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conseguinte, nada nesse fragmento estaria sugerindo o contexto geral dos
fragmentos 31 e 30 (de mudanças cósmicas com medida).
200
Muitas outras são as interpretações da sentença do rio no fragmento 12, e
diversas são as opiniões sobre o contexto ao qual ela pertence na obra de
Heráclito.
201
Entretanto, a quase totalidade dos editores e comentadores de
Heráclito concorda que essa sentença não apenas reflete mais ou menos
literalmente idéias heraclíticas, e sim constitui o único enunciado do rio cujas
palavras são sem dúvida de Heráclito. Mas o mesmo já não acontece com um
outro enunciado do rio, o fragmento 49a. Muito embora diversos intérpretes o
tenham aceitado, ele recebeu muitas objeções quanto à sua autenticidade.
202
O fragmento 49a possui duas versões bastante diferentes. A versão de
Heráclito Homérico, como já vimos, é: “Nos mesmos rios, entramos e não
entramos, somos e não somos” (potamoîs toîs autoîs embaínomén te kaì ouk
embaínomen, eîmén te kaì ouk eîmen). A versão de Sêneca é: “Entramos e não
entramos duas vezes no mesmo rio” (In idem flumen bis descendimus et non
descendimus). Heráclito Homérico usa o plural “rios”, e Sêneca usa o singular.
Além disso, Sêneca não diz nada que corresponda ao “somos e não somos”.
Finalmente, Sêneca fala em “duas vezes”, e o autor grego não.
200
Cf. L. Tarán, “Heraclitus: The River-Fragments and their Implications” (op. cit.), p. 31-32.
201
Por exemplo, Tarán segue uma outra linha de leitura, sugerida por Cherniss, para quem o
sentido de embaínousin era significar literalmente um plural: mais de uma pessoa. O significado
do fragmento 12 seria, então: para várias pessoas que entram nos mesmos rios, águas diferentes
fluem. Quaisquer pessoas que entrassem em quaisquer rios teriam a mesma experiência: embora
estando nos mesmos rios, elas veriam que cada uma toca outras e outras águas. O contexto estaria
relacionado com os fragmentos 2 e 89: o cosmos é comum, mas a maioria das pessoas erra a
respeito das implicações de sua experiência, tratando seu próprio mundo como um mundo
separado e privado. Cf. L. Tarán, “Heraclitus: The River-Fragments and their Implications” (op.
cit.), p. 35.
202
O fragmento 49a é considerado autêntico por Bywater, Diels, Kranz, Zeller, Nestle, Snell,
Vlastos e Bollack-Wismann, entre outros. Foi rejeitado por Kirk e Marcovich, e também por Kahn
e Tarán. Cf. I. Bywater, Heracliti Ephesii Reliquiae (1877), apud C. H. Kahn, The Art and
Thought of Heraclitus (op. cit.), p. 339, n. 431; H. Diels e W. Kranz, Die Fragmente der
Vorsokratiker (op. cit.); E. Zeller e W. Nestle, Die Philosophie der Griechen I (6ª ed., 1920), apud
G. S. Kirk, Heraclitus. The Cosmic Fragments (op. cit.), p. 373; B. Snell, “Die Sprache Heraklits”,
Hermes 61 (1926), apud C. H. Kahn (idem); G. Vlastos, “On Heraclitus”, American Journal of
Philology, LXXVI (1955), p. 21; J. Bollack e H. Wismann, Héraclite ou la Séparation (op. cit.);
G. S. Kirk (idem), p. 373; M. Marcovich, Heraclitus (op. cit.), p. 213, apud L. Tarán (idem), p. 13.