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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CONCEIÇÃO MARIA ROCHA DE ALMEIDA
As águas e a cidade de Belém do Pará:
história, natureza e cultura material no século XIX
DOUTORADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
CONCEIÇÃO MARIA ROCHA DE ALMEIDA
As águas e a cidade de Belém do Pará:
história, natureza e cultura material no século XIX
DOUTORADO EM HISTÓRIA
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Doutor
em História sob a orientação da
Profª Doutora Denise Bernuzzi de
Sant’Anna e co-orientação do
Prof. Doutor Antonio Otaviano
Vieira Júnior.
SÃO PAULO
2010
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
Almeida, Conceição Maria Rocha de
As águas e a cidade de Belém do Pará: história, natureza e cultura material no século
XIX / Conceição Maria Rocha de Almeida; orientadora, Denise Bernuzzi de Sant’Anna; co-
orientador, Antonio Otaviano Vieira Júnior. - 2010
Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-
Graduação em História, São Paulo, 2010.
1. Belém (PA) - História - c. XIX. 2. História social. 3. Abastecimento de água -
Belém (PA). 4. Água - Uso - Belém (PA). 5. Cultura material - Belém (PA). I. Título.
CDD - 22. ed. 981.15
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
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_______________________________________________
______________________________________________
Dedicado
À Lívia e à Larissa, minhas filhas.
Ao Antonio Carlos, meu marido.
Agradecimentos
A construção do presente trabalho, fruto de uma jornada longa de pesquisa, leituras,
aulas, discussões teóricas e metodológicas, reveste-se de um contentamento muito especial.
Por tudo isso, é fundamental para mim, agradecer àqueles que ao seu modo, somaram comigo
para que essa tese pudesse fluir.
A Profª Drª Denise Bernuzzi de Sant’Anna agradeço o privilégio de contar com sua
orientação. Pela confiança que depositou em minha capacidade de produzir essa tese e a
interlocução que mantivemos durante toda a preparação do trabalho. O carinho com que
sempre me acercou, sobretudo nos momentos difíceis que vivenciei, seu rigor acadêmico
acrescido de inegável e reconhecida competência, foram fundamentais na construção desse
estudo.
Ao Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira nior, meu co-orientador, sou imensamente
grata. Primeiramente por conceder-me a honra de tê-lo como interlocutor. Desde os tempos do
mestrado, quando me orientou, dedicou longas horas à leitura dos textos que escrevi.
Reconhecendo meus limites jamais cessou de estimular-me, insistindo que “eu o precisava
dele”. Sua autoridade acadêmica, generosidade e amizade foram meus grandes aliados
(novamente) nessa caminhada.
Aos professores do Programa de Pós Graduação em História Social que ministraram
cursos em Belém: Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Maria Odila Leite da Silva Dias, Estefania
Knotz Canguçu Fraga, Fernando Londoño, Maria Izilda Santos de Matos, Ivone Dias Avelino,
por propiciarem momentos importantes de aprendizagem, fundamentais para a construção da
tese.
Aos professores Janes Jorge e Estefania Knotz Canguçu Fraga, encaminho um
agradecimento especial pelas valiosíssimas contribuições em meu exame de qualificação.
Indubitavelmente, a feição que essa tese assumiu deve em muito às críticas e sugestões
enunciadas pelos referidos professores.
À Universidade Federal do Pará e à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP, pela oportunidade de cursar o Doutorado Interinstitucional/DINTER PUC-SP/UFPA
e nesse ponto, registro minha profunda gratidão à Profª Drª Maria de Nazaré Sarges, querida
Naná, Coordenadora do referido DINTER na UFPA, pelo empenho e responsabilidade
irretocáveis, como também pela solidariedade com que sempre pude contar.
Ao Grupo de História da Escola de Aplicação da UFPA, na qual sou professora, por
garantir-me a liberação de minhas funções docentes a fim de cursar o doutorado. Devo
também um agradecimento à Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa/FADESP,
que mediante edital de fomento a projetos vinculados a mestrados e doutorados
interinstitucionais, disponibilizou recursos que concorreram para a pesquisa referente a esta
tese.
Aos funcionários de todas as instituições em que realizei a pesquisa, pela sensibilidade
e presteza com que sempre me trataram, colaborando para que o trabalho chegasse ao seu
termo. Destaco a seguir: Centro de Memória da Amazônia/UFPA, Arquivo Público do Estado
do Pará, Biblioteca Pública “Arthur Vianna” (seções de microfilmagem, obras raras e obras
do Pará), Biblioteca do Museu Paraense “Emilio Goeldi”, Biblioteca da Comissão
Demarcadora de Limites/PA, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro/RJ, coleções
cartografia e iconografia da Fundação Biblioteca Nacional, Museu Paulista/USP, Arquivo do
Tribunal de Contas de Lisboa. Com todos compartilhei minha (conhecida) ansiedade, mas
também o contentamento que marcaram o percurso dessa produção.
Registro um agradecimento especial aos que me atenderam no Museu da Casa
Brasileira, em São Paulo e principalmente, no Arquivo Hisrico do Exército/AHEx, no Rio
de Janeiro, cidade na qual permaneci poucos dias para coleta de fontes. Continuo sem
palavras que expressem minha gratidão à generosidade dos funcionários dessas duas
Instituições.
Aos professores Serge Gruzinski e Antonio Otaviano Vieira Junior, pela oportunidade
de frequentar suas aulas, nos cursos que ministraram no Mestrado em História do IFCH/
UFPA.
Aos colegas do doutorado, com os quais tive o privilégio de compartilhar momentos
de aprendizado acadêmico e companheirismo.
À Eliana, amiga incondicional, pelo incentivo constante, pelo carinho e diálogos
acadêmicos com os quais sempre me presenteou, mesmo imersa nos rigores da produção de
sua própria tese. À Bila, Tatsuo, Stela e Catarina pela ternura, confiança e apoio,
compartilhando livros e textos que tanto me valeram. À Nilda, amiga querida que me acolheu
em sua casa em São José dos Campos, no período em que fiquei em São Paulo, cercando-
me de atenção e carinho. Ao Eduardo Silvério, que além de me receber em sua casa
carinhosamente, orientou-me nas caminhadas para a pesquisa no Rio de Janeiro. À Rosana
pela preciosa ajuda com os quadros e as tabelas. Sempre disposta a ouvir-me e a descomplicar
meu trabalho, ajudou-me imensamente com a formatação do texto. À Rosa Claudia, que
dedicou horas também para auxiliar-me com os quadros, tabelas e imagens, sempre dizendo
“que era tudo fácil”. Ao Luiz Antonio, amigo desde os tempos do mestrado, por sempre me
estimular e compartilhar as valiosas produções historiográficas de sua biblioteca.
Aos meus pais Carlos e Cloris - que partiram a certo tempo, mas que seguem comigo
em meu coração. Com eles, especialmente, aprendi a amar minha querida cidade Belém do
Pará - lugar em que amo viver e do qual, não gosto de me afastar.
E finalmente meu agradecimento mais que especial ao Antonio Carlos, meu marido, à
Lívia e à Larissa, nossas “meninas”, por serem incansáveis em proporcionar-me apoio e
estímulo, por serem tão pacientes, inclusive quando o fiz por merecer, por simplesmente me
amarem como sou. A eles dedico essa tese.
“Tanto geográfica quanto historicamente, a cidade floresceu
em função da água. “Flor das águas” eis uma antonomásia
que se ajustaria muito bem à capital paraense, tal a
significação do elemento hídrico na sua vida.”
Eidorfe Moreira
RESUMO
No decorrer do século XIX, os habitantes de Belém do Pa deram prosseguimento à
construção da cidade em meio ao convívio com as águas. Assim sendo, a história de Belém é
também a história do controle desse elemento, o que implicou em conhecer e organizar de
diferentes modos, as muitas águas presentes desde a constituição de saberes sobre a
localização das mesmas, até as opções relativas ao seu uso. A presente tese tem por objetivo
apresentar uma história social da água em Belém do Pará no decorrer do século XIX, a partir
do estudo de inventários, testamentos, relatórios de dirigentes, textos jornalísticos, dentre
outros documentos. Nesse sentido foi considerado que os usos das águas guardaram conexões
com modos de pensar relacionados às ideias de natureza, civilização e com a recorrência a
uma produção material importante. Os sujeitos enfocados são diversos, como diversos,
também, a etnia, condão social, gênero, nacionalidade e naturalidade dos mesmos,
suscitando discuses sobre sensibilidades esboçadas em relação aos objetos e/ou recursos
pertinentes à lida com a água. No interregno proposto, o processo de apropriação das águas
ocorreu mediante determinadas continuidades de procedimentos, ou seja, as águas usadas por
muitos moradores de Belém eram coletadas nos exteriores de suas moradias e pdios em
geral, não raramente nos poços. Pelos logradouros da cidade elas foram transportadas,
adentrando os interiores das casas através do uso de pipas, potes, bilhas, bacias e demais
recipientes, numa reprodução de ações indispensáveis à vida na cidade. Por outro lado, o
processo de relação dos habitantes de Belém com as águas também passou por mudanças,
conectadas aos modos de pensar o viver numa cidade que abrigava moradores variados e que
“deveriam” observar regras de progresso e civilização. Daí, a recorrência crescente aos
encanamentos, às torneiras, aos lavatórios, às latrinas entre outros. Nessa perspectiva, a água
foi organizada mediante princípios de invisibilidade, percorrendo ruas e prédios através do
encanamento, jorrando pelas torneiras em consonância à intervenção de cada morador e sendo
“esgotada” por intermédio de um sistema de canalização específico. Mas esse não foi um
processo definitivamente concluído. Em meio à expansão da cidade, no decorrer do século
XX e primeira década do XXI, inúmeros são os habitantes de Belém atingidos pela carência
de água e às voltas com a abertura de poços e usos de baldes, latas, bacias, potes e bilhas.
Palavras-chave: Água. Cidade. Belém do Pará. História Social. Natureza. Cultura Material.
Século XIX.
ABSTRACT
During the XIX century, the inhabitants of Belém (Pará) continued with the construction of
the city amid the living with the waters. Therefore, the history of Belém is also the history of
controlling this element, which implicated in knowing and organizing by different ways, the
many present waters since the constitution of knowledges about the location thereof, until
the relative options to their use. The present thesis aims to show the social history of water in
Belém of Pará during the XIX century, from the inventory and testament studies, chief
reports, journalistic texts, among other documents. In this sense, it was considered that the
uses of waters maintained connections with ways of thinking related with the ideas of nature,
civilization and with the recurrence to an important material production. The subjects focused
are diverse, as diverse, also, the ethnicity, social condition, gender, nationality and naturally
thereof, evoking discussions about delineated sensibilities regarding to the objects and/or
resources that were relevant to the work with water. In the proposed interregnum, the
appropriation process of waters occurred by some continuities of proceedings, that is, the
waters used by many residents in Belém were collected outside their habitations and buildings
in general, not rarely in wells. Around the public areas of the city, they were transported,
entering inside the houses through the use of casks, pots, pitchers, bowls and other recipients,
in a reproduction of actions, which were indispensable to the city life. On the other hand, the
relation process of the inhabitants of Belém with the waters also passed through changes,
connected to the ways of thinking the live in a city that housed diverse residents, who
“should” observe rules of progress and civilization. Whence, the crescent recurrence to the
plumbings, taps, lavatories, latrines, among others. In this perspective, the water was
organized according invisibility principles, coursing streets and buildings through the
plumbings, flooding through the taps in consonance to the intervention of each resident, and
being drained through an specific canalization system. But that was not a definitely concluded
process. Amid the expansion of the city, during the XX century and the first decade of XXI,
many are the inhabitants of Belém, who were reached by the lack of water and involved with
the opening of wells and uses of buckets, cans, bowls, pots and pitchers.
Key-words: Water. City. Belém of Pará. Social History. Nature. Material Culture. XIX
Century.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Prospectiva da CIDADE DE St.ª MARIA DE BELEM do Grão Pará 43
FIGURA 2 Prospecto da Cidade de S. Maria de Belém do Graõ Pará 45
FIGURA 3 Santa Maria de Belém do Gran Pará 50
FIGURA 4
Mapa da costa do Pará, com os rios Guamá, Acará, Capim e Gurupy.
1900
52
FIGURA 5 Plano Hidrographico da Entrada do Pará – 1805 61
FIGURA 6 Planta da Fortaleza da Barra 63
FIGURA 7 Canoa Amazônica 73
FIGURA 8
Planta Hydrographica do Porto do Paentre a Fortaleza da Barra e a
Bocca do Rio Gua
87
FIGURA 9 Planta do Pantano chamado Piri 107
FIGURA 10 Planta da Cidade de Grampara - 1773 112
FIGURA 11
Projeto de Gronsfeld
-
1773
113
FIGURA 12
Plano Geral da Cidade do Pará
115
FIGURA 13
Carta Topographica da Cidade do Pará 117
FIGURA 14
Theatro N.S. da Paz 128
FIGURA 15
Theatro da Paz 128
FIGURA 16
Planta da Cidade do Pará
134
FIGURA 17
Planta da Cidade de Belém do Pará – Comissão de Saneamento 141
FIGURA 18
Bombas 143
FIGURA 19
Anúncio de latrinas, canos e variado serviço de encanamento 143
FIGURA 20
Mapa da cidade de Bem
147
FIGUR
A 21
Largo da Trindade
154
FIGURA 22 Reservatório d’agua em ferro 156
FIGURA 23 Planta da cidade de Belém com a rede de abastecimento d’água 158
FIGURA 24
Sistema de pipas usadas pelos aguadeiros no século XIX
170
FIGURA 25
Travessa deo Matheus
172
FIGURA 26 Igarapé das Almas 190
FIGURA 27 Planta da Cidade de Belém de 1905 191
FIGURA 28
Tacho de cobre sem tampa
202
FIGURA 29
Caldeirão de cobre sem tampa
202
FIGURA 30 Caldeirão de latão com tampa 202
FIGURA 31 Tacho de latão 202
FIGURA 32
Tal
ha ou filtro de cerâmica lisa com leves ornamentos de frisos
208
FIGURA 33
Bule para café com tampa, em prata, século XIX
209
FIGURA 34 Bule para chá com tampa, em prata, século XIX 209
FIGURA 35 Mercado Municipal em Bem do Pará. 1867 214
FIGURA 36
C
haleira de cobre com tampa e corrente
234
FIGURA 37
Chaleira de cobre com tampa
234
FIGURA 38 Planta da Cidade do Pará 244
FIGURA 39 Prato fundo com borda recortada, séc. XIX 268
FIGURA 40
Púcaro com concha em coco e cabo de madeira
270
FIGURA 41
Púca
ro em prata, usado em batizados, séc. XIX
270
FIGURA 42 Pote encaixado na cantareira ecaro denteado 270
FIGURA 43 Bacia para lavatório 279
FIGURA 44
Lavatório em mármore
279
FIGURA 45
Lavatório (outro modelo)
279
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1
Criminalidade em Belém 1884 a 1900 33
QUADRO 2
Movimentação portuária de longo curso entre 1862-3
(
embarcações
que entraram )
64
QUADRO 3
Movimentação portuária de longo curso entre 1862-3 – (embarcações
que saíram)
65
QUADRO 4
Pedidos de passe - anos setenta (abaixo-assinados) 67
QUADRO 5
Embarcações Relacionadas no século XIX 76
QUADRO 6
Potes e bilhas de moradores de Belém – 1810/1905 259
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
Quantidade de potes, com respectivos valores, comprados
por José Antonio Nunes
263
TABELA 2
Objetos adquiridos pelo morador José Antonio Nunes e valores
dos mesmos
265
TABELA 3
Objetos adquiridos pelo morador Manoel Pinto Marques e valores
dos mesmos
266
LISTA DE SIGLAS
APEP – Arquivo Público do Estado do Pará
AHEx – Arquivo Histórico do Exército Brasileiro
CMA/UFPA – Centro de Memória da Amazônia/Universidade Federal do Pará
FBN – Fundação Biblioteca Nacional
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO 1
PARTE I:
AS ÁGUAS E A CIDADE
20
CAPÍTULO 1
AS ÁGUAS E A CIDADE DE BELÉM
21
1.1. OS RIOS E A CIDADE, A CIDADE E OS RIOS 41
1.2. PARA NAVEGAR, COMERCIAR E SE DESLOCAR: IMPORTÂNCIA DAS
PONTES, CANOAS E PRÁTICOS NAS AGUAS DE BELÉM
53
1.3.POR UM “PORTO DE MAR: O CAIS E O PORTO DE BELÉM NAS
PALAVRAS DE DIRIGENTES
80
1.4. AS ÁGUAS E OS BANHOS 88
CAPÍTULO 2
EM MEIO ÀS ÁGUAS, A CONSTRUÇÃO DA CIDADE
97
2.1. PÂNTANOS E CIDADE
103
2.2. AS ÁGUAS DE CHUVAS E OS ESGOTAMENTOS 118
2.3. VALAS E CANOS DE ESGOTO 133
2.4. DIRECIONANDO A ÁGUA AOS INTERIORES DAS CASAS: A
COMPANHIA DE ÁGUAS
145
PARTE II:
ÁGUAS, CASAS E MORADORES
160
CAPÍTULO 3
ENTRE O TRANSPORTAR, O LAVAR E O COZINHAR: OFÍCIOS DA ÁGUA
E CASAS DE MORADA
161
3.1. AGUADEIROS DE BELÉM DO GRÃO-PARÁ 166
3.2. A ÁGUA E A LABUTA COM AS ROUPAS 183
3.3. ÁGUA E ALIMENTAÇÃO: A ÁGUA DOMICILIAR E A PREPARAÇÃO
DE ALIMENTOS
198
CAPÍTULO 4
OBJETOS DA ÁGUA EM CASAS DE MORADA
220
4.1. ADENTRANDO AS MORADIAS 230
4.2. DIMENSÃO SOCIAL DOS OBJETOS DA ÁGUA NO DOMICÍLIO 257
CONSIDERAÇÕES FINAIS
288
FONTES
299
BIBLIOGRAFIA
308
ANEXOS
319
1
INTRODUÇÃO
2
(...) A posição geográfica do Pará, ou melhor da cidade de Belém, é de 1º21’ de
latitude Sul e 48º28’ de longitude Oeste. Assenta-se sobre um elevado promontório,
à margem do rio Pará que é o braço mais importante do delta amazônico. A cidade
fica a oito milhas do mar e é vista a grande distância, do rio. (...).
Daniel Kidder
1
Pará possui cerca de 15.000 habitantes e não ocupa um terreno muito extenso. Não
obstante, é a maior cidade à beira do maior rio do mundo, o Amazonas. E é capital
de uma província cuja área iguala a de toda Europa ocidental!
Alfred Russel Wallace
2
O presente trabalho pretende desenvolver uma discussão acerca das relações entre
moradores da capital do Pará e as águas da cidade ao longo do século XIX. No processo de
elaboração textual, busco desenvolver uma abordagem que focaliza modos de pensar
historicamente sobre natureza e usos da água, conectados à construção da cidade de Belém
daqueles tempos. Da mesma forma, também busco entender os modos de lidar com a água a
partir de concepções sobre natureza, domícílio, privacidade, intimidade e domesticidade
naquele contexto. A respeito disso, parto do pressuposto de que os moradores da Belém do
período dezenoveano, vivenciaram a cidade através também dos usos da água e o fizeram
mediante uma multiplicidade de experiências, construídas cotidianamente.
3
É importante (re)lembrar que nem todos que de algum modo deixaram registros, ou
são referidos na documentação, residiram suas vidas inteiras na cidade de Belém durante o
século XIX. Vários foram aqueles que partiram depois de breve estadia. Dentre estes, houve
os que cunharam suas impressões em cadernos, ou diários como foi o caso de Kidder e
Wallace, mencionados na epígrafe deste texto e que estiveram na Cidade do Panos anos
trinta e quarenta, respectivamente.
4
As palavras de Kidder, por exemplo, situam-se no contexto de sua viagem rumo ao
Pará, realizada em 1839. Aparentando encantamento, o viajante referiu-se às águas que
singrou como o imenso lençol prateado, posto era noite de lua cheia. As águas em conjunto
1
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. P. 183.
2
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.
da Universidade de São Paulo, 1979. Pp. 17. Wallace esclarece que o termo “Pará” era empregado para designar
a capital da Província no século XIX.
3
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
P. 26. A autora afirma que “(...) a história do cotidiano não é um terreno relegado aos hábitos e rotinas
obscuras. As abordagens que incorporam a análise do cotidiano m revelado todo um universo de tensões e
movimento com uma potencialidade de confrontos, deixando entrever um mundo onde se multiplicam formas
peculiares de resistência/luta, integração/diferenciação, permanência/transformação, onde a mudança não está
excluída, mas sim vivenciada de diferentes formas (...)”.
4
No século XIX, Belém era também conhecida como “Cidade do Pará”. Essa denominação aparece em vários
tipos de fontes tais como processos criminais, relatos de viajantes e naturalistas e jornais.
3
com a floresta exuberante, registrou ele, proporcionavam aos viandantes solitários,
indescritível impressão de grandiosidade”.
5
Alfred Russel Wallace que chegou em Belém juntamente com Henry Bates no ano de
1848, também fez referências ao rio e à chuva. Segundo ele o clima era excelente”. Pela
manhã e ao anoitecer a temperatura era agradavelmente fresca, e tivemos quase sempre uma
boa chuva e uma aprazível brisa durante as tardes, o que era bastante refrescante, servindo
para purificar o ar. (...)”.
6
De modo similar, ao concluir o seu Ensaio Corográfico sobre A Provincia do Pará
no ano de 1833, Antonio Ladisláo Monteiro Baena afirmava que “(...) he uma região
imensa, amena e fértil, (...) o numero dos rios capitaes e dos seus defluentes, que formão a
sua admiravel hydrografia, he portentoso (...)
7
Viajantes, missionários, naturalistas, como Kidder e Wallace, ressaltaram em suas
produções aquilo que era entendido comograndioso”, “majestoso”, “curioso” na flora,
fauna, clima e águas que constituiriam a natureza em contato com a cidade.
Desde a sua fundação em 1616, a cidade de Belém guarda relação com as águas. A
hisria da sua fundação está relacionada à construção de um forte localizado na confluência
da baía do Guajará com o rio Guamá. Tratava-se do Forte do Presépio, situado
estrategicamente ao sul do estuário amazônico e protegido do oceano. Este forte contribuiu
para a expansão lusa ao norte do Brasil.
8
Estudos denominam a fase inicial de crescimento da cidade de Belém, deribeirinha”,
devido às primeiras ruas haverem surgido paralelamente dorio”. A rua do Norte, por
exemplo, teria surgido ao lado do rio Guamá. Mas, o processo de expansão da cidade deu-se
no sentido norte-sul, próximo ao Forte do Presépio, posto que no sentido horizontal a
existência do alagado Piri demandou longas obras de drenagem durante o século XIX, com
vistas a possibilitar o referido crescimento.
9
5
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. P. 179.
6
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.
da Universidade de São Paulo, 1979. Pp. 24.
7
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do
Pa. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. P. 3. Ver BARROS, Michelle Rose Menezes de. Germes de
grandeza”: Antônio Ladislau Monteiro Baena e a descrição de uma província do norte durante a formação do
Império brasileiro (1823-1850). Dissertação (mestrado). UFPA/CFCH/PPHIST, 2006.
8
CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: UFPA, 1973. 2v. (Coleção Amazônia. Série José Veríssimo). A
historia da fundação de Belém tamm é abordada por este estudioso.
9
Ver RIBEIRO, Karla Tereza Silva. Água e Saúde humana em Belém. Belém: Cejup, 2004 (Coleção Megam/2).
Pp. 81-3.
4
Quanto mais se expandia a cidade, maior se tornava o número de habitantes que se
dirigia às fontes, rios ou igarapés em busca da água, além de precisaram abrir poços para
consumo da água. Segundo Antonio Ladisláo Baena, nos anos trinta, por exemplo, havia dez
poços públicos. Destes, seis eram de pedra e quatro em madeira.
10
Em relatório de 1840, o presidente da Província João Antônio de Miranda declarou
que a fonte das Pepes fornecia a melhor água da Cidade do Pará e que esta não dispunha de
um chafariz sequer.
11
As famílias ou os moradores que não dispunham de meios para buscar
água, recorriam aos serviços daqueles que a vendiam e que eram denominados genericamente
como aguadeiros. A presença destes nas ruas, travessas, largos de Belém, tornou-se cada vez
mais regular no transcurso do século XIX, conectando-se ao processo de expansão da cidade.
Mais regulares também se tornaram as manifestações de dirigentes da província do
Grão-Pará, os quais expressavam preocupação com a questão do fornecimento de água
considerada de boa qualidade, aos moradores da cidade. No ano de 1856, o presidente da
Província Sebastião do Rego Barros, registrou sua preocupação com o encanamento das águas
potáveis, bem como com o esgotamento de águas retidas em pântanos que circulavam a
cidade.
12
O teor do discurso pode ser observado em outros documentos reproduzidos ao longo
das décadas que se seguiram, ou seja, os dirigentes da Província continuaram a expressar suas
intenções de melhorar o fornecimento de água através de encanamento. Todavia as
empresas com as quais eram estabelecidos contatos e tentativas de acordo, o levaram a
efeito a obra e assim, com o avançar do século XIX, os mananciais do Paul dÁgua
continuavam a ser o local de onde era colhida grande parte da água consumida na cidade.
Aliás, mesmo com o estabelecimento da Companhia de Águas do Panos anos oitenta, as
cacimbas do Paul d’Água continuavam a ser frequentadas pelos aguadeiros.
13
A partir da proclamação da República e a intensificação na propagação dos ideais
sanitaristas, as autoridades dirigentes da cidade de Belém proibiram a permanência de poços
10
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do
Pa. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. P. 3. P. 235.
11
Discurso recitado pelo doutor João Antonio de Miranda, Prezidente dA Provincia do Pará, na abertura da
Assembléia Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840”. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
12
“Exposição apresentada pelo Conselheiro Sebastiao do Rego Barros, Presidente da Província do Gram-Pará ao
Tenente Coronel de Engenheiras Henrique de Beaurepaire Raham, no dia 29 de Maio de 1856, Por occasiaõ de
passar-lhe a Administração da mesma Província.” Disponível em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 26 fev. 2005.
13
Falla com que o Doutor José Coelho da Gama e Abreu Presidente da Provincia Abriu a Sessão de 21º
Legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Gram-Pará, em 16 de Junho de 1879(...)”. Disponível em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago. 2006.
5
públicos e em 19/04/1893, a Companhia de Águas foi desapropriada e declarada de utilidade
pública.
Mas teriam os moradores acatado passivamente tais mudanças? Essa é uma pergunta
cuja resposta precisa guardar certos cuidados. Grande parte dos moradores não dispunha de
água encanada em suas moradias, e recorriam, portanto, aos poços, mesmo nos anos oitenta
do século XIX, assim como no século XX. É provável também que alguns buscassem água
em torneiras públicas e se ressentissem tanto das cobranças impostas ao líquido, como das
falhas no fornecimento da água por parte da Companhia.
Importante considerar também que o serviço da Companhia talvez deixasse a desejar
inclusive para os poucos moradores que puderam efetuar o encanamento em suas moradias,
ou seja, parece que água não chegava de modo satisfatório para aqueles que esperavam
recebê-la no interior de suas residências via encanamento.
É provável então que para a grande maioria de moradores, as questões relacionadas ao
fornecimento de água pela Companhia diretamente no domicílio, não tenham implicado em
momentos de tensão e/ou manifestações de indignação, uma vez que mesmo com o transcurso
da segunda metade do século XIX, a maioria das moradias de Belém não dispunha do
encanamento recomendado para o fornecimento da água. Muito provavelmente, contudo,
houve também moradores insatisfeitos com os custos da água cobrados em torneiras públicas,
daí a reclamação contida no jornal.
Além disso, a própria irregularidade do fornecimento da água favoreceu inquietações
para com os dirigentes em relação às normas que proibiram o acesso aos poços públicos, por
exemplo. É importante considerar também que embora fosse proibido o acesso aos referidos
poços, restaram os particulares, não raramente compartilhados pelos moradores mais
próximos do local. Afinal, ainda valia o velho costume de não se negar água a ninguém.
Nessa perspectiva e considerando o processo de expansão da cidade de Belém durante
os oitocentos, os moradores desenvolveram formas de obtenção, acondicionamento e
utilização da água de tal maneira que pudessem satisfazer necessidades vivenciadas no
domicílio. Nesse estudo pretendo discutir a importância do trabalho dos aguadeiros, bem
como de lavadeiras e cozinheiras, sobretudo nas relações dos mesmos com as casas de
morada. Da mesma forma também objetivo discutir transformações operadas na infra-
estrutura da cidade de Belém, a partir das necessidades diversas do consumo de água.
Nesse sentido a urbanização da cidade bem como as políticas de saneamento, das
quais a água consumida e esgotada pelos moradores de Belém era alvo importante,
relacionaram-se com as questões econômicas e sociais então elaboradas, não apenas para a
6
cidade como também para o Grão-Pará, e que de modos múltiplos afetavam Belém, posto que
esta, nos oitocentos, era um importante centro comercial da Província.
Finalmente, no presente trabalho, procuro discutir questões relacionadas ao processo
de domesticação da água por moradores da Belém do século XIX, recorrendo à intermediação
metodológica da cultura material. Para tanto, desenvolvi pesquisa em inventários, testamentos
e autos de prestação de contas, entre outros documentos.
À guisa de melhor entender o cotidiano de alguns moradores de Belém, sobretudo no
que concerne aos processos de obtenção da água e uso da mesma nos misteres domésticos
bem como nos cuidados no armazenamento da água (considerada) potável, busquei adentrar
residências de diferentes padrões sociais edificadas em Belém durante o século XIX.
Nesse sentido acredito que tenha ficado atenta às conjunturas nacional e internacional
bem como às alterações ocorridas nestas que, de algum modo, interferiram nos modos de
viver dos moradores da Cidade do Paao longo dos oitocentos e mais especificamente nas
relações dos mesmos com as águas presentes na cidade.
Para concretizar meus objetivos, optei por desenvolver a pesquisa em tipos diversos de
documentação: ocorrências policiais e autos crimes, jornais, códigos de posturas do
município, autos cíveis de inventários post mortem, de testamentos e de prestação de contas
de testamento, abaixo-assinados, falas, mensagens e relatórios de dirigentes da
Província/Estado do Pará e da cidade de Belém, plantas/mapas da cidade e/ou de locais
específicos da mesma, entre outros.
A diversidade documental demandou o desenvolvimento da pesquisa em várias
instituições a saber: Arquivo Público do Estado do Pará, Biblioteca Pública “Arthur Vianna”
(Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/PA), Centro de Memória da Amazônia
(UFPA), Biblioteca da Academia Paraense de Letras, Biblioteca do Grêmio Recreativo e
Literário Português, Museu Paraense “Emílio Goeldi” (Belém/PA), Arquivo Histórico do
Exército Brasileiro (RJ), Fundação Biblioteca Nacional (RJ), Instituto Hisrico e Geográfico
Brasileiro (RJ), Arquivo Público de São Paulo, Museu Paulista/USP, Museu da Casa
Brasileira(SP).
A análise documental e construção da tese ocorreram mediante um norteamento
teórico-metodológico pertinente à linha de pesquisa “Cultura e Cidade”, uma vez que o
presente trabalho pretende dar prosseguimento a estudos relacionados à natureza, cultura
material, cidade e trabalho em Belém do Pará no século XIX.
7
1. O espaço e o tempo
Conforme já afirmei anteriormente, optei por um recorte temporal que se estende entre
o início do século XIX e o início do XX, período em que os moradores da cidade de Belém
conviveram com os conflitos da luta cabanal, as vagas epidêmicas, a expansão da economia
da borracha, o aterramento do alagado do Piri. Um período marcado pela escravidão (a
princípio indígena e negra) e o processo de finalização da mesma, o crescimento comercial,
celebrações religiosas, surgimento e circulação de jornais, questões pertinentes às migrações,
à moradia, à expansão da cidade, à iluminação pública, ao fornecimento de água entre outras.
Mas sinceramente, amigo leitor, não foram essas questões que me instigaram e sim o fato de
eu desenvolver, há certo tempo, pesquisas contextualizadas na cidade de Belém do século
XIX.
As pesquisas que desenvolvi com vistas à construção de minha dissertação de
Mestrado, instigaram-me para a possibilidade de produzir uma história das relações dos
moradores da cidade com as águas. A motivação despertada pela pesquisa foi ratificada pelas
discussões sobre história e cultura material.
Com o avançar da pesquisa, pensei em redefinir o recorte temporal, todavia, duas
questões motivaram-me a permanecer com minha opção inicial, uma vez que delimitam
momentos singulares do relacionamento entre (alguns) moradores da cidade com as águas: o
dessecamento do Piri, iniciado em princípios do culo XIX, e a criação da Companhia de
Águas nos anos oitenta dos oitocentos, combinada com as discussões acerca do saneamento
da cidade, recrudescidas com o advento da República.
Pretendo, assim, direcionar esforços para dar conta da investigação dos usos da água
em Belém, atenta às tensões e contentamentos experimentados pelos moradores da cidade que
crescia, como também às reflexões possibilitadas pelas leituras de Robert Lenoble, Keith
Thomas, Fernand Braudel, Daniel Roche, Sheila de Castro Farias, Ulpiano Bezerra de
Meneses, Vânia Carvalho, Otaviano Vieira nior, Jane Beltrão, Denise B. de Sant’Anna,
entre outros, que a despeito das diferenças contextuais e de objetos, foram fundamentais para
o processo de construção da tese.
1.1. Uma historiografia da água
Sobre o problema proposto nesta tese, a produção historiográfica voltada para o que
hoje se denomina Amazônia, ainda pouco se deteve. Destaco, então, a contribuição de alguns
8
trabalhos referentes ao abastecimento da água em Belém e aos processos de domesticação
desse recurso com vistas ao seu consumo no interior das residências.
A obra de Ernesto Cruz publicada em 1944, A Água de Belém: sistemas de
abastecimento usados na capital desde os tempos coloniais até os dias hodiernosdiscute os
modos pelos quais os moradores da cidade obtinham água para o seu consumo regular, ou
seja, tanto para serviços domésticos quanto para beber.
Ao longo desse trabalho, Cruz menciona os vários poços e fontes públicas, a
localização dos mesmos e o pensamento das autoridades sobre as condições de potabilidade
da água contidas nesses mananciais. Procedem comentários acerca dos aguadeiros, muitos dos
quais seriam portugueses e que abasteciam suas pipas principalmente nas cacimbas do Paul
d’Água.
14
Enfoca também as políticas públicas voltadas para o abastecimento de água, como, por
exemplo, os contratos assinados pelos governantes com empresas que se responsabilizariam
pelo encanamento da água até os chafarizes públicos a serem construídos. Este compromisso,
embora registrado em documentos, constituiu-se em motivo de reclamações dos governantes,
uma vez que não se concretizava.
O autor relata o desenvolvimento dos trabalhos da Companhia da Águas do Grão-Pará
e nesse ponto aborda a persistência de problemas no abastecimento, as reclamações dos
moradores, expressadas através dos jornais e a expansão do serviço de água encanada a partir
da década de oitenta dos oitocentos.
Cruz mostra ainda traços dos confrontos com os aguadeiros, o desaparecimento desse
serviço, bem como dos poços públicos situados em praças e ruas de Belém, mediante a
expansão do serviço de água encanada na cidade.
A dissertação de Ivo Pereira da Silva “Terra das Águas: uma história social das águas
em Belém, século XIX”, trata-se de produção recente e específica sobre esta temática. Nesta
produção, o autor procura analisar o processo de abastecimento de água em Belém no
século XIX e suas mudanças ao longo desse período”.
15
Argumenta que durante praticamente todo o século XIX a população de Belém
apropriou-se empiricamente da água, uma vez que recorria aos poços, igarapés e fontes.
14
Ernesto Cruz explica que o Paul d’Água era um alagadiço que posteriormente teria sido transformado em
manancial, sendo explorado por particulares. Sua localização era na estrada de São Jerônimo (atual José
Malcher) próximo ao Largo da Pólvora (atual Praça da República). In: CRUZ, Ernesto. A Água de Belém:
sistemas de abastecimento usados na capital desde os tempos coloniais até os dias hodiernos. Belém: Oficinas
Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. P. 9.
15
SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das águas em Belém, século XIX. Dissertação
(mestrado). Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008..
9
Todavia, com a expansão da cidade, as transformações experimentadas na segunda metade do
século XIX motivaram a procura por parte dos moradores em geral, pela “melhoria no
processo de abastecimento de água”.
Diante desse contexto, o autor focaliza os aguadeiros, as propostas de canalização de
água e a criação da Companhia das Águas indicando conflitos e negociações que permearam a
hisria do abastecimento de água em Belém.
Destaco também as produções voltadas para o estudo das doenças que, como em
outras capitais do Brasil, também se espraiaram sobre Belém e foram relacionadas com as
águas.
Nesse sentido, refiro o trabalho de Arthur Vianna As Epidemias no Pará”, cuja
primeira edição data de 1906. O de Iracy Ritzmann Belém: cidade miasmática (1878-1900)”
e o de Jane BeltrãoCólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará”.
16
Em As Epidemias no Pará”, o autor discute a incidência de doenças como varíola,
febre amarela, sarampo, cólera e peste negra no Pará, principalmente ao longo do século XIX.
No desenvolvimento de suas considerações Vianna refere-se à cidade de Belém
afirmando que esta “(...) possui apenas um terço se tanto da sua area urbana calçada, de
modo que, pelo inverno, o acumulo de aguas pluviais é enorme, nas vias publicas, nos
quintais das casas e nas baixas pantanosas”.
17
Vianna registra os chamados problemas de esgoto na cidade, o que levava os
moradores a despejarem águas servidas nos quintais, causando encharcamento no terreno e
possibilitando a reprodução de mosquitos transmissores de doenças, dentre as quais a febre
amarela. Adverte que a população parecia pouco interessada nessa questão, mas que isso não
deveria servir de desestímulo para a campanha contra os culicídios.
18
O autor defendia a necessidade de combater o transmissor da doença, tal como fora
efetivado em Havana e no Rio de Janeiro, pontos em que a febre amarela também ocorreu.
Nesse sentido adverte que a comunicação do mosquito com a água deveria ser impedida, que
16
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. VIANNA, Artur. As Epidemias no Pará. Pará: Imprensa do Diário Official,
1906. Alem de Vianna, RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878 1900).
Dissertação (mestrado). PUC SP, 1997.. BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará.
Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004.
17
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras .VIANNA, Artur. As Epidemias no Pará. Pará: Imprensa do Diário Official,
1906. Pp. 62-3.
18
Sobre esta é interessante verificar o trabalho de TEIXEIRA, Luis Antonio. Da Transmissão Hídrica a
Culicidiana: a febre amarela na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Revista Brasileira de
História, ano/vol. 21, 041. Associação Nacional de História. São Paulo, Brasil. Pp. 217-242. Dispovel em
www.scielo.br/pdf/rbh/v21n41/a12v2141.pdf. Acesso em 11 fev. 2009.
10
em tanques, chafarizes e lagos, tanto em praças quanto nas residências, houvesse a
manutenção cuidadosa de uma fauna ictiológica” e que se desprezasse a superfície das águas
paradas.
19
Além dos trabalhos mencionados, Belém: cidade miasmática”, de Iracy Ritzmann,
trata-se de uma produção que situa-se numa história social das doenças, que buscou
recuperar o entrelaçamento das políticas públicas de saúde, preocupadas com a vaola e a
febre amarela e as experiências populares no cotidiano de vida e trabalho, entre os anos de
1878 a 1900.
20
A autora chama a atenção para os projetos de higienizão efetivados por dirigentes
administrativos que pensavam para a cidade, a construção da “civilização. Nessa perspectiva,
Ritzmann enfoca doenças como a varíola e a febre amarela, que vitimaram moradores
nacionais e estrangeiros da cidade de Belém.
A autora adverte para o entrelaçamento existente entre a crença nos miasmas, as
doenças, o lixo e os cortiços. Os miasmas, por exemplo, poderiam ser emanados da água,
considerada por alguns estudiosos como causa de enfermidades como a febre amarela.
21
O
trabalho de Ritzmann mostra, também, a atenção que as autoridades dirigentes, bem como
médicos e engenheiros demonstraram ter para com a limpeza e desinfecção dos canos de
esgoto, aterramento dos covões e drenagem dos pântanos”.
22
Em Cólera, o flagelo da Belém do Grão-ParáJane Beltrão objetiva realizar um
trabalho historiográfico revendo a epidemia da cólera ocorrida em Belém, no século XIX,
incorporando a experiência das gentes ameaçadas, afetadas e mortas pela cólera, cujas
lembranças ainda produzem medo”.
23
19
Possivelmente Vianna se referia ao fato de que muitas espécies da fauna ictiológica mundial apresentassem
como base alimentar larvas de inseto. Para melhor entendimento acerca dessa questão, considero interessante ver
PAMPLONA, Luciano de es Cavalcanti, LIMA, José Wellington de Oliveira, CUNHA, Jane Cris de Lima,
SANTANA, Eddie William de Pinho. Avaliação do impacto na infestação por Aedes aegypti em tanques de
cimento do Munipio de Canindé, Ceará, Brasil, após a utilização do peixe Betta splendens como alternativa de
controle biológico. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 37(5):400-404, set-out, 2004.
Disponivel em . Acesso em 08 jul 2008.
20
RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878 1900). Dissertação (mestrado).
PUC – SP, 1997.
21
Acerca dessa questão ver TEIXEIRA, Luis Antonio. Da Transmissão Hídrica a Culicidiana: a febre amarela
na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Revista Brasileira de História, ano/vol. 21, nº 041.
Associação Nacional de História. o Paulo, Brasil. Pp. 217-242. Disponivel em
www.scielo.br/pdf/rbh/v21n41/a12v2141.pdf. Acesso em 11 fev. 2009.
22
RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878 1900). Dissertação (mestrado).
PUC – SP, 1997. P. 186.
23
BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi;
Universidade Federal do Pará, 2004. P. 23.
11
Nessa perspectiva, a autora registra a ausência de abastecimento d’água e poços na
maioria das residências”.
24
Observa também as dificuldades dos moradores pobres em lidar
com as exigências higiênicas emanadas do poder público. À época da cólera, as pessoas eram
obrigadas, após a morte de alguém residente no domicílio, a proceder a lavagem da casa, dos
móveis e objetos em geral mediante supervisão policial. Muitos ficaram, provavelmente,
ressentidos com tanto esfoo, principalmente aqueles que precisaram arcar com os custos da
compra da água aos aguadeiros.
A respeito do abastecimento, Jane Beltrão enfoca a presença de criados nos poços
públicos, como também a frequência das pessoas em banhos nos rios e igarapés.
A autora ressalta que os locais frequentados pelas gentes de coreseram pensados
pelas autoridades como lugares perigosos, pois ao se encontrarem para obter água ou banhar-
se, ou lavar as roupas, as pessoas trocavam ideias e informações, assenhoreavam-se dos
espaços e fragilizavam o controle social.
Além das produções voltadas para os estudos historiográficos sobre o “contexto
amazônico”, também foi importante para minhas reflexões sobre o tema em questão o
trabalho de Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Cidade das Águas: usos de rios, córregos, bicas
e chafarizes em São Paulo (1822-1901)no qual a historiadora discute usos das águas na São
Paulo do século XIX, quando aguadeiros, zeladores de chafarizes, sentinelas de ponte e
barqueiros eram trabalhadores presentes nos espaços da cidade e em conjunto com
lavadeiras, pescadores, comerciantes de pescados, construtores de poços, funciorios de
chalets e casas de banho formavam uma parte da paisagem social intimamente relacionada
às águas da capital paulista”.
25
A autora analisa as disputas que se estabeleceram em torno dos usos da água e que
envolveram homens e mulheres, estrangeiros e nacionais, equipamentos e seres humanos, e
até mesmo, os equipamentos entre si. Demonstra desse modo que a história dos usos da água
foi construída em meio a dores e alegrias, numa cidade que se expandiu em enormes
proporções.
As obras de Carlos Teixeira de Campos Júnior, O Estudo da Construção como uma
Contribuição á História da Cidade”, e de Julio Cesar Bellingiere,Água de Beber: a filtração
24
BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi;
Universidade Federal do Pará, 2004. Pp. 220-1.
25
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das Águas: usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São
Paulo (1822-1901). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007. P. 12.
12
dostica e a difusão do filtro de água em São Paulo contribuíram para a presente
pesquisa.
26
O primeiro tem por referência o estudo de um momento da construção da cidade de
Vitória, Espírito Santo, entre os anos de 1890 e 1896. Nesse contexto o autor enfoca o caso da
Companhia Brasileira Torrens, na produção dos serviços de águas e esgoto na cidade.
O segundo trabalho trata do surgimento e difuo do filtro de água no estado de São
Paulo, ao longo do século XX. Mostra que, em São Paulo, ao final do século XIX e início do
XX, deu-se o aumento da urbanização e a cidade se expandiu, d a qualidade da água
consumida cresceu em importância devido aos graves problemas de saúde pública,
principalmente as epidemias geradas pelas águas impróprias para beber.
2. Natureza e cultura material
O desenvolvimento da pesquisa e a construção da tese levaram-me à recorrência a
duas discussões básicas para o desenvolvimento de minhas reflexões: sobre natureza e cultura
material.
Conforme afirmei anteriormente, o processo de expansão da Cidade do Pará implicou
em longos momentos de lida com as águas, os quais, mediante os modos de pensar vigentes,
refletiram em custos elevados, tais como trabalho e tensão, mas também em sentimentos de
realização e triunfo. Por outro lado, a lida com as águas em Belém também poderia implicar
em momentos de lazer, como os banhos de praia e/ou de rio e igarapé, além disso, os
moradores também precisavam realizar coletas de água com a finalidade de prover suas
necessidades pessoais e domiciliares. Ou seja, trata-se de uma escrita direcionada à história
social das águas na cidade de Belém, em outras palavras, uma história das relações
construídas pelos moradores de Belém com as águas.
Ao longo do desenvolvimento desse trabalho foram fundamentais alguns diálogos
teórico-metodológicos voltados para a discussão acerca de história e natureza, entre os quais a
obra de Keith Thomas, O homem e o mundo natural Mudanças de atitude em relação às
26
TEIXEIRA, Luis Antonio. Da Transmissão Hídrica a Culicidiana: a febre amarela na Sociedade de Medicina
e Cirurgia de São Paulo. Revista Brasileira de História, ano/vol. 21, nº 041. Associação Nacional de História.
o Paulo, Brasil. Pp. 217-242. Disponivel em www.scielo.br/pdf/rbh/v21n41/a12v2141.pdf. Acesso em 11 fev.
2009. E BELLINGIERI, Julio Cesar. Água de beber: a filtração doméstica e a difusão do filtro de água em
SãoPaulo. Anais do Museu Paulista, junho-dezembro, ano/vol 12, nº 012. Universidade de São Paulo. São Paulo,
Brasil. Pp. 161-192. Os Anais do Museu Paulista são publicados desde 1922. Desde 1993 circulam em nova
série, com o subtítulo História e Cultura Material.
13
plantas e aos animais (1500-1800)”. De acordo com o autor, seu trabalho tem por objetivo
investigar
As origens intelectuais do Patrimônio Nacional , do Conselho para Proteção da
Inglaterra Rural, da Libertação Animal ou dos Amigos da Terra. Mas o objetivo do
livro não é somente explicar o presente; ele também procura reconstituir um mundo
mental anterior segundo seus méritos próprios. Visa expor os pressupostos, alguns
tenuamente articulados que fundamentaram as percepções, os raciocínios e os
sentimentos dos ingleses no início da época moderna frente aos animais, ssaros,
vegetação e paisagem física, em cujo meio eles passaram a vida, muitas vezes numa
proximidade que hoje mal podemos imaginar.
27
O próprio Thomas pondera que, embora seja uma produção voltada para Inglaterra, é
possível encontrar paralelos em países da Europa e América do Norte. Todavia a leitura da
mesma foi fundamental para mim no sentido metodológico, considerando a documentação
recorrente na obra (produção de filósofos, teólogos, geógrafos, críticos literários) e a
construção textual, voltada para a discussão a respeito dos esfoos humanos para exercer seu
(pré)domínio sobre o mundo animal e vegetal.
O autor adverte ainda que no alvorecer do século XIX, o antropocentrismo inglês
havia cedido lugar a sentimentos confusospois o mundo não podia mais ser visto como
feito somente para o homem, e as rígidas barreiras entre a humanidade e outras formas de
vida haviam sido bastante afrouxadas. Tal ponderação foi importante para minhas reflexões
com referência às relações dos habitantes de Belém do Pará com as águas no século XIX.
28
Essa apreciação do mundo requereria, contudo, uma educação básica e algum
conhecimento de história e literatura”, uma vez que se constituiria num gosto demarcado pela
sofisticação advinda desse preparo.
29
Nessa perspectiva mesmo a apreciação estética do
chamado mundo natural exigiria uma instrumentalizão adequada e certamente compatível
com o processo civilizador que avançava pelo ocidente no culo XIX. Nesse quadro que
brevemente apresento aqui, é possível situar viajantes e naturalistas, por exemplo, que
27
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais
(1500-1800). o Paulo: Companhia das Letras, 1988. P. 19. O livro é uma versão ampliada das Conferências
“George Macauley Trevelian”, proferidas na Universidade de Cambridge,durante a Quaresma de 1979.
28
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais
(1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988. P. 357.
29
Acerca da questão aqui enfocada, Thomas é comentado por Márcia Naxara no trabalho “Natureza e
Civilização: sensibilidades românticas em representações do Brasil no século XIX”. In: BRESCIANI, Stela e
NAXARA, Márcia (orgs.). Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas, SP:
editora da UNICAMP, 2004. Pp. 434-5.
DULLEY, Richard Domingues. Nões de Natureza, Ambiente, Meio Ambiente, Recursos ambientais e Recursos
Naturais. In: Agricultura, São Paulo, v. 51, n.2, p. 15-26, jul/dez, 2004. Disponivel em
www.iea.sp.gov.br/out/publicacoes/pdf/asp-2-04-2.pdf. Acesso em 28 jun. 2008. Sobre o conceito de “natureza
considero importante ressaltar a contribuição desse autor. Dulley sublinha que a discussão desse tema é extensa,
envolvendo aspectos filosóficos, religiosos. Dentre os autores enumerados por ele cito R. Lenoble segundo o
qual diferentes ideias de natureza, ou seja, o significado de natureza não é o mesmo para grupos sociais de
diferentes lugares e épocas na história. A natureza é pensada a partir de relações sociais.”
14
visitaram a Cidade do Pará em diversas décadas do século XIX, sobretudo as situadas na
primeira metade daquela centúria.
Ainda relativamente a esse ponto, foi importante para a pesquisa como também para a
construção textual, a recorrência à obra de Norbert Elias, O processo civilizador”, uma vez
que essa, tendo como tema fundamental os tipos de comportamento considerados típicos do
homem civilizado ocidental”, possibilitou maior fluência de reflexões concernentes aos modos
de pensar de habitantes de Belém no decorrer do século XIX a respeito dos modos de lidar
com as águas, com artefatos relacionados aos usos do quido e como os ofícios relacionados à
coleta, transporte e usos da água na cidade.
A documentação permite entrever que para diversos moradores chegava a ser
considerado vergonhoso transportar vasilhas com água pelos espaços da cidade, por exemplo,
ou, desgastar-se fisicamente e expor-se em lugares pensados como expressamente públicos,
tais como praças e poços públicos, lavando roupas. Tais tarefas, a despeito da importância que
pudessem ter no cotidiano dos moradores, eram desenvolvidas à longa data pelos criados, e/ou
trabalhadores livres, libertos ou escravizados, de condição social considerada inferior, os
quais ganhavam as ruas em busca de trabalho, moradores desprovidos de recursos na capital
do Pará, aos quais, tipos de trabalhos como os que mencionei anteriormente, eram
considerados destinados.
30
A despeito dos registros referentes à grandiosidade hidrográfica dA Provincia do Pará,
em relação à Belém, o século XIX foi um período marcado pela preocupação das autoridades
públicas para com a facilitação do abastecimento da chamada água de boa qualidade aos
moradores da capital da província. Quanto aos moradores, também precisaram desenvolver
estratégias para garantir o suprimento doméstico de água tendo em vista as atividades
regulares, necessárias ao funcionamento de diversas residências.
As manifestações em geral, em relação às águas na cidade e, por conseguinte, aos
modos de pensar e recorrer aos usos das mesmas, revelam sensibilidades que não foram
específicas da Cidade do Pará, ou seja, em outras capitais de províncias/estados do Brasil,
uma documentação pesquisada, também revela modos de compreender as relações sociais nos
usos das águas perpassados pelas ideias de apropriação do líquido, submissão da água ou
enquadramento da mesma aos modos de viver dos moradores, limpeza de objetos, asseio dos
corpos.
30
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. V.1. Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1994. P.13.
15
Em outras palavras, a documentação denota modos de perceber a água, entre membros
de grupos locais, tais como dirigentes, médicos, redatores de jornais, advogados, como um
elemento da natureza que precisava ser submetido às transformações geradas pelo progresso,
pelo processo inexorável da civilização. Uma vez realizada a “submissão” do líquido aos
ditames do progresso, acreditava-se que a sociedade seria beneficiada com o fornecimento de
água de boa qualidade e em quantidade adequada.
A pesquisa que empreendi indica, contudo, que em relação ao fornecimento da água,
esse o era um modo único de pensar entre os habitantes de Belém. Destes, a grande maioria
percorreu o século XIX buscando a água em fontes, poços ou cacimbas, alguns armazenando
o líquido em questão, em tanques domésticos, ou mandando cavar poços, ou ainda
comprando-a aos aguadeiros, que por sua vez, também buscavam-na em poços. Ou seja, para
a grande parcela de moradores da Cidade do Pará, os séculos de busca das águas naquelas
condições, levaram-nos a reproduzir e considerar natural os modos de obtenção do líquido.
Para melhor entender os modos de pensar e os conectados às relações com a água,
também foram importantes as considerações de Robert Lenoble sobre o conceito de natureza.
Para ele esse conceito de natureza na história toma todo o seu sentido: exprime menos
uma realidade passiva apercebida que uma atitude do homem perante as coisas”. Ou seja, os
homens construíram ideias acerca da natureza e tais ideias são datadas, construídas
historicamente, conectadas às relações sociais. Nesse sentido, as próprias ideias que o homem
construiu sobre si mesmo e de tudo quanto o cerca, as condições econômicas, políticas que
vivencia são essenciais também para formatar suas ideias sobre natureza.
31
Nessa perspectiva foi importante a leitura de José Augusto Pádua. Em Natureza e
projeto nacional: as origens da ecologia no Brasil”, o autor dedica-se a pensar as origens
da ecologia política no Brasil”.
32
Nesse texto, Pádua discute, por exemplo, a proposta de José Bonifácio de Andrada e
Silva, no que se refere ao relacionamento entre homem e natureza. Nesse sentido, Bonifácio
propunha o uso do conhecimento científico da natureza em prol do crescimento da riqueza
nacional, a ignorância das leis naturais era causadora de desperdícios. Logo, era fundamental
que a natureza não fosse destruída, pois se assim o fosse, obstaculizaria o desenvolvimento da
não, todavia, Bonifácio não propunha uma atitude contemplativa perante a natureza, ela
31
LENOBLE, Robert. Historia da ideia de natureza. Porto: Edições 70, 1990. P. 200.
32
PÁDUA, José Augusto. Natureza e projeto nacional: as origens da ecologia no Brasil. In: PÁDUA, José
Augusto (org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ, 1987. P. 14. (Coleção
Pensando o Brasil).
16
deveria ser usada mediante os saberes proporcionados pelas ciências, ou seja, tratada
mediante os fundamentos da racionalidade.
33
Ainda com relação ao pensamento brasileiro no século XIX, e mais especificamente à
crítica do relacionamento com a natureza no Brasil”, J. A. Pádua destaca Joaquim Nabuco e
And Rebouças, os quais seriam, segundo o autor, herdeiros intelectuais de Bonifácio,
adeptos do liberalismo que relacionavam a luta em defesa da natureza com a luta pela
civilização.
34
No caso de Belém do Pa, destacam-se tanto nos textos jornalísticos, como em
documentos governamentais, pensamentos afinados com as ideias em defesa da civilização
inclusive nas questões relativas também à lida com as águas. Diante do exposto, tornou-se
necessário submeter os pântanos, as áreas alagadas indesejáveis que comprometiam o
crescimento da Cidade do Pará, assim como combater os lamaçais que se avolumavam em
decorrência das chuvas. Também se revelou importante a construção de valas, pontes, portos,
poços e chafarizes, bem como o uso de objetos através dos quais a água seria enquadrada,
acondicionada, transportada, despejada, utilizada e finalmente, esgotada.
Todavia, submeter às águas a todo aquele processo de enquadramento o se
constituiu em tarefa simples para aqueles que viveram na Belém daqueles tempos. Percebendo
essa questão ao longo da pesquisa, entendi que a história dos usos das águas na Cidade do
Pará, requereria um certo entendimento entre a hisria natural, construída em grande parte no
século XIX, e a história social.
35
Em outros termos, na Belém do século XIX, a lida com as águas revelou-se constante
e duradoura em diversos âmbitos e provavelmente, assim precisasse ser para tantos que
buscaram construir uma vida na Cidade do Pará, uma vez que naquele século a cidade, apesar
das inúmeras mortes em função das lutas políticas e das doenças, também vivenciou uma
expansão física e populacional, sendo essa associada à questão da imigração e ao
desenvolvimento comercial associado à economia da borracha, sobretudo a partir dos anos
sessenta do século XIX.
36
33
PÁDUA, José Augusto. Natureza e projeto nacional: as origens da ecologia no Brasil. In: PÁDUA, José
Augusto (org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ. P. 32.
34
PÁDUA, José Augusto. Natureza e projeto nacional: as origens da ecologia no Brasil. In: PÁDUA, José
Augusto (org.). Ecologia e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ. Pp. 40-1.
35
DRUMMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, p. 177-197. Disponivel em
professores.cds.unb.br/.../pub/down.cfm?...%20%20história%20ambiental. Acesso em 11 fev. 2007.
36
Sobre experiências diversas de migrantes cearenses no Pará e, mais especificamente, em Belém, ver
LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). USP/FFLCH.
17
Afinal, a documentação indica que para as elites, fora considerado necessário realizar
inúmeras obras de contenção das águas, uma vez que o líquido abundante, também de modos
diversos estabelecia limites às ações humanas, retardando mudanças que eram consideradas
necessárias para uma cidade que precisava expandir-se.
Esclareço, contudo, que não abraço ou proponho neste estudo, a ideia de um
determinismo natural das águas, reafirmo que busco analisar os modos pelos quais aqueles
que habitaram Belém construíram suas relações com as águas tão presentes na mesma,
considerando questões basilares da história da cidade, tais como, por exemplo, a reincidência
de epidemias, as lutas políticas, as mortes numerosas, o crescimento econômico, a
prosperidade comercial e a própria expansão da cidade. À primeira parte desse estudo,
constituída de dois capítulos, dedico, principalmente, a essas reflexões.
O desenrolar da pesquisa apontou-me também a possibilidade de desenvolver uma
hisria de vida e/ou cultura material da água nos domicílios da Belém dezenoveana, bem
como a conexão de tais usos com o processo de civilização pensado para a cidade e que
norteou também, entendimentos sobre a lida com as águas e com a natureza tão próxima à
mesma.
A tarefa implicou em realizar tentativas de adentrar residências e identificar uma
multiplicidade de objetos recorrentes no “dia-a-dia” dos moradores e que guardavam, muito
possivelmente, relação com os usos da água nos interiores da moradia, com a condição social
dos moradores, seus sentimentos e motivações. A respeito disso, recorro às palavras de Jo
Vessimo quando este afirma que “a casa revela a constituição da família que a habita
.
37
Na verdade, estudos mais direcionados à família não se constituem no foco do
presente trabalho, todavia, considerei a importância, conforme informei anteriormente, de
adentrar as residências, no sentido de entender formas de domesticação da água, em meio a
relações construídas nos interiores domiciliares. Afinal, inevitavelmente todos os habitantes
necessitaram recorrer ao líquido em questão, fosse para mitigar a sede, ou preparar os
alimentos, ou ainda para as lavagens de objetos, cômodos, corpos e alimentos.
Para as casas de famíliade Belém foi necessário buscar a água no universo porta
afora”, junto aos aguadeiros, ou aos poços e fontes, aos igarapés e rios presentes na cidade,
o Paulo, 2006. (Tese de Doutorado). Disponivel em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-
16072007-105321/. Acesso em 26 jun. 2008.
37
Ver VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970. E também
ROCHE, Daniel. História das coisas banais, o nascimento do consumo séc. XVII-XIX. Rio de Janeiro: Rocco,
2000. E também REDE, Marcelo. História a partir das Coisas: tendências recentes nos estudos de cultura
material; In. Anais do Museu Paulista, nova série V. 4. 1996. E ainda, ELIAS, Norbert. O Processo civilizador
Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Vol. 1.
18
recorrendo a inúmeros objetos associados à coleta e transporte e submetendo-a ao uso
doméstico. Diante disso, a recorrência aos baldes, latas, bacias, potes, tinas, pipas, entre
outros, marcou as vidas dos moradores da cidade ao longo de décadas que antecederam
inclusive, o século XIX.
À guisa de refletir a respeito dessas questões recorri a várias produções essenciais
relativas à pesquisa da hisria da vida material. Dentre elas destaco Civilização Material,
Economia e Capitalismo século XV-XVIII”, de Fernand Braudel, sobretudo o primeiro de
seus três volumes, as estruturas do cotidiano, no qual o autor dedica algumas laudas à
discussão sobre “bebidas e dopantes”, incluindo aí a água e a recorrência à mesma por
moradores de cidades da Europa, por exemplo, através das construções de poços e cisternas,
bem como o uso de bombas e a recorrência aos aguadeiros.
Aliás, em Belém do Pará, durante o século XIX, em meio às disputas políticas dos
anos vinte, ao vigor da luta cabanal dos anos trinta, à incidência de epidemias e mortes e à
reverberação das atividades agrícolas e comerciais, os habitantes, particularmente ou através
dos dirigentes locais, cavaram seus poços, e recorreram ao uso de pedra e cal e madeira no
processo de construção dos mesmos. Também recorriam aos aguadeiros, presentes desde as
primeiras décadas do culo dezenove, na documentação.
38
Na obra em questão, Braudel também adverte para as diversas concepções relativas à
importância e à qualidade das águas, isto é, que elementos concorriam para as águas fossem
consideradas boas ou más em diferentes contextos.
A leitura de Jean-Marie Pesez, sobretudo a relação entre cultura material e história foi
também extremamente esclarecedora. Segundo o autor “(...) a cultura material se exprime
pelo concreto, nos e pelos objetos. Em suma, a relação entre o homem e os objetos (sendo
aliás o próprio homem, em seu corpo sico, um objeto material), pois o homem não pode
estar ausente quando se trata de cultura.
39
Respaldando-se em Braudel, Pesez adverte que o estudo da vida material se reveste da
dignidade de priorizar a história das massas, as realidades de longa duração, pois os gestos
dos homens comuns se constroem numa cotidianidade de longa duração.
No presente trabalho, optei por desenvolver o estudo sobre usos da água ao longo do
século XIX, primeiramente por vir desenvolvendo pesquisas em torno desse período
algum tempo, o que possibilitou contato com documentos que remetiam para possibilidades
38
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV-XVIII: As Estruturas do
Cotidiano, o possível e o imposvel. Vol. 1, São Paulo: Martins Fontes, 2005.
39
PESEZ, Jean-Marie. História da Cultura Material. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. P.242.
19
de discussão sobre usos da água e também porque, sendo um século no qual os habitantes de
Belém conviveram com questões significativas ou marcantes, que ficaram consagradas na
historiografia regional e nacional, tais como a luta social cabana, a expansão da economia
gumífera além do próprio crescimento da cidade à revelia dos terrenos alagados nela
existentes. Busquei, então, relacionar as formas de lidar com as águas ao longo dos oitocentos
com as questões que referi, uma vez que essas se apresentaram prenhes de significados para a
diversidade de moradores da Belém daqueles tempos.
Advirto, contudo, que ao longo do período dezenoveano, muitas formas de lidar com a
água foram repetidas no cotidiano dos moradores da Cidade do Pará, a despeito das epidemias
reincidentes, da luta cabanal, do enriquecimento gerado para alguns setores através de
atividades econômicas bem sucedidas, da expansão da cidade em si. Ou seja, os moradores da
Belém do século XIX, conviveram com águas de rios e igarapés em abundância e conviveram
também com as águas obtidas através da abertura de poços ou cacimbas. Em função disso,
precisaram desenvolver um gestual específico e repetitivo de coleta da água, de transporte e
armazenamento da mesma e para tanto recorreram à intermediação de numerosos artefatos.
Aqueles modos de lidar com as águas não foram específicos do século XIX foram anteriores e
construídos ao longo de dezenas de anos.
40
Nesse ponto reporto-me também às contribuições de discussões sistematizadas por
Marcelo Rede e Ulpiano B. Menezes. Em trabalhos como História a partir das coisas:
tendências recentes nos estudos de cultura material”, Marcelo Rede adverte para a
importância da perspectiva interdisciplinar no estudo dos objetos materiais, e sobretudo, para
a questão da historicidade dos mesmos, ou seja, alerta para o fato de que a constituão dos
objetos, bem como os usos dos mesmos não eso à margem do contexto social no qual se
inserem, contrariamente segundo o autor seria uma iluo pensar que um objeto incorpora
seus atributos morfológicos e semânticos em um único ato criador e os mantém por toda sua
trajetória.
41
40
Igualmente importante foi a contribuição de Daniel Roche. Em História das coisas banais: o nascimento do
consumo nas sociedades do culo XVII ao XIX”, o autor dedica um capítulo à discussão acerca da utilização da
água, numa temporalidade de longa duração, na França. O autor discute a relação entre o sagrado e as águas, a
abertura de poços e construção de chafarizes, bem como as concepções em trono da água considerada pura.
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX.
Rio de janeiro: Rocco, 2000.
41
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. In. Anais
do Museu Paulista. São Paulo, v.4 jan./dez. 1996.
20
Em Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público”, Ulpiano
Meneses discute o deslocamento de objetos e coleções do campo pessoal para o público e
que implicações precisariam ser consideradas no que diz respeito à pesquisa histórica.
42
Adverte que os artefatos contêm atributos em si, os quais se constituem em
“propriedades de natureza físico-químicas: forma geométrica, peso, cor, textura, dureza etc,
etc.”. Tais atributos de sentido são construídos historicamente, ou seja, gerados por
intermédio de relações sociais. De outro modo, os atributos de sentidos estão fora do objeto e
são ressignificados no tempo e no espaço pelas sociedades, pelos grupos e pelos indivíduos.
Daí a importância da narrativa e dos discursos sobre o objeto para se inferir o discurso do
objeto”.
Mas, adverte o autor, contrariamente à verdade objetivacontida na integridade
físicado objeto, os discursos sobre o mesmo podem ser falsos”. Então, os objetos contêm
sinceridade, mas não a verdade em si, daí necessitar de outros textos para serem
compreendidos, pois eles não se esgotam em si mesmos. “Os objetos materiais têm um
trajetória, uma biografia”, afirma Meneses.
43
Ainda considerando o objeto da pesquisa bem como o período em que centrei a
discussão do presente trabalho, foi importante recorrer às contribuições de estudos contidos
nas coleções História da Vida Privada- em relação a esta tese, mais especificamente o
volume quatro - o qual foi fonte originária de inspiração” para a História da Vida Privada
no Brasil”.
Em relação ao volume quatro da coleção francesa, foram importantes as reflexões a
respeito de vida privada, domesticidade e intimidade, principalmente para o capítulo final da
segunda parte do presente estudo, no qual desenvolvo o debate acerca dos usos da água nos
interiores da moradia. Foram também importantes as discussões atinentes à relação entre a
casa e a família no século XIX, bem como os modos de morar, a discriminação social
manifestada nas moradias, às precariedades enfrentadas pelos desafortunados, o menosprezo
dos burgueses pela classe proletária. E também as discussões voltadas aos modos da
moradia e da relação dos mesmos com os sentidos de domesticidade e construção da
intimidade.
44
42
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. In:
Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. II, nº 21, 1998.
43
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. MENESES. Ulpiano T. Bezerra. Memória e cultura material: documentos
pessoais no espaço público. In: Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. II, nº 21, 1998. Pp. 91-2.
44
PERROT, Michelle (org.). História da vida privada, 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. o
Paulo: Companhia das Letras, 1991.
21
No caso da coleção brasileira, recorri, sobretudo, embora o unicamente, aos
trabalhos de Leila Mezan Algranti, “Famílias e vida doméstica”, e de Mary Del Priore, “Ritos
da vida privada”. O primeiro possibilitou reflexões sobre a relação entre falia e domicílio
no período colonial do Brasil, bem como as discussões sobre os sentidos de intimidade e a
relação dos mesmos com os modos de construir moradias, sobretudo entre segmentos mais
abastados da sociedade. Para a autora a organização familiar e a vida doméstica nos séculos
XVI e XVII, sofreram a influência de elementos que marcaram profundamente a formação
da sociedade brasileira e o modo de vida de seus habitantes: a distância entre a colônia e a
metrópole; a falta de mulheres brancas, a escravidão negra e indígena, a expansão territorial
e as precariedades relativas aos produtos e recursos.
45
Recorrendo a uma documentação diversa, incluindo inventários e testamentos, a autora
adverte para as diferentes conotações relativas ao privado e ao público, cuja distinção melhor
delineada no século XIX, não se aplica ao período enfocado por ela. Da mesma forma, os
sentimentos, a intimidade e as solidariedades também encontraram formas diversas de
expressão.
Em linha semelhante de abordagem, sendo que a partir dos registros cartas pessoais,
anotações financeiras - de um senhor de engenhos decadentes da Bahia do século XVIII, o
trabalho de Mary Del Priore busca analisar especificidades da privacidade na América
portuguesa nos séculos XVII e XVIII, período em quea oposição entre o público e o
privado começava a delinear-se”.
Aliás, a autora adverte que em 1718, Raphael Bluteau, um dicionarista jesuíta,
esclarecia que Privado: (referia-se a) uma pessoa que trata de sua família e de seus
interesses domésticos, o que ficava bem explicitado na documentação do endividado senhor
de engenhos, Antonio Gomes Ferrão Castelo Branco.
46
Além dos trabalhos que mencionei, foram também importantes teórica e
metodologicamente para minha pesquisa, as produções de Sheila de Castro Faria, Antonio
SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América
portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. A expressão fonte originária de inspiraçãofoi utilizada
por Fernando Novais (coordenador geral dessa coleção) no prefácio do volume 1 da coleção. Novais esclarece
que convergência e autonomia hão de guardar, portanto, nossa relação com a fonte originária de inspiração.
Convergimos, sim, mas não tomamos vida privada em sentido muito estrito, antes ampliamos o seu contorno
para o universo da intimidade e do cotidiano, ou como diz Duby, “zona de imunidade oferecida ao
recolhimento”. (...)”.
45
ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica.In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. P.
84.
46
PRIORE, Mary Del. Ritos da vida privada. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). São Paulo: Companhia das
Letras, 1997. P. 278.
22
Otaviano Vieira nior, nia Carneiro Carvalho e João Luiz Máximo da Silva. Os dois
primeiros já publicados respectivamente em 1998 e 2004 e voltados para a discussão acerca
da família no período colonial, com recorrência a uma documentação ampla e seriada e que
concorreram para minhas reflexões sobre os ofícios da água na cidade de Belém, assim como
os percursos da mesma nos interiores domiciliares e/ou em casas de família, expressão
cunhada em vários documentos do período dezenoveano.
47
Em A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial”, Sheila de
Castro Faria propõe-se a discutir a importância da família na montagem e funcionamento
das atividades econômicas coloniais, em particular as ligadas ao mundo agrário”. Para ela
todos os aspectos integrantes da cotidianidade, estivessem eles mais no âmbito do que fosse
considerado público ou privado, convergiam para a família.
O termo (família), por sua vez ligava-se a elementos para além da consanguinidade, ou
seja, envolvia parentela e coabitação, incluindo relações rituais. Tal importância conferida
á família justifica-se pela absoluta relação entre este grupo e todos os aspectos da vida
cotidiana, pública ou privada. A autora afirma inclusive que não construiu em seu trabalho
uma história da vida privada e sim uma história do cotidiano, pois analisa as formas de
produzir, as famílias, as casas de morada etc”. Para ela, no período colonial a casa não era o
local do privado, ela alerta para o fato de que a referência ao termo “casas” na documentação,
Demonstrava a proximidade do local de beneficiamento da produção, das senzalas
(quando havia), das casas de agregados, das casas dos filhos, das casas onde se
cozinhava e se dormia, dos animais em torno delas ou de lavouras, de paióis ou
casas de despejo, formando um complexo. Posso até mesmo dizer que as casas eram
um local público.
48
Em “Entre paredes e bacamartes: história da família no sertão (1780-1850)”, Antonio
Otaviano Vieira nior analisa os ltiplos significados das organizações familiares
cearenses a partir da investigação das relações entre família e domicílio, e família e
violência”. Para tanto, o autor estabelece relações permanentes e cuidadosas com as
transformações econômicas ocorridas no Brasil e mais especificamente no Ceará, no
47
FARIA, Sheila de Castro. Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998.
VIEIRA Jr. Antonio Otaviano. Entre Paredes e Bacamartes: história da família no sertão (1780 -1850).
Fortaleza/CE: Ed. Demócrito Rocha; São Paulo: Ed. HUCITEC, 2004.
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material
São Paulo, 1870-1920. Tese (doutorado). São Paulo: FFLCH/USP, 2001.
SILVA, João Luiz Máximo da. O Impacto do gás e da eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930): estudos de
cultura material no espaço doméstico. Dissertação (mestrado). São Paulo: FFLCH/USP, 2002.
48
FARIA, Sheila de Castro. Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. Pp. 388-9.
23
interregno indicado acima. Nesse sentido o trabalho focaliza a família numa região
colonizada a partir da pecria, que mesmo após entrar em decadência enquanto atividade
exportadora deixou significativas marcas nas relações sociais e econômicas da região”.
49
Nessa perspectiva o autor discute a relação entre família e domesticidade, enfatizando
a relação entre família e domicílio numa área marcada pelo desenvolvimento da pecuária e a
incidência da seca, a estrutura material dos domicílios e o uso social dos espaços ocupados
pelas famílias. Em seguida, o autor discute relações entre família e violência, enfatizando a
presença marcante deste no cotidiano cearense, assim como as relações entre famílias
abastadas e violência e as tensões de gênero.
Os trabalhos de Sheila C. Farias e Vieira Júnior, apresentaram pesquisas da vida
material de falias de diferentes condições sociais, recorrendo a uma documentação escrita e
analisando, portanto, os discursos sobre os objetos referidos na mesma.
Ainda com relação à recorrência aos estudos da cultura material, foram também
esclarecedores os trabalhos de Vânia Carneiro de Carvalho, Gênero e Artefato: o sistema
dostico na perspectiva da cultura material - São Paulo, 1870-1920e, João Luiz Máximo
da Silva, O Impacto do s e da eletricidade na Casa Paulistana 1870-1930: estudos de
cultura material mo espaço doméstico”.
No primeiro, Vânia Carvalho analisa as relações de gênero a partir dos padrões de
organização material da moradia. Nesse sentido a autora discute que o processo de escolha
dos objetos a serem dispostos nos espaços da casa, bem como as normas que regem a
ornamentação de tais objetos e dos cômodos em si, assim como a especialização destes, a
própria rotina doméstica, ocorreram buscando sempre a reprodução de diferenças sexuadas,
inculcadas de maneira inconsciente e automática nos comportamentos cotidianos”.
50
Como em outros estudos mencionados, o trabalho em questão relaciona a tetica
com o contexto histórico, enfatizando o estado de São Paulo e respectiva capital. Ao longo da
tese, a autora analisou inicialmente as identidades de gênero constituídas e atribuídas aos
objetos. Em seguida focaliza a localização dos objetos em relação aos cômodos da casa, ou
seja, o contexto espacial dos objetos, mediante uma série de elementos inclusive atributos
masculinos e femininos. Em seguida, a autora dedica-se à análise de movimentos, ou seja,
pessoas e objetos analisados num contexto perfortico. As ações corporais, nas quais
corpo e objeto conectam-se e reproduzem um determinado modo de viver, são sexuadas e
49
VIEIRA Jr. Antonio Otaviano. Entre Paredes e Bacamartes: história da família no sertão (1780 -1850).
Fortaleza/CE: Ed. Demócrito Rocha; São Paulo: Ed. HUCITEC, 2004. Pp. 12-3.
50
CARVALHO, Vânia Carneiro de. nero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material
- o Paulo, 1870-1920. Tese (doutorado). São Paulo: FFLCH/USP, 2001. P 15.
24
ocorrem por sua vez, num sistema que as retroalimenta com valores e sistemas
cristalizados”. Nesse sentido a autora afirma que
(...) o fenômeno sexuado da aculturação burguesa, européia, tecnológica e urbana
conhece sua forma mais irreversível na adoção de novos padrões corporais, (uma
vez que) são esses que freiam, filtram ou permitem a instalação de uma nova cultura,
que é através deles que esta se transforma em hábito – ação inconsciente e
automatizada.
51
A seguir Vânia Carneiro discute formas de luxo, através de um duplo foco espacial: a
casa e a rua. “O luxo e o conforto são associadas às funções femininas de ornamentação tanto
nos espaços públicos da cidade, como nos interiores domésticos”. Finalmente, ela discute as
relações entre o espo material e o imaterial e nesse ponto, a estética é retomada como um
sistema classificatório e distintivo de gênero e classe que articula as formas materiais de
conforto às necessidades de gratificação simbólica”.
52
O trabalho de João Luiz ximo da Silva procura identificar impactos físicos, sociais
e culturais no espaço doméstico paulistano a partir do emprego das tecnologias do gás e da
eletricidade na cidade. De acordo com o autor, o objetivo do trabalho foi mobilizar os
objetos, o espaço doméstico e toda e qualquer fonte para compreender aspectos das relações
sociais e não os objetos e seu quadro material em si”, consideração essa que vai ao encontro
das discussões teóricas sobre cultura material enquanto metodologia de trabalho
historiográfico.
53
Nessa perspectiva o autor discute as transformações da cidade de São Paulo em centro
urbano de destaque devido á bem sucedida economia do café do oeste paulista, bem como o
estabelecimento de grupos estrangeiros atuantes na prestação de serviços no âmbito urbano.
As mudanças vivenciadas na cidade influenciaram as constituições das casas paulistanas, os
jornais, por exemplo, anunciavam equipamentos domésticos que otimizariam a lida doméstica
assumida geralmente pela figura feminina.
O autor analisa as questões que marcaram esse impacto tais como as modificações
operadas em várias casas, além do próprio uso de equipamentos a gás e eletricidade. ximo
da Silva adverte ainda que “a escolha da cultura material como plataforma de análise,
51
CARVALHO, Vânia Carneiro de. nero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material
São Paulo, 1870-1920. Tese (doutorado). São Paulo: FFLCH/USP, 2001. P. 165.
52
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material
São Paulo, 1870-1920. Tese (doutorado). São Paulo: FFLCH/USP, 2001. Pp. 21-2.
53
SILVA, João Luiz Máximo da. O Impacto do gás e da eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930): estudos
de cultura material no espaço dostico. Dissertação (mestrado). São Paulo: FFLCH/USP, 2002. P. 5.
25
possibilitou que o enfoque recaísse não nos objetos em si, mas na sociedade que os produziu
ao mesmo tempo em que foi por eles, (re)produzida”.
54
O trabalho de Luiz Antonio Valente Guimarães, As casas & as coisas: um estudo
sobre vida material e domesticidade nas moradias de Belém 1800-1850, também
profundamente contributivo para a presente produção, posto que estuda as moradias urbanas
de Belém na primeira metade do século XIX. Para tanto, analisa “as relações sociais
construídas nestes ambientes domésticos, investigados através do uso e consumo de objetos
encontrados nos inventários post mortem, jornais, relatos de viajantes e outras
documentações”.
55
Nesse estudo o autor buscou construir uma articulação entre os ltiplos registros
acerca de objetos materiais localizados nos domicílios da Cidade do Pará e a estrutura das
moradias em busca de entender os modos de viver dos moradores de Belém na primeira
metade dos oitocentos, e nessa perspectiva a relação dos mesmos com o consumo, as noções
de conforto e privacidade.
Estas foram algumas das contribuições recorrentes na presente tese.
3. Sobre os capítulos que integram o trabalho
Passo a seguir a uma breve apresentação dos capítulos que compõem essa produção.
A tese que proponho se encontra organizada em duas partes: “as águas e a cidade” e
“águas, casas e moradores”. Cada parte encontra-se subdividida em dois capítulos, que são
respectivamente: “as águas e a cidade de Belém e “em meio às águas, a construção da
cidade”, que integram a primeira parte, e “entre o transportar, o lavar e o cozinhar: ofícios da
água e casas de moradae objetos da água em casas de morada”, que constituem a segunda
parte.
No primeiro capítulo, “as águas e a cidade de Belém”, pretendo desenvolver
discussões sobre modos de pensar a cidade de Belém a partir dos registros de viajantes e
moradores, suas chegadas e/ou partidas e como estabeleceram conexões com as águas
presentes, sobretudo, no entorno da cidade. Nesse ponto pretendo analisar também
54
SILVA, João Luiz Máximo da. O Impacto do gás e da eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930): estudos
de cultura material no espaço dostico. Dissertação (mestrado). São Paulo: FFLCH/USP, 2002. P. 5.
55
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre vida material e domesticidade
nas moradias de Belém – 1800-1850. Dissertação (mestrado). UFPA/PPHIST. Belém, 2006. Resumo.
Foi também importante a leitura de AUGUSTO, Isabel Teresa Creão. Entre o ter e o querer : domicílio e vida
material em Santa Maria de Belém do Grão-Pará (1808 1830). Dissertação (mestrado). Campinas, SP: [s.n.],
2007. - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
26
pensamentos associados às águas (consideradas) amigas, ou seja, as águas que banhavam nas
folgas, que possibilitavam passeios, que saciavam a sede e as águas (tidas como) inimigas,
por acarretarem problemas para os moradores da Cidade do Pará.
No segundo capítulo, “em meio às águas, a construção da cidade”, pretendo discutir as
relações entre natureza e civilização através dos pensamentos externados por alguns
moradores, em relação à questão da canalização das águas.
Também neste capítulo serão focalizadas as relações com os pântanos, as águas de
chuva, a constituição de valas para esgotamento das águas estagnadas, bem como o uso de
canalização para escoamento de águas. Com esse propósito, a discussão será direcionada para
os processos considerados facilitadores para o controle das águas que precisavam” ser
removidas na cidade, posto que poderiam prejudicar os moradores, comprometendo-lhes o
bem-estar.
Na documentação trabalhada não são incomuns as expressões água potável”, boa
água, boa água para beber, para citar alguns exemplos. Por outro lado, a expressão
água turvaindicava comprometimento na qualidade da água. A respeito disso pretendo
relacionar este problema com os discursos das autoridades dirigentes, os discursos
jornalísticos e com as discussões científicas sobre esta questão, pois apontam para os perigos
que significava para os moradores, sobretudo na segunda metade do século XIX, o descuido
com águas paradas nos terrenos, ruas, quintais e no interior do domicílio. Entre os perigos
apontados estavam, por exemplo, as doenças. Nesse sentido, as águas seriam veículos de
enfermidades muitas vezes fatais para vários moradores da cidade.
Ainda no capitulo em questão, discuto o estabelecimento da Companhia das Águas,
nos anos oitenta do século XIX. Nesse ponto procurei destacar uma história da instituição da
Companhia, relacionada aos locais referentes à preservação de mananciais, expansão da rede
de canalização, algumas tensões sociais importantes naquele contexto e, a despeito das
transformações emergentes no processo de controle da apropriação da água, às permanências
que marcaram (e ainda marcam) o cotidiano de moradores de diferentes espaços de Belém.
No capítulo primeiro da segunda parte, “entre o transportar, o lavar e o cozinhar:
ofícios da água e casas de morada”, objetivo discutir três ofícios que guardavam estreita
relação com usos da água em Belém: o de aguadeiro, de lavadeira e de cozinheira (o). A
escolha desses ofícios guardou conexão com as fontes que acessei durante a pesquisa e que
denotam a recorrência dos habitadores de Belém aos aludidos serviços.
Referidos em uma variada documentação os aguadeiros e/ou condutores de água
integraram o universo social da cidade de Belém. O trabalho mais diretamente relacionado ao
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deslocamento dos carros com pipas pelas ruas da cidade era uma função essencialmente
masculina, exigia esforço físico e grandes habilidades de manobra por parte dos trabalhadores
a fim de percorrerem as ruas da cidade com seus carros. Nesse contexto, pretendo discutir
aspectos das relações entre aguadeiros e demais moradores da cidade, inclusive com os que
representavam o poder público, no processo de apropriação da água, posto que tal
relacionamento foi marcado tanto por momentos de solidariedade quanto por conflitos.
Além dos aguadeiros, também serão focalizadas nesse capítulo as lavadeiras. A
documentação aponta para um interesse significativo de vários moradores para com o
processo de lavagem e engomação da roupa. Tais serviços eram aparentemente desenvolvidos
apenas por mulheres, escravizadas ou não. A lavagem era um serviço que poderia ser
realizado fora ou dentro das moradias, neste caso poderiam acontecer nos quintais, mediante a
intermediação de tinas e/ou bacias e o uso de vários outros objetos para a sua execução.
Além de aguadeiros e lavadeiras, o outro ofício que destaquei foi o de cozinheira (o).
Dentre os saberes da cozinha, no que concerne ao uso da água estava a limpeza das vasilhas
assim como a dos alimentos e a preparação dos mesmos. O uso da água era importantíssimo
no processo de preparação de rios alimentos, no caso específico de Belém a documentação
revela a recorrência ao uso dos caldos e sopas, por exemplo.
Algumas cozinheiras também eram obrigados a proceder a compra dos alimentos.
Quanto aos homens, encontrei com maior incidência, a preferência pelos mesmos em
cozinhas de hotéis, hospitais e restaurantes. De todo modo, a conduta morigerada e a
preocupação com o asseio eram elementos considerados importantes por moradores com
possibilidades de dispor daqueles trabalhadores.
No segundo capítulo da segunda parte, “objetos da água em casas de morada”
pretendo estabelecer conexões entre as ideias de riqueza, pobreza, ostentação e diferenciação
com as alterações promovidas nos interiores das casas de morada e, sobretudo, com os tipos
de objetos da água que foram adquiridos, bem como os usos e/ou os desusos relacionados aos
mesmos. Ou seja, busco relacionar a obtenção e os usos dos diversos objetos da água nos
domicílios e as construções de necessidades por parte dos moradores de Belém, necessidades
essas marcadas por múltiplas questões, tais como a condição social, o trabalho, o gênero, a
formação intelectual, a nacionalidade enfim...
Sobre os usos das águas no interior das moradias, potes, bilhas, copos, garrafas,
bacias, dentre outros, foram os objetos referidos nas fontes pesquisadas, o que suscitou a
discussão sobre a relação dos mesmos com os moradores de Belém. Logo, serão objetos de
meu enfoque, as ideias acerca de potabilidade, bem como outros elementos norteadores de
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atribuição de importância, construídos em relão aos objetos da água encontrados nos
interiores das residências.
Nesse capítulo também procuro analisar a relação entre a qualidade da moradia e a
disponibilidade de água na mesma mediante modos de pensar expressados na documentação.
Nesse sentido existe a indicação de que durante o século XIX, parecia ser importante informar
se as “casas de moradia”, anunciadas nos jornais, dispunham de poço. Além disso, não
raramente acoplada a essa referência, havia a observação quanto à qualidade da água ali
existente.
***
A presente tese tem por objetivo, portanto, apresentar uma história social da água em
Belém do Pará no decorrer do século XIX. Não é um trabalho único sobre as relações dos
moradores de Belém com as águas, conforme esclareço ao longo do mesmo, a problemática
instigou outros estudos que dirigiram seus focos para a investigação sobre as permanências e
continuidades que marcaram os modos de lidar com as águas abundantes encontradas tanto
nos arredores, quanto nos interiores da cidade.
Sendo uma produção historiográfica social, a história apresentada não pode deixar de
focalizar as relações sociais construídas na capital da província, contudo, tais relações são
estudadas em torno dos usos e não usos das águas pelos habitantes da cidade naquele período.
Esses, por sua vez, são analisados em conexão com modos de pensar e/ou sentir as ideias de
natureza, civilização, público e privado e com a recorrência a uma produção material
associada, embora não unicamente, aos usos da água.
Os sujeitos históricos enfocados são diversos, reflexo irrefutável da população que
constituiu a cidade de Belém desde o século XVII. Tal diversidade fundamentou-se em
questões relativas à condição social, etnia, gênero, nacionalidade e naturalidade, que por sua
vez vieram à tona a partir da pesquisa documental.
À guisa de resposta para a problematização que apresento, desenvolvi um exercício de
reflexão acerca de sensibilidades esboçadas com relação aos usos de poços, fontes, pipas
d’água, tinas, potes, bilhas, copos, garrafas, entre outros objetos e/ou recursos pertinentes aos
usos da água.
No decorrer do interregno que proponho, o processo de apropriação das águas ocorreu
mediante determinadas continuidades de procedimentos, ou seja, as águas usadas por muitos
moradores de Belém eram coletadas nos exteriores de suas moradas e prédios. Pelos
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logradouros da cidade elas foram transportadas, para enfim adentrarem os interiores de
habitações e casas em geral, para o que fizeram uso de potes, bilhas, baldes, bacias e demais
vasilhas com vistas a ltiplos usos, numa reprodução de ões indispensáveis à vida na
cidade ao longo do tempo.
Por outro lado, o processo de relação dos habitantes de Belém com as águas também
passou por mudanças, conectadas aos modos de pensar o viver numa cidade que abrigava
moradores diversos e que “deveriam observar regras de progresso e civilização. Daí, a
recorrência crescente aos encanamentos, às torneiras, aos lavatórios, latrinas entre outros, num
persistente processo de (re)educação dos habitadores. Ou seja, como em outras tantas
cidades, a água usada pelos moradores de Belém deveria ser organizada com base numa certa
invisibilidade, percorrendo ruas e pdios através do encanamento, jorrando pelas torneiras
mediante o comando de cada morador e sendo esgotada por intermédio de um sistema de
canalização específico.
Enfim, busco discutir essas questões que marcaram as relações sociais construídas em
torno das águas doces da Cidade do Pará. Você, prezado leitor, é um convidado a
compartilhar desse mergulho. Seja então, muito bem-vindo.
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I PARTE: AS ÁGUAS E A CIDADE
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CAPÍTULO 1
As águas e a cidade de Belém
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No presente capítulo, pretendo analisar a construção da cidade de Belém,
considerando as relações constituídas pelos moradores da mesma ao longo do século XIX, em
meio à lida com as águas. Mais especificamente, optei por focalizar modos de pensar
relacionados à lida com as águas dos rios e igarapés - abundantes tanto nas cercanias quanto
no interior da cidade -, bem como à qualidade e utilidade das águas, o que, para diversos
moradores, esteve associado às ideias de águas “boas” e águas “más”.
Nesse sentido, proponho-me a discutir conexões que foram estabelecidas entre tais
concepções e as ideias sobre natureza, uma vez que tais modos de pensar imprimiram marcas
importantes nas relações dos mesmos com as águas presentes na área em que a cidade se
expandiu.
Pretendo então, desenvolver uma leitura sobre a Cidade do Pará a partir das águas
localizadas principalmente no entorno e, em conexão com este, no interior da mesma.
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Dessa
forma, busco analisar sentimentos diversos, construídos em relação à capital do Pará,
considerando ideias sobre natureza, e mais especificamente, sobre as águas com as quais foi
imprescindível estabelecer saberes de convivência, uma vez que a cidade, fundada em 1616,
expandiu-se cada vez mais nos oitocentos, constituída por habitantes marcados por
diversidades explícitas, de ordem social, étnica, política, de gênero, de nacionalidade, enfim.
Em outras palavras, desde a sua fundação, Belém era uma cidade de migrantes, que foi
se formando mediante a presença de muitos estrangeiros, considerando indígenas, europeus,
norte-americanos, africanos, assim como os descendentes e/ou mestiços de todos esses,
muitos dos quais nela se fixaram, construindo suas vidas, enquanto outros, que estavam de
passagem, partiram depois de algum tempo de permanência.
A título de exemplificação, entre 1884 e 1900, registros criminais em Belém apontam
réus portugueses, paraenses e de outras províncias/estados do Brasil.
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A tabela a seguir
apresenta um demonstrativo mais detalhado dessa questão:
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Belém era denominada Cidade do Pará”. Inúmeros documentos, inclusive narrativas de viajantes, autos
cíveis, autos crimes e jornais, para citar alguns exemplos, contêm esta expreso, ao longo de décadas do
século XIX.
57
As citadas informações integram um banco de dados sobre criminalidade em Belém no período de 1884 a
1900, construído a partir de pesquisa desenvolvida no CMA/UFPA. Entre os que tinham como local de origem o
Pará, constam nascidos em Belém, Acará, Igarapé-Miri, Vigia, Colares, Curuçá, entre outras localidades.
Agradeço ao Centro de Memória da Amazônia a possibilidade de acesso a essa produção.
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Quadro1- Criminalidade em Belém 1884 a 1900
ORIGEM DOS
ACUSADOS
QUANTIDADE DE
ACUSADOS
PORTUGAL 17
PARÁ 76
MARANHÃO 05
CEARÁ 10
PERNAMBUCO 03
BAHIA 01
RIO GRANDE DO NORTE 01
TOTAL 113
Fonte: CMA/UFPA. Banco de dados sobre criminalidade em Belém no período de 1884 a 1900. (elaboração
minha)
Ao longo do século XIX, a cidade teve moradores originários de Portugal, Espanha,
Itália, Inglaterra, Estados Unidos, além de diversas províncias do Brasil. Entre os anos oitenta
e o segundo decênio do século XX, por exemplo, trinta e oito italianos foram autuados em
crimes como furto, ferimentos leves, agressões físicas, homicídios, contrabando, contravenção
por jogo do bicho, estelionato, entre outros.
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Embora de modos distintos, fossem temporários de maior ou menor tempo, ou
estabelecidos de longa data na cidade, todos os moradores precisaram lidar com as águas,
tanto com aquelas que cercavam Belém, quanto com as que se faziam presentes no interior da
mesma através dos igarapés, das chuvas, dos alagados, dos pântanos e dos canais e valas que
foram construídas para o escoamento das águas indesejáveis. Questões que pretendo discutir
nos dois primeiros capítulos, que integram a primeira parte da tese, ao focalizar a importância
de intermediários como trapiches, pontes, práticos, canoas e canoeiros, para as atividades
relativas ao comércio e à navegação, bem como os modos de lidar com os alagados e pântanos
existentes em Belém.
58
CMA/UFPA. Banco de dados sobre criminalidade em Belém no período de 1884 a 1900, construído a partir de
pesquisa desenvolvida no CMA. Agradeço ao Centro de Memória da Amazônia a possibilidade de acesso a essa
produção.
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Outrossim, cabe ressaltar que a lida com as águas prosseguia no interior das moradias
também, bem como nas demais edificações da cidade, o que me proponho a discutir na
segunda parte da tese. Ou seja, os moradores lidaram com as águas nos sentidos mais
diversos, ora confrontando-as, ora cortejando-as, ora lamentando-as, ora celebrando-as. Tal
diversidade de sentidos guardou relação com a constituição de sensibilidades em relação às
águas medo, nojo, alívio, constrangimento, regozijo. Sensibilidades que foram forjadas em
meio a práticas culturais vivenciadas por moradores marcados por semelhanças e
diferenciações.
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Para muitos moradores, por exemplo, as águas dos rios foram o local por excelência
do exercício do trabalho. Vários indígenas, homens e mulheres descendentes e mestiços
destes, envolveram-se nas atividades atinentes à navegação pelos rios da província. Eram
conhecedores dos caminhos, da flora e fauna locais. Nas mesmas águas muitos recrearam, se
banharam e confraternizaram.
Entretanto, nas águas também ocorreram perdas fatais, houve moradores, alguns em
razão da embriaguez, que encontraram a morte ao caírem de suas embarcações nas águas em
frente ao cais de Belém, ou ainda através dos naufrágios, ou mesmo em função dos mergulhos
em busca de alívio para o calor local.
Além de poderem representar perigo iminente, em determinados momentos as águas
revelavam-se inconvenientes” para alguns habitantes da cidade. Tal “inconveniência” se
traduziu, por exemplo, nos empoçamentos e lamaçais que se formaram nas ruas, estradas e
caminhos, no desgaste das pontes construídas nas estradas e caminhos em função de pântanos
e alagados que obstaculizavam a passagem dos que se encontravam em viagem.
A cidade emergiu então em meio às inúmeras ambiguidades que marcaram (também)
as relações construídas no decorrer desse processo, não raramente adverso e sempre diverso,
de “conquista da água”.
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Tal processo guardou conexões com sensibilidades interiorizadas de
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Valeram nesse ponto, algumas interlocuções com a antropologia. Destaco então a leitura de GEERTZ,
Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. E também SAHLINS, Marshall David. Ilhas
de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. Este autor, na introdução de sua obra afirma que A história
é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de
significação das coisas. O contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente
porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática. A síntese
desses contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas envolvidas.
Porque, por um lado, as pessoas organizam seus projetos e dão sentido aos objetos partindo das compreensões
preexistentes da ordem cultural. Nesses termos a cultura é historicamente reproduzida na ação.” P. 7.
60
Apropriei-me da expressão “conquista da água”, focalizada na obra homônima de Jean-Pierre Goubert.
Segundo esse autor “Leau est donc objet de conquête. Après avoir été investie par la science et la technique, elle
devient progressivement au coeurs du XIXe. siècle un produit industriel et commercial. Mais, parce qu’elle lave,
parce qu’elle débarrasse le corps de ses déchets, parce qu’elle “purifie”, elle conquiert cette fois l’homme qui l’a
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modos e níveis distintos pelo conjunto dos moradores e que se refletiram em práticas culturais
relacionadas às águas, observadas ao longo dos oitocentos.
A respeito disso, o que considero importante reforçar é que a presente tese emergiu da
constatação de que o processo de construção da cidade de Belém, foi também um embate com
as águas. No percurso desse confronto, vários moradores buscaram submetê-las às (supostas)
necessidades dos habitantes. Mas, tais necessidades não eram idênticas, daí a opção de forjá-
las também, a partir do que era pensado como verdadeiro e, portanto, correto em relação aos
modos de lidar com as águas. Além disso, consolidava-se a importância da construção de
sensibilidades afinadas com a ideia de progresso, de civilização, de melhorias para a cidade
como um “todo”, o que significava, em relão às águas, na organização espacial e nos
cuidados devidos para com elas, ou seja, era preciso escoá-las devidamente, encaná-las,
acomodá-las nos devidos objetos, conservá-las limpas, refazer as obras por elas destruídas ou
desgastadas, enfim.
Em nome da construção de sensibilidades consideradas necesrias para uma cidade
que era pensada como próspera, os governantes legislaram, por exemplo, em favor da
proibição de banhos nos chamados locais públicos, como a frontaria da capital provincial. Em
função dessa determinação e de outras similares, foi importante a recorrência à utilização de
sentimentos como o medo da morte por afogamentos e de punições e o constrangimento
regido pela punição legal, os quais, uma vez instrumentalizados, reorientavam as condutas e
interferiam nos modos de pensar, sentir, agir.
61
A luta em prol da interiorização de sensibilidades relacionadas à ideia de progresso e
construção da civilização na Belém dos oitocentos foi efetivada através da legislação, das
obras públicas, da formação escolar, da construção de discursos jornalísticos, das
manifestações de dirigentes, de festividades e celebrações religiosas de cunho cristão, enfim,
por meio do que eram trabalhadas concepções de construção de uma cidade cada vez mais
próspera, cujos moradores dotavam-se de sensibilidades regidas pelo desejo da ordem e do
asservie. C’est une conquête lês deux sens”. GOUBERT, Jean –Pierre. La conquête de l'eau. L'anement de la
santé à l'âge industriel. Paris: R. Laffont éditeur, 1986. P. 33.
“A água é, por conseguinte, objecto de conquista. Após ter sido investida pela ciência e pela técnica, torna-se
progressivamente aos corações do século XIX um produto industrial e comercial. Mas, porque lava, porque
desembaraça o corpo dos seus desperdícios, porque purifica, conquista esta vez o homem que dominou-a. É uma
conquista em dois sentidos”. (tradução minha).
61
Foram importantes as leituras de DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente (1300 - 1800). São
Paulo: Cia. das Letras, 1989. DA MATTA, Roberto. Em torno da representação da natureza no Brasil:
pensamentos, fantasias e divagações. In: BOURG, Dominique (direcção). Os Sentimentos da Natureza. Lisboa:
Instituto Piaget. 1993 (Coleção – Perspectivas Ecológicas). E de modo fundamental GEERTZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. E também ELIAS, Norbert. O Processo civilizador
Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Vol. 2.
36
controle. Em relação às águas implicaria em buscar estabelecer sobre elas o controle
considerado acertado, embasado na suposta superioridade do homem e, por conseguinte, na
autoridade do mesmo sobre a natureza.
62
A respeito disso, creio na importância de retomar registros e estudos acerca da
constituição multifacetada dos habitantes de Belém. Wallace e Bates escreveram sobre a
enorme mistura de raças”, pensada por eles como diversa e interessante no Pará: ingleses,
americanos, portugueses, negros, indígenas, bem como os resultados das ltiplas relações
inter-raciais - os mestiços.
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Dentre os habitantes que referi, eram os indígenas e mestiços destes, os que conviviam
mais estreitamente com as águas. Vários deles desenvolviam atividades relativas à navegação,
conheciam os caminhos de rios e nadavam com desenvoltura. Não são raras as referências
acerca dessa questão. Ao discutir os “usos e costumes”, José Veríssimo anotou que
Os usos e costumes dos tapuios e seus descendentes do Pará e Amazonas
devem ser estudados aí onde a arte não veio ainda mudar o seu modo de viver semi-
selvagem, nem transformar sequer a sua maneira de sentir. Se, entretanto, o leitor
paraense, ou versado nas cousas da Amazônia, notar nesta resenha costumes e
modos que se encontram também nas cidades mais civilizadas das duas províncias, e
até nas duas capitais, mesmo em grupos estranhos às raças de que me ocupo, o
veja nisso senão a influência poderosa de um meio que obrigou-os a abraçar
inconscientemente crenças, linguagem e usos de outra e inferior gente, os quais
ainda se mantêm, no mais adiantado centro da região, na cidade do
Pará.
64
(grifos meus)
62
Os dirigentes, entre outros habitantes, preocupavam-se com a superação da “barbárie” e, por conseguinte, com
o progresso da capital da província. A “barbárie” referia-se aos modos de vida das camadas consideradas
inferiores e /ou subalternas, entre os quais estavam relacionados de modo geral, os negros escravizados, livres
e/ou libertos, indígenas e mestiços destes, brancos desafortunados, desprovidos de bens, dependentes do trabalho
direto que realizavam. A expressão barbárie aparece nos registros de relatórios de dirigentes provinciais,
sobretudo nos anos mais próximos de repressão à luta Cabana, conforme discutirei em páginas adiante.
63
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelos rios Amazonas e Negro. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1979. P. 20. Ver também BATES, Henry Walter. Um Naturalista no Rio Amazonas.
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de o Paulo, 1979. P. 12. E ainda BEZERRA
NETO, José Maia. Escravidão negra na Amazônia (Sécs. XVII – XIX). Belém: Paka-Tatu, 2001.
64
VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos. Belém: UFPA, 1970. (Coleção Amazônica). P. 70. Trata-se de uma
coletânea de obras desse autor, organizada pela UFPA.
José Veríssimo era etnógrafo e historiador. Sobre ele, José Maia Bezerra Neto observa que foi um homem que
percebeu males do seu tempo enquanto heranças da época colonial e pensou a nacionalidade brasileira a partir da
região Amazônica. Ver BEZERRA NETO, José Maia. Os Males de Nossa Origem: O Passado Colonial Através
de José Veríssimo. In: BEZERRA NETO, José Maia e GUZMÁN, Décio de Alencar (orgs.). Terra Matura:
Historiografia e História Social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002. Nascido em Óbidos, filho do médico
José Veríssimo, em 8 de abril de 1857. Deslocou-se para Belém aos nove anos de idade, cursando o Seminário
Episcopal durante três anos. Em seguida viveu no Rio de Janeiro, onde desenvolveu estudos em diferentes
colégios. Retornou ao Pará em 1876. (Texto de Inácio José Veríssimo, filho de José Veríssimo, que escreveu
uma biografia de seu pai. Este texto integra a obra “Estudos Amazônicos”, referida). Ver também
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelança, feitiçaria e religiões afro-brasileiras na
Amazônia – 1870 - 1950. (Coleção Vicente Salles). Belém: EDUFPA, 2008.
37
Afinado com os avanços científicos eclodidos durante o século XIX, Veríssimo
discutiu temáticas diversas, embasado nas considerações do positivismo, do evolucionismo,
acerca da crença na forte influência do meio sobre os humanos e na ideia de classificação,
organização e hierarquização dos animais. Em relação aos usos abraçados”, estariam os
atinentes às águas, tais como os banhos de rio, tomados em horários diversos na frontaria da
cidade ou nos igarapés, por exemplo, as habilidades com pesca, as manobras com canoas.
Estudioso que buscava adequar-se ao paradigma de investigação das chamadas
ciências naturais, Veríssimo preocupou-se em analisar os costumesmediante o padrão de
investigação dessas ciências e mais especificamente pelas explicações via hereditariedade,
aptidões e tendências. Nessa perspectiva, ele advogou a necessidade da identificação das
“causas” e dos “efeitos”, relacionados aos acontecimentos históricos. Uma vez esclarecidas as
“causas” e compreendidos os possíveis “efeitos”, tornava-se necessário organizar os fatos
cronologicamente, em um relato coerente que viesse a somar no processo de compreensão do
presente.
Nesse sentido, os genuínos representantes dos chamados mestiços - de branco com
índio e do tapuio - eram os habitantes mais humildesda Amazônia. Com esses, registrou o
etnógrafo, a civilização fora madrasta”, posto que viviam miseravelmente, retendo em sias
marcas dos sofrimentos de seus antepassados”. Como humildes que eram, viviam da
mesquinha lavoura de maniva”, da caça e da pesca nas águas de rios e lagos e/ou ainda de
trabalhos em canoas e regatões, além da extração da seringa e da castanha.
65
Outrossim, discutindo a relação do elemento indígena” da Amazônia com as águas, o
estudioso Alfredo Ladislau ressalta que seriam elas as responsáveis pela condução dohomem
nativoà ociosidade”, ou degradação. Para ele, as águas seriam as maiores responsáveis
pela inadaptação de indígenas e descendentes destes, os tapuios, ao trabalho. Nos lagos e
igapós, os tapuios sabiam onde e como encontrar o alimento e tão logo o obtinham e
salgavam, punham-se a fumar e a dormir.
66
65
Tais atividades, que implicavam na lida direta com a natureza, eram consideradas inferiores por vários outros
moradores de Belém, conforme observei anteriormente neste estudo. Sobre a pesca é importante ver
VERISSIMO, José. A pesca na Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C. 1895. E também
MOREIRA, Eidorfe. Os Igapós e seu aproveitamento. Belém: Imprensa Universitária, 1970.
66
LADISLAU, Alfredo. Terra Imatura. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971. (Coleção literatura
paraense. Série Inglez de Souza). Pp 88-9. Ladislau nasceu no Ceará em 1882, chegou ao Pará em 1898,
diplomou-se em Direito em 1908. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Faleceu em 1934.
Terra Imatura foi editada pela primeira vez em 1923, com edições posteriores em 1925 e 1933.
38
Ladislau, em obra de 1923, também adverte que o lago amazônico (...) seria o núcleo
embrionário, de onde surgiram as maiores concepções do fabulário das sub-raças
indígenas”.
67
Referentemente a essa questão, ele registrou, entre outras ideias, que
Foi no seio abismoso das águas que a crendice aborígene colocou morada dos
poderosos cariuanas, espíritos vigilantes pela felicidade da raça e manejadores das
forças sobrenaturais que ainda insuflam prestígio à claudicante magia dos pajés.
Nesses recônditos indevassáveis, as louras e nguidas ‘uiaras’ acendem os glaucos
olhos fosforescentes, guardadas por essa limosa ‘cobra-grande’, que nos rios produz
o cataclismo das ‘terras caidas’. É ainda das suas águas que o bôto encantado vem às
festas ‘sitieiras’, para seduzir as cunhas ingênuas e descuidosas (...).
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E nas noites, anotou Ladislau, ao escutar ruídos de peixes grandes, o caboclo
acreditava tratar-se de uiaras”, que escapando dos olhos curiosos, adentravam as águas.
Nessa perspectiva, construiu concepções de águas boas e/ou más, mediante a incidência de
fenômenosnas mesmas: voracidade e profundeza dos peraus, engolindo vidas incautas; o
soçôbro das igarités, tresmalhando tripulantes; as canoas que flutuam sem donos,
desaparecidos misteriosamente (...)”.
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Nas relações dos moradores de Belém com as águas dos arredores e presentes na
cidade, havia inúmeros intermediários canoas, canoeiros, pontes e pticos eram alguns
destes. Nos jornais que circularam em Belém ao longo dos oitocentos, foram frequentes as
publicações sobre canoas, por exemplo, - vendas, desaparecimentos, construção eram os
temas mais comuns, ou seja, elas eram muito recorrentes no “dia-a-dia” de inúmeros
moradores da cidade. Além das numerosas embarcações, as relações com as águas contaram
com a intermediação das pontes, como também de trabalhadores, como remeiros e práticos.
Reporto-me também à questão das obras do porto, pois estas foram objeto de
preocupação das manifestações escritas de inúmeros dirigentes e redatores de jornais no
decorrer do século XIX. A ideia corrente nessa documentação que mencionei, era a de que
Belém deveria contar com um porto digno e formoso, que estivesse de acordo com o fluxo
67
LADISLAU, Alfredo. Terra Imatura. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971. (Coleção literatura
paraense. Série Inglez de Souza). Pp 88-9.
68
LADISLAU, Alfredo. Terra Imatura. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971. (Coleção literatura
paraense. Série Inglez de Souza). P.90.
69
LADISLAU, Alfredo. Terra Imatura. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971. (Coleção literatura
paraense. Série Inglez de Souza). E também FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados:
pajelança, feitiçaria e religiões afro-brasileiras na Amazônia 1870 - 1950. Belém: EDUFPA, 2008 (Coleção
Vicente Salles).
39
comercial verificado numa capital provincial e que tornasse melhor organizado o sistema de
arrecadação fiscal.
Ao longo do século XIX e adentrando o XX, foram elevados os gastos comprometidos
com obras de reparos e construção de partes do cais da cidade. Entretanto, não consegui
constatar na documentação, uma preocupação mais generalizada dos moradores de Belém
para com a construção de um belo e eficiente porto. Possivelmente então, para muitos deles, a
lida com pontes e ou trapiches não se constituísse em problemas dignos de tanto empenho dos
dirigentes.
É também neste capítulo que me proponho a discutir as relações dos moradores com as
águas através dos banhos. A pesquisa indicou-me que moradores de Belém, por motivações
diversas, buscavam regularmente estreitar contatos com as águas dos rios e igarapés por
intermédio dessa prática. Muitos, sobretudo indígenas e mestiços destes, moviam-se nas águas
com destreza, adentrando nas mesmas a partir da vegetação saltando de árvores, por
exemplo - de embarcações e mesmo das pontes e trapiches. Buscar alívio nos momentos de
extremo calor parecia ser normal para muitos. Não foram poucos os que abandonaram as
vestes para usufruir do banho na frontaria da cidade, assim como houve aqueles que
pereceram neste contato mais direto com as águas. Há registros de vários afogamentos,
inclusive nas águas da frente da cidade.
Finalmente, creio que seja de bom alvitre reiterar que a cidade de Belém foi construída
em meio a uma diversidade étnica, social e, portanto cultural importante e que tal composição
efetivou-se desde o século XVII, em meio às alterações político-administrativas ocorridas no
Pará ao longo dos séculos XVIII e XIX, uma vez que o recorte temporal desse trabalho
abrange este último século, no qual o Brasil, até os anos vinte, mantinha-se na condição de
Colônia portuguesa, tornando-se, em seguida Império e finalmente, nos anos oitenta,
República.
70
70
Em 1621, durante a união das Coroas Ibéricas, a América Portuguesa foi dividida em Estado do Maranhão e
Estado do Brasil. O primeiro com capital em São Luís e o segundo com capital em Salvador.
O Estado do Maranhão abrangia a Capitania do Pará, a Capitania do Maranhão e a Capitania do Ceará. Em 1737
esse Estado passou a ser denominado Estado do Grão-Pará e Maranhão e a capital passou a ser a cidade de
Belém do Pará.
No ano de 1755, foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, separada do Estado do Grão-Pará e Maranhão,
com capital estabelecida na vila de Mariuá até 1804. Todavia, ao longo dos anos noventa, a capital situava-se de
modo informal no Lugar da Barra (correspondente à cidade de Manaus), que foi oficializada em 1804. O Estado
do Grão-Pará e Maranhão passou a compreender, assim, quatro capitanias: a de São José do Rio Negro, a do
Grão-Pará, a do Maranhão e a do Piauí. Em 1772, o governo português dividiu o Estado do Grão-Pará e
Maranhão em Estado do Grão-Pae Rio Negro, sediado em Belém, e Estado do Maranhão e Piauí, sediado em
o Luís.
Com a independência em 1822, as capitanias passaram a ser denominadas províncias e a partir de 1823, o
Estado do Grão-Pará e Rio Negro passou a ser denominado província do Grão-Pará. No ano de 1850, essa
40
Estabeleci como demarcação os anos iniciais do século XIX, considerando as obras de
dessecamento do alagado do igarapé denominado Piri, decidido em função da necessidade de
expansão da cidade e do enfrentamento com as águas do mesmo, pensadas como perniciosas
aos moradores.
Ressalto que os registros acerca das águas do Piri e a convivência dos moradores com
elas, remontam à segunda metade do século XVIII. O período, portanto era o colonial. Tanto a
documentação quanto estudos a respeito do igarapé e alagado indicam a inquietação de
autoridades com relação principalmente a este último. Elas acreditavam na irregularidade da
disposição daquelas águas na cidade, logo, conservá-las significaria persistir em um erro
grave que poderia acarretar problemas no que dizia respeito ao ordenamento de Belém.
71
Ordenar a cidade, construir o território naquele contexto, corroborar para o progresso
da mesma, implicava em recorrer aos saberes da engenharia e ao enfrentamento de
enfermidades através das regras de higiene dos espaços da cidade, entre as quais estava o
combate aos alagados e pântanos. Nesse ponto os engenheiros tiveram um importante papel,
com seus desenhos, plantas, cálculos e argumentos, muitos dos quais, respaldavam-se em
fundamentos eivados de preconceitos estabelecidos, tais como aqueles que se relacionavam às
hierarquizações entre povos, levando em conta as diversas e diferenciadas práticas culturais.
Retomo que desde os primeiros anos dos oitocentos os moradores de Belém
vivenciaram o processo de dessecamento do alagado Piri. Valas e mais valas foram abertas e
muitos homens, escravizados e livres, foram empregados na transformação que viabilizou a
abertura de ruas efetuando a “correção” da cidade e formalizando o crescimento da mesma.
província sofreu um desmembramento a partir do qual foram criadas A Provincia do Pará e a província do
Amazonas. Com a proclamação da República em 1889, A Provincia do Pará, passou a ser um dos estados
membros da república brasileira - estado do Pará.
Reuni essas informações a partir de CRUZ, Ernesto. História de Belém. Belém: UFPA, 1973. 2 v. (Coleção
Amazônia. rie José Veríssimo). REIS, Arthur Cezar Ferreira. ntese de história do Pará. Belém/PA;
Amazônia Edições Culturais LTDA. (AMADA), 1972. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Compêndio das
Eras dA Provincia do Pará. Coleção Amazônia. Série José Veríssimo. Belém: Universidade Federal do Pará,
1969. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do Pará. Pará: Typographia
de Santos Menor, 1839.
71
Refiro-me ao trabalho de ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém,
Macapá e Mazagão. Porto: FAUP, 1998. A autora afirma que a consecução do projecto (de dessecamento)
se fará no século XIX, com a secagem total do pantano e o seu arruamento.” P. 253.
41
Essa sensibilidade, relativa às transformações avaliadas como necessárias à cidade que
buscava o progresso conectava-se
72
Como marco final, estabeleci os anos oitenta do século XIX, devido basicamente a
duas questões, há muito destacadas na historiografia local e conectadas aos usos da água,
sobretudo no que se refere ao fornecimento da mesma às moradias e demais construções da
cidade, como também ao aprofundamento das questões higienistas relacionadas à ideia de
progresso: a criação da Companhia das Águas e a proclamação da República. Ambos, porém,
constituem-se em marcos flexíveis e até imprecisos para a discussão desse tema, pois a
hisria de Belém é uma história de encontros com as águas que não ficou restrita aos
oitocentos. Trata-se de uma história que nasce com a própria cidade, no século XVII, e
estende-se aos dias de hoje, no século XXI. Daí minha dificuldade em estabelecer rigores no
recorte temporal.
Finalmente, a construção desse capítulo emergiu da pesquisa em mensagens, falas e
relatórios de dirigentes da província do Pará, textos jornalísticos, abaixo-assinados,
requerimentos, ocorrências policiais, registros produzidos por naturalistas, viajantes e
literatos, mapas e plantas referentes à Cidade de Belém do Pará, um manual de higiene, uma
coletânea de contos.
1.1. A cidade e os rios
Felizmente são os rios as nossas principais estradas.
Jeronimo Francisco Coelho (1848)
73
72
ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto:
FAUP, 1998. A autora afirma que “a consecução do projecto (de dessecamento) só se fará no século XIX, com a
secagem total do pantano e o seu arruamento.” P. 253
73
“Falla dirigida por Jeronimo Francisco Coelho, presidente da Provincia do Gram-Pará á Assemblea Legislativa
Provincial na abertura da sessão ordinária no dia 1 de outubro de 1848. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 27 set. 2005.
Jerônimo Francisco Coelho (1806-60) era natural de Santa Catarina. Foi presidente da província do Grão-Pará,
entre março de 1848 e maio de 1848. Seguiu carreira militar, foi ministro da guerra e da marinha, conselheiro do
Império, deputado provincial e geral por Santa Catarina, vice-Presidente dessa província. Foi também membro
da maçonaria. Ver SORIANO NETO, Manoel. Jerônimo Coelho Ministro da Marinha (Uma Abordagem
Sumária). Disponivel em http://www.cdocex.eb.mil.br/Arquivos%20em%20PDF/Jeronimo_Coelho.pdf. Acesso
em 05 fev. 2010.
42
Figura 1 "Prospectiva da CIDADE DE St.ª MARIA DE BELEM do Grão Pará"
74
Para o dirigente Jeronimo Francisco Coelho, o Grão-Pará era uma província de grande
especialidade geológica e fluvial, na qual a natureza realizara prodígios vegetais e animais.
Belém, a capital do Grão-Pará, deveria corresponder à riqueza da província e para tanto eram
necessárias várias obras públicas, ou seja, a natureza produzira riquezas diversas, mas cabia
ao homem a edificação de obras que dessem à Belém a possibilidade de ser “realmente” a
primeira Cidade do Norte”.
Em sua falla” de dirigente, ele menciona as carências observadas, entre as quais, um
chafariz ou fonte pública em condições, um cemitério, um teatro, enfim. Afinal, que cidade no
ocidente, principalmente uma capital não deveria dispor de tais obras? Ou seja, essa
concepção de cidade parecia fortalecer-se no período em questão. Estradas, segundo ele, não
havia e sim, ruas, a maioria desprovida de calçamento ou então,defeituosamente calçadas” o
que engrandecia a importância dos rios, estradas de águas fundamentais ante o comércio
realizado na Província e centrado em Belém.
Aliás, em discurso de 1838, o presidente provincial Soares D’Andrea também
afirmava que A Provincia do Pará tinha vantagem sobre as outras do Império, de poder
realizar quase todas as suas communicações por água (...)”. Propugnava, contudo, que
74
A imagem acima consta da obra de REIS FILHO, Nestor Goulart. CD-ROM, Imagens das Vilas e Cidades do
Brasil Colonial, 1999. Segundo Reis, o autor é Ignácio Antonio da Silva. O desenho mostra Belém no final do
século XVIII. (...). Fonte: Original manuscrito do Serviço Geográfico do Ercito, Rio de Janeiro”.
43
fossem construídas estradas que encurtassem distâncias, sobretudo até o Maranhão, pois as
viagens através de estradas poupariam os viajantes de enfrentar as “contracorrentes nos
tortuosos rios por que hoje se comunicao.
Além disso, os cuidados para com esses caminhos, tais como limpeza e reparos”,
seriam realizados pelos “vadios e vagabundos” existentes na província, ou seja, eles seriam os
trabalhadores diretos, empregados em atividades que exigiam proximidade maior com a
natureza, conforme era esperado em relação aos chamados subalternos, tais como, no caso de
Belém, os indígenas, os negros escravizados ou libertos, mestiços de ambos, brancos
desafortunados, enfim.
75
A respeito disso, lembro que devido à abundância de rios e igarapés, a construção de
pontes seria inevitável, o que também demandaria recursos, mão-de-obra e conhecimentos
afinados com as obras relacionadas ao controle das águas. Sobre essa questão, o presidente
d’Andrea registrou, nos anos trinta dos oitocentos, que faltavam na provínciaartistas”,
mestres”, assim como homens capazes de dirigir trabalhos de Construções civil o
necessários numa província na qual “faltava tudo.
São as águas também o destaque da imagem que apresento. Ela mostra justamente a
frontaria da Cidade do Pará observada a partir do rio, denominado pelo possível autor como
das Amazonas”. Além das águas, também foi destacado tudo quanto era considerado mais
importante ou mesmo essencial na Belém do final do século XVIII e início do XIX. Ou seja,
os prédios construídos e que seriam dignos de admiração por marcarem o desenvolvimento do
território efetivado pela metrópole principalmente a partir do século XVIII, através do
aprofundamento do conhecimento dos chamados elementos constitutivos da natureza das
áreas conquistadas espécies vegetais e animais, modos de vida dos chamados habitantes
75
“Discurso que o presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez na abertura da 1ª Sessão da Assemblea
Provincial em 2/03/1838”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set.
2005.
Francisco José de Souza Soares d’Andrea era marechal, presidente e comandante de armas da Provincia. Foi o
comandante das tropas legais que retomaram a cidade de Belém de dirigentes e participantes da luta cabana em
13/05/1836. Ao recorrer às expressões vadios e vagabundos”, Soares d’Andrea referia-se àqueles que eram
considerados para além de ociosos ou sem ocupação regular” durante o período em questão, ou seja, referia-se
aos que eram pensados como perigosos, ameaçadores da ordem, criminosos, entre os quais estariam
indubitavelmente, os cabanos e apoiadores desses. Segundo Claudia Maria Fuller, em todo o territorio
brasileiro as autoridades e “elites” estruturavam seus discursos perseguindo alguns temas comuns aos
legisladores paraenses. A civilização, o progresso, o ordenamento e ocupação da mão-de-obra livre pobre, a
constituição de uma populão brasileira com bitos renovados e voltados para um conceito de
desenvolvimento pautado no trabalho constante e no aumento da produção”. FULLER, Cláudia Maria. Os
Corpos de Trabalhadores: política de controle social no Grão-Pará. Belém: UFPA/Laboratório de História/Dp
de História - CFCH, Fascículos, 1, 1999. Pp. 1-5. Sobre trabalho e vadiagem” no Brasil valeu a leitura de
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo: Hucitec / Bahia:
EDUFBA, 1996. E também SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no culo
XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
44
nativos, possibilidades de usos das águas e nesse sentido principalmente, as vias de acesso
que favoreceriam a ampliação de domínios, como, por exemplo, os rios.
76
Ressalto que não apenas para o autor do prospecto os espaços enfocados eram
importantes, como também para outros sujeitos, moradores ou visitantes da cidade de Belém
tanto nos anos finais do século XVIII, quanto no decorrer do século XIX, haja vista a frase
registrada por Jerônimo Coelho, meio século depois da produção de Antonio Ignacio, com
relação aos rios.
São vários, aliás, os relatos sobre o impacto em ver a cidade as longas viagens
através de águas caudalosas e estreitos canais, o avistar de numerosas ilhas e finalmente o
contato visual dos grandes prédios da frontaria que identificavam a cidade de Belém. A
referência aos canais é vasta na documentação. De acordo com a documentação poderiam ser
naturais ou construídos, os naturais também eram chamados furos”. Naturais ou não, os
canais comunicavam as águas de rios, baías, lagoas. Furos e/ou canais seriam principalmente
os caminhos de águas destinados às embarcações de menor porte. O canal de Igarapé Miri,
muito citado pelos dirigentes, dava passagem às canoas que saíam de Belém em direção ao
Tocantins, evitando a travessia pela baía do Marajó, considerada arriscada.
77
Considerando o período inicial do século XIX, é importante mencionar Alexandre
Rodrigues Ferreira, que também descreveu a cidade de Belém dos anos oitenta do século
XVIII, baseando-se no que considerou mais significativo.
Nas anotações de Ferreira sobre Belém, a água é um elemento referido várias vezes,
pois, para além da viagem até a cidade, pareceu impressioná-lo os alagamentos em vários
76
Para o desenvolvimento da presente discussão considerei útil a recorrência aos conceitos de território e
territorialidade. Para tanto foi importante ver RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo:
Ática, 1993. Para esse autor É essencial compreender bem que espaço e território não são termos
equivalentes”. (...) o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de
uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer vel. (...) O
território é uma produção a partir do espaço e a produção se inscreve num campo de poder. (...)”. E também
SPINDOLA, Haruf Salmen. Territorialidade em Minas Gerais durante a crise do sistema colonial. In:
FERREIRA, Leila da Costa e DUARTE, Laura (orgs). Diálogos em Ambiente e Sociedade no Brasil II (Coleção
Cidadania e Meio Ambiente). São Paulo: Annablume. 2008. Para Haruf Spindola O território abarca um
conjunto de relações entre atores, contidas em diversas categorias , tais como Estado, mercado, circulação,
trocas materiais e intercâmbios imateriais, hábitos, tradição, entre outras, que expressam um processo de
territorialidade que lhe foi particular e, desta forma, transformou aquele espaço em um âmbito territorial de
processos sociais. Portanto são os processos sociais, o grau e modalidade do desenvolvimento das forças
produtivas, o sistema político, a correlação das forças sociais e as teias de interesses mercantis e as
mentalidades que dão sentido e alcance a um determinado território.” P. 85.
77
Ver “Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará pelo presidente Francisco Carlos de
Araujo Brusque em 1 de setembro de 1862”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 16 set. 2005.
45
espaços da mesma durante o inverno, os terrenos encharcadiços, a mistura de águas e matas,
bem como a recorrência dos moradores às águas de rios e igarapés para beber.
78
Para Rodrigues Ferreira, era necessário vencer as agruras impostas pela natureza por
intermédio das águas, ou seja, era preciso impor a construção da cidade - um espaço dos
moradores que não deveriam conviver com águas empossadas em meio às matas. Nesse
sentido, era preciso enxugar a cidade, escorrendo as águas estagnadas em vários pontos e
entulhando outros e, além disso, buscar boas águas de beber.
Em consonância com esse modo eurocêntrico de pensar a relação com as águas no
interior da cidade, Rodrigues Ferreira não deixou de salientar, como muitos outros, as águas
volumosas à frente da mesma, como é possível observar na imagem a seguir, constante da
obraViagem Filosófica”.
79
Figura 2 “Prospecto da Cidade de S. Maria de Belém do Graõ Pará”
80
Mais de meio século depois, a partir de viagem realizada em 1859, Robert Avé-
Lallemant deixou registros acerca das águas locais e da visão da cidade a partir do rio.
78
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Miscelânea Histórica: para servir de
explicação ao prospecto da Cidade do Pa1783-1784, (texto datilografado). Estudos que referem Alexandre
Rodrigues Ferreira sobre usos da águas em Belém são, por exemplo, ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da
Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP, 1998. P. 252. A autora adverte para as
discussões de Alexandre Rodrigues Ferreira acerca da água em Belém: “abastecimento público e as questões de
ordem sanitária, em função das águas estagnadas”, assim como a importância dos poços públicos para os
moradores. GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre vida material e
domesticidade nas moradias de Belém 1800-1850. Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/CFCH/PPHIST,
2006. E SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das águas em Belém, século XIX.
Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008.
79
O título do trabalho de Antonio Ignacio guarda semelhança com o de Rodrigues Ferreira. Comentários
referentes podem ser vistos em REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROOM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, 1999.
80
Segundo Nestor Goulart Reis, essa imagem data de 20/05/1784. O autor seria J.J. Codina (atribuição). “Fonte:
Ilustração do livro "Viagem filosófica" de Alexandre Rodrigues Ferreira (FERREIRA - 1784-1792) da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro”. Informações contidas em REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROM, Imagens
das Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 1999.
46
Cerca de meio-dia, o vapor alcançou uma cadeia de ilhas, que dividia o largo
rio em dois, no sentido do comprimento, ou antes cortava-lhes uma estreita faixa a
sudeste. saudamos um pequeno forte redondo, no meio do rio, e do qual
recebemos sinais para a rota do Pará.
Subimos por essa faixa lateral do rio, chamada Guajará, aproximando-nos
cada vez mais da Cidade do Pará, depois de a termos avistado a boa milha de
distância. E não tardou fundeássemos diante dela.
Pará, ou antes S. Maria de Belém do Pará, uma cidade de 25.000 habitantes,
causa boa impressão, vista do rio, embora tudo nela pareça velho. Destacam-se
vetuscas igrejas; a Alfândega mesmo é um antigo convento de grandes dimensões.
O magnífico palácio do presidente é sem vida uma dos melhores edifícios do
Brasil; desejaria especialmente que o Imperador tivesse um igual no Rio de
Janeiro.
81
Rodrigues Ferreira, Antonio Ignacio da Silva, Avé-Lallemant, entre outros,
registraram cada um ao seu modo, leituras eurocêntricas, embora em períodos distintos, de
Belém do Pará. Além desse ponto em comum, suas observações foram construídas a partir das
águas, situadas tanto nas proximidades como na entrada da cidade - que Antonio Ignacio
registrou como “Rio das Amazonas” - e da aparente “receptividade” destas. No desenho, por
exemplo, o autor destacou um estado de “serenidade” das águas para com aqueles que
chegavam e/ou partiam, por intermédio dos diversos tipos de embarcações, tais como “hiates,
brigues e galeras”. no relato de Lallemant, ao final dos anos cinquenta, é mencionado o
vapor.
Detalhe A, Figura 1
81
AVÉ-LALLEMANT, Robert. No rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. Pp. 29.
Robert Christian Berthold Avé-Lallement nasceu em Lübeck, Alemanha, em 25/07/1812. Faleceu (...), em
13/10/1884. Após estudos em Berlim, Heidelberg e Paris, formou-se em Kiel, em 1837. Veio para o Rio de
Janeiro, tornando-se médico chefe de hospital. Atuou no combate à febre amarela. Retornou à Alemanha em
1855. Dois anos depois retornou ao Brasil, sendo nomeado médico do Hospital dos Estrangeiros. A seguir,
realizou várias viagens ao sul e ao norte do Brasil. Ocupou-se com questões da imigração. (...)Disponivel em
http://www.akademie-brasil-europa.org/Materiais-abe-78.htm. Acesso em 05 fev. 2010.
47
Esse, aliás, não é o único documento no qual o rio Amazonas é referido como aquele
em cujas margens foi fundada a cidade de Belém do Pará. É importante destacar que mesmo
no século XIX, em tempos não enquadrados no período colonial, tal tipo de observação
constava de registros como, por exemplo, o de Alfred Russel Wallace, que chegou à “Cidade
do Pará” juntamente com Henry Bates no ano de 1848, e registrou que Pará (...) é a maior
cidade à beira do maior rio do mundo, o Amazonas. E é capital de uma província cuja área
iguala a de toda a Europa ocidental”.
82
Em seus registros Wallace afirma que transcorreram vinte e nove dias desde sua
partida de Liverpool, uma viagem rápida, segundo ele, através das águas oceânicas, cuja
grandiosidade não impediu a indistinção com as águas do rio. Ou seja, como de muitos outros
que chegaram à Cidade do Pará, sua primeira visão da mesma deu-se a partir do rio. Vista
daquela perspectiva, Belém parecia situar-se às margens de um grande rio, além de rodeada
por densa floresta” e possuidora de grandes prédios.
83
O desenho de Antonio Ignacio, como outros registros referentes à Belém do Pará,
também evoca a cidade marítima. A respeito dessa questão, concordo com a ideia de que não
apenas para os dirigentes e funcionários/representantes da metrópole portuguesa era
importante a recorrência à expansão marítima datada de séculos, mas para muitos outros,
como viajantes, por exemplo, os quais, após suas viagens de dias e dias através de oceanos,
podiam avistar as cidades, não raramente consideradas altaneiras através de seus portos e
prédios, fundadas às margens de rios ou mares. Em outras palavras, no processo de
representação de várias daquelas cidades através de desenhos em geral, bem como nas
narrativas a elas referentes, era possível perceber a coneo com o imaginário luso da
grandiosidade dos feitos expansionistas, com a expansão dos domínios no Novo Mundo e,
portanto, com a ampliação dos poderes metropolitanos.
84
A respeito disso, considero importante transcrever a seguir, as palavras do sargento-
mor José Gonçalves da Fonseca, que chegou à Cidade do Paem 1753. Segundo Fonseca,
82
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. P. 17. Nessa obra, uma nota do tradutor, esclarecendo que Por
Pará, simplesmente, costumava-se designar, no século passado, a cidade de Belém, enquanto que se dava à
Província, geralmente, o nome de Grão-Pará”. P. 25.
83
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. P. 17.
84
Apud ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Maca e Mazagão.
Porto: FAUP, 1998. Pp. 207-11. E também BUENO, Beatriz Piccolloto Siqueira. Decifrando mapas: sobre o
conceito de território” e suas vinculações com a cartografia. Anais do Museu Paulista. o Paulo. N. r. V.
12. P. 193-234, jan./dez. 2004.
48
He hoje o Gram Pará, capital de todo o Estado, situada a um grau e 28
minutos de elevação Antartida (...) na margem Oriental da Embocadura do canal
inferior do grande Rio das Amazonas, que com mais de mil léguas de caminho vem
este gigante fluido alabastro a oferecer a imensidade das suas águas a outros
confluentes pera nelas, como em plano de cristal estampar-se a bela construção de
sua perspectiva, que na verdade he de tão distinto e agradável aparato aos que de
fora buscam o seu porto, que pode competir com Messina e Goa, conhecidas pelas
de melhor representão entre as cidades marítimas do mundo.
85
Em sua nota das côsas”, constante no desenho, o autor também destacou os lugares
considerados relevantes naquele período, tais como conventos, igrejas, palácios, quitandas, a
alfândega, o forte, algumas ruas e praças, enfim, o que avaliava como imprescinvel a uma
cidade constituída no mundo colonial, desbravado através do percurso das águas, e,
sobretudo, por representarem o poder político e econômico que se consolidava naquele
espaço, em princípio através do governo português e posteriormente, da consolidação do
império brasileiro.
Ao fundo, após os prédios, constam alguns vegetais, poucas árvores restantes da
intervenção dos moradores, no sentido de expandir a cidade, impedindo a absorção da mesma
pela floresta. Algumas árvores, inclusive, não conseguem ultrapassar a altura de certos
prédios, o que poderia também indicar a necessidade do avanço do processo de construção da
cidade, considerado essencial a partir de uma perspectiva expansionista, sobre a floresta e
apesar da abundância de águas. Importante ressaltar, contudo, que são vários os registros
acerca do encantamento ante as numerosas espécies vegetais e animais encontradas em áreas
próximas à cidade do Pará e, muito facilmente, adornando os caminhos de águas.
86
85
Citado por ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão.
Porto: FAUP, 1998. P. 211. José Gonçalves da Fonseca é referido a partir da pesquisa realizada por esta autora,
no acervo da Coleção Pombalina e secção de iconografia da Biblioteca Nacional de Lisboa (POMB) 139,
Conquista Recuperada..., fl 5V.
A autora em questão destaca ainda a importância da construção das fortalezas e/ou fortes, no longo processo de
expansão ultramarina portuguesa. Segundo Renata Araújo, o acto de “fazer fortaleza” consta como motivo de
orgulho no processo de conquista das Indias. ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século
XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP, 1998. P. 26. José Gonçalves da Fonseca integrou a Comissão
Demarcadora de Fronteiras, que chegou à Belém em 1753. Ver REIS, A.C.F. Limites e Demarcações na
Amazônia Brasileira. 2a. ed., Belém: SECULT, 1993, vol. 2., pp. 71-94. Citado por GUZMAN, Decio de
Alencar Guzmán. Ciência e Censura: a Inquisição e os engenheiros-matemáticos no Grão-Pará (séc. XVIII).
Disponivel em http://www.forumlandi.com.br/bibliotecaArq/cienciaecensura.pdf. Acesso em 05 mar. 2009.
86
Ver ARRUDA, Gilmar. Monumentos, Semióforos e Natureza nas Fronteiras. Nesse trabalho, o autor busca
perceber como são construídas as narrativas sobre o processo histórico referente à devastação da mata
atlântica e sua substituição pelo urbano, focalizando as relações entre o viver urbano dos homens e as relações
destes com o mundo natural”. O estudo é voltado para a cidade de Londrina. P. 2. In: ARRUDA, Gilmar (org.).
Natureza, fronteiras e territórios: imagens e narrativas. Londrina: Eduel, 2005.
49
A respeito dessa questão, em vários registros a Cidade de Belém, bem como o Pará de
modo geral, foram referidos como “verdadeiras dádivas da natureza”, aos homens. Nos
inquietos tempos de princípios dos anos vinte do século XIX, os redatores do jornal “O
Paraense”, ao expressarem suas insatisfações para os governantes locais, estabelecidos através
da junta Administrativa do Pará, não deixaram de referir-se a essa questão, ou seja, a natureza,
considerada perfeita em inúmeros aspectos, sempre favoreceu ao Pará, todavia o mesmo nem
sempre ocorreu, por iniciativa daqueles que a dirigiam.
Nossa vasta e rica província, tão favorecida pela Natureza, conserva-se quase
no mesmíssimo embrião: o gênio dos seos nobres e virtuosos habitantes, sufocado á
toda força no próprio berço o tem podido tomar os vôos da sua nativa direcção.
87
O favorecimento a que se refere o jornal é justamente o conjunto constituído por águas
consideradas fecundase ricas florestas. A ideia de fecundidade remete para uma outra a
de natureza como mãe, aquela que procriava, como também provia o sustento de seus filhos
mediante a concessão de dádivas, tais como a diversidade animal e vegetal, a qual era possível
recorrer em diferentes momentos e necessidades, e o clima, que embora acalorado, era
amenizado pela frequentes chuvas, numa regularidade que se estendia ao longo dos meses do
ano.
88
Ou seja, seria o lugar do meio, do equilíbrio, no qual as chamadas forças da natureza
conviviam harmoniosamente, grande parte do tempo, estando, de muitas formas, à disposição
dos homens para servi-los.
87
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “O Paraense”, 2 de 25/05/1822. P.3. Vale relembrar a
efervescência política que marcou os princípios dos anos vinte do século XIX em Belém do Pará, por conta das
tensões relacionadas ao vintismo português, ideias liberais, separação entre Brasil e Portugal e adesão do Pará à
independência em agosto de 1823. Foi nesse contexto que foi instalado em Belém do Pará, o jornal “O
Paraense”, no qual fluíram intensos debates acerca da situação econômica e política, considerada preria, no
Paà luz de princípios liberais. Sobre essa questão ver COELHO, Geraldo M.. Anarquistas, Demagogos e
Dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém, CEJUP, 1992. E também SOUZA JÚNIOR, José
Alves de Sousa. Constituição ou Revolução: os projetos políticos para a emancipação do Grão-Pará e a
atuação política de Filippe Patroni (1820-1823). Dissertação (mestrado). Campinas/SP, 1997.
88
Keith Thomas refere-se à visão tradicional que se constituiu na Inglaterra dos séculos XV e XVII de que o
mundo fora criado para o bem do homem e as outras espécies deviam se subordinar a seus desejos e
necessidades.” Ainda segundo ele “os teólogos e intelectuais que sentissem necessidade de justificar tal
pressuposto podiam apelar prontamente para os filósofos clássicos e a Bíblia. A natureza não fez nada em vão,
disse Aristóteles, e tudo teve um propósito. As plantas foram criadas para o bem dos animais e esses para o bem
dos homens. Os animais domésticos existiam para labutar, os selvagens para serem caçados. Os estóicos tinham
ensinado a mesma coisa: a natureza existia unicamente para servir os interesses humanos.” O autor adverte que
rios teóricos que discutiram a relação entre o homem e a natureza eram cristãos e antropocêntricos e
defendiam relações de exploração dos homens sobre a natureza, todavia, embora dotado de alta carga de
antropocentrismo, o cristianismo não era/é a única religião com esta característica. THOMAS, Keith. O homem e
o mundo natural Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). o Paulo:
Companhia das Letras, 1988. PP. 21-2.
50
Para os redatores do jornal era necessário maior empenho dos dirigentes locais no
sentido de impulsionar o crescimento provincial, compatibilizando-o com a grandeza da
magnanimidade da natureza. Ou seja, se a província fora tão favorecida, seus moradores
deveriam cumprir o papel que lhes cabia, explorar as benesses e consolidar seu domínio sobre
aquelas áreas.
De modo similar Johann Spix e Carl Von Martius, registraram sua viagem ao Pa
em um brigue. Que devido às especificidades dos caminhos de águas, necessitaram recorrer,
como inúmeras outras embarcações, às orientações de um prático, muito importante naquelas
águas e que as o desembarque na Cidade do Pará, em julho de 1819, foram visitar o Conde
de Vila Flor, Governador-Geral da província, que os recebeu com grande cordialidade.
89
Em meio aos registros imagéticos referentes à viagem dos dois naturalistas ao Pará,
consta uma imagem de Belém, vista, como nos desenhos de Antonio Ignacio e Rodrigues
Ferreira, a partir do rio. Nesse registro, cuja imagem exponho a seguir, o autor representa as
águas em movimento e percorrendo-as, diversas embarcações. Retomo que, ao longo do
século XIX, o porto de Belém foi regularmente freentado, por diversos tipos de barcos.
Nesse sentido vale ressaltar a presença expressiva de comerciantes portugueses na capital do
Pará, os quais praticamente monopolizavam o comércio local e mantinham comunicação
permanente com Lisboa.
Figura 3 Santa Maria de Belém do Gran Pa
90
89
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 2. P. 294. Spix e Martius integravam a chamada missão austríaca - grupo
de artistas e pesquisadores que chegaram ao Brasil, juntamente com a princesa Leopoldina de Habsburgo em
princípios do século XIX (1817), para se casar com o príncipe D. Pedro. Sobre os práticos apresento discussão
mais pormenorizada em páginas adiante.
90
A imagem consta da obra de REIS FILHO, Nestor Goulart. CD-ROM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, 1999. De acordo com Reis, o autor dessa imagem o foi identificado, a fonte é uma ilustração do
atlas de Spix e Martius (SPIX e MARTIUS - 1825-1834). Exemplar pertencente à Biblioteca Nacional, Rio de
51
Nos registros iniciais sobre “Santa Maria de Belém do Grão-Pará”, Spix e Martius
destacaram as águas e a cidade em relação a elas.
(...) distante do mar 16 léguas em linha reta, situada numa ponta de terra plana e
baixa, ao longo da margem oriental do grande rio, que pela união da foz do Rio
Tocantins com as águas do Amazonas (no canal Tajipuru) e com muitos tributários
da terra firme e da ilha do Marajó, toma o nome de Rio Pará. Aquela parte dessa
larga superfície de água, compreendendo um arquipélago de ilhas pequenas, que se
estende ao norte da foz do rio Moju, entre a ilha de Marajó e o continente, até à
cidade e à Baía de Santo Antonio, chama-se baía de Guajará. (Outros designam com
esse nome a embocadura baixa, coberta de matas, interrompida por algumas ilhas do
rio Guamá). A largura do rio aqui, do continente até Marajó, avalia-se em gua e
meia; porém, uma parte da outra margem está escondida das nossas vistas pela ilha
das Onças, de igual aspecto, situada a oeste, quase uma hora daquela outra. Ao sul
da cidade, reúne-se à grande massa de água do Rio Guamá, rio importante, que vem
do continente a leste. (...).
91
Tal como em outros relatos, chamou a atenção dos viajantes, a extensão das águas.
Admiraram-se pela salubridade observada no clima da cidade, uma vez que o terrenoda
mesma, além de muito baixo, tinha grande volume de águas por perto.
Produzida ao final do século XIX, a imagem a seguir apresenta a abundância de rios
nas proximidades da cidade de Belém. Vários deles, assim como as baías de Guajará e Santo
Antonio e ilhas, estão citados no relato dos dois estudiosos, apresentado em linhas anteriores.
Para os dois estudiosos as águas locais favoreciam os moradores com fartura de
peixes, como também com a presença dos índios que se ocupavam com pescarias, todavia
aquele era um alimento, segundo eles, quase sempre mal aproveitado, pois havia um consumo
regular de peixe seco, acompanhado de farinha d’água, o que poderia causar febres
intermitentes.
Janeiro”. A gravura ilustra o livro sobre botânica dos pesquisadores alemães (SPIX e MARTIUS - 1825-1834).
A viagem foi realizada entre 1817 e 1820, pouco antes da Independência (1822), sendo a imagem provavelmente
dessa época. A disposição geral é semelhante à adotada na ilustração do livro de Alexandre Rodrigues Ferreira
(PARÁ - 301), um desenho mais compacto. Do mesmo modo que naquela, a cidade é vista pelo lado do rio,
tendo ao centro a igreja das Mercês, à esquerda Santo Antônio e à direita o forte, com a Sé e Santo Alexandre à
sua retaguarda.
91
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 3. P. 23.
52
Figura 4 “Mapa da costa do Pará”. Destaque meu – cidade de Belém
92
Uma vez alojados em uma chácara próxima à cidade, os dois estudiosos refletiram
sobre o maravilhoso que era encontrarem-se no equador lugar do equilíbrio da mais bela
harmonia de todas as forças terrestres”. Expressaram forte contentamento por poderem
partilhar da festa da natureza”, levados que foram pelas águas do mais caudaloso rio da
terra às imensas matas onde o homem primitivo vive no imutável hábito de vida da natureza
hereditária. Entendiam por festa da naturezao conjunto constituído pelo resplandecer do
sol, o azul profundo do céu, o campo cintilante de orvalho, o sussurro das palmeiras, o
92
Fonte: Museu Paraense “Emílio Goeldi”/Coordenação de Informação e Documentação/Biblioteca. Mapa da
costa do Pará, com os rios Guamá, Acará, Capim e Gurupy. 1900”.
53
canto de bandos de ssaros”.
93
Ou seja, os sons emitidos pelas aves, bem como aqueles
oriundos do contato dos ventos com as palmeiras, adquiriam contornos humanos no relato, ao
mesmo tempo que compatibilizavam com o imutável hábito de vida da natureza hereditária.
Retomando o desenho de Antonio Ignacio, os espaços nele representados foram
também registrados pelos naturalistas. Entretanto, Spix e Martius adentraram a cidade,
percorreram suas ruas e mencionaram em seus escritos impressões acerca da solidez das casas
construídas em pedra de cantaria, quase sempre térreas, várias ruas largas, que se cortam em
ângulos retos”, além da dignidadeobservada no palácio governamental. Advertem que a
Cidade do Pará situa-se em terreno plano e que, em função disso, a visão dela, a partir do rio,
não revela inúmeros outros aspectos da construção da mesma.
94
1.2. Para navegar, comerciar e se deslocar: importância das pontes, canoas, canoeiros e
práticos nas águas de Belém.
De qualquer modo, entre aqueles espaços constituintes da cidade e as águas, havia
importantes intermediários, através dos quais era possível o atrelamento de diversos tipos de
embarcações, oriundas de diversas localidades. Neste caso refiro-me às pontes, elementos
materiais essenciais em cidades entremeadas de águas como Belém do Pará e desprovidas,
durante dezenas de anos, de um porto considerado amplo, digno e formoso.
Além disso, a abundância de águas reforçou a necessidade da construção de pontes
que tornasse viável a abertura de estradas. Tal modo de pensar conectava-se justamente à
profusão de igarapés que “atravancavam” o deslocamento dos viajantes. Ou seja, quando as
águas obstaculizavam o caminhar do progresso, fazia-se necessário enquadrá-las de tal
maneira que os moradores sentissem minimamente quaisquer incômodos. Em 1873, por
exemplo, foi registrada a edificação de dezessete pontes construídas e em construçãona
estrada de Bragança, com o propósito de possibilitar a travessia sobre igarapés, e que seria
conveniente aumentar o número de pontes para trinta.
95
Na verdade, os dirigentes avaliavam que a não construção de pontes, inutilizaria as
estradas, assim como dificultaria a passagem dos moradores e viajantes, além de desvalorizar
93
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 3. P. 23.
94
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 3. P. 23.
95
“Relatorio apresentado ao exm. sr. Barão da Villa da Barra em 5 de novembro de 1872, por occasião de passar
a administração da província ao vice-presidente o exm. Sr. Barão de Santarem. E Relatorio em que o exm.
Sr. doutor Domingos José da Cunha Junior, presidente da provincia, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da
Assembléa Legislativa Provincial em 1 de julho de 1873. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1873. Disponivel
em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago. 2006.
54
os terrenos que margeavam a mesma. Ou seja, o princípio da civilização das águas
relacionava-se também ao processo de especulação de propriedades localizadas em áreas
consideradas de maior valor na província e, mais especificamente, na capital da mesma. A
respeito disso, em relatório de 1881, consta que a estrada da Constituição, no ponto em que
era cortada pelo igarapé do Chermont, formava uma grande depressão que, no estado em
que estava, tornava quasi impossível por ali o transito”.
96
As dificuldades apresentadas eram motivo de preocupação, porque muitos moradores
buscavam aquela estrada ao dirigirem-se ao cemitério de Santa Izabel. Diante disso, as
autoridades provinciais e municipais assumiriam as obras, ficando a municipalidade com a
responsabilidade dos trabalhos entre o igarapé e o quartel do 11º batalhão e a província com a
parte situada entre o igarapé e a travessa imediata, bem como a reconstrucção da ponte”.
97
Ou seja, a estrada parecia conter pelo menos dois grandes incômodos aos habitantes que
precisavam recorrer a ela: a depressão no solo e o igarapé. Prevaleceu neste, como em outros
casos,
As pontes também eram importantes no tocante ao comércio e à navegação,
desenvolvidos na província através da intermediação da capital. Neste caso, refiro-me aos
trapiches espalhados pelo litoral da cidade. A importância destes intermediários era
considerável tanto para a entrada quanto para a saída de produtos, mesmo que, para alguns
dirigentes, a precariedade e/ou aparência de algumas delas, chegasse a comprometer a beleza
da frontaria de Belém.
Na prospectiva de Antonio Ignacio, é perceptível o destaque que ele conferiu a
algumas daquelas pontes - a ponte do Bispo, a ponte do Ver-o-Peso, a ponte do Pelourinho, a
ponte da Alfândega, a ponte das Mercês.
96
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo exm. sr. dr. José
Coelho da Gama e Abreu. Pará, Typ. do Diario de Noticias de Costa & Campbell, 1881. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago. 2006.
A estrada da Constituição foi depois denominada avenida Gentil Bittencourt. CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 79. Nos dias de hoje, nono ano do século
XXI, moradores de quatro, cinco décadas atrás, dos arredores da avenida Gentil Bittencourt, recordam das falas
de seus pais e avós acerca do igarapé e do igapó, existentes naquela área, ambos referidos na documentação dos
oitocentos.
97
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo exm. sr. dr. José
Coelho da Gama e Abreu. Pará, Typ. do Diario de Noticias de Costa & Campbell, 1881. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 15 out. 2005.
55
Detalhe B, Figura 1–
Destaques meus, sinalizando as pontes (1 a 4)
A importância das pontes em cidades litorâneas como Belém pode ser percebida em
momentos diversos da construção histórica das referidas cidades. Nos anos oitenta do século
XVIII, por exemplo, na cidade de Belém, a construção de um outro prédio para
funcionamento da alfândega, reparação da ponte da mesma, as despesas com o prático e as
obras com guindaste, constituíram-se em temas discutidos entre os dirigentes locais e a
metrópole portuguesa, em documentos que tratam de questões relativas ao uso e movimento
portuário.
98
A Junta da Fazenda Real dessa Capitania representou na carta que me dirigio
com data de oito de agosto de 1782 a necessidade que de se construir nessa
Cidade huma nova Alfandega, não por se achar arruinado o edifício
irregularissimo em que actualmente existe, mas tambem por cauza da aceleração
com que se despachão as fazendas, evitando-se desta sorte o estrago que nellas faz o
bicho chamado cupim, quando alli se demorão; a qual obra junta com a do reparo
da Ponte da mesma Alfândega, e com a da factura de hum guindaste veyo orçada
em 8:000$000 (...) (grifos meus)
Além do que é exposto no trecho selecionado, o qual foi assinado por José Xavier de
Mendonça ou Marquez de Angeja, o documento também comenta acerca dos pedidos de
200$000 anuais para os custos referentes à manutenção das obras e mais 600$000 para custeio
de manutenção de um prático da barra. Ou seja, além das pontes, essenciais durante grande
parte do século XIX para o embarque e o desembarque em Belém, também era muito
importante o trabalho dos práticos, conhecedores que eram dos estreitos furos e/ou canais
situados às proximidades da cidade e que guiavam as embarcações até à cidade.
98
ARQUIVO DO TRIBUNAL DE CONTAS DE LISBOA. Conjunto Documental: Erário Régio (1762-1833).
“Carta para Martinho de Souza Albuquerque, Governador e Capitão General da Capitania do Pará na data de 21
de maio de 1787.” Tal “Carta” respondia a outra, escrita pelo referido governador e capitão general em 08 de
agosto de 1782 e “(...) na qual dá parte da necessidade que de se construir na dita Cidade uma nova
Alfandega”. A referida “Carta” foi assinada pelo Marquez de Angeja, que à época em questão era D. José Xavier
de Noronha Camões Albuquerque Sousa Moniz.
1
2
3 4
56
Ao longo do século XIX é possível identificar na documentação oriunda da
presidência da Província, registros referentes aos reparos necessários ou realizados em pontes,
sobretudo quando se tratava de obra considerada de importância para o funcionamento da
atividade comercial ou arrecadação de impostos. Tomo por exemplo a Ponte de (as) Pedra (s).
Essa ponte integrava o chamado cais de marinha, ou cais de Belém, o qual levou longas
décadas em obras. Trata-se de uma ponte muito referida - pelos governantes provinciais, por
exemplo - sobretudo quando tratavam das obras do cais da cidade. A respeito da Ponte de
Pedras, ao narrar a chegada de Eduardo Angelim terceiro presidente cabano - em Belém em
1835, Raiol registrou nos “Motins ...” que Angelim “(...) desembarcou de bordo em direção à
Ponte de Pedras, onde hoje á o mercado público, era então praia e servia de porto e doca
para as embarcações miúdas que se empregavam no comércio do interior da proncia”.
99
Os registros denotam a preocupação em desenvolver as obras do cais, entre as quais
necessariamente as pontes, tanto pela questão do embelezamento da frontaria da cidade,
quanto pelas atividades comerciais desenvolvidas no Pará com necessária intermediação de
Belém. Nesse ponto, é oportuno não esquecer que várias daquelas atividades eram efetivadas
através do uso de canoas, acessíveis a um número significativo de moradores menos
afortunados da província, ou seja, era preciso despender recursos com a reparação das pontes,
melhorando as condições de embarque e desembarque e o controle fiscal, conforme afirmo
anteriormente.
Quanto à preocupação com o “aformoseamento” da entrada ou frente da cidade e/ou
melhoria do porto, não foi uma questão específica dos dirigentes de Belém, ela foi
notoriamente observada em outras cidades litorâneas do Brasil, sobretudo com o avançar do
século XIX e a consolidação de ideias de progresso, higiene, construção da civilizão, como
essenciais para a melhoria de vida dos moradores das cidades.
Desde a primeira metade dos oitocentos, o porto da cidade de Fortaleza, por exemplo,
foi objeto dos registros de viajantes, como Koster e Kidder o que voltou a ocorrer nos anos
sessenta, quando a cidade foi visitada pelo casal Agassiz. Para todos eles o porto deixava a
desejar, principalmente pelas dificuldades de desembarque. Nos anos trinta, por exemplo, o
presidente da província registrou suas considerações acerca das precariedades do porto. E nos
anos quarenta novas reclamações de dirigentes sobre a necessidade reforçaram a necessidade
de investimentos para conter as águas e facilitar o desembarque, ao ponto de o governo
99
RAIOL, Domingos Antonio. Motins poticos ou história dos principais acontecimentos poticos dA
Provincia do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, vol. 2. Pp. 579. A
primeira publicação data de 1865, constante no prefácio, escrito pelo autor.
57
imperial, em 1849, demandar à presidência da província informações relativas à construção
ou não de uma ponte boiante.
100
Em relação à Belém, há indícios fortes de que a movimentação das águas na Ponte de
Pedras era causadora de danos diversos tais como a quebra de pedras e desmoronamento das
mesmas e até mortes por afogamento e/ou naufrágios. A rigor, a Ponte de Pedras não foi
construída para ser local de banhos, era sim, mas um local para recepção de embarcações
principalmente de menor porte, entretanto acabou por ser frequentada por vários moradores
para esse fim. Todavia, a despeito do lazer que poderia significar, para alguns, o hábito do
banho de rio naquele local, resultou em afogamento.
Muito possivelmente, por conta dos perigos que a movimentação das águas poderia
causar, além das mortes por afogamento, alguns dirigentes reclamassem sobre o desgosto de
trabalhadores em cumprir seus ofícios na Ponte de Pedras.
Esta obra que começou em 16 de janeiro do corrente anno tem marchado com
morosidade não pelo pouco tempo que as agoas da maré dão para o trabalho,
diminuindo ainda com as chuvas copiosas que neste anno tem havido, como pela
repugnancia dos operários em trabalhar ali.
101
Não é difícil concordar com os registros do presidente Araujo Brusque, afinal fora
necessário demolir a velha ponte e extrair alicerces antigos da mesma, tarefas difíceis devido
aos movimentos da maré e à resistência da alvenaria. Mas as obras envolvendo a ponte não
cessaram nos anos sessenta e tampouco nos seguintes, tendo em vista à permanente lida com
as águas do rio. E embora o dirigente tenha sido econômico no esclarecimento acerca da
repugnância dos trabalhadores para com aquele serviço, existe a possibilidade de que essa
estivesse relacionada aos modos de ver e lidar com a mistura de terra, pedra e água, ou à lama
enfim, que se formava naquele local.
102
100
O estudo acerca das condições portuárias de Fortaleza, bem como de outros aspectos urbanos foi
desenvolvido por VIEIRA JR., Antonio Otaviano. Entre o futuro e o passado: aspectos urbanos de Fortaleza
(1799-1850). Fortaleza: Museu do Ceará, 2005. (Coleção Outras histórias, 31). Pp. 29-33.
101
“Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará dirigido pelo Presidente da Provincia
Francisco Carlo de Araujo Brusque no dia 1 de novembro de 1863. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
102
Norbert Elias observa que a “vergonha”, a “repugnância” ou o “embaraço” são elementos caracterizadores do
processo civilizador da conduta humana ocidental. Segundo ele, a partir do século XVI, deu-se um avanço cada
vez mais significativo do patamar da vergonha no processo de constituição do homem no ocidente. Trata-se de
um sentimento configurado por uma exaltação específica, uma espécie de ansiedade que automaticamente se
reproduz na pessoa em certas ocasiões, por força do hábito”. ELIAS, Norbert. O processo civilizador – v.2. Rio
de janeiro: Jorge Zahar Ed. 1993. P. 242. Apud ALMEIDA, Conceição M. R. de. O termo insultuoso: ofensas
verbais, história e sensibilidades na Belém do Grão Pará (1850-1900). Dissertação (mestrado). Belém:
UFPA/CFCH/PPHIST, 2006.. P. 160. Ver MARTINS, José de Souza (org.). Vergonha e Decoro na Vida
Cotidiana da Metrópole. São Paulo: Hucitec, 1999.
58
A repugnância que chamou a atenção do dirigente era um sentimento manifestado
diante de determinadas questões relacionadas ao trabalho direto com as águas da maré e
chuvas regulares em meio a um processo de reforma de ponte. Para muitos moradores,
independente da condição social ou nível de instrução dos mesmos, aquele tipo de trabalho,
malgrado sua essencialidade, poderia ser considerado degradante, apropriado portanto para
pessoas consideradas inferiores na sociedade da época, um trabalho para escravos, para os
desafortunados e/ou iletrados, por exemplo. Afinal, tratava-se de lidar com lama, com a
exposição do corpo à sujidade, aos rigores do calor a céu aberto, além do considerável
desgaste sico, da necessária sujeição ao movimento das águas, às marés e à intensidade das
chuvas, o que impunha ritmos de trabalhos, por vezes difíceis de serem controlados, uma vez
que determinados pelas águas.
Ressalto também que a execução de reparos nas pontes, tratava-se de um “ofício de
águas” desenvolvido especificamente por homens, denominados em alguns documentos como
operários”.
103
Não encontrei na documentação, referências ao emprego de mulheres no
mesmo. Além do gênero masculino, os operárioseram pessoas de camadas sociais menos
favorecidas, possivelmente, alguns fossem escravizados cedidos por seus senhores, tal como
ocorreu em 1803, durante as obras de dessecamento do Piri, outros eram livres e libertos, não
raramente desprovidos de propriedades.
104
Com relação às questões expostas, considero importante relembrar que, sobretudo a
partir da segunda metade do século XIX, ocorrera a expansão da economia gumífera, bem
como diversificação e crescimento populacional. A ideia de que a cidade se civilizava
ganhava força e para alguns habitantes tornava-se importante evitar envolvimento com
trabalhos considerados humilhantes. No rol dos ditos trabalhos “menos dignos”, embora
essenciais e relacionados às águas nos espaços da cidade, estavam, além dos reparos e
construção de pontes, a limpeza de valas, calhas e ruas, a coleta de água em poços públicos, a
venda de água, a lavagem de roupas.
A despeito disso, a efetivação desses trabalhos era de extrema importância no processo
de construção da cidade, no “dia-a-dia” de todos os moradores da mesma e diante disso, a
103
A expressão “ofício de água” é recorrente na segunda parte desta tese, na qual há um capítulo dedicado a
estudar alguns dos ofícios da água encontrados em Belém do Pará no decorrer do século XIX.
104
Correspondência do Conde dos Arcos ao Mestre de Campo, Sr. Joze Manoel Seabra. IN: VERGOLINO-
HENRY, Anaiza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A Presença Africana na Amazônia Colonial: Uma notícia
histórica. Belém: Arquivo Público do Pará. 1990. P. 190. Discuto mais detidamente a questão do dessecamento
do alagado do Piri, em páginas posteriores.
59
manifestação do presidente provincial com relação à repugnância dos trabalhadores ao serviço
na ponte, ganha maior dimensão.
Advirto, contudo, que os sentimentos dos moradores em relação a tais ofícios, eram
diversos, ou seja, se para alguns a execução de um deles poderia implicar em forte tensão, ou
por molhar e sujar seus corpos diante de outros vergonha, repugnância - ou pela exposição
ao esforço físico considerável, o mesmo poderia não ocorrer em relação a outros, pois afinal
consagrava-se o princípio de que era necessário e até imprescindível trabalhar licitamente, ser
disciplinado e morigerado e o trabalho com as águas não deveria ser exceção.
De qualquer modo, os consertos repetitivos das pontes ocorreram ao longo dos
oitocentos, conforme deixaram registrado os dirigentes da província, e diferentes gerações de
homens certamente foram empregadas para desenvolvê-los, como ocorreu em 1869 com as
obras da ponte do Porto do Sal, nas quais teriam sido usadas anteriormente madeira já
deteriorada. Os reparos na Ponte de Pedras, bem como na do Reducto.
Para manter as atividades comerciais e portuárias concernentes ao comércio praticado
entre o Pará e inúmeras outras localidades, era imperioso manter em execução todo um
processo de interveão do qual as pontes faziam parte, e ao mesmo tempo, de convivência
com as águas de rios e baías locais. Nesse sentido, era fundamental construir saberes acerca
dos movimentos das águas e atentar e providenciar reparos nos locais mais atingidos pelo
fluxo das mesmas. Tais necessidades ficaram explicitadas em diversos registros do século
XIX. Ou seja, conforme já afirmei anteriormente, era necessário contar não com o
conhecimento dos grandes rios e canais existentes nas proximidades da cidade. A navegação
por esses caminhos de águas não era considerada simples, da recorrência ao trabalho dos
chamados “práticos”.
Em relação a essa questão, Antonio Ladisláo Monteiro Baena nos informa sobre a
criação, em 04 de fevereiro de 1804, da Escola de Práticos da costa do Pará.
105
E em sua
“Viagem pelo Brasil”, realizada entre 1817 e 1820, Spix e Martius também registraram suas
impressões acerca da importância fundamental dos práticos para todos que se dirigiam à
Cidade do Pará.
Às três horas da tarde, ancoramos na profundidade de oito braças, defronte da
costa de Salinas, (...) avisamos, com alguns tiros de canhão, ao piloto, na casa de
guarda da Ponta da Atalaia, que precisávamos dele a bordo. Este prático é mantido
aqui com um soldo de 600$000, para guiar os navios do Pará. À noite, deu-nos ele
105
BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Compêndio das Eras dA Provincia do Pa. Colão Amazônia. Série
José Veríssimo. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969. P. 269.
60
a entender, com dois sinais luminosos, que estava presente e que na manhã seguinte
viria ter conosco.”
106
(grifos meus)
Spix e Martius relataram o restante da viagem até a Cidade do Pará a partir de Salinas,
com o auxílio das manobras do prático. Este era um conhecedor dos caminhos de águas
locais, ou seja, detinha saberes relativos às manobras necessárias para que as embarcações
chegassem à cidade.
Quando afinal o prático, perto do meio-dia de 24 de julho, chegou remando,
assistimos a sua subida a bordo de uma escuna real, que estava ancorada antes de
nós. o nos restava senão acompanhar de perto esse barco, em todos os seus
movimentos.
107
(grifos meus)
A imagem a seguir, de 1805, apresenta um plano hidrográfico da entrada para a
Cidade do Pará, que permite entender melhor o percurso registrado pelos dois estudiosos.
O relato recorre a palavras como o barco faz volteios por entre os escolhos”, ou seja,
as embarcações, inclusive as que eram consideradas de maior calado, precisavam ser
adequadamente manobradas a fim de navegar nos estreitos furos localizados entre a terra
firme e aqueles bancos de areia”. Percorrido o (de certo modo) labirinto, as águas salgadas
cediam espaço às águas turvas, terrosas”, anunciando a proximidade da foz do rio Pará, e,
portanto, de certo modo, no maior rio da terra, o Amazonas”.
108
Explicitamente, as manobras desenvolvidas pelos práticos eram essenciais para
numerosos viajantes que buscavam adentrar a Cidade do Pará. Do mesmo modo também eram
essenciais os remeiros, ou remadores, aos quais, durante séculos precisaram recorrer
inúmeros viajantes que buscavam tanto os arredores de Belém, quanto os interiores mais
diversos do Pará. Além desses obreiros da água, recrutados entre camadas sociais
consideradas inferiores - sobretudo indígenas e mestiços desses - é indispensável relembrar os
meios de deslocamento, recorrentes naqueles caminhos de águas e representados em diversas
obras: as embarcações.
109
106
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 2. P. 292.
107
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 2. Pp. 293.
108
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 2. Pp. 292-3.
109
Vale relembrar que os moradores de Belém apresentavam grande diversidade ao longo do século XIX. É
importante referir a divisão entre livres, libertos e escravos, mas também é fundamental considerar a divisão
entre brancos, indígenas, africanos e mestiços, além daquela entre proprietários e não-proprietários, enfim. As
camadas consideradas inferiores que refiro no texto, compreendiam a grande maioria dos habitantes, sobretudo
os não-proprietários, os escravizados, os libertos, muitos dos quais, desprovidos de fortuna, eram levados a
desenvolver atividades consideradas degradantes, tais como as vendas pelos logradouros da cidade, os serviços
61
Figura 5 “Plano Hidrographico da Entrada do Pará – 1805”-
Destaques meus: Salinas (1) e Cidade do Pará (2)
110
Em outras palavras, não era fácil chegar-se à Cidade do Pará. Era necessário recorrer
aos saberes capazes de superar os obstáculos que a “natureza interpunha” por intermédio das
águas e de todo um conjunto de elementos constitutivos do meio aquático, tais como os
bancos de areia, e que poderiam resultar em transtornos para os viajantes.
A lida com as águas revestia-se de importância fundamental na Cidade do Pará e na
capitania/província como um todo, e nesse sentido era essencial, por exemplo, o
conhecimento acerca dos movimentos das marés, da localização das correntes, afinal como
domésticos, o trabalho em obras públicas, tais como as obras no cais, os reparos nas pontes, a limpeza das valas,
a condução de canoas, entre outros. Domingos Antonio Raiol referia-se a esses como os homens das últimas
camadas sociais”. RAIOL, Domingos Antonio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos
políticos dA Provincia do Padesde o ano de 1821 até 1835. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, vol.
2. Pp. 543.
110
O “planoem questão consta da obra de ADONIAS, Isa e FURRER, Bruno. Mapa: Imagens da Formação
Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emilio Odebrecht, 1993. P. 60. Sobre a produção de planos da
costa portuguesa, cartas hidrográficas, geográficas, militares e hidráulicas entre os séculos XVIII e XIX, ver
GUERREIRO, Rui e GODINHO, Sónia. Sobrevalorização da Cartografia Náutica Antiga. In: Anais do Instituto
Hidrografico, 18/2005-2006. Ministerio da Defesa Nacional Marinha. Lisboa. P. 09 a 24. Disponivel em
http://websig.hidrografico.pt/www/content/documentacao/anais/anais_2005_2006.pdf#page=9. Acesso em 05
fev. 2010.
2
1
62
lidar com águas que poderiam apresentar-se “serenas” e/ou “calmas”, mas que também
poderiam mostrar-se “agitadas” e/ou “furiosas?
Na busca pelo conhecimento das águas e convivência com as mesmas, os moradores
da cidade mesclaram saberes ao longo dos séculos que se seguiram à fundação de Belém em
1616. Alguns resultantes da vivência de longa data com mares e oceanos, outros,
fundamentais no processo de construção da cidade e, portanto constituição territorial ao longo
do século XIX, emanados da convivência secular entre moradores e os rios.
Nesse ponto, retomo o que afirmei anteriormente em relação aos desenhos e
prospectivas referentes a Belém, ou seja, neles às águas representadas os autores atribuíram
um estado de placidez, mediante o qual, elas acolhiam as embarcações e respeitavam as
margens estabelecidas com suas pontes, quitandas e prédios.
É fato que a constituição do espaço belenense relacionou-se imbricadamente com a
entrada daqueles que vinham de diferentes localidades, inclusive de fora da província, como
os portugueses, por exemplo. Ou seja, inúmeros moradores da Belém daqueles tempos
adentraram-na por intermédio das águas da baía, denominada Guajará. A respeito disso, nos
desenhos que apresentei há mais um elemento comum: a (quase completa) exclusão dos
habitantes da cidade, ou seja, a cidade parecia vazia, encravada em terras que margeiam as
águas doces e adormecida sob imenso céu. Estava, entretanto, receptiva às variadas
embarcações que, de lugares distantes ou não, rumavam para o Pará ou partiam do porto de
Belém para múltiplos destinos, indicando a profícua atividade comercial e de navegação.
111
A respeito disso, estudos realizados com abaixo-assinados sobre a movimentação
portuária do Pará nas duas primeiras décadas dos oitocentos, indicam que muitas embarcações
passavam necessariamente pelas proximidades de Belém, muitas em função das atividades
comerciais no Pará, outras pela necessidade de percurso e assim necessitavam obter, na
Fortaleza da Barra, autorização para prosseguir viagem até o destino final.
112
Apresento a
seguir uma planta da referida fortaleza, datada da primeira metade do século XVIII.
111
CORBIN, Alain. O Território do Vazio; a praia e o imaginário social. São Paulo: Companhia das Letras,
1989. Nessa obra o autor analisa a relação entre a elite europeia e o litoral, o desenvolvimento do desejo da
beira-mar, das chamadas praias de veraneio. Para tanto recorre a romances, poesias, diários, tratados de medicina
entre outros.
112
Ver VIEIRA JR, Antonio Otaviano e BARROSO, Daniel Souza. Histórias de movimentos”: embarcações e
população portuguesas na Amazônia joanina. Artigo apresentado no V Seminário Internacional sobre
Migração Portuguesa entre Mares. Tema: "O Brasil dos Portugueses". Realizado entre 21 e 26/09/09 em
Belém do Pará. IFCH/UFPA. (grifos meus)
Informações trabalhadas em banco de dados referente a estudos sobre a presença portuguesa na Amazônia, a
partir de pesquisa realizada pelo CMA/UFPA. Agradeço ao Centro de Memória da Amazônia a possibilidade de
acesso a essa produção.
63
Em 1808, por exemplo, as sumacas “Quebra Mangue, “Santo JoEntrudo”, “Três
Corações Perola do Mar” e Filipina da Cidade do Maranhão”, saíram de Portugal com os
seguintes destinos respectivamente: Pernambuco, Maranhão, Bahia e, novamente, Maranhão.
Todas tiveram como porto de retorno a Cidade do Pará. no ano de 1810, constam registros
de dezenove embarcações, classificadas como brigues, navios, bergantins, escunas, goletas e
galeras, cujos portos de origem estavam localizados nos Estados Unidos da América, Portugal
e Inglaterra. E embora não constem informações sobre o destino de várias delas, sabe-se que
todas aportaram na capital do Pae rias seguiram para Maranhão, Caiena, Lisboa, Ilhas do
Cabo.
113
Figura 6 “Planta da Fortaleza da Barra”
114
Sobre a Fortaleza da Barra, Oswaldo Coimbra registra que a mesma foi construída a uma distância de oito
quilômetros de Belém. Uma edificação militar em pedra e cal, em forma arredondada, sobre um banco de
pedras, numa posição de domínio do canal de entrada da cidade. Nele foram instalados 35 canhões de vários
calibres, dispostos em duas baterias. Ficou pronta em 1685 (...) e ali permaneceu por 262 anos. COIMBRA,
Osvaldo. A Saga dos primeiros construtores de Belém, Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2002. Pp 183-4.
113
CMA/UFPA. Informações trabalhadas em banco de dados referente a estudos sobre a presença portuguesa na
Amazônia, a partir de pesquisa realizada pelo CMA, conforme citado anteriormente.
114
ADONIAS, Isa e FURRER, Bruno. Mapa: Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro:
Fundação Emílio Odebrecht, 1993. P. 55. Segundo Adonias, a planta data dos anos quarenta do século XVIII e o
autor da mesma seria o Sargento-mor e Engenheiro Carlos Varjão Rolim, cujo nome consta no desenho.
64
Nos anos dez e vinte, o número de embarcações que frequentou o porto do Pafoi
expressivo: em 1810 há registros de trinta e duas, em 1812, constam trinta, já em 1816 foram
quarenta e seis registros. Nos anos de 1816 e 1817 passaram pela Barra sessenta e quatro e
setenta e duas embarcações respectivamente. E nos anos de 1821 e 1822, elas somaram
sessenta e três e sessenta e seis, sequencialmente. Várias embarcações tiveram suas passagens
pelo porto do Pa, registradas inúmeras vezes, ou seja, nelas foram realizadas viagens ao
longo de anos como, por exemplo, o brigue Flor do Pará”, a goeleta Crioula”, a escuna
“Capaz”, entre outros.
115
Em outros períodos do século XIX a movimentação portuária continuou intensa.
Sobre o interstício de 1862-3, o relario da presidência provincial contém os seguintes dados
com relação à navegação de longo curso.
116
Quadro 2 - MOVIMENTAÇÃO PORTUÁRIA DE LONGO CURSO ENTRE 1862-3 - embarcações que
entraram
EMBARCAÇÕES QUE
ENTRARAM DE PORTOS
ESTRANGEIROS
QUANTIDADE
NACIONALIDADE /ORIGEM
QUANTIDADE
GALERAS
03
BRASILEIRAS
02
BARCAS
33
INGLESAS
36
PATACHOS
34
FRANCESAS
23
BRIGUES
38
NORTE
-
AMERICANAS
23
ESCUNAS
07
PORTUGUESAS
26
IATES
13
ESPANHOLA
01
LUGRES
02
DINAMARQUESA
07
130
HAMBURGUESA
05
HOLANDESA
01
OLDEMBURGUESA
01
HANOVERIANA
04
Fonte: relatório do presidente provincial Francisco Carlos de Araujo Brusque em 1/11/1863
115
CMA/UFPA. Informações trabalhadas em banco de dados referente a estudos sobre a presença portuguesa na
Amazônia, a partir de pesquisa realizada pelo CMA, conforme citado anteriormente.
116
As embarcações que entraram de portos estrangeiros atingiram um total de 36,366 ½ toneladas, e somaram
1.374 tripulantes. As embarcações que saíram para portos estrangeiros atingiram 36,008 ½, com 1.354
tripulantes. Dados constantes no Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará dirigido
pelo Presidente da Provincia Francisco Carlo de Araujo Brusque no dia 1 de novembro de 1863”. Disponivel
em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
65
Quadro 3 - MOVIMENTAÇÃO PORTUÁRIA DE LONGO CURSO ENTRE 1862-3 - embarcações que sairam
EMBARCAÇÕES QUE SAIRAM
PARA PORTOS
ESTRANGEIROS
QUANTIDADE
NACIONALIDADE /ORIGEM
QUANTIDADE
GALERAS
02
BRASILEIRA
01
BARCAS
33
INGLESAS
36
PATACHOS
32
FRANCESAS
23
BRIGUES
34
NORTE
-
AMERICANAS
24
ESCUNAS
07
PORTUGUESAS
23
IATES
1
3
ESPANHOLA
01
LUGRES
03
DINAMARQUESA
05
POLACA
01
HAMBURGUESA
04
GALIOTA
01
HOLANDESA
01
126
OLDEMBURGUESA
01
HANOVERIANA
04
Fonte: relatório do presidente provincial Francisco Carlos de Araujo Brusque em 1/11/1863
Para o mesmo período de 1862-3 foram registrados os seguintes dados para navegação
de cabotagem: entraram 65 embarcações totalizando 26,030 toneladas, 1.939 tripulantes, 37
vapores, 1 brigue, 2 brigue-escunas, 2 patachos e 24 iates. Saíram 64 embarcações com um
total de 25,583 toneladas, 1.915 tripulantes, 36 vapores, 1 brigue, 2 brigue-escunas, 2
patachos e 23 iates.
117
Em relação à navegação fluvial, o presidente da província, Araujo Brusque, pede que
seja observada a estatística do relatório anterior referente ao período de 1861-2, segundo a
qual
a navegação dos rios, lagos e bahias da província é feita por 271 embarcações
classificadas do modo seguinte: 5 vapores, 3 escunas, 3 hyates, 3 cutters, 13
batellões, 26 barcos, 1 gabarra, 13 cobertas, 6 alvarengas, 20 vigilengas, 2 igarités,
14 botes, 157 canôas, 5 catraias. Destas pertencem 104 á comarca da capital, além
de 4 vapores. 2 hyates, 1 cutter, 5 batellões, 8 barcos, 1 gabarra, 3 cobertas, 6
alvarengas, 10 vigilengas, 63 canôas, 5 catraias. (Totalizando) 1.941 toneladas, 590
pessoas de tripulação, das quaes só 28 são escravas.
118
117
Dados constantes no Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará dirigido pelo
Presidente da Provincia Francisco Carlos de Araujo Brusque no dia 1 de novembro de 1863”. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
118
Dados constantes no Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Padirigido pelo
Presidente da Provincia Francisco Carlos de Araujo Brusque no dia 1 de novembro de 1863”. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
66
A documentação aponta fortes indícios acerca da importância da movimentação nos
trapiches da cidade em todo o século XIX. A exceção teria ocorrido em parte dos anos trinta,
mais especificamente no ano de 1835, período de ocupação da capital pelos cabanos, contudo
haveria uma ressalva em relação a essa questão. É possível que navios estrangeiros, ou
mesmo de outras províncias do Brasil tenham realmente evitado atracar em Belém durante a
efervescência da luta cabana, mas, a julgar pela preocupação dos dirigentes posteriores à luta
com as obras do porto, tanto para aformoseá-lo, como para conseguir realizar a “devida”
arrecadação fiscal, o comércio portuário ocorreu com certa regularidade, uma vez que
embarcações dos interiores da província dirigiam-se até Belém para comerciar, não raramente
burlando o fisco, abastecendo a cidade com produtos diversos.
Logo, diante da mobilização dos dirigentes provinciais com relação à regularização do
comércio realizado através dos rios, é possível que mesmo sob o impacto da luta cabana, o ir e
vir das embarcações, sobretudo canoas e “montarias”, tenha garantido de modos diversos, o
abastecimento da cidade de Belém e arredores da mesma, dando prosseguimento à uma
prática que vinha de longa data.
Outrossim, estudos diversos referentes ao Pará dos tempos da Cabanagem indicam que
as atividades econômicas teriam sofrido o impacto da redução da produção durante aquela
luta social, uma vez que ela absorveu muitos braços. Além disso, é preciso lembrar a
incidência de mortes, tanto nos confrontos quanto por doenças, como a varíola. Tantos
problemas teriam atrasado o “progresso” econômico da província, conforme registrado por
dirigentes provinciais, entre os quais, Soares D’Andrea. Para ele, a “perversidade” reinante na
província somada à “indolência” de moradores comprometeram as rendas locais.
119
As Rendas desta Provincia, pertenção ellas á Renda Geral ou á Provincial são muito
poucas, e não tem relação nenhuma; nem com sua immensa extenção; nem com a
belleza, espaço, segurança e vantagens do seu Porto; nem com o mero, e
quantidade de seus gêneros de exportação, e de uso interno; nem com o numero de
seus habitantes, bem que muito inferior ao que se devia esperar das vantagens que
offerece o terreno: só poderão estar em relação com a indolência de muitos, e com a
perversidade de alguns; nem pode dizer-se outra coiza, se tiver-mos em lembrança
119
Sobre esta questão existe a referência ao trabalho de CRUZ, Ernesto. História da Associação Comercial no
Pa. Belém: Editora da UFPA,1996. P. 112. Apud LOPES, Siméia de Nazaré. O Comércio Interno no Pará
Oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. Dissertação (mestrado). Belém:
UFPA/NAEA/PLADES, 2002. P. 38. Disponivel em http://www2.ufpa.br/naea/prog_lista_defesa.php?id=3.
Acesso em 21 mar. 2009.
67
quantas revoltas e quanta impunidade tem estragado o que existia, e retardado todo o
progresso d’agricultura e Commercio.
120
A despeito das palavras do dirigente, e mesmo das determinações legais, o “ir e vir
das canoas persistiu, elas continuaram atracando no Igarapé das Almas, no Reduto e no
Arsenal, por exemplo, quase sempre burlando o fisco e inquietando os dirigentes.
121
Acerca do movimento portuário, inúmeros eram os jornais circulantes em Belém, que
apresentavam informações, entre eles estava o “Treze de Maio, sobretudo a partir dos anos
quarenta do culo XIX. Conforme expus pouco, o movimento do porto também pode ser
constatado através de abaixo-assinados, nos quais os comandantes das embarcações
declaravam os nomes dessas, bem como o destino das mesmas. No quadro a seguir apresento
algumas informações sobre petições assinadas nos anos setenta dos oitocentos.
122
Quadro 4 - PEDIDOS DE PASSE - ANOS SETENTA (abaixo-assinados)
EMBARCAÇÃO DENOMINAÇÃO NACIONALIDADE DESTINO PEDIDO EM
NAVIO
JOE KELLY
INGLESA NEW YORK 11/05/1871
NAVIO EUROPA ALEMÃ VENEZUELA 28/06/1871
BARCA
NORTE ALLEMÃ
MERCK
ALEMÃ S. THOMAS 28/06/1871
ESCUNA GERTRUDES HOLANDESA LONDRES 16/09/1871
HIATE GERSH B(.?.) AMERICANA NEW YORK 24/10/1871
(Continua...)
120
Discurso com que o Presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez a abertura da 1ª Sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de março de 1838. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
121
Ver LOPES, Siméia de Nazaré. O Comércio Interno no Pará Oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle
entre 1840-1855. Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/NAEA/PLADES, 2002. P. 38. Disponivel em
http://www2.ufpa.br/naea/prog_lista_defesa.php?id=3. Acesso em 21 mar. 2009. E também McGRATH, David.
Parceiros no Crime o regatão e a resistência cabocla na Amazônia tradicional. Novos Cadernos NAEA, vol
2, 2 dezembro 1999. Disponivel em www.periódicos.ufpa.br/índex.php/ncn/. Acesso em 18 jun. 2009. E
ainda ACEVEDO-MARIN, Rosa Elizabeth. Civilização do rio, civilização da estrada: transportes na ocupação
da Amazônia no século XIX e XX. Trabalho apresentado no I SITREAMA. Belém, 26-8 de março de 2002.
Disponivel em ww2.ufpa.br/naea/gerencia/ler_publicacao.php?id=196. Acesso em 02 abr. 2009. A Autora
adverte para a Resolução Nº 182, de 9/12/1850, segundo a qual “explicava-se que essas ‘canoas navegavam fora
dos portos das cidades, vilas e freguesias da província e funcionavam como ‘lojas ou tabernas flutuantes,
vendendo e permutando gêneros e objetos de comércio pelos sítios, fazendas, fábricas, engenhos e
feitorias’”(APEP. Coleção das Leis da Provincia do Gram Pará. Tomo I, Parte 1).
122
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. Ano: 1870-1875.
68
(Cont) Quadro 4 - PEDIDOS DE PASSE - ANOS SETENTA (abaixo-assinados)
EMBARCAÇÃO DENOMINAÇÃO NACIONALIDADE DESTINO PEDIDO EM
HIATE GERSH B(.?.) AMERICANA NEW YORK 15/01/1873
HIATE A. L . PUTNAM AMERICANA NEW YORK 25/01/1873
BARCA FIDELITÉ FRANCESA HAVRE 10/06/1873
PATACHO
NORTH ALLEMÃO
CATHARINA
ALEMÃ (.?.) 22/10/1873
PATACHO EMANUEL ALEMÃ HAVRE 22/11/1873
PATACHO VETERAN INGLÊS NEW YORK 08/01/1874
PATACHO JOVEM ARTHUR NÃO CONSTA PERNAMBUCO 24/01/1874
PATACHO FLORA DINAMARQUESA HAITI 31/01/1874
HIATE MARTHA M. HEATH AMERICANA NEW YORK 16/04/1874
BRIGUE AXELSTAD DINAMARQUESA LIVERPOOL 06/05/1874
PATACHO MEIL (.?.) ALEMÃ
CANAL
D’INGLATERRA
30/06/1874
HIATE J. P. AUGER AMERICANO NEW YORK 20/07/1874
PATACHO PLANET ALEMÃ
CANAL
D’INGLATERRA
18/07/1874
BARCA AMALIE ALEMÃ
PORTO DE ST.
THOMAS
01/09/1874
LUGRE HARRY WHITE AMERICANA NEW YORK 25/01/1875
BRIGUE GEMMA ALEMÃ ST. THOMAS 27/25/1875
NAVIO NAGGIE INGLESA
PORTO DE BULL
RIVER
14/06/1876
PATACHO HERMANN ANTON ALEMÃ HAVRE 22/06/1876
HIATE HENRY H. LEAVEY AMERICANA NEW YORK 22/07/1876
Fonte: APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. (elaboração minha)
69
A respeito dessa questão existem relatos esclarecedores. Considerados uma camada
social inferior em relação aos chamados brancos”, os indígenas e mestiços desses,
desenvolveram as atividades de pescadores e remadores em canoas utilizadas nos rios,
marinheiros nas embarcações costeiras”, além de criados domésticos, carregadores, enfim,
trabalho considerado inferior, até mesmo degradante para vários moradores, embora o
reconhecimento da necessidade dos mesmos no dia-a-dia da cidade.
Spix e Martius registraram que, não raramente, os indígenas foram forçados a assumir
a condução das canoas, e que vários fugiam durante o trabalho, deixando os passageiros por
conta própria nos rios, o que os forçava a assumir os remos.
123
Referindo-se às águas percorridas até adentrar a cidade de Belém, bem como o
trabalho de indígenas, denominados canoeirospelo viajante, Daniel P Kidder, cuja viagem
data de 1839, ressaltou o enorme valor do conhecimento das correntes, dos rios e baías para a
realização de viagens mais curtas entre o Maranhão e o Pará. A respeito disso registrou que
obteve informações de um homem acerca das crescentes dificuldades em conseguir-se
contratar indígenas para a realização daquele trabalho, mesmo pagando-se valores mais
elevados. Segundo o informante de Kidder, em épocas passadas, fora possível contratar
indígenas a quatro vinténs por dia”, contudo, naqueles finais dos anos trinta, o referido
homem não conseguiu contratar canoeiros mesmo aoitocentos réis diários” e precisou
submeter-me a uma viagem mais longa.
124
É relevante considerar que a abundância da mão-de-obra indígena, e possivelmente o
baixo custo do emprego da mesma, ocorrera em épocas anteriores à Cabanagem (1835-40). A
chegada de Kidder no Pará data de 1839, período em que o processo de repressão à rebelião
cabana havia gerado inúmeras mortes, sobretudo entre os homens negros, indígenas e
mestiços de ambos. Além disso, os dirigentes do Pará guardaram um zelo expressivo pela
chamada ordem pública tanto da cidade de Belém como do Pará em geral que perdurou
durante os anos quarenta e cinquenta do século XIX, para o que foi exemplar o recurso aos
Corpos de Trabalhadores, instituição que vigorou entre os anos de 1838 e 1859.
125
123
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981. V. 3. Pp. 28-9. Spix e Martius registraram também a presença de negros e
mestiços desses na Cidade do Pará. Ressaltaram, porém, a preponderância da mão-de-obra indígena nos
trabalhos que mencionei acima.
124
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. P. 179. Kidder era missionário metodista norte-
americano e primeiro correspondente da Sociedade Bíblica Britânica no Brasil.
125
Sobre os corpos de trabalhadores é interessante ver FULLER, Cláudia Maria. Os Corpos de Trabalhadores:
política de controle social no Grão-Pará. Belém: UFPA/Laboratório de História/Dp de História-CFCH,
70
Talvez o informante de Kidder desconhecesse que a luta cabana bem como o intenso
processo repressivo a mesma, gerou um elevado número de mortos, o que também pode
guardar relação, além das fugas de “rebeldes por entre matas e águas, com o reduzido
número de indígenas remeiros disponíveis naquele final de anos trinta do século XIX. Nesse
sentido importa refletir que a luta dos cabanos percorreu as águas dA Provincia do Pará e
através delas ocupou a cidade de Belém.
126
Nos “Motins Políticos”, por exemplo, Raiol fez inúmeras refencias às relações dos
rebeldese forças da legalidade com as águas na província. Em ofício de 2 de novembro de
1834, o presidente da província Lobo de Souza, ordenou ao juiz de paz da freguesia de Abaeté
que não acolhesse em seu distrito os revoltosos que haviam causado distúrbios no Acará, entre
os quais o Cônego Batista Campos.
127
Este, buscando escapar das forças legais, percorria rios,
furos e canais alternando abrigo em diferentes propriedades. Raiol refere uma portaria ao
segundo comandante dos municipios permanentes para prender o cônego”, na qual são
ordenadas buscas no canal de Igarapé-Miri, com o uso de duas lanchas armadas.
É também Raiol que relata as reuniões de rebeldesna ilha das Onças, as tentativas
de vigilância dos rios por parte das forças legais e a presença de homens do campona
capital nos primeiros dias de janeiro de 1835, muitos dos quais certamente chegaram à Belém
por intermédio de canoas, recorrentes no deslocamento pelos rios, furos, canais e igarapés da
província.
Fascículos, 1, 1999. FERREIRA, Eliana Ramos. Em tempo cabanal: cidade e mulheres no Paimperial
primeira metade do século XIX. Dissertação (mestrado). Belém:1999. São Paulo: PUC. GAIA, William. Os
Corpos de Trabalhadores no Pará: Estado, Controle Social e Resistência ao Recrutamento”. In: FONTES,
Edilza (org.).Contando a História do Pará, v.I: da conquista à sociedade da borracha (séc. XVI XIX). Belém:
E. Motion, 2002. RICCI, Magda M. O. Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do
patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840. Disponivel em www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a02.pdf.
Acesso em Acesso em 12 mar. 2009.
126
Magda Ricci afirma que “A revolução social dos cabanos que explodiu em Belém do Pará, em 1835, deixou
mais de 30 mil mortos e uma população local que voltou a crescer significativamente em 1860. Este
movimento matou mestiços, índios e africanos pobres ou escravos, mas também dizimou boa parte da elite da
Amazônia”. Segundo a autora os dados numéricos foram retirados de Raiol, Motins políticos ou história dos
principais acontecimentos políticos dA Provincia do Padesde o ano de 1821 até 1835, 2a edição, Belém.
Universidade Federal do Pará, 1970, vol. 3, p. 1000 (1ª edição 1865-1891). RICCI, Magda. Cabanagem,
cidadania e identidade revolucionária: o problema do patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840. Disponivel
em www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a02.pdf. Acesso em 12 mar. 2009. P.01. Ainda sobre as vidas
ceifadas na cabanagem, Jane Beltrão informa que Os dados apresentados por Souza Franco somam vítimas
num total de 15.795 almas. Raiol informa que não é exagero falar em 30 mil homens perdidos pelas forças
rebeldes e legais. (...) Segundo Raiol só escaparam ao “furor dos malvados” Cametá, Abaeté, Macapá e
pequenas povoações do Xingu. (...) Para uma população que não somava 150 mil almas, a depopulação foi um
desastre!(...)”. BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense
Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. Pp 26.
127
RAIOL, Domingos Antonio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos dA
Provincia do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, vol. 2. Pp. 532-3.
Para algumas autoridades dirigentes, Batista Campos seria o principal agente da revolta que teve princípio do
distrito do Acará”.
71
Em 7 de janeiro, Felix Antonio Clemente Malcher, primeiro presidente cabano,
adentrou à cidade de Belém a partir das águas, pois encontrava-se nas imediações da mesma,
na Fortaleza da Barra.
128
De forma similar, Eduardo Angelim também chegou à cidade em
meio às tensões entre líderes cabanos através das águas, em um escaler. Foi o terceiro
presidente cabano e ao fugir da cidade de Belém em 1836, por conta da (re)ocupação da
mesma pelas tropas legais, novamente recorreu aos caminhos das águas, em um barco e sob
forte chuva, rumo ao rio Acará. Juntamente com ele, inúmeros outros participantes do
movimento também empreenderam fuga pelas águas dos rios, desta feita em canoas, sob os
tiros das forças legais.
129
Ainda com relação aos conturbados anos trinta, discussões historiográficas que
apontam para o revigoramento do movimento portuário a partir de 1836, uma vez que no ano
de 1835 com a tomada da cidade pelos cabanos, vários navios teriam evitado atracar na
cidade. Já nos anos quarenta, jornais e relatórios de dirigentes provinciais revelam uma
movimentação portuária importante, com a chegada e partida de embarcações com inúmeros
produtos, o que se intensifica a partir dos anos cinenta, inclusive com o crescimento da
economia gumífera, que se prolongou nas décadas seguintes.
130
Por intermédio das águas a cidade era abastecida de produtos variados tais como
chapéus, chá, sabão, pentes, pimenta, bacalhau, farinha, pregos, suspensórios, trazidos pelo
patacho americano “J. Piterson”, vindo de Salem, que chegou em Belém a 29 de abril de
1845.
131
E também barricas de cerveja, carvão, gigos com louça, manteiga, vinho, lenços de
algodão, chapéus de sol, importados trazidos pela barca inglesa “Princess Royal” em
dezembro de 1853. Nesse mesmo mês saíram para o Maranhão, Lisboa e Havre, as seguintes
embarcações, respectivamente, barca nacional “Lusitania”, brigue português “Elisia” e
patacho português Mello” e barca francesa “Flor do Pará”. Através dessas saíram da cidade
128
RAIOL, Domingos Antonio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos dA
Provincia do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, vol. 2. Pp. 542 e
555.
129
RAIOL, Domingos Antonio. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos dA
Provincia do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, vol. 3. P. 961.
Ver também RICCI, Magda M. O. Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do
patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840. Disponivel em www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a02.pdf.
Acesso em 12 mar. 2009.
130
Ver LOPES, Siméia de Nazaré. O Comércio Interno no Pará Oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle
entre 1840-1855. Disponivel em http://www2.ufpa.br/naea/prog_lista_defesa.php?id=3. Acesso em 21 mar.
2009.
131
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 21º trim., nº 503, de 03/05/1845. P. 2.
72
de Belém produtos como chá, potes e bacias de barro, farinha d’água, esteiras, urucu, arroz
graúdo, úcar bruto, cacau, castanha, cravo de sertão, óleo de copaíba, tamarinos e tucupi.
132
Portanto, no ano em que o missionário Kidder visitou a cidade de Belém, essa
apresentava um movimento portuário considerável que se intensificou nos anos e décadas
seguintes.
Aparentando intenso encantamento Kidder referiu-se às águas que singrou como o
imenso lençol prateado, posto que era noite de lua cheia. As águas, em conjunto com a
floresta exuberante, proporcionavam aos viandantes solitários, indescritível impressão de
grandiosidade”.
À semelhança de outros, que mencionei em algumas linhas atrás, nos registros de
Kidder, a Cidade do Pará é apresentada a partir das águas. O porto da cidade, considerado
extenso pelo missionário, apresentava segundo ele, condições de acomodar vários navios de
porte significativo e garantia imponência à cidade. O conjunto que compunha a paisagem
pareceu impressioná-lo também, em decorrência da avalanche de encantos: as águas das
marés, a brisa perfumada que soprava da terra, as luzes da cidade, os navios ancorados á
frente da mesma.
133
Os registros de Kidder apresentam-se impregnados de impressões acerca da cidade
s-cabanagem. Ele não deixou de referir, por exemplo, os sinais de balas nas paredes do
Convento de Santo Antonio”, o que seria um dos efeitos da revolução de 1835”. Entretanto,
afirma também que pouca cousa atrai tanto a atenção do estranho como as empetecadas
embarcações fluviais. A todas as variedades de barcos, desde a corveta aa chalupa, dão a
designação comum de canoas”, assinalou o missionário. Estas observações de Kidder vão ao
encontro de registros contidos em diferentes tipos de documentação, segundo os quais a
passagem e/ou presença de uma diversidade de embarcações na cidade de Belém seguida uma
regularidade importante ao longo de várias décadas dos oitocentos.
134
Para esse viajante, as embarcações denominadas canoas” pelos moradores de Belém,
corresponderiam às chamadas montarias, que ele observou no Maranhão, aliás, essa
expressão consta de relatórios, falas e discursos de dirigentes dA Provincia do Pará. A
132
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 14º anno, 265, de 13/12/1853.
133
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. Pp. 185.
134
KIDDER, Daniel Parish.. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. Pp. 186.
73
imagem a seguir é um desenho de uma canoa amazônica”, constante na obra de Kidder, ou
seja, as embarcações, dos mais variados tipos, bem como aqueles que as conduziam, eram
essenciais no cotidiano dos moradores, de distintas camadas sociais, e essa importância não
ficou restrita à Belém daqueles tempos.
135
A imprensa local, por exemplo, desde os anos vinte dos oitocentos, reportava-se
regularmente às canoas, fundamentais numa cidade cercada e interpenetrada por águas, na
qual grande contingente de moradores recorria a esse meio de transporte para singrar as águas.
Figura 7 Canoa Amazônica
136
As canoas não apenas deslocavam pessoas de um lugar a outro, como também eram
importantes para a atividade comercial em diferentes períodos do século XIX. Para Kidder,
por exemplo, era muito interessante apreciar os numerosos indígenas às proximidades das
canoas atracadas no desembarcadouro conhecido como Ponta das Pedras”. O leitor de
lembrar-se dos dados disponibilizados no relatório do presidente Araújo Brusque, para o
período de 1861-2, discutido em páginas anteriores, no qual ele registrou a expressiva
quantidade de canoas utilizada na navegação fluvial da província, incluindo Belém.
Nessa perspectiva é importante lembrar também a atividade dos chamados regatões, os
quais viajavam com suas embarcações abarrotadas de produtos diversos, comercializando ao
longo dos rios. Alguns deles recorreram à mão-de-obra indígena em seus barcos, tanto para
135
KIDDER, Daniel Parish.. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. P 184-6.
136
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. P 186.
74
orientação da navegação, quanto para os serviços de ordem geral, como arrumação dos
gêneros a serem comercializados e preparação dos alimentos.
137
Estudos mais direcionados para esta questão discutem as relações entre regatões e
moradores com os quais tratavam através dos rios, inclusive porque a atividade era vista como
ilegal, uma vez que não assumia compromissos fiscais. De qualquer modo, eles singraram
muitas águas das províncias do norte do Brasil, interagindo com diversos habitantes em
decorrência do comércio realizado. Viajantes, como Avé-Lallemant, por exemplo, também
fazem referência a eles ao registrar os batelões que se deslocavam com muitas arroubas de
produtos para comercialização.
138
Kidder reflete também, sobre a farta produção indígena e da prodigalidade da natureza
que dispunha nas mãos dos moradores sua valiosa produção. Ou seja, para o viajante
missionário, como para tantos outros, a ideia de natureza estava associada a de “mãe
natureza”, que naquelas terras onde a abundância animal e vegetal prevalecia, bastaria aos
moradores a utilização adequada das riquezas naturais, inclusive desenvolvendo a agricultura,
para enriquecer. Para Kidder, aliás, a abundância de águas fluviais implicava numa vantagem
do Pará sobre as demais províncias, justamente porque as águas agilizavam a comunicação,
no entender do missionário.
139
A respeito disso, retomo as palavras citadas na epígrafe deste capítulo - “felizmente
são os rios as nossas principais estradas”, nos anos quarenta dos oitocentos. A mesma
certeza foi também referida por Soares D’Andrea, em seu discurso de 1838. A abundância de
rios e furos possibilitava tanto o escoamento de produtos, como a rapidez na comunicação
entre localidades da província, uma vez que não eram disponibilizados recursos para
construção de estradas e pontes que diminuíssem distâncias entre as localidades da província.
137
TAVARES BASTOS, Aureliano ndido. O Vale do amazonas e a livre navegação do Amazonas,
estatística, produção, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas. São Paulo: Ed. Nacional, Brasília, INL,
1975. ACEVEDO-MARIN, Rosa Elizabeth. Civilização do rio, civilização da estrada: transportes na ocupação
da Amazônia no culo XIX e XX. Disponivel em http://www.ufpa.br/naea/gerencia/ler_publicacao.php?id=242.
Acesso em 02 abr. 2009. McGRATH, David. Parceiros no crime – o regatão e a resistência cabocla na
Amazônia tradicional. Disponivel em www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/109/367. Acesso em
18 jun. 2009. BEZERRA NETO, José Maia. Jo Veríssimo: Pensamento Social e Etnografia da Amazônia
(1877/1915). Disponivel em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
52581999000300006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back. Acesso em 11 fev. 2010. SANTOS, Fernando Sergio
Dumas dos. O povo das águas pretas: o caboclo amazônico do rio Negro. História, Ciências, Saúde
Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, suplemento, p.113-143, dez. 2007. Disponivel em
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v14s0/06.pdf. Acesso em 18 jun. 2009.
138
AVÉ-LALLEMANT, Robert. No rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. Pp. 62.
139
KIDDER, Daniel Parish. . Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. P 188 e 190.
75
Importante lembrar ainda que os rios também aproximavam moradias, tanto na cidade
de Belém quanto nos interiores da província. Nestes, muitas propriedades dispunham de
contato próximo com pelo menos um rio, pelo qual as canoas podiam singrar, facilitando os
contatos, inclusive com a capital da província. Ou seja, fosse na cidade de Belém, ou nos
arredores desta, ou ainda nas vilas e cidades do interior do Pará, os moradores recorriam aos
rios para estabelecer formas diversas de contato e para tanto, a recorrência às embarcações era
essencial.
A recorrência no uso de embarcações, sobretudo canoas na capital do Papode ser
percebida em inúmeros documentos. Os jornais do século XIX, por exemplo, apresentam uma
profusão de textos relacionados a esses objetos e que denotam, entre outros sentimentos, o de
preocupação pela possibilidade de perda dos mesmos.
Quem for dono de uma canoa grande com toldo de páu e de dous mastros,
que na segunda-feira 13 ia fugindo na corrente da maré na boca do Guaja,
dirija-se a rua do Norte n. 16 aa.
140
(grifos meus)
Declaro eu abaixo assignado, que tendo pegado uma canoa grande de dois mastros
que ia fugindo na corrente da maré na boca do Gua em 13 do corrente como
se n’um annuncio feito neste jornal, não ninguém se me tendo accuzado della ser
dono e como a dita canoa se acha encalhada na praia (no Beco da Roza) declaro não
me responsabilizar desta data em diante se a mesma tiver algum descaminho do
lugar aonde se acha encalhada. Pará 23 de junho de 1859. Luiz Antonio
Fernandes.
141
(grifos meus)
Não era incomum a conexão entre as canoas e as praias no Pará. Frequentemente
muitas embarcações eram postas, após as viagens, como que em “repouso” e segurança, o que
evitaria as referidas “fugas”, sobretudo durante os movimentos oscilarios das águas e fluxos
recorrentes, conforme referido nas notícias acima e consequente perda de objeto tão caro a
muitos moradores de Belém.
142
Quando uma canoa era perdida ou roubada, poderia implicar
em momentos de transtorno. Isso é perceptível em anúncios de perda em jornais de todo o
século XIX. Não raramente ao serem publicados, os anúncios continham a descrição das
canoas, inclusive os tipos de madeira empregados.
Além dos jornais, autos cíveis de inventário e prestação de contas de testamento,
também possibilitam a constatação da relação entre vários moradores de Belém com as
140
Fundação Cultural do Pa Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II – nº 135. 18/06/1859 – P.03.
A rua do Norte, identificada como a primeira rua de Belém, atualmente é denominada Siqueira Mendes. In.
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém: CEJUP, 1992. P. 37.
141
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II – nº 139. 25/06/1859 – P.04.
142
CORBIN, Alain. O Território do Vazio; a praia e o imaginário social. São Paulo: Companhia das Letras,
1989. E também LENOBLE, Robert. Historia da ideia de natureza. Porto: Edições 70, 1990.
76
embarcações, sobretudo as de pequeno porte tais como canoas, montarias e/ou igarités. Em
vários documentos elas foram mencionadas entre os bens descritos para avaliação. No quadro
a seguir, apresento alguns exemplos referentes a moradores que tiveram seus bens
relacionados em diferentes décadas dos oitocentos.
143
Quadro 5 - Embarcações Relacionados no século XIX
Morador Ano do
auto
Embarcação Madeira
usada
Valor da
embarcação
Montante Fonte
(autos
cíveis de)
José Lopes da
Fonseca
1810 1 bote usado
1 botinho
1 montaria
“madeiras
inferiores”
Piquiá e pau
rosa
Andiroba
jaruba
20$000
25$000
2$000
Não consta Inventário
José Joaquim
Cordeiro
1810 1 bote Não consta 160$000 Não consta Inventário
João Soares da
Costa
1811 1 igarité
1 igarité velha
1 canoinha
Quariúba e
louro
Acapu e
Angelim
Louro
18$000
22$000
18$000
Não consta Inventário
Jozefa Mª de
Macedo
1821 1 casco de
canoa
Não consta 5$000 3:680$600 Inventário
José Carlos
Correa de
Miranda e Joanna
Ferreira de
Gusmão
1838
1 igarité velha
Pau rosa
4$000
5:452$280
Inventário
Joana Assunção
Guerreiro
1843 3 canoas
velhas
Não consta 1$500 (as
três)
Não consta Inventário
Maria Victoria dos
Santos
1848 1 igarité
pequena
1 igarité velha
1 montaria
Outra
montaria
Pau rosa
Tatajuba e
louro
Pau rosa
Pau rosa
16$000
6$000
8$000
6$000
Não consta Inventário
Antonio Jozé
Machado
1851 1 igarité
possante, em
mau estado
Louro 140$000 16:422$599 Inventário
(Continua...)
143
O referido quadro foi constituído a partir dos seguintes documentos: Inventario a que se procedeo por
fallecimento de JoLopes da Fonseca. Inventario a que se procedeo por fallecimento do Tenente José Joaquim
Cordeiro. Inventário a que se procedeu dos bens de João Soares da Costa. Inventario dos bens do cazal de Jozefa
Maria de Macedo. Autos de Inventario dos Bens dos fallecidos JoCarlos Correa de Miranda e Joanna Maria
Ferreira de Gusmão. Autos Civeis de Inventario dos bens de Joana D’Assunção Guerreiro. Traslado dos Autos
de Inventário dos Bens do Casal de Francisco José da Costa, por fallecimento de sua mulher Maria Victoria dos
Santos. Autos Cíveis de Inventários e Partilhas Amigáveis que entre si fizeram a viúva e herdeiros do finado
Antonio Joze Machado. Autos Cíveis de Partilhas Amigaveis que entre si fazem os herdeiros de Raymundo
Pedro da Costa. Autos Cíveis de Inventários e Arrolamento de Anna Pertua de Miranda Mello. Autos veis
de Inventários de Manoel Pinto Marques. Autos Civeis de Contas de Testamentaria de Manoel Jose Lourenço de
Carvalho. Todos sob a guarda do CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA.
77
(cont....) Quadro 5 - Embarcações Relacionados no século XIX
Raymundo Pedro
da Costa
1864 1 igarité Não consta 30$000 Não consta Inventário
Anna Perpétua de
Miranda Mello
1889
1 batelão
Não consta
300$000
Não consta
Inventário
Manoel Pinto
Marques
1890
2 barcos
grandes
Não consta
10$000 (os
dois)
9:931$400
Inventário
Manoel José
Lourenço de
Carvalho
1890 1 batelão
muito velho
1 batelão novo
1 igarité
Piquiá
Pau de rosa
Pau de rosa e
louro
130$000
80$000
300$000
29:767$000 Contas de
testamentari
a
Fonte: CMA/UFPA - inventários post mortem. (elaboração minha)
Inúmeras embarcações eram construídas no Pará, inclusive em Belém e para tanto era
usada a madeira local. Na construção de embarcações ocupava-se grande parte da população
indígena. Inclusive nos primeiros decênios do século XIX eram, sobretudo, esses e seus
mestiços, os trabalhadores primordiais desse ofício, porém, com a proibição da escravidão
indígena e emprego crescente de escravos negros e respectivos mestiços, expandiu-se a
diversificação da mão-de-obra.
De qualquer modo, ao longo dos oitocentos continuou a ser muito importante indicar o
tipo e/ou qualidade da madeira empregada na construção das embarcações, principalmente se
essa estivesse em oferta ou precisasse ser identificada, à semelhança do que foi exposto em
anúncios publicados em jornais de Belém do Pará, nos anos cinquenta e sessenta.
Vendas. Vende-se uma canoa vigilenga nova, construída de muito boas
madeiras, de porte de mil arrobas, com duas toldas de madeira, e prompta a
navegar, quem a mesma pretender dirija-se ao annunciante, em caza de Antonio
Gomes de Oliveira (Valha-me Deos) na doca do reducto.”
144
(grifos meus)
Na noite de 13 do corrente, desappareceu do estaleiro do mestre Romão, a canoa
Linda Flôr, sendo construída das seguintes madeiras: o casco é de matámatá,
braçame de sapupira, tolda de palha, tendo três taboas em cada lado: estava dentro
d’ella todo o apparelho, que consta do seguinte: vellas, amarras, ferros, remos, e
mais pertences. Dentro da mesma estava um casco feito de u; quem a tiver
achado, queira dar parte nesta typ. Ou na rua das Flores casa nº 115, que será
generosamente gratificado.”
145
(grifos meus)
144
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II, 134, de 17/06/1859. P.04.
145
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém”, anno I, nº 36, de 19/09/1868 – P.02.
78
O pensamento que norteava o emprego de determinados tipos de madeira na
construção das embarcações, baseava-se no princípio do conhecimento das espécies que
integravam a vegetação local. Ou seja, era sabido que nem todas as madeiras podiam ser
utilizadas na fabricação de embarcações e desse modo, era preciso não só identificar as
árvores como também classificá-las para “melhorusá-las. Com o avançar do século XIX,
deu-se o refinamento desse conhecimento baseado no acúmulo de saberes acerca das riquezas
locais.
Em outras palavras, era um modo de pensar afinado com o pensamento europeu
ilustrado, que pode ser identificado nos registros dos viajantes, em textos jornalísticos, nas
falas dos dirigentes, no sentido de que era preciso conhecer e saber aproveitar os recursos
disponibilizados pela natureza no processo de construção de uma cidade interpenetrada por
águas, na qual deveriam predominar mais e mais, os valores da civilização.
146
A respeito disso, retomo Antonio Ladislau Baena, em seu Ensaio Corografico da
Provincia do Paráconcluído em 1833. O autor apresenta uma longa relação de vegetais,
com breve descrição de cada um e “utilidadepara os humanos, inclusive para construção
náutica e construção de casas e canoas”. Ou seja, o chamado uso correto dos numerosos
caminhos de águas da província, requeria a construção de saberes acerca da natureza local,
inclusive dos vegetais, conforme registrou Baena.
147
Uma vez construídos, esses conhecimentos favoreceriam a constituição dos modos
civilizados de lidar com as águas de rios, furos e igarapés tão encontrados no Pará, inclusive
em Belém. Tais modos civilizados estariam relacionados (também) com o conhecimento das
madeiras locais, a recorrência a elas para diferentes fins, tais como a feitura de embarcações
de distintos portes. O resultado seria, conforme discutido anteriormente, a classificação das
próprias embarcações, ou seja, se a madeira recorrente na fabricação das mesmas era avaliada
como de boa qualidade, ou “superior”, o objeto construído poderia adquirir maior valor
A rua das Flores foi posteriormente denominada Lauro Sodré e depois Ó de Almeida, denominação que conserva
até hoje. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominões. Belém; CEJUP, 1992.
P.37.
146
ELIAS, Norbert. O processo civilizador – v.2. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed. 1993.
147
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca blica do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do
Pa. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. Pp. 62-3. Na classificação registrada por Baena, havia, entre
outras, “árvores de construção náutica”, árvores de construção de casas e canoas”. As referidas árvores seriam
as madeiras que julgarão proprias para ambas as construcçoens pela sua solidez e consistência, que não as
deio empenar depois de lavradas; nem alterar-se facilmente expostas ao ar.
79
perante outros, construídos com madeira “inferior”, suscetíveis a maior desgaste na lida com
as águas.
148
A respeito disso creio que seja interessante relembrar o valor de 20$000, atribuído ao
bote usadoe construído com madeiras inferioresde José Lopes da Fonseca um dos
moradores relacionados no quadro que apresento em página anterior - e obotinho” em piquiá
e pau rosa, que somava trinta palmos de comprimento por nove de largura, também
pertencente a José Lopes, avaliado em 25$000, no mesmo ano de 1810.
149
Todavia, a despeito das diferenças de valores atribuídos às embarcações, ao longo do
século XIX elas foram importantes para os moradores da cidade de Belém, em meio à
convivência dos mesmos com as águas que serpenteavam a capital do Pará. Daí a abundância
e variedade de registros acerca das mesmas, indicadores da valorização atribuída àqueles
objetos por inúmeros moradores.
A recorrência às embarcações de diversos tipos, trapiches do porto da cidade, bem
como aos serviços de remeiros e práticos integrou a rotina de inúmeros moradores de Belém.
Moradores, permanentes ou temporários, de uma cidade construída em meio às águas
buscaram desenvolver recursos que possibilitassem suas vidas na capital do Pará, bem como
nos arredores da mesma. Em função dessa busca conviveram não com as águas dos rios,
furos e igarapés, como também com as chuvas, regularmente presentes na cidade.
Registros diversos, de diferentes períodos da construção de Belém, guardam notícias
sobre as águas que tornavam a cidade quase sempre molhada, úmida e lamacenta. No decorrer
dos oitocentos a cidade foi expandida, ruas, estradas e largos foram abertos, moradias e
prédios públicos em geral foram erguidos, mas é indispensável relembrar que o crescimento
da cidade ocorrera em meio à convivência com as águas, o que requeria recursos guardados
de longa data, tais como as embarcações e as pontes atreladas ao cais.
Sobre esta questão refiro o desenvolvimento da navegação a vapor, elemento
altamente contributivo no processo de expansão comercial, sobretudo na segunda metade do
século XIX, uma vez que promoveu o aumento no número de toneladas de produtos
comercializados e a redução no tempo das viagens realizadas pelas antigas embarcações.
150
148
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A
Provincia do Pará. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. Pp. 62-3.
149
Informações constantes do quadro 5, sobre Bens Relacionados no século XIX”, referente a moradores e
embarcações.
150
Ver estudo de ACEVEDO-MARIN, Rosa Elizabeth. Civilização do rio, civilização da estrada: transportes
na ocupação da Amazônia no século XIX e XX. Disponivel em
http://www.ufpa.br/naea/gerencia/ler_publicacao.php?id=242. Acesso em 02 abr. 2009.
80
Assim como estudos anteriores que discutem esta questão, penso que o crescimento
comercial contribuiu para a insistência de dirigentes, entre outros interessados, com relação à
necessidade da melhoria do porto da cidade conforme discutirei mais adiante - daí os
repetidos reparos nas pontes do cais, as incansáveis exposições em torno da necessidade de
recursos para implementar as obras do porto, as leis proibitivas ao comércio dos regatões,
uma vez que comercializavam sem pagar impostos.
151
Não obstante o empenho do poder público no sentido de enquadrar nos rigores da lei
as atividades comerciais ocorridas nas águas, muitas décadas foram necessárias para
aformosear e adequar o porto de Belém mediante os ditames do progresso, segundo os quais o
porto deveria ser apropriado, ou ainda, correspondente às necessidades do corcio
desenvolvido de longa data na província. Um porto distinto, reflexo da chamada prosperidade
que marcava a cidade que crescia ao longo dos oitocentos. Para muitos moradores, a despeito
das intempéries que se derramavam sobre a cidade ondas epidêmicas, mortes, conturbões
políticas - era importante que a frontaria de Belém refletisse o progresso que se buscava.
1.3. Por um Porto de mar” o cais e o porto de Belém nas palavras de dirigentes
(...) Se falamos desta Província, podemos dizer que nos falta tudo.
Precizamos cercar com hum caes, bem construído, toda esta cidade, não pela
belleza que disto rezulta; mas sobre tudo para o commodo de seus habitantes,
melhor arrecadação dos direitos públicos e melhor fiscalizão policial.(...)
Soares DAndrea
152
As palavras do presidente Andrea foram registradas num contexto pós-cabanagem, no
ano de 1838. O discurso por ele proferido remete para a obra de pacificação da província após
o confronto com homens ignorantescapazes de imoralidadese sem religião”. Para ele,
um conjunto de obras seria fundamental para superar o gentilismo”, ainda observado não
longo dos muitos rios da província, o estado de barbárieentre muitos dos moradores locais
e construir a civilização na província.
151
(...) Na Resolução 182 de 9/12/1850, explicava-se que ‘essas canoas navegavam fora dos portos das
cidades, vilas e freguesias da província e funcionavam como lojas ou tabernas flutuantes, vendendo e
permutando gêneros e objetos de comércio pelos sítios, fazendas, fábricas, engenhos e feitorias’.” Apud
ACEVEDO-MARIN, Rosa Elizabeth. Civilização do rio, civilização da estrada: transportes na ocupação da
Amazônia no século XIX e XX. Disponivel em http://www.ufpa.br/naea/gerencia/ler_publicacao.php?id=242.
Acesso em 02 abr. 2009.
152
Discurso com que o Presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez a abertura da 1ª Sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de março de 1838. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
81
Entre as muitas obras e serem efetivadas, estava a melhoria da comunicação interna,
ou seja, através dos rios e canais. Isso feito, também seria necessário melhorar a alfândega a
fim de que essa se tornasse “capaz de corresponder ao volume futuro do porto”. Ou seja, para
Soares D’Andrea era essencial a construção de obras capazes de assegurar o controle das
águas, com vistas à melhoria da agricultura e do comércio. Esse controle era pensado através
da construção de um cais, extenso o bastante para cercar a cidade e oferecer os benefícios que
reverteriam em progresso para a província.
153
O controle das águas e o controle dos habitantes
eram entendidos como ações entrelaçadas e essenciais na luta para tornar o Grão-Pará, uma
província ordeira.
No ano de 1837, Andrea convocou pessoas da cidade de Belém, negociantes
sobretudo, para constituírem uma companhia capaz de impulsionar á navegação de todos os
Rios e Águas do Pará por meio de Barcas de Vapor”. Não obstante o interesse de alguns em
serem acionistas, os valores iniciais não seriam suficientes para iniciar a Empresa. Além do
que, segundo o próprio Andrea, ela não renderia desde o início o retorno talvez esperado por
aqueles que nela investissem. Mas ele afirma também que havia interesse por parte de
investidores ingleses e nacionais, mesmo que de outras províncias, em realizar investimentos
na dita companhia e que dependeria da Assembleia Provincial, para que fosse levada adiante
aquela obra, para a qual ele já reunira alguns trabalhos.
154
Talvez sob os ecos das palavras do dirigente acerca da necessidade urgente de
melhoria do cais, em 1839 o poder público informa que a obra do cais da rua da Boa Vista
seria
Concluida com modica despesa, ajudada por meio de subscrição dos proprietários
das casas vizinhas, feita com a pedra extrahida da Fazenda do Pinheiro, e com
trabalho de alguns presos artífices (...). Seu fim he não fazer communicar pela
marinha á alfândega com a rua da Boa Vista e aformozear aquella parte da cidade
como interpor uma rua as cazas cujos fundos dão agora sobre o rio, e dar passagem
aos fiscalizadores dos direitos públicos.
155
153
Discurso com que o Presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez a abertura da 1ª Sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de março de 1838. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
154
Discurso com que o Presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez a abertura da 1ª Sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de março de 1838. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
Nos anos quarenta, a presidência da província reitera a necessidade de pelo menos uma barca a vapor . “Discurso
recitado por João Antonio de Miranda, prezidente da Provincia do Pará, na abertura da Assemblea Legislativa
Provincial no dia 15 de agosto de 1840”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso
em 25 set. 2005.
155
Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do Pará Bernardo de Souza Franco, por ocasião da abertura da
Assembléia Legislativa Provincial em 15/08/1839. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
82
O dirigente, em questão, referiu a necessidade da construção de um “caes” localizado
entre o Forte de São Pedro Nolasco e o do Castelo, o que possibilitaria a abertura de uma rua
na marinha da cidade. Novamente os argumentos recorrentes arrecadação dos direitos
públicos e aformoseamento da cidade - e além desses a necessidade de impedir a construção
de casas ao longo da marinha, uma vez que os quintais e cercados de várias delas adentravam
o rio, possibilitando a ação de contrabandistas, comprometendo a boa aparência da frontaria
de Belém e o tão desejado ordenamento da cidade. Ou seja, uma vez superados tais
obstáculos, o frontispício da cidade obteria a “aparência digna de um porto de mar”.
156
Além de advertir para a questão do cais e/ou porto, o presidente Souza Franco alerta
também para a necessidade de limpeza de canais, como o de Igarapé Mirim, o qual somente
nas grandes marés permitia passagem de embarcações de maior porte, devido ao acúmulo de
entulho. Inúmeros relatórios depois, novamente a presidência da província continuou a referir
o estado precário do canal de Igarapé Mirim, bem como a necessidade de limpeza do mesmo.
Ou seja, expressões como desobstrução, limpeza, associadas a melhor navegabilidade
aparecem em várias manifestações de dirigentes. Era necessário remover o entulho, tudo
quanto obstruía e atravancava o percurso das águas que possibilitariam o singrar das
embarcações.
157
Essas questões pontuaram vários relatórios. Em outras palavras, para inúmeros
moradores da capital do Pará era fundamental desenvolver modos de lidar com as águas dos
rios. Afinal havia a necessidade imperiosa do intercâmbio comercial como também da
navegação. Nesse sentido as maneiras de pensar, bem como as ações em relação às águas
destoaram mediante as motivações em foco, ou seja, para alguns habitantes da cidade era
interessante possibilitar contatos com comerciantes que burlavam o fisco, mesmo sendo essa
uma atitude reprovada pela oratória dos dirigentes, pois tal ação poderia implicar em trocas
favoráveis para os envolvidos, tais como o recebimento de uma gratificação, o apreço a algum
familiar, a preservação das relações de amizade, enfim, trocas que, em contrapartida, eram
desfavoráveis para o poder público que avaliava a lacuna na arrecadação.
Segundo Ernesto Cruz, a rua da Boa Vista foi anteriormente denominada rua da Praia. Posteriormente, passou a
ser chamada rua da Imperatriz e finalmente 15 de Novembro, denominação que conserva ahoje. Ver CRUZ,
Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 37.
156
“Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do Pará Bernardo de Souza Franco, por ocasião da abertura
da Assembléia Legislativa Provincial em 15/08/1839”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
157
“Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do Pará Bernardo de Souza Franco, por ocasião da abertura
da Assembléia Legislativa Provincial em 15/08/1839”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
83
Em 1841 as obras de ampliação do cais estavam principiadas, de conformidade com
o discurso de Bernardo de Souza Franco. As referidas obras seguiam do porto denominado
escadinha, até o Fortim de São Pedro Nolasco”, tendendo a prosseguir até a ponte da
Alfandega na rua da Boa Vista. A partir daí seria aberta uma comunicação com a rua do
Assougue”, pela travessa ao lado do Arsenal de Guerra que foi alargada a partir da compra
de terrenos. Também foi providenciado o alargamento e embelezamento da Praça da
Alfandega do lado do mar, facilitando igualmente a construcção de uma melhor ponte para
o serviço desta repartão por ter entrado o caes pelo rio adentro”. Naquele tempo a obra
tinha um orçamento em torno de onze contos de réis. A ideia do dirigente era dar
prosseguimento às obras até o Forte do Castelo, deixando duas pequenas docas ao lado da
ponte de pedras e abertta a que vem de junto á Cazinha do Ver-o peso.
158
O andamento das obras dependeu, naquele período de pessoas que pudessem ser
contratadores a fim de financiá-las. Em 1845, por exemplo, parte das obras do cais localizada
em frente ao beco do Açougue foi concluída a partir de uma contratação obtida com Manoel
Joaquim dos Santos. Mas a obra demandava maiores recursos e demorou a avançar. No ano
de 1850, o dirigente informa que parte dos recursos emanava do orçamento municipal, bem
como uma pedreira montada pela mesma inspecção na Ilha da Cotijuba”, da qual eram
extraídas as pedras usadas na obra do cais de Belém. A obra aliás, requeria, em diversos
trechos o uso de madeira também, numa lida constante de contenção das águas do rio. O
amigo leitor de lembrar-se que o trabalho era considerado pesado e exaustivo para os
trabalhadores diretos, ou operários como eram denominados por algumas autoridades.
Importante atentar também que a recorrência à mão-de-obra dos Corpos de Trabalhadores não
foi eterna.
159
158
Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do PaBernardo de Souza Franco, por ocasião da abertura
da Assemblea Legislativa Provincial em 14 de abril de 1841”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005. Segundo o dirigente, o custo de onze contos poderia ser
elevado para aquela obra, entretanto, os custos mensais da mesma haviam sofrido redução, o que considerava
compensador. Declara também que as obras da Catedral estavam em andamento e que com elas haviam sido
gastos doze contos e quatrocentos reis. Nesse sentido, registrou também os gastos com a limpeza do Canal de
Igarapé Miri, na qual foram gastos dois contos e duzentos reis. Tanto as obras da Catedral quanto as do cais, são
indicadas como indispensáveis para a cidade. Outros valores foram registrados, em relação a consertos de
igrejas em outras localidades da província, tais como 279$400 para a igreja do Moju; 1:300$000, para a Igreja de
Cametá; 311$800, para a Igreja de Abaeté. Tais valores são apontados como “módicos” o que impossibilitou a
efetivação de melhorias reais nos templos.
A rua do Açougue foi denominada posteriormente da Industria e finalmente Gaspar Viana. In: CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 37.
159
“Discurso recitado pelo Dr. João Maria de Morais, Vice-Presidente da Provincia do Pará, por ocasião da
abertura da Sessão da Quarta Legislatura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de agosto de 1845”. E
“Relatorio feito pelo Presidente desta Provincia Jeronimo Francisco Coelho e entregue ao 1º Vice Presidente em
exercício o Dr. Ângelo Custodio Correa em 1 de agosto de 1850”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 fev. 2005.
84
Em 1858, o presidente João da Silva Carrão, em discurso proferido à Assembleia
Legislativa, chamou a atenção para os “sacrifícios” demandados pela província em função das
obras do cais e que ainda assim exigia vultosos recursos para ser prosseguida. Considerava
que aquela obra deveria ser enquadrada como uma “obra geral”, para tanto o dirigente levava
em conta a natureza do serviço a que é destinada”, e como tal deveria ter suas despesas
custeadas, ou seja, a construção do cais não era, na visão de Silva Carrão, uma obra
especificamente provincial, portanto deveria ser encaminhada e concluída com recursos dos
cofres gerais”. Nos anos sessenta, essa questão permaneceu em debate, todavia as obras do
cais continuaram a aparecer na parte referente ás obras provinciais.
160
Em relatório de 12 de maio de 1860, o dirigente provincial esclareceu que foram
construídos 14.960 palmos cúbico de paredão com revestimento de cantariana parte do
cais de marinha junto a Santo Antonio, adverte porém que a obra deveria prosseguir mediante
arrematação, ou seja, a partir de anúncios em jornais e admitindo-se concorrência, para o que
havia mandado elaborar a planta e o orçamento referentes a 17 braças lineares de muralha, ou
seja, defendia que a obra não podia onerar os cofres provinciais como vinha ocorrendo de
longa data e precisava da immediata protecção do Governo Imperial”. Também para ele a
construção do cais constituía-se numa necessidade ante a imprevisibilidade das águas,
sobretudo quando ocorriam as grandes marés.
161
Apesar das reclamações dos dirigentes, a obra prosseguia, mesmo que às duras penas,
ante a alegada pobreza dos cofres provinciais. Ainda em 1860 o cais da Doca do Reduto teve
12.544 palmos cúbicos de paredão e a doca do Ver-o-Peso passou por desobstrução, uma vez
que as pequenas embarcações que nela atracavam, precisavam de proteção contra as violentas
ressacas do rio.
Em 1862 foi traçado um novo plano, com vistas a viabilizar pontos de desembarque
nos quais os carros pudessem buscar cargas mais pesadas. O plano proposto previa a
construção de um largo passeio que ligaria a Sacramenta à doca do Reduto. Essa era uma obra
que avançava para a conclusão e que os dirigentes discutiam o quanto seria importante para a
valorização crescente dos imóveis localizados próximos a ela. Uma vez finalizada ela se
O termo operários” aparece, por exemplo, em relatório apresentado à Assemblea Legislativa da Provincia do
Pa pelo Presidente da Provincia Francisco Carlo de Araujo Brusque em 01/11/1863. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 17 set. 2005.
160
“Discurso da abertura da Sessão Extraordinaria da Assemblea Legislativa Provincial do Pará em 7 de abril de
1858. Pelo Presidente Dr. João da Silva Carrão”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 16 set. 2005.
161
“Relatorio que o Presidente da Provincia do Pará Antonio Coelho de Sá e Albuquerque apresentou ao Vice-
Presidente Fábio Alexandrino de Carvalho Reis ao passar-lhe a administração em 12 de maio de 1860.”
Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
85
ligaria ao cais, que por sua vez também ornaa cidade. Ou seja, a ideia do embelezamento
da frente da cidade, através do cais, percorreu várias dezenas de anos do século XIX.
Nos anos setenta a obra foi dividida em 4 secções, com vista a novamente agilizar o
avanço da mesma: a primeira secção situada entre as pontes da guardamoria e de pedras; a
segunda localizada entre a ponte de pedras e a doca do Ver-o-Peso; a terceira, entre a travessa
das Mers e o beco do Açougue; a quarta, situada entre o extremo da Alfandega e o porto da
Sacramenta, ou travessa dos Mirandas. A primeira secção estava em andamento por
administração, foi concluída e paga. As demais estavam em processo de construção de
pagamento.
162
Não é demais ressaltar que no período em questão, a economia gumífera representava
grande parte dos lucros provinciais com exportação: entre janeiro e junho de 1871 a goma
elástica exportada atingiu 2.647,206 kgs , seguida pela castanha da terra, com 1.554,541 kgs e
sendo superada pelo cacau com 3.069, 264 kgs. Os dirigentes associavam as necessidades
de prosseguimento incessante das obras do cais e porto ao desenvolvimento econômico da
província.
163
Nos anos oitenta a obra ainda prosseguia, em 1881, o presidente José Coelho da Gama
e Abreu declarou que tentava dar prosseguimento a elas, a partir do Arsenal de Marinha até o
antigo Castelo, mas ressentia-se com falta de engenheiros suficientes. Nos demais anos da
década a obra ainda permaneceu em andamento, embora alguns dirigentes insistissem em
registrar em seus relatórios que a mesma estava em fase conclusiva, assim prosseguindo até o
final do século XIX. Parecia mesmo que a obra demandava recursos externos, ou seja, não
atingia o desfecho a que se propuseram as autoridades, sem que houvesse o concurso do
governo central, fosse o império ou a república.
no século XX, o governo federal abriu concorrência para o encaminhamento das
obras. Em abril de 1903, o engenheiro Percival Farquar assinou contrato para a construção.
Para tanto foi organizada a companhia “Port of Pará”, através da qual uma nova longa etapa
de trabalhos foi encaminhada.
164
162
Relatorio apresentado á Assemblea legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da
Provincia Abel Graça”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso 16 set. 2005.
163
Relatorio apresentado á Assemblea legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da
Provincia Abel Graça”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso 16 set. 2005.
164
“Relatório apresentado pelo presidente da Provincia José Coelho da Gama Abreu á Assemblea Legislativa
Provincial em 15 de fevereiro de 1881”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso
em 25 ago. 2006.
86
A planta a seguir auxilia na visualização da dimensão pensada para o porto e/ou cais
de Belém. Trata-se de um plano datado de 1889 e mostra a extensão do porto, com alguns de
seus cais, entre a Fortaleza da Barra e a foz do Rio Guamá.
As palavras de Andrea, nos anos trinta dos oitocentos reverberaram ao longo do século
XIX, afinal as obras do cais foram encaminhadas, comprovando a preocupação e o empenho
de dirigentes e outros moradores em procurar cercar com hum caes, bem construído, toda
esta cidade”.
165
Naquele contexto a preocupação econômica fora explícita, afinal a
movimentação portuária intensificara-se ao longo dos oitocentos, sobretudo com a
consolidação da economia gumífera. Entretanto, também não deixara de ser importante a
inquietação com o embelezamento da frontaria de Belém. Ela deveria refletir o crescimento
que se dava na cidade, mesmo não sendo este extensivo à totalidade dos habitantes e mesmo
não sendo capaz de superar os problemas conectados às águas, tais como os empoçamentos,
os alagamentos, o acúmulo de lama, as enfermidades.
Nesse sentido o caminho de águas que levava à capital do Pará deveria culminar com
um porto de mar”, capaz de representar a superação do gentilismo”, em terras tão distantes
dos centros ocidentais considerados modelos de progresso e civilização.
166
Ele deveria refletir
um modo competente de lidar com as águas do Guajará. Todavia, não obstante o empenho de
muitos, outros tantos habitantes da cidade, persistiram em outras relações com as águas da
baía do Guajará e vivenciaram experiências diversas, entre as quais os banhos de rio, bem
vindos em meio ao clima acalorado de Belém do Pará.
167
A planta hidrográfica que exponho a seguir, do Porto do Paentre a Fortaleza da
Barra e a Bocca do Rio Guamá”, datada de 1889, possibilita certa apreciação do crescimento
da cidade, como também das mudanças operadas especificamente ao longo do litoral através
das inúmeras obras referentes ao porto, levadas a efeito nos oitocentos.
165
Discurso com que o Presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez na abertura da Sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de março de 1838. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
166
Expressão registrada no “Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do PaBernardo de Souza Franco”
em 15 de agosto de 1839”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set.
2005.
167
GAY, Peter. Freud para historiadores. Acesso em Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
87
Figura 8 “Planta Hydrographica do Porto do Pará entre a Fortaleza da Barra (1) e a Bocca do Rio Guamá (2)” –
(destaques meus)
168
168
Fonte: Museu Paraense Emílio Goeldi”/Coordenação de Informação e Documentação/Biblioteca. A planta
em questão foi levantada pelo Capitão Tenente Francisco Calheiros da Graça coadjuvado pelos 1ºs Tenentes
Arthur Indio do Brasil e Themistocles Savio e Segundo Tenente José Manoel Monteiro – Comandante e officiais
da Canhoneira Guarany. Outubro de 1889”.
1
2
88
O longo processo de construção do cais denotou o o confronto de vários
moradores com as águas, como também as incansáveis tentativas pelo estabelecimento de
vitórias e demarcação destas na própria obra edificada e nos discursos a ela referentes. Ou
seja, não era importante apenas a construção do cais pelas motivações que já referi em
páginas anteriores, como também para enfatizar e selar as concepções de progresso daqueles
que clamavam por ele, que recorriam a tais concepções como argumento e encaminharam-nas
ao longo de anos. Nessa perspectiva, o cais expressou as relações sociais urdidas pelos
moradores de Belém, como também da província.
169
Em outras palavras, as intervenções regulares na frontaria da capital do Pará,
implicaram em relações sociais que denotaram sentimentos diversos em relação à cidade e as
muitas águas nela presentes. É fundamental considerar então, que a frontaria da cidade o se
constituía no lugar específico do porto para todos os moradores indistintamente, afinal,
relembro que entre os habitantes de Belém, existia grande diversidade e esta marcou
profundamente as relações com as águas. O que estou buscando afirmar é que se para alguns
moradores a frontaria de Belém, com seu belo porto deveria ser um espaço específico de
contenção das águas, afinado com as expectativas de expansão comercial, para outros, poderia
guardar outros significados tais como espaço de acolhimento, de celebração ou de despedida.
1.4. Águas e banhos
Não há cerimônias nessas abluções tão agradáveis quão necessárias é comum verem-
se homens, mulheres e crianças das classes mais humildes, nadando e mergulhando
em direções diferentes, todos ao mesmo tempo.
Daniel Kidder
170
Kidder, conforme relatei em alguns trechos atrás, admitiu ter sua atenção atraída para a
abundância de águas, assim como para a diversidade de embarcações que vira em Belém. Ao
registrar impreses acerca dos moradores, relacionou-os às águas que o impressionaram,
primeiramente. Observou, por exemplo, que ao longo do rio, era possível notar numerosas
pessoas banhando-se, tanto pela manhã como à tarde. Os banhos de moradores de Belém e
do Pará não ficaram restritos aos registros do missionário viajante.
169
ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho: a formação do espaço público no Recife do culo XIX. São
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004.
170
KIDDER, Daniel Parish. . Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia: o Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. P 189.
89
Ressalto que em vários documentos é perfeitamente possível localizar informações
acerca do clima “ardente” ou “acaloradoque predominava em Belém durante praticamente
todos os meses do ano, mesmo com a regularidade das chuvas. A relação estabelecida entre o
frescor do banho e o alívio do calor na cidade emerge, por conseguinte, em inúmeras
considerações concernentes aos banhos. Em outras palavras, nem sempre a referência ao
banho era associada à ideia de limpeza, asseio do corpo, mas a de conforto, no sentido de
alívio, refrigério, para tantos que viviam numa cidade de clima ardente.
Avé-Lallemant também anotou suas impressões acerca das relações entre moradores
“nativos” e os rios. Embora referindo-se aos momentos que presenciou durante de sua viagem
à Cametá, é possível identificar semelhanças com o que ocorria na cidade de Belém.
Lallemant registrou, por exemplo, que ele mesmo adentrou nas águas do rio para
banhar-se e que o banho era mesmo um costume comum entre indígenas, como os do
Tocantins, por exemplo, os quais ele pode observar proximamente.
Irresistível atração do majestoso rio! Muitas se vêem homens, mulheres, meninas e
meninos entrarem nele sem nenhuma intenção. O homem quer embarcar na canoa,
porém mal as ondas lhe chegam aos s, despe a ligeira roupagem e joga-se na água.
A mulher desce os degraus do quintal, para lavar uma cabaça ou um pote e, assim
que a água fria lhe lambe as pontas dos dedos, tira também a vea camisa e apenas
de saia, ou inteiramente despida, salta na água, dá umas braçadas, e sai vestindo de
passagem outra vez a camisa..
171
Para Lallemant indígenas e descendentes tinham uma natureza anfíbia, ou seja, a
afinidade dos mesmos com as águas era considerada tão natural que podia ser comparada à
dos peixes. Chegavam a nadar, de acordo com os registros do médico, de modo semelhante
aos “golfinhos”, sobretudo as crianças, nas quais a atração pelas águas dos rios também era
inequívoca. A respeito disso, o viajante dedicou várias linhas aos folguedos nas águas,
marcados por risos, conversas em tom elevado, saltos de árvores e de canoas, contatos
prolongados com as águas.
Para o viajante, como médico preocupado com a salubridade e envolvido com o
combate à febre amarela no Rio de Janeiro, o povo de Cametá revelava-se o mais asseado que
vira, principalmente as mulheres, o que considerava um efeito natural dos numerosos
banhos que tomavam. Tal afirmação encontrava-se baseada na observação da pele feminina, a
qual, segundo ele não refletia a limpeza propiciada pelas águas, como exalava o cheiro do
171
AVÉ-LALLEMANT, Robert. No rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. P. 45.
90
rio. Enfim, o asseio daquela gente podia servir de modelo para qualquer outro povo, registrou
o médico.
Lallemant acreditava que aquele mundo de Cametá era ainda muito indígena, no qual
os costumes dos moradores mestiços ainda guardavam fortes marcas dos modos de viver de
seus antepassados, ainda não afetados pelos aspectos que permeavam a vida nas cidades, as
quais segundo ele guardavam inúmeras vantagens sobre o mundo das “florestas”, mas que
também não omitiam seus lados sombrios”. Segundo ele,
Aqui dominará também um dia, aqui, no largo e indômito Tocantins, chegará
também um tempo, em que os rostos pálidos, que no clima tropical parecem mais
lidos e macilentos, dominarão também pelo mero, como já agora pela
superioridade.
172
Nessa perspectiva, Lallemant, como muitos de seu tempo, consagra a incontinência do
que era considerado progresso no século XIX. Isto é, o viajante guardava a convicção de que
as alterações operadas em cidades como Belém, por exemplo, ocorreriam inexoravelmente
também em outros lugares do Pará, nos quais os habitantes indígenas, vivendo em “estado de
natureza” ou muito próximo a este, seriam atingidos pelas mudanças emanadas
inexoravelmente pelo progresso. Para o médico, as mudanças operadas pelo progresso
resultavam da suposta superioridade creditada aos europeus e Cametá seria indubitavelmente
afetada, posto que nela já se operava o encontro entre natureza virgem e começo de
civilização.
As considerações de Lallemant, conectavam-se com seu modo etnocêntrico de ver o
outro e de pensar seu próprio tempo. Certamente, conforme afirmei anteriormente, ele
integrava o grupo numeroso daqueles para os quais as ideias de progresso e/ou civilização
eram consideradas não apenas normais e/ou necessárias, como também corretas para os
homens em geral.
Mas embora Lallemant tenha-se detido nas considerações acerca de moradores de
Cametá, entre moradores de Belém era também muito forte a atração pelas águas dos rios.
Houve até mesmo aqueles que perderam a vida em banhos tomados nas proximidades de
portos e pontes.
Em dezembro de 1854, o jornal “Treze de Maio” noticiou que morreu afogado no
porto da rua do Norte, por occasião de hir banhar-se, o menor Zeferino escravo do Conego
172
AVÉ-LALLEMANT, Robert. No rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. P. 48.
91
Jose Manoel Garcia. (...)”. Em setembro de 1859, o jornal “A Epocha” divulgou que “(...)
appareceu na Ponte de Pedras um rapazinho afogado, o qual indo fora, em mandado de seu
mestre, aproveitou o ensejo para banhar-se, tendo em resultado a morte, que alli o esperava.
(...)”.
173
A Ponte de Pedras também é mencionada em mapas da polícia, constantes em
relatórios de dirigentes provinciais. No relatório de 1856, por exemplo, constam dezesseis
mortes, por afogamento, de pessoas que buscavam as águas naquela ponte. De conformidade
com o presidente provincial Henrique de Beaurepaire Rohan, a morte fora causada pela
corrente das águas, em se embaração os infelizes, ou pela presença do gynotus electricus,
que lhes paralisa os movimentos”. Ainda segundo o dirigente,convinha adoptarem-se meios
que evitassem semelhantes desastres”. Ele acreditava que os banhos eram importantes como
exercício hygienico e, ao que parece, buscou implementar meios de reduzir os ditos
acidentes, permitindo a construção de banheiros nas praias da cidade de Belém impondo aos
empresários a obrigação de proporcionarem as classes pobres o uso gratuito desse tão
necessário refrigério.
174
No mesmo ano de 1856, houve requerimentos de vários moradores solicitando
permissão para construção de banheiros públicos. Apresento a seguir o pleito de Antonio Jose
Coelho de Barros, pela riqueza de argumentos referentes ao tema em questão. Declarando-se
como “proprietário e comerciante nesta cidade”, Antonio Jose solicitou
licença para edificar duas cazas de banho no litoral da cidade, sendo uma no lugar
entre a ponte de pedras e a Alfandega, e outra no lugar denominado - escadinhas
em cujos lugares já existiram essas mesmas cazas e aonde existem pontos fiscaes.
Os banheiros, seram bem aformoseados, com varanda em roda, um pouco distantes
do caes, para os quaes se passara por meio de uma ponte, e de forma que, não só
offereçam as precizas commodidades para ambos os sexos, como para ser
fiscalizado a qualquer hora do dia ou da noite. Na presença do clima em que
vivemos, das desgraças que continuamente ahy se dão de pessoas afogadas, toda a
população sente a indeclinável necessidade de taes banheiros (...)
175
173
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornais: Treze de Maio”, 1anno, 418, de 05/12/1854. P. 02. E “A
Epocha”, anno II, nº 198, de 05/09/1859. P. 02.
A expressão “gynotus electricus” refere-se aos peixes genericamente denominados de elétricos. Neste caso, o
dirigente referia-se provavelmente à enguia elétrica. Interessante ver BONI, Renata Saponara. A pilha de
Alessandro Volta (1745-1827): diálogos e conflitos no final do século XVIII e início do século XIX. Dissertação
(mestrado) São Paulo: PUC;SP. 2007.
174
“Relatorio apresentado á Assembléia Legislativa Provincial do Para no dia 15 de agosto de 1856, pelo
presidente Henrique de Beaurepaire Rahan”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 26 fev. 2005.
175
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Requerimentos. Ano: 1856. Caixa: 481. Doc 54.
92
A solicitação do proprietário e comerciante alerta para o problema das mortes por
afogamento, o que parecia ser recorrente na cidade, inclusive nas proximidades da ponte de
pedras. Adverte, contudo, que os banheiros seriam formosos, avarandados, cômodos para
homens e mulheres e com possibilidade de fiscalização a qualquer hora. A ideia de
comodidade aglutina-se a de conforto ou bem-estar ou ainda, segurança e tranquilidade para
tantos quantos recorressem aos banheiros. Ou seja, ao buscarem os banheiros as pessoas
evitariam o confronto com as águas dos rios, cuja correnteza poderia acarretar danos
irreparáveis. Além disso, a exposição de corpos semi-despidos e mesmo completamente
desnudos acarretava reclamações além de infringir o artigo 80, capitulo 10º, do “Código de
Posturas Municipaes” de 1848, segundo o qual
Ninguém se poderá banhar, ou lavar de dia nos rios, que banhão as Cidades, Villas,
Freguezias ou povoados, fóra dos logares para isso marcados por editaes pelas
respectivas Camaras, ou nas vallas, póços blicos &, sem ser coberto da cintura
para baixo. O infractor incorrera na multa de cinco mil réis, ou dois dias de prisão.
176
O referido artigo também contém fortes indícios da estreita relação de moradores de
Belém com as águas de rios, valas e poços públicos, no sentido de que se serviam daquelas
para banhar seus corpos, inclusive diurnamente e até desprovidos de roupas. Seguramente
constituiu-se numa lei ignorada não apenas em Belém, como em muitas outras localidades da
província, basta lembrarmos, amigo leitor, dos registros de Avé-Lallemant, discutidos em
páginas anteriores.
De forma semelhante ao que relatou Lallemant, as duas notícias sobre as mortes por
afogamento destacam que os moradores vitimados eram de camadas sociais menos
favorecidas: o primeiro era escravo e o segundo um aprendiz ou criado. No primeiro caso, os
redatores recorreram à expressão “por occasião de hir banhar-se, permitindo o entendimento
de que havia um certo costume de ir banhar-se no local indicado, o que também pareceu
refletir-se na segunda notícia, pois o rapaz aproveitou o ensejo para banhar-se”, ou seja, ele
fora em mandado de seu mestre e resolveu tomar banho, certamente motivado pelo calor e
pelas águas que pareceram convidativas àqueles que não viam problemas em adentrá-las
várias vezes, inclusive em meio às atividades do dia. Muito provavelmente, vários daqueles
176
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. Belém. Código de Posturas Municipaes (1848). In: Collecção das Leis da
Provincia do Gram-Pará. Tomo X.
93
moradores tomavam seus banhos completamente despidos, portanto de modo similar aos
moradores de Cametá que encantaram Lallemant.
Nos anos setenta dos oitocentos, outro dirigente provincial observou em seu relario a
ocorrência de mortes por afogamento, ou asphixia por submersão”. Alguns assim pereceram
em decorrência da embriaguez, como o espanhol Jo Romão Miguel, encontrado em 15 de
janeiro de 1875 e o catraieiro português Manoel d’Almeida, que ao erguer o ferro de sua
catraia no porto de Belém, desequilibrou-se por estar muito alcoolizado, caindo no rio e
desaparecendo em 4 de junho de 1876. Outros por conta de alagamento” de embarcação, tal
como ocorreu com o norte-americano Guilherme, cujo corpo foi encontrado em dezembro de
1875, na margem do rio Anajás, distrito homônimo e com o liberto Joaquim e o menor
Raymundo, ambos mortos por afogamento devido ao alagamento da “montaria” na qual
viajavam, ao passarem pela ponta do Pinheiro, em 22 de julho de 1876.
177
E embora não fossem muito comuns, houve anúncios de vendas de propriedades que
referiram as águas de rio, apropriadas para banhos, como um elemento de valorização do bem
em oferta, o que não deixa de ser mais um indício importante da recorrência de inúmeros
habitantes da cidade àquela prática. No ano de 1859, o “Diario do Comercio” anunciou a
venda de um terreno (...) sercado sito na rua do Principe (na estrada Nova) com oito
braças de frente vinte e um de fundo com agoa do mar para banho por lhe passar pelos
fundos o igarado Reducto. (...)”. O anúncio também pode sugerir a comodidade do acesso
às águas para banho a partir do próprio terreno, o que seria distinto do acesso exposto
publicamente, como no litoral da cidade, ou em igarapés, ou mesmo nos poços. Além do que
poderia ser um acesso as águas consideradas boas, desde que não fossem lançados sobre elas
os dejetos que poderiam comprometer a qualidade da mesma.
178
Em maio de 1876, os redatores do jornal “A Provincia do Pará” manifestaram-se
acerca dos banhos no litoral da cidade”. Não era, contudo, um texto referente aos perigos
dos banhos de rio, segundo eles os banhos nas praias da cidade eram atentatórios à
177
Relatorio apresentado pelo presidente da provincia do Pará Francisco Maria Corrêa de e Benevides, , á
Assemblea Legislativa Provincial, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago. 2006. E “Falla com que o exm. sr. dr. João
Capistrano Bandeira de Mello Filho abrio a 2.a sessão da Assemblea Legislativa da provincia do Pará em 15 de
fevereiro de 1877. Pará, Typ. do Livro do Commercio, 1877”. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago.2006.
178
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Comercio”, anno V, nº 157, de 21/06/1859. P.03.
94
moralidade pública”, principalmente entre um povo civilizado, uma vez que vários
banhistas usufruíam dos banhos completamente despidos.
179
Não obstante o tom indignado do texto, trata-se de mais um registro importante sobre
a afinidade dos moradores de Belém com as águas dos rios, afinal denota que aquele modo de
banhar-se se constituía numa prática comum que remontava tempos idos e que, com o
avançar do século XIX, parecia incompatível com valores moraisque, tomando acento nas
páginas dos jornais, advertiam para os cuidados com a revelação dos corpos.
Segundo o jornal, “(...) os soldados da guarda da enfermaria militar tem por costume
servir-se da praia entre a mesma enfermaria e o arsenal de marinha para refrescar-se nas
horas do calor.” Além de fazer uso da palavra costume”, os redatores apelaram para o dr.
Chefe de polícia”, afirmando que aquela o era a primeira vez que pediam providências, que
talvez o senhor chefe não houvesse lido o outro texto relacionado ao assunto e que esperavam,
diante de outra notícia, que a referida autoridade considerasse o clamor a ela endereçado, uma
vez que se tratava de um problema relativo ao “bem da moralidade pública”.
180
O mesmo jornal, de 16 de maio de 1876 publicou um texto sobre os banhos
públicos”, no qual são apresentados os tipos de banhos que devem ser encontrados numa
cidade de primeira classe a partir de experiências verificadas em cidades dos Estados Unidos
e Inglaterra. Aliás, o redator afirma que escreve de New York. Para ele o banho é também um
exercício hygienico”, sinônimo de conforto e todos os habitantes citadinos devem ter acesso
ao mesmo. Em relação ao Brasil, declara que as pessoas de maiores recursos deveriam
patrocinar a construção de estabelecimentos de banhos quase gratuitos”, hospicios
marítimospara os mais pobres, a fim de possibilitar a esses o usufruto dessa comodidade,
bem como, o estabelecimento de tanques ou piscinas para natação nas escolas.
Bem relativa a essa questão é também a contribuição de Américo de Campos, através
da obra “Noções Gerais de Hygiene”. Datada de 1912, ela constitui-se em uma espécie de
manual de limpeza e/ou asseio tanto individual como coletivo, além de dedicar algumas
laudas ao que o autor denomina como higiene pública”. Ao tratar do banho, Campos
menciona o de rio. Segundo ele, aqueles seriam os banhos corretos, desde que efetivados em
água corrente, pois à semelhança dos banhos de chuveiro permitiam uma limpeza adequada
do corpo. Ou seja, a água deveria estar em movimento, a fim de remover as impurezas do
corpo. Todavia se o banho ocorresse em lugar de remanso”, no qual a correnteza faz
179
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem Jornal: “A Provincia do Para”, anno I, nº 18, de 19/04/1876 . P.02..
180
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem Jornal: “A Provincia do Para”, anno I,, nº 18, de 19/04/1876 . P.02.
95
círculo, as condições guardariam vasta semelhança com os banhos de tanque de natação,
piscina e/ou banheiras e, portanto, seriam inadequadas, posto que o ficaria garantida a
remoção apropriada da sujidade. Ou seja, as abluções assim realizadas teria sua efetivação em
água usada, e portanto, contaminada pelo que já fora removido do corpo.
181
Considero importante ressaltar que, no período em questão, os moradores da cidade de
Belém vivenciavam a efervescência do comércio da borracha. A cidade tornava-se mais
populosa e o porto, mais frequentado. Assim sendo, numa cidade pensada como próspera e
que se pretendia civilizada, os moradores deveriam adequar-se ao uso considerado adequado
ou civilizado das águas para banho, mediante as ideias que eram consagradas pelos dirigentes,
redatores de jornais, escritores, médicos entre outros. Nesse sentido os moradores não
deveriam recorrer a quaisquer locais do litoral da cidade, por exemplo, para banho, assim
como também deveriam observar os trajes apropriados para fazê-lo, inclusive nas paragens
em que os mesmos fossem permitidos.
182
Uma vez que a cidade fora construída em espaço repleto de “terrenos baixos”,
“igapós”, “igarapés”, além de ser cercada por águas de rios, com amplo litoral e clima
acalorado, era compreensível que alguns habitantes da mesma buscassem o alívio dos banhos,
inclusive nas águas da frontaria da cidade. Considero importante relembrar que o volume de
moradores indígenas e mestiços destes era expressivo e a relação deles com as águas era
geralmente muito estreita, conforme registros que apresento. Não obstante os modos
indígenas de lidar com as águas, para vários outros moradores, era necessário normatizar os
banhos tomados em lugares externos da cidade, tais como o litoral, a ponte de pedras, entre
outros. Para tanto foram pensadas regras de controle de conduta, que foram constituídas ao
181
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora
Escolar, 1912.
182
Segundo Ernesto Cruz, pelo recenseamento feito por ordem do governo imperial em de agosto de 1872,
Belém possuía 84.867 habitantes. No entanto, três anos mais tarde, o Presidente Pedro Vicente de Azevedo, por
ocasião de passar a administração da Província ao seu substituto, o dr. Francisco Maria Correa de e
Benevides, dizia em seu relatório que Belém , segundo estatística da época, tinha uma população de 34.178
almas. No fim do século XIX, a estimativa era de 120.000 habitantes.” CRUZ, Ernesto. História de Belém
volume. Belém: UFPA, 1973. Coleção Amazonia. Série José Veríssimo. Pp 148-9. (grifos meus)
Antonio Rocha Penteado apresenta os seguintes dados sobre população de Belém: para 1868 30.000
habitantes; 1872 34.644 habitantes; 1888 60.000 habitantes e 1900 96.500 habitantes. Ver PENTEADO,
Antonio Rocha. Belém Estudo de Geografia Urbana. volume. Belém: UFPA. 1968. Coleção Amazônia.
rie José Verissimo. P. 204. (grifos meus)
Nazaré Sarges afirma que o censo de 1872 estimou a população da capital em 61.997 habitantes, ddeduzir
que ocorreu entre 1848 e 1872 um aumento considerável da população belenense, e que o período
compreendido entre 1872 e 1890 apresentou um decréscimo da cidade, uma vez que o Censo Geral do Brasil de
1890 estabeleceu a populão da capital da Província em 50.064 habitantes. No entanto, segundo o Barão do
Marajó, a população de Belém seria no final de 1894 de 100 mil habitantes, o que nos leva a deduzir que o
Censo ou a estimativa do Bao de Marajó apresentava o cálculo errado”. SARGES. Nazaré. Belém: Riquezas
produzindo a Belle-Époque (1870-1912). Belém: Paka-Tatu, 2000. P. 44. (grifos meus)
96
longo do século XIX e pautadas em modos de pensar marcados por sentimentos de pudor,
preocupações com a higiene e com as posturas dos moradores em seu conjunto.
183
Nesse sentido, retomo o ponto de discussão que remete para a diversidade de modos
de pensar e sentir as relações com as águas. A julgar pelos registros na documentação, o
processo de enquadramento da conduta dos moradores de Belém em relação às águas foi
muito lento em Belém, haja vista que ao longo da segunda metade dos oitocentos ainda
fluíram registros de banhos tomados ou em lugares não devidos e/ou com uso de roupas
inadequadas.
Além disso, mesmo com o avançar do culo XIX, segundo as normas posturais de
1880 era “(..) prohibido, sob pena de vinte mil réis de multa, tomar banhos nos poços e fontes
públicas e despido no litoral”.
184
Por outro lado, convém não esquecer que havia também o
sentimento de que as águas podiam ser perigosas e nesse sentido, mensageiras da morte. Ou
seja, na cidade molhada, não raramente úmida e quente, chuvosa e lamacenta, foi necessário
insistir com as leis em busca do enquadramento das condutas em relação aos moradores que
buscassem nas águas algum alívio ou folguedo.
183
GAY, Peter. Freud para historiadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
184
Belém. Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typ. Do Diário de
Notícias. No Código de Posturas de 1880 foram mantidas as regras estabelecidas no de 1848 com relação a
banhos.
97
CAPÍTULO 2
Em meio às águas, a construção da cidade
98
Nesse capítulo – “Em meio às águas, a construção da cidade meu propósito é
focalizar os modos de lidar com as chuvas, os pântanos, os alagados, todos muito presentes na
cidade de Belém e nesse âmbito, o processo de esgotamento das águas, uma vez que tanto o
acúmulo das águas pluviais, quanto daquelas que estagnavam nos canais e valas era, ao longo
do século XIX, pensado como nocivo por alguns habitantes da Cidade do Pará.
A respeito disso, convém lembrar que o conjunto de moradores da cidade, desde a
fundação da mesma, apresentava expressiva diversidade. Em outras palavras, de ltiplas
etnias e nacionalidades, eram empregados em diferentes ocupações tais como canoeiros,
lavradores, criados, comerciantes, soldados, engenheiros, médicos, autoridades
administrativas, militares e religiosas, enfim.
Em relação às águas, a documentação aponta para a recorrente preocupação de
dirigentes locais, assim como médicos, engenheiros e redatores de jornais, com aquelas que
permaneciam estagnadas e a consequente proliferação de doenças. Nesse sentido as águas
eram percebidas como portadoras do mal, ou seja, doenças e morte.
185
Para dar combate às
“águas s”, vários moradores foram mobilizados hierarquicamente no decorrer dos
oitocentos, desde engenheiros, responsáveis pela elaboração e fiscalização das obras
pertinentes, aos operários, trabalhadores diretos nas obras de escoamento. Afinal era
considerado importante liberar a cidade dos encharcadiços considerados indevidos.
Ao longo do século XIX, o bombardeio desse modo de pensar foi intensificado, numa
luta incessante contra as águas tridas das valas, a lama, as águas que estagnavam nos
pântanos, nos terrenos baixos, nas áreas de igapós e também nos quintais. Ou seja, se não fora
possível construir uma Belém do Pará em terras elevadas o suficiente para escapar às
enxurradas e evitar o acúmulo das águas, então era preciso escorrê-las, esgotá-las, livrando a
cidade dos focos proliferadores de desconforto, sujidade e enfermidades. Em outras palavras,
naturalizava-se a ideia de construção e consolidação da salubridade em Belém, tal como
ocorria em outras cidades, consideradas modelares, do ocidente europeu ou da América.
186
Não obstante o aparente predomínio desse modo de pensar e, portanto, dessa
sensibilidade forjada a longo prazo no ocidente e a julgar pelos registros escritos de
moradores, havia habitantes que não guardavam consigo tantos receios em relação às tais
águas paradas. Logo, eram justamente esses que “precisavam” ser convencidos sobre os
185
Para melhor refletir acerca dos sentimentos e ações humanas e ambiguidades a eles referentes foi importante a
leitura de GAY, Peter. Freud para historiadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. Valeu também, nesse ponto,
a leitura de DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente (1300 - 1800). São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
186
FOUCAULT, Michel. O nascimento da clinica. Rio de Janeiro: For. Univ., 1987. SEIXAS, Paulo Castro.
Higienismo: Textos que fizeram cidade. Disponivel em homepage.ufp.pt/pseixas/artigospub/.../Higienismo%20-
%20textos%20que%20fizeram%. Acesso em 13 mai. 2009.
99
problemas gerados pelas águas estagnadas, pois uma vez convencidos tornar-se-iam aliados
na luta contra elas. As operações de combate às chamadas águas más compreendiam vários
procedimentos que ao longo dos oitocentos foram registrados na legislação.
É importante ressaltar, entretanto, que as ideias de bem e de mal, ou de bom e ruim,
atribuídas às águas apresentavam considerável relatividade em se tratando dos moradores da
Belém do Pará do século XIX. As chuvas, por exemplo, poderiam ser consideradas benéficas
em determinados momentos, mensageiras de alívio e frescor, sobretudo em se tratando de
uma cidade de clima acalorado, de conformidade com registros de diversos habitantes, porém
poderia ser percebida e/ou sentida também, como inmoda, causadora de infortúnios até,
considerando os lamaçais que constituía, as doenças que poderiam propiciar, os machucados
nos pés e nas pernas, sobretudo daqueles que percorriam os logradouros de Belém à guisa de
realizar algum trabalho, tal como faziam aguadeiros e outros vendedores em geral, criados
domésticos, lavadeiras, entre tantos outros.
Nessa perspectiva, dou prosseguimento à discussão sobre relações estabelecidas entre
os moradores de Belém do Pará do século XIX e as águas locais, no processo de construção
da cidade no decorrer do século XIX. Encaminhando os estudos desenvolvidos no capítulo
anterior, as relações aqui enfocadas serão aquelas que se desenvolveram no interior da cidade
ultrapassando a frontaria da mesma e considerando a documentação que pesquisei.
No processo de expansão da cidade ao longo dos oitocentos, foi fundamental que os
habitantes construíssem formas de contato com as águas em suas mais diferentes formas e
disposições – fossem as das chuvas muito frequentes, conforme já exposto, como aquelas que
abundavam nos igarapés e pântanos, nas valas e canais - no sentido de enquadrá-las nos
modos de vida considerados pertinentes a uma cidade, na qual tornavam-se mais e mais
presentes os discursos em defesa da civilização.
Nessa perspectiva, um dos maiores problemas foi lidar com as águas más, aquelas que
por resistirem” a um esgotamento regular, eram consideradas causadoras de incômodos e
enfermidades por vezes fatais. Para tantos que acreditavam nesse processo, era importante
convencer os demais moradores a observarem cuidados com relação a essa questão. Ademais,
desenvolvera-se no século XIX o debate acerca dos modos de uso e desuso das águas,
configurando-se oquido em questão como mais um elemento do mundo natural a ser
negociado. Para tanto, o processo de canalização não poderia ser negligenciado, bem como o
uso de intermediários como bombas, torneiras, válvulas, entre outros. Sobre tal questão, é
oportuno lembrar que mesmo sem as intermediações referidas, a água já se tornara
100
mercadoria, uma vez que era negociada por aguadeiros, os quais vendiam esse líquido
mediante o uso recorrente de outros objetos intermediários, tais como as pipas e os canecos.
No primeiro item desse capítulo é justamente a questão do esgotamento, a temática
que procuro focar. Dando continuidade à discussão iniciada, no avançar do século XIX
inúmeros moradores de Belém estreitaram laços com uma proposta higienista, mediante a
qual era pensado como essencial livrar a cidade dos empoçamentos e para tanto esgotar as
águas e evitar acúmulos das mesmas, sob pena de comprometidos graves para a saúde dos
moradores, ou seja, cada vez mais crescia a importância de medidas políticas pensadas como
capazes de intervir no meio físico e garantir saúde para os habitantes da cidade.
Ao encontro desse propósito, tornou-se crescente o combate a tudo quanto implicasse
em insalubridade e, nessa perspectiva, a incrementação da montagem da rede de esgotos, bem
como a canalização da água potável, tornaram-se temas mais regularmente debatidos pelas
autoridades dirigentes, bem como pelos redatores de jornais, médicos, engenheiros, enfim.
Intervenções dessa ordem, debatidas com regularidade entre determinados grupos
locais dirigentes, médicos, engenheiros, redatores, comerciantes, entre outros - implicaram
em alterações das vias da cidade, bem como dos prédios, em relação às águas. Desse modo,
duas questões mostraram-se cada vez mais cruciais: a invisibilidade das águas e o
estabelecimento de parâmetros de negociação desse líquido junto aos habitantes.
Para vários moradores da cidade, destacadamente aqueles que almejavam uma Belém
enquadrada nos ditames do progresso e de civilização propagados de diferentes modos
naqueles tempos, era importante dar prosseguimento ao processo de canalização das águas,
ocultando-as dos olhos dos habitantes, sem deixar de possibilitar a movimentação das mesmas
através dos encanamentos, por meio dos quais as águas poderiam ser verticalizadas, erguer-se
e atingir torneiras, para finalmente retornar, por intermédio destas, ao contato com os
moradores. É interessante lembrar que todo esse processo do uso das águas, implicaria em
custos que adviriam dos bolsos dos próprios habitantes de Belém.
187
Encanar as águas, ocultá-las, principalmente as servidas e empoçadas, significava
também o enquadramento da cidade que se expandia ao longo dos oitocentos, em padrões
estéticos valorizados por inúmeros moradores, sobretudo os que se afinavam com modelos de
asseio em processo de consolidação nos chamados centros urbanos de grande relevância.
Afinal, por que não implantar redes de esgotos? Por que não ocultar as águas servidas,
paradas e fétidas, marcadas pela imundície”, pelos odores tridos e expostas em valas de
187
Ver SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das águas: usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São
Paulo (1822-1901). São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007.
101
diferentes volumes? Por que não possibilitar o esgotamento das águas pluviais através dos
referidos esgotos, evitando-lhes o empoçamento, numa contínua celebração pela busca da
salubridade? No decorrer do século XIX essas questões povoaram as mentes de inúmeros
moradores citadinos do Brasil, em Belém do Pará não foi diferente.
Nos textos jornalísticos, as questões referidas emergiram continuamente, sobretudo
quando o jornal opunha-se aos administradores públicos, ou seja, integravam partidos de
oposição do governo. Nas palavras escritas de vários dirigentes, elas também insurgiram,
buscando indicar que aqueles se mantinham preocupados, e também ocupados, com os
problemas relacionados ao saneamento da cidade.
188
Nesse ponto quero ressaltar que nem sempre a canalização dos esgotos implicou na
expulsão dos odores tidos, fato que, no caso de Belém, gerou acirradas polêmicas através
dos jornais. Além disso, ampliar os esgotos da cidade, de conformidade com outros estudos -
como para a cidade de São Paulo dos oitocentos, por exemplo - denota que a questão da
visibilidade guardava relação também com a constatação de micro-organismos na água, os
quais poderiam gerar a contaminação desse líquido, corroborando para a propagação de
doenças.
189
As águas deveriam, portanto, ser submetidas ao movimento constante de entrada e
saída, tal como ocorria com as águas de rios, mares e igarapés, constrangidas a uma
movimentação natural relacionada às marés e correntes. Essa necessidade de movimentação
da água era pensada como válida para todos os lugares da cidade - tais como ruas, praças,
valas, canais, entre outros - bem como aos pdios em geral, incluindo as casas de morada.
Vale destacar, então, que o deslocamento das águas também era pensado como
necessário para os interiores de valas e canos de esgotos. Ou seja, tanto quanto era essencial o
adentrar das águas, também o era o movimento de saída das mesmas, sobretudo considerando-
se o crescimento da cidade, que se expandia com a abertura de ruas, construção de prédios em
geral, bem como com o aumento populacional, conforme expus em páginas precedentes. Em
188
O termo saneamento é recorrente em textos de jornais, plantas e manifestações escritas de dirigentes da
cidade do Pará, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX. A questão do saneamento relacionado à
vaola em Belém, por exemplo, é discutida em RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade
Miasmática. (1878 – 1900). Dissertação (mestrado).o Paulo: PUC – SP, 1997.
189
Ver SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das águas: usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São
Paulo (1822-1901). São Paulo: Editora Senac o Paulo, 2007. P. 189. A autora analisa a preocupação com a
qualidade da água, advertindo que essa “(...) não era uma novidade na São Paulo do culo XX. no começo
da década de 1850, por exemplo, alguns vereadores recomendaram a realização de uma ampla análise da água
de todos os chafarizes da cidade.” Ver também BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-
Pa. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. P.222. Beltrão adverte que “a
discussão sobre a qualidade das águas de Belém era constante e, freqüentemente, causava polêmica entre os
médicos da cidade. (...)
102
outras palavras, o crescimento da cidade implicava no aumento do uso das águas e, por
conseguinte, na intensificação do esgotamento das mesmas.
190
Conforme discuto no capítulo anterior, como o avançar do século XIX, as águas
seriam entendidas como elementos integrantes de uma natureza que deveria ser submetida aos
saberes cienficos, uma vez que podia causar problemas de amplas proporções aos habitantes
em geral, tais como as doenças que acometiam a cidade de Belém. Esse modo de pensar foi
insistentemente expressado nos escritos dos jornais e das falas, relatórios e mensagens de
dirigentes, com também em livros sobre higiene, modos de morar e de lidar com doenças.
Penso que tais ideias circularam entre moradores de diferentes camadas sociais, fluindo entre
os diversos espaços da cidade ao longo do século XIX e constituindo modos de pensar
conectados às ideias de limpeza e salubridade.
191
Considero importante salientar, porém, que entre os moradores, conforme indica
Bates, havia aqueles para os quais as águas paradas não eram motivo de preocupação, uma
vez que conviviam rotineiramente com elas fosse nos quintais das moradias, fosse nos
espaços para além dos caixilhos de suas portas e janelas, através do simples caminhar por ruas
encharcadas, da frequência aos igarapés e rios e igapós ou da exposição às chuvas
frequentes.
192
Ao longo do culo XIX, prevaleceram ideias de ordenamento e, conectadas a esta, de
ocultação de certas águas. Entre as águas a ocultar estavam, por exemplo, a domiciliar, as
pluviais e as servidas. No processo de canalização da água foi importante o estabelecimento
da Companhia de Águas, cujos estatutos foram aprovados em 1881. Todavia, um longo tempo
foi demandado até que o maior número de habitantes da cidade pudesse usufruir da água
encanada em suas moradias.
Não pretendo sustentar, contudo, que a maioria dos moradores de Belém se ressentisse
da ausência da água encanada em suas moradias, na verdade localizei poucos documentos que
apontam para o descontentamento dos mesmos em relação a essa questão. Acerca disso é
190
DULLEY, Richard Domingues. Noção de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos ambientais e recursos
naturais. In: Agric. São Paulo, v. 51, n. 2, p. 15-26, jul./dez. 2004. Disponivel em
www.iea.sp.gov.br/out/publicacoes/pdf/asp-2-04-2.pdf. Acesso em 28 jun. 2008.
191
Sobre a questão da circularidade de ideias, observando as diferenças contextuais e de objeto, valeram as
leituras de BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no renascimento o contexto de François
Rabelais. o Paulo Brasília: Hucitec, 1993. E GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as
ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
192
BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1979.
103
importante relembrar a recorrência aos poços ao longo de séculos, bem como a possibilidade
da obteão da água em rios e igarapés encontrados na cidade.
193
2.1. ntanos e cidade
o Mestre de Campo Jozé Manoel Seabra. Ainda hontem sube que V. Sª tinha
mandado os seos Escravos para o útil serviço de desagoamento do Peri, oque meda
bem aconhecer oseo desenteresse, apego ezello pello Real Servo edeque Eu muito
louvo, eagradeço aVsª Ds Ge aVSª Pará 7 de Dezembro de 1803 = Conde dos Arcos
= Sr. Joze Manoel Seabra.
194
O verão ahi vem pressuroso, e, se não houver sérias providencias entre nós, qual a
sorte que nos aguardará?
Parece, pois, que é tempo de dispertar dessa indifferença com que vai sendo aqui
encarado pelos poderes competentes o mal que se nos avesinha.
Além de que vivemos aqui cercados de terrenos pantanosos, grande parte das ruas da
capital que tanto dinheiro consome em foguetes, de um sem mero de lagoas
formadas pelas agoas pluviaes que dentro em breve ficarão estagnadas por falta de
chuvas que removem as mesmas agoas, tornando assim essas lagoas verdadeiros
focos de mephiticas exalações miasmáticas.
(...)”(19/04/1876)
195
Águas dos rios, de igarapés, das chuvas, dos pântanos. A cidade de Belém foi fundada
e construída em meio à convivência com as águas. E de conformidade com o que já discuto
anteriormente, o princípio básico de que era necessário controlar as águas, contê-las, drená-
las, acomodá-las em valas, foi vitorioso ao longo do culo XIX. Em relação a essa questão,
Alexandre Rodrigues Ferreira escreveu, no século XVIII, que
A Cidade se divide em dois bairros, o da Cidade, e o da Campina. A cidade em si
he plana, as ruas mais estreitas do que largas, pela maior parte irregulares todas por
calçar, e com o seu fundo de tijuco, com as agoas do inverno fica todo um
pantanal.
A rua mais larga, he a da Cadeia no bairro da Campina, mas essa mesma não he
tirada à cordão desde o Largo do Palácio, até o das Mercês, predomina neste
bairro a areia, por isso não é tão pantanosa como o da Cidade.
196
(grifos meus)
193
Contrariamente, localizei numerosa documentação - abaixo-assinados, por exemplo - que comprovam o
descontentamento de moradores de diferentes logradouros da cidade com a precariedade da iluminação pública,
nos anos oitenta do século XIX. Várias foram as queixas acerca dos problemas gerados pela ausência de
“candieiros”, inclusive em ruas e estradas consideradas importantes na cidade, como por exemplo a Dr. Moraes.
194
Correspondência do Conde dos Arcos ao Mestre de Campo, Sr. Joze Manoel Seabra. IN: VERGOLINO-
HENRY, Anaiza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A Presença Africana na Amazônia Colonial: Uma notícia
histórica. Belém: Arquivo Público do Pará. 1990. P. 190.
195
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Para”, anno I, nº 18, de 19/04/1876. P.02.
196
Fundação Cultural do Pa Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Miscelânea Histórica: para servir de
explicação ao prospecto da Cidade do Pará 1783-1784, (texto datilografado). .
104
Não foram fáceis as lutas pelo enquadramento das águas. Árduas batalhas foram
travadas arrebatando, sobretudo, aqueles que acreditavam na importância de viver em função
do progresso e do desenvolvimento da civilizaçãona capital do Pará e que isso significava,
entre outras coisas, promover “melhorias” na cidade conectadas, também, ao processo de
organização das águas.
E assim ocorreu, considerando o tempo demandado para efetivação das obras do cais,
as preocupações constantes com as construções e reparos de pontes, a diversificação da
navegação fluvial - inclusive com a introdução da navegação a vapor - em função do
desenvolvimento comercial. Nesse sentido a construção da cidade fundamentou-se na
convicção de que era necessário vencer as águas, submetendo-as aos planos de expansão de
Belém, nos quais ficaram estabelecidos os diversos traçados de ruas, travessas, largos.
Os planos de expansão fundaram-se por sua vez em convicções não raramente
constituídas em cidades da Europa, avaliadas como exemplos a serem observados. Assim
sendo, adentrando a cidade a partir do rio, aqueles que chegaram em Belém depararam-se
com outras águas, inclusive as que constavam no alagado Piri - no decorrer dos séculos XVII,
XVIII e princípios do XIX. E além dessas, com as águas das chuvas regulares e com os
acúmulos por essas gerados. A Cidade do Pará também era repleta de terrenos baixos e áreas
consideradas pantanosas, algumas delas denominadas de igapó”, e igarapés a percorriam por
diversas partes.
197
Com o avançar do século XIX, os habitantes de Belém em geral conviveram com uma
jornada disciplinadora das águas que gerou alterações importantes na cidade do Pará, mas
que também precisou conviver com permanências, que para alguns pode ter significado
atraso, ou mesmo, estagnação no processo de lidar com a água. Em relação a esse ponto, nos
anos setenta do século XIX, o dirigente provincial Abel Graça, registrou que as febres
paludosasque ceifavam vidas em toda A Provincia do Pará, guardavam íntima relação com
as águas abundantes na mesma. Para ele, (...) n’um paiz como este, onde o vigor da
197
Sobre os igapós é importante ver obra específica de MOREIRA, Eidorfe. Os Igapós e seu aproveitamento.
Belém: Imprensa Universitária, 1970. O autor adverte que o termo iga tem recebido conceituações
diferenciadas no plano científico e que entre os vocabularistas também não há concordância. Todavia, a maioria
destes “registra o têrmo com um sentido mais ou menos uniforme, através de definições como “floresta
pantanosa”, floresta alagada”, mato alagadiço”, etc., outros omitem a conotação vegetal, fazendo-o mero
sinônimo de pântano, charco ou lezira, sem qualquer referência ao ambiente florestal.” Afirma ainda, que entre
as camadas populares havia uma tendência de empregar o termo neste mesmo sentido”, muitas vezes sob a
forma sincopada de “gapó”, referindo-se aos alagados na mata ou fora dela. Salienta, contudo, a importância da
presença do elemento vegetal. Nesse ponto refere José Veríssimo segundo o qual o termo igapó derivaria de i
(água), a (mato) e (ter, haver), de icaapó portanto, água que mato tem ou que contem mato’”. P. 10.
VERISSIMO, José. Scenas da Vida Amazônica – Com um Estudo sobre as Populações Indígenas e Mesticas da
Amazônia Primeiro Livro. Lisboa: Livraria Editora de Tavares Cardoso&Irmão, 1886. Apud MOREIRA,
Eidorfe. Os Igapós e seu aproveitamento. Belém: Imprensa Universitária, 1970.
105
vegetação se pode medir pela força do calor e humidade sempre constante, é forçoso crer
n’essas emanações deletérias, resultantes da decomposição constante de detritos
orgânicos.”
198
Nunca é demais relembrar também que a cidade teve uma importante atividade
agrícola, além da extração do látex e do aquecido comércio ao longo do século XIX,
conforme discutido. Ou seja, para que as atividades econômicas resultassem em frutos
significativos, tornou-se essencial o empenho nos modos de lidar com as águas.
Em outras palavras, durante o século XIX foram reforçadas as ideias de que era
necessário conviver com a “índole” das águas locais, levando-as a “bem servir” aos
moradores de Belém, e do Pará como um todo, o que implicou também em contê-las, ordená-
las, através das numerosas obras que fluíram durante os oitocentos, tais como pontes, cais e
procedimentos de dessecamento e esgotamento, como a abertura de valas. As obras referentes
ao Piri enquadraram-se no contexto em questão.
199
A decisão pelo dessecamento do Piri acarretou o envolvimento de uma diversidade de
trabalhadores a maioria dos quais, moradores de Belém - desde aqueles que detinham o
poder decisório das alterações da cidade, até os que se envolveram diretamente nas obras de
escoamento das águas.
O Piri: águas, dessecamento e cidade
Adentrando a cidade em princípios do século XIX, ainda seria possível visualizar o
alagado do Piri, haja vista as palavras de agradecimento do Conde dos Arcos ao Mestre de
Campo, registradas no ano de 1803, conforme consta na epígrafe. E até que as obras fossem
encaminhadas, moradores e visitantes de Belém puderam conviver, de distintos modos, com
aquelas águas, que inundavam os terrenos próximos conforme os movimentos da maré. Em
relação a essa questão, assim registrou Baena: o Piri era um (...) terreno de alluvião muito
198
“Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1872 pelo presidente da
provincia, dr. Abel Graça”. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1872. In: http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set 2005.
199
A documentação indica a preocupação com o enquadramento das águas, de tal forma que a construção da
cidade fosse de fato efetivada, apesar da fundação da mesma, em local tão facilmente exposto às inundações e às
chuvas abundantes. Ver THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural Mudanças de atitude em relação às
plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988. E também LENOBLE, Robert.
Historia da ideia de natureza. Porto: Edições 70, 1990.
106
baixo inteiramente horisontal, em que duas vezes por dia penetrão livremente as águas da
preamar.”
200
Quase duas décadas depois, Spix e Martius, ao longo de sua estadia em Belém,
reportaram-se com admiração à obra iniciada pelo Conde dos Arcos. Registraram que ele
transformou um trecho de terreno devoluto, que drenou por meio de valas,
guarnecendo-o com avenidas de belas árvores, no único logradouro da cidade. As
mongubeiras (...) e as sumaumeiras (...), as árvores-do-pão australianas (...), as
mangueiras (...), os mombins (...) cresceram em dois decênios, dando troncos
frondosos e enfeitam a rego aprazível onde existem algumas chácaras esparsas.
Com essa eficaz plantação, a cidade do Pará muito lucrou em salubridade e aqui não
há as doenças endêmicas, que se observam nos trópicos.
201
(...)
A planta a seguir, que teria como provável autor o capitão e engenheiro João Rafael
Nogueira, mostra em destaque o alagado Piri. A esse engenheiro militar, o governador e
capitão general do Gram-Pará e Rio Negro, outorgou a tarefa de encaminhamento da
exsicação do Piri, cabendo aos escravos e livres desafortunados a tarefa de lidar
diretamente com as águas do mesmo, haja vista as palavras agradecidas do governador ao
Mestre de Campo Jozé Manoel Seabra, pelos escravizados que este encaminhara ao serviço.
Ressalto que além de Nogueira, outros militares e engenheiros tiveram seus nomes
ligados ao processo de ressecamento do Piri e à expansão da cidade de Belém, tais como, o
sargento Gaspar João Geraldo de Gronsfeld e o engenheiro Teodosio Constantino de
Chermont, os quais apresentaram traçados relativos ao Piri e à cidade de Belém e sobre os
quais me detenho mais adiante.
200
BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Compêndio das Eras dA Provincia do Pa. Colão Amazônia. Série
José Veríssimo. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969. P. 254. O autor nasceu em Lisboa em 1781/2 e
chegou no Pará em 1803 acompanhando o capitão-general Conde dos Arcos, no posto de segundo tenente de
artilharia. Foi sócio do IHGB. Em 1832 foi convocado pelo Governo para integrar uma comissão cuja tarefa
seria a organização e composição da Estatística da Província”, da qual resultou a obra Ensaio Corografico
sobre A Provincia do Pará ”. O Compêndio das Eras da Provincia do Paráabrange estudos sobre temas da
história da província no período entre 1615 e 1823. Foi publicado pela primeira vez em 1829.
Uma discussão especificamente direcionada para a obra de Baena pode ser vista em BARROS, Michelle Rose
Menezes de. Germes de grandeza”: Antônio Ladisláo Monteiro Baena e a descriçãode uma província do norte
durante a formação do Império brasileiro (1823-1850). Dissertação (mestrado).UFPA/PPHIST. Belém, 2006.
Sobre transformações na cidade de Belém entre o século XVIII e o XIX ver GUIMARÃES, Luiz Antonio
Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre vida material e domesticidade nas moradias de Belém 1800-
1850. Dissertação (mestrado). UFPA/PPHIST. Belém, 2006. ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da
Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP, 1998. REIS FILHO, Nestor. Imagens de
vila e cidades do Brasil Colonial. CD-ROOM, São Paulo: 1999. COIMBRA, Osvaldo. A saga dos primeiros
construtores de Belém. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
201
SPIX, Johann Baptist von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1981.V. 3. P. 23-4.
107
Figura 9 “Planta do Pantano chamado Piri”. Destaque na área do “pântano”, ou “alagado”, como
também era chamado.
202
A ideia que prevaleceu, conforme assinala Baena, foi marcada pela noção de
utilidadee comodidade”, conectada ao processo de dessecamento do igarapé, ou seja, era
preciso expandir a cidade e tal expansão implicava na submissão daquelas águas bem como a
fauna e a flora nelas contidas.
203
A respeito disso, fortes indícios de que a pesca fosse uma atividade desenvolvida
por moradores de Belém nas águas do Piri, uma vez que em áreas similares, alagadiças e/ou
202
Ministério da Defesa/Ercito Brasileiro/AHEx/RJ. De conformidade com os registros cartográficos do
AHEx, a Planta do Pantano chamado Piriseria de autoria do capitão João Rafael Nogueira. Documento
original, sob a guarda do AHEx.
Na planta do pântanoo engenheiro destacou, embora com menor evidência, tanto no bairro da Sé quanto no
da Campina algumas construções, principalmente religiosas tais como a igreja de Nossa Senhora do Carmo, a
Catedral da e a capela de São João e também, o largo do Palácio, na Sé. No bairro da Campina destacou a
matriz de nossa Senhora de Santa Anna, a igreja de Nossa Senhora das Mercês, a igreja da Santíssima Trindade,
a capela de Santo Antonio, além dos Quartéis. Rafael Nogueira enfatizou ainda, a parte mais alta da cidade”.
203
Sobre a intervenção dos humanos na natureza, inclusive em relação às águas, tanto as consideradas malsãs
quanto as qualificadas como boas, ver a obra fundamental de BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrânico na Época de Filipe II. V. I. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ldtª. Traduzida da
edição francesa de 1879. Pp.78-9.
Eidorf Moreira informa que o espaço da cidade era formado por dois acidentes hidrográficos, o igapó
e o igarapé do Piri, que embora distintos formavam uma unidade ou conjunto geográfico dentro do quadro
urbano. Pela sua extensão e largura, eles dividiam a urbe em duas, tornando os bairros (da Cidade e da
Campina) como suas cidades à parte. MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. In Obras
reunidas de Eidorfe Moreira. Belém: Cejup, 1989 v.I. Citado por GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As
casas & as coisas: um estudo sobre vida material e domesticidade nas moradias de Belém 1800-1850.
Dissertação (mestrado). UFPA/PPHIST. Belém, 2006. P. 31.
108
de igapó, peixes considerados do matto, por viverem nos alagadiços cobertos de vegetação
alta, o jiju, o jandiá, o jacundá (...)”, o curimatá”, o aruaná, o tamua”, conforme
anotou José Verissimo, eram pescados para consumo alimentar.
Os peixes chamados do mato, muito saborosos todos, são uma das curiosidades da
fauna ichthyologica da Amazonia. Habitam não os lagos e lagoas, cobertos de
mato, os igapós centraes e marginaes, mas ainda poças maiores d’água dentro das
matas. Alguns, como o tamuatá, meio amphibios, passam terra a dentro, de um sitio
para outro. Deste êxodo, feito em bando, aproveitam os moradores para os
apanharem.(...)
204
Referindo-se à “pequena pesca”, José Veríssimo registrou que no período das chuvas,
tanto os igapós quanto os lagos tornavam-se menos caudalosos, mais rasose propensos à
pesca individualizada, através da qual era obtido o mantimentopara casa. Nessas águas
calmas, escurecidas pela escassez da luz, espessas de apparencia, se abriga na cheia o peixe,
e é talvez ahi que principalmente procrêa, desova e incuba”.
205
Ao especificar um pouco mais os moradores recorrentes na pequena pesca, o autor
refere-se àqueles que usavam arco e flecha e/ou caniços, que percorriam as águas em canoas,
ou subiam em grossos troncos tombadosou ainda, construíam os mutás, nos quais se
posicionavam à espera do peixe.
206
Os moradores assim referidos nas fontes que pesquisei, ou seja, envolvidos mais
diretamente com a natureza, com atividades como a pesca, por exemplo, integravam os
grupos sociais não abastados, alguns desprovidos de propriedades e bens considerados de
maior valor na Belém dos oitocentos. Muitos eram mestiços de indígenas, principalmente,
e/ou de negros. Seriam esses os grupos cujas relações com as águas do Piri foram estreitadas
ao longo de quase duas centenas de anos.
É importante ressaltar que diversas espécies de animais encontradas nos igapós,
também o eram em rios e lagos, o que acredito reforçar que os mesmos fossem obtidos
também na área do Piri.
Ao dedicar algumas páginas ao referido tereno de alluvião(Piri), Baena registrou
que no ano de 1803 o dirigente provincial ordenou o dessecamentodo mesmo, o que, para
204
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann. Obras raras. VERISSIMO, José. A pesca na
Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C. 1895. P. 107. MOREIRA, Eidorfe. Os Igapós e seu
aproveitamento. Belém: Imprensa Universitária, 1970. Pp. 26-7. Este autor cita os seguintes peixes como sendo
do mato”: “jandiá ou jaú, o jeju, tambaqui, tamuatá, traíra, etc.”
205
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann. Obras raras. VERISSIMO, José. A pesca na
Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C. 1895. Pp. 99-101.
206
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann. Obras raras. VERISSIMO, José. A pesca na
Amazônia. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C. 1895. P. 101.
109
ele constituía-se em obra de suma importância, pois acreditava ser aquele um local de abrigo
para insetos de inúmeras espécies, além de impregnar o ar com vapores pestíferos”,
emanados de suas permanentes águas.
No processo de dessecamento, contudo, foram construídas valas, apresentadas no
desenho de Nogueira, abertas à custa do trabalho de moradores o abastados e do apoio de
instrumentos como balde de vallador e ”.
207
A função das valas era justamente a de
promover o dessecamento, ou seja, por elas as águas deveriam escorrer, percorrendo
caminhos para o desague. Entretanto, as valas conservavam águas em seu interior, que
empoçadas se deterioravam. Mais uma vez, foram alvo dos comentários de Baena, que a
estagnação gerava mal cheiro e causava as tão temidas emanações pestíferas.
Estudos sobre a cidade de Belém do século XIX indicam o aprofundamento desse
modo de pensar. Fundamentados na teoria dos miasmas, em 1881, por exemplo, médicos
membros da Inspetoria de Saúde Pública em Belém acreditavam que as febres palustres,
biliosas e perniciosas, causadoras de numerosas mortes entre janeiro e junho de 1880, foram
ocasionadas pelos pântanos existentes em abundância em torno do perímetro urbano e mesmo
dentro deste.
208
De conformidade com as palavras do presidente Gama e Abreu, buscava-se realizar
obras de escoamento de pântanos como o Una e outros que se estendiam até a estrada de S.
Jeronymo, assim como àqueles que alcançavam o Igarapé do Chermont, às proximidades do
11º batalhão. Advertia, contudo, que tais obras muito lentamente ficavam concluídas, ou
seja, o processo de enxugamento dos pântanos da cidade e imediações desta, demandou
recursos e empenho de inúmeros moradores, de operários a dirigentes.
209
Algumas áreas pantanosas distantes do centro de Belém também causavam transtornos
aos moradores que por elas necessitavam transitar. Em 1885, através de um abaixo-assinado,
moradores da vila de Ourem, solicitaram à Comissão de Fazenda e orçamento da Assembleia
207
Sobre o uso do balde de valladorver Memorias Economicas da Academia Real das Ciencias de Lisboa,
para o adiantamento da agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas”. Tomo V. Lisboa
na Officina da mesma Academia. Anno M.DCCC.XV. Com licença de sua Alteza Real. Pp. 86-9. In:
books.google.com.br/books?id=oa43AAAAMAAJ. Acesso em 24 abr. 2009.
208
Esse relato é apresentado por RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878
1900). Dissertação (mestrado). PUC/SP, 1997. Pp. 183-5. A autora refere o “Relatório apresentado à Assemba
Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo Exm. Sr. Dr. José Coelho da Gama Abreu. Pará, Typ. Do
Diario de Noticias de Costa e Campbell, 1881”. Dispovel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 ago. 2006. Ver também CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte
imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-
Pa. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004.
209
“Relatório apresentado à Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo Exm. Sr. Dr. José
Coelho da Gama Abreu. Pará, Typ. Do Diario de Noticias de Costa e Campbell, 1881”. Dispovel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 ago. 2006.
110
Legislativa Provincial, que consignasse uma quantia necessária para duas pontes e limpeza da
estrada que ia daquela vila para a cidade de Bragança. Para tanto, argumentavam que a
referida estrada era uma importante via pública”, posto que por ela iam e vinham moradores
de outras vilas e povoações próximas, inclusive da Capital do Pará. Os suplicantes
esclareceram que a dita estrada encontrava-se repleta de paus cahidos”, matagais crescidos
nos dois lados da mesma, além dos lugares pantanosossobre os quais se fazia urgente a
construção de pelo menos duas pontes, pois nos tempos invernosos, a travessia das pessoas
através deles tornava-se impraticável.
210
O combate aos pântanos era considerado importante para moradores que acreditavam
que aqueles eram espaços propícios ao desenvolvimento de enfermidades, ou ainda,
obstáculos a serem superados. Os dirigentes provinciais assim pensavam e nos jornais que
circularam na Belém dos oitocentos, os textos reproduziam esse modo de pensar, não
raramente expressando o pensamento médico. Todavia, possivelmente para aqueles que
mantinham uma convivência rotineira e de longa data com aquelas áreas, estas não se
constituíssem em lugares pestíferos.
Relativamente a essa questão, nos anos quarenta, Bates anotou a presença de
lavadeiras e aguadeiros, os quais se dirigiam às áreas baixas e pantanosas da cidade para lavar
roupas e encher pipas d’água, o que implicava certamente, em idas e vindas pelos ditos
terrenos baixos e pantanosos da cidade de Belém. Segundo o naturalista,
(...) o terreno é ligeiramente ondulado, de forma que as áreas secas se alternam com
os trechos pantanosos, sendo totalmente diferentes nestes lugares e naquelas a
vegetação e a vida animal. Nossa casa ficava na parte da cidade mais próxima do
(rio) Guamá, à borda de uma das áreas baixas e alagadiças que compõem uma parte
dos arredores da cidade. Esse trecho é cortado por estradas pavimentadas, sendo a
principal delas a estrada das Mongubeiras, com cerca de um quilômetro e meio de
extensão. (...) Essa bela avenida foi construída por volta de 1812, durante o governo
do Conde dos Arcos. Ela é cortada perpendicularmente por vários caminhos estreitos
e verdejantes, sendo a região inteira drenada por um sistema de pequenos canais
e fossos, através dos quais a maré flui e reflui, o que mostra como são baixas as
terras.
211
(grifos meus)
210
APEP. Fundo: Assembléa Legislativa Provincial. Série: Abaixo Assinados. Ano: 1880-89. Caixa Nº3.
211
BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; o Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1979. P. 14. O autor registrou o ano de 1812, como de governo do Conde dos Arcos,
porém, outros registros apontam para o período de 1803-6. A estrada das Mongubeiras atualmente é denominada
avenida Tamandaré. CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém;
CEJUP, 1992. P. 79.
111
A descrição de Bates corrobora para o entendimento acerca das áreas constitutivas da
cidade - a ondulação reinante, a alternância de áreas secas, baixas e pantanosas, a tendência à
formação de alagados. Relacionando essas considerações ao processo de dessecamento do
Piri, Bates destacou a beleza da avenida, construída a partir do trabalho de drenagem levado a
efeito por administradores, engenheiros e “operários” em terras mais baixas.
Nesse ponto, é oportuno relembrar que os elementos integrantes da natureza deveriam
ser conhecidos e submetidos pelos humanos. Bates, por exemplo, destacou os caminhos
verdejantes da estrada das Mongubeiras - árvores de troncos robustos, que se afilavam, e
dotadas de flores. O leitor certamente guardou na memória a preocupação demonstrada por
Antonio Ladisláo Baena, por exemplo, em relação à classificação de árvores locais, inclusive
com a utilidade de cada uma delas para os moradores do Pará.
212
Bem, em relação ao Piri, o modo de pensar as águas do mesmo também não foi
específico de Baena e nem tão distinto dos modos de pensar a relação com outros elementos
da natureza no tocante á questão da utilidade. Em outras palavras, se as águas não eram
consideradas úteis aos moradores e até revelavam-se causadoras de enfermidades mortais, era
necessário contê-las e/ou eliminá-las, enquadrando-as mediante o que se acreditava constituir
as necessidades dos habitantes uma leitura antropocêntrica, portanto, em relação àquelas
águas.
Então, guardar a convicção de que a partir das águas do alagado poderiam fluir
miasmas causadores de doenças diversas, foi um argumento a mais para o encaminhamento
do dessecamento do mesmo. Possivelmente, em decorrência desse modo de pensar, a proposta
do engenheiro João Geraldo de Gronsfeld, constante nos mapas apresentados mais adiante,
não foi implementada pelos dirigentes.
213
212
No item anterior, ao discutir a importância das canoas para grande parte dos moradores do Pará, mencionei o
quanto era valorizado o emprego de boas” madeiras, ou seja, as que eram classificadas como apropriadas ou
corretas para a construção de embarcações. Sobre isso ver novamente BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro.
Ensaio Corografico sobre A Provincia do Pará. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. Depositado na
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de obras raras.
213
O aterramento dos pântanos foi também uma experiência levada a efeito em Fortaleza entre finais do século
XVIII e primeira metade do século XIX. VIEIRA JR., Antonio Otaviano. Entre o futuro e o passado: aspectos
urbanos de Fortaleza (1799-1850). Fortaleza: Museu do Ceará, 2005. (Coleção Outras histórias, 31).
112
Figura 10 Planta da Cidade de Grampara - 1773
214
.
Destaques meus – (2) “Cidade” e (1) “Campina
No mapa a seguir é apresentado um projeto de Gronsfeld, alternativo à planta anterior,
mas ainda preservando o Piri, transformado em um lago permanente. Nesse projeto a parte
mais antiga da cidade seria protegida pelos muros.
215
214
PLANTA da Cidade de Grampara fortificada pelo methodo mais simplex e menor despeza q' pode admitir a
irregularidade da sua figura e inegalidade de seu Terreno, e em parte pantanoso, e em parte dos obstaculos ou
difficuldade, q' se achaõ na Margem do Rio, q' offerece ao Ill.mo e Ex.mo Sn.r Joao Pereira Caldas, do
Conselho de Sua Mages.de Governador e Cappam General do Estado do Grampará, Maranhão, Piauhy, Rio
Negro, do Sag.to mor Gaspar João Geraldo de Gronfeld, 1773". Fonte: Original manuscrito da Mapoteca do
Itamarati (Ministério das Relações Exteriores), Rio de Janeiro. In: REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROOM,
Imagens das Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 1999.
215
De acordo com Reis Filho, o projeto a seguir constituiu-se numa “variante do projeto mostrado pelo desenho
anterior. Neste, apenas a parte mais antiga da cidade é protegida por muros e baluartes. Além disso, previa um
aprofundamento da área do alagado do Piri, para transformá-lo em um lago permanente, contornando e
protegendo a área fortificada pelo lado leste, além de comportas dos dois lados, que o engenheiro chama de
anteportas, em sua legenda.”REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROOM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, 1999.
2
1
113
Figura 11 Projeto de Gronsfeld - 1773
216
Destaques meus – (1) “Cidade”, (2) “Campina
Em meio a essa questão, vale reconsiderar os objetivos expansionistas em relação à
própria cidade, ou seja, na visão de dirigentes, ela deveria expandir-se, tornar-se mais
populosa e o alagado impunha obstáculos que deveriam ser superados. Aliás, retomando o
exposto na planta de João Rafael Nogueira, essa apresentava o traçado de três estradas em
sentido horizontal, além de outras, incluindo a que se estendia do “Palácio” ao “São José”.
-se, portanto, que as ruas ou estradas foram sobrepostas ao terreno alagadiço, deixando
216
Legenda: Projecto O qual mostra, Como se podia Fortificar Somente a Cidade, e não incluido a Campina,
Pello Methodo mais Simplex q. pode admittir o Terreno pantanoso, ne menos he projectado o Lago do Piry, que
utilidade se pode tirar delle; Primeiro com Suas tres anteportas as quaes feitas de Vigas, faz a Cidade
inattacabele, Segundo tira a Camera Grande Donativo pa. os bems do Conseillo de Pesca Terceiro tem os
Moradores, as suas canoas Siguras nos seus Portos pa. que não Se desincaminhem. Projecto offerece ao Ill.mo
e Ex.mo Snr. João Per.a Caldas do Conselho de S. M.e Fid.ma Gouvernador Cap.am General do Gram Pará,
Maranhão, Piauvi, Rio Negro &”. Fonte: Original manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In:
REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROOM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 1999.
1
2
114
claro que o Piri não seria apenas enxugado, por ele passariam ruas, seriam edificadas casas e
cultivados vegetais. As vias em questão selariam a ligação entre a Cidade e a Campina.
217
A respeito disso, é fundamental destacar que o engenheiro Nogueira não foi o único e
nem o primeiro a estabelecer um traçado propondo a construção de ruas através do Piri. O
plano geral da Cidade do Pará, datado de 1791 e de autoria do militar e engenheiro Theodosio
Constantino de Chermont, além de propor as chamadas valas para escoamento das águas,
também continha os traçados de prováveis ruas naquele trecho da cidade, conforme exposto
na próxima imagem.
218
Essa discussão é desenvolvida em estudo sobre cidades da Amazônia no século XVIII,
entre as quais Belém, na qual é discutida a questão do abastecimento de água potável para os
moradores. Essa já se constituía numa preocupação entre dirigentes ao final do século XVIII e
início do XIX, período coincidente com a presença de vários engenheiros militares no Pará e
com a viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira, o qual dedicou parte de sua narrativa para a
questão do acesso da população à água de beber, conforme discutido no capítulo anterior.
Com relação aos registros de Rodrigues Ferreira, é importante relembrar que eles foram
produzidos num contexto de interesse do governo português em aprofundar conhecimentos
acerca das terras do Brasil.
219
A documentação referida em estudo sobre cidades da Amazônia colonial, realmente
aponta para o problema relativo à auncia de fontes geradoras de água considerada potável,
bem como para as dificuldades de construí-las naquele contexto, problema esse ainda
perceptível em grande parte do século XIX, quando vários dirigentes expressaram
preocupação com a questão do fornecimento de água de qualidadepara os moradores, em
suas falas, relatórios e mensagens, conforme discutirei mais à frente.
220
217
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II. V. I. São Paulo:
Livraria Martins Fontes Editora Ltdª. 1979. Pp.92-100.
Segundo Baena, nos anos trinta dos oitocentos, Belém estava dividida em duas freguesias ou bairros a da Sé,
iniciada em 1616, e a de Senhora Santa Anna da Campina, estabelecida em 1727. Ele explica que entre a e a
Campina havia um terreno baixo que decorre atravez do largo de Palacio da Praia ao alagadiço Piri”.
BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do Pará. Pará: Typographia de
Santos Menor, 1839. Depositado na Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública
do Estado do Pará “Arthur Vianna”, sessão de obras raras. P. 233. Ver tamm JORGE, Janes. Tietê, o rio que a
cidade perdeu: o Tietê em São Paulo 1890-1940. São Paulo: Alameda, 2006.
218
Sobre a importância do trabalho de engenheiros ligados aos dirigentes do Pará noculo XVIII é importante
ver ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Pp. 251-9.
Já referido.
219
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Miscelânea Histórica: para servir de
explicação ao prospecto da Cidade do Pará 1783-1784. Texto datilografado.
220
ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto:
FAUP, 1998. Pp. 251-9.
115
Figura 12 Plano Geral da Cidade do Pa
221
221
“Plano Geral da Cidade do Pará”. Tirado por Ordem do Ill.mo e Ex.mo Senhor D. Francisco de Souza
Coutinho Governador e Capitão General do Estado do Graõ Pará, e Rio Negro “Explicação”: 1) Santa Sé; 2) S
Anna Parochia; 3) Convento dos Capuchinhos; 4) Convento do Carmo; 5) Convento das Mercês; 6) Santo
Christo novo; 7) Santo Christo velho; 8) Rosario dos Brancos; 9) o João Baptista; 10) Misericordia; 11)
Rosario dos Pretos; 12) Hospicio de S B ventura; 13) Hospicio de S Joseph; 14) Passinho; 15) Cemiterio; 16)
Palacio dos Exmos. Snrs. Governadores do Est.; 17) Colegio ou Palacio Episcopal; 18) Paço do Concelho; 19)
Alojamento da Tropa; 20) Armazem das Armas; 21) Parque d’Artilharia; 22) Armazem da Po velha; 23)
Alojamento da Guarda della; 24) Armazem de mantimentoe e Ribrª; 25) Alfandega; 26) Ribeira da cidade; 27)
Arcenal Real; 28) Ponte da Cidade; 29) Ponte da Alfandega; 30) Praça de Palacio;31) Praça da Sé; 32) Praça do
Carmo; 33) Praça de S João; 34) Praça dos Quarteis; 35) Praça do Pelourinho; 36) Praça das Mercês; 37) Praça
de S Antonio; 38) Acougue; 39) Fabrica de Solla;40) Forca; 41) Casa da Venda da Polvora; 42) Casa da Opera;
43) Igarape da Fabrica; 44) Igarape de S Joseph; 45) Madre d’Agoa Suposta; 46) Cacimbas do Pao d’Agoa;
47) Cloaca da Praca; 48) Vallas do Piri; 49) Pantano ou Piri; 50) Molhe dos PP. de Santana; 51) Molhe
destruída de SBV; 52) Acougue projectado; 53) Fortaleza do Castello; 54) Fortim das Mercês; 55) Reducto de S
Joseph; 56) Recolhimento projectado; 57) Espaços de novo a Ruados (.?.). 58) Hospital Real; 59) Hospital da
Caridade. (grifos meus). Documento original, sob a guarda do Ministério da Defesa/Exército Brasileiro/ Arquivo
Histórico do Exército (AHEx/RJ)/Divisão de História Mapoteca II. Série: norte. Sub-série: Pará. uma
reprodução em REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil Colonial, 1999. O
plano original consta na obra “Viagem Filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira.
116
As obras de exsicaçãodo Piri demandaram vários anos. A esse respeito, creio que
seja interessante lembrar os registros de Spix e Martius, aqui transcritos em páginas
anteriores, acerca do que julgaram ser o único logradouro da cidade”, em decorrência da
drenagem através de valas e da plantação de árvores que aformosearam o local. Para aqueles
visitantes estudiosos, a obra do dirigente nos terrenos do Piri fora de grande valia, pois tornara
a cidade mais salubre e construíra uma bela área, dotada de avenidas com frondosa
vegetação.
222
Tenho procurado reiterar que a concepção de cidade bela expressada pelos estudiosos
que referi, não era exclusiva dos mesmos, contrariamente, era compartilhada por dirigentes e
outros grupos locais, para os quais a expansão da cidade era incompatível com terrenos
encharcados e considerados insalubres. Entretanto, proceder o dessecamento de tantas áreas,
constituiu-se em tarefa para o decorrer do século XIX.
Em mapa de 1823, exposto a seguir e cujo autor foi o engenheiro Hugo de Fournier,
áreas alagadiças correspondentes em parte à localização do Piri, constam ainda do desenho
representativo da cidade. E a respeito disso é importante enfatizar que mesmo nas duas
décadas finais dos oitocentos, mapas referentes à cidade de Belém indicam a “persistência” de
terrenos baixos” e igapós” no interior da mesma.
Não obstante os registros indicarem a longa permanência de terrenos encharcados é
importante assinalar que, ao longo do século XIX, a ideia de “enxugar” a cidade prevaleceu e
marcou várias formas de discursos escritos de dirigentes, inclusive através das posturas,
conforme discuto ao longo da tese, uma vez que o receio das emanações das águas e que a
luta em prol do asseio dos chamados espaços públicos da cidade se consolidava.
A respeito disso, não é demais (re)lembrar que Belém fora fundada e crescera em meio
às águas, a despeito de recomendações diversas concernentes à mudança do local da capital
do Pará e que remontam ao século XVIII.
223
As águas, por sua vez, cobraram custos elevados aos habitantes para permanecerem
instalados na mesma - precisaram conviver com as enchentes que transformavam ruas e
222
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do
Pa. Pará: Typographia de Santos Menor, 1839. Pp. 256-7. Baena também faz referência a tais obras. Afirma
que no Piri, antigo alagado da Juçara, o Conde dos Arcos fez sahir estradas de passeio agradável contornadas
de airosas Mongubeiras (...)”..
223
Ver o estudo de COIMBRA, Osvaldo. A Saga dos primeiros construtores de Belém. Belém: Imprensa Oficial
do Estado, 2002. Pp 42-3. O autor discute “a escolha do sítio inicial”, afirmando que esta logo foi questionada.
Citando Roberto Southey, que por sua vez observou as considerações de Bernardo Pereira de Berredo,
governador do estado do Maranhão e Gram-Pará entre 1718 e 1722, Coimbra registra que o sítio fora mal
escolhido, do ponto de vista da conveniência estratégica militar portuguesa porque sua localização entre
pantanais tornava-o indefensável”.
117
quintais em lagoas”, com a lama que se espraiava por inúmeras ruas da cidade, com os
odores das valas mal esgotadas, com as epidemias que mortificaram inúmeros moradores
durante dezenas de anos nos oitocentos e finalmente com as dores das perdas e o medo.
Figura 13 Carta Topographica da Cidade do Pará –
Destaque meu: algumas áreas alagadiças.
224
224
Originais sob a guarda do Ministério da Defesa/Exército Brasileiro/Arquivo Histórico do Ercito
(AHEx/RJ). De acordo com os registros do AHEx/RJ, esta Carta foi copiada em 1846 pelo Tenente José de
França.
118
E o advento da república, a intensificação das medidas de saneamento e higienização
prosseguiram o enfrentamento com as águas adentrando o século XX. Em meio à
documentação, um relatório de 1891, do dirigente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes,
apresenta considerações interessantes sobre aexecução de um serviço geral de exgottos para
esta capital”.
225
Em relação ao escoamento das “águas dos pântanos e capinzais, por exemplo, consta
uma consideração do representante da “Empreza de Obras Publicas no Brazil”, Manoel
Odorico Nina Ribeiro, segundo o qualsó por atterros ou por um systema especial de
drainagem se poderá conseguir o desseccamento dos pântanos d’esta cidade”. Para tanto
retoma o exemplo holans. Naquele país, o sistema de dessecamento implicou na abertura do
canal de Amsterdam, no mar do Norte.
Entretanto, é importante não esquecer que as relações com as águas foram também
marcadaS por momentos de congraçamento, ou seja, nem sempre as águas eram percebidas
como inimigas, haja vista que a grande maioria dos moradores organizou suas vidas em meio
à convivência com elas. Possivelmente para aqueles que percorreram as ruas molhadas, em
meio à chuva e/ou adentraram os rios, o contato com águas guardassem significados únicos,
talvez por antecederem (re)encontros queridos, celebrações há muito esperadas, uma
resolução aguardada, o descanso de muitos afazeres.
Enfim, o que tento expressar, é a relatividade que acredito haver marcado de modo
profundo e talvez indelével, as relações dos moradores de Belém com as águas, afinal eles
eram iguais e ao mesmo tempo diferentes e a carga de vivências e sentimentos que portavam
consigo, gerou ões e reações ora semelhantes, ora díspares, ante a lida com as águas ao
longo do século XIX, a despeito da construção da civilização em Belém.
2.2. As águas de chuvas e os esgotamentos.
225
“Relatorio com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administrão do
Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em
23 do mesmo mez”. In: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2416/000002.html. Acesso em 3 mai. 2006.
O relatorio de Pinto Guedes expõe uma discordância quanto à proposta de arrematação a execução de um serviço
geral de esgotos para Belém. Em vista disso, consta do referido relatório uma reclamação do representante da
Empreza de Obras Publicas no Brazil”, Manoel Odorico Nina Ribeiro, ao Governo do Estado, sobre a
Directoria das Obras Publicas”. A reclamação foi produzida devido à inserção, pela Diretoria de Obras, de
cláusulas contratuais “o cogitadas no edital de concurrencia”, no parecer relativo às propostas para o serviço
da rede de esgotos de Belém.
119
Quem tiver terreno pantanoso dentro dos limites das Cidades, Villas e suas
immediações, ou nas freguezias e povoados, onde se conservem agoas estagnadas,
será obrigado a aterra-lo, ou a dar esgotamento ás agoas, sendo possível, dentro do
praso, que a Camara ordenar, em conseqüência de exame, que o fiscal tiver feito
com dois peritos, lavrando-se disso auto circunstanciado. (...) será o infractor
condemnado em dez mil réis ou quatro dias de prizão. (...)
226
Diante das determinações constantes do Código de Posturas, nos anos quarenta do
século XIX, a lida com as águas deveria envolver tanto o poder público como cada morador
individualmente na promoção do “enxugamento” da cidade, uma vez que esta se apresentava
regularmente molhada, com períodos de forte umidade em função da abundância de águas,
grande parte das quais provinha das chuvas.
Nesse sentido, para os moradores incomodados com o acúmulo e imobilidade das
águas, estas não poderiam permanecer estagnadas, providências como aterramento e
esgotamento das mesmas constavam do rol de determinações para o que era pensado como
funcionamento correto da cidade em relação à lida com a água. Em outras palavras, as águas
acumuladas e expostas em poças, valas, canais e quintais de moradias, passaram a ser
entendidas como elementos em oposição à cidade que estava em expansão e que deveria
enquadrar-se nos ditames da civilização.
227
Nesse sentido, conforme discuto no capítulo anterior, revelava-se importante para as
autoridades dirigentes locais, por exemplo, estimular a emergência de uma sensibilidade
relacionada às águas visíveis na cidade. Tal sensibilidade seria marcada pela reação negativa
dos sentidos diante dos empoçamentos e dos odores fétidos emanados.
Em resumo, aquelas seriam as águas más, que não deveriam ser toleradas pelos
moradores da cidade, os quais por sua vez, precisariam acreditar no processo de civilização da
mesma. Desse modo, o percurso das águas pelos lugares de Belém deveria ocorrer de maneira
oculta, ou seja, tanto o fornecimento de água potável aos moradores, quanto o esgotamento
das águas servidas e pluviais, deveriam funcionar longe do alcance da visão e do olfato, por
intermédio de rede(s) de esgoto e de canalização relativa ao abastecimento de água potável até
às moradias.
228
226
Belém. “Código de Posturas Municipaes” (1848). Capítulo 3º - Dos pântanos, agoas infectas, limpezas de
terrenos, ruas &, empachamentos em geral”. In: Collecção das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo X.. Parte
I. Depositado Depositado Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado
do Pará “Arthur Vianna”, sessão de obras raras.
227
Sobre contradições envolvendo selva e cidade ver LÉON, Claudia Leal. Um puerto em la selva. Naturaleza y
raza em la creación de la ciudad de Tumaco, 1860-1940. In: Historia Crítica 30, Bogotá, julio-deciembre:
2005.
228
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo: ensaio sobre as noções de poluição e tabu. Lisboa: Edições 70, LTDA.
1991. (perspectivas do homem)
120
Às Câmaras Municipais era determinado como uma das funções das mesmas o
esgotamento de pântanos e prover acerca da estagnação de águas infectas”. Tal
determinão estava prevista, registrou o “Diario de Belém” de 30/08/1868, desde os anos
vinte do século XIX, através da lei de 1 de outubro de 1828.
229
art. 66. Terão a seu cargo tudo quanto diz respeito á policia, e economia das
povoações, e seus termos, pelo que tomarão deliberações, e proverão por suas
posturas sobre os objetos seguintes:
§ Alinhamento, limpeza, illuminação, e desempachamento das ruas,
cáes e praças, conservação e reparos de muralhas feitas para segurança dos edifícios,
e prisões públicas, calçadas, pontes, fontes, aqueductos, chafarizes, poços, tanques, e
quaes quer outras construcções em beneficio commum dos habitantes,ou para
decoro e ornamento das povoações.
§ Sobre o estabelecimento de cemitérios fóra do recinto dos templos,
conferindo a esse fim com a principal autoridade ecclesiastica do lugar; sobre o
esgotamento dentanos, e qualquer estagnação de águas infectas; sobre a
economia e asseio dos curraes, e matadouros públicos, sobre a collocação de
cortumes, sobre os depósitos de immundices, e quanto possa alterar, e corromper a
salubridade da atmosfera.
230
(grifos meus)
Ou seja, era necessário submeter as águas a determinadas normas, legislar sobre elas,
de tal modo que aos moradores da cidade ficasse esclarecida a necessidade de lidar com as
águas mediante recomendações e leis construídas e estabelecidas a partir de saberes
reconhecidos como válidos.
Não obstante o empenho dos dirigentes em promover mudanças nos modos de lidar
com as águas pantanosas e estagnadas, a própria construção da legislação indica os embates
entre poderes constituídos e habitantes que por motivações diversas, construíram suas
vivências na cidade em meio às águas consideradas impprias à saúde e sobrevivência
humanas.
Certamente, para grande parte constitutiva dos moradores, a convivência com os
pântanos e águas empoçadas não guardava o mesmo significado que para outra parcela
integrante da população da cidade. Afinal, seriam idênticos os modos de pensar, a aparência
e/ou o embelezamento dos espaços da cidade? Quantos estariam preocupados com a
estagnação das águas? Ou ainda com a proximidade dos pântanos, bem como a relação dos
mesmos com as febres, epidemias e mortes ocorridas em Belém? Penso que tais queses são
em parte respondidas através da insistência da elaboração de dispositivos legais, uma vez que
229
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem Jornal: “Diario de Belém, anno I, nº 22, de 30/08/1868. P. 01.
230
Brasil. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Jurada a 25 de março de 1824. LEI -
DE DE OUTUBRO DE 1828 - Dá nova forma às Câmaras Municipaes, marca suas attribuições, e o processo
para sua eleição, e dos Juizes de Paz. Título III - Posturas Policiaes. Disponivel em
http://www.brasilimperial.org.br/c24a73.htm. Acesso em 12 dez 2009.
121
esses denotam justamente a indiferença e/ou a desconfiança e até mesmo o descrédito de
muitos habitantes em relação aos ditos perigos atribuídos às águas paradas.
231
No que concerne a essa discussão é importante focalizar o Código de Posturas de
1880, no qual o capítulo cinco refere-se justamente ao esgotamento de pântanos. Do artigo
quarenta ao quarenta e dois, foi estabelecido que os proprietários de terrenos pantanosos ou
alagados deveriam esgotá-los em um prazo máximo de um ano a contar da data de publicação
da lei.
232
As águas pluviais acumuladas nos quintais também deveriam ser esgotadas, desta feita
para a rua através de canos ou valas cobertas, tal cobertura poderia ser providenciada em
madeira. Desse modo, ficava proibido obstaculizar o curso natural das águas pluviais dos
quintais de casas visinhas”, como também tapar ou entulhar os esgotos e valas publicas ou
edificar sobre elas”.
Seguramente, para muitos moradores, ões de jogar nos quintais, ou mesmo nas ruas
e praças, os restos de alimentos, assim como objetos tidos como imprestáveis, estavam
naturalizadas longo tempo. A respeito disso, ressalto que os habitantes de Belém não eram
os únicos a assim proceder. Estudos acerca do Rio de Janeiro, por exemplo, mostram que tais
práticas eram observadas na cidade ao longo de séculos.
233
Convém lembrar que as cozinhas das moradias eram construídas nos quintais, ou nos
“fundos” das casas. Muitas delas conservavam aspecto marcado pela lida diária na preparão
de alimentos que requeriam matança de animais, descasque de frutas e legumes, trato de
carnes, entre outras ações, nas quais o uso da água era quase sempre uma certeza. Não
raramente, os restos emanados das atividades culinárias, inclusive as águas coletadas para
esse fim, eram lançados nos terreiros ou quintais propriamente ditos, formando o entulho, a
lama e corroborando para o acúmulo de águas nos quintais de várias moradias.
E conforme indiquei, tais atitudes não ficavam restritas aos terreiros, ou seja, para
muitos moradores, cujas casas de morada não dispunham de quintais, o ato de lançar restos,
ou o indesejável às ruas, poderia funcionar como uma apropriação dos chamados espaços
231
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. O corpo na cidade das águas: o Paulo (1840-1910). In: Projeto
História 25 – Corpo e Cultura. São Paulo: PUC-SP/EDUC. Dezembro/02.
232
Belém. APEP. “digo de Posturas para a mara Municipal de Bem”. In: Colleção das Leis da Província
do Gram Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Typographia do Diario de Noticias. 1880-1881.
233
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Alguns aspectos da questão sanitária das cidades de
Portugal e suas colônias: dos saberes olfativos medievais à emergência de uma ciência da
salubridade iluminista. In: Topoi, v. 6, jan.-jun. 2005, PP. 99-142.
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi%2010/topoi10a4.pdf.. Acesso em 06 fev. 2010. Ver
ainda ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana
colonial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. Pp. 44 a 60 (“a sujeira como hábito”).
122
públicos, como extensão do doméstico, relativizando, portanto, a relação dos moradores com
os logradouros da cidade.
234
Em outras palavras, o ato de lançar para além dos umbrais de portas e janelas, as
chamadas imundíciesproduzidas nos interiores domésticos, nem sempre significaria uma
relação de desprezo para com a cidade e respectivos espaços, mas o estabelecimento de elos
que no mínimo aproximavam os espaços da moradia com os da rua. Nesse sentido, ruas e
praças, largos, travessas e estradas, constituíam prolongamentos da moradia, tal como
terreiros ou quintais.
Para os legisladores, contudo, as águas já desenvolviam um percurso natural que
deveria ser observado, ou ainda considerado pelos moradores, mas que nem sempre o era. Da
mesma forma, havia aqueles que preferiam entulhar valas e esgotos, motivados por questões
diversas, como discuti em algumas linhas atrás, inclusive a de edificar, conforme indica a
legislação. Ou seja, tudo leva a crer que a lei refletia a persistência de ações transgressoras ao
longo de décadas, indicando que no processo da lida com as águas perpassavam inúmeras
tensões.
Não raramente, os jornais apresentavam textos de reclamações acerca do acúmulo de
lama em várias vias da cidade, sobretudo no período de maior incidência de chuvas. Estas,
convém não esquecer, eram consideradas verdadeiras características do clima da cidade, o que
tornava ainda mais grave a indiferença demonstrada por alguns dirigentes, ante os
alagamentos observados na cidade e respectivos arredores, assim como a ausência de medidas
para escoamento dos pântanos. Sobre estes, no jornal de 30 de agosto de 1868, os redatores do
“Diario de Belém escreveram Que diremos quanto ao esgotamento de pântanos, e
estagnação de agoas infectas? Que a nossa ilustríssima tem com isso se importado tanto,
como com todo o mais.”
235
Numa clara oposição à “municipalidade”, os redatores dedicaram
várias linhas aos comentários acerca dos
ntanos que circundam a cidade, e são focos de molestias, especialmente das febres
intermitentes que, na mudança da estações sobretudo, nôs accommettem, com
quanto podessem ser melhorados por meio de sargetas, que dessem esgoto ás suas
agoas.
236
234
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Alguns aspectos da questão sanitária das cidades de
Portugal e suas colônias: dos saberes olfativos medievais à emergência de uma ciência da
salubridade iluminista. In: Topoi, v. 6, jan.-jun. 2005, PP. 99-142.
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi%2010/topoi10a4.pdf.. Acesso em 06 fev. 2010.
235
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém, anno I, nº 22, de 30/08/1868 - P. 01.
236
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém, anno I, nº 22, de 30/08/1868 - P. 01.
123
Além de proceder a crítica aos dirigentes da cidade, os redatores indicam o método de
escoamento que poderia ser empregado, o qual era muito recorrente - o escoamento através de
valas, ou sarjetas. Em algumas linhas anteriores, referi que para o escoamento das águas
acumuladas em quintais, era estabelecido por lei, que os moradores providenciassem o
esgotamento das mesmas por intermédio de valas ou canos. E também, ao discutir a questão
do dessecamento do alagado Piri, levado a efeito em princípios do século XIX, fiz referência
ao emprego dessa forma de esgotamento de águas. Não é demais reiterar aqui que o princípio
permanecia o do movimento, ou seja, era preciso mover as águas, de modo permanente se
possível, negando-lhe o descanso, entendido como estagnação e comprometimento da saúde
da cidade.
Nesse sentido, as palavras expostas nas mensagens e discursos de dirigentes, bem
como em textos jornalísticos, refletiam a preocupação e/ou envolvimento constante com o
asseio da cidade de Belém, esse aliás, tinha ares de desejo dificilmente concretizado a
contento, considerando-se os registros de insatisfações no decorrer dos oitocentos.
As inquietações que associavam o asseio e o acúmulo de águas eram reforçadas
mediante a questão do clima predominante ao longo dos meses do ano, posto que, a
concepção de asseio estava relacionada com a ideia de escoamento e ocultação de águas sujas
e/ou servidas sempre que possível, por intermédio da abertura de valas e sarjetas, cobertas ou
não, e do uso de canalização.
A respeito da questão climática, Antonio Ladisláo Baena registrou em seu Ensaio
Corografico..., concluído em 1832, que no Pará não havia differença de clima, mas sim
differença de tempo na produção dos frutos. Que as chuvas mais assíduas principião
regularmente em Dezembro ou Janeiro, e durão até julho.” Afirma também que a temperatura
é quase sempre agradável durante as noites, assim como pela manhã, mais ou menos aas
oito horas. Com o avançar das horas, a temperatura sofre variações, advindo inclusive o forte
calor, nos horários de maior vibração do sol.
237
A excelência do clima também foi anotada por Alfred Russel Wallace. Segundo ele a
temperatura oscilava entre vinte e três e trinta graus durante o dia, sendo que as temperaturas
mais amenas ocorriam durante as noites e início das manhãs e as mais elevadas, ao final das
237
BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre A Provincia do Pará. . Pp. 19-20.
124
manhãs e durante as tardes, mas que a incidência de “boas chuvas” vespertinas amenizavam o
clima, quase sempre acalorado.
238
De modo interessante, Bates também refere as chuvas da tarde, registrando que norte-
americanos residentes no Pará afirmavam que o calor não chegava a ser tão forte quanto em
outros climas tropicais. Que Nova York e Filadélfia no verão chegavam a ser mais quentes
até. Que muitos moradores, inclusive ingleses pareciam viver saudavelmente e mesmo os
habitantes que viviam nas proximidades de terrenos pantanosos, não apresentavam problemas
de saúde. Para Bates, até o ano de 1848, o Pará apresentou notável salubridade e essa somente
ficou comprometida a partir de então, com a incidência de várias epidemias. Para o naturalista
fora muito instrutivo constatar a ausência de risco na exposição aos ares noturnos, bem como
em morar nas proximidades das águas dos pântanos.
(...) Ficamos agradavelmente surpreendidos ao verificarmos que não havia risco em
ficar a pessoa exposta ao ar da noite, nem em morar em terrenos pantanosos. Alguns
ingleses, estabelecidos ali fazia vinte ou trinta anos, pareciam tão corados e
saudáveis como se nunca tivessem deixado sua terra natal. As mulheres nativas
pareciam também conservar sua boa aparência e robustez mesmo quando haviam
deixado de ser jovens. (...)
239
Destaco ainda que para muitos moradores, as boas chuvas eram aquelas que traziam o
alívio nas horas de calor numa cidade de clima acalorado. Tais sentimentos não eram,
contudo, constantes e gerais, e embora houvesse frequência regular das chuvas em Belém, ao
ponto de serem até aguardadas diariamente pelos habitantes em determinados horários, não
raramente o vespertino, o convívio com elas podia revelar-se desconfortável e angustiante. É
o que relata, por exemplo, Alfredo Ladislau, através da personagem Julinha, em conto
intitulado “Commentarios”.
Aborrecida com as indiscrições propagadas acerca de sua vida amorosa e sobre as
quais soubera em uma visita que havia realizado, Julinha estava “na imminencia dum dos seus
costumados ataques hystericos!”. Indignada, ela retornara para casa em um bonde, no qual
fizera “péssima viagem, pois além da chuva, ainda precisara passar calor no interior do
veículo fechado e aturar inconveniências de passageiros “incivis”.
O vehículo seguia moroso, parando aqui, dando o prego ali, como que achando
pouco as horas que levou para chegar ao largo de Palacio. Fóra, a chuva cahia
238
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro.. Pp. 24. Relembro que a viagem de
Wallace e Bates ocorreu nos anos quarenta.
239
BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1979. Pp. 22-3.
125
torrencialmente, estalando no calçamento, fustigando o dorso da gorda parelha, que
de orelhas murchas corpo fumaçando seguia no passo ligeiro e desenfreado do
jaboty. Dentro do carro (...) o calor asphixiava, maugrado a carga ´agua que se
despencava das nuvens! Pelas sanefas arreadas a água corria até os bancos, e do
toldo, grossos pingos desprendiam-se daqui e dali.
240
Muito provavelmente, no interior daquele mesmo bonde que transportava Julinha,
houvesse passageiros imersos em sentimentos diferentes dos que eram nutridos pela jovem. É
possível que, através de Julinha, Ladislau revele impressões sobre o que seria andar de bonde
em Belém naqueles tempos – entre os séculos XIX e XX -, inclusive em momentos de chuva.
Ou seja, através da personagem, o autor destaca os sentimentos de desconforto ante o calor
intenso no interior do veículo fechado e também a necessidade de dividir o espaço do mesmo
com passageiros alheios aos chamados bons modos, pensados como necessários à civilização.
Considero importante rever que as chuvas poderiam ser pensadas como boas mediante
o papel utilitário de impedir a estagnação das águas nas ruas, ou seja, que propiciava a
movimentação das águas paradas, escoando-as de tal modo que evitavam a formação de
verdadeiras lagoas nas vias, largos e praças da cidade e que poderiam favorecer a
(re)incidência de doenças. As palavras registradas em jornais fizeram refencia a essa
questão, considerada um grave problema para os moradores da cidade.
Na “Provincia do Pará” de 19 de abril de 1876, os redatores propuseram-se a chamar a
atenção de autoridades e leitores em geral, para os perigos da febre amarela, doença que
naquele momento afligia os moradores do Rio de Janeiro e que poderia atingir também a
cidade de Belém.
O verão ahi vem pressuroso, e, se não houver sérias providencias entre nós, qual a
sorte que nos aguardara?
(...) além de vivermos aqui cercados de terrenos pantanosos, grande parte das ruas da
capital apresentam o triste aspecto, para uma cidade que tanto dinheiro consome em
foguetes, de um sem numero de lagoas formadas pelas agoas pluviais que dentro em
breve ficarão estagnadas por falta de chuvas que renovem as mesmas agoas,
tornando assim essas lagoas verdadeiros focos de mephiticas exhalações
miasmaticas. (...)
241
A renovação das águas pluviais conectava-se à ideia de movimento, discutida através
da perspectiva organicista referida por Alain Corbin e mencionada nesta tese desde o capítulo
anterior. Ao se precipitarem, as águas das chuvas escorriam pelos chãos” da cidade,
240
LADISLAU, Alfredo. Scenas da vida paraense: ligeiros contos. Belém: Typographia da Imprensa Official,
1904. Pp. 17-9.
241
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR.. Biblioteca blica do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem.. Jornal: “A Provincia do Para”, anno I , 18, 19/04/1876. P.02. Sobre a
questão das epidemias e cidades ver BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época
de Filipe II. V. I.. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltdª. 1979. Pp.370-95.
126
agitavam as águas acumuladas em poças, favorecendo em maior ou menor intensidade o
escoamento do líquido em questão. Mas essa renovação de águas ocorreria a contento
durante os meses de maior precipitação, que seria o período entre dezembro e julho,
aproximadamente. Justamente por essa razão, as palavras do jornal alertavam para omal que
se avesinha(va)”, ou seja, a chegada do verão local, quando as chuvas eram menos
recorrentes.
242
O tom apelativo dos redatores guardava relação com algumas questões importantes
para a cidade de Belém. Nos anos setenta dos oitocentos, conforme expus, a economia
gumífera encontrava-se aquecida, a cidade mais populosa, epidemias continuavam a se abater
sobre os moradores e a causar temores em muitos também, inclusive porque Belém não era a
única cidade sob aquela ameaça e as notícias sobre as doenças em outras localidades
circulavam com regularidade nos jornais. Diante disso, as preocupações com a limpeza de
ruas e prédios em geral eram temas cada vez mais frequentes em jornais e manifestações de
dirigentes. No mesmo texto pouco citado, os redatores escreveram que imperava um
abandono de limpeza” na cidade e responsabilizava o presidente provincial pela “indiferença
para com o problema do escoamento das águas, bem como com a obstrução de valas.
243
Em texto publicado em 1868, redatores do “Diario de Belém” reportaram-se às leis
dos anos vinte, referentes às funções da Câmara Municipal, para reclamar da indiferença dos
governantes com relação às praças, as quais, segundo eles, estavam convertidas empântanos
e deposito de águas infectas durante o inverno”, especialmente aquelas cujo terreno irregular
dificultava o escoamento das águas pluviais, como por exemplo, a praça do Bagé, na qual
fazia-se necessário andar sobre tábuas.
244
242
Ao tratar das estratégias da desodorização, Corbin discute a ascensão das preocupações higienistas no final
do século XVIII, o esforço pela permanência de estratégias sanitárias”. Com relação à lida com a água Corbin
adverte para a ambiguidade do uso da mesma – “limpar significa não tanto lavar, mas antes drenar; o essencial
é assegurar o escoamento, a evacuação da imundície”. Afirma também que desde a descoberta de Harvey, o
modelo da circulação sanguinea induz numa perspectiva organicista, o imperativo do movimento do ar, da
água, dos produtos. O contrário do insalubre é o movimento. (...)”. CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato
e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. P. 122.
243
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Para”, anno I, nº 18, de 19/04/1876. P.02.
Sobre epidemias em Belém no período indicado ver na Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR.
Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”, sessão de obras raras. VIANNA, Arthur. As Epidemias
no Pa. Pará: Imprensa do “Diário Official”, 1906. E também RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém:
Cidade Miasmática. (1878 – 1900). Dissertação (mestrado). São Paulo: PUC/SP, 1997.
244
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém, anno I, nº 22, de 30/08/1868. P. 01.
A praça do Bagé foi depois denominada Carneiro da Rocha, como se conserva até hoje. Ver CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 115.
127
Nos anos oitenta, os jornais locais persistiram com as reclamações acerca de
problemas relacionados às chuvas. O “Diario do Gram-Pará” de 9 de março de 1886 publicou
num breve texto sob o título de intransitavel que, com as chuvas que tem havido nestes
ultimos dias, está intransitável a travessa de S. Matheus, entre a rua Nova de Sant’Anna e o
Largo Saldanha Marinho”. Os redatores acusam o poder público afirmando que caberia à
mara Municipal tornar a referida rua transitável”, uma vez que tanto transeuntes quanto
moradores da mesma, pagavam para obter “conservação e asseio da cidade”.
245
Em 26 de janeiro de 1887, o “Diario de Noticias”, através de um texto intituladouma
grande necessidade”, queixava-se do lamaçal que se formara no caminho situado entre a
travessa dos Mirandas e o Theatro da Paz. De acordo com a escrita dos redatores a situação
ficava mais difícil para aqueles que iam aos espetáculos mas não dispunham de recursos para
custear os carros de passeio, em vista do que, quando chovia, viam-se obrigados a “patinaro
lençol de lama que se formava, acarretando prejuízos para a saúde.
246
Nesse caso o clamor dos redatores conectava-se com a ideia de construção do
calçamento público, o qual, desde que submetido às regras de edificação, como por exemplo,
o estudo de nivelamento do terreno, somaria positivamente para o processo de escoamento
das águas trazidas pelas chuvas.
O calçamento era importante porque nem sempre o escoamento isoladamente era
suficiente para conter o processo de formação da lama, o que comprometia, na visão dos
reclamantes, a beleza e/ou elegância da área na qual estava situado o Theatro da Paz,
frequentado pelas elites locais, proclamado como um orgulho para os moradores da cidade e
representado desde os anos sessenta dos oitocentos pela produção de desenhistas, pintores e
fotógrafos, conforme refletem as imagens que exponho a seguir. Em outras palavras, a lama
era incompatível com a grandiosidade do prédio, bem como com a presença de moradores
ilustres que afluíam ao teatro.
247
245
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Para”, anno 35, nº 54, de 09/03/1886. P.2.
A travessa de São Matheus depois passou a ser denominada travessa Padre Eutiquio. A rua Nova de Sant’Anna
foi depois denominada rua Senador Manuel Barata. O Largo Saldanha Marinho hoje é chamado Praça da
Bandeira. Ver CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP,
1992. Pp. 63, 37 e 103, respectivamente.
246
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Notícias”, de 03/11/1885. P.2.
A travessa dos Mirandas depois passou a ser chamada avenida 15 de Agosto e finalmente avenida Presidente
Vargas. Ver CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992.
P. 79.
247
SOUZA, Roseane Silveira de. Histórias invisíveis do Teatro da Paz: da construção à primeira reforma.
Belém do Grão-Pará (1869-1890). Dissertação (mestrado). São Paulo: PUC/SP, 2009.
128
Figura 14 “Theatro N.S. da Paz”
248
Figura 15 “Theatro da Paz”
249
248
A imagem que apresento é um dos desenhos que integra a obra “Panorama do Pará em Doze Vistas
Desenhadas por J. Léon Righini”, digitalizada por Lucia Mindlin Loeb. A versão digitalizada foi cedida ao
CMA/UFPA e encontra-se disponibilizada no site www.ufpa.br/cma. Acesso em 14 set. 2009, às 11:58 hs.
249
A imagem (fotografia) reproduz um dos cartões postais constantes da obra Belém da Saudade: A Memória
da Belém do Início do Século em Cartões-Postais”. Belém: Secult, 1996. P. 168. Na obra em questão encontra-se
registrado que o Teatro foi inaugurado em 1878 e que na foto, a fachada original, com a frontaria avançada,
apoiada em sete colunas que cobria o terrasse.
129
Queixa semelhante foi apresentada nos anos noventa, quando o jornal O Nacional”
exs uma reclamação acerca do calçamento da estrada da Independência. Segundo a palavra
dos redatores, aquela era a avenida por onde transitava quase toda a população de Belém”.
Era ela a avenida por onde passavam o pobre e o rico, até mesmo os que seguem caminho
da ultima morada, posto que através dela se chegava ao cemitério de Santa Isabel.
Segundo o jornal, desde as três horas da manhã os trabalhadores de ofícios diversos
percorriam aquela estrada, o que se estendia até onze horas da noite e que apesar de tal
constatação, o poder público parecia tê-la esquecido, pois quando ocorriam as chuvas a
referida avenida
vive na escoação das águas pluviais, que escorrem da via férrea Urbana subindo
algumas a um palmo e mais acima do solo tornando-se impossível o transito dos
carros de luxo e das carroças d’aqueles que vivem d’ este meio de vida, e, ao mesmo
tempo, privada de ser melhor edificada (...).
250
Nos textos acima, as chuvas estão associadas aos problemas de trânsito de pessoas e
veículos e embelezamento de logradouros considerados importantes em Belém. Essa
importância fundamentava-se em valores consagrados em muitas cidades do ocidente,
sobretudo as que se pensavam como exemplo de consolidação de modelo civilizado de vida:
as avenidas amplas e bem caadas, algumas ornadas com arborização frondosa e guardando
certa simetria, as praças também ornadas com vegetais selecionados mediante critérios
específicos, enfim.
De acordo com os redatores, tanto o pobrequanto o rico, moradores de Belém,
sofriam as consequências do descaso do poder público que não encaminhava as reformas
necessárias em largos e avenidas que, uma vez calçados, tornariam a cidade mais enxuta,
limpa e, por conseguinte, bela. Logo, o textos que apontam para a necessidade dos
dirigentes locais lidarem com uma “característica” climática local a incidência das chuvas.
Inúmeros jornais circulantes em Belém no culo XIX apresentam comentários
insistentes em relação à abundância de chuvas e consequentes alagamentos. E muito
raramente não é apresentada uma conexão com os problemas de saúde dos moradores da
cidade, acometidos de doenças cujas causas estariam nas emanações pútridas de várias águas.
Em outras palavras, a cidade era atingida pelas chuvas frequentes e não dispunha de um
250
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “O Nacional”, anno II, nº 11, 07/11/1897. Pp. 2-3.
130
sistema eficiente de esgotamento das águas, daí os empachamentos, as águas tridas, o
predomínio da imundície e das doenças.
Além dos jornais, houve moradores que expressaram suas insatisfações e desejos
através de abaixo-assinados, tais como alguns moradores da estrada de São José, em 17 de
agosto de 1882.
Os abaixo assignados moradores a estrada de S. José, no intuito de lograrem os
mesmos benefícios e vantagens, que estão logrando os moradores dos arredores do
Palacete Provincial e das ruas Formoza, do Espírito Santo, no tocante ao calçamento
pelo (.?.) dos parallelipipedos, vêm respeitosamente pedir a [V. Excª] se digne
mandar que o calçamento da referida estrada, apenas começado, seja prolongado até
a extremidade oriental da travessa d’Atalaya.
Os motivos, que levão os supplicantes a se dirigirem à [V. Exª] neste sentido, são os
seguintes: na estação invernosa essa estrada, que é uma das mais frequentadas, das
mais bellas e pittorescas da capital, torna-se quase intrasintavel pela quantidade de
lama e de poças d’água, que n’ella se encontrão, como é fácil de verificar-se no
verão pra tanta poeria, que impede as famílias de chegarem as janellas e aos
transemtes(.?.) de (.?.) o fato limpo e aceiado. (...)”.
251
Ou seja, o uso dos paralelepípedos era considerado ideal pelos moradores da São José,
considerando os “benefícios e vantagens” obtidos com aquele tipo de calçamento tanto no
período de maior incidência das chuvas, quanto no verão, quando a poeira tornava-se intensa.
Na argumentação, os moradores elencaram motivações afinadas com o discurso de dirigentes,
autoridades médicas, redatores de jornais, entre outros, tais como a alta frequência daquela
estrada, a beleza da mesma, a formação de poças d’água e lama durante o inverno, além da
poeira no verão. Ou seja, para os moradores que reivindicavam o calçamento, a poeira e a
lama eram percebidas com inquietação, pois causavam desconfortos, tais como a sujeira dos
fatos e dos corpos.
252
É fundamental lembrar também que em tempos de república proclamada e
considerando os discursos de progresso e civilização acoplados a ela, alterações relativas aos
espaços da cidade eram apresentadas através da palavra escrita de dirigentes, assim como em
jornais afinados àqueles ideais.
A respeito disso, retomo o relatório de 1891, de Duarte Huet de Bacellar Pinto
Guedes. O leitor talvez recorde que este dirigente estadual transcreveu a reclamação de
Manoel Odorico Nina Ribeiro com relação à inserção de cláusulas contratuais “não cogitadas
251
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. Caixa 6. Ano: 1882.
A estrada de S. José foi denominada posteriormente avenida 16 de Novembro. A rua Formoza, de rua 13 de
Maio e a rua do Espirito Santo, avenida Assis de Vasconcelos. A rua do Atalaya, rua Joaquim Távora. Ver
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp 79, 32 e
33, respectivamente.
252
O fato era um tipo de roupa masculina, considerada de melhor apresentão, de uso domingueiro.
131
no edital de concurrencia”, por parte da Diretoria de Obras Públicas, no parecer referente às
propostas para execução da rede completa de esgotos de Belém.
Uma das cláusulas inseridas estabelecia augmentar os typos dos canos de esgoito, de
modo a servirem tanto para as aguas e materias dos predios e pateos, como para as pluviaes
das praças e ruas, construindo bocas de lobo nas esquinas com fechaduras hydraulicas”.
253
(grifos meus)
Este seria o sistema tout à l’egout”, escreveu Nina Ribeiro, no qual a declividade
das galerias deveriam ser as maiores possíveis para produzirem correntes fortes capazes de
arrastarem pedras, areias, detritos de toda espécie (...). o sistema preferido na proposta
do Banco Emissor era o “radical”, de conformidade com o qual
a canalizão seria destinada apenas ao escoamento das matérias do despejo e águas
servidas dos prédios urbanos, bazea-se no uso methodico dos declives mínimos,
necessários ao escoamento dos liquidos, de modo a garantirem pela velocidade que
imprimem na onda do esgoto, a impossibilidade de realisar-se a putrefação d’essas
matérias entre o ponto do despejo e os tanques de purificação e filtragem.
254
Nesse sistema a canalização usada deveria apresentar a forma oval e as curvas
fechadas, diferente do primeiramente descrito, ou tout a l’egout”, cuja canalização deveria
apresentar formato circular, ou curvas amplamente abertas. Para Nina Ribeiro, considerando a
topografia (superfície quase plana) da cidade de Belém e o fato de que a mesma situava-se em
nível pouco acima do rio que a banhava, reforçava a opção pelo sistema radical. Além destes,
outros dois argumentos deviam ser considerados, alertava Nina Ribeiro: o sistema radical
mostrava-se eficiente higienicamente e mais ecomico para a cidade.
255
A despeito dos discursos voltados para a necessidade da execução da rede de esgotos,
em mensagem de 1894, o governador Lauro Sodré reportava-se à necessidade que tinha a
cidade de Belém de uma rede completa de canalisação de exgottos, sendo, como é, por
demais imperfeito e deficiente o que n’esse gênero possuímos, sem regra e sem systema.O
governador salientou ainda que para a boa higiene da capital, seria importante um plano
253
“Relatorio com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administrão do
Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em
23 do mesmo mez”. Disponivel em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2416/000002.html. Acesso em 3 mai. 2006.
254
“Relatorio com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administrão do
Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em
23 do mesmo mez”. In: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2416/000002.html. Acesso em 3 mai. 2006. A expressão
tout a l’egout” significa “tudo ao esgoto”.
255
“Relatorio com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administrão do
Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em
23 do mesmo mez”. referido. In: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2416/000002.html. Acesso em 3 mai. 2006.
132
referente não aos esgotos de matérias fecais e de águas, como também ao dessecamento de
pântanos existentes por longo tempo na mesma. Entendia, contudo, que fosse uma atribuição
municipal, uma responsabilidade da Intenncia portanto, e que caberia ao Estado o auxílio na
efetivação da obra.
256
Em outras palavras, nos anos oitenta e noventa, bem como na primeira década do
século XX, Belém ainda convivia com a valorização da borracha no mercado externo, e
também com o aumento da imigração de “nordestinos” que buscavam trabalho nos seringais.
Estudos diversos sobre a cidade de Belém mostram que mesma tornou-se mais populosa e
politicamente houve promessas de melhorias que o império não conseguira efetivar.
257
Não obstante as expectativas de mudanças com o advento da república, as ditas
melhorias, sempre recorrentes nos discursos de dirigentes e textos jornalísticos, não foram tão
rapidamente encaminhadas, assim como ficaram restritas a determinados espaços da capital,
causando inquietações aos moradores sensibilizados pelo controle das águas.
258
Em relação aos habitantes, reitero que os mesmos apresentavam grande diversidade e
que, de modos diferenciados, conviveram com as questões relativas às águas. E embora a
pesquisa imponha limites, é possível localizar as queixas e insatisfações de alguns - como os
comerciantes da travessa Sete de Setembro - em relação ao controle das águas na cidade,
conforme exponho mais adiante.
256
Mensagem dirigida pelo Sr. Governador Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará em 7 de abril de
1894”. Disponivel em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2420/000002.html. Acesso em 3 ago. 2006.
257
Em quadro demonstrativo sobre os habitantes da capital do Pará, Cristina Cancela apresenta um
demonstrativo do crescimento populacional entre os anos de 1801 e 1920. Em 1801, a cidade somava 12.500
habitantes. Em 1868, 30.000. No ano de 1872 havia 61.997. Em 1884, 70.000. Em 1890, 50.064. Em 1896,
90.119. Em 1900, 96.560 e em 1920, 236.402. Sobre o crescimento populacional entre 1801 e 1868, a autora
afirma Neste período, a economia da borracha ascendera, e a renda da província, advinda das taxas de
exportações, crescera mais de 100% entre os anos de 1852 e 1865.” Adverte que “(...) para além das possíveis
falhas e divergências na documentação, durante a economia da borracha, a população de Belém ascendeu
intensamente.” E destaca que entre as décadas de 1870 e 1920, cerca de 20% a 25% da população do estado
do Pará vivia em sua capital.” CANCELA, Cristina Donza. Casamento e relações familiares na economia da
borracha (Belém 1870-1920). Tese (doutorado). FFLCH/USP, 2006. Ver também WEINSTEIN, Bárbara. A
Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC:EDUSP, 1993. E
BURLAMAQUI, Ruth. Transformações demográficas numa economia extrativa: Pará (1872-1920).
Dissertação (mestrado) Programa de Pós-Graduação em Historia da Universidade Federal do Paraná. Curitiba,
1998 (citada por Cancela).
258
Conforme revelam estudos acerca da Belém daqueles tempos e as palavras escritas de dirigentes como
Antonio Lemos, intendente municipal entre os anos de 1897 e 1912, e o governador Augusto Montenegro (1901-
9), que buscaram investir em medidas administrativas pautadas em ideias higienistas, acreditando que o processo
de civilização da cidade passaria necessariamente por estas. Ambos conviveram com problemas infraestruturais
de longa data, inclusive a questão da deficiência no abastecimento de água potável, no sistema de esgotamento e
na iluminação pública, as recidivas de alagamentos ocorridos em função das fortes chuvas, a obstrução de valas,
docas e canais, entre outros. Sobre a cidade de Belém na virada do século XIX para o XX, a questão da
urbanização, migração, higienização, inclusive acerca das fortes chuvas e alagamento da cidade em abril de 1910
ver LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese
(doutorado). FFLCH/USP, 2006. E SARGES. Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-
1912). Belém: Paka-Tatu, 2000.
133
2.3. Valas e canos de esgoto.
Os abaixo assignados commerciantes estabelecidos a travessa Sete de Setembro,
entre a rua dos Mercadores e Formoza, vem respeitosamente chamar a attenção de
V. Exª para o estado deplorável e immundo em que se acha aquella travessa, por
falta de calçamento e muito especialmente de um cano de esgoto que sahida as
águas pluviaes e as do serviço domestico dos quintaes das ditas cazas; pois, sendo o
leito da rua superior ao vel dos assoalhos ficam as águas depositadas debaixo dos
mesmos, cauzando assim aos [Suppes] graves prejuízos em mercadorias,
diterioramento nos predios, e muito principalmente para a boa higiene”.
259
Encaminhado nos anos oitenta dos oitocentos, o pedido acima remete para a questão
basilar desse estudo: o viver numa cidade percorrida pelas águas de rios e igarapés, úmida,
repleta de terrenos baixos, detentora de elevado índice pluviométrico e não raramente exposta
às enchentes causadas pelas chuvas. Naqueles momentos, várias ruas transformavam-se em
rios, cujos leitos eram constituídos de lama. Para os moradores descontentes com aquele
estado de coisas, como os comerciantes urgia o empenho dos dirigentes no sentido de fazer
esgotar as águas, facilitando a vida daqueles que nela viviam.
Considero importante ressaltar, no entanto, que a solicitação partiu de um grupo de
comerciantes de uma determinada rua da cidade, ou seja, é possível que outros comerciantes
convivessem com águas empoçadas, sem manifestar inquietação ante as mesmas perante as
autoridades dirigentes. Na pesquisa que realizei encontrei raros documentos expressando
insatisfação dessa ordem.
A planta a seguir, constante dos escritos do Barão do Rio Branco e do engenheiro
Palma Muniz, traçada nos anos oitenta do século XIX, de certo modo vai ao encontro da
polêmica instalada na imprensa do período, por exemplo, com relação ao embate entre
moradores de Belém e as águas, considerando a incidência de terrenos baixos contidos em
Belém, os quais ficavam mais expostos ao avanço das águas e, portanto, requeriam a
intervenção das autoridades dirigentes e demais moradores no sentido de esgotar as águas
acumuladas.
259
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. Caixa 6. Ano: 1881. A
travessa Sete de Setembro conserva essa denominação e antes foi chamada travessa do Pelourinho. A rua dos
Mercadores, depois foi denominada rua Conselheiro João Alfredo. Ver CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 37 e 63.
134
Figura 16 “Planta da Cidade do Pará”
260
. Destaques meus – “terrenos baixos” (1,2,3,4 e 5)
Os comerciantes estabelecidos na rua Sete de Setembro” expuseram seu sentimento
de desgosto para com a situação que se desenvolvera naquele começo de ano. O pedido deles
data de 30 de maio de 1881 e conforme exposto anteriormente, as chuvas precipitavam-se
com mais intensidade na cidade de Belém entre os meses de dezembro e julho. As águas das
chuvas ficaram acumuladas juntamente com as águas oriundas dos serviços domésticos
transformando os quintais em alagados, os moradores em questão o deixaram de inserir
comentários acerca daquelas que eram águas depositadas”, paradas e comprometedoras da
boa higiene”. No caso dessa solicitação, o cano de esgoto deveria servir ao escoamento de
260
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. Planta Mandada levantar pela Vereação do Quatriênio de 1883-1886 pelo
Engenheiro da Câmara Manoel Odorico Nina Ribeiro. De acordo com Palma Muniz, a planta em questão foi
desenhada com o objetivo de fazer novamente da demarcação da légua patrimonial concedida em 1627 a mando
da Vereação. O engenheiro Nina Ribeiro “apresentou a planta na qual , além do levantamento da parte urbana
da cidade de Belém, projectou o alongamento e alargamento da capital do Estado do Pará, ocupando a area
total da primeira légua. Ainda segundo Palma Muniz, na demarcação da sesmaria de 1627, a extensão de terras
concedida era igual a 4.110 hectares ou 41.1000,000 metros quadrados, calculada sobre a planta do engenheiro
nina Ribeiro. Ver MUNIZ, João de Palma. Patrimonios dos Conselhos Municipais do Estado do Pará.
Paris/Lisboa: AILLAUD & Cia., 1904. P. 98. Sob a guarda do Ministério das Relações Exteriores/1ª Comissão
Demarcadora de Limites/Belém, Pará.
1
2
3
4
5
135
águas pluviais e de águas oriundas do serviço doméstico, pois ambas permaneciam
empoçadas.
O pedido deles relacionou-se ao cano de esgoto, um objeto avaliado como importante
para implementar a movimentação das águas, tornar esse líquido invisível, evitar a
estagnação da mesma e consequentes prejuízos. O leitor de ter observado que os
comerciantes em questão argumentavam que suas mercadorias ficariam comprometidas pelo
acúmulo de água abaixo dos assoalhos. O cano para esgotar seria, na avaliação dos
comerciantes, essencial naquele contexto, inclusive porque o nível da rua era superior ao dos
assoalhos, o que tornaria inviável o escoamento das águas retidas.
Ao longo do século XIX, o esgotamento das águas nem sempre ocorreu com a
intermediação de canos e mesmo o uso desses objetos não implicou no escoamento total das
águas, corroborando para a incidência de odores tidos. Em suma, a cidade crescia, mas o
processo de esgotamento ainda deixava a desejar, de tal modo que a invisibilidade das águas
pluviais e servidas fluía lentamente.
Nos anos oitenta do século XIX, uma matéria sobre canos de esgoto, publicada no
“Diario de Noticias” remete para uma denúncia considerada importante: através dos canos
instalados no arrayal de Nazareth, as matérias fecais seriam depositadas no igarapé localizado
atrás do quartel do 15º batalhão, o que comprometeria severamente a higiene do bairro.
Segundo os redatores, o serviço de canos de esgoto em Belém parecia um mero luxo”, pois
não possuindo o Pará um estudo completo sobre o nivelamento da sua capital, claro
fica que o serviço de esgoto é de todo ponto incompleto e não preenche o fim a que
se destina.
Tanto as agoas servidas como as matérias fécaes ficam estagnadas nos canos em
quase todas as ruas onde elles existem, e isto em vez de contribuir para a boa
hygiene da capital, serve para prejudicar a saúde publica.
261
Os redatores chamavam a atenção dos leitores para os odores pútridos que emanavam
durante as madrugadas, das ruas canalizadas de Belém, principalmente na estação
invernosa”. Para eles, devido a desatenção ao nivelamento da capital, as matérias em
decomposição exalavam miasmas deletérios, pois acumulavam-se, permanecendo estagnadas
nos interiores dos canos que, a rigor, deveriam esgotá-las devidamente, desde que tivessem
sido observados os cuidados necessários com relação ao nivelamento dos mesmos.
262
261
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario de Noticias”, anno VIII, nº 61 , 17/03/1887. Pp. 2.
262
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario de Noticias”,anno VIII, nº 61, 17/03/1887. Pp. 2.
136
O uso dos canos de esgoto não implicou, portanto, em satisfação geral entre os
moradores de Belém. E mesmo com o avançar dos oitocentos, a recorrência às valas como
vias de escoamento era frequente. Os dirigentes provinciais, até os anos sessenta do século
XIX, registraram com maior regularidade informações acerca das valas, essenciais para dar
vazão às águas de inúmeros lugares da cidade de Belém. E mesmo com o avançar dos anos e
o adentrar do século XX, e dos discursos em prol do progresso e da civilização que deveria
imperar naquela que parecia ser uma cidade promissora, valas para esgotamento podiam ser
encontradas em vários bairros da cidade, a despeito do apreço pelo embelezamento dos
logradouros de Belém.
Em 12 de novembro de 1885, o Diario do Gram-Para” anunciou que em sessão
realizada no dia onze, a mara Municipal apresentou um ofício pedindo autorização da
presidência da província para aumentar em 3.176$000, a verba destinada a limpeza de
valas”.
263
Nas valas era realizado o trabalho de estacamento. Nas maiores fazia-se necessário o
estacamento reforçado com madeira resistente. Um exemplo que relembro eram as tão
comentadas valas localizadas ao longo das estradas das Mongubeiras, o José e Arsenal as
primeiras, destacadas no detalhe da planta exposta a seguir, riscada pelo engenheiro Nina
Ribeiro, nos anos oitenta do século XIX.
Em anos anteriores, cada de cinquenta, para essas valas deveriam ser esgotadas as
águas pluviais das estradas referidas, bem como as dos terrenos baixos, localizados às
proximidades, conforme é possível perceber na planta da cidade que apresentei
anteriormente.
264
O estacamento era construído com madeira resistente ao tempo e às próprias águas, em
relatório de 1852 constam maçaranduba e acapu para as grandes valas da estrada das
Mongubeiras. Caso o estacamento fosse descuidado, as margens das valas podiam ruir mais
rapidamente, causando a obstrução das valas, reduzindo o movimento das águas escoadas e
gerando mais alagamentos.
263
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario do Gram-Pará”, anno 34, nº 287 , de 12/11/1885. P. 1.
264
Ver Relatorio apresentado ao exm.o snr. dr. JoJoaquim da Cunha, presidente da provincia do Gram Pará,
pelo commendador Fausto Augusto d'Aguiar por occasião de entregar-lhe a administração da provincia no dia 20
de agosto de 1852. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1852. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 fev. 2005.
137
Naquela obra foi usado um cano, estacado também, para esgotar as águas que
escorriam do largo da Trindade e circunvizinhanças, em direção às valas. O cano não ficou
exposto, recebeu uma cobertura em madeira, um soalho em taboas que media mais de 50
braças, sobre o qual os moradores podiam caminhar.
Devido aos muitos terrenos baixos localizados naquela área, os dirigentes ordenaram a
construção de valas menores, pois o acúmulo das águas pluviais era considerado abundante.
Em 1852, o presidente da província declarou em seu relatório que seria necessário levar
adiante a abertura de um grande canal, muito tempo pensado, com extensão suficiente para
“circunvalar” toda a cidade e unir o igarapé do Arsenal ao do Reducto. Seria um enorme
Detalhe, Figura 16
Destaques meus – estradas das Mongubeiras e de São José.
138
canal, recebedor das águas de todas as valas e valetas, um sonho de escorrer e enxugar a
cidade, que não foi concretizado.
Nos anos sessenta os dirigentes continuavam a reclamar das valas, a registrar que eram
obras mal realizadas, que era necessário avaliar a substituição das mesmas por canos de
esgotos e/ou canais, que talvez pelos canais pudessem navegar pequenas canoas para
abastecer a população residente em áreas mais distantes, enfim. Ou seja, com o avançar do
século XIX, fortalecia-se a ideia de que melhorar a cidade significava também enquadrar as
águas. Afinal, as águas pluviais em abundância, empoçadas nos logradouros públicos eram as
más águas, convidativas de doenças e morte. Combatê-las era um modo de pensar cada vez
mais naturalizado.
265
O combate às águas indesejáveis passava por ideias integradas de intervenção urbana,
através das quais seriam devidamente esgotadas as matérias cloacais, as águas servidas, assim
como as pluviais. Além disso, pântanos e terrenos alagados seriam dessecados. As vias em
geral, bem como largos e praças receberiam calçamento. Os prédios em geral, inclusive as
casas de moradia deveriam ser submetidos às regras de limpeza. A água potável deveria ser
fornecida através da devida canalização. Ademais, as referidas intervenções ocorreriam de
conformidade com os rigores dos conhecimentos científicos.
266
No início dos anos setenta, obras de esgoto e calçamento foram encaminhadas na
cidade. Em 1870, o presidente provincial Abel Graça, relatou à Assembleia Legislativa
Provincial que obras públicas como o calçamento da cidade de Belém, por exemplo,
achavam-se contratadas. As obras de instalação de canos de esgoto e posterior feitura de
calçamento foram encaminhadas pelo engenheiro civil Augusto Michel Andreossy,
arrematante cujo contrato para implementação das obras remonta a 05 de maio de 1870.
267
A obra referente aos canos de esgoto implicaria no emprego de canos de esgoto
denominados de e typo, o que compreenderia as chamadas obras de chaminés com
265
“Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial pelo presidente provincial por s. exc.a o sr. vice-
almirante e conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare, em 15 de agosto de 1867”. Pará, Typ. de
Frederico Rhossard, 1867. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. 17 set. 2005.
266
Ver ANDRADE, Carlos Monteiro. A peste e o plano: o urbanismo do engenheiro Saturnino de Brito.
Dissertação (mestrado). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP. 1992.
267
Jornais da capital de Belém apresentaram matérias referentes ao que foi denominado “Questão Andreossy”,
devido às discordâncias entre esse arrematante e a Repartição de Obras Públicas. O mesmo arrematante, aliás,
tamm ficou encarregado das obras concernentes ao cais de marinha.
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial pelo quarto vice-presidente, dr. Abel Graça”. Pará,
Typ. do Diario do Gram-Pará, 1870. Datado de 15 de agosto de 1870. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set 2005.
139
alçapões e bocas de lobo. os calçamentos envolveriam bordaduras, passeios e calçada pelo
systema de parallelipipedos”.
268
Ao relatar os feitos de sua administração em 1872, o presidente provincial Abel Graça
informou que estavam pagas três prestações referentes aos canos de esgoto, inclusive de
tipos distintos, no valor total de 14:302$650.
269
O empenho dos dirigentes provinciais no processo de esgotamento das águas
prosseguiu. Em fala proferida em 15 de fevereiro de 1877, o presidente João Capistrano
Bandeira de Mello Filho, registrou que o arrematante Andreossy suspendera as obras do
calçamento, a qual dependia de material importado. Esse engenheiro esteve responsável pela
área composta por ruas e travessas situadas entre a praça de Palácio, rua nova do Imperador e
praça do Visconde de Mauá.
De acordo com o dirigente, as galerias de esgoto estavam em andamento, mas não
deveriam ser custeadas pela Provincia, pois faltava um plano melhor estruturado de
tratamento de matérias sólidas antes de serem lançadas nas águas do Guajará”. Capistrano
registrou que tanto o serviço de esgoto quanto a canalização de água potável, deveriam ser
conduzidos por uma mesma empresa especializada, pois a provincia despendera
6:938$880 com a construcção do cano colletor e 7:164$000 com o cano marítimo”, faltando
ainda pagar ao arrematante 4:775$040 relativa a canos de typo, bordaduras e boccas de
lobo”.
270
Conjuntamente às queixas de moradores, críticas veiculadas pela imprensa, esforços
implementados pelos governantes, ao final dos anos setenta o dessecamento dos pântanos, as
obras dos esgotos e calçamento, a desobstrução das valas, continuavam a ser problemas
debatidos e todos eles remetiam para o controle sobre as águas. Para José Coelho da Gama e
Abreu, presidente da província entre 1879 e 1881, a causa do estado mórbido da população
268
Relatorio apresentado ao exm. sr. Barão da Villa da Barra em 5 de novembro de 1872, por occasião de
passar a administração da província ao 2º vice-presidente o exm. Sr. Barão de Santarem. Disponivel em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
269
“Relatorio apresentado ao exm. senr. dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides pelo exm. senr. dr. Pedro
Vicente de Azevedo, por occasião de passar-lhe a administração da provincia do Pará, no dia 17 de janeiro de
1875”. Pará, [Typ. de F.C. Rhossard], 1875. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 23 set. 2005.
“Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1872 pelo presidente da
provincia, dr. Abel Graça”. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1872. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
270
Falla com que o exm. sr. dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abrio a 2.a sessão da 20.a legislatura da
Assemblea Legislativa da provincia do Pará em 15 de fevereiro de 1877. Pará, Typ. do Livro do Commercio,
1877. In: http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
140
de Belém, seria a existência dos pântanos que começam no litoral, junto ao arsenal de
marinha, e, alargando-se e estendendo-se, chegam até o Igarapé das Almas e do Reducto.
271
Em novembro de 1885, a Câmara Municipal recebeu um ofício da presidência da
província comunicando que
tendo de submetter a approvação da Assembléa Provincial um grande melhoramento
sobre o dessecamento de ntanos, que os há em abundância n’esta capital, pede que
se lhe remetta as plantas e orçamento que sobre esse ponto existirem na secretaria.
272
A respeito disso, a planta a seguir, representando Belém em 1899, destaca os “terrenos
baixose áreas de igapó, ainda comuns na cidade. Ou seja, Belém chegava ao final do
século XIX, com uma expressiva quantidade de terrenos baixos e propensos a alagamentos,
além dos pântanos já constituídos, a despeito dos escritos de dirigentes e redatores de plantão
e de reclamações de comerciantes sobre ruas empoçadas e enlameadas a comprometer-lhes os
negócios.
Com efeito, a imprensa local não dava trégua, sobretudo quando os jornais eram de
oposição política aos dirigentes locais. Culpavam-nos pela lentidão e pelo descaso com que
tratavam a questão da saúde da população e associavam à demora nas obras de esgotamento, o
que favorecia a permanência de pântanos, e com eles as enfermidades que maltratavam os
habitantes.
Segundo os redatores do “Diario do Gram-Pará”, nos anos oitenta do século XIX,
mesmo populosa em função de seu florescimento econômico, a cidade somava vinte e oito
médicos, dos quais poucos pareciam interessados em estudar mais profundamente as causas
de tantos males que dizimavam a população, além de demonstrarem grande insegurança em
relação ao tema da saúde pública. Diante disso, a questão do acúmulo de água na cidade,
aliado ao da precariedade na limpeza de ruas, canais, valas e calhas e obstrução de canos de
esgoto, era retomada com frequência.
273
271
Falla com que o excellentissimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu, presidente da provincia, abriu a
2.a sessão da 21.a legislatura da Assembléa Legislativa da provincia do Gram-Pará, em 16 de junho de 1879.
Pará, 1879. In: http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
272
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario do Gram-Pará”, anno 34, nº 287 , 12/11/1885. P. 1.
273
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará, anno 34, nº 237, 20/10/1885. P. 01.
141
Figura 17 “PLANTA DA CIDADE DE BELÉM DO PARÁ – Comissão de Saneamento”
274
Destaques meus: terrenos baixos (1,2,3,4,5) e áreas de igapó (6)
Ressalto que a limpeza a que me referi, relacionava-se à remoção da lama que muito
facilmente se formava em diversos logradouros de Belém, relacionada em grande parte a esse
problema estava atrelada a questão do calçamento da cidade. A esse respeito, nos anos oitenta,
houve redatores que empregaram suas penas no registro de textos que denunciavam o estado
considerado precário de inúmeras ruas da cidade, entre elas a estrada da Independência, que
se encontrava com as calhas recheadas de lama, pois os trabalhadores, ao realizarem a dita
limpeza, apenas avolumavam a lama no meio da estrada. Ao chover, o resultado desse
acúmulo era que as águas voltavam a depositar a vasa nas calhas.
275
274
Fonte: Museu Paraense “Emílio Goeldi”/Coordenação de Informação e Documentação/Biblioteca. Belém -
Mapa Cadastral – Pará. Comissão de Saneamento Planta da Cidade de Belém do Pará. 1899.
275
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2703, de 05/05/1885 - P. 02.
1
2
3
4
5
6
142
E não obstante o passar dos anos, o adentrar do século XX, a república proclamada e
com ela mais discursos de superação do atraso em que se encontrava a cidade sobretudo
devido às chamadas incompetências passadas, as queixas persistiram ou em jornais que se
opunham aos dirigentes de plantão, ou nos relatórios dos próprios governantes, ou em abaixo-
assinados.
A julgar pela palavra escrita da imprensa, crescia o número de moradores afinados
com ideais de progresso e que incomodavam-se com o convívio com as águas que formavam
lama, empachavam sob assoalhos, encharcavam as vias de trajeto. E nessa mesma linha de
pensamento, também se incompatibilizavam mais e mais com ofícios da água ditos de
escravos” e/ou criados em geral, tais como a coleta e o transporte da mesma em vasilhas,
pelos logradouros da cidade, em franca exposição aos olhares de todos, ou ainda erguer baldes
e latas, dos interiores dos poços.
276
Urgia então, pelo menos nos pensamentos de alguns moradores de Belém, a
recorrência aos ditos intermediários, objetos que podiam tornar-se invisíveis ao cumprirem
suas funções de realizar a conexão entre moradores e águas, preservando o sentido utilitário
das mesmas e garantindo o esgotamento daquelas que poderiam comprometer a saúde dos
habitantes, bem como a organização da cidade, ou ainda a ordenação do todo.
Os objetos intermediários que refiro eram, por exemplo, os canos de diversos
diâmetros, as válvulas de prender água e de segurança, as uniões para encanamento, as
torneiras, estas, diferentemente dos outros, permaneciam viveis, impassíveis, em modelos
variados, à espera dos toques de comando que promoveriam o jorro d’água. Vários desses
objetos, nos anos oitenta dos oitocentos, eram expostos em anúncios de jornais da cidade.
A canalização da água rumo às residências e prédios em geral, mesmo que
morosamente, ganhava o tom de naturalização, ou seja, para muitos dentre os que viviam em
Belém, a recorrência ao líquido essencial à vida, assim como o seu processo de esgotamento,
também precisavam adequar-se aos ditames do progresso, tal como se fosse uma lei de
evolução da vida humana.
276
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario de Noticias”, anno XV, nº 11, de 07/11/1897. P. 1.
143
Figura 18 - bombas
277
Figura 19 – Anúncio de latrinas, canos e variado serviço de encanamento
278
277
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém, anno XIV, Nº 94, de 29/04/1881. P. 03.
278
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Noticias”, anno VIII, nº 98, de 03/05/1887. P. 04.
144
A despeito, contudo, da aparente praticidade e comodidade propiciadas por tais
objetos, da aura de progresso que os revestia aos olhos de muitos, emergiram observações
acerca dos vazamentos e conseqüentes perdas de água, tal como registrou Francisco Bolonha
em relação a outras cidades.
(...) Nos serviços de abastecimento d’agua particular, deve-se levar em conta
o desperdício d’agua, devido ao máo funcionamento de válvulas e torneira, aos
defeitos communs e frequentes dos contadores, quando elles são usados e,
sobretudo, ao máo aproveitamento da água. (...)
Por exemplo, em Glasgow, que gosava de um abastecimento de 222 litros por
habitante, em 24 horas, a perda era de 171 litros, no mesmo espaço de tempo, isto é,
77%.
Chicago com 780 litros diários, por habitante, tem uma perda de cerca de 240
litros, ou sejam perto de 30%.
279
Em síntese, o autor em questão advertia para a necessidade de ser considerado o
chamado coeficiente de reforço”, ou seja, uma extrapolação diária da quantidade de água a
ser ofertada pela empresa responsável. Segundo Bolonha, alguns autores notáveis
afirmavam que esse coeficiente deveria ser igual a 70% da quantidade diária de litros a ser
fornecida, mas na maioria das cidades em que este era observado, atingia entre 30% e 50%.
280
Nesse sentido, o processo de civilização da água numa cidade marcada pela
abundância da mesma, haja vista, a incidência das chuvas, rios e igarapés em profusão,
requereria na visão de muitos, não a constituição de uma companhia”, uma “empresa” a
partir da qual seria organizado o fornecimento da água potável, como também a observação
de determinados princípios, inclusive o que se refere à capacidade de vazão d’água pelos
mananciais a serem escolhidos.
Diante disso, foram implementados estudos respaldados nos saberes científicos, entre
os quais os trabalhos de engenharia relacionados ao nivelamento do solo citadino, à escolha
de mananciais e respectivas nascentes, ao traçado para comunicação dos mananciais com as
máquinas e destas com a canalização, da qualidade das águas a serem fornecidas, enfim.
279
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann, acervo de obras raras. BOLONHA, Francisco.
Canal de Água Preta. Belém-Pará: Off. Graphicas do Instituto D. Macedo Costa” (Escola Profissional do
Estado). 1939. P. 23.
280
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann, acervo de obras raras. BOLONHA, Francisco.
Canal de Água Preta. Belém-Pará: Off. Graphicas do Instituto D. Macedo Costa” (Escola Profissional do
Estado). 1939. P. 23.
145
2.4 Direcionando a água aos interiores das casas - a Companhia das Águas
Fica organisada n’esta cidade uma Companhia anonyma que se denominará
“companhia das Aguas do Gram-Pará”, com o fim de abastecer a mesma cidade de
Agua potável, de conformidade com o contracto celebrado entre o Presidente da
Provincia e o engenheiro civil Edmund Compton, em 19 de Fevereiro de 1880. (A
rigor, 17 de fevereiro de 1880)
281
Os trabalhos conectados ao estabelecimento da Companhia das Aguas” foram
marcados por polêmicas diversas que envolveram inúmeros moradores de Belém, tais como
proprietários de terrenos, tanto os situados às proximidades dos mananciais quanto aqueles
localizados em áreas consideradas mais centrais de Belém, redatores de jornais, dirigentes
provinciais, engenheiros, operários”- como eram denominados os trabalhadores contratados
para as obras do fornecimento de água, aguadeiros, entre outros.
Os ditos trabalhos relacionaram-se com o propósito de canalizar a água potável até os
prédios em geral na cidade, o que implicaria em custos para os moradores. Devido a isso,
tanto o contrato, quanto a lei que embasou a celebração do mesmo, foram objeto de debates,
sobretudo no início dos anos oitenta do século XIX, na imprensa local.
282
A lei, de n. 949 de
19 de agosto de 1879 autorizava a presidência a contratar, com quem maiores vantagens
offerecer, por espaço de 40 annos, a canalisação e abastecimento de água potável n’esta
capital, sob differentes condições”.
283
Relacionada à lei, por exemplo, emergia nos escritos jornalísticos bem como nos
textos de manifestações dos dirigentes, a questão da gratuidade (ou não) da água para os
moradores da cidade, problema que estava estreitamente relacionado com a concepção de que
a água como um elemento natural, deveria ser gratuita.
281
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. Artigo I, do
capitulo I (“Da organização e fins da Companhia”) do Projecto de Estatutos da Companhia das Aguas do
Gram-Pará”. Enviado ao presidente da província José Coelho da Gama e Abreu, em 07/12/1880, por Edmund
Compton. Embora neste documento conste a data de 19/02/1880, em todos os demais que consultei, a data
indicada para a assinatura do contrato é 17/02/1880, data observada em outros documentos (ofícios também)
referentes à questão do estabelecimento da Companhia. Este contrato foi autorizado mediante a lei n. 949 de 19
de agosto de 1879. também referências ao termo additivo ao contracto”, datado de 09/06/1880. Acerca
desse último, ver documento encaminhado por Edmund Compton à presidência provincial, datado de
23/09/1880.
282
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Constituição”, anno VII, números 195, 196 e 197, dias 01, 02 e
03 de setembro de 1880. Reporto-me aqui a uma “transcripção” do contrato, constante do jornal, nos exemplares
referentes aos dias aqui indicados.
283
APEP. Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo XLI. Parte I. Ano: 1879.
146
O problema da gratuidade já estava em debate há décadas, conforme discuto em
capítulo posterior. Outro objeto de discussão tanto entre os redatores de jornais quanto entre
membros da Assembléia Legislativa, foi a ação da iniciativa privada no fornecimento da água.
Para alguns, como o deputado G. Cruz, a outorga desse serviço a uma empresa companhia”,
era danoso às necessidades da população de Belém. Para ele a medida implicaria numa
concessão de privilégios a particulares, que resultaria na isenção dos dirigentes em relação às
questões relativas ao fornecimento da água como também na sobrecarga de custos sobre a
população.
284
Não obstante as discordâncias, a lei foi resolvida pela Assembleia Legislativa e
sancionada pela presidência provincial. Desse modo, o presidente ficava autorisado a
contratar com quem maiores vantagens offerecer, por espaço de quarenta annos a
canalisação de água potável n’esta capital (...).
285
No decorrer dos anos oitenta a polêmica em torno da Companhia alimentou a
produção de numerosos textos jornalísticos. O tema da quantidade de água a ser fornecida,
por exemplo, foi focalizado em vários momentos, pois para alguns redatores, os setenta e
cinco litros diários estimados pela Companhia para cada morador ao longo de dez anos, era
muito pouco, considerando que o clima da cidade era acalorado e os mananciais,
abundantes.
286
Embora não seja meu propósito o aprofundamento dessa discussão, é importante
relembrar que a cidade era, pelo menos em parte, abastecida de água considerada potável
pelos chamados aguadeiros, os quais recorriam regularmente aos poços do Paul d’Água e
vendiam água pelas diversos logradouros de Belém.
287
284
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A Constituição”, anno VII, n. 194, de 31/08/1880. P. 01. A questão
da gratuidade ou o da água povel, aparece em discursos de dirigentes provinciais do Pará desde os anos
cinqüenta do século XIX. Tal discussão o ficou tampouco restrita à cidade de Belém. A respeito disso, ver
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das Águas: usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São Paulo
(1822-1901). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
285
APEP. Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo XLI. Parte I. Ano: 1879.
286
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A Constituição”, anno VII, n. 211, de 22/09/1880. P. 01. O jornal “A
Constituição” dedicou inúmeras páginas de críticas ao contrato estabelecido pelos dirigentes locais com a
Companhia. Era um jornal afinado com o partido Conservador e de oposição ao governo liberal que vigia nos
início dos anos oitenta do século XIX. A questão da quantidade de água por habitante também é discutida neste
jornal. Esta questão é referida em SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das águas em
Belém, século XIX. Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008.
287
Sobre os aguadeiros de Belém os estudos pioneiros de CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de
abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da
Revista de Veterinária, 1944. E também BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará.
Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. SILVA, Ivo Pereira da. Terra das
147
A respeito disso, o mapa que exponho a seguir, constante do “Atlas do Império do
Brasil” de 1868, localiza a rua do Paul d’Água, bem como o Largo dos Poços.
288
Figura 20 - Mapa da cidade de Belém, com indicações do Largo dos Poços e da rua do Paul d’Água –
(Destaques meus)
Assim sendo, os moradores da capital do Pa estavam familiarizados, de algum
modo, com a prática comercial da água e possivelmente, o ficariam surpresos com outro
tipo de fornecimento não gratuito do líquido em questão. A surpresa certamente adviria em
relação aos valores e critérios de cobrança, como, por exemplo, dúvidas quanto a
possibilidade de estabelecer negociações de pagamento com os fornecedores.
289
Além disso, não eram poucos os moradores habituados ao uso gratuito da água, desde
aqueles que dispunham de criados para efetuar a coleta em fontes e poços, até os que
providenciavam pessoalmente a obtenção daquele líquido, coletando e transportando suas
vasilhas d’água, sem quaisquer recursos para fazê-lo de outro modo. Em estudo que remonta
Águas: uma história social das águas em Belém, século XIX. Dissertação (mestrado). Belém:
UFPA/IFCH/PPHIST, 2008.
288
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann, acervo de obras raras. ALMEIDA, Candido
Mendes de. Atlas do Império do Brasil comprehendendo as respectivas divisões ecclesiasticas, eleitoraes e
judiciárias. Rio de Janeiro: Lithographia do Instituto Philomathico. 1868.
289
Em relação a São Paulo, essa questão é discutida em SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das Águas:
usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São Paulo (1822-1901). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
148
aos anos quarenta do século XX, é discutida a situação dos moradores de Belém diante dos
encaminhamentos dos trabalhos de instalação da Companhia.
290
Em outras palavras, durante vários anos permaneceu a recorrência aos aguadeiros, bem
como aos poços, fontes e igarapés, pois as torneiras públicas nem sempre correspondiam às
necessidades dos habitantes. Estas, aliás, mediante o contrato, deveriam ser em número de
pelo menos quatro por distrito, além de duas no caes de marinha para o abastecimento dos
navios mercantes e uma no arsenal de marinha para o abastecimento dos navios de guerra”.
O valor da água vendida por intermédio das torneiras públicas, não deveria ser superior a um
real por litro.
291
Diante das questões desenvolvidas, bem como do tempo razoável que demandaria o
processo de canalização da água povel na cidade, além das disputas políticas, dos debates
travados na imprensa, as autoridades dirigentes precisaram tolerar a recorrência ao Paul
d’água. Este continuava a gerar preocupações em alguns dirigentes, mesmo às portas dos anos
oitenta, segundo se depreende dos registros de José Coelho da Gama e Abreu, presidente
provincial, em 1879.
Como é sabido, é d’este local que é colhida a maior quantidade de água
consumida na cidade; o bom ou mao estado d’estas fontes é, por conseguinte,
objecto muito importante.
Acham-se elles arrematados pelo Sr. Barjona de Miranda que, há pouco
tempo, me participou estarem os apparelhos com que é extrahida a água, bem como
o motor e deposito completamente estragados. Ordenei ao dr. Jose Felix Soares que
examinasse o local e apresentasse o plano e orçamento das obras. Este communicou-
me que convinha impedir o uso das águas até que se fizessem os reparos e fosse
esgotado o poço, com o que concordei.
Mas havendo muitos pedidos para, por qualquer meio, pôr em serviço os
ditos mananciaes pela extrema falta que fazião, o Sr. Barjona de Miranda se
promptificou, á expensas suas, a fazer os reparos indispensáveis no motor e na
bomba, esgotando os depósitos para a população o sofrer. Aguardo que o
engenheiro me participe o acabamento d’estas obras para franquear ao publico o uso
d’aquellas águas.
292
Na mesma falla”, o dirigente lamentou a qualidadeda água que a população
consumia em Belém, uma vez que se encontravam diluídas na mesma todas as impurezas da
cidade”. Lamentou, como tantos outros anteriormente, a existência de extensos paúsque,
rodeando a cidade, contaminavam o ar. Diante de tais problemas reforçava a necessidade de
290
CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. Pp. 51-2.
291
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A Constituição”, anno VII, n. 195, de 03/09/1880. P. 01.
292
Fala com que o excellentissimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu, presidente da provincia, abriu a
2.a sessão da 21.a legislatura da Assembléia Legislativa da provincia do Gram-Pará, em 16/06/1879. Pará, 1879.
Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 24 ago. 2006.
149
canalização da água, mediante planejamento baseado em estudos preliminares sustentados por
análises e cálculos com respaldo cienfico. A argumentação construída em prol do
estabelecimento da Companhia de Águas fundamentou-se também em formulações dessa
ordem.
A Companhia de Águas do Gram-Pará teve seu funcionamento autorizado pelo
decreto n. 8244, de 3 de setembro de 1881, com um capital igual a Rs 800:000$000”.
Edmund Compton era o engenheiro gerente. Outros cinco engenheiros mecânicos integravam
a equipe da Companhia: Willian Frederic Wright, Willian Baker, J. A. King, Henry Willian
Whitear e M. G. Powels. De acordo com o projeto de estatutos, a duração da mesma estendia-
se por quarenta anos, considerados a partir da conclusão das obras, a menos que a quantidade
diária do fornecimento de água fosse majorada.
293
Assim como inúmeras obras relativas às águas efetuadas em Belém, a organização dos
trabalhos da Companhia precisou considerar características climáticas locais, como por
exemplo, o período de maior incidência de chuvas. A respeito disso, relembro que os
responsáveis pelas obras do cais de Belém, estendidas pela maior parte do século XIX,
também precisaram levar em conta a questão das chuvas, bem como as marés.
294
Desse modo,
as avaliações do córrego Utinga e dos mananciais Bossuaquara e Antão, por exemplo,
passaram por critérios relacionados à bondadee quantidade das águas, e a relação destas
com a precipitação de chuvas, períodos de estiagens, assim como existência de matasnas
proximidades dos mesmos.
Considerando essa questão refiro a título de reforço, a certificação assinada por Felix
Soares, Martinho Pinto Braga e Antonio Joaquim de Oliveira Campos – integrantes da
comissão de engenheiros do governo - segundo a qual o córrego Utinga dito do Aureliano
havia dado no mês de outubro de 1880, mais de três milhões e novecentos mil litros de água
293
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. “Almanak Paraense de Administração, Comércio, Industria e Estatistica
Primeiro Anno: 1883. Para: Typ. de Assis e Lemos. Neste almanaque consta a data para o estabelecimento do
funcionamento da Companhia.
De acordo com o Relatorio com que o exm. sr. presidente, dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, passou a
administração da provincia ao exm. sr. 1.o vice-presidente, dr. José da Gama Malcher. Pará, Typ. do ‘Liberal do
Pará,’ 1882”, o número do decreto era 8243. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 ago. 2006.
Ver também CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos
coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. E também BOLONHA,
Francisco. Canal de Água Preta. Belém-Pará: Off. Graphicas do Instituto “D. Macedo Costa (Escola
Profissional do Estado). 1939. Depositado na UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann, acervo
de obras raras.
294
Rever o “Relatorio que o Presidente da Provincia do Pará Antonio Coelho de Sá e Albuquerque apresentou ao
Vice-Presidente Fábio Alexandrino de Carvalho Reis ao passar-lhe a administração em 12 de maio de 1860.” In:
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 16 set. 2005.
150
potável de boa qualidade própria para o abastecimento da cidade” (grifos meus).
295
Por esta
mesma avaliação o Utinga foi considerado o principal manancial d’água para a Companhia,
sendo ainda necessário, contudo, que a mesma indicasse outros mananciais que viessem a
adicionar os litros d’água diários necessários para completar os seis milhões exigidos pela
Administração provincial.
Os documentos que apresentam as considerações a respeito da procura dos necessários
mananciais, também revelam determinados aspectos relacionados aos critérios de atribuição
de boa qualidadedas águas dos mesmos, embora este não fosse o foco da abordagem dos
mesmos. Para o engenheiro Felix Soares, por exemplo, o córrego São Joaquim tinha a
qualidade de suas águas comprometida durante o inverno, pois adquiria sabor de folhas
podres”, além das águas do mesmo ficarem coloridas”. Para aquele engenheiro, portanto, a
boa qualidade da água estaria relacionada à ausência de sabor e de matérias orgânicas
decompostas e também, com o predomínio de limpidez da mesma, ou seja, a rigor, a boa
água era desprovida de sabor, cor e odor.
Além das considerações que mencionei, a boa qualidade tamm estava relacionada à
conservação das matas próximas aos mananciais. Em vista disso, era preciso estabelecer os
limites das referidas áreas, coibir a derrubada da vegetação, evitar a proximidade dos
moradores com as nascentes, de modo a afastar os riscos das contaminações, ou seja, era
imprescindível conservar as matas. Possivelmente, para aqueles que examinaram as
condições dos mananciais, fosse importante levar em conta a qualidade considerada natural, o
que significaria que a boa qualidade da água seria possibilitada pela natureza intacta, ou
praticamente intocada pelo homem.
296
Em relação a essa questão, o presidente provincial registrou em 1881 que foram
realizados estudos sobre a qualidade das águas e também acerca da capacidade dos
mananciais Utinga, Boiossucoara e do Antão durante o período de verão, devido a estiagem
de chuvas. Foi ratificada a necessidade de desapropriação com o prosito de impedir a
redução das matas, pois acreditava-se que uma vez reduzidas, os mananciais também
295
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377.
296
Ver VICTORINO, Valerio Igor P. Uma Vio Histórica dos Recursos Hídricos na Cidade de São Paulo. In:
Revista Brasileira de Recursos Hídricos. Vol. 7 n. 1 Jan/Mar 2002, 51-68.
ww2.prefeitura.sp.gov.br/.../visao_historica_recursos_hidricos_sao_paulo.doc. Acesso em 25 ago. 2006. LIMA,
Maria Goretti C. de e CORRÊA, Antonio Carlos de Barros. Apropriação de uma unidade de conservação de
mata atlântica no espaço urbano do Recife PE: o caso da reserva de Dois Irmãos. In:
www.ufpe.br/revistageografia/index.php/.../6. Acesso em 25 ago. 2009. Ernesto Cruz também alerta em seu
trabalho sobre a necessidade de conservação das matas. Ver CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de
abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da
Revista de Veterinária, 1944. P. 67.
151
sofreriam diminuição. Aliás, em todos os terrenos desapropriados, ficou proibida a derrubada
de árvores por qualquer órgão, empresa ou pessoa, pois a abundância dos mananciais
estava relacionada à “conservação do arvoredo”. Assim sendo ficou resolvido que
junto ao manancial Utinga ou do Aureliano, deveriam ser desapropriadas e
conservadas as mattas em um espaço de terreno de 1.500 metros de comprimento e
1.000 de largo. Junto ao manancial Boiosucoara 1.000 metros em quadro. Junto ao
terceiro manancial, chamado Antão, igual quantidade de terreno.
297
Embora de propriedade do governo, as porções em questão seriam usadas pela
Companhia, enquanto ela recorresse aos mananciais para o fornecimento de água em Belém.
que se considerar, contudo, que as águas de mananciais relativamente distantes da
cidade de Belém, não ficavam isentas de modo absoluto, do contato com materiais orgânicos,
sobretudo vegetais e estes, por conseguinte, também geravam contaminação. Entretanto,
parecia predominar entre os engenheiros, a ideia de que a ação antrópica seria a mais danosa
às águas dos mananciais e que, portanto, a desapropriação seria a medida mais acertada o só
para a conservação dos mesmos, como também para os procedimentos de canalização das
águas que seriam fornecidas.
Em outras palavras, os registros escritos a respeito das obras relacionadas ao
fornecimento de água potável, o indicam preocupação com o tratamento químico da
mesma, pelo menos na fase inicial dos trabalhos dos anos oitenta do século XIX. Parecia-se
acreditar, predominantemente, que as matas protegeriam as fontes de abastecimento e, nesse
sentido o próprio debate em torno das desapropriações dos terrenos seria mais um endosso à
conservação da suposta boa qualidade.
Felix Soares advertia também para a inflncia dos verões rigorosos no rendimento
dos mananciais, ou seja, nos períodos de seca havia redução na quantidade de água gerada
pelos mesmos, logo o fornecimento de água poderia sofrer intensa redução durante o verão, o
que ocorrera, por exemplo, com o do terreno do Sr. Aureliano (Utinga), que rendia dois
milhões de litros diários, mais outrora chegou a render cinco milhões.
298
Sobre essa questão, o
concessionário e engenheiro Compton, registrou que indicara nas plantas, inúmeras nascentes
297
Relatorio apresentado á Assembléia Legislativa Provincial em 15/02/1881 pelo exm. sr. dr. José Coelho da
Gama e Abreu (presidente da província). Pará, Typ. do Diario de Noticias de Costa & Campbell, 1881.
Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 ago. 2006.
298
APEP. Fundo: Secretaria da Presincia da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. Parecer de
01/10/1880, assinado por Felix Soares.
152
dotadas de capacidade para suprir diariamente cinco milhões e quinhentos mil litros de água
de boa qualidade.
299
Edmund Compton ponderava também que as obras da Companhia nas proximidades
das nascentes, precisariam considerar o calendário climático local. Desta feita a preocupação
do engenheiro era de outro teor, as obras deveriam ser implementadas durante os meses de
verão, quando as chuvas eram menos incidentes, do contrário os custos seriam absurdos,
frente ao combate à quantidade de água que se encontraria nos lugares das operações.
Nesta categoria entram a limpeza das fontes e ribeirinhos e preparo dos alicerces do açude
para reprezar a agua e do reservatório subterraneo.
300
As águas precisaram então, receber a aprovação dos profissionais considerados
qualificados para esse fim, a fim de serem incorporadas ao processo de fornecimento à
população, conforme expressou, no ano de 1880, em oficio ao presidente Gama e Abreu, o
engenheiro Edmund Compton.
Peço á V Excia se digne expedir as ordens necessárias para o recebimento dos
mananciais apresentados, no sentido que elles formam parte das aguas
approvadas pelo Governo para o abastecimento d’esta Cidade vendo que não só eu
como também os Engenheiros do governo temos examinado em varias occasiões e
sempre deram bom resultado.
301
(grifos meus)
Os trabalhos de engenharia foram numerosos, muitas foram, por exemplo, as plantas
produzidas para o desenvolvimento do processo, como por exemplo, plantas dos trabalhos de
canalização e distribuição das águas, plantas dos mananciais, plantas dos tanques de ferro para
distribuão, plantas dos reservarios, entre outras.
Em requerimento de 11 de janeiro de 1881, Compton submeteu ao presidente da
província Jose Coelho da Gama Abreu, um requerimento no qual descreve uma planta,
contida no desenho de número um.
indicando: 1º a posição e extensão dos terrenos que é necessário desappropriar-se, 2º
o plano geral das obras principais que devem ser apresentadas, a situação dos
mananciais que foram examinados e approvados pela commissão de engenheiros
nomeada por V. Exª. (...)
302
299
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. rie Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. Oficio de
Edmund Compton à presidência provincial, de 23/09/1880.
300
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. rie Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. Oficio de
Edmund Compton à presidência provincial, de 18/11/1880.
301
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. Officio do
Engenheiro Edmund Compton ao presidente da Provincia do Pará José Coelho da Gama e Abreu, em
18/11/1880.
302
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. No dito
requerimento não consta o desenho ou planta referidos.
153
A planta em questão também tinha o propósito de esclarecer o funcionamento dos
apparelhosque conduziriam a água pela cidade de Belém. Segundo Compton havia um
ponto de reunião” das seis principais nascentes do córrego Utinga, a partir do referido ponto,
nas proximidades do Marco da Légua, seriam estabelecidas tanto a Estação das máquinas
quanto as bombas, “para o ajuntamento das águas nos reservatórios subterrâneos”.
Uma vez ajuntadas nos reservatórios, as águas seriamaspiradaspara o encanamento
principal por intermédio de bombas a vapor. Através do encanamento, as águas eram
depositadas no tanque de distribuição, localizado no largo de São Braz. Nesse ponto, o
engenheiro esclarece que tanto as caldeiras, quanto as máquinas a vapor e as bombas eram
dotadas de força suficiente para impelir a água através do encanamento original, o qual
teria o diâmetro de doze polegadas, podendo assim fornecer em 10 e 12 doze horas axima
quantidade de água exigida pelo contracto (...)” que era igual a três milhões de litros por dia,
de conformidade com o termo aditivo ao contrato, de 09 de junho de 1880.
303
Compton reforça ainda que as bombas, caldeiras, máquinas a vapor teriam condições
de funcionar o dobro de tempo em caso de necessidade. A julgar pela palavra escrita do
engenheiro, o funcionamento do maquinário visava o melhor atendimento possível aos
moradores da cidade. Aliás, os termos do contrato também indicavam esse intento.
Acerca dessa questão, importa considerar também os relatórios da Companhia
referentes aos anos oitenta, através dos quais são apontados os supostos avanços da mesma
em relação à canalização geral da cidade, assim como o atendimento às moradias. Todavia,
paralelamente à consolidação da Companhia e, por conseguinte, do projeto que ela
representava, raros eram os anúncios de casas de moradia com água encanada em Belém tanto
nas duas últimas décadas dos oitocentos, quanto na primeira do século XX.
Da mesma forma, em quarenta inventários datados entre os anos noventa do século
XIX e as duas primeiras décadas do século XX, nenhum indica que nas propriedades descritas
houvesse água encanada, o que aponta para a continuidade da recorrência de vários moradores
às fontes ou nascentes de águas bem como aos poços, senão públicos, uma vez que
suprimidos pelo poder público, aos particulares e que, portanto, o processo de invisibilidade
das águas, via encanamentos, ocorria em fluxo distinto do sugerido nos entusiasmados
documentos oficiais.
303
APEP. Fundo: Secretaria da Presincia da Província. Série Oficios. Ano: 1880 -89. Caixa: 377. No dito
requerimento não consta o desenho ou planta referidos.
154
Na imagem que apresento a seguir, coeva aos anos sessenta e setenta do século XIX,
Léon Righini construiu uma leitura do Largo da Trindade, na qual é possível observar um dos
poços blicos da cidade, repleto de entulho, o que significava a vedação da utilização do
mesmo.
Figura 21 “Largo da Trindade”
304
A imagem do poço entulhado pode proporcionar a ideia inicial de que a cidade não
mais recorria aos poços, da impressão de abandono daquele recurso pelos moradores. A
presença dos animais, representados nas proximidades do poço, pode ser um elemento
reforçador dessa ideia, ou seja, o poço não era mais frequentado, o mato crescera nas
proximidades dele e os animais alimentavam-se da vegetação.
Entretanto, o serviço de abastecimento permanente de água canalizada foi oficialmente
inaugurado em 1883. Ou seja, a despeito do que poderia sugerir o progresso comercial de
Belém, principalmente considerando a economia gumífera, e o próprio crescimento da cidade,
o fornecimento de água potável ainda era restrito poucas horas diárias, o que acarretou para
a enorme maioria de moradores, a imposição da conciliação de modos distintos de aquisição e
armazenamento de água.
304
CMA/UFPA. O desenho integra a obra “Panorama do Pará em Doze Vistas Desenhadas por J. Léon
Righini”, digitalizada por Lucia Mindlin Loeb. Versão digitalizada cedida ao CMA/UFPA, disponibilizada no
site www.ufpa.br/cma. A imagem em questão foi extraída deste site em 14/09/1009, às 11:48 hs.
Segundo Ernesto Cruz “com o advento da República, a Intendência Municipal não mais permitiu a conservação
dos pôços nas praças e ruas de Belém”. CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados
na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária,
1944. P. 63.
155
Diante disso,o era incomum que a criadagem de moradias equipadas de água
encanada, necessitasse recorrer aos baldes, bacias, latas, entre outros objetos, para provê-las
de água, questão sobre a qual me detenho na segunda parte dessa tese. Logo, o fechamento de
alguns poços, não significou o término da abertura de outros e principalmente, não acarretou o
fim da recorrência aos mesmos, apesar da proibição de manutenção de poços públicos após a
república.
Outrossim, no processo de ampliação da canalização, a Companhia operou também,
mesmo com os moradores arcando com os custos das obras em suas casas. Lentamente, no
decorrer da década de oitenta, os habitantes solicitavam aquele serviço por motivos que
poderiam relacionar-se à valorização de suas propriedades, como também à adequação aos
modos civilizados de viver na cidade - a busca do que era considerado prático ou mesmo
confortável e adequado no processo de obtenção da água. Afinal, para alguns poderia ser
importante ostentar torneiras, lavatórios, latrinas com sifões, entre outros objetos, em suas
moradias e/ou em seus prédios de trabalho.
305
A importância da recorrência a tais objetos poderia residir no processo de construção
de sensibilidades marcadas pelo ideal civilizacional tão propagado pelos discursos de
dirigentes e jornais, por exemplo, e relacionadas a sentimentos de conforto, satisfação, alívio,
e mesmo enquadramento, no tocante aos usos da água, como também nos estímulos gerados
por anúncios e conversas. Afinal, para rios moradores definiam-se cada vez mais como
inadequadas atitudes consideradas, anteriormente normais com relação à lida com as águas
tais como, retirar água dos poços, acondicioná-las em potes, recorrer aos sanitários
desprovidos de retretes.
Aos poucos, mediante a consolidação dos ideais de progresso, aos quais se associavam
regras de higiene corporal e de moradia, a recorrência ao uso de torneiras, latrinas, entre
outros, espraiou-se na cidade, tornando-se quiçá para muitos, um ideal a ser consagrado nos
305
Analisando a historia do conforto em São Paulo, Denise Bernuzzi de Sant’Anna adverte para a diversidade de
significados e funções que o conforto adquiriu na cidade de São Paulo entre os anos de 1870 e 1950, ou seja, os
significados do conforto foram rios, assim como os usos do mesmo relacionaram-se tanto ao luxo de minorias
abastadas quanto às reivindicações populares de salubridade urbana e bem-estar. Ou seja, “(...) a diversidade se
significados e funções que o conforto adquiriu ao longo daqueles anos revelou dimensões da vida urbana
fundamentais para a compreensão das divisões entre o supérfluo e o necessário, o fausto e o modesto, o
extraordinário e o trivial. (...)”. A autora elucida também que a historia do conforto é, também, aquela da
produção e do consumo de produtos capazes de suscitar sentimentos por vezes inusitados: com o comercio de
banheiras, duchas, bidês, torneiras e com a massificação do sifão, por exemplo, ganha corpo uma
sensibilidade avessa a odores outrora considerados naturais dentro das moradias e nos seus quintais.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. História do conforto na cidade de São Paulo. Anos 90, Porto Alegre, n. 14,
dezembro de 2000. P. 162. In: www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/download/.../4098. Acesso em 26
abr. 2009.
156
interiores das moradias. O processo de canalização da água nas moradias era essencial para a
efetivação desse processo e a importância da Companhia em relação a este, também.
306
Embora fundamental ante os ditames do progresso nos modos de morar, a canalização
da água nas casas de moradas necessitou conviver com as agruras da civilizão. Em outras
palavras, em fase inicial de organização, a Companhia das Aguas deixava a desejar no
atendimento aos moradores, pois havia torneiras, mas nem sempre geravam água. Além disso,
o poder público teria intensificado, nos anos oitenta, a pressão aos aguadeiros, considerados
concorrentes na venda da água, pelos dirigentes da Companhia. A tensão estabelecida levou a
ecloo de um confronto social, denominado pela imprensa local de greve de aguadeiros,
sobre a qual discutirei mais detidamente no capítulo a seguir.
Não obstante às polêmicas e tensões, a canalização da água prosseguiu. A imagem que
apresento a seguir retrata o reservatório localizado no então largo de São Braz, inaugurado em
1884 e que perdura aos dias atuais (século XXI), em funcionamento.
Figura 22 Reservatorio d’agua em ferro, localizado na Avenida da Independência
307
306
Sobre essa questão considero útil a leitura de QUEIROZ, Eça de. A cidade e as serras. Porto: livraria
Chardron, 1901. Disponibilizado em http://fibopianos.wordpress.com/correio-diario/. Acesso em 28 jun. 2009.
307
A imagem (fotografia) reproduz um dos cartões postais constantes da obra Belém da Saudade: A Memória
da Belém do Início do Século em Cartões-Postais”. Belém: Secult, 1996. P. 95. Segundo registros constantes
nessa obra, o material de que foi constituído o reservatório foi importado da França.
A avenida da Independência hoje é denominada Magalhães Barata e o largo de S. Braz, praça Floriano Peixoto.
157
Nos anos noventa a Companhia das Aguas teve sua desapropriação declarada de
utilidade pública – lei estadual nº 127 de 19 de abril de 1893.
308
No decorrer dos anos noventa
consta, de acordo com as mensagens e relatórios de dirigentes, que eram necessárias mais
obras capazes de suprir as necessidades de consumo, uma vez que o custo da água havia sido
barateado e estavam a funcionar, em 1897, quarenta e cinco bicas ou torneiras públicas, além
de não ser pago todo o consumo dos estabelecimentos publicos e hospitaes”.
309
Inegavelmente, havia uma postura governamental, no sentido de propiciar mudanças
de sensibilidades e, portanto, de comportamento, entre os moradores da capital do Pará, em
relação às águas. Cada vez mais os habitantes conviviam com objetos e ações que, de
diferentes modos, relacionavam-se às alterações nos modos de obtenção e usos da água, haja
vista que ruas eram escavadas para introdução da tubulação que intermediaria os contatos com
as águas.
Ainda no tocante à postura a qual me refiro, vem à tona nos discursos das mensagens e
relatórios de dirigentes, a conexão com o cientificismo considerado essencial nos debates
republicanos do Pará. No que concerne aos usos das águas nos interiores das moradias, por
exemplo, alguns princípios deveriam ser pensados como básicos: as águas deveriam percorrer
o encanamento invisivelmente e jorrar das torneiras em lavatórios, bacias e outros objetos
similares, mediante o manejo dos moradores. Invisivelmente também, elas deveriam ser
esgotadas
Todavia, a despeito das mudanças operadas, inclusive a expansão da rede de
abastecimento, conforme exponho na imagem da “planta” de 1908, modos antigos de lidar-se
com a água permaneceram, coexistindo com os novos, e também com os objetos e
construções que representavam o progresso nas relações com a mesma, tais como a
constituição de galerias, colocação de tubos, válvulas e torneiras, todos vulgarizados no
processo de expansão da água encanada, processo que significou a luta pela conquista e/ou
controle desse líquido na cidade de Belém.
308
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Série: desapropriação. Data: 25/03/1895.
Processo de desapropriação em que é requerente o Governo do Estado do Pará e requerida a Companhia das
Aguas do Gram Pará.
309
“Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Papelo Dr. Lauro Sodré, governador do Estado, ao expirar
o seu mandato, no dia de fevereiro de 1897. De acordo com a mensagem do governador Lauro Sodré, no
exercício liquidado de 1895-1896, a receita, no valor de 11.808:958$270, teve uma adição do saldo do exercício
anterior (1894-1895) no valor de 2.733:911$029”. Neste mesmo exercício foi pago à Companhia das Aguas o
valor de 1.350 contos. Além disso, constam 2.000 contos, relativos às apólices emitidas para a expropriação do
serviço das águas. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 03 ago. 2006.
158
Figura 23 “Planta da cidade de Belém com a rêde de abastecimento d’água
310
Na segunda parte desta tese, dou prosseguimento a essa discussão, ou seja, o controle
das águas, primeiramente focalizando ofícios, através dos quais foram construídas
possibilidades de conexão entre os interiores de moradias e os espaços exteriores as mesmas
aguadeiros, lavadeiras, cozinheiros e cozinheiras. E nesse sentido, busco também discutir a
relação entre os ditos ofícios e os usos da água nos interiores das moradias.
310
Fonte: Museu Paraense “Emílio Goeldi”/Coordenação de Informação e Documentação/Biblioteca. A “planta
em questão foi desenhada pelo engenheiro civil Augusto Octaviano Pinto, na administração do governador
Augusto Montenegro e data de 1908. Contem legendas, as quais indicam respectivamente: linha vermelha os
encanamentos feitos na administração do Dr. Augusto Montenegroe linha cinzenta, encanamentos existentes
antes d’esta administração”.
159
Finalmente, discuto a recorrência aos inúmeros objetos da água nos interiores das
casas de morada, buscando reiterar que nesse processo fluíram sentimentos ltiplos,
relativos à construção de uma cidade que além de cercada pelas águas, cortada por rios e
igarapés e repleta de alagados, foi marcada pela expressiva diversidade entre seus moradores.
Para tanto, prezado leitor, procurei valer-me da recorrência a outros estudos, bem como às
fontes advindas da pesquisa que desenvolvi e em torno dos quais construí reflexões sobre
hisria, natureza e vida material numa cidade percorrida por águas.
160
II PARTE:
ÁGUAS, CASAS E MORADORES
161
CAPÍTULO 3
Entre o transportar, o lavar e o cozinhar: ofícios da água e casas de morada
162
Vende-se por precizão, uma escrava sadia, sem vícios, que sabe lavar emgomar e
cozinhar, e entende todo o serviço de uma caza de família; tendo também o préstimo
de tecer panno, fiar algodão, tecer toda qualidade de redes e cozer soffrivelmente
qualquer obra. Quem da mesma precizar, dirija-se a rua dos Innocentes á caza de
Jose Gonçalves Nogueira, que dirá com quem devem tratar.
(“Treze de Maio”, 10/06/1848)
311
Criada. Precisa-se de uma, para cosinhar e lavar para um casal; quer-se morigerada.
Rua de Santo Antonio, nº 63, sobrado.
(“Diario de Noticias”, 28/09/1885)
312
No decorrer do século XIX as atividades referentes à preparação de alimentos e à
lavagem das roupas, sobretudo a primeira, pareciam ser bem consideradas entre os moradores
da Cidade do Pará. Tal importância vem à tona através de uma expressiva quantidade de
anúncios como esses, mencionados acima, nos jornais de Belém, durante décadas do século
XIX. Aquelas eram duas entre tantas outras publicadas e que integravam o cotidiano dos
habitantes de Belém, e cujo desenvolvimento dependia da recorrência à água.
Uma questão importante emerge de ambas: a referência à família e/ou ao domicílio, ou
seja, as mulheres procuradas através dos anúncios, fossem escravizadas ou livres, deveriam
dar conta de mais de uma tarefa, que integravam o serviço de casa de família”, sobretudo o
cozinhar e o lavar e engomar, ofícios conectados ao uso da água, fossem no interior da
moradia ou nos espos porta afora, considerados públicos para tantos que viviam na cidade
de Belém do século XIX. Neste capítulo essa é uma questão basilar que pretendo discutir, ou
seja, os ofícios da água relacionados ao uso da mesma nas moradias de Belém do Grão Pará.
A princípio relembro a inexistência de um serviço de encanamento das águas, durante
a maior parte do século XIX em Belém, que possibilitasse o adentrar do líquido no interior
das moradias, de tal forma que ao manusear uma torneira pelo menos alguns dos moradores
da chamada Cidade do Pará obtivesse de forma direta e garantida o acesso à água. Desse
modo, não seria equivocado afirmar que tal forma de acesso ao líquido era desconhecida por
muitos moradores da Belém daqueles tempos.
Logo, em relação ao uso da água, entre os habitantes da capital do Pará, era
considerado normal proceder a coleta da mesma nos poços, ou nas fontes, ou ainda em rios e
311
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, anno , nº 809, de 10/06/1848.
A rua dos Innocentes, recebeu posteriormente a denominação de rua Riachuelo. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de
Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 39.
312
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem.. Jornal: “Diario de Noticias”, anno , nº 218, de 28/09/1885. P.01.
A rua de Santo Antonio conserva esta denominação. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico
de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Op.cit. P. 38.
163
igarapés, assim como normal também era o uso de objetos essenciais tanto para a coleta,
quanto para o transporte da água, a saber: os potes, as cuias, as latas, os baldes enfim.
A necessidade da obtenção da água tornou cada vez mais importante a recorrência aos
serviços de trabalhadores, escravizados e/ou livres, que coletavam, transportavam e vendiam
água. E em várias residências, nas quais havia pelo menos um criado, escravizado ou não, a
execução dos serviços de obtenção da água era atribuída a ele.
De forma semelhante, os serviços relacionados ao uso da água no domicílio, tais como
a preparação dos alimentos, a lavagem de objetos e dos cômodos da moradia, a lavagem das
roupas, também eram executados pelos trabalhadores domésticos, os quais nem sempre
ficavam restritos às atividades do interior da moradia, sendo enviados aos espaços externos a
mesma para execução de outras tarefas, consideradas pertinentes não à condição social
daqueles trabalhadores, como também à efetivação das tarefas entendidas como de âmbito
doméstico.
313
De todo modo, o cotidiano dos moradores da Capital do Pará foi marcado, conforme
discuto ao longo dessa tese, pela estreita convivência com as águas dos rios, pântanos,
igarapés e chuvas, bem como com as águas dos poços e das fontes. Ou seja, de diversos
modos, as águas percorreram todos os lugares da cidade, conectando e também separando os
diferentes espaços da mesma. Nesse processo, suscitaram sentimentos diversos: alívio,
serenidade, deslumbramento como também o medo, o desconforto e a indignação.
A respeito disso, reporto-me novamente às observações dos naturalistas Spix e
Martius, a partir do que escreveram sobre a estada na cidade de Santa Maria de Belém do
Grão-Pará”, os quais, impressionados ante a belezada natureza e abundânciade águas
com que se depararam, registraram que
A julgar pela posição desta cidade, à pequena distância do equador (a 1°28’ de
latitude sul e 51° de longitude oeste de Paris, segundo Condamine; a 1°18’ de
latitude sul e 50°42’45’’ de longitude oeste de Paris segundo Riddle), sobre terreno
muito baixo, junto de grandes superfícies de água, deveria o seu clima, pela regra
313
A produção historiográfica sobre o emprego de trabalhadores de camadas sociais consideradas inferiores -
escravizados, libertos e livres - em atividades diretas é extensa. A seguir destaquei alguns trabalhos: KARASCH,
Mary C.. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Cia das Letras, 2000. ALGRANTI,
Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de janeiro 1820-1822. Petrópolis:
Vozes, 1988. SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1986. FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. o Paulo: Global, 2004. SALLES,
Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: ministério da Cultura; Belém: Secretaria de
Estado da Cultura; Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”, 1988. BEZERRA NETO, José Maia.
Escravidão negra na Amazônia (Sécs. XVII – XIX). Belém: Paka-Tatu, 2001. RUSSEL-WOOD, A. J. R.
Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
164
geral, ser insalubre; deve-se, entretanto, considerar o Pará, entre as cidades
costeiras do Brasil, como das mais saudáveis.(...)
314
(grifos meus)
Bem, é importante esclarecer que os dois viajantes estabeleceram comparações entre
Belém e outras cidades litorâneas do Brasil nas quais a incidência de moléstias graves era
recorrente naquele período. Para eles, a expressiva quantidade de águas favorecia a
alimentação à base do consumo de peixes frescos, todavia, os habitantes da cidade consumiam
carnes salgadas, bem como a farinha de mandioca, ambas em abundância, o que, segundo os
dois estudiosos, era prejudicial à saúde, favorecendo doenças.
Observaram também, que água era a bebida mais consumida pelos moradores, seguida
pela cachaça e os vinhos portugueses, sendo estes últimos, itens integrantes da relação dos
importados e consumidos geralmente pelos moradores “ricos”.
Nem todas as águas, contudo, eram consideradas sauveis, ou apropriadas a serem
consumidas como bebida. Conforme registraram Spix e Martius, águas impuraspoderiam,
em conjunto ou não com a alimentação, ser causa definitiva de males ao corpo, tais como
verminoses e sarampo. Aos olhos atentos e examinadores daqueles que por preocupação,
precaução e/ou responsabilidades atribdas, avaliavam se elas se prestavam ou não às
finalidades a que se destinavam, era importante, por exemplo, que a água de beber
apresentasse aparência limpa, translúcida, que fosse inodora e desprovida de sabor.
Essa ideia acerca da água não era específica do período dezenoveano. Em sua
Relação Sumária .....de 1624, Symão Estácio da Sylveira destaca o que seria considerado
como “pureza das águasao referir-se mais especificamente ao “Estado do Gram-Parà”.
315
Em seus escritos, Sylveira construiu uma narrativa mencionando o grande mero de
fontes, a pureza das águas, que segundo ele eram límpidas, ou seja, claras”, além de
sadias e apropriadas para os enfermos. Então, as pessoas acometidas de sezões e
destemperamentos”, por exemplo, poderiam sarar mediante os usos das boas águas. Segundo
314
SPIX, Johann Baptist Von e MARTIUS, Karl Friedrich Philip von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. P. 24. A cidade de Belém também é
referida como “Pará”.
315
SPIX, Johann Baptist Von e MARTIUS, Karl Friedrich Philip von. Op cit. P. 24-6. Ver também SILVEIRA.
Symão Estacio da. Relação Sumaria das Cousas do Maranhão (Dirigida aos pobres deste Reino de Portugal).
In: PAPAVERO, Nelson [et al]. O Novo Eden: a fauna da Amazônia brasileira nos relatos de viajantes e
cronistas desde a descoberta do rio Amazonas por Pinzon (1500) até o Tratado de Santo Idelfonso (1777).
Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2002. (Coleção Alexandre R. Ferreira). P. 130. Destaco que ao produzir
sua “Relação...”, Silveira estaria possivelmente motivado para a obra da construção do espaço Português no
chamado “Novo Mundo”, no caso parte norte do Brasil. Sua obra, portanto, enaltece as terras que “deveriam” ser
povoadas por aqueles que no “reino”, poucas perspectiva tinham em relação às próprias vidas.
165
ele affirmome como de vista, que nenhûas aguas destas nossas partes, podem côpetir em
nada com as desta terra (...).
316
Aliás, os sezões, ou acessos de febres intermitentes, são referidos nos obituários
publicados diariamente em jornais de Belém durante praticamente todas as décadas do século
XIX, como causa da morte de vários moradores da capital do Pará.
De acordo com Arthur Cezar Ferreira Réis, no decorrer dos vinte primeiros anos dos
oitocentos, a cidade de Belém chegou a somar aproximadamente 24.500 habitantes - número
registrado por Spix e Martius para 1820 - e o comércio era movimentado, com a presença,
inclusive de negociantes ingleses e franceses, favorecidos com o processo de abertura dos
portos, ocorrido em 1810. Segundo Réis, também havia atividades comerciais estabelecidas
com Estados Unidos, Antilhas, Espanha e Portugal.
317
Todavia, análises historiográficas também advertem para a persistência da
dependência local aos mercados metropolitanos, inclusive porque havia certa regularidade nas
comunicações entre o Grão-Pará e Portugal, como também para a questão dos ganhos
percebidos por cada habitante. Em outras palavras, nos primeiros decênios do século XIX, as
atividades econômicas desenvolvidas na Província, estavam direcionadas para criação de
gado, a pesca, a produção de açúcar e aguardente em engenhos, produção de arroz, exportação
de algodão e cacau.
Internamente, foi constituída uma discriminação social e étnica ao longo da construção
hisrica da Capitania e sua capital. Por conseguinte, a maioria dos habitantes era desprovida
de fortuna, sendo esta representada por propriedades de imóveis ou estabelecimentos
comerciais, ou de presgio político. Assim sendo, não é possível considerar que entre os
moradores do Grão-Pará, ou da cidade de Belém, predominasse uma maioria burguesa,
sobretudo nos moldes das cidades europeias. Contrariamente, o que havia era uma maioria
formada por trabalhadores escravizados e/ou livres, indígenas inicialmente em grande escala,
africanos, numerosos mestiços de diferentes etnias, envolvidos em atividades consideradas
menores, no sentido de que não conferiam distinção àqueles que as desenvolviam, mas ao
mesmo tempo, sabidas como de suma importância no desenrolar do cotidiano dos habitantes
316
SILVEIRA. Symão Estacio da. Relação Sumaria das Cousas do Maranhão (Dirigida aos pobres deste Reino
de Portugal). In: PAPAVERO, Nelson [et al]. O Novo Èden: a Fauna da Amazônia Brasileira nos Relatos de
Viajantes e Cronistas desde a Descoberta do Rio Amazonas por Pinzón (1500) até o Tratado de Santo Ildefonso
(1777). Belém (PA): Museu Paraense Emílio Goeldi. 2002. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira).
317
REIS, Arthur Cezar Ferreira. Síntese de história do Pará. Belém/PA; Amazônia Edições Culturais LTDA.
(AMADA), 1972. Pp. 81-3.
166
em geral. Entre elas estavam aquelas que se relacionavam à coleta, armazenamento,
distribuão e uso da água.
318
Nesse ponto chamo a atenção do leitor para o primeiro anúncio, com o qual iniciei este
capítulo, pois o anunciante adverte aos leitores do “Diario ...” que a “escrava em oferta por
precizão”, ou seja, por alguma necessidade de seus proprietários, era sadia, sem vícios” e
entendia de todo o serviço de uma caza de família”, além de fiar, tecer e cozer. Ou seja, ela
reunia três importantes condições para quem iria desenvolver serviços no universo porta
adentro no contexto em questão: ser sadia, sem viciações e entender de todo o serviço de
uma casa familiar.
319
(grifos meu)
Certamente que o conhecimento do serviço pertinente ao universo doméstico
implicava também em fazer uso da água uma vez que esta podia percorrer ou ser encontrada
em todos os interiores das moradias, embora em dados momentos fosse obtida externamente,
não raramente em poços, públicos ou particulares, às vezes localizados a certa distância do
domicílio ou através do fornecimento disponibilizado pelos vendedores de água,
generalizadamente denominados “aguadeiros” e/ou ainda, por intermédio das torneiras
públicas e/ou particulares. O trabalho de aguadeiros e/ou condutores de água foi importante
para as atividades realizadas nos interiores dos domicílios. Encontrados em Belém
desde longas décadas do culo XIX, percorrendo ruas da cidade, e guardando contatos com
fontes e poços.
3.1. Aguadeiros de Belém do Pará
No dia 14 do corrente fugirão a Manoel Marinho Leite, dois pretos, um por nome
Manoel, corpolento, retinto, e cerrado de barba, e outro também Manoel, alto,
magro, cara redonda, e sem barba, cor fula, de idade de 20 annos, andavão com
318
Spix e Martius afirmam que eram não menos de 40 os produtos exportados, entre os quais: açúcar,
cachaça, melado, café, cacau, baunilha, algodão, bálsamo de copaíba, estopa, alcatrão, copal, pau-amarelo
(tatajuba, guriúba), mui finas madeiras de marcenaria (como muirapinima, jacarandá, pau-violeta ou pau-da-
rainha, pau cetim) , madeiras de construção, fumo, piaçaba, salsaparrila, tapioca, arroz, goma (tanto da raiz da
mandioca, quanto de outros tubérculos), borracha ( da seringueira), (....)”. SPIX, Johann Baptist Von e
MARTIUS, Karl Friedrich Philip von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. P. 32.
Sobre a questão da dependência aos mercados metropolitanos, como também aas questões econômicas e
político-administrativas que marcaram o relacionamento entre o Grão-Pará e Portugal, é interessante ver
COELHO, Geraldo Mártires. Anarquistas, demagogos e dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822.
Belém: CEJUP, 1993. Pp. 92 a 148.
319
Ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC,
2002. (apresentação) Elaboradora da categoria porta adentropara referir-se ao universo doméstico, Maria
Izilda adverte que na organização de tempo e espaço do universo ‘porta adentro’, (...) ao contrário das
transformações urbanas mais explícitas, as alterações viabilizavam-se de formas veladas”. P. 115.
167
cavallos vendendo água: quem os entregar ao seu Snr. Nesta Cidade será gratificado,
e protesta contra os acoutar.
320
Naquela quarta-feira de fevereiro, os leitores do “Treze de Maiose depararam com a
notícia acima, publicada na secção de “avisos”. Certamente aquela não era a única advertência
de fuga de escravos a aparecer em um jornal da capital do Grão Pará, na verdade eram vários
os avisos daquela ordem. Aparentemente, Manoel Marinho estava bem informado acerca das
atividades de seus escravos honimos: ambos vendiam água, provavelmente em barris ou
pipas, ou mesmo potes de barro, atrelados aos cavalos referidos no texto do aviso. Realmente,
os dois escravos escolheram uma atividade que os expunha pelas ruas, travessas, largos da
cidade, talvez por haverem desempenhado aquele trabalho anteriormente, ou por estarem
familiarizados com os ganhos de jornais, advindos através do comércio nas ruas.
Possivelmente os dois “Manoéis coletaram a água a ser vendida nos poços ou
cacimbas do Paul d’Água. Aqueles eram locais freqüentados pelos aguadeiros de Belém
durante grande parte do século XIX, conforme expus no capítulo anterior, e conforme a
leitura do engenheiro Theodosio Constantino de Chermont, constam no traçado do “Plano
Geral da Cidade do Pará”, cujo detalhe apresento a seguir.
Quando de sua estada em Belém ao final dos anos trinta dos oitocentos, Kidder
também registrou a presença de aguadeiros pelas ruas, os quais, para “conveniência das
famílias que não dispunham de número (supostamente) razoável de criados, transportavam
sobre o dorso de animais pequenos barris de água potável. Segundo o relato do viajante, a
água utilizada nos serviços domésticos era obtida no rio e em alguns poços feitos nos
arrabaldes. Não era raro, escreveu Kidder, encontrar, nas madrugadas úmidas de Belém,
negros e índios com potes de barro à cabeça, a caminho das fontes”.
321
320
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 24º trimestre, nº 583, de 25/02/1846. P. 04.
Sobre usos dos poços em Belém ver CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na
Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944.
ARAÚJO, Renata Malcher. As cidades da Amazónia no século XVIII. Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP,
1998. BELTO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio
Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das
águas em Belém, século XIX. Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008. Dissertação (mestrado).
321
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1980. P. 204.
168
Detalhe, Figura 12 “ Plano Geral da Cidade do Pará” – destaque (meu): poços do Paul d’Água.
322
Em fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial, em 15 de agosto de 1853, o
presidente da Província José – Joaquim da Cunha declarou:
procedeo-se ao aterro e empedramento na largura de 30 palmos da estrada do
Arsenal. Esta obra que principia no encrusamento dessa estrada com as da
Mongubeiras foi de fácil execução nos largos da Trindade e da Polvora até a
embocadura da estrada de Nasareth, mas não dahi em diante, onde o terreno se
deprime; com tudo a despesa não excedeu a 8$300 réis por braça quadrada. Tendo-
se esgotado a quota, autorisei o dispêndio de mais 2:000$000 réis, mais vendo que
a parte mais arruinada da estrada de Nasareth se achava prompta mandei
parar o seo calçamento para acudir á Rua de Paul d’agua á vista do seu
miserável estado pelas aguas, que do largo da Polvora por ella se despenhaõ
com ímpeto, e que d’ora em diante seraõ recebidas em um cano de alvenaria. A
Camara Municipal ficará livre da despesa naõ pequena, que annualmente fazia com
essa Rua sempre arruinada pelas agoas, e pelo continuo movimento dos pesados
carros com pipas, que ali vaõ receber agua para distrubui-la pela Cidade. Esta
obra que pretendo levar ao fim é dispendiosa, mas indispensavel.(grifos meus)
323
322
Tirado por Ordem do Ill.mo e Ex.mo Senhor D. Francisco de Souza Coutinho Governador e Capitão General
do Estado do Gr Pará, e Rio Negro. Documento original, sob a guarda do Ministério da Defesa/Exército
Brasileiro/ Arquivo Histórico do Ercito (AHEx/RJ)/Divisão de História – Mapoteca II. Série: norte. Sub-série:
Pará. uma reprodução em REIS FILHO, N. Goulart. CD-ROM, Imagens das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, 1999. O plano original consta na obra “Viagem Filofica” de Alexandre Rodrigues Ferreira.
323
Falla que o Dr. Jo Joaquim da Cunha, presidente desta Província dirigio a Assembléia legislativa
Provincial, na abertura da mesma Assembléia no dia 15 de agosto de 1853”. Depositado em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 fev. 2005.
169
O relato de Kidder e a manifestação do dirigente remetem, cada um ao seu modo, para
a distribuão da água através de aguadeiros com vistas a suprir com água, os diversos lugares
da Cidade do Pará. A observação de Kidder, no entanto, remete também para a questão do uso
familiar da água, ou seja, o serviço prestado pelos aguadeiros era importante para as famílias
que não dispunham de uma criadagem suficientemente numerosa para realizar a coleta do
líquido. Ou seja, de conformidade com a visão do viajante, na Belém daqueles tempos, a
coleta e a venda de água era um trabalho realizado pela criadagem ou por aguadeiros.
Em outras palavras, eram os trabalhadores domésticos, ou de rua, ou ainda aqueles que
desenvolviam os serviços de dentro e de fora da casa, escravizados ou não, os que procediam
a coleta da água e que percorriam as ruas, portando os vasilhames nos quais a água deveria ser
acondicionada. Andavam pela cidade desde as primeiras horas da man, possivelmente para
prover as moradias com a água (ou pelo menos parte dela) a ser usada ao longo do dia.
324
Através daqueles trabalhadores foram possíveis conexões entre os exteriores e os
interiores das moradias. Ou seja, concorreram diretamente para o processo de domesticação
da água, a qual uma vez retirada dos poços, de rios e/ou igarapés, fluía pelas estradas,
travessas, ruas e largos da cidade, para finalmente adentrar os cômodos das residências.
Uma vez coletadas, as águas eram remanejadas para os barris, ou para as grandes pipas
- semelhantes a que é apresentada por Ernesto Cruz e que exponho a seguir - ou ainda para os
potes de barro. Mais tarde podiam ser recepcionadas em outras vasilhas, algumas
consideradas mais apropriadas aos interiores das moradas, para serem finalmente usadas nas
diversas atividades desenvolvidas no interior do domicílio: a lavagem dos corpos, de objetos
em geral, a preparação dos alimentos, enfim.
As estradas do Arsenal e das Mongubeiras, na verdade uma via sendo uma o prolongamento da outra, foram
mais tarde denominadas avenida Almirante Tamandaré. A estrada de Nazareth, passou a ser chamada avenida
Nazaré. A estrada do Paul d’Água, foi posteriormente denominada estrada de São Jerônimo e depois avenida
Governador José Malcher. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações.
Belém; CEJUP, 1992. Pp.79-80.
Sobre os aguadeiros é importante ver os estudos referidos de CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de
abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. E também BELTRÃO, Jane.
Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pa. E ainda FONTES, Edilza. “Preferem-se Português (as)”:
trabalho, cultura e movimento social em Belém do Pará (1885-1914). Campinas: UNICAMP, 2002. (Tese
Doutorado). E SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das águas em Belém, século XIX .
Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008. Dissertação (mestrado).
324
Sobre essa questão ver BELTRÃO, Jane. Felipe. Op. Cit. P. 222. A autora afirma que eram as gentes de
cores que buscavam água nos pontos dágua localizados nos arredores da cidade”. Sobre a expressão gentes
de cores, a autora esclarece que “a expressão as gentes é associada à diversidade cultural que aponta a
desigualdade social, sobretudo no caso de negros escravos ou libertos, índios escravos ou livres e caboclos de
todos os matizes. As gentes remete à exclusão social existente na província. A expressão é utilizada nos
documentos de época e pela literatura coeva para indicar pessoas de cores, pobres, portanto gente de carne e osso
com rostos, costumes, tradições, falares e procedimentos específicos (...)”. Pp. 23-4.
170
Uma vez usadas, as águas eram descartadas pelos moradores nos quintais, ou mesmo
nas ruas, causando, algumas vezes, os empoçamentos tão condenados pelos higienistas de
plantão no período dezenoveano, conforme discuto no capítulo anterior, sobre os
esgotamentos das águas servidas.
325
Segundo Ernesto Cruz, nos anos noventa, os aguadeiros vendiam o pote d’água ao
valor de 200 réis. O pote era feito de folha no sistema das vasilhas que os atuais leiteiros
usam para distribuição do leite, sendo, então, de tamanho maior, iguais às talhas de barro,
pom sem a tampa.”
326
Considero importante ressaltar também que aquela era uma atividade sobretudo
masculina e que não localizei, mulheres realizando a venda da água, embora fosse possível o
envolvimento de mulheres menos abastadas no processo de obtenção da água, principalmente
em poços, e posteriormente em torneiras, localizados nas proximidades de seus lugares de
residência e/ou trabalho. Havia, por exemplo, aquelas que coletavam água como parte de seus
serviços domésticos. Assim viviam Guilhermina e Francisca, ambas menores”, somando
entre doze e treze anos de idade, que iam regularmente à torneira pública situada na Estrada
325
A imagem acima consta da obra de Ernesto Cruz. Segundo o autor, em Belém eram numerosos os aguadeiros
como eram chamados os indivíduos que se dedicavam à venda da água pela cidadee grande parte deles
era constituída de portugueses. Devido ao elevado mero de carroças/carros de condução, o trânsito e as obras
municipais sofriam prejuízos, inclusive as obras realizadas no Paul d’Água. In: CRUZ, Ernesto. A Água de
Belém: sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém:
Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. P. 27-9.
326
CRUZ, Ernesto. A Água de Belém: sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. P. 66.
Figura 24 “sistema de pipas usadas pelos aguadeiros no século
XIX”.
171
de São João, inclusive por volta de nove horas da noite, segundo relatou o comerciante
Antonio Teixeira da Silva, em depoimento prestado a 01 de junho de 1899.
327
Guilhermina Guedes dos Santos morava com Dona Josephina Barboza Peleja há cinco
anos e teria sido deflorada por João Paulo Alves do Nascimento. Em defesa deste, o advogado
Themistocles A. Figueiredo registrou que Guilhermina convivia na casa de Josephina
sem o menor recato, empregada no serviço de encher água na torneira publica,
distante da casa de sua moradia um quarteirão e comprando em tabernas,
lugares estes em que ouvia diterios pouco decentes e aos empuchões com magarefes
e garapeiros. (grifos meus)
É importante avaliar que muitas mulheres dificilmente disporiam de recursos fosse
para custear a compra da água diretamente de um aguadeiro, fosse para pagar pelo serviço de
um trabalhador que se dispusesse a fazê-lo. O processo não deixa claro se esta seria a
condição de Josephina, de todo modo, ela mantinha Francisca e Guilhermina em sua casa,
empregando-as inclusive e/ou principalmente para os serviços de fora da moradia. O leitor
de recordar a discussão acerca de serviços considerados inferiores, reservados aos criados em
várias cidades do Brasil. Comprar em tabernas e buscar água eram entendidos assim.
Com relação ao comércio da água, contudo, outra possibilidade não deve ser
descartada, a de que houvesse proprietárias de carros com pipas d’água, que recorressem ao
trabalho direto de homens para proceder a venda da água nas ruas de Belém.
De qualquer modo, não o raros os textos escritos (de jornais e de dirigentes
provinciais) que fazem referência à importância do trabalho dos aguadeiros na Belém do
século XIX. Ou seja, o trabalho desenvolvido por aqueles homens mostrava-se importante por
ser necessário aos moradores de uma cidade, na qual inúmeras casas de morada e prédios em
geral não dispunham de poço próprio e nesse ponto, considero importante referir que entre
240 documentos relacionados, entre testamentos e inventários post mortem” principalmente,
constam 22 poços ao longo do século XIX, sendo 11 deles construídos antes dos anos oitenta
do citado período -, uma cidade na qual o processo de canalização da água somente se deu a
partir dos anos oitenta do século XIX e ainda assim de forma incipiente considerando que
apenas uma reduzida parcela da população da cidade teria acesso a água encanada.
Na Belém do Pará daqueles tempos, parecia haver um consenso entre os moradores
com relação a que habitantes caberia a atribuição do trabalho de coleta e/ou venda d’água, ou
seja, a coleta da água, o transporte da mesma através dos caminhos da cidade e a venda do
327
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Ano de 1899. Juizo Municipal. Autos crimes
de defloramento de Guilhermina Guedes dos Santos, em que é réo João Paulo Alves do Nascimento.
172
líquido eram atividades historicamente atribuídas à determinada porção de moradores,
constituída basicamente por homens, os quais, mesmo apresentando diferenças entre si, foram
denominados de um modo geral como aguadeirose que, conduzindo seus carros pipas,
percorriam ruas, estradas, travessas da cidade, conforme registrou o fotógrafo Felipe Augusto
Fidanza, na imagem fotográfica da Travessa de São Matheus, também conhecida como
Estrada das Mangubas, atual Rua Pe. Eutíquio, que exponho a seguir.
328
Figura 25 Fidanza, F. A. “Travessa de São Matheus, também conhecida como Estrada das Mangubas,
atual Rua Pe. Eutíquio.
329
328
Sobre a obra de Fidanza ver PEREIRA, Rosa Cláudia Cerqueira. Paisagens urbanas: fotografias e
modernidades na cidade de Belém (1846-1908). Dissertação (mestrado). UFPA/IFCH/PPHIST. Belém, 2006.
FBN/RJ. Coleção Iconografia”. Os originais da fotografia da travessa de São Mateus, apresentada nesta tese,
encontram-se sob a guarda dessa Instituição. De conformidade com os registros da FBN, a travessa de São
Mateus era conhecida como estrada das Mangubas, depois denominada Rua Padre Eutiquio. Todavia, Ernesto
Cruz registra que havia em Belém uma estrada das Mongubeiras, depois denominada avenida Almirante
Tamandaré. a estrada de São Mateus, foi depois denominada Rua Padre Eutiquio. Ver CRUZ, Ernesto. Ruas
de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp. 79 e 63, respectivamente.
Bates também deixou registrados, comentários a respeito da estrada das Mongubeiras. Ver BATES, Henry
Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1979. P. 14.
329
Manguba, monguba e munguba são denominações vulgares da Pachira aquática (Bombacaceae). De acordo
com os estudos que refiro a seguir ela é uma planta “nativa do sul do México até o norte da América do Sul. Na
região amazônica, ocorre predominantemente em terrenos sujeitos a inundações periódicas, especialmente às
margens de rios e córregos. É uma espécie muito cultivada como ornamental, especialmente para a arborização
de praças e jardins. Sua introdução em arborização urbana foi feita pelo botânico e paisagista francês
A.F.M.Glaziou, quando de sua estada no Brasil na segunda metade do século XIX.” (grifos meus). In:
173
A necessidade dos moradores
também vem à tona através da fala de
José Joaquim Cunha quando este
afirma que o movimento dos pesados
carros com pipas era contínuo”, ao
ponto de, em conjunto com o fluxo
violento das águas das chuvas, tornar
miserável” o estado da rua do Paul
d’Água, o que sugere uma mobilização
freqüente e regular naquele local,
inclusive porque aquela era uma área
em que havia diversas cacimbas o que
possibilitava o abastecimento de várias
pipas ao mesmo tempo.
330
Penso que a fala do dirigente provincial também denota uma certa demora do poder
público em intervir no espaço do Paul d’Água. A manifestação de Joaquim Cunha data dos
anos cinquenta dos oitocentos, foi quando ele anunciou a inserção de um cano de alvenaria
para receber as águas impetuosas que se precipitavam sobre o Paul d’Água.
Não é, portanto, difícil imaginar que durante muitas décadas, os aguadeiros precisaram
recorrer á força física e/ou à habilidade e à solidariedade entre eles para manobrar seus
pesados carros numa área cujo chão estaria exposto às precariedades que o tornariam quase
sempre quebradiço, lamacento e, portanto, irregular.
Nesse sentido até mesmo o comportamento dos animais de tração precisava ser
adequado às agruras do ofício. Em outras palavras, a docilidade dos bois era importante, pois
do contrário tornaria ainda difíceis as manobras dos carros.
PEIXOTO, Ariane Luna e ESCUDEIRO, Alexandra. Pachira aquática (Bombacaceae) na obra Historia dos
Animais e Árvores do Maranhão” de Frei Cristóvão de Lisboa. Rodriguésia. 53 (82): 123-130. Disponivel em
http://rodriguesia.jbrj.gov.br/Rodrig53_82/7-PEIX~1.PDF. Acesso em 07 mar. 2010. E OLIVEIRA, Luciene
Zagalo de, CESARINO, Fabiano, MORO, Fabiola Vitti, PANTOJA, Tammya de Figueiredo, e SILVA, Breno
Marques da Silva e. Morfologia do fruto, da semente, germinação e plântula de Pachira aquática Aubl.
(Bombacaceae). Disponivel em http://www6.ufrgs.br/seerbio/ojs/index.php/rbb/article/viewFile/889/732. Acesso
em 07 mar. 2010.
330
Várias cacimbas do Paul d’água constam do “Plano Geral da Cidade do Pará”, já exposto nesta tese em
ginas anteriores. Sobre a importancia do Paul d’Água há os trabalhos já citados de CRUZ, Ernesto. A água de
Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém:
Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. BELTRÃO, Jane. Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do
Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. E SILVA, Ivo Pereira
da. Terra das Águas: uma história social das águas em Belém, século XIX . Dissertação (mestrado). Belém:
UFPA/IFCH/PPHIST, 2008.
Detalhe, Figura 25
174
Sobre essa questão, no “Diario do Gram-Pará”, de setembro de 1861 foi publicado o
seguinte anúncio: “Vende-se 3 bois muito mansos próprios para carros d’água, quem os
pretender falle na rua da Boa Vista n. 16 cc, na loja de Manoel Baptista de Miranda.E no
jornal “A Provincia do Para”, de maio de 1876, foi anunciado queO agente Lamarão Junior
vendera em leilão 4 bois mansos, proprios para carros no Paul d’Agoa. A’s 4 horas”. Ao que
parece, os problemas com relação ao estado da rua do Paul persistiram ao longo dos anos.
331
Em relação às tensões entre aguadeiros e poder público em Belém, Ernesto Cruz
transcreve um reclamação datada de 19/04/1864, do Diretor de Obras Públicas, JoCoelho
da Gama e Abreu, ao presidente da Província, João Maria de Moraes. No referido documento,
Gama e Abreu declara que no dia 18 de abril daquele ano, havia iniciado os trabalhos na
travessa do Paul d’Água. Que a obra haveria de ser dispendiosa, ultrapassando a quantia de
1:000$000 concedida pela Presidência da Província, e sempre em vão, devido ao modo como
era realizado o serviço dos carros de venda de água, pois os proprietários dos terrenos nos
quais era feita a venda do líquido, apesar dos ganhos elevados com o negócio, não guardavam
o devido cuidado para que a água não fosse despejada fora dos limites dos terrenos, assim
como gerava o acúmulo de carros de condução, o que transtornava o trânsito no local. O
resultado de tal descuido era o constante escorrer da água sobre os calçamentos ali
preparados, os quais terminavam arruinados gerando tensões de diversos níveis.
Enfim, diante do exposto, Gama e Abreu solicita ao Presidente, que os proprietários de
terrenos de venda d’água fossem impedidos de proceder à venda, a menos que o fizessem nos
limites dos ditos terrenos, ou seja, os carros de condução deveriam entrar nos terrenos e
somente dentro dos mesmos, receber a água. Para tanto, seria suficiente, a colocação de dois
portões em cada extremidade do terreno. Além disso, os cercados deveriam obedecer ao
alinhamento da rua.
332
Em 11/01/1865,na presidência de José Vieira Couto de Magalhães, foi determinada
a desapropriação dos terrenos localizados do lado direito e esquerdo da rua denominada
Paul d’água, na inteligência de que a despesa com a desapropriação será indenizada pela
Câmara Municipal da capital, com os rendimentos da vendagem de água aos que fizessem
331
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornais: Diario do Gram-Pará”, 2005, Anno VIII, de 10/09/1861. P. 3,
“Vendas”. E “A Provincia do Pará”, nº 31, Anno I, de 04/05/1876. P. 1.
A rua da Boa Vista, anteriormente da Praia, foi depois chamada rua da Imperatriz e finalmente avenida 15 de
Novembro. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP,
1992. P.37.
332
CRUZ, Ernesto. A Água de Belém: sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. “Documentário”.
175
daquilo uma indústria”, ou seja, a referida indenização da Câmara Municipal seria obtida
mediante a cobrança de impostos aos aguadeiros.
Em julho de 1865, a Presidência da Província comunicou oficialmente à Câmara
Municipal que os terrenos desapropriados na rua do Paul d’Água, ficariam sob a
responsabilidade do Tesouro Público Provincial, o qual poderia organizar a venda da água da
forma que avaliasse mais conveniente.
333
Não obstante os encaminhamentos decididos pelo poder público, parece que os
problemas envolvendo aguadeiros, governo provincial e o Paul dÁgua estiveram longe de
cessar. Pelo menos, é o que denota a matéria do “Diario de Belém”, de 11 de fevereiro de
1871, sob o sugestivo título de “Pergunta”.
A quem pertence o concerto da calçada e valla do Paul d’Agua, as obras
publicas ou á camara municipal?
A quem quer que seja, deve mandar concertar a calçada, porque não é justo
que os pobres aguadeiros, que pagam um imposto grande e prestam um grande
servo á humanidade, estejam na (.?.) de verem seus carros perdidos, como tem
acontecido á muitos; ou verem-se obrigados a vir encher as suas pipas no poço do
celebre Mato Grosso, que emprega todos os meios para atrahir ao seu poço os
aguadeiros.
Invocamos ao exm. Sr. Presidente da província sobre este pedido e sobre o
melhoramento do Paul d’Água, pois assim deixaremos de beber a tal água da
estrada de Nazareth, na qual consta ter sido encontrada uma mucura morta e em
estado de putrefação. Assim como pedimos rigor para com os aguadeiros quando
comettem falta, assim também pedimos que lhe facultem os meios de bem servirem
sem prejuízo de sua propriedade.(O Cezar).
334
(grifos meus)
Na matéria em questão, os aguadeiros são enfocados como vítimas das desatenções do
poder público. Destaca a importância daquele ocio e adverte para os perigos a que estaria
exposta a população da cidade, caso os aguadeiros ficassem definitivamente impedidos de
acessar aos poços do Paul d’Água em função da ruína do calçamento do mesmo.
Vale (re)lembrar que na segunda metade dos oitocentos deu-se um crescimento da
economia da borracha e que a cidade de Belém, apesar da incidência de epidemias como a
varíola, a febre amarela e a cólera, vivenciou impactos relacionados àquele crescimento,
inclusive o aumento populacional devido à expansão comercial e consequentes ondas
migratórias.
333
CRUZ, Ernesto. A Água de Belém: sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. “Documentário”.
334
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem Jornal: “Diario de Belém”, anno IV, nº 26, de 01/02/1871. P. 1.
176
O teor do texto jornalístico relaciona-se também e justamente, ao meu ver, à
preocupação com o consumo obrigatório de uma água suspeita, uma vez que havia moradores
que recorriam, necessariamente, às águas carregadas pelos aguadeiros.
Ernesto Cruz, por exemplo, afirma que, de conformidade com informações contidas
em relatório do administrador provincial Pedro Vicente de Azevedo, em 1875, Belém somava
34.178 almas.
335
Antonio Rocha Penteado, em estudo de geografia urbana e baseando-se
em registros de viajantes, registra que em 1868, Belém contava com 30.000 habitantes, em
1872 somava 34.644, passando para 80.000 habitantes em 1888.
336
Para esses autores a cidade
experimentou um aumento populacional decorrente do crescimento da economia da borracha,
que demandou mão-de-obra para a província, e da expansão comercial.
Por todas essas questões que menciono aqui, os usos da água tiveram possivelmente
suas demandas ampliadas e enquanto as autoridades dirigentes não conseguiram efetivar
contratos de concessão capazes de garantir o fornecimento de água encanada aos habitantes
cidade, o trabalho dos diversos aguadeiros fluiu pelos vários logradouros da mesma,
possibilitando que as águas adentrassem os interiores de casas e prédios em geral.
Nem sempre, contudo, os aguadeiros eram vitimizados nos jornais. No “Diario do
Gram-Pará de setembro de 1861, por exemplo, foi publicado um texto cujo teor era uma
reclamação em relação ao comportamento dos aguadeiros durante o trabalho dos mesmos na
rua do Paul d’Água. Sob o título de A quem competir e assinada por moradores”, a
publicão buscava intervenção das autoridades municipais naquele espaço, considerado
comprometido, até certo ponto para a vida familiar.
A moral pública, exige da authoridade competente medidas corretiva aos
termos obscenos, e algazarra inaudita, que diariamente se pratica na estrada do Paul
d’Água, pelos aguadeiros e mais adjuntos, a ponto de uma senhora não poder chegar
á sua janela (fazendo-se surda, cega e muda) e dando cauza por esta forma, que
algumas cazas não achem alugadores, como acontece ás do Sr. JoRomão. Desta
forma, sendo attendida a lembrança, não só se fará um serviço aos transitantes como
aos: Moradores.
337
Parece indubitável que ante a intensa movimentação existente nos espaços dos poços
do Paul, o lugar se revestisse de uma sonoridade especial. Afinal, era necessário manobrar os
335
CRUZ, Ernesto. História de Belém, 2º volume. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973. Coleção
Amazônia. Série José Verissimo. Pp. 148-9.
336
PENTEADO, Antonio Rocha. Belém Estudo de Geografia Urbana. 2º Volume. Belém: UFPA. 1968.
Coleção Amazônia. Serie José Verissimo. P. 204
337
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno VIII, nº 205, de 10/09/1861. P. 1.
177
carros, cuja engrenagem, mistura de ferro e madeira, emitia som peculiar, além de guiar os
animais, bois e/ou cavalos, que mesmo mansos, precisavam das vozes e gestos de comando.
De conformidade com o texto do Diario do Gram-Pará”, havia algazarra inaudita”, regada
pelos termos obscenos”.
Bem, muito provavelmente, havia conversas, brincadeiras e risos, gritos até, o que
poderia configurar a dita algazarra”. Comentários referentes ao trabalho, aos amores, às
dificuldades, às doenças, aos familiares enfim. Em meio à movimentação, as conversas
fluiriam em altos brados e para vários deles a recorrência às palavras consideradas obscenas
por residentes das proximidades, constituísse uma rotina nas trocas de ideias e informações.
De qualquer modo, para os ouvidos (supostamente) sensíveis aquela poderia ser uma rotina
não grata e acrescida da movimentação e precariedades da própria rua, dificultasse o aluguel
de moradias.
338
Acerca de tensões como essas, o registro de uma queixa feita pelo maquinista dos
poços do Paul d’Água, Francisco Valente Loureiro, em 22 de fevereiro de 1873, endossa as
dificuldades que cercavam este ofício das águas em Belém. Loureiro queixou-se contra o
português aguadeiro José Vieira Alvarenga, afirmando que este o havia ofendido
verbalmente com os epítetos de “ladrão, filho da puta”.
339
Loureiro narra que no dia 22 de fevereiro, entre três e quatro horas da tarde, Alvarenga
dirigiu-se, como de costume ao local dos poços para encher sua pipa. Não pode fa-lo
entretanto, porque estavam lavando o depósito de água. Diante disso, José Alvarenga ficara
zangadoe Loureiro teria tentado acalmá-lo dizendo-lhe que o serviço não tardaria e que a
pipa logo estaria cheia d’água. Mas o aguadeiro teria ficado ainda mais enfurecido e retrucado
com os insultos já referidos.
340
338
Sobre a questão das ofensas verbais em Belém na segunda metade do séc. XIX ver ALMEIDA, Conceição M.
R. de. O termo insultuoso: ofensas verbais, história e sensibilidades na Belém do Grão Pará (1850-1900).
Belém: UFPA/CFCH/PPHIST, 2006. Dissertão (mestrado).
339
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Juizo Municipal. Injurias. Summarissimo pelo
crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Louereiro e réo José Vieira Alvarenga”. Ano de
1873.
Edilza Fontes discute imeras tensões que marcaram o universo de trabalho dos aguadeiros em Belém. Assim
como Ernesto Cruz, destaca que a maioria deles era portuguesa. Observa tamm que, através de textos
jornalísticos, é possível perceber o preconceito contra portugueses na cidade, expcito no discurso da imprensa
belenense naquele momento de tensão sociopolítica. Sustenta que nestes momentos de conflitos os
trabalhadores portugueses são representados como mentores da anarquia, da desobediência às leis, como
donos da liberdade ilimitada, assim como bados e sujos. Noções preconceituosas eram divulgadas sobre seus
locais de encontros, as tabernas. Estas eram os locais de ‘portugueses e vagabundos’, e era neste espaço que os
grevistas discutiram suas necessidades e deliberaram sobre suas ações na greve (de 1883)”. FONTES, Edilza.
“Preferem-se Português (as)”: trabalho, cultura e movimento social em Belém do Pará (1885-1914). Tese
(doutorado). Campinas: UNICAMP, 2002. Pp 209-10.
340
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Juizo Municipal. Injurias. Summarissimo pelo
crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Louereiro e réo José Vieira Alvarenga”. Ano de 1873
178
Em sua defesa escrita, José Alvarenga declarou que também havia sido injuriado pelo
queixoso, assim como havia, tanto por parte de Loureiro, quanto por parte do empresário dos
poços daquele Paul, o desejo de explorá-lo, pois haviam pedido 300$000 réis, para não
continuar com o processo.
341
Na articulação de sua defesa, o aguadeiro admitiu ainda que sempre que ele e demais
aguadeiros iam encher suas pipas, precisavam falar em altas vozes, haja vista o barulho ali
permanente, razão pela qual algumas das testemunhas afirmavam ter ouvido vozes em tom
elevado.
342
Aliás, em linhas anteriores discuto essa questão da incidência dos muitos sons
na rua do Paul dÁgua e das queixas acerca deles. O amigo leitor há de lembrar-se do
descontentamento de vizinhos para com o que chamavam “algazarra inaudita” de aguadeiros
no local.
343
O conflito, que aqui apresento resumidamente, reflete tensões cultivadas há certo
tempo na cidade e agravadas como crescimento da imigração numa cidade em que a
economia gumífera expandia-se, o crescimento populacional se evidenciava e as disputas por
mercado de trabalho se acentuavam. A troca de insultos denotava a efervescência das tenes,
agravadas por mais um confronto nas relações de trabalho com a água.
Mesmo levando em conta as discordantes falas das partes e testemunhas do processo,
muito possivelmente, José Alvarenga estava ao final de sua jornada diária de trabalho e sem
paciência para aguardar a finalização da lavagem do depósito de água, para então encher sua
pipa. Vale relembrar que o aguadeiro que se deslocava pelas ruas da cidade, empreendia
esforço físico considerável numa Belém de clima ardente, chuvas frequentes e chãos
quebradiços. Acrescenta-se a isso, as tensões relacionadas às disputas e desavenças no mundo
do trabalho.
A respeito das dificuldades com o solo, é importante lembrar também que, não apenas
a rua do Paul apresentava problemas que afetavam as manobras dos carros, os documentos
indicam que outros espaços da cidade encontravam-se avariados, principalmente nos meses
341
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Juizo Municipal. Injurias. “Summarissimo pelo
crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Louereiro e réo José Vieira Alvarenga”. Ano de
1873.
342
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Juizo Municipal. Injurias. “Summarissimo pelo
crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Louereiro e réo José Vieira Alvarenga”. Ano de
1873.
343
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Juizo Municipal. Injurias. Summarissimo pelo
crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Louereiro e réo José Vieira Alvarenga”. Ano de
1873. Interessante observar que na rua do Paul também residiam aguadeiros, como Francisco Machado Nunes
da Rocha, natural de Portugal e testemunha no processo movido por Francisco Valente Loureiro contra José
Vieira Alvarenga. Este, por sua vez, residia na estrada de Nazareth, talvez na parte próxima à rua do Paul. É
possível que a pesquisa mais direcionada aos aguadeiros leve à constatação de que vários dentre eles procuravam
residir às proximidades da rua do Paul d’Água.
179
de maior intensidade de chuvas, dificultando até mesmo o deslocamento dos transeuntes.
Sobre esse tema, o “Diario do Gram-Pará publicou, em março de 1886, um texto sob o título
de “Intransitavel”:
Com as chuvas que tem havido nestes últimos dias, está intransitável a
travessa de S.. Matheus, entre a rua Nova de Sant’Anna e o largo Saldanha Marinho.
A Camara Municipal se quizesse, poderia tornal-a transitável, fazendo
assim um obsequio aos transeuntes e aos moradores da travessa que pagam para a
conservação e aceio da cidade.
344
Carros pesados, grandes pipas, animais de grande porte - bois ou cavalos - com os
quais precisavam observar certo zelo, chãos avariados, necessidade de deslocar-se em
horários diversos e talvez por distâncias consideráveis, além da obrigatoriedade de prestar
socorro em casos de incêndio, todas essas eram condições de trabalho com as quais os
aguadeiros precisavam lidar na cidade de Belém. Mas entre aqueles que se dedicaram a este
ofício também, foram construídas diferenciações.
345
Na cidade de Belém, como em outras do Brasil oitocentista, havia aguadeiros e
aguadeiros, ou seja, alguns, certamente uma minoria, tornaram-se proprietários de terrenos
com poços para venda de água, outros, proprietários de várias carroças de condução, tinham
sob seu controle os aguadeiros não proprietários, mais que conduziam as carroças do patrão
e/ou senhor, efetivando a venda da água. Essa era a situação de Francisco José de Sousa Pinto,
residente à rua de São Vicente, o qual anunciou no jornal “A Epocha”, em fevereiro de 1859,
a venda de todas as suas carroças de condução d’água, os interessados deveriam procurá-
lo na residência do mesmo.
Sendo um anúncio específico de venda, o jornal não detalha a situação de Francisco
José. Mas, talvez ele fosse um aguadeiro também, que conduzia uma de suas carroças e que
dispunha de outras, cuja condução outorgava mediante aluguel ou pagamento de jornais. Uma
344
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno XXXV, nº 54, de 09/03/1886. P. 2.
A travessa de o Matheus foi posteriormente denominada travessa Padre Eutíquio. A rua Nova de Sant’Anna,
rua Senador Manoel Barata. O largo Saldanha Marinho, a princípio Largo do Quartel, foi depois chamado, praça
da Bandeira. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP,
1992. Pp. 63, 37 e 103, respectivamente.
345
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de Obras Raras. “Código de Posturas Municipaes” de 1848. In: Collecção das Leis da Provincia
do Gram-Pará. Tomo X. 1848. O Código de Posturas Municipaes de 1848”, capítulo 13º (da segurança e
tranqüillidade públicas), art. 10, estabelecia queAs pessoas, que venderem água em pipas, ou em barris
condusidas em carroças, são obrigadas a conserval-os de noite cheios de água, a fim de acudirem
promptamente a qualquer incêndio. Os infractores incorrerão na multa de dez mil reis, ou quatro dias de
prisão.
180
outra possibilidade é que ele sequer fosse aguadeiro, mas que dispusesse dos carros para água,
e dirigisse os usos dos mesmos de carroças de condução com as respectivas pipas d’água.
346
Houve aguadeiros que conseguiram ter por propriedade apenas uma carroça com pipa,
com a qual desenvolviam seu trabalho regularmente e de onde retiravam seu sustento. Houve
ainda aqueles que não eram proprietários, mas sendo homens livres, vendiam sua força de
trabalho a outrem. Desse modo, puderam trabalhar para os proprietários de mais de uma
carroça, prestando contas de suas vendas de água. E houve também os escravizados, que
desenvolviam atividades ao ganho, entre as quais poderia estar incluída a venda d’água.
Talvez, antes mesmo da fuga que empreenderam, os escravos de Manoel Marinho, referidos a
princípio, estivessem nessa condição.
Um diferenciador social entre aguadeiros poderia ser a condição de acomodação dos
animais e dos carros com pipas. Em Belém houve aqueles que puderam dispor de locais
específicos para esse fim, ou mediante compra, ou mediante aluguel. No largo da Pólvora, por
exemplo, local favorável pela proximidade da rua do Paul dÁgua, em julho de 1859, havia
um terreno disponível para aluguel aos aguadeiros, com boas acommodações para carros
e animaes”, todavia quantos aguadeiros estariam em condições de fazê-lo? Muito
possivelmente, uma minoria em Belém. Houve também aguadeiros que acomodaram seus
animais em quintais, ou nas ruas. Com o avançar do século XIX, do processo de urbanização
e das preocupações sanitárias e do esforço de aformoseamento de espaços da cidade, ficou
proibida a acomodação de carroças e cavalos em áreas consideradas centrais.
347
Afinal, a venda da água implicava na negociação do líquido transformado em
mercadoria numa sociedade na qual as relações capitalistas de produção eram reproduzidas
cotidianamente. Ou seja, se a população poderia ter acesso aos poços públicos, ou ao rio e
igarapés para obter água gratuitamente, é bem verdade que no decorrer do século XIX a
instituição da compra da água foi ratificada. E a despeito das manifestações de alguns
dirigentes em favor da gratuidade da água para os moradores da cidade, estes precisaram
custear, de modos diversificados, o acesso a mesma, fosse para abrir e conservar um poço,
346
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca blica do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II, nº 42, de 22/02/1859. P. 4. “Vendas”.
A rua de São Vicente foi depois denominada Paes de Carvalho. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado
histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.37.
347
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, seso de microfilmagem. Jornal: A Epocha”, anno II, nº 153, de 13/07/1859. P.34. “Avizos
Diversos”.
Belém. APEP. “Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém”. In: Colleção das Leis da Provincia do
Gram-Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de Noticias.
181
fosse para adquirir a água mediante compra, fosse para pagar o uso da mesma para as
companhias contratadas para o abastecimento, nas décadas finais do dezenove.
No contexto em questão, estudos sobre o trabalho dos aguadeiros de Belém são
enfáticos ao discutir a mobilização daqueles trabalhadores, mais especificamente, a greve
ocorrida em 1883 e que foi noticiada em vários jornais da cidade de Belém.
348
A greve foi iniciada em 11 de dezembro de 1883 e, de acordo com o “Diario de
Noticias”, os aguadeiros teriam reunido no poço da estrada de Nazaré e decidido não
servir a freguezia” em solidariedade a um colega cuja pipa fora vendida em hasta pública, por
haver se recusado ao pagamento da multa que lhe foi cobrada por não ter comparecido ao
incêndio da travessa da Princeza.
349
No dia 15 de dezembro, o mesmo jornal registrou que acreditava que a referida pipa
não fora vendida”, mas que, segundo os mesmos aguadeiros, aqueles que o compareceram
ao incêndio referido, tiveram seus carros e bois sequestrados, ficando os animais
extremamente maltratados o que lhes prejudicava o serviço.
Além do “Diario de Noticias”, outros jornais como A Provincia do Pará”, “O Diario
do Gram-Pará”, O Liberal do Pará”, “A Constituição”, também apresentaram textos sobre a
greve. De modo mais ou menos ácido, os redatores responsabilizavam a Câmara Municipal e
a Companhia das Águas pelo fato de inúmeros moradores ficarem sem água. Este aliás, era o
mote do discurso jornalístico. Ou seja, se a Companhia cumprisse a obrigação que lhe cabia:
instalar maior número de torneiras pelos logradouros da cidade, os moradores não ficariam a
mercê dos aguadeiros, das filas, em momentos de greve, nos locais em que as bicas estavam
colocadas e dos valores cobrados pelos proprietários das casas e/ou estabelecimentos, nos
quais as torneiras ficavam.
350
Não obstante o tom predominante dos textos dos jornais, a partir destes e do que
estava posto na legislação, é possível inferir que os aguadeiros decidiram pela greve em
virtude do descumprimento de compromissos estabelecidos para com eles, por ocasião de
incêndios: a não premiação dos três primeiros aguadeiros que chegavam ao local do inndio
348
Sobre a greve de aguadeiros ver os trabalhos referidos de CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de
abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. FONTES, Edilza. Preferem-se
Português (as”): trabalho, cultura e movimento social em Belém do Pará (1885-1914). A autora discute outras
greves, realizadas por categorias profissionais nas quais os trabalhadores portugueses eram expressivos:
catraieiros, condutores e cocheiros, peixeiros. SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das
águas em Belém, século XIX. Já mencionado.
349
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal : “Diario de Noticias”, anno IV, nº 282,, de 12/12/1883. P. 2.
350
Os moradores que buscavam as torneiras pagavam pela água, pois os proprietários do local em que as
mesmas eram instaladas, também pagavam à Companhia das Aguas.
182
e também as multas que lhes eram impostas pelo não comparecimento nos locais afetados
pelo fogo.
O digo de posturas de 1880 estabelecia a obrigatoriedade do comparecimento dos
aguadeiros com suas respectivas pipas d’água, em caso de ocorrência de incêndios, na capital
do Pará. No capítulo XV, o artigo 96 estabelecia que os aguadeiros deveriam conservar suas
pipas cheias, durante a noite, e conduzil-as aos lugares de incêndio, logo que ouvirem os
signaes, sob pena de vinte mil réis de multa”.
351
Além disso, no artigo 97, o digo previa que os aguadeiros, que se recusarem a
conduzir as suas pipas aos lugares de incêndio, quando forem chamados, incorrerão na
multa de trinta mil réis”.
352
Quanto ao prêmio” sobre o qual me referi em linhas anteriores, o artigo 98 do código
fixava que os três aguadeiros que, com suas pipas, comparecerem primeiro ao lugar de
qualquer incêndio serão premiados com a quantia de vinte mil réis cada um, á vista de
attestado da autoridade policial do districto.”
353
Nesse ponto, emergem questões básicas, que se constituíram no cerne dos debates em
torno da greve, questões essas que são discutidas, em parte, por Edilza Fontes: o controle
do tempo e das condições de trabalho, a importância dos objetos e dos animais indispensáveis
ao ofício de aguadeiro - pipas, carros e bois -, que muitas vezes sofriam danos, os riscos de
vida e a exposição a humilhações durante a ocorrência dos incêndios. Possivelmente, os
aguadeiros faltosos no momento de incêndio avaliassem que seria mais profícuo preservar o
descanso do próprio corpo e dos animais, assim como poupar os carros para as atividades cujo
retorno seria certo, ou seja, a venda da água.
354
351
Belém. APEP. “Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém”. Cap. XV (Incendios), art. 95 a 98.
In: Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de
Noticias. Os “signaes” referidos no artigo 96, seriam expressados pelo soar dos sinos, responsabilidade de
sacristães ou sineiros das igrejas da cidade, tão logo fossem sabedores de notícias sobre o incêndio (artigo 95).
352
Belém. Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém”. Cap. XV (Incendios), art. 95 a 98. In:
Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de
Noticias. Depositado no APEP. Os “signaesreferidos no artigo 96, seriam expressados pelo soar dos sinos,
responsabilidade de sacristães ou sineiros das igrejas da cidade, tão logo fossem sabedores de notícias sobre o
incêndio (artigo 95)
353
Belém. Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém”. Cap. XV (Incendios), art. 95 a 98. In:
Colleção das Leis da Provincia do Gram-Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de
Noticias. Depositado no APEP. Os “signaesreferidos no artigo 96, seriam expressados pelo soar dos sinos,
responsabilidade de sacristães ou sineiros das igrejas da cidade, tão logo fossem sabedores de notícias sobre o
incêndio (artigo 95)
354
FONTES, Edilza. Preferem-se Português (as”): trabalho, cultura e movimento social em Belém do Pará
(1885-1914). P. 211. referida. A autora afirma que a exigência de ter de socorrer os incêndios, que não
havia corpo de bombeiros na cidade pareceu absurda para os aguadeiros, pois permitiu o controle sobre parte
do seu tempo. Outra denúncia feita na greve era que os aguadeiros quando compareciam aos incêndios, eram
183
A reincidência desses problemas agravou as relações dos aguadeiros com o poder
público e possivelmente, fortaleceram teias de solidariedade no exercício do trabalho, de tal
maneira que, diante de uma Companhia das Águas cujo fornecimento ainda deixava a desejar,
os aguadeiros ainda causaram desconfortos em relação ao uso da água, na Belém de 1883.
355
3.2. A Água e a labuta com as roupas.
Quem precisar de roupa lavada e engomada com promptidão e asseio por
menor preço do que em qualquer outra parte, dirija-se a estrada da Queimada
correspondente a S. José caza n. 14, que se dirá com quem deve tratar, assim
como será servido no tempo que a queira.
(“Diario do Gram-Pará, 11/05/1861)
356
Criada. Precisa-se de uma para lavar e engomar, em casa de família, trata-se
na rua dos mercadores, n. 12, com Serafim Ferreira de Oliveira e Cia.
(“Diario de Noticias, 29/06/1887)
357
No século XIX, a lavagem de roupas era um serviço de grande necessidade para
muitos daqueles que habitavam em Belém. Aliás, a cidade não se constituiu numa exceção a
esse respeito. Num tempo em que ainda não havia as máquinas de lavar, nem os tanques
metálicos, com apoio para a esfregação da roupa, ou os varais suspensos, pensados para
poupar espaço no processo de secagem das peças, era essencial poder contar com os serviços
das lavadeiras.
Conforme discuti no início desse capítulo, os jornais do século XIX que circulavam
em Belém, apresentam uma quantidade expressiva de anúncios referentes à oferta e demanda
de lavadeiras. Em grande parte, os anúncios em questão eram sucintos e também expressavam
a conexão entre os serviços de lavagem e engomação das roupas. Por outro lado, também
vítimas de toda “sorte de tropelias” por parte dos soldados, sofrendo prejuízo em seus materiais de trabalho,
além de violência por parte dos policiais, os quais descarregavam os sabres nas costas dos aguadeiros.
355
Sobre a questão do controle do tempo e condições de trabalho é fundamental ver THOMPSON, E. P.
Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Mais especificamente o capítulo 6, sobre “tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial”.
356
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de microfilmagem. .Jornal: “Diario do Gram-Pará”, nº 98, Anno VIII, de 11/05/1861. P.3.
A notícia menciona a estrada da Queimada correspondente a S. José. Segundo Ernesto Cruz, a estrada de o
José foi depois denomina avenida 16 de Novembro. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de
suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.79.
357
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Noticias”, anno VIII, nº 143, de 29/06/1887. P.1.
184
uma longa lista de anúncios referentes às criadas que realizassem todos os serviços de uma
casa de família, inclusive a lavagem e a engomação das roupas. também anúncios que
advertem que a criada seria necessária tanto para os interiores, ou seja, “para dentro”,
quanto para fora do domicílio, ou seja, deveria também dar conta de atender aos chamados
“mandados” que emanavam do interior da moradia.
Embora reduzidos de um modo geral, alguns anúncios também apresentavam um
elenco de qualificações que a lavadeira, e/ou criada, deveria apresentar, ou então se o anúncio
ofertava tais serviços, as “virtudes” do trabalho desenvolvido pela mesma eram também
expostas. Como exemplo, remeto para o primeiro dos anúncios com que iniciei este tópico. O
aviso é de 1861 e oferece o serviço de lavagem e engomação de roupas mediante critérios
valorizados em grande parte do século XIX, como o asseio, a prontidão e o menor preço.
Nesse ponto relembro ao amigo leitor, que a cidade de Belém do Pará, como muitas
outras do Brasil daqueles tempos, conviveu com verdadeiras vagas epidêmicas durante todo o
século XIX, inclusive era muito provável que persistisse entre os moradores, as lembranças da
cólera, que ceifou muitas vidas nos anos cinquenta. E que as autoridades médicas e dirigentes
demandavam certos esforços no sentido de, levar a população a não relaxar nos cuidados em
relação à limpeza das moradias e das ruas. Aliás, em relação a essa questão também
participaram de tal campanha exortativa em prol da limpeza, do asseio, da higiene, redatores
de diversos jornais da cidade.
Segundo Arthur Vianna, as roupas que haviam servido a um finado bem como a dos
indivíduos que estiveram em contacto com elle seriam lavadas pelas pessoas encarregadas
pela Santa Casa”.
358
O fato de haverem instruções em relação ao trato das roupas de um
falecido doente e daqueles que com ele conviveram, não significa que os moradores
cumprissem tais prescrições, entretanto não considero prudente estabelecer generalizações. O
que me parece também é que emerge em variada documentação, a preocupação com a
lavagem das roupas e nesse sentido, é importante considerar que o termo “roupas” talvez se
referisse não aquelas de uso pessoal, como também às de cama, às redes e até mesmo aos
panos usados em móveis contidos nos interiores das moradias.
Não observo nos códigos posturais recomendações com relação à limpeza do corpo
pelos moradores da cidade, mesmo com a impregnão das doenças, todavia parecia ser
importante providenciar a lavagem das roupas. Ao proceder a leitura de vários “abaixo-
358
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pa“Arthur Vianna”,
sessão de obras raras. VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. As Epidemias no Pa. Pará/Belém: Imprensa
do Diario Official. 1906. P. 111. Instrução de nº 6 das “Instruções para o serviço de desinfecção e caição das
casas em que se derem os óbitos da epidemia reinante e da febre amarela”.
185
assinados”, de décadas distintas do século XIX, por exemplo, deparei-me com alguns que
destacam essa preocupação. Entre esses, os referentes às pensionistas do “Collegio N. Srª do
Amparo”, uma vez que os “abaixo-assinados” que assumiam responsabilidades pela(s)
pensionista(s) junto à administração do colégio, comprometiam-se a pagar-lhes os
trimestres, assisti-las com vestuário e lavagem de roupa, e tudo o mais que fosse
necessário”.
359
No século XIX em Belém, eram as mulheres escravizadas, libertas ou livres, ou ainda
de condição social menos favorecida, que essencialmente dedicavam-se ao trabalho da
lavagem de roupas. A documentação que pesquisei o contém registros que indiquem a
participação masculina neste tipo de ofício referente ao uso da água, no decorrer dos
oitocentos.
Da mesma forma não encontrei indícios relacionados ao envolvimento de quaisquer
mulheres de condição social abastada e residente em Belém, na labuta com lavagens de roupa.
Contrariamente, a documentação revela o envolvimento de mulheres menos afortunadas,
consideradas pobres, cujos ganhos com as lavagens eram direcionados para o sustento próprio
e, às vezes, ao da família também. Uma dessas mulheres ganhou certa visibilidade através de
um auto de perguntas datado de 14/02/1882 e de uma notícia no jornal, acerca de uma suposta
agressão da qual teria sido vítima e seu filho Amancio, o autor. Tratava-se de Severiana
Thereza da Fonseca, lavadeira, a qual somava 60 anos de idade e que compareceu à chefatura
de polícia, com vistas a defender o filho, acusado de agredir a um amigo e a ela.
360
Estudos referentes ao cotidiano, cultura e trabalho em cidades, indicam que desde
tenra idade, meninas de falia menos favorecidas, costumeiramente denominadas pobres,
eram iniciadas nos serviços domésticos tais como: cozinhar, lavar, passar, servindo de ama.
Essa espécie de treinamento estava aliada, geralmente, às necessidades materiais enfrentadas
pela falia, como também ao fato de que trabalhos como esses serem considerados como
demarcadores do universo feminino, além de serem considerados no rol daqueles que não
exigiam processos de aprendizagem mais elaborados. Levando em conta as fontes que
consultei sobre essa temática, acredito que esse modo de pensar as atividades pensadas como
359
Depositados no APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. Anos
cinqüenta a oitenta do século XIX.
360
APEP. Fundo: Secretaria de Segurança blica. Caixa de 1880-1885.. Auto de Perguntas feitas a Severiana
Thereza da Fonseca. Ano de 1882.
186
femininas, e várias delas referentes aos interiores dos domicílios, tenha encontrado eco entre
os habitantes de Belém.
361
Conforme afirmei anteriormente, inúmeras daquelas mulheres o eram
exclusivamente lavadeiras. Comumente, aquelas que lavavam também engomavam as peças,
embora ocorressem concentrações de habilidades, ou seja, uma boa lavadeira poderia não ser
tão boa engomadeira e vice versa. Não raramente, quando trabalhavam no interior da
residência de seus senhores e/ou patrões, elas realizavam um conjunto de atividades que
desaguava no funcionamento da casa como um todo, ou seja, na rotina doméstica. Então não é
exagero considerar que a lavagem da roupa fosse uma atividade muito importante na
organização do domicílio. Inclusive, no caso deste pertencer e/ou acolher uma família de
camada social abastada, o lavar e o passar e engomar adquiriam proporções consideráveis,
posto que seriam inúmeras as peças a serem limpas, tais como: guardanapos, fronhas,
cobertores, toalhas de vários tipos, redes, lençóis, além das roupas de uso pessoal em si e das
chamadas roupas de casa”, as quais também deveriam ser lavadas e passadas pela lavadeira,
ou criada em serviço na residência.
Considero necessário refletir também acerca do tempo demandado para o
desenvolvimento completo da tarefa de lavagem da roupa. A respeito disso, é preciso lembrar
que entre a lavagem e a engomação da roupa, precisava acontecer o processo de secagem da
mesma. Afinal aquele era um processo que exigia tempo e certa vigilância. Não convinha, por
exemplo, que a roupa quase seca recebesse água de chuva, o que poderia acarretar mau
cheiro, ou até manchas e demandar outra jornada de trabalho.
Muito possivelmente, em inúmeras residências as criadas para todo o serviço da
casa”, como eram denominadas em anúncios pela imprensa escrita, deveriam conciliar o
tempo da secagem com a execução de outra tarefa, uma vez que não era possível, ou aceito
pelas patroas ou senhoras, perder tempo” esperando a roupa secar. Ou seja, era preciso
construir uma determinada disciplina de trabalho, que tornasse possível a execução das tarefas
ao longo do dia.
A respeito disso, convém lembrar que a distribuição do tempo de execução das tarefas
nem sempre dependia das motivações e/ou interesses da criada, pois o volume de tarefas
361
Sobre essa questão ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho.
Bauru, SP: EDUSC, 2002. P. 158. Nessa obra, a autora adentra pelo universo da cidade de São Paulo,
privilegiando as relações entre patroas e criadas (os), no cotidiano que ela denomina “porta adentro”.
187
poderia resultar na intervenção das senhoras ou patroas, que não dificilmente, organizariam
(espécies de) roteiros dos afazeres drios para suas criadas.
362
Os anúncios revelam também a tentativa de conciliar labores domésticos bem
distintos, mas não inconciliáveis de acordo com moradores de Belém. O aviso a seguir, de
agosto de 1890, expõe a conjugação de serviços como os de ama e engomadeira: Ama.
N´esta typographia se dirá quem precisa de uma que saiba engommar. Prefere-se que seja
portugueza, e que durma em casa”.
363
O anúncio em questão sugere que na dita residência a lavagem da roupa já era
efetuada, talvez até em espaços externos ao domicílio, ou realizado por uma lavadeira que
acumulasse outra(s) função(ões). Todavia, conforme discuti em algumas linhas atrás, o
mesmo não ocorria com o servo de engomação. Desta feita, é possível que a patroa tenha
avaliado a possibilidade de conciliar as tarefas de ama com as de engomadeira, uma vez que
ambas poderiam ser efetuadas nos interiores da moradia.
Outra questão era a preferência étnica, explicitamente manifestada na frase “prefere-se
que seja portuguesa”, ou seja, que não fosse uma ex-escrava, provavelmente com maus
costumes”, inclusive porque além de engomadeira, também seria ama. Existem estudos que
discutem a questão da preferência indicada anteriormente. Eles analisam que, no caso da
predileção por portuguesas, havia a possibilidade de que essas fossem pensadas como
“mulheres mais civilizadas”, com possibilidade de corroborar para a “limpeza étnica” e
aprimorar os costumes na capital do Pará.
E a preferência pela etnia portuguesa para criadas de dentro da residência aumentou,
de acordo com os anúncios de jornal, após a proclamação da república, com ênfase na questão
da morigeração, ou seja, uma criadagem supostamente civilizada somaria positivamente para
o aprimoramento da família, principalmente ao lidar com as criaas, e contribuiria para o
progresso da cidade em si, ao passo que a presença de empregados domésticos eivados de
“maus costumes”, muitos dos quais acumulados nos anos de escravatura, em que
acrescentaria para o “progresso” das famílias e, por conseguinte, da cidade?
362
Izilda Matos pondera que em o Paulo “(...) o mais comum era uma única empregada realizar todos os
serviços: lavar, engomar, cozinhar e arrumar. As mais experientes faziam verdadeiros malabarismos para
executar todas as suas obrigações (...)”. MATOS, Izilda. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho.
Bauru, SP: EDUSC, 2002. P. 135.
De acordo com as fontes que pesquisei a Belém dos oitocentos praticamente não fugiu a esta regra.
Ver também GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de
Janeiro.1860-1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. P.54.
363
Fundação Cultural “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de microfilmagem. Jornal “A República”, anno I, nº 158, de 31/08/1890. P. 01.
188
Não obstante as preferências construídas ao longo dos oitocentos, é importante
lembrar que nem todas as criadas desenvolviam suas atividades exclusivamente nos interiores
do domicílio, muitas eram mandadas às ruas para efetuar compras na praia, ou no mercado, ou
buscar água em poço próximo, ou levar recados. Além disso, havia lavadeiras que exerciam
seu ofício em suas próprias residências, ou mesmo em praças da cidade, à revelia das
proibições escritas pelos dirigentes locais, desde a primeira metade do século, tais como a que
se segue:
364
Tambem he vedado corar, enchugar, ou estender roupas nas praças, largos,
ruas, e travessas, em armadilhas, e cordas, ou mesmo no chão. O infractor incorrera na
multa de cinco mil réis ou dous dias de prisão.
365
Ante a necessidade de criados e criadas irem às ruas, não era difícil, durante o longo
período da escravidão, que livres e libertos fossem confundidos com escravizados, que não
raramente estavam pelas ruas ao ganho. Aliás, inúmeros escravos ditos domésticos, estendiam
suas atividades às ruas, trabalhando ao ganho – como na venda de alimentos, carregamento de
água e mesmo na prostituição. Em periódicos belenenses, por exemplo, houve quem
anunciasse seus interesses em adquirir escravas para desenvolver atividades fora do âmbito
domiciliar
Precisa-se de uma preta para vender na rua e para lavar roupa, que seja de boa
conduta e fiel para uma casa de pequena família, declara-se que também pode
dormir em casa de seu senhor, vindo às 6 horas da manhã e indo às 7 ou 8 horas da
noite,não excedendo de 320 réis, por dia, quem a tiver dirija-se a esta tipografia que
se dirá quem precisa.
366
Este não foi um caso único, a criadagem escravizada considerada doméstica em
inúmeros momentos extrapolou as portas do domicílio de seus senhores para desenvolver seus
364
Leila Algranti, registra que “(...) uma família rica possuía sempre negras lavadeiras além de uma mucama
encarregada de passar peças finas o que a ocupava pelo menos dois dias por semana. Mas nas casas mais pobres
onde só havia um escravo, este era mandado a lavar a roupa nos chafarizes espalhados pela cidade. Havia ainda a
possibilidade de se contratar os serviços de uma negra lavadeira que trabalhava ao ganho. (...)”. ALGRANTI,
Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro 1808 - 1822. Petrópolis:
Vozes, 1988. P.89.
Sandra Graham faz referência às idas das lavadeiras aos chafarizes, bem como nos tanques dos cortiços. Discute
as condições de trabalho daquelas mulheres, às preocupações das mesmas com o clima - que poderia
comprometer a secagem das peças -, com a pontualidade na entrega das roupas, enfim. GRAHAM, Sandra
Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro.1860-1910. São Paulo: Companhia
das Letras, 1992. Pp. 58-9.
Ver também SALLES, Vicente. O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: Ministério da Cultura;
Belém: Secretaria de Estado; Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988. Pp. 171-6.
365
Belém. “Código de Posturas Municipaes” de 1848. Cap. 1 “Das Posturas Especiais”. Art. 155. In: Collecção
das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo X. 1848. Depositado na sessão de Obras Raras da Biblioteca Pública
do Estado do Pará “Arthur Vianna”. Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves/CENTUR.
366
Jornal: Treze de Maio”, Belém, anno 6, 289, 7 fev. 1854, p.4. Citado por SALLES, Vicente. Op. Cit., P.
175.
189
misteres nas ruas, principalmente as lavadeiras, uma vez que desenvolviam um servo que
requeria em abundância, a utilização da água ainda não canalizada. Nesse sentido é possível
entender a situação de Ambrósia, cujo senhor anunciou em janeiro de 1850 o seguinte:
Roga-se ao sr. que deve 6.080 réis de lavagem de roupa e engomado à preta
Ambrósia queira mandar a dita quantia a casa do sr. Da dita preta, para também se
lhe entregar a última porção de roupa, que ficou cativa, mais de 2 meses: (se
antes não mandar buscar) se anunciará o leilão da dita roupa, com declaração do
nome da pessoa a quem pertence.
367
Não obstante haver referido lavadeiras escravizadas, havia em Belém nos oitocentos,
aquelas que não o eram. De qualquer modo, escravizadas ou não, enquanto as casas não
estavam abastecidas com o sistema de água encanada ou eram desprovidas de poços, a
lavagem das roupas dependia das saídas das lavadeiras até os lugares de lavagem, o que
poderia demandar o dia inteiro, pois era preciso também, esperar a roupa secar, reti-la das
cordas, arrumá-las e transportá-las cuidadosamente pelas ruas, até o local onde seriam
passadas e engomadas. O cuidado no transporte da roupa lavada poderia evitar momentos de
desassossego e contrariedade às lavadeiras, pois caso as peças fossem alvejadas com
respingos de lama e similares indesejáveis, elas precisariam repetir todo o processo da
lavagem.
No caso específico de Belém, considerando que na segunda metade dos oitocentos
várias eram as ruas e praças e largos ainda não pavimentados, bem como precisando de
reparação por parte do poder público, esses cuidados tornavam-se não importantes como
até indispensáveis, sobretudo no período das chuvas, quando a lama proliferava em vários
trechos da cidade, dificultando a mobilidade dos transeuntes, bem como de carroças e carros-
pipas e ameaçando a limpeza das roupas lavadas nos poços.
368
No caso específico de Belém, Henry Bates registrou que nos anos 40 do dezenove era
nos arredores da cidade que ficavam situados os poços públicos. Segundo ele, tratava-se de
367
Jornal: O Velho Brado do Amazonas”, Belém, anno 1, 43, 27 set. 1850, 1 cad., p.4. Citado por SALLES,
Vicente. Op. Cit., P. 178.
368
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Belém”, anno IV, 26, de 01/02/1871. P. 1. Sobre a necessidade
de reparos em vias públicas, o leitor deve estar lembrado das queixas em relação a rua do Paul, registradas em
jornal nos anos setenta. Segundo o redator, o calçamento estava tão danificado que os carros com pipas estavam
se quebrando.
190
áreas pantanosas, onde era lavada toda a roupa da cidade por um número significativo de
lavadeiras negras, muito possivelmente escravizadas eruidosas”.
369
também registros acerca da presença das lavadeiras nos limites dos bairros da
Campina e Umarizal, conforme afirma Vicente Salles. :
As lavadeiras, em geral pretas e mulatas, habitavam preferencialmente no
bairro do Umarizal e exerciam seu humilde ofício no igarapé das Almas, limite do
bairro negro com o bairro da Campina, onde habitavam as famílias abastadas para as
quais trabalhavam.
(...) A periferia da Campina beirava os alagados do Piri, pro lado do Arsenal
de Marinha, e os alagados do igarapé das Almas, pra banda do Reduto, deixando na
outra margem o Umarizal, habitado predominantemente pelos negros.
370
A imagem que exponho a seguir mostra uma “vista do Igarapé das Almas”, mencionado
por Salles.
Figura 26 Igarapé das Almas. (Posteriormente foi canalizado e teve a área aterrada.)
371
369
BATES, Henry Walter. Um Naturalista no rio Amazonas. .Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. Da
Universidade de São Paulo, 1979. P. 14.
370
SALLES, Vicente. O Negro na Formação da Sociedade Paraense. Textos Reunidos. Belém: Paka-Tatu,
2004. Pp. 143-5.
371
Com as modificações implementadas, no antigo Igarapé das Almas foi construída a Avenida Visconde de
Souza Franco. In: Belém da Saudade: A Memória da Belém do Início do Século em Cartões-Postais”. Belém:
Secult, 1996. P. 67.
191
A planta da cidade de Belém de 1905apresentada em seguida e, principalmente, o
detalhe da mesma, permitem uma localização mais precisa da “banda do Reduto”, referida
pelo autor e mais especificamente a doca do Reduto. A planta também favorece uma certa
percepção do crescimento da cidade nos primeiros anos do século XX.
Figura 27 Planta da Cidade de Belém de 1905 – destaque meu: Doca do Reduto.
372
372
FBN/RJ. Coleção “Cartografia”. “Planta da cidade de Belém com a primeira légua patrimonial demarcada
por José Sydrim; auxiliado por José Moreira da Costa”. Há uma reprodução na obra Belém da Saudade: A
Memória da Belém do Início do Século em Cartões-Postais”. Belém: Secult, 1996. P. 28.
192
Inúmeras lavadeiras, por
desenvolverem seu ofício em torno
dos poços públicos espalhados em
inúmeros lugares da cidade,
percorriam ruas, largos, praças
igualmente espalhados por Belém – há
indicações de que realizavam lavagens
na travessa da Piedade, nas
proximidades dos poços, também nas
praças do Rosário, do Carmo, da
Trindade e de São José.
Dessa forma, elas
desenvolviam vasto conhecimento
sobre a cidade e sobre aqueles que
nela circulavam. Aprendiam a desvendar certas tramas assim como a urdir outras tantas,
consideradas necessárias à trajetória de sua existência.
Como em várias cidades do Brasil do século XX, não eram pouco os trabalhadores que
percorriam os espaços ditos públicos: ruas, travessas e estradas, praças e largos. Os
aguadeiros principalmente, mas além deles as lavadeiras assim como aqueles que trabalhavam
mais diretamente nas moradias, como as (os) cosinheiras (os), frequentavam regularmente os
espaços da urbe cumprindo tarefas relativas ao trabalho de cada um, ou às necessidades das
casas de morada.
Nesse ponto não é demais relembrar que muitos dentre esses trabalhadores eram
escravizados e considerando os séculos de vigência da escravidão no Brasil e da reprodução
dessas práticas, estudiosos como Gilberto Freyre, discutiram a relação entre essa questão e a
demora no encaminhamento do processo de canalização da água potável e serviço de esgotos
nas casas de morada.
373
373
Para Gilberto Freyre, o fato de escravos suprirem as moradias de seus senhores com água de beber, de
cozinhar e de banho, retardou em rias cidades do Brasil, a instalação de serviços de canalização e de esgotos
nas casas e sobrados. Ele tamm remete o leitor para a questão de escravos que transportavam pelas ruas os
balaios à cabeça, repletos de produtos. Nesse sentido, ele situa as lavadeiras, que com suas trouxas de roupa suja
tamm à cabeça, integravam esse quadro de escravos e negros em geral no espaço urbano. FREYRE, Gilberto.
Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global, 2003.
P.633. Ernesto Cruz também afirma que “no ano de 1883, quando a Grão-Pará, iniciou o serviço da canalização,
apenas 100 prédios possuíam água encanada. (...) Em 1884, aquele número havia subido para 500,
presumivelmente, pois nos faltam os algarismos oficiais. (...) Por essa época, a população da capital estava
calculada em 12.000 habitantes. Para tão valioso empreendimento, de incalculável beneficio para a coletividade
Detalhe, Figura 27
193
Até o presente momento detive-me na utilização dos serviços de lavagem, coadunado
ou não a outros, no interior do domicílio, no contexto dos oitocentos. Mas, a lavagem da
roupa podia ser uma atividade desenvolvida no interior do ambiente doméstico da ppria
lavadeira, ou seja, em sua própria casa e até mesmo, com o auxílio de familiares. Nestes
casos, o trabalho poderia acontecer nos quintais, sob o sol ou chuva.
374
A roupa suja poderia ser acondicionada em trouxas ou em sacos de lona, ou ainda em
cestos. Chegado o momento da lavagem, a lavadeira retirava as peças e levava-as para os
recipientes nos quais pudesse encharcá-las. Os recipientes em questão poderiam ser as bacias,
ou então as tinas. Possivelmente, conforme sugere o escritor João Marques de Carvalho,
usavam uma bua lisa, sem farpas, como apoio para proceder a esfregação da roupa.
Além da água, as lavadeiras usavam o sabão no processo de remoção da sujeira. Nos
anos oitenta do século XIX, a “Mercearia Modelo” publicou um anúncio no “Diario de
Noticias”
A´s Lavadeiras. Queréis comprar sabão barato?
Vinde á Mercearia Modelo, que encontraréis pães de sabão, a 160, 240 e 320 réis, da
melhor qualidade.
Estrada de S. Jeronymo.
375
Novamente recorrendo aos anúncios percebi que em diferentes décadas do século XIX,
o sabão era sempre um dos produtos ofertados para venda. A respeito disso, diferentes
gêneros” e valores daquele produto foram registrados nos avisos. Dessa forma aparecem, nos
anos cinquenta e sessenta por exemplo, referências a: sabão de cacau entre 160 e 200 réis a
libra, sabão amarelo a 200 réis, sabão branco a 130 réis a libra, sabão preto a 120 réis a libra
em caixa e a 160 rs. a libra a retalho.
e de tamanha relevância para a Província, a estimativa deixava muito a desejar. Não seria isso resultado da
resistência dos aguadeiros? Ou produto dos hábitos dos tempos coloniais, da época da fonte das Pepes e dos
poços do Paul d’Água?”. CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital
desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. Pp. 55-
6.
374
O escritor João Marques de Carvalho nos fala das mulatas Maria e Hortência, mãe e filha respectivamente,
que ganhavam seu sustento através da lavagem de roupa na própria casa. As duas moravam na estrada da
Constituição (atual avenida Gentil Bitencourt), em uma choupana de palha seca. O trabalho era desenvolvido no
quintal, mediante a utilização de tinas. In: CARVALHO, João Marques de. Hortência. Belém: Fundação
Cultural do Pará Tancredo Neves/Secretaria de Estado da Cultura, 1989. Pp. 39 a 41.
375
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario de Noticias”, anno IX, n° 115, de 22/05/1888. P. 01.
O sabão era um item muito importado pelos comerciantes locais. Segundo Bárbara Weinstein, na décdada de
noventa essa importação ainda era intensa o que significou concorrência com a fábrica de sabão instalada em
1895. Ver WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo:
HUCITEC:EDUSP, 1993. P. 114.
194
Em 11 de dezembro de 1857, no Diario do Gram-Pará”, foi publicado um anúncio de
venda de sabão na saboaria da rua Longa”. O anúncio refere-se ao sabão de família de
muito boa qualidade próprio para lavagem de roupa de algodão, linho e , a 160 rs por
libra e em caixa a 130 rs”, também avisa a possibilidade de troca de libra de sabão por libra
de sebo, o que também aparece registrado em outros anúncios daquele período. Ainda oferece
potes de barrela cosida e preparada para lavagem de redes e roupas grossas, a 160 rs; ditas
para lavagens de casa e tirar nodoas de azeite ou gorduras a 120 rs, ditas para lavar vidros e
typos a 640 rs.”
376
Mas o sabão também poderia ser produzido pela própria lavadeira, como o sabão de
cinza, por exemplo, usado para branquear a roupa. A água em que se fervia a cinza, em Belém
recebia o nome de barrela. O escritor Marques de Carvalho faz referência ao uso da barrela
pela lavadeira Maria e a filha desta, Hortência, na lida com as lavagens que realizavam no
quintal de sua moradia.
377
Molhar, ensaboar, esfregar, torcer, molhar de novo, retirar o sabão, corar a roupa, eram
etapas integrantes do labor das lavadeiras. Em domicílios nos quais houvesse poço, o trabalho
poderia ser efetuado nas proximidades do mesmo em tinas pequenas, possível de serem
transportadas, ou em bacias. Não encontrei referências ao uso de tanques específicos para
lavagem de roupas no século XIX.
Com a inauguração daCompanhia das Águas”, instalaram-se torneiras em vários
estabelecimentos da cidade. Segundo Ernesto Cruz, os citados locais de instalação foram: rua
da Instria, depois chamada Gaspar Vianna, no estabelecimento da Firma Ribeiro &Freitas;
travessa 1º de Março, na casa de Antonio Ferreira da Graça; Praça Dom Pedro II, na
residência de Romão Peres; Largo de Nazaré, depois chamado praça Justo Chermont, no
prédio onde morava João José do Nascimento; estrada da Independência, depois denominada
avenida Magalhães Barata, na casa da firma Batista Rodrigues & Silva; rua do Espírito Santo,
posteriormente Dr. Malcher, nas casa de Reinaldo Marques da Silva e Manuel Francisco
Esteves. Mas, ainda segundo o autor, poucos eram os moradores a se servirem daquelas
376
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario do Gram-Pará”, anno V, n° 289, de 11/12/1857. P. 04.
377
Izilda Matos afirma que essas mulheres conheciam as cnicas e os segredos de sua ocupação, estratégias
para branquear, engomar e passar a roupa, além de produzirem elas próprias o sabão e a goma”. A autora
menciona também, o sabão de cinza. In: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade
e trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002. P. 145. CARVALHO, João Marques de. Hortência. Belém: Fundação
Cultural do Pará Tancredo Neves/Secretaria de Estado da Cultura, 1989. Pp. 40-1.
195
torneiras. Diante, da notícia a seguir, publicada no Diario de Notícias” de 16/02/1888, havia
certa insatisfação com relação ao fornecimento de água.
378
INSULTO Á POPULAÇÃO. Em diversas tabernas d´esta cidade, vê-se uma chapa
de metal pregada á parede com esta inscripção em letras grandes: COMPANHIA
DAS AGUAS – torneira publica n° ...
O publico, porem, se quer água, compra-a por bom dinheiro, do taberneiro em cuja
casa se acha a torneira publica.
Isto é uma grande affronta, que se faz ao povo paraense; porquanto é sabido que essa
felizarda companhia, para quem a província o regateou favores, não dá uma só
gota d´água e esta generosa população, que, se fosse n´outro qualquer paiz, teria
arrancado aquellas insultos as placas a atirado-as na cara da companhia ou de quem
teve a lembrança de mandal-as collocar.
379
Problemas como esse contribuíram para que os moradores continuassem recorrendo ou
aos poços públicos e/ou aos aguadeiros - desde que dispusessem de recursos para custear os
recipientes com água - ou aos criados que iam às ruas em busca desse líquido.
Acredito inclusive, na possibilidade de que raras fossem as lavadeiras que buscassem o
recurso daquelas torneiras a fim de desempenhar seu ofício. Justamente porque a demanda de
água para lavagem de roupa dificilmente seria reduzida, o que resultaria em maiores gastos
para a lavadeira, ou para os senhores/patrões, além do desgaste em relação a deslocamentos,
esforço físico, entre outros. Conforme procuro mostrar neste estudo, grande parte delas
recorria aos poços públicos, ou aos particulares, inclusive nos anos noventa, como por
exemplo Olímpia da Costa Brasil e Appolinaria Maria do Espírito Santo, ambas lavadeiras,
que regularmente dirigiam-se a um poço situado na “Pratinha”, como era popularmente
conhecida a rua dos Mundurucus, a fim de coletarem água para o seu ofício.
380
Havia também as lavadeiras que desenvolviam seu trabalho nas praças e largos da
cidade, sobretudo em dias de sol forte. Nesses lugares, era possível ver as lavadeiras
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de obras raras. SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario de Língua Portugueza” Recopilado dos
vocábulos impressos até agora, e nesta segunda edição novamente emendado, e muito accrescentado. Lisboa:
Typographia Lacerdina. Anno de 1813. De acordo com Moraes Silva, “Barrela” era “a decoada de água
embebida em saes vegetaes, que se deita na roupa, para sair bem lavada”. “Corar”, “dar còr (...) dar cor branca ao
linho”.
378
CRUZ, Ernesto. A Água de Belém: sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. Pp 53-4.
379
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario de Noticias”, anno IX, n° 37, de 16/02/1888. P. 02.
380
APEP. Fundo: Segurança Pública. Série: Autos Crimes. 1890. Autos crimes de assignação de termo de bem
viver em que é queixosa Augusta Campello e querellada Olímpia da Costa Brasil. Datado de 1896.
196
acocoradas sobre suas tinas, com as saias erguidas e presas entre os joelhos como um calção
turco”, ou junto aos antigos poços, puxando água e conversando em altas vozes.
381
Lugares que outrora foram área suburbana como a travessa da Piedade, a praça da
Trindade e do Carmo, eram, na década de oitenta, regularmente frequentados pelas lavadeiras.
As roupas lavadas eram postas a secar nas praças, o que gerava um espetáculo singular
naqueles pontos da cidade. o raramente, elas também preparavam suas refeições nos
mesmos lugares em que procediam à lavagem. O jornal “A Provincia do Pará” criticou
duramente o poder público por tolerar a presença de lavadeiras nas praças e largos da cidade.
Em 29 de abril de 1885, foi publicada uma matéria sob o título Lavanderias nas
praças publicas”, na qual o redator em tom de ironia e crítica aos dirigentes locais reclamava
do desrespeito ao código de posturas municipais, reportando-se ao artigo 75 do mesmo,
segundo o qual “é igualmente prohibido corar, enxugar ou estender roupa nas praças,
largos, ruas e travessas, em armadilhas, cordas, ou no chão, salvo em lugares designados
pela câmara. O infractor pagaa multa de dez mil réis.
382
Através dessa matéria é possível entrever elementos que marcaram o trabalho de
mulheres lavadeiras em Belém, que precisaram recorrer aos espaços considerados
especificamente públicos, mas que, para elas, nem sempre se definiram daquela forma, uma
vez que neles não somente desenvolviam seu trabalho, como trocavam ideias, informações e
confidências, expressando intimidades em meio ao capinzal e/ou nas proximidades dos
poços.
383
De acordo com a narrativa do autor, o que teria motivado a produção do texto
jornalístico, foi o fato de várias lavadeiras realizarem suas lavagens de roupa na praça do
381
A expressão “calção turco” é empregada por Marques de Carvalho quando refere o modo como a lavadeira
Maria prendia a saia entre os joelhos antes de inclinar-se sobre a tina. Ver CARVALHO, João Marques de.
Hortência. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves/Secretaria de Estado da Cultura, 1989. Pp. 58.
382
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2698 , de 29/04/1885 Já citado.
De acordo com Maria de Nazaré Sarges, o jornal “A Provincia do Pará” foi fundado em 1876 por Francisco de
Souza Cerqueira, Antônio Lemos e Joaquim José de Assis. Com a criação do Jornal, “Antonio Lemos assumiu
de vez sua condição de jornalista, dividindo a responsabilidade da redação do jornal com o seu proprietário, dr.
Joaquim José de Assis”. Lemos era membro do Partido Liberal, em 1885 foi eleito por esse partido, deputado
provincial pelo 1º e 5º Distritos. Naquele mesmo ano de 1885, a administração provincial estava sob controle do
Cônego Siqueira Mendes, do Partido Conservador e Lauro Sodré iniciou em Belém a propaganda republicana.
In: SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do “Velho Intendente” Antonio Lemos (1869-1973). Belém: Paka-
tatu, 2002. Pp. 47-8.
Sobre o pagamento de multas ver Belém Código de Posturas para a Câmara Municipal de Belém”, Cap. XIII,
Art. 90. In: Colleção das Leis da Província do Gram Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Impresso na
Typographia do Diario de Noticias. 1880-1881. Depositado no APEPA.
383
Ver ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da
vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
197
quartel d’artilharia “(...) em um dia de sol brilhante, que realça o quadro de uma lavanderia
pública (.?.) na cidade”. Aliás, o redator afirma considerar curioso o aspecto que
apresentam algumas praças e ruas da capital, transformadas diariamente em lavanderias
públicas e critica o poder público por agir com bonomia em relação às mulheres que
exerciam aquele ofício.
384
O texto em questão chama a atenção do leitor para o que é considerado contraditório
numa capital como Belém, ou ainda, em “nossa civilização”.
Aqui, roupas de um branco de neve se balançam, suspensas em cordas
passadas de um a outro cercado da projectada arborização; mais longe, redes,
lenções, ceroulas, (.?.).... cobrem a verde relva, fazendo contraste com o charco ou a
lama que ao lado é alimentada pelas águas da lavagem.
Alli, um grupo de lavadeiras, saia a tira-collo, acocoradas junto às tinas, se
grazinam, se apostropham, se redizem em voz alta um mexerico de criada posto à
conta da patroa, ou a anedota arranjada sobre a peça de roupa, entre mãos.
385
À guisa de reivindicar a atenção das autoridades para a observação postural, o redator
de A Provincia do Pará”, tornou possível o conhecimento acerca de permanências
importantes na cidade de Belém, ou seja, havia lavadeiras que nos anos oitenta dos oitocentos,
à revelia de digos reguladores, continuavam a recorrer aos espaços considerados
explicitamente públicos da cidade, e que aos olhos de diversos moradores, deveriam ser
aformoseados através dos cuidados da Câmara Municipal, para desenvolver o seu ofício.
No ano de 1891, o jornal “A Republica publicou, ressalvando que foi uma medida
acertada, que as lavadeiras de Belém foram intimadas a não mais estenderem as roupas
lavadas nas praças e ruas da cidade. As infratoras seriam multadas.
386
Medidas como essa restringiram cada vez mais o desempenho desse trabalho ao âmbito
do domicílio, fosse este o dos patrões, ou o da própria lavadeira.
Estudos indicam que muitas lavadeiras, em o Paulo, por exemplo, passaram a
trabalhar nos quintais das residências dos patrões, inclusive com água encanada.
Possivelmente essa prática reproduziu-se em várias cidades do Brasil, inclusive em Belém.
387
384
O largo acima referido era chamado Largo do Quartel. Posteriormente foi denominado Saldanha Marinho e
finalmente Praça da Bandeira. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações.
Belém; CEJUP, 1992. P. 103.
385
Fundão Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem . Jornal “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2698 , de 29/04/1885. P. 02.
386
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A República”, anno II, n° 382, de 05/06/1891. P. 02.
387
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
P. 149.
198
3.3. Água e alimentação: a água domiciliar e a preparação de alimentos.
Vende-se uma escrava preta de 30 annos de idade mais ou menos, garantindo-se ser
perfeita cosinheira e engomadeira, sem vícios nem molestias, com 3 filhos tendo um
8 annos de idade, outro 5 annos e o terceiro 3 annos. A tratar a Rua dos Mercadores,
sobrado nº 6 BB.
388
No decorrer do século XIX, vários anúncios de jornal, muito semelhantes ao
apresentado acima, expressaram tanto a oferta quanto a procura por trabalhadores (as)
dedicados á preparação de alimentos em Belém eram os cozinheiros e cozinheiras. Nos
domicílios, das mais diversas camadas sociais, a rotina doméstica era marcada por um número
significativo de tarefas voltadas à confecção de alimentos, todavia, inúmeros moradores não
podiam dispor de trabalhadores domésticos em suas residências, posto que isso implicava em
custos com os quais a grande maioria não poderia arcar. De qualquer modo, muito
possivelmente, era nas atividades de cozinha que a água domiciliar seria mais absorvida.
O anúncio acima, similar a tantos outros, aponta indícios da condição social daqueles
que ofereciam a escrava pretaà venda: eram prováveis moradores do sobrado situado na
rua dos Mercadores, que pareciam apreciar e/ou saber o quanto que para o período em
questão, era importante alertar aos possíveis interessados que a dita escrava não só era
perfeitanos ofícios que desenvolvia, como também sem víciose sadia, posto que não
portava moléstias”. Ou seja, uma escravizada considerada ideal, mediante os padrões
vigentes naquele período, para serviços do interior do domicílio familiar.
A partir da observação da expressiva quantidade de anúncios referentes às cozinheiras
e cozinheiros, não raramente conectados a outras atividades relacionadas à vida domiciliar,
percebi que os moradores que podiam arcar com os custos relacionados a esse ofício,
buscavam alugar ou adquirir (mediante compra) aqueles tipos de trabalhadores, evitando
assim, e considerando o longo período de vigência da escravidão no Brasil, um envolvimento
direto com a execução de tarefas associadas ao trabalho escravo e no âmbito em questão,
aquelas realizadas nas cozinhas das residências cujos moradores dispunham de alguma
criadagem, ou mesmo de possibilidades pecuniárias para custear pelo menos uma criada, ou
ainda adquirir um (a) único (a) escravo (a) que cumprisse com essa função.
388
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário de Belém”, anno IV, nº 37, de 15/02/1871. P. 02.
A rua dos Mercadores foi também chamada rua da Cadeia, por localizar-se nela, o predio da capital do Pará.
Posteriormente recebeu a denominação de rua Conselheiro João Alfredo. Ver Ruas de Belém: significado
histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 41.
199
Enfim, o que estou buscando expressar é que o ofício de cozinhar, embora essencial no
cotidiano dos habitantes e na vida domiciliar, foi, assim como a lavagem de roupa, a coleta e
o transporte de água, considerado inferior, realizado por sujeitos desprovidos de riqueza e
instrução, integrantes de etnias “inferiores”, muitos dos quais escravizados ou libertos.
Ofícios como esses, que aqui mencionei, eram provavelmente considerados para
inúmeros habitantes da cidade, como trabalho de escravo (ou de negro), não condizente,
portanto, com a condição de ser livre e/ou proprietário, por exemplo.
389
A respeito dessa questão Debret apresenta, em um relato, algumas considerações
acerca dos motivos de haver no Rio de Janeiro, o costume de usarem os negros como
carregadores para mercadorias e pessoas. Segundo ele, aquele costume:
Embora pareça estranho que nesse século de luzes se depare ainda no Rio de Janeiro
como costume de transportar enormes fardos à cabeça dos carregadores negros é
indiscutível que a totalidade da população brasileira da cidade, acostumada a esse
sistema que assegura a remuneração diária de escravos empregados nos servos de
rua, se opõe à introdução de qualquer outro meio de transporte, como seja, por
exemplo, o dos carros atrelados. Com efeito, a inovação comprometeria dentro de
pouco tempo o somente os interesses dos proprietários de numerosos escravos,
mas ainda a própria existência da maior classe da população, a do pequeno
capitalista e das viúvas indigentes, cujos negros todas as noites trazem para casa os
vinténs necessários muitas vezes à compra das provisões do dia seguinte.
390
Na Cidade do Pará, houve também moradores que conseguiram dispor de escravizados
para oferecer, mediante venda ou aluguel, a quem pudesse absorvê-los para a execução das
tarefas voltadas à ordem domiciliar, inclusive às referentes à obtenção da água e ao ofício de
cozinhar, conforme expressa o anúncio publicado no “Diario de Belém, no ano de 1871.
391
389
Ver TUCCI CARNEIRO, Maria Luiza. Preconceito Racial: Portugal e Brasil-Colônia. São Paulo:
Brasiliense, 1988. E também BEZERRA NETO, JoMaia. Escravidão negra na Amazônia (Sécs. XVII – XIX).
Belém: Paka-Tatu, 2001. E ainda SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no
século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
390
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; o Paulo:USP,
1978. P. 234. In: TERRA, Paulo Cruz. Cenas de trabalho: carregadores negros nos relatos de viagem sobre o
Rio de Janeiro (1808-1850). www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio.
O autor afirma ainda que a historiadora
Mary Karasch, por sua vez, nos lembra que as atividades manuais eram altamente desprezadas pelos senhores,
principalmente as sem especialização como a dos carregadores. Sendo assim, os senhores colocavam seus
cativos nessa função não por que eles poderiam lhes trazer algum rendimento, enquanto escravos ao
ganho, mas também por que não era próprio que eles a exercessem, enquanto senhores. Ver KARASCH,
Mary C.. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Cia das Letras, 2000. p.183. (grifos
meus).
391
A respeito disso, lembro ao amigo leitor que nos anos setenta a cidade refletia efeitos da expansão da
economia da borracha, tanto que em 1871, o presidente da província, Abel Graça, declarou perante a Assembléia
Legislativa que a borracha ultrapassava o cacau em exportação, ou seja, 4.890.089 contra 3.381.246 quilos,
respectivamente. Deu-se também a vinda de inúmeros sertanejos, expulsos pela seca, gerando crescimento
populacional na província, como também em Belém. Sobre os dados quantitativos que aqui registro ver
200
Discuti em páginas anteriores que foram muitos os anúncios referentes aos ofícios
desenvolvidos nos domicílios, ou, conforme registrado em rios anúncios, casas de famílias,
nos quais tanto se ofertava quanto se procurava, por exemplo, mulheres que reunissem as
habilidades de pelo menos dois ofícios domésticos, sendo que um deles era, quase sempre, o
de cozinhar. Moradores da cidade faziam variados esforços para ter no domicílio uma pessoa
que desenvolvesse o ofício de cozinhar, de tal forma que o/a contratante (senhora ou patroa,
principalmente) pudesse se esquivar de fazê-lo. A grande maioria dos habitantes, contudo,
dificilmente poderia arcar com os gastos referentes a uma cozinheira ou cozinheiro, fosse
escravizado(a), liberto(a) ou livre.
No caso da notícia aposta, publicada nos anos setenta, uma escrava que seria “perfeita
cosinheira”, poderia custar em torno de 550 mil réis, considerando o período de expansão do
comércio gumífero e o fato de ter a escrava em questão, três filhos. Sendo perfeita em seu
ofício, deveria possuir domínio dos usos do forno e do fogão, além de ser habilidosa no trato
geral dos alimentos, dosagem de temperos, constituição dos pratos salgados e doces, e
obviamente, precisaria saber lidar com a água no desenvolvimento de suas tarefas, uma vez
que esta era um elemento importante, e em vários casos até essencial, no processo de
preparação de pratos culinários, doces ou salgados. A respeito disso cito, por exemplo, o trato
de aves. Após serem abatidas, deveriam ser mergulhadas em água muito quente para que
fosse procedida a depenação, após o que a ave seria tratada para recepção de temperos e
cozimento.
Considerando-se ainda, que a referida escrava não poderia ser adquirida por pessoas
desprovidas de maiores recursos, ela realmente deveria exercer o ofício com a destreza
necessária a uma casa de família de maiores recursos e, muito possivelmente, capaz de
exigências bem mais rigorosas no tocante à elaboração dos pratos e respectivos sabores, afinal
não era sem razão que os anúncios referentes às cozinheiras recorriam a adjetivos como
perfeita”, “excelente”, “boa”, ou então “sofrível”, “razvel”, entre outros.
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). Belém: Paka-Tatu,
2000. P. 48-9.
201
O jornal “Diario de Belém”, por exemplo, em 14 de fevereiro de 1871 anunciou que
José G. de Oliveira e Cia. a rua da Industria tem para alugar uma perfeita cosinheira”. E
no mesmo dia, o “Diario..” anunciou também a compra de “(...) um escravo de 20 a 30 annos
de idade, sadio, sem vícios, e que seja bom cosinheiro a tratar no armazem de Jose G. de
Oliveira (...).
392
(grifos meus)
Ser uma “perfeita cozinheira” ou um “bom cozinheiro” implicava em dominar os
meandros do ofício. Nesse sentido não bastava o rotineiro ou trivial, era necessário também
além de selecionar adequadamente os alimentos, utilizar as panelas e vasilhas adequadamente,
além de zelar pelas mesmas. A limpeza das vasilhas, panelas, copos, pratos, entre moradores
que não dispunham de maiores recursos, também deveria ser assumida por quem cozinhava.
As vasilhas eram de tipos bem diversos, algumas das quais confeccionadas em argila,
como alguidares, gamelas, panelas, potes e bilhas. Além dessas havia as frigideiras, panelas e
tachos em metal como cobre, arame e latão, alguns dos quais certamente guardavam
semelhança com os que são apresentados a seguir.
393
Vasilhas e demais objetos de uso culinário, uma vez utilizados na preparação de
alimentos precisavam ser lavados para nova utilização. Na lavagem, além da água, também
deveria haver o emprego do sabão, conforme expus em ginas anteriores. Uma panela, ou
um alguidar mal lavados, poderiam comprometer os sabores de outro alimento a ser
preparado.
Houve, contudo, recomendações em relação ao trato das vasilhas confeccionadas em
metal. Os anúncios sugerem através do título conselhos diarios”, como poderia ser
procedida a limpeza dos mesmos.
Os vasos e utensílios de folha de flandres que servem ao fogo, perdem o
brilho e ficam mais ou menos ennegrecidos. É fácil entretanto restituir-lhes o lustre
primitivo, esfregando-os com cinza e azeite por meio de um trapo. A mistura deverá
ter a consistência de massa, quase fluida. Pode-se também limpar e abrilhantar os
utensílios de folhas de Flandres, fazendo-os ferver com cinza de madeira e alguns
crystaes de soda.
394
392
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário de Belém”, anno IV, nº 36, de 14/02/1871. P. 03.
393
Governo do Estado de São Paulo. Secretaria de Estado da Cultura. MUSEU DA CASA BRASILEIRA. Os
objetos expostos integram o “conjunto de vasilhas dos séculos XVIII e XIX, em latão ou cobre, que pertenceram
ao pintor paulista Pedro Alexandrino” (constantes do acervo do referido Museu). Possivelmente tachos e
caldeirões, citados na documentação acerca dos moradores da cidade de Belém do Pará, apresentaram formatos
semelhantes a esses.
394
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2932, de 12/02/1886. P. 02.
202
Aproveito para ressaltar que durante a maior parte do século XIX, na cidade de Belém,
como em outras do Brasil, a cozinha não era um espaço notoriamente referido na
documentação. Inventários e anúncios publicados em diferentes décadas do século XIX,
indicam que mesmo algumas moradias amplas e avaliadas em valores razoáveis, pareciam não
conter cozinha, ou então não consideravam relevante mencioná-la na descrição da moradia.
Possivelmente então, a limpeza da cozinha como um todo, à base do uso da água e
talvez do sabão, não se constituía em prática comum entre os moradores. E o fato de o ser
Figura 28 Tacho de cobre sem
tampa
Figura 30 Calderão de latão com
tampa
Figura 31 Tacho de latão
Figura 29 Caldeirão de cobre sem
tampa
203
prática regular entre os que habitavam a cidade, guarda também o sentido de que, embora
fosse um local da moradia do qual emanavam sabores diversos, indispensáveis e prazerosos,
não era considerado necessário o procedimento de limpeza detalhado e frequente do mesmo.
Não creio, contudo que tal atitude em relação à cozinha implicasse numa atribuição
de desimportância absoluta à mesma pelos moradores de Belém, contrariamente, era um local
cuja produção era relevante nos domicílios, todavia não era considerado fundamental,
proceder a limpeza ou o asseio da mesma. Aliás, a documentação indica que muitas cozinhas
eram de chão batido, ou seja, não tinham piso assoalhado, ou ladrilhado, ou cimentado,
durante a maior parte do século XIX, o que tornava praticamente inviável o recurso da
lavagem do chão bem como de mesas e/ou bancadas.
Através das descrições de residências em testamentos, inventários e anúncios de
venda, leilão e aluguel, percebi que a citação da cozinha, bem como do banheiro e/ou latrina,
quando feita vem ao final do texto, o que pode ser um indício da localizão daqueles espaços
da moradia, ou seja, ao final da mesma. Tal é possível observar, por exemplo, nos inventários
de Anacleto Raimundo Alves da Cunha, falecido em 12 de abril de 1822 em Belém e do
Conego Felis José Ramos, cujo falecimento data de 13 de dezembro de 1822.
Anacleto era proprietário de um quarto de casas situado na travessa das Mercês, com
uma casa na frente, duas outras interiores, copiar, cozinha e quintal, avaliada em 400$000
(400 mil réis). JoFelis, era possuidor de dois quartos de casas, ambos na rua do Aljube e
contendo cada um, duas casas na frente, uma interior, cozinha e quintal. Cada quarto da casa
foi avaliado em 150$000 (150 milis).
395
E no decorrer do século XIX, a alocação dos modos não apresentou grandes
alterações, a julgar pela documentação que consultei. Em 25 de fevereiro de 1838, teve início
o inventário do major JoCandido Ferraz, falecido em 17 de fevereiro de 1837. Ele fora
proprietário de dois quartos de casas térreas situados na rua da Barroca, sendo um avaliado
em 400$000 (400 mil réis) e o outro em 500$000 (500 mil réis). O primeiro foi descrito da
seguinte forma: corredor, sala, alcova e copiar assoalhados, dois quartos interiores. E o
395
Sobre esta questão ver GRAHAM, Sandra Lauderdale. Protão e Obediência: criadas e seus patrões no Rio
de Janeiro.1860-1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. P.45.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. 2ª Vara Civil – Cartório Odom Gomes. Auto de
Inventário dos bens do Reverendissimo Conego Felis Jose Ramos. 1823.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Juízo de Orfãos. 2ª Vara Civil – Cartório Odom Gomes.
Auto de Inventário dos Bens do cazal de Anacleto Raimundo Alves da Cunha.. 1822.
A travessa das Mers passou a chamar-se travessa Frutuoso Guimarães. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 63.
A partir do exposto na documentação, quarto de casas” era aparentemente um conjunto de moradias,
semelhante a uma vila na qual a cozinha e o quintal, poderiam ser comuns.
204
segundo, também com corredor, sala ladrilhada, duas alcovas assoalhadas, copiar (metade
deste assoalhada), quarto no interior e cozinha.
396
Também é importante registrar que em várias descrições de moradias, o consta a
cozinha. Em 02 de agosto de 1876, foi iniciado o inventário de Dona Victória Maria Pestana.
Segundo a descrição documental, a casa em que morava continha meio corredor”, sala,
alcova, dois quartos, varanda e quintal. E pelo estado arruinado em que se achava, foi-lhe
atribuído o valor de 800$000 (800 milis).
397
Possíveis equívocos à parte, parece que a casa de Dona Victória, mesmo nos anos
setenta, não continha cozinha, ou um espaço entendido como tal por quem a descreveu.
Talvez a preparação de alimentos ocorresse na varanda, ou mesmo no quintal. A água deveria
vir de fora, quem sabe por intermédio de aguadeiros, uma vez que não havia poço no quintal.
Dona Victoria era também proprietária de cinco escravas, a saber: Anna - cozinheira,
Simplicia e Prudencia - lavadeiras, Raymunda - engomadeira e Eufrasina – filha de Prudencia.
Possivelmente, aquelas trabalhadoras desenvolviam seus ofícios fora da moradia de sua
senhora, sobrevivendo de seus ganhos, ou talvez fossem alugadas e desenvolvessem seus
ofícios em “casas de família” na cidade.
Caso semelhante ao de Dona Victoria foi o de Antonio Joaquim de Sousa Martins,
cujo inventário data de 1881. Ele fora proprietário de uma casa, localizada na travessa São
Matheus que continha, segundo descrição registrada: um pequeno jardim na frente, corredor,
sala, saleta, alcova, quarto atrás da saleta e varanda ou copiar”. Toda assoalhada e forrada
de acapu. A frente de pedra e cal e o mais em tijolo.
Parece pouco provável que na casa de Antonio Joaquim, também proprietário de um
terreno, avaliada em 18:000:000 (18 contos de is), não houvesse cozinha. Todavia, esse
cômodo não consta da descrição. Uma outra possibilidade em relação a essa ausência de nota,
seria o desenvolvimento das atividades de cozinha em um dos cômodos mencionados na
descrição, possivelmente a varanda.
398
396
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Juízo de Orphãos. Vara Civil Cartório Odom
Gomes 1838. Auto de Inventário dos bens do major José Candido Ferras.
A rua da Barroca foi depois denominada Gurupá.. In: CRUZ, Ernesto. Belém: aspectos geo-sociais do
município. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1945. Volume 1. P. 46. Esta obra encontra-se sob a guarda da Fundação
Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”, sessão de
obras raras.
397
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos Civeis de Inventarios de Donna Victoria Maria
Pestana Juízo de Direito da Segunda Vara da Provedoria de Capellas e Resíduos da Capital do Pará. Ano de
1876.
398
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos Civeis de Inventarios de Antonio Joaquim de
Sousa Martins Juízo de Direito da Segunda Vara da Provedoria de Capellas e Resíduos da Capital do Pará Ano
de 1881.
205
Os inventários acima referidos foram, contudo, exceções na pesquisa que procedi até o
presente momento, pois a referência à cozinha em inventários e anúncios passou a ser cada
vez mais expressiva à medida que avançou o século XIX. Entretanto, considero importante
observar que nem todos os moradores dispunham de recursos para que fosse procedido o
inventário dos bens de seus falecidos parentes ou amigos. Essa possibilidade é interessante
pois, grande parte dos imóveis descritos, continham de quatro a cinco modos, alguns deles
assoalhados e com ares em madeira e telha, ou seja, não se tratavam de moradias mais
modestas, barracos cobertos com palha e entijucados, por exemplo.
Uma outra questão importante é a ausência de descrição dos modos referidos na
documentação até agora pesquisada, inclusive das cozinhas, ou seja, salvo alguma referência
considerada importante para o inventariante, ou para o responsável pela venda ou aluguel da
casa como, por exemplo, se havia cômodos forrados, assoalhados e/ou ladrilhados, ou ainda
janelas com peitoril, ou portões em grades de ferro.
É possível, contudo, rastreando na documentação, identificar alguns “trastes”
considerados apropriados à labuta da cozinha das “casas de família” da Belém do século XIX,
ou conforme expresso em alguns documentos o trem de cozinha”. Entre os objetos em
questão havia mesas, bancadas, fogões (alguns em ferro), petisqueiro, guarda-louças,
bilheiras, entre outros.
Decerto os saberes da cozinha convergiam para o bom manuseio da água doméstica,
afinal os alimentos dependiam do uso da água senão em todo, pelo menos em parte de seu
processo de confecção. Logo, a atenção da cozinheira com o uso do fogão deveria convergir
para o ato de reparar na quantidade de água ainda contida na vasilha na qual se cozia o
alimento, sob pena de o mesmo vir a secar além da conta, queimar e perder-se, ou seja, era
necessário observar a necessidade de acrescentar água no alimento que estava sendo
preparado, ou então a retirada do mesmo do calor do fogo.
3.3.1. Uso da água na preparação de alimentos
O uso da água na preparação de alimentos era, conforme afirmei anteriormente,
fundamental, sobretudo na confecção de alimentos “úmidos”, ou então molhados. Nesse
ponto, (re)lembro que era necessário observar cuidados quanto ao tempo de cozimento. A
respeito disso, e conforme registram estudos acerca de alimentação e dietética, no caso das
A travessa São Matheus, acima citada foi depois denominada travessa Padre Eutíquio. In: CRUZ, Ernesto. Ruas
de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 63.
206
carnes e da maioria dos legumes, o médico e naturalista Francisco de Melo Franco, no século
XIX, propunha duas modalidades de preparação:a seca e a úmida. Para ele o cozimento era
essencial para tornar os alimentos mais digeríveis.
399
Na forma úmida de preparação das carnes era importante cozinhar lentamente em
quantidade reduzida de água, zelando, contudo pelo tempo de cozimento, pois, caso fosse
longo, elas perderiam os nutrientes na água e tornar-se-iam secas. Entretanto, o caldo d
gerado poderia ser usado em outras receitas, ou mesmo como alimento, uma vez que
concentrava sabores tanto das carnes como dos temperos. Uma vez que o alimento era capaz
de dissolver-se na água, ele teria condição necessária para nutrir. Realmente, a documentação
indica que o uso de caldos era recorrente em relação aos enfermos e convalescentes, pois seria
mais uma forma de buscar o restabelecimento dos mesmos.
400
Em obra escrita anteriormente a de Francisco de Melo Franco, Francisco da Fonseca
Henriquez, adverte
A água é fria e úmida, e, ainda que sendo pura não nutra, é muito necesria para a
boa nutrição do corpo e para a bem ordenada economia de sua máquina, porque
ajuda a distribuir o alimento depois de cozido no estômago, facilita a circulação do
sangue e a depurão das impuridades excrementícias que a natureza continuamente
elimina pelos ductos para este fim destinados; excita o apetite, conforta o estômago,
laxa o ventre, modifica a ação com que o calor natural se emprega no úmido
substantifico, tempera o excandescente empireuma das entranhas, rebate o furor da
cólera, reprime o arqueu do estômago, deprime a exaltação do suco pancreático,
mitiga a sede e parece que recreia a alma, quando, entre as ânsias de uma sede
incompescível, acha na sua frialdade o refrigério e o alívio. Tudo isso faz a água
quando é boa; mas, quando é má, ofende o estômago, perverte o cozimento e,
segundo as suas qualidades, assim excita os danos.
401
(grifos meus)
Para Henriquez, a bondade da água poderia ser atestada desde que a mesma fosse
clara, pura, insípida e sem cheiro”, o que poderia ser constatado pelos sentidos externos de
cada um. Além disso, para saber se é tênue, leve e delgada, é necessário ver se se cozem os
legumes nela com facilidade, porque eles não se cozem bem na água que é crassa, senão na
que é leve e delgada.Henriquez afirma também que a melhor água seria a água das fontes,
399
O médico e naturalista Francisco de Melo Franco é estudado em COUTO, Cristina. Arte de cozinha:
alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (culos XVII-XIX). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
Pp. 72-3. A autora estuda a obra de Franco Elementos de higiene ou ditames teoréticos, e práticos para
conservar a saúde, e prolongar a vida”, publicada pela primeira vez no ano de 1814 pela Academia Real das
Ciências de Lisboa.
400
FRANCO, F. M., “Elementos de higiene ou ditames teoréticos, e práticos para conservar a saúde, e
prolongar a vida”, Pp. 98-9. Apud COUTO, Cristina. Arte de cozinha: alimentação e dietética em Portugal e no
Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007 . P. 77.
401
HENRIQUEZ, Francisco da Fonseca. Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde. Texto
modernizado e glossário: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (UFMT); Sílvio de Almeida Toledo Neto
(USP); Heitor Megale (USP). São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. O autor foi dico do rei de Portugal D. João V,
que reinou entre 1707 e 1750, ano em que morreu.
207
desde que observadas na mesma as condições que ele já indicou. Em seguida viriam as águas
de chuva, poço, rio e finalmente, lagoa
402
Durante o século XIX, na cidade de Belém havia moradores que assim pensavam, o
que é perceptível em anúncios publicados em jornais, sobre casas para vender ou alugar, nas
quais consta a observação acerca da origem e qualidade da água disponível nas mesmas.
Embora não se constituísse na maioria dos tipos de avisos, pois era muito mais comum a
publicão de anúncios sobre casas com poços, no jornal “Treze de Maio”, por exemplo,
numa terça-feira de abril de 1854, foi publicado o seguinte:
Avizos diversos. - Antonio Bernardo Santa Maria, aluga sua rocinha sita no Paul
d’água, com diversas arvores fructiferas, e duas nascentes de excellente agoa
constantemente correndo, e por isso superior as outras de poços; quem a
pretender dirija-se ao annunciante no largo da Sé.
403
(grifos meus)
No jornal “A Provincia do Pará” de abril de 1884, foram anunciados terrenos e uma
casa situados em ruas próximas, a saber na estrada dos Mundurucus e na rua do Conselheiro
Furtado. Segundo anunciante, os terrenos são situados em lugar alto, e em um d’elles há
uma nascente d’água”, as vendas dos mesmos poderiam ser a retalho ou por lote. Neste caso,
são omitidos comentários acerca da qualidade da água oriunda da nascente, entretanto esta é
mencionada como um elemento de valorização do terreno.
404
(grifos meus)
Quando as casas e/ou terrenos anunciados continham poço, vários anunciantes
ressaltavam que a água era boa” oupotável”, ou seja, alertavam para a possibilidade do uso
doméstico, tanto como bebida dos moradores, como para a preparação de alimentos. Em
função disso, a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo com o crescimento da
atividade comercial, alguns moradores acomodavam nas cozinhas de suas moradias potes e
bilhas, que poderiam ser dispostos em bancos para potes e/ou bilheiras, outros podiam
recorrer ao uso de talhas de barro, objeto similar ao que exponho nesse texto e destinado ao
acondicionamento de água potável.
405
402
HENRIQUEZ, Francisco da Fonseca. Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde. Texto
modernizado e glossário: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (UFMT); Sílvio de Almeida Toledo Neto
(USP); Heitor Megale (USP). São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. P. 216.
403
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 14º anno, 322, de 25/04/1854, P. 04.
404
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2699, de 30/04/1885. P. 04.
A estrada dos Mundurucus e a rua do Conselheiro Furtado, referidas no anúncio, hoje denominam-se
respectivamente rua dos Mundurucus e avenida Conselheiro Furtado.
405
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo do Servo de Objetos.
208
É possível também, que a ideia do
cozimento dos alimentos no estômago, mediante
o auxílio da água ingerida, fosse compartilhada por
alguns habitantes de Belém, afinal inúmeros dentre
eles eram de origem portuguesa, ou de outra
nacionalidade do velho mundo europeu.
De qualquer modo, aqueles(as) que
exerciam o ofício de cozinhar precisaram recorrer
ao uso da água em vários processos como, por
exemplo, o cozimento do feijão, preparação de
ensopados e cozidos à base de carne de gado,
peixe, carne de porco e aves, além disso, no
preparo do arroz e no cozimento de batatas e
cebolas, entre outros.
Os jornais circulantes no século XIX
revelam, através da movimentação dos portos, a
entrada de produtos como cominho, cebola,
manteiga, farinha de trigo, pimenta, vinagre, chá, sal, açúcar, café, bacalhau, banha de porco,
entre outros.
A documentação indica que inúmeros moradores consumiam chá e café. Objetos como
cafeteiras, chocolateiras, chaleiras e bules, alguns dos quais semelhantes a esses que exponho
a seguir, foram dados a descrever em inventários realizados ao longo do século XIX.
406
Na verdade, ainda a julgar pela documentação, vários moradores adquiram pratos
fundos, sopeiras, tigelas e conchas, o que indica a preparação de caldos, sopas, pirão, doces
com calda e similares e nesse ponto é importante atentar para as disponibilidades de alimentos
na cidade, bem como para a influência de diferentes construções culinárias.
406
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo do Serviço de Objetos. (bules
apresentados no texto)
Figura 32 Talha ou filtro de cerâmica lisa
com leves ornamentos de frisos
209
Figura 33 Bule para café com tampa, em
prata, século XIX
Figura 34 Bule para chá com tampa, em
prata, culo XIX
Na obra “Cozinheiro imperial”, cuja primeira edição data de 1840, e que teria sido o
primeiro livro de cozinha publicado no Brasil de que se tem notícia”, inúmeras receitas
para caldos e sopas. Muito possivelmente, na cidade de Belém, assim como em outras
localidades, aqueles (as) que lidaram com a preparação de tais tipos de alimentos e que
recorreram obrigatoriamente ao uso da água para fazê-lo, desenvolveram receitas para
confecção dos mesmos, além de seguirem as orientações de outros (as).
407
Os caldos são referidos como alimento rotineiro entre os habitantes da cidade,
inclusive em casos de enfermidade. O escritor Marques de Carvalho, por exemplo, no
romance “Hortência”, faz referência ao uso do caldo como alimento administrado aos doentes
do Hospital da Santa Casa de Miserirdia.
- Qué to um caldo, nha mãe?
(...) Mas a velha Maria conservou-se calada, impasvel agora, continuando
a encará-la com a mesma tenacidade imutável.
(...)
A rapariga olhou-a. lembrou-se do caldo que lhe trouxera e foi inutilmente
que tentou fazer-lhe tomar o conteúdo da tigela: os dentes cerrados o permitiam a
introdução da colher na boca.
408
(grifos meus)
Xícaras, tigelas, conchas, pratos fundos e colheres, inclusive específicas para sopa,
eram objetos associados ao consumo alimentar dos caldos e sopas e tal uso não ficou restrito à
Belém. Em 19/02/1905, Dona Maria de Nazareth Paes Ferreira faleceu na Cidade do Pará, aos
407
COUTO, Cristina. Arte de cozinha: alimentão e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII-XIX). São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007. P. 119.
408
CARVALHO, João Marques de. Hortência. Belém: Fundação Cultural do PaTancredo Neves/Secretaria de
Estado da Cultura, 1989., Pp. 176-8.
210
75 anos de idade, sem testamento escrito. Entretanto, de acordo com testemunhas presentes no
momento de sua morte, ela teria confirmado o afilhado João Maria de Lima Rodrigues como
seu herdeiro. Por consequência, João requeria o cumprimento da vontade da testadora,
constante num testamento nuncupativo, o que suscitou uma longa discussão jurídica.
409
Entre as testemunhas arroladas a favor do requerente, estava Custodia Florentino
Cabral, de 59 anos de idade, cearense, a qual declarou que no dia em que Maria de Nazareth
sentiu-se mal, ela (testemunha) foi até à cozinha buscar um caldo e ao retornar com o
mesmo, viu o médico prestando atendimento à enferma, que poucas horas depois veio a
falecer. (grifo meu)
No processo de descrição e avaliação dos bens de D. Maria de Nazareth, constam 17
colheres para sopa, das quais 07 eram de prata, 02 conchas para sopa e 06 colheres de prata
para chá. Muito provavelmente, as dez colheres para sopa eram de uso regular, uma vez que
não eram de prata.
De acordo com a documentação havia possibilidades diversas de caldos e sopas para o
consumo dos habitantes de Belém, pois era possível manipular peixe, aves, carne de boi/vaca,
a ainda tubérculos e legumes para a preparação dos mesmos. Aliás, o receituário brasileiro
construído ao longo do século XIX, contém inúmeras receitas de caldos e sopas, várias delas
de influência marcadamente portuguesa. Essa pode ser verificada no primeiro capítulo da obra
“Cozinheiro Imperialde 1877, na qual 111 pratos específicos de caldos e sopas, 40,5 %
dos quais são de influência lusa.
410
Muitos moradores da Cidade do Pará, como de outras localidades da
capitania/província, faziam uso da farinha d’água, inclusive como acompanhamento para
caldos e outros alimentos. Spix e Martius, que estiveram no Pará em 1819, fazem referência
ao uso da farinha de mandioca (farinha d’água), em conjunto com o peixe seco e a carne
salgada, vindos do Marajó.
(...) A farinha, obtida da raiz da mandioca, é submetida aqui, como em geral nas
partes mais setentrionais do Brasil, a um tratamento posterior, que tem como fim
torná-la menos suscetível a deteriorações. É exposta a um começo de fermentação,
acrescentando-lhe água, e, como isso, engrossa e fica mais saborosa para o paladar
do nortista. Chama-se então de farinha de água esse preparado, e, segundo se diz,
409
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos de testamento nuncupativo para reducção a
publica forma em que o testadora D. Maria de Nazareth Paes Ferreira e requerente, João Maria de Lima
Rodrigues. Ano de 1905.
410
COUTO, Cristina. Arte de cozinha: alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII-XIX). São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007. P. 123-6.
211
esse produto favorece o desenvolvimento de febres intermitentes mais que a farinha
comum. (...).
411
A variedade das carnes preparadas, bem como os tipos de temperos recorrentes na
confecção, guardava em geral, estreita relação com a condição social dos moradores de cada
domicílio. O que, em última instância, estabelecia limites aos procedimentos de quem
cozinhava. Não era difícil, por exemplo, que a (o) cozinheira (o) de uma casa de família
menos abastada, precisasse lidar mais frequentemente, com as partes consideradas inferiores
do boi, ou seja, as vísceras. Penso que não seja indispensável afirmar que o processo de
cozimento dos intestinos do boi, por exemplo, necessitava do uso obrigatório e repetitivo da
água por período longo, uma vez que a consistência dessas partes demanda longo período de
cozimento.
A respeito da questão relativa ao consumo de intestinos de boi e/ou vaca, o jornal
“Diario do Gram-Pará”, de 09/03/1886, divulgou a seguinte notícia: Pelo mercado. O activo
Sr. Administrador do mercado publico mandou lançar ao rio, nos dias 7 e 8 grande
quantidade de intestinos em estado de putrefacção que ia sendo vendida a pobre
população.
412
No que dizia respeito ao uso da água nos alimentos, é importante destacar, também, a
remoção dos excessos de sal existentes em alguns tipos de carne, usadas em Belém no século
XIX, conforme exposto anteriormente. Acerca dessa questão, o jornal A Provincia do Pará”
de 27 a 29/01/1885, publicou uma matéria sobre salubridade da alimentação”, assinada por
Pedro Soares Caldeira. Segundo o autor
(...) o ha inconveniente em tirar dos peixes e mariscos salgados, todo o sal, pois
que o gosto, apparentemente perdido, volta logo que o sal refinado lhes é
addicionado no prato; e o mesmo succede com as carnes salgadas. O methodo de
lançar-se todo o sal no vaso em que se cozinha, concorre entre nós, pelo uso que
fazemos da farinha de mandioca, para desde tenra idade nos acostumarmos ás
comidas adocicadas, o que me parece prejudicial. (...)
413
Através do texto publicado o autor adverte os moradores do Pará quanto aos perigos
no uso abusivo (segundo ele) do sal, principalmente quando era adicionado aos alimentos e à
411
SPIX e MARTIUS. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de o Paulo, 198. V. 3. P. 24. Para os dois naturalistas, aquela não era uma comida saudável
embora a terra fosse fértil, ou seja, os habitantes do Pará alimentavam-se mal.
412
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno XXXV, nº 54, de 09/03/1886, P. 02.
413
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2627, de 29/01/1885. P. 02.
212
água para cozimento. Para Soares esse era um método equivocado de lidar-se com a
preparação dos mesmos. Segundo o autor, o sal produzido e retirado das salinas não estava
isento de organismos prejudiciais e impurezas, vistoo haver meio de obstar a entrada de
águas de qualidade de envolta com as boas para a formação do sal, nas épocas
apropriadas ao recebimento dessas aguas”.
414
Para Pedro Soares, ao devastar as florestas os homens promoviam a impermeabilidade
do solo. Com as chuvas, as inundações eram frequentes dando origem a muitos pântanos.
Com novas inundações, os pântanos transbordavam para os rios e estes, com o volume de
água aumentado, lançavam-se com maior ímpeto para o litoral e assim, as águas do mar
misturadas com as dos rios, adentravam nos tabuleiros das salinas, comprometendo a
qualidade do sal.
Os textos assinados por Pedro Soares refletem preocupação com a contaminação que
poderia ocorrer a partir do contato das águas consideradas de qualidade inferior pântanos
com as águas boas”. Declara-se preocupado com a sciencia da alimentação do homem, a
qual poderia somar para o fortalecimento do corpo humano. Afirma pertencer
ao número dos humildes observadores populares, que notão os fatos, registrão-nos, e
proporcionão occasião, com seus trabalhos preparatórios, a que os homens da
sciência empreguem seu tempo em altas cogitações especulativas.
415
No período enfocado, o discurso higienista era reforçado nos jornais e nos discursos de
autoridades. Embora grande parte dos habitantes de Belém não procedesse a leitura dos
jornais, vários outros, como Pedro Soares o faziam. Segundo o autor, não era incorreto o
costume local de submeterem as carnes (de peixe, como o pirarucu e o bacalhau, por exemplo,
ou de gado) extremamente salgadas, à submersão na água, a fim de que parte do sal fosse
removida, e somente então, fosse providenciado o preparo do alimento.
Para ele o tempero dos peixes deveria ocorrer à mesa, com o uso do sal refinado, livre
de impurezas que comprometiam a saúde. Recomenda também que os peixes não devem ser
muito salgados antes de serem cozidos, pois isso arruinava a delicadeza de seus sabores além
de corroborar para a deteriorização a mesma.
414
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2625, de 27/01/1885. P. 02.
415
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2625, de 27/01/1885. P. 02.
213
3.3.2. Cozinheiro, cozinheira, compradeira
Procuravam-se em Belém, na segunda metade dos oitocentos, homens e mulheres para
os serviços de cozinha. A princípio parece-me que as mulheres eram as preferidas para
cozinhar nos domicílios e como alternativas a essas, havia os moleques e molecas, com certo
saber ou inclinação para o ofício de cozinhar.
Quanto aos homens, encontrei com maior incidência, a preferência pelos mesmos em
cozinhas de hotéis, hospitais, barcos, restaurantes, cafés, armazéns, ou seja, espaços que no
decorrer do século XIX consolidavam-se como locais de trabalho e, portanto, espaços mais
pertinentes ao masculino, ou seja, separados do espaço considerado doméstico, no sentido de
acomodação da família, tal como é referido em vários documentos da Belém dos oitocentos:
as “casas de família. Entretanto, isso não se constituiu em regra geral, pois houve residências
nas quais a preferência definiu-se por cozinheiros.
Através do viajante e naturalista Alfred Russel Wallace, por exemplo, tive notícias de
Izidoro, um “negro velho”, segundo o naturalista, contratado para trabalhar como cozinheiro e
pau para toda obra”, desde o final dos anos quarenta, quando ele e Bates chegaram na
Cidade do Pará. Wallace afirma que Izidoro era um bom cozinheiro, dono de um saber
culinário variado ao ponto de brindá-los com diversos tipos de assados e guisados, apesar da
quota diária de bifes duros”. Além dos pratos referidos, Izidoro sabia fazer cae chá e
após servi-los pela manhã, ía à cidade buscar os mantimentos frescos para o consumo
diário”.
416
Em várias residências, ser boa cozinheira implicava também em ser boa
compradeira”, o que significava que era preciso saber mobilizar-se pelos espaços da cidade,
freqüentar mercados, trocar informações, disputar espaços, lidar com os vendedores e além
disso, saber escolher as carnes, as frutas, os legumes e nesse sentido, saber identificar os
alimentos em fase de deterioração e providenciar a compra, mediante os desejos dos donos da
casa.
416
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. P. 93.
214
Nos anos quarenta por exemplo, as posturas municipais estabeleciam que a carne de
porco picada” seria vendida ou nos talhos ou em bancas localizadas no Largo das Mercês.
Aquele também seria o local, enquanto não houvesse um mercado municipal, para a venda de
hortaliças, ovos, frutas, aves”, assim como o pescado fresco e outros provimentos. O
referido largo foi um local necessariamente freqüentado pelas compradeiras, dentre as quais
havia cozinheiras, pelo menos até o funcionamento do referido mercado, construído nos anos
sessenta do século XIX e apresentado na imagem a seguir.
417
Figura 35 Mercado Municipal em Belém do Pará construído em 1867
418
O costume de enviar as cozinheiras ao mercado para proceder às compras perdurou no
século XIX. O noticiário jornastico registra que, nos anos oitenta, algumas delas, inclusive,
417
Fundão Cultural Tancredo Neves/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”, sessão
de obras raras. Belém, “Código de Posturas Municipaes” de 1848. Cap. 1 “Das Posturas Especiais”. Artigos 158-
9. In: Collecção das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo X. 1848.
O largo das Mers teve sua denominação modificada para Praça Visconde do Rio Branco. CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.119.
418
Cartão postal que expõe a fachada principal do Mercado Municipal em Belém do Pará. Construído em 1867,
ele foi reformado em 1908. Possivelmente foi muito freqüentado pelas cozinheiras e cozinheiros domésticos dos
oitocentos, que para se dirigiam a fim de comprar os alimentos a serem trabalhados para as refeições. Entre
estes estaria por certo, a carne de gado. In: Belém da Saudade: A Memória da Belém do Início do Século em
Cartões-Postais. Belém: Secult, 1996. P. 77.
215
compareciam ao mercado de pesca, munidas de bilhetes de seus senhores/pates, com os
quais obtinham maior prontidão no atendimento, por intersecção do fiscal do governo. Afinal,
inúmeros eram os moradores, inclusive as senhoras/patroas, que empenharam esforços para
manterem-se distantes de tarefas e ambientes considerados nada glamurosos, como por
exemplo, proceder compras de carnes no mercado.
419
Então, habilidades se completavam naquele labor de importância singular para o
funcionamento das moradias. Adquiridos ao longo da vida, aqueles saberes foram
vivenciados, reelaborados articuladamente no tempo e compartilhados no cotidiano daqueles
que desempenhavam as funções de cozinheiros(as).
420
Em alguns anúncios os interessados nos serviços de cozinheira declaravam preferir
que a mesma dormisse na casa dos senhores e/ou patrões. Foi o que publicou o “Diario de
Noticias de novembro de 1885: “Cosinheira. Na casa do Dr. Uchôa, á travessa das Mercês,
precisa-se de uma cosinheira, ou cosinheiro. Sendo cosinheira, prefere-se que durma em
casa.”
421
Embora houvessem labores domésticos comuns aos dois sexos, não raramente eram
as mulheres que desenvolviam os mais diversos ofícios referentes ao domicílio, inclusive a
lida com a cozinha. Este ofício implicava numa rie de tarefas que, dependendo da moradia,
poderiam ter seu início registrado às primeiras horas do dia, justamente com a busca de água,
conforme registrou Kidder em sua estada em Belém ao final dos anos trinta. A partir da
obtenção da água, inúmeros preparos de cozinha seriam viabilizados, a começar por chás e
cafés.
Nesse sentido vale a pena lembrar que, sobretudo nas primeiras décadas do século
XIX, era menor o número de moradias dotadas de poço em Belém, o que tornava necessária a
ida de trabalhadores domésticos, que poderiam acumular a função de cozinheiros, livres,
libertos ou escravizados, segundo assinalaram Kidder e Bates nos anos quarenta, aos poços
públicos, ou outras fontes de água.
419
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario de Noticias”, anno VIII, nº 147, de 03/07/1887, P. 02.
420
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. P. 18 Introdução. O autor afirma que “(...) A criança faz seu aprendizado das
tarefas caseiras primeiro junto à mãe ou avó, mais tarde (freqüentemente) na condição de empregado doméstico
ou agrícola. (...). O mesmo acontece com os ofícios que o têm um aprendizado formal. Com a transmissão
dessas técnicas particulares, dá-se igualmente a transmissão de experiências sociais ou da sabedoria comum da
coletividade”.
421
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário de Notícias”, anno VI, nº 261, de 17/11/1885, P. 03.
216
Com o avançar do século XIX, o número de poços na cidade aumentou. Mesmo com a
depopulação advinda com as epidemias e lutas que ceifaram vidas, a população de Belém
aumentou, inclusive com as imigrações em função da economia gumífera, em expansão
conforme já discutido anteriormente, a partir dos anos setenta do XIX. Com isso, os
moradores precisaram prosseguir suas mobilizações no processo de obtenção da água, pois
conforme já discutido anteriormente, mesmo com a inauguração da Companhia das Águas em
1881, as moradias beneficiadas eram bem poucas. E ainda assim, um processo de canalização
que levasse água para um número maior de cômodos no interior dos domicílios também
demandava tempo e, sobretudo, recursos.
O jornal “A Provincia do Pará, de 17/03/1885, na “secção de annuncios” publicou uma
notícia acerca do aluguel de uma rocinha, aparentemente bem provida de água.
Aluga-se. A rocinha, à travessa 25 de Março, canto da estrada de S.
Jeronymo, com assommodações para grande família, água potavel, para consumo
de casa, e encanada para dentro da casa até a cozinha e banheiro, tendo um
grande depósito com bomba de patente e torneiras e muitas arvores fructiferas e
espaçoso terreno para plantação; á tractar na mercearia ‘Pechincha’, ao largo das
Mercês n. 30.
422
(grifos meus)
O anúncio acima tem a singularidade de descrever a propriedade a partir do que foi
considerado mais importante no interior da mesma: o acesso à água. Interessantemente, a
cozinha e o banheiro são os únicos espaços da casa a serem mencionados, inclusive em
função de haver água encanada em ambos, o que não ocorre com os demais cômodos
integrantes dos interiores da moradia. Possivelmente, para os proprietários, e/ou responsável
pela publicação do anúncio, considerando que o período em questão, anos oitenta, ocorria em
Belém a expansão dos serviços da Companhia de Águas e, portanto, seria conveniente buscar
a atenção de possíveis inquilinos acenando com novas possibilidades de conforto com o
422
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, 2665, de 17/03/1885. P. 04.
Algumas casas, além do poço, também dispunham de tanque. Em, 19/04/1860 o jornal “Diário do Gram-Pará”
publicou um anuncio sobre o aluguel da seguinte casa, para moradia de família: “Aluga-se uma bonita casa com
bons commodos para familia, com grande quintal, com 2 pos e tanque; quem a pretender alugar procure no
fim a travessa do Passinho, virando para a esquerda (rua da Paciência) casa n. 1.” (grifos meus). Exemplar
depositado na Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará
“Arthur Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal “Diario do Gram-Pará”, anno VII, n° 37, de 19/04/1860. P.
03.
Sobre a “travessa do Passinho”, corresponde à atual travessa Campos Sales. Quanto à rua da Paciência,
corresponde à atual rua Carlos Gomes CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas
denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp. 63 e 38, respectivamente.
217
processo de canalizão atingindo a cozinha e o banheiro, espaços da moradia nos quais o uso
da água era maior do que nos demais.
Aquele, todavia, foi um dos poucos anúncios incomuns, mesmo entre os publicados
nos anos oitenta acerca de moradias. Além disso, apesar do advento da Companhia, a busca
de água nos poços e através dos aguadeiros não cessou.
423
De qualquer modo, mesmo em dias chuvosos, os que tinham a função de comprar,
deveriam desempenhar suas funções e enfrentar o mau tempo, a umidade e as condões
precárias de algumas ruas, a fim de providenciar as refeições. Que sentimentos adviriam
daqueles momentos em relão aos espaços percorridos? Os anúncios e demais textos que
consegui reunir, bem como os abaixo assinados não expõem relatos sobre tal questão. Era
como se aqueles trabalhadores estivessem em seus devidos lugares, mesmo em meio ao
lamal que parecia incomodar a tantos outros, conforme textos contidos nas páginas dos
jornais.
O dia precisava então, começar bem cedo para várias cozinheiras e cozinheiros.
Quanto ao horário de encerramento dessas atividades laborais, também poderia ficar
comprometido pelo número elevado de atividades, sobretudo quando o trabalhador em
questão morava na casa do senhor ou patrão. Aliás, o leitor deve lembrar-se das referências
acerca da presença de cozinheiras no mercado de pesca, por exemplo.
Diante disso, estudos sobre a escravidão urbana em cidades do Brasil discutem acerca
de privilégios que vários escravos domésticos teriam em relação aos seus senhores. A
documentação indica que processo similar ocorria com os trabalhadores domésticos não
escravizados, os quais também poderiam estabelecer com seus patrões, relações de
solidariedade e amizade também. Nesse sentido, é possível que nas residências em que se
contou com o trabalho da cozinheira, as relações de proximidade entre esta e os membros da
família fossem mais estreitas, uma vez que a preparação dos alimentos acontecia no espaço
destinado à cozinha, ou seja, em um dos interiores do domicílio, o que requeria a permanência
da cozinheira por um tempo maior nos espaços da residência.
424
423
Em se tratando da cidade de Belém do Pará, ainda hoje, no século XXI, muitas moradias não dispõem de
água encanada fornecida pela COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará). As queixas são inúmeras,
veiculadas, sobretudo, através da imprensa. ruas inclusive, com a canalização pronta, mas a água não chega
às residências. Em decorrência disso,rios moradores recorrem à instalação de poços artesianos.
424
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de janeiro 1820-
1822. Petrópolis: Vozes, 1988. Pp. 83-4. (...) os privilégios que um escravo pudesse vir a ter não estavam
relacionados com o trabalho que desenvolvia, mas com a relação que se estabelecia entre ele e seu senhor e
com as expectativas de ambos”.
Vicente Salles por exemplo afirma que a criadagem, tanto nas cidades como nas fazendas, era melhor tratada e
que, por terem às vezes uma relação de maior proximidade com seu senhor, até gozavam de privilégios. Para
218
Por conseguinte, considero prudente refletir que para trabalhadores e trabalhadoras da
cozinha, em momentos diversos, o domicílio poderia tornar-se o espaço gerador das
alianças/solidariedades, como também de inconveniências e perigos. Estar, portanto porta
adentrodo mesmo poderia significar uma exposição a sofrimentos insondáveis, algumas
vezes até maiores do que os perigos existentes das ruas. Nesse sentido é possível pensar a
questão do controle do tempo de trabalho das cozinheiras ou cozinheiros, por parte de
senhores/patrões, no domicílio.
425
Uma cozinheira, por exemplo, podia retardar seu regresso ao domicílio em que
trabalhava, por avaliar que administrando seu tempo, poderia tanto proceder às compras,
quanto resolver um assunto pessoal pendente, retornando, talvez apressadamente, por atalhos
que ela vislumbrara em suas andanças, para a preparação do almoço. Ou ainda, ante o
acúmulo de tarefas a desempenhar, uma cozinheira poderia deliberadamente demorar mais
tempo que o considerado normal nas ruas, retardando seu retorno ao domicílio e assim, a
contínua lida com a água, gamelas, temperos, carnes e necessariamente, o fogão. Poderia até,
inventivamente, construir uma justificativa para seu atraso, desculpar-se e prometer que faria
o possível para que a situação não mais se repetisse. Em outras palavras, cozinhar nos
domicílios belenenses, permitia aos cozinheiros e cozinheiras um certo controle sobre seu
tempo e sua vida, a partir de ritmos distintos de trabalho, lazer e descanso. Todavia o é
possível estabelecer generalizações acerca dessa questão.
426
tanto Salles apoia-se nas reflexões de Gilberto Freyre em “Casa grande & senzala”. Ver então SALLES, Vicente.
O Negro no Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: Ministério da Cultura; Belém; Secretaria de Estado da
Cultura; Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988. P. 172.
425
Acerca disso, Sandra Graham sublinha que “Dentro da casa, o trabalho se dava à volta da cozinha. De lá, as
cozinheiras mandavam para a família pratos que, como comida-padrão, incluíam feijão-preto cozido com carne
seca (...), muitas vezes peixe especialmente bacalhau arroz, às vezes verduras, carne cozida em fogo brando
ou assada ou, ainda, frango ensopado com batatas. (...) Uma criada preparava o café, que os brasileiros
costumavam tomar ao levantar. (...) Longas preparações resultavam no almoço, o qual (...) terminava com os
doces caseiros (...). Finalmente , o café forte e doce, sorvido rapidamente das xicrinhas. No fim da tarde, a
criada servia um chá ou jantar leve. (...)”. In: GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e
seus patrões no Rio de Janeiro.1860-1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Pp. 45-6.
426
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. P. 280. Analisando a questão do tempo, a disciplina de trabalho e o capitalismo
industrial, E. P. Thompson enuncia considerões, que, até certo ponto auxiliaram-se a refletir sobre esse tema
em relação às cozinheiras de Belém no século XIX. Analisando a produção manufatureira através do sistema de
trabalho em domicílio, ele verificou que este demandava muita busca, transporte e espera de materiais. Ele
adverte para a multiplicidade de tarefas que o mesmo trabalhador precisava realizar numa única oficina. Para
Thompson o que temos é uma irregularidade dos padrões de trabalho antes do desenvolvimento da indústria
em grande escala. Guardando os devidos limites metodológicos, temporais e espaciais, essa irregularidade
discutida por Thompson, levou-me a refletir acerca do trabalho das cozinheiras e cozinheiros domésticos na
Belém dos oitocentos, posto que: aqueles trabalhadores realizavam uma multiplicidade de tarefas, dentro e fora
do domicílio, que não raramente precisavam completar-se para lograr êxito. Estavam, contudo, sujeitos às
intercorrências, o que dificultava uma estipulação precisa de cronograma de trabalho.
219
Então, estar na rua nem sempre trazia significados de perigo maiores para aquelas
pessoas. É possível até que tenha havido momentos em que estar na rua significou para
algumas delas, instantes de alívio e renovação, em contraposição às exigências do trabalho
que demarca a cozinha domiciliar, ou seja, os locais de trabalho como a cozinha, por exemplo,
poderiam assumir sentidos muito diversos, subvertendo o que era considerado limpo ou sujo,
alegre ou tenso, tranqüilo ou inseguro.
Era, portanto, prolongado e repleto de detalhes o trabalho dos cozinheiros e
cozinheiras no século XIX. E a cidade de Belém não foi uma exceção em relação às condições
de trabalho construídas pelos moradores em relação a essa questão. Nas cozinhas localizadas
ao final da moradia, em algumas, na área externa – quintais - trabalhadores domésticos
dedicavam-se a uma labuta que demandava tempo, habilidade, conhecimento, além da
necessidade de conciliar com outras tarefas.
E seria possível desenvolver tantas atividades sem o recurso da água? Afinal o uso do
líquido na cozinha deveria ser essencial, inclusive na preparação de alimentos que exigiam a
adição da água. E mesmo que a cozinha não fosse devidamente lavada, bem como a mobília
nela contida, fazia-se necessário usar a água para a limpeza dos objetos, tal como é mostrado
nos “conselhos diários”.
A presença deles foi importante nos domicílios, pois durante o século, observou-se a
reprodução de seus papéis e a procura por seus serviços em prol do funcionamento da ordem
domiciliar considerada ideal no século XIX.
220
CAPÍTULO 4
Objetos da água em casas de morada
221
(...) é necessário que seja boa, e a que se houver de julgar por boa de ter as
propriedades seguintes: há de ser pura, limpa, clara, translúcida, insípida, sem sabor
algum, sem cheiro, tênue, delgada e leve, de sorte que com facilidade se aquente e se
esfrie, e possa permear os hipocôndrios e distribuir-se facilmente pelo corpo.(...)
427
Francisco da Fonseca Henriquez, médico do Rei D. João V
De conformidade com as discuses anteriores que venho desenvolvendo, é possível
que o pensamento manifestado por Henriquez tenha sido compartilhado por muitos daqueles
que residiam na cidade de Belém do Pará, em diferentes períodos do século XIX.
Refencias às “boas águas”, ou às “águas de excelentes qualidades”, bem como ao
sentido atribuído a tais expressões, emergem de diferentes fontes que pude acessar no
decorrer dessa pesquisa. A respeito disso, era importante para inúmeros moradores, por
exemplo, observar a limpeza e conservação dos utensílios nos quais o líquido seria
depositado. Assim como era importante, atentar para as características das águas presentes em
nascentes ou poços e nesse ponto, se o líquido em questão era “claro”, límpido, livre de
sujeira aparente, bem como de odores, acreditava-se que o mesmo estivesse em perfeita
ordem e apropriado, para determinados usos humanos, tais como, a preparação dos alimentos
e a saciação da sede.
Ao discutir questões relativas aos ofícios da água no capítulo anterior precisei referir-
me a alguns dos objetos de uso doméstico recorrentes no desempenho dos ditos ofícios.
Incorporados cotidianamente pelos moradores da cidade, os objetos da água não tiveram,
contudo, significados idênticos para aqueles que habitaram em Belém. Aliás, é importante
considerar mais uma vez, que os que viveram na Cidade do Pará eram também diversos entre
si, eivados de singularidades que emergiam no cotidiano por eles construído.
Penso então, que possivelmente os significados relacionados aos objetos da água,
variaram mediante a conjugação de elementos considerados importantes nos diversos
contextos observados no interregno escolhido para essa pesquisa. Nesse sentido, conforme
afirma Daniel Roche, é preciso considerar que tanto na abundância, quanto na escassez
relativas ao consumo de um bem é necessário considerar a rie de elementos que incidiram
sobre o mesmo além dos fatores econômicos, a saber: as implicações morais, as questões de
ordem religiosa, os elementos intelectuais.
428
427
HENRIQUEZ, Francisco da Fonseca. Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde. Texto
modernizado e glossário: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (UFMT); Sílvio de Almeida Toledo Neto
(USP); Heitor Megale (USP). São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. A obra foi escrita em 1721.
428
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do culo XVII ao XIX.
Rio de janeiro: Rocco, 2000. P. 25.
222
Conforme afirmei anteriormente, esse interregno encontra-se balizado entre as
primeiras décadas do século XIX e as duas primeiras do século XX. A historiografia voltada
para a discussão da história do Pará e, mais particularmente, da cidade de Belém, tem
consagrado os chamados momentos de tensão que marcaram politicamente a primeira metade
do século XIX, entre os quais a questão da participação do Pará na invasão da Guiana
Francesa (1809), logo após a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, quando inúmeros
paraenses foram enviados à Guiana numa ação de represália à França Napoleônica.
Acerca desse tema, Ernesto Cruz afirma que cumprindo o que lhe determinava o
governo da metrópole, ordenou o capitão-general do Pará, Tenente General José Narciso de
Magalhães e Menezes, a organização de um corpo expedicionário composto de 600 homens”.
A tropa em questão ficou sob o comando do Tenente-Coronel Manoel Marques e partiu,
através das águas, a 8 de outubro de 1808 “numa escuna de 12 peças de pequeno calibre, dois
‘cuters’ de 8 peças cada um, três barcas canhoneiras, uma sumaca, uma lancha e um iate”.
429
Segundo Arthur Cezar Ferreira Réis o Capitão General José Narciso precisou solicitar
“(...) a cooperação do comércio, que forneceu os elementos financeiros para a preparação da
coluna, ou Corpo de Voluntários Paraenses”, pois havia carência de recursos do Estado
para o cumprimento das instruções quanto à constituição da coluna e efetivação da ocupação
de Caiena.
430
Não obstante as considerações constantes acerca dos “possíveis encargos para a
população da Amazônia brasileira”, tais como a retenção de parte da mão-de-obra masculina
da Província no processo de ocupação de Caiena, a documentação que pesquisei, não indica
alterações nas relações dos moradores de Belém para com os usos das águas nos espaços da
cidade, em função da situação específica da ocupação da Guiana.
431
Com a devolução de Caiena à França em 1817, as tropas retornaram à Belém.
também indicações historiográficas de que a província do Grão-Pará encontrava-se em crise
tanto econômica quanto política naquele período. Todavia, em que ponto aquelas tensões
alteraram as relações dos moradores com as águas? Pelo visto, os menos afortunados
continuaram dirigindo-se aos poços e fontes, rios e igarapés em busca da água pensada como
429
CRUZ, Ernesto. História do Pará. 1º volume. Belém: Governo do Estado do Pará. 1973. P. 132.
430
REIS, Arthur Cezar Ferreira. Síntese de História do Pará. Belém/PA, Manaus, Guanabara: Amazônia
Edições Culturais LTDA (AMADA). 1972. P.73.
José Narciso de Magalhães e Menezes é referido com patentes distintas pelos dois estudiosos em questão, ou
seja, Ernesto Cruz e Arthur C. Ferreira Reis.
431
SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia: 1800-1920. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1980. P. 33. O autor não amplia esclarecimentos sobre os ditos encargos...” acima mencionados,
todavia é importante considerar que tal abordagem não se constitui no foco de seu trabalho.
223
“boa para beber. Os aguadeiros continuaram sua lida. E as vasilhas de barro e folhas de
flandres continuaram a ser usadas no processo de acomodação e transporte da água.
432
Nos anos trinta ocorreu a luta social cabana. Objeto de rios estudos historiográficos,
a “cabanagem”, como ficou cunhada historicamente aquela luta, expressou insatisfações
reinantes na província e que emergiram em intensos confrontos em relação aos dirigentes
locais.
Contando com a participação de moradores de condições diversas, entre livres e
escravizados da capital do Grão-Pará, como também dos arredores da mesma, a luta cabana
constituiu-se numa efervescência política marcada por motivações diversas e que sofreu
fortíssima repressão das autoridades constituídas, sob a regência do governo central.
433
Ao longo da pesquisa localizei algumas referências importantes àquela luta social,
embora, o necessariamente relacionadas à temática central proposta para esse capítulo. Em
meu percurso aos “Autos de Prestação de Contas de Testamento”, por exemplo, deparei-me
com o de Dona Josefa Joaquina de Souza, falecida em 04 de julho de 1827. Dona Josefa fora
herdeira e testamenteira de sua também falecida irmã, Maria Francisca de Souza, e como tal
foi chamada a prestar contas da testamentaria junto ao Juiz Municipal da Cidade do Pará, no
ano de 1854.
432
Outra questão recorrente historiograficamente é a que se relacionou à Revolução Liberal do Porto, que teve
como implicações a reverberação de ideias liberais por intermédio da imprensa em Belém, bem como o processo
de adesão à independência do Brasil, no ano de 1823. De modo semelhante à questão relativa ao envio de
expedicionários à Guiana, no decorrer da pesquisa não identifiquei ligações estreitas entre o tema dos usos da
água e as ideias políticas associadas ao chamado vintismo no Pará. Sobre essa questão ver COELHO, Geraldo
rtires. Anarquistas, Demagogos e Dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém: CEJUP, 1993. O
historiador adverte que “(...) na história da Amazônia, o período compreendido entre 1820 e 1850 assinalar-se-ia
pela dominância de um processo social e político profundo: o da transição das estruturas da sua sociedade entre a
antiga ordem colonial e as novas condições ditadas pela emancipação política do Brasil e pela formação do
Estado nacional brasileiro. (...)
(...) É necessário precisar que a proclamação do Vintismo no Grão-Pará não se deveu apenas à capacidade de
mobilização política de Filipe Patroni, ou à presumível consciência de seus coparticipantes, em relação tanto ao
significado emprestado pelos promotores do movimento à Regeneração de Portugal como à importância que o
estabelecimento de uma ordem constitucional metropolitana poderia representar para os interesses do Grão-Pará.
Fatores de ordem conjuntural, econômicos, na sua domincia; políticos e mentais na sua representação exterior,
condicionaram a posição assumida pelos elementos da pequena burguesia local inclinando-os a promover o
reconhecimento e a adesão pela Capitania ao constitucionalismo vintista. É importante considerar, inicialmente,
que, entre 1806 e 1820, o Grão-Pará conheceu uma acentuada redução das suas rendas, devido à diminuição da
exportação dos produtos da sua economia essencialmente extrativista, com reflexos sensíveis sobre a sua
sociedade. Já em 1808, por exemplo, e mesmo com a abertura dos portos, dois anos depois, e com um incipiente
comércio praticado por ingleses na sua capital, o déficit das suas rendas atingia um montante da ordem de
97:731$785.” Pp 92-5.
433
RAIOL, Domingos Antonio. Motins Políticos: ou história dos principais acontecimentos políticos dA
Provincia do Pará desde os anos de 1821 até 1835. 3v. Belém: UFPA, 1979. SALLES, Vicente. O Negro no
Pará: sob o regime da escravidão. Brasília: Ministério da Cultura; Belém: Secretaria de Estado da Cultura;
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988. Também de Salles, Memorial da Cabanagem: esboço do
pensamento político-revolucionário no Grão-Pará. Belém: CEJUP, 1992. FERREIRA, Eliana Ramos. Em tempo
Cabanal: cidade e mulheres no Pará Imperial – primeira metade do século XIX. Dissertação (mestrado).
Belém:1999. São Paulo: PUC.
224
Uma vez que Dona Josefa Joaquina já falecera, o filho desta, Francisco Bernardo da
Silva, declarou que sua mãe havia cumprido regularmente as funções de testamenteira de
Dona Maria Francisca o que tudo provaria, a não serem queimados os Cartórios desta
Cidade em 1835”. Este, contudo, não foi o único registro de auto de prestação de contas, em
que consta a referência aos ditos cartórios queimados em 1835.
434
Além das questões políticas acima aventadas e consagradas pela historiografia sobre o
Pará e Belém, ao longo do século XIX os moradores da cidade de Belém conviveram com as
vagas epidêmicas, bem como com o crescimento da economia gumífera, incrementada pela
demanda do comércio internacional, sobretudo na segunda metade do século XIX, e, além
disso, com a própria expansão da cidade, construção de prédios com tipologia variada, ruas,
praças e largos, intensificação da imigração e crescimento comercial.
Com relação às doenças que emergiram entre os moradores da cidade durante o século
XIX, relembro ao leitor que existe uma produção historiográfica mais específica que aponta
para a eclosão da varíola, febre amarela, sarampo e cólera.
Vianna, por exemplo, a partir da consulta aos livros dos cemitérios, registra em seu
trabalho os números de vidas ceifadas pelas doenças que acometeram moradores da cidade.
Segundo ele, a varíola, por exemplo, causou 5.229 mortes em cinenta e seis anos, ou seja,
compreendendo o interstício entre 1851 e 1905. Para ele o mau serviço desenvolvido no porto
de Belém teria favorecido o ingresso da doença, primeiramente por intermédio dos africanos
que por ele adentravam a cidade e, mais tarde, através daqueles que emigravam para Belém,
vindos de províncias contaminadas, tais como os chamados “cearenses”.
435
A historiografia dedicada a essa questão refere que, desde o final do século XVIII, um
elenco de medidas foi recomendado pelas autoridades médicas, para tentar conter a varíola,
tais como
a denúncia obrigatória dos doentes; remoção e isolamento das vítimas; asseio das
ruas e praças com a remoção do lixo e de animais mortos; disparos de pólvora seca
nas ruas mais afetadas pela epidemia; queima do fumo de alcatrão pelas ruas; e o
uso de perfumes pelas pessoas e nos ambientes da casa.
436
434
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Série: Autos de Prestação de Contas de
Testamentária. Auto de Prestação de Constas do Testamento da finada Dona Josefa Joaquina de Souza. Ano de
1854. Depositado no CMA/UFPA.
435
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de obras raras. VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. Pará/Belém: Imprensa do Diario Official. 1906.
Arthur Vianna (1873-1911) era jornalista, professor, historiador e cronista. Era também farmacêutico, pela
Escola de Farmácia do Estado do Pará e foi diretor da Biblioteca e Arquivo Público do Pará de 1902 a 1906.
436
RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878 1900). Dissertação (mestrado).
PUC – SP, 1997. P. 98.
225
Posteriormente, já no século XIX, mesmo com a recorrência ao uso da vacina, que
consistia numa intervenção direta nos corpos dos moradores da cidade, o chamado asseio da
cidade” continuava a ser uma necessidade. Este deveria atingir as casas de moradia bem
como os prédios públicos. Ou seja, era necessário, além de se curar os doentes, cuidar da
desinfecção dos espaços da cidade em geral. É importante ressaltar, porém, que não houve
unanimidade com relação ao procedimento da desinfecção, pois havia médicos que
discordavam quanto à eficácia do mesmo.
437
A febre amarela, facilitada pelo desconhecimento acerca dos mosquitos transmissores,
“abundantes na quadra invernosa”, causou 1.126 mortes entre 1850 e 1863, manifestando-se
ainda nas outras demais décadas do século XIX.
Belém possue apenas um terço se tanto da sua área urbana calçada, de
modo que, pelo inverno, o accumulo de águas pluviaes é enorme, nas vias
publicas, já nos quintaes das casas e nas baixas pantanosas.
As depressões do terreno são numerosas, grandes e quase todos sem
escoadouros sufficientes, ficando as águas represadas até serem infiltradas pelo solo
ou evaporadas pelo sol.
438
Para Vianna, a indiferença de grande parte dos moradores na lida com as águas,
propiciava aos transmissores, os culicídios, as condições favoráveis à sua reprodução. Ele
afirma que os naturais do Pará, bem como os estrangeiros há muito estabelecidos na terra, não
sofriam os ataques da doença. Tal imunidade não se estendia, contudo, aos estrangeiros
recém-chegados em Belém.
439
437
Sobre a desinfecção observei as descrições de Arthur Vianna no capítulo anterior. Ver VIANNA, Arthur.
Op. Cit. P. 111. E também RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878 1900).
Dissertação (mestrado). PUC – SP, 1997. Pp. 101-4.
Sidney Chalhoub, ao discutir o surgimento da ideologia da higiene” em relação ao Rio de Janeiro, afirma que
em 1853 foi analisado um projeto de “regulamento dos estalajadeiros e no que se referia às condições de
higiene, estes eram obrigados a conservar suas casas no melhor asseio possível”, o que implicaria em conduzir
o “lixo, as águas sujas e outras matérias imundas” para os locais nos quais o despejo era autorizado.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras,
1996. P30. (grifo meu).
Sobre a desinfecção no Recife por ocasião da incidência da cólera nos anos de 1855-6, período coincidente ao de
Belém do Pará, ver ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho: a formação do espaço público no Recife do
século XIX. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004. (Série Teses). P. 368.
438
Na Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de obras raras. VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. Pará/Belém: Imprensa do Diario Official. 1906.
Pp. 62-3.
439
Sobre essa questão ver também RITZMANN, Iracy de Almeida Gallo. Belém: Cidade Miasmática. (1878
1900). Dissertação (mestrado). PUC SP, 1997. E ainda TEIXEIRA, Luis Antonio. Da Transmissão Hídrica a
Culicidiana: a febre amarela na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Revista Brasileira de
História, ano/vol. 21, nº 041. Associação Nacional de História. São Paulo, Brasil. Pp. 217-242.
226
As relações dos moradores de Belém do Pará com as águas em suas moradias foram
perpassadas por todas essas questões, inclusive porque, no desenrolar do século XIX,
fortaleciam-se os ideais civilizadores, justificadores em grande parte, embora não unicamente,
das chamadas melhorias pensadas por autoridades dirigentes, bem como por outros residentes
na Cidade do Pará a serem empreendidas nas ruas, moradias e nos corpos daqueles que nela
viviam.
Nesse sentido, a lida com a água foi considerada de suma importância e assim, este
líquido passou a frequentar mais regularmente as páginas dos periódicos e dos discursos de
dirigentes. Quanto aos moradores em geral, buscavam prevenir-se com objetos de formas e
funções variadas, confeccionados em matéria prima de maior ou menor valor monetário, mas
que guardavam a importância de poder de intermediação nas relações com a água.
440
À guisa de melhor entender os usos da água em Belém do Pará, recorri a um
levantamento de trezentos autos cíveis (de inventários, testamentos e prestação de contas de
testamentária), 01 termo de depósito e 01 ofício de polícia, bem como textos jornalísticos de
diferentes teores, publicados ao longo do século XIX e primeira década do culo XX, além
de plantas da cidade de Belém, autos crimes, manifestações de dirigentes provinciais, códigos
de posturas municipais, entre outras fontes históricas. Foi possível submergir numa leitura de
vida material relacionada aos usos e/ou não usos das águas por aqueles que viveram na cidade
de Belém e, por conseguinte, a recorrência daqueles habitantes a objetos cujos formatos,
constituição e valores foram marcados por multiplicidades.
Que objetos aparecem nos documentos pesquisados? Quais seriam seus papéis
funcionais? E, sobretudo, haveria significados diversos atribuídos a eles? Quais e por quê?
Com o propósito de discutir estas como outras questões, busquei realizar leituras ou
interpretações em torno dos utensílios recorrentes no cotidiano de moradores da capital do
Grão-Pará, que me foram revelados através da pesquisa. Ou seja, busquei refletir em torno das
relações construídas e/ou desconstruídas por sujeitos históricos em geral, enfocados em suas
relações com as águas que interpenetravam a cidade em sua totalidade como também, e mais
especificamente, as moradas.
441
440
Sobre os medos das epidemias ver DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma
cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Pp. 107-50. Na Fundação Cultural Tancredo Neves”/
CENTUR. Biblioteca blica do Estado do Pa“Arthur Vianna”, sessão de obras raras. VIANNA, Arthur. As
Epidemias no Pará. Pará/Belém: Imprensa do Diario Official. 1906. BELTRÃO, Jane. Felipe. Cólera, o flagelo
da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004.
441
Ver “RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do gênero (resenha). In: Revista Estudos Feministas.
vol. 13 N°1. Florianópolis Jan./Apr. 2005. Ainda sobre essa questão ver REDE, Marcelo. História a partir das
coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo. Nova série,
v. 4, 1996.
227
Em outras palavras, o que estou insistindo em discutir neste capítulo, é ainda a mesma
questão básica sobre a qual reflito em páginas anteriores: a disciplinarização das águas e, por
conseguinte, dos usos e dos o-usos das mesmas, numa dimensão que adentrou os micro-
universos dos moradores da cidade de Belém, ou seja, as casas de morada que foram
constituídas na cidade ao longo do século XIX.
Ora, para os moradores daquela cidade que se formava, foi fundamental construir
formas de contatos com as águas também no interior de suas residências, para tanto era
essencial que tais contatos estivessem submetidos às regras consideradas satisfatórias e
compatíveis com o cotidiano desses moradores. O que implicaria dizer que para aqueles
sujeitos, o saber morar relacionava-se sobremaneira também com o saber lidar com as águas,
o que poderia revestir-se de variados sentidos, sobretudo porque estas não apenas precisariam
adentrar pacificamente às moradias, ou seja, intermediadas por mãos, braços e ombros de
moradores, como também, independentemente dos desejos de seus habitadores, poderiam
invadir os interiores das moradas, ultrapassando espaços de maior circulação, pensados a
partir de copiares, varandas, ou saguões.
442
Nessa perspectiva, mediante as chuvas frequentes que se abatiam sobre a cidade, as
águas poderiam sim, de modos diversos, causar incômodos a alguns moradores. Acredito
também que em decorrência disso, seja importante considerar a possibilidade de que alguns
habitantes tenham desenvolvido interesses em forrar alguns cômodos de suas moradas, assim
como se preocuparam em cerrar janelas e portas em momentos de fortes chuvas.
Ao declarar os bens de seus sogros Antonio Coutinho de Miranda e Anna Francisca
Maciel Coutinho – falecidos respectivamente em 1835 e 1836, Francisca Maria Ferreira
Coutinho, menciona uma morada de casas de sobradona rua do Norte s/n, medindo três
braças de frente e dezoito braças e três palmos de fundos. Teria a referida morada em seu
andar superior sala e alcova, sendo ambas forradas, três quartos interiores com grades de ferro
nas janelas e caixilhos de vidraça. Ainda segundo consta no inventário, a morada teria a
mesma disposição de cômodos em seu andar térreo.
443
442
Estudos discutem a constituição de corredores, escadas e saguões como espaços de distribuição e circulação
nos interiores dos domicílios. Tais espaços aprofundariam determinadas hierarquias (de classe e/ou de nero),
atendendo ao desenvolvimento de necessidades conectadas de diversos modos ao crescente individualismo.
Então, estes espaços possibilitavam o percurso no interior das moradias de modo a isolar ou unir os
compartimentos. Sobre essa questão é interessante ver o trabalho de LIMA, Tânia Andrade. Pratos e mais
pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX. In: Anais do Museu
Paulista. São Paulo. Nova série, v. 3, 1995.
443
Segundo Ernesto Cruz “a rua do Norte foi a primeira rua aberta em Belém pelos colonizadores portugueses,
no século XVII. Posteriormente foi denominada rua Siqueira Mendes. CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp. 37-9.
228
O uso de forros nas moradias, inclusive naquelas consideradas mais amplas e/ou
melhor localizadas restringia-se geralmente às salas e alcovas e em algumas outras, estendia-
se aos quartos. Contudo à medida que o século XIX avaava, o uso dos forros em outros
cômodos das casas ganhou maior freqncia, embora não se tornasse uma generalidade.
Admito, porém, que não posso oferecer garantias quanto à relação entre o uso de forros nas
moradias e a proteção com relação às águas. Reitero que o que faço é vislumbrar uma relação
possível entre as duas questões.
444
No dia 26 de fevereiro de 1881 teve início o inventário de Antonio Joaquim de Sousa
Martins. Este era possuidor de uma casa situada na travessa de São Matheus. A julgar pela
relação de imóveis constante no inventário, possivelmente aquela era a residência de Antonio
Joaquim. A casa tinha um pequeno jardim na frente, corredor, sala, saleta, alcova. Atrás da
saleta um quarto e ainda uma varanda e um copiar. Era toda assoalhada e forrada de acapu. A
frente fora construída em pedra e cal e o restante da moradia em tijolo.
Todavia, se em alguns momentos poderia revelar-se uma presença inóspita, em muitos
outros a água nos interiores das moradas mostrava-se fundamental. A importância a que me
reporto emerge ainda agora, através da documentação referente ao século XIX, quando é
possível alcançar as notícias acerca dos objetos que pertenceram a alguns dentre aqueles que
habitaram a cidade, objetos que tiveram certamente, importâncias múltiplas para cada um
deles.
Muitos daqueles objetos foram recorrentes nos usos das águas não somente no culo
XIX, como também em períodos anteriores, chegando mesmo a adentrar o século XX. Os
usos de copos, garrafas, bilhas, potes, tornaram-se possivelmente, cada vez mais vulgares ou
comuns, sobretudo daqueles objetos confeccionados em barro, madeira, ou metal considerado
menos valioso no período em questão.
É possível então que a posse de objetos com tal tipologia, não corroborasse para o
processo de distinção ou mesmo de ostentação daqueles moradores que eram possuidores dos
mesmos, uma vez que o próprio valor de mercado dos objetos possuídos fosse considerado
ínfimo, sobretudo quando comparados aos objetos confeccionados em material de mais valor,
como a prata por exemplo. Ou seja, penso que o possível processo de vulgarização do uso de
inúmeros objetos da água, possa ser pensado como um elemento esclarecedor da omissão dos
444
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Juízo de Orphãos Auto de Inventário em que o
inventariados Antonio Coutinho de Miranda e Anna Francisca Maciel Coutinho e inventariante Francisca Maria
Ferreira Coutinho. Anno de 1837.
229
mesmos em grande parte de testamentos e inventários, produzidos em diversos períodos do
século XIX, mas, sobretudo, nas duas décadas finais do mesmo.
445
Uma outra possibilidade para a exclusão de referência de objetos de usos da água em
testamentos e inventários, fosse talvez um processo de mudança na constituição do
documento, ou seja, na estruturação ou feitura do mesmo, de tal forma que fosse registrado
apenas os bens considerados dignos de citação. Essa dignidade estaria provavelmente
relacionada ao valor de mercado atribuído ao bem possuído, principalmente em caso de tratar-
se de inventariados de moradores mais afortunados, cujo volume de posses fosse considerado
tão expressivo financeiramente que as simples descrições de objetos comuns, e/ou de baixo
valor, fossem descartadas por seus inventariantes.
Nesse sentido observo que alguns moradores possuidores, por exemplo, de vários bens
imóveis, tiveram seus inventários produzidos com a descrição específica desses bens apenas,
embora pareça evidente que, pelo menos no prédio de moradia do inventariado, houvesse
outros bens, objetos de uso diário, inclusive aqueles relacionados à intermediação com as
águas.
Foi o que percebi através das fontes que trouxeram à tona um pouco das histórias de
habitantes da cidade de Belém como João da Costa Machado, Lizarda Maria da Purificação,
José Pereira Rebello Braga, João Pereira da Silva e a mulher deste Domingas Maria do
Espírito Santo, Verissima Maria do Couto, Jesuíno Ribeiro da Silva, entre muitos outros.
446
É importante considerar, contudo, que em anúncios de leilão, ou de venda e aluguel de
moradias, determinados objetos referentes aos usos da água eram mencionados como
importantes para casas de família”. Era o caso, por exemplo, de lavatórios e banheiras,
registrados em número reduzido de inventários, além de alguns anúncios, como os referidos
em outras páginas.
445
Sobre a economia dos bens culturais, bem como a produção de seus consumidores e os gostos destes, assim
como as distintas formas de apropriação de alguns desses bens é importante ver BOURDIEU, Pierre. A
Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.
446
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Vara Civil Cartório Odom Gomes. Caixa de
1811. Auttos Cíveis de Inventários a que se procedeo por fallecimento de João da Costa Machado.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. 2ª Vara Civil Cartório Odom Gomes. Caixa de 1810-
11. Auttos Cíveis de Inventários a que se procedeo por fallecimento de Lizarda Maria da Purificação.
APEP. Fundo: Juízo de Órpos da Capital. Série: Autos de Inventários e Partilhas. Caixa de 1848. Autos de
Inventários e Partilhas dos bens que ficaram por fallecimento de José Pereira Rebello Braga.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Cartório Fabiliano Lobato. Caixa de 1864. Autos de
Inventários dos bens que ficaram por fallecimento de José Pereira da Silva.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é
inventariada Verissima Maria do Couto e inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Datado de 1875.
APEP. Fundo: Juízo de Órfãos e Ausentes da Capital. Série: Inventários e Partilhas. Caixa de 1880. Autos Cíveis
de Inventário e Partilhas em que é inventariado Jesuíno Ribeiro da Silva e inventariante Donna Maria Lobo da
Silva.
230
4.1. Adentrando as moradias
No alvorecer dos anos noventa do século XIX, o jornal “A Republica” publicou um
texto que noticia o suicício” de Domingos Pereira de Lemos, identificado pelos redatores no
referido jornal como preto, maranhense, de 43 annos de idade”. Domingos morava em uma
casa considerada “modesta”, situada na rua dos Martyres, sob o nº 28.
447
Segundo o jornal (...) o quarto onde Domingos suicidou-se é um pobre
compartimento onde a miseria se mostra em toda sua nudez.(...)Uma mesa de pinho a um
canto, sobre esta um espelho pequeno, uma bilha cahida e um cachimbo ainda
quente.(...).
448
Com ele residiam outras pessoas, que aparentemente não integravam o parentesco
consanguíneo do mesmo: a preta velhaAgueda Raposo e o rapaz Armindo Ribeiro de
Moraes.
Como o próprio título da notícia anuncia, o foco do redator é a morte por
estrangulação de Domingos. Contudo, ao longo da narrativa, percebi elementos
interessantes à temática trabalhada neste estudo, ou seja, os objetos da água nos interiores das
moradias.
A respeito disso chamou minha atenção o destaque do narrador para uma descrição
dos interiores da modestamorada de Domingos. Para ele, a miséria era explícita no quarto
do desafortunado maranhense. No discurso do redator, ela saltava aos olhos inclusive através
dos objetos ali encontrados: uma mesa de pinho, um espelho pequeno, um cachimbo quente,
uma bilha caída. Para ele, objetos comuns, nada que conferisse ao sofrido maranhense,
alguma distinção naquela sociedade. Ou seja, o discurso parece indicar que era de uso comum
ou vulgarizado, entre moradores da capital do Grão-Pará, inclusive os considerados mais
pobres ou desprovidos de maiores recursos, as mesas de pinho, assim como pequenos
espelhos e bilhas, objetos simples, trastes comuns que poderiam ser encontrados nos interiores
de várias moradias, inclusive daquelas consideradas mais modestas para os padrões daqueles
tempos.
447
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A República”, anno I, Nº 76, de 23/05/1890. P. 02.
A rua dos Martyres atualmente é denominada 28 de Setembro. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado
histórico de suas denominações. Belém: CEJUP, 1992. P. 38.
448
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A República”, anno I, Nº 76, de 23/05/1890. P. 02.
231
O texto jornalístico ressalta que Domingos teria cometido o ato extremo no quarto que
ele ocupava dentro da moradia. O modo estava immerso em trevas” como se escondesse o
corpo inerte do maranhense. Talvez, no interior da moradia, que não era ocupada unicamente
por ele, o quarto envolvido em sombras fosse um local de intimidade para Domingos, ou seja,
o espaço da moradia no qual ele poderia mergulhar em solidão, remoer suas angústias
enquanto saboreava o fumo, saciar a sede e até mesmo decidir seu modo de morrer, cercado
por seus objetos de uso pessoal, como, por exemplo, a bilha - utensílio usado para
acondicionar água para beber”, ou seja, água considerada potável, em condições de ser
ingerida pelas pessoas, naqueles tempos do século XIX. O quarto de Domingos confundia-se
com ele, ocupante, e expressou a dor que consumiu o maranhense.
449
A bilha estava sobre a mesa, no quarto de Domingos, de fato as bilhas não eram no
século XIX, objetos que, em geral, as pessoas depositassem diretamente sobre o solo. Aqueles
que faziam, uso da mesma, dispunham-na geralmente sobre móveis como mesas, geralmente
localizadas nas cozinhas. Todavia, não e possivelmente não havia no passado, regras
rígidas para isso, portanto os que apreciavam beber a água da bilha poderiam deslocar este
objeto para interiores diversos da residência, como os quartos, conforme acabamos de
observar, e acomodá-las sobre bancas, caixas e/ou cômodas.
Em algumas casas de moradia, havia também uma peça de madeira apropriada para o
encaixe das bilhas e, às vezes conjuntamente de potes, que era denominada “bilheira”.
450
Na Belém daqueles tempos, as bilhas poderiam ser confeccionadas geralmente em
barro, mas também em cobre, ou ainda em estanho. Eram como garrafas, nas quais se
acreditava, que a água ali depositada permanecia em temperatura ideal para ser ingerida. No
jornal “A Epocha”, por exemplo, de setembro de 1859, consta que Antonio Augusto de
Siqueira Pinto continuava a vender em sua taverna uma variedade de bilhas que garantiam o
frescor da água.
451
Muito possivelmente, Domingos era um entre os inúmeros moradores de Belém, a
possuir ou recorrer ao uso das bilhas, para acondicionar água potável nos interiores de sua
449
Nesse ponto convido o leitor a rever as considerações de Francisco Henriquez, cujos conselhos foram por
mim mencionados na epígrafe inicial deste capítulo. Ele consagra princípios referentes ao reconhecimento da
água potável. HENRIQUEZ, Francisco da Fonseca. Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde. Texto
modernizado e glossário: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (UFMT); Sílvio de Almeida Toledo Neto
(USP); Heitor Megale (USP). São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. Pp. 215-6.
Sobre o leito e o quarto individuais ver CORBIN, Alain. “O Segredo do Indivíduo”. In: PERROT, Michelle (dir.)
[et al]. História da vida privada, 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
450
Bilheira era uma peça de madeira usada para encaixar os potes de barro e/ou bilhas.
451
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II,198, de 05/09/1859. P. 04.
232
moradia. A julgar pelo silêncio em relão às referências a esse objeto em inventários post
mortem, era um utensílio cuja recorrência tornara-se comum no cotidiano das pessoas que
viviam na Cidade do Pará.
Não obtive acesso a um testamento ou ao inventário post mortem de Domingos.
Também o localizei um auto de corpo de delito, ou um termo de depósito de seus bens. É
possível também que o maranhense não tenha deixado um testamento e que também não sido
encaminhada a constituição de um inventário de seus bens, uma vez que implicava em custos
que nem sempre podiam ser assumidos pelos familiares dos falecidos.
De qualquer modo, mediante o texto jornalístico que expôs o drama de Domingos,
tratava-se de um homem desprovido de maiores recursos em vida e que escolhera morrer
isoladamente em meio aos seus parcos pertences, no interior de seu quarto.
Independentemente dos registros acerca das posses de Domingos, bilhas e potes não
eram objetos da água dos mais encontrados em inventários e principalmente em testamentos.
Em 240 documentos que pesquisei até o presente momento, entre testamentos, inventários e
termo de depósito apenas neste último o registro de uma bilha. Essa constatação, contudo,
não me permite asseverar que o uso da bilha inexistia em Belém.
Anúncios de jornais, em diferentes décadas do culo XIX, indicam que moradores da
cidade buscavam adquirir este objeto mediante compra, ou seja, eles eram relacionados como
produtos disponíveis nos estabelecimentos comerciais. Tratavam-se, todavia, de objetos que
em torno dos quais os sujeitos históricos dos quais obtive notícias, construíram uma noção de
vulgarização, ou seja, parecia ser importante obtê-los, afinal o acondicionamento da água no
interior dos domicílios requeria certa variedade de utensílios. Todavia eram desconsiderados
enquanto pertences cujo valor, fosse o financeiro ou o artístico, atribuísse algum tipo de
distinção ou diferenciação social ao proprietário do mesmo.
Na publicação do Movimento do Porto”, o jornal “Treze de Maio” apresenta a
listagem de produtos trazidos do Maranhão no patacho brasileiro Quatro amigos”. Entre os
produtos consta um cesto com bilhas de barro” o que aponta a possibilidade da ocorrência
de um comércio interprovincial desse produto. Entretanto, havia olarias em Belém.
452
Além das bilhas, a água potável podia ser acondicionada em potes, garrafas e
garrafões, os quais poderiam ser arranjados sobre mesas ou bancos. Há inventários que
referem a posse de bancos para potes e/ou para bilhas, como por exemplo, o inventário de
João de Castro Freitas, de 1881. Entretanto não mencionam a posse de potes e/ou bilhas
452
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 14º anno, 255, de 19/11/1853. P.4.
233
propriamente ditos. Não obstante esse silêncio, há relatos de viajantes dos quais emergem
referências interessantes quantos a usos de potes, por exemplo.
453
À medida que se visitam as cidades brasileiras, pouca cousa se nos apresenta o
remarcadamente característica quanto os potes d’água que os negros levam sobre a
cabeça.
454
As únicas pessoas que geralmente se encontram no Pará, pela manhã, são negros e
índios com potes de barro à cabeça, a caminho da fonte.
455
Além da intermediação desses objetos, a água potável freqüentava as mesas de
refeições das diversas moradias de Belém através dos copos, garrafas, sopeiras, pratos fundos,
colheres, como também de chaleiras, chocolateiras, xícaras, colheres de chá e de sopa. Estes
foram os objetos que inicialmente considerei como aqueles que recepcionariam a água à
mesa.
inventários post mortem que contêm informações mais completas acerca desses
objetos, destacando, por exemplo, o material em que eram confeccionados - se em cobre,
latão, ferro, prata, vidro, louça. Parecia ser importante também apresentar, mesmo que de
modo nem sempre detalhado, os aspectos decorativos de cada um dos objetos, se eram
pintados e de que cor. O tamanho também parecia ser importante e era esclarecido, não
raramente, através de termos comopequeno”, “grande”, “menor” e “maior”.
Além das características que acabei de mencionar, também era interessante considerar
em diversos inventários, o estado de conservação do objeto, ou seja, se estava “muito usado”,
ou simplesmente usado”, ou amassado, enfim. Esse conjunto de observações corroborava
no processo de atribuição de valores em moeda corrente. A exemplo dessa questão, destaquei
algumas informações contidas nos registros do inventário do casal Joaquim Ribeiro Pacheco e
Josefa Maria Calandrini, falecidos em 1820 e 1819, respectivamente, ambos sem testamento.
Em maio de 1820 foi iniciado o inventário dos bens do casal. Entre estes constam uma
chaleira de “ferro”, já “usada” e avaliada em $500 (quinhentos réis).
453
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Caixa de 1881. Autos cíveis de inventário de João de
Castro Freitas. De 26/08/1881.
454
KIDDER. Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanência no Brasil, p. 57. In: Equipamentos, usos
e costumes da Casa Brasileira. Vol. 2. Fichário Ernani
Silva Bruno. São Paulo: Museu da Casa Brasileira. 2001.
455
KIDDER. Daniel Parish. Reminiscências de viagens e permanência no Brasil, p. 188. In: Equipamentos, usos
e costumes da Casa Brasileira. Vol. 2. Fichário Ernani
Silva Bruno. São Paulo: Museu da Casa Brasileira. 2001.
234
Figura 36 chaleira de cobre com tampa e corrente
456
Figura 37 chaleira de cobre com tampa
Duas chaleiras de cobremaiores”, a 3$200 (três mil e duzentos réis) cada uma.
Outras duas, número quatro, avaliadas em 2$560 (dois mil, quinhentos e sessenta is). Uma
chocolateira de cobre”, já usadae de tamanho grande”, que foi avaliada em 1$200 (um
mil e duzentos réis).
457
Importante retomar aqui, que antes de iniciar o percurso que a levaria até os interiores
das moradias, a água considerada potável precisava ser introduzida nas residências. Tal
introdução foi também diversa ao longo do interregno no qual estou me detendo, ou seja, ao
longo do século XIX e primeira década do XX, os moradores de Belém obtiveram água para
beber e para as demais necessidades internas das residências, principalmente em função das
visitas regulares aos poços públicos e/ou particulares. Entretanto, conforme procurei analisar
em capítulo anterior, seria um equívoco grave afirmar que unicamente os próprios moradores
tenham pessoalmente recorridos aos poços, como também as idas aos poços não significaram
a única forma de obtenção da água “boa de beber”.
456
Governo do Estado de São Paulo. Secretaria de Estado da Cultura. Colão do Museu da Casa Brasileira. Os
objetos acima expostos integram o conjunto de vasilhas dos séculos XVIII e XIX, em latão ou cobre, que
pertenceram ao pintor paulista Pedro Alexandrino”. Possivelmente algumas chaleiras listadas nos documentos
históricos referentes aos moradores da cidade de Belém do Pará, apresentaram formatos similares a esses.
457
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Cartório Odom Gomes. Caixa de 1820. Autos de
Inventários dos bens do Cazal de Joaquim Ribeiro de Sousa Pacheco e sua mulher Donna Jozefa Maria
Calandrini. Cartório Odom Gomes. Caixa de 1820.
Este inventário foi um dos pouco em que encontrei, na descrição dos objetos inventariados, o registro do
número, como uma provável referência ao tamanho do objeto.
235
Houve também o recurso aos vendedores de água, denominados em geral como
aguadeiros”. Somente a partir dos anos oitenta do século XIX, o processo de encanamento
para fornecimento domiciliar de água começou a ser efetivado na cidade e ainda assim a
coleta do líquido dava-se de modo diverso, pois as visitas aos poços permaneceram, assim
como a venda de água, intermediada pelos aguadeiros”, mesmo nos primórdios do século
XX, uma vez que o processo de canalização da água no que dizia respeito ao abastecimento
domiciliar ocorreu paulatinamente na cidade de Belém.
Apesar de ocorrer parcimoniosamente, o processo de encanamento das águas foi,
desde tempos idos no século XIX, uma das preocupações presentes nos discursos de
autoridades dirigentes no Pará. Em relação a isso, considero relevante mencionar que, no ano
de 1856, o presidente da Província Sebastião do Rego Barros, registrou sua preocupação com
o encanamento das águas potáveis.
Preocupação semelhante aparece em outros documentos, como no relario do vice-
Presidente Ambrósio Leitão da Cunha, de 15 de agosto de 1858 no qual é apresentado um
relato acerca das possibilidades de proceder-se o encanamento de água de boa qualidade
para beber-se”.
Esclarece que o citado encanamento deveria ser construído até os chafarizes, os quais
sequer existiam no período em que o dito dirigente se manifestava, ou seja, os anos cinquenta,
mas que seriam edificados também em um total de doze a serem espalhados pela cidade
mediante determinação da Presidência da Província.
Nesse sentido é fundamental relembrar que a referida pauta de discussão daqueles
dirigentes, conectava-se aos ideais civilizadores em voga no século XIX para inúmeras
sociedades do mundo ocidental, ou seja, era importante desenvolver sensibilidades
administrativas para com a questão do uso da água, em outras palavras, aquele era também,
um problema importante a ser enfrentado pelos moradores em geral de Belém, considerando
que essa era uma cidade na qual havia aqueles para os quais era importante enquadrar a
capital do Grão-Pano rol das sociedades ditas civilizadas.
Nessa perspectiva as manifestações dos dirigentes, em diferentes períodos, reforçam a
necessidade urgente de proceder-se o encanamento da água potável, pois segundo eles, a
população de Belém necessitava acessar mais facilmente, a água para beber. Tal necessidade
236
impunha-se tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, pois, a água considerada de
boa qualidade era escassa na cidade, mesmo em se tratando dos poços existentes na mesma.
458
4.1.1. (Ainda) Usos dos poços.
A respeito dessa observação acerca dos poços, é pertinente relembrar que, ao longo do
século XIX, era importante informar se as casas de moradia” anunciadas para aluguel ou
venda nas páginas dos periódicos, dispunham de poço. Inclusive, tal dado informativo parecia
ser tão importante quanto um outro: a existência de quintal com árvores frutíferas ou capinzal
para venda ou consumo dos animais.
Além disso, o leitor deve estar lembrado de que, não raramente acoplada à referência
do poço, havia a observação quanto à qualidade da água ali existente. Assim foi quando
Joaquim de Souza Mesquita anunciou que dispunha de uma rocinha para alugar no fim do
largo da Pólvora ao entrar a rua da Cruz das Almas”.
459
Segundo os dizeres do anúncio, a rocinha de Joaquim dispunha de boa água para
beber”. Possivelmente, no período em questão, a concepção sobre a chamada água de boa
qualidadeou boa para beber”, guardasse fortes conexões com modos de pensar emanados
de tempos passados.
Sobre esse aspecto ressalto a “Relação Sumária” de Symão Estácio da Sylveira, de
1624, na qual o militar destaca, entre outras questões, apureza das águasreferindo-se mais
especificamente ao “Estado do Gram-Parà”.
460
Em seus escritos, Sylveira construiu uma narrativa etnocêntrica, na qual mencionava o
grande número de fontes, a pureza das águas, que segundo ele eram límpidas e sadias,
458
Exposição apresentada pelo Exm.º Senr Conselheiro Sebastiao do Rego Barros, Presidente da Província do
Gram-Pará ao Exm. Senr Tenente Coronel de Engenharia Henrique de Beaurepaire Raham, no dia 29 de Maio de
1856, Por occasiaõ de passar-lhe a Administração da mesma Província.” Disponibilizado em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 26 fev. 2005.
A boa qualidade, como nos idos dos séculos XVI e XVII, relaciona-se à limpidez da água. Diante disso as águas
do rio Una foram consideradas impróprias para beber, posto que no inverno ficavam turvas. Relatório lido pelo
Vice-Presidente da Província Dr. Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura da primeira sessão ordinária da
Assemblea Legislativa no dia 15.08.1858. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 25 set. 2005.
459
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. O anúncio referido encontra-se no jornal Diario do Gram-Pará, anno VIII,
nº 221, de 02/10/1861. P. 3.
O largo da Pólvora e a rua da Cruz das Almas, posteriormente receberam outras denominações, conservadas até
hoje e que são, respectivamente, praça da República e rua Arcipreste Manoel Teodoro. In: CRUZ, Ernesto. Ruas
de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp. 103 e 37.
460
SYLVEIRA, Symão Estácio da. Relação sumária das cousas do Maranhão (1624). In: PAPAVERO, Nelson
et all. O Novo Èden: a Fauna da Amazônia Brasileira nos Relatos de Viajantes e Cronistas desde a Descoberta
do Rio Amazonas por Pinzón (1500) até o Tratado de Santo Ildefonso (1777). Belém (PA): Museu Paraense
Emílio Goeldi. 2002. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira). P. 130.
237
apropriadas mesmo para os enfermos. Então, as pessoas acometidas de sezões e
destemperamentos”, por exemplo, poderiam sarar mediante os usos das boas águas.
O infinito mero de fontes que esta terra produz, é também parte de seu clima
fresco. (...) Afirmo como de vista, que nenhuma água destas nossas partes, podem de
algum modo competir com as desta terra. Disto faz grandes elogios o Padr Ioseph da
Costa, na sua historia natural e moral das Indias e me serão testemunhas, as aguadas
que aqui chegaram, que pela grande excelência que possuem foram presenteadas,
advindo desse gesto, mais pedidos das mesmas.
461
Ainda nessa direção e conforme comentei em laudas anteriores, Francisco da Fonseca
Henriquez, em sua “Âncora Medicinal, produzida em 1721, afirma que, quando boa, a água é
muito importante para a nutrição do corpo, uma vez que, entre outras coisas, ajuda a distribuir
o alimento pelo estômago, contribui para a circulação sanguínea, funciona como laxante no
ventre”, sacia a sede.
Não obstante essas considerações, o médico do rei D. João V advertia, conforme
epígrafe desse capítulo, que a boa água deveria serclara, pura, limpa, insípida e sem cheiro”
e que a percepção disso corria por conta dos sentidos externos”.
462
Tal modo de pensar também pode ser observado, por exemplo, nos anos quarenta do
século XIX quando em discurso perante à Assembléia Legislativa Provincial, João Antonio de
Miranda, presidente da Provincia do Pará, indicou alguma inquietação quanto à acessibilidade
dos moradores de Belém à “boa água”.
A Capital da Província não tem um chafaris: a agua potavel em grande parte é
. Lembro-vos um expediente. A melhor agua, que se acha na Cidade, é
denominada das Pepes cuja nascente existe na rocinha pertencente á casa dos
Educandos. Poder-se-hia mui facilmente levantar um chafaris no meio da praça
Pedro Segundo, condusindo para elle a agua da pepes, attenta a sua proximidade, ou
procurando-se fasel-a apparecer no ponto designado. (...).
463
(grifos meus)
461
O infinito numero de fontes, que esta terra produze, são tãbê muita parte de sua frescura. (...) Affirmome
como de vista, que nenhûas aguas destas nossas partes, podem cõpetir em nada com as desta terra: de que faz
grande encarecimêto o Padre Ioseph da Costa, na sua historia natural, & moral das Indias, & me serão
testimunhas, as reliquias das aguadas que aquj chegarão, das quaes, por grande excellencia, se fizerão
presentes, sendo muitos mais os petitórios.” SYLVEIRA, Symão Estácio da. Relação sumária das cousas do
Maranhão (1624). In: PAPAVERO, Nelson etti alli. O Novo Èden: a Fauna da Amazônia Brasileira nos Relatos
de Viajantes e Cronistas desde a Descoberta do Rio Amazonas por Pinzón (1500) ao Tratado de Santo
Ildefonso (1777). Belém (PA): Museu Paraense Emílio Goeldi. 2002. (Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira).
P. 130.
462
HENRIQUEZ, Francisco da Fonseca. Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde. Texto
modernizado e glossário: Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (UFMT); Sílvio de Almeida Toledo Neto
(USP); Heitor Megale (USP). São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. Pp. 215-6.
463
Discurso recitado pelo Exm. Snr Doutor João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará. Na
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typographia de Santos &
menor. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
238
A inquietação que referi há pouco também pode ser percebida em outros documentos,
como o relatório pouco referido, do vice-Presidente Ambrósio Leitão da Cunha, no qual é
apresentado um relato acerca das possibilidades de proceder-se o encanamento de água de
boa qualidade para beber-se.
464
Esclarece que o citado encanamento deveria ser construído até os chafarizes, que por
sua vez seriam edificados também em um total de doze e serem espalhados pela cidade
mediante determinação da Presidência da Província.
465
De qualquer modo, mesmo no início dos anos sessenta do século XIX, conforme
analiso algumas páginas atrás, continuava sendo importante para os moradores, que as
casas tivessem poços, ou que houvesse algum nas proximidades, ao qual fosse possível
recorrer nos momentos considerados necessários.
Os poços de Belém, fossem particulares ou públicos, eram invariavelmente visitados
por expressivo número de pessoas. Além dos citados aguadeiros, relembro aqui a
frequência de lavadeiras. Em decorrência dessas e de outras necessidades construídas nos
espaços da cidade, sobretudo nos momentos em que se convivia com as epidemias, era
preciso deslocar-se até eles, lançar no interior dos mesmos o balde ou a lata amarrada a uma
corda a fim de retirar a água, encher vasilhas, carregá-las para o interior das moradias e enfim
derramar o líquido em potes, bilhas, garrafas, repetindo a operação sempre que necessário,
constituindo uma rotina marcada pelo soerguimento da água ao nível de fazê-la cumprir as
funções que lhe foram historicamente atribuídas a saber: as lavagens, a preparação de
alimentos, a mitigação da sede.
466
Em relação a esse tópico, é importante rememorar que ao longo do XIX, os moradores
de Belém conviveram com vagas epidêmicas diversas, tais como a varíola, a febre amarela, o
sarampo, o cólera e por conseguinte, com as experiências diversas e dolorosas da morte. Nos
interiores das moradias as formas de contato com as águas durante a lida com as enfermidades
também foram importantes e demandaram idas e vindas aos poços e fontes, pois era preciso
saciar a sede dos enfermos, limpá-los, assim como limpar as moradias, ou seja, naqueles
464
A boa qualidade aqui referida relaciona-se à limpidez da água. Nesse sentido as águas do rio Una foram
consideradas impróprias para beber, posto que no inverno ficavam turvas. Relatório lido pelo Vice-Presidente da
Província Dr. Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura da primeira sessão ordinária da Assemblea Legislativa no
dia 15 de agosto de 1858. Disponibilizado em http://wwwcrl.uchicago.edu/content/brazil/para.htm. Acesso em
25 set. 2005.
465
Relatório lido pelo Vice-Presidente da Província Dr. Ambrosio Leitão da Cunha , na abertura da primeira
sessão ordinária da Assembléia Legislativa no dia 15 de agosto de 1858. Disponibilizado em
http://wwwcrl.uchicago.edu/content/brazil/para.htm. Acesso em 25 set. 2005.
466
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. o Paulo: Perspectiva, 2004. (Debates)
239
momentos de forte tensão era preciso recorrer ao dispêndio de esforços ainda mais repetitivos
e intensos, que iam am daqueles rotineiramente desenvolvidos em momentos de não
ocorrência de epidemias.
467
O conjunto gestual que mencionei constituía o cotidiano de muitas pessoas, moradoras
da Belém do século XIX. Tratava-se de sequências gestuais construídas historicamente em
meio às questões que demarcaram as vivências dos habitadores da cidade afinal, o uso dos
poços não se constituía numa ação natural, no sentido de que independesse do desejo e/ou do
envolvimento dos moradores da cidade de Belém.
Todavia, é possível que para muitos dentre estes, assim fosse considerado, uma vez
que se tornara possível, ao longo de mais de duas cenrias proceder-se à abertura de poços
assim como aprender a retirar dos mesmos a água necessária aos usos diversos dos moradores.
A respeito disso, em dezembro de 1861, o “Diario do Gram-Pará” anunciou que
na casa em obras fronteira á quinta das larangeiras do sr. João Antonio Henrique, na
estrada de S. José, preciza-se de pintura, e de abertura de um poço; quem queira
isto contractar pode dirigir-se á mesma.
468
(grifos meus)
Ainda acerca da recorrência ao uso dos poços no século XIX, Francisco Bolonha relata-
nos em obra editada em 1939 que
No meiado do século passado, conta-me meu velho pae, quase nonagenário, de
phenomenal e angelical memória das cousas, que se passaram na sua meninice, a
população da cidade era abastecida por poços excavados em grande numero de
casas, (...) donde a água para todos os fins domésticos era tirada a baldes. Nesse
tempo não se conheciam os usos publico e industrial da água, sendo ela limitada ao
uso particular.
469
Certamente que os poços não se constituíam em lugares únicos da água na Belém do
século XIX. entretanto, ao longo do desenvolvimento da pesquisa e, por conseguinte, com a
467
Na Fundão Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de obras raras, ver VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. Pará/Belém: Imprensa do Diario
Official. 1906. E BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense
Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. A autora afirma que havia descontentamentos das gentes
de cores”, residentes em Belém, devido ás dificuldades maiores na época da epidemia de cólera (anos cinqüenta
do XIX). Tais dificuldades estariam relacionadas aos usos da água para manutenção da higiene das casas, ou
seja, em caso de falecimento de um enfermo do cólera, a casa deveria ser lavada, bem como os móveis, os
utensílios e roupas. A lavagem deveria ocorrer sob as vistas da polícia. (P.224).
468
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno VIII, nº 285, de 14/12/1861. P. 3.
A estrada de São José corresponde atualmente à avenida 16 de Novembro. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 79.
469
UFPA. Biblioteca Central Prof. Dr. Clodoaldo Beckmann, obras raras. BOLONHA, Francisco. Canal de
Água Preta. Belém-Pará: Off. Graphicas do Instituto “D. Macedo Costa” (Escola Profissional do Estado). 1939.
240
ampliação de meu contato com as fontes pude aprender que as referências aos poços, são
inúmeras e diversas, o que denota o nível considerável de importância atribuído aos mesmos
por aqueles que efetivaram escritos acerca do uso da água por moradores de Belém.
470
Cercada por rios, banhada pelas chuvas, a construção da cidade deu-se em meio à
convivência com as águas. Mas o processo de apropriação da mesma visando o uso doméstico
demandou contatos mais assíduos com a abertura de poços nos quintais ou então, com os
poços já existentes, fossem esses de particulares, ou públicos.
4.1.2. “Distribuídas pelos chafarizes”: o circuito das águas nos discursos dos dirigentes.
A historiografia sobre a cidade de Belém tem consagrado que ao longo do século XIX,
a cidade vivenciou inúmeros intercursos importantes acerca dos quais é possível encontrar um
expressivo número de pesquisas e produções textuais. Conforme esclareci introdutoriamente,
ao definir este recorte temporal, pretendi visualizar a construção das relações entre os
moradores de Belém com as águas presentes na cidade ao longo de aproximadamente um
século.
Desse ponto em diante, optei então, em buscar compreender os modos de pensar de
dirigentes da Província com relação à questão dos usos da água pelos habitadores da capital
do Grão-Pará. Para tanto, foi necessário analisar relatórios de presidentes provinciais de
diferentes décadas ao longo do século XIX.
471
Conforme já indiquei anteriormente, antes mesmo da segunda metade do século XIX,
a preocupação com a água considerada potável e de qualidade para a população de Belém
aparece referida em discursos e falas de administradores locais. Cabe aqui, todavia, uma
observação, em relatórios governamentais anteriores aos anos quarenta do século XIX, não
localizei referências regulares aos usos das águas potáveis pelos moradores de Belém, nem
tampouco, sinais de preocupações governamentais em relação a temas como qualidade ou
quantidade das águas potáveis de Belém. Existem, contudo, outros registros relativos a essa
questão, como os escritos de Alexandre Rodrigues Ferreira e Antonio Ladislau Baena, já
aludidos por mim ao longo da presente tese.
470
Sobre a importância dos poços na França dos séculos XVIII e XIX, ver ROCHE, Daniel. História das coisas
banais: nascimento do consumo nas sociedades do culo XVII ao XIX. Rio de janeiro: Rocco, 2000. Pp.197-
202.
471
Essa discussão também é encaminhada por CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento
usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de
Veterinária, 1944. E também por SILVA, Ivo Pereira da. Terra das Águas: uma história social das águas em
Belém, século XIX. Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/IFCH/PPHIST, 2008.
241
Outras eram as questões frequentes nos relatórios, tais como tranquilidade pública,
melhoramento do porto e de alguns calçamentos, pacificação de indígenas, navegação,
segurança pública, instrução pública. Em praticamente todos os textos oriundos dos diversos
pronunciamentos dos dirigentes da província, é possível encontrar trechos que se reportam ao
Recolhimento das Educandas desvalidas, por exemplo.
A respeito disso, é importante mencionar parte do pensamento de João Antonio de
Miranda, segundo o qual, a instrução poderia estarmelhor dirigida e animadana Província
do Grão-Pará. Contudo a instrução era filha da paz pública e da tranqüilidade dos espíritos
(...) e ambas foram possibilitadas pelo trabalho dos dirigentes que deram combate aos
rebeldes que por algum tempodesgraçaram” a província.
472
As referências à “boa água” emergiram mais regularmente em relatórios, falas,
mensagens registradas a partir dos anos quarenta do XIX. A respeito disso, retomo o discurso
de João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará, na abertura da Assembleia
Legislativa Provincial em 15 de agosto de 1840, já citado anteriormente.
Diante da Assembleia, o dirigente local expressou preocupação pelo fato de que
Belém, em sendo capital da província, dispunha de água potável de qualidade comprometida,
além de não ter qualquer chafariz. Segundo registrado no discurso de João Antonio, e
mencionado nesta tese, uma ressalva caberia à água da nascente das Pepes, considerada a
melhor água” de Belém.
Então, se fosse construído um chafariz no centro da Praça Pedro Segundo, seria
possível conduzir para ele justamente a água das Pepes. Ora, uma vez disponibilizada através
do chafariz e sendo, como parecia acreditar o dirigente, apropriada para beber, atenderia às
necessidades do povo, o qual, segundo a narrativa do discurso, estaria então, bem servido.
Além daquela, o chafariz também teria uma outra função, possivelmente pensada
como igualmente importante à de fornecer água, posto que é também referida no discurso: o
aformoseamento da praça: “mandei alinhar e plantar o largo da pólvora, á que dei o nome
de Praça Pedro 2º, - tencionando levantar no centro ate o fim do anno um chafaris
472
Discurso recitado pelo Exm. Snr Doutor João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará. Na
abertura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typographia de Santos &
menor. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
O dirigente refere-se ao confronto denominado historicamente “Cabanagem”. Conforme expressei
anteriormente, foi uma luta social desenvolvida na Província do Grão–Pará em meados dos anos trinta do século
XIX, que contou com um esquema repressivo importante e cujos ecos reverberaram ao longo da segunda metade
do século XIX. Em correspondências estabelecidas entre presidentes da Província do grão Pará e da Província de
o Paulo, no decorrer dos anos quarenta, cinqüenta e sessenta do século XIX, o tema da “tranqüilidade
reinante”, da “perfeita paz”, do “perfeito socego, foi predominante. Ver a expressiva correspondência produzida
entre presidentes da província do Grão-Pará e da província de São Paulo. Sob a guarda do Arquivo do Estado de
o Paulo. Série: Manuscritos/Ofícios do Estado do Pará, 1833 a 1889. Caixa 10.
242
elegante.” Ou seja, o discurso expressa a valorização do embelezamento do local público
através do chafariz, objeto com o qual as pessoas estariam em contato, fosse pela necessidade
de buscar a água, fosse pelo ato de contemplar a construção ao circular na praça, ou por
razões outras.
473
O discurso também argumenta implicitamente que o chafariz seria importante por ser
um objeto com o qual os moradores poderiam interagir por diversas maneiras, através do
olhar, dos toques, do reconhecimento da importância do mesmo como veículo intermediador
entre eles e as águas que seriam usadas em suas casas.
474
Enfático, o discurso argumenta ainda que talvez se julgasse mais apropriado
qualquer outro largo no centro da cidade, e mais accessível aos commodos publicos; mas me
persudo, que aquelle é preferível por causa do merecimento da água.” Nesse ponto convém
lembrar que a água viria da fonte da Pepes, considerada de melhor valor.
475
Dirigente provincial do Pará de fevereiro a novembro de 1840, João Antonio de
Miranda parecia acolher em seu discurso a ideia de que, a qualidade da água é que deveria ser
observada primeiramente. Já a comodidade da proximidade de alguns locais seria secundária.
Bem, à primeira vista, este é mais um discurso, entre tantos outros que foram expostos
por presidentes da província do Grão Pará, que parece apresentar um caráter generalizador em
relação às condições de vida e de trabalho dos moradores de Belém que buscavam água nos
locais públicos destinados a isso. Nesse sentido, todos foram generalizadamente denominados
como integrantes do “povo”, o qual necessitava, segundo o documento em questão, de
melhores serviços no que se refere à questão do abastecimento de água.
É preciso não esquecer, contudo, que buscar água não era um ato praticado por todos
os moradores indistintamente, é importante relembrar que aquela era uma ação que resultava
em vários esforços físicos. Primeiramente os deslocamentos, ou melhor, o esforço de ir e vir,
portando um objeto que acondicionasse a água, não raramente os potes de barro.
473
Discurso recitado pelo Exm. Snr Doutor João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará. Na
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typographia de Santos &
menor. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
A praça Pedro II, referida no discurso acima, atualmente é denominada praça da República. In: CRUZ, Ernesto.
A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos.
Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. Belém: CEJUP, 1992. P.103.
474
Discurso recitado pelo Exm. Snr Doutor João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará. Na
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typographia de Santos &
menor. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
475
Discurso recitado pelo Exm. Snr Doutor João Antonio de Miranda, presidente da Provincia do Pará. Na
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typographia de Santos &
menor. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
243
No retorno, o referido objeto estaria repleto de água, o que resultaria num aumento
tanto do peso do mesmo quanto do desconforto em transportá-lo. Todavia, o deixava de
constituir um modo de tornar viável a entrada da água nas moradias. Seria na realidade mais
um, entre os esforços de submissão do líquido indispensável à vida humana, ao cotidiano dos
moradores de Belém. Para o dirigente provincial, o chafariz, seria então, um intermediador
capaz de amenizar tal esforço.
Em relação à questão aqui abordada também é importante relembrar que o transporte
dos potes abastecidos com água era feito, muitas vezes, por escravos e considerado por
inúmeros moradores indistintamente, como um serviço menor, ou seja, desclassificado, se
levarmos em conta a hierarquia estabelecida entre os serviços prestados em cidades do Brasil
no período em questão.
476
Acerca desse ponto, acredito que seja importante retomar as considerações de Henry
Bates. O viajante e naturalista registra o movimento de lavadeiras e aguadeiros nas áreas
pantanosas ou baixas, nas quais estavam localizados, nos anos quarenta do século XIX, poços
públicos da capital do Pará. A imagem a seguir, “Planta da Cidade do Pará”, apresenta alguns
poços de acesso público na cidade de Belém, como também o desenho de áreas alagadiças,
fonte de preocupação das autoridades dirigentes no XIX, conforme discuti em capítulo
anterior.
Vale relembrar que o pântano do Piri, constante na planta a seguir, sofreu intervenções
diretas do poder público, a partir da primeira década do século XIX, o que permitiu o avanço
do processo de urbanização da cidade. O engenheiro Gaspar Gronsfeld apresentou proposta
para o reordenamento de Belém, considerando a presença das águas, ou seja, aproveitando o
curso natural das mesmas. Todavia, os governantes optaram pelo aterramento do alagadiço.
As obras foram encaminhadas desde princípios do século XIX (1803), quando era
governador e capitão general do Grão-Pará D. Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos
Arcos. Mas, conforme expus no segundo capítulo, as ações de dessecamento demandaram
algumas dezenas de anos, influenciando certamente os modos de viver dos habitantes de
Belém.
477
476
Relembro que Jane Beltrão registra que tarefas de fundamental importância para a vida cotidiana dos
moradores de Belém eram confiadas às gentes de cores, como, por exemplo, a busca de água. In: BELTRÃO,
Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade
Federal do Pará, 2004. P. 222.
477
Sobre essa questão, vida material e domesticidade ver o importante trabalho de GUIMARÃES. Luiz Antonio
Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre vida material e domesticidade nas moradias de Belém 1800-
1850. Dissertação (mestrado) - UFPA/IFCH/PPHIST. Belém, 2006.
244
Figura 38 Planta da Cidade do Pará
478
Segundo Bates, na madrugada úmida, grupos de trabalhadores, homens e mulheres,
negros, espanhóis, portugueses, indígenas, mestiços em geral, divertiam-se, discutiam e
tagarelavam em meio aos seus ofícios, adicionando mais vida aos pântanos, ruas e praças da
cidade.
479
Não obstante o tom quase poético do relato de Bates e mesmo do encantamento que
ele, como um viajante e naturalista vivendo em uma cidade distinta daquelas que ele já
conhecia na Europa ocidental, parecia sentir e denotar em seus escritos, não localizei fontes
478
Ministério da Defesa/Exército Brasileiro/Arquivo Histórico do Ercito (AHEx/RJ)/ Divisão de História
Mapoteca II. Série: norte. Sub-série: Pará. “Planta da Cidade do Pará”. “Explicação”: 1) A Sé; 2) Igreja e
Convento do Carmo; 3) Colegio dos P.P. da Compª.; 4) N. S. do Rosario da Cidade; 5) Sto Crucifixo; 6) Palacio
dos Governadores; 7) Alfandega; 8) Quarteis; 9) Cazas das Canoas; 10) Praça do Pelourinho; 11) O Pacinho; 12)
Padres das Merces; 13) Mizericordia; 14) N. Srª do Rosario da Campina; 15) Acougue; 16) Armazem da
Polvora; 17) Forte das Merces; 18) Forte do Stº Crucifixo; 19) São João; 20) O Páo d’Agoa; 21) Poços; 22)
Forca. (grifos meus). Documento original.
De acordo com os registros do AHEx, ignora-se a data dessa planta, porém segundo Nestor Goulart Reis, ela
data de 1780 e foi desenhada pelo engenheiro militar Gaspar de Gronsfeld. In: REIS FILHO, Nestor Goulart.
Vilas e cidades do Brasil Colonial. 1999. CD-ROOM.
479
BATES, Henry Walter. Um Naturalista no Rio Amazonas. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; o Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1979. Pp. 12.
245
que indiquem a presença de moradores não qualificados como pobres, desprovidos de fortuna
e/ou escravizados nos locais de abastecimento de água realizando as atividades concernentes à
coleta da mesma. Ou seja, estes como outros serviços, continuavam a ser realizados pelos
ditos não-civilizados (e alguns tidos como semi-civilizados), isto é, indígenas, africanos e
vários dos mestiços desses, conforme registraram Spix e Martius por conta de sua presença na
cidade de Belém na segunda década do século XIX.
480
Nos anos cinquenta, um outro texto, desta vez uma “falla” dirigida à Assembleia
Legislativa Provincial em 15 de agosto de 1853, pelo presidente da província José Joaquim da
Cunha, relata que precisou prestar socorro à rua do Paul água, devido ao estado misevel
em que a mesma se encontrava decorrente da enxurrada de águas que incidiam sobre a
mesma. O leitor deve estar lembrado de que, no capítulo anterior, transcrevi essa fonte
justamente no tópico referente aos aguadeiros de Belém.
481
Em sua manifestação, Joaquim da Cunha faz várias menções importantes com relação
aos problemas que a municipalidade enfrentava com as águas. A Rua do Paul estava, segundo
ele, em miserável estadodevido às águas que desciam com violência do Largo da lvora.
Que aquela dita rua estava quase sempre a sofrer com as águas que a inundavam e além disso,
tinha o calçamento danificado pelas manobras dos inúmeros carros com pipas que iam
diariamente.
482
O texto da falla” de JoJoaquim da Cunha não expressa a preocupação com o
acesso à água supostamente potável da fonte das Pepes. Suas atenções voltaram-se para a
conservação da rua do Paul, segundo ele arruinada pelas águas”. Possivelmente Jo
Joaquim referia-se às águas das chuvas que, ganhando velocidade na inclinação significativa
existente no local, causariam extremo desconforto a alguns habitadores que residiam ou
precisariam transitar na área em questão.
Conforme discuti em algumas páginas anteriores, ao tratar dos ofícios da água,
diferentes tensões desenharam-se na área do Paul, inclusive envolvendo aguadeiros, os quais,
480
SPIX, Johann Baptista Von e MARTIUS, Carl F. P. Von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: E.
Itatiaia; o Paulo: Ed. da USP, 1981. Pp. 25-6.
481
Falla que o Exmº Snr. Dr. José Joaquim da Cunha, presidente desta Provincia, dirigio a Assemba legislativa
Provincial, na abertura da mesma Assemblea, no dia 15 de agosto de 1853. Pará, Typographia de Santos &
Filhos, 1853. Depositado no site http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 fev. 2005.
A rua ou estrada do Paul d’água, acima mencionada, recebeu posteriormente as seguintes denominações: estrada
de São Jerônimo e avenida Governador José Malcher, sendo esta última, mantida até hoje. In: CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.80.
482
Falla que o Exmº Snr. Dr. José Joaquim da Cunha, presidente desta Provincia, dirigio a Assemba legislativa
Provincial, na abertura da mesma Assemblea, no dia 15 de agosto de 1853. Pará, Typographia de Santos &
Filhos, 1853. Depositado no site http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 fev. 2005.
246
tinham a função de distribuir água na cidade. Por intermédio deles a água considerada potável
adentrava o interior de moradias daqueles que podiam arcar com os custos da mesma.
Nessa fala, contudo, não refere o dirigente algum processo de encanamento de águas
potáveis para os moradores da cidade. O silêncio acerca do tema ainda persiste no relatório
apresentado por Angelo Custodio Correa, 1º vice presidente da Província por ocasião da posse
de Sebastião do Rego Barros na administração da mesma.
483
No que se refere ao processo de enquadramento das águas que dificultavam a vida dos
moradores da cidade, o texto de Angelo Custódio esclarece que destinou verbas, a partir da
quota de 20:000$000 réis encaminhados pelo Governo Central, para o processo de
dessecamento dos ntanos que existiam praticamente ao redor de toda a cidade. Manifesta
ainda sua preocupação com a construção da vala principal”, que deveria receber as águas
oriundas das sarjetas a serem construídas nos pântanos.
Mas o tema do encanamento das águas potáveis não caiu no esquecimento das
autoridades. Algumas delass deixaram registros expressando suas inquietações, e embora eu
não tenha encontrado notícias de queixas e/ou requerimentos dos moradores em geral da
cidade de Belém com relação a essa questão, creio na possibilidade de que os dirigentes
estivessem motivados também, por descontentamentos expressados em textos esporádicos,
escritos por redatores da imprensa, insatisfeitos com a chamada precariedade do fornecimento
de água potável.
De qualquer modo em 1858, em relatório do vice-presidente da província Ambrosio
Leitão da Cunha, é possível encontrar inúmeros parágrafos dedicados ao que ele chama de
importante serviço de dotar a esta cidade com melhoramento notável de tanta importância,
como é o encanamento de agoa potavel para consumo de sua população”.
484
Segundo Leitão da Cunha, a população de Belém necessitava de água para beber,
todavia, a água potável existente somava pequena quantidadeem relação aos moradores e
que, sobretudo os pobres, enfrentavam grandes dificuldades para adquiri-la.
De acordo com aquele dirigente, a população de Belém somava cerca de 22.000
habitantes, à época da construção do documento. Sobre essa questão, ressalto que registros
483
Relatorio feito pelo Exm. Senr. Doutor Ângelo Custodio Correa, Vice Presidente desta Província, por
occasião de dar posse da administração da mesma ao Exm. Senr. Conselheiro Sebastião do Rego Barros, em o
dia 16 de novembro de 1853. Pará. Typographia de Santos & Filhos. 1853. Disponibilizado no site
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 fev. 2005.
484
Relatório lido pelo Exm. Senr. Vice Presidente da Provincia Doutor Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura
da primeira sessão ordinária da (.?.) Legislatura da Assembleia Legislativa Estadual no dia 15 de agosto de
1858. Pará, Typographia Commercial de A. J. R. Guimarães. Disponibilizado no site http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
247
diversos relacionados à quantificação da população da Cidade do Pará. A Secretaria de
Governo da Província registra, por exemplo, o número aproximado de 39.075 habitantes no
município da Capital entre os anos de 1853 e 1854, sendo 21.665 nas freguesias da ,
Trindade e Campina e 17.410, nas freguesias de Bemfica, Inhangapy, Barcarena, Moju,
Acará, Bujarú, São Domingos e Capim”.
(grifo meu)
485
Penso então que a cifra aproximada de 22.000, referida por Leitão da Cunha,
guardasse uma possível relação com as freguesias da Sé, Trindade e Campina, do Munícipio
da Capital, no ano de 1858. De qualquer modo, no relatório em questão, ele apresentou à
Assembleia Legislativa Provincial os resultados de estudos de engenharia acerca do
encanamento da água potável, solicitados por seu antecessor, João da Silva Carrão.
Que em uma linha recta de 2.545 braças entre um ponto escolhido no rio
Una e o paul d’ágoa existem os ribeiros da Barraca, do Mucaja, e a fonte da Sabina,
que dão em vinte e quatro horas 100 pollegadas d’ágoa, da melhor qualidade
possível para beber-se, fornecendo d’ella todos juntos 3.644.5(.?.) 0 litros.
Que a essa massa de agoa se póde juntar a da nascente do rio das Almas,
com cem pollegadas nas vinte e quatro horas, e que forneceria o total de 3.302.780
litros d’ágoa: a qual pode ser encanada naturalmente até o Paul, e ahi ser elevada por
meio de uma machina, afim de poder prestar-se ao consumo, em qualquer ponto da
cidade.
Que avaliando em cerca de 22.000 almas que devem consumir agoa n’esta
cidade, teremos que aquellas vertentes poderão fornecer a cada pessoa 100 litros
diários, o que daria 2.200.000, havendo um excesso de 3.362.780 litros para o
crescimento da população, e para as reducções no volume das agoas, provenientes
de infiltrações, evaporações, etc.
Que estes cálculos baseão-se em medições feitas no fim do mez passado, e
consequentemente no verão, e que por isso deve temer-se uma diminuição tal nas
485
IHGB/RJ. Coleção “Manuel Barata”. Os dados números constantes no texto podem ser localizados no
Mappa Aproximado da População dA Provincia do Pará no Anno de 1853 a 1854”. Secretaria do Governo da
Provincia do Pará, sendo secretário do governo, João Silveira de Sousa.
Nazaré Sarges registra que, segundo Baena, em 1833a população de Belém compunha-se de 13.247 habitantes.
Em 1848, o conselheiro Jeronymo Francisco Coelho, em relatório de 1/10, declarou que Belém continha 16.092
habitantes, considerando neste caso, as freguesias da Sé, Sant’Anna e Santíssima Trindade.
Bates, por sua vez, registrou que em 1819, Belém possuía em torno de 24.500 habitantes, cifra que foi alterada
para 15.000, em 1848, devido aos distúrbios” causados pela luta social dos anos trinta. Retornando em 1859,
Bates afirmou que Belém teria mais ou menos 20.000 habitantes.
Sarges também alerta para os dados dos censos, como o de 1872, no qual constam 61.887 habitantes para Belém,
e o Censo Geral do Brasil, de 1890, segundo o qual a cidade possuía 50.064 habitantes. Entretanto, ela adverte,
segundo o Barão de Marajó, ao final de 1894 Belém somava 100.000 habitantes. O que aponta para possíveis
erros documentais. SARGES. Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). Belém: Paka-
Tatu, 2000. Pp. 44-5.
Jane Beltrão adverte para os numerosos “eventos” que contribuíram para dizimar os habitantes de Belém. Em
1850, por exemplo, a cidade somaria em torno de “16 mil almas”. Nos anos 40 e 50, com a incincia do cólera,
da varíola e da febre amarela, a depopulação foi profunda. BELTRÃO, Jane. Cólera, o flagelo da Belém do
Grão-Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004. Pp. 32-3.
248
agoas em qualquer estada da estação, que possa alterar sensivelmente os referidos
algarismos, de forma a vir faltar agoa para o encanamento que se deseja.
Que o rio Una não foi contemplado, por o dever ser aproveitado, visto
como suas agoas, que no verão são límpidas tornão-se turvas no inverno.
Que, finalmente, tambem se não contemplou a agoa do Paul, que é a que
hoje consome a mor parte de nossa população, a qual feito o encanamento póde
entrar como auxiliar em quadra extraordinariamente secca.
486
Uma vez expostas as conclusões a que haviam chegado os engenheiros encarregados
dessa questão, Leitão da Cunha advertiu no relario em questão que era necessário resolver o
problema da carência de fundos para proceder-se ao andamento da obra. Segundo ele se o
tesouro público dispusesse de tais recursos, a população de Belém teria o benefício de modo
completo, ou seja, além do acesso à água potável encanada, esta seria gratuita. Uma vez que
faltava ao poder público tais recursos, seria preciso apelar para alguma empresa que não se
dispusesse a desenvolver a obra, como também a distribuir a preços reduzidos, ou módicos”,
segundo registra o relatório.
As bases, para o funcionamento da empresa que assumisse a obra seriam então a
concessão de privilégio exclusivo para a venda da água por um período de sessenta anos, a
serem contados a partir do quinto ano. Nos referidos sessenta anos, todos os trabalhos
deveriam ser concluídos.
Além da concessão do privilégio exclusivo na venda do líquido a empresa também
teria
Garantia de juros até 8 por cento sobre o capital de 200.000,000 ou sobre o
realmente dispendido, se for menor, por espaço de dez annos, contados do praso
concedido para a conclusão da obra, devendo porém abonar-se a companhia aquelle
juro semestralmente antes da conclusão das obras, em relação aos capitais chamados
desde as datas das entradas, sem obrigação de restituição, qualquer que venhão a ser
os dividendos que fizer a companhia.
Concessão dos terrenos necessários para o estabelecimento de depósitos d’ágoa, seu
encanamento, edificação de chafarizes, do machinismo e armazéns.
Tornar o thesouro provincial a quinta parte das acções da companhia, sendo
preferidos os particulares.
487
Considero importante reiterar que, mediante o contrato acima mencionado, caberia ao
Estado a concessão dos terrenos nos quais seriam edificados os chafarizes e estabelecidas as
máquinas necessárias ao processo de elevação das águas a serem expostas no jorro. Ou seja,
486
Relatório lido pelo Exm. Senr. Vice Presidente da Provincia Doutor Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura
da primeira sessão ordinária da (.?.) Legislatura da Assembleia Legislativa Estadual no dia 15 de agosto de
1858. Pará, Typographia Commercial de A. J. R. Guimarães. Disponibilizado no site http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
487
Relatório lido pelo Exm. Senr. Vice Presidente da Provincia Doutor Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura
da primeira sessão ordinária da (.?.) Legislatura da Assembleia Legislativa Estadual no dia 15 de agosto de
1858. Pará, Typographia Commercial de A. J. R. Guimarães. Disponibilizado no site http://www.crl.edu/pt-
br/brazil/provincial/pará. Acesso em 25 set. 2005.
249
no processo de canalização em discussão em vários momentos do século XIX a ideia da
elevação da água fazia-se também presente. Era preciso erguê-la a certa altura, sob o devido
controle, para então devolvê-la aos moradores que procurassem os chafarizes em busca da
água.
488
Em relação ao governo a empresa responsável deveria iniciar seus trabalhos dentro de
dois anos da data da assinatura do contrato, após o qual estaria sujeita à multa de 400.000 réis
por cada mês que ultrapassasse cinco anos da referida data.
As águas encanadas deveriam ser distribuídas pelos doze chafarizes, situados em
lugares diversos da cidade, conforme designação do Presidente da Província. Conforme a
necessidade de novos chafarizes fosse constatada pelo poder público, o Presidente da
Província poderia mandá-los construir através da companhia. Neste caso ela teria mais cinco
anos de privilégio por chafariz.
A empresa deveria disponibilizar a água nos chafarizes para venda diária, desde às
quatro horas da madrugada até às nove da noite. O valor cobrado jamais deveria exceder a 20
réis por caneco de doze frascos. O presidente da Província poderia reduzir o valor cobrado
pelo caneco quando os dividendos, ao longo de três anos, ultrapassassem 20 por cento. Nesse
caso o valor do caneco seria de 20 réis. Entretanto, se os dividendos sofressem redução,
embora superiores ainda a 20 por cento, o preço do caneco poderia chegar em 10 réis. Esse
seria o valor mínimo por caneco.
No caso de incêndios a hospitais, quartéis e casas públicas de beneficência que
usassem a água dos chafarizes, a companhia deveria concorrer com a água de forma gratuita.
Considero importante ressaltar que, não raramente, os jornais da Belém do culo XIX
noticiavam a ocorrência de incêndios, provocados por diferentes motivos e quase sempre
marcados pelo desespero dos moradores, inclusive daqueles que buscavam ajudar na extinção
do sinistro.
De qualquer modo, esse espírito de solidariedade, sempre enaltecido e estimulado
entre as pessoas em geral, deveria revestir também os compromissos estabelecidos em
relação à companhia que viesse a assumir o controle do fornecimento de água. A ausência de
água nos chafarizes poderia implicar em multa de 100 a 300.000 réis, desde que fosse
comprovada a culpa ou negligência da companhia.
488
Denise Bernuzzi de Sant’Anna analisa a questão do uso dos chafarizes na São Paulo do século XIX.
Diferentemente de Belém do Pará, a cidade de São Paulo no século XIX, continha inúmeros chafarizes. Para
chegar até aqueles, a água percorria imeros caminhos, a céu aberto, não raramente atravessando propriedades
particulares, como quintais, por exemplo. A autora discute as tensões oriundas das disputas pelos usos da água
desde seus percursos, até a chegada aos chafarizes. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das Águas: usos
de rios, rregos, bicas e chafarizes em São Paulo (1822-1901). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.
250
Ao final do prazo de concessão do privilégio, todas as quinas, obras e pertences da
companhia passariam a ser provinciais e a companhia seria dissolvida.
Considerando os termos do relatório, creio que o mesmo explicita que o processo de
canalização da água potável não implicaria num fornecimento direto desse líquido nas
residências e/ou demais prédios construídos. Ou seja, nos anos cinqüenta em Belém a
discussão sobre o referido processo esteve conectada à construção de chafarizes, tal como
ocorria em outras cidades do Império.
Para Leitão da Cunha, seriam necessários inicialmente doze chafarizes, espalhados por
pontos diversos da cidade. Conforme tenho discutido, o pensamento do dirigente coadunava-
se com a lógica de relacionamento com a água tida como potável naqueles tempos do século
XIX, ou seja, os habitadores poderiam usufruir de forma bem mais racional das águas se os
andarilhos, aqueles aos quais eram atribuídas as responsabilidades da busca desse líquido,
pudessem acessar os locais de fornecimento, entendamos aqui os chafarizes, em tempo cada
vez menor.
Nesse sentido é importante o esquecer que inúmeros criados (as), escravizados ou
não, realizavam serviços dentro e fora das moradias, os quais não raramente, se completavam,
tais como as compras de alimentos no mercado, a busca da água em poços ou fontes e as
lavagens de roupas nas proximidades dos poços.
No decorrer dos anos sessenta do século XIX o debate em torno do fornecimento da
água potável para os moradores teve continuidade. Todavia as falas, relatórios, mensagens dos
governantes tiveram outros temas, outras questões, muito diversas e de interesse para os
dirigentes no período, tais como, instrução pública, saúde, administração provincial,
navegação, todas estas ocupavam um maior número de linhas e, às vezes, de laudas nos
textos.
Afirmo seguramente que o processo de canalização da água considerada potável era
um assunto presente nos debates, contudo, parecia não avançar do discurso para o
encaminhamento de providências com relação à sua efetivação. Então o que percebi foram
apresentações de propostas e exposição de ideias acerca da necessidade de realizá-lo em
Belém, que os moradores necessitavam, que deveria haver, de algum modo, gratuidade no
fornecimento da água, desde que este fosse governamental.
Com relação às propostas de outorgar a empresas o processo de canalização, os
debates também prosseguiram. Em relatório de 06 de agosto de 1868, por exemplo, Joaquim
Raymundo de Lamare, alertou para o fato de que cada vez mais se acreditava que tal obra
precisava ser encaminhada. Refere também que vários poços da cidade já apresentavam
251
reduzida quantidade de água, o que seria difícil de enfrentar sendo Belém uma cidade de
climaardente.
Para ele, os chafarizes seriam importantes pararefrescar a atmosfera, mais
defendia que a empresa que assumisse o fornecimento da água, se obrigasse a instalar
duzentas a trezentas bicas de água na cidade. Além disso, seria importante que o governo
mandasse estabelecer bacias de águas nas praças públicas. As águas de bacias e chafarizes
deveriam ser distribuídas gratuitamente pelo governo, registrou o dirigente.
489
Outrossim, o mesmo dirigente advertia que convocou mediante edital, os concorrentes
na arrematação da empresa de canalização da água povel para Belém, que recebeu seis
propostas, mas que todas implicavam em ônus superior ao permitido em lei.
490
Os governantes conectavam cada vez mais explicitamente, os discursos em prol do
fornecimento da água potável com a necessidade, de expandir o processo civilizacional na
cidade de Belém. Logo, uma cidade que se engrandecia”, não poderia abrir o de tão
importante serviço aos seus habitantes.
Acerca dessa questão, em relatório datado de 16 de maio de 1869, o presidente da
província José Bento da Cunha Figueiredo ressaltou o seguinte:
Estou convencido pois de que a lei provincial teve a melhor execução, que lhe era
possível procurar, e não estou menos convencido de que dentro de mui poucos annos
esta opulenta capital terá conseguido o mais importante melhoramento, direi o
primeiro na ordem do que reclama o seu engrandecimento, retardado sem dúvida
pelas mas condições hygienicas, em que se acha, e pelo encarecimento espantoso de
todos os meios de subsistência.
491
489
Relatório da Repartição de Obras blicas. Anexo 27, que integra o Relatório de 06 de agosto de 1868, com
que o Excellentissimo Senhor Vice-Almirante e Conselheiro de Guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a
administração da Provincia do Gram-Pará para o Excellentissimo Senhor Visconde de Arary, 1º Vice-Presidente.
Typographia do Diário do Gram-Pará. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso
em 21 set. 2005.
490
Relatório de 06 de agosto de 1868, com que o Excellentissimo Senhor Vice-Almirante e Conselheiro de
Guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Provincia do Gram-Pará para o
Excellentissimo Senhor Visconde de Arary, Vice-Presidente. Typographia do Diário do Gram-Pará.
Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 21 set. 2005.
A lei citada pelo governante é a Lei Provincial 251, de 23 de setembro de 1867, que além de autorizar o
governante a contratar o servo do encanamento da água potável com quem melhor condições oferecesse. Em
contrapartida, a Província garantiria durante 32 anos, os juros de oito por cento ao ano, até atingir o capital de
oitenta mil libras esterlinas o que corresponderia ao capital de rs 1.010:526$320, no ano de elaboração e
aprovação da lei. Essa lei é explicada no “Relatorio com que o Excellentissimo Senhor Presidente da Provincia
Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a administração da Provincia do Gram-Pará ao
Excellentissimo Senhor Vice-Presidente Coronel Miguel Anonio Pinto Guimarães. Em 16 de Maio de 1869.
Pará. Typographia do Diario do Gram-Pará. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 21 set. 2005.
491
Relatorio com que o Excellentissimo Senhor presidente da Provincia Conselheiro José Bento da Cunha
Figueiredo entregou a administração da Provincia do Gram-Pará ao Excellentissimo Senhor Vice-Presidente
Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de maio de 1869. Pará: Typographia do Diario do Gram-Pará,
1869. Disponibilizado no site http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
252
O discurso de Bento da Cunha baseia-se em estudos de engenharia que ele declara
haver solicitado ao engenheiro José Felix Soares. Tais estudos teriam relação tanto com os
mananciais, quanto com as técnicas de encanamento.
A despeito do contrato com 33 cláusulas celebrado entra o coronel e empresário
Augusto Correa e o governo provincial, parece que os problemas com relação ao
abastecimento de água potável em Belém continuavam inquietando os dirigentes provinciais
do Gram-Pará. Acerca dessa questão, em relatório de 1870, o quarto vice-presidente da
Província, Abel Graça, informou que ainda em agosto daquele ano anunciara através da
secretaria do governo, que este aceitava receber propostas para o contrato do abastecimento
de água potável para Belém.
492
Desta feita, as bases do contrato estabeleciam o privilégio de quarenta anos e
prorrogação por mais cinqüenta, à razão de cinco anos por cada chafariz de acordo com o
aumento e demandas da população. Findos os noventa anos as obras passariam a pertencer à
Província.
A venda da água ocorreria mediante o valor de oitenta réis por hectolitro . A água seria
retirada de mananciais localizados fora da capital por intermédio de máquinas hidráulicas ou a
vapor à uma altura suficiente para ser encanada por toda a cidade, distribuída em chafarizes e
conduzida para os lugares mais elevados da cidade.
Multas também eram previstas no contrato, um conto de réis, por exemplo, para cada
dia de interrupção da distribuição das águas e de duzentos mil réis em caso dos chamados
serviços parciais.
Novamente, ao que parecem indicar os relatos dos dirigentes, nenhuma proposta
efetiva foi concretizada. Então, em 1872, apresentaram-se outras duas propostas, uma de
Alexandre F. Wilson e a outra de José Paulino Von Hoonholtz, Manuel Antonio Pimenta
Bueno e Francisco Gaudencio da Costa. Ambas, segundo o relario do presidente da
província, em desacordo com a lei nº 632 de 20 de outubro de 1872, em alguns de seus
pontos, uma vez que
A lei a que se refere Cunha Figueiredo é a de 251, de 23 de setembro de 1867, referida na nota anterior e
explicada no Relatorio com que o Excellentissimo Senhor Presidente da Provincia Conselheiro José Bento da
Cunha Figueiredo entregou a administração da Provincia do Gram-Pará ao Excellentissimo Senhor Vice-
Presidente Coronel Miguel Anonio Pinto Guimarães. Em 16 de Maio de 1869. Pará. Typographia do Diario do
Gram-Pará. Disponivel em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 21 set. 2005.
492
Relatorio apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na Primeira Sessão da 17ª Legislatura pelo quarto
Vice-Presidente Dr. Abel Graça. Pará: Typographia do Diario do Gram-Pará, 1870. Disponibilizado em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
253
(...) a primeira, a de A. Wilson, pede uma subvenção de 25 contos de réis por 30
annos, a segunda pede uma garantia de juro de 8 % sobre um capital calculado em
1.200 contos de réis, juros que deixarão de existir quando a companhia der um
dividendo de 12%. A primeira proposta offerece agua gratuita ao povo, o que o
acontece á segunda, cuja água é vendida.
493
Mesmo em desacordo com a lei em alguns pontos, para o presidente da Província a
proposta de A. Wilson seria mais vantajosa, em vários aspectos, uma vez que o proponente
comprometia-se a distribuir a água gratuitamente à população de Belém, o que compensaria o
preço de nove réis por litro, cobrado aos cofres públicos. Já na segunda proposta eram
cobrados oito réis por litro ao tesouro, contudo, Von Hoonholtz, Pimenta Bueno e Gaudencio
da Costa propunham vender a oitenta is o hectolitro aos moradores.
Com relação ao privilégio para o encanamento da água, na proposta de A. Wilson, este
teria a duração de trinta anos subvencionados. Já na proposta de Bueno, Costa e Hoonholtz, o
dito privilégio teria a duração de quarenta anos, com direito de exigir-se prorrogação por mais
cinco anos por cada chafariz que se julgasse necessário, a fim de que a empresa pudesse
vender em seu benefício, a água em um número maior de chafarizes.
494
Ainda no mesmo ano de 1872, é referido um contrato assinado pelo governo
provincial com o vice-consul dos Estados Unidos da América Francisco Maria Cordeiro e
José de Villa-Flôr, ambos residentes no Rio de Janeiro, para que realizassem o abastecimento
d’água potável. Segundo o relatório, o contrato o acarretou ônus para o tesouro provincial,
além do privilégio concedido aos contratantes.
495
No referido contrato consta a obrigatoriedade de instalação de oito chafarizes em
lugares a serem decididos de conformidade com a lei 632 de outubro de 1870. Os chafarizes
493
Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na 1ª sessão da 18ª Legislatura em 15 de fevereiro
de 1872 pelo Presidente da Próvíncia Dr. Abel Graça. Pará: Typographia do Diario do Gram-Pará, 1869.
Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
A lei 632, supracitada, concedia a empresa ou companhia que se organizasse para o abastecimento de água,
um privilégio por noventa anos, sem subvenção ou garantia de juros.
494
De acordo com o engenheiro José Félix Soares, o sacrifício imposto ao povo bem como a duração do
privilégio para o encanamento eram os dois principais elementos considerados, para que se processasse a análise
das vantagens de cada proposta. Para ele a proposta de A. Wilson não acarretava sacrifícios ao povo de Belém,
porque a água seria distribuída gratuitamente. In: Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na1ª
sessão da 18ª Legislatura em 15 de fevereiro de 1872 pelo Presidente da Próvíncia Dr. Abel Gra. Pará:
Typographia do Diario do Gram-Pará, 1869. Disponibilizado em http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará.
Acesso em 23 set. 2005.
495
Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na 2ª sessão da 17ª Legislatura em 15 de fevereiro
de 1872 pelo Exm. Sr. Barão da Villa da Barra em 5 de novembro de 1872 por occasião de passar a
administração da Provincia ao 2º Vive-Presidente o Exm. Sr. Barão de Santarem. Em anexo ao relatório consta o
“Termo de Contracto”. Pará: Typographia do Diario do Gram-Pará, 1869. Disponibilizado em
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pará. Acesso em 23 set. 2005.
254
seriam aparelhados com torneiras de metal amarelo com candelabros, inclusive para o serviço
noturno.
A água seria vendida nas casas particulares através do transporte em carroças com
pipas a um preço máximo de sessenta réis por pote de vinte litros. Já o preço da água coletada
diretamente nos chafarizes, era de até vinte réis por cada barril de vinte e cinco litros,
aproximadamente. Ou seja, parecia que o empenho dos dirigentes, bem como dos propositores
dos serviços de fornecimento de água, encaminhava-se para o atendimento de determinados
moradores, ou segmentos da população de Belém, justamente aqueles que poderiam dispor de
recursos para arcar com os custos do fornecimento. Possivelmente eram aqueles moradores
que praticamente não despendiam esforços na lida com a coleta da água, posto que recorriam
a criados, escravizados ou não, bem como aos aguadeiros.
Quanto à expressiva maioria da população, precisaria dirigir-se diretamente aos pontos
de coleta da água, possivelmente aguardar a vez de coletar o líquido em alguns momentos,
além de pagar por ele. Ou então, recorrer aos poços, públicos ou particulares, ou fontes, ou
igarapés encontrados na cidade.
Os moradores que desejassem dispor de água encanada em seus prédios também
deveriam recorrer à empresa. Este serviço implicaria em até três mil réis mensais, por
quatrocentos litros drios fornecidos. Além disso, o encanamento e depósitos seriam pagos
pelos proprietários interessados.
Não obstante a preocupação estampada pelos dirigentes em seus discursos,
indicativos de que o processo de fornecimento de água potável com intermediação de
contratos estabelecidos com o governo provincial não apenas alongou-se no século XIX em
Belém, como foi marcado por tensões importantes. Não parecia ser simples estabelecer um
avanço no processo de obtenção da água, mesmo de conformidade com nortes civilizadores
modestos, uma vez que nos anos setenta do século XIX, era possível encontrar cidades no
Brasil com rede de água potável encaminhada, como foi o caso, por exemplo, de Porto
Alegre, cidade na qual este tipo de rede foi iniciado em 1869, Recife, que desde o século
XVIII já contava com chafarizes para o fornecimento da água, São Paulo, conforme expus em
páginas anteriores.
496
496
Silveira, A.L.L., 1998, Hidrologia Urbana no Brasil, in : Braga, B.; Tucci, C.E.M.; Tozzi, M., 1998,
Drenagem Urbana, Gerenciamento, Simulação, Controle, ABRH Publicações 3, Editora da Universidade,
Porto Alegre. P.6. Silva, Elmo Rodrigues da. O curso da agua na historia: simbologia, moralidade e a gestao de
recursos hídricos. (Tese de Doutorado). Rio de Janeiro; s.n; 1998. Escola Nacional de Saúde Pública. Pp. 48 a
50. ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004.
255
Um elemento marcante em todo aquele processo era a continuidade dos serviços dos
aguadeiros, ou seja, embora avançasse o século XIX, alguns deles ainda exerciam o ofício,
ainda que em meio às tensões com o poder público. O documento a seguir evidencia
momentos de descontentamento e reivindicação de aguadeiros e fornecedores de água
potável, pelos idos de 1875.
Os abaixo assignados aguadeiros e fornecedores d’agua potável dos habitantes desta
capital vem respeitosamente perante [V. E] recorrer do oneroso lançamento
ultimamente feito em suas pipas de conduzir água, pelo (.?.) dos Direitos
Municipaes. Os [Suppotes], [Exmo][ Senr] tem pago constantemente suas licenças
ou impostos sem a menor reclamação pois nunca escedo de vinte e cinco mil réis,
ate o corrente anno em que forão lançados em trinta e cinco mil réis por carroça de
conduzir agoa, ora é manifesta injustiça equiparar-se e imposto das pippas com o
dos carros de conducção , que não tem onos algum enquanto aquellas são obrigados
a accodirem aos incêndios a qualquer hora do dia ou noite sem a menor retribuição,
antes soffrem seus onos grandes prejuízos pelo atropelo com que é feito esse
servo, pois ficão muitas vezes sem poderem fornecer agoa a seus fregueses, não só
por terem de manda-las concertar, como por ficarem os animaes estropiados e
muitas vezes inutilisados. Os [Suppes], [Exmo Snr] não se furtão ao pagamento do
imposto que tem pago nos annos anteriores, mais o que ora lhes exige é, por certo,
exagerado, e por isso recorrer a [V. Exª] na esperança de serem attendidos em vista
das ponderações que aprezentão a [V. exª] de quem (...)
497
Conforme visto no capítulo anterior, a despeito de ser negócio fácil e rendoso
para vários deles, eram grandes os transtornos enfrentados rotineiramente pelos aguadeiros de
Belém, sobretudo ao recorrerem ao Paul d’água para proceder o abastecimento de suas
pipas.
498
Com o decorrer do período dezenoveano, intensificou-se o empenho dos dirigentes
em estabelecer contratos para abastecimento da água. Nos anos setenta, foram procedidos
exames dos poços do Paul, revelando, segundo registros de Ernesto Cruz, a ausência de
higiene do local. Diante disso, o poder público assumiu a limpeza do local, a qual implicou
em 15 contos de réis.
Diante do exposto, é possível o poder público tenha optado pela decisão de onerar os
custos da licença para os aguadeiros, atitude que por sua vez não descontentou a esses
trabalhadores, como aprofundou as inquietações em torno dos usos da água, afinal fosse
através dos aguadeiros, ou do poder público estabelecido na cidade. Os moradores conviviam
497
APEP. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série: Abaixo-assinados. Anos: 1870-75. Abaixo
assinado de 24 de março de 1875.
498
CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veteriria, 1944. Pp. 27. Cruz considerava a venda
a água, melhor negócio. Fácil e rendoso”. Não obstante a importância do estudo pioneiro desse historiador, é
preciso lembrar que a diversidade marcante entre os habitantes de Belém do Pará, não excluía os aguadeiros. Ou
seja, havia desigualdades importantes entre os moradores que se dedicaram à venda de água. Vários não eram
proprietários dos carros e pipas que levavam, por exemplo.
256
com um persistente e crescente processo de comercialização da água, cada vez mais
subvertida em mercadoria. E afinal, para inúmeros moradores restavam as alternativas de
resistências aos custos considerados exorbitantes e/ou injustos. Nessa perspectiva é possível
(re)pensar os esforços dos aguadeiros, como também daqueles que investiam nos poços, como
melhores opções para a obtenção da água mais barata.
499
Mediante os problemas em torno do abastecimento, os poços continuavam a ser
importantes para a população, sobretudo os particulares. Vários eram os anúncios de casas
para vender e/ou alugar, publicados em jornais do período, que mostravam que o fato de uma
moradia dispor de poço, seria uma vantagem importante de ser ressaltada.
Em 1885, o “Diario do Gram-Pará” anunciou durante quatro dias, a venda de uma
“puchada” com sala, três quartos, cozinha, poço, localizada na travessa 14 de março entre as
estradas de Nazareth e S. Jeronymo. Também anunciou o leilão de três casinhas situadas na
travessa dos Jurunas. Em 1886, o mesmo “Diario” anunciou a venda de uma “rocinha”
localizada na estrada de São João, a qual continha casa com acomodações para reduzida
família, poço e árvores frutíferas.
No mesmo ano de 1886, publicou o anúncio de venda de outra “rocinha”, situada na
travessa da Glória e que continha jardim, gradeamento de ferro na frente, sala espaçosa,
quatro quartos, cozinha, dispensa, banheiro, poço de água potável, bem como outras
benfeitorias. Ou seja, para os anunciantes, mesmo nos anos oitenta do século XIX, o poço na
moradia era uma benfeitoria, um investimento com vistas à obtenção de uma água, senão
gratuita, pelo menos com um valor de troca mais em conta, numa cidade em que o
fornecimento de água já estava submetido a contrato.
Nesse sentido, o poço poderia ser comparado em importância, às plantações de árvores
frutíferas, colocação de grades de ferro, feitura e conservação de jardins, colocação de
assoalhos entre outras. Possivelmente, no decorrer daquele século, mesmo às vésperas do
advento do século XX e com o abastecimento de água contratado, o poço significaria
segurança e tranquilidade na obtenção da água para o consumo de inúmeros moradores de
Belém.
500
499
CRUZ, Ernesto. A água de Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais
aos dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. Pp. 27 e 36. Ver também Silva,
Elmo Rodrigues da. O curso da agua na historia: simbologia, moralidade e a gestao de recursos hídricos. (Tese
de Doutorado). Rio de Janeiro; s.n; 1998. Escola Nacional de Saúde Publica.
500
Fundação Cultural Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”,
sessão de microfilmagem. Jornal: Diario do Gram-Para”, anno 34, 249, de 03/11/1885. P.3 (“Annuncios
uma puchada....”). Idem, nº 280, de 11/12/1885 – P.3 (“leilões - de três cazinhas...). Idem, ano XXXV, 33, de
12/02/1886-P. 01 (“Annuncios – Rocinha e Rocinha a travessa da Gloria”).
257
4.2. Dimensão social dos objetos da água
Minhas reflexões iniciais, quando da escolha do tema estudado neste trabalho,
levavam-me a acreditar que ao longo do século XIX, mudanças expressivas teriam deixado
marcas profundas nas relações construídas entre os moradores de Belém e as águas contidas
na cidade e arredores. Nessa perspectiva refleti, a princípio, na possibilidade de que, mediante
a preocupação preponderante em várias sociedades ocidentais, com o progresso civilizacional,
os moradores da Belém do Pará ao longo do século XIX, houvessem absorvido de modos
diversos, porém explícitos, ideais civilizadores com relação aos usos da água de tal maneira
que, em suas formas de lidar com ela, os ditos ideais estariam irremediavelmente refletidos,
assim como estariam refletidas também as mudanças nas formas de relacionamento com a
água.
Não obstante minha forte convicção em tais possibilidades, a pesquisa revelou uma
tendência nitidamente conservadora em relação aos usos da água em Belém, bem como aos
modos de usos da mesma pelos moradores da cidade. Um exemplo que posso antecipar é, por
exemplo, o uso de objetos mais refinados de intermediação com a água, como lavatórios em
bancadas, banheiras e filtros, torneiras e bombas, os quais raramente aparecem nos inventários
e testamentos da maior parte do século XIX e emergem lentamente, em anúncios de jornais da
segunda metade do século.
Em outras palavras, moradores de Belém demonstraram de várias maneiras,
preocupações com a coleta da água, e de conformidade com seus recursos, cuidaram de
providenciá-la, bem como de acondicioná-la em suas moradias mediante padrões
considerados condizentes, ou satisfatórios no contexto em questão. Daí o interesse na
aquisição de objetos apropriados para a recepção do quido. Nesse ponto, alguns
manifestaram seu interesse pela aquisição de objetos valiosos, exuberantes, confeccionados
em prata e/ou cobre. Ou seja, uma busca de distinção via objetos da água, que se intensificou,
à medida que a cidade sofria as conseqüências da expansão gumífera e uma definição cada
vez mais nítida de camadas sociais elitizadas, incorporadoras de padrões burgueses cada vez
A estrada de Nazareth, hoje é denominada avenida Nazaré. A estrada de São João, antes estrada da Olaria,
atualmente é denominada avenida Senador Lemos. A travessa da Gloria hoje em dia é denominada travessa Rui
Barbosa. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém: CEJUP, 1992.
P.63 e 80. A travessa dos Jurunas, posteriormente foi denominada avenida Roberto Camelier.
258
mais consolidados no século XIX, a saber: a valorização da casa e da família, do sentido de
privacidade e individualidade, do sucesso via enriquecimento e reconhecimento.
501
Para muitos outros moradores, que eram obrigados a empreender caminhadas em
busca da água, e estando essa nem sempre tão próxima, a tarefa poderia significar sacrifícios,
aborrecimentos, inquietações, afinal, seria possível estar nas ruas preservando sempre o
sentimento de serenidade? Entretanto, andar nas ruas também poderia significar satisfação,
alegria por oportunidades e/ou informações recebidas, ganhos extras por atividades realizadas,
enfim, as ruas, largos e praças de Belém, foram também lugares de reciprocidades.
Aqueles que iam às ruas em busca da água, nos poços públicos, por exemplo, eram
geralmente criados, trabalhadores escravizados, livres, ou libertos. Homens e mulheres que
percorriam os caminhos externos às moradas - ruas, becos, largos de Belém do Pará
deparando-se com antigos conhecidos e recém-chegados. A água que transportavam
adentraria as moradias e seria então domesticada, nos objetos de uso interno das casas.
502
Mas aqueles que se deslocavam com a água, também podiam percorrer os espaços
diversos das moradias. Afinal, também na capital do Go-Pará os padrões valorativos da
família e da casa ganhavam consistência e mediante a edificação crescente de necessidades, ,
fosse preciso percorrer corredores, ou pátios e copiares, ou talvez passar correndo pelo quintal
e adentrar a moradia pela porta dos fundos simplesmente para deitar, sobre o co da cozinha,
o pote d’água.
Espaços de circulação nas moradias copiares, corredores, pátios, quintais, poderiam
conectar mundos que eram ao mesmo tempo, de moradia, trabalho, descanso e lazer, borrando
fronteiras entre o blico e o privado, elementos dinâmicos e historicamente passíveis de
redefinição, considerando as diversidades que marcavam as vidas dos moradores de Belém.
Ao mesmo tempo, no interior das moradias, eles separavam modos parecendo atender a
demandas de individualismo.
503
501
LIMA, Tânia Andrade de. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divies culturais e limites sociais no Rio
de Janeiro, século XIX. Já referido.
502
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense,
1984. A autora discute a interlocução entre os sujeitos históricos que, na São Paulo do século XIX, circulavam
pelas ruas da cidade tratando da sobrevivência e construindo estratégias possibilitadoras do sustento próprio e da
família.
503
Ver MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru,
SP: EDUSC, 2007. A autora ressalta que “os conceitos, os sentidos e as práticas do público e do privado, seja
quanto a espaço, ação ou propriedade, não são universais nem estáveis. O processo de construção e de
segmentação do público/privado carrega na sua trajetória inter-relações desenvolvidas através de um discurso
legitimador que vem atrelado desde a origem ao ocultamento de toda uma tensão e indefinição entre esses
aspectos”. Pp. 27-9. Da mesma autora, ver Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC,
2002.Pp. 37-40. E ainda LIMA, Tânia Andrade de. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e
limites sociais no Rio de Janeiro, culo XIX. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo. Nova série, v. 3, 1995.
259
Tendo por base as considerações que esbocei, pretendo discutir então, as
continuidades e/ou permanências que marcaram as relações estabelecidas entre habitadores de
diferenciadas condições sociais e os usos da água na capital do Grão Pará.
4.2.1. Objetos da água à mesa
Entre os objetos que enquadrei como de uso de mesa, reuni alguns que penso poder
considerar de uso indireto da água como chocolateiras, chaleiras, sopeiras, pratos fundos,
xícaras e respectivas colheres. Ou seja, não eram objetos para acondicionamento da água
potável propriamente dita, mas eram preenchidos com alimentos nos quais o uso desse tipo de
água era recorrente. Por outro lado, reuni também aqueles que, a partir da observação das
fontes pesquisadas, considero como objetos literais da água, a saber: os copos, garrafas e
garrafões, potes, bilhas e também os púcaros.
Bem, intermediada por todos esses objetos, a água considerada potável freqüentava as
moradias, acompanhando as refeições dos moradores da cidade de Belém e/ou saciando-lhes a
sede em momentos alheios aos repastos.
A documentação que coletei indica a recorrência dos moradores de Belém aos objetos
de uso específico da água durante todas as décadas do século XIX, como também a primeira
do século XX. Não obstante a afirmação que acabo de fazer, em cinco inventários post
mortem, um testamento e um termo de depósito, esta recorrência se faz presente de modo
muito reduzido, ou seja, bilhas e potes são bem pouco referidos, e quantidades mais
expressivas desses objetos aparecem geralmente quando os inventariados eram negociantes,
como José Antonio Nunes e Caetano Publio da Cunha Braga. Registrei alguns desses dados
no quadro a seguir:
Quadro 6 – Potes e bilhas de moradores de Belém – 1810/1905
NOME
ANO
DA
FONTE
FONTE
POTES
BILHAS
MONTANTE
Manoel Joaquim de Faria Maciel 1810 inventário 01 7:904$800
José Antonio Nunes 1826 inventário 624 7:833$660*
(Continua...)
260
(cont...) Quadro 6 – Potes e bilhas de moradores de Belém – 1810/1905
Joaquim Maria Franco 1838 inventário 03 677$680
Rodolfo Caetano da Fonseca Galo 1858 termo de depósito 01 01
Veríssima Maria do Couto 1875 inventário 01 194:240$000
Caetano Públio da Cunha Braga 1876 inventário 175 11:938$283
Maria de Nazaré Paes Ferreira 1905 testamento 06 63:915$350
Fonte: APEP – termo de depósito e CMA/UFPA – testamentos e inventários post mortem. (elaboração minha)
Esclareço que as informações que presto, no quadro anteriormente exposto, advêm de
uma coleta de 240 autos cíveis (de inventários e prestação de constas de testamentária), 01
termo de depósito e 01 ofício de polícia. O fato de predominar nestas fontes pesquisadas o
silêncio acerca desses dois objetos levou-me a pensar possibilidades de explicação para o
acondicionamento da água potável no interior dos domicílios.
504
Primeiramente, arrisquei-me ao exercício mental de imaginar que tais objetos fossem
desconhecidos da grande maioria dos sujeitos que localizei em minha pesquisa. Nesse sentido
valeram ensaios reflexivos, considerados talvez absurdos por você leitor, do tipo: bilhas eram
objetos raros na capital do Pará, mesmo aquelas confeccionadas em cerâmica. Os potes
possivelmente eram menos raros, daí serem quantitativamente mais encontrados nos autos.
Uma outra possibilidade que avaliei, e sobre a qual o leitor esteja talvez lembrado, foi
o fato de que, por opção dos inventariantes que “davam a descrever” os bens dos
inventariados nos inventários post mortem, ou mesmo de cada testador, nos respectivos
testamentos, ou ainda de cada testamenteiro chamado à obrigação da prestação de contas,
objetos como potes e bilhas, confeccionados geralmente em cerâmica, o mereciam gastos
504
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado
Manoel Joaquim de Faria Maciel. Datado de 19/11/1810. Autos veis de Inventário dos bens do finado José
Antonio Nunes. Datado de 05/05/1823. Nem todos os bens descritos neste inventário apresentam avaliação.
Procedi à somação daqueles que a continham e obtive um valor parcial que registrei aqui. Autos Cíveis de
Inventário dos bens do finado Joaquim Maria Franco. Datado de 17/12/1838. Autos Cíveis de Inventário e
Partilhas em que é inventariada Verissima Maria do Couto e inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Datado
de 1875. Autos cíveis de Inventários em que é inventariado Caetano Publio da Cunha Braga e inventariante
Filippe José de Lima. Datado de 01/02/1876. Autos de testamento nuncupativo para reducção a publica forma
em que o testadora Dona Maria de Nazareth Paes Ferreira e requerente: João Maria de Lima Rodrigues.
Datado de 29/09/1905.
APEP. Fundo: Secretaria de Polícia da Província. Série: Ofícios-1858. Termo de Depósito dos objetos
encontrados na casa onde falleceu Rodolpho Caetano da Fonseca Galvão. No referido Termo” não consta a
avaliação dos objetos relacionados.
261
com tinta e papel, e sobretudo taxas, para serem mencionados, posto que eram facilmente
perecíveis e de baixo custo financeiro, da omissão dos mesmos na documentação. A bilha
de Rodolfo Caetano, por exemplo, que referi acima, o se encontra avaliada no respectivo
termo de depósito.
Admito que esta segunda explicação me parece ser a mais passível de aceitação, uma
vez que à exceção de dois autos cíveis, que referem objetos quebrados, garrafões
especificamente, “sem valor” atribuído pelos avaliadores, dentre os 238 restantes, os registros
constantes envolvem bens de raiz, a saber prédios, casas e terrenos, bem como as heranças e
esmolas em dinheiro, dívidas e créditos. Estes são os elementos prioritariamente constantes na
documentação pesquisada. Ou seja, os objetos referidos e nesse caso, os objetos da água, são
aqueles confeccionados em metal tais como: prata, cobre, estanho e zinco. Ou ainda em louça
ou em vidro. As colheres de prata, por exemplo, para sopa ou para chá, são referidas em
inventários de diferentes anos no decorrer do século XIX.
Isso, todavia, não era o que ocorria com as bilhas. Entretanto, observei que a tal
omissão não se repetia em anúncios de jornais. Publicadas em periódicos situados entre os
anos de 1853 e 1885, notícias de diferentes teores apontam para o uso de bilhas na capital do
Pará. Além de serem produzidas na própria cidade de Belém, havia também a entrada desse
objeto produzido no Maranhão. O jornal “Treze de Maio”, de 19 de novembro de 1853,
conforme referi em algumas páginas atrás, registra no “movimento do porto”, que o patacho
brasileiro “Quatro Amigos” transportava em sua carga a ser desembarcada em Belém, um
cesto de bilhas. Contudo, não constam informações acerca da quantidade específica de bilhas,
e tampouco o valor atribuído ao dito cesto.
505
Houve anúncios em que o uso da bilha para acondicionamento da água esteve
associado ao frescor deste líquido. É o caso do anúncio publicado por Antonio Augusto de
Siqueira Pinto, também referido por mim anteriormente, proprietário de uma taverna no largo
de Santo Antonio, o qual afirma ter para vender um lindo sortimento de bilhas para a agoa
estar sempre fresca”. Antonio Augusto também não informa valores de custo para as
bilhas.
506
O termo “sortimento” indica variedade de tamanhos e formas das bilhas em oferta,
sendo que todas indistintamente teriam a qualidade de garantir o esperado frescor da água. Em
outro anúncio que publicou, o mesmo Antonio Siqueira adverte aos fregueses para o fato de
505
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Treze de Maio”, 14º anno, 255, de 9/11/1853. P. 04.
506
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II, 198, de 05/09/1859. P.03.
262
que dispunha de bilhas de barro amarello para conservar água sempre fresca”, sobre as
quais novamente não informa o valor.
507
Por intermédio dos anúncios jornalísticos creio que seja possível acreditar numa
recorrência regular ao uso das bilhas como objeto importante no sentido de conservar a água
de beber em temperatura agradável ou refrescante ao paladar. Em 1860, por exemplo, o
comerciante Antonio Pereira de Macedo, com estabelecimento localizado no Largo da
Misericórdia, anunciou que dispunha de bilhas para venda aos seus fregueses, entre outros
objetos de uso da água tais como bacias, copos, garrafões, colher.
508
Bilhas também foram expostas à venda na olaria de Penacova, com a ressalva de que
se tratava de objetos muito bem “fabricados” e de baixo custo, embora não esclareça o valor
em moeda circulante.
509
Nesse sentido a despeito da omissão predominante em fontes como inventários post
mortem, testamentos, prestação de contas de testamentária e arrolamentos, nos anúncios de
jornais os indícios quanto ao uso das bilhas são mais significativos.
Em relação às bilhas, os potes foram bem mais referidos na documentação. Todavia,
cabem aqui alguns esclarecimentos, os 624 potes, constantes no inventário de JoAntonio
Nunes, foram adquiridos em nome dele ao longo de quatro anos (1815 a 1819). Dos 624
potes, 49 foram encaminhados para uma certa SGama, no ano de 1819.
510
José Antonio era também proprietário de terrenos, quartos de casa e casas
propriamente ditas. É provável que fosse considerado um homem afortunado entre tantos
desprovidos de recursos. Porém, ele havia contraído dívidas que certamente comprometeram
seus bens. O montante do que possa foi avaliado em 7 contos, 833 mil e 660 réis. As
informões contidas em seu inventário apontam para os débitos que contraiu com outro Jo
Antonio, de sobrenome Pereira Guimarães, comerciante, testamenteiro e inventariante de Jo
Antonio Nunes.
Através das informações prestadas por José Antonio Pereira, pude apreender alguns
valores relativos aos potes comprados por José Antonio Nunes.
507
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Epocha”, anno II, 58, de 14/03/1859. P.04.
508
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará “Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário do Gram-Pará”, anno VII, nº 14, 16/01/1860. P.04.
509
Fundação Cultural do Pa Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca blica do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário do Gram-Pará”, anno VII, nº 68, de 26/3/1860. P.4.
510
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos veis de Inventário dos bens do finado José
Antonio Nunes. Datado de 05/05/1823.
263
Tabela 1 - Quantidade de potes, com respectivos valores, comprados por José Antonio Nunes
DATA Nº DE POTES VALOR TOTAL
18/08/1815 37 3$700
26/05/1816 58 5$800
23/06/1816 40 4$000
23/08/1816 200 20$000
20/12/1816 50 5$000
18/06/1817 100 10$000
18/10/1817 100 10$000
20/10/1819 49 5$8000
Fonte: inventário de José Antonio Nunes
Nesta negociação o valor unitário predominante dos potes foi de 100 mil réis.
Referente quantia era considerada, muito possivelmente, modesta para os moradores de
Belém daqueles tempos, ou seja, acessível para muitos dos habitantes necessitados de dispor
de potes e bilhas para acondicionar água em suas moradias. O mesmo valor de 100 mil réis,
foi atribuído aos 3 potes para água”, expostos à venda no botequim de Joaquim Maria
Franco, comerciante português residente em Belém, falecido em 13 de dezembro de 1838.
511
Para melhor mensurar, em 1810, no inventário post mortem de Manoel Joaquim de
Faria Maciel, consta um “pote de cobre velho e amassado”, cujo valor atribuído pelos
avaliadores é de 800 réis, ou seja, sete vezes mais do que os potes de barro de José Antonio
Nunes, confeccionados nos anos vinte do culo XIX, e do português Joaquim Maria Franco,
511
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA/PA. Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado
Joaquim Maria Franco. Datado de 17/12/1838. No inventário de Joaquim não constam entre os bens, casa ou
prédio de moradia. Possivelmente, Joaquim residia em cômodo contíguo ao botequim, situado à travessa do
Pelourinho e do qual tirava seu sustento, ou então alugava um local para residir.
A travessa do Pelourinho foi depois denominada travessa 7 de Setembro. In CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém:
significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 63.
264
expostos à venda em 1838. Ou seja, é provável que a matéria prima o cobre - e talvez o
tamanho do objeto em si, tenham concorrido para tal discrepância.
Nos anos setenta foi possível a Caetano Publio da Silva Braga, adquirir 175 potes, os
quais foram avaliados em seu inventário post mortem, a 60 réis cada um. Mas Caetano era
provavelmente, um negociante, e os potes deveriam constituir-se em objetos a serem
comercializados por ele. O montante dos bens de Caetano resultou em quantia próxima a 12
contos de réis, parte da qual adviria de seus 175 potes, mas ele também era possuidor de 4
casas na estrada de o Jerônimo, sendo que uma delas, no valor de 1 conto e 500 mil réis, foi
considerado muito arruinada pelos avaliadores. As demais foram avaliadas em 4 contos de
réis, 4 contos e 500 mil réis e 8 contos de réis. Em nenhuma das descrições apresentadas
consta a existência de poço, fonte de água ou tanque. Também não continham banheiro.
512
Considerando a maioria dos moradores da cidade, Caetano poderia ser considerado um
homem de razoável fortuna, membro de uma certa elite da cidade, um homem possuidor de
algum recurso, que poderia permitir-se o desenvolvimento de negócios, como o faria
provavelmente com os potes, e mesmo com aluguéis. Suas casas, entretanto, eram como
muitas outras construídas em Belém: desprovidas de água.
os potes de Maria de Nazaré Paes Ferreira, cuja relação de bens remonta a 1905,
foram avaliados em meio a uma série volumosa de outros objetos, inclusive móveis e joias de
uso pessoal da testadora, tudo em mao estadoe totalizando 550 mil réis, impossibilitando-
me estabelecer comparações com os valores atribuídos a este tipo de objeto da água em outros
momentos. De qualquer modo, é bem provável que o valor dos potes, declaradamente de
barro”, fosse modesto para os parâmetros da época.
513
Maria de Nazaré Paes Ferreira somava 75 anos de idade ao falecer, era proprietária e
teve seus bens avaliados em um total de 63 contos, 915 mil e 350 réis. Um valor considerável,
se comparado ao de Caetano. Na verdade dos três “prédios assobradados” dos quais ela era
proprietária, dois foram avaliados em 20 contos de réis e um em 10 contos de réis. Todavia
nenhum deles continha banheiro e/ou latrina.
Devido à forte querela em torno da herança por ela deixada, os autos de seu
testamento, apresentam inúmeros detalhes acerca dos bens por ela possuídos. Era possuidora
de 4 prédios, além da casa em que residia. Em dois deles havia sentina e em apenas um,
também havia banheiro. Em 1905, era cada vez mais possível encontrar-se casa e/ou prédios,
512
A estrada de o Jerônimo foi depois denominada Avenida Governador José Malcher. In: CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P. 80.
513
Neste caso optei por usar a expressão “relação de bens” por tratar-se de um testamento nuncupativo,
conforme já referi. Além disso, o documento encontra-se fragmentado, desprovido de suas folhas iniciais.
265
com latrinas e banheiros em Belém. Geralmente, tanto um quanto o outro ficavam na parte
externa à casa, no quintal por exemplo. Assim ocorrera em uma das casas de Maria de Nazaré,
avaliada em 750 mil réis e em máo estado”, segundo os avaliadores. Aliás, os avaliadores
também concluíram que os demais bens de Nazaré, também estavam em mau estado: colheres
de prata, conchas para sopa, taxo de cobre e 6 potes de barros, um filtro de barro, uma tina de
acapu.
Além de potes e bilhas, outros objetos de uso da água à mesa frequentaram as moradas
de Belém ao longo do século XIX tais como: copos, garrafas, sopeiras e pratos fundos,
colheres, chaleiras, chocolateiras. Logo, bilhas e potes não foram os únicos objetos da água
possíveis de serem encontrados naquelas moradas. Os interiores de vários domicílios
poderiam conter diversos e diferentes objetos relacionados aos usos da água à mesa.
Dispostos em diferentes e diversos compartimentos das casas, estes e outros objetos
entravam em contato com as águas que adentravam as moradas. Desse modo, serviam para
recebê-la, ou guardá-la ou ainda disponibilizá-la aos usos dos moradores.
Alguns daqueles objetos não foram reservados especificamente aos usos da água, mas
também de outros líquidos como as licoreiras e respectivos copos para licor e ainda os copos
para vinho.
514
Ao falecer em Belém, na primeira década do século XIX, Jozé Lopes da Fonseca
deixou como inventariante sua mulher, Dona Francisca. Na descrição e avaliação dos bens do
casal, destaquei os que se seguem com a avaliação atribuída à época:
515
Tabela 2 - Objetos adquiridos pelo morador José Antonio Nunes
e valores dos mesmos
OBJETOS
VALOR ATRIBUIDO NA AVALIAÇÃO
1 bandeja de prata
600
réis
6 colheres lizas de prata
7 mil 850
is
(Continua...)
514
O termo traste” é encontrado em autos cíveis de inventários e, sobretudo, de testamentos em Belém, como
em outras cidades do Brasil, ao longo do século XIX. O uso do mesmo era recorrente como sinônimo de objetos
de uso pessoal ou da casa de moradia.
515
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Cartório Odom Gomes. Inventario a que se procedeo
por fallecimento de Jozé Lopes da Fonseca. Datado de 07/07/1810.
266
(cont....) Tabela 2 - Objetos adquiridos pelo morador José Antonio Nunes
e valores dos mesmos
1 bacia d’arame
2 mil e 100 is
1 tax
o de cobre grande
21 mil réis
6 colheres de prata
9 mil réis
5 colheres lizas de prata
c/pouco uso
5 mil e 280 is
Fonte: CMA/UFPA – Inventario post mortem de Jozé Lopes da Fonseca. (elaboração minha)
Com o falecimento de Manoel Pinto Marques, também em Belém, provavelmente nos
anos oitenta do século XIX, o irmão deste, Raymundo Dinis Pinto Marques, procedeu o
inventário dos bens do falecido. Dentre os objetos relacionados na descrição e avaliação de
bens, destaquei os seguintes com respectivos valores:
516
Tabela 3 - Objetos adquiridos pelo morador Manoel Pinto Marques
e valores dos mesmos
OBJETOS
VALOR ATRIBUIDO NA AVALIAÇÃO
6 calix para vinho
2 mil
is
46 pratos
8 mil
is
16 pares de xícaras
3 mil
is
8 colheres de prata
4 mil
is
11 col
heres para c
3 mil
is
2 duzias de colheres p/ sopa
6 mil
is
1 tacho de cobre
12 mil
réis
16 copos para água
6 mil
is
Fonte: CMA/UFPA – Inventario post mortem de Manoel Pinto Marques. (elaboração minha)
516
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autosveis de Inventários de Manoel Pinto
Marques. Juízo de Orphãos. Datado de 22/10/1890.
267
Jozé Lopes da Fonseca faleceu em novembro de 1808 e Manoel Pinto Marques, em
fevereiro de 1890. No interregno entre as duas mortes e respectivos inventários, é possível
perceber a continuidade no uso, como também na importância de inventariar-se objetos
confeccionados em cobre, arame e prata.
Todavia houve uma redução nos valores em mil réis atribuídos a objetos como:
colheres de prata, que em número de seis unidades, na primeira década do século XIX foram
avaliadas em 9 mil réis. as oito colheres de prata, registradas no inventário da última
década do mesmo século, foram avaliadas em 4 mil réis. Ou seja, objetos em prata
continuavam a merecer, para inúmeros moradores, destaque entre seus pertences, embora com
valores tão distintos. É possível mesmo que tal distinção ocorresse em função de uma maior
popularização ou do uso desses objetos à mesa, ou da recorrência ao uso da prata.
Ressalto, contudo, que nem sempre tais objetos estavam relacionados ao uso direto da
água potável. Colheres, por exemplo, algumas vezes de prata, poderiam servir na condução de
sopas, chás, cafés, chocolates, fazendo-se acompanhar, portanto, das xícaras com respectivos
pires, como também dos pratos.
517
Maria Victoria dos Santos, por exemplo, falecida em Belém em fevereiro de 1848,
possuía três chocolateiras de cobre, sendo duas pequenas e em bom estado e avaliadas em 2
mil réis, enquanto a terceira considerada “velha” pelos avaliadores, teve o valor atribuído de
320 réis. E Antonio Jozé Machado, falecido em abril de 1851, possuía uma cafeteira grande,
avaliada em 1 mil réis, além de um bule de louça dourada, avaliado conjuntamente a uma
mantegueira e um assucareiro, em 688 mil e 500 réis.
518
Conforme discutimos anteriormente, cafeteiras e chocolateiras recepcionavam
possivelmente, as águas adicionadas ao café, ao chocolate e aos cs. É interessante
considerar, entretanto, que nem todos os moradores eram possuidores de tais objetos, o que
poderia implicar em adaptações de outros tipos de vasilhas para a feitura dessas bebidas.
Os pratos por sua vez eram importantes receptáculos para as sopas e demais alimentos
à base de molhos e caldos. Para que tais alimentos estivessem acessíveis às pessoas nos
momentos das refeições, era necessária a intermediação dos pratos, os quais não raramente,
517
Sobre os usos de pratos e pires considerei importante a leitura dos trabalhos de LIMA, Tânia Andrade. Pratos
e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no rio de Janeiro, culo XIX. referido.
Além desse, também é interessante, Chá e simpatia: Uma estratégia de nero no Rio de Janeiro oitocentista.
In: Anais do Museu Paulista. São Paulo. Nova série, v. 5, 1997.
518
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Juízo de Orphãos da Capital do Pará.. Traslado dos
Autos de Inventário dos Bens do casal de Francisco José da Costa, por fallecimento de sua mulher donna Maria
Victoria dos Santos, os quaes por appellação sobem do Superior Tribunal da Rellação da Cidade de São Luis do
Maranhão. Datado de 16/02/1848. E Authos Cíveis de Inventario e Partilhas Amigáveis que entre si fizeram a
vva e herdeiros do finado Antonio Jozé Machado. Datado de 22/04/1851.
268
em caso de alimentos assim confeccionados, deveriam apresentar um formato mais específico,
ou seja, uma maior concavidade. Eram os pratos fundos, alguns dos quais em formato
similar ao que é exposto através da imagem a seguir
Figura 39 - Prato fundo com borda recortada, séc. XIX
519
Ao ser aberto em 1837, o inventário de Maria Victoria do Nascimento apresentava
uma relação com os seguintes objetos referentes aos usos da água potável: dois copos para
agoa (100 réis os dois); 7 tijelas e pires ordinários (280 réis no total) e uma zia de pratos
fundos usados, no total de 240 réis”. E no inventário de João de Castro Freitas, aberto em
1881 constam os seguintes objetos de mobília” : uma sopeira, meia dúzia de cálices, meia
zia de copos para agoa, um lavatório, um banco comprido para potes e bilhas”, sendo o
valor total de tais objetos (incluindo também uma taboa de engomar) igual a 50 mil réis.
520
Em diferentes períodos, alguns moradores tiveram acesso a um número aparentemente
expressivo desses “trastes”, levando-se em conta as longas listas constantes nos inventários.
Mas houve também, aqueles que municiaram modestamente suas moradas, inclusive com os
ditos objetos “da água”, se o leitor estiver atento de lembrar-se do caso do desafortunado
maranhense Domingos, que na simplicidade de seus aposentos, reunia parcos bens, dentre os
quais destaquei a bilha.
519
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo do Servo de Objetos.
520
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Auttos cíveis de Inventários dos bens da falecida
Donna Maria Victoria do Nascimento. Caixa de Inventários de 1835-7. E Auttos cíveis de Inventários dos bens
de João de Castro Feitas. 1880-1.
269
Donna Verissima Maria do Couto, falecida nos anos setenta do século XIX,
dispunha de um banco de madeira usado para potes, avaliado em 1 200 réis, um pote e
pucaro, avaliados em 500 réis. Todavia dispunha também de duas colheres de prata avaliadas
em 7 200 réis, uma bacia de arame, sob o valor de 8 mil réis e um taxo de cobre, cujo valor
atribuídos foi de 6 mil réis. Sendo assim, o adentrar da água nos domicílios, bem como a
permanência da mesma nos interiores dos mesmos estariam submetidos a determinadas regras
de utilização dos objetos da água.
No inventário de D. Verissima não esclarecimentos quanto à matéria prima com a
qual foi confeccionado o pote. Segundo informações constantes no mesmo inventário o pote e
respectivo púcaro foram vendidos por 1 500 réis. Os caros eram geralmente metálicos,
alguns com bordas denteadas, com a finalidade de evitar que fossem levados diretamente à
boca por quem fizesse uso dos mesmos, pois com eles retirava-se a água dos potes.
As imagens a seguir, guardando as devidas especificidades, tornam possível um
melhor entendimento acerca de formatos e matéria prima usados na confecção de caros.
521
As duas primeiras imagens representam objetos do acervo do Serviço de Objetos do MP/USP.
A terceira imagem foi extraída da obra O Aguadeiro”, de Mario Ypiranga Monteiro, o qual
registrou que tratava-se de um tipo stico de cantareira”, na qual encaixavam-se o pote, ou
talha, e os copos de vidro. Ao lado desses objetos, o púcaro, cujos dentes e orifícios visavam
impedir o contato direto.
522
A respeito disso, reporto-me aqui ao português Gregório Ferreira da Costa, morador na
cidade de Belém, casado com Donna Anna Maria de Moraes e falecido nos anos cinqüenta
dos oitocentos. Juntos eram possuidores de cinco salvas de prata de diversos tamanhos e
feitios, assim como doze pratinhos de prata para servirem a copinhos. Ou seja, possivelmente
o casal Gregório e Anna Maria considerava importante dispor em sua morada de objetos
considerados refinados para o período em questão. Ou então, talvez não levassem em
consideração tal importância, mas sim a oportunidade de ostentar o poder da posse, perante
àqueles que usufruiam de seus contatos e/ou convívio. Ou seja, dispor de objetos de uso
doméstico em prata poderiam significar distinção, requinte, elegância, perante os outros.
521
O púcaro é um tipo de vasilhame com asa ou cabo, usado para extrair líquidos de outros recipientes. Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. RJ: Editora Nova Fronteira, 1986.
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é
inventariada Verissima Maria do Couto e inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Datado de 1875.
522
MONTEIRO, Mario Ypiranga. O aguadeiro: subsídios para a historia social do Amazonas. Manaus:
Imprensa Oficial do Estado do Amazonas. 1977. Segundo os editores, a primeira edição data de 1947.
270
Figura 42 Pote encaixado na cantareira e púcaro denteado,
usado para coletar a água de beber. Detalhe: púcaro.
525
523
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo do Servo de Objetos.
524
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo do Servo de Objetos.
525
MONTEIRO, Mario Ypiranga. O aguadeiro: subsídios para a historia social do Amazonas. Manaus:
Imprensa Oficial do Estado do Amazonas. 1977. Paginas anexas, sem numeração. Segundo o autor, ele próprio
Figura 40 Púcaro com concha em coco e
cabo de madeira
523
Figura 41 Púcaro em prata, usado em
batizados, séc. XIX
524
271
Possibilidades à parte, acredito que as águas de beber existentes na casa de morada de
Gregório percorressem em momentos específicos os cômodos da moradia, mediante o amparo
de salvas e pratinhos. Gestos elegantes, refinamento no uso da água potável, na cidade que se
pretendia civilizada era preciso (re)educar os modos diários, inclusive aqueles que se
relacionavam aos usos mais simples da água, como a ingestão da mesma. Tais reformulações,
se a princípio ficavam restritas a uma minoria da população, com o tempo deveriam atingir
parcelas mais amplas dos moradores, inclusive os menos afortunados, consolidando um modo
de vida cada vez mais sincronizado com os ideais de progresso, evolução, civilização.
526
As listas inventariadas possibilitam então a construção de versões acerca das relações
estabelecidas entre as condições sociais dos moradores enfocados e a posse e uso de objetos
“da água” existentes em suas moradas, em diferentes momentos históricos da capital do Pará.
Nesse ponto, relembro ao leitor que, nas décadas de oitenta e, sobretudo, noventa, a
cidade de Belém experimentava os efeitos do crescimento comercial propiciado pela
economia da borracha. Com o aumento da demanda internacional por esse produto, a partir
dos anos setenta, ocorreu um crescimento da produção e exportação da borracha com vistas ao
mercado exterior. Em função disso impôs-se a necessidade de mão-de-obra, do que resultou o
estímulo à imigração interna e com isso, a chegada de cearenses, paraibanos, pernambucanos,
entre outros, que premidos pelas precariedades em seus locais de origem, buscavam melhores
condições de vida no Pará e no Amazonas.
527
teria esboçado o desenho, que foi aprimorado por Galba. Os objetos estariam no interior da moradia de Manoel
de Sousa, em Terra Nova, ano de 1942.
526
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos de Contas do Cumprimento do Testamento do
finado Gregório Ferreira da Costa. Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal em Correção.
Ao discutir “diferenciação social e sistemas de objetos no século XIX”, Tânia Andrade Lima analisa “mudanças
estruturais que foram responsáveis por novas formas de comportamento, mais condizentes com os interesses da
burguesia ascendente, que ao conseguir alcançar o poder, procurava estabilizar-se por todos os meios
dispoveis”. Daí, segundo a autora a busca da burguesia por requinte, elegância, distinção, atributos
indispensáveis para o reconhecimento da mesma. Seria então a busca da legitimação através dos mbolos da
nobreza que, anteriormente desprezados, foram adotados posteriormente como modelos de ascensão e afirmação
enquanto elite. In: LIMA, nia Andrade. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites
sociais no Rio de Janeiro, século XIX. Já referido.
527
Segundo Weinstein embora o preço, a produção e as tenncias demográficas, nas décadas de 1850 e de
1860, tenham sido extremamente estimulantes, o início da década de 1870 apresentou uma bita queda nos
preços, que deu início a um período de estagnação demográfica e produtiva, particularmente no baixo
Amazonas. (...)”. Mas ela afirma também que “Em 1877, os preços da borracha começaram a subir rapidamente,
estimulando o deslocamento na direção de novas zonas seringueiras (tanto no Pará como na região oeste mais
afastada) e a rápida expansão da rede comercial do Pará. (...)”. “(...) em 1878, a cidade de Belém inaugurou o
primeiro mbolo de vulto da prosperidade que acabava de atingir – o teatro que foi de modo otimista
denominado Teatro da Paz, estrutura arquitetônica refinada cujas luxuosas poltronas de veludo e colunas de
rmore haviam sido compradas com quilos de borracha bruta.” Para esta autora, foi nos últimos anos da década
de setenta que a expano da economia da borracha conheceu sua expansão. In: WEINSTEIN, Bárbara. A
272
A seca dos anos de 1877 e 1880 levou muitos sertanejos a abandonar suas casas e até
familiares. Muitos, dentre os chamados retirantes da seca”, rumaram para o Pará e passaram
a constituir a mão-de-obra fundamental dos seringais. Alguns terminaram por viver em
Belém, por não se adaptarem às difíceis condições de vida na selva, o que interferiu
profundamente nas relações sociais urdidas entre os moradores da cidade. A presença cada
vez maior dos chamados “cearenses” criou tensões devido às disputas por mercado de
trabalho, muitas das quais desaguaram em ocorrências policiais e autos crimes.
Estudos históricos discutem as dificuldades enfrentadas por aqueles que se debateram,
durante anos, com o fenômeno climático e socialda seca. No Ceará, por exemplo, entre os
anos de 1791-3 ocorreu a chamada Seca Grande, descrita como violento flagelo no sertão.
Aquela não foi a única vez que os sertanejos conviveram com a seca, outras vieram,
adentrando os oitocentos. Em decorrência disso, a chuva era muito bem vinda para os
moradores dos sertões, pois era sinônimo de sobrevivência. Se as chuvas tardavam, se não
eram vislumbrados sinais da mesma, restava a alternativa da migração.
528
Ao chegarem à cidade de Belém, os sertanejos passavam a conviver com as chuvas,
com a cidade molhada, com a umidade presente no ar e também, com igarapés e rios,
facilmente acessados a partir dos caminhos da cidade. Também conviveram com a
consolidação do processo de comercialização da água e com as tensões em torno dessa
questão.
Considerando as dificuldades por eles enfrentadas, é possível que ante a abundância
de águas, o impacto sentido pelos sertanejos estabelecidos em Belém e na Província de modo
geral, tenha sido considerável. Afinal o que significaria para tantos deles, os contatos tão
regulares e próximos com as chuvas que encharcavam os espaços de Belém?
borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920. São Paulo: HUCITEC: Editora da USP, 1993. Pp.
87-9.
528
Sobre a questão específica da seca no sertão ver VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano. O Açoite da Seca:
Família e Migração no Cea(1780-1850). Apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais. Ouro Preto/MG, novembro de 2002.
SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia: 1800-1920. São Paulo: T. A. Queiroz,
1980. WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expano e decadência, 1850-1920. São Paulo:
HUCITEC:EDUSP, 1993. Além desses, ver também SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a
Belle-Époque (1870-1912). Belém: Paka-Tatu, 2000. A autora afirma que a “questão da imigração é um assunto
dominante nos discursos oficiais, seja através de Mensagens, Relatórios dos presidentes de Província, de Falas
ou da legislação pertinente ao assunto (...).”. P. 50. A expressão “retirantes da seca”, pode ser observada em
LIMA, Araújo. Amazônia, a Terra e o Homem. São Paulo: Nacional; Brasília: INL., 1975, P. 85, apud
SARGES, p. 50.
273
De qualquer modo, não foram poucos aqueles que ao optarem por tentar a vida no Pa
em função das possibilidades de sustento que eram oferecidas, depararam-se com outros
problemas, resultantes da exploração de mão-de-obra na economia da borracha, dos parcos
ganhos e dos endividamentos. Ou seja, se diante de todos os seus sentidos, a presença da água
se fazia imperiosa, o que poderia gerar certo alívio e contentamento, outros dissabores se
estabeleceram levando a distintos direcionamentos em suas vidas.
A partir da obra de Palma Muniz, Roberto Santos registra uma soma parcialde
58.384 imigrantes, oriundos do nordestedo Brasil, vindos para o Pará no período situado
entre 1855 e 1916. E são abundantes os documentos que mostram moradores de Belém
egressos do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Maranhão, envolvidos em
questões de ordem policial. Homicídio”, “desordem”, “embriaguez”, “gatunagem”,
ofensas à moral, são alguns dos delitos pelos quais muitos deles foram detidos, conforme
indico no primeiro catulo dessa tese, ao referir-me às migrações e a cidade de Belém.
529
A despeito do envolvimento nas transgressões do período, os “nordestinos” do século
XIX somaram braços no mundo do trabalho, desenvolvendo as mais diversas atividades,
compartilhando dramas e alegrias na cidade que se transformava. Entre eles havia alfaiates,
doceiros (as), cozinheiros(as), vendedores (as) ambulantes, carpinas, como também
proprietários de estabelecimentos comerciais bem sucedidos e que construíram uma vida
abastada em Belém.
Em conjunto com portugueses, espanhóis, entre outros imigrantes que também
rumaram para Belém, os egressos dos sertões não raramente denominados “cearenses”,
povoaram a cidade, formaram famílias, habitaram casas e vivenciaram múltiplas experiências,
entre as quais aquelas que perpassaram pelas lidas com a água.
530
4.2.2. Água e limpeza das casas.
529
Ao longo desse estudo procurei reiterar que a cidade de Belém teve moradores marcados por enorme
diversidade. Nesse sentido o é incorreto pensar na cidade como múltipla, no sentido de que eram muitas
“Beléns” do Pará, nas quais inúmeras etnias, naturalidades e nacionalidades conviveram ao longo dos séculos em
que a cidade foi construída.
530
SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. P.100. O
autor apresenta os dados da “imigração nordestina registrada no Pará”, recorrendo aos registros de Palma Muniz,
Immigração e colonização – história e estatística, 1616-1916. Belém: Imprensa Official, 1916.
No livro de ocorrências policiais de 1905, constam inúmeros registros referentes aos delitos que eu mencionei no
texto. Depositado no APEPA. Fundo: segurança pública. Série: ocorrências policiais. Ano: 1905.
Cristina Cancela destaca que alguns nordestinos construíram fortuna no Pará. Ela cita o cearense Guilherme
Augusto de Miranda Filho, proprietário de casa de aviação e inúmeros seringais existentes no rio Acre. In:
CANCELA, Cristina Donza. Casamento e relações familiares na economia da borracha (Belém 1870-1920).
Tese de Doutorado. FFLCH/USP, 2006. P. 266.-7.
274
O asseio da cidade não poderia prescindir da limpeza das moradias. Outros objetos da
água associados ao processo de limpeza no interior das moradias aparecem também nas fontes
pesquisadas para este estudo, são eles: tinas, lavatórios, tanques, banheiras, urinóis e latrinas.
Localizados em distintos cômodos das moradias e relacionados a múltiplas e distintas
funções, tais objetos eram, contudo, menos recorrentes na documentação que pesquisei. Na
realidade, excetuando as tinas e os urinóis, os demais aparecem com maior freqüência nas
descrições contidas em inventários, sobretudo a partir dos anos setenta dos oitocentos.
Manoel Joaquim Guedes, por exemplo, falecido em Belém em novembro de 1871, era
possuidor de vinte e quatro penicos. Porém, a julgar pela relação de bens descritos e avaliados
nos autos de inventários, Guedes era comerciante e ao falecer, detinha um expressivo estoque
de objetos provavelmente importantes para os moradores da cidade de Belém, ou seja, que ele
sabia pela vivência de comerciante, serem regularmente usados. Na cidade em que a maioria
das moradias não dispunha de latrina, o uso dos urinóis era importante no “dia-a-dia” dos
moradores. Possivelmente este foi mais um objeto que teve sua utilização vulgarizada, pois
raros foram os inventariantes que se deram ao trabalho de os registrar, salvo em alguns casos,
como o de Joaquim Guedes.
531
De conformidade com códigos de posturas, elaborados ao longo do século XIX, os
materiais recolhidos nos urinóis não deveriam ser lançados nas ruas, estradas, travessas,
praças, es, poços, fontes, e mais lugares públicos da cidade”. Ressalto que tal proibição
consta de códigos posturais que datam de 1848, como também naqueles que passaram a
vigorar em 1880. Aliás, no código de posturas de 1848, todo material coletado nos penicos,
não poderia ser lançado em quintais, pátios, canos de casa e ruas. Os canos seriam específicos
para as águas pluviais e os lugares nos quais as “imundíciesem geral deveriam ser lançadas,
seriam determinados pela Câmara Municipal. Os infratores incorreriam em multa equivalente
a 10 mil réis, ou quatro dias de prisão.
532
Através desses utensílios, os moradores de Belém construíam relações com as águas
que fluíam pelos interiores de suas moradas. Os urinóis, por exemplo, precisavam ser lavados
periodicamente, uma vez que a limpeza das moradias e de tudo quanto continha a mesma, era
531
APEP. Fundo: Juízo de Órfãos da Capital. Série: Inventários e Partilhas. Autos Cíveis de Inventários dos bens
deixados por Manoel Joaquim Guedes. Datado de 22/10/1890.
532
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Belém. Biblioteca Pública do Estado do Pará
“Arthur Vianna”, sessão de Obras Raras. Código de Posturas Municipaes (1848). In: Collecção das Leis da
Provincia do Gram-Pará. Tomo X.
Belém. Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém”. In: Colleção das Leis da Provincia do Gram-
Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de Noticias. Depositado no APEP.
275
recomendável por aqueles que acreditavam na eficácia desse procedimento contra a
propagação de doenças.
Além dos urinóis, houve moradores que optaram pelo uso da tina. Essa, nas casas em
que havia, poderia ser empregada como desito para água, ou poderia servir para banhos, ou
ainda para operacionalizar as lavagens de roupas, conforme discuti anteriormente ao tratar dos
ofícios da água.
Na documentação pesquisada, encontrei referências a apenas cinco tinas de acapu.
Dona Theresa de Assumpção Madureira Pantoja, por exemplo, falecida em 1875, possuía uma
grande tina de acapu”, avaliada em 4 mil réis. Donna Verissima Maria do Couto, falecida
em 1872 também dispunha de uma, em acapu e avaliada em 1 mil réis. Dona Maria de Nazaré
Paes, falecida em 1905, também fora possuidora de uma tina (sem valor específico atribuído
no testamento). E o casal Vicente Jode Moura e Francisca das Chagas Paes, falecidos em
1830 e 1827 respectivamente, tinham entre seus pertences duas tinas pequenas, avaliadas
conjuntamente em 480 réis.
De qualquer modo, as tinas poderiam guardar as águas a serem usadas, como também
acomodar águas servidas, oriundas da lavagem de roupas por exemplo, a serem despejadas em
quintais, no próprio chão da moradia, ou na rua. Seria possível aos agentes do poder público
disponibilizar a permanente atenção?
Ao descrever a casa de morada de Donna Verrisima Maria, o escrivão Marcelino
Marques de Lima registrou que a mesma estava situada na rua dos Martyres, continha,
corredor, alcova, um pequeno quarto seguido de varanda. Mais uma puchada com três
quartos e cozinha. A madeira dos ares até a alcova em pernas mancas e o resto de caibro.
Parte da morada era soalhada e parte era ladrilhada.
533
Talvez uma inquietação se abata sobre você leitor, ao pensar: em que lugar da morada
de D. Verissima, ficaria a tina? Essa indagação não é muito fácil de ser respondida, sobretudo
se dependermos do escrivão Marcelino Lima. Ora, pensar sobre a tina a princípio levou-me a
refletir em espaços da moradia tais como quintais e banheiros. Entretanto, a casa de morada
de D. Verissima, nos anos setenta do século XIX, parecia não dispor desses lugares.
As casas de morada dos demais possuidores de tinas, não contêm descrição nos
documentos que pesquisei. Entretanto talvez um sobrado, contendo duas salas, duas alcovas
correspondentes às salas, corredor, varanda, “puchada” com quatro quartos, cozinha, quintal e
533
CMA/UFPA. Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Autos veis de Inventários de Donna Theresa de
Assumpção Madureira Pantoja. Datado de 1875. E Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é inventariada
Verissima Maria do Couto e inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Datado de 1875.
276
poço, pertencente a Dona Thereza de Assumpção Madureira Pantoja, fosse o seu local de
residência. Entretanto, quanto à localização da grande tina da qual a referida senhora era
possuidora, persiste a mesma dúvida advinda em relão à D. Verissima.
Bem, se a tina era usada para banhos, ela poderia ficar em um dos quartos, mediante as
necessidades dos moradores, talvez, no caso de D. Verissima, no quarto menor, próximo à
alcova, ou em um daqueles situados na puchada. E a tina de D. Thereza? Adjetivada como
“grande”, talvez ficasse na cozinha, a receber a água coletada no poço.
Não obstante a indicação de possibilidades, a ideia de que em Belém houvesse
moradores que recorressem aos quartos para o procedimento do banho o deve ser refutada.
Estudos acerca da “polícia médica” na cidade do Recife, século XIX, constatam que os
dirigentes demonstravam preocupações com o processo de salubridade da cidade, tais como
Aquino Fonseca, presidente da Comissão de Higiene blica em 1855, o qual defendia a
oferta de águafácil e abundante” para a população.
534
Aquino da Fonseca associava a saúde pública ao consumo expressivo da água e
defendia a instalação de tubos que levassem o líquido até as casas de ricos e pobres. Além
disso, advertia que
(...) Não se entretendo a saúde com a água de beber, é preciso que as casas, bem
construídas, possam ter quartos acomodados a banhos, e mesmo promover a
construção de estabelecimentos especiais em que a população, a baixo preço, possa
banhar-se, como sucede nas melhores cidades da Europa. (grifos meu)
535
Estudos indicam também que na França e na Inglaterra, nos anos 60 dos oitocentos, a
tina era usada como objeto de higiene dos corpos, inclusive para banhos, tomados mediante a
obediência de períodos específicos, como a menstruação, por exemplo, e guardando cuidados
devidos para evitar doenças.
536
A tina poderia estar localizada também, na cozinha, o que facilitaria o acesso às águas
a serem utilizadas na confecção de alimentos, bem como nas lavagens dos objetos recorrentes
na culinária, como também na limpeza do assoalho e do ladrilho, que recobriam o chão da
moradia. Em relação a essa questão das lavagens, é importante relembrar que a cidade de
534
MIRANDA, Carlos Alberto Cunha de. Da Polícia Médica à Cidade Higiênica. Revista do Instituto
Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 59, p. 67-90, 2002.
535
MIRANDA, Carlos Alberto Cunha de. Da Polícia Médica à Cidade Higiênica. Revista do Instituto
Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 59, p. 67-90, 2002.
536
Ver CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987. Pp. 227-9. E também de Corbin: O Segredo do Indivíduo”. 442-5. citado. E
ainda VIGARELLO, Georges. O limpo e o Sujo: a higiene do corpo desde a Idade dia. Lisboa: Editorial
Fragmentos Ltda., 1985.
277
Belém conviveu com ondas epidêmicas ao longo do século XIX e que as autoridades
conclamavam os moradores à prática do asseio da moradia em si, sobretudo quando houvera a
constatação da presença da doença na mesma. Ou seja, proceder espontaneamente à lavagem
da moradia mediante os princípios higiênicos consagrados no contexto em questão, indicava
absorção de valores essenciais no processo de aperfeiçoamento da sociedade e poderia então,
conferir distinção àqueles que a praticavam.
537
Não obstante a possibilidade do uso da tina no processo de limpeza da moradia,
acredito na possibilidade de que o uso de tinas de elevado porte fosse reduzido entre a maioria
dos moradores da cidade, uma vez que os valores atribuídos àqueles objetos poderia
ultrapassar 1 mil réis.
A respeito dessa questão da limpeza da moradia, Américo de Campos, em obra
publicada em 1912, afirma que
o meio que melhor assegura a limpeza proveitosa, é a lavagem, com água e sabão,
de soalhos, portas, barras, vidraças, etc, no mínimo duaz vezes por cada mez. As
varreduras não limpam, não prestam, nada adiantam; contentam apenas a vista.
538
Banheiras e lavatórios eram objetos destinados a asseios dos corpos no interior das
casas de morada. Todavia raros são os autos cíveis de inventários que apresentam em suas
listas esses objetos. Nos jornais, sobretudo a partir dos anos sessenta do culo XIX, constam
alguns indícios acerca de prováveis usos daqueles objetos. Através de um aviso sobre um
leilão em 1885, o “Diário do Gram-Pará, informa aos interessados que o agente Guerreiro
Junior, venderá em sua agência utensílios diversos para casa de familla”. Dentre esses cita
um lavatório com jarro e bacia, além de bilheira, aparelho para jantar e outro para c,
copos, cálices, entre outros.
539
537
O escritor Marques de Carvalho, por exemplo, nos fala da tina utilizada pela lavadeira Maria no romance
“Hortência”. CARVALHO, João Marques de. Hortência. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo
Neves/Secretaria de Estado de Cultura, 1989. P. 58. Sobre a questão das lavagens de moradias devido à
ocorrência de epidemias ver BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu
Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004.
538
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora
Escolar, 1912.
Américo de Campos era “estudioso de assuntos amazônicos”. Autor de obras acercado Pará. Pertencia ao
Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do qual era membro da comissão de revista. In: ROCQUE, Carlos.
Grande Enciclopédia da Amazônia. Belém do Pará:Amazônia Editora Ltda. 1968. 2 v. P. 395.
539
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diário do Gram-Pará”, anno 34, nº 221, de 01/10/1885. P. 2.
Sobre a questão da propaganda de utensílios domésticos e outros estudos sobre cultura material ver SILVA, João
Luiz ximo da. O Impacto do s e da Eletricidade na Casa Paulistana (1870 1930) – Estudos de cultura
material no espaço doméstico. São Paulo: FFLCH/USP, 2002. Dissertação (mestrado). E também CARVALHO,
278
O mesmo jornal acima também anuncia que no estabelecimento “Torre de Alakoff”,
situado à travessa do Passinho, grande sortimento de lavatórios à disposição dos
moradores da cidade.
A disponibilização dos objetos à comercialização é indicativa das possibilidades
apresentadas pelo mercado naquele contexto, considerando, sobretudo, o aquecimento
propiciado pela economia gumífera e o aprofundamento do processo de fornecimento da água
enquanto mercadoria. Todavia, também aponta para o processo de aprofundamento da
disciplinarização dos corpos em relação às regras de preservação da higiene, principalmente,
no caso dos lavatórios, o asseio das mãos, bem como a lida com os mecanismos de
funcionamento das torneiras.
O anúncio faz-se acompanhar das imagens dos lavatórios que apresento a seguir, os
quais continham torneiras metálicas (“nickelladas”), o que era considerado importante para
evitar o contato das mãos com águas já utilizadas, mas que demandava o processo de
canalização da água até o local do lavatório, fosse este local uma residência, escritório ou
repartição, (conforme consta no anúncio), processo este que se efetivou a partir dos anos
oitenta do século XIX, a longo prazo, em Belém.
540
A respeito disso Ernesto Cruz afirma que
Ao longo dos anos oitenta, a colocação dos canos para a residência dos
consumidores, era feita pelos operários da Companhia, que cobrava pelo material
empregado, os seguintes preços: canos de 1 ½ polegada, 600 réis (Cr$0,60); de ¾ de
polegada, 900 réis (Cr$0.90); de uma polegada 1$200 réis (Cr$1,20), por metro
corrente.
541
Vânia. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material São Paulo, 1870-1920. Tese
(doutorado). São Paulo: USP/FFLCH, 2001. ().
540
Ver SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. É possível realizar uma história do corpo?. In: SOARES, Carmen
Lúcia (organizadora). Corpo e história. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. (Coleção educação
contemporânea). E também da mesma autora. Cidade das Águas: histórias e usos dos rios, córregos, bicas e
chafarizes em São Paulo (1822-1901). Já mencionado.
541
CRUZ, Ernesto. A Água de Belém: sistemas de abastecimento usados na capital desde os tempos coloniais
até os dias hodiernos. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. P. 52
279
Figura 43 Bacia para lavatório
Figura 44 Lavatório de mármore
Figura 45 Lavatório (outro modelo)
Intermediadas por conjuntos distintos de objetos, a água pode percorrer todos os
interiores das casas de morada e foram provavelmente motivadoras de momentos marcados
por múltiplos sentimentos, tais como, tensão, serenidade, alívio, entre outros. Parte desses
momentos também ficou registrada através da produção de discursos e obras de cunho
acadêmico e/ou instrucional nas quais algumas inquietações e/ou expectativas, no que
280
concerne às formas de usos da água, ficaram esboçadas. A respeito disso refiro o trabalho de
Américo de Campos, Noções Geraes de Hygiene, editado em 1912.
542
Nessa produção o autor expõe suas preocupações com a higiene que deveria permear
tanto as moradias, quanto os corpos, de pessoas em geral que residiam na capital do Pará,
dotada que era de importantes especificidades, entre as quais, o clima acalorado.
Em Noções Geraes de Hygiene”, Américo de Campos discute a importância dos usos
“corretos” da água nos banhos. Neste caso, inicialmente defende o banho diário como um
recurso extremamente necessário aos moradores de Bem, submetidos que estavam ao clima
quente reinante na cidade. Para ele os banhos mais adequados à obtenção da limpeza corporal
seriam aqueles tomados sob o chuveiro, tal como é possível apreender nas seguintes
considerações do autor.
O chuveiro procura-nos uma lavagem commoda, completa e cil. Primeiro, molha-
se o corpo todo com alguns jactos; em seguida, passa-se, esfregando, o sabão por
todo elle, e, por fim, recebe-se novos jactos de água limpa que nos livra com
segurança do que queríamos. (...)
543
Desse modo, para homens com modo de pensar semelhante ao de Américo de
Campos, a água emanada dos chuveiros seria considerada mais adequada para proporcionar a
limpeza necessária aos corpos. Para tanto seria de bom tom que as residências fossem dotadas
deste recurso o importante à higiene corporal. Importante considerar também que os banhos
realizados sob os chuveiros, deveriam ocorrer em local reservado, ou seja, o banheiro.
Quanto ao uso das águas depositadas em tinas e/ou banheiras, Campos advertia acerca
da necessidade de ensaboar-se antes de adentrar à água, lavando cuidadosamente as regiões
axilares, inguinais e anal, bem como os pés, por serem áreas nas quais acumulava-se mais
suor.
Campos recomendava ainda que, sempre que possível, devia o banhista manter-se fora
da vasilha na qual estivesse depositada a água e que o mesmo recorresse a outros objetos
intermediadores da coleta da água, tais como canecas ou cuias a fim de molhar o corpo com
água sempre limpa. Ou seja, a renovação e conservão da limpeza corporal deveriam contar
com cuidados atentos em relação ao manuseio da água a ser utilizada.
542
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora
Escolar, 1912. É também interessante o trabalho produzido por CHERMONT, Olympio Leite. Casas para
Trabalhadores Breve Estudo. Belém: Tip. Da Imprensa Oficial, 1899. Olympio Chermont era natural do Pará,
foi engenheiro municipal e ajudante da comissão de saneamento de Belém entre os séculos XIX e XX.
543
CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora Escolar, 1912. P.
281
A ideia aqui presente era a da contaminação, isto é, submergir em água na qual outros
também o fizeram desconsiderando cuidados tidos como essenciais implicaria em
proliferação de enfermidades certamente indesejáveis, pois em casos como esse, a água seria
o lugar no qual ficariam depositados os germes causadores de doenças.
A despeito de existirem tais recomendações, até o presente momento de
desenvolvimento da pesquisa, encontrei raras referências à existência de banheiros em
moradias de Belém, mesmo nas décadas de oitenta e noventa do século XIX. Além disso, não
observei na legislação, referência à obrigatoriedade da construção de banheiros nas
residências e sim, a proibição expressa em códigos de posturas de diferentes períodos do
século XIX, quanto à conservação de águas estagnadas nos quintais.
No “Código de Posturas Municipaes” de 1848, em seu capítulo 3º (dos pântanos,
agoas infectas, limpezas de terrenos, ruas e empachamentos em geral), artigo 17º, fica
determinado que Ninguem poderá lançar, ou consentir, que se lance aguas infectas nas ruas,
quintaes, pateos, estradas, e canos de casas, devendo estes servir sómente para dar sahida ás
aguas pluviaes. O infractor incorre na multa de dez mil réis ou quatro dias de prisão.”
544
No “Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém” de 1880/81, está
registrado no capítulo IV (asseio da Cidade), artigo 38, que É prohibido conservar nos
quintaes animaes mortos, immundicies, aguas estagnadas, cloacas abertas, sob pena da
multa de vinte mil réis.
545
Talvez o leitor considere estranha a referência que fiz às águas estagnadas em
quintais, todavia, existem autos que evidenciam em suas narrativas, os momentos em que os
moradores tomavam seus banhos justamente nos espaços bem próximos aos quintais, do que
poderiam resultar os indevidos empoçamentos.
Em agosto de 1895, por exemplo, Joaquim Marques e Florentino da Conceição
Nogueira tiveram um forte entrevero pelo fato de Florentino haver ido tomar banho
completamente nu, no quintal da casa em que morava.
546
Segundo relato do escrivão Manoel da cunha Lima, Florentino era jardineiro, não
sabia escrever e somava 48 anos de idade. Era natural do Pará e residia no largo da Memoria
544
Belém. Código de Posturas Municipaes (1848). In: Collecção das Leis da Provincia do Gram-Pará. Tomo X.
Depositado na Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará
“Arthur Vianna”, sessão de obras raras.
545
Belém. Código de Posturas para a Camara Municipal de Belém. In: Colleção das Leis da Provincia do Gram-
Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Pará. Typographia do Diario de Noticias. Depositado no APEP.
546
APEP. Fundo: Chefatura de Polícia. Série: Autos. Autos crimes de exame de corpo de delito procedido em
Florentino da Conceição Nogueira”. Início do auto em 12/08/1895.
282
em um dos quartos anexos à taberna do português Joaquim Marques.
547
No depoimento de
Florentino consta que ele
regressava de seo trabalho para sua casa (...), e tendo de tomar banho como era
costume, procurou atraz da casa um lugar mais reservado para tomar seo banho, que
nessa occasião deram lhe uma forte pancada nas costas e virando se o respondente
reconheceo Joaquim Marques que se achava junto delle e nada dissera (...); que
Joaquim Marques retirou-se para seo estabelecimento e em seguida o respondente
vestio se e veio á taberna saber de Joaquim porque elle lhe batia visto que não era a
primeira vez que elle alli tomava banho; que Joaquim Marques nada lhe respondeo
atirando-lhe cal sobre a cara que apoz isto pegou uma enxada que se achava no
estabelecimento e desfeixou no respondente uma pancada, a qual este aparou com o
braço esquerdo; que ao receber a pancada sentio que lhe havia quebrado o braço e
sahio para a rua em procura de policia, que ao chegar ao largo da Memória ahi
encontrou duas praças de cavallaria as quaes queixou se de Joaquim Marques, que
foi prezo pelos mesmos.
548
De conformidade com o depoimento de Florentino, o fato de estar tomando banho no
quintal no dia em que foi abordado por Joaquim Marques, o era uma novidade, dele não
entender a agressão do taberneiro. Este por sua vez, diante das inquirições legais, declarou
que Florentino estava tomando banho no quintal em trajos menos decentese que resolveu
retirá-lo do lugar a fim de evitar que sua mulher e a família do senhorio da casa pudessem
encontrá-lo. As testemunhas convocadas para depor, confirmaram a versão de Joaquim.
O incidente em questão exemplifica um fato recorrente na cidade de Belém, uma vez
que o quintal era comum com os das outras casas, ou seja, no caso em questão não havia
cercas estabelecendo separação entre os terrenos de cada moradia. Então, ao decidir tomar o
seu banho despido e em área não reservada, Florentino teria assumido, considerando o
entendimento de Joaquim, uma postura “não decente perante as famílias ali residentes,
segundo o registro de depoimento da testemunha Antonio Esmeraldo Martins. Ainda de
acordo com Esmeraldo, o português Joaquim Marques teria dito à Florentino que enchesse a
sua lata da água e fosse tomar banho no banheiro”, ou seja, era importante que Florentino
buscasse área apropriada para a limpeza de seu corpo a fim de que ficasse devidamente
preservado o “respeito” às famílias, e sobretudo, às mulheres.
547
O largo da Memoria teve sua denominação alterada para “Redenção” e Infante Dom Henrique”. In: CRUZ,
Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.119. Atualmente
é denominado Praça Infante Dom Henrique, na confluência da avenida Nazaré com a travessa Quintino
Bocaiuva.
548
APEP. Fundo: Chefatura de Polícia. Série: Autos. Autos crimes de exame de corpo de delito procedido em
Florentino da Conceição Nogueira”. Datado de 12/08/1895.
283
Diante do conflito que se estabeleceu entre os dois homens, o banheiro emerge, nas
palavras de Joaquim Marques, como o lugar correto para o banho corporal. O local propício
para a (possivelmente completa) nudez, do corpo a ser lavado. As ações do banho não
deveriam ser presenciadas por outros, muito menos, em se tratando de um homem, por
mulheres residentes nas proximidades.
Era um modo de pensar que se consagrava e se impunha, sobretudo na segunda
metade do século XIX, mas que não era geral entre os moradores. Para o jardineiro
Florentino, tomar o banho no quintal, mesmo que em trajes menores, após um dia de trabalho
era um procedimento costumeiro naturalizado por ele, provavelmente para diversos
habitantes de uma cidade na qual moradias compartilhavam quintais e poços, também o fosse.
Além disso, ele declara queprocurou atraz da casa um lugar mais reservado para tomar seo
banho”, d não entender a atitude do taberneiro.
549
Joaquim Marques, entretanto, parecia considerar natural que Florentino buscasse o
espaço do banheiro e o outro, supostamente mais reservado”, no quintal, o que
comprometeria o espaço familiar, de ampla circulação feminina, esfera do privado, uma vez
que para banhar-se ficaria despido total ou parcialmente.
550
Na verdade, é provável que se assim procedesse, o jardineiro comprometesse a outros
homens ali residentes, ou seja, ao desrespeitar às mulheres e famílias, Florentino estaria
afrontando aos pais e maridos em questão, a saber o taberneiro Joaquim Marques e o
senhorio. Ora, considerando o culo XIX como um período de consagração do lar, da família
em diversas sociedades ocidentais, o argumento do taberneiro parecia importante. Ressalto
também que Joaquim Marques desenvolvia suas atividades de comerciante em espaço anexo
ao de sua moradia e o senhorio também resida no mesmo prédio. De certo modo, os espaços
que eram consagrados naquele contexto às esferas do público e do privado, mesclavam-se em
determinados momentos, o que propiciava transtornos e enfrentamentos.
Nesse sentido, preservando a moral e o pudor, a água coletada na lata d’água e
transportada para o espaço banheiro, viabilizaria o banho decente, reservado a um espo
mais específico, delimitado. Decerto o banheiro referido por Joaquim Marques não continha
chuveiro ou torneira, logo, a água deveria ser coletada, derramada na lata e, desse modo,
levada ao banheiro. O líquido seria levado ao corpo por intermédio de outros objetos, talvez
cuias, ou latas menores, através de movimentos repetitivos de flexão.
549
Ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC,
2002. Pp. 37- 40.
550
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru, SP:
EDUSC, 2007.
284
O banheiro, mesmo de dimensões reduzidas, tornava possível a observação do corpo, a
aplicação do sabão e/ou sabonete, a limpeza das partes mais íntimas. As paredes do banheiro,
mesmo que construídas em madeira, resguardavam os corpos desnudos dos olhares
indiscretos e/ou descuidados. Usar uma lata com água para o banho serviria para contabilizar
o líquido e poupar esforço em relação à coleta e transporte da água até o banheiro.
De qualquer modo, o auto é referente ao exame de corpo de delito realizado em
Florentino e não adentra em outras questões como, por exemplo, a proibão de empoçar água
nos quintais, bem como os perigos de proliferação de doenças que tal atitude poderia gerar,
além das implicações legais resultantes da mesma, de conformidade com os debates acerca
dos cuidados com a higiene na época. De acordo com os registros do auto, parece que os
moradores estavam focados no motivo da agressão apontado pelo taberneiro. Não esboçam,
portanto, preocupões outras, com as disposições do código de posturas referentes ao
escoamento das águas, por exemplo.
O confronto entre os dois vizinhos não foi em absoluto o único dessa ordem. E nesse
sentido é importante observar que o século XIX estava aproximando-se de seu final. Logo,
a discussão em prol da preservação dos corpos em relação aos olhares estranhos, a questão do
pudor, do banho que se tornava momento de intimidade”, tão presentes para muitos que
viveram na Belém daqueles tempos, não se constituía contudo, numa generalidade para os
moradores daqueles tempos.
551
E ainda assim, entre 240 documentos constitutivos do banco de dados por mim
trabalhado e considerando as 383 moradias mencionadas, entre sobrados, casas assobradadas,
rocinhas, puchadase casas térreas, localizei referências a 12 banheiros. Ora, talvez numa
primeira impressão, certamente precipitada, tais números pudessem indicar uma certa
despreocupação dos moradores da cidade para com a limpeza pessoal, todavia podem apontar
também para a recorrência a outros modos de proceder a lavagem corporal, inclusive com os
recursos de banheiras, tinas, baldes, ou ainda, latas, conforme mencionado por Esmeraldo,
vizinho de Florentino e Joaquim, todos moradores do Largo da Memoria na Belém do século
XIX.
Á guisa de reforço com relação ao que acabei de referir, mesmo em moradias
consideradas de maior valor financeiro, posto que construídas em áreas avaliadas como de
valor imobiliário mais elevado dentro da cidade de Belém da época em questão, assim como
amplas em sua edificação, com muitos modos, assoalhadas e forradas, a construção de
551
VIGARELLO, Georges. O limpo e o Sujo: a higiene do corpo desde a Idade Média. Lisboa: Fragmentos,
1985. Pp. 171-3.
285
banheiros parecia não integrar a chamada normalidade do cotidiano dos moradores da capital
da província do Grão-Pará.
Além dos registros constantes em autos que acessei, em jornais do século XIX
observei anúncios de venda, aluguel e leilão de “casas” ou “prédios”, que contêm fortes
indícios de que os proprietários de prédios nos quais havia banheiro, tivessem-no construído
na parte final do imóvel, ou seja, nas proximidades do quintal, ou ainda na própria área deste,
isto é, fora do prédio propriamente dito ou, a certa distância dos demais compartimentos.
A respeito disso, observei que os anúncios aos quais me referi, apresentam os imóveis
a partir de uma sequência muito similar de disposição dos cômodos que o formam, ou seja,
em princípio sala, corredor, alcova, quartos, para finalizarem com a cozinha, banheiro e
quintal, no caso desses últimos, quando havia.
Em março de 1885, por exemplo, o jornal “A Provincia do Pará” anunciou a venda de
uma boa casa, com frente de azulejo, contendo sala de visita com 2 janellas, corredor,
alcova, sala de jantar, quartos na puchada, quintal amurado, banheiro, latrina etc, sita á rua
da Pedreira, entre as travessas da Gloria e do Principe”.
552
O mesmo jornal anunciou em março de 1886, o leilão de uma rocinha
contendo o prédio 5 janellas na frente, todo de azulejo, 2 salas, 2 alcovas
correspondentes, forradas e assoalhadas de acapú e pão amarello, grande sala de
jantar, 2 puchadas com 5 quartos, dispensa, cozinha, banheiro, latrina com
depósito fora, pateo no centro, fechado no fundo, poço de tijollos, com excellente
água, bomba, encanamento d’agua, muitas arvores fructiferas, jardim na frente
pelo lado meridional, etc., medindo 22 mts e 20 cm de largura , e 82 mts e 8 cm de
comprimento. O prédio, que é solidamente construído com alicerces e paredes de
pedras e tijollos, esta situado na rua da Cruz das Almas, pela pra de Pedro
II.
553
(grifos meus)
Do mesmo modo, em 1861, o jornal “Diario do Gram Pará” anunciou em outubro, a
venda de um quarto de caza por acabar, n. 222 no fim da rua das Flores, com 3 braças e ½
552
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno X, nº 2667, de 19/03/1885. P.1.
As travessas da Gloria e do Príncipe acima referidas foram posteriormente denominadas travessas Rui Barbosa e
Quintino Bocaiúva. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém;
CEJUP, 1992. P.63.
553
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “A Provincia do Pará”, anno XI, nº 2959, de 16/03/1886. P.1.
A rua da Cruz das Almas recebeu posteriormente a denominação de Arcipreste Manuel Teodoro e a praça de
Pedro II, atualmente é denominada Praça da República. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico
de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp.37 e 103, respectivamente..
286
de frente e 18 de fundos, a frente tecida de pedra com sala, corredor, duas alcovas, bom poço
e fructeiras”.
554
Em dezembro do mesmo ano, o “Diario...” anunciou a “venda de dous prédios sitos na
travessa da Gloria ns. 41 e 43, sahindo á estrada de S. Jeronimo, contendo cada um sala,
alcova, corredor, copiar e varanda, 3 quartos, dispensa, cosinha, e despejo, quintal e poço,
sendo tudo assoalhado, salas e alcovas forradas”.
555
Ou seja, em diferentes décadas do século XIX, as salas, alcovas e quartos eram
compartimentos de maior importância no interior das casas de morada, considerados
indispensáveis nas moradias em geral, edificadas na cidade de Belém, conforme expus no
capítulo anterior ao discutir ofícios da água, mais especificamente o trabalho de cozinheiras e
cozinheiros. Todavia, a medida que o culo XIX avançava, a cozinha e os banheiros e
latrinas adquiriram reconhecimento e importância enquanto partes dos interiores das casas, ou
seja, outros modos de ver e pensar e portanto, outras relações foram sendo construídas entre
os moradores e aqueles lugares de estar na moradia.
556
Em decorrência disso, também
difundia-se a importância do uso da água na limpeza desses lugares da residência, tal como
exorta Américo de Campos quando afirma
Nas cosinhas a limpeza deve ser extrema. As melhores mesas para as cosinhas
devem ser as de mármore; na falta, as mesas de madeira devem ser cobertas com
toalhas asseiadas. Durante os trabalhos culirios, as mezas deverão, além das
toalhas, ser forradas com folhas de papel, onde cahirão os restos das substancias que
servirão para os alimentos. Concluidos os trabalhos, todos os papeis são retirados,
embrulhados cuidadozamente, para que nada caia no chão do que sobre elle estiver,
e mettidos na lata sanitária.(...)
557
Os percursos da água poderiam ocorrer, portanto, tanto no sentido do adentrar a
moradia a partir das ruas, quanto no sentido inverso, ou seja, de evadir-se das casas de morada
554
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno VIII, nº 247, de 29/10/1861. P. 4.
A rua das Flores foi posteriormente denominada Lauro Sodré e depois Ó de Almeida. In: CRUZ, Ernesto. Ruas
de Belém: significado histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. P.37.
555
Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal: “Diario do Gram-Pará”, anno VIII, nº 285, de 14/12/1861. P.3.
A travessa da Gloria passou a ser chamada travessa Rui Barbosa e a estrada de São Jeronimo é denominada
hodiernamente como avenida Governador José Malcher. In: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado
histórico de suas denominações. Belém; CEJUP, 1992. Pp.63 e 80, respectivamente..
556
Ver GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As casas & as coisas: um estudo sobre vida material e
domesticidade nas moradias de Belém 1800-1850. Dissertação (mestrado). UFPA/PPHIST. Belém, 2006.
ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida dostica. IN: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
557
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves”/CENTUR. Biblioteca Pública do Estado do Pará Arthur
Vianna”, sessão de obras raras. CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora
Escolar, 1912. P. 155.
287
em direção aos lugares externos, tais como ruas, largos e praças. Tais percursos precisavam
contudo, da intermediação diversificada de inúmeros objetos.
Estes objetos eram recorrentes, provavelmente, na construção do cotidiano daqueles
que viveram em Belém durante um significante período de cem anos aproximadamente.
Muito possivelmente, tiveram aqueles objetos importâncias diversas para aqueles que os
possuíram e os conservaram, ao ponto de constarem nas listas inventariais que agora, no
século XXI, pude acessar.
Os diversos patamares de importância de alguns desses objetos vêm também à tona
através das declarações testamentais, nas quais os sujeitos enfocados expressaram seus
desejos finais enquanto viventes deste mundo e destinaram seus bens, fossem estes modestos
ou requintados segundo os padrões estabelecidos no interregno em questão, àqueles pelos
quais guardavam apreço ou consideração.
Entre os objetos da água relacionados à higiene no interior das moradias e
localizados na documentação pesquisada, aparecem tinas, bacias (de zinco, de cobre e de
arame), lavatórios, banheiras, baldes, cuias, torneiras e bombas, todos em materiais, formatos
e padrões decorativos diversos.
A água que passava pelos objetos acima mencionados era usada para o asseio em
geral: dos interiores da moradia, de objetos contidos na mesma, dos corpos dos moradores,
dos objetos de uso pessoal dos mesmos, como roupas, por exemplo.
Existe a possibilidade de que a água recorrente para o processamento da higiene geral
não fosse necessariamente considerada potável, ou seja, é possível que os moradores
estabelecessem diferenças entre a água utilizada para beber e as águas usadas para a limpeza
em geral.
Vários eram, portanto, os usos atribuídos a ela pelos habitantes da cidade.
Possivelmente então, a água considerada potável freqüentava objetos que poderiam
diferenciar-se daqueles que recepcionavam as águas dos banhos e asseios, conforme discuti a
algumas páginas atrás.
De qualquer modo, enformadas nos vários objetos daqueles moradores, as águas
percorreram os interiores das casas de morada e foram certamente testemunhas de momentos
de júbilo ou desprazer, serenidade ou inquietação.
288
CONSIDERAÇÕES FINAIS
289
Tanto geogràfica quanto històricamente, a cidade floresceu em função da
água. “Flor das águas” eis uma antonomásia que se ajustaria muito bem à capital
paraense, tal a significação do elemento hídrico na sua vida.
558
Eidorfe Moreira
No processo de construção dessa tese, preocupou-me reiterar que a constituição da
cidade de Belém ao longo dos oitocentos, guardou uma relação muito profunda com as águas.
Nesse sentido relembro que a história da fundação daquela que foi chamada “Cidade do
Pará”, esteve intimamente relacionada com a edificação doForte do Presépio” localizado na
confluência da baía do Guaja com o rio Guamá, e irremediavelmente conectada com a
abundância de rios em suas proximidades e com a existência de igarapés, alagadiços e
pântanos nos interiores da mesma.
Nessa perspectiva, procurei sustentar primordialmente que a construção de Belém é
também a história da “conquista” das águas, a qual, implementada pelos moradores da cidade,
bem como por aqueles que a visitavam regularmente ou não, implicou em conhecer e
organizar diversamente, as muitas águas presentes desde a constituição de saberes sobre a
localização das águas ao longo do espaço da cidade, até às opções relativas ao uso e controle
delas. Além disso, impôs-se também a luta pela obtenção de água potável, uma vez que os
moradores acumularam saberes acerca do que caracterizaria tal água.
Desse modo, solidarizo-me com as palavras do estudioso Eidorfe Moreira, referido na
epígrafe. Na expansão da cidade de Belém, as águas se constituíram em fundamental
elemento dinamizador e a capital do Pará “floresceu em função das águas”. Basta relembrar a
questão do dessecamento do Piri, opção considerada mais acertada por dirigentes da época,
para conquistar-se a grande área submetida pelas águas e que demandou anos de estudos,
discussões em torno das propostas sobre a permanência ou não daquele pântano”, além do
envolvimento direto dos moradores com os elementos naturais nele contidos água, terra,
fauna e flora.
A documentação pesquisada apresenta interesses e necessidades gerais e específicas
dos moradores em relação às águas. Indistintamente, por exemplo, os habitantes adentraram
as águas dos rios e percorreram longos caminhos de águas, recorrendo às embarcações de
diferentes tipos, muitas delas de pequeno porte, movidas a remos, já que a maioria dos
moradores não dispunha de recursos para munir-se de embarcações de grande porte.
558
MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. In: Obras reunidas de Eidorfe Moreira. Belém:
Cejup, 1989 v.I. P. 66.
290
Moradores de Belém também demandaram esforços pela obtenção da água para o
consumo pessoal e doméstico, uma vez que este era um líquido indispensável para as lavagens
de objetos e confecção de alimentos, todavia, à semelhança do que ocorreu em várias outras
cidades do Brasil, as diferenciações e diversidades que marcavam o conjunto dos habitantes,
foram importantes para balizar modos de lidar com as águas, tanto aquelas que se localizavam
nos arredores e espaços da cidade, quanto as que eram levadas para os interiores de casas de
moradia e pdios em geral.
Busquei identificar especificidades, considerando a variada documentação pesquisada,
entretanto, deparei-me com dois problemas, primeiramente o fato de que esta não fora
suficiente para estabelecer demarcações mais precisas acerca das origens dos moradores, de
suas motivações para viver na cidade de Belém, as condições econômicas dos mesmos e, por
conseguinte, seus modos de pensar a relação com a água, principalmente numa cidade
afetada por chuvas frequentes, cercada e repleta desse líquido. O outro problema refere-se ao
tempo demandado para o prosseguimento da pesquisa, o que pode nortear outras proposições
para estudos históricos vindouros acerca das relações dos moradores de Belém do Pará com as
aguas.
Nesse processo investigativo optei por observar como nortes teóricos e metodológicos
as discussões relativas à história, natureza e vida material. Desse modo organizei a tese em
duas partes, conforme o prezado leitor pôde observar, sendo a primeira voltada mais
especialmente para as reflexões acerca das ideias sobre natureza e, mais especificamente,
acerca de agua. E a segunda parte, integrada às relações dos moradores com objetos
importantes, alguns até essenciais, nos modos de lidar com a água.
A respeito disso, lembro que não pretendi estabelecer uma divisão rígida entre as duas
partes do texto, busquei discutir mais detidamente os assuntos que emergiram do estudo da
documentação, mediante uma disposição dos mesmos em conexão com temas mais gerais.
Devido a isso, mesmo na primeira parte da tese, avaliei que fosse necessário construir
discussões sobre a vida material dos moradores de Belém, considerando as relações destes
com as águas.
A princípio, meu propósito era estudar principalmente, as relações dos moradores da
cidade de Belém do Pará com as águas consideradas adequadas para uso doméstico, durante o
século XIX, ou seja, as águas potáveis. Nesse sentido, busquei investigar os usos dos poços, a
recorrência aos aguadeiros bem como aos objetos de coleta e acondicionamento da água,
referidos na documentação pesquisada (relatórios de dirigentes, inventários e testamentos,
jornais, entre outros). O processo de construção da tese apontou para a necessidade de
291
investigar também, as relações dos moradores com as águas do entorno da cidade, bem como
com as águas presentes nos interiores da mesma, identificando os objetos que se constituíram
em essencialidades na lida com as águas e a consequente expansão da cidade ao longo dos
oitocentos.
Nesse ponto volto a ressaltar que entre o início do século XIX e o início do XX, os
habitantes de Belém conviveram com os conflitos sociais importantes, entre os quais a luta
social cabana nos anos trinta e com as administrações provinciais afinadas com o poder
central e implementadoras da repressão aos que eram considerados rebeldes; com epidemias
diversas, tais como a varíola, a cólera, a febre amarela; e ainda, com a expansão da economia
extrativa da borracha, na segunda metade do século XIX. Também nos oitocentos, os
moradores da cidade de Belém vivenciaram a escravidão, além de conviverem com as
questões pertinentes às migrações e ao trabalho.
Conforme refiro anteriormente, Belém era uma cidade de migrantes. Na tese, não fiz a
opção pela análise mais detida da relação dessa questão com os usos da água, o que pode ser
considerado uma limitação da mesma, contudo, procurei indicar que ao longo do século XIX,
a cidade revelou crescimento populacional, a despeito das perdas havidas por conta das lutas
políticas travadas e recidivas de doenças.
A diversidade populacional implicou indelevelmente na heterogeneidade de
sensibilidades em relação às águas, ou seja, o conjunto de habitantes em Belém não era
monolítico, apresentava práticas culturais variadas e que corroboravam para sentimentos
também diversos em relação às águas, tais como respeito, temor, aversão e alívio.
Indígenas e mestiços destes, por exemplo, estavam costumeiramente envolvidos com
as atividades nos rios remavam com habilidade e por conhecerem os caminhos guiavam os
viajantes. Vários dentre eles garantiram o sustento trabalhando nos rios e nos trapiches da
cidade, mantendo grande proximidade com as águas. Aos olhos de outros moradores, repletos
de estranhamento ante a sensibilidade de indígenas e mestiços destes em relação às águas,
seus saberes eram úteis diante da abundância de águas no entorno da cidade e da necessidade
de deslocamento.
559
559
Também Manuela Carneiro da Cunha aponta para esta dinamicidade, ao observar que “a cultura não é algo
dado, posto, algo dilapidável também, mas algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos
significados (…)” e, ainda, que “o significado de um signo não é intrínseco, mas função do discurso em que se
encontra inserido e de sua estrutura”’. CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil. Mito, História,
Etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 101. Apud FLECK, Eliane Cristina. Sentir, Adoecer e Morrer
Sensibilidade e Devoção no Discurso Missionário Jesuítico do Século XVII. Tese (doutorado). Porto Alegre:
PUC/IFCH, 1999. Disponivel em www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp000268.pdf. Acesso em 29
out. 2009.
292
Por outro lado, deu-se a constituição de toda uma construção textual legislação,
formação escolar, jornais, festividades e celebrações religiosas - afinada com a elaboração de
outra sensibilidade, considerada adequada para uma cidade que crescia, que se pretendia
civilizada e portanto, em consonancia com modelos pensados como apropriados. Ou seja,
tratava-se de estabelecer sobre as águas o devido controle, ampliar a autoridade do homem
sobre a natureza, possibilitando o progresso, a evolução, sinônimos do que era pensado como
melhoria para a cidade.
Em torno dessa discussão, relembro o discurso de 1838 do presidente provincial
Soares D’Andrea, o qual referi ao longo da tese, e que afirmava que A Provincia do Pa
dispunha de vantagem sobre as outras do Império, de poder realizar quase todas as suas
communicações por água (...)”. Para tanto, o dirigente defendia que a província deveria
empregar a mão-de-obra considerada ociosa em obras públicas necessárias para encurtar as
distâncias.
Tal modo de pensar não era exclusivo de Soares D’Andrea, tratava-se de uma
concepção política, uma forma de lidar com os que eram considerados rebeldes, observada em
muitas outras cidades e períodos do Brasil no decorrer do século XIX. Assim sendo, uma
espécie de classe pensada como subalterna, constituída de diversos grupos, que poderiam ser
escravizados, libertos e/ou livres seria recorrente no processo de melhoramento das condições
de uma província que acabara de vivenciar o confronto cabano. Saliento que, com o avançar
do século XIX, esse entendimento acerca dos lugares dos sujeitos históricos viventes em
Belém no mundo do trabalho, permaneceu em vigor.
Esclareço, contudo, que tive dificuldades em lidar com a categoria classe”, uma vez
que a pesquisa limitou minhas expectativas em relação a uma melhor apreciação das posturas
dos sujeitos identificados na pesquisa, como sendo de uma determinada “classe”. O que estou
tentando esclarecer é que acredito que fosse necessária uma pesquisa mais ampliada para
estabelecer um certo mapeamento acerca das posturas de grupos e/ou classes sociais em
relação à lida com as águas.
Todavia, convém relembrar que de um modo geral, inclusive para alguns moradores
escravizados, as atividades consideradas próprias de sujeitos com este estatuto jurídico eram
consideradas degradantes, o que não me possibilita afirmar que assim o fosse para outros,
igualmente escravizados. Esse modo de pensar foi uma construção efetivada ao longo da
hisria do Brasil, conforme indicam outros estudos.
O crescimento populacional tornou-se expressivo a partir da segunda metade do século
XIX, em consonância com a expansão da economia da borracha. Tal crescimento continuou a
293
ostentar como marca indiscutível, a diversificação. Conforme tenho registrado, Belém contou
com expressiva quantidade de moradores migrantes, oriundos do Ceará, por exemplo, muitos
dos quais partiam de sua terra de origem em busca de melhorias, advindas do trabalho
prometido nas terras os seringais. Muitos acabaram por fixar moradia em Belém, engajando-
se no mercado de trabalho “desqualificado”, como por exemplo, aqueles que se relacionavam
ao controle e organização das águas - reparos e construção de pontes, limpeza de valas, calhas
e ruas, a coleta de água em poços e posteriormente, em torneiras públicas. A lavagem de
roupas e o emprego entre a criadagem de casas de morada.
A lavagem de roupa, por exemplo, foi cada vez mais impelida para os interiores das
moradias, de tal modo que as roupas fossem lavadas nos quintais, distante, portanto, dos
espaços mais propriamente públicos, tais como as praças. Nos anos oitenta, a partir do
fechamento dos poços públicos, a “lavagem pública da roupa” ficou cada vez mais
comprometida, além das proibições previstas para a prática da mesma. Convém lembrar
também que, após a lavagem, as roupas eram expostas ao sol, o que também acontecia em
locais públicos, incomodava alguns moradores que supostamente manifestavam-se através
dos jornais, por exemplo, transgredindo o código de posturas.
Não obstante o desprezo de inúmeros moradores para com diversos trabalhos
relacionados diretamente às águas, eles precisavam ser realizados e era justamente entre os
habitadores denominados genericamente de pobres”, que era recrutada a mão-de-obra
empregada naquelas atividades. Aliás, em autos crimes não é raro encontrar-se registros de
falas referentes ao valor do trabalho, mesmo sendo o trabalho considerado simples ou
humilde, uma vez que era importante prover o sustento honestamente e não ser enquadrado
como vadio.
560
Na verdade, a historia da cidade foi marcada por transgressões e conflitos, inclusive
nos modos de lidar com as águas. Haja vista, as divergências entre o poder público e os
aguadeiros, por exemplo, as imposições posturais às lavadeiras e ao costume dos banhos em
lugares considerados públicos. Entretanto, nos oitocentos, as vidas dos moradores de Belém
560
APEP. Fundo: segurança pública. Secretaria de Policia da Província. Chefatura de Policia.. Autos crimes
sobre o termo de bem viver exigido por Jacyntho Ignacio Monteiro Arantes, a parda livre Jesuína Maria da
Conceição. Ano de 1880. “Segundo o relato de Jacyntho, Jesuína era uma mulher de vida dissoluta e immoral
dada quotidianamente a embriaguez e assim, com gestos e palavras offende não a vizinhança como
diretamente a família do queixoso. Várias testemunhas neste processo depuseram que realmente Jesuína era
‘dada a embriaguez’, todavia era trabalhadeira’ e não vadia’, ou seja, ‘vivia constantemente a trabalhar’ com
‘panellas n’a cabeça’ fazendo vendas pelas ruas. Ou seja, o trabalho seria, conforme enfocarei mais adiante, um
atenuante importante para Jesuína, afinal, embora criasse constrangimentos através de impropérios que
pronunciava eventualmente, era capaz de produzir e vender regularmente”. Apud ALMEIDA, Conceição M. R.
de. O termo insultuoso: ofensas verbais, história e sensibilidades na Belém do Grão Pará (1850-1900).
Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/CFCH/PPHIST, 2006. P. 57.
294
também foram marcadas pelas celebrações, festas, momentos de congraçamento que
preencheram as existências dos moradores.
O noticiário jornalístico, a palavra escrita de dirigentes provinciais, as produções
literárias, estão prenhes de refencias às inúmeras celebrações realizadas na cidade. Em meio
a elas, os habitantes indistintamente traçaram suas relações com as águas. Não foram poucos,
por exemplo, os que jogaram o entrudo ou que compareceram às celebrações religiosas em
meio às águas das chuvas invernosas, ou à lama acumulada nos diversos logradouros. Em
jornais e cnicas constam hisrias de moradores que submetiam-se à lama e empoçamentos
para participar da festividade de Nossa Senhora de Nazaré, durante o mês de outubro.
Nesse sentido não seria inadequado afirmar que havia várias Beléns”, nas quais
moradores marcados por similaridades e também por profundas diferenciações conviveram e
construíram um cotidiano do qual a relação com as águas foi um elemento constante. Entendo
contudo, que no tocante a tais relações, predominaram as semelhanças de sensibilidade, no
sentido de que naturalizavam-se ideias de que morar bem significava ter sua moradia em local
não alagadiço, por exemplo, ou ainda, livre dos lamaçais e que aqueles que assim não
pensassem deveriam ser educados para fazê-lo, em nome do progresso, da viria de um
modo civilizado de conviver com as águas. Nesse sentido, a adesão a tal modo de pensar
deveria ser geral, de tal maneira que mesmo os ditos pobres e/ou iletrados o incorporassem
em seu dia-a-dia”.
Da mesma forma também era necessário observar cuidados quanto ao
acondicionamento da água potável nos interiores das moradias, fosse em potes, bilhas ou
filtros, os quais deveriam permanecer devidamente limpos, asseados. Ou seja, lidar com a
água deveria implicar na incorporação de hábitos de higiene, reproduzidos em regular
frequência tanto nos interiores das moradias quanto nos ditos espos públicos da cidade.
Com o avançar dos oitocentos, em relação ao controle das águas, houve o predomínio
do discurso civilizador. Essa preponderância fluiu de uma construção realizada a longo prazo,
fixou-se além do século XIX e materializou-se por intermédio das obras levadas a efeito, bem
como da legislação aprovada.
Nesse ponto, ressalto que de um modo geral, os moradores da cidade buscaram
desenvolver modos de controlar as águas, ou seja, de conhecê-las, percorrê-las, apropriar-se
delas levando-as consigo para os interiores de suas casas e prédios em geral. Ou seja, no
processo de submissão das águas a culminância seria o fluir desse líquido para o interior de
moradias e prédios em geral. Uma vez constante dos interiores, aquela seria uma água
privada, à qual recorreriam, sempre que desejassem os moradores.
295
Mas as águas servidas assim como as pluviais também foram objeto de preocupação
de dirigentes locais. Engenheiros foram envolvidos em cálculos para estudos sobre o
nivelamento e escoamento das águas da cidade praticamente plana e cheia de baixos terrenos
e igapós. Médicos manifestaram-se, inclusive através de jornais, sobre a necessidade de dar
esgotamento às águas paradas. Os alertas e discursos repetiam-se, em função de dar combate
aos sentimentos de indiferença que pudessem corroborar para a permanência das águas
estagnadas e conseqüentes males que elas proliferariam, acreditavam.
Ao longo dos oitocentos a mobilização dos moradores para o combate às águas
paradas obedeceu a uma hierarquia de certo modo conhecida - desde engenheiros,
responsáveis pela elaboração e fiscalização das obras de esgotos, aos chamados operários”,
trabalhadores diretos nas obras de escoamento. Tratava-se de dar continuidade ao processo de
controle e organização das águas, desta feita, promovendo o esgotamento de modo a secar a
cidade e ocultar de olhos e olfatos educados, as “águas más”.
No decorrer dos oitocentos, o princípio do saneamento foi intensamente discutido
pelos dirigentes, sobretudo com o eclodir das epidemias e o crescente número de mortos. A
luta contra as águas pútridas das valas, a lama, as águas dos pântanos, dos terrenos baixos, das
áreas de igapós e também dos quintais foi amplamente intensificada.
O empenho propalado pelas autoridades dirigentes nem sempre encontrava, conforme
expus no decorrer da tese e discutido em outros estudos, o eco esperado nos moradores da
cidade, advindo daí a insisncia dos grupos de estudiosos e dirigentes. Tratava-se, portanto,
de naturalizar a ideia de consolidação de vitoria da salubridade em Belém, procurando
aproxima-la, de certo modo, das cidades cujas mudanças alavancaram-nas nos degraus da
evolução. Nesse sentido, as cidades exemplares ou evoluidas estariam no ocidente europeu e
partes restritas da América.
A ideia de evolução de superação dos costumes considerados inferiores, contaminou
indistinta e lentamente moradores de diferentes camadas sociais da cidade. Foi um processo
lento, que adentrou pelo culo XX, mas que recebeu atenção de dirigentes de plantão para
proliferar-se entre distintas camadas sociais, através das escolas, da palavra escrita em livros e
jornais, das leis implementadas em códigos posturais. A insistência era necessária, posto que
se encontrava em pauta, a promoção de mudanças nos modos de pensar e sentir, ou mais
especificamente, nos modos de pensar as relações com as águas e com a cidade de Belém e,
mais especificamente, com as moradias. Nessa perspectiva, o sentimento de apreço pela
cidade, local da moradia, englobava também o sentido de desejá-la limpa, livre de águas
296
tridas, com valas e canais funcionando a contento, com canos de esgoto desenvolvendo
suas funções e calçamentos alinhados.
A movimentação das águas deveria ser regular, mediante os princípios reguladores do
progresso, ou seja, a estagnação a nada de proveitoso levava, então as águas deveriam ser
devidamente esgotadas em todos os espaços da cidade, como também nos interiores
domésticos. Por conta desse modo de pensar, o deslocamento das águas também era pensado
como necessário para os interiores de valas e canos de esgotos. Em outras palavras, a cidade
continha água em abundância, era importante organizar tanto a entrada quanto a saída da
mesma tanto nos espaços ditos públicos, como também dos interiores das casas de morada.
Afinal, a expansão da cidade refletiu também o surgimento de moradias, muitas em
condições precárias, conforme registram os jornais ao descreveram os cortiços, por exemplo,
e conjuntamente os quintais cheios de água estagnada e lama, bem como o mal cheiro reinante
contaminando o ar e comprometendo a saúde dos habitantes que, desprovidos de recursos,
precisavam submeter-se a tantas agruras.
Finalmente, mais uma vez advirto que no decorrer da pesquisa não emergiram, de
modo explícito, os sentimentos da grande maioria dos habitantes em relação às expectativas
“evolucionistas de grupos afinados com tal modo de pensar. Todavia, entendo que a
repetição dos escritos, inclusive das leis, relativos à necessidade de saneamento, de cultivo
dos hábitos de limpeza, tanto corporal quanto da moradia e dos logradouros, tendem a refletir
as permanências de costumes adversos às “leis de progresso e evolução” abordadas por
determinados grupos militantes das mesmas.
Importante reforçar também que no processo de canalização da água para os interiores
das moradias, foi importante o estabelecimento da Companhia de Águas, no início dos anos
oitenta dos oitocentos. Embora a maioria dos moradores da cidade tenha ficado excluída da
canalização da água potável, os dirigentes da companhia e da cidade de Belém, anunciavam a
expansão desse processo, o que significava o aprofundamento da invisibilidade da água, assim
como a intensificação do processo de domesticação da mesma.
Outrossim, o movimento daqueles moradores que iam e vinham em busca da água que
acondicionariam nas moradias, deveria declinar e ser substituídos por outros, que ocorreriam
cada vez mais nos interiores das casas. Mas, tal mudança demandou alguns anos, pois a
companhia estabeleceu torneiras em vários pontos da cidade, além do que, havia queixas
quanto ao funcionamento regular das mesmas.
É possível então, que a maioria dos moradores de Belém não se ressentisse da
ausência da água encanada em suas moradias, sobretudo nos primeiros anos de atuação da
297
companhia. Nesse ponto convém relembrar o trabalho dos aguadeiros, a persisncia dos
poços, senão os públicos, fechados nos anos noventa do século XIX, os particulares,
solidarizados por alguns, bem como a possibilidade da obtenção da água em rios e igarapés e
pântanos, encontrados na cidade. Permanências e transformações, coexistindo no processo de
controle das águas em Belém.
A respeito disso, é fato que os moradores precisaram arcar com custos relativos à
canalização em suas moradias. Muito possivelmente, tal imposição retardou o processo nos
interiores de muitas moradas, o que contribuiu para a persistência da mobilização de alguns
moradores pelos logradouros da cidade, em busca da obtenção da água. Acerca dessa questão,
é importante lembrar que o dia-a-dia das moradias implicava em afazeres relacionados aos
usos da água. Em decorrência disso, destaquei alguns ofícios, que denominei “da água”, que
guardavam íntima relação com as casas de morada, e o raramente, com os espaços das ruas,
travessas e praças o de aguadeiro, lavadeira e cozinheira (o).
Ao discutir questões relativas aos ofícios da água referi vários objetos usados pelos
trabalhadores. Pipas, potes, bacias, canecos, baldes, tinas, panelas, calderões, chaleiras e
bules, cuias, pratos fundos e copos, são apenas alguns dentre outros tantos, que foram
incorporados cotidianamente pelos moradores de Belém. Os ditos objetos, porém, tiveram
significados diversos para aqueles que recorreram a eles. Tais significados estiveram
conectados ao contexto também diverso do século XIX, ao longo do qual os moradores
conviveram com conflitos sociais intensos, inúmeras enfermidades, mortes, atividade
comercial expressiva, crescimento populacional, efetivação de obras públicas ligadas às
transformações da cidade e as importantes celebrações religiosas, como as festividades do
Espirito Santo, da Trindade e a de Nossa Senhora de Nazaré, todas com prociso, realização
de missas e comemoração ao longo de dias.
561
Conforme tenho repetido, as relações com as águas, de algum modo estiveram
presentes guardando importâncias variadas naqueles momentos. Afinal a água, conforme
escreveu Daniel Roche em relação à França da Idade Média à era industrial”, intervinha
em primeiro lugar na formação das cidades e na construção dos seus espaços. Ela impunha
561
ALMEIDA, Conceição M. R. de. O termo insultuoso: ofensas verbais, história e sensibilidades na Belém do
Grão Pará (1850-1900). Dissertação (mestrado). Belém: UFPA/CFCH/PPHIST, 2006. Pp. 28-9.
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000. P. 188. Em relação à força simbólica da água”, o autor registrou que a água
acompanhou a vida dos homens nas sociedades pré-industriais e tradicionais, do nascimento até a morte, do
batismo aos rituais funerários; (...). A Igreja, por suas liturgias, conferia à água um lugar importante, e nisso
também ela encontrava um terreno propício para invadir as “superstições” dos povos e controlá-los. (...) A
água modelava o imaginario coletivo associando o pensamento científico, a invenção dos poetas e a dos
artistas.
298
equipamentos e toda uma maquinaria cuja complexidade aumentava e, com ela, as despesas
urbanas.”
562
Em Belém, observando as especificidades, o processo de organização das águas
não foi tão diferente.
***
Florescida entre as águas, geográfica e historicamente”, conforme anotou Eidorfe
Moreira, a capital do Pará foi expandida sobre e entre elas. Muitos eram os caminhos de águas
e muitas, as águas dos caminhos. Indispensável a todos os moradores da cidade, foram as
águas submetidas a princípios de ordenação.
563
Obtida nos poços e fontes, acondicionada em potes e pipas, a água considerada potável
adentrou moradias e foi ocultada em bilhas e filtros. A principio pelas mãos dos habitantes,
até que por intermédio de canos e torneiras, ganhou a invisibilidade considerada adequada ao
“inexorável” progresso e invisivelmente era esgotada. Todavia o processo em questão não
fluiu igualmente para todos os moradores, e mesmo no decorrer do século XX e princípios do
XXI, inúmeros são os habitantes de Belém, atingidos pela carência de água e às voltas com a
abertura de poços e usos de baldes, latas, bacias, potes e bilhas.
Sempre entrelaçada às relações construídas com as águas, Belém prosseguiu seu
crescimento ao longo do século XX. Devido a isso, este não pode ser pensado como um
estudo concluído, pois é possível estabelecer outros diálogos a partir das relações construídas
entre os habitadores e as águas em Belém e no Pará.
562
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000. P. 186.
563
MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. In: Obras reunidas de Eidorfe Moreira. Belém:
Cejup, 1989.
299
FONTES
1) Manuscritas:
CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA / UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA.
AUTOS CIVEIS DE TESTAMENTO
Autos de testamento nuncupativo para reducção a publica forma em que são testadora D.
Maria de Nazareth Paes Ferreira e requerente, João Maria de Lima Rodrigues. Ano de 1905.
AUTOS CÍVEIS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE TESTAMENTOS
Auto de Prestação de Contas do Testamento da finada Dona Josefa Joaquina de Souza. Ano
de 1854.
Autos de Contas do Cumprimento do Testamento do finado Gregório Ferreira da Costa. O
testamento é de 10/04/1850.
AUTOS CIVEIS DE INVENTARIOS
Auttos Cíveis de Inventários a que se procedeo por fallecimento de Lizarda Maria da
Purificação. Datado de 09/03/1810.
Auttos Cíveis de Inventários a que se procedeo por fallecimento de João da Costa Machado.
Datado de 30/05/1811.
Auto de Inventário dos bens do Reverendissimo Conego Felis Jose Ramos. Ano de 1823.
Auto de Inventário dos Bens do cazal de Anacleto Raimundo Alves da Cunha. Ano de 1822.
Auttos cíveis de Inventários dos bens da falecida Donna Maria Victoria do Nascimento.
Datado de 22/05/1837.
Auto Civeis de Inventário em que o inventariados Antonio Coutinho de Miranda e Anna
Francisca Maciel Coutinho e inventariante Francisca Maria Ferreira Coutinho. Anno de 1837.
Auto Civeis de Inventário dos bens do major José Candido Ferras. Datado de 25/02/1838.
Autos Cíveis de Inventários dos bens deixados por Manoel Joaquim Guedes. Datado de
09/11/1871.
Autos Civeis de Inventarios de Donna Victoria Maria Pestana Juízo de Direito da Segunda
Vara da Provedoria de Capellas e Resíduos da Capital do Pará. Ano de 1876.
Autos Civeis de Inventarios de Antonio Joaquim de Sousa Martins Juízo de Direito da
Segunda Vara da Provedoria de Capellas e Resíduos da Capital do Pará Ano de 1881.
Auttos Cíveis de Inventários dos bens de João de Castro Freitas. Datado de 26/08/1881.
Autos de Inventários dos bens que ficaram por fallecimento de José Pereira da Silva.
Autos cíveis de inventário de João de Castro Freitas. Ano de 26/08/1881.
Autos de Inventários dos bens do Cazal de Joaquim Ribeiro de Sousa Pacheco e sua mulher
Donna Jozefa Maria Calandrini. Cartório Odom Gomes. Ano de 1820.
Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado Manoel Joaquim de Faria Maciel. Datado de
19/11/1810.
Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado Jo Antonio Nunes. Datado de 05/05/1823.
Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado Joaquim Maria Franco. Datado de 17/12/1838.
300
Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é inventariada Verissima Maria do Couto e
inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Ano de 1875.
Autos cíveis de Inventários em que é inventariado Caetano Publio da Cunha Braga e
inventariante Filippe José de Lima. Datado de 01/02/1876.
Autos de testamento nuncupativo para reducção a publica forma em que o testadora Dona
Maria de Nazareth Paes Ferreira e requerente: João Maria de Lima Rodrigues. Datado de
29/09/1905.
Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado Jo Antonio Nunes. Datado de 05/05/1823.
Autos Cíveis de Inventario a que se procedeo por fallecimento de Jozé Lopes da Fonseca.
Datado de 07/07/1810.
Traslado dos Autos de Inventário dos Bens do casal de Francisco José da Costa, por
fallecimento de sua mulher donna Maria Victoria dos Santos, os quaes por appellação sobem
do Superior Tribunal da Rellação da Cidade de São Luis do Maranhão. Datado de 16/02/1848.
Authos Cíveis de Inventario e Partilhas Amigáveis que entre si fizeram a viúva e herdeiros do
finado Antonio Jozé Machado. Datado de 22/04/1851.
Autos Cíveis de Inventário dos bens do finado Joaquim Maria Franco. Datado de 17/12/1838.
Autos veis de Inventários de Donna Theresa de Assumpção Madureira Pantoja. Ano de
1875.
Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é inventariada Verissima Maria do Couto e
inventariante Antonio Rodrigues de Lima. Ano de 1875.
Pesquisei e trabalhei mais detidamente com um conjunto de 300 autos cíveis de inventários,
testamentos e prestação de contas de testamentaria. Disponho aqui, os que são referidos no
decorrer da tese.
Série: desapropriação.
Processo de desapropriação em que é requerente o Governo do Estado do Pae requerida a
Companhia das Aguas do Gram Pará. Datado de 25/03/1895
AUTOS CRIMES
Fundo: Tribunal de Justiça do Estado/PA. Juizo Municipal
Autos crimes de defloramento de Guilhermina Guedes dos Santos, em que é réo João Paulo
Alves do Nascimento. Ano de 1899
Summarissimo pelo crime de injurias verbaes em que é autor Francisco Valente Loureiro e
réo José Vieira Alvarenga. Juízo Municipal. Ano de 1873.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
Fundo: Secretaria da Presidência da Província
Série: Requerimentos.
Série: Ofícios diversos
Série: Ofícios da Repartição de Obras Públicas.
Série: Ofícios do Colégio Nossa Senhora do Amparo.
Documentação relativa principalmente à segunda metade do século XIX.
301
Fundo: Secretaria de Polícia da Província
Série: Abaixo-Assinados
Fundo: segurança pública.
Série: ocorrências policiais. Ano: 1905.
Autos Crimes
Autos crimes de exame de corpo de delito procedido em Florentino da Conceição Nogueira.
Ano de 1895.
Autos crimes sobre o termo de bem viver exigido por Jacyntho Ignacio Monteiro Arantes, a
parda livre Jesuína Maria da Conceição. Ano de 1880.
Autos crimes de assignação de termo de bem viver em que é queixosa Augusta Campello e
querellada Olímpia da Costa Brasil. Ano de 1896.
Auto de Perguntas feitas a Severiana Thereza da Fonseca. Ano de 1882.
AUTOS CIVEIS DE INVENTARIOS
Fundo: Juízo de Órfãos e Ausentes da Capital
Autos de Inventários e Partilhas dos bens que ficaram por fallecimento de Jo Pereira
Rebello Braga. Ano de 1848.
Autos Cíveis de Inventário e Partilhas em que é inventariado Jesuíno Ribeiro da Silva e
inventariante Donna Maria Lobo da Silva. Datado de 01/05/1880.
Autos Cíveis de Inventários de Manoel Pinto Marques. Juízo de Orphãos. Datado de
22/10/1890.
2) Impressas:
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
Colleão das Leis da Provincia do Gram-Pará:
“Código de Posturas Municipaes” de 1848. In: Collecção das Leis da Provincia do Gram-
Pará. Tomo X. 1848;
“Código de Posturas para a Câmara Municipal de Belém”. In: Colleção das Leis da Província
do Gram Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Impresso na Typographia do Diario de Noticias.
1880-1881.
BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ “ARTHUR VIANNA”
SEÇÃO DE MICROFILMAGEM
Almanak Paraense de Administração, Comércio, Industria e EstatisticaPrimeiro Anno:
1883. Para: Typ. de Assis e Lemos.
Jornais:
O Paraense, nº 2 de 25/05/1822;
Treze de Maio, 2trim., 503, de 03/05/1845; Treze de Maio, 24º trimestre, nº 583, e
25/02/1846; Treze de Maio, 809, de 10/06/1848; Treze de Maio, 14º anno, 255, de
19/11/1853; Treze de Maio, 14º anno, 265, de 13/12/1853; Treze de Maio, 15º anno, nº
418, de 05/12/1854; Treze de Maio, 14º anno, nº 322, de 25/04/1854;
302
A Epocha, anno II, 42, de 22/02/1859; A Epocha, anno II, 58, de 14/03/1859; A
Epocha, anno II, 135, de 18/06/1859; A Epocha, anno II, 134, de 17/06/1859; A
Epocha, anno II, nº 198, de 05/09/1859;
Diario de Belém, anno I, nº 36, de 19/09/1868; Diario de Belém, anno I, nº 22, de 30/08/1868;
Diario de Belém, anno IV, nº 26, de 01/02/1871; Diário de Belém, anno IV, nº 36, de
14/02/1871; Diário de Belém, anno IV, nº 37, de 15/02/1871; Diario de Belém, anno XIV,
94, de 29/04/1881;
Diario do Gram-Pará, anno V, n° 289, de 11/12/1857; Diário do Gram-Pará”, anno VII, nº 14,
16/01/1860; Diário do Gram-Pará, anno VII, de 26/3/1860; Diario do Gram-Pará, anno VII,
37, de 19/04/1860; Diario do Gram-Pará, anno VIII, nº 98, de 11/05/1861; Diario do Gram-
Pará, anno VIII, nº 205, de 10/09/1861; Diario do Gram-Pará, anno VIII, 221, de
02/10/1861; Diario do Gram-Pará, anno VIII, nº 285, de 14/12/1861; Diário do Gram-Pará,
anno 34, nº 221, de 01/10/1885; Diario do Gram-Pará, anno 34, nº 287, de 12/11/1885; Diario
do Gram-Para, anno 34, 249, de 03/11/1885; Diario do Gram-Para, anno 35, nº 54, de
09/03/1886;
Diario do Comercio, anno V, nº 157, de 21/06/1859;
A Provincia do Para, anno I, nº 18, de 19/04/1876; A Província do Pará, anno X, 2627, de
29/01/1885; A Provincia do Pará, anno X, 2667, de 19/03/1885; A Província do Pará, anno
X, n°.2698, de 29/04/1885; A Província do Pará, anno X, nº 2699, de 30/04/1885; A Provincia
do Pará, anno X, nº 2703, de 05/05/1885; A Provincia do Pará, anno X, 2932, de
12/02/1886; A Provincia do Pará, anno XI, nº 2959, de 16/03/1886;
Diario de Noticias, anno IV, nº 282, de 12/12/1883; Diario de Noticias, anno , 218, de
28/09/1885; Diario de Notícias, anno VI, de 03/11/1885; Diário de Notícias, anno VI, nº 261,
de 17/11/1885; Diario de Noticias, anno nº 61, 17/03/1887; Diario de Noticias, anno VIII,
143, de 29/06/1887; Diario de Noticias, anno VIII, 147, de 03/07/1887; Diario de Noticias,
anno IX, 37, de 16/02/1888; Diario de Noticias, anno IX, n° 115, de 22/05/1888; Diario de
Noticias, anno XV, nº 11, de 07/11/1897.
O Nacional, anno II, nº 11, 07/11/1897;
A Constituição, anno VII, n. 194, de 31/08/1880; A Constituição, anno VII, números 195, 196
e 197, dias 01, 02 e 03 de setembro de 1880; A Constituição, anno VII, n. 211, de 22/09/1880;
A República, anno I, nº 76, de 23/05/1890; A República, anno II, n° 382, de 05/06/1891.
Também desenvolvi a pesquisa em outros jornais, tais como “O Paraense”, O Teo Teo”, “O
Beija-Flor”, “O Incentivo”, “Gazeta de Notícias”, “A Arena”, A Estrela do Norte”. Listei aqui
os que foram recorrentes na escrita da tese.
SEÇÃO DE OBRAS RARAS
Colleão das Leis da Provincia do Gram-Pará:
“Código de Posturas Municipaes” de 1848. In: Collecção das Leis da Provincia do Gram-
Pará. Tomo X. 1848;
“Código de Posturas para a Câmara Municipal de Belém”. In: Colleção das Leis da Província
do Gram Pará do Anno de 1880. Tomo XLII. Impresso na Typographia do Diario de Noticias.
1880-1881.
303
BAENA, Antonio Ladisláo Monteiro. Ensaio Corografico sobre a Província do Pará. Pará:
Typographia de Santos Menor, 1839
CAMPOS, Américo de. Noções Geraes de Hygiene. Belém: Livraria Editora Escolar, 1912.
CARVALHO, João Marques de. A Bubônica: revista de sucesso paraense em 1 acto e quatro
quadros. Belém: A Provincia do Pará, 1904.
CHERMONT, Olympio Leite. Casas para Trabalhadores Breve Estudo. Belém: Tip. Da
Imprensa Oficial, 1899.
FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Miscelânea Histórica: para servir de explicação ao
prospecto da Cidade do Pará 1783-1784, (texto datilografado).
LADISLAU, Alfredo. Scenas da vida paraense: ligeiros contos. Belém: Typographia da
Imprensa Official, 1904.
__________________. Terra Imatura. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1971. (Coleção
literatura paraense. Série Inglez de Souza).
SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario de Língua Portugueza” Recopilado dos
vocábulos impressos até agora, e nesta segunda edição novamente emendado, e muito
accrescentado. Lisboa: Typographia Lacerdina. Anno de 1813.
VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. Pará/Belém: Imprensa do Diario Official. 1906.
Belém. Corpo de Bombeiros. Regulamento do Corpo de Bombeiros Municipal. Belém: secção
de obras d’Provincia do Pará. 1909.
Plantas/Mapas
Planta “Mandada levantar pela Vereação do Quatriênio de 1883-1886 pelo Engenheiro da
mara Manoel Odorico Nina Ribeiro.
MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI”/COORDENAÇÃO DE INFORMAÇÃO E
DOCUMENTAÇÃO/BIBLIOTECA.
Mapa da costa do Pará, com os rios Guamá, Acará, Capim e Gurupy. 1900.
Belém - Mapa Cadastral Pará. Comissão de Saneamento Planta da Cidade de Belém do
Pará. 1899.
Planta da cidade de Belém com a rêde de abastecimento d’água.
BIBLIOTECA CENTRAL PROF. DR. CLODOALDO BECKMANN/UFPA
Obras raras
ALMEIDA, Candido Mendes de. Atlas do Império do Brasil comprehendendo as respectivas
divisões ecclesiasticas, eleitoraes e judiciárias. Rio de Janeiro: Lithographia do Instituto
Philomathico. 1868.
BOLONHA, Francisco. Canal de Água Preta. Belém-Pará: Off. Graphicas do Instituto “D.
Macedo Costa” (Escola Profissional do Estado). 1939.
VERISSIMO, José. A pesca na Amania. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves & C.
1895.
VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos. Belém: UFPA, 1970. (Coleção Amazônica).
304
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES/1ª COMISSÃO DEMARCADORA
DE LIMITES/BELÉM, PARÁ.
MUNIZ, João de Palma. Patrimonios dos Conselhos Municipais do Estado do Pa.
Paris/Lisboa: AILLAUD & Cia., 1904.
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO/RJ
Coleção Manuel Barata”: “Mappa Aproximado da População da Província do Pará no Anno
de 1853 a 1854”. Secretaria do Governo da Provincia do Pará.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
Coleção Iconografia”. Fidanza, F. A. Travessa de São Matheus, também conhecida como
Estrada das Mangubas, atual Rua Pe. Eutíquio.
Coleção “Cartografia”. “Planta da cidade de Belém com a primeira légua patrimonial
demarcada / por José Sydrim; auxiliado por José Moreira da Costa”.
ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO
“Planta do Pantano chamado Piri”.
“Planta da Cidade do Pará”.
MUSEU PAULISTA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Acervo do Serviço de Objetos
MUSEU DA CASA BRASILEIRA
“Conjunto de vasilhas dos séculos XVIII e XIX, em latão ou cobre, que pertenceram ao
pintor paulista Pedro Alexandrino”.
ARQUIVO DO TRIBUNAL DE CONTAS DE LISBOA/PORTUGAL.
Conjunto de documentos: Erário Régio - “Carta para Martinho de Souza Albuquerque,
Governador e Capitão General da Capitania do Pará datada de 21 de maio de 1787.”
SÍTIOS
www.ufpa.br/cma - Centro de Memória da Amazônia/UFPA
“Panorama do Pará em Doze Vistas. Desenhadas por J. Léon Righini digitalizada por
Lucia Mindlin Loeb.
http://www.brasilimperial.org.br/c24a73.htm -
Brasil. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Jurada a 25 de março
de 1824.
http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/pa - Center for Research Libraries
Discurso que o presidente da Provincia do Pará Soares D’Andrea fez na abertura da 1ª Sessão
da Assemblea Provincial em 2/03/1838. Typogrphia Restaurada de Santos e Santos menor.
305
Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do Pará Bernardo de Souza Franco, por
ocasião da abertura da Assemblea Legislativa Provincial em 15/08/1839. Pará, Typ. de Santos
& menor, 1839.
Discurso recitado pelo Doutor João Antonio de Miranda, Prezidente da Província do Pará, na
abertura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typ. de
Santos & menor, 1840.
Discurso recitado pelo Presidente da Provincia do Pará Bernardo de Souza Franco, por
ocasião da abertura da Assemblea Legislativa Provincial em 14 de abril de 1841. Pará, Typ.
de Santos & menor, 1841.
Discurso recitado pelo exm.o snr. Dr. João Maria de Morais, Vice-Presidente da Provincia do
Pará, por ocasião da abertura da Sessão da Quarta Legislatura da Assemblea Legislativa
Provincial em 15 de agosto de 1845. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1845.
Falla dirigida por Jeronimo Francisco Coelho, presidente da Provincia do Gram-Pa á
Assemblea Legislativa Provincial na abertura da sessão ordinária no dia 1 de outubro de 1848.
Pará, Typ. de Santos & filhos, 1848.
Relatorio feito pelo Presidente desta Provincia Jeronimo Francisco Coelho e entregue ao 1º
Vice Presidente em exercício o Dr. Ângelo Custodio Correa em 1 de agosto de 1850. Pará,
Typ. de Santos & filhos, 1850.
Relatorio apresentado ao exm.o snr. dr. José Joaquim da Cunha, presidente da provincia do
Gram Pará, pelo commendador Fausto Augusto d'Aguiar por occasião de entregar-lhe a
administração da provincia no dia 20 de agosto de 1852. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1852.
Falla que o Dr. José Joaquim da Cunha, presidente desta Província dirigio a Assemblea
legislativa Provincial, na abertura da mesma Assemblea no dia 15 de agosto de 1853.
Relatorio feito pelo Exm. Senr. Doutor Ângelo Custodio Correa, 1º Vice Presidente desta
Província, por occasião de dar posse da administração da mesma ao Exm. Senr. Conselheiro
Sebastião do Rego Barros, em o dia 16 de novembro de 1853. Pará. Typographia de Santos &
Filhos. 1853.
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Para no dia 15 de agosto de
1856, pelo presidente Henrique de Beaurepaire Rohan. Typ. de Santos & filhos, 1856.
Discurso da abertura da Sessão Extraordinaria da Assemblea Legislativa Provincial do Pará
em 7 de abril de 1858. Pelo Presidente Dr. João da Silva Carrão. Ty. Do Diario do
Commercio.
Relatório lido pelo Vice-Presidente da Província Dr. Ambrosio Leitão da Cunha , na abertura
da primeira sessão ordinária da Assemblea Legislativa no dia 15 de agosto de 1858. Pará,
Typographia Commercial de A. J. R. Guimarães.
Relatorio que o Presidente da Provincia do Pa Antonio Coelho de Sá e Albuquerque
apresentou ao Vice-Presidente Fábio Alexandrino de Carvalho Reis ao passar-lhe a
administração em 12 de maio de 1860. Pará, Typ. Commercial de A.J. Rabello Guimarães,
1860.
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará pelo presidente Francisco
Carlos de Araujo Brusque em 1 de setembro de 1862. Pará, Typ. de Frederico Carlos
Rhossard, 1862.
306
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da Provincia do Pará dirigido pelo Presidente
da Provincia Francisco Carlo de Araujo Brusque no dia 1 de novembro de 1863. Pará, Typ. de
Frederico Carlos Rhossard, 1863.
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial pelo presidente provincial por s.
exc.a o sr. vice-almirante e conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare, em 15 de
agosto de 1867. Pará, Typ. de Frederico Rhossard, 1867. Pará, Typ. de Frederico Rhossard,
1867.
Relatório de 06 de agosto de 1868, com que o Excellentissimo Senhor Vice-Almirante e
Conselheiro de Guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Provincia
do Gram-Pará para o Excellentissimo Senhor Visconde de Arary, 1º Vice-Presidente.
Typographia do Diário do Gram-Pará.
Relatorio com que o Excellentissimo Senhor Presidente da Provincia Conselheiro Jo Bento
da Cunha Figueiredo entregou a administração da Provincia do Gram-Pará ao Excellentissimo
Senhor 2º Vice-Presidente Coronel Miguel Anonio Pinto Guimarães. Em 16 de Maio de 1869.
Pará. Typographia do Diario do Gram-Pará.
Relatorio apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na Primeira Sessão da 1
Legislatura pelo quarto Vice-Presidente Dr. Abel Graça. Pará: Typographia do Diario do
Gram-Pará, 1870.
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial pelo quarto vice-presidente, dr.
Abel Graça. Datado de 15 de agosto de 1870. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1870.
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1872 pelo
Presidente da Provincia Abel Graça. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1872.
Relatorio apresentado pelo exm. sr. Barão da Villa da Barra em 5 de novembro de 1872, por
occasião de passar a administração da província ao 2º vice-presidente o exm. Sr. Barão de
Santarem. Typ. do Diario do Gram-Pará. 1872.
Relatorio em que o exm. Sr. doutor Domingos José da Cunha Junior, presidente da provincia,
abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial em 1 de julho de
1873. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1873.
Relatorio apresentado ao exm. senr. dr. Francisco Maria Corrêa de e Benevides pelo exm.
senr. dr. Pedro Vicente de Azevedo, por occasião de passar-lhe a administração da provincia
do Pará, no dia 17 de janeiro de 1875. Pará, Typ. de F.C. Rhossard, 1875.
Relatorio apresentado pelo presidente da provincia do Pará Francisco Maria Corrêa de e
Benevides, á Assembléa Legislativa Provincial, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará:
Travessa de S. Matheus N. 29, 1876.
Falla com que o exm. sr. dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abrio a 2.a sessão da
Assemblea Legislativa da provincia do Pará em 15 de fevereiro de 1877. Pará, Typ. do Livro
do Commercio, 1877.
Falla com que o Doutor José Coelho da Gama e Abreu Presidente da Provincia Abriu a 2ª
Sessão de 21º Legislatura da Assemblea Legislativa da Província do Gram-Pará, em 16 de
Junho de 1879.
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo
exm. sr. dr. José Coelho da Gama e Abreu. Pará, Typ. do Diario de Noticias de Costa &
Campbell, 1881.
307
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1881 pelo
exm. sr. dr. José Coelho da Gama e Abreu. Pará, Typ. do Diario de Noticias de Costa &
Campbell, 1881.
Relatorio com que o exm. sr. presidente, dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, passou a
administração da provincia ao exm. sr. 1.o vice-presidente, dr. José da Gama Malcher. Pará,
Typ. do “Liberal do Pará”, 1882.
Relatorio com que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a
administração do Estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré,
eleito pelo Congresso Constituinte em 23 do mesmo mez.
Mensagem dirigida pelo Sr. Governador Dr. Lauro Sodré ao Congresso do Estado do Pará em
7 de abril de 1894.
Mensagem dirigida ao Congresso do Estado do Pará pelo Dr. Lauro Sodré, governador do
Estado, ao expirar o seu mandato, no dia 1º de fevereiro de 1897.
Procedi a consulta de todas as falas, relatórios e mensagens disponibilizadas no site, relacionei
contudo, a documentação que refiro ao longo da tese.
***
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do Brasil: compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas
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do Pará, 1970, 3 v.
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308
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Universidade de São Paulo, ao Paulo, Brasil. 2004. Pp. 129-160.
ANEXOS
Largo do Quartel
Fonte: CMA/UFPA. O desenho integra a obra Panorama do Pará em Doze Vistas Desenhadas por J. Léon Righini”, digitalizada por Lucia
Mindlin Loeb. Versão digitalizada cedida ao CMA/UFPA, disponibilizada no site www.ufpa.br/cma. A imagem em questão foi extraída
deste site em 14/09/1009, às 11:55 hs.
Anúncio em jornal
Fonte:Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”/ CENTUR. Biblioteca
Pública do Estado do Pará “Arthur Vianna”, sessão de microfilmagem. Jornal:
“Diario de Noticias”, anno VIII, nº 98, de 03/05/1887. P. 04
Reservario d’Água
Fonte: Album do Pará em 1899 na administração do Governo de Sua Excia. O Snr. Dr. José Paes de
Carvalho. Parte descriptiva do Dr. Henrique Santa Rosa. Photographias e composição de F. A. Fidanza.
Segundo Ernesto Cruz, “o depósito do largo de São Braz, que ainda hoje existe, foi inaugurado em
1884. (...) Construído em grossas chapas de ferro, compunha-se de três grandes caldeiras e d’outros
aparelhos, precisos ao funcionamento de cem mil litros d’água por hora”. CRUZ, Ernesto. A água de
Belém sistemas de abastecimento usados na Capital desde os tempos coloniais aos dias hodiernos.
Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária, 1944. P. 55.
Reservario Paes de Carvalho
Fonte: “Belém da Saudade: A Memória da Belém do Início do Século em Cartões-
Postais”. Belém: Secult, 1996. P. 95. “Inaugurado em 1912, foi demolido em 1965.
Em ferro pré-fabricado encomendado em Paris, teve sua montagem sob a direção
de Francisco Bolonha.” P. 119.
Maguary, Estrada de Ferro de Bragança
Fonte: Album do Pará em 1899 na administração do Governo de Sua Excia. O Snr. Dr. José Paes de Carvalho. Parte descriptiva do Dr.
Henrique Santa Rosa . Photographias e composição de F. A. Fidanza. P. 38.
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