Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA - UEPB
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA
E ESTUDOS INTERCULTURAIS
ARÃO DE AZEVÊDO SOUZA
A REPRESENTAÇÃO DO MATUTO NA OBRA
DO POETA PARAIBANO JESSIER QUIRINO
Campina Grande-PB
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ARÃO DE AZEVÊDO SOUZA
A REPRESENTAÇÃO DO MATUTO NA OBRA
DO POETA PARAIBANO JESSIER QUIRINO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Literatura e
Interculturalidade, da Universidade Estadual da Paraíba
UEPB, como parte dos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Literatura, área de concentração: Literatura e
Estudos Interculturais.
Orientadora: Profª. Dra. Geralda Medeiros Nóbrega
Campina Grande-PB
2009
ads:
3
ARÃO DE AZEVÊDO SOUZA
A REPRESENTAÇÃO DO MATUTO NA OBRA
DO POETA PARAIBANO JESSIER QUIRINO
Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Literatura do Programa de Pós-Graduação em
Literatura e Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba
UEPB.
Área de Concentração: Literatura e Estudos Interculturais
Linha de Pesquisa: Cultura Popular e Prática Simbólicas
Aprovado em 19 de fevereiro de 2009
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Geralda Medeiros Nóbrega / UEPB
Orientadora
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Luciano B. Justino / UEPB
Examinador
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Humberto Hermenegildo Araújo / UFRN
Examinador
4
A Cumade Geralda Medeiros Nóbrega (Minha orientadora),
A Ester de Azevêdo Souza (Dona Irene, minha mãe),
A Antônio Lima de Souza (Seu Dodô, meu pai),
E a todos os outros matutos paraibanos que, na sua
simplicidade, têm revelado os valores morais e culturais que
conduziram o meu engenho nesta pesquisa.
A todos,
Dedico este trabalho.
5
Agradecimentos
Na vida, nada se constroi sem a participação coletiva, por isso, agradeço à minha
esposa, Magnólia Suassuna, pela paciência e carinho dedicados a mim durante a
construção desta pesquisa e na cotidianidade de nossas vidas.
À minha orientadora, professora Geralda Medeiros, que guiou os meus passos, além
de me emprestar muito dos livros utilizados na dissertação. Sem ela, tudo seria mais
difícil.
Aos colegas e professores do mestrado pelos ensinamentos e contribuições que
foram decisivos na minha formação como pessoa e como pesquisador.
A Roberto, secretario do mestrado, pela paciência e atenção a que me atendeu e
atende a todos.
Ao amigo e professor Antônio de Brito que me orientou no ingresso a este mestrado,
e pela parceria nas discussões sobre esta pesquisa todas às sextas-feiras a
caminho do Sertão.
Ao poeta Jessier Quirino pela atenção, presteza e disposição a que me recebeu em
sua casa abrindo o seu baú de conhecimento sem a menor cerimônia.
Aos amigos e professores do Departamento de Comunicação Social da UEPB, Luiz
Custódio, Roberto Faustino, Fernando Firmino, Águeda Cabral, Robéria Nádia,
Goretti Sampaio, Gisele Sampaio, Orlando Ângelo, entre outros.
E, por fim, agradeço a todos que contribuíram de uma forma ou de outra na
construção desse saber.
6
O matuto é inteligente e não precisa ser tratado
como aqueles caras de casamento matuto, com o
fundo-da-calça-rasgado e com os dentes da frente
pintados de carvão. O matuto não é um boneco
recortado em papelão: é um ser humano completo,
com 360 graus de mente, de alma, de imaginação e
de memória.
Bráulio Tavares
7
RESUMO
O processo de colonização das terras brasileiras pela Coroa Portuguesa, ao passo
que povoava outros espaços, fazia surgir novos modos de vida social. Frutos do
caldeamento étnico, esses grupos marginalizados se estabelecem e criam suas
próprias formas de cultura e subsistência (Candido, 2003). No Nordeste brasileiro, o
matuto é o reflexo dessa expansão capitalista. Assim sendo, esta pesquisa faz uma
incursão pelas obras poéticas do paraibano Jessier Quirino, analisando as poesias
onde o autor cita o termo matuto para designar o personagem dos seus poemas. A
primeira inquietação foi situar o matuto como sendo um sujeito fruto de um processo
social o qual tem sua vida pautada muito em função dos valores constituídos no
espaço rural. A segunda foi isolar o termo matuto do termo caipira, observando que
são dois sujeitos diferentes. Entendemos que como o modo de vida do caipira e sua
representação imagética foram divulgadas pela Mídia através do discurso do Jeca
Tatu, de Monteiro Lobato, e dos filmes de Mazzaropi, fez com que houvesse uma
verticalização do conceito ao classificar os moradores da zona rural de caipiras. Por
outro lado, longe de uma visão essencialista, o matuto de hoje convive com signos
da modernidade, como por exemplo, a antena parabólica, transformando o seu
modo de vida numa cultura de fronteira entre o arcaico e moderno, entre o campo e
a cidade (Canclini, 1997). Assim, a poesia de Jessier Quirino cumpre a função de
servir como depositaria de uma etnografia dos valores, hábitos, expressões do
matuto.
Palavras-chave: Jessier Quirino, matuto, caipira, poesia
8
RESUMEN
El proceso de colonización de tierras por la Corona portugués brasileño, mientras
que otras zonas pobladas, han creado nuevos modos de la vida social. Fruto de la
composición étnica de soldadura, estos grupos marginados se han establecido y
crear sus propias formas de la cultura y los medios de subsistencia (Candido, 2003).
En el Nordeste, el Matuto es un reflejo de la expansión capitalista. Por lo tanto, este
estudio hace una incursión por la paraibano de obras poéticas Jessier Quirino, el
examen de la poesía donde el autor cita el término Matuto para describir el carácter
de sus poemas. La primera preocupación fue la de situar Matuto como consecuencia
sujetos a un proceso social que ha guiado su vida en gran medida en función de los
valores establecidos en el campo. El segundo era para aislar el final del término
rústico Matuto, señalando que son dos temas diferentes. Creemos que la forma de
vida y de su representación de imágenes Caipira fueron puestos en libertad por los
medios de comunicación a través del discurso de Jeca Tatu de Monteiro Lobato, y
las películas de Mazzaropi, significa que existe una verticalización del concepto de
clasificar a los habitantes de la zona rural de Caipiras. Por otra parte, lejos de ver un
esencialista, la Matute de hoy viven con signos de la modernidad, como la cápsula,
de cambiar su forma de vida en una cultura de la frontera entre arcaicos y modernos,
entre el campo y la ciudad ( Canclini, 1997). Así, la poesía de Jessier Quirino cumple
la función de servir como un depósito para una etnografía de los valores, las
costumbres, las expresiones de Matuto.
Palabras clave: Jessier Quirino, Matuto, Caipira, la poesía
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
................................................................................................................
11
1.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO
-
METODOLÓGICOS
...................................................
15
1.1 Níveis de cultura....................................................................................................... 16
1.1.2 O homem é essencialmente um ser de cultura............................................... 17
1.1.3 Repensando a cultura comum......................................................................... 19
1.1.4 Do simbólico ao simbolismo.............................................................................
21
1.1.5 Popular, erudito e massivo...............................................................................
24
1.2 Oralidade e a renovação das culturas...................................................................... 27
1.2.1 Tipos de oralidades................................................................................................
28
1.3 Carnavalização: considerações................................................................................ 29
1.3.1 Carnavalização na literatura segundo Bakhtin.................................................
33
1.4 Metodologia...............................................................................................................
36
1.4.1 Do Corpus Selecionado...................................................................................
39
DO MATUTO AO CAIPIRA: ENCONTROS E DESENCONTROS
............................
42
2.1 “Pru qui, pru li, pru culá”: seguindo as pegadas do matuto e do caipira................... 43
2.2 – “Ô de casa!” O espaço rural na formação do matuto.............................................
47
2.3 “O matuto no cinema”: Os Meios de Comunicação de Massa e suas influências.... 51
2.4 “Isso é cagado e cuspido paisagem de interior”: O que faz ser Matuto....................
60
2.4.1 “Empurra a cancela Zé”: reconstruindo os laços matutais............................... 62
A R
EPRESENTAÇÃO DO M
ATUTO
EM
JESSIER
QUIRINO
.................................
64
3.1 Seguindo as veredas quirinianas.............................................................................. 65
3.2 Análise do Corpus...................................................................................... 67
3.2.1 Fisionomia do espaço rural.............................................................................. 67
3.2.2 Representação do matuto............................................................................... 69
3.2.3 Carnavalização/humor..................................................................................... 79
3.2.4 Da voz para a escritura: a oralidade nos poemas quirinianos........................ 88
CONSI
DERAÇÕES FINAIS
...........................................................................................
93
REFERÊNCIAS
..............................................................................................................
97
10
Lista de figuras
Figura 1. José Bento Renato Monteiro Lobato
Figura 2. Amácio Mazzaropi
Figura 3. Amacio Mazzaropi disfarçado de Jeca Tatu
Figura 4. Pôster do filme Jeca Tatu de Mazzaropi
Figura 5. Nachtergaele, interpreta o Quinzinho
Figura 6. Mazzaropi em um de seus filmes
Figura 7. Cena do filme Tapete Vermelho
Figura 8. Jessier Quirino durante apresentação
Figura 9. Jessier Quirino durante depoimento concedido a este pesquisador
Figura 10. Gráfico sugestivo da constituição de uma identidade matuta
11
INTRODUÇÃO
O Nordeste brasileiro, da época dos filmes que exploravam a estética das
secas e da fome e, de alguns anos para cá, tem servido de palco para muitas
produções cinematográficas e televisivas do país. Na construção desses produtos
midiáticos, a imagem de um Nordeste seco, sendo representado pela caatinga do
Cariri e do Sertão, reforça o estereótipo da fome e da miséria que foi criado para
esta região. Nesse discurso, toda a imagem do Nordeste se forma de modo
uniforme, desprezando a Zona da Mata, o Brejo, o Litoral. Uma estética de uma
região sofrida é retratada em muitos casos.
No meio dessas produções, o homem nordestino é recriado a partir de dois
discursos. No primeiro, o sertanejo assume uma função mítica, de um herói que luta
contra as forças do seu habitat e sua cultura se torna fonte de inspiração e
curiosidade. É como se ela, a natureza, fosse a única responsável por sua condição
social. No segundo caso, esse homem é transformado em matuto. Desprovido de
conhecimento e distante dos processos educacionais, esse matuto é ridicularizado
no seu modo de falar, andar e de se vestir. Sua cultura, diferente da do sertanejo,
inexiste. A sua função é criar o lado cômico, sendo ele mesmo o risível.
Por outro lado, a produção literária nordestina, em boa medida, busca
desconstruir essa imagem do matuto e da região enquanto espaço da seca, da fome
e do sofrimento. Como se o Nordeste surgisse assim e dessa forma devesse
permanecer. Neste sentido, os poemas de Patativa do Assaré (1909-2002)
transformam a sua verve literária num discurso de cunho social, denunciando a falta
de políticas públicas como responsáveis pelo modo de vida do homem nordestino.
Assim como Patativa do Assaré, Jessier Quirino, natural de Campina Grande-
PB, tem sua obra poética voltada para a cultura popular nordestina, tendo como
principal personagem o matuto. É a partir do matuto que Jessier Quirino faz sua
incursão pelo interior nordestino, recriando o modo de vida do homem rural.
Formado em arquitetura, Quirino autodefine-se como “arquiteto por profissão, poeta
por vocação, matuto por convicção”. Nos últimos anos, ele tem conquistado espaço
em programas de emissoras locais e nacionais, como o Fantástico e o Soares,
ambos da Rede Globo. Neste caso, observa-se a relação em entre a cultura popular
e os programas midiáticos, numa relação de ganho para a cultura popular. Seus
12
recitais têm sido solicitados para vários estados brasileiros. Tudo isso tem
demonstrado a importância da sua obra para cultura popular nordestina, uma vez
que a mesma faz ressurgir um Nordeste onde o arcaico se mistura ao
contemporâneo através do olhar do matuto.
Nossa primeira inquietação foi tentar situar o matuto como sendo um sujeito
fruto de um processo social o qual tem sua vida pautada muito em função dos
valores constituídos no espaço rural. A segunda, verificar se ser matuto não é o
mesmo que ser caipira. Para tanto, tomamos como referência as obras de Candido
(2001), Magalhães (1970) e Távora (1902), assim como analisar a participação da
Mídia ao recriar o estereótipo do caipira a partir do discurso de Monteiro Lobato e
dos filmes de Mazzaropi.
Quanto aos poemas selecionados de Jessier Quirino, tomamos como
referência as obras poéticas escritas: Paisagem de interior (1996), Agruras da lata
d’água (1998), Prosa morena (2001) e Bandeira nordestina (2006). Do corpus
escolhido, foram selecionados 20 (vinte) poemas, levando-se em consideração
como critério classificatório as poesias onde Jessier Quirino cita o termo matuto para
designar o homem nordestino. Com esse recorte metodológico, objetivamos analisar
os poemas onde o próprio autor nomeia o homem nordestino como sendo matuto.
Com base na análise de conteúdo que, segundo BARDIN (1977), pode-se investigar
textos escritos, comunicações orais, visuais, gestuais reduzida a um texto ou
documento, estabelecemos a análise dos poemas. Realizamos, também, uma
entrevista com Jessier Quirino, a qual foi feita em sua residência, na cidade de
Itabaiana-PB, no dia 29 de outubro de 2008.
A partir daí, estabelecemos quatro categorias para análise: a primeira foi
buscar entender como a natureza é representada na poesia quiriniana; a segunda,
como o matuto é recriado nos poemas; a terceira foi verificar a carnavalização e o
humor como elementos constitutivos da poesia de Jessier Quirino; e, por fim, a
transcrição da voz para a escritura nos poemas quirinianos. A pesquisa, nesse
sentido, assume um viés investigatório que busca resultados qualitativos.
Definidos, então, os objetivos e a metodologia da pesquisa, dividimos o
estudo em três capítulos. No primeiro, intitulado “Pressupostos teórico-
metodológico”, fizemos uma discussão inicial sobre o termo cultura e suas várias
possibilidades de interpretações dadas na contemporaneidade. A proposta não tem
como caráter definir um novo conceito para cultura, mas entender como as várias
13
ciências conceituam o termo. Nesse sentido, buscamos referências em Bosi (1992),
Canclini (1997), (Cuche (1999), Certeau (1995), Martín-Barbero (2001), Dominic
(1999), Eagleton (2005), Thompson (1995), Santaella (2003), Ortiz (1994), Zumthor
(1993), Hall (2004) entre outros. A revisão se fez necessária a partir dos rumos das
discussões sobre cultura e identidade cultural tomaram na s-modernidade, ou
mesmo nas discussões sobre a noção de identificação cultural. Fizemos, também,
uma revisão sobre as especificidades dos termos cultura de massa, cultura erudita e
cultura popular e suas imbricações.
Num outro ponto do capítulo, se fez necessário uma discussão sobre a
oralidade e seus vários tipos e a renovação das culturas, uma vez que o Nordeste
brasileiro possui um vasto campo de investigação sobre a oralidade que está muito
presente nas culturas populares.
Por fim, à luz de Bakhtin (1993), discutimos o conceito de carnavalização e a
sua importância para os cultos populares como forma de questionar os poderes
instituídos. Nesse sentido, trouxemos o conceito de literatura carnavalizada proposto
pelo autor e de como se dá esse processo de transposição da linguagem
carnavalesca para a literatura carnavalizada.
No segundo capítulo, intitulado “Do matuto ao caipira: encontros e
desencontros”, fizemos uma investigação sobre os laços constitutivos do matuto e
do caipira, tendo como base a obra de Antonio Candido, Os parceiros do Rio
Bonito, O Nordeste brasileiro, de Agamenon Magalhães, O matuto, de Franklin
Távora, além de uma entrevista com Jessier Quirino. Uma questão que levantamos
é observar se a constituição da figura do matuto e do caipira estaria ligada também
ao olhar do outro, representando um discurso de uma classe hegemônica. Por outro
lado, observamos também se a Mídia não teria criado um estereótipo para o caipira,
vinculando esse discurso também para o matuto, através de uma representação
imagética do Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato.
A partir das discussões de Albuquerque Junior (1999), Hall (2000) e (2004),
Bauman (2003) e (2005), Ortiz (1994), Penna (1998) e (1992), entre outros,
buscamos entender o que faz ser matuto, hoje, uma vez que a sua representação
nos poemas de Jessier Quirino proporiam um outro tipo de matuto, onde o próprio
poeta se consideraria um, “por convicção”.
Neste caso, a identidade matuta que solicita Jessier Quirino seria, então, uma
representação ligada diretamente a valores simbólicos de reconhecimento, de
14
pertencimento? Ou, pelo fato de ter nascido numa cidade do interior e ter contato
com o meio rural lhe possibilitaria ser matuto?
Por último, o III capítulo, “A representação do matuto na obra de Jessier
Quirino”, onde, à luz da análise de conteúdo, fizemos a leitura dos poemas nos quais
o autor cita o termo matuto para designar o homem nordestino, especificamente da
Paraíba.
A partir das leituras dos poemas, procedemos com a seleção do corpus a ser
analisado, sendo escolhidos 20 poemas e classificados a partir de quatro categorias:
fisionomia do espaço rural; representação do matuto; carnavalização e o humor
como características da representação do homem nordestino; e os traços de
oralidade na transcrição da voz para a escritura.
Em relação ao universo dos poemas rurais, Jessier propõe construir uma
imagem do Nordeste com o olhar de um flâneur, buscando dentro das brenhas
nordestinas, uma geografia física e humana, como um olhar de um “observador
participante” ao buscar revelar o modo de vida do matuto. No entanto, a poesia de
Jessier Quirino não teria o cunho social que tem a poética de Patativa do Assaré.
Porém, ele faria uso, através do humor, do lado cômico, de uma linguagem
carnavalizada para retratar o matuto. Uma característica dos poemas de Jessier
Quirino estaria em recuperar expressões da cultura popular que se encontram, em
muitos casos, esquecidas, uma vez que ao transpor para sua poesia esse
vocabulário, ele recuperaria uma parte da memória do homem nordestino.
Diante do exposto, sabemos das dificuldades a serem enfrentadas ao
trabalhar com uma poesia onde as possibilidades de interpretações são muitas, mas
pretendemos chegar ao fim da pesquisa com um resultado que sirva como fonte
para o entendimento da cultura popular nordestina a partir da representação do
matuto nos poemas de Jessier Quirino.
15
CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
16
1.1 Níveis de cultura
Não temos nenhuma pretensão de propor novos conceitos para o termo cultura,
mas entendemos que, em nossa pesquisa, é extremamente importante passar por
uma revisão das discussões teóricas sobre as muitas definições que a palavra
cultura evoca, principalmente nos tempos atuais. Esses conceitos, ou tentativas de
conceituação, se bifurcam mais ainda, pois as sociedades (o ser humano) são
moventes e, na medida em que elas/eles se movem, o seu habitat se transforma, se
reinventa. No Brasil do século XX, houve quem buscasse uma cultura brasileira
definidora de todos os nossos traços culturais, definidora de uma “identidade
nacional” (Bosi, 1992). Observamos que, para algumas pessoas, ter cultura era
poder manter um distanciamento entre classes. Cultura era algo que se podia
aprender como forma de distanciamento entre a elite e as classes subalternas. “Para
a elite, a cultura é distância e distinção, demarcação e disciplina, exatamente o
contrário de um povo que se definiria por suas necessidades imediatas”, aponta
Martín-Bárbero (2001, p. 272) ao abordar a relação do indígena na América Latina
frente às mediações provocadas pelos meios de comunicação de massa. quem
pretenda grafar cultura com “C” maiúsculo para abarcar todas as possibilidades que
o conceito suscita. Cultura como um coletivo definidor de tudo o que o homem
configurou e reconfigurou para criar um ambiente favorável a ele. A cultura, então,
nasceria dessa necessidade que o homem tem de se adequar ao meio, criando
assim um conforto satisfatório.
Entendendo que as definições são numerosas, Santaella (2003, p. 30) diz que
“há consensos sobre o fato de que cultura é apreendida, que ela permite a
adaptação humana ao seu ambiente natural, que ela é grandemente variável e que
se manifesta em instituições, padrões de pensamento e objetos materiais”. Para a
autora, dois sinônimos para cultura, o primeiro é “tradição” e o segundo é
“civilização”. Sinônimos esses que se diferenciaram em seus usos ao longo da
história da humanidade. Para Thompson (1995, p. 167), “o termo civilização foi,
inicialmente, usado na França e na Inglaterra no fim do século XVIII para descrever
um processo progressivo do desenvolvimento humano”. Para ele, civilização se
oporia à “barbárie e à selvageria”, como forma de refinamento. Cuche (1999) diz que
tanto cultura como civilização pertencem ao mesmo campo semântico e que o
17
primeiro termo “evoca os progressos individuais” e o segundo, “os progressos
coletivos”.
Como sua homóloga “cultura” e pelas mesmas razões, “civilização” é um
conceito unitário e é usado então no singular. Ela se libera rapidamente,
junto aos filósofos reformistas, de seu sentido original recente (a palavra
aparece somente no século XVIII), que designa o afinamento dos costumes,
e significa para eles o processo que arranca a humanidade da ignorância e
da irracionalidade (CUCHE, 1999, p. 22).
Neste sentido, aponta Cuche (1999), “a civilização é então definida como um
processo de melhoria das instituições, da legislação, da educação” (p. 22). Portanto,
os fatores que definem uma nação como civilizada podem perfeitamente serem
aplicados às nações tidas como bárbaras dentro de uma lógica de evolução política,
“progressista”. A palavra cultura, para Santaella (2003) “derivou do crescimento
natural” e civilização derivou “de uma condição social real”. De acordo com Barnard
apud Santaella (2003, p. 35), para “escritores como Kant, Coleridge e Matthew
Arnold, a cultura representa essencialmente as condições morais do indivíduo,
enquanto a civilização significa as convenções da sociedade”. Assim sendo, cultura
e civilização se opõem, em certa medida, uma vez que a primeira estaria ligada a
valores espirituais e a segunda a valores materiais. Cultura estaria no campo das
relações orgânicas com a natureza, com o habitat; civilização buscaria a
transformação desse habitat, mesmo que isso provoque a sua reconfiguração.
1.1.2 O homem é essencialmente um ser de cultura
Mode as moda de hoje em dia
Mode os modo de falar
Mode os amuo dos besta
Mode os presepe de lá
Mode estrupiço dos tempos
Mode eu não me amedronhar
Mode os pi-bite das rua
Mode as mutreta que há
Mode as falta de um bom-dia
Um boa noite, um olá
Mode assalto, mode tiro
[...]
Não se anime mode eu ir
Que eu não deixo esse lugar (Jessier Quirino).
A história da humanidade, estudada por diversas ciências, nos tem mostrado as
várias transformações ocorridas com o homem: desde a teoria evolucionista de
18
Charles Darwin aos inscritos rupestres das sociedades pré-históricas estudadas pela
antropologia, arqueologia, paleontologia, entre outras. O que vemos é que o homem
se molda ao seu habitat, reconfigurando-o várias vezes. Tudo o que se apresenta,
não é natural a ele, nada é puramente natural ao homem, assinala Cuche (1999, p.
11), para ele, “mesmo as funções humanas que correspondem a necessidades
fisiológicas, como a fome, o sono, o desejo sexual, etc., são informados pela
cultura”. Costumes, religiões, crenças, alimentação, etc., em tudo isso “as
sociedades não dão exatamente as mesmas respostas a estas necessidades” (p.
11). A cultura seria, então, aquilo que no habitat é feito pelo próprio homem, e onde
as relações com esse habitat e o ambiente social se estabelecem. A posição de
Santaella nos ajuda na compreensão destas assertivas.
A definição também implica que a cultura é mais do que um fenômeno
biológico. Ela inclui todos os elementos do legado humano maduro que foi
adquirido através do seu grupo pela aprendizagem consciente, ou, num
nível algo diferente, por processos de condicionamento técnicas de várias
espécies, sociais ou institucionais, crenças, modos padronizados de
conduta (SANTAELLA, 2003, P. 31)
Com os deslocamentos desses grupos, deslocam-se as culturas. Tudo o que
o homem fez sob a óptica da cultura em um dado momento pode e será modificado
e retransmitido, pois toda cultura é movente. A cultura, sob esse ponto de vista, é
um processo permanente de construção/desconstrução/reconstrução. O que varia,
portanto, é a importância de cada fase, de acordo com as situações. Para Cuche
(1999), nenhuma cultura existe “em estado puro”, sem que jamais tenha passado
por qualquer influência, mesmo que seja mais simples possível. Nesse sentido,
Herder apud Thompson (1995, p. 169) “preferiu falar em culturas no plural,
chamando a atenção para as características particulares dos diferentes grupos,
nações e períodos”.
Nunca pensei que, pelo fato de empregar algumas expressões figurativas
tais como meninice, infância, maturidade e velhice de nossas espécies, cuja
cadeia de termos foi aplicada, e somente poderia sê-lo, apenas a algumas
poucas nações, isso se constituísse numa indicação de um caminho através
do qual a história da cultura, sem falar na filosofia da história da
humanidade como um todo, pudesse ser retraçada com segurança. Existe
acaso algum povo sobre a face da terra que seja totalmente sem cultura? E
como seria restrito o esquema da Providência se todos os indivíduos da
espécie humana fossem formado por aquilo que nós chamamos de cultura,
cujo nome mais apropriado seria amiúde fraqueza refinada (HERDER apud
THOMPSON, 1995, p.169).
19
Para Herder, não existe uma sociedade onde a aplicação da palavra cultura
possa designar as várias fases de um povo, de uma nação em épocas distintas. Se
assim houvesse, seria um equívoco, pois “nada é mais vago que o próprio termo”. A
cultura em si é simbólica, pois são os símbolos que constituem uma nação, um
grupo e fazem com que os povos sejam únicos em cada período da sua história.
Para Thompson (1995, p. 176), cultura é o padrão de significados incorporados nas
formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos
de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos se comunicam entre si e
partilham suas experiências, concepções e crenças.
1.1.3 Repensando a cultura comum
Se por um lado a cultura serve como sustentáculo para as dificuldades
enfrentadas no dia-a-dia, por outro, ela funciona como forma de distanciamento, de
separação/distinção entre os grupos. Esta última posição, por vezes é tão forte que,
em certa medida, pessoas tidas como cultas são aquelas que dominam outras
línguas, escutam músicas eruditas, etc., lêem clássicos em sua língua e. Para
Barreto (1997), a cultura empregada nesse sentido “é dominante e suspeita, um
privilégio de poucos”. A posição de Barreto se confirma ao analisarmos o
posicionamento de T. S. Eliot quando propõe uma cultura comum, a qual não é
vivenciada de maneira igualitária, mas sim em “níveis diferentes de consciência”.
Estudando o posicionamendo de Eliot, Eagleton diz que:
Na sociedade ideal de Eliot, então, todas as classes sociais vão partilhar a
mesma cultura, mas a tarefa da elite será promover um desenvolvimento
maior da cultura em sua complexidade orgânica: cultura em um nível mais
consciente, mas ainda a mesma cultura (EAGLETON, 2005, p. 166-7).
Para Eliot, os níveis de culturas superiores não têm mais cultura do que os
níveis inferiores, a diferença está em “graus de autoconsciência”. O que ele propõe é
uma cultura mais “consciente e especializada”. Essa posição de Eliot divide a cultura
em dois corpos, o primeiro seria os “das obras artísticas e intelectuais”, o qual seria
de domínio das elites, o outro atuaria no “sentido antropológico”, pertencente às
classes comuns, dos trabalhadores. Isto, para Barreto (1997), é uma ironia, pois a
cultura, “porta da verdade”, se transformou numa “mentira de sustentação da
20
vontade de grupos predominantes sobre o desenvolvimento mental do geral” (p. 77):
Esta apresentação estereotipada é forma de preceituar a cultura como algo
seletivo e próprio às elites, em oposição ao comportamento vivencial das
massas de homens, mulheres e crianças, trabalhadores nos serviços do
campo e da indústria das cidades, em permanente modificar de bitos,
procedimentos e costumes (BARRETO, 1997, p. 77).
A cultura comum para Eliot, o motivo da cultura, seria como uma espécie de
ciclo, cada classe nutrindo umas as outras, onde os níveis de cultura se
alimentariam mutuamente. Para Eagleton (2005, p. 162), “o povo e a intelligentsia
não constituem culturas diferentes. A mesma cultura é vivida inconsciente pelo povo
e auto-reflexivamente compatível com uma cultura hierárquica”, com que nos
deparamos com Jessier Quirino.
Raymond Williams, citado por Eagleton (2005, p. 168), diz que:
Uma cultura, enquanto está sendo vivida, é sempre em parte desconhecida,
em parte irrealizada. A construção de uma comunidade é sempre uma
exploração, pois a consciência não pode preceder a criação, e não existe
nenhuma fórmula para uma experiência desconhecida. Uma boa
comunidade, uma cultura viva, irá, por causa disso, não apenas dar espaço
para, mas encorajar ativamente, todo e qualquer um possa contribuir para o
avanço em consciência que é a necessidade comum... Precisamos
considerar com toda a atenção qualquer afeto, qualquer valor, pois não
conhecemos o futuro, pode ser que jamais estejamos certos do que pode
enriquecê-lo.
A idéia de cultura comum de Eliot encontra, assim, uma diferença básica na
concepção de Raymond Williams. Para Williams, uma cultura comum envolve a
construção participativa de todos esses significados, com a participação efetiva de
todos os seus membros. A participação coletiva, sem níveis de distinção, daria mote
a cultura comum de Williams. Para ele, a construção cultural onde uma minoria
produz o que os outros devem consumir se aplicaria mais a idéia de uma “cultura em
comum”. Eagleton (2005, p. 169) destaca, então, que uma “cultura comum é aquela
que é continuamente refeita e redefinida pela prática coletiva de seus membros, e
não aquela na qual valores criados pelos poucos são depois assumidos e vividos
passivamente pelos muitos”.
Eagleton (2005) entende a concepção de Williams de uma cultura comum
como importantíssima para o entendimento das discussões entre “cultura como
21
hibridez e cultura como identidade por parte dos pluralistas e comunitaristas,
lançando novas possibilidades de entendimentos.
A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em
grande medida, aquilo para o que vivemos. Afeto, relacionamento, memória,
parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer intelectual, um
sentido de significado último: tudo isso está mais próximo, para a maioria de
nós, do que cartas de direitos humanos ou tratados de comércio
(EAGLETON, 2005, p. 184).
Para Williams, o que mais importa não é a condição política cultural, mas a
política da cultura. “A política é a condição da qual a cultura é o produto”. Tanto
Williams quanto Eliot, salienta Eagleton, dão ênfase às pluralidades culturais e as
desigualdades de qualquer cultura real.
1.1.4 Do simbólico ao simbolismo
Um olhar atento para o passado pode ser revelador de muitos acontecimentos
que até então estavam adormecidos. Assim, ao olhar os fatos e os processos
culturais mediados pelas ações simbólicas das várias sociedades, podemos
encontrar situações de investigações científicas. Esses processos simbólicos estão
diretamente ligados a processos de desenvolvimentos culturais, quando o homem
modifica o meio no sentido de buscar melhoria para si e para os seus pares. O
sistema de navegação foi importantíssimo para a divulgação e incorporação de
novas formas simbólicas nas sociedades do “velho” e do “novo mundo”. No Brasil,
por exemplo, o uso de carrancas na proa das navegações do Rio São Francisco
serviu, e ainda continua a servir, como forma de afugentar os maus espíritos. Mas,
outras pessoas usam-nas como adornos no pescoço, dentro de casa, ou
simplesmente possuem-nas como obras de arte, dando outros significados. Isto é o
que Thompson (1995) chama de especificidade referencial, para ele, isso acontece
devido ao seu uso ou em situações específicas. Especificidade referencial, diz o
pesquisador, “significa o fato de que, em uma dada ocasião de uso, uma figura ou
expressão particular refere-se a um específico objeto ou objetos, indivíduo ou
indivíduos, situação ou situações” (THOMPSON, 1995, p. 190).
Depois das grandes navegações, que deram início aos processos de
globalização, as Revoluções Industriais trouxeram máquinas e incrementos
tecnológicos para os processos comunicacionais e, mais recentemente, as
22
revoluções tecnológicas mediadas pelos aparatos de conversação impulsionaram de
forma irreversível os processos culturais de todo o mundo. É o que Thompson
(1995) define como midiação da cultura moderna em sua obra Ideologia e cultura
moderna: Teoria social critica na era dos meios de comunicação de massa. Para
ele, isso tudo passa pela produção midiática, isto é “as maneiras como as formas
simbólicas, nas sociedades modernas, tornaram-se crescentemente mediadas pelos
mecanismos e instituições da comunicação de massa” (p. 104).
A análise de Thompson está centrada nas discussões propostas pela
chamada Escola de Frankfurt e a possível influência dos produtos midiáticos nas
sociedades. Para os pesquisadores frankfurtinianos, a influência da mídia nos
processos culturais tiraria o poder de reflexão e pensar crítico das pessoas ao passo
que diminuiria o valor estético das obras de arte ao produzi-las em regime industrial.
Assim, salienta Thompson (1995, p. 105), "Horkheimer e Adorno apresentaram uma
das primeiras teorias sistemáticas da midiação da cultura moderna e tentaram trazer
à luz as implicações desse processo para a análise da ideologia nas sociedades
modernas". A partir das discussões da Escola de Frankfurt, os conceitos sobre
cultura assumem um novo olhar. Se antes a divisão era entre cultura erudita e
cultura popular, agora entra em cena as discussões sobre a cultura de massa, com
toda a ambigüidade que o termo massa sugere. A cultura de massa, ou para as
massas, seria aquela que se apropriara das culturas eruditas e populares
transformando-as em regime de produção em série, diminuindo o seu valor estético
com o intuito de servir apenas para o consumo breve, fútil, imediato.
Para abarcar toda a produção propiciada pelos produtos midiáticos e pela era
da reprodução dos signos, Thompson apresenta a concepção estrutural de cultura,
ao reformular as concepções descritivas e simbólicas de cultura. Na concepção
estrutural, o autor propõe o entendimento dos fenômenos culturais como “formas
simbólicas em contextos estruturados” e, portanto, “a análise cultural pode ser
pensada como o estudo da constituição significativa e da contextualização das
formas simbólicas” (THOMPSON, 1995, p.166). Reformulando a concepção
simbólica proposta por Geertz que, segundo Thompson, apresenta certa debilidade
ao não dar suficiente atenção as mediações criadas nas quais os “símbolos e as
ações simbólicas estão sempre inseridas” (p. 166). Geertz defende o conceito de
cultura a partir do olhar semiótico, onde o homem estaria sempre amarrado a teias
de significações tecidas por ele mesmo.
23
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal suspenso em
teias de significações que ele mesmo teceu, entendo a cultura sendo essas
teias, e sua análise, portanto, como sendo não uma ciência experimental
em busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significados
(GEERTZ, 1989, p.15).
A partir desta concepção de Geertz sobre a interpretação das culturas, que
segundo Thompson apresenta a mais significativa apropriação do conceito de
cultura surgida na literatura antropológica, ele propõe a formulação da concepção
simbólica de cultura. Para ele, nessa concepção, a “cultura é o padrão de
significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações
verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos se
comunicam entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças”
(THOMPSON, 1995, p.176). Assim sendo, o estabelecimento de um objeto como
forma simbólica, leva em consideração a relação entre produtor-receptor-produtor. É
preciso que esse objeto seja produzido de forma intencional e percebida como tal
por parte do(s) receptor(es). As formas simbólicas seriam, portanto, “expressões de
um sujeito para um sujeito (ou sujeitos)”, de acordo com Thompson. No entanto, o
pesquisador ressalta que o significado intencionado por um sujeito-produtor de uma
forma simbólica não seria, evidentemente, “idêntico aquilo que o sujeito-produtor
tenciona ou quer dizer” ao ser interpretado por outro sujeito
1
a partir da sua
experiência de vida. Portanto, uma forma simbólica pode ter significados diferentes
ao ser interpretada em culturas diferentes. Santaella (2003) corrobora com
Thompson e salienta que os “artefatos ou objetos criados pelo homem”, assim como
a sua própria fala, têm significados e que sem o reconhecimento deles, esses
elementos culturais seriam incompreensíveis, assim sendo “as culturas costumam
ser chamadas de sistemas simbólicos” (p. 46). A interpretação das culturas sob esse
ponto de vista possibilita ao pesquisador, assim como aos participantes desses
sistemas simbólicos, uma melhor compreensão da realidade que os cerca, das
práticas e ações de um indivíduo, grupo ou nação.
1
Para Jonathan Culler em sua obra “Teoria Literária: uma introdução”, ao discutir a constituição do “sentido de
um obra” ele salienta que “O sentido de uma obra não é o que o autor tinha em mente em algum momento,
tampouco é simplesmente uma propriedade do texto ou a experiência de um leitor. O sentido é uma noção
inescapável porque não é algo simples ou simplesmente determinado. É simultaneamente uma experiência de um
sujeito e uma propriedade de um texto. É tanto aquilo que compreendemos como o que, no texto, tentamos
compreender. Portanto, “O sentido é impreciso... o sentido é determinado pelo contexto (o sentido está preso ao
contexto)... o contexto é ilimitado” (p. 70). A constituição de uma forma simbólica proposta por Thompson pode
ser entendida também a partir dessa concepção de interpretação de um texto proposta por Culler.
24
1.1.5 Popular, erudito e massivo
As três frentes onde se travam as batalhas conceituais sobre o termo cultura
são pontuadas por dois pontos primordiais para qualquer povo: aquilo que foi
apreendido do seu passado, que permanece, e aquilo que se inventa, que aponta
para as transformações futuras. Nessas duas latências estão os conflitos das
evoluções culturais. Como manter aquilo que define uma cultura popular se ela está
constantemente em modificação, se configurando e reconfigurando a todo instante.
E aquilo que não se modifica integralmente, assume status de folclore, parte
integrante dos cultos populares. A cultura erudita tem como defesa a arte feita
pensada, elaborada de forma racional e, portanto, consegue se manter intacta. Já a
cultura de massa provoca mediações entre os símbolos pertencentes ao popular e
ao erudito ao passo que os desterritorializa. As encenações do popular passam a
ser mediadas pela indústria do turismo. E, nessa lógica, mais vale a pura e simples
apresentação da folia de reis do que o seu significado para os festeiros e
participantes. Nesse sentido, lembra Dominic (1999, p. 20), “na modernidade, a
discussão sobre cultura popular adquire importância por estar relacionada com o
conceito de cultura de massa, que se desenvolve, particularmente, a partir dos anos
1920 e 1930”. A cultura de massa, diz Macdonald, citado por Dominic (1999), é
essencialmente uma cultura democrática, pois “nega terminantemente preconceitos
contra qualquer coisa ou qualquer pessoa” (p.32). A “democrática” cultura de massa
abre espaço para novas leituras, uma vez que ela nos ensina sobre a importância do
diálogo entre as culturas. No entanto, é preciso observar que, apesar dessa
democracia da cultura de massa, ela termina por influenciar as culturas populares.
Discutimos, então, a possibilidade de interpretação, assimilação e uso dos produtos
da indústria cultural por parte das sociedades de forma consciente. Assim sendo,
concordamos com Montiel quando diz:
O diálogo entre as culturas não nos impede, necessariamente, de manter
nossas raízes e não implica romper com nossa própria cultura e com a dos
nossos antepassados, com suas tradições e seus valores. Deve-se
entender que, do mesmo modo que eles se adaptaram às circunstâncias do
mundo que os rodeava, nós também devermos abrir-nos às culturas de
hoje. Somente através de um intercâmbio fluido teremos a possibilidade de
encontrar novas soluções para as nossas diferenças culturais (MONTIEL,
2003, p. 41).
25
A relação do popular com o erudito e com massivo se no cruzamento que
Canclini (1997) vai chamar de fronteiriço. Numa relação de perdas e ganhos, onde
as culturas se modificam ao contato com as outras. A poética de Jessier Quirino, de
cunho popular nordestino, também reflete essas relações de influências, como
podemos observar no poema Secas de março (QUIRINO, 2001, pp. 89-91), uma
paródia do poema Águas de março de Tom Jobim:
É pau, é pedra é o fim do caminho
É um metro é uma légua é um pobre burrinho
É um caco de vida é vida é o sol
É a dor é a morte vindo com o arrebol
É galho de jurema é um pé de poeira
Cai já, bambeia é do boi a caveira
É pé de macambira invadindo a cocheira
É vaqueiro morrendo é a reza brejeira
[...]
É o canto agourento aquela acauã
É o vôo da asa-branca no sol da manhã
É a seca de março torrando o sertão
É promessa de vida, é a nova eleição
É doutor deputado é doutor coroné
É um pão, uma feira, um remédio no pé
É um poço, uma pipa, um cantor uma fã
É a troca e o troco depois de amanhã
É a seca de março torrando o sertão
É a promessa devida da outra eleição
..........................................................................
É pau é pedra é o fim do caminho.
A partir de uma música erudita, difundida pela mídia, Jessier Quirino
reconstrói o discurso das secas que tanto afligem o Nordeste brasileiro, ao passo
que cobra uma saída para essa situação.
Bosi (1992), Canclini (1997) e Martín-Barbero (2001) colocam muito bem a
questão das inter-relações entre as culturas. Para os pesquisadores, podemos
encontrar as relações do popular no erudito, do erudito no massivo, e vice-versa. No
caso do Nordeste brasileiro, a presença de culturas ibéricas com africanas e
indígenas representam uma grandeza de bens simbólicos construídos a partir desse
contato. No entanto, corroboramos com Bosi (1992, p. 11) ao ressaltar que “nem a
cultura popular tradicional nem a cultura erudita moderna constroem-se a partir de
um regime de produção em série com linhas de montagem e horários regulados
mecanicamente”. Assim, temos a grande crítica à cultura de massa e, por outro lado,
temos uma gama infinita de circulação de bens simbólicos propiciados pela
industrialização de massa. Assim sendo, convém citar Canclini (1997) ao dizer que
26
“o culto tradicional não é apagado pela industrialização dos bens simbólicos” (p. 21),
pelo contrário os processos de modernização podem até diminuir os significados do
culto e do popular dentro do mercado simbólico, porém não os elimina de vez.
Temos uma circulação maior de publicações impressas e online e um retorno às
origens de símbolos propiciados pela Internet.
Pesquisar sobre folclore, cultos, receitas tradicionais, obras de arte nunca foi
tão fácil. Vivemos então, uma sociedade projetada para atender a um número cada
vez maior de massas. Por isso, falar de massivo para Martín-Barbero (1991) é o
mesmo que falar do “sistema de educação, das formas de representação e
participação política, a organização das práticas religiosas, os modelos de consumo
e os de uso de espaço” (p. 321).
Para nosso estudo, agora, focamos a atenção para as discussões sobre a
cultura popular. De acordo com Zumthor (1993, p. 118), “a idéia de cultura popular é
uma comodidade que permite o enquadramento dos fatos”. Para ele, a distinção
entre a palavra erudito e popular está revelada em “tendências” estabelecidas no
seio de uma “cultura comum”.
Na verdade, o que a palavra erudito designa é uma tendência, no seio de
uma cultura comum, à satisfação de necessidades isoladas da globalidade
vivida, à instauração de condutas autônomas, exprimíveis numa linguagem
consciente de seus fins e móvel em relação a elas. Popular, tendência a alto
grau de funcionalidade das formas, no interior dos costumes ancorados na
experiência cotidiana, com desígnios coletivos e em linguagem
relativamente cristalizada. (ZUMTHOR, 1993, p. 119)
Zumthor dedicou muitos dos seus estudos à cultura oral. Para ele, o oral não
significaria apenas popular, assim como o escrito não representaria erudito. Mas
adiante, retomaremos esse ponto ao discutirmos sobre a oralidade.
Para Dominic (1999), a idéia de cultura popular sempre existiu, e lembra a da
política do pão e circo empregada pelo império romano. Segundo ele, é nos estudos
de Peter Burker que podemos encontrar uma definição mais convincente. “Burker
sugere que a idéia de cultura popular está assinalada às primeiras formas de
consciência nacional no final do século XVIII, que consistiu em uma tentativa dos
intelectuais em erigir a cultura popular em cultura nacional” (DOMINIC, 1999, p. 20).
Numa concepção mais recente, Raymond Williams coloca a questão da cultura
popular como aquela “feita pelo próprio povo” e que em certa medida será
equiparada com a cultura folk ao ser deslocada para o passado. O fato é que “a
27
cultura popular é heterogênea (Ortiz, 1994), e que, portanto, o correto seria
falarmos em “culturas populares”. O pensamento de Ortiz se completa com o de
Certeau (1995) ao definir a cultura popular como “a cultura comum das pessoas
comuns, isto é, uma cultura que se fabrica no cotidiano, nas atividades ao mesmo
tempo banais e renovadas a cada dia”. Para Certeau, a dificuldade em se definir
com clareza a noção de cultura popular se deve a polissemia semântica que cada
um dos termos sugere.
Diante do percurso traçado sobre a cultura, nos defrontamos com diversas
possibilidades de conceitos onde, cada um se apóia em determinados pressupostos.
Pesquisar sobre cultura é como tentar segurar o ar que inspiramos. E a dificuldade
aumenta cada vez que chegamos mais próximos do(s) seu(s) conceito(s) e de suas
múltiplas variações entre popular, erudito, massivo, folk, etc.
1.2 Oralidade e a renovação das culturas
É através da oralidade que muitas culturas se mantêm vivas entre seus
participantes e ao olhar do pesquisador. Nos discursos orais, encontramos uma
porta para a preservação de valores, crenças, idiomas, linguagens, gestos
(ZUMTHOR, 1997) e expressões culturais de um grupo. No dizer de Knapp
2
, a
oralidade seria, portanto, “a forma de preservar a cultura de um povo”. Zumthor em
sua obra A letra e a voz ressalta que a oralidade não passa de uma “abstração” e
que somente a voz seria “concreta”. Ao escutarmos essa voz, poderíamos “tocar as
coisas” (Zumthor, 1993), ao passo que, ao transcrevermos essa voz para a escrita,
tiraríamos dela boa parte da carga simbólica. Assim, ressalta o pesquisador, “a
oralidade não se reduz a ação da voz”, pelo contrário, “a oralidade implica tudo o
que, em nós, se endereça ao outro: seja um gesto mudo, um olhar (Zumthor, 1993,
p. 203).
Pretti (2004) concorda com Zumthor ao discutir o que ele chama de “situação
de interação”. Nesse sentido, para Pretti, a questão também pode ser pontuada
pelas emoções do receptor, que na língua escrita o como prevê-las e, nem
2
KNAPP, Cristina Löff. A oralidade nos contos Africanos de Lourenço do RosárioDisponível em
<http://www2.uel.br/revistas/boitata/n%C3%BAmero-3-2007/Artigo%20Claudia%20Knappok.pdf> acessado
em 5/08/2008.
28
mesmo, adivinhar quem vai ler o texto. “Além disso, pensamos para escrever, temos
oportunidade de refazer nosso texto, corrigi-lo, reelaborá-lo, o que o ocorre com a
fala” (PRETTI, 2004, p.18).
Preocupado com a transcrição da voz para a escritura, Zumthor apresenta o
que ele chama de “índices de oralidade”, entendido como:
[...] tudo o que, no interior de um texto, informa-nos sobre a intervenção da
voz humana em sua publicação quer dizer, na manutenção pela qual o
texto passou, uma ou mais vezes, de um estado virtual à atualidade e
existiu na memória de certo número de indivíduos. O índice adquire valor de
prova indiscutível quando consiste numa conotação musical, duplicando as
frases do texto manuscrito (ZUMTHOR, 1993, p.35)
Os índices de oralidade variam de acordo com cada texto. Em alguns, a
repetição, o uso de formas coloquiais, gírias, entre outros, podem revelar esse
índices. Tudo vai depender do texto a ser analisado e em que cultura ele foi
produzido, o que será patenteado nos textos de Jessier Quirino.
1.2.1 Tipos de oralidades
Houve quem julgasse, no seu entender, que a escrita estaria ligada a tudo o
que é culto e a oralidade estaria ligada ao inculto. Entendemos que o diálogo entre a
oralidade e a escritura é mais que um fato, ele é extremamente necessário. Ambos
se alimentam. Constroem-se e reconstroem-se. Pensar a oralidade de modo
negativo (ZUMTHOR, 1993) seria inútil. Para Zumthor, o que há, na verdade, são
níveis de oralidade. O autor apresenta três tipos de oralidades, ambas
correspondentes a três tipos de culturas. A oralidade primária, pura, não tem contato
com a escritura, estaria distante de qualquer cultura impregnada por símbolos. A
oralidade mista ocorre quando o controle da escritura permanece “externo, parcial e
atrasado”. a oralidade segunda: “quando se recompõe com base na escritura
num meio onde esta tende a esgotar os valores da voz no uso e no imaginário”
(ZUMTHOR, 1993, p.18). A oralidade segunda, por conseguinte, necessitaria de
uma cultura letrada. Para ele, os tipos de oralidade variam de acordo com as
épocas, as regiões e as classes sociais, assim como os indivíduos que as praticam.
Para W. Ong (1998), há uma distinção entre a oralidade primária e a oralidade
secundária, levando-se em conta não só o desenvolvimento de uma linguagem
29
escrita, com suas normas dentro de um universo, culto ou não, mas é preciso levar
em consideração as formas de veiculação de informações através da imprensa
escrita (na oralidade primária). na oralidade secundária, a participação das altas
tecnologias da comunicação como o rádio, a televisão e novos meios eletrônicos,
para funcionarem necessitariam da escrita e da imprensa. Para Zumthor (1997,
p.37), haveria uma oralidade mecanicamente mediatizada, mas que o diferiria da
antiga, a não ser por algumas de suas modalidades. Também para ele:
Resulta que, neste final do século XX, nossa oralidade não possui mais o
mesmo regime dos nossos antepassados. Viviam eles no grande silêncio
milenar, em que a voz ressoava como sobre uma matéria: o mundo visível
em sua volta repetia-lhes o eco. Estamos submersos em ruídos que não
podemos colher, e a nossa voz tem dificuldades em conquistar seu espaço
acústico; mas basta-nos um equipamento ao alcance de todos os bolsos,
para recuperá-la e transportá-la em uma valise (ZUMTHOR, 1997, p.28).
É evidente que, mais incisivamente, da segunda metade do século XX para
cá, a voz tem sido transportada de lugar para outro numa velocidade mais rápida
que a da luz. Seria, então, a liberdade das “limitações espaciais” (ZUMTHOR, 1997)
surgidas a partir do gravador, da câmera de televisão, das ondas do rádio e, hoje, do
celular e da Internet. São vozes que possuem um traço comum dentro desse
processo mediatizado. Elas (as vozes), aponta Zumthor (1997, p. 29) “são
despersonalizadas pela sua reiterabilidade, que lhes confere, ao mesmo tempo, uma
vocação comunitária”. A mobilidade alcançada pela voz eliminaria a presença física
do produtor ao passo que o apagaria, ficando fixo somente o eco da sua voz.
Noutros dispositivos, um vulto em movimento ou simplesmente estático.
1.3 Carnavalização: considerações
O nosso ponto para a interpretação do conceito de carnavalização na
literatura é o proposto por Mikhail Bakhtin em sua obra A cultura popular na Idade
Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Negar qualquer ordem
estabelecida ao passo que propõe a criação de um novo universo simbólico, com
imagens que contrariam qualquer hierarquia, assim é a característica do mundo
carnavalizado. A ordem do universo carnavalesco é a desordem. Para Bakhtin
(1993, p. 2), “as imagens de Rabelais se distinguem por uma espécie de caráter
30
não-oficial, indestrutível e categórico, de tal modo que não dogmatismo,
autoridade [...]”. O princípio do carnaval enquanto festa primitiva está em celebrar o
início de um novo ano ou o renascimento da natureza e tem sua principal
característica na libertação dos laços simbólicos presos pelas convenções e
restrições estabelecidas dentro das sociedades no que se refere a vida cotidiana, a
participação dessas pessoas. “O carnaval põe em relevo o desvirtuamento da
cultura oficial”, assinala Miranda (2001, p. 121). As sociedades se modernizam ao
passo em que se criam e fortalecem suas instituições. Assim sendo, as instituições
religiosas que, em todas as nações assumem um papel muito forte no que diz
respeito às práticas e os modos de vida das pessoas, terminam por fazerem parte
de todo o processo que constitui o carnaval, ao lado, evidentemente, do Estado.
Essas duas instituições, a Igreja e o Estado, formam os principais motivos de
gozação pelos participantes do Carnaval na Idade Média. O riso torna-se, portanto,
elemento chave na carnavalização.
O mundo infinito das formas e manifestações do riso opunha-se à cultura
oficial, ao tom sério, religioso e feudal da época. Dentro da sua diversidade,
essas formas e manifestações – as festas públicas carnavalescas, os ritos e
cultos cômicos especiais, os bufões e tolos, gigantes, anões e monstros,
palhaços de diversos estilos e categorias, a literatura paródica, vasta e
multiforme, etc. possuem uma unidade de estilo e constituem partes e
parcelas da cultura cômica popular, principalmente da cultura carnavalesca,
una e indivisível (BAKHTIN, 203, p. 3-4).
A cultura popular da Idade Média, de acordo com Bakhtin (1993), dentro das
suas várias manifestações, estaria divida em três categorias, englobando “as formas
dos ritos e espetáculos”, as “obras cômicas verbais” e as “diversas formas e gêneros
do vocabulário familiar e grosseiro”. Há, portanto, para o autor, um elemento
fundamental que pertence e une essas três categorias, neste caso, o “aspecto
cômico do mundo”.
Todos esses ritos e espetáculos organizados à maneira cômica apresentam
uma diferença notável, uma diferença de princípio, poderíamos dizer, em
relação às formas do culto e às cerimônias oficiais sérias da Igreja ou do
Estado Feudal. Ofereciam uma visão do mundo, do homem e das relações
humanas totalmente diferentes, deliberadamente não-oficial, exterior à
Igreja e ao Estado (BAKHTIN, 203, p. 4).
É nesse universo de inversão de valores que a cultura popular cria um mundo
ao revés, onde tudo é permitido, seja através de gestos, falas, comportamentos. A
31
ordem seria, então, quebrar qualquer convenção estabelecida. Cada personagem
constrói seu próprio mundo, rindo e tornado-se risível, ao passo que se torna parte
do objeto caricaturado e caricaturante. Assim, “durante o carnaval é a própria vida
que representa e interpreta uma outra forma livre de sua realização” (BAKHTIN,
1993, p.7) constituindo a segunda vida do povo propiciada somente a partir do riso
das formas, ritos e espetáculos cômicos. A criação do mundo ao revés se apresenta,
em muitos casos, na obra de Jessier Quirino quando, por exemplo, ele diz:
Já vi majó de saiote
Levando isporro dum cabo
Vi pade de cara branca
Fantasiado de diabo
Vi vitalina feliz
Que só não deu por um triz
Mas inda isquentô o rabo (QUIRINO, 1996, p. 76).
Assim, a poesia quiriniana recria um mundo carnavalizado, as avessas, pois,
no carnaval, os foliões não participam passivamente das suas celebrações, eles
simplesmente vivem a vida, livres, participam em conjunto pois, a festa é de todos e
para todos, sendo regido apenas pela lei que conduz a liberdade, dos prazeres
carnais, físicos, biológicos. Nele, se misturam o sagrado e o profano, o feio e o belo,
riso e comédia, vida e morte, as necessidades fisiológicas se tornam públicas, sem
pudor, tudo é permitido, mas mesmo assim essa liberdade é finita, tem uma hora
para começar e para terminar. De fato, sim, mas para os foliões, pouco importa, o
que vale, na verdade, é a transgressão de um estado e de uma cultura oficial, a
criação de um “reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância”
(BAKHTIN, 1993, p.7). Para Bakhtin, o carnaval se contrapõe diretamente a festa
oficial e ao triunfo da verdade pré-fabricada, que servia apenas para consolidar e
fortificar o Estado feudal.
A festa carnavalesca é o momento da total inversão do regime dominante: a
liberação, ainda que provisória, a abolição das hierarquias, regras e tabus, o
congraçamento pagão. Desejos oníricos de um lugar outro e de um tempo
outro, de uma utopia e de uma ucronia (MIRANDA, 1997, p. 129).
Para Miranda (1997), essa inversão de sentido do carnaval para com a vida
oficial se pelo fato da cultura popular quebrar as “distinções” criadas por essa
cultura oficial como forma de separação das pessoas com todas suas “insígnias,
títulos, discursos e pompas” (MIRANDA, 1997, p. 129), que serviam pura e
32
simplesmente como marcas intencionais das desigualdades. O antropólogo Roberto
DaMatta (1986, p. 71) diz que o carnaval é “uma ocasião em que a vida diária deixa
de ser operativa e, por causa disso, um momento extraordinário é inventado [...] o
carnaval cria uma situação em que certas coisas são possíveis e outras devem ser
evitadas”. Assim sendo, para o antropólogo, a “liberdade” que condição ao
carnaval tem suas regras, e, portanto, o “triste e o trágico” estariam fora dessa
manifestação.
Sabemos que o carnaval é definido como “liberdade” e como possibilidade
de viver uma ausência fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, obrigações,
pecado e deveres. Numa palavra, trata-se de um momento onde se pode
deixar de viver a vida como fardo e castigo. É, no fundo, a oportunidade de
fazer tudo ao contrário: viver e ter uma experiência do mundo como excesso
mas agora como excesso de prazer, de riqueza (ou de “luxo”, como se
fala no Rio de Janeiro), de alegria e de riso; de prazer sensual que fica
finalmente ao alcance de todos. A “catástrofe” que o carnaval brasileiro
possibilita é a da distribuição teórica do prazer sensual para todos
(DAMATTA, 1986, p. 73).
O carnaval provocaria “catástrofe” no momento em que propõe uma
mobilidade às sociedades, criando uma nova ordem, uma “reviravolta positiva,
esperada, planificada” (DAMATTA, 1986, p 73) e necessária, principalmente, para o
nosso mundo social, marcado por protocolos. Essa seria, então, a mobilidade das
hierarquias sociais, das trocas de posições, de lugares. “O carnaval é a possibilidade
utópica de mudar de lugar, de trocar de posição na estrutura social. De realmente
inverter o mundo em direção à alegria, à abundância, à liberdade e, sobretudo, à
igualdade de todos perante a sociedade”, assim sendo, profere o antropólogo. Por
outro lado, o problema é que essa inversão tem a finalidade de mostrar o seu
justo e exato oposto. De fato, as inversões, as mobilidades, as transgressões, as
recriações propiciadas no carnaval pelos foliões se tornam apenas parte da festa,
não interferem no pós-carnaval, no pós-evento. A igualdade que é comum a todos,
sem distinção de classe, se esvai com o fim do carnaval. Por outro lado, essa
manifestação, através da sua linguagem influencia a literatura, o cinema, as artes e
cria um novo espaço, o da carnavalização.
33
1.3.1 Carnavalização na literatura segundo Bakhtin
Se os participantes da cultura popular se tornam livres durante o carnaval
para, através de um mundo às avessas, se contraporem a cultura oficial e
desconstruírem todas as hierarquias instituídas, é através da literatura carnavalizada
que essa inversão se tornará imortalizada, uma vez que não se extinguirá com a
pura celebração da festa. A literatura carnavalizada atravessa os tempos, rompe as
barreiras da Idade Média, aponta a “consciência” do Renascimento (Bakhtin, 1993) e
chega anós como fonte de interpretação das mudanças culturais de todos esses
séculos.
A transposição da linguagem carnavalesca, com seus inúmeros símbolos,
seja para a literatura ou para as artes, dar-se-á o nome de carnavalização. Bakhtin
(1981), em seus estudos acerca o discurso nas obras Dostoievski, aponta a sátira
menipéia e o diálogo socrático dentre as linguagens literárias portadoras da visão
carnavalesca do mundo. Entretanto, esse mesmo autor destaca outras
características necessárias para a transposição e entendimento dessa linguagem
carnavalizada e que “apenas a cultura cômica popular” (Bakhtin, 1993) poderia
representar esse papel, através de um mundo carnavalizado. Portanto, o carnaval
da Idade Média e do Renascimento, para ele,
(...) liberava a consciência do domínio da concepção oficial, permitia lançar
um olhar novo sobre o mundo; um olhar destituído de medo, de piedade,
perfeitamente crítico, mas ao mesmo tempo positivo e o niilista, pois
descobria o princípio material e generoso do mundo, o devir e a mudança, a
força invencível e o triunfo eterno do novo, a imortalidade do povo
(BAKHTIN, 1993, P239).
Neste sentido, convém citarmos um trecho de um poema de Jessier Quirino
propondo uma leitura para o carnaval:
É aí que a tampa avôa
Pro de baxo do pulêro
Criado dá na patroa
Que o rico vira lixêro
Pro baxo da fantasia
Todo mundo é nos trêis dia
O que não é no ano intêro (QUIRINO, 1996, p. 76)
Bakhtin coloca como ponto central para o surgimento do mundo carnavalizado
a quebra das concepções criadas nos culos do mundo gótico. O Renascimento
34
surge como fonte de renovação dessas concepções, libertando a consciência, ao
passo que reorienta uma nova concepção do mundo e da literatura. Neste sentido,
profere Bakhtin (1993, p. 239): “É isso que nós entendemos como carnavalização do
mundo, isto é, a libertação total da seriedade gótica, a fim de abrir o caminho a uma
seriedade nova, livre e cida”. A carnavalização da literatura é portadora de uma
linguagem onde o elemento cômico estará sempre presente, como podemos
detectar em Jessier Quirino. Assim sendo, Sant’Anna (1997, p. 94) reforça o
conceito ao definir a carnavalização como sendo “uma forma de estudar os textos
literários e mesmo a cultura de um povo, procurando os efeitos cômicos e
parodísticos que mostram como a comédia pode revelar alguns traços do
inconsciente social”.
Uma vez que a tira menipéia, conhecida também como gênero cômico-
fantástico, e o diálogo socrático são portadores da linguagem carnavalizada da
literatura, é preciso que elenquemos algumas características que abrem caminho
para o entendimento da carnavalização, de acordo com Bakhtin (1981). Assim
sendo, Bakhtin destaca como a primeira característica da linguagem da literatura
carnavalizada a presença constante do riso, do elemento cômico. Neste sentido, o
autor reforça a importância do riso ambivalente, portador de um discurso polifônico.
Minois (2003, p.166), acrescenta que “o riso carnavalesco é ao mesmo tempo
paródia, pela máscara, pelo disfarce, pela inversão”. Minois prossegue destacando
que o riso carnavalesco na Idade dia tinha a função de servir como força de
“coesão social”, distanciando-se da idéia de revolta. O elemento cômico seria obtido,
então, a partir da paródia e da sátira, ao explorá-los através de recursos retóricos.
Para o autor, a literatura carnavalizada, em tese, não teria nenhum
compromisso com a história nem com a tradição, possibilitando a criação de um
universo de liberdades pautadas pelo engenho filosófico, através de fatos
imaginários. A literatura carnavalizada ao explorar “as aventuras da idéia e da
verdade através do mundo” cria situações onde a fantasia se nutre da ironia,
levando o leitor a refletir sobre um ponto “filosófico-ideológico”, estaria criando a sua
principal característica. Um outro elemento da literatura carnavalizada seria obtido
ao se empregar o uso do diálogo filosófico, do simbolismo elevado e do fantástico
aventuroso. Um enredo que provoque aventuras em grandes estradas, em bordéis,
tabernas, nos covis de ladrões, em feiras e prisões, etc. possibilitaria diálogos entre
35
um mundo fantástico carregado de simbolismo mítico-religioso com o “naturalismo
de submundo extremado”.
Se o carnaval propõe diversas formas de (re)interpretações do mundo oficial,
a literatura carnavalizada busca essa confrontação ao sugerir, através da síncrise,
os prós e contras de um mesmo assunto cotidiano. Assim, é possível a criação,
dentro de uma mesma obra, de um resultado sincrético. Bakhtin considera também
como característica dessa literatura, a estruturação dos planos simbólicos que
inquietaram o homem na Idade Média: o céu, a terra e o inferno. Para ele, esses três
planos foram essenciais para a construção dos mistérios e a idealização nica da
Idade Média.
Bakhtin destaca a junção de duas características como sendo essenciais para
a criação da visão carnavalizada da literatura. O jogo de oximoros, com a quebra da
etiqueta proposta pelas regras de “bom-tom”, faz surgir novas categorias artísticas,
como os escândalos e as extravagâncias, abrindo espaço para a respeitabilidade
das ações humanas.
A literatura carnavalizada, assim como o carnaval, está extremamente
preocupada com as questões sociais, com os problemas políticos contemporâneos.
A poética de Jessier Quirino assume essa característica, em muitos casos, como
podemos observar no poema Recado de fim de ano:
Papai Noel de Brasília
Se conseguir distinguir
Por aí pelo Planalto
Um cabra do peito alto
Com fuça de javali
Falando em honestidade
Em água pro Cariri
Pregando coragem!... Luta!
Avise pro fela da puta
Que o roubo dele taqui (QUIRINO, 2001, p. 108)
Procedendo assim, a literatura carnavalizada inaugura, de certa forma, o
gênero jornalístico da antiguidade. Para Bakhtin, esse gênero jornalístico,
possibilitaria um espaço onde os poderes instituídos, as correntes filosóficas,
religiosas, as imagens dos homens ilustres, vivos e mortos se descortinariam
abrindo espaço para uma nova interpretação do mundo.
36
1.4 Metodologia
Propomos, em nosso estudo, pesquisar a representação do matuto e da
cultura popular nordestina a partir da obra de Jessier Quirino, arquiteto e poeta
paraibano. Na nossa pesquisa, entendemos que se faz necessário o entendimento
da obra “A cultura popular na Idade Média o no Renascimento: o contexto de
François Rabelais”, de Bakhtin (1993). Quirino utiliza do elemento cômico para
recriar um universo carnavalizado em alguns dos seus poemas. Para Melo (1996),
Jessier Quirino faz uma opção clara pelo humorismo em sua obra, mas sempre
preocupado em documentar a memória do homem rural. E completa:
Não sei se, prevendo uma profunda transformação do mundo rural, em
virtude da força homogeinizadora dos meios de comunicação e das novas
tecnologias, Jessier Quirino, desde seu primeiro livro, vem fazendo uma
etnografia poética dos valores, hábitos, utensílios e linguagens do agreste e
do sertão nordestino. (MELO, 1996, p.?)
Bakhtin, ao estudar a obra de Rabelais
3
, observou que o mesmo usou das
tradições e do imaginário da cultura popular que herdara do espírito medieval, da
estrutura das gestas, do modo peculiar e da riqueza vocabular para abordar alguns
dos problemas mais decadentes do seu tempo, como a relação com a igreja, a
administração da justiça, entre outros. Jessier, em sua época, também propõe um
olhar para a cultura popular nordestina, tendo como referencial o matuto. Nessa
perspectiva, é importante o entendimento da construção da figura do matuto na
poesia de Jessier, pois, é a partir dele (do matuto), que o autor percorre, através da
transcrição da oralidade, do linguajar e dos costumes nordestinos, sua trajetória de
mapeamento da cultura popular nordestina e da relação do homem do campo com o
homem urbano, com a política, com a religião e consigo mesmo.
Assim, ao nos debruçarmos sobre a região Nordeste, entendemos que o
pesquisador deve investigar o mundo em que o homem nordestino vive e o próprio
homem (CHIZZOTTI, 2001). A sua relação com o espaço natural é, na maioria das
vezes, constituinte de múltiplas identidades, quais sejam: sertanejo, brejeiro,
curimatauzeiro, carririzeiro, agresteiro, entre outras; ou mesmo seus estigmas
3
Tomamos aqui como referência os volumes o Gigante Gargantua e Pantagruel, de François Rabelais.
37
constituídos pelos processos midiáticos: matutos, caipiras, roceiros, retirantes,
flagelados, etc. Mas, no fundo, nordestinos, pois brasileiros. Albuquerque Júnior
(1999) salienta que a região Nordeste está fundada numa espacialidade histórica.
Neste sentido, para o pesquisador dar conta de toda essa complexidade num
processo investigatório, Chizzotti (2001) aponta a reflexão sobre o que foi observado
e o exercício da observação como etapas necessárias para uma boa pesquisa.
Para ele, na pesquisa:
[...] o investigador recorre à observação e à reflexão que faz sobre os
problemas que enfrenta, e à experiência passada e atual dos homens na
solução destes problemas, a fim de munir-se dos instrumentos mais
adequados à sua ação e intervir no seu mundo para construí-lo adequado à
sua vida (CHIZZOTI, 2001, p. 11).
Assim sendo, optamos por uma pesquisa qualitativa uma vez que nesse tipo
de investigação uma aproximação muito grande entre o mundo real e o homem;
uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto (CHIZZOTI, 2001), criando
processos de hibridação entre o espaço físico e a subjetividade do sujeito.
Compreendemos que em situações de conflito as culturas populares tendem a se
fortalecerem ainda mais, quer seja pelos processos evolutivos das sociedades
globalizadas, quer seja pelas mudanças climáticas que atingem o homem e sua
condição com o meio ambiente. Em suma, o habitar do homem nordestino num dado
espaço físico constitui a criação de uma região. Seguindo esse pensar,
sentimentalmente essa mesma região habita esse homem com uma carga simbólica
imensurável de memórias, margeando-o pelas lembranças do passado e pelas
(in)certezas do futuro. Assim, concordamos com Moreira (2002, p. 11) ao dizer que
“fazer pesquisa científica o é um trabalho solto e descontraído, é um trabalho
metódico, que deve caminhar dentro de certos preceitos e obedecer a certas regras
para que seja considerado de boa qualidade”, afim de que, no nosso caso, os
resultados obtidos contribuam para os estudos a cerca da cultura popular nordestina
e, principalmente do matuto paraibano.
Os dados obtidos durante uma pesquisa qualitativa estão sujeitos a uma
análise de conteúdo a partir do confronto entre os materiais coletados
empiricamente e o quadro das referências bibliográficas do pesquisador. Assim
sendo, Chizzoti (2001, p. 85) mostra que a pesquisa qualitativa privilegia algumas
técnicas que coadjuvam a descoberta de fenômenos latentes, tais como a
38
observação participante, história de relatos de vida, análise de conteúdo, entrevista
não-diretiva, etc. Neste caso, a Análise de Conteúdo enquanto “um conjunto de
técnicas de análise das comunicações” (BARDIN, 1977) se aplica como método para
análise dos dados qualitativamente da nossa investigação.
Atualmente, aponta Bardin (1977, p. 42), a análise de conteúdo compreende
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
A análise de conteúdo se aplica à interpretação de textos escritos,
comunicações orais, visuais, gestuais, reduzida a um texto ou documento
(CHIZZOTI, 2001) buscando uma compreensão crítica dessas comunicações ou dos
seus conteúdos explícitos ou implícitos, do dito e do não dito.
Bardin (1977) divide em três fases a técnica de análise de conteúdo, a saber:
1) Pré-análise;
2) Exploração do material;
3) Tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação;
A primeira fase é a da organização, onde são estabelecidos vários critérios,
entre eles: leitura flutuante, escolha dos documentos a serem analisados, definição
das hipóteses e objetivos, elaboração de indicadores que fundamentem a
interpretação do material coletado. Na segunda fase, os dados da pré-análise são
codificados a partir das unidades de registro e de contexto. A terceira fase é onde se
faz a categorização, consistindo numa operação de classificação dos elementos com
suas semelhanças ou diferenciação, seguido por um “reagrupamento segundo o
gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, 1977).
Eis por que nos propomos a trabalhar com a análise de conteúdo,
aproximando os subtemas da poética de Jessier Quirino, no ensejo de elencar as
categorias pertinentes à obra quiriniana, para proceder a análise. Ao mesmo tempo,
utilizaremos ilustrações, incluindo filmes, para destacar o tema do matuto e, assim,
auxiliado por uma literatura específica, procuraremos trazer à tona, a caracterização
do matuto na obra de Jessier Quirino. Trabalharemos com fragmentos dos poemas,
ao mesmo tempo em que pediremos o auxílio aos depoimentos colhidos do autor
para condução da nossa pesquisa.
39
1.4.1 Do Corpus selecionado
Em nossa pesquisa, tomamos como referência as obras poéticas escritas de
Jessier Quirino Paisagem de interior (1996), Agruras da lata d’água (1998), Prosa
morena (2001) e Bandeira nordestina (2006), ficando de fora “O Chapéu Mau e o
Lobinho Vermelho” (infantil), “Política de de Muro” e “A Folha de Boldo: Notícias
de Cachaceiros”, por entendermos que não abordam a temática a ser pesquisada,
além dos CD’s, uma vez que essas poesias já fazem parte dos livros impressos.
Das obras escolhidas (ver tabela abaixo), foram selecionados 20 (vinte)
poemas, levando-se em consideração como critério classificatório as poesias onde
Jessier Quirino cita o termo matuto para designar o homem nordestino que tem seus
valores constituídos a partir do espaço rural. Para Jessier
4
, o matuto pode ser tanto
o sertanejo quanto o pescador do litoral, uma vez que eles tenham os seus valores
constituídos na vivência do espaço rural.
Com esse recorte metodológico, objetivamos analisar os poemas onde o
próprio autor nomeia o homem nordestino como sendo matuto. Esse recorte deixa
de fora algumas poesias, mas acreditamos que um total de 20 poemas seja
suficiente para os resultados do estudo.
4
Depoimento concedido em 29/09/08
40
LIVRO
S
PO
EMAS
TOTAL
Prosa morena (2001)
Zé Qualquer e Chica Boa
Uma paixão pra Santinha
Caderneta de matuto
O matuto que bem-dizer suicidou-se
Sabatina feita com um matuto presidente de
banco de feira
5
Paisagem de Interior
(1996)
Acontecença matuta I “Quando o nordestino
do Sul recebe notícias do Nordeste”
Acontecença matuta II “A resposta”
Sou doutô da merdicina
Matuto em lua-de-mé
Matuto no carnaval
Banheiro de matuto
I Love you – matutado
Matuto na fofocage
Quê matuto humilhado é tá doente das
parte
9
Agruras da lata d’água
(1998)
Qualquer coisa a ver com roçado
Caderneta de matuto
Presente de grego
Quê matuto humilhado é tá doente das
parte (2ª edição revista e ampliada)
Caderneta de matuto
5
Bandeira nordestina
(2006)
Endereço de matuto
1
Total
20
Relação do corpus a ser analisado
41
Com base na análise de conteúdo (BARDIN, 1977), estabelecemos a análise
dos poemas a partir de quatro categorias, definidas a partir do objetivo geral e dos
específicos da pesquisa.
CATEGORIAS
FISIONOMIA DO ESPAÇO RURAL (Como a natureza é representada na poesia quiriniana)
REPRESENTAÇÃO DO MATUTO (Como o homem nordestino é caracterizado nos poemas)
CARNAVALIZAÇÃO/HUMOR (A literatura carnavalizada e o humor constituindo o matuto)
TRAÇOS DE ORALIDADE (Como a linguagem oral é recriada nos poemas)
Com o conjunto de técnicas da análise de conteúdo, podemos investigar
textos escritos, comunicações orais, visuais, gestuais reduzida a um texto ou
documento (BARDIN, 1977), (CHIZZOTI, 2001) buscando uma compreensão crítica
dessas comunicações ou dos seus conteúdos explícitos ou implícitos, do dito e do
não dito, seja através de resultados quantitativos ou qualitativos.
42
CAPÍTULO II
DO MATUTO AO CAIPIRA:
ENCONTROS E DESENCONTROS
43
2.1 “Pru qui, pru li, pru culá”: seguindo as pegadas do matuto e do caipira
O processo de colonização do Brasil provocou cicatrizes profundas na história
social e cultural do país, as quais, para serem entendidas, foram necessários quatro
séculos se passarem. Foi preciso um distanciamento histórico-temporal para que
antropólogos, sociológicos e pesquisadores de outras áreas do conhecimento,
pudessem entender todo esse processo de hibridação racial e cultural, formado
através do branco, do índio, do negro e, mais recente, do imigrante. Referindo a
cultura brasileira, Alfredo Bosi (1992) diz que já houve um tempo em que se julgasse
haver, e, portanto, era necessário encontrar uma matriz portadora de uma identidade
nacional. O problema, ressalta Bosi, é propor isto numa sociedade caracterizada
pelo traço da mestiçagem racial e toda a carga simbólica que ela carregava.
Albuquerque Júnior no seu livro A invenção do Nordeste e outras artes (1999), diz
que Gilberto Freire apontava para uma sociedade brasileira caracterizada “não
pela miscigenação racial, mas também pela miscigenação cultural” fruto de sua
formação. Para ele, “calcar a nacionalidade brasileira numa raça pura era
impossível, que não a possuíamos” (p. 95). Até mesmo os portugueses eram fruto
de um processo de mestiçagem.
a divisão política, através das regiões que hoje compõem o mapa político
do Brasil, foi definida a partir do século XX, a exemplo da região Nordeste. O
surgimento da região Nordeste não veio por acaso, como destaca Albuquerque
Júnior (1999), mas é fruto de muitas práticas e inúmeros discursos
nordestinizadores, seja através da literatura, das artes, da comida, do povo e das
características próprias desse habitat, que, mais tarde foram reagrupados através de
um discurso político do Movimento Regionalista iniciado em 1924.
A necessidade de reterritorialização leva a um exaustivo levantamento da
natureza, bem como da história econômica e social da área, ao lado de todo
um esforço de elaboração de uma memória social, cultural e artística que
pudesse servir de base para sua instituição como região (ALBUQUERQUE
JUNIOR, 1999, p.67)
A denominação de parte dos estados que compunham a região Norte para
Nordeste foi utilizado pela primeira vez em 1919 para designar a área de atuação da
44
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999). A
criação da região estaria, portanto, ligada diretamente a questões climáticas,
relacionadas com a seca e a falta d’água. É importante frisar que o discurso do
Nordeste enquanto região seca se contrapõe às faixas de Litoral, Zona da Mata e
Brejo que fazem parte dessa mesma região. Mais que um discurso político contra a
seca, é preciso entender que havia toda uma questão humana, uma vez que a
região foi portadora de dois grandes fenômenos da história recente do país: o
coronelismo, criado a partir do engenho, e o cangaço, que se entranhou nos sertões
nordestinos num misto de revolta social e banditismo. Esse processo de formação
do Nordeste brasileiro, assim como nas demais regiões, foi marcado pela construção
de duas sociedades: urbana e rural.
O Brasil, ao longo de sua história dentro da expansão capitalista, saiu de uma
sociedade com base na economia rural e passou a ter a sua matriz econômica nas
cidades. Os recursos e investimentos tendem a migrarem para os grandes centros
urbanos e, nesse processo, a sociedade rural subdivide-se, entre a casa grande e o
trabalhador braçal, dando origem a uma classe social distante cada vez mais da
educação, da saúde e de bens de consumo. Dentro dessa classe, outras nascem: o
caipira e o matuto, por exemplo. Este último, aqui, entendido por nós como sendo
diferente do caipira, embora vivendo sob as mesmas condições sociais, mas
portador de identidades diferentes, relacionadas à formação social e cultural, ou não
formatadas pelos processos de criação literárias e midiáticos. A mudança da
economia rural para a industrial/urbana, através da revolução burguesa acentuou
ainda mais as questões sociais e raciais no País. O que, para Ianni (1996),
transformou todos em trabalhadores, mas não em cidadãos, sejam eles do meio
rural ou urbano.
A nossa base para o entendimento da cultura caipira está centrada nos
estudos de Candido
5
(2001). Para ele, o caipira é fruto do processo de expansão
paulista entre os séculos XVI e XVIII, resultando não apenas na conquista de novas
terras para a Coroa portuguesa, mas na criação e “definição de certos tipos de
cultura e vida social”, o que estaria diretamente ligado ao cruzamento do português
com o Índio, dentro de um processo de mobilidade, tanto por parte das “bandeiras e
entradas” quanto pelo surgimento de uma cultura rústica nômade. Candido deixa
5
A nossa referência é a obra Os Parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido.
45
claro que não se trata de uma raça, de um tipo racial, mas de um modo de vida
social.
No caso brasileiro, rústico se traduz praticamente por caboclo no uso dos
estudiosos, tendo provavelmente sido Emilio Willems o primeiro a utilizar de
modo coerente a expressão cultura cabocla; e com efeito aquele termo
exprime as modalidades étnicas e culturais do referido contato português
com o novo meio. Entretanto, o termo caboclo é utilizado apenas no
primeiro sentido, designando o mestiço próximo ou remoto de branco e
índio, que em São Paulo forma talvez a maioria da população tradicional.
Para designar os aspectos culturais, usa-se aqui caipira, que tem a
vantagem de não ser ambíguo (exprimindo desde sempre um modo-de-ser,
um tipo de vida, nunca um tipo racial) e a desvantagem de restringir-se
quase apenas, pelo uso inveterado, a área de influência histórica paulista.
Como neste estudo o saímos dela, o inconveniente se atenua
(CANDIDO, 2001, p. 28).
Candido evidencia que o estudo centrado apenas num tipo de comunidade
tendo como base a influência das bandeiras no estado de São Paulo tem toda uma
implicação, uma vez que o mesmo acentua que Cornélio Pires
6
sinalizava em
seus livros para vários tipos de caipiras: “caipira branco”, “caipira caboclo”, “caipira
preto” e “caipira mulato”. No entanto,
Não cabe assinalar aqui o seu sentido histórico, nem traçar o seu panorama
geral. Basta assinalar que em certas porções do grande território devassado
pelas bandeiras e entradas as características inicias do vicentino se
desdobraram numa variedade subcultural do tronco português, que se pode
chamar de “cultura caipira” (CANDIDO, 2001, p. 45).
O pesquisador propõe seu estudo a partir de um corpus, de um grupo
definido, embora sua pesquisa rompa com os espaços desse grupo. A obra Os
Parceiros do Rio Bonito serve para iluminar os estudos a cerca das populações
rurais marginalizadas, caipiras, matutas.
Para Jackson (2002), Antonio Candido ao estudar o caipira a partir de sua
formação histórica reforça a necessidade de se pesquisar os “grupos marginalizados
da colonização” os quais ficaram de fora das grandes “interpretações de nossa
6
Cornélio Pires, Conversas ao pé do fogo. Pires foi escritor, jornalista e folclorista paulista, escreveu o primeiro
livro de versos em 1910. Alguns anos mais tarde começou a promover conferências sobre o folclore caipira e
sertanejo, divulgando a arte do interior e trazendo interesse acadêmico para a área. Escreveu mais livros de
versos e contos, alguns dos quais foram adaptados para o cinema. Na década de 20 viajou pelo Brasil filmando
imagens para o documentário "Brasil Pitoresco". Fundou um selo independente para gravar a "Série Caipira
Cornélio Pires", com participações de artistas caipiras cantando e contando anedotas. Inaugurou com isso o
mercado para a música sertaneja. Com dezenas de livros, almanaques e revistas publicados, foi um dos maiores
divulgadores do folclore paulista. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/cornelio-pires.asp>,
acessado em 04/092008.
46
formação histórica até então” (p.52). Neste sentido, nossa pesquisa assume
importância ao analisar a constituição do matuto a partir da poesia de Jessier
Quirino, ao retomar as discussões sobre esses grupos marginalizados do processo
de colonização do Nordeste brasileiro.
Uma questão que levantamos ao estudarmos esses grupos é observar que a
constituição sociológica dos mesmos pode estar diretamente ligada ao olhar do
outro. Mais especificamente, num jogo de poder entre classes, onde o discurso das
elites dominantes terminaria por dar nomes, na maioria das vezes, pejorativamente,
aos grupos sociais. Neste caso, a nomenclatura “matuto” estaria ligada a um
discurso urbano em relação ao rural, não como forma de revelar de fato os seus
traços culturais, mas, pelo contrário, como forma de diferenciação para se evidenciar
as imposições de poder. Numa outra ponta, o discurso de membros da sociedade
rural, especificamente, os poetas populares, como Patativa do Assaré ou aqueles
que trafegam nessa vertente como Quirino e Cascudo
7
, buscam um caminho oposto,
juntando os cacos dessa fragmentação e reconstituindo um ser dotado de “360
graus de mente, de alma, de imaginação e de memória” como diz Tavares (1998).
Um processo igual ao do reconhecimento do Nordeste enquanto região a partir dos
seus valores culturais, sociais e ambientais.
“Do homem forte dos sertões não se pode esperar mais do que a resistência
heróica que quatro séculos, porfiadamente mantém sem tréguas, nem
desfalecimentos, dorso nu, cavando a terra, tendo uma só esperança, é Deus”,
assinala Magalhães (1970, p. 60) na obra O Nordeste brasileiro ao se referir ao
sertanejo. É nesse espaço de “caldeamento étnico”, da lida com a terra, das
variações climáticas e da falta de políticas eficazes que, segundo Magalhães,
produzir-se-á um tipo selecionado, que será o “brasileiro”. O discurso do autor passa
pelo processo de adaptação ao meio natural por um povo, onde o mesmo, podendo
ser “superior” ou “inferior”, teria as mesmas condições de sobrevivência. Para ele, há
a possibilidade de um tipo “inferior” se adaptar melhor às condições adversas,
tornando-se “superior”, uma vez que o habitat “reflete-se nesse homem, imprime-lhe
os seus aspectos, talha-lhe a forma, forma-lhe o espírito” (p. 76). O pensamento de
7
mara Cascudo, em suas pesquisas, sempre esteve voltado para relatar os episódios da vida do homem
sertanejo, das cantorias, dos aboios, das danças e do folclore popular nordestino. "Queria saber a história de
todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do
Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao
encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não m preço", diz o pesquisador.
Disponível em: < http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u289.jhtm> acessado em 8/12/2008
47
Magalhães revela uma inclinação em sua pesquisa de enxergar o índio e o negro
como raças que, ao cruzarem com o português enfraqueceria esse caldeamento.
Ou, como diz Candido (2003, p. 29), as sociedades se caracterizam, antes de mais
nada, pela natureza das necessidades de seus grupos, e os recursos de que
dispõem para satisfazê-los. Assim, entre as relações de poder, fora e dentro da
sociedade rural, e com todas as influências climáticas, nasce um grupo social
caracterizado pelo modo de vida adotado, tendo como valores o espírito talhado
nesse meio e a força de sobrevivência.
2.2 – “Ô de casa!” O espaço rural na formação do matuto
Euclides da Cunha em Os Sertões diz que o isolamento social do Litoral e do
interior fez nascer dois “Brasis” diferentes, justificando o “desenvolvimento étnico
das populações mestiças sertanejas” (JACKSON, 2002, p. 81), através de um
processo colonizador fundado entre o senhor de engenho e o escravo, entre o
coronel e o sertanejo. Antonio Candido em Os parceiros do Rio Bonito diz que da
expansão paulista nascia um novo modo de vida social, pautado em traços culturais
indígenas e portugueses, onde o pesquisador aponta para a existência de uma
cultura caipira. No Nordeste brasileiro, a influência dos elementos da colonização da
região se refletem entre o colono e o negro, através da cultura da cana-de-açúcar, e
entre o português e o índio durante a conquista do interior nordestino.
Nessa conjuntura, Magalhães (1970) ressalta o nascimento de dois tipos
sociais que ficariam muito conhecidos na região Nordeste: o “matuto” e o “sertanejo”.
Em nosso estudo, a obra O Nordeste brasileiro, de Agamenon Magalhães, torna-se
necessária para o entendimento da representação desses grupos sociais nos
tempos atuais. Para o autor, o sertanejo não poderia surgir, senão, do habitat
nordestino, principalmente da mesorregião que ele chama de Sertão. o matuto
tem a sua formação na Zona da Mata e Brejo. O pesquisador aponta que o processo
de caldeamento étnico que formou o mestiço da mata, criado no ambiente rural, se
diferiria daquele formado no Sertão, num espaço pastoril. Neste sentido, o autor
descreve os traços físicos e psicológicos do matuto e do sertanejo:
O homem das praias e do agreste se confundem até certo ponto: é baixo
moreno de olhos e cabelos pretos, cabeça e nariz as vezes, ligeiramente
48
achatados, ombros largos, andar vagaroso, gestos lentos, voz arrastada. O
sertanejo de linhas mais corretas é alto, menos moreno, de cabelos
castanhos, às vezes arruivados, olhos pardos e o raros azuis, seco de
carne, mas musculoso de uma sobriedade e coragem admiráveis.
(MAGALHÃES, 1970, p. 27)
Magalhães propõe uma divisão bastante clara da região Nordeste: o Litoral,
com suas matas exuberantes, solos férteis e rios que deságuam no oceano; e o
Sertão das caatingas e dos tabuleiros, impendido o desenvolvimento agrícola. Mas é
neste espaço que nasce o sertanejo. O Sertão, diz ele, é:
o vasto campo da criação, a zona pastoril caracterizada. Nessa natureza
híspida, fora do contato da civilização do litoral, sem vias de comunicação,
nem meios fáceis de transporte, segregados nas condições físicas mais
hostis, se diferenciou um tipo étnico vigoroso. É o sertanejo, o homem
heróico, flagelado pelas fatalidades climatéricas e sociais, que nos
longínquos rincões adustos, obscuro e grande, resiste à natureza ingrata,
retemperando as energias da raça histórica em formação (MAGALHÃES,
1970, p. 81).
Já o Litoral é o espaço civilizado e civilizador. Portanto, o espaço da bonança,
do acesso à educação, à comunicação, ao transporte, favorecendo ao homem
litorâneo um desenvolvimento econômico, humano e social. Condição justamente
oposta à enfrentada pelo homem sertanejo, o qual ainda encontra a hostilidade da
natureza para justificar o seu flagelo. O Litoral é a região que “desde os tempos
coloniais se fixou o negro e colono, na cultura da cana”, assinala Magalhães. É
nesse contexto entre o senhor de engenho e os seus escravos negros e os índios
domados que uma população se caldeou e, desse amalgama de duas castas
originou-se um tipo diferenciado, “um tipo rural característico. Surgiu o matuto” (p.
79).
Sobre esse matuto com o seu modo de vida social e cultural, Magalhães
discorda de quem o caracteriza de “preguiçoso e descuidado” afirmando que a
ausência de uma organização operária, de condições de higiene e de instrução o
colocou numa situação social precária. Para ele,
...quem percorre a zona agrícola do nordeste, onde fumegam as chaminés
das grandes usinas de açúcar e silvam as locomotivas que arrastam a cana
do “eito” verifica o trabalho de elaboração e progresso do matuto”. É ele o
mecânico que nas oficinas das fábricas forja o ferro, carpina a madeira,
dirige as locomotivas e lavra a terra. Os pregoeiros sinistros da
incapacidade do mestiço veriam, então, a transformação imprevista do
“indolente”, que se espreguiçava no derrengue sensual dos “sambas”, no
“matuto” erigindo sobre os destroços dos bangüês” as potentes máquinas
das usinas modernas (MAGALHÃES, 1970, p. 79-0).
49
Passados 120 anos que a Lei Áurea libertou os escravos e aqueles frutos do
caldeamento étnico de que fala Magalhães (1970), seria muito difícil encontrar um
matuto nas mesmas condições que o estudo do autor aborda ou mesmo do caipira
estudado por Candido (2003). No caso do Nordeste, observamos que uma
hibridação entre os valores do homem rural, não havendo como separar o homem
que nasceu e lida com a terra no Sertão com o homem que vivencia as mesmas
condições no Brejo, podendo, este, ter a vantagem da água com uma certa
abundância. Portanto, o matuto será entendido por nós como fruto de um processo
social pautado também pelas condições ambientais, de contato com a terra, muito
mais do que pela variação étnica, seja através do colono com o escravo, seja
através do colono com o indígena. O mesmo entendimento é adotado por Jessier
Quirino em suas poesias ao falar do matuto:
Quando eu falo no matuto não é, necessariamente, o sertanejo, ou que seja
o homem do campo. A nossa poesia, é uma poesia que ela trafega
basicamente nos valores do campo. Mas esse matuto... pode haver um
entrelaço entre o homem do campo e um pescador, por exemplo. Ele, na
beira da praia, o é necessariamente um homem do campo, é um homem
do litoral, mas que tem a natureza... a natureza que as pessoas do interior
têm (Depoimento concedido em 29/09/2008).
Jessier Quirino classifica o matuto muito em função das suas condições
sociais e dos “valores do campo”, os quais podem perfeitamente ser encontrados em
pessoas que moram em cidades. Estes valores estão ligados ao modo de vida
dessas pessoas do meio rural, são constituídos no dia-a-dia das suas relações, do
contato com o antigo e com o novo, a exemplo do acesso a uma habitação nova, a
educação, aos meios de comunicação, como a literatura de cordel, com o rádio e,
mais recente, com a antena parabólica e com o DVD. A “natureza de pessoas do
interior” a que Jessier Quirino se refere estaria ligada a um modo de sobrevivência.
Assim sendo, entendemos que a necessidade de sobrevivência é inerente a
qualquer ser humano, independente do espaço que ele habita, seja rural ou urbano,
assim, gírias, vestimentas, alimentação, fazem parte de grupos rurais e urbanos
como forma de adaptação ao espaço de vivência/sobreviência.
Ao buscar justificar o que seja o instinto de sobrevivência, Quirino diz que:
50
é o que faz com que ele (o matuto) se sobressaia, se destaque, apesar do
ofuscamento de fatores climáticos, de condições sociais, de formação, de
limitações intelectuais. Tudo isso eles conseguem desviar através desse
instinto de sobrevivência (Depoimento concedido em 29/09/2008).
O pensamento de Jessier Quirino parece estar em consonância com a cultura
caipira de Os parceiros do Rio Bonito, uma vez que Candido (2003) fala de uma
“forma de sociabilidade e de subsistência” as quais estariam ligadas a sobrevivência
dos seus membros e a “coesão dos bairros”, através de “soluções mínimas” de
alimentação e moradia (p.103) e de sociabilidade.
As dificuldades impostas ao matuto, seja pela falta de políticas de inclusão
social, de acesso aos bens de consumo, da educação, além das variações
climáticas, no caso do sertanejo e, hoje, até mesmo os das regiões de clima mais
úmido que têm sofrido com as alterações climáticas, como é o caso do Brejo e da
Zona da Mata, tudo isso tem feito com que esse matuto adquira uma outra forma de
sobrevivência que, segundo Jessier Quirino, seria a esperteza. Mas onde residiria
essa esperteza e qual a sua finalidade? Entendemos que essa força pode estar
ligada ao humor e ao riso ambivalente (Bakhtin, 1993), criado ante as limitações
intelectuais impostas por uma norma culta, e a possibilidade de adaptação ao meio.
O seu objetivo é minimizar as diferenças sociais e intelectuais.
Em depoimento, Jessier Quirino diz que essa esperteza
vem de um traquejo, vem de um mote, vem de um pulo do gato, daquela
coisa de dar em pingo d’água. E eu digo que o matuto em éter.
Então, é esse instinto de sobrevivência que faz com que ele se sobressaia,
se destaque apesar do ofuscamento de fatores climáticos, de condições
sociais, de formação, de limitações intelectuais (Depoimento concedido em
29/09/2008).
Os valores culturais do matuto são constituídos no espaço rural e são
alterados quando novas culturas chegam a esse espaço, assim como aconteceu
com a expansão capitalista alterando os modos de produção da farinha de
mandioca, da rapadura e da aguardente de cana-de-açúcar. Atualmente, a televisão
tem contribuído de forma consistente para uma hibridação desses valores, para a
cultura popular. Neste sentido, afirma Jessier Quirino:
Aqui no Nordeste, nesses rincões mais distantes é onde se encontram alguns
elementos que ainda podem ser resgatados. Infelizmente, hoje, a antena
parabólica conseguindo destruir alguma coisa desse tipo. Porque, nos
rincões mais longínquos tem uma antena dessas. Então, cada antena numa
casinha dessas tá tirando o quê, tirando uma cadeira da calçada, tirando
51
uma conversa, uma oralidade, uma literatura oral por conta de uma formação
que tá vindo via satélite (Depoimento concedido em 29/09/2008).
Para Jessier Quirino, as limitações do matuto fazem com que eles sejam
guardiões de determinadas tradições e valores que a modernidade está acabando.
O trator da modernidade impõe novos modos de vida, de cultura, de hábitos, de
trabalho, novos modos de lidar com a natureza, novos bens de consumo e o
abandono de certas tradições. O caipira ao se deparar com essas mudanças,
destaca Candido (2003), teve três reações frente ao processo de modernização e
urbanização da sociedade brasileira. A primeira reação adaptativa frente a esse
processo foi “a aceitação dos traços impostos e propostos”; a segunda, a aceitação
apenas dos traços impostos; e a terceira, a rejeição de ambos.
O homem rústico vive uma aventura freqüentemente dramática, em que os
padrões mínimos tradicionalmente estabelecidos se tornam padrões de
miséria, pois agora são confrontados aos que a civilização pode,
teoricamente, proporcionar (CANDIDO, 2003, p. 279).
Um ponto importante a se frisar é que, nesse processo, os velhos objetos e
instrumentos são jogados fora, desprezados. No entanto, os novos não se tornam
acessíveis. Tanto os valores materiais quanto os imateriais são substituídos em
prejuízo a cultura rural. Evidentemente não nos posicionamos enquanto
conservadores e que o homem do campo não tenha acesso aos bens de consumo e
a outras culturas. Não é um posicionamento xenófobo, mas nos questionamos
quanto a força homogeneizadora dessas mudanças.
O Caipira, assim como o Matuto, sofreu impactos profundos com os
processos modernizadores das cidades. Os processos de hibridização, como afirma
Canclini (1996), transformou todas as culturas em “culturas de fronteiras”, num
movimento de interconexões entre o campo e a cidade, onde todas as artes “se
desenvolvem em relação com outras artes”. A cultura matuta, neste sentido, perde a
relação de exclusividade com o seu espaço, mas é recompensada com
conhecimento e comunicação. Uma relação de poder. Um jogo de perde e ganha, no
qual, a mídia assume o papel de porta-voz de um discurso hegemônico, em sua
maioria.
52
2.3 “O matuto no cinema”: Os Meios de Comunicação de Massa e suas
influências
E o matuto, rapaz...
Anafalbeto de pai e mãe... e parteira
E sai do sertão pra capital
pra assistir um filme estrangeiro legendado
quando ele volta pro sertão,
mas ele num conta o filme todinho?
- má rapai
eu fui lá na capitá rapai
eu assisti um filme altamente internacioná
pense num filme internacioná!
e tem uma coisa: um filme mafioso...
um fime mafioso...
Ói, tinha dois atista:
tinha o atista que sofria e o atista que salvava.
[...]
Amarraro o atista com imbira,
butaro o caba sentado a força numa cadera
ai chego o bandido, butô o dedo na cara do atista e disse:
num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá.
Tá pensano que atista teve medo rapaiz?
O atista amarrado com imbira rapai, teve que ouvi tudinho,
mas muito do tranquili, olhô pa cara do bandido assim e disse:
num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá o quê mermão???
[...]
(O Matuto no cinema) Jessier Quirino
Por muito tempo, o distanciamento do homem rural em relação à dinâmica
vivida pelo homem urbano marcou de forma profunda a sua formação, o seu hábito.
Por um lado, fez com que essa população criasse uma forma independente de se
comunicar, de se alimentar, de brincar, de se relacionar com os animais e com a
natureza como um todo. Esses valores, hoje, são estudados no mundo inteiro, a
exemplo dos estudos de Paul Zumthor (1993) na obra “A letra e a voz” sobre a
oralidade da cultura popular. No Brasil, a obra de Ariano Suassuna retrata um
Nordeste Medieval, onde o sertanejo é o cavaleiro, o herói das suas histórias. O
Brasil nasce no fim da Idade Média e início do Renascimento e, devido a sua
colonização, ele se encontra em muitos aspectos com o período medieval
8
da
“Península Ibérica” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 1999).
8
É importante salientar que Sônia Lúcia Ramalho de Farias, em sua obra “O Sertão de José Lins do Rego e
Ariano Suassuna: Espaço Regional, Messianismo e Cangaço”, refuta a tese de um Nordeste medieval.
53
Mas a relação muda quando esse sertanejo começa a ter acesso aos
produtos da urbanidade, principalmente ao jornal, ao rádio, a televisão, ao cinema e,
hoje, à Internet. O nosso ponto de investigação é também sobre a influência dessas
mídias na construção imagética dessas pessoas, tanto pela Mídia quanto pela
literatura. Uma vez que todas as esferas sociais sentem-se atraídas por novos
produtos, assim sendo, esses grupos sentem-se atraídos a consumirem os produtos
midiáticos, como forma de se equiparar às classes hegemônicas. Na outra ponta,
essas pessoas, estereotipadas muitas vezes, se transformam em personagem de
enredos literários (Monteiro Lobato), de filmes (Mazzaropi), da literatura popular.
uma recriação ou até mesmo uma criação imagética desses grupos marginalizados,
como é o caso do caipira, que, através de Monteiro Lobato (figura 1), ganha um
estereótipo capaz de ridicularizar e dar cor a todas as pessoas do interior do País.
Não só as da zona rural, mas até mesmo as que moram em pequenas cidades.
Monteiro Lobato publica no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 1914, uma série
de artigos que depois virariam contos no seu livro Urupês, publicado em 1918. No
Figura 1. José Bento Renato Monteiro Lobato
54
artigo “Velha Praga
9
”, Monteiro Lobato critica o modo de vida nômade do caipira
paulista, chamando-o pela primeira vez de Jeca Tatu:
[...] como nem sequer uma laranjeira ele plantou, nada mais lembra a
passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico Marimbondo, do Jéca Tatú
ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a natureza
circunvizinha
10
Nesse mesmo artigo, Monteiro Lobato diz que o “caboclo é uma qualidade
negativa” e elenca as características do caipira que mais tarde constituiriam o seu
estereótipo: com o seu cachorro, o seu pilão, a picapau (espécie de espingarda), e o
isqueiro... Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar-se... ele e a
sarcopta fêmea, esta com um filhote no útero, outro ao peito, outro de sete anos à
ourela da saia este de pitinho na boca e faca à cinta [...]. Para Antonio Candido
(2003), a posição de Monteiro Lobato em relação ao caboclo era odiosa. Com o fim
das bandeiras e entradas, um novo tipo social surgia no interior paulista e Monteiro
Lobato, proprietário de fazendas em Taubaté, estava decepcionado com a forma
como aquelas pessoas lidavam com as terras. “A posição de Monteiro Lobato em
relação ao caboclo, tanto quanto me lembro, ou é de franco desprezo pelo seu
atraso, que não permite ao fazendeiro tocar a lavoura de maneira progressista; ou
então, é de franca piada”, revela Candido em entrevista a Jackson (2002, p. 143).
A partir da estereotipação proposta por Monteiro Lobato, o cinema brasileiro
ganha com Amácio Mazzaropi (figura 2), ator, diretor, e produtor de filmes, uma
estética que vida a essa forma desconfigurada do caipira como Jeca Tatu (figura
3). Neste sentido, a formação imagética negativa do caipira que temos hoje está
diretamente ligada a forma como foi construída pelo discurso de Monteiro Lobato e
dos filmes de Mazzaropi. Mas, mais especificamente pela grande força que o cinema
teve no Brasil na segunda metade do século XX a partir dos filmes de Mazzaropi.
9
Lobato, Monteiro. Velha Praga.
Disponível em: < http://www.cptec.inpe.br/queimadas/material3os/mlobato.htm>. Acessado em 06/10/2008
10
idem.
55
Na figura 2, Amácio Mazzaropi, descendente de imigrantes italianos pousa
para fotografia, nela, uma imagem totalmente diferente da criada por ele para
personificar o caipira como podemos observar nas figuras 3 e 4. O discurso dos
filmes de Mazzaropi ajudou a construir uma imagem do caipira que influenciou muito
as produções que tratam do homem do interior da região Nordeste, dos estados de
São Paulo e Minas Gerais. Em 2006, a Europa Filmes distribuiu o filme Tapete
Vermelho, uma comédia produzida por Luiz Alberto Pereira e protagonizada por
Matheus Nachtergaele. No filme, Nachtergaele vive o personagem Quinzinho que
tem a promessa de levar o seu filho para assistir a um filme de Mazzaropi na cidade
Figura 3. Amacio Mazzaropi disfarçado de Jeca Tatu
Figura 4. Pôster do filme Jeca
Tatu de Mazzaropi
Figura 2. Amácio Mazzaropi
56
grande (figuras 5 e 7). A recriação do Caipira em Tapete Vermelho assume as
mesmas características do Jeca Tatu dos filmes de Mazzaropi (figura 7), apesar de
Quinzinho não utilizar, propositadamente, remendos em suas roupas, mas a
linguagens os gestos e a postura corporal repetem a mesma estética.
Se o cinema de Mazzaropi e a literatura de Monteiro Lobato ajudaram a
construir um estereótipo do caipira, o mesmo o se em relação ao matuto. O
nosso questionamento é de que o matuto não é retratado de forma imagética por
essa Mídia, pois não há uma estereotipação criada para ele. Existe, sim, uma
criação imagética, mas se aplica especificamente à fala. É uma distorção que é
Figura 5. Nachtergaele, interpreta o Quinzinho Figura 6. Mazzaropi (à direita) em um de seus filmes
Figura 7. Cena do filme Tapete Vermelho: destaque para as faces das personagens em relação ao homem da cidade
57
aplicada a todos os nordestinos, tanto da cidade quanto do interior, havendo uma
variação maior da fala quando se trata dos baianos, por exemplo.
Para Jessier Quirino, a televisão contribui para uma deformação do matuto ao
propor o estereótipo do caipira como equivalente a todas as pessoas que moram no
interior do País e, principalmente, por forçar um “suposto erro” lingüístico:
Como bem disse Bráulio Tavares, a respeito de um livro meu, ele diz que o
matuto precisa ser tratado com dignidade. Não precisa você botar um
carvão no dente, não precisa você botar uma calça remendada, você não
precisa fazer com que ele force demasiadamente o suposto erro
(Depoimento concedido em 29/09/08).
Na sua poesia, apesar de o autor falar em um suposto erro em busca de um
“realismo campeiro” ao retratar o matuto, observa-se que na realidade ele se utiliza
da “oralidade mista” (Zumthor, 1993). Uma oralidade na qual houve o contato com a
escrita, mas essa influência permaneceu distante, atrasada, externa e parcial.
Invertendo o ponto de vista, dir-se-ia que a oralidade mista procede da
existência de uma cultura “escrita” (no sentido de “possuidora de uma
escritura”); e a oralidade segunda, de uma cultura letrada” (na qual toda
expressão é marcada mais ou menos pela presença da escrita)
(ZUMTHOR, 1993, p.18).
Assim comenta Jessier Quirino:
Eu gosto de forçar o suposto erro, mas encontro o lado hilariante da
palavra... em busca de uma fraseologia campeira. Mas o de forma de
denegrir. Por exemplo, se eu disser de cócoras e eu acho que esse de
cócoras é muito explicado pra quem quer dizer que o cabra tava de coca. E
se eu disser que o cabra deu uma topada cachorra da mulesta é melhor do
que eu dizer que o cabra deu uma topada cachorra da moléstia. Que, aí, se
eu disser moléstia ele não deu topada nenhuma, foi um ligeiro escorregão
(Depoimento concedido em 29/09/08).
De acordo com Jessier Quirino, ainda livros em que uma deformação
na escrita de forma proposital. “Existem encenações televisivas que a gente que
chega um caipira....então, esse tipo de deformação eu acho que é uma coisa que
não nenhum ganho, muito pelo contrário, a gente perde com isso”, afirma Jessier
Quirino. Em outros, é o discurso da falta de políticas de inclusão social para esses
grupos marginalizados que a Mídia termina reproduzindo. A cultura brasileira, com
toda a sua multiplicidade de manifestações, acaba sendo recriada pelos meios
formadores de opinião de forma igualitária, eliminando as suas variações lingüísticas
58
e culturais através da uniformização da fala dos apresentadores e repórteres dos
telejornais. Ou, então, busca-se uma ridicularização através de personagens do
cinema e da telenovela.
Questionado se a sua poesia reforça um discurso estereotipado do matuto,
Jessier Quirino discorda e diz que, se isso acontece, é apenas com relação ao grau
de instrução do matuto não saber escrever ou falar errado, de acordo com a norma
culta.
A ridicularização que pode ser atribuída é a escrita, ou seja, a partir do
momento que o cara escreve errado, ou o causo do camarada que diz
assim: você vai bordar nessas 12 cuecas o nome Tenente Coronel Pedro
Justiniano Martinho de Oliveira, 2º Batalhão.... - E eu vou bordar isso em
doze cuecas? o, você precisa bordar numa, nas outras, você escreve
id, id, id. Então, isso é um causo que mostra as limitações de saber dessa
pessoa. Mas essa coisa engraçada, o próprio homem do campo ele faz
isso, ele ri dele mesmo (Depoimento concedido em 29/09/08).
Observamos que a literatura e a mídia, especialmente as que trabalham com
a imagem, seja ela em movimento ou estático, tem construído, ou ajudado a
construir, vários tipos sociais, reforçando um discurso dominador sobre as classes
subalternas. Num outro ponto, essas classes subalternas mostram que têm um
poder de observação e sobrevivência dentro do espaço do outro muito maior do que
Figura 8. Jessier Quirino durante apresentação
59
as classes hegemônicas imaginam (Canclini, 1997). Neste sentido, a poesia de
Jessier Quirino assume, em boa medida, o discurso positivo para o matuto ao
buscar recriá-lo de forma não estereotipada, ou ao menos tentado. Do ponto de vista
imagético, Jessier Quirino não constrói uma imagem visual definidora do matuto
(figuras 8 e 9) durante as suas apresentações. Entretanto, a deformação fica por
conta de gestos feitos ou de entonações na fala, características de uma performance
como linguagem eficaz para uma comunicação poética (ZUMTHOR, 2000). Porém, a
sua performance mostra uma recriação muito diferente da proposta por Monteiro
Lobato e Mazzarapi com o Jeca Tatu. É importante destacar que, ao não se
caracterizar com uma vestimenta que seja “própria ou peculiar do matuto”, Jessier
Quirino pode distanciar-se do objeto da performance, mas por outro lado não vincula
o matuto ao um estereótipo figurinista.
Figura 9. Jessier Quirino durante depoimento concedido a este pesquisador
60
2.4 “Isso é cagado e cuspido paisagem de interior”: O que faz ser Matuto
Arquiteto por profissão, poeta por vocação, matuto por convicção.
Jessier Quirino
O Nordeste é uma região “definida” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 1999) muito
em função dos seus traços regionalistas e, nela, vários grupos sociais foram criados.
Entre eles, o nordestino, caracterizando aqueles que nascem sob as delimitações
geográficas e políticas, matrizes necessárias para a constituição da mesma região;
sertanejo; brejeiro; caririzeiro; entre outros, a depender das mesorregiões que
compõem o clima dos nove estados do Nordeste, definidoras das ltiplas
identidades sob o manto do “que faz ser nordestino” (PENNA, 1992).
Na epígrafe acima, Jessier Quirino, natural de Campina Grande, mas 25
anos morando em Itabaiana, região Agreste do estado da Paraíba, autodefine-se
como portador de três identidades: arquiteto, poeta e matuto. A primeira está ligada
a um processo de formação institucional; a segunda, possuidora de uma habilidade
natural (sic); a terceira, constituída a partir de uma noção de pertencimento,
ancorada numa memória simbólica ligada a uma identidade maior, que é a de ser
nordestino.
Fatores sociais e naturais:
Educação, bens de consumo,
alimentação, chuva, secas, etc
Espaço rural:
Sertão, caatinga, brejo, cariri, etc,
contato com a terra e sua defesa
Valores atribuídos:
Estereótipos, atrasados, linguagem, etc
Valores constituídos:
Relação com a terra, cultura,
simplicidade, poder de observação
, etc
Nordeste:
Matriz de várias identidades
Matuto:
Fruto da relação com o habitat, com os meios
sociais e estereótipos a ele atribuídos
Jessier Quirino:
Requerente de uma identidade social
Figura 10. Gráfico sugestivo da constituição de uma identidade matuta
61
Jessier Quirino requer uma identidade onde os seus valores estão ligados a
um modo de vida social e que tem a sua formação atribuída a partir de um discurso
hegemônico das elites dominantes. Um discurso endossado e estereotipado, hoje,
pela Mídia. Entretanto, esse grupo marginalizado sente-se livre para criar novas
formas de adaptação ao meio social a eles imposto, além dos fatores climáticos
adversos. Atualmente, pessoas que tiveram contato com moradores da zona rural ou
mesmo que têm a origem nesse espaço, muito embora tenham construído uma vida
acadêmica nos grandes centros, defendem a bandeira de ser matuto. Cada vez mais
professores universitários, médicos, advogados, entre outros, navegam pelo espaço
da poesia e da literatura popular defendendo uma “identidade rural”. O que se
percebe é que uma procura por uma forma existencial muito ligada a valores
constituídos a partir de uma memória social. O ser humano, assinala Sidekum
(2003), é especificado pela própria natureza, que o constitui, ainda que com ele
totalmente não coincida (p. 243).
Nos últimos anos, com a expansão do capitalismo favorecendo a locomoção
das pessoas, seja através do avião, do ônibus e de outros transportes, e da
popularização dos meios de comunicação como a TV e a Internet, vários estudos
sobre a identidade cultural e seu(s) conceito(s) foram travados. Mas o que todos
concordam é que não uma identidade “integral, originária e unificada” (HALL,
2000), ou seja, é um “conceito totalmente contestado(BAUMAN, 2005), o que é
uma “pluralidade de identidades” (ORTIZ, 1994). Se não há um consenso sobre uma
definição de “identidade”, Hall (2000) salienta que as discussões sobre o conceito de
“identificação” também não foram amplamente debatido. Para ele,
Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do
reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são
partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo
ideal (HALL, 2000, p. 106).
A identificação argumenta Hall, assim como a identidade, não pode ser
totalmente fechada, sempre haverá a possibilidade de “ganhá-la ou perdê-la”, é um
processo de articulação. ao defender o uso do termo “identidade”, Hall comenta
que a sua utilização é para
[...] significar o poder de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os
discursos e as práticas que tentam nos interpelar, nos falar ou nos convocar
para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos
particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades,
62
que nos constroem como sujeitos aos quais se pode falar (HALL, 2000, p.
112).
A busca de uma identidade social relacionada ao homem do campo, ao
matuto, por pessoas de outras camadas sociais, num processo de pertencimento a
um determinado modo de vida, está ligada a uma memória simbólica em que essas
pessoas sentem a necessidade de preservá-la, recuperá-la ou até mesmo de recriá-
la. O que pode acarretar na formação de uma identidade distante da sua realização.
2.4.1 “Empurra a cancela Zé”: reconstruindo os laços matutais
Franklin Távora
11
(1842-1888) com a publicação de “O Cabeleira” (1876)
início ao romantismo de caráter regionalista no Nordeste brasileiro, opondo-se ao
Sul e ao Sudeste, como saída para se alcançar uma literatura de alma nacional. Em
1878 o escritor publica o romance “O Matuto”, antecedendo as pesquisas de
Agamenon Magalhães feitas em 1921 e de Antonio Candido na década de 1950. A
importância da obra de Távora (1902) se concentra em retratar a vida das pessoas
da zona rural pernambucana ao mostrar o seu modo de vida e sua relação para o
desenvolvimento da região Nordeste. Na obra, Távora diz que os matutos estão
divididos em diversas espécies, sendo as mais comuns as dos “lavradores e
almocreves” (p. 7). Neste sentido, as diferentes espécies de matutos estariam
ligadas a uma divisão de bens dentro de um mesmo modo de vida social, onde o
lavrador dispunha de alguns bens, “a saber, escravos, cavalos, terras” (p.7), os
quais dividiam as tarefas de plantio e produção da cana nos engenhos, recebendo
como troca parte dos produtos. Já o almocreve, possuiria apenas a sua própria força
e um “cavalo para condução de cargas, por ajustado frete” (p. 7) no transporte de
mercadorias.
11
Natural de Baturité-CE, Franklin Távora muda-se para Recife com a família em 1844. Ingressa na Faculdade
de Direito do Recife, formando-se em 1863; convive com Tobias Barreto e Sílvio Romero, compartilhando das
idéias filosóficas da Escola de Recife. Intérprete de um regionalismo que se vinha exprimindo ideologicamente
desde o início do século, defendeu o que chamava uma literatura do Norte, em oposição a uma literatura do Sul,
considerada cheia de estrangeirismos e antinacionalismo. Disponível em: <
http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/abralic/franklin_tavora.doc> e
<http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/FranklinTavora/FranklinTavor
a.htm >
63
A literatura de Franklin Távora revelava como as pessoas da época travam os
matutos, como podemos perceber na passagem abaixo:
Quantas vezes, ao ver-vos descalços, mal vestidos e mal passados, não
senti apertar-se-me o coração com pena de vós?! Esta pena redobrava
sempre que, passando pela frente dos vossos casebres, eu descobria ai por
mobília um banco tosco, uma caixa grosseira, um pote de água suspenso
entre os braços de uma forquilha enterrada no canto da salinha, e por leito
de dormida para vós e vossos filhinhos uma esteira ou um girau de varas!
Então eu compreendia a razão por que em nossos encontros nos caminhos
éreis vós os primeiros que tiráveis o vosso chapéu e me salváveis com
mostras de profunda humildade, sem saberdes sequer quem eu era. É que
vós tínheis sempre presente no entendimento a consciência da vossa
pobreza e consequentemente vossa fraqueza. Esta consciência, este
aguilhão intimo, que nunca se embota, vos dava uma falsa idéia de
superioridade de minha parte sobre vós. Pobres criaturas sois vós, ó
matutos, mais dignos de compaixão e amparo do que do riso mofador de
que vos fazem alvo os que na ignorância, na simplicidade e na miséria
alheia acham assumpto para desenfado e divertimento próprio! Pobres sois
vós dobradamente: porque recebestes de vossos pais (TÁVORA, 1902, p.7-
8).
Na descrição do matuto por Távora, o olhar da ignorância, do outro, deveria
ser transformado em respeito do que propriamente em escárnio. O trecho revela
ainda a forma pela qual foi constituído o matuto, que na voz de Jessier Quirino
12
é
chamado de “natureza do humilde, do sofredor” e que, para ele, “todas as pessoas
que m essa simplicidade na alma” são eleitas como matutas independente de
onde estejam. O pensamento de Jessier Quirino se completa com o de Penna
(1998) ao discutir as possibilidades de uma pessoa ter múltiplas identidades a partir
de fontes distintas, como local de nascimento, classe social, profissional, uma vez
que “como uma construção simbólica, a identidade não é decorrência automática da
materialidade” (p. 93).
Neste caso, a identidade matuta de que fala Jessier Quirino seria, pois, uma
representação ligada diretamente a valores simbólicos de reconhecimento, de
pertencimento, distante de processos de miscigenação racial. Observamos que a
figura do matuto, na contemporaneidade, toma outra direção, mesmo retomando a
sua significação ligada a um “modo de vida social” (CANDIDO, 2003) e não a um
“caldeamento étnico”, a um “tipo étnico” (MAGALHÃES, 1970), muito embora esses
processos de miscigenação cultural contribuam para a formação de uma cultura com
base na realidade rural.
12
Depoimento concedido em 29/092008 na sua casa em Itabaiana-PB a este pesquisador .
64
CAPÍTULO III
A REPRESENTAÇÃO DO
MATUTO EM JESSIER QUIRINO
65
A REPRESENTAÇÃO DO MATUTO NA OBRA DO
POETA PARAIBANO JESSIER QUIRINO
O Nordeste brasileiro é uma região que abriga várias sub-regiões, onde cada
um dos nove estados tem suas especificidades geográficas, sociais, políticas,
econômicas e culturais (embora esta última abarque quase todas as especificidades
citadas). Pensar a formação de um tipo social pautado em valores campestres e
estereótipos a ele atribuídos como formador de uma cultura homogênea nos estados
nordestinos é improvável. O matuto paraibano talvez não se assemelhe, por
exemplo, ao matuto de outros estados Nordestinos, uma vez que a sua formação
social e o seu modo de vida cultural estaria ligado as condições encontradas por ele
apenas no seu habitat. Caso contrário, todas as pessoas que tenham uma relação
direta de sobrevivência com o espaço rural teriam comportamentos iguais, e a
literatura mostra que não (CANDIDO, 2003), (MAGALHÃES, 1970), (TÁVORA,
1902), etc.
3.1.2 Seguindo as veredas quirinianas
Para se fazer qualquer investigação sobre poesia, é preciso se posicionar
num determinado ponto. Neste sentido, a poesia de Jessier Quirino será enquadrada
aqui por nós como sendo uma poesia matuta, sabendo-se que com isso incorremos
na adoção de um rótulo que distancia as criações artísticas mais do que as aproxima
enquanto linguagem humana. Outrossim, talvez, devêssemos chamá-la de poesia
regional nordestina. Uma questão é colocada por Tavares (1998) ao se referir à
poesia matuta, quando diz: “tenho feito restrições ao uso do ‘poema matuto’ quando
ele me parece deformar desnecessariamente o modo de falar das pessoas”
(TAVARES, 1998, p. 10). Para o autor, o problema não está necessariamente no
modo de falar das pessoas ou com a língua culta, mas sim com a poesia que
representa o matuto como sendo um “débil mental” ou “idiota simplório”.
Observamos, ainda, que a poesia pode ser classificada em “erudita” e
“popular”. Esta última subdivida em: poesia oral, imbuída de um forte teor narrativo;
66
poesia matuta, representativa de valores da zona rural; e poesia de cordel,
formada pela métrica e a embalagem, sendo possuidora de traços de oralidade e
ligada as classes populares e em boa medida do Nordeste brasileiro.
Entendemos que a poesia de Jessier Quirino permeia a poesia oral, a matuta
e a de cordel, devido a sua vivência com o universo rural e interiorano. O próprio
autor demonstra isso ao descrever a sua vida nos tempos de infância e
adolescência:
Emburaquei nas tripas do continente nordestino ainda menino, quando
ouvia os bemóis das cantorias que a Rádio Borborema “violava” antes da
Ave-Maria, bem na hora que os meninos chegavam da escola de Dona
Bazinha. Tempo do medo de injeção na bunda aplicada por Dona Bilinha,
dos banhos de açude de Seu Euclides, das pescas de guaru no canal de
Chico Quirino (...) Tempo em que o papel pautado da prova cheirava a
sabonete Lifebouy, Eucalol e as colônias Royal Briar e Cashmere Bouquet,
que vinha da vitrine de imbúia, cercada de tamboretes de aroeira da venda
de Seu Nilo. Tempo do som de Américo anunciando o jogo Treze e
Campinense (...) Das brincadeiras com Ciço Galinha, Pedo da Baixa, Paulo
Mocó, Lulu, Bebé, Mala Véia, Aurelinho, Bilingo e Doutor. Tempo em que se
assistia aos filmes de Maciste e Ivanh e descia a ladeira da Lapa
montado num pirulito com os bolsos cheios de gibi e com os peitos cheios
de razão.(...) O privilégio de ter sido criança no interior do Nordeste e de ser
devoto da sabedoria e da simplicidade do matuto sertanejo, fez com que eu
me tornasse um prestador de atenção das coisas do mato. Admirador dos
mestres Catulo, Patativa, Zé da Luz, Renato Caldas, entre outros, e amante
da redondura do forró, do coco e do arrastapé, birita que me acompanha
desde os tempos em que afinei os ouvidos musicais no forró de Zé Lagoa.
Mergulhei mais fundo nos mares da matutice, num longo período em que o
Sertão de Jericó, Catolé do Rocha, Brejo do Cruz e mundo abaixo, me
hospedou com fartura, “sorridão” e calor. Conheci: do arrubação ao peido
de carretilha, do requifite do pavão ao coice do preá, do róseo do muçambê
ao mosqueiro preto da cozinha, muita reza, causos e mal-assombros cheios
de nordestinismos (QUIRINO, 1996, p. 8-10)
O olhar de observador participante de Jessier Quirino redescobre o modo de
vida do matuto e descortina um universo de palavras, gestos, e sua relação com a
natureza que ora castiga e ora alimenta o homem nordestino. Tudo isso sendo
observado desde a sua adolescência.
67
3.1 ANÁLISE DO CORPUS
3.2.1 Fisionomia do espaço rural
A poesia de Jessier Quirino pode ser classificada como uma poesia rural, o
que não impede o autor de transitar por outras temáticas, buscando o espaço
urbano como matriz para uma outra produção. Quanto ao universo dos poemas
rurais, Quirino se posiciona como um flâneur dentro das brenhas nordestinas, a
observar uma geografia física e humana, com o olhar de um “observador
participante” revelando o modo de vida de um grupo social dentro do espaço rural.
[...]
Sem o conforto se quer
Com suas latas furadas
E a cacimba tão distante
[...]
De taipa e barro é seu ninho (QUIRINO, 2001, p. 15).
Jessier Quirino no poema Qualquer e Xica Boa (QUIRINO, 2001, pp. 15-
18) ao descrever o modo de vida do matuto ressalta duas situações muito
recorrentes da zona rural nordestina: a falta d’água, que muitas vezes transforma em
flagelo a vida dessas pessoas, e a condição social e de moradia dos mesmos. Assim
sendo, a voz poética enfoca a relação estabelecida entre o homem e a natureza,
entre o mínimo vital e o mínimo social (CANDIDO, 2003).
DEPRESSA
Visitar depressinha
Sevirinim Puxa-Tripa
Deixou de herança
Um pé de fruta-pão e um rádio... (QUIRINO, 2001, p. 53 - grifo nosso)
A relação do homem nordestino com a terra, especialmente na zona rural, é
quase visceral. um apego muito forte à natureza ao ponto de haver uma relação
sagrada entre um homem e um animal, geralmente criado para servir de alimento e
que, na hora de sacrificá-lo, é como se perdessem alguém da família. No poema
Caderneta de matuto (QUIRINO, 2001, p. 53), Jessier Quirino enfoca essa relação
sagrada ao passar a uma árvore frutífera o estatuo de única propriedade. Neste
caso, um dos poucos bens que o homem rural tem, além da terra.
68
Foi seca batendo palma
Na porta do milharal
E o cumpade de arranco
Fugindo pra capital
Deixando um quintal rachado
Com lençóis enferrujados
Rangendo pelo varal (QUIRINO, 2001, p. 63).
Para quem sofre o drama das secas nordestinas, duas alternativas:
ficar ou partir para as cidades. Nas duas situações, as condições são idênticas.
Magalhães (1970, p. 85), referindo-se ao sertanejo, diz que ele trava uma batalha de
“sol a sol, sem cessar, contra a natureza”, uma vez que o clima nordestino e as
dificuldades enfrentadas é que formam esse matuto.
Essa luta se em duas frentes: contra as intempéries da natureza física ou
da natureza das civilizações urbanas. De fato, uma das maiores dificuldades do
homem rural nordestino é a falta d’água, aliada também ao descaso da falta de
políticas públicas. Situação retratada no cancioneiro popular nordestino através de
Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré, Catulo da Paixão Cearense, entre outros.
Senador Agora vamos falar de Nordeste. Como é verdadeiramente o
quadro da seca no Nordeste?
Matuto Olhe: De bicho de cabelo, só quem escapa é escova, de bicho de
fôlego, só quem escapa é fole, e animal de quatro pé, só escapa tamborete.
(QUIRINO, 2001, p. 80 - grifo do autor)
A voz poética revela um quadro da secas nordestinas desolador. Por falta
d’água, muda-se o homem, morrem os animais, definha a vegetação. Nada escapa
à força da natureza. Em boa medida, essa é a natureza física e geográfica que
permeia a parte semi-árida da região Nordeste e molda o habitante desse espaço.
SABER: Porque imbuias e sucupiras
Estão morrendo de madeirite (QUIRINO, 1998, p. 157).
No fragmento acima, o poema Caderneta de matuto II (QUIRINO, 1998, p.
157) mostra a preocupação do homem rural com o desmatamento e a transformação
dessas árvores em madeira prensada para a construção civil. Muito embora, esse
mesmo homem também contribua para o desmatamento.
A poética de Jessier Quirino não revela só as secas nordestinas. Não é
uma estética do sofrimento. Ela muda, assim como muda a própria natureza e o
homem rural com a chegada da invernada. E se chove, o homem rural, moldado
69
pela geografia, tem a abundância de alimentos provindos da natureza. É laranja,
maga, limão, jaca, caju, é gado e pasto, tudo em fartura.
Da ribanceira pra baixo
É sítio Caga-Chapéu
(...)
Vê gado e capim-mimoso
Em estado de baixio
Em estado de balaio
Laranja, manga e limão
Pé de jaca jaquejando
E caju de vez em quando
Cajuindo pelo chão (QUIRINO, 2006, p. 33).
O espaço rural modifica o modo de vida desse grupo social de acordo com as
estações do ano, inverno ou verão. A natureza propicia a esse grupo a obtenção do
mínimo vital de alimentação e social (CANDIDO, 2003), criando condições de
sobrevivência, adaptação e permanência no local.
3.2.2 Representação do matuto
Zumthor (1993) diz que a voz poética assume a função de transmissora da
memória de um grupo, revelando os hábitos dessa comunidade. A poética de
Jessier Quirino assume essa função de reavivamento da memória rural nordestina,
principalmente após a morte de Patativa do Assaré, haja vista o poder de aceitação
e penetrabilidade dos seus poemas na mídia nacional.
No poema Qualquer e Chica Boa (QUIRINO, 2001, pp.15-18), a voz
poética chama para si a função de descrever o modo de vida do matuto. Uma
espécie de manifesto em defesa do modo de vida e do caráter do matuto.
Empurra a cancela Zé
Abre o curral da verdade
Pra mostrar pra mocidade
Como é que vive um Zé
(...)
Um Zé arame farpante
Feito de gente e de fé. (QUIRINO, 2001, p. 15).
70
A verdade que busca essa voz poética, decerto, não é a mesma que as
outras pessoas têm do matuto. É uma verdade que não esconde as condições
sociais, mas revela uma força maior, seja ancorada na bravura, seja ancorada na
religião e no sagrado.
O Zé que se aprisiona
Aos cacos velhos da enxada
Que nasce herdeiro do nada
E qualquer lado é seu caminho
Medalhas, são seus espinhos
Quedas de bois são batalhas
Seus braços, duas cangalhas
[...]
Peitando graveto torto
Um dos três vai sair morto
Ou ele, a besta ou o boi... (p.15).
O matuto, na concepção de Jessier Quirino, ao se deparar diante o processo
de modernização das sociedades e das fortes secas, se refugia no seu modo de
vida cultural, tornando-se um defensor dos seus valores morais e culturais. O
espaço rural retratado no poema é o sertão, um lugar de contrastes variados, onde a
força física emana de corpos em que a massa muscular se faz ausente. Para
Magalhães (1970), do morador dos sertões “não se pode esperar mais do que o seu
poder de resistência heróica”.
Entretanto, para Quirino, a sua grandeza está no valor moral do seu caráter,
como podemos observar:
O Zé que assim se conduz
Nas brenhas deste sertão
O Zé Ninguém, Zé Qualquer
Mas o Qualquer desse Zé
Não é qualquer qualquer não.
É um Qualquer niquelado
Acabestrado num Zé
Não é Zé pra qualquer nome
Nem Qualquer pra qualquer Zé... (p. 16)
Mas quem seria esse Zé:
Sois argumento de foice
Sois riacho correntoso
Tu sois carquejo espinhoso
Sois calo de coronel
Sois cor de barro a granel
Sois couro bom que não mofa
71
Sois um doutor sem farofa
Sem soqueira de anel.
Sois umbuzeiro de estrada
Sois ninho de carcará
Sois folha seca, sois galho
Sois fulô de se cheirar
Sois fruto doce e azedo
Sois raiz que logo cedo
Quer terra pra se enfiar.
No inverno sois caçote
Espelho de céu no chão
Chorrochochó de biqueira
Espuma de cachoeira
Sois lodo, sois timbungão
Sois nuvem quebrando a barra
Violino de cigarra
Afinando a chiação.
Sois bafo de cuscuzeira
Sois caldo de milho quente
Sois a canjica do milho
Sois milho pessoalmente
Tu sois forte no batente
Tu sois como milho assado
Se não for bem mastigado
Sai inteirinho da gente (p. 16-7).
Percebemos que a preocupação da voz poética está em relacionar o matuto à
própria natureza. O matuto, no poema acima, é o próprio reflexo do seu habitat.
Mas, neste caso, é importante observarmos que o matuto é visto com olhar positivo,
uma vez que sua imagem está relacionada ao inverno, à floração, ao alimento, aos
animais, e ao caráter íntegro, mesmo distante dos processos educacionais. Jessier
Quirino, neste caso, retrata os valores e hábitos do matuto com a preocupação de
enaltecer o modo de vida dessas pessoas. Para Melo apud Quirino (1998), tudo isso
feito com uma “extraordinária capacidade de observação, de observador
participante”.
Sois um Zé Qualquer do mato
Provador de amargor
Tu sois urro, sois maciço
Devoto do padre Ciço
Sois matuto rezador
O Zé Qualquer em pessoa
Marido de Chica Boa
O teu verdadeiro amor (p. 17)
72
O sagrado e a religião também fazem parte do universo mítico do matuto.
uma espécie de busca por explicações que fogem à sua compreensão. Por outro
lado, o sagrado e a religião funcionam como balizadores das desigualdades
enfrentadas no dia-a-dia. “Não povo, por mais primitivo que seja, em que não se
veja a religião”, afirma Malinowski apud Silva (2004, p. 55). Quanto mais distante
dos processos que formam as sociedades modernas, mais próximos do sagrado e
da religião os homens se encontram. De certa forma, quando não explicação
para fatos naturais ou catástrofes, o apelo ao sagrado ou a religião cumpre uma
função de dar respostas a determinados fatos.
No poema Sabatina feita com um matuto presidente de banco de feira
(QUIRINO, 2001, pp. 79-81) são colocados, lado a lado, um matuto e um senador. O
embate entre o letrado e iletrado. Neste caso, ao invés do matuto questionar ao
senador, o senador é quem faz as perguntas. Desse modo, o poema sugere numa
relação de superioridade e de conhecimento da situação econômica e política do
país por parte do matuto presidente de banco de feira, como podemos observar:
Senador – Senhor Pedim de Mané Lingüiça, sendo um presidente de banco
de feira, como o senhor vê a situação econômica do Brasil, hoje?
MatutoAhh!... O Brasil tá se acabando ligerim feito sabão em mão de
lavadeira.
(...)
Senador – Mas o governo não promete ajustes para resolver o problema da
crise, não promete?
MatutoÉ... só que ovelha prometida não diminui rebanho, né? (p. 79)
A voz poética mostra um matuto conhecedor, não apenas da lida na terra e da
venda de produtos numa feira livre, mas uma pessoa que, a seu modo, encontra
respostas para questionamentos alheios a sua vida diária.
Senador - O senhor é sempre assim, de poucas palavras?
MatutoPalavra de homem é um tiro. Falar sem cuidar é atirar sem
apontar (p. 81).
Se a palavra, para o matuto, tem força e não pode ser usada
indiscriminadamente, uma vez que ela se configura em promessa, o discurso do
político não. Ele é carregado de promessas que, na maioria das vezes, não são
cumpridas. Neste ponto, Jessier Quirino recria no matuto as qualidades que
deveriam ter os políticos.
73
Senador – Como homem do povo, que recado o Sr. tem para os
governantes? (p. 81)
Matuto Meu recado é uma verdade: a gente nunca se esquece de quem
se esquece da gente (p. 81).
A poesia de Jessier Quirino não tem o cunho social que tem a poética de
Patativa do Assaré. Porém, o matuto, tanto em Jessier quanto em Patativa, é um
sujeito consciente do seu papel enquanto cidadão e que sabe onde estão as causas
e as soluções para os seus problemas. Esse discurso é empregado porque o matuto
tem consciência dos seus valores e que eles são talhados no espaço rural, no
espaço da sua convivência. A sua identificação com o espaço rural é que dá
condição para que ele se posicione nesse sentido.
A perda dessa identificação, ou melhor, a reconfiguração/desenraizamento
dessa identidade se quando esse matuto é convidado a migrar, geralmente para
o Sul (São Paulo ou Rio de Janeiro, sendo chamado por boa parte dos Nordestinos
de Sul ao invés de Sudeste) em busca de uma melhor condição de vida. De acordo
com Penna (1998, p. 108), essa “migração acarreta mudanças no modo de vida, no
nível do trabalho, da inserção comunitária”. No poema Acontecença matuta I:
quando o nordestino do Sul recebe notícias do Nordeste (QUIRINO, 1996, pp.
24-28), a voz poética caracteriza dois tipos de nordestinos: o do Sul e o do Nordeste.
Neste caso, Penna (1998) diz que o processo de migração cria situações de
“(re)construção de referenciais de vida”. A identidade social do matuto enquanto
nordestino recebe a influência desse processo de migração do espaço rural para o
urbano.
Distante das tecnologias modernas de comunicação, o recurso utilizado por
boa parte dos moradores de zonas rurais para se comunicarem com os parentes
que moram fora ainda é a carta. Muito embora, o uso de celulares nas comunidades
rurais seja uma realidade. Porém, a cobertura do serviço de telefonia móvel ainda
não é realidade em todo o território nacional.
Cumpade Migué dos Cocho
Cumpade véi sem pantim
Quem te escreve é Zé de Nuca
O teu cumpade Zezim
Pedindo logo licença
Pra falá das contecença
Dizer tim-tim por tim-tim (p. 24)
74
No poema em questão, o recebimento de notícias da sua comunidade de
origem contribui para fortalecer e estreitar os laços identitários.
Quem morreu foi Istribábo
As bruáca tão de luto
[...]
Prendêro Ciço Mofado
Robando Zabé do doce
[...]
As duença da cornura
Quaje mata Zé Nenêu
[...]
Chegô também uns Doutô
Mode enganar as doença
[...]
Os bruguelo de Minarva
Desaprendeu todo ensino... (p. 24-7)
De fato, são notícias os relatos comunicados por carta. Fruto de uma
observação cuidadosa, o matuto consegue relatar toda a estrutura social da sua
comunidade, onde estão envolvidos os casos de morte, roubo, relações
extraconjugais, saúde e violência, além da lida diária, como mostra a passagem
abaixo.
[...]
Minha jumenta Frodite
Deu-me um coice no grotão
Qu’eu lhe digo meu cumpade
Já não guento nem metade
Duma panha de feijão (p. 27).
Num outro poema, Acontecença matuta II: a resposta (QUIRINO, 1996, pp.
29-32), o matuto que migrou para São Paulo relata suas experiências, também
através de carta. Importante observamos que os fatores que levam o homem rural a
abandonar a sua terra e migrar para outros centros deve ser visto como um
processo de resistência. Assim sendo, concordamos com Penna (1998, p. 104) ao
enfatizar que essa resistência é uma forma de combater a exploração e a
dominação, assim como as adversidades da natureza e a falta de perspectiva de
vida em sua terra natal.
75
Por outro lado, em muitos casos, a condição desse matuto não se altera com
o processo migratório. A sua condição social permanece como antes da migração:
Por aqui tá um sufoco
Nós veve de pouco a pouco
Mode ladrão e puliça
[...]
Nós só pensa em apurar
Os dinheiro das passage
Pra mode nós ir simbora... (QUIRINO, 1996, p. 29)
Mesmo com toda a situação de arrependimento, o que se observa é que a
busca pelo “sonho e a felicidade” (PENNA, 1998) foram tentadas, numa procura por
uma vida melhor.
O apego aos valores fundidos no espaço rural faz com que o matuto, nesse
poema, reflita sobre o seu modo de vida, recriando imageticamente esse espaço
rural ao transitar pelo espaço urbano.
[...]
Tou inté vendo visage
Visei um pé de pereiro
Em prena via São João
[...]
Vi catrevage de feira
Chapéu de couro e gibão
Aqui não tem um sibiti
Um bigode, um curió
[...]
Nem calango, nem mocó
[...]
Nem roupa de gasimira
Nem tem cobra de cipó
Nem caçuá, nem chocalho
Nem urupema ou pilão
[...]
Um marimbondo cabôco
Que chegue pra ferruá
Não tem galinha pedrez
Lambedô de magará
[...]
É uma vida cruenta
Sertanejo não agüenta
Pode me acreditá... (QUIRINO, 1996, p. 29-1)
76
Em certa medida, a voz poética recria essa memória dos valores
estabelecidos no espaço rural como forma de reavivar o modo de vida do matuto ao
passo em que compara uma realidade a outra. A recriação do matuto se pelo
apego aos valores campestres entre o homem e a natureza. Relação que o espaço
urbano impossibilita ao matuto, em boa medida.
Os processos migratórios geralmente conduzem os nordestinos, de um modo
geral, para zonas periféricas dos grandes centros, expondo-os a situações de
violência e miséria, como mostra o poema abaixo.
Zé Fuxico ispragatou-se
De baixo dum caminhão
Coió escapou fedendo
Dos tiro do esquadrão
[...]
Tou vivendo de biscái
Até quando inda não sei
Sei que não posso vivê
Pro riba desse aperrêi
[...]
Se tiver boi assinado
Fiquei aí por esses lado
E segure Maria Rosa. (p. 32)
A poesia de Jessier Quirino retrata um tipo social que sofre com as condições
climáticas de sua origem e com as situações encontradas no processo de migração
para os centros urbanos. Desarraigado do seu entorno, a alternativa é voltar para o
espaço rural e reconstruir os laços de pertencimento. Para Albuquerque Junior
(1999, p. 312), “a região Nordeste se construiu como um dos principais momentos
de recusa da modernidade no país”. Assim, os processos migratórios do homem
rural nordestino representados no poema de Jessier Quirino confronta o espaço
urbano/violento com o espaço rural/sobreviência.
Nesse mesmo campo da recusa de uma nova sociedade, a representação do
matuto na poética de Jessier Quirino se consolida como uma batalha contra os
processos de modernização da sociedade urbana e a influência dessa sociedade na
zonal rural, no seu modo de vida. Assim sendo, as batalhas enfrentadas no dia-a-dia
do matuto nas cidades grandes não é uma luta pela sobrevivência através da
aquisição de bens materiais e de consumo, mas é uma luta pela conservação de
seus valores e a apropriação de outros. Evidentemente que isso pode aparecer uma
77
forma essencialista de se enxergar o matuto e o seu modo de vida cultural. Na
prática, o matuto quer sim ter sua parabólica, minimizar as distâncias entre o espaço
rural e o urbano.
Entretanto, esse matuto está ligado a terra, aos seus valores e isso tem um
valor muito maior para ele, como podemos observar no trecho abaixo:
Indagorinha eu passava
Lá pulas Praça da Sé
Foi me dando uma friage
Não pude ficar em pé
Vi um pé de umburana
Um juá, um marmeleiro
Avistei um boiadeiro
Muntado num pangaré
Tou sofrendo má de banzo
Um sofridão amuado
Eu não troco dez São Paulo
Por um trecho de roçado
Já acabei minhas posse
Vai ver o que é bom pra tosse
Se tu vier pr’esses lado. (p. 30)
O poder de adaptação e superação dos problemas encontrados no dia-a-dia
faz do matuto um especialista em resolver problemas cotidianos. Ele encontra na
natureza uma farmácia a céu aberto para curar enfermidades de vizinhos e
parentes. Assim como a prática na lida com o gado o transforma em veterinário,
aplicando injeções, castrando animais de pequeno porte como porcos e galos. No
poema Sou doutô da merdicina (QUIRINO, 1996, pp .40-42), o poeta retrata um
matuto conhecedor das “necessidas” e dos “Brasis” real e o oficial.
Cumpade eu não sou formado
No istudo das farcudade
Mas nos Brasis que eu ando
Basis das necessidades
De tanto vê sufrimento
Já fiz muito tratamento
Já sou doutô de verdade. (p. 40)
O matuto quiriniano tem um espírito medievo. O apego aos valores
campestres o transforma num observador dos hábitos, costumes, crenças,
linguagens e no modo de vida. Mas, dentro dessa natureza, está inserido o próprio
78
matuto, com suas várias facetas e papéis, como podemos observar no poema No
terreiro da fazenda (QUIRINO, 1996, pp. 98-100):
Caboca varrendo pra lá e pra cá
Com laço de fita no mêi do cangote
[...]
Matuto conversa miolo de pote
Grudado num rádio da R C A
[...])
Menino buchudo chupando um manga
Com o bucho breado que chega a brilhá
[...]
Matuto leiteiro chêi de nove hora
Encosta o jumento pra se apiá
[...]
Didi e Mimosa de Maria Pombo
Ajeita o cabelo, no pega-rapaz
A Nêga Marica de Chico Tomás
Catando piolo em Têca e Tequinha
O aleijadinho de Dona Zefinha
Balança o pezinho tangido pra trás
[...]
E vem do roçado Seu Zinho Pachola
Trazendo um balaio sem se ajudá
[...]
Vem Maria Pombo trazendo um cajá
Com uma de cana pro Véio Pachola (p. 98-0).
O terreiro nas casas da zonal rural é a grande sala da casa. Tudo acontece
em sua volta. É o espaço das trocas de experiências, das cantigas e brincadeiras de
roda, dos encontros, das conversas, das paqueras e das traquinagens de meninos.
O terreiro é a grande praça da cidade rural onde o matuto recebe os seus
compadres, onde tudo acontece à volta.
no poema Caderneta de Matuto II (QUIRINO, 1998, p. 157), a voz
poética, numa referência a contribuição de Luiz Gonzaga para a cultura nordestina,
revela um matuto consciente do seu papel de representante da sua região ao
comparar a sua visão da região com a visão do “Rei do Baião”.
SABER quanto tem de Luiz
No xotezinho que’u fiz (p. 157
79
Quirino recria um matuto defensor da sua cultura, por conseguinte, também
da cultura brasileira:
Levar o gibão em Mané do Couro
Saber se essa porra é Made in Brazil. (p. 157)
O espaço geográfico onde mora esse matuto é a zona rural, caracterizada
pela distância em relação à cidade.
Daqui até lá em casa? No Sítio Caga-Chapéu?
Dá um bocado de légua
Mas não é leguinha besta, nem légua de beiço não.
É légua macha, abafada
Dessas légua macriada, medida a rabo de cão.
Ao recriar o espaço da vivência do matuto numa zona rural e distante do
espaço urbano, Jessier Quirino propõe, com isto, evidenciar a dificuldade que essas
pessoas têm para ter acesso aos produtos da modernização urbana, assim como
tudo para ele é distante. Evidentemente, isto não é uma posição de relatividade do
ângulo de quem enxerga do espaço rural para o urbano ou vice-versa. É uma
questão de distanciamento de políticas de inclusão social e econômica. A vida do
matuto se acentua cada vez mais pelo contraste entre os mínimos vitais de
alimentação e social encontrado por ele e as possibilidades que a modernização
propicia aos citadinos.
3.2.3 Carnavalização/humor
Bergson (1983) chama a atenção para o fato de que comicidade para
os fatos humanos, fora disso, na natureza em geral, não o elemento cômico, por
mais feia ou trágica que se apresenta a cena. Por outro lado, o mico tem uma
característica fundamental que é a de estar sempre ligado ao feio, ao trágico, ao
riso. O belo, ao contrário, não produz o cômico. O humor, portanto, se acentua como
característica do homem nordestino, sendo aproveitado pelo matuto como forma de
revelar, ao mesmo tempo em que brinca com a sua condição social.
Em seus poemas, Jessier Quirino usa esse lado cômico do matuto, através da
sua linguagem e do modo de ver a vida, para criar uma poesia com elementos
carnavalizantes. Para San’Anna (1997, p. 94) pesquisar na “cultura de um povo,
80
procurando os efeitos cômicos e parodísticos que mostram como a comédia pode
revelar alguns traços do inconsciente social” é uma forma de se encontrar uma
literatura carnavalizada.
No poema Caderneta de matuto (QUIRINO, 2001, pp. 53-55), a voz poética,
através da linguagem do homem do rural, recria o lado cômico a partir da dor do
outro.
RANZINZA
Carregar Ciça-Ranzinza
Pro doutor hemorroidista
Ou pruma receitadeira
Que venda casca de pau
- Tá com um fanizim
No olho da promessa. (p. 53)
E mais:
DESGOSTO
Zezinho Vacinador
Sofreu um ramo...
Tá c’uma tronxura de boca
Que não assopra uma vela.
Dizem que tá com um lado esquecido...
...Eu só tomara que não seja
Do lado da peixeira
Que me comprou e xexou. (p. 55)
Num outro poema, ao recriar um mundo fantástico, a voz poética satiriza com
o matuto que fabrica gamelas e, por isso recebe a alcunha de Gamela, porém ao
prosperar nos negócios, muda o nome para Escudella e viaja para um reino africano.
Ao mudar de nome, o matuto é vitimado pela sonoridade de sua própria alcunha ao
anunciar-se no reinado.
Chega o matuto na corte
Se apresenta sem demora:
- Diga que é o ESCUDELLA!
Que chegou aqui agora!
(....)
Da foiçada do mordomo
Virou finado na hora
Que, apontando Escudella,
Dedurou-lhe sem demora:
- Sua Alteza, este baixinho
Disse todo engraçadinho
Ser o EX-CU da senhora. (QUIRINO, 2001, p. 65)
81
O dado importante do lado cômico da cultura popular nordestina é que o
matuto, além do humor que usa para mostrar as situações vivenciadas e
imaginadas, ele se torna parte também do lado risível. Assim, ao narrar os fatos do
dia-a-dia, ele consegue provocar o riso, como podemos observar: Corina foi pruma
festa/ mais Miró, Pituca e eu/ Mode um copo de bebida/ Amostrou a perseguida/
Pituca, pimba, comeu.../” (QUIRINO, 1996, p. 25). Para o matuto, o riso cumpre uma
função que ora representa um momento de alegria, de triunfo maldoso, de simpatia
ou de orgulho (MINOIS, 2003). Tudo isso, escondido por trás da ironia, do humor, do
grotesco. Para Minois (2003, p. 16), “é isso que faz sua riqueza e fascinação ou, às
vezes, seu caráter inquietante” de ser o próprio riso.
No poema Matuto no carnaval (QUIRINO, 1996, pp. 75-78), quirino faz uma
comparação do carnaval com as festas da zona rural, em especial o forró. Vejamos:
Existe uma brincadeira
Qu’eu não gosto de brincá
É pulá qui nem macaco
Nos dia de carnavá.
É brincadeira suada
Cum sujêra e vexação
C’us povo bebo e muiado
Vivendo de mangação
Pulando in riba dos carro
Os chofé só dando isparro
Entrando nas contramão
É festejo deferente
Dos forró lá dos terrêro
C’us casá forinfunfando
Cada cá cum seu parcêro
Fulia é que nem macumba
Toca mais de mil zabumba
Não se ôve um sanfonêro.
É nessa tamborilada
Que os besta vira tarado
Que madame vira quenga
Que urso vira viado
Que o mais pacato se zanga
Que generá faz muganga
Qu’é permitido pecado.
É premitido zuêra
É premitido pu
Zoná, caí na gandáia
É premitido muiá
82
Fumá, cherá e bebê
É premitido perdê
O proibido é achá.
É aí que a tampa avôa
Pro de baxo do pulêro
Criado dá na patrôa
Que rico vira lixêro
Pro baxo da fantasia
Todo mundo é nos trêis dia
O que não é no ano intero
Já vi majó de saiote
Levando isporro dum cabo
Vi pade de cara branca
Fantasiado de diabo
Vi vitalina feliz
Que só não deu por um triz
Mas inda isquentô o rabo.
Vi coxa, vi peito, bunda
Vi fême toda pelada
Patroa chique sambando
No broco das empregada
Home mijando na rua
Nem as baiguia abutua
E os povo não dize nada.
Vi nêga de incarnado
Usando peruca lôra
Paiaço de ambulança
Laúça dando bilôra
Os povo se istraçaiando
Só pruque passô tocando.
Um frevo – um tá de bassôra.
Vi crente cherá peufumo
C’ua cara chêa de pó
Fresco levando dedada
Galinha de palito
Noiva ingolindo liança
Vi delegado de trança
Avô sarrando c’avó.
É nessa xirimbambada
Que acabei de contá
Que adispois de nove mês
Mais pra perto do Natá
In quaje toda famia
Nasce um fí da fulia
Cum esse tá carnavá (QUIRINO, 1996, pp. 75-78).
No poema, a recriação do mundo as avessas do carnaval se apresenta ao
matuto como uma quebra dos valores culturais e morais. O carnaval é visto por ele
como uma inversão do seu modo de vida, ao passo que denuncia as questões
sociais e os problemas morais e políticos contemporâneos. “O matuto no carnaval”
83
é a recriação poética/literária do conceito de carnavalização proposto por Bakhtin na
obra A cultura popular na Idade Média: o contexto de François Rabelais.
O carnaval, para Bakhtin (1993, p. 241), “é a festa que, libertando de todo
utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente
num universo utópico”, onde a cultura popular pode debochar do poder instituído
sem o risco da punição. A desforra do carnaval, para o matuto, é a quebra dos
valores constituídos por ele no espaço rural. Bakhtin argumenta que onde o aspecto
livre e popular do carnaval se conservou certos elementos carnavalescos
permaneceram nas culturas e folguedos populares.
Por outro lado,
Nos lugares onde o carnaval, no sentido estrito do termo, floresceu e se
tornou o centro que reagrupou todas as formas de folguedos públicos e
populares, ele provocou, de certa forma, o enfraquecimento de todas as
outras festas, retirando-lhes quase todos os elementos de licença e utopia
popular. As outras festas empalidecem ao lado do carnaval; sua significação
popular diminui... (BAKHTIN, 1993, p. 191)
Neste caso, o carnaval reflete-se numa manifestação urbana em oposição a
cultura popular do meio rural, quando a voz poética diz: “É festejo deferente/ Dos
forró dos terrêro.../ Toca mais de mil zabumba/ Não se ôve um sanfonêro.../ Pro
baxo da fantasia/ Todo mundo é nos trêis dia/ O que não é no ano intêro/”.
Outra característica da linguagem carnavalizada na literatura é o uso de
imagens do baixo material e corporal e obscenidades ambivalentes (BAKHTIN,
1993). Em seus poemas, Jessier Quirino recorre a essas imagens para criar o lado
cômico, pois, sem esse recurso o lado cômico não se materializaria.
Vejamos:
- Você que cagô pra fora,
Pruque não cagô pra dentro?
- Ou nasceu c’a bunda torta
Ou tem o cu fora do centro (QUIRINO, 1996, p. 97).
E mais:
Se o caba é arrochado
Nos tempêro da paixão
Disfôia logo o facão
Pro riba da namorada
84
Mete a fuça na parada
É pamonha na canjicada (QUIRINO, 1996, p. 124)
A carnavalização, em boa parte dos poemas de Jessier Quirino fica por conta
das imagens do baixo corporal e das obscenidades. No entanto, isso não se traduz
em recurso estilístico para dar um ar de regional a sua poesia. A linguagem do baixo
corporal utilizada é captada da própria fala do matuto, utilizada no seu dia-a-dia. Um
exemplo dessa transposição da linguagem popular para a poesia são os poemas
Qué matuto humilhado é doente das parte (QUIRINO, 1996, pp. 135-138) e
Qué matuto humilhado é doente das parte (2ª edição revista e ampliada)
(QUIRINO, 1996, pp. 152-156) onde o poeta usa do vocabulário pitoresco popular
para contar a história de uma cirurgia de hemorróida.
Vejamos, então:
No tronco do ser humano
Nos finá mais derradêro
Tem uma rosquinha enfezada
Que quando tá inframada
Incomoda o côipo intêro.
Se tussí se faz presente
Se chorá se faz também
O caba não pode nada
Cum nada se entretem
Eu lhe digo meu cumpade
Não deseje essa maldade
Pra rosca de seu ninguém.
Não sei o nome da cuja
Desta cuja, eu tiro o já
O que resta é quase nada
Bote o nada na parada
Quero vê tu agüentá.
Eu lhe digo meu cumpade
Que é grande humilhação
Um caba do meu quilate
Aduecido das parte
Fazê uma operação.
Não suportando mais dô
O meu ato derradêro
Foi procurar um doutô
Do “bocá do arenguêro".
De Bocá do Arenguêro
Fejoêro, Fiofó
Bufante, Frescó e Lôrto
Apito, Brote e Bozó.
85
De Furico, Fedegôso
Piscante, Pelado e Bóga
Fosquete, Frinfra e Sedém
Zuêro, Ficha e Vintém
De Ás de Copa e de Fóba.
De Oiti, Ôi de Porco
Ané de Couro e Caguêro
De Gira-Sol e Goiaba
Roseta, Rosa, Rabada
Bôto, Zero e Mialhêro.
De Nó dos Fundo e Buzéco
De Sonoro e Pregueado
Rabichol, Furo e Argola
Ané de Ouro e de Sola
Boca de Véia e Zangado.
Um doutô de Aro Treze
De Peidante e Zé de Bóga
Que não aperte o danado
Nem deixe com muita folga.
Um doutô piscialista
Em Bocá da Tarraqueta
Doutô de Quinca e Dentrol
Zebesquete e Carrapeta.
Doutô de Rosca, Rosquinha
Tareco, Frasco e Obrom
Ceguinho, Butico e Zero
Tripa Gaitêra e Fon-Fon.
Mialhêro e Mucumbuco
Buraco, Brôa e Boguêro
For Ever, Cruaca, Urna
Gritadô, Frande e Fuêro.
Cano-de-Escape e Pretinho
Rodinha, X.P.T.O.
Zerinho, Subiadô
Tripa Oca e Fiofó.
Um doutô de Helidório
Ou de Boca de Caçapa
Que não seja inimigo
Também não seja meu chapa.
Tratador de Canto Escuro
De Boréu ou de Cheiroso
De Formiróide e Alvado
De Parreco e de Manhoso.
De Chambica e Cibazol
Apolônio e Fobilário
Bilé, Briôco e Roxim
Fresado, Anilha e Cagário
Vaso Preto, Zé Careta
Olho Cego e Espoleta
Fuzil, Fioto e Fuário.
86
Não é doutô de ovário
É Doutô de Oriol
De Cá-pra-nós e Bostoque
De Futrico e de Ilhó.
De Culiseu e Caneco
Roscofe, Forno e Botão
De Disco, de Farinheiro
De Joli, Fundo e Fundão
De Quo-Vadis e Fichinha
Que não venha com gracinha
E que não tenha dedão.
Um doutô de Zé de Quinca
Canal 2 e Cagadô
Buzina, Vesúvio e Cego
Federá e Sim-sinhô
Fagulhêro e Zé Zoada
Rosquete, Fim de Regada...
...Eu só queria um doutor.
O doutô se preparou-se
Parecia Galileu
Aprumou um telescópio
Quem viu estrela fui eu
Ele disse arribe as perna
– Tenha calma, sonho meu
A partir daquela hora
Perante Nossa Senhora
Não sei o que sucedeu.
C’as força da humildade
Já me sinto mais milhó
Me desejo um anus novo
Cheio de verso e forró
Pros cumpade, com franqueza
Desejo grande riqueza:
Saúde no fiofó. (QUIRINO, 1996, pp. 152-156)
Para Tavares (1996), uma característica importante dos poemas de Jessier
Quirino está em recuperar expressões da cultura popular que se encontram, em
muitos casos, esquecidas. Ao recuperar esse vocabulário, o humor é obtido através
de uma história contada e não simplesmente pela mera transposição dessa
linguagem. Em alguns poemas, destaca Tavares (1996, p. 10) “o acúmulo de
palavras pitorescas se sobrepõe de tal modo aos outros aspectos que o poema
acaba não sendo propriamente um poema, e sim um glossário metrificado e rimado”.
Em outros poemas, o matuto, distante dos grandes acontecimentos dos
centros urbanos, utiliza-se da imaginação para criar histórias míticas, onde as
aventuras da idéia são concebidas a partir do humor, da paródia, da sátira e da
87
ironia narradas em suas aventuras fantásticas. E, nesse jogo, a carnavalização
funciona como ferramenta para revelar o seu engenho e o seu conhecimento de
mundo, mesmo estando à margem amesmo daquilo que ele descreve com sendo
bem próximo do seu habitar. Um exemplo dessa verve é o poema Presente de
grego (QUIRINO, 1998, pp. 110-111) onde o matuto, numa alusão a “expressão
cavalo de tróia”, usa do jogo da ironia para criar uma carnavalização a partir do
estrangeirismo que foi incorporado, não a sua cultura, mas a cultura nacional
como um todo. Neste caso, o poema assume as características mítico-fantásticas
como forma de se materializar.
Vejamos:
Eu pedi a um matudo distrangeiro
Um galego espichado e alemão
Nascido na Holandria ou no Japão
Um presente bonito e caceteiro
O galego me deu um candeeiro
Desse que só se encontra no sertão...
Me mostrando pro dito visitante
Procurei os terém mais importado
Uma vaca holandesa do meu lado
Periquito daquele australiano
Sanduíche parrudo americano
Um pastor alemão acorrentado
Canivete suíço amolado
Um balai de melão bem japonês
Nos meus um cachorro pequinês
Num calor africano azuretado
Tinha canário belga na gaiola
Na cabeça um chapéu panamá
Um gato siamês a procurar
Zunido d’abelha italiana
No meu pé a sandália havaiana
Um negócio da China no lugar
Tinha um cavalo árabe a pular
E uma jumenta russa relinchando
Saí dum banho turco me enxugando
Pr’uma gripe espanhola não pegar
(...)
E eu olhando o presente do galego
O presente era presente de grego
Eu queria era uma zebra africana
Candeeiro foi pra veneziana
E danou-se a soltar o seu fumego.
Eu mostrei minha classe pro galego
Pois aqui ninguém gringa como eu gringo
Puxei conversa de domingo
Ciclopédia Britânica se perdia
De orgia romana eu entendia
88
Camisinha de vênus me surgiu
Me lembrei logo ali do pau Brasil
Misturei com sarog havaiano
Impurrei futebol Americano
E o galego fez: puta que pariu! (QUIRINO, 1998, pp. 110-111).
O matuto surreal da poesia quiriniana demonstra todo o seu conhecimento,
pois, no seu espaço, “ninguém gringa” como eu ele “gringa”, diz o matuto. A utopia
social é, neste caso, uma característica da literatura carnavalizada, pois, de acordo
com Bakhtin (1981) ela é necessária e inseparável de todos os outros elementos
desse gênero, uma vez que a utopia faz parte do imaginário popular.
O uso de elementos que constituem alguns dos seus poemas como fazendo
parte de uma estética carnavalizada da literatura faz com que Jessier Quirino recrie
o universo do matuto muito próximo da sua realidade. O próprio homem nordestino
se utiliza do humor, da ironia, sátira, da paródia para, no seu dia-a-dia, descrever as
cenas do seu cotidiano, rir da sua própria situação. Por outro lado, a literatura
carnavalizada tem como preocupação denunciar a situação desse matuto, ao passo
que revela o sujeito conhecedor do seu entorno e do mundo exterior.
3.2.4 Da voz para a escritura: a oralidade nos poemas quirinianos
Uma das características da poesia matuta é a recriação do universo rural.
Mas, a recriação desse espaço deve levar em consideração os aspectos naturais e
humanos. Um depende do outro. Não homem sem a natureza. E natureza que
não seja reinterpretada, recriada, modificada pelo homem. Antes mesmo de ser
materializada em textos escritos, essa natureza é transportada pela fala do homem
através da oralidade. E, nesse ponto, a cultura popular toma a dianteira e se
posiciona como depositaria do habitat do homem rural através da oralidade.
As poesias selecionadas de Jessier Quirino para esse estudo demonstram
que em todos os poemas estão presentes índices de oralidade da cultura popular
nordestina. Neste caso, chamamos a atenção para o fato de que, em boa medida, a
transcrição da voz para a escritura nos poemas se dá através de um vocabulário
pitoresco do Nordeste onde muitas das palavras e expressões estão sendo
esquecidas. Ao transpor para sua poesia esse vocabulário, Jessier Quirino faz uma
89
etnografia da linguagem, dos hábitos, da cultura do matuto. A sua poesia se servirá
como documento da memória do homem nordestino.
A transcrição da voz para a escritura nos poemas de Jessier Quirino se dá em
dois contexto. No primeiro, o matuto é representado com uma linguagem própria do
meio rural, mas sem a exploração dos vícios de linguagem, da deformação da sua
fala, onde erros gramaticais aparecem muitos sutis, como é o caso do poema Uma
paixão pra Santinha:
No apolegar das tetas
Nos chamego penerado
Nas misturação das perna
Nos cafuné do molengado
Nos beijo mastigadinho
Nos açoite de carinho
Nós era bem escolado (QUIRINO, 2001, p. 36).
Um outro exemplo é o poema Zé Qualquer e Chica Boa:
Sois argumento de foice
Sois riacho correntoso
Tu sois carquejo espinhoso
Sois calo de coronel
Sois cor de barro a granel
Sois couro bom que não mofa
Sois um doutor sem farofa
Sem soqueira de anel
(...)
No inverno sois caçote
Espelho de céu no chão
Chorrochochó de biqueira
Espuma de cachoeira
Sois lodo, sois timbungão
Sois nuvem quebrando a barra
Violino de cigarra
Afinando a chiação (QUIRINO, 2001, p. 16).
No segundo contexto, na transcrição da voz para a escritura nos poemas
quirinianos, o matuto é representando como um sujeito que ficou à margem de uma
formação culta. A voz poética recria a fala do matuto tal qual é pronunciada. Neste
caso, Tavares (1998) diz que um dos problemas da poesia matuta é quando ela
deforma “desnecessariamente o modo de falar dessas pessoas”.
Vejamos como se dá a transcrição dessa voz para a escritura.
Baxada dos Ri dos Boi
Doze do mês de Santana
90
Sexta-feira quaje sábo
Do ano que nos engana
Cumpade Migué dos Choco
Cumpade véi sem pantim
Quem te escreve é Zé de Nuca
O teu cumpade Zezim
Pedindo logo licença
Pra falá das contecença
Dizer tim-tim por tim-tim...
(...)
A bixiguenta da Lôla
Laigô de mão Zé Pinote
Que morreu dum trupição
Cu’s quengo cheim de mote... (QUIRINO, 1996, pp. 24-28)
Meu cumpade Zé de Nuca
Recebi suas nutiça
E já li, já dei risada
Já espalhei pra mundiça...
(...)
Visei um pé de pereiro
Em prena via São João
Uma moita de mufombo
Vi três jumento fujão
Vi catrevage de feira
Chapéu de couro e gibão
Indagorinha eu passava
Lá pulas praça da Sé
Foi me dando uma friage
Não pude ficar de pé... (Ibid, pp. 29-31).
Percebemos que Jessier Quirino, em boa medida, não propõe uma
deformação proposital da fala do matuto. Na escritura, ele usa do erro real e
freqüente na fala cotidiana desse homem rural, onde os processos educacionais se
fizeram distantes.
Entre o discurso oral e o escrito e suas inter-relações, Zumthor (1993) diz que
três tipos de oralidades, ambas correspondentes a três tipos de cultura. A
oralidade primária não mantém nenhum tipo de contato com a escritura; a oralidade
mista é aquela que o controle da escritura se mantém externo, sem muita influência;
e a oralidade segunda, a qual necessita da cultura letrada. Nos poemas quirinianos,
o matuto é construído num universo da oralidade mista.
Uma das marcas da oralidade mista é o desprendimento às normas da
linguagem culta. Ao transpor para os seus poemas essa linguagem, Jessier Quirino
91
consegue retratar a maneira autêntica com que o matuto se expressa, além de suas
peculiaridades.
Em nosso estudo, não temos a intenção de nos debruçarmos sobre o léxico
13
nos poemas quirinianos, mas compreendemos a função que ele representa para a
constituição da poesia matuta. Ao transpor para a escritura os índices de oralidade
da fala do matuto, Jessier Quirino consegue fazer com que seus poemas
representem de forma muito mais clara o universo do homem rural, dando um sabor
pitoresco ao seus poemas.
Jessier Quirino utiliza da criação de regionalismos para recriar uma realidade
lingüística do homem rural nordestino, assim como explora o lado lexical através de
neologismo, uma marca muito forte da sua poesia. Para Oliveira (2006, p. 28), “o
léxico não se renova apenas de neologismos, formado de palavras inéditas, mas
também na mudança de significado, através da metaforização e metonimização”.
Com esses recursos, Jessier Quirino consegue com que seus poemas assumam
outros contextos situacionais da vida desse personagem, o matuto.
Vejamos como isso se nos poemas Banheiro de matuto, Sou doutô da
merdicina e endereço de matuto:
Mas será um impussive
Que’u sou assim tão frechado!
Diz o matuto tinhoso
As vezes inté má-criado
- Entrei esse abafadiço
Mode fazer um serviço
Saí todo serviçado (QUIRINO, 1996, p. 97)
Cumpade eu não sou formado
No istudo das farcudade...
(...)
Curei froxidão dos neuvo
Que é morrê cum peido dentro
Arfação, andaço e bolo
E má de instatalamento... (IBIDEM, p. 40-41)
(...)
É ladeira enladeirada
Se o cabra sobre fumando
Cai cinza dentro do zói... (QUIRINO, 2006, p. 33)
13
Sobre o léxico na poesia de Jessier Quirino, ver a dissertação de mestrado de OLIVEIRA, Maria de Fátima.
Um olhar léxico-semântico sobre o Vocabulário regional em Agruras da lata d’água de Jessier Quirino.
João Pessoa, 2006. p. 105. Dissertação (Mestrado em Letras). Centro de ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal da Paraíba.
92
Na obra de Jessier Quirino, os índices de oralidade variam de acordo com
cada poema. Em alguns, a repetição, o uso de formas coloquiais, gírias, arcaísmos,
entre outros, podem revelar os índices que fazem parte do repertório do matuto.
Com isso, Jessier Quirino ao usar da linguagem do matuto para dar uma
contextualização aos seus poemas, consegue recriar o modo de vida do matuto
paraibano.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As possibilidades de se investigar a obra de Jessier Quirino são muitas,
principalmente quando relacionadas às discussões literárias. Por isso, entendemos
que nos poemas quirinianos um vasto campo para apreciação da cena regional
nordestina, tendo como mote principal o olhar da cultura popular sendo visto pelo
próprio homem, o matuto.
A poética de Jessier Quirino é considerada como sendo matuta, uma vez que
a linguagem recriada e o espaço onde transita sua temática tem como característica
o universo rural. Uma outra característica de Jessier Quirino é o poder de
interpretação dos seus versos, através da sua performance, contribuindo para um
ganho de sentido e uma relação imagética entre aquilo que ele diz no texto escrito e
aquilo que representa no palco.
No entanto, não foram apenas os livros e o poder de interpretação de Jessier
Quirino que nos motivaram a conduzir esta pesquisa, mas o fato dele recriar o
matuto como principal personagem do seu discurso literário, além da carga
simbólica conduzidas nos poemas. É importante observar que durante suas
apresentações, Jessier Quirino se transforma num o matuto por convicção, como se
autodefine. Porém, entendemos que uma pesquisa sobre a performance do poeta
por si só já seria suficiente para uma oportunidade futura, ficando este estudo
restrito apenas a alguns aspectos do texto escrito.
Um grande desafio para esta pesquisa foi propor uma diferença entre o
matuto e o caipira. Um distanciamento que fosse além de uma leitura semântica.
Entendemos que a forma como o modo de vida do caipira e sua representação
imagética foram divulgadas pela Mídia através do discurso do Jeca Tatu, de
Monteiro Lobato, e dos filmes de Mazzaropi, fez com que houvesse uma
verticalização do conceito onde todas as pessoas que tenha sua vida pautada nos
valores constituídos no espaço rural seriam classificadas como caipiras. Neste caso,
o matuto seria o mesmo que o caipira.
94
Dos trabalhos que retratam a temática caipira, toma grande importância a
obra de Antonio Candido, Os parceiros do Rio Bonito. Mas, em se tratando do
matuto, não havia até então um trabalho que abordasse o tema, que definisse o
matuto e localizasse-o dentro de um espaço definido, o que para nós, se tornava um
desafio e ao mesmo tempo nos instigava.
Durante as discussões nas aulas do mestrado e as leituras sobre a temática
matuta, tomamos conhecimento da obra O Nordeste brasileiro, de Agamenon
Magalhães. Em seu estudo, Magalhães descreve o matuto como um tipo social que
surgira do cruzamento de duas castas, a do senhor de engenho com o a dos
escravos na região da Zona da Mata nordestina. Para Magalhães, o matuto não
seria preguiçoso, uma vez que ele, além da lida com a terra nos engenhos, era
quem consertava as máquinas, forjava o ferro e dirigia as locomotivas, conduzindo o
progresso da região. Neste sentido, a pesquisa a ponta que ser matuto não é
mesmo que ser caipira. O modo de vida social e cultural dessas duas classes são
diferentes, assim como o processo de caldeamento étnico que as formara.
Elucidado, então, essa inquietação, como encontrar um matuto que esteja nas
mesmas condições em que observara Magalhães (1970) e vora (1902)?
Impossível. A cultura é movente. As pessoas são moventes. Tudo se transforma. Se
reconfigura. Foi preciso, então, localizar esse matuto sob o aspecto simbólico que
retratasse o seu modo de vida, sua cultura, sua condição social. Para tanto,
recorremos a interpretação de Jessier Quirino, quando diz que o matuto não é
necessariamente o homem do campo ou o sertanejo, pode ser até o mesmo o
citadino. O matuto na visão de Jessier é aquele sujeito em que as limitações
causadas por falta de políticas sociais fez com que ele seja guardião de valores e
tradições que a modernidade está acabando.
Longe de uma visão essencialista, o matuto de hoje convive com signos da
modernidade, como por exemplo, a antena parabólica, transformando o seu modo
de vida numa cultura de fronteira entre o arcaico e moderno, entre o campo e a
cidade, como diria Nestor Garcia Canclini. Assim, a poesia de Jessier Quirino
cumpre a função de servir como depositaria de uma etnografia dos valores, hábitos,
expressões e tradições do matuto.
Apesar de Jessier Quirino falar de uma alma matutês que, para ele, pode ser
encontrada num pescador ou num sertanejo, os seus poemas revelam um matuto
95
que vive no espaço rural. A relação com a terra, o caráter e a lida diária são os
critérios que conduzem os seus valores morais e culturais, mesmo quando ele é
obrigado a migrar para as cidades.
O espaço físico onde vive esse matuto é, em boa medida, o Sertão.
Posicionado com o olhar de um flâneur, Jessier Quirino mostra a vida sofrida do
matuto. Um sofrimento causado seja pela falta d’água ou pelas condições de
moradia e a distância que se encontram das cidades. a fisionomia do espaço
rural também é vista, em muitos poemas, como um lugar da fartura de alimentos e
água. O discurso se mostra como defensor da permanência do matuto no espaço
rural, uma vez que os processos de migração levariam essas pessoas a viverem em
condições bem piores de adaptação. Longe da sua cultura, esse matuto vive o
dilema de reconstruir um novo modo de vida. Mas, encontrando em seu espaço rural
água e condição de moradia, esse matuto é capaz de recriar um espaço digno para
sua convivência e permanência.
Outra característica da poética quiriniana é recriar esse matuto através de
uma literatura carnavalizada, explorando o lado cômico do homem nordestino. Há,
uma tendência do matuto, diante das dificuldades enfrentadas, transformar a sua
dor, o lamento e até os acontecimentos do dia-a-dia em humor. Pegando esse
princípio, Jessier Quirino explora esse veio para recriar um matuto que compensa as
dificuldades intelectuais através do humor. Isso é o que ele vai chamar de espírito de
sobrevivência. Esse espírito de sobrevivência faz com que esse sujeito se destaque
apesar do ofuscamento de fatores climáticos, de condições sociais, de formação e
de limitação intelectual.
Recriado sob essas condições, Jessier Quirino consegue fazer com que o
matuto não seja tido como um sujeito preguiçoso e desprovido de sabedoria. Através
do discurso quiriniano, o matuto é representado de forma a valorizar a sua cultura e
o seu modo de vida, onde os valores morais conduzem o caráter desse homem
rural. Percebemos que uma preocupação em desmistificar uma estereotipação
criada para o homem nordestino através da mídia e difundido na figura do Jeca Tatu
criado de Monteiro Lobato e que ganhou vida com os filmes de Amácio Mazzaropi.
Apesar de não ter feito parte da nossa pesquisa, é importante destacar que
nos recitais, Jessier Quirino não recria, através do vestuário, uma caricatura para o
matuto, como acontece com relação ao caipira: dente pintado de preto, camisa
96
quadriculada e rasgada, chapéu de palha e talo de capim na boca. Sua performance
leva em consideração apenas a sua voz. Entretanto, é uma voz que traz consigo
uma carga simbólica muito forte.
97
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras
artes. Prefácio de Margareth Rago. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo:
Cortez, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o
contexto de François Rabelais, trad.: Yara Frateschi, 2ª. ed., São Paulo: HUCITEC;
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 4ª ed., trad. Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1988.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1981.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1977.
BARRETO, Luiz Antonio. Um novo entendimento do folclore e outras
abordagens culturais. 2. ed. Sociedade Editorial de Sergipe: Sergipe, 1997.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. trad.
Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedito Vecchi. trad. Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2. Ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1983.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1990
BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In: BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas
e situações. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.
98
BHABHA, Homi K. O local da cultura. trad. Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade . Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo:
EDUSP, 1997.
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e
a transformação dos seus meios de vida. São Paulo: Duas cidades; Ed. 34, 2001.
CERTEAU, Michel. A cultura no plural. trad. Enid Abre Dobránszky. Campinas, SP:
Papirus, 1995.
CHIZZOTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e sociais. 5. ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
CUCHE, Deys. A noção de cultura nas ciências sociais. trad. Viviane Ribeiro.
Bauru: EDUSC, 1999.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
DOMINIC,Strinati. Cultura popular: uma introdução. trad. Carlos Szlac. 1. ed. São
Paulo: Hedra, 1999.
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. Tradução de Sandra Castello Branco. São
Paulo: Editora UNESP, 2005
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz da Silva.
Guaracira Lopes Louro – 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
99
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
IANNI, Octávio. A idéia de Brasil moderno. Brasiliense: São Paulo, 1996.
JACKSON, Luiz Carlos. Os parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio
Candido. Belo Horizonte: Ed. UFMG; São Paulo: FAPESP, 2002.
MAGALHÃES, Agamenon. O nordeste brasileiro. Secretaria de Educação e
Cultura. Departamento de Cultura. Governo de Pernambuco. Recife, 1970.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio: Editora da UFRJ, 2001..
MELO, Alberto da cunha. Jessier, em voz alta. In: QUIRINO, Jessier. Paisagem de
interior. Recife: Bagaço, 1996.
MINOIS, George. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Elena O. Ortiz
Assumpção. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
MIRANDA, Dilma. Carnavalização e multidentidade cultural: Antropologia e
tropicalismo. Tempo Social; Rev. Sociológica, USP, S. Paulo, 9(2): 125-154, outubro
de 1997.
MONTIEL, Edgar. A nova ordem simbólica: a diversidade cultural na era da
globalização. In: SIDEKUM, Antônio (org). Alteridade e multiculturalismo. Ijuí: ed.
Unijuí, 2003
MOREIRA, Daniel A. Introdução à Pesquisa Científica. São Paulo: ?, 2002.
OLIVEIRA, Maria de Fátima. Um olhar léxico-semântico sobre o Vocabulário
regional em Agruras da lata d’água de Jessier Quirino. Dissertação (Mestrado
100
em Letras). Centro de ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da
Paraíba.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
PENNA, Maura. O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o
“escândalo” Erudina. São Paulo: Cortez, 1992.
PENNA, Maura. Relatos de migrantes: questionando as noções de perda de
identidade e desenraizamento. In: SIGNORINI, Inês (org). Língua(gem) e identidade:
elementos para uma discussão no campo aplicado. Mercado das Letras; São Paulo:
Fapesqp, 1998. p. 89-112.
PRETI, Dino. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
PRETI, Dino. Oralidade, literatura, mídia e ensino. São Paulo: Cortez, 2001.
QUIRINO, Jessier. Agruras da lata d’água. Recife: Bagaço, 1998.
QUIRINO, Jessier. Bandeira nordestina. Recife: Bagaço, 2006.
QUIRINO, Jessier. Entrevista concedida a Arão de Azevêdo Souza. Itabaiana. 29
de outubro de 2008.
QUIRINO, Jessier. Paisagem de interior. Recife: Bagaço, 1996.
QUIRINO, Jessier. Prosa morena. Recife: Bagaço, 2001.
SANT’ANA, Affonso Romano de. Paródia, Paráfrase & Cia. 4ª Ed. São Paulo: Ática,
1991.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura e artes do pós-humano: da cultura da mídia à
cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
101
SIDEKUM, Antônio. Alteridade e interculturalidade. In: SIDEKUM, Antônio.
Alteridade e multiculturalismo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003. p. 233-295
SILVA, Eli Brandão. O símbolo na metáfora: fronteira entre o literário e o teológico.
In: SILVA, Antonio de Pádua Dias da (org). Literatura e estudos culturais. João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004.
TAVARES, Bráulio. Mestre Jessier. In: QUIRINO, Jessier. Paisagem de interior.
Recife: Bagaço, 1996.02.
TÁVORA, Franklin. O matuto: crônica pernambucana. Rio de Janeiro: Garnier,
1902.
THOMPSON. J. B. Ideologia e cultura moderna: Teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz: A literatura medieval; tradução Amálio Pinheiro,
Jussara Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
ZUMTHOR, Paul. Introdução à Poesia Oral. São Paulo, Ed. Hucitec. Educ, 1997.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires
Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: EDUC, 2000.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo