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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
PUC-SP
MAÍSA SILVEIRA MARTINS
A REPETIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA NA
NARRATIVA DE GIL GOMES
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
PUC-SP
MAÍSA SILVEIRA MARTINS
A REPETIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA NA
NARRATIVA DE GIL GOMES
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua
Portuguesa, sob orientação da Professora Doutora Ana Rosa
Ferreira Dias.
São Paulo
2009
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BANCA EXAMINADORA
______________________________________
______________________________________
_____________________________________________
Em especial...
A Deus, autor e consumador da minha fé, que se manifestou a mim por meio de
seu filho amado, Jesus. Eu te amo Pai, porque me amaste primeiro.
Ao meu pai, herói, guerreiro, exemplo de vida e de dedicação aos filhos, quero
agradecer-te pelas palavras de ânimo e de conforto nos momentos de fraqueza.
À minha mãe e irmãs pelo carinho e cuidado que dispensaram a mim. Obrigada
pelas orações que muito confortaram o meu coração. O nosso amor está selado
para sempre!
A meu querido e amado esposo, James, pelo amor, pela paciência e,
principalmente, por suas intercessões por mim.
Aos meus filhos amados, Paula, Lucas e Cíntia, nos quais mantive a firme
justificativa em retroceder nunca, desistir jamais.
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos mais sinceros à Profª D Ana Rosa Ferreira Dias pelo
estímulo constante, pelas críticas oportunas, pelo lado humano e, principalmente,
pela paciência a mim conferida.
À Profª Drª Maria Lúcia da C. V. de Oliveira Andrade e ao Profº Dr. Dino F.
Preti, pelas significativas considerações feitas no exame de qualificação.
Em especial, à Profª Drª Terezinha Zilli, grande mestra da Graduação, pelo
carinho e motivação que me fizeram chegar até aqui.
À querida amiga Márcia que acreditou em mim. Nos momentos mais difíceis,
não me deixou fraquejar. Nela, encontrei sorriso e entusiasmo. Meus mais
sinceros agradecimentos. Obrigada.
À querida amiga Sandra pelo consolo, amizade e preocupação. Obrigada pela
leitura e pelas sugestões.
“Mais do que uma simples característica da língua
falada, a repetição é uma das estratégias de formulação textual mais presentes na oralidade.
Por sua maleabilidade funcional, a repetição assume um variado conjunto de funções.
Contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual; favorece a
coesão e a geração de sequências mais compreensíveis; dá continuidade à organização
tópica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma textualidade menos densa
e maior envolvimento interpessoal, o que torna a repetição essencial nos processos de
textualização na língua falada”.
Luiz Antônio Marcuschi
RESUMO
Esta dissertação insere-se na linha de pesquisa da Análise da Conversação,
Linguística Textual e Análise do Discurso, e tem como objetivo analisar os recursos
lingüísticos essenciais no estabelecimento da coesão textual, como a repetição, a
referência, a paráfrase etc, articulados na produção de uma crônica policial radiofônica.
O corpus constitui-se de uma narrativa oral, produzida pelo prestigiado repórter Gil
Gomes que, para garantir a interatividade com o ouvinte, articula diversos elementos
lingüísticos que estabelecem relações de sentido e asseguram a progressão textual.
Verificamos que o movimento de progressão e retroação no texto é possível
mediante os procedimentos coesivos necessários para estabelecer relações de sentido.
Dentre os procedimentos, pontuamos a Repetição como importante articulador que
corrobora na formulação textual e promove a progressão do fluxo narrativo. Para
estudá-la, baseamo-nos nos estudos de Marcuschi (1992, 2006) e Koch (2003).
No texto, verificamos que a repetição não está restrita à ocorrência tautológica
de uma palavra, de uma frase ou de uma expressão. Mais do que um simples processo
formulativo da oralidade, a repetição cumpre um importante papel argumentativo. Para
Koch (2003, p. 127): “repete-se como meio de martelar” na mente do interlocutor até
que este se deixe persuadir”.
Pautada em um fait-divers, a narrativa “O maníaco da Dutra” apresenta como
enredo a historia de um maníaco obcecado pela tara sexual. Nesse estudo, constatamos
que a Repetição é um recurso muito utilizado como elemento argumentativo de fixação
e de alerta, uma vez que, durante a transmissão da narrativa radiofônica, o locutor, por
meio da repetição, não conduz o ouvinte à memorização das particularidades do
crime (estupro) como também o alerta sobre o modo de agir do estuprador.
Palavras-chave: rádio, narrativa, repetição, referenciação, interação
ABSTRACT
This dissertation inserts in the research line of Conversation Analysis, Discourse
Analysis and Textual Linguistics, and is aimed to analyze the essential linguistic
resources in the determination of textual cohesions, such as repetition, reference,
paraphrase, etc, articulated in the production of a radiophonic police chronicle. Corpus
consists of an oral narrative, produced by the well-known reporter Gil Gomes that, in
order to ensure the interactivity with the audience, articulates different linguistic
elements that establish sense relations and ensure the textual progression.
We verify that the progression and retroaction movement in the texts is only
possible by means of the cohesive procedures needed to establish sense relations.
Among the procedures, we highlight the Repetition, as an important articulator that
corroborates in the textual formulation and promotes the progression of the narrative
flow. In order to study it, we have based on Marcuschi’s (1992, 2006) and Koch’s
(2003) studies.
In the text we verified that repetition is not restrained to the tautological
occurrence of a single word, sentence or expression. Rather than a simple orality
formulator process, repetition has a significant argumentative role. Koch (2003, p. 127):
says “one repeats as a mean to “beat” inside the interlocutor’s mind until this latter
allows to be persuaded”.
Ruled in a fait-diver narrative, “O maníaco da Dutra” presents the story of a
maniac obsessed by the sexual degeneration. In that study, we noticed that Repetition is
a resource very much used as argumentative element of fixation and warning, whilst
during the broadcasting of the radiophonic narrative, the speaker, by means of the
repetition, not only drives the audience towards the memorization of the crime
particularities (rape) but also warns him/her about the rapist’s modus operandi.
Key Words: Radio, narrative, repetition, referentiation, interaction
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA................................................................................................................. IV
AGRADECIMENTOS....................................................................................................... V
RESUMO............................................................................................................................ VI
ABSTRACT........................................................................................................................ VII
SUMÁRIO ......................................................................................................................... VIII
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 01
CAPÍTULO I: APRESENTAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS...................... 05
1.1. A biografia de Gil Gomes ............................................................................ 06
1.1.1. A linguagem de Gil Gomes .................................................................... 09
2. A caracterização social do rádio ...................................................................... 12
2.1. O discurso popular radiofônico ................................................................. 15
2.2. Rádio Tupi AM: breve histórico ………….…………………………….. 17
2.3. Rádio Tupi: O Programa Gil Gomes.......................................................... 19
2.3.1. O perfil do público-ouvinte..................................................................
23
2.3.1.1 O reconhecimento do público-ouvinte......................................... 25
2.3.2. A interação locutor e ouvinte ............................................................... 27
3. O jornalismo policial no Rádio ........................................................................ 29
3.1. O fait-divers e a ideologia ......................................................................... 30
3.2. O tema da violência ................................................................................... 33
CAPÍTULO II: A NARRATIVA COMO REPRESENTAÇÃO DO MUNDO ........... 36
2.1. A narrativa radiofônica ............................................................................... 41
2.2. A narrativa da notícia: a história ................................................................. 42
2.2.1. A intriga .............................................................................................. 44
2.2.2. As personagens ................................................................................... 45
2.2.3. O narrador ........................................................................................... 46
2.2.4. O narrador e o narratário: uma relação comunicativa ......................... 47
2.2.5. O teor ético e moral da narrativa ......................................................... 48
2.3. A narrativa policial .......................................................................................
49
2.3.1. A estrutura da narrativa policial (Programa Gil Gomes) ...................... 51
CAPÍTULO III:
A REPETIÇÃO E A ARGUMENTAÇÃO: uma imbricação persuasiva
54
3.1. A repetição .................................................................................................... 55
3.1.1. A repetição em sua estrutura multifuncional ..........
..............................
60
3.1.1.1. Repetição de itens lexicais ............................................................ 61
3.1.1.2. Repetição de construções suboracionais ......................................... 62
3.1.1.3. Repetições de construções oracionais ............................................. 63
3.2. Aspectos funcionais da repetição ................................................................. 63
3.2.1. Argumentatividade........ ....................................................................... 64
3.2.1.1. Reafirmação de argumentos .......................................................... 64
3.2.1.2. Contraste de argumentos ............................................................... 65
3.2.1.3. Contestação de argumentos ........................................................... 65
3.3. A Argumentação .......................................................................................... 66
CAPÍTULO IV: ANÁLISE DO CORPUS ...................................................................... 70
4.1. Análise da narrativa: O maníaco da Via Dutra ............................................ 73
4.2. Análise do fenômeno lingüístico – a repetição como argumentação............. 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................
123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
............................................................................
126
Anexo: Transcrição da narrativa: O maníaco da Via Dutra ................................... 130
Anexo: As normas de transcrição do projeto NURC .........................................................
136
Anexo: CD com a gravação da crônica policial: O maníaco da Via Dutra.........................
137
1
INTRODUÇÃO
O rádio é um meio no qual a comunicação verbal configura-se em discurso, quer
seja no âmbito popular ou não-popular, viabilizando preceitos e crenças que são
marcados pelas ideologias predominantes da sociedade. O discurso assume um lugar
predominantemente de interação, em que cada participante apresenta traços
característicos da dimensão social e cultural que, portanto, influenciam no processo de
construção da atividade comunicativa entre os participantes.
A transmissão de uma crônica policial, objeto de estudo desta pesquisa, cumpre
papel relevante na composição discursiva entre enunciador (radialista) e enunciatário
(ouvinte) ao recriar a atmosfera narrativa que não se dá de forma ingênua.
Observamos que as narrativas comportam representações do mundo que o
sujeito inscrito em determinado lugar social apreende, de modo que as concepções
idealizadas são elaboradas e reelaboradas nos discursos compartilhados pelos indivíduos
que operam na sociedade.
De maneira particular, a linguagem ultrapassa o simples conceito de meio de
comunicação, para fundamentar-se numa importante marca das posições sociais
ocupadas por um indivíduo em se tratando das representações que possui acerca do
mundo. Em face do exposto, torna-se necessário este estudo, com base no parâmetro
histórico-social, do qual o indivíduo enuncia, ao construir discursos que propiciam a
interação entre indivíduos.
A linguagem na crônica policial apresenta elementos significativos que atuam na
representação social de um indivíduo. Mais do que um sistema de signos ou de regras
formais, a linguagem é um instrumento de que o homem se apropria para significar e
significar-se.
Nesse processo, a narrativa de uma crônica policial radiofônica também se
constitui em um campo fértil para disseminar ideologias. É iniludível julgar que
qualquer discurso esteja isento de intencionalidade, quando a palavra se institui como
uma espécie de “ponte lançada entre mim e os outros” (Bakhtin, 2004, p. 113).
A palavra é veiculada para produzir significações que são apreendidas na
superfície da materialidade do texto, por meio de elementos linguísticos, que se
2
articulam semanticamente e que estabelecem uma rede de relações de sentido existentes
no interior do texto.
Nossa pesquisa tem por objetivo analisar de que modo a linguagem oral constrói
mecanismos que estabelecem relações de sentido na produção de uma crônica policial
radiofônica. Desse modo, a análise que se segue contemplou o estudo de importantes
elementos da língua que conferem coesão ao texto.
Podemos destacar a paráfrase, a reformulação, a referência, a repetição, entre
outras, que asseguram o sentido e a progressão textual. No entanto, a pesquisa aqui
relatada estudará o fenômeno da Repetição, que se constitui num aspecto importante na
língua falada. Este estudo dispôs-se especificamente em demonstrar como são
construídas, na crônica policial de Gil Gomes, transmitida pela Rádio Tupi AM, as
repetições com função argumentativa.
Para a análise do corpus, consideramos dois tópicos fundamentais sobre os quais
a crônica policial está alicerçada: a estrutura da narrativa e a repetição. Compreendemos
que a narrativa da crônica policial não deixa de ser uma representação do mundo que o
locutor quer compartilhar com o público.
Ainda que a narrativa seja baseada em fatos reais, seu discurso é extremamente
ornamentado, a ponto de envolver o ouvinte emotivamente na história, fazendo-o
suscitar diversos tipos de sentimento. Quanto aos fatos, apresenta-os, segundo uma
representação de mundo, calcada num discurso que viabiliza crenças e valores, de
maneira que a ideologia surge representada na forma “como” é falada (Reuter, 2002, p.
18).
Em se tratando da repetição, esta consiste em um fenômeno linguístico
recorrente na modalidade oral da língua. Durante o processo comunicativo interacional,
Gil Gomes, no discurso que profere, repete palavras e frases de forma exaustiva, para
ativar a imaginação do ouvinte e persuadi-lo a compartilhar de opiniões e crenças. Nesta
pesquisa, concebemos a repetição como estratégia que o locutor utiliza-se para exercer
ação sobre o público-ouvinte, segundo a intencionalidade.
Para desenvolver esta pesquisa sobre a modalidade oral da língua e, mais
especificamente, para observar as estratégias da repetição oral utilizadas por Gil Gomes,
num primeiro momento, tornou-se necessário gravar o programa em fita cassete.
3
Procedeu-se à sua transcrição técnica, segundo as regras
1
do Projeto NURC-SP,
coordenado por Dino Preti.
Tal procedimento configurou-se de forma relevante, para evidenciarmos várias
ocorrências de repetições utilizadas como estratégia oral que visam à interação e à
progressão textual. Desta forma, julgamos que a crônica por nós escolhida, veiculada
em janeiro de 2007, é suficiente para elucidarmos os objetivos almejados por esta
dissertação.
Deve-se esclarecer, ainda, que a crônica que investigamos está integralmente
apresentada no Anexo deste trabalho. No corpo de nossa análise serão contemplados os
fragmentos necessários à exemplificação de nossos argumentos
No primeiro capítulo, sobre o corpus, abordamos alguns aspectos pertinentes ao
comunicador Gil Gomes, a saber: biografia e linguagem, em particular. A seguir, nos
detivemos no aspecto da caracterização do rádio, assinalando, por assim dizer, o
discurso popular radiofônico e a ideologia subjacente.
Ainda nesse capítulo, consideramos útil apresentar uma síntese histórica da rádio
Tupi AM, para, então, delinearmos as linhas gerais do Programa Gil Gomes e as
concepções ideológicas que transpassam seu discurso. Em seguida, julgamos relevante
traçar um perfil do público-ouvinte, com o propósito de discorrermos sobre o discurso
dominante de GG na construção da narrativa.
Nessa perspectiva, no segundo capítulo, realizou-se o estudo da narrativa, mais
estritamente, a narrativa radiofônica de uma crônica policial. Ao considerarmos que as
notícias policiais visam a atualizar o público com informações sobre dramas humanos
provenientes do próprio espaço social em que os sujeitos estão inscritos, tornou-se
indispensável identificarmos os elementos fundamentais encontrados no arcabouço da
narrativa literária ou de ficção na narrativa radiofônica.
No terceiro capítulo, conceituamos um fenômeno presente na oralidade: a
repetição, no intuito de comprovar que mais do que uma característica linguística, a
repetição deve ser percebida como uma “estratégia de formulação textual” muito
recorrente no discurso oral (Marcuschi, 2006, p. 219).
Para finalizar esta pesquisa, o quarto capítulo versou sobre a análise do corpus
no qual demonstramos como Gil Gomes constrói a narrativa, para, então,
1
Estão em anexo as normas de transcrição do projeto NURC.
4
fundamentarmos a caracterização da repetição como fenômeno argumentativo, usado
com a função de persuadir o ouvinte para um fim específico.
Como narrador habilidoso, GG compreende que precisa seduzir o público pelo
domínio da palavra e, com esse propósito, desenvolve o discurso por meio de uma
linguagem coloquial, a qual confere aspectos típicos da fala como repetições constantes
e recorrências de palavras, de expressões e estruturas; pausa, interrupções, correções,
dentre outros. Nesta perspectiva, GG envolve o ouvinte no fio da narrativa, com a
pretensão de levá-lo a compartilhar de suas visões de mundo, sempre para obter sua
adesão ao que está sendo enunciado.
Ao realizarmos essas considerações, este estudo buscou responder as perguntas
que nortearam o nosso trabalho de pesquisa: Qual a razão do apresentador GG utilizar,
até de forma exaustiva, o fenômeno da repetição em sua oralidade? Qual a finalidade de
fazer uso da repetição na narrativa? No movimento de avanço e retomada textual, quais
são os outros elementos lingüísticos que evidenciam a progressividade do fluxo
narrativo?
5
CAPÍTULO I
APRESENTAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
O corpus selecionado para esta pesquisa é constituído por uma crônica policial
de mídia radiofônica veiculada na rádio Tupi AM de São Paulo, no dia 18 de janeiro de
2007, às 24h00, durante o Programa de Jornalismo Policial: Gil Gomes. A crônica
2
intitulada “O maníaco da Dutra” foi selecionada e enviada por alguns jornalistas de
Resende, Rio de Janeiro, para que Gil Gomes desenvolvesse a narrativa em seu
programa.
Esclarecemos que o uso do termo “crônica policial” é devido ao caráter de sua
composição simples e verbalmente despojada. A crônica implica uma reprodução do
acontecimento real em tom despreocupado, mais próximo da conversa. Assim como os
fatos transitórios, a crônica salienta o breve tempo em que os acontecimentos policiais
estão inscritos, mostrando toda a complexidade das alegrias e dos dramas humanos que
estão sob o olhar de um intérprete mais sensível (Sá, 2001, p. 12-13), no caso do rádio o
locutor é o cronista.
Quanto à seleção do nosso objeto de pesquisa, justificamos que a opção pela
narrativa da crônica policial de Gil Gomes se pelo fato de esta mostrar-se
significativa para o que propomos observar: a repetição como recurso argumentativo.
Portanto, as razões de ser da escolha encontram-se respaldadas, essencialmente, sobre
dois aspectos fundamentais.
O primeiro aspecto trata-se da repetição, fenômeno muito recorrente na fala de
Gil Gomes, compreendida como um mecanismo que proporciona maior envolvimento
na inter-relação entre locutor e ouvinte. O segundo aspecto relaciona-se com a força
argumentativa que a repetição exerce, durante o processo oral, quando se pretende obter
do ouvinte a comunhão das ideias.
2
O CD com a gravação da crônica “O maníaco da Via Dutra” encontra-se anexo a este trabalho.
6
Para a constituição do corpus, fazem-se necessárias algumas informações
relevantes à pesquisa, acerca da biografia e da linguagem de Gil Gomes, que é
considerado um radiojornalista policial prestigiado, até o presente momento. Ao
observarmos que as crônicas policiais do “Programa Gil Gomes” são transmitidas por
uma emissora de cunho estritamente popular, julgamos pertinente destacar alguns
aspectos da história da referida emissora com o propósito de conhecermos a ideologia
que perpassa o discurso do jornalista e o perfil de seu público-ouvinte.
1.1. Gil Gomes: a Biografia do Radiojornalista
Gil Gomes é de origem paulistana, nascido no Jabaquara, região da zona sul de
São Paulo. Durante a infância, sonhava em tornar-se locutor de rádio, mas devido ser
gago, imitava vozes de locutores esportivos que costumava ouvir no rádio e, com isso,
conseguiu superar tal problema de fala (Prado, 1985).
Aos dezoito anos, recebeu a primeira proposta de emprego para trabalhar na
Rádio Progresso como locutor esportivo. Depois, empregou-se respectivamente nas
rádios Santo Amaro, Difusora de Piracicaba, Excelsior, Difusora de Rio Preto e,
finalmente, ingressou na rádio que mudaria a trajetória de vida: a Rádio Marconi.
Num primeiro momento, o locutor ainda irradiava esportes, todavia, uma experiência
inusitada marcou a estréia de Gil Gomes (GG)
3
como repórter policial, que fez a
carreira dele seguir outra direção: um assalto às dependências da emissora Mendes
Caldeira, no qual um ladrão fez a secretária de refém. A partir desse episódio, GG
vislumbrou uma oportunidade e deslocou-se para o local, com um microfone à mão, e
começou a irradiar ao vivo todos os fatos que presenciou naquele momento.
Logo depois, GG confessou que, conforme narrava esse fato, sentiu uma emoção
sem precedentes, e para compreender os motivos que impeliram o ladrão a agir de
maneira drástica, revelava detalhes sobre o desdobramento da história.
3
Doravante, para facilidade de leitura, designou-se o nome do locutor Gil Gomes pelas iniciais de seu
nome – GG.
7
O fato narrado por GG atraiu audiência e ofereceu uma nova oportunidade para a
carreira do locutor, portanto, nascia, ali, o repórter policial GG com um programa
totalmente ao vivo, cujas notícias policiais constituíam-se de fatos criminais a serem
narrados (Prado, 1985).
Como conduta ética e profissional, GG sempre exigiu que, todos os detalhes
sobre os fatos, fossem verificados com cuidado, para que não viesse a cometer nenhuma
injustiça. Dessa forma, o radialista conquistou credibilidade e confiança do público,
pelo fato de considerar que em cada tragédia há um ser humano com uma história. É
nessa perspectiva que GG descobre dados de quem está envolvido nos casos, como o
nome, a profissão e as causas que levaram a pessoa a agir de determinada maneira.
(ibid.)
Em virtude desta competência, GG é visto como um “justiceiro” pelo público.
Desde que passou a exigir das autoridades uma punição aos infratores, tornou-se porta-
voz das camadas sociais mais populares, seja da periferia, seja dos grandes centros
urbanos. Até hoje, essa imagem permanece: um homem de caráter, em busca da justiça
em favor das pessoas desprotegidas pelos órgãos competentes (Costa, 1992, p. 30).
Ao participar de uma palestra
4
, GG revela que, mais do que um comunicador ou
repórter policial, ele é um “contador de histórias”:
No microfone, não vejo ouvintes, mas pessoas. Minha profissão é de
contador de histórias. [...]. É como se você fizesse um vídeo tape mental, eu
começo a passar a história, a narrar aquilo que vem do coração para o
cérebro, passando pela emoção. Eu não tenho preocupação de escolher
palavras, frases. E a conversa que eu tenho comigo mesmo, tenho com o
ouvinte.
Na década de 70, GG alcançou sucesso e reconhecimento, ao começar a
trabalhar em uma das maiores emissoras do país: a Rádio Record. A emissora passava
por uma situação financeira difícil, entretanto, com a chegada dele, no Programa
“Dramas da Cidade”, a audiência da emissora subiu (Prado, 1985, p. 69).
4
Gil Gomes participa de uma palestra realizada na PUC/SP, dia 14 de novembro de 2006.
8
GG e a equipe de investigação, diariamente, saíam a campo, à procura de
alguma ocorrência que mostrasse a dimensão da tragédia humana e, geralmente, os
casos eram encontrados em delegacias e também no I.M.L. (Instituto Médico Legal).
Outras vezes, os ouvintes ligavam para emissora para contar histórias ao
telefone, ou então, enviavam-nas por cartas. Pode-se dizer que uma cumplicidade
entre o locutor e o público, haja vista que este acredita apropriar-se das palavras do
discurso do radialista, portanto, um discurso seu, para dizer algo que o público diria
para as pessoas que não se comportam de acordo com as regras sociais (Costa, 1992, p.
44).
Costa assinala que:
Gil Gomes aparece como um indivíduo que, ao lidar com as questões
ligadas à morte, ao crime, pode tornar-se, aos olhos deste público,
alguém capaz de resolver as questões ligadas à própria vida, ou seja,
alguém capaz de “orientar” os indivíduos, para que estes possam melhor
conduzir seus atos. (ibid, p. 64).
Em meados de 1972, GG despedia-se da Rádio Record em favor da Rádio
Globo-Nacional. O locutor permaneceu oito anos, nessa emissora, atingindo o Ibope
mais alto de sua carreira que evidenciou a preferência popular.
GG retorna para a antiga rádio Record, em 1979, juntamente com Silvio Santos
e, na década de 80, assume um contrato de um programa diário na emissora de TV:
Rede de Televisão Record. Novamente, volta à pesquisa de campo, sem, no entanto,
alterar a estrutura que já mantivera e que havia lhe proporcionado reconhecimento.
De 1991 a 1997, GG atua como repórter investigativo do extinto jornal “Aqui e
Agora”, no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Após essas experiências na
televisão, retorna à atividade no rádio, no qual permanece até o momento.
Durante sete anos, o radiojornalista permanece na rádio Tupi, exercendo o
mesmo trabalho de reportagem investigativa policial, mas, em novembro de 2007, volta
a fazer parte da equipe de jornalistas da rádio Record AM
5
. O formato do programa
continua o mesmo e a emissora comemora o alto índice alcançado pelo programa de
5
Pesquisa realizada no site: http// www.maxpressnet.com.br, no dia 18/12/2007.
9
GG, ao constatar que, ainda no mês de sua re-estreia, alcança índice expressivo com um
crescimento de 400% na audiência.
Os dirigentes da emissora, depois de um mês da chegada de GG à Record AM,
constatam que os números registravam um índice recorde de público-ouvinte. Em
números absolutos, a audiência pulou de 16.750 ouvintes/minuto, em outubro, para
67.000, em novembro.
Esses índices apresentados pelo Programa de GG ratificam a representatividade
do locutor na rádio e ainda registram a grande aceitabilidade do trabalho realizado,
tendo em vista a expectativa do público-ouvinte.
1.2. A Linguagem de GG
Na rádio, o locutor sabe que precisa criar um vínculo com o público e, para isso,
tem que provocar emoção, narrar a notícia de forma dramática, a ponto de exigir o
envolvimento emocional do ouvinte
6
. Mediante um público-alvo já definido, GG aborda
todo o conteúdo noticioso por meio de uma linguagem simples e coloquial.
Diferente do estilo jornalístico em que a informação é transmitida de maneira
objetiva; em GG, a informação policial, no programa popular, é trabalhada por meio de
uma linguagem que busca o envolvimento, estimulando a imaginação dos ouvintes. A
linguagem de GG diferencia-se daquela usada no jornalismo de “baixa estimulação
7
”,
pois se desassocia da tendência de formalidade e do tom oficial, adotado pelas
emissoras, que preferem manter o status de sobriedade mediante o uso de uma
“linguagem mais elaborada e distante do coloquial” (Meditsch, 1999, p. 86).
Nesse sentido, a seriedade do programa em informar o fato policial não prescinde
da elaboração de uma linguagem mais estimulativa, que requer um procedimento de
trabalho singular, devido à própria maneira de atuar na transformação do fato em
6
Consideramos a designação particular “locutor” / “ouvinte” melhor aplicada na dissertação.
7
Segundo Távola (1976) & Meditsch (1999), a rádio de baixa estimulação é “desmobilizante” por
apresentar baixo uso de “estímulos sonoros”. Assim, nesse tipo de rádio, é comum a presença de
comunicadores que não são individualizados, nem o ouvinte é personalizado (p. 860).
10
narrativa, porque, à medida que narra, cria um clima de suspense crescente, ao estilo da
radionovela
8
. Assim, como uma peça radiofônica, GG traz à luz os personagens pela
“obra acústica” do rádio, portanto, cabe ao ouvinte remontar toda a cena e “usar as
imagens ‘interiores’ para entendê-la” (Silva, 2005, p. 194).
Como podemos verificar no texto do corpus (anexo), GG oraliza seus textos,
empregando uma linguagem coloquial, ao abordar um fato policial, em que a temática é
a perversão de um estuprador como: 1) reduções típicas da oralidade do cotidiano: pra
(para); tava (está verbo estar), (pronome de tratamento você); 2) inadequação da
regência verbal: chego na via Dutra (chego à via Dutra); 3) a inadequação do uso do
advérbio aonde (que indica movimento a que lugar) por onde (lugar de repouso em
que lugar); 4) marcadores conversacionais: aí, então, isto mesmo, ah; 5) uso
coloquial de pronomes demonstrativos: esta (essa), este (esse); 6) o verbo e a colocação
pronominal: me informe (informa-me), ligue (liga).
Essa aproximação com a língua oral suscita o tom informal e facilita a interação
com o ouvinte, disseminando valores que se encontram subjacente ao discurso. Assim,
o fato policial é articulado por uma linguagem mais coloquial, mais interessante, uma
vez que a notícia segue por um viés linguístico provido de emoção. Deve-se salientar
que a locução agressiva e a maneira de dramatizar configuram o caráter diferenciador
deste programa em relação aos demais.
Pode-se dizer que esse tipo de narrativa policial está situado na “confluência do
estilo rádio-teatro
9
e do estilo jornalístico”, esclarece Lopes (1988, p. 125). Dessa
forma, GG conquistou muitos ouvintes ao dramatizar as crônicas policiais, que se
diferenciam das radionovelas com suspense, mantido até o dia subsequente, narradas
integralmente até o fechamento do caso.
8
O gênero radionovela foi introduzido nos anos 30, mas só em 1941 ganhou proporções maiores, quando
Oduvaldo Viana, diretor da Rádio São Paulo, decidiu colocar no ar a primeira escrita por ele: “A
predestinada”. – http://geocities.com/memorialdatv/radio.htm - acesso em: 10/05/2008.
9
O dio-teatro consistia em uma representação teatral de variadas histórias temáticas do dia a dia, com
atores e efeitos sonoros realistas que captavam a atenção dos ouvintes. Para isso, havia o trabalho do
sonoplasta que reproduzia todo tipo de sons e ruídos usados para simular os estados emocionais dos
personagens e das situações externas da história. Geralmente a peça tinha duração de uma semana, com
capítulos veiculados diariamente no rádio. A única diferença que se pode estabelecer entre rádio-teatro da
radionovela é que esta, mesmo convivendo com o rádio-teatro, permanecia muito mais tempo no ar, como
aconteceu com a transmissão de “A predestinada” que levou quase dois anos de duração.
http://www.maikol.com.br/subpages/radionovela4htm. Acesso em 04/03/2009.
11
Com uma linguagem predominantemente “emotiva e cognitiva”, (cf. Lopes
1988, p. 161), o locutor explora a imaginação do público nos casos em que as tragédias
do cotidiano são recriadas. Diz-se emotiva porque a narrativa perde a objetividade, no
momento em que GG submete o fato policial a uma narração dramática, a ponto de
suscitar suspense e medo da realidade exposta; por outro lado, a cognitiva relaciona-se
com a descrição de detalhes do acontecimento, a fim de explorar a imaginação do
público.
Para transmitir ao vivo as crônicas policiais, entretanto, GG sempre contou com
um roteiro também conhecido como script
10
, que contém dados ordenados no papel e
que funcionam como diretriz na construção da narrativa. Sendo assim, pode-se dizer
que a posição de GG consiste em ser mediador entre o produtor do texto escrito e a
audiência pelo uso da dramaticidade com que emprega forte entonação, intensidade,
duração e velocidade na fala, durante a construção do texto narrativo.
A forma como trabalha essa “oralidade” na formulação discursiva é que ganha
destaque ao compararmos com outros radiojornalistas policiais, tendo em vista que
promove a interatividade pela fala informal, suprindo necessidades reais dos ouvintes.
De acordo com Urbano (2008, p. 242), esse tipo de linguagem é um “campo adequado
para o envolvimento do emissor com o destinatário”.
A seguir, mostraremos as transformações que o rádio sofreu no momento em que
abriu espaço para os anúncios comerciais, numa tentativa de sobreviver às adversidades
impostas pelo contexto da época. De forma gradual, o rádio adquiriu status popular,
educativo, cultural, em detrimento de um conceito mais erudito por ocasião de seu
invento. Para entendermos o processo dessa transformação, faremos um breve percurso
10
Em vista de a materialidade do rádio ser constituída de som, música e ruído, não examinados nesse
trabalho, não se pode dizer que a escrita também não faça parte de seu universo. Inicialmente, a história
do rádio foi marcada por grandes contradições, logo nas primeiras transmissões surgidas na década de 20
do século passado. Muitos jornalistas acreditavam que, por ser um meio consubstanciado pelo texto
falado, não era passível de revisão. Por causa disso, a modalidade falada preterida, pela escrita. Hoje,
sabe-se que “elas mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis” (Fávero, 2000, p. 13). Isso significa
que as duas modalidades estão presentes e inter-relacionadas nos diferentes gêneros textuais. Portanto, os
dois sistemas linguísticos compreendem duas modalidades dentro de um mesmo sistema: a linguagem
verbal. No universo radiofônico, os textos escritos são elaborados para que o locutor possa fazer a leitura
e desenvolver a interpretação. Sem isso, torna-se impossível realizar um trabalho midiático acionado
somente pela memória, em que ocorrendo a interrupção ou o silêncio, o ouvinte pode facilmente distrair-
se com outros estímulos que o rodeiam. Nas palavras de Meditsch (1999:177), “tanto quanto a incerta
atenção do ouvinte, a não-permanência do enunciado representa um desafio para a comunicação
radiofônica e força uma diferenciação no seu texto em relação ao texto escrito”.
12
histórico, no aspecto social do rádio, haja vista que a programação que nos interessa é
totalmente voltada para a classe popular.
2. A Caracterização Social do Rádio
O rádio foi considerado o primeiro meio de comunicação de massa, na década de
20, devido a dois aspectos-chave que o consagraram como tal: um de ordem
institucional, e o outro, empresarial. Nessa época, poucas pessoas tinham acesso aos
aparelhos receptores, por serem importados e caros. Isso justifica o porquê de os
investidores estabelecerem outro estilo de fazer rádio, dirigindo suas expectativas para a
elite, culturalmente formada. Por sua vez, a programação das emissoras dependia
exclusivamente da contribuição dos ouvintes que chegavam, até mesmo, a fornecer os
discos às emissoras, evidenciando a distância entre os ideais com os quais o rádio havia
sido criado inicialmente: a popularização e a educação, almejada por Roquete Pinto -
pioneiro na radiodifusão
11
brasileira.
Segundo Ortriwano (1988), a aquisição dos receptores era somente privilégio de
poucos e, com isso, evidenciou-se a exclusão das classes populares pela impossibilidade
de adquiri-los, uma vez que o custo era elevado. Após a Revolução de 30, devido ao
crescimento econômico do Brasil, os setores do comércio e da indústria precisavam
colocar seus produtos no mercado interno, imprimindo mudanças nos veículos de
comunicação.
Ao considerarmos que a grande maioria da população nacional era analfabeta, os
empresários começaram a ver o rádio sob a perspectiva da funcionalidade e da
eficiência na comunicação, em contraposição ao jornal, que era requisitado somente por
pessoas letradas e com poder aquisitivo, desencadeando prestígio ao rádio em relação
aos demais meios de comunicação.
11
Radiodifusão é “a transmissão e dispersão da informação produzida que abrange indivíduos, grupos e
estratos sociais em todo o mundo” (Barbosa Filho, 2003, p. 46).
13
Na década de 40, com o surgimento das primeiras radionovelas e das
transmissões esportivas, houve a introdução do radiojornalismo, dos programas
humorísticos, dos grandes musicais e dos programas de auditório que marcaram o auge
do rádio como um grande meio de comunicação da sociedade brasileira. Contudo, com
o advento da televisão, esse meio de comunicação teve que ser repensado no tocante à
forma e estrutura, para que o público não desertasse para a mais nova sensação do
momento: a televisão.
Desse modo, o rádio, depois de enfrentar essa crise, buscou novas soluções para
combater o desinteresse do público-ouvinte nesse tipo de meio de comunicação e, como
estratégia, a comercialização do transistor
12
, a partir da década de 50, facilitou o acesso
à população. Nessa perspectiva, a fatia excludente da sociedade tinha acesso à mais
nova tecnologia da comunicação e paulatinamente as emissoras popularizaram
programações referentes ao lazer e à diversão.
Ao mesmo tempo em que direciona-se ao coletivo, o rádio é um meio de
comunicação voltado para o indivíduo, em face da linguagem simples e convidativa,
muitas pessoas elegem-no como “mídia pessoal” (Filho, 2003, p. 48). Essa preferência
resulta no fato de que, para receber as informações, o ouvinte não precisa ser
alfabetizado, evidenciando o motivo pelo qual o rádio tem seu status de forma popular.
Para tanto, o ouvinte não precisa ser escolarizado para receber a informação, somente
basta ouvir.
Para Ortriwano (1988, p. 175), essa é a principal consequência do rádio ser
popular, tendo em vista o perfil sóciocultural do público-ouvinte de pouca
escolaridade, em contraposição ao público leitor que possui acesso ao material
impresso, fato que exclui os analfabetos da prática de leitura. Diante da existência de
um público iletrado, a expansão do rádio acontece, em decorrência dos patrocinadores
investirem em propaganda, para vender produtos e alcançar o mercado consumidor.
Dessa maneira, a publicidade configura-se o elemento central para manter o
rádio como meio de comunicação. Portanto, a partir dessa perspectiva, o rádio perde
caráter de instrumento educativo, para tornar-se em um instrumento que atende
12
Transistor é um pequeno dispositivo semicondutor usado para controlar o fluxo de eletricidade em um
equipamento eletrônico (inventado em 1947). Ele veio substituir as válvulas termiônicas em rádio e
televisão. http://houaiss.uol.com.br. Acesso em 02/05/2008.
14
prioritariamente aos interesses comerciais dos grandes patrocinadores, por se tratar de
uma forma eficaz para incentivar o consumo.
Ortriwano (1985) considera que:
A introdução de mensagens comerciais transfigura imediatamente o
rádio, o que era “erudito”, “cultural” passa a transformar-se em
“popular”, voltado ao lazer e à diversão. O comércio e a indústria
forçam os programadores a mudar de linha: para atingir o público, os
“reclames” não podiam interromper concertos, mas passaram a
pontilhar entre execuções de música popular, horários humorísticos e
outras atrações que foram surgindo e passaram a dominar a
programação ( p. 15).
Nessa direção, os profissionais da área consideraram que o momento era
propício para compor uma estruturação do rádio, configurando-se, assim, em formatos e
conteúdos que conferissem maior aproximação entre o locutor e o ouvinte do programa.
Nos anos 60, as emissoras FM, com frequência modulada, surgiram,
proporcionando aos ouvintes música ambiente, dentre as quais, podemos destacar a
Rádio Difusora e Rádio Eldorado de São Paulo. No entanto, em meados de 1970, as
emissoras procuraram aproximar-se mais de determinadas faixas sociais, dirigindo-se a
elas com o objetivo de adequar a linguagem aos padrões das classes que desejavam
atingir. De acordo com Lopes (1988), a classe popular, durante muito tempo, foi
considerada como mercado marginal
13
, mas, com o passar do tempo, os investidores
compreenderam que esse mercado perfazia um tipo de consumidor em potencial, já que
representava 2/3 (dois terços) no consumo de certos produtos, gerando maior
rentabilidade.
Tal visão identificou a necessidade existente e o mercado abriu-se para “uma
gama de produtos que vivem praticamente à sua sombra”, evidencia Lopes (1988, p.
112). Por isso, a maior parte dos produtos anunciados é considerada popular porque o
público-alvo é composto por trabalhadores pobres e urbanos.
Em seus estudos, a autora ressalta que o rádio se firma como veículo, cujas
condições de recepção o marcadas por distinções de classe, haja vista seus produtores
13
Segundo Lopes, o mercado marginal é “um mercado especializado no consumidor de baixa renda e em
produtos ditos ‘populares’’’ (op. cit., p. 82).
15
estarem vinculados às classes dominantes. Ou seja, diante dessa massa, até então
desassistida, os que detêm poder de compra, cientes do efeito propagador do rádio,
manipulam-no para exercer poder de persuasão sobre o ouvinte.
Em sua obra A rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e
marginalidade social”, a autora mostra que os discursos radiofônicos AM são
elaborados com vistas às classes populares (C, D e E), de modo que a rádio AM
14
é
mais ouvida por essas classes, devido ao fato de o gênero abarcar variadas mensagens,
ao contrário da rádio FM
15
, que tem como eixo a programação musical com a audiência
centrada na classe alta, nos setores médios, e altos da classe média (A e B).
Além da constatação de que é a classe popular quem mais ouve rádio
diariamente, outro fator torna-se relevante: o rádio também constitui-se no meio mais
ouvido no local de trabalho das classes populares, em relação às demais. Isso significa
que, mesmo que o rádio seja avaliado como um meio de lazer e entretenimento, e
ouvido no transcorrer de qualquer atividade de trabalho, em execução, não atrapalha o
rendimento do ouvinte e, tão pouco, torna-se uma ameaça ao trabalhador; por outro
lado, a televisão, a imprensa o cinema requerem maior atenção para compreensão do
conteúdo veiculado.
No que se refere aos gêneros discursivos mais largamente consumidos pelas
classes populares (C, D e E), Lopes (1988) constata que o gênero noticiário popular e o
musical sertanejo são mais apreciados pelo público, devido ao discurso popular
veiculado, com o qual os ouvintes facilmente se identificam.
2.1. O Discurso Popular Radiofônico
O rádio também caracteriza-se como um veículo que possui a função de
propagar padrões de conduta e de comportamentos, ditados pelas normas sociais. Mais
que produtor de informação, tal meio deve ser considerado um formador de opinião, ao
14
De acordo com o sistema de transmissão, existem emissoras em AM (amplitude modulada) que operam
em OM (ondas curtas, faixa de 6 a 26 kHz), e outras que também operam em AM na faixa de 2,3 a 5,06
MHz e que são chamadas OT (ondas tropicais).
15
As emissoras em FM (frequência modulada) operam na faixa de 88 a 108 MHz. (Rabaça e Barbosa,
1987, p. 492).
16
pregar explícita ou implicitamente valores, representações e condutas a serem seguidas
pela sociedade (Marcondes Filho, 1989).
Assim, entendemos que o jornalismo diário de GG exerce uma aparente função
mediadora entre o ouvinte e a realidade, sendo um veículo de importância na
transmissão de acontecimentos policiais, para o conhecimento de seu público. É preciso
observar que sob a aparente neutralidade, no ato de informar, subjaz uma ideologia que
se deixa revelar pela palavra. Mais do que informação, o que se pretende é influenciar o
comportamento do outro, criando condições para que o ouvinte venha compartilhar do
pensamento vigente.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que o rádio também é um meio expressivo na
disseminação de idéias, valores, conceitos, portanto, no estabelecimento de princípios
estruturais socialmente normatizados. Como no jornal impresso, há muitos gêneros no
rádio, que demandam estudos. No entanto, o escasso material encontrado evidencia a
falta de interesse de pesquisadores para neste tipo de mídia, mas, mesmo assim,
encontramos muitos gêneros caracterizados em diversos formatos, difundidos como
discurso não-neutro e dotados de intencionalidade, seja ela qual for.
Na multiplicidade de gêneros presentes, Lopes (1988, p. 104) aponta dois tipos
de discursos do conjunto da produção radiofônica: o popular e o não popular. O
primeiro é produzido por emissoras “que apresentam uma programação consumida
quase exclusivamente pelas classes C, D e E”. Em contrapartida, o discurso não-popular
abrange preferencialmente as classes altas (A e B).
Esta dicotomia popular e não-popular, no discurso radiofônico, é tão somente
decorrente das condições sociais as quais os receptores, desse discurso, se reconhecem
e, nele, se enquadram. As emissoras populares são mais requisitadas pelas populações
marginais, denominadas classes populares, pela razão de se identificarem mais com os
tipos de discursos veiculados, que geralmente são construídos com base numa
linguagem mais coloquial e de fácil entendimento.
Nessa direção, o discurso popular e o discurso não-popular devem ser
observados em suas especificidades porque são constituídos segundo as representações
do mundo. A emissora popular viabiliza um discurso que, além de atrair, também
influencia as classes populares e, o mesmo processo, ocorre com o discurso não-
17
popular, ao materializar valores compartilhados com a audiência. Tanto um, quanto
outro discurso, corrobora para se estabelecer um contrato de desenvolvimento e
convivência social, dotado de juízos de valor que, portanto, incidem no comportamento
humano.
Segundo Lopes,
o discurso popular e o não-popular não se confundem com um ou
alguns gêneros; é um arranjo particular de elementos de cada gênero
que vai constituir a estrutura do discurso como popular ou não-popular.
Esse arranjo particular não é o resultado de uma ação consciente dos
emissores, de um querer fazer um programa com tais ou quais
características porque se quer atingir tal ou qual público” (op. cit., p.
105-6).
A distinção entre popular e não-popular reside na ideologia que subjaz à
especificidade discursiva de cada um, então, a criação de um programa, com
determinadas características, abarca um critério de valor de quem o produz.
Em se tratando do processo de produção e de reconhecimento do discurso, a
autora acrescenta que ambos estão marcados por uma defasagem em que “o contexto de
consumo é socialmente diferenciado, enquanto do lado das condições de produção o
produtor é sempre um elemento vinculado às classes dominantes” (ibid., p. 57). Nesse
sentido, o discurso radiofônico popular é um produto consumido preferencialmente
pelos “estratos sociais mais inferiores da sociedade”, configurado pelas classes D e E
(ibid.).
2.2. Rádio Tupi AM: Breve Histórico
A Rádio Tupi AM participou da construção histórica do rádio devido à tradição
jornalística e à programação voltada para as classes populares. A origem da emissora
está interligada, praticamente, com o advento do dio, que completou 85 anos de
história oficial no Brasil, como meio de comunicação, a partir do evento de abertura na
Exposição Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil. Portanto,
18
após treze anos de inauguração, no dia 25 de setembro de 1935, na Rua Santo Cristo,
surgia a PRG-3 Rádio Tupi.
Na década de 40, a emissora instala-se na Rua Venezuela, onde os estúdios
passaram a ser a vitrine de eventos importantes, mediante uma atuante programação ao
vivo que contava com a participação de cantores e orquestras famosas. Além das
transmissões esportivas, que ganharam representatividade, o radiojornalismo passava a
ter importância para a emissora e, em 1945, a Rádio Tupi foi a primeira a anunciar o fim
da 2ª Guerra Mundial.
Com o passar dos anos, a emissora passa a enfrentar dificuldades financeiras, de
modo que, em 1979, muda-se novamente para o, então, atual endereço, na Rua do
Livramento. De forma gradual, a emissora é reestruturada e as programações tornam-se
revigoradas, com a participação de artistas que conquistaram o público.
Em 2003 consolida-se a fase de liderança, dentre as rádios AM, devido a
investimentos que contribuíram com a expansão. Dessa forma, pode-se dizer que, hoje,
a emissora opera com 221 funcionários, entre apresentadores, operadores, produtores,
repórteres e estagiários. Também, em 2005, além de transmitir uma programação
especial em homenagem aos seus 70 anos, compra o primeiro transmissor digital do
Brasil e cria o Centro de Documentação, com o objetivo de resgatar e preservar a
memória da rádio.
A Rádio Tupi AM, 1150 khz, é a terceira rádio mais ouvida de São Paulo,
dispondo de uma programação dirigida na cidade de São Paulo, destinada a um público
predominantemente feminino. Tal afirmação, tampouco exclui a parcela de público
masculino, uma vez que a participação dá-se de modo efetivo, mas em menor número.
A programação compreendia, até então, músicas sertanejas e notícias, mas,
devido à grande concorrência, com as programações FMs, a Rádio Tupi transformou a
grade estrutural, mediante uma nova programação, a partir do dia 07 de novembro de
2007. Também coube à emissora Tupi o papel de precursora na atividade do
radiojornalismo, na década de 40, além das transmissões esportivas e das radionovelas.
Ortriwano (1985, p. 21) ressalta a importância da Rádio Tupi de São Paulo em
se tratando de sua “tradição jornalística”, por colocar programas de grande
19
representatividade no radiojornalismo como o “Repórter Esso” e o “Grande Jornal
Falado Tupi”, que delinearam o perfil da emissora à medida que propôs “caminhos de
uma linguagem própria para o meio, deixando de ser apenas a ‘leitura ao microfone’ das
notícias dos jornais impressos”.
A atividade do jornal no rádio, desde então, tem-se caracterizado em diversos
formatos e, no tocante ao jornalismo policial, ganhou destaque por apresentar-se com
estilos variados, despertando interesse da classe popular.
2.3. Rádio Tupi: O Programa Gil Gomes
O “Programa Gil Gomesteve sua transmissão diária, na rádio Tupi AM, 1.150,
de São Paulo, de segunda à sexta-feira, em três horários diferentes: das 7h às 9h, das
12h às 13h30min e das 24h às 1h30min. A emissora registrava maior índice de
audiência no horário em que esse programa era apresentado.
Além de São Paulo, o programa se estendia aos estados de Minas Gerais, do
Paraná e de Mato Grosso, locais com liderança absoluta de ouvintes. Assim, no horário
da noite, às 24h, era o próprio GG que fazia a abertura do programa da madrugada,
mediante as seguintes saudações: “Começa um novo dia! Bom dia para você! Bom dia
para você que está na Tupi AM! Vamos ao nosso caso da madrugada! Bom dia para
você ouvinte da Tupi AM!”.
Essas chamadas de curta duração ou vinhetas reforçavam o programa de GG
como o melhor radiojornalismo policial do rádio. Nota-se pela chamada que o programa
é personalizado, fato que se observa, a partir do próprio nome do programa: “Programa
Gil Gomes”. Aqui o locutor adquiriu, junto ao público, notoriedade pela função de
informador do povo, sempre em busca da verdade.
Isso explica a representatividade obtida no meio popular, uma vez que o público
o considera conselheiro, justiceiro, amigo e defensor. Portanto, o formato desse
programa possui uma sequência fixa, pois, algumas vezes, durante a chamada de
abertura, nenhum comercial é anunciado e GG inicia a programação, cumprimentando
os ouvintes.
20
Entre uma narrativa e outra, diferentes vinhetas alternam-se no transcorrer do
programa, dentre as quais: “Eu sou de São Paulo – Rádio Tupi AM”, ou ainda “1.150 no
seu rádio Tupi AM”, “Bom dia São Paulo – Rádio Tupi AM”.
Antes de começar o relato dos casos, dois ou mais comerciais anunciam uma
diversidade de produtos, quase sempre voltados às classes mais populares como
remédio para impotência sexual, pomadas, remédios de medicina popular, loção capilar,
remédio para disfunção menstrual. Também contempla vários outros serviços como:
plano de assistência funeral, cartão de banco e empréstimos, óculos medicinais,
revendas de jóias e bijuterias, vendas de terrenos e apartamentos etc.
Pode-se dizer que o bloco de anúncios publicitários também contribui na
organização do programa, uma vez que funciona como suporte financeiro de toda e
qualquer produção, razão que dá subsistência ao meio. Isso explica o motivo pelo qual o
programa apresenta-se intermediado por anúncios de diversos produtos ou prestações de
serviços.
Uma importante estratégia de venda consiste no depoimento de pessoas que
adquiriram produtos anunciados e tiveram problemas sanados. Assim, esse recurso de
venda é comumente usado em programa com característica popular (Lopes, 1988, p.
112).
Nessa perspectiva, trata-se de oferecer a um público específico os produtos de
que necessita a um preço acessível, sendo que os comerciais, nos quais o próprio
jornalista atua, conferem ao imaginário do ouvinte uma associação do discurso
informativo e do publicitário. Por intermédio desse binômio, os comerciais ganham
mais credibilidade do povo.
De acordo com Costa (1992, p. 32) “o estilo da narrativa imprime ao comercial a
marca da autoridade da informação”. Essa estratégia de divulgação do produto vale-se
da participação do comunicador na venda do produto, que é denominada de
testemunhal, ou seja, o locutor empresta sua voz para dar credibilidade ao produto,
tendo em vista o convencer o público (cf. Silva, 1999, p. 29).
O estilo radiofônico de GG torna o produto inédito e reconhecível de imediato,
para qualquer ouvinte da rádio e, consoante Lopes (1988, p. 131), a voz deixa de ser
21
“apenas uma voz que apresenta para ser uma voz que representa”, assumindo uma
posição de representação e de valorização da própria imagem, de modo que deixa de ser
um instrumento de produção de palavras, para se transformar em personagem.
Como consequência, na propaganda testemunhal, a voz credita veracidade ao
produto, ao encarnar a imagem do locutor pelo testemunho à medida que este legitima a
eficácia do produto e, por isso, deve ser comprado. Portanto, o resultado desse tipo de
venda é satisfatório, mesmo que o custo de veiculação seja mais alto do que as demais
estratégias de venda comercial como spot e jingles.
Pode-se dizer que os anúncios com a participação de GG têm o custo mais
elevado, devido ao pagamento de cachê do apresentador. No entanto, grande parte dos
ouvintes consideram correto que este receba, pois julgam que seja um procedimento
normal por “ele ser o corretor de publicidade do seu programa”, pontua Lopes (op. cit.,
p. 167).
Quanto ao aspecto testemunhal, Filho (2003, p 126) adverte que esse
procedimento é inconveniente, que rompe com a ética, pelo objetivo de persuadir o
ouvinte a adquirir o produto “baseado na credibilidade da pessoa que vende, e não na
qualidade do produto”.
Como pudemos constatar um dos aspectos mais importantes do processo de
modernização do rádio é sem dúvida a estrutura de marketing implantada pela emissora.
Trata-se de investir apropriadamente nas novas técnicas de comercialização da rádio
como produção cultural a ser vendida. Por isso, a emissora empenha-se em implantar
uma linguagem publicitária que exerça grande atração aos ouvintes.
Isso é relevante que o princípio publicitário apresenta a ordem invertida, ou seja,
o produto estava, num primeiro momento, em função do programa; agora, o programa
está em função do produto (Lopes, 1988, p. 116). Dessa maneira, a autora entende que
com o novo conceito mercadológico, o comercial confunde-se com os temas do
programa em que GG mantém o mesmo tom da “fala suspense” ao vender um produto.
Como testemunha, GG sempre é enfático, ao comentar os benefícios que os
produtos trazem e, muitas vezes, no ar, o radialista fala com o empresário ao telefone
22
sobre o produto, fazendo referência aos benefícios e resultados em usá-lo, destacando a
promoção de venda em que o produto se encontra.
Para convencer o público a comprar o produto anunciado, GG chega, até mesmo,
a repetir o número do telefone, para que o ouvinte possa entrar em contato caso esteja
interessado em adquirir o produto. Às vezes, GG se dispõe a repetir os quatro primeiros
números e o anunciante do produto pronuncia os números finais.
Comprova-se, dessa forma, que todas as propagandas, com a participação de
GG, apresentam resultado positivo de venda, por parte da rádio, e de compra em se
tratando do público. Sendo assim, o testemunho do próprio locutor, no uso de um
produto, consiste num jogo de marketing.
Para Silva (1999, p. 29) “o que está em jogo é a aceitação e a credibilidade que
ele goza entre sua audiência”, ou seja, o público confia no locutor como seu porta-voz,
digno e íntegro; então, também considera a veracidade em testemunhar sobre
determinado produto. Após os anúncios dos comerciais, na sequência da programação
diária, as narrativas surgem com temas redundantes devido aos casos reais que
acontecem na periferia e na grande metrópole por meio de personagens e locais comuns
nos noticiários policiais.
No programa de GG, dependendo da duração de cada caso, três ou quatro
narrativas são contadas e, ao término, o narrador sai de cena e, em seguida, uma vinheta
anuncia o final do programa: “Você acabou de ouvir o programa Gil Gomes, na sua
rádio Tupi AM de São Paulo. O melhor repórter policial do Brasil”.
Com relação à trilha sonora, as narrativas diárias são acompanhadas por uma
música que traduz o clima de suspense e mistério que envolve cada história. Nesse
programa, as trilhas sonoras têm como função suscitar um clima emocional, delinear
uma atmosfera sonora compatível à fala do locutor, assim como contribuir para a
caracterização das personagens na condução do fio narrativo.
Por meio da música de fundo, o clima torna-se propício às narrativas que mexem
com a emoção do ouvinte. Entretanto, não podemos falar que existe uma trilha sonora
específica para cada narrativa porque com a tecnologia de som é possível alternar uma
composição sonora para outra. Tudo dependerá do contexto narrativo de cada caso
23
apresentado. Desta forma, o programa utiliza-se de um repertório básico que traduz o
momento com temas que podem ser melancólicos, de suspense, de ameaça, de terror,
até tratar de temas mais ternos como amor, compaixão, entre outros.
Berchmans (2006, p. 21) afirma que a música não deve ser entendida como um
acompanhamento, mas como elemento que auxilia na marcação da narrativa, na
descrição dos personagens, no ritmo das cenas, e nas texturas das ações. É
imprescindível que a narrativa possa ir ao “encontro das demandas e necessidades do
conflito da história”.
Por outro lado, a trilha sonora não é somente usada ao longo da narrativa. É
muito comum o ouvinte identificar uma emissora pela música, logo na abertura da
programação
16
. A vinheta de abertura e de encerramento estabelecem uma identificação
entre a emissora e o público-ouvinte, à medida que a performance de GG e as trilhas
dão relevo ao clima de suspense e de tensão estabelecidos no programa. Aqui estão os
quesitos essenciais que exploram e aguçam a percepção do ouvinte para a narrativa.
2.3.1. O Perfil do Público Ouvinte
Antes de caracterizarmos o perfil do público-ouvinte do programa referido,
faremos um breve adendo para entender as razões pelas quais os ouvintes de GG se
mantêm fiel ao programa, como constatado pelo jornalista Almeida da Folha de S.
Paulo
17
, quando disse: “nenhum outro programa ficou tantos anos com uma mesma
audiência” na história do rádio.
As características que marcaram a performance de GG surgiram da necessidade
de realizar algo diferente, no rádio, de maneira personalizada para o ouvinte, tendo em
vista outros programas de jornalismo policial. Portanto, o formato do programa de GG
partiu de leituras de obras cujos crimes aconteceram, no início do século 19, e que
16
Devido problemas no arquivamento de todos os programas diários, não pudemos obter da emissora a
programação gravada do dia 18 de janeiro de 2007. Dessa forma, ficamos restritos apenas à narrativa
gravada no dia em que foi transmitida.
17
Pesquisa realizada no site http:www.1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u478702.shtml. acesso em:
23/01/2009.
24
apresentavam difícil resolução, despertando, assim, interesse do comunicador nas
artimanhas utilizadas pelos narradores para causar suspense e prender a atenção dos
leitores, até obter o efeito de suspense pretendido.
Esse fato originou uma identidade própria do radialista que trouxe dramaticidade
à notícia
18
policial, desvinculando-a da ideia de ser uma extensão da delegacia, como
algo impessoal. Assim, GG distanciou-se da narrativa fria e objetiva, para instituir uma
narrativa mais humana, atribuindo personalidade à vítima, lugar no mundo e, até
mesmo, uma família, caso existisse.
Com esse procedimento, o jornalista conseguiu estabelecer um envolvimento
psicológico com ouvintes de diferentes regiões do estado de São Paulo e de outros
estados, que são trabalhadores, donas de casa, presidiários, empregadas domésticas,
trabalhadores da construção civil, policiais, porteiros, pedreiros e, tantos outros, que
fazem parte da audiência de seu programa (Costa, 1999).
Nesse contexto, compreendemos que o conteúdo policial é facilmente
interpretado pelo público porque o texto lido tem relação com o próprio universo do
ouvinte, aproximando-o das experiências violentas do cotidiano e que não fazem parte
de uma ficção. As representações construídas sobre a violência demarcam áreas
visivelmente perceptíveis em que os ouvintes atribuem à pobreza como principal
elemento, configurando, assim, a imagem que fazem de si e dos outros.
Em pesquisa com ouvintes do programa radiofônico policial Gil Gomes, Costa
(1992) explicita que tais representações são contrastantes porque, ao relacionar a
violência com a pobreza, de imediato relaciona-se o trabalhador com o bandido, em
razão de que pessoas pobres trabalhadoras em oposição aos que praticam a
“bandidagem”. Nesse propósito, a autora observa que esse fenômeno causa desconforto
aos trabalhadores que “fazem o possível para evitar esta associação, indesejável, entre
criminalidade e pobreza”.
Com referência a essa questão, Dias (2003, p. 111) ratifica que “a condição de
trabalhador, atributo de honestidade, vem opor-se à referência bandido, ou seja, ‘pobres
18
Apoiada na concepção de notícia de Teun A. van Dijk (1987), Dias especifica que a natureza da notícia
se encontra firmada na necessidade de informar o leitor, relatar, dar a conhecer a representação de eventos
reais (op. cit., p. 108).
25
que trabalham’ versus ‘pobres que roubam’”, salientando ainda sobre a incoerência que
o termo trabalho assume ao ser duplamente categorizado. Essa associação dessemantiza
o sentido da palavra, por não ser mais considerada como um exercício de uma atividade
remunerada, cuja finalidade é oferecer melhores condições de vida às pessoas. Portanto,
a dessemantização está calcada num discurso de dominância proferido por pessoas que
“estão do outro lado”, de fora da área da pobreza, mas que sempre colocaram “os
pobres” à beira da marginalidade (ibid).
Dessa maneira, o público-ouvinte desse programa é constituído de pessoas, que
se localizam nas periferias e subúrbios das grandes cidades, visto que migraram do
nordeste ou de outros estados para o sudeste em busca de uma oportunidade de trabalho,
mesmo com salários baixos, devido à baixa escolaridade.
2.3.1.1. O Reconhecimento do Ouvinte
Na perspectiva de público-ouvinte, é necessário compreendermos como esse
discurso é tomado como efeito de sentido ou reconhecimento desse programa. Lopes
(1988) aponta algumas operações de reconhecimento que os receptores acionam para
processar a identificação, dentre as quais, o plano da fala e o plano de conteúdo do
discurso radiofônico. Tais enfoques somente foram observados mediante quatro
aspectos: o primeiro, de classificação do programa; o segundo, de característica da fala
e da figura do apresentador; e, o quarto, acerca da característica do conteúdo do
programa.
Num primeiro momento, o programa GG é classificado, pela maioria dos
ouvintes, como noticiário policial devido situá-lo no campo da informação. Ao
estabelecer um cotejo entre o jornalismo da imprensa “mais formal” com o jornalismo
que GG atua, pode-se dizer que, naquele, características própria de uma linguagem
referencial e descritiva; noutra direção, GG constrói um discurso cuja linguagem parte
de uma descrição referencial e emotiva.
Contudo, deve-se destacar que o fato policial sempre recebe mais destaque na
imprensa e, portanto, possui uma abordagem diferente. Dessa maneira, crimes, roubos, e
26
assaltos apresentam desdobramentos envoltos em um clima de suspense crescente e de
envolvimento emocional próprio de um jornalismo de cunho popular.
Por outro lado, Lopes (1988, p. 175) adverte que, por causa da conjunção entre o
campo policial e o informativo, muitas vezes, o público envolvido emocionalmente na
narrativa não reconhece, que o contexto narrado, também apresenta características do
mundo ao qual pertence, ou seja, ocorre uma dissociação entre o ‘mundo do ouvinte’ em
oposição ao ‘mundo do crime’. Assim, o ouvinte crê que a informação policial está
desvinculada da própria realidade e que, tal história, deve ser entendida como um caso
de polícia.
A autora acrescenta que a explicação mais pertinente, para esse fenômeno,
consiste no fato de que o público tem costume de apropriar-se dos discursos
construídos com base nos fait-divers, narrados como informação do real. É importante
ressaltar que o fato narrado por GG “talvez se aproxime mais da existência concreta das
populações marginais
19
”, evidencia Lopes (ibid, p. 157). Para tanto, a narrativa em si
não possui expressividade e, sim, o como é falado, isto é, a forma como o locutor
constrói a narrativa, partindo dos fatos reais, combinada com o modo como a conta é
que determina a grande diferença, uma vez que conduz o ouvinte a expressar os mais
diversos sentimentos, segundo o teor das narrativas. Assim, a construção da narrativa,
como representação do mundo, é uma atividade proveitosa que o locutor encontra para
produzir um discurso de poder sobre as ações de desvios das normas sociais.
O segundo tópico consiste, numa análise da voz de GG, que é elemento
discursivo e recurso utilizado para manter audiência, conferindo um caráter autoritário
às narrativas. Nota-se que a voz é significativa na construção do imaginário do ouvinte,
quando este mantém uma cumplicidade com o narrador que prima pelo estabelecimento
da ordem e exige das autoridades a manutenção da lei.
No imaginário social, a voz tipifica a voz da polícia e combate à natureza
criminosa, ao representar a ordem pretendida mediante cumprimento da justiça.
Portanto, ao reconhecer na fala de GG autoridade, o receptor reconhece suas próprias
limitações e tem ciência de pertencer à classe inferior.
19
As populações marginais são aquelas empiricamente constituídas por pessoas cuja renda-trabalho
familiar está abaixo do mínimo legal, participando, por isso, das mais baixas oportunidades de vida
(Lopes, op. cit., p. 62).
27
GG utiliza recursos da fala que reforçam a identificação com o público-alvo
mediante o uso de redundâncias, de repetições, de adjetivos e, principalmente, pelo
prolongamento enfático que aplica em determinadas vogais e consoantes, no momento
em que expressa algum sentimento.
Outro aspecto que reforça a autoridade de GG sobre o público-ouvinte é o
tratamento familiar com que o locutor trata os policiais, em decorrência da proximidade
entre o trabalho dele com o da polícia. Ao terminar a narrativa, geralmente, o locutor
confere notabilidade aos policiais pelo bom desempenho, ao desvendar o caso e prender
o criminoso.
Desse forma, o público considera a resolução do caso como positiva, que GG
ajuda a resolver os crimes. Paralelamente, os ouvintes associam a voz do radialista com
a voz da autoridade da informação e, como consequência , GG logra de uma imagem
baseada em qualificações positivas como: bom caráter, de confiança, íntegro -, criando,
assim, um efeito de confiabilidade.
Conforme Lopes (1988, p.166), o efeito de confiabilidade de GG é notório,
justamente por não haver “um só ouvinte que duvide da veracidade dos fatos narrados e
70% não acham que há exagero nas histórias; também 60% compraram produtos
promovidos pelo apresentador”. Sendo assim, os ouvintes acreditam que as informações
narradas, além de prestarem um serviço de informação, resultam numa forma de
prevenção do crime.
Por conseguinte, o locutor tem a “fala do saber” e fala as coisas como elas
são” (ibid), que produz o efeito de autoridade, ou a fala de poder que, na narração,
acaba por exercer a função “socializadora” do discurso. Isso ocorre porque a história
passa pela identificação dramática dos fatos, apontando elementos actantes e ações
transgressoras, no caso os desvios. Tal função resulta da produção do discurso
moralizante, que, ao final, institui o clichê: o crime não compensa.
2.3.2. A Interação Locutor e Ouvinte
28
Quanto à interação comunicativa existente entre locutor e ouvinte, pode-se dizer
que se efetua em aparente assimetria, devido à desigualdade de papéis que
desempenham, evidenciada pelo próprio contexto em que se essa interação. Muitas
vezes, são os ouvintes que escrevem cartas para o locutor com a finalidade de contar as
próprias histórias e os problemas, estabelecendo, assim, familiaridade com o jornalista e
aprovação com os dramas narrados por ele.
De acordo com Fávero (2006, p. 191), mesmo que o meio configure esse tipo de
interação, é o comunicador quem interpreta o texto previamente escrito e desenvolvido
durante a programação, que não deixa de configurar uma “relação dialógica entre eles”.
A autora fundamenta essa afirmação apoiada na concepção de diálogo de Bakhtin, que
se constitui numa das formas mais importantes da interação verbal e deve ser vista “não
apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal de qualquer tipo que seja” (Bakhtin, 2004, p. 123).
Em relação à linguagem, Bakhtin compreende que a palavra comporta “duas
faces”; numa, procede de alguém e, noutra, ela dirige-se para alguém. Isto posto, pode-
se dizer que a palavra se configura “o produto da interação do locutor e do ouvinte”
(ibid, p. 113 ). Sendo assim, é preciso considerar que cada participante do ato da
interação inscreve-se em um espaço socioideológico específico no qual a voz
materializa o conhecimento que os sujeitos têm do mundo pelos discursos, ao
compartilharem e trocarem experiências.
Nessa mesma linha de raciocínio, Bakhtin afirma que diferentes sujeitos
enunciam em particular, mas ninguém é dono do próprio dizer. E é nessa posição que o
indivíduo revela-se portador de um discurso que tem sentido em conformidade com as
formações ideológicas apreendidas num dado lugar. Assim, os sujeitos quando estão em
face da atividade interativa constroem discursos, que implicam diferenças entre si quer
seja pela coexistência de diversos discursos provenientes das formações ideológicas,
quer ainda em contextos sociais nos quais estão inseridos.
Consoante com Fernandes (2007, p. 51), depreende-se que o sujeito tem seu
discurso constituído de outros discursos, que se entrelaçam com outros “oriundos de
diferentes momentos na história e de diferentes lugares sociais”. Dessa forma, ainda que
a interação aparente assimetria entre locutor e o ouvinte há, nessa relação, um
29
envolvimento dialógico, caracterizado por qualquer ação verbal, tendo em vista que o
produtor do texto falado esforça-se para colocar em evidência todos os detalhes
pertinentes à compreensão da narrativa para o público-ouvinte.
Como sujeito social, no entanto, o discurso de GG está impregnado de vozes de
diferentes sujeitos; aspecto esse configurado pela polifonia
20
. Essas vozes são
apreendidas no mundo e socialmente organizadas, com o propósito de estabelecer
relações sociais.
Dessa maneira, o comunicador vale-se da intencionalidade discursiva para postar
as representações que possui acerca do mundo social ao qual pertence. Assim, em se
tratando do ouvinte somente resta ouvir e, de certa forma, ser cúmplice ou solidarizar-se
com o que lhe é narrado, ressubjetivando a história narrada.
3. O Jornalismo Policial no Rádio
No jornalismo popular, o fato policial é processado de forma singular por um
comunicador que prima pelo suspense da narração, prendendo a atenção do ouvinte,
que, por sua vez, não perde o realismo da informação ao experimentar forte efeito
emotivo da narração dramatizada.
O jornalismo policial radiofônico teve início nos anos 50 e até hoje é
considerado marco nas emissoras. Nessa época, muitos radialistas propuseram-se a
reportar notícias de crimes e histórias dramáticas com um estilo diferente daquele
concebido no jornalismo tradicional, que mediante inserções noticiava roubos, assaltos
e sequestros.
Segundo Lopes (1988), as notícias referentes à política, à economia ou aos
esportes ganhavam mais destaque pelo caráter informativo. Nas emissoras mais
respeitadas, a notícia primava pela sobriedade para que não houvesse distorção dos
fatos, em contraposição às emissoras populares que privilegiavam o tratamento
20
A polifonia foi concebida por M. Bakhtin e utilizada pela linguística para analisar as “várias vozes”
percebidas simultaneamente nos enunciados (Maingueneau, 2001, p. 138).
30
diferenciado ao fato policial, caracterizado por um tom sensacionalista e dramático na
forma de abordagem.
O gênero policial infiltrou-se principalmente nas classes sociais de baixa renda,
devido ao fato de o rádio ser um veículo de fácil acesso e barato. A forma de narrar e
dramatizar os próprios fatos consagrou o estilo de vários radialistas que conseguiram
transformar as simples ocorrências policiais cotidianas em acontecimentos escandalosos
e de proporções inimagináveis. Tudo isso constituído numa estrutura semelhante à das
novelas radiofônicas para noticiar os crimes.
No jornalismo policial, o sensacionalismo é o aspecto importante a ser
destacado em notícias de crimes e de roubos. Todavia, esse tipo de jornalismo não é
aceitável para alguns jornalistas que consideram a exploração de manchetes somente
referentes a sexo, crimes e escândalos em detrimento da informação (Angrimani, 1995).
É nesse contexto que o programa policial se diferencia dos demais tipos de
jornalismo, em se tratando da valorização de temas relacionados com a violência e, por
conseguinte, o jornalismo centrado nos dramas humanos nutre-se do fait-divers, em que
as mais diversas situações conflitantes instigam “a carga pulsional
21
” dos ouvintes
(Angrimani, ibid., p. 16).
3.1. O Fait-divers e a Ideologia
O formato do programa de gênero jornalismo policial, no rádio, compreende um
discurso que recupera temas cujos sentidos residem nos “desvios” das normas sociais,
estipuladas para a boa convivência na sociedade. A notícia policial mostra a ruptura
dessas normas estabelecidas e que desestabilizam a consciência social. Por isso, os
homens valem-se dos discursos para lembrar a sociedade dos valores e crenças
normatizados entre os indivíduos.
21
Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); “o seu
objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele
que a pulsão pode atingir a sua meta” (LAPLANCHE, Jean. Vocabulários de Psicanálise. São Paulo,
Martins Fontes, 1991).
31
Os discursos já se constituem pela forma de pensar dos indivíduos que os
produzem, efetuando linguisticamente um juízo de valor. O discurso, portanto,
apresenta uma ideologia implícita, como afirma Bakhtin (2004, p. 95): “A palavra está
sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. Assim, os
discursos, com seus sentidos ideológicos, são estabelecidos de acordo com o gênero a
que está atrelado determinado programa. Dessa maneira, a linguagem funciona como
uma ponte por onde a ideologia trafega livremente porque a palavra está presente em
todo e qualquer ato de interação comunicativa, compreensão e interpretação.
A linguagem articula todo o movimento histórico de uma sociedade fragmentada
por classes sociais mediante discursos. Ela é o principal instrumento para criar, produzir
e, principalmente, disseminar valores sociais. Assim, postula Koch (1984, p. 19): “A
neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende ‘neutro’, ingênuo, contém
também uma ideologia – a da sua própria objetividade”.
Numa sociedade de classes há muitos discursos, cujas práticas linguísticas estão
repletas de interesses e conflitos das relações sociais. Cada indivíduo social pertence
simultaneamente a múltiplas formações discursivas, segundo certas categorias que lhe
dão uma posição social, a saber: gênero, raça, religião, profissão, estado civil e, por
outros grupos, aonde livremente transita. Ao pertencer a diversos grupos,
consequentemente, o indivíduo está em contato com diferentes discursos que, por sua
vez, geram outros discursos.
Assim, pode-se dizer que é no discurso e pelo discurso que os homens instituem
as crenças e valores adquiridos de acordo com a representação que tem do mundo.
Como indivíduos sociais, os homens revelam uma visão construída e alicerçada sob
determinados valores que a própria sociedade impõe. Para Fiorin (2002), as sociedades
prezam conceitos e normas e para mantê-los, acabam estipulando o que pode e o que
deve ser dito.
O autor postula que cada sociedade se apropria de uma visão de mundo, ou seja,
ela acata certas representações, certas idéias, que “revelam a compreensão que uma
dada classe tem do mundo”. (ibid., p. 32) É no contexto social que os sujeitos se
formam ideologicamente e é no discurso que os valores e concepções estão implícito
32
Nesse sentido, podemos constatar a preferência dos ouvintes, de classes C, D e E
por programas populares na rádio AM, tendo em vista que, esses indivíduos,
reconhecem, na produção do discurso do gênero policial, as próprias condições sociais
em que se encontram. A razão de o gênero ser procurado relaciona-se ao fato de que o
discurso do noticiário policial expõe as misérias e os dramas humanos vivenciados
diariamente pela classe popular. Por conseguinte, para compreender a ideologia
veiculada por esse programa, é necessário contextualizarmos as condições de produção
desse discurso popular radiofônico. É nessa direção que colocaremos em evidência a
ideologia dominante que perpassa o discurso do jornalismo policial, tendo como
referente à violência.
Falar sobre a ideologia do programa de jornalismo policial requer o
reconhecimento de que esse discurso encontra base na narrativa de um tipo de
informação particular - policial ou fait-divers, com base em fatos violentos como
crimes, assassinatos, roubos, etc.
O fait-divers é uma matéria jornalística diferente das matérias convencionais
como esporte, política, economia e assuntos de áreas afins. O termo francês significa
“fatos diversos” e geralmente é usado para destacar algum fato “bizarro”, conforme
destaca Lage (1990, p. 47). Assim, esse tipo de matéria não necessita de aspectos
exteriores para significar porque volta-se para si mesmo. Todavia, a singularidade recai,
justamente, nas próprias contradições do fato em que as ocorrências humanas estão
implicadas.
Assim, as notícias que mais despertam interesse do público são aquelas que
transmitem tragédias humanas. O autor observa que a atenção se dá, devido ao efeito
decorrente da situação de cúmulo, que resulta da “contradição radical entre o que se
espera e o que acontece”, em contraposição a “uma informação que se oculta por detrás
da antítese atraente”.
Quanto aos efeitos de sentido provocados pela narrativa policial, Lopes (1988, p.
180) adverte que é “impossível deixar de considerá-la uma narrativa não-política”. Isso
evidencia porque a materialidade ideológica se concretiza em um discurso pela
combinação entre linguagem emotiva (o como ele fala) e a linguagem referencial (o que
ele fala) em consonância com as normas sociais dominantes. Dessa forma, o discurso
33
popular na perspectiva da prática ideológica impõe uma identificação com as normas
vigentes, em que a transgressão de uma norma demanda a punição do envolvido, ou
seja, se o indivíduo errou, então deve ser punido.
Segundo essa lógica, pode-se asseverar que o rádio é um grande formador de
opiniões e que divulga todo tipo de informação. Entretanto, no momento em que o faz,
o relato é narrado sob determinado ponto de vista, mesmo em se tratando de transmitir
uma informação. No momento da concretização, as próprias palavras do jornalista
pressupõe uma escolha segundo as crenças da instituição. Ao contrário disso, é notório
que o jornalismo praticado por GG não se limita a ser “objetivo”, em vista de que apela
para a subjetividade, ao suscitar no ouvinte sentimentos que partem de extremos como
ódio ou compaixão.
Nesse sentido, o jornalismo de cunho popular é uma maneira de manipular as
opiniões dos ouvintes por meio da idéias e conceitos subjacentes no discurso do locutor.
Por isso, a narrativa de qualquer fato policial é, “antes de tudo, uma atividade que se
desenvolve a partir de uma visão de mundo, e novamente se está diante de coerções
ideológicas”, ditando normas, crenças e valores dominantes (Hernandes, 2006, p 34).
3.2. O Tema da Violência
No contexto do jornalismo policial, a linha diretriz consiste em noticiar crimes
motivados por ciúmes, por cobiça, por intriga, por paixão e por ódio. Esses temas são os
que mais alimentam a mídia atualmente porque fazem parte do quadro da violência
urbana. E, é nesse sentido, que esse discurso encontra-se atrelado ao gênero de
jornalismo policial, ou seja, a violência é a matéria prima do discurso veiculado no
programa.
Com a expansão desordenada da cidade, o índice de violência intensificou-se
devido à falta de qualificação profissional. Com a baixa instrução e desemprego
acentuados, a violência começou a ser matéria de destaque nas mídias. Por meio de um
discurso singular, as múltiplas facetas da violência deflagravam os aspectos “negativos”
das representações humanas nos espaços sociais. Os recursos linguísticos articulados
34
nas matérias policiais refratavam um discurso condizente com o espírito fragmentado
das classes sociais.
Ao analisar o jornal Notícias Populares, Dias (2003) diagnosticou haver um
“discurso da violência”, veiculado pela imprensa sensacionalista e, mais do que
informar, a autora reconhece que o objetivo desse tipo de imprensa é chocar e causar
impacto, até provocar uma “tensão psicológica”. Portanto, é muito comum a mídia
potencializar as notícias que tem como extrato o fait-divers, em que o discurso da
violência é marcado pelos apelos ao grotesco, pelas misérias e dramas humanos.
Para a autora, esse tipo de discurso tem “cartas previamente marcadas, com
táticas de persuasão, com jogos dúbios de significados” (Dias, 2003, p. 109), que
geralmente é construído e destinado para “um tipo específico de leitor, receptivo a essa
condução da narrativa, acostumados a esses ‘modelos’ noticiosos e à forma como lhe
são apresentados” (ibid.). Tal esclarecimento confirma o conceito de que a mídia
sustenta-se de violência, devido ao fato de que, como meio de comunicação, constrói
representações relacionadas à situação de violência e criminalidade.
Oliveira (2008, p. 51) assinala que a mídia fala sobre a violência que emana da
própria realidade da violência, ou melhor, “de seus atos serão extraídos interpretações e
sentidos sociais, os discursos sobre ela passarão a circular no espaço público e a prática
social passará a ser informada pelos episódios narrados possuindo, assim, um caráter
estruturado e estruturador”. Daí o clichê: violência gera violência.
Em virtude do que foi mencionado, interessa-nos somente compreender como o
comunicador constrói seu discurso, e de quais estratégias vale-se para criar efeitos de
sentido na narrativa. Para isso, buscaremos respaldo teórico-metodológico da
Linguística Textual, da Análise da Conversação e da Análise do Discurso,
compreendendo que as especificidades se imbricam, uma vez que os interesses
convergem para o funcionamento linguístico-textual dos discursos.
Para a viabilização da análise, no capítulo, adotamos os conceitos de
dialogismo e de polifonia, mencionados anteriormente, pois julgamos que, no programa
policial, o radiojornalista conquistou as camadas populares e construiu com elas uma
relação de parceria, instaurando uma aproximação com o ouvinte que, em determinadas
situações, pode até identificar-se com a história narrada.
35
Diante dos fatos narrados, o comunicador tornou-se o “porta-voz” da classe
popular, cobrando das autoridades, como policiais e governo, ações consistentes para
resolver determinado problema. O papel que antes era exercido pelo Estado, GG passa a
assumir. Por isso, é considerado conselheiro, amigo, defensor da justiça e dos pobres.
Pode-se dizer que o status é devido ao descrédito em que as instituições governamentais
caíram, conforme aponta Costa (1992, p. 62).
Assim, tendo em vista o objetivo de nossa pesquisa, trataremos, no capítulo a
seguir, alguns aspectos teóricos relevante sobre a narrativa, que o repórter-narrador
faz da narração uma crônica policial.
36
CAPÍTULO II
A NARRATIVA COMO REPRESENTAÇÃO DO MUNDO
A partir da constatação de que a crônica policial serve-se de uma narrativa para
relatar a complexidade humana, em meio às representações do mundo, surgiu daí a
necessidade de elaborar um estudo sobre os elementos estruturantes da narrativa. Para
tanto, a princípio, faremos uma reflexão sobre a narrativa como representação de mundo
dos sujeitos que o constrói. Depois, conceituaremos o que é narrativa e o que é relato,
tendo em vista que ambos são compreendidos como termos polissêmicos. No entanto, o
que interessa ao nosso trabalho é a significação compartilhada por ambos.
Encontramos na narrativa radiofônica todos os elementos narrativos que,
progressivamente, são recuperados, nos desdobramentos da história, como enredo,
personagens, tempo, espaço e narrador. Por fim, no mesmo contexto da narrativa
radiofônica, argumentaremos sobre a narrativa policial, gênero consumido como
informação pelo ouvinte, característico da classe popular.
Preliminares sobre o Gênero da Narrativa
O homem constitui-se como ser social por meio das narrativas existentes a sua
volta. A partir delas é que o homem apreende os sentidos exteriores e compreende-se
em todas as relações estabelecidas socialmente. Devemos apreender que as narrativas
são constituídas de muitos intercâmbios sociais que o homem estabelece diariamente. E,
tal legitimação, somente substancializa-se pela linguagem. É por ela que espelhamos
tudo o que somos, de forma que, ao narrarmos, fazemos uma leitura do mundo e, como
indivíduos sociais, deixamos transparecer tudo o que assimilamos como valores,
crenças, dúvidas, temores, etc.
37
De acordo com Motta, a narrativa “traduz o conhecimento objetivo e subjetivo
do mundo” (2007, p. 43). Isso significa que contar uma história é transmiti-la a partir de
uma bagagem de informação adquirida segundo as experiências cotidianas da vida, sob
um olhar mais aguçado e crítico, nas constantes transformações a que estamos sujeitos.
É necessário entender que a narrativa parte de princípios inerentes à própria
natureza do homem, que organiza os enunciados de modo coerente, relacionando-os em
uma sequência ordenada, lógica e que obedece a uma ordem temporal. Tais ordenações
nos ajudam a compreender as narrativas e a estabelecer relação com a maioria das
coisas presentes na cena enunciativa.
Para Culler (1999), a prática de contar histórias caracteriza uma forma que o
homem possui de organizar suas experiências:
As histórias são a principal maneira pela qual entendemos as coisas,
quer ao pensar em nossas vidas como uma progressão que conduz a
algum lugar, quer ao dizer a nós mesmos o que está acontecendo no
mundo. [...] Mas a narrativa não é apenas uma matéria acadêmica. Há
um impulso humano básico de ouvir e narrar histórias (p. 132-134).
O conceito de narrativa resume-se na necessidade do homem em expressar seu
conhecimento de mundo às pessoas. Esse conhecimento pode ser de caráter tanto
objetivo quanto subjetivo, mas é produto das relações humanas e dos valores
culturalmente estabelecidos, que somente concretiza-se pela linguagem. Ela espelha
tudo o que somos, de forma que, ao narrarmos, fazemos uma leitura do mundo, e como
indivíduos sociais, deixamos transparecer tudo o que assimilamos como valores,
crenças, identidades, dúvidas, opiniões e tantos outros sentimentos que nos acometem
diariamente.
Por isso, as narrativas são estratégias das quais nos utilizamos para expressar o
conhecimento objetivo e subjetivo do que apreendemos à nossa volta. Pode-se dizer,
então, que contar uma história é transmiti-la a outro, a partir de uma bagagem de
informação adquirida segundo as experiências cotidianas da vida, sob um olhar mais
aguçado e crítico nas constantes transformações às quais diariamente somos
submetidos.
38
No tocante à narratividade, de acordo com Motta (2007, p. 144), implica na
descrição dos fatos por meio da enunciação, seguindo uma ordem sucessiva de estados
de transformação. Assim, são os estados de transformação que asseguram o discurso
narrativo que, ao ser enunciado, acaba por produzir significações e sentidos a tudo que
estabelecemos relacionamento. Outro ponto a considerar é que a narrativa apresenta
uma flexibilidade, durante a enunciação, ao permitir sequências de descontinuidade
temporal, que integram ações acontecidas no passado, presente e futuro, mas que são
enunciadas, segundo uma ordem seqüencial de sentido e de encadeamento lógico.
Todo homem projeta-se em suas narrativas, como uma oportunidade de
compreender e de ser compreendido. Charaudeau (2006) defende que o homem tem
desejo natural de “tentar tornar o mundo inteligível” e, com essa finalidade, aplica-se a
comentar o mundo, ou seja, “a fazer com que o mundo não mais exista por si mesmo,
mas sim através do olhar subjetivo que o sujeito lança sobre ele” ( p. 45).
Para o autor, os indivíduos, ao representarem seus grupos sociais, compartilham
as mesmas crenças inscritas nas enunciações informativas ou narrativas. Ao
expressarem seus valores e crenças, os indivíduos compartilham os “julgamentos sobre
o mundo, criando assim uma relação de cumplicidade.” (ibid.). No entanto, o simples
ato de julgar já externa valores ideológicos que se efetivam na forma com que o
indivíduo compreende o mundo.
Podemos verificar esse fenômeno nas notícias abordadas pelos noticiários, que
estabelecem uma relação específica entre jornalismo e realidade. Contudo, o nosso
objetivo de pesquisa é um noticiário policial de cunho popular, em que a realidade
exposta tem como eixo norteador a violência da periferia das grandes cidades.
Entretanto, é a instância que faz uma triagem dos acontecimentos, para mais tarde serem
contadas as histórias que repercutem na vida dos ouvintes.
Conforme Hernandes (2006, p.23), no momento em que um fato é selecionado
já aponta a existência de uma visão de mundo à medida que “tornar algo visível,
presente, é, antes de tudo, determinar-lhe valor”. Como informação, a notícia chega ao
ouvinte em forma de relato feito pelo jornalista, que é um mediador entre o fato e a
realidade. Portanto, é ele quem reporta o que acontece no mundo, observando os
39
acontecimentos, transformando-os em fatos a serem narrados, isto é, traduz fragmentos
de realidade em notícias.
As crônicas policiais são reportadas como notícias porque remetem ao próprio
fato. Com referência à condição de notícia, Charaudeau (2006, p.132) salienta que o
acontecimento “só se torna notícia, a partir do momento em que é levado ao
conhecimento de alguém”.
Segundo o autor, a concepção de notícia dá-se pelo conjunto de informações que
a complementa, o qual pertence a um mesmo “espaço temático”, imbuído de teor de
“novidade”, proveniente de uma “fonte”, da qual recebe tratamento específico para fim
determinado. Sendo assim, julgamos pertinente considerar a definição dos termos
narrativa e relato, uma vez que compreendem termos polissêmicos e que comportam
significados diferentes; interessa-nos, num primeiro momento, a significação
compartilhada por ambos:
Relato deriva do verbo latino referre (levar consigo, referir,
transcrever), do qual relatu é o particípio passado. Significa o ato ou
efeito de relatar (no caso, narrar, expor, descrever). Quanto à
narrativa, é a substituição do feminino do adjetivo narrativo, pode
ser substituída por narração. Narrativo, termo que, portanto, origina
narrativa, que vem do latim narratu, particípio passado de narrare
(narrar) (Cardoso, 1997, p. 110).
É importante considerar que o relato consiste na informação de desdobramentos
do fato apreendido na realidade. Já a narrativa, por sua vez, consiste no processo
enunciativo simulado, que se em torno de um conflito, que é a estrutura global da
história, com todo o encadeamento de ações na busca pela resolução do conflito.
Nessa perspectiva, identificar uma narrativa pressupõe analisar critérios que o
próprio gênero literário já tem definido: uma sucessão temporal de ações; uma
transformação na forma de representar das personagens, que pode ser negativa ou
positiva. Todos esses aspectos apontam para o eixo norteador que é a intriga ou
conflito, o grande viés que sentido para toda a sucessão de ações e de eventos no
tempo na narrativa, construídos de forma gradual para transparecer elementos como a
ordem cronológica dos fatos, as descrições, marcações de tempo e de espaço.
40
O objetivo das narrativas policiais consiste na adesão do ouvinte pelo
envolvimento deste em todos os detalhes narrativos mediante efeitos de sentido
provocados e, se por um lado as narrativas informam, por outro lado, provocam
emotividade no público. Podemos afirmar que o assunto e a linguagem, utilizados em
programas de jornalismo policial, procuram atender às expectativas do ouvinte.
Nesse tipo de narrativa, a temática tem de prender a atenção do ouvinte em
consonância com a linguagem, evidenciada pela fórmula linguística, que deve promover
satisfação. Considerada como estratégia textual subjacente à organização do discurso, a
narrativa apresenta uma estrutura ordenada e que possibilita significações. O narrador
midiático tem interesse em que seu destinatário interprete a narrativa e, para isso,
precisa torná-la inteligível aos ouvintes.
Motta (2007) ressalta que a narrativa está muito presente na mídia e, como tal,
não deve ser tomada como um ato espontâneo e isento de qualquer intenção:
Os discursos narrativos midiáticos se constroem através de estratégias
comunicativas (atitudes organizadoras do discurso) e recorrem a
operações e opções (modos) linguísticas e extralinguísticas para
realizar certas intenções e objetivos. A organização narrativa do
discurso midiático, ainda que espontânea e intuitiva, não é aleatória,
portanto.[...]. Quando o narrador configura um discurso na sua forma
narrativa, ele introduz necessariamente uma força ilocutiva
responsável pelos efeitos que vai gerar no seu destinatário (p. 144).
Pode-se dizer que o conteúdo informacional das crônicas policiais e o como é
falado, mesclados à narrativa, revelam intencionalidades que estão moldadas pelas
estratégias comunicativas, que é a de exercer poder sobre o ouvinte. Vale ressaltar que
os discursos narrativos não devem ser vistos unicamente pela perspectiva de que se
prestam apenas às representações da realidade, mas devem ser tomadas como um modo
de organizar nossas ações, dotando-nos de estratégias, segundo valores culturais,
ideológicos e políticos, criados pela própria sociedade.
Nessa direção, avançaremos para o próximo tópico concernente ao nosso objeto
de pesquisa: a narrativa radiofônica.
41
2.1. A Narrativa Radiofônica
O rádio é um meio que torna disponível várias histórias, cujas representações
nos são dadas em formatos diferentes como uma partida de futebol, uma notícia, uma
reportagem, um conto, um gingle, enfim, uma multiplicidade de narrativas acessíveis a
todos os ouvintes que navegam pelas ondas sonoras desse meio.
A tecnologia do rádio permite perpetuar a tradição oral que é resgatada pela
narração de fatos cotidianos, trazidos e teatralizados repetidamente todos os dias. Pode-
se dizer que o rádio consagra-se pela exposição de muitas narrativas. Em se tratando de
notícias jornalísticas, existem algumas narrativas cujas histórias ficam em suspenso,
esperando o desfecho acontecer a qualquer momento, como é o caso do conjunto de
notícias isoladas sobre um mesmo tema, publicadas diariamente; e também há narrativas
transmitidas na íntegra, cuja história apresenta-se completa, com começo, meio e fim.
Contar o texto na totalidade permite ao ouvinte tecer os desdobramentos que,
pouco a pouco, descortinam-se, para unir as sequências encadeadas em um todo, no
sentido de resgatar pela memória a própria realidade da vida.
Motta (2007) declara:
Tomar o texto como ponto de partida, procurar as conexões e sínteses
narrativas não significa prescindir da análise do contexto comunicativo.
O texto e suas significações são apenas os nexos entre a produção e o
consumo, entre o ato de enunciar e o ato de interpretar (atos de alguém,
de algum sujeito). São apenas a forma, que assume a relação entre
atores humanos históricos. Concebemos a análise da narrativa como
caminho rumo ao significado porque o significado é uma relação, o
há significado sem nenhum tipo de troca (p. 146).
As narrativas não são procedimentos discursivos inscritos socialmente sem
nenhuma pretensão, uma vez que conferem o poder pelo uso de regras estabelecidas
culturalmente e que são seguidas pelos indivíduos mediante a posição que ocupam na
estrutura social. Assim, qualquer indivíduo que tem o intuito de narrar, tem um objetivo
ou intencionalidade que se encontra subjacente ao propósito de narrar.
Dessa maneira, na mídia o elemento que interessa não é a narrativa como
estrutura, mas, sobretudo, como ato de fala, na forma como os indivíduos constituem-se
42
sujeitos na interação, nos atos de reciprocidade, mais pontualmente, na pragmática
comunicativa.
Na narrativa radiofônica, a linguagem que se a priori constrói significados.
Por isso, é preciso entender como os processos linguísticos acionam estratégias de
“constituição de significações em contexto” entre o indivíduo que narra e o indivíduo
que ouve.
Por isso que, nessa atividade, o locutor deve estruturar a linguagem com clareza
e simplicidade, mediante frases curtas, compostas por sujeito, verbo e complemento. O
vocabulário deve ser de uso corrente e o texto deve primar pelas operações linguísticas
mais acessíveis ao público-ouvinte. Cabe a este interpretar essas operações para
produzir efeitos de sentido. No entanto, isso somente acontece se ambos
compartilharem do mesmo conhecimento de mundo, condição necessária para que haja
comunicação entre eles, devido às estratégias de significações estabelecidas para que se
compreenda o contexto.
Assim, cabe à análise deflagrar, por um lado, esses propósitos implícitos na
linguagem do locutor radiofônico e, por outro lado, reconhecer marcas do texto oral e
entender como o ouvinte constrói sua interpretação.
2.2. A Narrativa da Notícia – a História.
Em se tratando de narrativa da notícia radiofônica, identificamos elementos
fundamentais que recuperam progressivamente à estrutura da notícia, sem a qual a
história não pode prescindir. Esses elementos respondem às seguintes questões: o que
aconteceu? quem viveu os fatos? como? onde? e por quê?. Portanto, a estrutura da
narrativa observa cinco elementos principais: primeiro, enredo; segundo, personagens;
terceiro, tempo; quarto, espaço; e quinto, narrador.
Gancho (2004), em sua obra, Como analisar narrativas, ressalta a definição de
cada um desses elementos, entretanto, restringe-se somente à narrativa da literatura de
ficção, que é a narrativa literária em prosa. Isso não quer dizer que, em se tratando da
43
narrativa radiofônica, esses mesmos elementos não possam ser observados, até porque
nos servirão como parâmetro à análise da narrativa policial radiofônica.
O primeiro tópico é reconhecer que, diferentemente das notícias fragmentadas
que surgem e que se interrompem por algum tempo para voltar ao noticiário, o nosso
corpus é uma narrativa radiofônica construída a partir de uma notícia policial, cuja
história é apresentada na íntegra, mediante um ciclo cronológico de intriga que se
completa durante o horário de transmissão do programa.
O sucesso da narrativa radiofônica depende da enunciação discursiva realizada
pelo narrador que relata o acontecimento, com todo domínio e habilidade em manter o
interesse do ouvinte pelas pistas oferecidas da narrativa policial. Devido ser uma
narrativa completa, o processo de encadeamento narrativo cronológico, a intriga e o
enredo são mais perceptíveis para a compreensão do tema.
É importante observar que o encadeamento da narrativa constrói sequências
cronológicas coerentes e adquirem formato à medida que possibilita ao receptor
identificar com clareza diversas situações na história, nas personagens envolvidas, nos
cenários e nas situações que se revelam na narrativa.
Todos esses índices que a narrativa abarca podem revelar aspectos importantes
de estratégias narrativas no radiojornalismo e de efeitos de sentido pretendidos como
avanços e retomadas de dados informativos, ritmo da narrativa, reiterações, explicações
causais, retardamento do desfecho, dentre outras atitudes organizadoras do texto.
Na narrativa, esses procedimentos indicam como o narrador pretende ser compreendido
pelo receptor, portanto, é nesse nível textual que a narrativa progride dentro de uma
ordem cronológica da história. Cada detalhe, ações, personagens, objetos, compõem a
narrativa, numa continuidade e coesão até deparar-se com a elaboração da intriga que,
por sua vez, estrutura e produz sentido ao encadeamento das ações e de eventos no
tempo.
Em seguida, trataremos de um aspecto fundamental em torno do qual compõe-se
a narrativa, qual seja, a intriga, que tece a trama e atribui sentido às múltiplas ações que
a compõem. Assim, a intriga provoca a curiosidade do ouvinte para atentar para a
progressão da história.
44
2.2.1. A Intriga
O segundo tópico de análise consiste no conflito ou intriga como principal
elemento estruturador da narrativa. Para Motta (2007, p. 149), “o conflito é o núcleo
em torno do qual gravita tudo o mais na narrativa” e que abre espaço para que todas as
ações, sequências e episódios criem dinamicidade entre os fatos, mantendo a narrativa
viva.
A situação inicial de uma narrativa segue o percurso até deparar-se com a
situação conflitante, designada como seu principal eixo estrutural, principalmente
quando se trata da narrativa jornalística, em que o acontecimento gerado é “um fato de
conotações dramáticas imediatas e negativas, que irrompe, desorganiza e transtorna”,
esclarece Motta (ibid).
Todo conflito resulta da ruptura da ordem natural estabelecida, que no
jornalismo, Charaudeau (2006, p.102) a designa como “o potencial de
imprevisibilidade”, porque “veio perturbar a tranquilidade dos sistemas de expectativas
do sujeito consumidor da informação”. O autor ainda destaca que, no jornalismo,
quando a notícia surge e perturba a tranquilidade do ouvinte, um estado de “espanto e
tentativa de racionalização” o conduz a uma alteração do que antes acreditava estar em
sintonia com o mundo e as leis.
Neste cenário, todo drama humano, especificado nas notícias policiais,
representa em qualquer narrativa um conflito que rompe com a ordem estabelecida e
que, portanto, pode ser representada pelo caráter de ambiguidade, ora pela falta ou
excesso de alguma coisa, ora pela inversão ou transgressão de valores, ora pelo próprio
conflito que pode ser manifesto ou não: “um crime, um golpe, uma infração, um
choque, um rompimento, etc” ( Motta, ibid., p. 149).
Detectar o conflito é identificar as forças contrárias que atuam para que a tensão
da história ocorra. A ruptura do equilíbrio dá-se devido às forças opostas existentes,
motivadas por conflito de interesse ou de paixões. O narrador entende que todos os
detalhes devem ser explorados no discurso narrativo, pois, mais do que ninguém, está
ciente de que o desenvolvimento da narrativa desperta a curiosidade do ouvinte à
medida que introduz o ponto de tensão, ao explorar os fatores que desencadearam o
conflito, até chegar à sua origem.
45
Nesse sentido, conhecer as causas do conflito que circundam o enredo permite
discernir e compreender a funcionalidade dos episódios do enredo. Cada episódio
narrado conecta-se ao todo, formando a grande narrativa. Dessa forma, os episódios são
unidades narrativas, representadas por ações autônomas que sofrem transformação à
medida que a narrativa progride, e que estão ligados à ação principal (Motta, 2007).
O suspense é a força motriz que provoca a curiosidade para a sequência dos
fatos, ações ou situações que, envolvendo participação de personagens, se desenrolam
em determinado lugar e momento, durante certo tempo, até o desfecho. Este ponto é
particularmente importante na concepção de Motta, pois são os episódios de suspense
que “retardam a conclusão da história, aumentam a tensão e as expectativas do leitor ou
ouvinte” (ibid., p. 151).
Para Barthes (1976):
O “suspense” não é evidentemente mais que uma forma privilegiada, ou
caso se prefira, exasperada, da distorção: de um lado mantendo uma
seqüência aberta (por procedimentos enfáticos de retardamento e de
adiantamento), reforça o contacto com o leitor (ou ouvinte), detém uma
função manifestamente fática; e por outro lado, oferece-lhe a ameaça de
uma seqüência inacabada, de um paradigma aberto (se, como cremos,
toda seqüência tem dois pólos), isto é, uma perturbação lógica, e é esta
perturbação que é consumida com angústia e prazer (enquanto é sempre
finalmente reparada); [...]. (p. 55-56).
O discurso narrativo radiofônico explora muito o “suspense”, por meio de
estratégias textuais e sonoras como música de suspense, no intuito de criar maior clima
de dramaticidade e expectativa na captura da atenção do destinatário. Sabe-se, no
entanto que, na narrativa escolhida como corpus, o narrador supera ainda mais esse
aspecto, ao usar como estratégia avanço e retomada dos tópicos narrativos, mantendo
firme o ponto de tensão, para retardar o desfecho e gerar mais expectativa.
2.2.2. A(s) Personagem(ns)
46
O terceiro tópico refere-se às ações das personagens na organização das
histórias. Segundo Reuter (2002, p. 41), “toda história é história de personagens”,
que,desde o momento em que as personagens são apresentadas, são delineados seus
perfis pela função que cada uma cumpre na história e, consequentemente, passamos a
identificá-los nos episódios que surgem de maneira gradual.
Quanto à atuação na história, as personagens podem ser protagonistas,
antagonistas, heróis, anti-heróis. Também as personagens são reconhecidas segundo um
processo de designação, ou seja, são identificadas pelo nome, profissão, idade. Tais
referentes devem ser bem observados porque corroboram na descrição de seus perfis na
consecução da história. Entretanto, cabe lembrar aqui que, mesmo sendo personagens de
uma história com base na realidade, tratam-se de construções textuais.
As pessoas envolvidas nessas histórias, na vida cotidiana, não se veem ou se
reconhecem tal como as histórias são narradas. Isso evidencia que o narrador, ao
construir a personagem, mobiliza sua subjetividade de repórter para recriar o contexto
em que o fato aconteceu. Assim, o texto sempre terá objetivo de ser produzido a partir
de fatos e, por conseguinte, cabe ao ouvinte seguir pistas, apresentadas pelo narrador
para construir cada personagem na tessitura dos fios narrativos.
2.2.3 – O Narrador
O quarto tópico trata-se do discurso narrativo subjetivo que se caracteriza pela
presença implícita ou explícita do narrador. na narrativa jornalística, o discurso
objetivo define-se pelo distanciamento do narrador, que aparentemente está isento de
qualquer intervenção. Portanto, não se deve pensar que o narrador desfruta de uma
posição de mediador entre o leitor/ouvinte e a realidade, ou de mensageiro dos fatos.
Lefebve (1980, p. 181) postula que o narrador constrói a narrativa no intento de
“restituir-nos uma realidade integral” e que acredita ser “objectiva”. No entanto, nessa
pretensão de nos deixar ver o mundo, deparamo-nos, na verdade, com o “seu reflexo
num espírito” - do narrador. Ele nos permite conhecer as representações do mundo
47
mediante seu próprio ponto de vista e, nesse sentido, pode-se dizer que “toda narrativa é
subjectiva e ideológica”.
Diante disso, fica evidente que o narrador possui sempre um propósito, logo,
nenhuma narrativa está isenta da intencionalidade do autor em narrar, Portanto, o
narrador conhece as personagens previamente e, quando onisciente, penetra em seus
pensamentos, enunciando o que elas não pensam ou deveriam pensar em dada
circunstância.
Segundo Lefebve, toda e qualquer narrativa “repousa, portanto, sobre uma série
de convenções que se revelam no ponto de vista adoptado sobre o real” (ibid, p. 182).
Sendo assim, não devemos esquecer que no relato jornalístico, principalmente em se
tratando de uma narrativa policial, o narrador reconstrói aquilo que possivelmente se
passou, por meio de detalhes que o ajudam a construir o fato.
Dessa forma, por mais que pretendam ser realistas, as narrativas não conseguem
fazê-lo. Pode-se dizer que o efeito é parcial, haja vista que os efeitos do real somente
são produzidos por meio do texto, mediante diversos procedimentos linguísticos.
Dentre essas formas, empregar uma carga de dramaticidade quando o locutor
expõe todos os fatos, consiste num recurso e, nesse jogo discursivo, estratégias de
constituição de significações causam efeitos de sentido no receptor.
2.2.4. O Narrador e o Narratário: uma Relação Comunicativa
Toda narrativa pressupõe um narrador que fala o que e estrutura toda a
narrativa utilizando-se de observações dos fatos e, a partir disso, constrói a história. De
maneira diferente a abordagem da narrativa literária fixa a atenção no narrador e no
texto, e na narrativa midiática o foco sobre a relação comunicativa estabelece-se entre o
narrador e a audiência.
No texto, o leitor esforça-se para atualizar os sentidos. Isto deve-se ao fato de
que um texto apresenta uma cadeia de relações que deve ser atualizada pelo ouvinte
48
com o intuito de facilitar a interpretação e, assim, tornar o processo de comunicação
mais eficiente e dinâmico.
Segundo Motta (2007), no processo comunicativo, o texto representa apenas
uma ponte para que a relação comunicativa possa ser realizada. Esse fato requer do
ouvinte esforço para atualizar o sentido, uma vez que o narrador move-se em função das
estratégias textuais que executa, a fim de que o destinatário apresente iniciativa de
interpretar, pela capacidade de conectar partes, preencher lacunas de significados que,
na maior parte, mantêm uma semelhança com a própria história de vida do ouvinte.
Desse modo, para que essa interação seja concretizada, é importante ocorrer um
“contrato cognitivo”, entre ambas as partes narrador e audiência -, firmado a partir do
momento em que o contrato apresente como objetivo a veracidade dos fatos (Motta,
ibid, p. 164). Assim, se o ouvinte se propõe a fazer parte desse processo de interação é
porque, de alguma forma, confia que os fatos foram apurados e, portanto, são dignos de
confiança.
2.2.5. O Teor ético e Moral das Narrativas
Como uma atividade espontânea e muito presente na vida cotidiana, a narrativa
encontra no seu interior a principal finalidade que é a de “trazer ao homem uma lição de
moral, um exemplo de vida” (Siqueira, 1992, p. 31). Dessa forma, em qualquer tipo de
narrativa, sendo referencial ou emotiva, o tema norteador será a visão de mundo,
designando valores referentes à luta do bem contra o mal.
Com base na premissa de que a narrativa nasce da concepção de valores e
crenças que externamos de alguma forma, também a transgressão ou ruptura desses
valores transformam-se em notícias para uma sociedade que prima pela situação estável.
Nessa direção, o rádio, a televisão e o jornal passam a destacar notícias
construídas a partir de fatos da vida real que transgridem valores culturalmente
estabelecidos.
49
Para o destinatário atento aos acontecimentos, somente lhe resta observar os
detalhes nos dramas e tragédias, recompondo as histórias, envolvendo-se nas tramas, no
seu imaginário, transpondo as barreiras do tempo e espaço, numa sensação de aqui e
agora, que somente a narrativa consegue efetuar. Seja qual for à mídia que veicula as
narrativas, tendo como pano de fundo as notícias recontadas, revela “os mitos mais
profundos que habitam metanarrativas culturais mais ou menos integrais do noticiário: o
crime não compensa, a corrupção tem de ser punida etc.” (Motta, 2007, p. 166).
Trata-se da função “socializadora” apontada por Lopes (1988, p. 173) em que as
instituições, constantemente, nos fazem lembrar as normas sociais, ditando condutas e
comportamentos convencionalmente aceitáveis na sociedade.
2.3. A Narrativa Policial
Pode-se afirmar que mais de 30 anos, quase todos os dias, a fala de GG
invade o espaço sonoro com o modo singular de narrar fatos policiais, habilidade que
também empresta aos anúncios publicitários e que tornou-se emblemática na
performance desse locutor.
No contexto da década de 70, o jornalista GG passou a ser realmente conhecido
pelo público, ao abordar de modo especial o fato policial. Considerado ícone do
jornalismo policial, nas rádios populares, GG sempre procurou narrar crônicas policiais
com toque sensacionalista
22
, transitando entre o radioteatro e o jornalismo tornou-se
uma programação aclamada pela audiência (Lopes, 1988).
A notícia policial, desde então, não era considerada como um acontecimento
qualquer nas emissoras mais populares à medida que ganhava novos contornos que
chamavam a atenção do público para a história a qual o locutor fazia questão de
dramatizar, de forma que o acontecimento, de algo simples e corriqueiro, ganhava
grande proporção.
22
A concepção de sensacionalismo advém do conceito de notícia baseada em fait-diver. Para Roland
Barthes, o fait-diver constitui o “furo” de notícia resultante dos feitos humanos, enquadrando-se em
manchete sensacionalista ou fato sensacionalista (BARTHES, Rolland. Structures du fait diver. Essais
Critiques.Paris: Seuil, 1964).
50
No intuito de garantir maior audiência, o programa privilegiava a notícia com
conteúdos mais chocantes”, que caracterizavam dramas humanos com temas sobre
roubos, assaltos, homicídios, sequestros, etc, portanto, selecionava a notícia que desse
uma “boa história”.
GG não deve ser considerado o único a relatar histórias baseadas em crimes e
histórias dramáticas. Nos anos 50, havia um programa intitulado “O crime não
compensa” sob comando do então radialista Gastão do Rego Monteiro. Nessa mesma
época, o radiojornalismo policial foi marcado também pela presença dessa figura
também representativa no rádio, conhecida por Beija-Flor, cujo pseudônimo não
condizia em nada com seu estilo mordaz de retratar criminosos e ovacionar a ação de
reprimenda da polícia (Costa, 1992, p.16).
GG, no entanto, conquistou muitos ouvintes pela singularidade com que narra as
histórias. Além de possuir uma voz que confere caráter autoritário às narrativas, o
narrador cria uma expectativa que paulatinamente é construída em meio ao ritmo de
suspense crescente da narrativa.
Para GG, os fatos devem impactar, comover o ouvinte, de forma que,
dramatizados, estimulam uma reflexão profunda sobre o comportamento humano na
sociedade. Além disso, a narrativa ganha maior dinamicidade pelo jogo de avanços e
retomadas constantes, durante os desdobramentos da história.
Nesse contexto, o uso excessivo de adjetivos, sempre pronunciados em tom
exaustivamente dramático, marca uma cadência de “tensão”, porque além de criar muita
expectativa, ao longo da progressão do texto, também retém o ouvinte para a conclusão.
Isso constitui um estratagema que visa, plenamente, ao envolvimento com o público.
Dias (2006, p. 113) explicita que é próprio de uma mídia que informa também
“criar vínculos de intimidade com o leitor por meio de um tipo de interação específica
mediada por narrativas sobre terceiros”. Nessa perspectiva, o ouvinte compreende
narração e também transporta-se para a cena criminal, distanciando-se como observador
dos fatos.
No entanto, conforme os detalhes são revelados, o ouvinte passa a identificar-se
com os fatos por meio de uma cumplicidade, que é marcada pela “metamensagem” ,
51
desencadeada pelo discurso da narrativa, proporcionando a este “ter o sentimento de
pertencer a um grupo com o qual compactua valores e interesses”, ressalta Dias (2006,
p. 113).
Vale ressaltar que o sentido de participar do acontecimento provém do próprio
caráter imediatista do rádio, haja vista o ouvinte ter a sensação de que os fatos
aconteceram naquele momento. Ao contrário disso, as histórias narradas por GG estão
distantes do tempo real, de forma que a sensação de imediatismo estabelece-se à medida
que traz à cena o caso detalhado de forma criteriosa.
Trata-se de uma característica própria dos meios de comunicação o fato de
produzir uma sensação de “aqui” e “agora”, fazendo com que o ouvinte imagine estar
presente no local e no momento exato em que o caso ocorreu.
2.3.1. A Estrutura da Narrativa Policial (Programa Gil Gomes)
Pode-se dizer que a narrativa de GG apresenta uma composição
determinada, cuja estrutura é composta por três componentes significativos e invariantes
a saber: a) o esquema actancial; b) o arcabouço narrativo; e c) o componente espacial.
Essa composição está baseada em estudos de Lopes (1988) sobre os componentes da
narrativa policial de GG.
Apoiada em estudos de Propp e Greimas, a autora delineou a narrativa da
seguinte forma: (op. cit., p. 173-180)
a) O esquema actancial:
O esquema actancial refere-se às personagens. GG sempre começa as narrativas,
identificando os actantes pelo nome, idade, origem, profissão e residência. Ao fazê-lo a
narrativa ganha sentido pela maneira como é construída e pela forma maniqueísta de ser
de cada personagem. Assim, cada personagem é designada de forma diferente pelo
narrador, levando as ações praticadas.
Por conseguinte, os actantes estão localizados em torno de um eixo básico de
oposição A x B. (A = vítima e B = criminoso) na qual as histórias policiais se
52
desencadeiam a partir do principal ponto que é o eixo do desejo. Portanto, é o desejo
por algo que articulará toda a trama e, mais precisamente, move as ações dos
personagens para o objeto de desejo (valor culturalmente firmado) e que desencadeia o
acontecimento.
b) O arcabouço narrativo
Este componente invariante compreende o fazer, isto é, são as ações dos
actantes, que se articulam em torno do eixo temporal. Isso quer dizer que, na narrativa,
o fazer constrói um sentido que sofre uma transformação. Lopes (1988) explicita que o
conteúdo narrativo está organizado numa série de movimentos, formada por dois
movimentos da regra à subversão da regra (X – X”); e da subversão da regra à
restauração da regra (X” – X).
Dentre os movimentos do desenvolvimento, temos: imposição da regra
(interdição); reação do actante (transgressão); consequência da reação do actante (dano);
e, finalmente, consequência da reação do actante coletivo à reação do actante (punição)
resultado do movimento (reforço da regra).
c) O componente espacial
O último componente da estrutura da narrativa policial de GG consiste no
elemento espacial. Geralmente, o espaço deflagrado é o suburbano ou a periferia, que,
na maioria das vezes, é marcado pelos actantes criminosos num espaço potencialmente
violento. Esse espaço social é tomado como mundo ‘normal’ do lar ou do trabalho, em
contraposição ao ‘mundo do crime’ que subverte a ordem daquele.
No próximo capítulo, trataremos da repetição como um fenômeno linguístico
recorrente na oralidade, cujo propósito é propiciar uma interação com a audiência.
Ninguém mais do que o locutor de rádio está ciente das dificuldades de seu interlocutor
em compreender o texto e, por causa disso, repete elementos do texto a fim de que seja
totalmente assimilado.
Desse modo, a narrativa radiofônica dá-se por redundância e repetição,
estabelecendo um ritmo que mantêm a atenção do ouvinte para configurar a história.
Este recurso ajuda o narrador a avançar no tópico narrativo e tem como objetivo
53
envolver o ouvinte emocionalmente pela memorização de detalhes de maneira
paulatina.
Além disso, é um modo de reorganizar pensamentos do ouvinte para avançar no
fluxo narrativo mediante a característica acentuada da improvisação oral. Em
decorrência da narrativa ser transmitida por ondas sonoras, o objetivo consiste em
estimular a atenção do ouvinte para a narração dos fatos, das ações das personagens, dos
locais que denotam o espaço dos acontecimentos e do tempo em que ocorre a narrativa.
Para isso, a repetição é uma grande aliada na produção do discurso, uma vez que
a taxa informacional é muito densa, ou seja, há muitos detalhes que compõem a história.
Com a repetição, essa taxa diminui e permite ao ouvinte de compreendê-la melhor e,
por outro lado, “reunindo condições de organizar e reorganizar o seu próprio discurso”
(Preti, 2004, p. 128).
Deve-se ressaltar que nosso estudo preocupou-se em fazer uma reflexão sobre a
narrativa, no aspecto geral do termo, restringindo-se à uma abordagem da narrativa
radiofônica, mais especificamente, a narrativa policial, que interessa aqui para a nossa
dissertação. No entanto, o que nos chamou a atenção, inicialmente, foi o “como” a
narrativa é tecida ao longo do desenvolvimento. Portanto, a singularidade está no
movimento de avanços e retomadas caracterizadas pelas escolhas linguísticas que o
narrador utiliza-se para construir o discurso. Dentre elas, pretendemos observar a
repetição como fenômeno muito presente na oralidade.
No corpus apresentado, analisaremos o fenômeno da repetição que exerce papel
importante na condução da argumentação. Para isso, dispomo-nos a desenvolver um
estudo sobre a repetição, com base no aporte teórico do estudo de Marcuschi (1992,
2006).
No capítulo seguinte, abordaremos o último conceito teórico que trata de um dos
fenômenos mais recorrentes da língua oral que é a repetição.
54
CAPÍTULO III
A REPETIÇÃO E A ARGUMENTAÇÃO:
UMA IMBRICAÇÃO PERSUASIVA
Como indivíduos sociais, estamos de forma contínua, construindo nossas
identidades por meio de diferentes eventos de fala que ocorrem no processo
interacional. Com o intuito de estabelecer vínculos sociais, argumentamos por discursos
que nos fazem participar de um envolvimento interpessoal, pois queremos exercer
influência sobre algo que acreditamos ou, ainda, deixamo-nos influenciar.
Para uma comunicação satisfatória, recorremos a alguns recursos linguísticos
que nos ajudam a tornar o discurso mais fluente e, assim, facilitar a compreensão do
ouvinte e que permitem que o evento de fala seja mais dinâmico e eficiente. Entre várias
estratégias linguístico-interativas, primamos pelo estudo da repetição na oralidade do
comunicador GG, justamente, porque é uma estratégia eficaz na manutenção da
interatividade.
A repetição permeia as conversas descontraídas no cotidiano, em aulas
expositivas, na interação com familiares e amigos. Dessa maneira, trata-se de um
fenômeno linguístico muito recorrente nas práticas sociais mais variadas no dia a dia e
que, acima tudo, seu emprego, no discurso oral, cumpre diversas funções ao longo da
situação de interacão, tendo em vista os propósitos que se pretende alcançar.
A estratégia de repetição faz parte de um planejamento elaborado na construção
do texto falado, cuja intencionalidade é reformular e fazer progredir o texto narrativo.
Como pode-se apurar no texto escolhido como corpus, a estratégia de repetição garante
a continuidade de sentidos, e o permanente movimento de avanços e retrocessos não
prescindem da progressão textual.
Verificaremos que GG utiliza-se de vários procedimentos cabíveis para a
manutenção e evolução do tópico, assegurando uma continuidade de referentes que se
constituem objetos de discurso. Essa continuidade ocorre pela ativação do referente
durante a construção do modelo textual, assegurando que determinado signo seja
55
relacionado a um objeto “tal como ele o percebe dentro da cultura em que vive”,
segundo explicita Fávero (2002, p. 18).
Dentre as funções que a repetição exerce, abordaremos somente aquela que nos
propomos a analisar, qual seja: a repetição com função argumentativa com base no
aporte teórico de estudos desenvolvidos em Análise da Conversação por Marcuschi
(1992, 2006). Portanto, julgamos que subjacente ao discurso narrativo de GG, as
repetições sobrepõem-se argumentativamente, com a finalidade de obter adesão do
público no que concerne ao conteúdo exposto, fazendo valer conceitos ideológicos
implícitos no cumprimento de informar as notícias policiais do cotidiano.
Nesse sentido, para compreender a opção que fizemos, torna-se importante
apresentar alguns aspectos acerca da repetição e da argumentação.
3.1. A Repetição
O recurso da repetição, num primeiro momento, é considerado somente como a
ocorrência de duas ou mais vezes de um mesmo segmento, como um processo
tautológico sem grande importância. Todavia, estudos mais acurados revelam a
constante necessidade do uso da repetição na língua, com o objetivo de caracterizar um
processo formulativo na organização do discurso.
A presença da repetição é importante em qualquer tipo de atividade
comunicativa, pois garante maior fluidez na comunicação, permitindo que haja maior
envolvimento entre os interlocutores, bem como facilita a compreensão, porque o
locutor, ao retomar um dado, possibilita um tempo a mais para o interlocutor estabelecer
produção de sentido.
Em vista disso, o autor faz uma importante ressalva: eliminar a repetição na fala
acarretaria textos incompreensíveis e o envolvimento entre os falantes seria prejudicado,
a ponto de diminuir de forma significativa a interação que se estabelece pelo grau da
atividade cooperativa instaurada.
56
Desde a antiguidade, os retóricos também observaram a repetição como um
fenômeno a ser estudado. No Tratado da Argumentação, Perelman & Tyteca (1996, p.
197-8) ressaltam que a repetição recebia destaque, por ser vista como uma forma
incomum da linguagem. Isso explica sua inclusão nos tratados da retórica, como
pertencente às figuras de retórica.
A repetição, considerada como figura de presença, era tomada como tal porque,
ao repetir, o efeito do objeto do discurso era mais efetivo na consciência do ouvinte,
quando o orador se propunha a usá-la com valor argumentativo. Para os retóricos, as
figuras de repetição como anáfora, sinonímia, e amplificação não se restringem a um
valor argumentativo de proporcionar a presença, pois sugerem “distinções” que
ultrapassam o senso comum, como a expressão destacada: Coridon desde então é para
mim Coridon! (ibid.).
Na expressão de Quintiliano
23
: ‘Matei, sim, matei...’, Perelman & Tyteca
salientam que o sentido da repetição ultrapassa o efeito de ressaltar a presença, uma vez
que o segundo enunciado do termo está “repleto de valor; o primeiro, por reação, parece
relacionar-se sozinho, teria parecido conter fato e valor. O efeito de presença é,
portanto, subordinado a outras intenções” (ibid.).
Numa visão mais contemporânea, a repetição também ganhou destaque nos
estudos da Análise da Conversação, sendo considerada fenômeno frequente da língua
falada. Assim, como outros pesquisadores, Marcuschi (1992) também dedicou-se aos
estudos da repetição, quanto às funções realizadas na fala, caracterizando-a como
fenômeno relevante na produção, condução e compreensão do texto dialogado.
Para isso, o autor parte da concepção mais simples para tratar desse assunto,
definindo-a como “a produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes, duas
ou mais vezes, no âmbito de um mesmo evento comunicativo”, e que não importa o
tamanho do segmento repetido, se o elemento repetido possui o mesmo conteúdo ou,
ainda, a mesma forma (ibid., p. 6).
A presença da repetição cumpre um importante papel em qualquer atividade
comunicativa, ao garantir maior fluidez na comunicação, permitindo que haja maior
23
Quintiliano, vol. II, liv. VI, cap. IV, 17.
57
envolvimento entre interlocutores que se encontram face a face, bem como facilita a
compreensão ao retomar um objeto do discurso.
Convém observar que a tese sobre repetição dá-se no âmbito da conversação,
apesar de o uso não ser excluído na modalidade escrita da língua, como bem
exemplifica a poesia e outros textos que caracterizam com nitidez esse recurso
linguístico. Em vista disso, Marcuschi (1992) faz uma importante ressalva: eliminar a
repetição na fala acarretaria textos incompreensíveis e, possivelmente, o envolvimento
entre os falantes seria prejudicado, a ponto de diminuir o fator de interação que se
estabelece pelo grau da atividade cooperativa instaurada.
Vista sob o aspecto da análise conversacional, a repetição nada mais é do que
uma formulação oral espontânea muito presente na troca comunicativa. Noutra
perspectiva, a repetição é apreendida, no texto, como reflexo da cooperação mútua entre
seus participantes no processo interativo, como uma estratégia de formulação do
discurso oral.
Nessa perspectiva, repetimos a mesma coisa duas ou mais vezes para tornarmos
mais convincentes, cooperar na manutenção do tópico, retomar o turno, mostrar
aceitação do que outros falam, enfim, colaborar com diversos processos comunicativos.
Por conseguinte, a repetição é um recurso usado para manter a continuidade da
conversação e funciona como uma estratégia que promove a compreensão na interação
verbal.
Trata-se de conceber a repetição como uma forma “ordenada e sistemática com
formas e posições muito variadas, exercendo funções tanto textuais como discursivas”,
conforme postula Marcuschi (1992, p. 1). Entretanto, o conceito de repetição transcende
à simples característica da língua falada, ao acreditarmos que seu uso ocorre somente
para tornar mais objetivo ou convincente o código linguístico.
Por isso, Marcuschi (2006, p. 219) emprega o termo “maleabilidade” em razão
das várias funções que fazem parte do processo formulativo da língua nas situações de
interação.
58
Sendo assim, a repetição contribui
para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual;
favorece a coesão e a geração de seqüências mais compreensíveis; dá
continuidade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas.
Disso tudo resulta uma textualidade à organização menos densa e
maior envolvimento interpessoal, o que torna a repetição essencial
nos processos de textualização na língua falada.
Na língua escrita o uso da repetição chega a ser depreciado por representar um
estilo descuidado ou um vício de linguagem e que confere ao texto redundância, de
forma diferente da língua oral. No entanto, do ponto de vista literário, o emprego da
repetição é bem-visto ao ser atrelado a determinado estilo.
De acordo com Koch (2003, p.125), a repetição do ponto de vista do estilo
configura-se em “ornamento do discurso”, e que pode ser expressado de forma objetiva,
ao focalizá-la como recurso que refrata um dado novo, a partir de um dado que é
conhecido.
Vista sob o prisma da linguística textual, Fávero (2002, p. 18), ao falar sobre a
coesão referencial, considera que a reiteração - repetição - de expressões no texto
funciona como elemento coesivo referencial, uma vez que apresenta uma “função de
estabelecer referência” com “alguma coisa necessária a sua interpretação”, portanto,
constitui-se em recurso na estruturação coesiva da superfície textual.
Koch (2006, p. 104) sob o enfoque cognitivo-interativo, considera a repetição
como uma estratégia formulativa, haja vista que possibilita a organização do texto,
facilita a compreensão de enunciados entre interlocutores e/ou “provocar a sua adesão
àquilo que é dito, visando a garantir, assim, o sucesso da interação”.
Preti (2004, p. 128) também postula que a repetição, como modalidade oral, é
uma estratégia constante na conversa por configurar-se em uma maneira de o falante
aliviar a “densidade das informações” e de proporcionar ao ouvinte um tempo maior
para compreender o interlocutor, além de reunir condições de “organizar ou reorganizar
o seu próprio discurso”.
Marcuschi (1992, p. 25) observa que a repetição é tomada como elemento
coesivo textual à medida que estrutura o texto. Entretanto, este sinaliza que a repetição
59
identificada na superfície do texto é diferente da identificada na fala, uma vez que nesta
a repetição não ocorre localmente planejada, e também pode sofrer interferências
externas ou interrupções. Na escrita, o planejamento permite que o texto possa ser
revisado e reescrito, até apresentar-se bem elaborado em sua versão final.
Uma análise detalhada a respeito da repetição fez com que o autor definisse seu
caráter funcional, ao observar que a repetição é a “produção de segmentos discursivos
idênticos ou semelhantes, duas ou mais vezes, no âmbito de um mesmo evento
comunicativo, sejam eles de ordem interacional, cognitiva, textual ou sintática”
(Marcuschi, 2006, p. 219).
Embora essa definição origina-se no campo da análise conversacional, a
repetição é válida para qualquer tipo de modalidade da linguagem quer oral, quer
escrita. De acordo com a modalidade em que está inserida, a repetição promove maior
envolvimento e interação entre os falantes no vel discursivo, porque serve como um
suporte natural para o processo de compreensão.
Trata-se de uma estratégia consciente de estruturação do discurso, ao
considerarmos a repetição como mecanismo coesivo e que contribui para a organização
textual. Isso significa que ela está presente, de forma representativa, nos textos que
produzimos, principalmente, nas construções paralelas, nas repetições da fala do outro,
nas autorrepetições, em que a matriz e a repetição são produzidas pelo mesmo falante, e
ainda nas heterorrepetições, cuja matriz e a repetição são produzidas por falantes
diversos, procedimentos espontâneos da conversação, ou seja, na língua falada.
No processo da repetição, tem-se a primeira ocorrência de um termo que servirá
como modelo para a projeção de outro segmento semelhante ou idêntico,
caracterizando, assim, a repetição que é designada matriz (M). Em vista disso, a matriz
pode condicionar a repetição (R) em vários níveis como no fonológico, no
morfológico, no sintático, no lexical, e no semântico ou pragmático.
60
Na pesquisa intitulada A repetição da língua falada: formas e funções,
Marcuschi (1992, p. 34) esclarece que a R é
sempre produzida com um certo objetivo, ela apresenta traços de
seletividade em relação à sua M. Esta relação se na seleção e
marcação de um foco (F) localizado em algum ponto da cadeia dos
constituintes em relação à M. com isto a M opera como proposta de
composição textual-discursiva. Na R pode ocorrer uma reprodução dos
mesmos fenômenos ou uma variação deles em relação à M. No caso de
uma variação, pode haver um deslocamento sintático (topicalizações,
alçamentos, inversão de ordem, etc.); uma substituição predicativa
(outro objeto ou complemento para o mesmo SV); acréscimos;
modulações prosódicas (de um V em N e outras); supressão de
elementos (elipses, cortes etc.) e muitos outros tipos de variações. Ao
tratar de cada segmento que compõe os tipos formais de R estarei
indicando quais são estas variações mais comuns de acordo com as
evidências encontradas no corpus.
Como uma prova de naturalidade na fala, alguns aspectos relacionados ao uso
das Rs devem ser levados em consideração, como podemos observar a seguir.
3.1.1. A Repetição em sua Estrutura Multifuncional
As repetições manifestam-se, quanto ao aspecto multifuncional, de duas
maneiras, a saber: produção e distribuição. Em relação à produção, o autor classifica
em autorrepetição e a heterorrepetição
24
. No elemento distributivo da repetição, aponta
sua ocorrência por contiguidade, proximidade e distância em relação à Matriz (M). Os
segmentos repetidos podem constar sem nenhuma variação de forma, ou seja, na
íntegra, ou apresentar variação como, por exemplo, um verbo no singular ser flexionado
no plural.
Marcuschi (2006, p. 223) ressalta que produzir uma R integral, “aquela que
reproduziria a M, exatamente, é mais rara em relação a R com variação”. Isso sem
contar com a possível diferença de entonação dos segmentos que constituem a M e a R.
Nessa perspectiva, o autor acrescenta que, quanto maior o segmento discursivo, maior
24
Autorrepetição é quando o próprio falante repete o segmento discursivo. A heterorrepetição ocorre
quando um dos interlocutores repete algum segmento discursivo do outro interlocutor.
61
será a possibilidade de variação, evidenciando que a manifestação das Rs equilibra essas
categorias, com um “leve predomínio de 40% (por cento) das repetições lexicais.
Deve-se ressaltar que, neste trabalho, caberá apenas o estudo das repetições de
itens lexicais, e de construções suboracionais e oracionais por apresentarem segmentos
discursivos mais recorrentes na construção textual.
3.1.1.1. Repetição de Itens Lexicais
É a produção de segmentos textuais idênticos ou semelhantes que se localizam
mais próximos da M. Esses segmentos apresentam funções diferenciadas porque,
somente o contexto no qual se efetuam, poderá recuperar o sentido, como veremos no
modelo a seguir:
R (adjacentes)- L1- viu E. eu continuo achando que o Brasil tem três
problemas graves educação ... educação e educação.
(D2 REC 05:319-21)
As Rs lexicais, mais distanciadas da matriz, são aquelas que aparecem em
tópicos diferentes e, também, sua ocorrência é menos frequente, comparada à adjacente.
Assim, podemos observar no próximo exemplo:
R (distanciadas) – L1 – tu participas de algum grupo... assim de:: social
EXTRA-universidade assim clube...
((retomando o tópico três minutos após esse turno))
L1 – eu eu eu participo/ eu tenho/ eu sou associada de um cl
(D2 REC 340:137, 185)
Marcuschi (2006) adverte que, em relação às repetições, o único problema é
saber distinguir entre a repetição de uma forma e a repetição de um mesmo referente
discursivo.
62
O exemplo a seguir contextualiza claramente este aspecto:
L2 - [...] a bancar o cavalo do cão não é? Como diziam meus avós
L1 - co::rre cavalo do cão
L2 - cavalo do cão:: entendeu? era uma expressão antiga... cavalo do cão quer
dizer [...]
(D2 REC 266:634-39)
Nesse exemplo, as duas ocorrências de cavalo do cão tipificam a repetição, ao
passo que nas duas ocorrências de cavalo do cão são somente mencionadas.
3.1.1.2. Repetição de Construções Suboracionais
As Rs de sintagmas suboracionais são aquelas que reproduzem partes de
estruturas oracionais dos mais diversos tipos. Às vezes, podem parecer com as Rs
lexicais, de forma que os itens lexicais são “constituintes sintagmáticos plenos” e,
outras vezes, aparecem com o aspecto de Rs oracionais - reduzidas ou com muitas
elisões.
Vejamos o exemplo abaixo:
1 L1 – eu acho que o caminho para uma cristianização
2 cada vez maior ... agora caminha por ...
3 talvez não por caminho direto
4 mas por caminhos indiretos...
63
3.1.1.3 Repetições de Construções Oracionais
Esse tipo de repetição caracteriza-se pela repetição de orações. A diferença que
se pode estabelecer em relação às suboracionais e itens lexicais consiste nas repetições
de construções oracionais, que aparecem mais Rs integrais.
Segundo Marcushi (2006), isso acontece porque as orações são fenômenos mais
complexos, como podemos constatar:
[...]
8 L2 - é um homem inteligente...
9 é um homem culto...
10 é um homem de grande valor
11 é um homem vivido
12 é um homem que tem pressa também
As Rs de construções oracionais são mais operacionalizadas para promover
maior envolvimento entre os interlocutores, e contra-argumentar, quando se tem a
pretensão de impor uma opinião.
3.2. Aspectos Funcionais da Repetição
A repetição, por ser uma atividade muito presente na fala espontânea e natural
cotidiana desempenha papel fundamental nas relações interativas, à medida que seu uso
exerce funções diversas em momentos específicos no qual ocorre a organização textual-
interativa.
Marcuschi (2006) apontou 5 funções exercidas pela repetição, como estratégias
na formulação textual-discursiva. No texto, a repetição tem função coesiva por
sequenciação, e referenciação; e formulativa por reconstrução de estrutura, correção,
expansão, parentetização ou retomada, enquadramento ou destaque.
64
O discurso, por sua vez, possui a função de auxílio à compreensão por
intensificação, reforço e esclarecimento; de organização de tópico discursivo por
amarração intermitente, reintrodução de tópico, delimitação de episódios, atualização de
cena; de argumentação por reafirmação, contraste, contestação; e de promoção da
interação por monitoração de tomada de turno, ratificação do papel do ouvinte,
expressão de opinião pessoal e incorporação de sugestões.
Vale lembrar que, para atender aos propósitos desta pesquisa, somente
abordaremos a repetição no plano da argumentatividade devido considerarmos que, na
narrativa de GG, as repetições são usadas para enfatizar crenças e valores implícitos no
discurso, mas que são operadas para restabelecer princípios morais, éticos, familiares, e
argumentos que visam persuadir o ouvinte dos ideais postulados na sociedade.
3.2.1. Argumentatividade
Nesse caso, as repetições, introduzidas em formato de orações, são usadas no
para conduzir uma argumentação que, geralmente, numa conversa, servem forma para
reafirmar, contrastar ou contestar argumentos.
3.2.1.1. Reafirmação de Argumentos
As repetições cumprem a função de reafirmar um argumento e são avaliadas
como redundância em série, principalmente, quando incide sobre posicionamentos do
falante. Marcuschi (2006) argumenta que muitos falantes “preferem repetir suas
afirmações com material linguístico existente a apresentar novos argumentos” (ibid.,
p. 247).
Vejamos no excerto seguinte:
1 L2 – a mercadoria mais cara no país ...
2 inda é dinheiro
3 como é caro comprar dinheiro [...]
65
(D2 REC 05:497-502)
3.2.1.2. Contraste de Argumentos
Nas Rs com função de contraste, nem sempre a partícula de negação é necessária
para expressar a contraposição dos argumentos, tendo em vista que a negação pode ser
facilmente identificada pela modulação entoacional.
Para tanto, Marcuschi (2006) postula que “as Rs por si sós não são um recurso
que determina o contraste ou que produz argumento; mais do que isso em jogo”
como, por exemplo, quando um falante altera a afirmação de outro indivíduo em uma
indagação. Essa alteração transforma “o ato ilocutório e introduz desacordo ou
surpresa”.
Logo, as repetições podem revelar-se como verdadeiras estratégias que
contrastam argumentativamente, quando pronunciadas com forte carga entoacional.
Observe-se:
1 L1 – agora você quer... você quer ver uma coisa que eu detesto
2 que eu não GOS:to de jeito nenhum
3 é fazer compras
4 L2 - fazer compras? [...]
(D2 REC 340:728-32)
3.2.1.3. Contestação de Argumentos
As Rs de construções oracionais, com função de contestação, estão relacionadas
com a preservação da face negativa
25
dos interlocutores, que estamos falando do
envolvimento interativo que eles prezam por manter. Novamente, o autor ressalta que,
em uma interação simétrica, não há necessidade de preservar a face negativa do
25
Teoria da face negativa: Brown e Levinson (1978), apoiados em Goffman (1970), caracterizaram a face
negativa como o “território” que o interlocutor deseja preservar ou ver preservado durante a interação
comunicativa (Galembeck, 1999, p. 173).
66
interlocutor no ato da contestação, porque “esse tipo de R apresenta menos traços de
polidez” (ibid., p. 249).
Vejamos o seguinte exemplo:
1 L1 – toda vez que posso viajar por terra não viajo de avião
2 L2 – ah não eu não vou por terra aonde eu posso ir de avião
(D2 REC 05:926-29)
O trabalho de Marcuschi (1992, 2006) sobre as estratégias de repetição teve
como base o texto dialogado que se face a face, comum na maioria dos nossos
encontros cotidianos. Portanto, nessa investigação, o autor cria uma metodologia, com
a finalidade de explicitar o papel da repetição na organização textual.
Essa metodologia ofereceu-nos suporte para analisarmos o corpus, uma vez que,
mesmo sendo uma narrativa radiofônica, as estratégias de repetição cumprem as
mesmas funções que visam à interação com a audiência pelo uso da dramaticidade com
o recurso da voz.
3.3. A Argumentação
A argumentação constitui o eixo norteador da retórica. Depois de passar por
crises e questionamentos, e chegar ao declínio, a Retórica ressurge, permitindo que os
estudos da argumentação ganhassem vigor, na segunda metade do século XX, com os
trabalhos de vários pesquisadores, inclusive Perelman e Olbrechts-Tyteca na década de
1970.
A argumentação está presente em toda e qualquer atividade discursiva,
consagrando-se pelo uso de técnicas capazes de “provocar ou ampliar a adesão dos
espíritos às teses que se apresentam ao seu assentimento” (Perelman e Olbrechts-Tyteca,
apud Charaudeau e Maingueneau, 2004, p. 52). Numa abordagem mais simplificada,
argumentar é apresentar propostas e teses que incidam em questionamentos do ‘outro’,
no caso aqui, do interlocutor, para que este possa interagir e manifestar-se de alguma
forma.
67
Dessa forma, a argumentação baseia-se no raciocínio e no propósito de serem
encontrados argumentos para fundamentar a tese ou, então, de serem contrapostos a ela.
Nessa perspectiva, a argumentação constitui-se numa proposição articulada para
influenciar via discurso.
Para que isso aconteça, o leitor/ouvinte deve preparar-se para sofrer a ação do
autor. Araújo (2000, p.68) expõe que “a persuasão do autor sustentar-se-á, basicamente,
através do diálogo, da discussão, renunciando à relação de força e buscando a adesão
intelectual”. Sendo assim, a argumentação é inerente ao discurso, logo, argumentar
implica o modo que a linguagem seleciona os dados com o objetivo de persuadir e de
exercer influência.
Aristóteles via na retórica um meio de apreender a verdade apresentada nas
ações e práticas humanas e acreditava que isso era verificável na língua, passando a ser
o foco de observação. Com o tempo, a noção de verdade perde força na Retórica e passa
a relacionar-se com o aspecto da persuasão, que possibilita ao homem exteriorizar
opiniões e representações acerca do mundo, sempre por meio de argumentos usados
para fins específicos.
De acordo com Mosca (2001, p. 21), o discurso convincente é aquele que
“consegue fazer o público sentir-se identificado com o seu produtor e a sua proposta”,
mediante dois tipos de provas apresentadas, cujos objetivos compreendem a comunhão
de ideias objetivas e subjetivas.
Em se tratando das provas objetivas, elas evidenciam o próprio discurso, ou seja,
como o raciocínio constrói o discurso. As subjetivas, por sua vez, estão ligadas aos
aspectos da interação subjetiva e ao caráter de quem expõe o raciocínio, no caso o
enunciador, bem como busca provocar paixões do enunciatário. Trata-se de organizar
todos os argumentos do discurso, a fim de que a eficácia seja garantida.
A adesão ao enunciado depende, essencialmente, de como as ideias apresentadas
viabilizam o raciocínio na atividade discursiva. Mais do que a aparência, o caráter do
locutor é significativo porque dele emanam componentes psicológicos e ideológicos,
evidenciado no discurso, e que pode ser entendido como critérios de percepção do
mundo externados pela linguagem. Com relação ao componente ideológico, o locutor
deve estar ciente de que o ouvinte é um indivíduo inscrito em uma instância social, da
68
qual provêm suas crenças e valores, e isso contribui para que o locutor esteja ali, diante
dele, para, se for necessário, contrapor-se. Segundo Araújo (2000), “o locutor vai-se
adequar ao ouvinte, construindo a imagem das motivações que o movem” e que
somente efetivam-se mediante conhecimento prévio do ouvinte/público que interage
com o locutor.
Outro aspecto a ser considerado, consiste no fato de que o locutor e o ouvinte
estão firmados em propósitos subjetivos; aquele, visa convencer e persuadir o ouvinte;
este, também vislumbra influenciar o locutor:
Enquanto o ato de convencer se dirige unicamente à razão, através de
um raciocínio estritamente lógico e por meio de provas objetivas (...)
o ato de persuadir, por sua vez, procura atingir a vontade, o
sentimento do(s) interlocutor(es), por meio de argumentos plausíveis
ou verossímeis e tem caráter ideológico, subjetivo, temporal [...]”
(Koch, 1984, p. 20).
Nessa perspectiva, tem-se concretizado no discurso, não somente a pessoa, mas
a imagem do locutor, que imprime toda a competência para o interior do discurso.
Araújo postula que “a imagem do locutor se revela no discurso em termos de ações
verbais enquanto estratégias discursivas, que levam para o interior do discurso a sua
competência” (2000, p. 70) .
Perelman e Tyteca, no Tratado de argumentação, apresentaram novos conceitos
sobre o discurso persuasivo, ao dizerem da força que o logos assume ao agir sobre os
outros, no tocante à palavra e à razão. Além da palavra proferida, temos, por parte do
ouvinte, uma disposição em relação aos que falam (ethos) e a forma de reagir dos que
ouvem (pathos) (Mosca, 2001).
Tais elementos constituem-se na essência da retórica, desde a antiguidade, salvo
algumas perspectivas apontadas em estudos mais atuais. Dessa maneira, a teoria da
enunciação, postulada por Benveniste, apresenta a enunciação como a apropriação da
língua pelo sujeito que assim pode dizer o que tem a dizer” (Guimarães, 2002, p. 12).
Nesse sentido, todo discurso deve ser entendido como uma construção retórica,
pelo fato de que se pretende levar ao destinatário compartilhar de ideias sobre
69
determinado assunto, advindas de um mesmo ponto de vista que exerça influência sobre
o receptor.
Mosca considera que do conceito de Retórica divergem dois ramos
fundamentais que definiram novos caminhos para essa ciência: o estudo da produção
literária e o estudo da produção persuasiva, que interessa ao nosso trabalho. Para a
autora, argumentar é uma forma que os indivíduos encontram de expressar seus ideais,
de persuadir o receptor da mensagem no ato comunicativo (ibid., p. 23-4).
Após esses esclarecimentos sobre a argumentação, analisaremos a repetição na
função argumentativa no discurso de GG que, por sua vez, atua persuasivamente sobre o
ouvinte. Para isso, foi preciso apreender a origem da argumentação na Retórica, para
que pudéssemos delimitar seu campo de atuação e compreendê-la nessa dissertação. No
entanto, não nos deteremos em especificá-la detalhadamente.
Por conseguinte, queremos ressaltar que também será destacado somente o
aspecto da autorrepetição, por ser uma situação comunicativa pontuada no programa de
rádio, em que somente o locutor, GG, tem a palavra. Como foi exposto, nesse quadro
interativo, é somente o locutor que mantém a palavra, restando apenas ao ouvinte
comunicar-se por carta ou por telefone.
No entanto, ocorre dialogicidade à medida que o ouvinte atento segue pistas
linguísticas, que o locutor introduz na narrativa, convidando-o a participar de todo o
processo de desenvolvimento da narrativa fantástica. Assim, julgamos que todos os
subsídios teóricos desenvolvidos até aqui, contribuirão para sedimentar a análise do
corpus de pesquisa.
70
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DO CORPUS
Preliminares sobre a Narrativa
Diferente da ficção literária em que a história é inventada, o programa no rádio
constitui-se numa instância midiática que não tem a mesma liberdade de criar uma
história, haja vista sua responsabilidade de informar sobre fatos que ocorrem no espaço
social. Por isso, o programa trabalha com acontecimentos reais fornecidos por instâncias
como delegacias, IML e também pelos próprios ouvintes que contam suas histórias.
O acontecimento policial passa por um trabalho de transformação, pela equipe
de jornalismo no rádio, conferindo-o à forma de narrativa com as técnicas próprias do
ofício. Como instância midiática, algumas limitações que se prendem às
possibilidades do suporte e do dispositivo do rádio porque veicula um acontecimento
“exterior a si mesmo”.
As representações humanas que já aconteceram no espaço social e que devem
ser transmitidas, levam em conta, principalmente, potenciais diegético
26
, de atualidade e
dramatização (cf. Charaudeau, 2006, p. 157). Portanto, o objetivo almejado é prender a
atenção do ouvinte por meio de estratégias, necessárias nesse meio, durante a
construção da narrativa.
Para isso, vale-se, essencialmente, de técnicas imprescindíveis, ao atualizar um
acontecimento, desenvolvendo um roteiro na reconstituição da narrativa, sendo preciso
levar o público-ouvinte a ter uma opinião sobre o ocorrido e a comungar das opiniões
implícitas no discurso.
O narrador deve estar atento à sequência de ações, garantindo a progressão do
texto narrativo, seja qual for a credibilidade do fato informado. Por isso, essa posição o
26
O potencial diegético remete ao próprio ato de contar o acontecimento com riqueza de detalhes,
segundo Charaudeau (ibid.).
71
obriga a atestar o acontecimento, mediante forte empenho para que todos detalhes
sejam revelados durante a reconstituição da história, que se encontra fora do tempo real
do acontecimento. Como o fato, em si, já se consumou, é a narrativa que o traz à
superfície, obedecendo a ordem cronológica do acontecimento, criando a ilusão de que
o caso desenrola-se no exato momento da narração – “aqui” e “agora”.
O relato do que aconteceu prima por uma organização de elementos que
encadeiam as ações. Portanto, é necessário considerar que a narrativa policial recebe
tratamento especial, dramático mesmo, porque seu relato parte de um acontecimento do
mundo no qual a vida e as ações dos homens estão representadas. Com todo domínio e
habilidade, o narrador tem em mente todas as cenas, que são descritas com o fim de
reconstituir para o ouvinte o cenário do fato acontecido.
Para reconstituir cada cena, como estratégia de arrebatamento, ou seja, de atrair
a atenção, o narrador procura dar uma força ilocutiva na entonação de voz, para que
haja resultados de efeitos sobre o ouvinte. Tudo é conduzido para que, desde o início,
ocorra uma expectativa logo na abertura da história. Apesar de os fatos não serem
mostrados diretamente, é imprescindível o trabalho do narrador que tenta, por analogia,
reconstituí-los da forma mais realista possível.
Nessa perspectiva, a instância midiática assume e cumpre a posição ambígua à
semelhança de um narrador literário (Charaudeau, 2006). Com essas considerações,
queremos explicitar que este capítulo será desenvolvido de forma a abarcar dois
momentos distintos na análise.
No primeiro momento, faremos uma análise da construção da narrativa policial
de GG. Para isso, precisaremos também tomar o texto como campo discursivo, no
intuito de analisar quais estratégias linguístico-discursivas foram empreendidas pelo
locutor, para tecer possíveis relações de significado pela forma como constrói a
narrativa. O ponto em questão é mostrar que o ato de enunciar implica em propósitos
implícitos na elaboração da narrativa. Ao fazer determinadas escolhas lingüísticas, o
narrador espera que o ouvinte reconheça as marcas do texto e as interprete, segundo os
valores que a ela (narrativa) subjaz.
No segundo momento, faremos também uma análise sobre a estratégia que mais
se evidencia na narrativa de GG a repetição. Queremos observar que a repetição
72
constitui-se numa prática comunicativa desse locutor, que é a argumentação.
Entendemos que, além de ser um fenômeno linguístico motivador à compreensão do
ouvinte, visando à permanência da interação entre ambos, também, é uma estratégia
usada com teor argumentativo. Nesse sentido, privilegiamos diversos estudos que
fundamentam esta dissertação, a saber: a Linguística Textual, a Análise do Discurso e a
Análise da Conversação.
Consideramos que a progressão da narrativa dá-se principalmente em função da
estratégia da repetição porque, ao mesmo tempo em que o processo de repetição
viabiliza maior interação entre locutor e ouvinte, também possibilita a diminuição da
taxa informacional, uma vez que há muitos detalhes a serem descritos ao público.
Desta forma, a escolha da crônica policial de Gil Gomes, que constitui o corpus
desta pesquisa, tem como princípio comprovar que as repetições não são apenas
procedimentos tautológicos, mas seu uso remete-se à natureza do elemento repetido e à
intencionalidade de quem repete.
No caso, formular repetição não deixa de ser um procedimento pertinente ao
processo interativo. No rádio, o locutor precisa empenhar-se para prender a atenção do
ouvinte, que essa mídia prevê a possibilidade de o interlocutor sentir-se seduzido por
qualquer outro som que o toca à distância. Uma vez que o discurso do rádio é percebido
pela audição, cabe ao locutor estimular a aproximação do ouvinte, pois a atividade de
entendimento do receptor começa na percepção do conteúdo sinalizado.
Tendo em vista a singularidade de sedução que essa mídia desenvolve para
capturar a atenção do ouvinte, é que escolhemos a crônica policial transmitida pela rádio
Tupi AM; veículo esse que, como analisamos no primeiro capítulo, tem como perfil de
ouvinte pessoas cujo grau de instrução é baixo, perfazendo um público considerado
popular. Isso não significa que a classe média não faça parte do público desse programa,
mas o índice mostra-se menor.
Por questões metodológicas, para tornar nossa análise didática, optamos por
privilegiar apenas alguns excertos do nosso corpus que evidenciassem a repetição na
função argumentativa. Julgamos que a narrativa policial escolhida, veiculada em 18
dejaneiro de 2007, é suficiente para elucidarmos os objetivos aspirados por este
73
trabalho. Antes de começarmos a análise propriamente dita, achamos conveniente fazer
um breve resumo sobre a história na qual nos debruçamos como analistas.
A história trata de um maníaco que atacava as vítimas somente em dois dias da
semana: segunda ou sexta-feira. Durante muito tempo, este detalhe intrigou a polícia
porque as vítimas abusadas, que deram queixa, são moradoras de cidades margeadas
pela Via Dutra.
Muitas vítimas foram ameaçadas de morte pelo maníaco e, receosas, não
registraram queixa à polícia, mas aquelas que o fizeram, ajudaram a polícia a traçar um
plano para capturá-lo. Ao ser preso, a polícia descobriu que se tratava de Sérgio
Verdini - um consultor de seguros, que semanalmente viajava para Volta Redonda,
cidade do Estado do Rio de Janeiro.
No percurso entre São Paulo e Rio de Janeiro, o maníaco fazia suas vítimas. Isso
significava que atacava as vítimas na segunda-feira ao ir para o Rio de Janeiro e, na
volta, sexta-feira, atacava em São Paulo. Também descobriram que era morador de São
Paulo, separado e tinha um filho de cinco anos de idade. Durante o interrogatório para
esclarecimentos dos fatos, o maníaco revelou a polícia que, quando menino, havia
sofrido abuso sexual.
4.1. Análise da Narrativa “O maníaco da Via Dutra”
Convém destacar que o início da narrativa tem a entrada in medias res, estratégia
muito frequente do locutor GG que, para prender a atenção do ouvinte, começa o relato
no meio de uma ação iniciada. Essa forma de começar a narrativa é frequente em
filmes policiais, para suscitar maior clima de suspense (Reuter, 2002, p. 94).
A narrativa começa com a descrição de uma cena impactante, em que se busca
articular o clima de mistério e de sentimento de pavor da primeira personagem da
história. No entanto, o narrador prefere congelar a cena para explicitar sobre casos que
despertam atenção de autoridades do interior de São Paulo, do Vale do Paraíba, e do
estado do Rio de Janeiro.
74
Para atrair a atenção do público, o locutor tem a preocupação de apresentar os
actantes pelo nome, idade, profissão e residência, para que facilmente sejam
identificados. Sobre o início da narrativa, Maingueneau (1996, p. 187) explicita que, a
fim de situar seus universo ficcional, o narrador deve fazer entrar “um certo número de
elementos no domínio de saber do leitor”.
Vale ressaltar que o limite de tempo da narrativa no programa concorre para que
todo o discurso do narrador seja organizado em determinado prazo, uma vez que o
objetivo a que almeja é a persuasão do ouvinte.
Logo na abertura da narrativa, nas linhas (1), (2) e (3), o público é impactado
pela descrição da cena de terror e pânico da situação em que se encontra a personagem:
L (linha)
(1) (M) “Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::...(R) ou seria estupra::da:
(R) ou seria
(2) assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro... ou assassinato...
O exemplo apresenta a repetição dos segmentos com variação, para colocar em
foco detalhes que auxiliarão o ouvinte a compor o sentido central da narrativa. Na linha
(1), tem-se a matriz (M): Ela sentiu:: o pior estava para acontecer::.., e em (L2), o
locutor reproduz a repetição (R) da matriz com variação: [...] Ela sentiu:: ou seria
estuprada:: ou seria assassinada [...]. Nesse contexto, a repetição ocorre para
esclarecer o termo “o pior”, evidenciada na matriz.
O termo (o pior) é um modificador avaliativo (Koch, 2006, p. 98) que assegura a
orientação argumentativa, bem como promove a progressão do texto. Por isso que a R
se de maneira contígua à matriz, para esclarecer ao ouvinte qual seria a situação em
que a personagem se encontra. O narrador recategoriza o sentido da L2 com a alteração
75
das expressões verbais ou seria estuprada ou seria assassinada” para a nominal: ou
estupro ou assassinato.
Pela análise desse excerto vemos a preocupação do narrador em criar um efeito
aterrorizador pela descrição da cena. Para começar, GG recorre ao uso de forma
remissiva referencial, como a catáfora
28
, expresso pelo pronome pessoal de pessoa
ela –, não identificando, de imediato, a primeira personagem que coloca em cena.
Consideramos catafórica porque somente mais adiante no texto é que saberemos
a quem a forma remissiva faz referência. Pode-se perceber que GG procura fixar o
drama da cena que se estende diante do ouvinte sem, no entanto, deixar de construir um
clima de suspense.
(2) (M) “[...] ... ela estava
(3) ATERRADA... (R) ela estava::... assusTAda::
O enunciador repete o referente pela pronominalização ela nas linhas (2) e
(3), para expressar o sentimento de pavor e de impotência frente ao agressor. Nesse
sentido, GG procura esclarecer as ideias que, aos poucos, compõem o texto e, para isso,
recorre às atividades de formulação, à medida que constrói linguisticamente o
enunciado.
Ao converter o acontecimento, por meio do processo narrativo, cabe ao narrador
tornar o enunciado o mais compreensível possível ao ouvinte. No rádio, o narrador tem
diante de si somente um script do acontecimento, restando-lhe um trabalho de
montagem e dinamização dos fatos, com a finalidade de incitar o ouvinte a compartilhar
entusiasmo ou indignação.
Nesse exemplo, temos como enunciado de origem a (M): ela estava ATERRADA
e a repetição com paráfrase (R): ela estava::... assusTAda::.
Assim, o locutor faz uso de paráfrase para formular e reformular as ideias que
cooperam linguisticamente para a progressão do texto, respeitando o encadeamento dos
28
A referência catafórica ocorre quando o item antecipa outro no texto (Araújo, 2000, p. 84).
76
fatos e das ações das personagens. As atividades de formulação são necessárias, pois
têm em vista dar “formae “organização linguística” ao conteúdo, segundo esclarece
Hilgert (2001, p. 107).
Para o pesquisador, o falante tem uma preocupação com o “dizer” e com o “que
dizer”. Assim, conforme a narrativa prossegue, o enunciador imprime uma “série de
marcas responsáveis pela caracterização específica de sua formulação” (Hilgert, 2001,
p. 107). Mais do que ninguém, o narrador sabe que é preciso recorrer a tais
procedimentos para alcançar o objetivo comunicacional – a interação com o ouvinte.
As repetições oracionais evidenciam aspectos formulativos necessários para
manter a progressão textual. Assim, GG constrói a repetição com paráfrase para
acentuar o drama que se instaura na cena, pretendendo chocar o ouvinte com a
descrição de detalhes que, por sua vez, aumenta o suspense.
(3) [...] um caso:: que está chamando a
(4) atenção do interior de São Paulo:: do Vale do Paraíba e também parte do
(5) Estado do Rio de Janeiro::.. [...]
O narrador compreende que é preciso situar o ouvinte na narrativa, por isso GG
indicações precisas correspondentes ao universo geográfico do público. Essas
definições exatas ancoram a narrativa na realidade dos fatos, trazendo maior
credibilidade à narrativa.
A descrição de todos os lugares, nos quais a história situa-se, corrobora para
determinar e orientar a sequência das ações durante o desenvolvimento do texto. Note-
se que, até mesmo, a forma como os lugares estão dispostos mostram os caminhos
percorridos pelo maníaco ao efetuar o ataque às vítimas.
(5) “[...] (M) quem é:: (R) quem é aquele homem. ”
77
Na linha (5), a personagem do maníaco começa a ser revelada. Inicialmente, o
narrador questiona, de forma indireta, sobre quem seria “aquele homem”. Esse
segmento traz um caso de R lexical adjacente para dar noção de ênfase. A repetição é
uma estratégia usual do locutor, enquanto está formulando o texto. Nesse sentido, ele
faz uso do pronome interrogativo direto, quem, no intuito de provocar a curiosidade do
ouvinte e prender a atenção do público para os desdobramentos da história.
A descrição de um ambiente inquietante caracteriza o efeito de dramaticidade
instaurada, durante o desenvolvimento dos fatos.
(5) [...] quem é:: quem é aquele homem:: um maníaco
(6) doente ou seria um demônio [...]”.
Pode-se observar nas L5 e L6, que o narrador prossegue e, novamente, retoma o
referente aquele homem”, agora por meio de uma substituição lexical - um maníaco /
um demônio. o primeiro termo - maníaco, faz parte do conhecimento do ouvinte
como uma figura real, parte do mundo; o segundo retoma o referente “homem” e
hiperboliza o referente, comparando-o com a figura de “demônio”, identidade da crença
cristã como representação do mal.
Na expressão quem é aquele homem, o narrador usa o verbo ser no presente do
indicativo, mas, logo depois, questiona o interlocutor com o uso do verbo ser no futuro
do pretérito, ao compará-lo a um demônio. Segundo Galembeck (1999, p. 178), nesse
segmento está contida a idéia de “julgamento ou apreciação” do locutor, frente à
caracterização do personagem que começa a ser feita a partir desse ponto na narrativa.
Outro dado interessante é que, ao introduzir o referente - o maníaco,, o narrador
constrói textualmente a personagem com o emprego de descrições indefinidas, com
função anafórica: um maníaco / um demônio / um homem (linha 09). Depois o referente
passa a ser construído com o emprego de descrições definidas: este homem (linha 11) /
o estuprador (linha 14) / o maníaco (linha 40). Ao referir-se à mulher, o narrador usa a
mesma estratégia de construção da personagem: uma mulher (linha 28), depois: a
mulher (linhas 30, 31, 34, 35), a moradora (linha 37).
78
Interessante notar que o ouvinte não perde o referente porque em todo
momento as designações da personagem como maníaco ou demônio, são trazidas à luz
da narrativa. No propósito de persuadir os ouvintes, GG apresenta argumentos
relevantes, por considerá-lo uma ameaça à sociedade.
Ao mesmo tempo em que expõe a figura do actante ao público, GG também
persuade o ouvinte a compartilhar das mesmas crenças. Para isso, o narrador não se
preocupa em tratar o referente pelo nome, mas pelas ações.
As retomadas das designações “negativas” mostram que as repetições
referenciais acontecem, ao longo do fluxo narrativo, mas que tornam notório o único
eixo sob o qual a narrativa toda está construída: a luta do “bem” contra o “mal”. Para
manter o suspense, o personagem é totalmente despersonalizado pelo narrador que faz
questão de manter a identidade do estuprador em sigilo.
(6) “[...] quem é:: quem é aquele homem::
(7) (M) ele começou agora ou (R) será que não::
(8) (R) ou será que atacava em outro lugar [...]
A expectativa cresce com as palavras do narrador que sempre interroga o
ouvinte, quanto à identificação do personagem. As perguntas feitas à audiência aguçam
a curiosidade e aumentam a expectativa em torno do relato. Essa é uma forma de deixar
a narrativa em suspense, para definitivamente compor o quadro.
No exemplo da L7, vemos que o narrador constrói o discurso tendo em vista a
matriz, repetindo a mesma estrutura, tornando o verbo elíptico (começou) para enfatizar
a dúvida e causar suspense em relação a forma de atuar do homem.
No excerto anterior, observamos a estratégia de progressão referencial
anafórica
29
pelo uso do pronome ele, que remete para “aquele homem”. O narrador
privilegia o mistério, sem revelar a identidade do maníaco.
29
A referência anafórica é “quando o item de referência retoma um signo já expresso no texto”. (Fávero,
2002. p. 13)
79
(8) “[...] Fevereiro de 2005 ele apareceu [...]
Assim como a indicação do espaço físico em que ocorrem as ações, a narrativa
não prescinde da indicação temporal. Para a progressão do texto e encadeamento lógico
narrativo, a indicação das datas é importante porque confere referencialidade temporal à
narrativa e situa as ações cronologicamente, como também ajuda o ouvinte a traçar toda
a trajetória da trama.
É interessante notar que a narrativa reconstrói um fato acontecido e tem o
poder de instaurar a aparente sensação de que é trazido para o “aqui” e “agora”, criando
a ilusão de que o fato acaba de acontecer. Por isso, na linguagem, os dêiticos temporais
são elementos importantes para marcar a passagem de tempo entre uma ação e outra.
Nesta direção, os dêiticos são fundamentais na organização de sequências
narrativas, de modo que tudo forme uma unidade de sentido na imaginação do ouvinte.
O primeiro elemento temporizador marca o mês e o ano em que o maníaco fez sua
primeira vítima. Isso não significa que não tenha havido outras, mas, na narrativa, foi o
primeiro caso constatado.
Como pode-se observar, após a marcação temporal, outra vez o item de
referência ele retoma a palavra identificada no texto, no caso, o “homem”. Sobre
esse dado, Fávero (2002, p. 18) salienta que “há certos itens na língua que têm a função
de estabelecer referência, isto é, não são interpretados semanticamente pelo sentido
próprio, mas fazem referência a alguma coisa necessária a sua interpretação”.
(9) “[...] garotas > adolescentes > mulheres assusTAdas:: apavoRADas::[...]”
A narrativa progride e o narrador encontra-se numa perspectiva em que domina
todo o saber dos acontecimentos. GG é onisciente, pois conta tudo o que vê. O suspense
aumenta quando cada detalhe é descrito na cena, com o propósito de cativar o ouvinte
para o que virá depois.
A seguir, o narrador desperta interesse do interlocutor, formado pelo público
feminino, ao empregar termos dispostos numa gradação reformulada por paráfrase,
80
cujo sentido vai do específico para o geral. Aqui o conflito começa a ser delineado,
para mostrar que o maníaco não faz distinção em se tratando da idade da vítima.
GG chama a atenção do ouvinte para causar pavor e comoção porque as
“mulheres” estavam assustadas e apavoradas por saberem que havia um maníaco, em
algum lugar, pronto para agir. A introdução de adjetivos revela a intensidade do drama
em que a ação está envolvida, uma vez que o sentido semântico torna-se mais acentuado
para dizer que, pior do que estar assustada, é estar apavorada. O sentimento de pavor
sobrepõe-se ao sentimento de assustar-se.
(10) ho::mem:: meio gordo: meio gordo branco cabelos pretos curtos:: es-tu-pra-
(11) dor este ho:: mem: meio gordo:: branco:: cabelos pretos curtos:: está
estuprando:: [...]
(58) “[...] um homem branco:: meio gordo:: de cabelos pretos
(59) curtos [...]”.
Toda a rede de relações, no texto, apresenta sua construção em avanços e
retomadas de referentes que ajudam na progressão textual e criam unidades de sentido
ao ouvinte. Note-se que o enunciador elenca detalhes e os repete para que o ouvinte
construa a imagem do infrator.
Nessa estrutura, evidenciamos que o fluxo informativo progride devido à
recorrência de informações novas em relação ao referente “homem”, informação já dada
no texto. Falamos aqui de outro processo imprescindível nas relações coesivas, no
texto, que é a coesão recorrencial.
Fávero (2002, p. 26) postula que a coesão recorrêncial corrobora para o
desenvolvimento do discurso. Dentro dessa concepção, esse tipo de coesão exerce a
função de “articular a informação nova”, portanto, informação conhecida, à velha”
informação, contextualizada ou mencionada anteriormente no discurso.
81
Isso explica a progressão linear de elementos instaurados pelo discurso na linha
(10): (homem) = meio gordo > branco > cabelos / pretos / curtos. Na linha (11), GG
repete, obedecendo à mesma ordem destacada anteriormente. Esse exemplo evidencia
como o referente principal, no caso maníaco, é construído textualmente. Os novos
dados vão caracterizando a figura do agressor pela descrição física e o ouvinte tem
condições de construí-lo mentalmente.
(10) e (11) “[...] es-tu-pra-dor [...]
(11) e (12) [...] está estuprando sem parar [...]
Desde o início da narrativa, o narrador identifica o personagem como “este
homem”, sem revelar o nome. Mas, a primeira menção em relação a essa pessoa é
estuprador. A associação dos atos à pessoa é comumente conhecida por designação.
Desde a Retórica, o orador fazia uso da designação para impressionar o ouvinte,
conforme desenvolvia os fatos. Os retóricos postulam que a designação da personagem
por certos traços consiste em deixar “imutáveis certas características cuja estabilidade
fortalece a da personagem”, segundo esclarecem Perrelman e Olbrechts-Tyteca (op. cit.,
p. 335).
Ao designá-lo como estuprador, o narrador retarda o esclarecimento do nome,
sem, no entanto, deixar de acentuar a impressão de permanência marcada pelo
predicativo originário do comportamento anormal.
Pode-se notar o destaque ao denominá-lo como estuprador, pelo modo como
pronuncia em recorte silábico a palavra es-tu-pra-dor -, que não deixa de causar
suspense. Assim, o referente “um homem é recategorizado metaforicamente pela
escolha de um termo que estabelece relação com a prática de agir: estuprador.
(12) “[...] e as características:: a maneira de agir:: sempre a
(13) mesma coisa sempre ele age do mesmo do mesmo modo da mesma maneira
[...]”
82
O narrador intensifica a forma como conta a narrativa, no intuito de orientar o
ouvinte para a próxima cena, uma vez que descreve a forma de atuar do maníaco ao se
aproximar da vítima. Assim, ele prepara o interlocutor para se comover com o
sofrimento da vítima, uma vez que é enfático ao enunciar que o maníaco segue um
padrão de comportamento no instante em que aborda a vítima.
A estratégia ganha maior dinamicidade ao empregar a força ilocutória nas
repetições e nas paráfrases, com o propósito de reforçar a imagem negativa do maníaco,
sem mesmo ter esclarecido ao público o comportamento dele. Isso seve para deixar mais
intenso o clima de suspense que envolve a narrativa e para segurar a atenção do ouvinte.
Podemos observar a reiteração dos advérbios de intensidade sempre e o de
modo, o mesmo modo, seguidos da paráfrase, a mesma maneira, para intensificar o
modo de proceder do tarado.
(14) “[...] isto mes::mo este homem:: o estuprador ele tem um Fiat Uno
Branco::ele/os
(15) vidros com aquele:: insufilm com aquele plástico não é plástico:: é:: é:: uma
(16) aplicação de plástico (vo)cê sabe que é fica bem escuro [...]
(73) vários:: cobert/com várias coberturas:: com várias coberturas:: com os vidros
(74) cobertos por aquela película de insufilm [...]
Outro dado a ser somado ao clima de suspense é que o estuprador tem um carro
Fiat Uno Branco -, com o qual aproxima-se das vítimas e pratica os delitos. Ao
abordar as vítimas, o estuprador finge estar perdido e busca informação, junto às
mulheres, que se aproximam do veículo para explicar e de imediato são recebidas com
uma arma em punho e depois atraídas para dentro do carro e violentadas.
Durante o desenvolvimento da narrativa, o narrador relaciona o Fiat Uno Branco
à figura do estuprador, tomando por base o carro, que é o veículo de transporte e espaço
83
onde ocorrem os estupros. No entanto, encontramos a descrição do carro, cuja
referência é feita por meio do processo de reiteração, em que vários enunciados
aparecem, respectivamente, a marca (Fiat), o modelo (Uno) e, depois, a cor (Branco).
Podemos observar isso nas linhas (16), (26), (47), (59), (73), (78-9), (86), (98),
(104 Fiat Uno) e (108 Fiat). Em todos os excertos exemplificados, encontramos os
elementos que estabelecem relação hiperonímica, ou seja, ao designar o modelo, a
marca e a cor, o enunciador associa o referente baseando-se do todo para a parte
(Araújo, 2000, p. 97-8).
Além do modelo, da marca e da cor enunciar do veículo, GG também faz
referência à película que recobre os vidros deste. Esse recurso de descrição do veículo é
muito importante para que o ouvinte visualize mentalmente o lugar onde o estuprador
agride as vítimas.
Verifica-se a importância do nível informacional que o narrador faz questão de
passar ao ouvinte. Nessa relação comunicativa, o objetivo é elucidar fatos, alertar sobre
o perigo e relatar a verdade. O que se espera, na verdade, é que o ouvinte se previna
contra essa forma de abordagem. Nas linhas (15 e 16), o narrador esclarece que insufilm
é um plástico. que, mais adiante, ele se corrige e retoma o mesmo referente,
explicando que não se trata de um plástico, mas de uma aplicação de plástico com
várias coberturas. Ao fazer isso, o enunciador retoma diversas vezes o mesmo referente
plástico , porém, um pouco mais adiante, GG reformula pela paráfrase, ao usar
película de insufilm.
Sabemos que insufilm impede a visão de fora para dentro do veículo, de forma
que o narrador alerta o interlocutor sobre o perigo de alguém se aproximar de um
veículo, cujos vidros impedem que alguém de fora veja “quem” está dentro e “o quê”
está acontecendo dentro dele.
O narrador está ciente da constituição do público-ouvinte, geralmente, designado
como ‘povão’, em virtude da baixa escolaridade, pela classe mais abastada da
sociedade. Por isso, GG esforça-se para explicar o tipo de material escuro, que recobre
os vidros do veículo, até por acreditar que a palavra insufilm poderia ser desconhecida
para os ouvintes.
84
A escolha do termo mais apropriado, para explicar o fato narrado, consiste em
um recurso usado na narrativa radidofônica, a fim de que o ouvinte possa delinear toda a
trama da história. A escolha referencial para designar como o referente “vidro” é
construído textualmente, ora é apresentado com descrições definidas: com aquele
insufilm com aquele plástico, ora com descrição indefinida: uma aplicação de plástico,
na tentativa de elucidar o termo para o público-ouvinte.
Koch (2006) postula sobre esse recurso discursivo “trata-se, em geral, da
ativação, dentre os conhecimentos supostamente partilhados com o(s) interlocutor(es)
[...], de características ou traços do referente que o locutor procura ressaltar ou
enfatizar” (p. 87). Dessa forma, para caracterizar traços do referente, pode-se dizer que
as repetições são usadas para facilitar a compreensão do ouvinte à medida que cumprem
a função de esclarecimento. Portanto, no texto, o narrador faz progredir a narrativa,
utilizando expansões sucessivas que ocorrem por meio da repetição, ora com variação,
ora com paráfrase - insufilm / aplicação de plástico.
(22) “[...] foi no dia vinte e um de fevereiro
(23) deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de
(24) São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: vinte e um de fevereiro:: vinte e
(25) um fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira
queixa::[...]”.
Na narrativa midiática, cada ação que compõe a história deve ser descrita e
reconstituída, obedecendo com rigor à lógica do encadeamento dos fatos, a fim de que a
narrativa mostre coerência. Desse modo, a descrição de todos os dados é marcada por
uma sequência cronológica que deve ser respeitada, para que o ouvinte possa relacionar
as ações das personagens com o ‘onde’ e ‘quando’ aconteceram os fatos.
O dêitico temporal (vinte e um de fevereiro deste ano) e o dêitico espacial
(Cachoeira Paulista) fornecem uma informação completa sobre o dia e local exato da
ocorrência do primeiro caso de estupro do maníaco, a partir do relato da primeira queixa
registrada na polícia. Ao reconstituir os fatos, alguns detalhes são resgatados, pelo
85
narrador, para que haja a composição da narrativa, isto é, o enunciador aplica diversos
procedimentos para obter o efeito real do fato acontecido.
A referência por meio da reiteração de elementos no texto que mantém uma
relação hiponímica, uma vez que o referente faz remissão a outro referente presente no
texto: Cachoeira Paulista > Vale do Paraíba > interior de São Paulo. Note-se que o
sentido parte do particular para o geral. O espaço está bem marcado pela reiteração
informativa. O dia e ano do ocorrido também são destacados, no momento em que o
narrador expõe os fatos para situar o ouvinte na narrativa.
(26) “[...] foi registrado:: o primeiro estupro:: do monstro:: do monstro:: do Fiat
Uno”
Como vimos anteriormente, nas linhas dos enunciados (6) e (20), a personagem
do maníaco foi caracterizado como demônio e, agora, “monstro”. Essa recorrência de
itens lexicais traz um acréscimo de sentido para o texto, pois facilita a categorização do
personagem. Além disso, o narrador escolhe uma metáfora
30
para recategorizar o
referente - homem/maníaco, como demônio e monstro, devido à semelhança que se
estabelece entre o personagem e suas ações.
(27) “[...] calmamente:: calmamente:: ele parou aquele carro:: abaixou o
(29) “[...] naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave[...]
(31) [...] mas ele fingiu que não ouviu :: ele fingiu que não
(32) entendeu [...] e fez sinal com a mão[...]
No trecho anterior, pode-se compreender a estratégia de aproximação que o
maníaco aplica ao interpelar a vítima. Note-se que, para construir textualmente o modo
de agir do maníaco, o narrador constrói uma série de orações, com a mesma estrutura,
mas com diferentes conteúdos.
30
Mosca (2001, p. 35) postula que a metáfora foi definida por Aristóteles como “a capacidade de
perceber semelhanças”.
86
A série de orações propostas faz caminhar o fluxo informacional na superfície
do texto, garantindo o desenvolvimento textual pela linearidade evidenciada na
sequenciação temporal e que constrói o efeito da realidade.
No excerto anterior, repare que há uma ordenação dos elementos que, se
alterados, nos impedem de apreender o sentido: parou > abaixou > perguntou > fingiu
> fez. Essa ordenação leva o ouvinte a relacionar a sucessão de ações ao tempo
correspondente do enredo (Fávero, 2002), de forma objetiva, sem precisar detalhar
minuciosamente a ocorrência de cada um desses movimentos implicados na narrativa.
No excerto (27), temos um exemplo de repetição do modalizador afetivo
(Castilho, 2006) caracterizado pelo advérbio calmamente. Segundo o autor, o uso
desse modalizador expressa a reação pessoal do narrador diante da cena que o
estuprador aproxima-se da vítima. Ainda que o narrador esteja contando a história,
devemos ter em mente sua onisciência em face de todos os acontecimentos. No caso,
GG sabe o que se passa no interior da personagem.
Observa-se um caso de elipse, que é um mecanismo de coesão textual bastante
recorrente, tanto em “abaixou o vidro do carro” quanto em e fez uma pergunta para
uma mulher”. A elipse, nesse caso, refere-se à omissão do pronome (ele) na construção
do enunciado. Entretanto, o ouvinte, como está ciente de que é do maníaco que está se
falando, acaba por fazer relações estabelecidas textualmente.
Trata-se também que em outras orações, o referente “maníaco” aparece
reproduzido pelo pronome anafórico ele sempre na posição de sujeito. Outro exemplo
de sequência temporal pode ser confirmado na linha (78) “[...] violentou:: ameaçou e
fugiu:: no Fiat Uno [...]”.
Deve-se considerar que em nenhum momento o narrador designa a mulher pelo
nome. A única identificação relacionada à personagem é o lugar onde o delito ocorreu,
pelo qual passa a ser identificada como a primeira vítima do maníaco.
Na linha (37), GG retoma o referente - mulher, ao fazer referência: a moradora
de Cachoeira Paulista. Portanto, dizemos que esse tipo de referência é denominado
rotulação. A rotulação recategoriza o referente por meio de “novas predicações
87
atributivas, ajustando o saber disponível a respeito do objeto-do-discurso”, conforme
esclarece Marcuschi (2006, p. 392).
(29) “[...] por favor como é que eu
(30) chego na Via Dutra como é que eu pego a Dutra? [...]”
(34) “[...] como é
(35) que faço para pegar a Dutra?
(61) “[...] mesma:: ele pára o carro: e pergunta por favor por favor oh:: moça
por
(62) favor como é que eu chego na Dutra [...]
De acordo com a história, o maníaco fingia estar perdido e parava o carro em
busca de informação. Ao sugerir que não havia entendido, a vítima se aproximava para
esclarecer como chegar à Via Dutra e, nesse momento, o maníaco apontava a arma e,
assim, a pessoa era obrigada a entrar no carro.
Como observa-se, nos fragmentos das linhas (28) e (29), temos uma série de
repetições de orações com paráfrases: como é que eu chego / como é que eu pego (como
faço para pegar). Esses tipos de repetições não corroboram com a taxa informacional
do texto, mas, por sua vez, promovem a compreensão do ouvinte para o fato de que o
artifício usado pelo maníaco era muito convincente. Portanto, a atitude dele era a
mesma que uma pessoa perdida naturalmente teria.
Note que o enunciador cita no discurso direto a “possível” fala do maníaco.
Entretanto, ao usar o discurso reportado, por favor por favor oh moça por favor como é
que eu chego na Dutra,, GG distancia-se, como demonstração de que não se
responsabiliza por essa fala. Segundo Maingueneau (2001, p. 175), é uma maneira que
“o enunciador atribui a responsabilidade dessa fala inadequada a um outro, colocando-o
em cena em sua enunciação”.
88
(36) “[...] mulher chegou mais perto:: ele ele saca de um revólver:: “entra:: entra::”
(38) [...] aquela mulher:: entra no carro “entra::” que ameaça:: era terrível
(39) “ou entra no carro:: ou morre” ela entrou a mulher tremendo:: atendeu
(40) aquele maníaco:: atendeu o que o maníaco havia ordenado:: manDADO [...]
A cena marcante é dramatizada pelo narrador ao contar detalhadamente os
procedimentos do maníaco, após abordar a vítima. A narrativa fica em suspense por
conta da força entonacional com que o narrador emprega na voz, ora ascendente, ora
não. Isso significa que o narrador eleva a voz para dramatizar a cena, em que sob a mira
de um revólver, a mulher sente-se obrigada a obedecer e a entrar no carro.
Na linha (40), temos a repetição de orações contíguas, sendo que a oração
(atendeu o que o maníaco havia manDADO) está elíptica, mas que o ouvinte apreende
cognitivamente, por causa de haver interpretado a primeira (atendeu o que o maníaco
havia ordenado). No entanto, o locutor reformula a segunda, construindo uma
paráfrase
31
: que o maníaco havia ordenado:: manDADO. Note-se que a transcrição de
maiúsculas, neste segmento, revela uma pronúncia mais acentuada, para destacar o
“poder” do maníaco ao subjugar a tima e provocar o sentimento de “ira” no ouvinte
pela cena em que a mulher se encontra indefesa.
Ao longo da narrativa, verifica-se que o discurso do outro (tarado) vem inscrito
nas palavras do narrador, que se torna porta-voz da mensagem. Como dito, o locutor
coloca em sua enunciação a fala do outro, como uma forma de não se responsabilizar
por essa fala ( Maingueneau (2001, p. 157).
Maingueneau (2001, p. 141) assinala que “por mais que seja fiel, o discurso
direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso
citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal”.
31
De acordo com Hilgert (2001), a paráfrase é “um enunciado que reformula um enunciado anterior,
mantendo com este uma relação de equivalência semântica” (p. 111).
89
No mesmo procedimento, verificamos que ocorre recategorização do referente,
na utilização de formas metalinguísticas ou metadiscursivas
32
. No caso, por nome
ilocucionário que designa ameaça. No discurso reportado, o narrador evidencia por
meio de uma referência catafórica, para explicar que tipo de ameaça realizada pelo
maníaco, como pode-se constatar na linha (39): “ou entra no carro:: ou morre”.
Mais uma vez, a conjunção coordenativa alternativa ou expressa uma relação de
disjunção exclusiva, para exprimir a inconciliável relação de conceitos envolvidos,
forçando-a a uma escolha. A condição imposta pelo tarado era que se ela não entrasse,
morreria. Assim sendo, a vítima, por não ter opção, acabava acatando a ordem do
maníaco.
A cena é impactante para o ouvinte, que acompanha atento às informações
levantadas na enunciação. GG atualiza o fato, ao mesmo tempo em que possibilita que o
ouvinte participe da mesma ambientação da cena, ao seguir os passos do maníaco,
percorrendo o mesmo trajeto, marcado pelas vítimas das quais o maníaco abusou nas
cidades.
(42) “[..]aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar:: ele levava
com
(43) um membro masculinho de borracha:: ele levava um membro masculino
(44) de borracha ele judia da mulher:: ele judia:: depois disso ele libera:: e [...]
Vê-se que a narrativa reconstrói um fato anteriormente ocorrido e, para isso, o
narrador utiliza um tempo verbal característico da narrativa: o pretérito imperfeito
(levava). No entanto, em várias passagens da narrativa, observamos que o narrador
contraria essa colocação, à medida que faz uso de verbos no presente do indicativo
(judia). Embora o fato já tenha ocorrido, ao empregar o verbo nesse tempo, o narrador
traz à cena o crime que ocorreu, mas que, por meio do presente histórico, cria o
sentido, no ouvinte, de que o fato acontece “aqui e agora”.
32
Metalinguística compreende o uso da língua para explicar a própria linguagem. Da mesma forma no
discurso.
90
(45) ameaça:: “se você me denunciar:: se você me denunciar eu volto:: eu sei
(46) aonde você mora:: se você me denunciar eu VOLto e te MATO [...]
Depois de cometer o ato, o maníaco libera a vítima que, antes de ir embora, é
ameaçada, para que não o denuncie. O narrador usa o discurso reportado para
intensificar a complexidade do momento, após a vítima ser agredida.
Nas linhas L45 e L46, verificamos que o narrador faz uso de um discurso
reportado para mostrar a ameaça do maníaco à vítima. A intimidação é percebida por
meio do operador argumentativo “se”, que expressa a condição de ameaça e, assim, a
vítima se sente coagida.
(48) “[...] vítima chorando vai para casa:: esta vítima não sei se foi a primeira:: não
(49) sei se foi a primeira só sei que foi a primeira a dar queixa ela vai:: aquela
(50) mulher vítima do maníaco do Fiat do maníaco da Dutra [...]”
É notório que o narrador, ao enunciar, faz o “eu” assumir esse texto, como
percebe-se na colocação do verbo em pessoa (Maingueneau, 2001, p. 129). Isso
significa que o locutor assume o próprio enunciado ao dizer: não sei / só sei.
Depois de violentada, a mulher de Cachoeira Paulista se encaminha para prestar
queixa à delegacia da cidade. À medida que a narrativa é conduzida, o narrador retoma
elementos apresentados, para reativar na memória do ouvinte o referente, nesse caso, a
moradora de Cachoeira Paulista.
No entanto, na expansão do texto, a referência recategoriza o referente com
função predicativa: esta vítima > ela > aquela mulher > vítima do maníaco do Fiat >
(vítima) do maníaco da Dutra.
Na linha (48), em relação à fala, o tempo da narrativa é explorado, e indica
concomitância no momento da fala: a vítima vai chorando para casa. O ouvinte tem a
91
sensação que o fato transcorre naquele exato momento. Outra aparente indicação de que
o narrador utiliza-se do presente histórico, no desenvolvimento da narrativa.
(54) “[...] ataca em cidades do Estado do Rio de Janeiro num curto espaço de tempo
(55) num curtíssimo espaço de tem::po ele atacou em Itatiaia em Resende:: um
(56) dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa
(57) claro que não tem queixa [...]
O espaço da narrativa já não se situa mais em São Paulo, em virtude de os
dêiticos indicarem outros locais como Itatiaia e Resende, cidades pertencentes ao Estado
do Rio de Janeiro. Como mencionado anteriormente, os dêiticos servem para situar o
ouvinte na construção do fluxo da narração.
Vale ressaltar que ao repetir a locução adverbial num curto espaço de tempo/
num curtíssimo espaço de tempo -, o enunciador informa ao ouvinte que o maníaco age
rapidamente, tanto que faz questão de mencionar que foram registrados seis casos de
estupro só naquele trajeto entre as cidades de Itatiaia e Resende.
Nos segmentos das L 54 e L55:[...] ataca em cidades do Estado do Rio de
Janeiro num curto espaço de tempo / [...] ele atacou em Itatiaia Resende [...], temos
outro exemplo que evidencia o emprego do verbo no presente do indicativo, como uma
forma de trazer o fato ocorrido para ser reconstruído no aqui e agora.
Nas linhas (54) e (55), devemos levar em consideração o aspecto prosódico,
devido à ênfase apresentada pelo narrador no emprego do sufixo no superlativo íssimo
(num curto > num curtíssimo). O emprego do superlativo faz referência ao pouco tempo
estabelecido entre um ataque e outro do maníaco.
(65)“[...] a notícia correu:: e o maníaco foi batizado de o TARADO da DUTRA: [...]
92
O excerto em questão explicita o porquê de a crônica policial ser intitulada “O
maníaco da Dutra”. Novamente, tem-se a transcrição do segmento em maiúsculas para
indicar a referência operada pelo narrador para construir o referente - maníaco.
Vale ressaltar o aspecto polifônico implícito no apontamento, uma vez que o
próprio enunciado expressa a opinião popular, ou seja, o maníaco foi batizado como
TARADO da DUTRA pela população, devido ao status do personagem. Destacam-se
aqui as vozes da sociedade e da polícia.
(67) “[...] num dos casos:: num dos casos
(68) que aconteceu na cidade de Itatiaia:: ele abusou de uma garotinha de treze
(69) de apenas treze anos:: (suspense) ele usou a mesma maneira de agir:: ele
(70) usou a mesma malandragem:: [...]
(72) “[...] chega mais perto:: e aquela garotinha::
(73) aquela garotinha de treze anos: se aproximou :: o demônio com uma arma::
[...]”
(75) “[...]o maldito:: o maldito violentou aquela garota
(76) de treze anos de idade lá em Itatiaia no Rio:: depois liberou a garota da
(77) da mesma maneira:: e ameaça::[...]
Na linha (67), tem-se a repetição lexical adjacente dos segmentos: num dos
casos / num dos casos, para introduzir de imediato outro tópico discursivo. Aqui, as
repetições das orações assumem fundamental importância, pois promovem expectativa
na revelação de outro caso mais impactante ainda: a próxima vítima envolve uma
criança de apenas treze anos de idade.
A forma de agir do maníaco também é enfatizada pelo enunciador para mostrar
ao público que este agiu da mesma forma, isto é, com os mesmos métodos de
aproximação e violência intensificadas pela repetição do enunciado e com a paráfrase,
93
a mesma maneira de agir / a mesma malandragem, como podemos ver nas linhas (69) e
(70).
O narrador intensifica a repetição de construções oracionais, em enunciados
adjacentes, marcadas pelas linhas (68) e (75). Como pode-se observar o emprego do
verbo abusar e violentar assegura a mesma equivalência semântica de estupro.
A dramaticidade empregada evidencia o clímax de “horror” diante do fato da
vítima ser uma garota de treze anos. Isso está destacado nas linhas (68) e (69), quando o
narrador fala a respeito da próxima vítima: uma garotinha de apenas treze anos. GG
argumenta que o maníaco usou a mesma forma de abordagem com a criança.
Note-se que, nos trechos (72) e (73), a repetição do item lexical “aquela
garotinha” suscita uma reação emotiva, no ouvinte, pela ênfase do segmento e
desenvolve o tópico que irá reforçar novamente a idade dela. Para tal efeito, o narrador
utiliza-se do sufixo inha, sobretudo, porque não quer deixar a impressão de que se
trata de uma garota, mas, sim, de uma menina com apenas treze anos.
Na enunciação, pode-se verificar a aparente subjetividade do narrador pela
maneira como constrói esse fato. Ao mesmo tempo em que narra, GG compartilha a
visão de mundo, pois, de certa forma, julga levar o ouvinte a ter a mesma opinião que a
dele.
Podemos observar isso com o uso do advérbio apenas como um elemento de
reforço da idade da garota. Esse advérbio funciona como um modalizador de opinião,
usado como estratégia discursiva e, ao mesmo tempo, revela a subjetividade do narrador
em relação ao abuso praticado contra uma criança. Tem-se aqui a polifonia presente no
enunciado, cujos valores sociais encontram-se implícitos, confirmando a crença
universal de que toda criança é pura, ingênua e, por isso, não deve sofrer violência.
Nesse sentido, GG usa o advérbio apenas para reforçar esse conceito
socialmente estabelecido e quem contraria a regra merece punição. Busca-se a comoção
do ouvinte para repudiar tal atitude. Novamente, o narrador é incisivo, ao retomar a
designação do referente como o demônio.
94
Veja-se a linha (75), em que se tem a repetição da correferenciação
33
(designação) - o maldito:: o maldito:: -. Note que a segunda expressão é usada para
intensificar que esse “tipo” é indesejado socialmente.
Ao avançarmos um pouco mais, temos na linha (76) o advérbio pronominal, no
caso, demonstrativo -, para situar o ouvinte no desenvolvimento da narrativa.
Como essa informação enunciada, o narrador reitera o lugar em que aconteceu o fato -
Itatiaia no Rio de Janeiro, com o objetivo de situar o ouvinte nos desdobramentos dos
fatos.
Por conseguinte, o uso do dêitico espacial marca a distância do narrador em
relação ao lugar do ocorrido: Itatiaia, cidade do Rio de Janeiro.
(78) “[...] violentou:: ameaçou e fugiu:: no Fiat Uno branco[...]
Novamente, encontramos outra ordenação linear dos verbos no pretérito perfeito,
para marcar a progressão textual da narrativa. Sinteticamente, o narrador resume o fato,
até aquele momento, sem, no entanto, deixar de enfatizar o mesmo modo ‘operacional’
de agir.
(81) “[...] chegamos no
(82) dia vinte e um de março chegamos no dia vinte um de março desse ano::
(83) Itatiaia:: Itatiaia:: uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos
(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava:: [...].
Nesse segmento, as repetições do dêitico espaço-temporal especificam o novo
local de ataque. O narrador leva a audiência para o cenário de um novo ataque do
maníaco. É interessante notar a forma com que o narrador, ao enunciar, faz uma
referência indireta ao ouvinte, implícita na desinência verbal de pessoa do plural do
verbo ‘chegar’ no presente do indicativo chegamos -, o qual sinaliza um clima de
completa espontaneidade e envolvimento entre locutor e ouvinte.
33
Para Marcuschi (2006): “Uma remissão que retoma o referente como o mesmo indivíduo ou objeto é
uma correferenciação. [...] No caso de retomadas por repetição, sinônimos ou designações alternativas
para o mesmo referente (apelidos) temos correferenciação” (p. 397).
95
Urbano (2008) afirma que, geralmente, ao usar a pessoa do plural dos verbos,
o interlocutor convoca o ouvinte a partilhar da ação da narrativa. Em suas palavras, é
insinuar “uma voz narrativa partilhada ou conjunta, o que equivale a uma deferência
toda especial ao(s) leitor(es)” (p. 236). Portanto, no processo de cortesia
34
que o
narrador estabelece na relação interpessoal, o ouvinte, por sua vez, sente-se incluído,
participante no processo dos desdobramentos das ações.
Vale observar que o narrador, diferente das outras vítimas enunciadas,
individualiza esta vítima pelo nome, pela idade e profissão, como pode-se verificar nas
linhas (83) e (84): uma jornalista Viviane dos Santos vinte sete anos de idade. A
referência da idade, da profissão, do nome próprio, além do local e data é um recurso
imprescindível na interação com a audiência.
Motta (2007) aponta que o “narrador imprime no texto marcas com as quais
pretende construir a personagem na mente dos leitores/ouvintes” (p. 152). Sendo assim,
o efeito de sentido começa a ser construído por meio de predicados ligados ao modo de
ser da personagem.
A representação do real é trazida por meio de estratégias linguísticas que
envolvem o ouvinte na narrativa.
(83) [...] uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos
(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::
(85) tranquilamente ela caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::
(86) foi quando surgiu [...]
(87) [...] ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não [...]
(88) sabia a jornalista (lógico) não sabi::a [...]
(93) “[...] estuprador sem saber lógico que é o estuprador e ela iria explicar como se
(94) se chegava na Dutra [...]”.
34
Por cortesia entende-se “como o modo e qualidade de conduta em interações, isto é, nas relações
sociais” (Urbano, ibid.).
96
A narrativa progride e a próxima vítima é apresentada. Na linha (83), temos
exemplos característicos de repetições lexicais adjacentes que contribuem para a
progressão do discurso. As repetições servem para despertar interesse no ouvinte sobre
um novo elemento que começa a ser revelado pela narrativa.
Assim, a outra vítima do maníaco é identificada, primeiramente, pela profissão:
uma jornalista. Atente-se para o fato de que o referente da personagem é construído
textualmente, num primeiro momento, pelo emprego de descrições indefinidas, depois
de definições definidas na linha (88): a jornalista. Além da profissão, GG designa pelo
nome e sobrenome, Viviane dos Santos, e pela idade, vinte sete anos. Um pouco mais
adiante, na linha (87), temos uma retomada do referente pela anáfora: a menina.
A escolha de determinada descrição traz para o ouvinte informações
significativas, quanto à crença e valores do produtor do texto, auxiliando-o na
construção do sentido. Tais informações somente servem para dar sentido à narrativa,
mas “sob a capa do dado, dar a conhecer ao interlocutor, com os mais variados
propósitos” (Koch, 2006, p. 88).
Ao contar um fato que aconteceu, a narrativa reconstrói fatos pelo uso de verbos
no pretérito perfeito, associado ao pretérito imperfeito. Sobre isso, Maingueneau (2001,
p. 116) destaca que o imperfeito permite “evocar fatos que não contribuem para fazer
progredir a ação como detalhes, descrições, comentários, dentre outros, e que fazem
parte dela”.
O autor complementa que o uso do imperfeito não ocorre isoladamente, mas
apoiado em um enunciado no passado composto ou passado simples. Em: a jornalista
Viviane caminha tranquilamente ela caminhava [...] ela ia pela calçada, tem-se o verbo
caminhar no pretérito imperfeito, usado para descrever a cena, no momento, em que a
vítima foi abordada pelo maníaco.
Como podemos observar, o narrador empregou esse tempo para inferir um
comentário à narrativa: [...] a menina não sabi::a jornalista lógico não sabia [...]. De
maneira similar, esse aspecto não concorre para a progressão do texto, mas vale como
um esclarecimento acerca do fato.
97
No entanto, nesse momento, GG chama a vítima de “menina”, que configura-se
em um tratamento afetivo para explicar a suposta “ingenuidade” dela ao aproximar-se
do homem - com cara de anjinho. Para refutar uma suposta conclusão do ouvinte sobre a
vítima, o narrador usa o operador argumentativo lógico, para contra-argumentar, que a
moça não sabia que o homem era um estuprador.
na linha (86), outro dado faz o fluxo da narrativa avançar: “[...] foi quando
surgiu aquele Fiat Uno branco [...]”. Podemos verificar que o verbo no pretérito
perfeito marca o tempo cronológico, em que cada ação serve de referência à que se
segue, formando uma sucessão de acontecimentos necessários para garantir o sentido da
narrativa.
Em muitas passagens do texto, também notamos o uso do tempo presente. Maingueneau
(2001, p. 120) reforça que uma frase no imperfeito também apoia-se em um enunciado
no presente, desde que não seja um presente dêitico, ou seja, “não um embreante que
designaria o momento da enunciação: não se poderia acrescentar ‘neste momento’.
Trata-se de um presente subtraído ao tempo”.
(91) “[...] ele finge que não ouve ele finge que não entende [...]
As repetições do segmento acima asseveram a opinião do narrador quanto ao
fato de que o maníaco simula não ter ouvido a resposta da vítima, no instante em que é
interpelada sobre a direção de como se chegar à Via Dutra. O narrador repete a
estrutura oracional com variação para reafirmar o argumento usado pelo maníaco, ou
seja, de que não ouviu a informação dada pela vítima acerca da localização, a fim de
que a mesma aproxime-se para que o som seja audível.
Devemos lembrar que o narrador, efetivamente, não participou do
acontecimento, mas o reconstrói pela narrativa, mediante a maneira como narra o fato.
Como trata-se de um simulacro, GG utiliza estratégias que conferem credibilidade ao
que anuncia. Assim, com o objetivo de reafirmar seu posicionamento acerca dos fatos, o
narrador repete a oração para argumentar sobre a atitude do maníaco e levar o ouvinte a
compartilhar da mesma opinião.
Ao longo do desenvolvimento narrativo, a ideia central consiste em levar o
público a ter o mesmo juízo de valor sobre o comportamento do maníaco. É preciso
98
descrever o perfil do deste, mostrando que é “enganador”, ao fingir que está perdido.
Portanto, o maníaco engana para aproximar-se e apossar-se do objeto de desejo.
(91) [...] ele finge que não entende:: vinte um de março à tarde::
(92) uma segunda-feira:: [...]
Em (91) e (92), a referência temporal opera-se com a ajuda dos embreantes
35
(dêiticos temporais) vinte e um de março / à tarde / uma segunda-feira. O narrador
compreende que o ouvinte necessita de elementos, para formar o quadro narrativo.
Como muitos casos de estupro em diferentes dias, os dêiticos são imprescindíveis
para o ouvinte processar todos os dados e situar-se na história.
Todas as informações foram necessárias para mostrar o dia e o momento exatos
em que o maníaco aproximou-se da jornalista Viviane dos Santos, vinte sete anos, que
caminhava pela calçada em Itatiaia.
(94) chegava na Dutra:: foi quando o maníaco:: foi quando ele sacou outra vez
(95) aquele revólver e falou “entra senão eu te mato” [...]
A vítima ao aproxima-se, o maníaco logo a recebe com um revólver,
ameaçando-a para entrar no carro. Nesse caso, o enunciador, ao empregar o termo
revólver, retoma o referente empregado com o nome genérico arma, na linha (72), uma
vez que arma constitui instrumento de ataque ou de defesa.
Na linha (95), temos um caso de reiteração, quando o enunciador repete o
mesmo item lexical anteriormente expresso, estabelecendo com ele uma relação
hiperonímica, ou seja, ao designar revólver, o enunciador especifica o tipo de arma,
tendo em vista que o termo (arma) é abrangente.
(95) [...] a jornalista Viviane ela
(96) fica apavorada e atende:: estupefata:: perplexa:: ela tende o que aquele
(97) homem manda:: ordena:: ele :: ele [...]
35
Segundo Maingueneau (2001), os embreantes são os dêiticos espaciais e temporais que marcam o
tempo e o lugar da enunciação (p. 108).
99
Como as outras vítimas, a jornalista encontra-se em poder do maníaco e,
novamente, cria-se uma expectativa acerca do que irá ocorrer. Nesse caso, é preciso
impactar o ouvinte com detalhes da cena, mediante a descrição de pormenores, que
ajudam o ouvinte a imaginar a situação de angústia e conflito instaurados naquele
momento.
A jornalista obedece ao maníaco. O narrador repete as expressões que marcam
os sentimentos que dominam a vítima, no momento em que a mesma atende às ameaças
do dominador. As Rs, nesse fragmento, têm a função de intensificar o tópico
informacional.
Note-se que a oração matriz ela fica apavorada será retomada nos mesmos
procedimentos sintáticos, porém elípticos na cadeia discursiva: (ela estava) (Ø)
estupefata / (Ø) perplexa. A descrição do estado emocional da jornalista com pelos
adjetivos apavorada > estupefata > perplexa confirmam a onisciência do narrador, que
enuncia de modo subjetivo.
Também encontramos, nas linhas (96) e (97), em posição contígua à (M), uma
repetição com paráfrase usada para intensificar o imediatismo com que a tima cede à
coação do maníaco: ela atende o que aquele homem manda:: / (Ø) ordena.
(97) [...] ele:: ele então põe o carro em movimento e começa [...]
No caso da linha 97, temos a presença de um marcador discursivo então próprio
da língua falada. O uso do marcador revela o grau de envolvimento que o narrador
estabelece com o público-ouvinte. Ainda que não exerça função sintática, a utilização
desse marcador permite que a narrativa seja bem estruturada, contribuindo para a
manutenção do tópico.
O maníaco leva a jornalista no Fiat Uno Branco, em direção à Via Dutra no
sentido São Paulo a Rio de Janeiro. Podemos introduzir ainda a ideia do nível discursivo
que se evidencia na antítese sugerida pela cor do carro (branco) com as intenções do
maníaco, por sua vez, designado como monstro, demônio, bandido, tarado e maníaco.
A relação emocional pretendida, deixa transparecer estereótipos do agressor e da
vítima. Se, por um lado, ele é baixo, gordo, cabelos curtos pretos, anda em um carro
Fiat Uno Branco com insufilm, por outro, a vítima é jornalista, nova, que anda
100
tranquilamente na calçada. Essas expressões causam efeito de real como o tipo de carro,
a hora exata, o espaço do acontecimento, que esses dados pouco valem como
referência no contexto de uma cidade com a dimensão do Rio de Janeiro.
(97) [...] ele vai falando::
(98) “você é muito bonita” ele vai falando “você é muito bonita:: você vai
(99) passar bons momentos coMIGO” monstro:: [...]
O enunciador retoma as palavras do maníaco em seu discurso, como podemos
observar, pela presença do verbo introdutor de discurso direto: falar. GG traz à cena a
imaginação pelo uso do verbo que indica movimento em curso. Observe que o verbo
introdutor de discurso o é neutro, pois abarca um enfoque subjetivo que será revelado
no interior do discurso citado.
Na enunciação do discurso do outro, podemos observar a malícia e sensualidade
exploradas nas intenções do maníaco, ao seguir para o Rio de Janeiro.
(104) [...] quando o bandido quando o estuprador atinge a Via Dutra com o Fiat Uno
(105) Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo
(106) ou nada:: ela reza::ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e
(105) corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena via Dutra::
Com medo de ser estuprada ou, até mesmo, assassinada, Viviane arquiteta um
plano para fugir. O narrador descreve com riqueza de detalhes a cena, desde o suposto
pedido à Deus pela jornalista, para encontrar coragem e realizar a proeza, até o
momento em que se atira do carro em movimento na rodovia.
Quanto ao feito da jornalista, temos outro advérbio predicativo que funciona
como um modalizador afetivo – corajosamente -, em que o narrador expressa satisfação
pela atitude arrojada de uma “mulher”, que é considerada o “sexo frágil”, diante da
classe masculina.
101
O vel narrativo é expresso por verbos de movimento (atinge / abre / se atira);
note-se que a conjunção e tem o sentido de e depois, marcando uma ação narrativa a
outra: ela abre a porta do seu lado e (depois) se atira em plena via Dutra.
Note que o pronome pessoal de pessoa ela retoma o referente (Viviane)
nessas construções oracionais, no intuito de empregar maior dramaticidade à cena.
(105) [...] isto mesmo:: Viviane:: pula daquele Fiat
(106) em movimento:: como se fosse num filme:: ela cai na rodovia na via pública
(107) na Dutra:: logo em seguida ela rolou:: correu e saiu gritando:: “socorro [...]
Pode-se notar que a cena é descrita com uma forma rítmica de verbos, ao criar
uma dinamicidade na sequência da narrativa, na qual o ouvinte tem a impressão de que
tudo acontece naquele exato momento, à medida que o narrador faz uso de verbos no
presente do indicativo para intensificar a cena.
A narrativa é construída a partir de um fato ocorrido, mas ao empregar o verbo
nesse tempo, o narrador utiliza o que se denomina de presente histórico, ao criar a ilusão
de que o acontecimento acontece num aqui e agora.
O uso do marcador conversacional isto mesmo evidencia a interação que
tanto narrador quanto ouvinte estão engajados na situação comunicativa. Portanto, o
narrador pressupõe que o ouvinte está “surpreso” com a ousadia da jornalista ao se
jogar do carro. Outra hipótese é a de que o uso do marcador discursivo confirma, que o
ouvinte teve o mesmo pensamento da jornalista, isto é, lançar-se do carro para não ser
estuprada.
No excerto, novamente uma ordenação linear dos elementos que ajudam na
progressão do texto. Note que o marcador de integração linear (logo em seguida)
cumpre a função de “estruturar a linearidade do texto, organizá-lo em uma sucessão de
fragmentos complementares” que facilitam a interpretação do ouvinte, conforme
apresenta Maingueneau (1996, p. 171). Ele tem o mesmo sentido de e depois: [...] e
logo em seguida ela rolou:: correu:: e saiu gritando [...].
102
Assim, a disposição das frases é uma construção que possibilita ritmo especial
na ordenação dos fatos e na progressão do texto.
(111) [...] Viviane havia escapado um popular apareceu:: um
(112) comerciante foi em socorro de Viviane::quando o maníaco viu/ele tinha
(113) parado o carro:: quando ele viu ele acelera e vai embora:: fugiu:: desapareceu
[...]
Ao cair na rodovia, a jornalista encontra um comerciante, que passava no local e
de imediato a socorre. Em se tratando da pessoa que ajudou a moça, na linha (111),
temos o exemplo de designação que o enunciador escolhe para permitir ao coenunciador
poder identificá-lo facilmente no texto.
Devido a isso, o uso de um substantivo indefinido um popular e, depois, o
mesmo referente é retomado na linha (112) por uma designação diferente: um
comerciante. Por não possuir dados mais concretos sobre o comerciante, a enunciação
ocorre pelo uso de um substantivo com determinante indefinido, mantendo uma relação
de correferência.
Nesse trecho, durante os desdobramentos da narrativa, podemos observar que o
narrador faz uma autocorreção para evidenciar que o maníaco antes de “vir” o popular
ajudar a jornalista, havia parado o carro, ao perceber que Viviane jogou-se na rodovia.
Como visto, a correção é um procedimento natural que visa a reelaborar o
discurso no momento em que o falante está ciente de que fez uma escolha errada.
(112) comerciante foi em socorro de Viviane::quando o maníaco viu/ele tinha [...]
(114) [...] aquele comerciante que socorreu Viviane:: aquele comerciante que
socorreu
(115) a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia:: os PMs do trigésimo[...].
(116) sétimo batalhão vão para o local:: toda a região é avisada:: pelo que Viviane
(117) descreveu os PMs não tiveram dúvida:: era ele de novo:: era ele de novo::
103
(118) era o maníaco [...]
Logo que a jornalista caiu, um comerciante apareceu para socorrê-la. Na linha
(112), o narrador reativa o referente “um popular” que está no texto, retomando-o por
“aquele comerciante”. Temos a produção de Rs do mesmo segmento linguístico nas
linhas (114) e (115): aquele comerciante que socorreu Viviane:: / aquele comerciante
que socorreu a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia[...]. Como pode-se
observar nesse trecho, GG repete para, logo após, acrescentar algo novo por meio de
uma paráfrase: aquele comerciante ligou telefonou para a PM [...].
Pode-se verificar que na linha (114), durante a progressão narrativa, o narrador
reformula imediatamente a fala porque a moça jogou-se e o carro segue pela Via Dutra.
Ao perceber a atitude da moça, o maníaco para o veículo e, somente depois, nota que
alguém a socorreu. Por fim, ao verificar que o caso estava perdido, o maníaco foge.
Nas linhas (117), também temos uma série de orações utilizadas para promover
o envolvimento pelo suspense. Note que o referente, ele, é reativado na última oração
por designação de o “maníaco”: [...] era ele de novo / era ele de novo > era o maníaco.
Trata-se, portanto, de um recurso para reativar na memória do ouvinte a figura
do maníaco.
(119) [...] assim o
(120) dia foi passando chegou a noite do mesmo dia: noite de vinte e um de março a
(121) a polícia:: diligenciava atrás do maníaco:: Jardim das Rosas:: cidade vizinha a
(122) cidade de Penedo:: vizinha a Itatiaia [...].
A narrativa prossegue e o conflito ainda não tem solução. O maníaco foge à
procura de outra vítima. A presença dos dêiticos temporal e espacial mostra que o
cenário da narrativa é outro, bem como o tempo também. Na narrativa, o dêitico
temporal marca um intervalo de horas, depois do ataque frustrado à jornalista.
O maníaco chega ao Jardim das Rosas, à noite do mesmo dia vinte e um de
março. Depois de uma tentativa frustrada, este está à procura de outra tima, que o
104
estupro anterior não se consumou na cidade de Itatiaia. Portanto, o cenário é outro,
agora, nacidade vizinha de Penedo no Rio de Janeiro.
(119) [...] na cidade vizinha de Penedo:: ele vai atacar
(120) de novo:: ele vai atacar de novo:: só que:: só que:: quase a polícia o pegou
(121) antes mas ele atacou ele atacou ele pegou uma senhora que estava com a
(122) filhinha pequena ele pegou a mulher:: estuprou a mulher na frente da filha
(123) pequena:: na volta:: na volta havia uma blitz os PMs do trigésimo sétimo
(124) batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro [...]
A narrativa novamente perpetua o suspense, tendo em vista que o maníaco mais
uma vez agirá. A enunciação ocorre de maneira “nervosa”. A polícia sabia que o mesmo
atacaria de novo, haja vista que não logrou êxito no caso da jornalista. Havia cerco em
diversos lugares. As polícias civil e militar sabiam que o maníaco praticava delitos às
segundas e sextas-feiras, somente não compreendiam o motivo dos estupros serem
realizados apenas nesses dois dias da semana.
A narrativa chega ao desfecho. Os desdobramentos tornam-se mais lentos,
porque o narrador quer deixar em suspense o final. Os detalhes da forma de abordagem
do maníaco não são necessários porque o público já tem em mente o procedimento.
O narrador explora a cena para criar mais expectativa no ouvinte. Foi na cidade
de Penedo que o maníaco fez outra vítima. A polícia diligenciava para descobrir o
paradeiro do maníaco. Mas até prendê-lo, o maníaco fez outra vítima.
No trecho (123), temos a enunciação das construções das Rs: [...] ele vai atacar
de novo ele vai atacar de novo, para intensificar uma nova ocorrência de estupro. Mas
com a introdução da “locução
36
”, que:: que::, o ouvinte tem a impressão de que a
polícia o encontrou.
36
De acordo com Bechara (2005): “Também se formam “locuções” aparentemente especiais quando
termos segmentos do tipo logo que, sempre que, ainda que, etc., em que aparecem advérbios (que
sozinhos podem funcionar como adjunto adverbial) seguidos do transpositor relativo que, que esse
relativo é um ‘repetidor’ de advérbio, papel análogo ao que desempenha como ‘repetidor’ (isto é,
referente) de substantivo ou pronome. (...); quando a oração se transpõe a subordinada exercerá também a
função de adjunto adverbial” (p. 325).
105
No entanto, isso não acontece, porque, imediatamente, outro enunciado é
introduzido para explicar que a prisão não acontecera: quase a polícia o pegou antes
[...]. GG utiliza o advérbio modalizador delimitador quase, para mostrar que, a prisão
do maníaco ainda não havia acontecido. Portanto, estava solto para cometer outro delito.
Uma vez que a prisão não ocorre, o conflito permanece. O narrador sabe que ao
manter firme o ponto de tensão da narrativa, a curiosidade do ouvinte é estimulada até o
desfecho do caso.
Devido não ser capturado, o maníaco faz outra vítima. Repare no articulador
discursivo argumentativo mas, na linha 124, que estabelece uma relação de
contrajunção entre enunciados de orientações discursivas diferentes. De acordo com
Koch (2001), a introdução do operador (mas) faz incidir uma força argumentativa no
enunciado (p. 66).
O maníaco continua solto para fazer a próxima vítima: uma “mulher” que estava
acompanhada da “filhinha pequena”. O maníaco estupra a mãe na frente da filha.
Podemos observar pela produção das Rs nas linhas (125): [...] mas ele atacou atacou::
ele pegou uma senhora que estava com a, e linha (126): filhinha pequena ele pegou a
mulher:: estuprou a mulher na frente da filha pequena[...]. Observamos a
caracterização evidente do papel das repetições, sobretudo, das orações, que cumprem
papel importante na condução da argumentação.
Vale aqui observar que as repetições assinalam o contraste de argumentos,
quando, inicialmente, acreditava-se que a polícia quase o prendeu. No entanto, a
conjunção adversativa “mas” introduz o desacordo com a efetuação do novo estupro.
(125) [...] na volta:: na volta havia uma blitz os PMs do trigésimo sétimo
(126) batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro
(127) principalmente Fiats brancos:: ele o maníaco:: não sabia (lógico) logo ele
(128) cai na rede da polícia:: ele é intimado a parar: a polícia parou o carro:[...].
(129) [...] um PM que parou o carro perguntou para aquela mulher
106
(130) “tudo bem senhora” e a mulher começou “NÃO NÃO tá tudo bem eu fui
estuprada este homem me estuprou [...].
A narrativa chega à reconstituição da cena final e, finalmente, acontece a
resolução de todo o conflito porque a polícia fecha o cerco para capturar o maníaco, ao
parar todo carro Fiat Uno Branco. Todavia, o maníaco não sabia desse fato e, ao ser
revistado pela polícia na rodovia, a vítima pôs-se a gritar de que se tratava de um
estuprador.
Na linha (130), verifica-se outro comentário explícito do narrador usado para
contestar que o maníaco não sabia que a polícia estava parando todo Fiat Uno Branco,
porque se soubesse, evitaria transitar pela rodovia. O uso do operar argumentativo
(lógico) fez-se necessário para contra-argumentar que o maníaco desconhecia esse fato.
Aqui temos a marcação de ironia implicada nas vozes presentes no texto.
A
repetição da mesma oração, sobre a barreira policial, reforça a ideia de que o enunciador isenta-
se da responsabilidade da fala de outro enunciador também presente no texto.
Podemos verificar na linha (133), que o narrador, para enunciar, repete, ao
recolher parte da oração (matriz) que está na fala do PM, para reconstruir a fala da
mulher (vítima). Assim, GG elabora seu texto para tornar mais coesa a composição
textual e provocar comoção pelo drama da mãe violentada na presença da “filhinha
pequena”.
(142) [...] o estuprador preso ele mora aqui na capital ele mora aqui em São Paulo
(143) Sérgio Verdini é o nome dele Sérgio Verdini trinta e seis anos que trabalha
(144) como consultor de seguros:: [...]
(153) [...] também o reconheceu ela reconheceu Sérgio trinta e seis anos o estuprador
(168) [...] a polícia acredita que Sérgio Verdini cometeu
(169) vários outros casos segundo se levantou ele atacava só de segunda e sexta-feira
107
(170) feira:: (sabe por que:: sabe por que?) ele mora em São Paulo ele saia de sua
(171) casa em São Paulo para trabalhar:: ele trabalha como consultor de seguros
(172) em Volta Redonda no Rio de Janeiro:: então quando ele ia para Volta
(173) Redonda ele parava:: atacava:: na sexta-feira quando voltava para São Paulo
(174) ele atacava na ida e na volta:: [...].
Depois de toda a reconstituição do fato, o narrador fecha a narrativa, com a
prisão do maníaco e tece algumas considerações pertinentes à narrativa, como esclarecer
quem era o maníaco e o porquê dele cometer os estupros.
GG revela a identidade como nome, idade e profissão e, também, dá a resposta
da pergunta que, desde o começo da narrativa, parecia perturbar: por que o estuprador
atacava somente às segundas e sextas-feiras?
O locutor evidencia tudo sobre o maníaco da mesma forma que narra os fatos.
GG repete o nome do maníaco, como pode-se notar nas linhas (143), (153), (157),
(159), (168), (177) e (184): Sérgio Verdini. Também revela que Sérgio Verdini é
morador em São Paulo, tem trinta e seis anos e trabalha como consultor de seguros.
A linha (170) elucida a intensa interação entre GG e o ouvinte, ao usar o
pronome de tratamento informal de pessoa “você”, para aguçar a curiosidade do
ouvinte em se tratando do fato de que maníaco atacava as vítimas, somente às segundas
e sextas-feiras: [...] (você) sabe por que:: sabe por que::?[...]. Finalmente, tudo é
devidamente esclarecido. Sérgio Verdini, por exercer a profissão de consultor de
seguros, precisava viajar para o Rio de Janeiro semanalmente. Sérgio Verdini saia na
segunda-feira de São Paulo e, durante o trajeto, cometia delitos. Depois, ao retornar na
sexta-feira, atuava da mesma forma.
(158) [...] ele conta a história
(159) contou a história dele:: Sérgio contou que mora em São Paulo:: é separado
(160) tem um filho de cinco anos de idade:: ele conta:: a história se é verdade não
(161) sei a história se repete:: ele conta que quando era garotinho:: quando tinha
108
(162) sete anos apenas sete anos de idade:: ele foi vítima de violência sexual desde
(163) então ele ficou traumatizado:: [...]
Convém notar que GG abre outra narrativa para contar a vida de Sérgio e explicar o
motivo que levava um homem de trinta e seis anos, com um filho de cinco anos, a torna-se um
maníaco, um transgressor. Após ser preso, Sérgio Verdini confessou que havia violentado várias
mulheres. Na delegacia, Sérgio foi reconhecido pelas vítimas como autor dos delitos. Em seu
depoimento, este revela ter sofrido violência sexual, aos sete anos, e ficou traumatizado.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que GG constitui a pessoa que clama por “justiça”.
Com a prisão do agressor, o apresentador cumpre com a função cabal “socializadora” por
intermédio da narrativa de um fait-diver dramático como o caso do estuprador. O agressor é
punido pelos atos de agressão à várias vítimas. Tudo está voltado para a manutenção da ordem
na sociedade.
Depois de fechada a narrativa e explicado tudo, GG faz um questionamento, por
meio de um insistente pedido ao ouvinte para informar a produção do programa sobre
detalhes em relação à vida do maníaco. Com isso, GG deixa a narrativa passível de ser
recontada, esperando que alguém possa complementar, com outros detalhes, a história.
Por fim, GG abre uma nota explicativa, ao dizer que esse caso não se encerrava
naquele momento, haja vista que havia muitas informações a serem complementadas.
Esse apelo justifica a necessidade de referenciar dados do maníaco para que o ouvinte,
caso saiba alguma informação, possa estabelecer contato.
Nesse contexto, a narrativa parece provisoriamente concluída. Charaudeau
(2006) salienta que o narrador deve fechar a narrativa, porém não significa fechar o fato
em si. Este pode até coincidir no fechamento da narrativa, mesmo assim, não constitui
uma regra. O autor também explicita que a informação no discurso midiático pode
sofrer “reativação” (p. 160), em decorrência disso o narrador faz questão de interpelar o
ouvinte.
Feita a análise da primeira parte do corpus, sob o aspecto narrativo, constatamos
que o locutor constrói o texto falado em um constante movimento de progressão e de
retroação, estabelecido segundo alguns procedimentos destinados a assegurar uma
109
continuidade de referentes (objetos de discurso). Essa continuidade é adquirida pela
cadeia referencial que não permite que esses objetos sejam esquecidos no texto, mas em
constante ativação na memória de trabalho, durante o desenvolvimento do texto.
4.2 Análise do fenômeno lingüístico – a repetição como argumentação
Notamos que todos os elementos interligam-se para estabelecer sentido no
processo de construção textual. Dentre os vários procedimentos que são articulados no
texto, escolhemos a repetição como uma estratégia linguística que o locutor utiliza-se
para fundamentar o argumento persuasivo de quem rompe as regras socialmente
estabelecidas, portanto, deve ser punido.
Para evidenciarmos isso, selecionamos alguns excertos no corpus que
comprovam que as repetições como função argumentativa servem como estratégia para
reafirmar, contrastar ou contestar argumentos.
Vejamos alguns exemplos:
Excerto (1):
(1) “Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::... ou seria estupra::da:: ou seria
(2) assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro... ou assassinato... ela estava
(3) ATERRADA... ela estava::... assusTAda:: [...]
Do ponto de vista enunciativo, podemos notar a força argumentativa no
enunciado, que introduz o operador de discurso ou, o qual expressa uma relação de
disjunção exclusiva, em que os elementos estuprada/assassinada se excluem. Em
relação ao valor ambíguo de “ou”, Koch (2001, p. 63) aponta que essa conjunção pode
corresponder ora “à forma latina aut, com valor exclusivo (isto é, um ou outro, mas não
110
ambos), ora à forma vel com valor inclusivo (ou seja, um ou outro, possivelmente
ambos)”.
A forma como dispõe os substantivos como medo > ou pavor > ou estupro >
ou assassinato, promove maior complexidade da ação no fluxo narrativo, pelo teor
argumentativo, ao enumerar a gradação de sentimentos despertados na personagem. Os
substantivos (medo>pavor>estupro>assassinato) encontram-se ordenados e interligados
pela conjunção “ou” em uma gradação semântica que promove mais suspense.
Ademais, do ponto de vista argumentativo, essa conjunção (ou) articula os argumentos
que mais forte que o medo é o pavor de ser estuprada e de ser assassinada. A gradação
dos elementos intensifica a dramaticidade da cena, de modo que leva o ouvinte a
compartilhar do mesmo sentimento da vítima.
O exemplo apresenta repetições com segmentos discursivos e com variação. Nas
linhas (1) e (2): [...] Ela sentiu:: ou seria estuprada:: ou seria assassinada [...], o
narrador recategoriza o sentido com a alteração das expressões verbais ou seria
estuprada ou seria assassinada” para a nominal: ou estupro ou assassinato.
A alteração compreende a necessidade do narrador em explicitar e reafirmar o
argumento no discurso. Pode-se observar que GG, no final, repete a mesma coisa, sem
adicionar um dado novo. O argumento provém do conhecimento que tem acerca do
mundo criminal, em que, muitas vezes, ocorre caso de estupro até seguido de morte.
Excerto (2):
(11) “[...] (M) es-tu-pra-dor [...]
(12) [...] (R) está estuprando sem parar [...]
Compreendemos que o narrador ao identificar “este homem” como o estuprador,
cumpre a função argumentativa de enfatizar a malignidade dos atos desse indivíduo,
além do que acaba por conferir um efeito real à narrativa.
na linha (12), o enunciador repete o enunciado anterior (estuprador), mas em
forma de oração, empregando o verbo estar seguido de gerúndio para exprimir ação em
111
curso está estuprando. No entanto, GG complementa a fala ao introduzir o advérbio
(sem parar), que intensifica o sentido, e aumenta o suspense em torno do conflito. O
sentido estabelecido é que o maníaco está na ativa.
Atente-se, também aqui, que a recategorização do referente cumpre a função de
adiantar uma avaliação que respaldo argumentativo ao texto. Ao designá-lo
estuprador, parte da noção de representação de mundo, dos conceitos sociais
normatizados que punem tal conduta.
Excerto (3)
(10) ho::mem:: (M) meio gordo: (R) meio gordo (M) branco (M) cabelos pretos
curtos:: es-tu-pra-
(11) dor este ho:: mem: (R) meio gordo:: (R) branco:: (R) cabelos pretos curtos::
está estuprando:: [...]
(58) “[...] um homem branco:: (R) meio gordo:: (R) de cabelos pretos
(59) curtos [...]”.
Toda a rede de relações, no texto, apresenta sua construção em avanços e
retomadas de referentes que ajudam na progressão textual e criam unidades de sentido
ao ouvinte. É muito recorrente encontrarmos elementos que se repetem no discurso.
Trata-se de uma preocupação do orador, na Retórica, ao apresentar proposições ao
público, quando pela palavra precisava trazer o objeto à consciência de quem estava
ouvindo.
É possível notarmos que faz parte da estratégia do narrador trazer e inculcar na
mente do ouvinte os elementos que conferem sentido e credibilidade à narrativa. Esse
processo é reconhecido como figura de presença, em que a repetição faz parte desse
conjunto. Segundo Guimarães (2001, p. 154), as figuras de presença são usadas com o
propósito de “despertar o sentimento da presença do objeto do discurso na mente tanto
de quem profere quanto daquele que o lê ou ouve”.
112
Perrelman & Olbrechts-Tyteca (1996, p. 132) salientam que “a figura atua de um
modo direto sobre a nossa sensibilidade”. Nessa perspectiva, o ouvinte sente-se
envolvido psicologicamente à medida que o narrador repete elementos que reforçam a
construção do personagem. É preciso, portanto, atentar que essa técnica atua de forma
significativa na percepção do ouvinte, levando-o a sentir o que o narrador sente, quando
caracteriza o referente.
Na linha (11), temos a repetição dos detalhes da descrição física do maníaco que
se na L10. No entanto, o narrador as intensifica, com a finalidade de “martelar” na
cabeça do ouvinte a caracterização da aparência deste, ao reiterar a mesma descrição
mais adiante no texto nas L58 e 59. Note-se que o enunciador elenca detalhes e os
repete para que o ouvinte construa a imagem do infrator.
Excerto (4):
(12) “[...] e as características:: (M) a maneira de agir:: sempre a
(13) mesma coisa sempre (R) ele age do mesmo do mesmo modo (R) da mesma
maneira [...]
A construção de repetições idênticas ou similares é usada para intensificar as
estruturas discursivas e fazer fluir a narrativa. Nesse excerto, o primeiro segmento
discursivo, que é a (M): [...] a maneira de agir, base para expansões na construção
de repetições próximas, como se pode observar na construção do segmento oracional:
ele age da mesma maneira. Segundo esclarece Marcuschi (2006, p. 223), a matriz
base para diversos procedimentos porque ela “condiciona tanto o tópico como uma parte
das estratégias formulativas”.
Podemos observar a reiteração dos advérbios de intensidade sempre e o de
modo, o mesmo modo, seguidos da paráfrase a mesma maneira, para intensificar o
modo de proceder do tarado.
O narrador intensifica a forma como conta a narrativa, no intuito de comover o
ouvinte para o desencadeamento da ação, quanto ao modo de aproximação da vítima. A
construção de repetições idênticas ou similares é usada para intensificar as estruturas
113
discursivas e destacar o modo de agir do maníaco. A estratégia ganha maior
dinamicidade ao empregar a força ilocutória nas repetições e nas paráfrases, com o
propósito de reforçar a imagem negativa do maníaco, sem mesmo ter descrito sua forma
de atuação. Isso serve para deixar mais intenso o clima de suspense que envolve a
narrativa e prender a atenção do ouvinte.
As repetições asseguram e facilitam a compreensão de tal forma que acabam por
fornecer pistas para compreensão do real conteúdo que permanece implícito no texto.
Nesse segmento, pode-se constatar a função argumentativa asseverada pela repetição,
mediante o fato de ocorrer maior volume de linguagem idêntica, em posição idêntica.
Podemos observar isso na reiteração dos advérbios de intensidade sempre, e o de modo,
o mesmo modo, seguidos da paráfrase a mesma maneira, que afirmam a necessidade do
narrador explicitar e reafirmar o argumento no discurso, quanto à forma de atuação do
maníaco.
Excerto (5):
(20) [...] (M) demônio: (R) demônio ele tem cara de anjinho::
Com a finalidade de mostrar que o maníaco aproximava-se das vítimas como um
simples cidadão que busca informações para chegar a determinado local, o narrador
introduz uma metáfora para asseverar que, embaixo da “ingênua” aparência daquele
homem, havia um homem obcecado em violentar. Assim, outro clichê é ativado: O lobo
em pele de cordeiro.
Nesse exemplo, o narrador apresenta repetições contíguas com segmentos
semelhantes para recategorizar o maníaco como “demônio”, uma entidade maligna do
imaginário cristão. A metáfora cumpre a função argumentativa de contrastar que o
homem parecia “um anjo”, mas era um “demônio”. O argumento usado para comparar a
atitude e a intenção do homem não limita o efeito de realidade, pois a descrição de cada
detalhe deve provocar comoção, chocar e suscitar sentimentos que confirmem o repúdio
desse tipo de comportamento na sociedade.
De acordo com Perrelman & Tyteca (2002, p. 193), para reconhecer a metáfora
como recurso argumentativo, “cumpre conceber a passagem do habitual ao não-habitual
114
e a volta a um habitual de outra ordem, o produzido pelo argumento, no mesmo
momento em que termina”.
Excerto (6)
(22) “[...] foi no dia (M) vinte e um de fevereiro
(23) deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de
(24) São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: (R) vinte e um de fevereiro::
vinte e
(25) (R) um fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira
queixa::[...]”.
Como podemos observar nas linhas acima, o locutor retoma o que havia
enunciado na linha (8), quando mencionou o dêitico temporal Fevereiro de 2005 - .
Ele volta a repetir a mesma informação, sempre pensando em situar o ouvinte na
história. Enquanto que, na L8, ele introduziu o mês e o ano em que o caso ocorreu, nas
L24 e 25, ele repete para destacar, precisamente, o dia e que fora registrado a primeira
queixa de uma das vítimas. Assim, as repetições do dêitico temporal e espacial
(Cachoeira Paulista) têm como objetivo reafirmar o argumento que essa data foi
marcada por haver a primeira queixa registrada na polícia de uma das vítimas do
maníaco.
Excerto (7)
(27) “[...] calmamente:: calmamente:: ele parou aquele carro:: abaixou o
(29) “[...] naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave[...]
(31) [...] (M) mas ele fingiu que não ouviu :(R) ele fingiu que não
(32) entendeu [...] e fez sinal com a mão[...]
115
Observe-se que a L31 temos a R de construção oracional próxima à (M) e com
variação: [...] ele fingiu que não entendeu [...]. Interligada à matriz, temos a presença de
um operador argumentativo MAS que estabelece uma relação de contrajunção entre
enunciados de orientações discursivas diferentes. De acordo com Koch (1996, p. 66),
prevalece a força argumentativa do enunciado introduzido pelo operador mas, porém,
contudo, todavia etc. No contexto, a repetição da construção oracional é usada como
argumento que contrasta com as reais intenções do maníaco. Aparentemente, ele finge
que está perdido, todavia, quando a mulher se aproxima para orientá-lo, ele a faz refém.
Excerto (8)
(29) “[...] (M) por favor como é que eu
(30) chego na Via Dutra como é (R) que eu pego a Dutra? [...]
(34) “[...] como é
(35) (R) que faço para pegar a Dutra?
(61) “[...] mesma:: ele pára o carro: e pergunta por favor por favor oh:: moça
por
(62) favor como é que eu chego na Dutra [...]
Observa-se que, nos fragmentos das linhas (28) e (29), temos uma rie de
repetições de orações com paráfrases: como é que eu chego / como é que eu pego (como
faço para pegar). Na linha (62), GG reitera a mesma oração: como é que eu chego.
Essas repetições oracionais contíguas são construídas para facilitar a compreensão do
ouvinte em relação à forma como o maníaco abordava a vítima.
O enunciador usa da repetição das mesmas estruturas oracionais para reafirmar
o argumento que, ninguém deixaria de fornecer informação a alguém que se
aproximasse de maneira educada, dizendo: por favor, moça.
Excerto (9):
116
(42) “[..]aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar (M) ele
levava com
(43) um membro masculinho de borracha:: (R) ele levava um membro masculino
(44) de borracha (M) ele judia da mulher:: (R) ele judia:: depois disso ele libera:: e
[...]”
Como se observa, nas L42, 43 e 44, o verbo judiar foi repetido em orações
próximas, para destacar os maus tratos e o sofrimento a que a vítima era violentamente
submetida, quando subjugada pelo agressor. Nas L42 e 43, o narrador relata que o
tarado causa o sofrimento das vítimas, usando um “membro masculino de borracha”.
Nota-se que duas construções oracionais repetidas nas L42 e 43: ele levava um
membro masculino de borracha, usadas como argumento para reafirmar a atitude
“monstruosa” do tarado. Além disso, temos, na L44, a oração (M): ele judia ocorrendo
repetição contígua, na mesma linha, ele judia da mulher em virtude de intensificar a
falta de caráter do maníaco. Depois de estuprar, violentar e judiar da tima é que o
maníaco a libera.
Excerto (10)
(45) ameaça:: (M) se você me denunciar:: (R) se você me denunciar eu volto:: eu
sei
(46) aonde você mora:: (R) se você me denunciar eu VOLto e te MATO [...]
Para reforçar o tom de ameaça, o narrador usa a repetição, conforme se observa
nas frases: se você me denunciar”, “eu volto e te mato”, com o intuito de coagir a
vítima a não denunciá-lo. O excerto (10) mostra-nos claramente a ênfase dada a esse
enunciado, em virtude de que o narrador reproduz a matriz com repetições oracionais
próximas: se você me denunciar eu volto / se você me denunciar eu volto e te mato.
Dentro dessa construção condicional, tem-se a oração que exprime condição
117
(subordinada) e a que exprime o que é condicionado (principal). A oração condicional
está anteposta à principal, configurando-se em uma potencialidade argumentativa que,
imediatamente, remete a resolução do fato: MORTE.
As repetições das orações contíguas, se você me denunciar / se você me
denunciar / se você me denunciar, confirmam a estratégia argumentativa empregada
para deixar patente a condição que o maníaco impunha como uma forma de a mulher
manter-se calada.
Nessa ocorrência, percebe-se que o operador argumentativo e é empregado para
estabelecer uma relação de adição entre os enunciados envolvidos, bem como
contrastar com a ideia principal de que ela não pode denunciá-lo. Isso significa dizer
que há uma relação de sentido em que o elemento e constitui uma indicação explícita de
que o segundo segmento se acresce ao primeiro (volto e mato).
Aqui, a ordem inversa da oração subordinada condicional causa maior impacto
porque a oração consecutiva está expressa pela oração principal e funciona como um
dado novo para o ouvinte. De fato, a conjunção e precedida ao verbo matar destaca
a grave conseqüência do ato de denúncia, caso a vítima resolvesse fazê-la.
Excerto (11):
(48) [...] vítima chorando vai para casa:: esta vítima -- (M) não sei se foi a primeira::
(R) não
(49) sei se foi a primeira: (R) só sei que foi a primeira a dar queixa [...].
Nota-se aqui outra construção de repetição argumentativa, usada para contestar a
atitude corajosa da vítima. O enunciador, ao retomar o termo não sei se foi a primeira,
introduz um novo dado em seu discurso: só sei que foi a primeira a dar queixa. Para
Galembeck (1999, p. 178), a expressão “não sei se” é denominada um marcador de
rejeição, usada para apresentar uma antecipação do locutor em “neutralizar possíveis
reações desfavoráveis ou interpretações contrárias” que o ouvinte venha a ter.
118
Ao utilizar a repetição da oração, implicitamente, o enunciador exalta a coragem
da vítima em prestar queixa. É interessante notar que a repetição consiste num recurso
usado pelo narrador para organizar o discurso e contribuir para a formação de cadeias
discursivas. Esse exemplo mostra como a repetição é usada para dar ênfase à matriz, à
medida que reforça a ideia de que poderia haver várias mulheres violentadas, mas, pelo
menos, “essa mulher” havia tomado a atitude correta.
Nesses fragmentos das linhas (48) e (49), temos caso de polifonia, em que
observamos a presença de três enunciadores
(E): - [...] vítima chorando vai para
casa:: / - não sei se foi a primeira:: não sei se foi a primeira:: / - só sei que foi a
primeira a dar queixa::[...]. No mesmo excerto outra evidência de ironia, em que a
fala do enunciador se opõe à fala de negação que se dá inicialmente. Pode-se dizer que o
é a voz da polícia, uma vez que os casos provêm da delegacia de polícia. Quanto ao
E², é o próprio locutor que enuncia sobre as mulheres, que sofrem estupro, mas não dão
deixa à polícia dos agressores.
A repetição da mesma oração, em que nega o desconhecimento sobre a queixa
da primeira vítima, reforça que o enunciador isenta-se da responsabilidade da fala de
outro enunciador, “colocando-o em cena em sua enunciação”. Assim, no momento em
que afirma “valoriza sua própria enunciação” (Maingueneau, 2001, p. 174-175).
Excerto (12):
(56) dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa
(57) claro que não tem queixa [...]
Ao contabilizar o número de queixas de mulheres vitimadas pelo estuprador, o
narrador destaca a quantidade de casos registrados, até aquele momento, e menciona
que a impunidade pode aumentar. Torna-se muito mais enfático ao elaborar o enunciado
pelo uso numérico: um, dois, três, quatro, cinco, seis:: seis casos com queixa,
promovendo a repetição contígua do último segmento com o propósito de mostrar um
número em aberto.
119
Nesse caso, tem-se o contraste imediatamente, após a enunciação afirmativa,
sobre a existência de seis casos com queixa, quando o narrador contra-argumenta, ao
inferir a ideia de que são poucas mulheres que denunciam os agressores.
Por isso que, nas linhas (56) e (57), GG repete de forma ostensiva: claro que não
tem queixa/ claro que não tem queixa, para ironizar, de certa forma, o próprio
enunciado, haja vista que as vítimas não prestam queixa por vergonha e por medo de
sofrerem algum tipo de represália.
Interessante observar que a repetição cumpre papel importante na condução da
argumentação, como nesse excerto, em que a repetição da mesma oração contribui para
contrastar com a ideia primeiramente anunciada. Nesse fragmento, podemos notar a
presença da polifonia em decorrência de duas vozes presentes, implicadas na construção
irônica do enunciado: a voz que afirma (seis casos com queixa) e a que nega (claro que
não tem queixa / claro que não tem queixa).
Maingueneau (2001, p. 174-5) postula que o enunciador repete o texto inicial
para “desqualificá-lo”, desencadeando a ironia como efeito que contraria, no mesmo
instante, o enunciado proferido. Portanto, a ironia liga-se ao caso da polifonia porque,
esse tipo de enunciação, é “uma espécie de encenação em que o enunciador expressa
com suas palavras a voz” da personagem “do qual ele se distancia, pela entonação e pela
mímica, no instante mesmo em que lhe dá a palavra.
Excerto (13)
(68) “[...](M) ele abusou de uma garotinha de treze
(69) de apenas treze anos [...]
(75) (R) o maldito:: o maldito violentou aquela garota
(76) de treze anos de idade [...]”.
Nesse excerto, temos a reiteração de construções oracionais em enunciados
distantes, nas linhas (68) e (75), com segmentos discursivos semelhantes, porque
consideramos que o verbo abusar e violentar assegura a mesma equivalência semântica
120
de estupro. A repetição assume o caráter de intensificar a idade da garota e reafirmar o
argumento que mais precisão à ideia central que, para o maníaco, não havia idade
definida para ser a vítima. Precisa ser somente do sexo feminino.
Em se tratando da repetição como função argumentativa, Marcuschi (1992)
expõe que o traço fundamental “é reproduzir uma matriz que opera como assertiva
básica na argumentação em andamento”. (p. 145). Nesse sentido, GG usa o advérbio
apenas para reforçar o conceito de restrição quanto à idade da garota, e o uso do sufixo
(inha) de garotinha” de modo afetivo, para causar comoção do ato perverso do
maníaco.
O uso do advérbio funciona como um modalizador de opinião e é usado como
estratégia argumentativa, além de revelar a subjetividade do narrador em relação à
inocência infantil. Por causa disso, o narrador é incisivo, ao retomar a designação do
referente como o maldito.
Veja-se a linha (75), em que se tem a repetição da correferenciação
37
(designação) - o maldito:: o maldito::. Note que o segundo segmento é repetido para
intensificar que esse “tipo” é indesejado e por causa de seus atos merece ser punido,
uma vez que personifica o mal.
Excerto (14):
(83) [...] uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos
(84) Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::
(85) tranquilamente ela caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::
(86) foi quando surgiu [...]
(87) [...] ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não [...]
(88) sabia a jornalista (lógico) não sabi::a [...]
37
Para Marcuschi (2006): “Uma remissão que retoma o referente como sendo o mesmo indivíduo ou
objeto é uma correferenciação. No caso de retomadas por repetição, sinônimos ou designações
alternativas pra o mesmo referente (apelidos) temos correferenciação” (p. 397).
121
(93) “[...] estuprador sem saber lógico que é o estuprador e ela iria explicar [...]
Nesse trecho, temos muitos exemplos de repetições. A linha (83) traz um caso de
repetição lexical adjacente para enfatizar que a próxima tima é uma jornalista e, pela
primeira vez em toda a narrativa, acrescentar dados novos referentes à sua identidade.
Ao mesmo tempo em que intensifica o nome, idade e profissão, a repetição serve para
estabelecer elo coesivo e retomada do referente - uma jornalista > Viviane dos Santos.
Da mesma forma que isso não concorre para a progressão do texto, mas vale
como um esclarecimento do fato, no caso, revelar quem é a personagem. O narrador
sabe que, como jornalista, a vítima deveria estar a par dos últimos acontecimentos. No
entanto, nesse momento, GG reformula o referente “Viviane”, tratando-a por “menina”,
maneira afetiva para explicar a suposta “ingenuidade” dela ao aproximar-se do homem
(com cara de anjinho).
O narrador repete, [...] a menina não sabi::a jornalista lógico não sabia [...]
sem saber lógico que é o estuprador, para refutar uma suposta conclusão do ouvinte em
face da jornalista não saber que havia um estuprador que agia nas imediações. O
narrador usa o operador argumentativo lógico para contra-argumentar que a mesma,
não tinha como saber que o homem tratava-se de um estuprador.
Excerto (15):
(91) “[...] ele finge que não ouve ele finge que não entende [...]
As repetições oracionais com paráfrase no segmento asseveram a opinião do
narrador quanto ao fato de que o maníaco simula não ter ouvido a resposta da vítima, no
instante em que é interpelada sobre a direção de como chegar à via Dutra.
O narrador repete a estrutura oracional com variação com a finalidade de
reafirmar o argumento de que o maníaco vale-se, seja porque não ouviu, seja porque
não entendeu a resposta, fazendo com que a vítima aproxime-se para que o som seja
audível ao maníaco.
Excerto (16):
(105) Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo
122
(106) ou nada:: ela reza::ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e
(107) corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena via Dutra::
Durante esse planejamento falado, percebemos que o narrador frequentemente
retoma a coisa já dita a fim de dramatizar ainda mais a cena de ação. Verificamos que as
repetições de orações contíguas idênticas, ela pede a Deus “me ajude” / ela reza (a
Deus)/ ela pede a Deus que a ajude, também cumprem o papel argumentativo na fala do
narrador que prepara o ouvinte para a tentativa de fuga da jornalista.
Depois de acentuar que a jornalista reza, pede à Deus, cria-se o suspense para o
fato seguinte: e em seguida desesperada e corajosamente ela abre a porta do seu lado e
se atira[...]. A expressão em seguida constitui-se num elemento próprio da narração
para introduzir a cena posterior e proporcionar o encadeamento da história.
No entanto, o encadeamento é marcado por dois advérbios modalizadores
afetivos interligados por um operador argumentativo, de relação conjuntiva (e) para
salientar que, numa atitude de desespero, a jornalista encontrou coragem para tentar
escapar das mãos do maníaco.
Dessa maneira, todas as repetições de cunho argumentativo colaboram para a
progressão do texto que culmina com o desfecho da cena em que a jornalista abre a
porta do seu lado e se atira em plena via Dutra, na linha (114). O fator surpresa
consiste justamente em saber que a Via Dutra é a única rodovia que liga São Paulo ao
Rio de Janeiro. Logo, o fluxo de carro é intenso, tornando-se muito perigosa.
Ao finalizar os registros marcados pelas repetições argumentativas,
depreendemos que o recurso da repetição, além de constituir um fenômeno natural da
língua, que promove maior envolvimento com o interlocutor, também tem seu uso
voltado para gerar intensa comoção do público.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como principal objetivo identificar as estratégias de
progressão e retroação presentes na formulação textual de uma narrativa selecionada de
um programa popular, cujo locutor é o repórter policial Gil Gomes, respeitado por
ouvintes que pertencem às classes sociais C, D e E, pelo modo singular de elaborar a
linguagem no radiojornalismo.
O público o elegeu como “justiceiro”, “advogado” dos oprimidos das classes
populares porque ele considera que GG fala a verdade e luta em favor dos pobres.
Também sabemos que subjacente à vida e às ações dos homens há uma intencionalidade
da própria instância midiática em induzir os ouvintes a diversos graus de comoção. E é
nesse sentido que o locutor busca lhe proporcionar o desvendamento do caso com sua
solução.
Para tanto, o repórter se utiliza de recursos linguísticos que promovem vínculos
interativos com ouvinte, levando-os a identificar-se com a realidade social que se revela
no formato de uma crônica policial. Diante desse fato, a narrativa radiofônica não deve
ser considerada somente como uma forma de relatar histórias, mas sua finalidade é
esclarecer e resgatar preceitos morais culturalmente estabelecidos, como no caso da
narrativa “O Maníaco da Via Dutra, que repudia e execra o ato violento do estupro.
Neste estudo, pudemos constatar que a ideologia transpassa o discurso, cuja base
está na informação do caso policial, material fecundo em que se mostra as tragédias e
misérias humanas. O conteúdo e a forma de falar de Gil Gomes constituem um discurso
de poder, sobre as ações de desvios que rompem os padrões sociais da boa convivência.
Por conseguinte, a narrativa da crônica policial cumpre a função “socializadora”,
ou seja, o rádio, como instituição social, dita condutas e comportamentos aceitáveis na
sociedade. Isso significa que, ao contar um crime, essencialmente, constrói-se um
discurso firmado nas normas sociais.
Para identificarmos as estratégias na superfície do texto, tivemos que nos basear
na Linguística Textual, uma vez que a narrativa evidenciou-se terreno fértil para
124
encontrarmos variados elementos elaborados para a progressividade do texto. Por ser o
texto falado, o planejamento do que será dito é uma atividade que se localmente,
tendo em vista o meio e o público-ouvinte que se quer alcançar.
Como produtor do texto, o locutor dispõe de várias estratégias ou procedimentos
que são destinados a assegurar uma continuidade de referentes que, aos poucos, são
introduzidos no texto. No constante movimento de avançar e retroceder, verificamos
que esses elementos o ativados na memória de trabalho do ouvinte durante o
processamento textual.
Assim, cria-se toda uma permanente cadeia coesiva de significados porque os
elementos sempre fazem alguma referência necessária à interpretação do ouvinte.
Pudemos observar que os referentes acionados pela escolha do locutor obedeciam às
restrições impostas pelas condições culturais, sociais e históricas do público alvo, que é
a classe popular.
A observação de todos os elementos que comprovamos, como procedimentos,
que corroboram para a progressão do texto, um em específico nos chamou a atenção,
desde o começo desta pesquisa: a Repetição.
Para compreendê-la, recorremos à Análise da Conversação. Na construção do
texto falado, que selecionamos, constatamos que a repetição é uma estratégia importante
na formulação do discurso oral porque seu uso expressa o nível de interação
desenvolvido. Ela estabelece e fortalece laços interativos com o público à medida que
ocorre localmente, tornando o discurso de fácil compreensão.
Para o locutor, a estratégia da repetição é necessária no discurso para “aliviar a
densidade da informação” (Preti, 2004, p. 128). Para o ouvinte, a repetição disponibiliza
um tempo importante para que a informação seja processada, principalmente, quando a
taxa informacional é alta.
Vale ressaltar que se apagarmos todos os elementos repetitivos constatados no
corpus da pesquisa, deixaríamos reduzido apenas seu caráter cognitivo-informativo
básico: o lead, que é o relato do fato principal de uma notícia e que responde às
perguntas: quem fez o quê, a quem, quando, onde, como, por quê e para quê (cf. Lage,
2005, p. 27).
125
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129
ANEXO
Transcrição da narrativa policial – O maníaco da Via Dutra
(18 de janeiro de 2007, às 24:00).
Linha
1. Ela sentiu:: o pior estava para acontecER::... ou seria estupra::da:: ou seria
2. assassinada::... medo... ou pavor... ou estupro.... ou assassinato... ela estava
3. ATERRADA... ela estava::... assusTAda:: um Caso:: que está chamando a
4. atenção no interior de São Paulo:: do Vale do Paraíba e também parte do
5. Estado do Rio de Janeiro::... quem é:: quem é aquele ho::mem:: um maníaco
6. doente: (batida) ou seria um demôniO:: quem é:: quem é aquele homem::
7. (batida) ele começou agora ou será que não:: (batida estridente) ou será que
8. antes atacava em outro lugaR:: Fevereiro de 2005 (batida) ele apareceu
9. garotas:: adolescentes:: mulheres assusTAdas:: apavoRAdas:: um ho::mem::
10. ho::mem:: meio gordo: meio gordo branco cabelos pretos curtos:: es-tu-pra-
11. dor este ho::mem:: meio gordo:: branco:: cabelos pretos curtos:: está
12. estuprando:: sem parar:: e as características:: a maneira de agir:: sempre a
13. mesma coisa sempre ele age do mesmo do mesmo modo da mesma maneira
14. isto mes::mo este homem:: o estuprador ele tem um Fiat Uno branCO:: ele/os
15. vidros com aquele:: insufilm com aquele plástico não é plástico:: é:: é:: uma
16. aplicação de plástico se sabe que é:: fica bem escuro:: um Fiat Uno branco
17. insufilm:: aquele carro:: aquele carro é o carro do estuprador:: em São Paulo
18. no estado de São Paulo:: ele atacou:: em Cachoeira Paulitas:: em Cruzeiro
19. em Caçapava:: não muito longe de Apareci::da:: (música de suspense) ele
20. ataca:: ele aTAca:: demônio:: demônio ele tem cara de anjinho:: ele sempre
21. atAca segunda ou sexta-feira:: nunca atacou de sá::bado domin::go terça
22. quarta quin::ta segun::da:: e sexta feira foi no dia vinte e um de fevereiro
23. deste ano:: na cidade de Cachoeira Paulista:: Vale do Paraíba:: no interior de
24. São Paulo:: Cachoeira Paulista:: foi no dia:: vinte e um de fevereiro:: vinte e
25. um de fevereiro deste ano:: que foi registrado pelo menos a primeira queixa::
26. foi registrado:: o primeiro estupro:: do monstro:: do monstro:: do Fiat Uno
27. branco:: calma::mente:: calma::mente:: ele parou aquele carro:: abaixou o
130
28. vidro do carro:: e fez uma pergunta para uma mulher:: que caminhava
29. naquela rua:: ele perguntou com a voz:: suave “por favor como é que eu
30. chego na Via Dutra? como é que eu pego a Dutra? a mulher de longe
31. respondeu:: explicou:: mas ele fingiu que não ouviu:: ele fingiu que não
32. entendeu:: “por favor:: e fez sinal com a mulher para que a mulher se
33. aproxiMAsse:: sem:: desconfiar de absolutamente nada:: sem desconfiar de
34. na::da:: a mulher que seria a vítima dele:: se aproximou do caRRo “como é
35. que faço para pegar a Dutra?quando a mulher:: se aproximou:: quando a
36. mulher chegou mais perto:: ele ele saca de um revólver “entra:: entra::”
37. música de pânico) apavorada:: a moradora de Cachoeira Paulista
38. apavorada aquela mulher:: entra no carro “entra::” que ameaça:: era terrível::
39. “ou entra no carro:: ou morre:: ela entrou a mulher tremendo:: atendeu
40. aquele maníaco:: atendeu o que o maníaco havia ordenado:: manDADO em
41. seguida:: ele sobe:; o vidro:: ele leva a mulher para um local ermo e ali::
42. aquele monstro:: estupra:: violenta:: judia:: além de estuprar:: ele levava com
43. ele um membro masculino de borracha:: ele levava um membro masculino
44. de borracha ele judia da mulher:: ele judia:: depois disso ele libera:: e
45. ameaça:: “se você me denunciar:: se você me denunciar eu volto:: eu sei
46. aonde você mora:: se vo me denunciar eu VOLto e te MATO (música
47. fúnebre) :: então ele vai embora com o Fiat Uno branCO:: a vítima:: a
48. vítima chorando vai para casa:: esta vítima (não sei se foi a primeira:: não
49. sei se foi a primeira: sei que foi a primeira a dar queixa) ela vai:: aquela
50. mulher vítima do maníaco do Fiat do maníaco da Dutra:: aquela mulher vai
51. a Delegacia de Cachoeira Paulista e presta queixa:: o doutor Mário Celso
52. Ribeiro delegado de Cachoeira Paulista:: registra o boletim de ocorrência::
53. e começa a investigar:: da mesma maneira:: aquele homem:: aquele monstro
54. ataca em cidades do Estado do Rio de Janeiro num curto espaço de tempo
55. num curtíssimo espaço de tem::po ele atacou em Itatiaia em Resende:: um
56. dois três quatro cinco seis:: seis casos com queixa claro que não tem queixa
57. claro que não tem queixa:: demônio:: ele atacava:: sempre: sempre:: da
58. mesma maneira:: um homem branco:: meio gordo:: de cabelos pretos e
59. curtos:: atacava sempre no mesmo autovel:: no Fiat Uno branco:: e o
60. modo de agir:: o modo operandi:: a mesma maneira de agir:: sempre a
61. mesma:: ele pára o carro: e pergunta “por favor por favor oh:: moça:: por
131
62. favor como é que eu chego na Dutra:: como não entendi eh:: fala mais perto
63. dona” e então acontece (suspense) rapidamente:: ele saca a sua arma e
64. obriga a mulher:: e obriga a pessoa:: a entrar no seu automóvel rapidamente::
65. a nocia correu:: e o maaco foi batizado de o TARADO da DUTRA::
66. que sempre ele pergunta da mesma maneira:: “como chegar:: como chegar
67. Via Dutra:: como chegar na Via Dutra::” num dos casos:: num dos casos
68. que aconteceu na cidade de Itatiaia:: ele abusou de uma garotinha de treze
69. de apenas treze anos:: (suspense) ele usou a mesma maneira de agir:: ele
70. usou a mesma malandragem:: “ei menina menina como é que chego na Via
71. Dutra Na Dutra:: o entendi:: chega mais perto:: e aquela garo::tinha::
72. aquela garotinha de treze anos:: se aproximou:: o demônio:: com uma arma::
73. ameaçou:: fez com que ela entrasse no seu Fiat no Fiat Uno branco com
74. vários:: cobert/com várias coberturas:: com várias coberturas:: com os vidros
75. cobertos por aquela película de insufilm o maldi::to violentou aquela garota
76. de treze anos de idade lá em Itatiaia no Rio:: depois liberou a garota da
77. mesma maneira:: ameaça:: “se você denunciar se você denunciar:: eu sei
78. aonde você mora eu sei:: eu volto” violentou:: ameaçou e fugiu: no Fiat Uno
79. branco: o maníaco não pára: sempre de segunda ou sexta-feira ele ataca:: a
80. polícia civil a polícia militar de Itatiaia o a campo:: as polícias civil e
81. militar:: vão a camPO tentanto localizar o taRAdo da Du::tra:: chegamos no
82. dia vinte e um de março chegamos no dia vinte um de março desse ano::
83. Itatiaia:: Itatiaia:: uma jornalista:: uma jornalista:: uma jornalista Viviane dos
84. Santos vinte sete anos de idade:: jornalista Viviane:: caminhava::
85. tranqüilamente ele caminhava:: Itatiaia:: foi quando:: ela ia pela calçada::
86. foi quando surgiu aquele Fiat Uno branco:: aquele Uno:: um homem:: meio
87. gordo:: ele pára o carro:: ele pára o carro era o tarado da Dutra a menina não
88. sabia a jornalista (lógico) não sabi::a e a pergunta foi feita outra vez “por
89. favor como é que eu faço para chegar na via Dutra? como é que eu faço para
90. chegar na Dutra?” a jornalista responde:: mas aquele homem:: ele finge:: ele
91. finge que não ouve:: ele finge que não entende:: vinte um de março à tarde::
92. uma segunda-feira e ela para se explicar melhor:: ela se aproxima do
93. estuprador (sem saber lógico que é o estuprador) e ela iria explicar como se
94. chegava na Dutra:: foi quando o maníaco:: foi quando ele sacou outra vez
95. aquele revólver e falou “entra senão eu te mato” a jornalista Viviane ela
132
96. fica apavorada e atende:: estupefata:: perplexa:: ela atende o que aquele
97. homem manda:: ordena:: ele:: ele então põe o carro em movimento e começa
98. a ir no Fiat Uno branco:: e vai:: na direção da Via Dutra:: ele vai falando::
99. “você é muito bonita” ele vai falando você é muito bonita:: você vai
100. passar bons momentos coMIGO monstro:: ele guia o carro com uma
101. mão e na outra mão ele segura o revólver:: ele atinge a Via Dutra sentido
102. São Paulo Rio:: a jornalista Viviane está tensa:: apavorada:: ela sabe que
103. vai ser estuprada:: e quem sabe até assassina::da:: quando aquele elemento
104. quando o bandido quando o estuprador atinge a via Dutra com o Fiat Uno::
105. Viviane:: ela mentalmente pede a Deus “me ajude” ela vai tentar um tudo
106. ou nada:: ela reza: ela pede a Deus que a ajude e em seguida desesperada e
107. corajosamente:: ela abre a porta do seu lado e se atira em plena Via Dutra::
108. se joga do carro em movimento:: isto mesmo:: Viviane:: pula daquele Fiat
109. em movimento:: como se fosse num filme:: ela cai na rodovia na via pública
110. na Dutra:: logo em seguida ela rolou:: correu e saiu gritando socorro
111. socorro soco::RRO” Viviane havia escapado um popular apareceu:: um
112. comerciante foi em socorro de Viviane:: quando o maníaco viu/ele tinha
113. parado o carro:: quando ele viu ele acelera e vai embora:: fugiu:: desapareceu
114. aquele comerciante que socorreu Viviane:: aquele comerciante que socorreu
115. a jornalista ligou telefonou para a PM de Itatiaia:: os PMS do trigésimo
116. sétimo batalhão vão para o local:: toda a região é avisada:: pelo que Viviane
117. descreveu os PMS não tiveram dúvida:: era ele de novo:: era ele de novo::
118. era o maníaco:: da Dutra:: Viviane declarou “não aconteceu nada comigo
119. porque eu apelei ao Deus maior porque existe um Deus muito forte:: assim o
120. dia passando chegou a noite do mesmo dia:: noite de vinte e um de março:: a
121. polícia:: diligenciava atrás do maníaco:: Jardim das Rosas:: cidade vizinha a
122. cidade de Penedo:: vizinha:: a Itatiaia:: aonde a moça havia sido atacada mas
123. com o maaco não se consumou o estupro ele não se/satisfez:: ele não
124. sossegou:: o Jardim das Rosas:: na cidade vizinha de Penedo:: ele vai atacar
125. de novo:: ele vai atacar de novo:: que:: que:: quase a polícia o pegou
126. antes mas ele atacou ele atacou:: ele pegou uma senhora que estava com a
127. filhinha pequena ele pegou a mulher:: estuprou a mulher na frente da filha
128. pequena:: na volta:: na volta havia uma blitz os PMS do trigésimo sétimo
129. batalhão do Rio haviam cercado tudo:: paravam carro por carro
133
130. principalmente Fiats brancos:: ele:: o maníaco:: não sabia (lógico) logo ele
131. cai na rede da polícia:: ele é intimado a parar:: a polícia parou o carro:: um
132. homem uma mulher e uma criança:: os PMS viram aquele homem
133. transportada uma mulher e uma criança ninguém sabia que era ele::
134. ninguém sabia um PM que parou o carro perguntou para aquela mulher
135. “tudo bem senhora e a mulher começou “NÃO o tudo bem eu fui
136. estuprada este homem me estuprou:: estuprou agora:: esse homem é o
137. estuprador:: SOCO::rro:: os PMS vieram correndo os outros/armas
138. apontadas para o motorista desce:: desce imediatamente ele desce::
139. armas apontadas para ele:: era o fim:: era a prisão do maníaco da DUTRA::
140. dentro do carro uma pistola:: de brinquedo:: arma com a qual ele atacava::
141. embora parecesse de verdade era de mentira: era uma pistola de brinQUEDO
142. o estuprador preso ele mora aqui na capital ele mora aqui em São Paulo
143. Sérgio Verdini é o nome dele Sérgio Verdini trinta e seis anos que trabalha
144. como consultor de seguros:: aquela mulher que também caiu na conversa
145. dele sobre como chegar na via Dutra ela foi estuprada na frente de sua
146. filhinha uma criança:: ah:: foi pega perto pertinho de uma universidade no
147. bairro Manejo na cidade do Rio de Janeiro:: ele ia a Resende Itatiaia Penedo
148. Cachoeira ia pra todo lado:: Resende:: tomo mundo sabe que é uma cidade
149. vizinha a Penedo Itatiaia:: o tara::do:: da Dutra que de cara confessou havia
150. estuprado aquela mulher:: ele não negou:: não:: nem tinha como negar:: a
151. mulher tava lá falando:: o monstro:: foi levado para a delegacia de Itatiaia::
152. aonde a jornalista:: aonde Viviane que fugiu:: aonde Viviane estava:: ela
153. também o reconheceu:: ela reconheceu Sérgio trinta e seis anos o
154. estuprador:: ele confessou também:: o delegado:: o delegado doutor Vicente
155. Maximiliano:: não teve vidas autuou o tarado da Dutra em flagrante::
156. outras timas foram levadas até o distrito e reconheceram o monstro:: seis
157. vítimas reconheceram:: foram atacadas pelo Sérgio:: seis além daquelas
158. ele diz que violentou sete mulheres desde fevereiro:: ele conta a história
159. contou a história dele:: Sérgio contou que mora em São Paulo:: é separado
160. tem um filho de cinco anos de idade:: ele conta:: a história (se é verdade não
161. sei) a história se repete:: ele conta que quando era garotinho:: quando tinha
162. sete anos apenas sete anos de idade:: ele foi vítima de violência sexual desde
163. então ele ficou traumatizado:: a polícia encontrou no carro dele aquele
134
164. membro de borracha uma bíblia:: e uma cópia de artigo de magia negra::
165. feitiçaria:: a polícia da cidade de Itatiaia no Rio foi procurada pela polícia de
166. Cachoeira Paulista:: a placa:: tinham anotado a placa:: a placa do carro CFL
167. 1290 a placa de São Paulo:: a mesma:: estupros do maníaco da Dutra São
168. Paulo-Rio:: São Paulo-Rio:: a polícia:: acredita:: que Sérgio Verdini cometeu
169. vários outros casos:: segundo se levantou ele atacava de segunda e sexta
170. feira:: (sabe por que:: sabe por que?) ele mora em São Paulo ele saia de sua
171. casa em São Paulo para trabalhar:: ele trabalha como consultor de seguros
172. em Volta Redonda no Rio de Janeiro:: eno quando ele ia para Volta
173. Redonda ele parava:: atacava:: na sexta-feira quando voltava para São Paulo
174. ele atacava na ida e na volta::/este homem este homem precisa ser melhor
175. investigado:: eu agradeço:: as pessoas de Resende jornalistas que me
176. enviaram material para que eu contasse esta história e agora tem que se ver
177. quem é esse Sérgio Verdini aonde morava aqui em o Paulo:: ele tem
178. ataques aqui na capital paulista:: Sérgio Verdini:: alguém conhece:: alguém
179. conhece me informe:: ligue aqui:: me informe:: ligue aqui:: o maníaco da
180. Dutra está preso:: está na carceragem da delegacia da cidade de Valença::
181. no Rio:: a polícia de São Paulo e do Rio:: estão investigando:: as polícias
182. investigando:: agora ele precisa ser melhor identificados:: vários ataques
183. e sempre da mesma maneira:: é um maníaco:: trinta e seis anos de idade::
184. sete timas confirmadas mas tem muito mais:: Sérgio Verdini:: trinta
185. e seis branco separado consultor:: morava em São Paulo e trabalhava em
186. Volta Redonda:: esta é uma hisria que não parou por aqui não:: tem
187. muita coisa ainda para acontecer nesta história:: tem muita coisa para
188. acontecer nesta história::
**********************************************************************
135
ANEXO:
As normas para transcrição foram desenvolvidas pelo Projeto NURC (USP-SP), sob a coordenação
do professor Dino Preti.
Ocorrência Sinais Exemplificação *
Incompreensão de palavras
ou segmentos
( )
do nível de renda... ( )
nível de renda nominal...
Hipótese do que se ouviu
(hipótese)
(estou) meio preocupado (com o
gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou timbre)
/
e comé/e reinicia
Entonação enfática
maiúsculas
porque as pessoas reTÊM
moeda
Prolongamento de vogal e
consoante (como s,r)
:: podendo aumentar para:::
ou mais
ao emprestarem
os... éh::: .... o dinheiro
Silabação _
por motivo tran-sa-ção
Interrogação ?
e o Banco... Central... certo?
Qualquer pausa
...
são três motivos... ou três
razões... que fazem com que se
retenha moeda... existe uma...
retenção
Comentários descritivos do
transcritos
(minúscula)
... a demanda de moeda - -
vamos dar essa notação - -
demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade de
vozes
{ligando as
linhas
A. na casa da sua ir
B. sexta-feira?
A. fizeram lá
B. cozinharam lá
Indicação de que a fala foi
tomada ou interrompida em
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo.
(...)
(...) nós vimos que existem
Citações literais ou leituras de
textos, durante a gravação
“ ”
Pedro Lima... ah escreve na
ocasião... “O cinema falando em
língua estrangeira não precisa de
nenhuma baRREIra entre nós”...
Observações:
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc).
2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, uhn, tá (não por está:tá? Você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).
8.
Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final,
dois-pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa, conforme referido na
introdução.
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