sido calcada sobre os princípios das Irmãs Agostinianas Missionárias. Ao
reconhecerem Santo Agostinho como Pai e mestre, admitem que as raízes de
sua História são fundamentadas na Espiritualidade e no Apostolado da Ordem
de Santo Agostinho. Em Moçambique tive a oportunidade de conviver com o
estilo de vida dessas pessoas. Posso depor por vivência e observação nesses
onze anos de Congregação, um estilo de viver com atitudes de interioridade,
vida em comunhão e serviço à Igreja Católica. Evidentemente como todo modo
de viver, apresenta suas falhas. Contudo, a competência, determinação, a
ousadia, a dedicação e fé das mulheres agostinianas missionárias são
características das quais não posso deixar de ressaltar.
4.2 A educação humanista e os princípios cristãos
Ame neles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que,
envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia. Evite dar alimento ao drama sempre
pendente entre pais e filhos, o qual gasta muita força destes e consome o amor daqueles; o
amor que, embora incompreensivo, age e aquece.
Rainer Maria Rilke
A Congregação Agostiniana Missionária teve suas origens na Terceira
Ordem de Santo Agostinho, aprovada em 1399 pelo Papa Bonifácio IX
(AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS, 1983, p.4) e foi fundada oficialmente em
Madrid (Espanha), em 1890 por três Irmãs: Madre Querubina Samarra, Madre
Clara Cantó e Madre Mônica Mujal.
Atualmente, estão presentes na Europa (Itália e Espanha); na América
do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru); Caribe (República
Dominicana); África (Argélia, Guiné Equatorial, Moçambique, Quênia,
Tanzânia); Ásia (China Continental, Índia, Taiwan)
25
Na filosofia socrática, arte de extrair do interlocutor, por meio de perguntas, as verdades do
objeto em questão. (FERREIRA, 1989, p. 439)
26
Arte de bem falar; aula em que se ensina essa arte; conjunto de regras concernentes à
eloqüência; livro ou tratado que contém essas regras; afetação de eloqüência; estilo empolado.
(Do lat. Rethorica) (PÂNDU, s/d, p. 681)
27
Estabelecimento oficial ou particular do ensino secundário ou profissional (Do lat. Lyceu, do
gr.) (PÂNDU, s/d, p. 482).
75
Imagem 12: Fundadoras da Congregação Agostiniana Missionária
Fonte: http://www.agostinianas.com.br/sobre/quem_somos.html
As Agostinianas Missionárias são testemunhas da presença de Cristo nas
diferentes culturas, para promover o diálogo intercultural e inter-religioso
apresentando os valores do Evangelho, especialmente pelo testemunho de
vida (www.agostinianas.com.br). Mesmo antes de vivermos em um mundo
interconectado por via da globalização, as Irmãs Agostinianas falavam em
globalizar a aprendizagem por meio das trocas culturais, e de potenciar a
caridade e promover o pluralismo cultural. As Agostinianas chamam de educar
a preparação do indivíduo para a vida social e para a boa convivência com ele
mesmo, com o outro, com o meio e com o Sagrado (Deus).
Através da educação especialmente da infância e da juventude; e
da promoção humana, colaboramos com o homem em seu processo
de plena realização para que surja como pessoa consciente de sua
dignidade, sã, crítica, aberta aos valores transcendentes e
comprometida com o Reino da criação de uma sociedade mais justa
e mais humana. (Constituições 56.p 68)
Relatos sobre a chegada das Irmãs no Brasil encontram-se na obra de
Alonso (1985), sobre a necessidade exposta por D. Prudêncio Gomes da Silva,
então bispo do Estado de Goiás a Monsenhor Alberdi, sacerdote espanhol e
pároco de Rio Verde, Goiás. No relato o sacerdote solicita a presença das Ir.
Agostinianas Missionárias. Em 04/04/1919, escreveu Monsenhor Alberdi uma
carta para a Espanha fazendo um convite para a fundação de uma escola,
dirigida pelas Agostinianas, no Brasil.
76
O registro da autorização ou decreto formal de concessão para o
trabalho das irmãs no Brasil foi datado de 28 de dezembro de 1920, firmado
pelo administrador apostólico de Calahorra e a solicitação ao Bispo de Goiás,
de um aceite de sua Diocese para a casa de Catalão, de 13/01/1921.
(ALONSO, 1985, P. 240)
As Irmãs embarcaram em Barcelona, em 23 de janeiro de 1921,
juntamente com o Padre Agostiniano Lorenzo M. Liébana, e chegaram ao porto
de Santos no dia 18 de fevereiro de 1921, onde ficaram hospedadas por dois
dias na casa de agostinianos. Após esses dois dias, partiram para Catalão,
onde chegaram em 22 de fevereiro de 1921. Eram elas: Sór
28
. Natividad
Gorrochátegui (Superiora); Sór. Mercedes Irigarte (vice-superiora); Sór. Maria
Paz Hernandez (professora; Sór. Esperanza Garrido (Secretária) e Sór. Inês
Lopez (afazeres domésticos).
Entretanto, quando chegaram as cinco primeiras agostinianas, havia a
preocupação de se organizar uma segunda expedição, com destino a Rio
Verde, Goiás. Seriam elas: M. Asunción Espinosa (Superiora); Sór. Carmen
Bronchal (Vice-Superiora e Diretora do Colégio e secretária); Sór. Pilar Del Rio
(Procuradora), Sór. Teresa Casas (Professora de música); Sór. Maria Berta
Bruche (Professora de Francês) e Sór. Lúcia González (membro da
comunidade).
4.2.1 A missão de Belo Horizonte: O Colégio Santa Rita de Cássia
Não vê como tudo o que acontece é sempre um começo? Não poderia ser, então, o começo D
Ele, pois todo começo em si é tão belo?(...) Como as abelhas reúnem o mel, assim nós tiramos
o que de mais doce em tudo para construirmos (...) por tudo o que fazemos, sem
participantes ou aderentes, iniciamos Esse que não podemos compreender, do mesmo modo
que os nossos antepassados não nos puderam compreender a nós mesmos.
Rainer MariaRilke
Para escrever o histórico da Comunidade de Belo Horizonte, desenvolvi
um criterioso trabalho de investigação em Belo Horizonte, no Colégio Santa
Rita e em São Paulo, na Casa Provincial. Além dos documentos consultados,
28
Nessa época ainda utilizavam a palavra original do latim, Sóror, para designar Irmã de
caridade ou Freira.
77
vali-me de relatos e depoimentos presenciais e por telefone, pesquisas no site
das agostinianas e de depoimentos por e-mail de missionárias que já não
residem no Brasil.
Pretendi montar um texto único a partir da leitura e interpretação de
vários que eu tinha em mãos. Não foi fácil procurar a gênese do Colégio Santa
Rita. Por outro lado, foi uma tarefa extremamente gratificante, pois através dela
descobri fatos e colhi relatos os quais precisavam ser destacados nesse
trabalho por serem de extrema importância. Não para mim, como
pesquisadora, mas para as Irmãs e a comunidade educativa, que no ano de
2009 completa 50 anos.
Descobrimos um relato datilografado sob o título Bendita Coincidência, o
que talvez conte a História da criação da comunidade de Belo Horizonte.
Segundo o relato, o Colégio Santa Rita iniciou-se por intermédio de duas irmãs:
Carmelia Luzia Gontijo e Maria Luisa Gontijo (ou Maricas Gontijo Assunção),
freqüentadoras da Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, da
Ordem de Santo Agostinho, em Belo Horizonte. No referido relato datado de 27
de março de 1975, as irmãs Gontijo se encontraram, casualmente, na Igreja
São José com duas Irmãs religiosas agostinianas e, depois de uma conversa
rápida, as convidaram para instalarem um colégio em Belo Horizonte.
Carmélia Gontijo, então, recebeu uma carta da Irmã Conselho de La
Fuente, que era, em 1958, vigária do Brasil. Por intervenção de P. Marcelino
Barrios foi pedida formalmente a licença para a fundação ao Conselho Geral,
bem como o envio de duas ou três irmãs para iniciarem o projeto. Autorizadas
pelas Madres Agostinianas, dirigiram correspondência para a Casa Geral de
Madrid, solicitando permissão para fundarem um Educandário em Belo
Horizonte. A Madre Conselho e a Irmã Consuelo vieram para Belo Horizonte
tomar as devidas providências.
Foi então que os Padres Agostinianos e as irmãs Gontijo, contentes com
o projeto, solicitaram do Prefeito Celso Azevedo um terreno para a construção,
nos termos que respondeu: Na cidade não um terreno disponível, mas no
“Barreiro de Baixo”, as senhoras de lá, solicitaram à minha esposa D. Dalca
numa festa... um colégio feminino para suas filhas. Bendita coincidência!
(PROVÍNCIA CRISTO REI DAS AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS, 1975, p. 1)
78
Na época, havia um vereador de Belo Horizonte da região do Barreiro,
Dr. João Cardoso, quem muito cooperou para a conquista do espaço para a
construção. Por interferência dos padres Agostinianos, que prestariam
assistência às Irmãs, palpitaram pelo Barreiro, devido à facilidade de acesso
pela Avenida Amazonas.
Em janeiro de 1959 chegaram a Belo Horizonte as fundadoras: Ir. Pilar
Del Rio como superiora, Luzia Rezende e Maria Aparecida Neves Monteiro. A
missa da chegada foi rezada pelo pároco da região, P. Eustásio Hernández.
Com a ajuda dos padres Agostinianos, as irmãs alugaram uma casa na R.
Joaquim de Figueiredo, no. 343, no Barreiro de Baixo, onde abriram as
primeiras inscrições para o colégio, que havia de levar o nome de Externato
Santa Rita de Cássia.
As origens do nome do Colégio Santa Rita de Cássia apontam para
as Operárias da Oficina de Santa Rita, que existe na Ordem de Santo
Agostinho por aprovação do Papa Leão XIII. As oficinas iniciaram na
Espanha e se espalharam pelo mundo. No Brasil, seu grande
representante é o Beato Padre Mariano de La Mata
29
OSA. As irmãs
Operárias da Oficina de Santa Rita foram intensas colaboradoras na
idealização e fundação do Colégio Santa Rita. (Registro de campo,
28/02/09)
Santa Rita de Cássia foi uma monja agostiniana que faleceu com 76
anos de idade no dia 22 de maio de 1457, no Mosteiro Agostiniano de Santa
Maria Madalena em Cássia, onde viveu por 40 anos. Rita foi venerada como
santa imediatamentre após a sua morte, como atestam o sarcófago e o Códex
Miraculorum, documentos de 1457 e 1462. Seus ossos, desde 18 de maio de
1947, repousam no Santuário, na urna de prata e cristal fabricada em 1930.
Quase 550 anos se passaram e as vestes que lhe serviam de mortalha estão
tão perfeitas como no dia em que a envolveram. (PARÓQUIA SANTA RITA,
http://www.paroquiasantarita.com.br/)
Em fevereiro de 1959 foram aceitas as primeiras 20 alunas e em
apenas três anos as irmãs já contavam com cento e vinte e seis alunas.
(ALONSO, 1985, p. 674).
29
Beato Pe. Mariano de La Mata (1905-1983), Agostiniano, beatificado em 5 de novembro de
2008 pelo Cardeal Saraiva Martins, Legado Pontifício e Prefeito da Congregação para a Causa
dos Santos (Vaticano). Foi Diretor espiritual das Oficinas de Santa Rita de Cássia durante 31
anos.
79
A comunidade passou pelas dificuldades naturais de adaptação, porém
contou também com a ajuda da Confraria de caridade Santa Rita de Cássia da
Paróquia de Santo Agostinho, a qual cooperou ativamente para a instalação
das religiosas e com o andamento da construção do Externato Santa Rita de
Cássia. Foram as mulheres dessa Confraria responsáveis pela compra de uma
geladeira, um harmônio para Madre Pilar e até um piano.
Juntaram-se ao grupo, em 1963, Ir. Mônica Tamanini e Ir. Maria Lúcia
Rezende para estarem à frente do Externato e cogitaram a construção de um
prédio maior, que abrigasse confortavelmente o número de alunos e permitisse
a expansão e melhor desenvolvimento das atividades educacionais.
A doação do terreno para a construção do futuro Colégio Santa Rita foi
uma das tarefas penosas do grupo. Consta em registros que ela ocorreu
durante o governo de Dr. Celso Melo Azevedo (1955-1959). Contudo, a
assinatura seria dada pelo seu sucessor, Dr. Amintas de Barros. (PROVÍNCIA
CRISTO REI DAS AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS, 1975, p. 2). Com o
objetivo foi feita uma reunião na Prefeitura de Belo Horizonte juntamente com
uma comissão composta pelas Irmãs Agostinianas, as irmãs Gontijo e pessoas
moradoras do Barreiro, e que, ao invés de retornarem ao Externato
comemorando, tiveram uma grande decepção, pois o Sr. Prefeito havia
negado, naquele dia, terrenos para muitas pessoas e não poderia agir de outra
maneira, conforme consta no relato a seguir:
Não assinou, mas não vetou...
Foi uma cena desagradável para todos... Maricas teve a coragem de
dizer ao Dr. Amintas: estas irmãs vieram da Espanha para trabalhar
na instrução das crianças do Barreiro e o Sr. Nega sua assinatura na
escritura do terreno doado pelo Dr. Celso!... ao que ele respondeu: eu
também gostaria de ir à Espanha...- O senhor não irá o dia que não
quiser (sic) , e a passeio! E elas vieram para educar nossos
patrícios...
(PROVÍNCIA CRISTO REI DAS AGOSTINIANAS
MISSIONÁRIAS, 1975, p. 3)
Os papéis para a doação do terreno foram encaminhados para
apreciação à Câmara dos Vereadores, cuja interferência desta vez foi feita pelo
Dr. João Cardoso. Foi ele quem ajudou no desenrolar da História, inclusive
permutando o primeiro terreno por um mais central. A doação então foi
efetivada com a condição do fornecimento de bolsas de estudos aos alunos da
região enquanto perdurasse a atividade educativa no colégio.
80
Na segunda metade de 1965, Madre Agostinha Cermeño (Superiora da
Comunidade) e Madre Nieves Busto Moreno (Vigária) iniciaram o trabalho de
construção do prédio em terreno cedido pela Prefeitura .
No início do ano de 1966 o prédio ainda estava em construção. No
entanto, precisou ser ocupado em duas salas para acolher alunos nos períodos
manhã e tarde, haja vista que a casa da R. Joaquim Figueiredo não
comportava o mero de alunos matriculados. Nesse mesmo ano foi nomeada
a Madre Maria Rita Bretas para Superiora da casa e diretora do Colégio Santa
Rita, que deveria continuar a construção, a essa altura paralisada por falta de
verbas e problemas com a parte de engenharia. Com a paralização, muitas
matrículas foram recusadas. Em 1967 a obra reiniciou sob supervisão do Eng.
Francisco Soares, que proporcionou a transferência total do Externato para o
Colégio.
A inadimplência na ocasião era alta, o que acabava dificultando o bom
funcionamento da escola juntamente com a obra. As Irmãs então tentaram
conseguir verba estadual para dar cabo a construção mas não tiveram
sucesso. Em 1968, com grande esforço congregacional e financeiro , foi
possível mudar para o prédio novo, no entanto, a primeira turma ginasial
precisou ser anexada ao Colégio Santo Agostinho, por falta de aprovação da
Inspetoria Seccional, publicada no final do ano letivo, em 20 de novembro de
1968, pela Secretaria da Educação.
A comunicação com Colégio referente ao registro da Escola Particular
Primária Santa Rita de Cássia, foi feita via carta, assinada por Laysir O.
Pioruccetti Gomide, posteriormente registrada no Cartório do Segundo Ofício
de Notas de Belo Horizonte.
Na década de 1970, a diretoria aliou ao objetivo da Campanha da
Fraternidade a alfabetização de adultos no Colégio, com apoio do Governo
Federal. Nesse ano, compunham a Comunidade Santa Rita as Irmãs: Maria
José Silva Araújo, Pilar Romero Hampanera, Neuza Jajah, Maria Gorete
Ferreira, Conselho de La Fuente, Regina Teixeira, Providência Stucchi e
Terezinha Queiroz.
81
Imagem 13: Colégio Santa Rita de Cássia
Fonte: Arquivo do Colégio, 1969
O reconhecimento do Ginásio do Externato Santa Rita de Cássia foi
publicado em 26 de novembro de 1971, sob o 14.096, pelo governador
Rondon Pacheco (1971-1975) .
Em 1971 o Governo Provincial decidiu que a Casa de Formação-
noviciado fosse transferida a Belo Horizonte e passou a funcionar dentro do
próprio terreno do Colégio, que foi reestruturado com novos banheiros, área
coberta e pátio murado. Nessa ocasião a Superiora e Formadora seria Ir.
Assunção Traldi, com Ir. Isabel Ayala (Vice), Terezinha Milhomens, Cristina de
Oliveira, Conselho de La Fuente, Paula Cândida, Providência Stucchi e Ir.
Maria Gonçalves (IRMÃS AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS, 2008, p. 3)
No ano de 1972, a formação das irmãs nas etapas iniciais passou a ser
orientada pela Equipe Ir. Assunção Traldi, Ir. Ângela Cecília Traldi, Ir. Isabel
Ayala. Nesse momento o grupo de formandas era composto por três
postulantes
30
, uma noviça e oito junioras.
O Colégio Santa Rita já contava com um número maior de alunos e
procurava participar da comunidade estudantil não somente da região do
Barreiro, mas também de Belo Horizonte.
Nesse tempo o Colégio tomou grande impulso. No esporte nossos
alunos começaram a participar em torneios da cidade jogando com
30
Postulantes: Primeira etapa da formação da vida religiosa, que pode durar de 6 meses a dois
anos. Noviciado: é o tempo especial de preparação para a consagração religiosa, com a
duração de doisa anos; Juniorato: Iniciado com a profissão dos votos temporários (pobreza,
castidade e obediência) cuja finalidade é a capacitação da jovem para um compromisso
definitivo, livre e conscientemente assumido. (CONGREGAÇÃO DE AGOSTINIANAS
MISSIONÁRIAS, 1997, p. 78-80)
82
equipes de grandes colégios como Santo Agostinho, Isabela Hendrix
e Estadual Central, fazendo bonito. As Festas Juninas começaram a
ser um verdadeiro tempo de confraternização e integração família-
escola. A visão pastoral de Ir. Ângela trouxe para dentro da escola o
“encontro de casais”, com a valiosa ajuda do grupo da Paróquia N.
Sr. da Consolação, dos agostinianos. Esta foi uma importante
contribuição para as famílias. (Registro de campo, 22/11/08)
Com o crescimento, foi possível colocar em funcionamento o ensino
secundário (segundo grau), ainda na década de 70, o curso normal, patologia
clínica e desenho industrial, incentivados pela lei 5692/91, mas que depois de
algum tempo foi desativado no início da década de 80. Segundo a atual
diretora, Quando eu cheguei aqui, tinha magistério, patologia clínica e desenho
industrial... talvez no final da década de 70 e início de 80. A diretora era Ir.
Leuter Inês de Carvalho. (Registro de campo de 04/11/08).
As mudanças continuaram, e para uma melhor adequação à identidade
do Colégio, que só crescia, em 23 de maio de 1977, pela portaria de nº da
Secretaria de Educação, foi autorizada a mudança do nome Ginásio
Secundário do Externato Santa Rita de Cássia para Instituto Santa Rita de
Cássia – 1º Grau (5ª. a 8ª Série).
Imagem 14: Colégio Santa Rita de Cássia
Fonte: Arquivo do Colégio, década de 80
A autorização de funcionamento por dois anos letivos do 2º. Grau
(Magistério e Auxiliar de Patologia Clínica) foi publicada pela portaria nº 206/80,
datada de 07/05/80. Consequentemente o colégio sofreu uma outra mudança
no nome. De Instituto Santa Rita de Cássia, passou a ser chamado Colégio
83
Santa Rita de Cássia, cujo reconhecimento oficial do nome passou a ser
Colégio Santa Rita de Cássia 1º. e 2º. Graus, se deu com a publicação da
portaria 497/80, datado de 16/12/1980 pela Superintendência Educacional da
Secretaria de Educação. Em 1981 o Colégio Santa Rita acrescentou ao ensino
de 2º. Grau o curso de Desenhista Mecânico, aprovado pelo parecer 191/81,
datado de 17/03/1981, proceso 8.395 e em 1984 foram reconhecidas as
Habilitações profissionais em nível de 2º.grau do Colégio (Magistério, Patologia
Clínica e Desenhista Mecânico), aprovados pelo parecer 592/84 de 11/05/84,
processo 11.278 pela Câmara de Ensino de 2º. Grau. No ano de 1985, no
entanto, houve um declínio na instrução técnica e o Colégio Santa Rita, por sua
vez, foi obrigado a encerrar suas matrículas para os ensinos técnicos.
O Colégio seguiu seu ritmo de crescimento em número de alunos e
melhoria do espaço físico: cobertura de quadras, construção de
outras, mais salas de aula, laboratórios... Grau (que hoje
corresponde ao Ensino Médio), na onda de profissionalização de
nível médio estimulada pela Lei de Educação 5692/71. Naturalmente
abriu-se também curso Normal, tradição nos Colégios das
Agostinianas Missionárias. Os cursos profissionalizantes, como em
todo o país, declinaram rápido, pois não cumpriam a função
propalada. E a forte desvalorização do magistério gerou descrença e
esvaziamento desses cursos (Registro de campo, 22/11/08)
Em 1998 foi reconhecido pela portaria nº 1699/87 da Secretaria de
Educação o Ensino de 2º. Grau sem habilitação. A autorização para
funcionamento do Ensino Médio foi publicada pela portaria nº 277/99 nos
termos do artigo 12 e parágrafo único do artigo 31 da Resolução CEE 306,
de 19.01.84 e parecer CEE 103 de 19.02.99. O Ensino Médio foi
reconhecido pelo parecer 118/2002 e aprovado em 27/02/2002, processo
26.436 e pela portaria nº 1343/2002 da 42ª. Secretaria Regional de Educação.
Colégio Santa Rita buscou novas paragens: educativas, pedagógicas,
profissionais. Reabriu o curso secundário, chamado agora de Ensino Médio,
ampliou salas, reestruturou laboratórios, bibliotecas e acima de tudo, seu olhar.
Foi assim que, juntamente com outros colégios agostinianos, elaborou uma
primeira versão do Projeto Educativo Agostiniano/ Em busca de Unidade.
O Colégio promove programas de conscientização humanitária de seus
alunos como uma das propostas educacionais. Os educandos atuam
constantemente in loco através dos trabalhos práticos, tais como: visitas a
84
orfanatos, presídios, asilos e assistência à comunidade carente pelo do
fornecimento de cestas básicas, roupas, fraldas, materiais escolares, de
higiene e para auxílio aos deficientes motores, conseguidas durante
campanhas internas.
No XX Capítulo Geral da Congregação Agostiniana Missionária, em
outubro de 2007, Ir. Maria Gonçalves Assis, então Superiora da Comunidade
de Belo Horizonte e Diretoria do Colégio Santa Rita, foi eleita Conselheira
Geral. No dia 08 de janeiro de 2008, após a Missa de envio, na Casa Provincial
ela partiu para a casa Geral de Roma, onde reside atualmente. (IRMAS
AGOSTINIANAS MISSIONÁRIAS, 2008, p.1)
No ano de 2009 o Santa Rita completa 50 anos de existência. O perfil
do colégio hoje, além do comprometimento com a formação humana
demonstrado desde sua fundação, é a tradição. Muitos alunos atualmente
matriculados são filhos ou netos de ex-alunos. Um grande número de
professores e profissionais da administração são também ex-alunos. E a
família tem sempre aumentado...
Agora o Colégio se prepara para celebrar os 50 anos de existência.
Quanto colaborou para a formação de cidadãos responsáveis,
cristãos comprometidos, gente de bem que ajuda seguir a corrente?
Difícil avaliar. Mas a vida que palpita ali dentro é só entrar para
conferir.(Registro de campo, 22/11/08)
O Colégio Santa Rita atua nas questões pastorais e do entorno. Seu
projeto educativo publicado em dezembro de 2008 busca reforçar a identidade
das Agostinianas Missionárias, nos lugares onde exercem missões. Mas
também quer cumprir com compromissos firmados em documentos importantes
tais como As Diretrizes da Ação pastoral da Igreja no Brasil e o Documento de
Aparecida, parte dele reproduzido a seguir:
A Escola católica é chamada a uma profunda renovação. Devemos
resgatar a identidade católica de nossos centros educativos por meio
de um impulso missionário corajoso e audaz, de modo que chegue a
ser uma opção profética plasmada em uma pastoral da educação
participativa. Tais projetos devem promover a formação integral da
pessoa, tendo seu fundamento em Cristo, com identidade eclesial e
cultural, e com excelência acadêmica. Além disso, de gerar
solidariedade e caridade para com os mais pobres. O
acompanhamento dos processos educativos, a participação dos pais
de família neles e a formação de docentes, são tarefas prioritárias da
pastoral educativa. (DOCUMENTO DE APARECIDA, 2008, p.153)
85
Para a elaboração do Projeto Pastoral Educativo, realizou-se um
questionário com as comunidades educativas que permitiu a visualização
qualitativa referentes aos trabalhos das Irmãs Agostinianas Missionárias e
detectou ações indicadas pelas comunidades para o desenvolvimento e
valorização dos trabalhos em comum. Dos questionários e das reuniões feitas
com a equipe que elaborou o projeto, surgiu uma proposta de programação
que será aplicada durante o ano de 2009.
Atualmente vivem na comunidade de Belo Horizonte, Ir. Iraci do Carmo
Dias, Ir. Valentina Tonon e Ir. Ana de Fátima Primavera Mendonça, usando o
seu passado para construir o presente e prosperar o futuro. O Colégio vem se
reformando em suas propostas pedagógicas e em seu espaço físico e
adequando-as à realidade da comunidade. Com seus 806 alunos (Registro de
campo, 10/02/09), é o resultado do trabalho de muitas pessoas que por ali
passaram, dentre as quais, as diretoras: Consuelo Soares de Carvalho, Ângela
Cecília Traldi, Ivone Colombo, Leuter Inês de Carvalho, Sebastiana Rosa, Irene
Borges de Souza, Iraci do Carmo Dias, Clélia de Oliveira Fernandes, Maria
Gonçalves Assis e Maria Imaculada Marques Freitas, a primeira leiga a assumir
a direção do Colégio Santa Rita.
Segundo Freitas (1999), o Colégio Santa Rita tem o objetivo de
contribuir com a formação ética, moral, intelectual e cívica de pessoas
conscientes e humanas, com ações centradas no Evangelho. Sendo assim, o
Colégio Santa Rita oferece uma ação pedagógica voltada para o homem
completo, ciente de sua cultura, valores, autonomia e confiança. Oferece
atividades artísticas como música, dança, teatro. Favorece a construção do
conhecimento por via do esporte, do lazer e da solidariedade. (FREITAS, 1999,
p.2). O lema do Colégio é:
Sonhar e perseguir seus sonhos: UTOPIA; conhecer o chão
onde pisa e conhecer seus riscos: REALISMO; compartilhar
esse sonho e saber celebrar: COMUNHÃO; vibrar com a
conquista: DESEJO E PAIXÃO; admitir erros, saber corrigir e
recomeçar: HUMILDADE. (FREITAS, 1999, p.2)
O espaço físico do Colégio é composto por dois prédios. O primeiro,
construído de 1965 a 1969, tem quatorze salas, com dois espaços para
86
multimídia, com televisão e computadores, piscina, playground, ginásio
coberto, duas quadras cobertas, totalizando três, cantina, laboratório de
informática, banheiros, sala de professores com banheiros, recepção, duas
salas para atendimento aos pais, tesouraria, diretoria e salas destinadas à
educação infantil. O segundo prédio, onde funciona atualmente o Ensino
Médio, foi construído em 1973 e reformado em 1999 (Irmã Agostiniana).
Compõe-se de cinco salas, biblioteca, matemoteca, espaço verde, com jardim
e horta, arena, laboratório de biologia, química e física, capela, almoxarifado e
banheiros. A instituição conta, atualmente, com a colaboração de oitenta e
sete funcionários, sendo quarenta professores, vinte e seis funcionários
administrativos, seis estagiários e quinze terceirizados.
4.2.2- A missão de Mapinhane: Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero
A XA HOMBE HI WUTOMI/ A coisa mais importante é a vida/ KU TSHOVELA MURIMI/ Colhe
quem semeia.
Provérbio Tshwa
A História da comunidade das Irmãs Agostinianas Missionárias em
Mapinhane, Moçambique, foi registrada de maneira não muito distinta da
comunidade de Belo Horizonte, com um aspecto em seu favor. Essa
comunidade é recente, fato que fez a reunião de documentos e depoimentos
mais acessíveis, além da História da missão estar bem viva na memória dos
habitantes da região. A maioria dos documentos estavam disponíveis para a
pesquisa no Colégio e na residência das irmãs. Os relatos foram colhidos
formal e informalmente e registrados no caderno de campo e depois
transcritos. Muitos deles com fidelidade ao texto original, palavra por palavra.
Outros, contados por mim, porém com a mesma preocupação. Não há palavras
para descrever o quão extenuante foi caminhar pelas imediações da escola, ou
até mesmo dentro dela, e ouvir relatos sobre o povo dali. Tive a certeza de que
a África proporciona um retorno espiritual às nossas origens mais profundas. A
terra, o chão, as gentes e a natureza. Mesmo diante de muita pobreza, ainda é
possível sentir uma brisa suave da alma do povo que aprendi a amar e dedicar
a função de mestre, segundo Agostinho.
87
Pelos idos do ano de 1995, mais de 2,6 milhões de crianças e jovens em
idade escolar não conseguiram estudar por falta de vagas nas poucas escolas
de Moçambique. Estimava-se que cerca de 70% dos mais de 17 milhões de
habitantes no país fossem analfabetos. Apesar de Moçambique ter feito o
projeto Educação para todos até o ano 2000, sabia-se que o país não teria
condições concretas de realizá-lo. E a realidade educacional era mais crítica
em nível secundário, ou seja, nas 8ª., 9ª. e 10ª. Classes (PATIAS, 1996, p.1)
Inhambane tem uma área de 68.505 km
2
e tinha, na década de 80, uma
população de aproximadamente 1.500.000 habitantes. Mesmo com a
população numerosa, contava com apenas quatro escolas, localizadas no sul,
nas cidades de Inhambane e Maxixe. Juntas, elas não conseguiam absorver
nem 1/5 dos alunos. Para conseguir uma vaga, muitos recorriam à corrupção
organizada o pagamento de propina -, e a maioria nem tentava consegui-la,
sabendo que seria inútil. Outros, tentavam estudos na Beira ou em Maputo,
distantes 500 e 700km de suas aldeias. (PATIAS, 1996, p.1)
O Governo, na tentativa de recuperar a rede de ensino, contratou
professores e construiu algumas salas de aulas. Ainda assim, as pessoas
continuavam em precárias condições, sentando-se no chão ou embaixo de
árvores. Diante dessa situação, a Igreja Católica Diocese de Inhambane,
representada pelos Missionários residentes em Vilankulo, em janeiro de 1995,.
durante um encontro do grupo de missionários locados ao norte de Inhambane,
idealizou o Projeto Educação é vida para restaurar a Escola Secundária Padre
Gerardo Gumiero (PATIAS, 1996, p.1).
O objetivo era apoiar a reestruturação do sistema educacional de
Moçambique, aumentando o número de vagas, que, na época, era inexistente
ao Norte. A Escola seria propriedade da Diocese de Inhambane, e ao mesmo
tempo comunitária, pois contava com a participação de sete paróquias no Norte
da Província, de Massinga a Guvuro.
A escola está aberta a todos, sem distinção de credo. Isto vem
reafirmar a preocupação que a Igreja Católica tem pela
realização da pessoa humana respeitando os seus direitos
dentre os quais o direito à educação. (PATIAS, 1996, p.2)
88
No ano de inauguração da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero,
as Missões de Mangonha, Mambone e São José de Mapinhane completavam
50 anos. Por isso mesmo o nome escolhido foi Padre Gerardo Gumiero, que
trabalhou em Mapinhane por mais de 20 anos. Dar seu nome à Escola foi uma
maneira de resgatar e preservar a memória de uma pessoa colaboradora com
a formação espiritual, humana e social daquele lugar.
Padre Gumiero de Eugenio e Baesso Maria nasceu em Livelle di
Trebaseleghe, Itália, em 26/03/1914. Estudou teologia em Turim e ordenou-se
sacerdote em 23/06/1940. Em 1950 foi enviado a Moçambique, tendo
trabalhado em Mapinhane (1950 a 1954) e em Massinga (1955 a 1958),
retornou a Mapinhane e ficou até 1975. Faleceu dia 12/10/1994, na Itália.
(INSTITUTO MISSIONÁRIOS DA CONSOLATA, s/d,p. 41)
Quando conheci Pe. Gerardo fiquei tocado pela sua
personalidade caracterizada por simplicidade, sabedoria, e
sobretudo por uma força interior. Em cada palavra dele havia
um ensinamento. Seus conselhos não serão conselhos de um
pai ou de um amigo. Eram algo mais. Eram as verdades cristãs
que ele em sua simplicidade realizava na vida de cada dia,
aquelas verdades que o cristã conhece bem, mas infelizmente
nem sempre consegue r em prática. Através de seu olhar,
em suas palavras, com um pouco de reflexão a gente
conseguia compreender o que ele te queria dizer e ensinar.
Jamais se impôs aos outros, porém, a passos pequenos,
levando-nos quase pela máo, sem que a gente se desse conta,
tomávamos o caminho certo. (INSTITUTO MISSIONARIOS DA
CONSOLATA, s/d, p. 42)
As obras de restauração foram coordenadas pelo Sr. Oliveiras Simão,
em setembro de 1995 e o apoio financeiro vinha do exterior. A aprovação da
escola foi dada pelo Sr. Ministro da Educação Arnaldo Nhavoto, em 11/10/1995
(PATIAS, 1996, p.1). A reconstrução da escola foi autorizada em Outubro de
1995 e Fevereiro de 1996 iniciaram as aulas, porém a elaboração do processo
para aprovação dependeu de muito esforço, exigindo dos envolvidos encontros
em Mapinhane, Maxixe e Maputo.
Para fundar as comunidades, tanto em Belo Horizonte quanto em
Mapinhane as irmãs tiveram um chamado.Seja de um sacerdote, do povo, da
situação... coincidência entre as duas comunidades foi a ausência de escolas
nas regiões, separadas pelo oceano, mas não pela carência.
89
Imagem 15: Construção da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero
Fonte: Arquivo da Escola, s/d
As Irmãs Agostinianas foram chamadas para a Missão através de uma
carta convocatória divulgada entre elas em 1992, fazendo o apelo para essa
missão. Ir. Ana de Fátima Primavera Mendonça então se apresentou e disse
que estaria disponível assim que terminasse a Universidade de Enfermagem,
em 1993. Logo após o termino da faculdade, ela foi para Divisópolis fazer sua
preparação, com intenção de ir para Moçambique. O grupo seria: Ir.
Bernadete do Nascimento, Ir. Evanilda de Jesus e Ir. Ana de Fátima Primavera
Mendonça. Por motivos de doença, Ir. Antônia, com 64 anos, entrou para
substituir Ir. Bernadete, que não integrou ao grupo.
A chegada das irmãs foi uma proposta do Capítulo anterior a essa
data. Era para ser em Angola, mas devido à guerra civil que
acontecia, transferiu-se para Moçambique. Não se sabia o que fariam
em Moçambique, mas a Ir. Marilene (completar o nome), provincial, já
sabia da preocupação dos missionários da Consolata. Havia uma
grande necessidade de escolas de Ensino Médio na região, havia
escolas primárias. De Massinga até Mambone, a Escola Secundária
Padre Gerardo Gumiero foi a primeira escola de nível secundário da
parte norte da província de Inhambane. (Registro de Campo,
Moçambique, 01/07/08)
As Irmãs saíram do Brasil em 25 de Maio de 1995 e chegaram na África
do Sul dia 26. Dormiram nesse país e partiram dia 27 de Maio para Maputo,
onde foram acolhidas na casa regional das Irmãs da Consolata e
permaneceram por 3 dias. Em 30 de maio de 1995 partiram rumo a Mapinhane
90
e, após pernoite em Inhambane, chegaram dia 31 de maio. Na vila não havia
ninguém. Era ruínas. Onde hoje é o Colégio ainda antes eram ruínas do pós
guerra, pois havia três anos que a guerra tinha acabado. As estradas estavam
péssimas e onde é hoje a comunidade dos professores havia professores da
Escola Primária da Comunidade (EPC) morando em condições precárias. A
escola funcionava também de maneira precária, com apenas três salas. A casa
dos padres da Consolata foi a que ficou de pé. Residente ali estava o padre
Jaime Carlos Patias, que chegou em 1993 e veio para Mapinhane em 1994.
Ele recebeu as Irmãs juntamente com os Catequistas.
As Irmãs assumiram os afazeres domésticos, como é comum ser feito
em comunidade religiosa agostiniana, cada qual lavando, passando e
cozinhando sua própria comida, se adaptando, assim à vida ali.
A primeira reunião para tratar do projeto Educação é Vida aconteceu
após dois meses de chegada das irmãs, em Vilankulos. O projeto abrangia
tudo o que concerne a missão de Mapinhane: Educação é vida - pastoral,
formação dos catequistas e das várias pastorais na paróquia, a formação das
mamanas e a escola - a parte maior foi a escola. Daí, partindo do papel,
definidos os objetivos, a abrangência da escola, todas as paróquias da Diocese
de Inhambane mandaram os alunos para Mapinhane. Os missionários da
Consolata iriam colaborar com a escola. Eles enviavam, naquela época, as
listas dos alunos que deveriam ser acolhidos e mantinham a prioridade aos
alunos enviados pelas paróquias próximas.
Todos os líderes da comunidade vieram para ajudar a construir a escola,
co-participando no que era possível, muitas ou na maioria das vezes
trabalhando como pedreiros e ajudantes. Foi um trabalho bem braçal, eles
recebiam ajuda para comida e as irmãs iriam deixá-los nos lugares onde
moravam utilizando um carro que sobrou da guerra, compravam tambores em
Maxixe e enchiam de petróleo. era o lugar mais próximo para compras,
petróleo, telefone e nem havia quase nada. Tudo era muito simples. As
pessoas estavam aglomeradas nas cidades por causa da guerra. Era onde
acolhiam todos. Muita gente não sabia onde estava sua família, e voltavam
para os lugares de onde elas eram. Havia água apenas no posto comunitário.
As pessoas iam encher os tambores dois quilômetros de Mapinhane ou um
91
pouco mais. Via-se muita gente nas estradas, andando e andando. (Registro
do Caderno de campo,01/07/08)
A construção da escola foi arcada por intermédio das irmãs e ajuda de
Portugal, Brasil e Itália. Naquela altura todos estavam voltados para ajudas
humanitárias por causa do término da guerra. Feito o projeto da escola, Ir.
Evanilda de Jesus foi em busca de apoio do governo para autorizar o
funcionamento. O Sr. José Uqueio, naquela altura chefe dos recursos humanos
no Ministério da Educação, em Maputo e abriu as portas para o funcionamento
da escola, porque ele descobriu uma forma das irmãs conseguirem ajuda para
o pagamento do salário dos professores. Depois disso, a escola pôde voltar a
funcionar.
Dia 02 de Fevereiro de 1996 houve uma celebração de abertura debaixo
da árvore dos antepassados. A árvore “dos antepassados” é localizada no
centro da escola e várias histórias contam a respeito dela. Dizem os
mapinhanenses que na época da guerra várias pessoas foram enterradas ali.
Cada comunidade colaborou da maneira que pôde, seja com a presença
ou com alimentos. Foi quando chegaram em Mapinhane Ir. Maria José e Irmão
Airys, da Consolata, para integrar o grupo. As aulas iniciaram com duas
turmas de oitava série, 25 alunos em cada. Não havia internato. As famílias
acolhiam os meninos, tinha muita gente de Mambone, Inhassoro e Mabote. O
internato feminino foi implantado onde hoje ficam as casas dos professores que
por sua vez habitavam casas alugadas para eles. Praticamente todos os alunos
eram internos. A maioria dos alunos eram homens e os professores também.
Imagem 16: Inauguração da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero
Fonte: Arquivo da Escola, s/d
92
Por motivo de doença, Ir. Maria José Freitas precisou retornar ao Brasil
no início de 1998 e Ir. Maria Antônia Eribe, pelos mesmos motivos no início de
1999, ano também das primeiras cheias. Em Maio de 1999 integraram ao
grupo as Ir. Onélia Barbosa Figueira, Agostiniana Missionária, e Ir. Marilda
Campos, Franciscana da Penitência Recoletina, que vieram do Brasil. O
internato feminino estava sendo construído em 2000 e ao final mudaram para
lá. Até então as alunas ficavam no centro de Pastoral.
Os meninos estavam no antigo internato, onde hoje é a atual
biblioteca. Havia por volta de 250 alunos, nessa ocasião, a maioria
eram internos. O padre Jaime ajudava como administrador da escola
juntamente com Ir. Antónia até 1998. Depois que padre Jaime a Ir.
Antónia foram embora a Ir. Evanilda assumiu tudo e ficou até Abril de
2002. Por motivos de transferência e trabalho no governo geral, Ir.
Evanilda deixou a direção da escola para Ir. Isabel de Nazareth
Tavares. (Registro de campo, Moçambique, 01/07/08)
Quando Ir. Onélia Barbosa Figueira chegou em 1999 foi para a
secretaria da escola, internato feminino e ainda era professora de Língua
Portuguesa. Ir Marilda Vieira assumiu o internato masculino de 1999 até 2004 e
era prof. De Geografia. Nesse ínterim, em 1999, Ir. Ana de Fátima Primavera
Mendonça partiu para Honduras e ficou lá durante três meses.
Em 2000 integraram ao grupo Ir. Maria Gorete dos Reis (internato
feminino e aulas de psicologia e educação moral), Sr. Ricardo Santos
(administração) e Elizabeth Santos (prof. De matemática e diretora
pedagógica), leigos da Consolata(Registro de Campo, 01/07/08). Ir. Onélia
Barbosa Figueira, Ir. Marilda Vieira e Ir. Isabel de Nazaré Tavares partiram em
Dezembro de 2003. Em Dezembro de 2004 integrou ao grupo Ir. Lenice
Echamendi. Ir. Maria Bernadete Coelho Gonçalves chegou em agosto de 2005.
Ir. Lenice Enchamendi é atualmente administradora da escola e Ir. Bernadete
coordena o internato feminino e é prof. De Língua Portuguesa. Ir. Ana de
Fátima Primavera Mendonça assumiu a direção de 2004 a 2008 e, atualmente,
é assumida pela Ir. Maria Gorete dos Reis, quem ficou um ano ausente de
Mapinhane para terminar seus estudos na área de Psicologia.
A escola secundária é composta por 8 salas da administração, 8 salas
de aula, 13 casas dos professores, internato masculino, internato feminino,
biblioteca e um salão, onde geralmente acontecem as apresentações e festas
do Horizonte Literário (Registro de Campo, 07/07/08).O prédio principal,
composto por 10 salas: administração, direção, despensa, sala de reuniões,
93
sala dos professores, duas salas de coordenação, dois banheiros, a secretaria.
Nesse prédio principal, as salas estão dispostas em formato de U”, onde ao
centro encontramos um jardim com brincos de princesa roxos, palmeiras e
pequenos coqueiros. Os quadros de avisos estão dispostos no corredor de
entrada e os temas são Jornal Gumiero, Mensagens de otimismo e poemas,
dentre eles Quem morre? De Mário Quintana; lista de melhores alunos; lista de
melhores devedores; A feira de ciências, datas e atividades e um cartaz The
smoker’s body Le corps Du fumeur. Todas as salas têm cadeiras e mesas.
Os quadros são pintados nas paredes e as salas de aula são pintadas nas
cores rosa claro e bege. (Registro de campo, 20/06/08)
A situação de Mapinhane, mesmo com a inauguração da Escola, em
fevereiro de 1996, continuou e continua precária, seja por conseqüências da
guerra ou pela estrutura deficiente do governo das províncias e do país. A
juventude e as mulheres são as grandes vítimas da situação de analfabetismo
e intempéries econômicas e políticas que empobrecem e ainda colocam a
maioria em situação de desvantagem. Mesmo assim, as Irmãs continuam
acreditando na formação humana dos jovens e adolescentes daquela região,
dedicando à vida e acreditando nas vidas de Moçambique.
94
5 JUVENTUDE(S), PERSONAS E INSTITUIÇÃO ESCOLAR
A beleza da mãe é a maternidade que serve; a da anciã, uma grande recordação. No próprio
homem, parece-me, maternidade carnal e espiritual; a sua criação também é uma maneira
de dar à luz, pois criar com plenitude íntima é dar à luz.
Rainer Maria Rilke
Interpretar rituais na escola é uma tentativa de entender como
determinados comportamentos da cultura juvenil relacionados aos rituais
acontecem ali. Peter Mc Laren (1991, p. 43) destaca o ritual como “mecanismo
de articulação do controle social” e colaborador dos aspectos criativos e
reconstruídos no processo ritualístico. Para ele os rituais servem como
“sementeiras para a mudança social”. (MC LAREN, 1991, p. 43)
Um exame da escola como uma representação teatral ritualística
fornece uma base fecunda para se entender o modus operandi do
encontro pedagógico. Própria desta investigação é a compreensão de
que os rituais simbolicamente transmitem as ideologias sociais e
culturais, e que é possível de saber como as ideologias “funcionam”,
examinando os símbolos-chave e os paradigmas subjacentes ao
sistema ritualístico. (MC LAREN, 1991, P.29)
Para desenvolver análise sobre os jovens de Mapinhane e de Belo
Horizonte, foi necessária uma leitura do conceito de juventude. Maia (2004, p.
42) alertou-me para o sentido polissêmico da palavra juventude. Além disso,
diversos autores destacaram que definir juventude é uma tarefa profunda e
complexa, visto que essa fase da vida é estudada por muitas vertentes e
perspectivas, tais como sociais, históricas, culturais e biológicas. Ao dizer
juventude, pensei em um conjunto de realidades sociais, tal como cita José
Machado Pais: Quando falamos de “juventude” estamos profunda e
comprometedoramente emaranhados numa complexa teia de representações
sociais que se vão construindo e modificando no decurso do tempo e das
circunstâncias históricas. (PAES, 2007, p.2).
Para Novaes (2000), a definição biológica para a palavra jovem remonta
à idéia da longevidade, do “aparato físico”, portanto, jovem é aquele que, em
tese, está mais longe da morte. (NOVAES, 2000, p.46). Para ela, aspectos
históricos e temporais apontam para a convivência de várias juventudes que
convivem num mesmo tempo, no mesmo espaço social (NOVAES, 2000, p.
95
46). O que não anula as possibilidades de demonstrações diversas entre os
grupos juvenis, pelo contrário. A identidade do jovem é influenciada pelo grupo
social ao qual ele pertence.
A mesma autora pontua que esse jovem é produto do seu tempo. E há,
nesse sentido, uma pluralidade de vozes, porém nenhuma delas tem a
autoridade de falar por aqueles que cronologicamente são considerados
jovens, pois Jovens com idades iguais vivem juventudes desiguais (NOVAES,
2006, p. 105). Outros aspectos podem ser considerados para estabelecimento
das diferenças juvenis, tais como desigualdade social, idade de ingresso na
vida profissional, gênero e raça; local de moradia (NOVAES, 2006, p. 106-107)
Ou seja, as características do mundo de hoje interferem nas possibilidades e
identidades juvenis e no conteúdo dos conflitos e consensos presentes nas
relações intergeracionais. (NOVAES, 2006, p. 120)
Gilberto Velho defende a multiplicidade do mundo juvenil entendendo a
constituição das identidades como um fenômeno sociocultural e defende a
noção de geração como o estudo das relações entre categorias sociais,
interligadas, onde a referência é a idade. Para Velho (2006), é por essas
interligações que:
Podemos procurar entender definições de situação como
classificações e atribuições de papéis, formação de expectativas de
comportamento e modos de apresentação de indivíduos e grupos no
cotidiano. É essa permanente e complexa negociação da realidade
que envolve variáveis dos mais diversos tipos econômicas,
políticas, de organização social e simbólicas que vai estabelecer
fronteiras e classificações etária-geracionais. (VELHO, 2006, p. 193-
194)
E como toda e qualquer categoria que é parte referente sociedade se
caracteriza pela mutabilidade, as questões relacionadas à delimitação da
categoria juventude são discutíveis, com relação à idade. Pelos motivos
expostos, Velho também propõe a pluralização da palavra juventude.
A socialização e as relações com familiares e o universo de
parentesco em geral são cruciais no processo de construção
identitária. A continuidade, a reprodução , os conflitos e impasses são
algumas das discussões principais dessa ampla problemática.
(VELHO, 2006, p. 194)
Ao término de seu artigo o autor acrescenta um alerta da necessidade e
urgência de se fazer entender a heterogeneidade e o dinamismo dessa(s)
96
juventude(s), o que pode colaborar, efetivamente, para o entendimento e
análises no âmbito da sociologia.
Paes e em evidência a heterogeneidade do ser humano e,
principalmente do jovem, ao desconstruir o conceito de juventude, numa
tentativa de buscar o essencial que existe no jovem, sua singularidade, pois
para ele, a sociedade costuma enquadrar grandes grupos em uma mesma
categoria. Sob essa égide, a decifração do conceito de juventude passa pelo
desvendar das representações que, através de sucessivas adjectivações,
fazem da juventude uma realidade mascarada, por vezes uma fixação ou até
mesmo um mito. (PAES, 2007, p.3).
Maia (2004), em sua pesquisa sobre culturas juvenis, grupos e escola
lança um desafio/reflexão que me levou a refletir sobre informações comuns,
evidenciados pelos meios de comunicação vem sendo repetidos pela escola,
de um modo geral, e pode, evidentemente, reproduzir idéias equivocadas a
respeito dos jovens. Para ela:
Se considerarmos as estatísticas e os noticiários que apresentam a
juventude, principalmente masculina, negra e moradora de periferia dos
grandes centros urbanos, como os maiores protagonistas e, ao mesmo
tempo, maiores vítimas da violência urbana; e o grande envolvimento
da população adolescente com as drogas, perceberemos que, para
muitos jovens, a perspectiva de futuro é algo que se apresenta muito
fugaz e distante. Este quadro obriga a pensar sobre o lugar da Escola
no presente, para que talvez haja algum futuro diferente deste pelos
números! (MAIA, 2004, p. 189)
Buchalla (2009, p. 85), autora de reportagem editada na Revista Veja de
18 de fevereiro de 2009 reafirma as incertezas juvenis, quando diz em seu
subtítulo: Como pensam e se comportam os adolescentes de hoje: filhos da
revolução tecnológica, eles vivem no mundo digital, são pragmáticos, pouco
idealistas e estão mais desorientados do que nunca. (BUCHALLA, 2009, p. 85),
como se “estar desorientado” fosse privilégio apenas do jovem contemporâneo,
argumento que a própria autora chama a atenção mais a frente: Sim, é uma
generalização, e como toda generalização deve ser olhada com cuidado.
Verdade! Outro aspecto polêmico colocado pela autora:
Uma enquete com 527 pais e jovens de 13 a 19 anos de todo o país,
disponibilizada por uma semana no site VEJA.com, identificou hábitos
e comportamentos da geração que daqui a vinte anos estará no
comando do país. (BUCHALLA, 2009, p. 86)
97
Ainda nessa reportagem, respaldada por agências de pesquisas citada
pela autora, sobre idéias de que os sonhos dos jovens não são concretos, cujo
motivo principal é o fato é de eles dedicarem muito tempo à “rede”, que, por
sua vez, tornou-se, junto com os aparelhos digitais, extensão do corpo e dos
sentidos (BUCHALLA, 2009, p. 86)
Obviamente, ao generalizar o estudo sobre os jovens, a autora concorda
com idéias tão difundidas no mundo midiático e pelo senso comum, com as
quais acabam comungando pais e escola. É comum ouvir os pais, professores
e coordenação dizerem: na minha época não era assim! Obviamente não era
para ser, pois se trata de outro momento. No que pese todas as pressões que
a era contemporânea impõe às pessoas, o jovem, a meu ver, também as
sofrem, como os pais, e os educadores. Torna-se fácil, então, transferir a
responsabilidade dos fracassos juvenis para eles.
Ao contrário da autora acima, concordo, mais uma vez, com a sensata
colocação de Maia (2004), ao dizer que o jovem é considerado como um “vir a
ser”, ou “futuro da nação” e, eles próprios relacionarem a escola às suas
expectativas de futuro, os jovens são sujeitos de direitos postos também no
presente e, dentre estes está a escola. (MAIA, 2004, p. 188) Talvez o momento
seja de os educadores estarem atentos ao presente desses jovens e
procurarem saídas para as tensões entre escola, família, jovens e educadores.
Entendendo então, que a juventude só pode ser vista e tratada com uma
pluralidade de significados, nomearei os protagonistas dessa pesquisa de
personas juvenis. Tratei como personas juvenis os jovens alunos do ensino
médio. E por que, nesse trabalho, são eles personas?
Para definir as categorias personas e máscaras, recorri às definições do
teatro grego. Contudo, a intenção não foi apenas se apropriar de significações,
mas através das relações de contigüidade existentes entre personas e
máscaras, buscar uma interpretação contextualizada das atitudes dos atores
da pesquisa dos rituais da/na escola.
Escolhi, por isso, o teatro grego numa tentativa de aproximá-lo das
demonstrações sociais atuais, marcadas por mesclagens e hibridismos, pois
sabemos que as máscaras são utilizadas em diversos lugares; os indivíduos
(jovens) como personas e algumas atitudes de tais indivíduos como máscaras.
As personas, ao descobrir suas ideologias, inspiram em abordagens clássicas
98
primitivas; lançam mão das artes (literatura; cênicas) e a teorias que trazem
vivências significativas e dão sentido a eles na construção de suas crenças.
No cenário das tragédias gregas, datadas do século VII a. C., a
importância do poeta na sociedade era enorme: cabia a ele dar voz e palavras
a todos os pensamentos e sentimentos que os cidadãos comuns não sabiam
expressar. (CONHECER 2000, p.22). O teatro se relacionava às práticas
religiosas, tanto que as tragédias faziam parte das festas que homenageavam
o deus Dionísio, configurando uma ligação entre teatro e ritos populares. No
século VII a.C. a tragédia passou a ser um gênero autônomo, mas que deveria
conter fatos condizentes com a realidade, o que é chamado de mimesis.
(CONHECER 2000, p. 20-23).
As máscaras sempre exerceram fascínio sobre o homem, pois sua
aplicação varia do disfarce à proteção. Mas seja qual for seu uso, ela realçará
sempre um valor estético, estabelecendo uma relação entre os planos real e
imaginário (espetáculos e ritos) e colocará em evidência estados e qualidades
subjetivas. Suas expressões variavam de acordo com a intenção de quem usa
e a situação de uso.
Uma das principais funções da máscara era facilitar a imediata
identificação do personagem (o rei, o deus, o vilão) pela platéia,
assim que o ator entrasse em cena. Além disso, a expressão da
máscara acentuava os sentimentos dominantes de cada personagem:
ira, desprezo, compaixão...Havia um sem-número de máscaras,
representando tipos humanos e os mais variados sentimentos.
(CONHECER 2000, 1994,P.21)
A maior função da máscara do teatro grego era a de ampliar a voz do
ator, devido um pequeno mecanismo similar a um megafone existente dentro
delas.
O uso da máscara como elemento cênico surgiu no teatro grego, por
volta do século V a.C. O símbolo do teatro é uma alusão aos dois
principais gêneros da época: a tragédia e a comédia. A primeira
tratava de temas referentes à natureza humana, bem como o controle
dos deuses sobre o destino dos homens, enquanto a última
funcionava como um instrumento de crítica à política e sociedade
atenienses. Durante um espetáculo, os atores trocavam de máscara
inúmeras vezes, cada uma delas representava uma emoção ou um
estado do personagem. (www.rabisco.com.br)
99
Entendo ser possível uma apropriação da alegoria persona máscaras,
para compor as personas juvenis. A primeira remete ao jovem na construção
de suas ideologias
31
para a vida em sociedade. A segunda trata das máscaras
simbólicas utilizadas pelos jovens na vida em sociedade para que cumpram ou
não os papéis sociais esperados deles. É possível, nesse cumprimento de
papéis, a criação de estratégias que permitam o não cumprimento de
determinados rituais, mas é preciso que o jovem creia no personagem para que
possa sê-lo. Ao ser seu personagem durante a caracterização é possível que
haja uma encarnação e troca de papéis, permitida pelo momento vivido por
eles.
Stanislavski (1976) em abordagem sobre a construção da personagem
no teatro aponta que quando o ator não se transforma no personagem,
continua sendo quem ele é. É possível, entretanto, ser “vários” e ser um só”
(STANISLAVSKI, 1976, p.37). O ator se transforma no personagem passa a
ser várias personas.
A máscara, então, é uma alegoria a qual permite as personas viverem
suas próprias emoções com outras faces. É possível apresentar a máscara
mesmo sem maquilagem, e é possível reconhecê-la, porque ela confere ao seu
usuário poderes que ele não tem, permite que ele faça coisas que não tem
coragem, normalmente, de fazer. Confere a ele poderes particulares e
momentâneos e transformações e modificações de si mesmo e do ambiente.
Ao me apropriar das máscaras e das personas, interessou-me
estabelecer um diálogo entre essas duas categorias com os ritos e os rituais, já
que assumo, nessa apropriação, uma metáfora que os atores dessa pesquisa
utilizam como caracterizações para a vivência de seus ritos e rituais na escola.
Nesse sentido, os rituais configuram um conjunto particular e coerente
de símbolos com muitos significados; não um referente de ordem lógica
para explicar cada um deles. Por se constituírem os ritos parte de uma
dimensão simbólica e não apenas instrumental não devem ser examinados
somente em relação ao aspecto tangível, pois eles são parte de um processo
dinâmico e fonte geradora de cultura. Eles são, portanto, representações de
campos da vivência cultural e educacional, nas experiências ritualísticas
31
Ideologias referem-se aos modos das personas enxergarem e viverem a vida em sociedade.
100
(coletivas e simbólicas) quando as pessoas passam de uma fase da vida para
outra. No caso do estudo em questão, da juventude para a vida adulta.
Por isso, em um ritual a persona não está apenas arremedando alguém
ou fazendo teatro. Usar máscaras é uma maneira de demonstrar ideologias,
interesses velados e proibidos. Essas definições inserem a máscara no
conceito de alegoria, e não de um simples adereço qualquer.
Paes (2007, p.1) afirma que para desvendar o que as máscaras ocultam
é necessário decifrar os seus enigmas pesquisando os usos que são feitos
delas. Acredito na submissão desses jovens a diversos modelos sociais e
formas de vida, cujo objetivo aqui não é determinar se uma é mais ou menos
correta que a outra. O fato é, entretanto, as maneiras como os jovens recebem
esses modelos e como precisam ser, a cada momento, uma persona diferente.
Nesse contexto, então, está inserida a escola, pois ela, em si, carrega a
noção de ritual. Nela estão presentes atitudes e elementos, concretos ou não,
considerados sagrados, relações com o corpo, com alegria, tristeza e diversos
sentimentos. Os ritos não se resumem apenas na circuncisão (incisão) ou na
dor física e não são elementos caricaturais ultrapassados, pois a dimensão
educativa e instrutiva de todos os ritos de passagem são de extrema
importância para as pessoas.
Assim, o iniciado quando deixa o mundo da infância passa para o plano
sagrado. É como passar da mentira para a verdade. Para os outros que ficam,
o mundo “do iniciado” é, por muitas vezes, o misterioso mundo do sagrado,
separado do profano. Para o cumprimento dessas normas, os não-iniciados
são provocados a ter uma leitura aterrorizante ao que se vai encontrar diante
da morte e da ressurreição, diante das informações dadas pelos já iniciados. A
iniciação, rito mais comum, ajuda a estabelecer um contato entre o sagrado e o
homem. Fase, patamar, novo estado, nova vida. Eliminar a impureza torna os
ritos de passagem uma transformação da pessoa em pessoa humana
sacralizada, por um modelo social dado que assegura sua consagração. Na
escola, por exemplo, as experiências culturais que as personas trazem consigo
integrarão a outras culturas ali presentes, inclusive a da própria escola, que
também possui seus rituais, utilizados para disciplinar, administrar e limitar a
bagagem carregada pelos alunos. (MC LAREN, 1991, p.19).
101
A dimensão educativa dos rituais na escola pode ser demonstrada no
jogo das suas transformações. Para Da Matta (1981, p.24), penetrar nos ritos é
penetrar em ideologias e valores de uma formação social. A escola como uma
instituição que se determina como formadora de indivíduos tem suas funções e
também busca legitimar seus conceitos e ideologias. Para tal, exige a presença
de um professor, pois, e tanto ele quanto os jovens alunos fazem parte de um
ambiente social composto por regras e rituais, normas e obrigatoriedades, que
impõem regras e mecanismos de controle, tais como horários, avaliações,
castigos. Assim é possível manter um controle das pessoas e ao mesmo tempo
prepará-las, de alguma maneira, para a vida em sociedade.
É possível afirmar que a escola induz a utilização das máscaras pelos
jovens. Quando o jovem não se pronto para participar dos rituais, procura
acionar o corpo, meio que possui e tem controle para demonstrar suas
insatisfações. Gritar, agredir, inventar gestos, gírias... são maneiras de fugir
das normas. São alguns exemplos: Quero gazetar, queimar aula. Falo para o
professor que quero tossir, cospir, ou que vou à casa de banho. Se não quero
pedir, saio tossindo ou bebo água a aula inteira (Registro de campo,
Mapinhane, 27/06/08).
As formas de domesticação presentes na escola como a avaliação, a
aula, os momentos cívicos, as festas, tais como a junina, dia das mães, dos
pais, dia da criança e as cerimônias de encerramento do ano letivo marcam
uma simbologia comemorativa da escola. Os encerramentos são uma maneira
de marcar o rmino do ano ou do semestre letivo e divulgar aos envolvidos,
quem tem condição, segundo a visão da escola, de transitar de um ano ao
outro.
Todos representam simbolicamente a anulação de uma fase e a
passagem para outra, com novos privilégios e novas obrigações. As personas
estrategicamente devolvem em símbolos os símbolos que recebem da escola,
ao criarem estratégias para o não cumprimento de determinados rituais.
102
6 AS INTERAÇÕES JUVENIS, SEGUNDO MC LAREN
Somente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais
enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o fundo de sua
própria existência.
Rainer Maria Rilke
Analisar o sistema ritual de uma escola significa entrar num campo
híbrido de estruturas e comportamentos heterogêneos, os quais demonstram
muitos sentimentos e intenções. Embora Mc Laren (1992) ressalte que o
Estado de Esquina de rua pode ou não acontecer dentro de sala de aula,
preferi observar as personas também fora da sala de aula e da escola. Por
isso, os estados de interação desses jovens foram discutidos a partir de cenas
vivenciadas por eles em lugares diversos durante minha observação no campo.
A partir das descrições das cenas, foi feita uma análise seguindo as
tipologias de Mc Laren (1992), divididas em: rituais de instrução, rituais de
revitalização, rituais de intensificação e rituais de resistência. Fazem parte
desses eixos tipológicos os estados de interação seguintes: estado de esquina
de rua, estado de estudante, estado de santidade e estado de casa. Mc Laren
(1992) nomeou os rituais e os estados de interação a partir das observações
feitas na escola St. Ryan, e das instruções as quais os alunos recebiam dos
professores. Torna-se necessário suas abordagens, uma vez que elas serão
mencionadas, mais à frente, na análise dos resultados dessa pesquisa.
Os rituais de revitalização são os rituais utilizados para o reforço do
compromisso com a educação. As reuniões de equipes e grupos se encaixam
nesse tipo de ritual. Nesse caso, as reuniões do PEA e do HL podem ser
enquadradas nos rituais de revitalização.
Os rituais de intensificação reiteram os rituais de revitalização buscando
uma maior interação emocional entre alunos e professores.
Os rituais de resistência se caracterizam pela tentativa de inverter
simbolicamente os dogmas impostos pela escola, ou seja, é uma resistência
aos códigos autoritários hegemônicos e dominantes, que, segundo Mc Laren,
são preestabelecidos pelos professores. Por isso são conflituosos e têm o
objetivo de subverter a ordem estabelecida.
os estados de interação são maneiras que os estudantes têm com os
ambientes e com os outros por meio de comportamentos organizados. Não são
103
estados psicológicos, mas maneiras de agir. Nesses estados, os alunos tais
como atores do teatro, assumem em diversos momentos, papéis e modos de
se manifestarem. (MC LAREN, 1991, p. 131)
O estado de esquina de rua é o lugar onde reina a liberdade, porque
nessa maneira de os alunos se relacionarem e manifestarem demonstram que
eles são “donos do seu tempo” (MC LAREN, 1992, p. 132). Demonstrações
barulhentas, excesso de movimentos corporais e ausência de limites espaciais
são algumas das características que permeia esse estado. Para Mc Laren
(1992), o pátio e a rua, por exemplo, são palcos onde o estudante representa
seu próprio drama, onde suas emoções podem ser demonstradas livremente:
Os alunos demonstram exemplos de atividades cinestética, com
freqüência; seqüências de ação mais aperiódicas, enquanto as
configurações de postura são mais pronunciadas. Além disso, há
mais casos de fala e ritmos corporais irregulares (por ex., expressões
espontâneas e interjeições de sentimentos e emoções). Muitas vezes
estimulação de uma variedade de prazeres sensuais furtivos. As
relações entre os indivíduos se aproximam de uma intimidade não-
mediada. (MC LAREN, 1991, p. 133)
O tempo cronológico não é estruturado nesse estado, e muitas
atividades podem acontecer ao mesmo tempo. Comportamentos
estereotipados no estado de estudante, como por exemplo o estudioso, o
inteligente, o atrasado, o chato etc são molestados no estado de esquina de
rua por meio, inclusive, de simbologias e apelidos se mesclam a um humor
metafórico e o tempo serve, como em uma divisão de atos teatrais,
representações de papéis diversos. Os alunos são outras pessoas, na medida
em que esse estado permite que eles sejam eles mesmos, pois a atuação é
criada e reestruturada pelos companheiros de grupo, prevalecendo o mundo
subjetivo, com dores próprias e maneiras imprevisíveis de lidar com as
situações.
Um senso de comunidade espontâneo está presente, muitas vezes, e
esse estado pode ser considerado como possuindo uma dimensão
liminar ou liminóide. O espírito característico nesse estado é lúdico ou
da natureza do jogo e da brincadeira. (MC LAREN, 1991, P. 135)
O estado de estudante, por sua vez, é atingido após uma lamentável
movimentação da liberdade para as limitações, para a “área do limite”. Nesse
estado, os alunos precisam adotar uma série de normas e hábitos esperados
104
do “personagem estudante” que deve, no cenário da sala de aula segundo Mc
Laren, (MC LAREN, 1991, p. 137), desempenhar papéis sociais esperados
pelas autoridades. Geralmente no estado de estudante as ações são
previsíveis e engessadas, onde prevalece o “mundo real”, com suas dores e
horrores, comandadas pelo corpo docente.
O estado de santidade (místico) leva os alunos a corporificarem
maneiras de execução dos dogmas religiosos (sinal da cruz, cabeça baixa,
seriedade) e ações que apontam para subserviência, obediência e aceitação.
Assim, os alunos reconhecem que forças superiores “desconhecidas”, que
ocupam outro “lugar” senão o deles.
No estado de casa o estudante desenvolve experiências com a família.
A autoridade é exercida pelos familiares, que compartilham papéis parecidos
com os professores, padres, diretores, etc. Nesse estado, o acesso ao estado
de rua é imediato e de pronto acesso (quanto vão para o quarto, brincar na rua,
namorar na esquina, etc). Entre o estado de esquina de rua e o estado de
estudante pode existir uma ligação articuladora, quando estabelece passagens
entre um estado e outro e por outro lado se mostra antitética, pois os
comportamentos são, aparentemente, contraditórios. Todos os estados e seus
respectivos comportamentos poderão ser, parcialmente, inconscientes.
Como os estados de interação estão automaticamente inseridos na
escola, a passagem de um estado para o outro é obrigatória e significativa. Se
o indivíduo recusa de algum modo sua “passagem” para o outro estado, se
destaca como incapaz.
É imprescindível que os rituais instrucionais na escola mantenham um
espaço para que os estudantes possam afirmar sua cultura e vivência,
reconheçam suas experiências e modos de vida e assim consigam avaliar os
resultados do diálogo coletivo e construtivo.
105
7 OS JOVENS DO BARREIRO E DE MAPINHANE
Sobre a base do acaso que parece cumprir-se nesse abraço, acorda a lei que faz com que um
germe forte e poderoso avance até o óvulo que vem aberto ao seu encontro. Não se deixe
enganar pela superfície – nas profundidades, tudo se torna lei.
Rainer Maria Rilke
Descrever os jovens alunos pesquisados é, em essência, reviver boas
experiências e ao mesmo tempo pensar sobre como trabalhar, analisar e
transformar essas experiências em reflexão científica. Os jovens pesquisados
são alunos das escolas agostinianas do Brasil e Moçambique e têm idades
entre 16 e 24 anos. São alegres, demonstraram a mim amabilidade e carinho.
Os jovens do Colégio Santa Rita compõem uma faixa etária de 14 a 19
anos. Participam como voluntários do grupo Educando para a Autonomia
PEA -, que existe no Colégio Santa Rita desde o final de 2006. Esse grupo
assume as funções de estabelecer um contato mais próximo da coordenação,
participar de decisões em conjunto com a supervisão; auxiliar nas organizações
dos eventos (teatro, dança e música) e defender os interesses dos alunos nos
assuntos pertinentes à escola.
Os moçambicanos têm idades entre 16 a 24 anos. Participam como
voluntários do grupo Horizonte Literário –HL- que existe na Escola Secundária
Padre Gumiero desde 2001. Percebe-se, nesse caso, uma diferença entre as
idades que talvez possa ser explicada pelo fato de Moçambique ter estado em
guerra até 1994, motivo pelo qual impossibilitou muitas pessoas de
freqüentarem a escola regularmente. Outros motivos devem existir, porém não
arrisco em dizê-los, pois posso cometer algum engano, entendo que para
afirmar enfaticamente fatos das vidas de Mapinhane é preciso conhecer a
fundo o cotidiano, o que minhas idas não permitiram.
As atividades do grupo HL consistem em promover reuniões semanais,
para a escrita e declamação de poesias com temas diversos e organizar
atrações culturais na escola como shows, exposições e teatro.
Ao falar sobre as personas dos projetos em questão, retorno a Mc Laren
(1992) em sua afirmação que os rituais são sementeiras para a mudança
social, embora alguns cientistas os assemelhem a uma prática mecânica e os
consideram também anacrônicos ao século XX
32
. Por esse motivo, ao examinar
32
O livro de Peter Mc Laren foi editado em 1992.
106
a escola como uma representação teatral ritualística, torna-se possível
compreender e entender melhor como opera o encontro pedagógico. (MC
LAREN, 1992, p. 29)
Segundo Turner (1974), nos estudos rituais torna-se imprescindível
observar o significado e a simbologia dos rituais para os grupos. Como então
os jovens dos grupos HL e PEA percebem e significam os rituais na escola?
Como eles sentem esses rituais e o que pensam a respeito deles?
7.1 Educar para a autonomia: Utopia?
Durante meu trabalho de observação vivenciei uma experiência
diferente, pois precisava observar os jovens do PEA não como meus alunos,
mas antes como atores de minha pesquisa. Por esse motivo procurei
freqüentar a maioria das reuniões do Projeto Educando para a Autonomia
durante os períodos de folga. Como eram várias equipes a serem observadas
achei mais prudente observar com maior regularidade a equipe de
relacionamento, que trata das questões de interesse das turmas.
Quando havia algum evento na escola, eu procurava fazer as anotações
afastada do grupo de professores, num exercício de concentração. Ainda
assim, nesse exercício de impossibilidades, tentei cumprir com um
distanciamento. Não entre mim e os jovens, mas entre o que de mim é
funcionária e o que de mim era, no caso, pesquisadora.
Como é comum na sociedade, no Colégio Santa Rita as camadas
sociais também são heterogêneas. Existem muitos bolsistas (da escola, da
Prefeitura de Belo Horizonte e dos sindicatos), alunos com alto poder aquisitivo
e também o oposto. Além da heterogeneidade social e a heterogeneidade
cultural, advinda da própria constituição do bairro, pois como já foi dito, o
Barreiro é um distrito constituído por várias culturas.
Há, entretanto, no Colégio Santa Rita também nos últimos dez anos,
ocorrências de matrículas de alunos estrangeiros, como americanos e
brasileiros filhos de americanos que vieram do exterior sem alfabetização em
Língua Portuguesa, japoneses com o mesmo perfil, alunos de diversas partes
do país, do norte ao sul e, atualmente, uma aluna angolana. Esses fatos
107
confirmam a escola como lugar onde cruzam vários saberes e culturas
diversificadas. Para Mc Laren (1992),
Cultura é uma construção que permanece como uma realidade
consistente e significativa através da organização abrangente de
rituais e sistemas simbólicos. Os símbolos podem ser verbais ou não-
verbais e estão geralmente ligados ao ethos filosófico da cultura
dominante. (MC LAREN, 1992, p. 33)
Então, já faz parte da cultura no Colégio Santa Rita, o fato de os
parentes dos alunos terem estudado ou trabalhado ali. De certa forma, esse
traço cultural torna-se um facilitador para o diálogo entre direção e família.
Esse ato reforça a característica de herança dos rituais, pois os alunos herdam
de seus pais a educação Católica e a transmitem para os filhos.
Sobre a Instituição Católica, Mc Laren, ao citar a Associação de
Professores Católicos de Inglês, destaca:
A comunidade de escolas católicas insiste que cada estudante deve
ser ensinado ao máximo de suas potencialidades, o que inclui a
oportunidade de crescer na revelação cristã, de tal modo que algum
dia ele/ela possa fazer uma opção madura, livre e pessoal por Cristo.
(MC LAREN, 1992, p. 90)
E o fato de as escolas católicas buscarem desenvolver ao máximo as
potencialidades dos alunos, implica em ter profissionais de alta qualificação,
que levem aos alunos a descobrirem que:
Os próprios estudantes cristãos estão aptos a aprofundar suas
convicções e valores espirituais, compartilhando suas experiências
comuns de com seus colegas no ambiente normal da vida escolar
e de suas vidas, quando isto se mostra útil e necessário. (MC
LAREN, 1992, p. 91)
Essas convicções não são diferentes no Colégio Santa Rita, uma vez
que a filosofia de Agostinho determina e o aluno a buscar em si suas
potencialidades, como se vê:
A escola agostiniana, como toda escola católica, é e deve ser, antes
de mais nada, escola. Seu primeiro dever, portanto, é fazer, por todos
os meios e a ser possível, em todos os âmbitos, que seja uma escola
digna onde se fomente e promova a “excelência” educativa (tradução
nossa)
33
(DEL RIO, 1993, p.57)
33
La escuela agustiniana, como toda escuela católica, es y debe ser, antes que nada, escuela.
Su primer deber, por tanto, es hacer, por todos los médios y, a ser posible, en todos los
ambitos, que sea uma digna escuela, donde se fomente y promueva La “excelencia” educativa.
(DEL RIO, 1993, p. 57)
108
As regras disciplinares são claras. No início do ano letivo, todos recebem
uma agenda onde consta a identidade do Colégio, a Proposta Filosófico-
Pedagógica e as Orientações para o ano. Nessas orientações, estão os direitos
e deveres, a assistência e acompanhamento, o sistema de avaliação da escola,
recuperação, critérios de dispensa de avaliação, informações sobre educação
física e por fim as normas básicas de convivência em grupo.
Essas normas demonstram, de início, a necessidade de controle para
o funcionamento harmônico da Instituição, tais como: horário de entrada e
saída para os dois turnos (manhã e tarde), entregas de trabalhos, tarefas,
uniforme, controle de saída de sala de aula, realização de trabalhos no colégio
em horário extraturno, e considerações sobre a disciplina, como por exemplo:
8. DISCIPLINA:
a) Ocorrências de indisciplina:
Aluno fora de aula: tratar com o Coordenador de Disciplina, o qual,
posteriormente, informará ao Coordenador de Série e Supervisão as
medidas tomadas.
b) Caminhos para solução de problemas:
Desejamos que todos os problemas tenham sua solução. Muitas
vezes, ela terá que partir do próprio aluno. Estamos dispostos a
orientá-lo na busca de soluções ou buscá-las nós mesmos quando
estiverem fora do seu alcance. Temos que contar, entretanto, com a
manifestação do aluno que se sentir com algum problema. Para tanto,
os caminhos a seguir são
1o - Expor seu problema ao Professor em questão (se for o caso);
2o - Expor o problema ao Coordenador de Disciplina, se o problema
ocorrer fora de sala ou estiver relacionado à convivência com os
colegas;
3o - Buscar orientação do Coordenador de Série;
4o - Não encontrando solução nestas instâncias, recorrer à
Supervisora Pedagógica.
5a - Embora sempre disposta a ouvir os alunos, a Diretora será a
última instância a recorrer para solucionar problemas
(AGENDA AGOSTINIANA 2009, p. 11)
As aulas no colégio começam as 7:10. A entrada é feita pelo portão da
“quadra de baixo” cujo acesso às salas é feito pela rampa. Os coordenadores
de disciplina se posicionam na entrada nos dois períodos, para verificar, além
da postura dos alunos, a disciplina e o uso dos uniformes. Os alunos têm o
direito de atrasarem para o início das aulas duas vezes a cada bimestre. Na
segunda vez eles levam um bilhete comunicando aos responsáveis os dois
atrasos. Na terceira vez são impossibilitados de assistirem aulas naquele dia.
Segundo a Direção, o PEA é um projeto que surgiu da necessidade
inicial do colégio de mudar as estatísticas do número de alunos matriculados
109
no início do ano e os que terminavam o ano na escola. A direção entendeu que
mudar as estatísticas não seria um aspecto puramente administrativo, ou
publicitário. Mudar as estatísticas era um aspecto que envolvia uma ampla
mudança envolvendo os setores pedagógicos, a administração e até mesmo a
estrutura sica da escola. Além de todas as mudanças estruturais, o mais
importante era desenvolver nos alunos da escola autonomia política para
serem protagonistas da própria História e o sentimento de pertença do grupo.
O sentido de autonomia política, nesse contexto, significa auxiliar o aluno na
tomada de decisões de interesse comum dele e do grupo ao qual ele pertence.
Desenvolver no aluno a autonomia consiste, ao meu ver, uma das
principais funções da escola. Segundo FREIRE (2000, p. 66) o respeito à
autonomia e dignidade de cada um é imperativo ético e não um favor que
podemos ou não conceder uns aos outros. Para tal, a coordenação determinou
a participação dos alunos durante a elaboração do projeto e, principalmente,
em sua execução. Contudo, a coordenação tinha em mente que o PEA seria
diferente da categoria grêmio estudantil, pois seria um grupo que atua
ativamente em parceria com a coordenação pedagógica e administrativa do
colégio.
Grande parte das escolas particulares tem grêmios
institucionalizados. houve tentativas no CSR de criar um grêmio
no Colégio... Foi dada a resposta de que os alunos não estão
preparados ainda para um grêmio na escola., pois uma autonomia
bem completa, com um potencial de voz e vez numa proporção muito
maior. O grêmio tem uma legitimidade legal e os alunos via de regra
os confundem como equipe organizadora de festas. Não é o que
pretendemos. O PEA deve ser uma preparação para que mais tarde
eles possam assumir uma postura de uma consistência maior no
futuro. (Registro de campo, 10/03/09)
E assim, no final de 2006, o primeiro passo dado pela coordenação foi a
aplicação de um questionário para os alunos, em sala de aula. Todos os alunos
do ensino Fundamental II e Ensino Médio responderam ao questionário. Nesse
questionário foram abordadas questões sobre os problemas em geral, descritas
após introdução, cuja transcrição segue:
Você acredita que as pessoas podem fazer alguma coisa para
resolver os problemas?
Sabemos que a UNIÃO FAZ A FORÇA.Você acha que a formação de
equipes de alunos com responsabilidade definidas, poderia melhorar
as condições de funcionamento de setores promovendo maior
dinamismo e democratização na escola?
110
Vejamos algumas possibilidades de equipes a serem formadas:
higiene ambiental, esporte, relacionamento, cultura e eventos,
comunicação, ensino-aprendizagem e outras (especificar)
Quais atividades caberia à cada equipe desenvolver? Dê sugestões.
Você se candidataria a participar de alguma equipe?
Em caso afirmativo, qual?
Quais as habilidades você possui que poderão possibilitar-lhe um
bom desempenho nesta equipe?
Relatou-me a coordenação da escola que os alunos responderam o
questionário e muitos de pronto se predispuseram em participar. A etapa
seguinte formou as chamadas Equipes de Ação. A direção e a supervisão,
juntamente com alguns professores pala a escrita de um subprojeto juntamente
com os alunos inscritos.
As equipes do PEA têm os seguintes temas: relacionamento,
comunicação, musical, aprendizagem, higiene ambiental, esporte, cultura e
eventos, informática e pastoral. A partir das propostas de objetivos específicos
das Equipes de Ação EA -, o passo seguinte foi estabelecer horários para as
reuniões de cada uma, e assim foi feito. Observei a primeira reunião das EAs,
quando os alunos discutiram o projeto e escreveram o subprojeto de sua
Equipe de Ação. Eles elaboraram os objetivos específicos, procedimentos,
cronograma de atividades, recursos e avaliação.
Após a apresentação do projeto aos alunos, cada um manifesta seu
interesse e se inscreve em uma das equipes de ação mencionadas. A
participação é opcional e tem como pré-requisitos a disponibilidade,
disciplina, comprometimento e seriedade. Como atividade
extracurricular, não possui vínculo com qualquer disciplina e dispõe
de horários extraturno para reuniões, não interferindo no processo
regular das aulas. (Registro de campo, 10/03/09)
As tabelas e os gráficos a seguir demonstram o número de participantes
do PEA em relação ao número de alunos matriculados no colégio
Quadro 1: Relação de equipes e número de participantes do Projeto Educando para a
Autonomia
Fonte: Dados da pesquisa
EQUIPE
COORDENAÇÃO
Nº ALUNOS
Nº AL DO EM
RELACIONAMENTO COORD PEDAG 18 07
CULTURA E EVENTOS COORD PEDAG 09 09
ESPORTE PROF ED FÍSICA 62 11
INFORMÁTICA PROF INFORMÁT 32 10
COMUNICAÇÃO COORD PEDAG 07 02
Total de alunos 128 39
111
Quadro 2: Relação de equipes do PEA e suas linhas de ação
Fonte: Dados da pesquisa
No Colégio Santa Rita, em 2008, 182 alunos foram matriculados no
Ensino Médio e 321 alunos no Ensino Fundamental II. Desse total, 128
participaram do PEA, sendo que 39 alunos pertenciam ao Ensino Médio e 89
ao Ensino Fundamental II. (ver gráfico 1)
Gráfico 1: Demonstração dos participantes do PEA em relação aos alunos
matriculados no EFII e EM no Colégio Santa Rita em 2008
Fonte: Dados da pesquisa
EQUIPE
COORDENAÇÃO
LINHAS DE AÇÃO
RELACIONAMENTO COORD PEDAG Representação da turma com perfil de
neutralidade para a promoção da harmonia
e o bem estar da turma.
Execução de situações que incentivem e
valorizem o outro.
CULTURA E EVENTOS COORD PEDAG Participação nas equipes dos professores
na organização e realização dos projetos
constantes no calendário escolar,
assessorando os professores.
Promoção de integração entre as outras
equipes do PEA.
Organização de eventos no Dia do
Estudante, Halloween, Dia das Crianças e
Dia do Professor.
ESPORTE PROF ED FÍSICA Capacitação dos alunos para a elaboração,
execução e avaliação dos projetos
esportivos na escola.
INFORMÁTICA PROF INFORMÁT Capacitação de dois voluntários de cada
turma, para auxílio aos professores em
procedimentos técnicos nas salas de
multimídia e laboratório de informática
COMUNICAÇÃO
(Recreio Cultural)
COORD PEDAG Promoção, no momento do recreio, de
atividades interessantes, valorizando os
talentos da comunidade educativa.
Alunos EM
Alunos FII
Alunos PEA
Alunos PEA EM
Alunos PEA FII
112
A logomarca do projeto, segundo a direção, representa o processo de
caminhada dos alunos, pois queremos que eles aprendam a caminhar com
responsabilidade e autonomia. (Registro de campo, 11/03/09). A logo é
utilizada em todos os eventos, para destacar a importância da participação
dos jovens na construção de uma escola melhor.
Imagem 17: Logomarca do PEA
Fonte: Colégio Santa Rita, 2006.
Em reunião da Equipe de Relacionamento, datada de 22/04/08. Os
alunos se reuniram em uma das salas de aula do colégio para ouvirem a
coordenação. As carteiras estavam em círculo e à frente a mesa do professor.
Inicialmente a coordenação se apresentou e pediu que eu me apresentasse e
os explicasse o motivo de minha presença ali. Assim eu fiz. Em seguida, a
coordenação os orientou sobre os objetivos de estarem ali, para discutirem
assuntos que julgassem pertinentes e de interesse para das turmas. Os
participantes fizeram um levantamento das atribuições do grupo e a
coordenadora anotava no quadro. Uns copiavam, outros observavam, outros
folheavam o material, contudo, todos estavam em silêncio, obedeciam a uma
ordem para falar, levantavam as mãos ou esperavam o colega terminar de falar
para interferir.
Enquanto as anotações eram feitas, surgiam as interferências. Na
maioria das vezes as preocupações dos jovens diziam respeito aos
comportamentos dos colegas, principalmente em sala de aula. Todas as
colocações eram pertinentes e eu percebi que aquele grupo de
Relacionamento estava, realmente, levando a sério o projeto e não apenas
113
brincando de dar opiniões. As colocações eram bem estruturadas, pertinentes,
num tom de seriedade e responsabilidade. Nas reuniões eles aparentavam
dizer o que incomodava a turma e, sob seus olhares, estava impedindo o bom
andamento das aulas.
O professor está dando a matéria e os alunos querem uma aula
diferente. Na minha sala não um mural para a equipe colocar as
comunicações. Ano passado a turma detectou uma lacuna com
relação à escolha dos representantes do JOLIM (Jogos Olímpicos).
Acho que este ano a Equipe de Relacionamento deveria atuar na
equipe do JOLIM.As vezes ocorre que os jogos acontecem no mesmo
horário, não tem torcida e o professor fica dividido. Deve ter um
calendário antecipado. (Alunos do Projeto Educando para a
Autonomia)
Percebe-se, no recorte acima, o interesse dos jovens em colaborarem,
não somente com a escola, mas também com eles mesmos. Em outras falas,
que os jovens entendem a escola como uma grande sala de aula diante das
demonstrações dos significados presentes nas colocações. Para eles, a
quadra, a biblioteca, a multimídia, a gruta são todos ambientes destinados ao
aprendizado.
Por sua vez, a coordenadora da reunião procurava cumprir com o papel
de mediadora, ouvindo e, quando interferia nas colocações, procurava sugerir
soluções para os problemas levantados.
Os problemas de ordem prática poderão ser passados à coordenação
a qualquer tempo, mas vocês também têm autonomia para resolver
os problemas em turma. A equipe de esportes do PEA deverá
interferir, fazer a ponte na escolha dos representantes do JOLIM
(Jogos Olímpicos). Qualquer solicitação pode ser encaminhada à
equipe correspondente, por escrito. E vocês podem pedir socorro aos
professores, também.É preciso ter cuidado ao interferir e aproximar
do colega para não prejudicar o ambiente da sala. Sejam discretos,
conversem com o colega “ao do ouvido”, sem expor ninguém.
Chame-o para refletir junto com você. Muito cuidado para não ter
atitude que o professor é que deveria ter. (Coordenação Pedagógica)
Ao final da reunião, o grupo chegou à seguinte conclusão:
1- Reunião para avaliação da turma;
2- Diálogo com a equipe de professores;
3- Diálogo da equipe de relacionamento com os colegas;
4- Observar e procurar ajudar os colegas com alguma dificuldade;
5- Manter diálogo com a coordenação pedagógica/direção do
Colégio;
6- Organizar e manter o mural da sala com informações atualizadas;
7- Manter parceria com as outras equipes do PEA;
114
8- Fortalecer os relacionamentos de amizade na turma. (Registro de
campo, 09/04/08)
Imagem 18: Jovens alunos do grupo de relacionamento
Fonte: Registro da pesquisadora
A cultura de sala de aula não deveria ser enxergada como uma cultura
homogênea. Ali é um ambiente existem conflitos pelo poder, competições.
Esses poderes estão ligados às ideologias, as condições de classes
econômicas, às culturas e os símbolos, de todos envolvidos com a escola,
com a sala de aula. Por isso, talvez, a sala de aula tenha sido um dos assuntos
mais abordados durante as reuniões:
Incomoda a conversa fora de hora e notas baixas em conseqüência
da conversa. Risos altos demais em sala de aula prejudicam que tem
dificuldade. Brincadeiras preconceituosas e sujeira em sala. (Alunos
do Projeto Educando para a Autonomia)
Outros relatos, do dia 07/10/08:
Muitos procuram colar e não estudar. Houve caso do aluno que
escreveu na carteira e a estagiaria pegou. Alunos que precisam de
ajuda e ainda conversam! Determinados alunos que têm ajuda fora
do colégio acham que é fácil e não prestam atenção. (Alunos do
Projeto Educando para a Autonomia)
As observações desses jovens não se limitaram aos encontros durante
as reuniões. Como os alunos do PEA participaram da organização de eventos
no Colégio, tive a oportunidade de ver as outras equipes do projeto durante a
115
Celebração do dia de Santa Rita de Cássia; Festa Junina; Dia do Estudante;
Mostra Cultural; Dia do Professor e Dia da Consciência Negra.
As atividades desenvolvidas o de interesse comum entre alunos e
escola, uma vez que toda a organização, ensaio, contato com a direção, são
executadas em conjunto, desde o sexto ano até a terceira série do ensino
médio. No entanto, como em todo lugar em que diversos desejos, ansiedades e
vontades se confrontam, existem dificuldades no caminhar, pedras no caminho.
O primeiro deles surge com relação o horário das reuniões. O Ensino
Médio é uma fase escolar onde grande parte dos interesses do aluno e da
família estão voltados para o vestibular. O impasse consiste em: se a reunião
acontece após o horário de aulas, estão todos cansados, se acontece durante
o horário de aulas, sempre tem uma atividade para fazer ou uma revisão
importante, ou seja, o conteúdo está sempre em primeiro lugar. Então, as
reuniões acabam sendo determinadas pela coordenação. Nem sempre as
pessoas sabem utilizar a autonomia para o bem comum. Cada um deles tem
seus interesses pessoais, que as vezes confrontam com os desejos do grupo.
Então a necessidade de intervenção da coordenação geral, para a
restauração do bom andamento da situação.
Algumas vezes, no discurso relatado, dito e confirmado, de uma certa
forma se aproxima da fala de professores, e embora o momento de reunião
seja específico para os jovens, chamou-me à atenção a recorrência desses
dizeres, como por exemplo a conversa fora de hora e o lixo no chão. Assim
indago se o jovem reproduz os mesmos argumentos reafirmados pela escola e
por qual motivo eles estão repetindo, reafirmando a fala da escola?
São perguntas para as quais eu não tinha respostas, mas entendia que
o PEA, por ser um projeto recente, precisa sofrer modificações para o ajuste e
correções de falhas.
Os jovens alunos, ao fazerem afirmações sobre o momento da sala de
aula, se preocupam com o ambiente onde vivem e sabem que determinadas
normas ditadas pela escola, são necessárias para sua formação. Percebi que a
reunião do PEA, em si, carrega uma conotação de força do grupo de jovens no
ambiente escolar. Os jovens procuram defender os interesses dos grupos e
não agem simplesmente como delatores de ações e fatos que acontecem em
sala de aula. Existe uma dimensão ideológica que ultrapassa as fronteiras do
116
óbvio. Ultrapassa as fronteiras do óbvio porque diz dos estilos de vida daqueles
participantes, de seus anseios e suas próprias razões de estarem ali, e se
determinarem, como voluntários participantes de decisões na escola.
A maioria dos problemas verbalizados pelos jovens durante as reuniões
do PEA, são relacionados à sala de aula. Ou a aula é muito teórica, ou os
alunos não conseguem prestar atenção quando ela é prática, alunos que
dormiam, falta de iniciativa no cumprimento das atividades, falta de interesse
no vestibular, entre outros. Abaixo tabela que relaciona observações feitas
pelos alunos do PEA durante reunião de avaliação das turmas do colégio.
Quadro 3: Avaliação das turmas – relatos da Equipe de Relacionamento
PONTOS POSITIVOS
PONTOS NEGATIVOS
Menos conversa Pouca participação
Bom relacionamento entre professores e alunos Sala suja, lixo no chão
União da turma Conversa
Boa convivência Desatenção
Maior concentração durante as aulas Baixo rendimento
Criação de grupos de estudo Desorganização
Jogos olímpicos na escola – aumenta o
companheirismo
Brincadeiras inoportunas e agitação em
excesso nos intervalos
Falta de iniciativa de alguns
Fonte: Dados da pesquisa
Na verdade, as descrições devem ser vistas e entendidas como
termômetros da sala de aula, já que ela foi o assunto destacado da maioria das
reuniões. É óbvio que os alunos não entendem esse espaço como sendo o
único onde o saber reside. Além da sala, das carteiras perfiladas, do quadro
escrito, existem formas muito interessantes também, prontas para serem
exploradas e que os provocam para outros saberes não institucionalizados. É
um indicativo de que as práticas nas salas de aulas precisam ser revistas. Não
se trata, contudo, de procurar um responsável pelas falhas, se é que elas
existem, e que as podemos chamar de falhas, mas de reler a atitudes e as
falas dos jovens para ser possível entendê-los melhor e utilizar esse
entendimento na prática.
117
7.1.2 O dia do estudante e o estado de esquina de rua
No dia do Estudante, os alunos PEA da Equipe de Comunicação e do
Recreio Cultural, organizaram uma apresentação de conjunto musical
composto por integrantes do PEA e outros alunos do colégio. A Equipe de
Cultura e Eventos foi responsável pela organização da apresentação, desde a
seleção dos músicos e a verificação de equipamentos de som para o bom
andamento da apresentação.
Todos os alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio participaram
do Recreio Cultural. Nesse momento, foi visível o estado de esquina de rua
abordado por Mc Laren, os alunos estavam sentem-se donos do seu tempo,
enquanto uma coletividade. Eles representam seus papéis e status que
refletem predominantemente a dinâmica de suas relações com os colegas e
suas identidades. (MC LAREN, 1992, p. 132). O contato físico, através das
danças, dos abraços, empurrões, pulos e gritos, nesse caso, aproximando-se
da ritualização, associado a biorritmos e padrões psicossomáticos, com
movimentos do corpo, a imprevisibilidade, o barulho e a sinestesia. Os jovens
aproveitaram o momento, ouvindo músicas que eles mesmos escolheram,
dançaram com os colegas e com os professores. Os que se destacaram nos
Jogos Olímpicos do colégio, em junho e julho de 2008 receberam as medalhas
de destaque.
Imagem 19: Equipe de Cultura e Eventos em comemoração do Dia do Estudante
Fonte: Registro da pesquisadora
118
Em seus olhares, senti a relevância dos contatos corporais no pátio e os
transportei para a sala de aula, entendendo-os como uma forma de
comunicação. Um empurrão, abraços, puxões de cabelo, apertos na bochecha,
pegar a merenda ou o boné do colega, pular e correr, todas as atitudes podem
ser traduzidas em significados importantes, porque são formas de
comunicação, tais como os rituais de comensalidade, definidos no início desse
trabalho.
7.1.3 A Mostra Cultural
Uma das atividades do grupo de teatro do PEA é a Mostra Cultural, um
evento que não tem o formato de feira de ciências. Na modalidade de teatro,
ela é coordenada pela equipe de professores (direção, maquiagem e figurino,
dança, música), que após apresentarem o texto a todos os alunos, abrem as
inscrições para os papéis. Dessa forma, todos têm a oportunidade de se
candidatar e participar da seleção. Após serem feitas as seleções, os alunos
recebem o seu texto e o levam para casa para estudo. Durante as oficinas, o
texto é estudado e explicado aos atores em suas formas histórica, social e
filosófica.
Imagem 20: Mostra Cultural do Colégio Santa Rita/Grupo de teatro
Fonte: Registro da pesquisadora
119
Durante o processo de elaboração e desenvolvimento do teatro, o uso
das máscaras tornam-se mais evidentes, pois o aluno se veste de um
personagem e através dele elabora, recria e vive uma outra voz uma outra
pessoa - , que muitas vezes se confunde com a sua própria. Consiste num
momento que, Segundo Mc Laren, os alunos dão vazão às suas frustrações
reprimidas. E ao mesmo tempo que o aluno, ao se vestir de personagem, vive
o estado de esquina de rua, vive também o estado de estudante, por estar ali,
no palco, demonstrando um texto previsível.
Sendo assim, confirmo que a máscara é utilizada pelos jovens como
uma alegoria que permite às personas viverem várias sensações num mesmo
momento. Elas tem a capacidade de movimentar símbolos juvenis dentro da
escola, como por exemplo, dar aos jovens a face de alguém diferente com
poderes que normalmente não pode usar na escola. Os próprios jovens
demonstram como é importante participar do PEA. No quadro 4, foram
destacadas importantes palavras e expressões as quais podem remeter a um
processo de significação o qual foi demonstrado em diagrama.
Quadro 4: Respostas dos jovens alunos brasileiros à pergunta número 9 do questionário:
O que significa para você participar do Educando para a Autonomia?
Significa amadurecer mais, aprender a ver vários fatos do outro ângulo.
É a evolução do colégio, dando aos alunos oportunidade de expressarem o que pode
melhorar na escola.
Está sendo uma experiência nova, nunca tinha participado do PEA antes, então para mim
está sendo muito legal.
Para mim participar do PEA significa me preocupar com os outros, tentando tornar a escola
cada dia melhor. Fazer com que o ambiente de estudo seja mais agradável a todos.
Para mim participar do grupo PEA significa poder acrescentar mais algo a mim e a própria
escola.
Não respondeu.
Participar do PEA para mim é uma oportunidade de me integrar mais com as pessoas,
expressar minha opinião para que ela possa ou não ser aceita por um grupo de pessoas, e
quem sabe fazer a diferença na vida dos estudantes...
Sem dúvida foi um momento muito rico, uma experiência muito forte de aprender com as
crianças e ver a beleza da arte. Senti-me muito emocionado ao ver o resultado do projeto
nas produções relativas a Van Gogh e a outros pintores. Fiquei feliz de poder ajudar e de
ver e perceber como acontece o crescimento na escola.
Uma oportunidade de aguçar minhas relações tecnológicas e humanas.
Significa estar mais integrado na escola e poder ajudar no desenvolvimento do colégio em
relação aos alunos.
Significa ajudar, fazer um pouquinho a minha parte.
Participar do grupo significa poder estar ao lado da escola em suas realizações, é uma
honra poder participar e um prazer imenso.
Significa ter um maior aproveitamento com a arte teatral, contato com pessoas.
Expressar o que acontece no colégio.
É uma forma de quebrar o clima rígido e sério da escola, além de ser muito divertido.
Quadro 4: Respostas dos jovens alunos brasileiros à pergunta número 9 do questionário:
120
O que significa para você participar do Educando para a Autonomia?
Fonte: Dados da pesquisa
Palavras como amadurecer, aprender a ver, oportunidade de
expressarem, experiência nova, preocupar com os outros, tornar a escola cada
dia melhor, agradável, acrescentar mais algo a mim, integrar, expressar,
aprender, crescimento, aguçar, integrado, ajudar no desenvolvimento, ajudar,
estar ao lado da escola, contato com pessoas, podem estar semanticamente
ligadas à palavra mais recorrente, expressar, que por sua vez determina,
certamente a intenção do falante/escrevente. Desta maneira, posso deduzir
que os grupos formados são o lugar para expressão. Para que essa expressão
aconteça, é preciso dar-lhes liberdade de expressão.
Participar do PEA para mim é uma oportunidade de me integrar mais
com as pessoas, expressar minha opinião para que ela possa ou não
ser aceita por um grupo de pessoas, e quem sabe fazer a diferença
na vida dos estudantes...e Participar do grupo significa poder estar ao
lado da escola em suas realizações, é uma honra poder participar e
um prazer imenso. (Aluno do Projeto Educando para a Autonomia)
A liberdade de expressão faz com que os participantes dos grupos
tenham a oportunidade de demonstrar o quanto a escola é importante para
suas vidas. Porém, entre enxergar a escola como o um lugar de acolhida e
formação, com sentimento de pertença, e sentir-se parte dela, interferindo,
construindo, colaborando efetivamente, não é uma tarefa que depende
somente deles.
6.2 Em cena: Os jovens do grupo Horizonte Literário
Busque o âmago das coisas, aonda a ironia nunca desce; e, ao sentir-se destarte como que à
beira do grandioso, examine ao mesmo tempo se essa concepção das coisas deriva de uma
necessidade de seu ser.
Rainer Maria Rilke
O Horizonte Literário/Renascer de Novos Horizontes é a designação de
um grupo de jovens alunos da escola secundária Padre Gumiero de
Mapinhane. Normalmente eles estão envolvidos em ações comunitárias que
promovem a cultura e a literatura africana, especialmente a moçambicana.
Expressar o que realmente acontece no nosso colégio
121
A realidade da qual os jovens do HL fazem parte é diferente da realidade
do PEA. A escola é dirigida pelas Irmãs Agostinianas, desde a data de sua
reinauguração, em 1994, em parceria com o Governo. A própria reconstrução
da escola se deu sob acontecimentos trágicos, pois Mapinhane havia sofrido
sérios danos em consequência da guerra civil. Descrever essa realidade, para
mim, foi um trabalho singular, carregado de experiências marcantes.
Como em todos os lugares, o Ministério da Educação possui Leis a
serem cumpridas. Moçambique difere em alguns aspectos os quais merecem
destaque. O Despacho nº 39 do Ministério da Educação determina que:
É vedada a frequencia para o curso diurno, nos níveis elementar,
básico e médio do SNE; às alunas que se encontrem em estado de
gravidez, bem como os respectivos autores, caso sejam alunos da
mesma escola. Sempre que se justificar, será autorizada a frequência
às aulas das alunas grávidas, por decisão do Conselho da Escola,
tratando-se de escolas que não possuem o curso nocturno.
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2003)
As justificativas, no mesmo despacho, se dão pela edificação de uma
sociedade de justiça social, na defesa e preservação de igualdades de direitos
para todos os cidadãos em geral. Em correspondência direcionada à Escola
Secundária Padre Gerardo Gumiero, o serviço distrital de educação, juventude
e tecnologia solicita dados que deverão incluir os autores das gravidezes em
termos de: indivíduo da comunidade, colega da escola, familiar, professor, e
outros funcionários do Aparelho de Estado. (GOVERNO DO DISTRITO DE
VILANKULO, 2008)
As correspondências acima são demonstrações de uma das dificuldades
as quais os alunos de Mapinhane precisam enfrentar. Na medida em que a
maioria dos matriculados no Ensio Médio e uma grande quantidade do Ensino
Fundamental I possum filhos, as Irmãs procuram estruturar a escola de
maneira que a formação humana chegue aos alunos, principalmente através de
informações referentes à saúde e sexualidade. Por isso mesmo a escola tem
um regulamento próprio, que determina direitos e deveres dos alunos,
atribuições aos chefes da turma e do grupo, impedimentos, sanções e louvores
prestados aos alunos. Do regulamento da escola vale destacar a definição de
turma: A Turma é o órgão de base da instituição de ensino que se organiza em
grupos de discentes A direcção da Turma é Constituída por: Director da turma;
122
Chefe da turma e Chefes dos grupos. (ESCOLA SECUNDÁRIA PE GUMIERO,
s/d). Nesse regulamento, os grupos são definidos como:
O Grupo é um colectivo de estudo e organização interna da turma,
que visa desenvolver o espírito de solidariedade. O grupo é
constituído por alunos da turma de ambos os sexos, cujo número
varia de quatro a seis elementos, numa composição heterogênea,
quanto às capacidades, habilidades e idade. (ESCOLA
SECUNDÁRIA PE. GUMIERO, s/d)
A formação dos grupos no trecho acima possui caraccterística das
Equipes de Ação do PEA, pois esses grupos trabalham com o intuito de
colaborarem para o bom funcionamento da escola como um todo. Por isso
mesmo, eles tem tarefas pertencentes à sala de aula e fora dela. Consta nos
registros da Escola Secundária Padre Gumiero,
O surgimento do Horizonte Literário surgiu pela necessidade de criar
grupos para os jovens pudessem desenvolver talentos no intuito de promover a
cultura africana. Iniciou em março de 2001, sob responsabilidade do professor
Jeremias Zunguze, na época professor de Português e Inglês. Em princípio,
Zunguze criou a associação para desenvolver a arte literária, ensaiar os alunos
para a produção de textos literários que ilustrassem os aspectos vivificados no
cotidiano da vida sociocultural. O grupo contava inicialmente com oito
elementos.
Nesse período, os textos eram redigidos e expostos publicamente para
que todos tivessem acesso a eles, com o objetivo de elevar a Literatura a um
instrumento de divulgação cultural, expressão, sugestão ou representação do
mundo interior ou exterior.
Em 2002, o grupo Horizonte literário contava com 11 membros e
continuava a trabalhar na mesma perspectiva. Já no segundo trimestre de
2002, Zunguze deixou a escola e o grupo, rumo aos EUA. Desta feita, o grupo
foi confiado à responsabilidade da professora Elizabeth, uma portuguesa leiga
missionária da Consolata e professora de Matemática, a qual coordenou o
grupo até as vésperas do terceiro trimestre de 2003.
123
Imagem 21: Aluno do Horizonte Literário declamando poesia em dia de festa na escola
Fonte: Registro da pesquisadora
No segundo trimestre de 2003, o grupo foi confiado à responsabilidade
do Prof. Florêncio Vilanculo, com onze elementos. No entanto, a estrutura do
grupo ditou a necessidade de dinamizá-lo no ingresso de outras atividades
literárias que integralmente pudessem responder às necessidades de
promoção de outras modalidades.
Horizonte Literário, sugere uma proposta de criação e promoção da
literatura moçambicana. Esta é uma iniciativa sugestiva de que os
alunos sejam motivados a criarem o gosto pela leitura, alargado na
compreensão da vida, da sociedade e da sua história. A razão do
título Horizonte Literário, resulta da intenção de que cada um
encontre o verdadeiro horizonte ao ler um dos poemas desta
colectânea. Um horizonte que define o perfil da escola Secundária
Padre Gerardo Gumiero, na oferta de oportunidades de criação e
criatividade na criação literária.Renascer de Novos Horizontes, é o
motivo que vai incentivar e acolher os novos talentos para integração
literária, onde todos podem encontrar elementos estéticos, literários,
históricos, éticos, morais e cívicos que devem ser parte da formação
integral dos alunos. (VILANCULO, s/d)
De acordo com o coordenador Florêncio Vilanculo, em 2003, o grupo
conseguiu compilar um livro, bem como várias atividades de ordem recreativa
na escola e na comunidade, tentando motivar os jovens alunos para a luta
contra o combate da pobreza absoluta, por meio de integração dos alunos nas
atividades comunitárias. Ao fim de 2006 o grupo contava com quarenta
participantes, de maneira que o objetivo principal começava a se perder, por
isso, acharam por bem dividi-lo.
124
Para o prof. Florêncio Vilanculo, no contexto do termo “literatura
Africana”, entende-se como um conjunto de todos os meios de expressão,
sugestão ou representação do mundo interior ou exterior. Assim, o grupo
obedeceu uma nova estrutura de modalidades (canto e dança, poesia, teatro, e
arte plástica) com a intenção de integrar mais jovens nos grupos.
Meu primeiro encontro com o grupo HL aconteceu no Brasil quando uma
das irmãs havia chegado de Moçambique e ficou, por um tempo, no Colégio
Santa Rita, em Belo Horizonte. Naquele momento eu estava envolvida com as
questões africanas devido ao projeto Saber além de fronteiras, que tomava
impulso. Em uma de nossas conversas ela forneceu-me um exemplar do livro
Horizonte Literário. Nossos contatos continuaram e ao final de 2003 eu já tinha
informações sobre Mapinhane, a escola e principalmente, sobre o grupo HL.
Em junho de 2007, já no Mestrado em Educação, tive a oportunidade de
conhecer, pessoalmente o grupo durante minha primeira viagem para
Moçambique. A sala onde o grupo se reúne é arejada. Tem duas janelas que
se mostram para o campo de futebol, onde há muitas árvores. Na janela,
capulanas. Na parede, quadros de fotos, compostos por vários momentos da
turma. também um velho computador, colocado em uma mesa forrada com
uma capulana vermelha. Normalmente todos têm acesso a esse PC. Nessa
ocasião cada um do grupo se apresentou, falando um pouco de si todos leram
suas poesias favoritas. Falaram sobre o que esperam do futuro e em todos os
depoimentos estudar ou estar na escola estavam incluídos.
Outras atividades também acontecem em prol de ações que promovam
a cultura e sensibilizem as pessoas informando-as dos problemas sociais da
região, especialmente sensibilizando-as para o combate às epidemias que
atingem a saúde da juventude, primeiramente o HIV-SIDA, drogas, gravidez
precoce e alcoolismo.
Não há, ainda, um projeto sistematizado, com objetivos do
funcionamento do HL para cada sub equipe. No projeto do HL Literatura
apenas os objetivos específicos que envolvem outras atividades que não a arte
Literária. Por isso, tive mais contato com o grupo de Literatura.
125
Quadro 5: Relação de equipes e objetivos do Horizonte Literário
Fonte: Dados da pesquisa
Uma linha de ação primeiramente estabelecida estava ligada única e
exclusivamente à Literatura, todavia o crescimento do grupo levou à sua
divisão. Embora hoje haja a divisão de tarefas entre os participantes de todos
os grupos e subgrupos do Horizonte Literário, o há ainda uma organização e
sistematização das atividades dos grupos de teatro, pintura e dança, motivo
pelo qual não pude ter acesso ao número exato de participantes desses
grupos, apenas do de Literatura, que abaixo segue demonstrado pelo gráfico 2.
Dentre os 132 alunos matriculados no Ensino Médio e dos 516 do
Ensino Fundamental II da Escola Secundária Padre Gerardo Gumiero, apenas
vinte participavam do Horizonte Literário em 2008. Percentualmente representa
a parte de 0,030% em relação ao total de alunos matriculados na escola;
seiscentos e quarenta e oito. Representado pela torta a qual chamei de gráfico
2, para assim percebermos a discrepância entre o número de participantes no
Brasil e em Moçambique. Ao descrever esses números, lembrarei das
dificuldades que um jovem tem para terminar o Ensino Médio em Mapinhane.
Além do deslocamento, as problemáticas da alimentação, vestuário, saúde
e a falta de perspectivas para o futuro. Num país ainda renascido da guerra
civil. Muita coisa ainda de ser feita. Por isso, poucos se enveredam pelos
caminhos da arte, pois são acostumados a conviver com realidades as quais a
poesia demonstra claramente, entretanto não consegue fortalecer ainda o
desejo de Utopia.
EQUIPE
COORDENAÇÃO
OBJETIVOS
POESIA
COORD PEDAG
Promover a literatura africana e descobrir
novos talentos
ARTES PLÁSTICAS
TEATRO
CANTO E DANÇA
COORD PEDAG
Incentivar o jovem para um
desenvolvimento intelectual;
Integrar o jovem numa vida socialmente
adequada.
Estimular a responsabilidade na tomada
de decisões e na escolha do futuro.
Mobilizar e transmitir mensagens aos
jovens de paz e de combate à pobreza.
Regasgatar a cultura africana,
Divulgar os habitos e costumes dos
povos africanos.
126
Gráfico 2: Demonstração dos participantes do HL em relação aos alunos matriculados na
Escola Secundária Padre Gumiero em 2008.
Fonte: Dados da pesquisa
Imagem 22: Horizonte Literário
Fonte: Registros da pesquisadora
Apesar do desânimo, das dificuldades enfrentadas, O grupo Horizonte
Literário tem, em manuscritos, um número extenso de poesias. Foram
selecionadas para publicação, em 2008, cerca de cem textos que esperam
patrocínio. Nesta abaixo, podemos sentir como as marcas da guerra civil
consomem as energias de uma geração que é filha dela e carrega, nos
ombros, uma grande responsabilidade de reconstruir um país.
Tiros perdidos
Um noite sangrenta a volta da tristeza
Eram tiros perdidos em busca da certeza
Alunos EM
Alunos FII
Alunos HL-LIT
127
Do esmolar da realidade sofríamos
Sem esbaramento escapáva-mos
Do xigubo
34
vivíamos estremecendo a terra
Vigiando sangue que derramava-se da guerra
Torturados, lacrimejávamos da cabeça aos pés
Eram balas perdidas em busca da verdade
Ao permutar de um turno saíram gritos
Deram lazarentos povos sem abrigo
Onde a voz mais alta era da dor
De balas extraviadas procurando uma verdade
(Registro de campo, Mapinhane, 07/08)
O jovem de Mapinhane, através de seus poemas e da forma como eles
os “cantam”, refletem suas necessidades e situações vividas. A utilização de
palavras referidas à guerra: tiros, sangue, gritos, balas, podem representar um
pedido de socorro diante das consequências dos massacres que eles viveram.
Essa é apenas uma demonstração da cultura juvenil desenvolvida em atividade
fora dos limites da sala de aula.
A logomarca do HL desenhada por um dos integrantes do grupo e
trazida para o Brasil, com o objetivo de ser digitalizada. Segundo o criador do
desenho, ao meio das duas letras H/L, que significam, respectivamente
Horizonte e Literário, está o livro. O objetivo do grupo é publicar o livro de
poesias deles. Dentro do livro estão a caneta e o tambor. De um lado, a caneta
representa as letras. De outro lado, o tambor representa a cultura e a música
moçambicana.
Imagem 23: Logomarca do grupo Horizonte Literário
Fonte: Dados da pesquisa
34
Xigubo= Dança de exaltação guerreira antes ou depois da batalha.
128
As maiores dificuldades percebidas para a continuidade do HL são a
falta de um computador para a digitação das obras e outros documentos
formativos do grupo; publicacão de textos produzidos no grupo e verbas para
obtenção de tintas e tecidos para a artes plásticas. Essas atividades obtém
bons resultados entre os jovens e promovem interação e diversão. Conforme
eu mesma testemunhei, o HL passou a ser um referencial cultural na região e
lugar de difusão de outras culturas. Por abraçar essa causa, a Escola
Secundária e o Horizonte Literário lutam contra as dificuldades para manter
vivo o grupo.
6.2.1 HL e o Dia 25 de Junho – Independência de Moçambique
No dia 24/06/08 fui convidada por alguns alunos do HL para participar da
ceriônia de deposição de flores
35
em comemoração à Independência de
Moçambique. O Chefe do posto (Prefeito) estaria presente e que o HL havia
preparado duas apresentações.
O HL acordou em festa! Dia de deposição de flores no Posto
Administrativo da Localidade de Mapinhane. Estava presente o Chefe Alfredo
Banze. Antes do discurso sobre a Independência foi feita a deposição de flores.
A cada saudação ao nome do país respondíamos Moçambique Oie!
Independência Oie! Algo semelhante a Viva Moçambique, Viva a
Independência. O público presente era de mulheres, crianças, jovens, idosos,
grupos de jovens estudantes. Dentre eles o HL, que havia preparado uma
música composta pelos alunos da 10ª. Classe e uma peça teatral.
Por um Moçambique em progresso
Moçambique minha terra amada! Do Rovuma ao Maputo, erguemos a
nossa emoção em memória do seu povo.
Coro: Vamos promover a educação, pra recontruir o novo mundo,
vamos conduzir o Moçambique até este alcançar a nova vida.
O suor do povo passado e o sangue derramado foi a fonte do fruto
colhido, a independência e a liberdade.
Eu sinto uma dor profunda, quando vejo o jovem parado, cada vez
levando avante a pobreza em Moçambique
35
Oferecimento de flores a um morto no sétimo dia ou a uma data especial. No caso,
homenagem à Independência do país.
129
Levantemos oh povo querido
Promovemos a progressão, cada dia que passa tentando conquistar a
nova vida
Não podemos ficar limitados, pelas águas do oceano, navegando... é
possível demais conhecer novas terras
Imitemos as ondas do mar, noite e dia sem parar, elas correm de um
lado para outro, nunca querem descansar. (Registro de campo,
25/06/08)
A letra conclama o jovem moçambicano para erguer a emoção em
memória do povo que teve seu sangue derramado em nome da independência
e da liberdade. Para conquistar a nova vida, os jovens não devem ficar
parados. Palavras como independência, liberdade, educação e reconstrução do
novo mundo são convites para o progresso e uma vida nova, que pode ser
construída por todo os patriotas. A música foi cantada em Português e, por
sinal, muito aplaudida.
Os jovens apresentaram a peça teatral na língua da região, Xi-tswa.
Compreendi parcialmente por gestos que a peça teatral era uma crítica a
escola. É inevitável não comentar sobre os olhares preocupados, os gestos e
a vontade explícita desses jovens de apresentarem uma peça composta por
eles mesmos, cantar uma música também feita por eles. Todos estavam
felizes, não somente pelo dia 25 de junho, pois como eles mesmos disseram,
ainda muito o que fazer pelo país. O importante naquele momento era
conclamar todos os jovens ali presentes para trabalharem para a construção do
futuro a partir do presente.
Imagem 24: Horizonte Literário na comemoração do dia da Independência de Moçambique, 25
de junho de 2008
Fonte: Registro da pesquisadora
130
O segundo momento da festa foi um show de calouros coordenada pelo
Prof. Florêncio Vilanculo. Cada dupla, ou trio, preparou uma apresentação.
Havia um apresentador que anunciava os números. Um dos artistas imitou um
protótipo americado com roupas coloridas, óculos escuros, botas. Cantou em
inglês e imitou a dança norteamericana. Era a hora e a vez da mistura cultural.
Durante o intervalo, o apresentador fazia perguntas sobre conhecimentos
gerais. Qual a palavra de oito letras que se tirarmos quatro ficam oito? Biscoito.
Assim todos se divertiam.
Durante as apresentações, percebi nas danças a similaridade da dança
funk no Brasil em suas maneiras de dançar. Os movimentos corporais dos
meninos são sensuais e enquanto dançavam, era possível doar dinheiro a eles
colocando nos seus bolsos. Durante a dublagem de dois casais da música do
cantor brasileiro Leonardo, houve uma chuva de moedas. Vários jovens
pagaram pela apresentação. O dinheiro arrecadado foi destinado ao HL.
Os jovens moçambicanos do Ensino Médio têm que vencer muitas
dificuldades para concluir o Ensino Médio, pois a maioria das meninas já são
mães e a maioria dos meninos são pais. Então, participar de um grupo
extraclasse demanda muito esforço para os que têm família. Além disso,
existem as atividades em casa, muitos trabalham e vêem a escola como uma
chance a mais na sociedade, no sentido de empregar-se, poder fazer uma
universidade, quem sabe ir embora para trabalhar em outros lugares.
Imagem 25: Meninas do Horizonte
Literário, Moçambique, 25 de junho de 2008
Fonte: Registro da pesquisadora
131
O importante é que eles têm sonhos e esses sonhos, pelo que percebi,
são comungados com a escola. O HL é um grupo que efetivamente pertence à
escola. Percebi, porém, uma dispersão das outras equipes. Não um projeto
específico para cada grupo, mas ainda assim as apresentações acontecem, as
músicas são tocadas, e poesias declamadas. Abaixo afirmações desses
jovens sobre o que significa, para eles, participar do HL.
Quadro 6: Respostas à pergunta: O que significa para você participar do grupo Horizonte
Literário?
Significa aspirar conhecimentos perante os outros, expressar os sentimentos e as minhas
emoções e dar aos outros aquilo que sinto dentro de mim.
Significa ter a beleza que vai salvar o mundo e ser um verdadeiro pai da palavra: ser poeta.
Significa a curiosidade de querer saber escrever e ler.
Significa ter um lugar para me expressar, significa ter a capacidade de se comunicar com uma
caneta, ou com um papel, através do pensamento.
Significa abrir mais a visão e saber mais sobre o mundo adquirindo mais conhecimentos,
sabendo interpretar um algo de surpresa e muito mais do vocabulário.
Horizonte Literário para mim significa um lugar onde eu possa relaxar e por em prática os meus
dons e conhecimentos em geral e eu sinto-me bem e gosto de estar no grupo.
Significa descobrir novos lugares por onde o homem possa procurar mais aspiração sobre o
sentimento, sua visão, descobrindo novos rumos que descrevem a vida social, aspectos
históricos de uma nação e culturais e científicas.
É voar sem que tenha asas, é nadar sem barbatanas, significa ser superior da minha própria
pessoa.
Para mim significa criar novas idéias ou novas inspirações, também altera o ser do indivíduo.
Significa desenvolver a escola e as minhas capacidades no âmbito da leitura e escrita e
também no conhecimento da literatura em geral.
Para mim participar deste grupo significa contribuir para mim mesmo e para os outros a difusão
dos sentimentos no caso da expressão literária e poética, porque o nosso país necessita.
Significa mais um passo de vida nos estudos.
Para mim, participar do grupo horizonte literário significa desenvolver a arte de escrever, ler e
declamar mensagens (poesias).
Para mim participar do grupo horizonte literário, grupo da arte de escrever, ler, declamar a poesia,
cantar e desenvolver o dom da arte que cada um tem.
Participar do grupo Horizonte Literário significa para mim viver e reviver os costumes e cultura
africana através da Literatura desenvolvida no grupo, é uma forma de promover a literatura
africana para além de fronteiras.
Significa saber muitas coisas em comum que definem o nosso bem estar como
moçambicanos, assim como alunos.
Para mim significa muita coisa, porque aprende-se a cultura moçambicana, a leitura, poemas e
mais...
Significa estar inserida naquilo que é cultura nossa, desenvolver a integração da nossa cultura,
procurar por os outros para respeitarem e gostarem da cultura nossa.
Para mim significa o nascer de uma estrela.
É uma grande emoção, porque eu adoro cantar e participo no grupo cultural de canto. Fazer um
canto e que é aceito a todo grupo é como sentir-se uma grande cantora profissional.
Para mim significa muita coisa de bom e o meu dom que Deus me deu, quando eu descobri que
faço bem teatro, gostei muito, nunca havia imaginado que sou engraçada, pateta, séria...
todos esses papéis tenho numa só pessoa para significar muita coisa...
Fonte: Registros da pesquisa
132
Palavras e expressões como expressar, sentimentos e minhas emoções,
ser pai da palavra: poeta, escrever e ler, expressar, comunicar, abrir mais a
visão, conhecimentos, lugar relaxar, descobrir mais lugares, novos rumos, ser
superior, desenvolver o dom da arte, viver e reviver, costumes e cultura, saber
muitas coisas, moçambicanos, cultura moçambicana, procurar por outros para
respeitarem e gostarem da cultura nossa, nascer de uma estrela, grande
emoção, muita coisa de bom, podem estar diretamente ligadas à necessidade
de demonstrar a cultura moçambicana, de procurar novos rumos num lugar qua
ainda sofre o período pós-guerra, viver e reviver descobrindo novos lugares
não apenas geograficamente, mas também socialmente.
Apesar de jovens, os participantes do HL sabem que através da cultura
é possível demonstrar as qualidades boas de seu povo. Interessante que,
semanticamente, a demonstração de qualidade cultural do povo pode ser um
caminho a ser seguido no sentido de “chamar” as pessoas para admirarem
algo que nem sempre está ligado à pobreza, miséria, morte e guerra. Essa
visão faz desse grupo um grupo cultural e o grupo Educando para a Autonomia
um grupo mais reivindicador, altruísta. A palavra, no caso, mais recorrente é
cultura, que por sua vez determina certamente a voz do jovem moçambicano.
Viva a cultura!
As adversidades e dificuldades severas que a realidade de Moçambique
e, principalmente de Mapinhane oferecem, não os impedem de demonstrar
com alegria valorizar e acreditar na cultura.
Para eles, participar do HL,
significa descobrir novos lugares por onde o homem possa procurar
mais aspiração sobre o sentimento, sua visão, descobrindo novos
rumos que descrevem a vida social, aspectos históricos de uma
nação, culturais e científicas.(HL)
Facilitar o diálogo entre os alunos, o Horizonte Literário promove
intercâmbio entre a coordenação e os alunos, fazendo com que vários
assuntos de interesse dos jovens e da escola sejam discutidos nos horários de
reuniões. Além disso, o posicionamento do grupos analisados demonstraram a
necessidade de a escola reconhecer neles um momento de aprendizagem de
extensão da sala de aula. Uma visão compartimentada, lacrada e
intransponível pode colaborar para o surgimento das dificuldades há tanto
133
tempo discutidas. Lembro então da afirmação de Mc Laren (1992). No Estado
de Esquina de rua, os estudantes se apresentam em formas culturais
distintamente étnicas, de maneira que o espírito lúdico é característico nesse
estado, ou do jogo e da brincadeira. Essa afirmativa confirma a fala dos
participantes dos grupos ao destacarem que participar do grupo é nascer de
uma estrela (HL).
134
7.1 Os estados juvenis e os rituais de resistência
Ame neles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que,
envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia. Evite dar alimento ao drama sempre
pendente entre pais e filhos, o qual gasta muita força destes e consome o amor daqueles.
Rainer Maria Rilke
No convívio diário com esses jovens do PEA e do HL, vivenciei
linguagens, gestos e símbolos demonstrados nos intervalos, na Mostra
Cultural, em sala de aula, nos corredores ou nas celebrações, como um grande
arcabouço que essa pesquisa, com certeza, não conseguirá explorar. Não
somente pela sua extensão, mas também pela vida ativa que existe ali, na
escola e em seus jovens, recheada de sentimentos, simbólicos ou não,
renovados talvez, a cada dia, com a mesma velocidade da vida
contemporânea.
A cultura em sala de aula colabora para o surgimento de subculturas,
segundo Mc Laren, de resistência. Os rituais da escola demonstraram a cultura
hegemônica, dominante. Os rituais dos jovens na escola demonstraram uma
cultura reacionária. Apesar disso, ao serem indagados sobre como se sentem
na escola, a maioria respondeu que se sente bem, confortável, melhor, à
vontade e acolhido(a). Gostam de ficar com os amigos, estabelecer contacto
com outras pessoas, conviver com outros colegas e partilhar as idéias.A escola
é o lugar onde eles podem conviver, ser livre para praticar atos bons ( HL). É
na escola que se faz amizades e que percebe-se a importância de ter
conhecimento. Ali se pratica um espírito de tolerância e paciência, é onde o
aluno é formado a ser pessoa, é o melhor sítio para partilhar os problemas
sociais, culturais, etc.
A escola procura manter a dominação através dos seus ritos
escolares, um dos fatores que constitui os rituais como elementos políticos,
pois são experiências de classes sociais. Os jovens determinam qualidades
para a escola e o ambiente escolar. Assim se configura a consciência de que
ali é um ambiente privilegiado, onde a cultura, a convivência e todos os
sentimentos de partilha, amizade e solidariedade se comprazem e coexistem.
Sabem também que ali, estando com amigos e professores, podem
135
compartilhar momentos bons e ruins e poder crescer cada vez mais, não
intelectualmente, quanto pessoalmente.
É muito normal que as pessoas se sintam de maneiras diferentes. Na
escola me sinto bem, acolhido. O que acontece na família é diferente
do que acontece na escola. A escola é um sítio que nos proporciona
espaço para nos formarmos como construtores da nação. (registro de
campo, Moçambique, 27/06/08)
também quem se sente desmotivado, desanimado e com
sono, porém essas sensações passam quando a aula está interessante,
apresentação de trabalho e quando cresço na amizade entre os colegas ou
ainda quando escrevo (aluno do EA). Então, percebi que a sensação de
desmotivação tem seu lugar na escola. Outro aluno se sente menor (como
criança), pois se há medidas para uma desobediência cometida e se me
aplicam passa a ser punição (aluno do HL). Mas a maioria dos alunos, afirma
que o que eles mais admiram na escola é o ensino, a informação, a educação
e aprendizagem. O jovem tem consciência do papel na escola e o papel da
escola na sua vida. Quando a escola trabalha a formação humana, ele
reconhece a importância dessa formação.
Há uma enorme diferença no ensino. Nas outras escolas não se
preocupa em criar assim um estudo fora daquilo que o professor
imagina. A educação é privilegiada e o aluno não se limita naquilo
que é a matéria fornecida pelo professor.(HL)
A biblioteca é um diferencial da escola... está recheada de livros
interessantes e estudantes de outras regiões vêm aqui para
pesquisar. Professores também (registro de campo, Moçambique,
27/06/08)
É a junção da parte teórica com a parte espiritual, que envolve gesto
concreto, dia de convivência, celebrações, entre outros. Nos dão a
oportunidade de refletir e fazer o bem, formando cidadãos melhores.
É bom para a escola se transformar não em um lugar onde as
pessoas estudam, mas sim num lugar onde elas se sintam bem.
O fato de que sempre estão preocupados com o lado do cidadão, do
ser humano. Antes de sermos alunos somos pessoas e temos que
trabalhar nosso espírito.
É a dedicação que possui com a formação humana de seus alunos.
Pois é ela (a formação humana) que sustenta o sucesso na vida
(alunos do EA)
Entre as atividades que os jovens de ambos os países mais gostam de
fazer, estão as atividades extra-classe. Esse fato indica a vontade de levarem
para fora da sala de aula e da escola atividades que consideram proveitosas.
136
Não se trata somente de sair para passear, mas de interagir com outras
pessoas e ambientes. Abaixo as atividades relacionadas pelos jovens:
Prática de esportes;
Trabalhos comunitários; tarefas do Departamento de Pastoral do
Colégio;
Feira de ciências;
Semana cultural; tocar viola; cantar poesias; teatro; danças;
Limpar a sala;
Escrever; participar do grupo de jornalismo da escola;
Ler; da biblioteca;
Conversar; ter contato com os colegas; debater sobre o presente e o
futuro; poder ter amizades agradáveis; de ajudar o colega a estudar para
a prova;
Apresentar trabalhos em sala de aula;
Ter contato com a Direção;
Assistir aulas interativas; de aprender; de aprender coisas interessantes;
É notória a admiração e o reconhecimento que os alunos têm pela escola.
Gostam de estar ali, sentem-se bem valorizam a escola.
Os rituais de resistência dos jovens são demonstrados em forma de
inversão simbólica (Mc Laren, 1992, p. 128) em negação às normas e dogmas
expressos e impostos pela escola. Dentro deles estão conflitos e desejos de
romper com as regras em forma de subversão. Ao serem indagados se se
envolveram em confusão na escola, das 37 personas de ambos os grupos, 17
se envolveram em confusões na escola e 20 não se envolveram, conforme
demonstra o gráfico 3.
Sim
Não
Gráfico 3: Resposta à pergunta: Você já se envolveu em confusões na escola?
Fonte: Dados da pesquisa
137
É importante destacar que, na pergunta, não menciono a palavra
indisciplina, e sim, confusões. Percebe-se, claramente, que as personas não
conseguem discernir entre confusões, indisciplinas e até violência. Abaixo
relacionadas algumas justificativas dos alunos que responderam sim:
Gritei em pleno período de aula (HL)
Eu fiquei responsável pela agitação da turma quando o professor
saiu de sala. (HL)
Mandando piadas, provoquei o professor por ter feito uma avaliação
fora de nosso alcance. (HL)
Matamos aula após um evento na escola. (PEA)
Jogamos papel higiênico molhado no teto do banheiro. (PEA)
Faltei respeito com uma autoridade. (PEA)
Nesses casos, minha intenção ao utilizar a palavra confusão era detectar
formas de resistência à sala de aula, uma vez que esses rituais são
considerados por Mc Laren como uma forma de feedback ritualizado. (Mc
Laren, 1992, p. 128)
Uma palavra recorrente nos discursos dos jovens foi indisciplina.
Durante reunião do HL, a indisciplina é algo na escola que eles menos
admiram. As respostas contradizem a representação do gráfico 3. Entendi que
os jovens alunos, tanto do Hl quando do PEA estavam referindo-se aos ritos
instrucionais, pois durante a entrevista oral ou escrita, a sala de aula virou o
assunto abordado.
O horário às vezes gera indisciplina. Horários geminados (2 tempos)
faz (sic) com que haja dispersão (registro de campo, 27/06/08). Um
outro exemplo: Desavenças existem. Eu sou eu. Tentamos ser
amigos de todos, mas nem sempre conseguimos (registro de campo,
Moçambique, 27/06/08)
Quando os jovens não se referem diretamente à indisciplina, utilizam
outras palavras ou definições as quais, para eles, podem remeter ao mesmo
significado e eles a definiam, conforme seus olhares:
Porque é um aspecto destrutivo para a educação. Chamo de
indisciplina conversar em sala de aula quando o professor está a
explicar.
É o problema que muitos alunos praticam na escola... outros
boicotam as aulas dentro da sala.
Porque existem alunos que negam de ser Pessoas, desrespeitando
os colegas e outros professores, intimando que eles são os maiores
da escola. Por exemplo, entram na sala de aula com camisa para fora
das calças, saem pelas janelas, etc.
É um mal caminho para todos os alunos; leva o aluno a não cumprir
com o que o professor diz, com o que a escola diz. Por indisciplina o
138
aluno chega a perder oportunidade de estudar, realizar o seu
amanhã. Indisciplina é algo que leva a sabedoria abaixo, os objetivos
da escola fracassam (Alunos do Horizonte Literário)
Um aluno na escola moçambicana recebeu a falta vermelha. A falta
vermelha significa o ápice da indisciplina. Para os colegas desse aluno, é como
estar na “rasta”. Significa que não mais nada a fazer pelo aluno. Significa
que o aluno chegou no auge de sua indisciplina (registro de campo em
Moçambique, 27/06/08). Receber a falta vermelha é como se os estigmas de
impossibilidades fossem determinados a essa pessoa.
Outros aspectos também os incomodam, além da indisciplina:
A falta de respeito de muitos alunos; o egoísmo; a irresponsabilidade;
o ambiente físico; o modo de vestir de muitas meninas.O que menos
admiro na escola é o fato de que eles possuem um elevado grau de
ironia com aqueles alunos mais desobedientes.A forma como alguns
profissionais se referem a alguns alunos. Tratam grupos de forma
diferente, mesmo tendo os grupos comportamentos parecidos.É a
maneira como ela reage diante de opiniões que damos. Porque assim
parece que até mesmo nós, do ensino médio, somos criancinhas que
estão no pré e não temos noção do que fazemos e de “como é o
mundo lá fora (Alunos do Projeto Educando para a Autonomia)
As respostas acima demonstram preocupações entre as personas que
para a escola e para a família, não existem no universo juvenil e se existem,
são superficiais, sem muita fundamentação. O que representa, para eles, o
mundo fora? Como vivem, como se relacionam e o que pensam, realmente
do futuro esses jovens que a escola recebe?
Os rituais não são atos exclusivamente eclesiásticos ou de tribos
distantes, mas são atitudes necessariamente humanas em suas práticas
diárias. Por isso a escola não está isenta dos rituais, pois a escola é um lugar
vivo e os rituais se alimentam, sugam exatamente das experiências humanas
sua capacidade para aparecer e desaparecer. Então as reuniões do PEA e do
HL são ritualizadas? É possível uma resposta positiva, de acordo com Mc
Laren, que define a ritualização como:
Um processo que envolve a encarnação de símbolos, conglomerados
de símbolos,metáforas e paradigmas básicos através de gestos
corporais formativos. Enquanto formas de significação representada,
os rituais capacitam os atores sociais a demarcar, negociar e articular
sua existência fenomenológica como seres sociais, culturais e morais.
(MC LAREN, 1992, p.88)
139
E ao se referirem à indisciplina e às atitudes de profissionais ou
educadores, os alunos demonstram a falta de diálogo existente entre os
envolvidos, embora a existência desses grupos predisponha que haja um
espaço para tal. Assim, refiro-me a Mc Laren ao caracterizar os rituais em
“bons” ou “ruins”. Para ele, os rituais são ruins quando impõe limites no
discurso de oposição, no diálogo reflexivo e na crítica. (MC LAREN, 1992, p.
130).
Então as reuniões do HL e do PEA são atitudes ritualizadas que
acontecem dentro da escola. Primeiramente, por esses jovens debaterem
sobre seus anseios e seus pontos de vista. Em segundo lugar, as cenas
descritas demonstraram parte das culturas dos atores que vêm da sociedade
para a escola e se estende para fora da escola.
Ao perguntá-los: O que você menos gosta de fazer na escola? Por quê?
Inclui o verbo fazer e o pronome você, com o intuito de dirigir a pergunta ao
interlocutor diretamente, no caso, o leitor, aluno, jovem. E ao se incluir na
resposta, ele pode estar se assumindo como indisciplinado. Assim, quando o
aluno responde: É a indisciplina, Porque prejudica no aproveitamento de um
aluno e pode me fazer perder a personalidade de ser pessoa (HL). O aluno
tenta se referir a outra pessoa, quando diz aproveitamento de um aluno, mas
ao mesmo tempo diz que pode me fazer perder a personalidade de ser pessoa.
Em outras palavras, ele pode estar querendo dizer que é indisciplinado e, ao
ser indisciplinado, sente que perde sua personalidade. Mas qual
personalidade? Em que sentido ele se sente perdido?
Outros preferem definir:
Indisciplina é o resumo de tudo: para mim indisciplina é tudo aquilo
que a gente faz no sítio errado, na hora errada: não respeitar as
normas da escola, gazetar, etc.
No sentido de ser sujeito a uma onda de atividades (...) O sujeito
deve estar ciente no que faz de modo que tenha um tempo livre para
pensar. (...) Tudo exige uma ocupação e claro, com memória fraca,
esses problema não são de fácil confronto. (alunos do HL)
A palavra indisciplina, tal qual a palavra juventude, é, em essência,
polissêmica. Não me arrisco em dizer a origem desse conceito polissêmico. Os
significados apontados pelas personas fazem parte de um campo de
significados voltados à subversão de regras:
Não respeitar as normas;
140
Ser sujeito a uma onda de atividades;
Desavenças;
Problemas que muitos alunos praticam na escola;
Boicotar as aulas;
Conversar;
Colocar a camisa para fora da calça;
Todas as definições são muito genéricas, amplas em seus sentidos.
Talvez o próprio aluno não saiba objetivamente o que é indisciplina. Talvez a
escola não tenha claramente essa definição. Um bom indício é saber que os
pontos de tensão apresentados apontam para a sala de aula como o lugar da
disputa, do conflito e dos poderes, seja dos rituais das personas, dos rituais da
escola. Aparentemente os significados expostos são simples e todos nós os
ouvimos diversas vezes e já os repetimos outras diversas vezes. Mas o que faz
desses problemas fontes de acontecimentos sérios, trágicos dentro da escola?
São eles realmente o cerne da questão? O que faz os alunos dizerem que
gostam da escola, mas não da sala de aula? Abaixo as respostas dadas pelos
alunos do HL quando indagados sobre o que menos gostam de fazer na
escola.
Quadro 7: Respostas dos moçambicanos à pergunta número 5 do questionário aplicado:
O que você menos gosta de fazer na escola e por quê.
ALUNOS DO HL COMENTÁRIOS
É a indisciplina Porque prejudica no aproveitamento de um aluno e
pode me fazer perder a personalidade de ser pessoa.
Não gosto das ofensas e também não
gosto de ver a escola suja e de vinga
entre professores.
Não respondeu.
Não gosto de participar de eventos,
como feira de ciências, semana
cultural
Porque eu não me sinto dono, capaz de motivar a quem
está me assistindo.
Eu não gosto de fazer nada daquilo
que está fora das normas da escola.
Indisciplina é o resumo de tudo: para mim indisciplina é
tudo aquilo que a gente faz no sítio errado, na hora
errada: não respeitar as normas da escola, gazetar, etc.
Ficar atrás de meninas Porque podem distrair nos meus estudos e
consequentemente have o baixo rendimento
pedagógico.
É entoar o hino nacional em frente de
todos os professores e aluno em geral.
Porque tenho receio de talvez possa entoar mal e os
outros rirem de mim e em passar vergonha.
Estar agitado No sentido de ser sujeito a uma onda de atividades (...)
O sujeito deve estar ciente no que faz de modo que
tenha um tempo livre para pensar. (...) Tudo exige uma
ocupação e claro, com memória fraca, esses problema
não são de fácil confronto.
141
ALUNOS DO HL COMENTÁRIOS
Não gosto de praticar um jogo sério
(voleibol e futebol)
Porque jogo a pensar que hei de praticar uma
irregularidade e ser culpado.
Não gosto de encrenca com outros
colegas e conversas não construtivas.
Porque isso não me constrói, mas sim, destrói-me
manchando a minha personalidade, além disso, o
contribui em nada.
Detesto fazer indisciplina Porque isso mancha a escola e minha própria
personalidade.
Indisciplina é ir contra a regra, desobedecer. Ex:
Provocar barulho na sala, não meter camisa dentro das
calças.
Jogar o futebol No fim do jogo sinto mais pesado e cansado.
Não gosto de sentir-me só. Porque quero ter a ajuda dos colegas. Sentir só para
mim é estar num momento de concentração, a reiterar a
vida.
Não ser dado campo para me
expressar de algum modo que sinto
dentro de mim.
Meter camisa dentro da calça
Falta de dispensa dos alunos com
boas notas.
A falta de material que nos ajuda a desenvolver uma
arte.
Porque não acostumei.
São os trabalhos comunitários. Na verdade esta atividade é muito importante para a
escola, porque fica limpo e um bom aspecto a todos
aqueles que têm visitado esta escola. (...) É uma forma
de formar os alunos a saberem trabalhar a limpar e a
saber procurar sempre o bom, bonito e a beleza do
ambiente.
Não existe. Não respondeu.
Ficar na sala perante o intervalo. Porque gosto de ver o ambiente de fora, que é diferente
da sala.
Eu não gosto de não ter repouso
durante o intervalo de troca de
professores;
Não gosto de fazer indisciplina.
Isto prejudica-me muitas vezes devido o cansaço,
confusão da aula anterior, eu fico baralhada e não
consigo entender a aula seguinte.
Porque isto não faz bem para minha vida.
Não gosto de brigas;
Inimigos;
Sentar muito tempo a estudar uma
disciplina que não gosto ou o professor
é chato; o gosto da aula de
desenho.
Não levam a nenhum sítio;
Porque é cansativa e é muito “concentrante”, precisa de
toda dedicação para sair um desenho lindo.
Educação física. Tenho um professor chato, tenho educação física na
segunda e quarta às 14:55h. Não gosto de correr, jogar
futebol, porque não sei fazer corridas.
Não gosto de conversar com moços de
namoro;
Não gosto de brigar com colegas.
Porque isto prejudica, na verdade você perde confiança
do professor das pessoas da escola.
Te acham de uma indisciplinada.
Fonte: Dados da pesquisa
A indisciplina é chamada também de: encrenca, estar agitado, fazer
aquilo que está fora das normas da escola, brigas. Os alunos referem-se a
diversos rituais escolares como algo que não gostam de praticar, como feira de
ciências, a sala de aula, “meter a camisa para dentro da calça”, entoar o Hino
142
Nacional. É verdade que os rituais são atitudes e expressões culturais
extremamente importantes para o funcionamento das sociedades, e não menos
para a escola.
Quando uma persona responde: Não gosto de sentir-me só. Porque
quero ter a ajuda dos colegas. Sentir para mim é estar num momento de
concentração, a reiterar a vida (HL). Não gostar de concentrar por ter que
reiterar a vida é também não querer pensar. O Quadro 8 demonstra as
respostas dos brasileiros para a mesma pergunta feita aos moçambicanos.
EDUCANDO PARA A AUTONOMIA
COMENTÁRIOS
Provas fora do turno habitual. A instituição proporciona provas regulares fora do
turno habitual dos alunos. Isso provoca um stress
nos estudantes pelo esforço e cansaço do
mesmo.
Não gosto de estar em uma sala de EM e
ter que chamar atenção dos meus colegas.
Pois eles não demonstram nem tem interesse.
Não respondeu.
Não respondeu.
Aula de educação física. Não tenho habilidade e gosto por essa área.
Ficar os seis horários dentro da sala de
aula.
Pois para mim todos os ambientes devem ser
utilizados, tais como multimídia, biblioteca e
arena.
Ouvir sermões grupais. Pois você acaba pagando por aquilo que não fez.
Não respondeu Não respondeu
Não gosto de assistir aulas monótonas;
Não gosto de fazer exercícios de casa
atrasados;
Não gosto de fazer provas ou exercícios.
Não respondeu.
Não gosto das aulas de Filosofia. Não pela professora, e sim pelo próprio conteúdo.
Não gosto de ficar seis horários dentro de
sala;
Não gosto de apresentar trabalhos em
grupo.
Não respondeu.
As provas. Sou muito nervosa e preocupada. As vezes tenho
dificuldade de entender o que meus amigos
entendem mais rápido. Por esse motivo não vou
muito bem nas provas e isso, as notas refletem
muitas vezes em minha vida.
Presenciar o desprezo de alguns alunos
em relação ao que a escola proporciona; a
hostilidade em relação a determinados
trabalhos com uma incessante
insatisfação.
As vezes, sinto-me diferente dos demais e não
gosto muito.
Não gosto do sábado letivo Atrapalha nossos finais de semana
Dever Pois em pensar em dever preguiça e às
vezes é cortada uma interessante discussão para
se fazer deveres.
Provas e aulas na multimídia Acho estressante e cansativo
Não gosto do sábado letivo Porque muitas vezes eu saio sexta e chego tarde,
fico cansado para ir ao evento
143
QUADRO 8: Respostas dos brasileiros à pergunta número 5: O que você menos gosta de fazer
na escola e por quê.
FONTE: Dados da pesquisa.
Os jovens do Barreiro demonstram uma preocupação generalizada com
a sala de aula e como as aulas acontecem. Dois alunos não responderam, mas
os outros quinze, apontam a sala de aula como algo que os incomoda em de
determinada maneira.
Os grupos pesquisados não têm contato direto entre si. No entanto se
completam nos discursos. O PEA aponta para a sala de aula e suas possíveis
falhas, como aulas cansativas; dever (...) as vezes é cortada uma interessante
discussão para se fazer deveres, não gosto de ficar seis horários dentro de
sala de aula. o HL demonstra uma conseqüência dos rituais da escola e da
sala de aula, no caso, a indisciplina. Esses fatos configuram motivos para o uso
das máscaras pelas personas..
Na reunião do HL do dia 7 de julho de 2008, as meninas revelaram como
fazem para “cabular” (colar durante os testes). Perguntei se elas achavam a
cábula uma situação de indisciplina e elas disseram que sim, porém definiram a
cola como um ajudante:
a cábula é um ajudante, segurança. Há pessoas que escrevem e
guarda (sic). Aí pensam assim: eu sei que na cábula tem aquilo, mais
aquilo, mais aquilo... eu sei o que está na cábula (registro de campo
em Moçambique, 07/07/08).
Então, enumeraram as estratégias adotadas:
1. Colocam a cábula (cola) no sapato;
2. Colocam o caderno no chão e passam as páginas com o pé;
3. Colocam dentro do sutiã;
4. Trocam de rascunho. Elaboram um rascunho em casa e trazem para
sala de aula. No momento da prova, trocam de folha.
5. Sentam em cima da cábula.
Os alunos do Educando para a Autonomia, em 25 de novembro de 2008
relataram: Não tenho oportunidade de colar. Gostaria de conferir algum dia por
desencargo, queria experimentar. (Registro de campo, Brasil, 25/11/08).
Citaram as estratégias abaixo:
1. Escrevem a cola no braço;
2. Colocam na cueca ou no sutiã;
3. Colocam na “mola” do tênis;
144
4. Escrevem na nuca do colega da frente.
Ao serem interpelados para justificarem a atitude da cola durante a
avaliação, responderam:
Os brasileiros:
A prova não é o melhor jeito de avaliar, é injusto.
Atrapalha, pois ao “ficar” por pouco ponto, percebemos o quanto cada
pontinho é importante.
Eu não me conformo. Estudo, mas tiro notas baixas.
Ficamos nervosos, trememos.
Eu nunca sei escrever o que está aqui dentro de minha cabeça, não
consigo por para fora.
Existem pessoas preparadas para lidar com momentos de pressão,
outras não. (registro de campo, Brasil, 26/11/08)
Sou muito nervosa e preocupada. As vezes tenho dificuldade de
entender o que meus amigos entendem mais rápido. Por esse motivo
não vou muito bem nas provas e isso, as notas refletem muitas vezes
em minha vida (aluna do EA)
Os moçambicanos:
Eu o sei o que acontece, porque posso ter estudado muito e fico
atrapalhada.
Não sei a pergunta.
O tempo pré-determinado atrapalha. Gasta tempo demais a mais
difícil.
Posso saber tudo, leio a prova e depois começo a tremer e não sei
mais nada. (registro de campo Moçambique, 07/07/08)
Para ambos a avaliação é um teste para se passar de classe, de ano. E
colar é infringir um tipo de ritual da escola, ou seja, é um ritual de resistência
cuja atitude aponta para além do ato. Sua simbologia pode demonstrar
insatisfações pela maneira como o processo avaliativo é desenvolvido na
escola, muito mais como uma ritualização dolorosa do que uma atividade
comum, torna-se pavorosa para alguns ter que passar por ela. Entretanto, a
avaliação é obrigatória e através dela a escola se mostra como quem,
realmente, determina as normas e os saberes.
145
8 A HORA DO ENCONTRO É TAMBÉM DE DESPEDIDA
O verão de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido,
como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que
sou agradecido: a paciência é tudo.
Rainer Maria Rilke
Diante das colocações e críticas feitas direi que os jovens, como grupo
heterogêneo, portadores de suas máscaras e personas, criam, dentro de seu
universo, sua cultura, atitudes de seu interesse para que possam aplicar
estratégias de convívio e demonstrar suas idéias. Os grupos pesquisados têm
suas próprias características, sentimentos e interesses próprios do lugar onde
convivem e vivem.
Os mapinhanenses fazem parte de uma sociedade rural, com pouco
acesso aos computadores e a mídia. Entretanto, a propaganda do celular é
extremamente agressiva no lugar e os jovens, a maioria deles possui um
aparelho. Talvez haja, nesse momento, uma possível mudança de atitudes em
relação aos ritos da cultura tshwa.
Por outro lado, problemas como a retirada das minas plantadas durante
a guerra civil, o aborto, a mortalidade infantil, o tráfico de pessoas, a
exploração sexual de menores, os altos índices de pacientes infectados com a
SIDA, a fome, além dos fenômenos naturais como as chuvas e os ciclones, são
comuns no cotidiano dos mapinhanenses. Outro aspecto relevante nas atitudes
desses jovens é o padrão de cultura, o qual determina comportamentos ao
povo, como por exemplo as mulheres trabalharem nas plantações e os
homens, muitos deles, esperarem em casa.
Então a Escola Secundária Padre Gumiero, bem como o Colégio Santa
Rita demonstraram um diálogo entre as culturas e as necessidades da
população, através dos trabalhos pastorais que a comunidade das Irmãs
Agostinianas desenvolve e envolvem os jovens. De certa maneira, podem
provocar neles reflexões e alertá-los para os problemas do povo.
Os jovens barreirenses fazem parte de uma sociedade urbana, mas que
nunca sofreu os horrores de uma guerra. No entanto, vivem as mudanças,
influência da mídia e a avalanche de informações. Correm perigo da mesma
146
forma, em assaltos, atropelamentos, drogas e doenças endêmicas, doenças
psicológicas e abandono.
Brasil e Moçambique falam a mesma língua oficial. Em Mapinhane
também é falada a língua da população Matswa, no caso o Xi-tswa. Os dois
lugares foram e são compostos por várias etnias. No caso de Mapinhane a
cultura italiana, portuguesa, brasileira, sul africana, congolesa, indiana,
muçulmana, chinesa. Da mesma forma o Barreiro: italianos, austríacos,
africanos, japoneses, alemães, além dos portugueses. O Colégio Santa Rita
possui uma aluna angolana e em Mapinhane, na Escola Padre Gerardo
Gumiero trabalham professores brasileiros, congoleses e americanos. Essas
características provocam nos ambientes o encontro de vários costumes, o que
torna estes espaços multiculturais.
Em Moçambique, a maneira como os alunos tratam a poesia, tem sua
peculiaridade. Há um ritual e a maneira de “cantá-las” é diferente, incluindo
gestos e danças, reflexões e olhares, num bailar metódico em tom sagrado.
Para as meninas, as reuniões são motivos para se aprontar, tomar banho,
colocar roupas novas. Ali se fala de tudo, desde os shows programados, as
novas poesias, o jornal, as provas, fofocas. A poesia pode falar de amor, da
vida e da guerra, pode evocar espíritos ou criticar o governo, mas isso deve
acontecer de maneira solene e em momento próprio.
No Brasil, os alunos são convocados para as reuniões após o quinto
horário, que termina as 11:40. Eles se dirigem a uma sala escolhida pela
supervisão e ali se desenvolvem as pautas e registram-se dados, fatos,
resoluções e decisões, sempre tomadas em conjunto: escola e representantes.
Os assuntos são mais sistematizados do que em Moçambique. Cada equipe
trata do seu separadamente, mas têm a oportunidade de dizer o que os
incomoda, fazendo-os ter a característica de jovens comprometidos com a
escola e com a vida.
Nessas experiências estão evidenciadas a importância dos trabalhos
extra-classe na escola e do aluno fazer uma atividade do seu gosto. É evidente
que o aluno, jovem, gosta de estar na escola para diversas atividades. O que
os grupos questionam é como estudar e se a sala de aula deve ser, realmente,
ocupada durante todos os horários ou se a avaliação deve ser feita como é. Em
nenhum momento os jovens mencionaram que a escola não é necessária em
147
suas vidas. O tom das palavras foram, realmente, de denúncia, seriedade e até
de ausência de alternativas ao cometerem indisciplina.
Os grupos são compostos por jovens participativos das atividades na
escola. Participar de um grupo ativista na escola é ter a oportunidade de fazer
valer a própria voz, pois ali, no momento da reunião ou das apresentações eles
podem adquirir autonomia sobre as coisas que fazem na escola, positivas ou
negativas.
Assim, quando os alunos são convidados para participar de organização
de evento, ele recebe autonomia da escola, se sentem responsáveis por seus
atos e modificadores do seu ambiente. Participar para ele significa participar da
escola, ou pelo menos efetivamente exercer o papel de realmente ser
participante da escola. Desenvolve-se nesse aluno o senso crítico, o poder de
decisão e a vontade de participar outras vezes, seja do que for: celebrações,
teatro, coral. Estive em três escolas e nenhuma tive oportunidade de partilhar a
“chefia” com a diretoria da escola (HL). Não é preciso perguntar se eles
gostam, pois os momentos são escolhidos por eles mesmos, tanto no
Horizonte Literário quanto no Educando para a Autonomia. Participam apenas
aqueles que querem ou convidados pelos colegas.
Quanto às personas, elas se mostram evidentes, sempre. O jovem tem
capacidade de se adequar às várias situações na escola e cada situação exige
uma escolha. O teatro se adéqua à vida diária, pois cada situação exige uma
determinada atitude.
Quando o jovem não se sente pronto para participar dos rituais impostos
ou não quer participar, tais como entoar o Hino Nacional, fazer provas, assistir
aulas sem poder se manifestar, procura acionar o corpo, que é o meio
(veículo), que ele possui e tem controle, para demonstrar suas insatisfações.
Utiliza de suas próprias máscaras, com suas marcas e vozes para gritar,
agredir, inventar gestos, gírias, como maneiras de fugir das imposições. Porém
não quer dizer que ele goste disso. Haja vista que a sala de aula e a
indisciplina foram as palavras mais repetidas nos discursos, no sentido de que
o jovem não gosta da indisciplina e da sala de aula, porém adora a escola.
Pode-se dizer que as estratégias que os acompanham, demonstram a
existência de máscaras entre as Personas, na medida em que elas tentam, à
sua maneira, dizer à escola que determinados rituais devem ser diferentes,
148
como as salas de aulas, a infra-estrutura da escola, a hora do recreio, as
imposições da escola, e mais: enumeram coisas que gostam de fazer, como:
praticar esportes, trabalhos comunitários, feira de ciências, semana cultural, ler,
escrever e estudar, da biblioteca, teatro, danças e debates.
Por isso arrisco-me em dizer que o jovem provoca suas próprias
indisciplinas estrategicamente em nome da sua cultura, e, principalmente, da
escola. Ao demonstrar indisciplina, embora ele não goste de receber a dor da
punição, da falta vermelha, da expulsão, esse mesmo jovem pode estar se
doando em nome de um ritual juvenil escolar, que revela suas características
do jovem e sua maneira de negar, de protestar, ao mesmo tempo afirmar e
reafirmar suas ideologias e crenças.
Recorreu-me também, nesses anos de magistério, os alunos chamados
de indisciplinados geralmente são aqueles que não ficam quietos em sala de
aula, demonstram não terem interesses pelos conteúdos, ou seja, conteúdos
não são prioridades para eles. Provocam o professor ao máximo para que ele
doe o máximo de informações a eles. Aí então o professor, como vítima que
também é, precisa se defender. E a defesa reiterada pela escola é a punição.
Segundo um dos professores de Moçambique, às vezes o aluno, que não gosta
de estudar vai cometer sempre erros para poder sair de sala (registro de
campo, Moçambique, 02/07/08).
Mc Laren (1992) ao referir-se aos rituais de resistência, os define como
rituais de conflito, que vão transformar os alunos em combatentes e
antagonistas com o objetivo de subverter as regras e padrões impostos pela
escola e pela sala de aula. São rituais conscientes que dão um feedback às
instruções do sistema educacional. Nesses termos, ao destacar a indisciplina,
os jovens estão demonstrando, de maneira ritualizada, que a sala de aula,
especificamente, deve rever seus conceitos e práticas.
A sociedade necessita do jovem para assumir ações no futuro, contudo
é preciso que ele viva o presente. E é ele mesmo quem mostra, de maneira
ritualística, uma linguagem que talvez demonstre um caminho a ser seguido
por seus mestres no sentido de melhorarem ainda mais a forma de educar.
Entendo por mestres todos aqueles preocupados e envolvidos com os rumos
da escola e da educação.
149
Resta saber o que fazer para que as evidências de que a escola não
sabe lidar com o universo juvenil sejam sementes para que, num futuro, espero
que seja próximo, o uso das máscaras pelas personas possa ser compreendido
e entendido em suas dimensões ideológicas, para que mais vozes participem
do processo educativo.
Não se trata, contudo, de erradicar a indisciplina ou acabar com os
rituais de sala de aula, e nem se trata de condenar a escola e a sala de aula
como os piores lugares para aprender e ensinar. É preciso, antes e muito
antes, saber lê-la, saber entendê-la como um momento, um limiar de
passagem, um rito que demonstra o que a própria escola deve fazer com ela, já
que muitos são os neófitos, muitos também serão os mestres. E enquanto os
mestres atuais não fizerem algo por seus neófitos, o ritual será repetido,
inúmeras vezes vai existir pela repetição e pela necessidade de sua existência.
Viver experiências com esses grupos de jovens fez-me remeter, como
inevitavelmente penso que faria a qualquer pessoa, à minha juventude,
recheada de sonhos, anseios e bons sentimentos. E ao remeter à minha
juventude, não poderia deixar de lembrar, também, que a maioria dos meus
sonhos foram estimulados pelas leituras feitas, pela vivência com os colegas
na escola e até mesmo pelas dores sentidas, pelos desagrados e tristezas.
Não limites para os sonhos quando se é jovem, e se é jovem
quando é possível demonstrar os anseios, as necessidades de ser pessoa,
num mundo ausente de alteridade e compreensão. Diante da ausência, talvez
o tempo não sirva de medida. Um ano nada vale, dez não são nada. O que
vale é enfrentar as tempestades em todas as estações, sem medo que depois
dela não venha verões coloridos.
E assim eu enxerguei os jovens alunos das duas escolas pesquisadas,
como realmente atores da pesquisa e antes disso, atores de sua própria vida,
escolar e pessoal.
A escola é uma instituição, de um modo geral, vítima dela mesma. a
escola Confessional Católica, no caso a Agostiniana, tem características
peculiares, próprias, que fazem dela uma tradição a pelos acontecimentos
que a História dos lugares e das próprias escolas demonstra. E afirmarei que
uma das características próprias, que fazem dessa escola confessional
diferente é a preocupação com a formação humana do sujeito ali posto. Para
150
muitos pode não passar de um discurso pedagógico ultrapassado, porém os
jovens entrevistados, a maioria deles afirma existir um diferencial demonstrado
através da preocupação com o lado cidadão do ser humano, pois antes de
sermos alunos somos pessoas e temos que trabalhar nosso espírito. (PEA) E,
caracterizando a escola: minha escola é bem admirada e respeitada pelo
conhecimento da formalidade psicológica e domínio da matéria social de
vivência. (HL).
Esses fatos, porém, não as isentam de dificuldades, conflitos e da
necessidade de adaptação e de atualização. Algumas observações levantadas
como rituais de resistência devem, de fato, serem lidas, vistas e repensadas.
As escolas pesquisadas são apenas duas, mas acredito que a análise feita
possa servir, de alguma maneira, para novas leituras e reflexões. Por isso ela
não terminará aqui. Ela se despede aqui, com a certeza de novas paragens e
novos encontros. Quanto a imagem a seguir, o seu próprio título revela a
necessidade urgente de uma mudança no campo educacional. O que vemos
em sala de aula? O que realmente vemos nos nossos jovens? O que realmente
vemos em nós?
151
Imagem 26: Diz-me o que vês. Tell me what you see. Dit mo ice que tu vois (IX).
Disponível em <http:///espacotempo.wordpress.com>
152
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