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formação histórica até então” (p.52). Neste sentido, nossa pesquisa assume
importância ao analisar a constituição do matuto a partir da poesia de Jessier
Quirino, ao retomar as discussões sobre esses grupos marginalizados do processo
de colonização do Nordeste brasileiro.
Uma questão que levantamos ao estudarmos esses grupos é observar que a
constituição sociológica dos mesmos pode estar diretamente ligada ao olhar do
outro. Mais especificamente, num jogo de poder entre classes, onde o discurso das
elites dominantes terminaria por dar nomes, na maioria das vezes, pejorativamente,
aos grupos sociais. Neste caso, a nomenclatura “matuto” estaria ligada a um
discurso urbano em relação ao rural, não como forma de revelar de fato os seus
traços culturais, mas, pelo contrário, como forma de diferenciação para se evidenciar
as imposições de poder. Numa outra ponta, o discurso de membros da sociedade
rural, especificamente, os poetas populares, como Patativa do Assaré ou aqueles
que trafegam nessa vertente como Quirino e Cascudo
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, buscam um caminho oposto,
juntando os cacos dessa fragmentação e reconstituindo um ser dotado de “360
graus de mente, de alma, de imaginação e de memória” como diz Tavares (1998).
Um processo igual ao do reconhecimento do Nordeste enquanto região a partir dos
seus valores culturais, sociais e ambientais.
“Do homem forte dos sertões não se pode esperar mais do que a resistência
heróica que há quatro séculos, porfiadamente mantém sem tréguas, nem
desfalecimentos, dorso nu, cavando a terra, tendo uma só esperança, é Deus”,
assinala Magalhães (1970, p. 60) na obra O Nordeste brasileiro ao se referir ao
sertanejo. É nesse espaço de “caldeamento étnico”, da lida com a terra, das
variações climáticas e da falta de políticas eficazes que, segundo Magalhães,
produzir-se-á um tipo selecionado, que será o “brasileiro”. O discurso do autor passa
pelo processo de adaptação ao meio natural por um povo, onde o mesmo, podendo
ser “superior” ou “inferior”, teria as mesmas condições de sobrevivência. Para ele, há
a possibilidade de um tipo “inferior” se adaptar melhor às condições adversas,
tornando-se “superior”, uma vez que o habitat “reflete-se nesse homem, imprime-lhe
os seus aspectos, talha-lhe a forma, forma-lhe o espírito” (p. 76). O pensamento de
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Câmara Cascudo, em suas pesquisas, sempre esteve voltado para relatar os episódios da vida do homem
sertanejo, das cantorias, dos aboios, das danças e do folclore popular nordestino. "Queria saber a história de
todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do
Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao
encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço", diz o pesquisador.
Disponível em: < http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u289.jhtm> acessado em 8/12/2008