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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
A PRÁTICA DE ESCRITA NA ESCOLA: UMA ANÁLISE DO
PROCESSO AO PRODUTO
MARIA ANUNCIADA NERY RODRIGUES
JOÃO PESSOA – PB
MARÇO- 2008
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MARIA ANUNCIADA NERY RODRIGUES
A PRÁTICA DE ESCRITA NA ESCOLA: UMA ANÁLISE DO
PROCESSO AO PRODUTO
Dissertação submetida ao Curso de Pós-
Graduação em Lingüística da Universidade
Federal da Paraíba como exigência parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Lingüística.
Dra. REGINA CELI MENDES PEREIRA DA SILVA
ORIENTADORA
João Pessoa
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFPB
R696p
Rodrigues, Maria Anunciada Nery
A prática de escrita na escola: uma análise do processo ao produto/
Maria Anunciada Nery Rodrigues. – João Pessoa, 2008.
116p.
Orientadora: Regina Celi Mendes Pereira da Silva
Dissertação (mestrado) – UFPB/CCHLA
1.Lingüística. 2.Produção textual. 3.Interacionismo sociodiscursivo.
4.Ensino médio.
UFPB/BC CDU-81’1(043)
MARIA ANUNCIADA NERY RODRIGUES
A PRÁTICA DE ESCRITA NA ESCOLA: UMA ANÁLISE DO
PROCESSO AO PRODUTO
APROVADA EM: 14/03/2008
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Regina Celi Mendes Pereira da Silva
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Profa. Dra. Lucília Maria do Carmo Garcez
Universidade de Brasília - UNB
Profa. Dra. Maria Augusta G. de M. Reinaldo
Universidade Federal de Campina Grande - UFCG
v
Dedico
A meu marido, Aurean, pelo companheirismo de uma relação amorosa e pelo
incentivo e segurança, sem o que não seria possível a realização deste
trabalho;
A meus queridos filhos, Adrian Moagne e Yves Lean, pelo sentido que dão à
minha vida;
A meus pais, Adão e Maria Nery, que sempre lutaram para que nada faltasse
a seus filhos, principalmente a Escola;
A meus irmãos, com quem reparto o êxito de minha vitória.
vi
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, que me permitiu viver essa experiência.
A meus pais, Adão e Maria Nery, pelos princípios ensinados e fundamentos implantados,
buscando solidificar meu caráter.
Tenho também que agradecer a todos os meus familiares, irmãos, sobrinhos, não podendo
deixar de fora os amigos.
À professora Drª. Regina Celi, pela orientação atenta, pelos ensinamentos, pela troca de
idéias, motivando-me a buscar respostas no desenvolvimento desta pesquisa.
Às professoras e aos alunos participantes deste estudo, pela disponibilidade e carinho com
que se dedicaram ao mesmo.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Lingüística, da UFPB, por dividirem
seus conhecimentos, experiências, reflexões e tempo.
Aos amigos de turma, com os quais compartilhei alegrias e aflições.
À Vera, secretária do PROLING, pela eterna solicitude e dedicação com que desempenha
seu trabalho.
À Escola Agrotécnica Federal de Araguatins-TO, pela concessão de licença para
capacitação.
Enfim, a todos que contribuíram na realização deste trabalho.
vii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS...................................................................................................................... ix
RESUMO ........................................................................................................................................... x
ABSTRACT...................................................................................................................................... xi
INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I .................................................................................................................................. 16
1. LINGUAGEM, ENSINO DE ESCRITA E FORMAÇÃO DO PROFESSOR........................ 16
1.1 QUESTIONAMENTOS EM TORNO DA LINGUAGEM........................................................................ 16
1.2 O ENSINO DE ESCRITA NA ESCOLA ............................................................................................. 22
1.3 REVISITANDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS ..................................................... 26
CAPÍTULO II ................................................................................................................................. 31
2. CAMINHOS PERCORRIDOS NA LEITURA DE VYGOTSKY, BAKHTIN E BRONCKART ...... 31
2.1 O INTERACIONISMO SOCIAL VYGOTSKIANO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO.............. 31
2.2 BAKHTIN/VOLOCHÍNOV: LINGUAGEM E INTERAÇÃO .................................................................. 35
2.2.1 O interacionismo e o Ensino-aprendizagem de Língua Materna.................39
2.2.2 Os Gêneros do Discurso na Teoria Enunciativo-discursiva de Bakhtin......41
2.3 APORTES DO INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO (ISD) DE BRONCKART ............................. 44
2.3.1 O ISD e o Ensino Centrado nos Gêneros Textuais ......................................48
CAPÍTULO III................................................................................................................................ 52
3. PERCURSO METODOLÓGICO.............................................................................................. 52
3.1 A NATUREZA DA PESQUISA......................................................................................................... 52
3.2 CONTEXTO E SUJEITOS DA PESQUISA.......................................................................................... 53
3.3 OS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS................................................................................. 54
3.3.1 O Questionário .............................................................................................55
3.3.2 As Aulas Observadas....................................................................................55
3.3.2.1 A primeira situação de escrita ........................................................................ 55
3.3.2.2 A segunda situação de escrita......................................................................... 56
3.3.2.3 A terceira situação de escrita.......................................................................... 59
3.3.2.4 A quarta situação de escrita............................................................................ 61
3.3.2.5 A quinta situação de escrita......................................................................62
3.3.3 Os Textos .....................................................................................................63
3.5 PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA ANÁLISE DAS SITUAÇÕES DE ESCRITA................................... 63
viii
CAPÍTULO IV ................................................................................................................................ 64
4. O PROCESSO E O PRODUTO ................................................................................................. 64
4.1 OS DIZERES DAS PROFESSORAS SOBRE O ENSINO DE PRODUÇAO DE TEXTOS.......................... 64
4.2 ANÁLISE DO PROCESSO DE ESCRITA NO ENSINO MÉDIO ......................................................... 67
4.3 ANÁLISE DOS TEXTOS ................................................................................................................ 71
4.3.1 Textos da Primeira Situação de Escrita............................................................71
4.3.2 Textos da Segunda Situação de Escrita............................................................77
4.3.3 Textos da Terceira Situação de Escrita............................................................84
4.3.4 Textos da Quarta Situação de Escrita..............................................................91
4.3.5 Textos da Quinta Situação de Escrita ..............................................................95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 108
ANEXOS ........................................................................................................................................ 114
ix
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1-
Elementos das situações de escrita..............................................................
68
Tabela 2- Configuração dos textos da 1ª situação de escrita....................................... 75
Tabela 3- Configuração dos textos da 2ª situação de escrita.......................................
82
Tabela 4- Configuração dos textos da 3ª situação de escrita.......................................
88
Tabela 5- Configuração dos textos da 4ª situação de escrita.......................................
93
Tabela 6- Configuração dos textos da 5ª situação de escrita.......................................
99
x
RODRIGUES, M. A. N. A Prática de escrita na escola: uma análise do processo ao
produto. João Pessoa, 2008. Dissertação (Mestrado em Lingüística) Universidade
Federal da Paraíba.
RESUMO
Este trabalho, situado na área de Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas, apresenta
uma visão da prática de produção de textos desenvolvida por duas professoras junto a
alunos do ensino médio de uma escola particular da cidade de Campina Grande-PB. Nesse
contexto, delimitamos como focos específicos: analisar, à luz da teoria do interacionismo
sociodiscursivo, o trabalho das professoras no encaminhamento das atividades de produção
textual; identificar e analisar, nos textos dos alunos, indícios da relação entre as condições
de produção e a materialidade textual. Para desenvolver o trabalho, adotamos como
procedimentos a observação das aulas, a coleta das produções escritas e a aplicação de
questionário às professoras. Os resultados obtidos levaram-nos a constatar que o problema
de o aluno não conseguir um bom desempenho comunicativo escrito é, em parte,
decorrente do conjunto de elementos que orientam a sua produção. O quadro revelado
sobre a atividade de produção escrita deixou transparecer que o ensino ainda se baseia na
concepção tradicional da linguagem. Com isso anula-se o caráter interativo da escrita,
descaracterizando-a como lugar de interação e de diálogo entre sujeitos. A pesquisa aponta,
portanto, para a necessidade de se investir, seriamente, na melhoria da formação lingüística
e pedagógica dos professores, para que eles possam alargar sua compreensão dos fatos da
linguagem e das competências requeridas para o ato de escrever.
Palavras-chave: produção textual, condições de produção, ensino médio.
xi
RODRIGUES, M. A. N. Written practices at school: an analysis from the process up to
the product. João Pessoa, 2008. Dissertação (Mestrado em Lingüística) Universidade
Federal da Paraíba.
ABSTRACT
This work, situated in the area of Applied Linguistics to the Teaching Languages, presents
a panoramic view of text production practice developed by two teachers from high school
students in a private school from Campina Grande-PB. In this context, we delimited as
specific focuses: to analyze, based on the social-discursive interactionist theory, the
pedagogical work of the teachers in guiding the activities of textual production; to identify,
in the students’ texts, indications that demonstrated the relationship between the production
conditions and textual materiality. To develop the work, we adopted as procedures the
observation of the classes, the collection of written productions and the application of
questionnaire to the teachers. The obtained results led us to verify that the problem of the
students not to obtain a good performance communicative writing is, in part, due to the set
of elements that guide their production. The picture revealed by the activity of written
production showed that teaching is still based on a traditional conception of language. So,
the interactive nature of writing is denied, depriving of characteristics it as place of
interaction and dialogue between subjects. The research points, therefore, to the need to
invest, seriously, in the improvement of the teachers’ linguistic and pedagogical education,
so that they can enlarge their understanding of the facts of the language and of the
competences requested for the act of writing.
Key words: textual production, production conditions, secondary school.
12
INTRODUÇÃO
O tema produção textual é bastante freqüentado pelos pesquisadores,
caracterizando-se como uma área de ensino que revela inquietações, discussões e
ansiedades dos profissionais da língua materna.
Vários artigos, dissertações, teses e outros trabalhos acadêmicos trataram do
desempenho de alunos, todos eles discutindo problemas de produção de textos. Cada um
desses estudos, partindo da análise de aspectos diversos das redações dos estudantes, e dos
vestibulandos em particular, forneceu e continua fornecendo subsídios para que outros
trabalhos aprofundem a pesquisa nessa área.
No entanto, o trabalho com a produção de textos em sala de aula pode ser
considerado, ainda nos dias atuais, deficiente, mesmo frente ao avanço das ciências da
linguagem. O que se ouve constantemente entre os professores de ngua materna são
reclamações a respeito das dificuldades dos alunos em produzir textos. Essa dificuldade
não é exclusiva da aula de Português, mas parece agravar-se mais nesse espaço, onde é
mais visível a desarticulação da linguagem do seu contexto de produção.
A necessidade de repensar o ensino/aprendizagem da língua materna é
amplamente reconhecida pelos lingüistas brasileiros que, sobretudo nas últimas décadas,
vêm desenvolvendo projetos de ensino de modo a conhecer e interpretar a realidade das
atividades em torno da linguagem em sala de aula, com o intuito de implantar reflexões,
propor soluções e contribuir com subsídios teóricos e práticos para o desenvolvimento da
prática pedagógica.
A escola tem trabalhado com artificialidades, ao que Lemos (1977) considerou
como estratégias de preenchimento, em que a organização do discurso não resulta da
reflexão sobre o tema, porém de uma matriz ou esquema pré-estabelecido.
13
Pécora (1983) aponta 13 problemas comuns às redações de vestibulandos, mas
que se mostram também na redação escolar de um modo geral. O autor conclui que o
fracasso no ensino de produção textual não seria especificamente da inconsistência do
conhecimento das regras ou normas que regulam a manipulação da escrita, mas da
inexistência, no trabalho escolar, de parâmetros que possibilitam a produção textual desse
aluno tornar-se uma prática significativa.
Brito (1984) também traz importantes considerações a respeito do assunto.
Segundo ele, a prática de produção de texto está bastante relacionada à norma,
principalmente, aos aspectos da ortografia, concordância e regência. Enfim, ensina-se
redação apenas para fixar a norma, ainda que nem sempre se assuma explicitamente esta
perspectiva”.
Val (1991) mostrou a precariedade do desempenho lingüístico do aluno através
da análise de cem redações de vestibulandos que pleiteavam, em 1983, vagas ao curso de
Letras da UFMG. Para ela, as redações analisadas, em sua maioria certinhas e
arrumadinhas (grifo da autora), eram desinteressantes e inconsistentes, devido às
condições de produção a que foram submetidos seus autores.
Garcez (1998), em seu trabalho de investigação sobre os modos de participação
do outro na construção do texto, mostrou que os procedimentos tradicionais da escola
quanto ao ensino de redação não são os mais adequados e produtivos, e, que o ensino da
escrita deve ser visto como um processo interativo, o que, geralmente, tem sido ignorado
na prática escolar.
Conceição (2002), no artigo O ensino de produção textual e a (re)construção
da competência discursiva do aluno”, demonstra, nos sucessivos relatórios de estágios dos
alunos do curso de Letras da UFMS, a constatação de que os professores evitam ensinar
seus alunos a produzir textos e, quando ensinam, a didática ocorre de modo equivocado e
ineficiente.
Diversos outros trabalhos, de extrema importância, poderiam ser citados, uma
vez que tal deficiência na linguagem, especialmente na modalidade escrita, freqüentemente
é divulgada.
Constata-se, então, que, após a permanência por anos a fio na escola, nossos
alunos possuem qualidade nas comunicações escritas, o que contradiz, de forma
14
assustadora, um grande objetivo a ser atingido pela escola no ensino de língua materna: o
domínio real da linguagem escrita, evidenciado por sujeitos que saibam usá-la nos diversos
contextos sociais para interagir com os outros.
Apesar de reconhecer que esse assunto foi alvo de muitas discussões e de
diversos trabalhos acadêmicos, acreditamos que muito ainda para ser discutido a
respeito do ensino de redação, especialmente em se tratando da forma como se dá o
encaminhamento dessa atividade em sala de aula.
Sabemos que o professor exerce um papel muito significativo no processo da
aquisição da escrita, por isso levantamos a hipótese de que o desempenho escrito do aluno
retrata, de modo significativo, a realidade do processo escolar a que ele foi submetido,
inserindo-se, aí, a metodologia empregada no ensino da produção de textos. Assim, faz-se
necessário conhecer o desempenho profissional do professor, bem como a existência ou
não de condições favoráveis para atividades dialógicas no espaço de sala de aula, inclusive
de orientações adequadas, em relação ao exercício de elaboração da escrita.
Em busca da confirmação ou não da hipótese levantada, elegemos quatro
turmas de ensino médio, de uma escola particular da cidade de Campina Grande-PB, como
lugar de interesse para analisar como se o trabalho pedagógico com a produção de
textos escritos, tentando interpretar os elementos que dirigem a produção do texto escolar e
caracterizando suas condições de produção.
De modo mais específico, procuramos:
Investigar o posicionamento do professor em relação ao ensino de produção de
textos;
Analisar as estratégias utilizadas pelo professor durante o processo de produção de
textos no ensino médio;
Verificar nos textos produzidos pelos alunos indícios que demonstrem a relação
entre as condições de produção e a materialidade textual;
Identificar e analisar os componentes da arquitetura interna do texto dos alunos;
Quanto à organização, este trabalho está dividido em quatro capítulos, além das
partes que tratam da Introdução, Considerações Finais e Referências Bibliográficas.
15
A Introdução teve como objetivo apresentar alguns aspectos sobre ensino-
aprendizagem de produção textual, bem como a justificativa, a hipótese e os objetivos
propostos para a concretização da pesquisa.
O primeiro capítulo, Linguagem, Ensino de escrita e Formação do professor, é
dedicado ao esclarecimento de questionamentos sobre as concepções de linguagem,
expondo as diferentes perspectivas. Apresentamos, ainda nessa parte, o percurso do ensino
de escrita na escola e fazemos algumas reflexões a respeito da formação dos professores de
português.
O segundo capítulo, Caminhos Percorridos na Leitura de Vygotsky, Bakhtin e
Bronckart, apresenta a teoria sociointeracionista de Vygotsky (1987[1934], 1988[1930]), a
teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin/Volochínov (1988 [1929]) e, na seqüência, a
teoria de Bronckart (1999) a respeito da ação de linguagem e da arquitetura textual.
O capítulo terceiro Percurso Metodológico - teve como propósito fazer a
descrição dos procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento da pesquisa.
Nele abordamos a natureza da pesquisa, o contexto e participantes do estudo, os
instrumentos de coleta e os procedimentos adotados para a análise dos dados.
No quarto capítulo, Análise dos dados, analisamos os questionários e o
processo e produto de cinco situações de escrita. Na análise, interpretamos o trabalho
pedagógico das professoras no encaminhamento das atividades de produção de textos,
buscando identificar como as condições de produção interferem na escrita dos alunos e
depois focalizamos nosso olhar sobre a dimensão lingüístico-discursiva.
Na parte que trata das Considerações Finais, expusemos as conclusões a que
chegamos durante o processo de investigação e, obviamente, através das análises
efetuadas.
16
CAPÍTULO I
1. LINGUAGEM, ENSINO DE ESCRITA E FORMAÇÃO DO PROFESSOR
1.1 Questionamentos em torno da linguagem
A questão fundamental para o ensino da língua materna é a maneira como o
professor concebe a linguagem, pois a toda metodologia utilizada subjaz uma concepção,
uma postura teórica e política norteadora de toda prática. Nada do que se faz em uma sala
de aula deixa de estar vinculado a um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os
fatos lingüísticos são percebidos e tudo, conseqüentemente, se decide. A definição dos
objetivos, a escolha dos objetos de estudo, os procedimentos utilizados, enfim, o
planejamento de uma aula, tudo perpassa por uma determinada concepção de língua, de
suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem (ANTUNES,
2003, p. 39).
Os estudos lingüísticos de cunho pedagógico têm distinguido três formas de se
conceber a linguagem: como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação
e como forma de interação (cf. GERALDI, 1984; TRAVAGLIA, 1997; KOCH, 2003).
Apesar de bastante discutida, a presença destas concepções neste trabalho se justifica
pelas práticas de ensino de língua materna em que desembocaram. Discutiremos a seguir,
destas concepções, os aspectos mais pertinentes, relacionando-os ao ensino de produção
textual.
Na primeira delas, que tem a linguagem como expressão do pensamento, a
expressão se constrói na mente do indivíduo, constituindo-se sua exteriorização apenas em
uma tradução do pensamento. A expressão exterior depende apenas do conteúdo interior,
do pensamento da pessoa e de sua capacidade de organizá-lo de maneira lógica. Acredita-
se, portanto, que o pensar logicamente deve ser incorporado por regras que devem ser
seguidas por aqueles que querem falar e escrever corretamente.
17
Nessa perspectiva, segundo Maciel (2001, p. 19),
cabia ao ensino de língua desenvolver um trabalho com a linguagem a fim de
possibilitar ao ser humano a “correta” expressão desse pensamento. Justifica-se,
então, o ensino normativo, caracterizado pelo ensino de regras do bem falar e do
bem escrever.
Dessa forma, aprender a escrever equivale a conhecer as normas gramaticais,
conteúdo priorizado em sala de aula. Sendo assim, o ensino da língua e, especificamente da
escrita, deve iniciar pela apresentação da gramática, cujo domínio conduzirá à produção
escrita.
O aluno inserido nesse contexto de ensino é considerado um ser passivo,
destituído de conhecimentos que, para adquirir domínio formal da língua, precisaria de um
professor com conhecimentos gramaticais e que utilizasse metodologias e estratégias de
ensino a fim de garantir a memorização dos conteúdos gramaticais. Aqui, o professor é o
que “sabe tudo” e o aluno é como uma “tábula rasa” que precisa receber os conhecimentos
acumulados pelos homens.
Segundo Zanini (1999, p. 81), nessa concepção de língua, “o aluno deveria
demonstrar um domínio formal da linguagem e, nessa mesma perspectiva, avaliados os
seus textos, ou melhor, as suas redações”. Assim, quanto mais rebuscada fosse a
linguagem empregada pelo aluno, mais eficiente era seu texto. Isso implica a valorização
da forma, em detrimento do conteúdo.
O modelo de produtor de textos é o escritor literário e, por isso, o dom é a
propriedade essencial. A técnica principal de ensino de redação é a de produzir o texto
dentro dos esquemas básicos: narração, descrição e dissertação.
Tal forma de conceber a linguagem vem influenciando, muito tempo, uma
prática pedagógica em que o ensino da língua escrita é geralmente centrado em modelos. O
aluno é levado a reproduzir o pensamento e as idéias do outro. Em decorrência disso, os
textos são impessoais e sem originalidade.
A partir desses pressupostos sobre a língua, constatamos que o texto (oral ou
escrito) não depende nem da situação comunicativa na qual é produzido, nem do outro para
18
quem se fala ou escreve, mas depende unicamente do como se fala ou escreve. Ou seja, o
texto seria apenas a transcrição perfeita do pensamento, sem levar em conta que as pessoas
interagem umas com as outras, através de ações orientadas pelos diversos usos da
linguagem.
A segunda concepção, aquela que entende a linguagem como instrumento de
comunicação, constitui-se em um mero código que permite transmitir e receber mensagens.
Aqui, o indivíduo (emissor) tem em sua mente uma mensagem elaborada que será
transmitida através de um canal (fala ou escrita) para outro indivíduo (receptor). Assim a
comunicação será eficiente se o emissor e receptor dominarem o código. Nesse sentido,
Travaglia (1997) afirma que o uso do código envolve conseqüentemente duas pessoas,
portanto, é necessário que o código seja utilizado de maneira semelhante para que a
comunicação se efetive.
Nessa concepção, também não se consideram os interlocutores e nem a situação
de comunicação. A língua é concebida numa visão imanente e seu estudo se dá fora do seu
contexto de uso. Ou seja, a língua estaria pronta como um sistema a ser apropriado pelos
sujeitos que dele farão uso para se comunicar.
Tais idéias a respeito da língua são colocadas em evidência por Saussure, pois
para ele, a língua é forma e não substância, é um produto que o indivíduo, ao nascer,
encontra pronto e dele faz uso.
Para Geraldi (1984, p.41), essa concepção corresponde à corrente dos estudos
lingüísticos do estruturalismo e do transformacionalismo, na qual a linguagem é vista
como um sistema de signos, os quais se combinam para estabelecer a comunicação; é o
estudo da língua pela língua. Para o autor, pelo fato de o código ser reconhecido como um
conjunto de sinais cuja organização depende de uma certa estrutura, a língua é considerada
como um sistema, cujas partes poderiam ser aprendidas mediante treinamento parcelado.
Ou seja, dá-se ênfase a exercícios de repetição e modelos prontos, supondo-se que o aluno
assim dominará o uso da escrita. É freqüente a utilização de técnicas de identificação de
elementos textuais e de estratégias de preenchimento de esquemas. Os tipos de textos
tradicionais (narração, descrição e dissertação) continuam sendo objetos de ensino.
Nessa concepção de língua, o professor, segundo Zanini (1999), não é mais o
detentor do saber e o aluno não é um recipiente vazio. O professor que segue o que vem
determinado pelo livro didático passa a conceber a língua como um saber que está fora do
19
aluno, que para ser internalizado, o ensino deverá centrar-se nos exercícios com
enunciados do tipo “siga o modelo”. Esses exercícios inibem o pensamento do aluno, pois
visam apenas estimulá-lo a dar as respostas esperadas pelo professor e pautadas no livro
didático. O aluno, passivo nesse processo, assim como o professor, não questiona o que
faz.
Nessa perspectiva, em primeiro lugar, deve-se dotar o aluno de uma
competência gramatical, para, então, introduzi-lo na atividade de produção de textos.
Isso porque a língua sendo um instrumento de comunicação é preciso antes de tudo ser
bem conhecida.
Embora os fundamentos didáticos sejam praticamente os mesmos da concepção
tradicionalista da língua, o aluno não é visto mais apenas como um assimilador de regras
gramaticais, mas como alguém que precisa desenvolver uma capacidade textual para se
comunicar.
Segundo Bonini (2002), nessa acepção de língua, as etapas do processo de
produção de texto “objetivam despertar no aluno a consciência de seu papel de
comunicador. Voltam-se para o modo como o texto se organiza para produzir um conteúdo
saliente, a mensagem, mas a intervenção do professor continua conducionista.”
Assim cabe à escola, no seu papel de ensinar a produzir textos, desenvolver a
capacidade do aluno de criar e organizar bem as idéias, dominar a gramática e os modelos
de escrita. Ao aluno, de posse de tais conhecimentos, cabe imitar tais modelos de forma a
constituir-se em um bom escritor.
A terceira concepção, que entende a linguagem como forma de interação, é
vista como “lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes tornam-se sujeitos”
(GERALDI, 1984). Baseada principalmente nas idéias de Bakhtin/Volochínov
(1988[1929]) essa forma de concepção considera a linguagem em diversas situações de
interação que o sujeito vive no seu cotidiano, seja produzindo enunciados, seja
interpretando-os de forma adequada à situação.
As concepções de língua como “expressão do pensamento” e como
“instrumento de comunicação” recebem agora orientações mais amplas, pois a linguagem
não é mais um sistema abstrato, um saber individual que existe dentro da cabeça do sujeito,
20
mas algo concreto que se constitui num processo sócio-interacional, um sistema de
sentidos em movimento.
Segundo Travaglia (1997, p. 23), à luz dessa concepção, o que o indivíduo
faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento,
ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar sobre o
interlocutor (ouvinte/leitor). A linguagem é, pois, um lugar de interação
humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre
interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-
histórico e ideológico. Os usuários da língua ou interlocutores interagem
enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses
lugares de acordo com formações imaginárias (imagens) que a sociedade
estabeleceu para tais lugares sociais.
Essa ação sobre o outro não é unilateral, visto que é uma interação entre o
produtor e receptor do discurso, cada um ocupando seu lugar social. Nesse sentido, não é
a intencionalidade que determina o discurso, mas as relações sociais, o lugar que o
locutor ocupa na sociedade e na situação comunicativa, e também o lugar social do
interlocutor. É uma via de mão dupla, na qual os interlocutores e todo o contexto da
enunciação são considerados para que se efetive a interação.
Compreender a língua dessa forma é compreender que a linguagem e a
sociedade são realidades indissociáveis, pois uma, inevitavelmente, influencia e é
influenciada pela outra.
É este fenômeno social da interação verbal que se realiza através da enunciação
(ou enunciações) que constitui a realidade fundamental da língua. Ou seja, “a língua
penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 1992, p. 282).
Para Bakhtin/Volochínov, a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados, é uma espécie de “ponte lançada entre mim e os
outros” (1988[1929], p. 113). A enunciação implica, portanto, um processo de
compreensão da palavra sua e do outro; é um ato de fala determinado pela situação
21
imediata e pelo contexto social, é um produto social. Dessa forma, a palavra sempre quer
ser ouvida, buscando o que Bakhtin/Volochínov chama de compreensão responsiva ativa.
Apoiando-se nessas idéias, Geraldi (1984) ressalta que a linguagem tem caráter
interlocutivo e toda enunciação é uma alocução que requer um alocutário. O interlocutor
pode ser real ou imaginário, individual ou coletivo, e a sua presença não se
despretensiosamente: ele acaba direcionando ou interferindo no discurso do locutor.
Nessa perspectiva, a atividade de produção textual não pode ser entendida como
um simples “saber-fazer” que se desenvolve naturalmente e através do qual o indivíduo
mobiliza elementos estruturais da língua para expressar seus pensamentos. A construção da
linguagem escrita pelo aluno caracteriza-se por ser um processo que ocorre a partir das
interações sociais vivenciadas por ele, que vão lhe dando não apenas o sentido de sua
própria escrita, mas também contribuindo para se tornar sujeito.
A esse respeito, Geraldi (1999, p.19), inspirado em Bakhtin/Volochínov, diz:
o sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros, sua
consciência e seu conhecimento do mundo resultam como “produto sempre
inacabado” deste mesmo processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e
constitui-se como ser social, pois a linguagem não é o trabalho de um artesão,
mas trabalho social e histórico seu e dos outros e para os outros e é com os
outros que ela se constitui. Isso implica que não há um sujeito dado, pronto, que
entra em interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas
falas e nas falas dos outros.
Essas mudanças de enfoque têm representado um notável avanço nas propostas
de ensino da linguagem. A unidade básica de trabalho não é mais a palavra ou frases
isoladas, mas novos fatores passam a ser considerados, como: o texto, o contexto,
intenções e atitudes do falante em relação à prática da língua, com sua natureza sócio-
histórica e ideológica. O texto passou a ser encarado pelo seu caráter discursivo, levando-
se em conta suas múltiplas situações de interlocução, e considerado como resultado de uma
atividade comunicativa efetiva.
Também os PCN (1999) assumem a perspectiva dialógica de trabalho com a
linguagem, ao relacionar os conteúdos das práticas de uso da linguagem aos aspectos que
22
caracterizam o processo de interlocução. As orientações, nesse documento, são para que se
observem a historicidade da linguagem e da língua, além da constituição do contexto de
produção (enunciador, interlocutor, finalidade da interação, lugar e momento da produção).
Ao compreender o uso da linguagem como interação social, o aluno amplia o
conhecimento de si e do outro, num processo dialógico, e torna-se receptor e produtor de
textos diversos. É nesse contexto que o ensino de produção textual assume uma nova
perspectiva: a de que se deve diversificar a escrita e criar situações autênticas de produção
de texto na escola. Segundo Bonini (2002), na abordagem interacionista da linguagem, a
produção textual do aluno deve se constituir numa autêntica produção de sentido, mediante
a execução de uma ação de linguagem.
Outro aspecto importante no método interacionista é reconhecer que o professor
é mediador e o aluno passa a sujeito ativo do processo ensino/aprendizagem. Isso deixa
claro o quanto a concepção de linguagem na qual o professor respalda sua prática
pedagógica pode ser o ponto de partida para se obter um resultado positivo sobre o
desenvolvimento lingüístico do aluno.
A partir do que foi exposto sobre as concepções de língua, percebe-se que
ocorreram transformações, ao longo do tempo, na forma de conceber a linguagem, que
partiram de uma perspectiva de língua como expressão do pensamento, passando pela
visão de língua como instrumento de comunicação, até chegar-se a uma concepção de
língua como interação entre sujeitos. Existe uma tendência de que estas concepções
coexistam, ainda que uma delas se sobreponha às demais, em determinados momentos.
1.2 O ensino de escrita na escola
As concepções de linguagem e de mundo se modificam ao longo do tempo, na
proporção em que a sociedade também se transforma historicamente. A sociedade em que
vivemos, o modo de vida que presenciamos, os valores e as crenças de hoje são reflexos de
um caminho que vem sendo percorrido e que não pode ser estanque, já que o homem recria
o tempo todo. Tal reflexo se apresenta também, e nem podia ser diferente, na educação. O
florescer de uma tendência, que vemos hoje preocupada com a formação integral do
23
sujeito, advém da soma de experiências vividas no passado, dos acertos e desacertos
vividos em outras tendências educacionais.
Assim também é a nossa vida de educador. Estamos permeados de alternativas
e nunca sabemos realmente que caminho trilhar, ou qual deles nos trará bons êxitos. Entre
tantos dizeres, discursos e cursos, tantas concepções, abordagens e metodologias, como
escolher o caminho certo?
A escolha de nossa prática pedagógica tem estreita relação com a maneira de
vermos o mundo, de concebermos a sociedade. Não é uma escolha técnica; é, acima de
tudo, política, pois nela estão implícitos o tipo de aluno que desejamos formar e a
sociedade que queremos servir. Essa idéia aparece em Geraldi (1984, p. 40) quando afirma
que:
Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é
preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino
articula uma opção política que envolve uma teoria da compreensão e
interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula.
Uma vez que o objeto do presente trabalho é o ensino de produção de textos,
faz-se necessário apontar alguns aspectos referentes ao percurso histórico do ensino da
escrita na escola.
É muito recente a história do ensino sistemático da escrita no contexto
educacional brasileiro. Segundo Bunzen (2006), até meados do século XX, o ensino das
regras gramaticais e da leitura tinha um destaque muito maior do que o ensino da escrita.
Nesse período, fazer composição, como eram chamados os textos dos alunos, significava
escrever a partir de figuras ou títulos dados, tendo como base os textos modelo dos “bons
autores”. Acreditava-se que a aprendizagem se dava pela exposição à boa linguagem e na
existência de uma língua homogênea, a-histórica e, conseqüentemente, não-problemática.
Dessa forma, enfatizava-se muito mais o produto final, sendo o texto concebido como
tradução do pensamento lógico. Predominava, nessa época, a concepção de língua como
expressão do pensamento.
Nas décadas de 60 e 70, observamos algumas mudanças em relação ao ensino
da chamada redação escolar. Algumas dessas mudanças advêm da reforma de ensino de
24
e graus, a LDB . 5692/71, que instituiu alterações nos objetivos, nos procedimentos
didáticos e na formulação dos métodos para o ensino de língua materna. A aprendizagem
da ngua passa a ser, essencialmente, a aquisição de um instrumento de comunicação, ou
seja, o objetivo é desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor e
receptor de mensagens, através da utilização e compreensão de códigos diversos verbais
e não-verbais (SOARES, 2002, p. 169).
Do ponto de vista lingüístico, a língua é considerada como instrumento de
comunicação, sendo o texto normalmente entendido como uma mensagem que contém um
significado e que precisa ser decodificada pelo receptor.
No final dos anos 70, o Decreto Federal nº. 79298/77, que estabeleceu a
obrigatoriedade da prova de redação nos vestibulares, consolidou o ensino de redação no
ensino médio. O uso exclusivo de questões do tipo múltipla-escolha nos vestibulares era
um dos principais argumentos utilizados para justificar o “mau desempenho” dos alunos na
produção de textos escritos (SOARES, 1978, p. 53). Assim, a obrigatoriedade da prova de
redação surgiu como uma forma de melhorar esse mau desempenho. Mas, como
apontava Soares (1978), os efeitos da redação do vestibular, muito longe de resolver o
problema de produção de textos dos alunos, acabaram por cristalizar um objeto de ensino
para o ensino médio – a redação do vestibular.
Uma demonstração de tal prática no ensino médio é a quase exclusiva produção
da dissertação escolar sobre um tema escolhido pelo professor ou retirado do livro didático
com o fim de treinar para passar em concursos públicos e/ou no vestibular. É uma prática
de ensino que raramente considera a natureza dialógica e interativa da própria linguagem e
que praticamente anula a subjetividade necessária a toda autoria (POSSENTI, 2002).
Durante os anos 80, os professores fortemente sedimentados na prática de
exercícios de redação foram expostos a discussões em torno de uma prática de ensino de
escrita fundamentada nas operações de construção de textos diversos e não apenas de
redações. Os alunos, nesse contexto, não deveriam produzir “redações”, meros produtos
escolares, mas diferentes textos que se aproximassem dos usos extra-escolares.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, presenciamos um forte movimento
em que o texto, ora tido como processo ora como produto (cf. REINALDO, 2001), foi
concebido como unidade de ensino-aprendizagem. Havendo, na sociedade contemporânea,
uma grande variedade de textos decorrentes das múltiplas relações sociais, era necessário
25
diversificar a escrita no interior da escola. Por isso, a partir desse momento, encontramos
recomendações de que o ensino de língua materna girasse em torno do texto, de modo a
desenvolver competências lingüísticas, textuais e comunicativas dos alunos.
Pereira (2005) desenvolveu um estudo com os gêneros textuais nas primeiras
séries e comprovou que um trabalho efetivo com os gêneros textuais representa um
acesso legítimo à produção de textos significativos. Segundo a autora, o importante é fazer
com que os alunos “tenham acesso a gêneros diferentes e oportunidade de produzir
sistematicamente textos diferentes, ao invés de utilizarem predominantemente a escrita
para fazerem cópia, treino ortográfico, separação de sílabas ou outras atividades
semelhantes” (PEREIRA, 2005, p. 251,).
A discussão sobre o ensino centrado na diversidade textual, iniciada nos anos
80, fica muito mais explícita nos documentos dos PCN de Ensino Fundamental (1998), nos
PCN+ (2002) e, de forma mais implícita, nos PCNEM (1999) que adotam o texto como
unidade de ensino e os gêneros como objetos de ensino. Estes documentos não
representaram somente uma mudança curricular, mas, sobretudo, um novo paradigma
educacional. Vale ressaltar que além de representarem mudanças na orientação para a
prática, os documentos representaram mudanças teóricas. Um dos aspectos a ser
considerado é que a nova perspectiva de ensino da língua pautou-se numa visão centrada
na noção de interação verbal.
Entretanto, o fato de o texto ter-se tornado unidade de ensino prescrito
oficialmente não garante que tenha sido efetivamente vivenciado na prática de ensino. De
acordo com Antunes (2003), um exame mais acurado de como o ensino de língua materna
acontece desde o ensino fundamental denuncia a persistência de uma prática pedagógica
que, em muitos casos, mantém ainda a perspectiva reducionista do estudo da palavra e da
frase desvinculadas de qualquer contexto comunicativo.
A respeito de se utilizar o texto como objeto de estudo, Bunzen (2006, p. 152)
destaca dois aspectos: o primeiro é que o texto, muitas vezes, ficou restrito à análise dos
aspectos da textualidade (coesão e coerência) e bem menos no usuário/interlocutor
(intencionalidade, aceitabilidade etc.), ou seja, enfatiza-se muito mais uma metalinguagem
no nível do texto, deixando de lado os efeitos de co-construção de sentido(s); o segundo
aspecto é que a diversificação das atividades de produção de texto parece ter dado mais
destaque à estrutura composicional dos textos do que à diversidade de contextos/situações
26
de produção. Assim, o aluno continuou a produzir redações para o professor com a
estrutura composicional de cartas, notícias, reportagens etc., uma vez que não houve
praticamente alteração no contexto de produção, circulação e recepção. Isso nos chama
atenção para uma perspectiva instrumental do ensino de língua materna que reduz a função
social do gênero a uma função/modelo de texto escolar (SIGNORINI, 2001).
Atualmente muitos estudos têm sido realizados sobre a questão do gênero, bem
como sobre o comportamento dos professores diante desse aspecto tão central no âmbito
da reflexão lingüística. Essa reflexão é importante, tendo em vista o caráter eminentemente
formal e reducionista que sempre se deu às questões sobre língua e também sobre texto no
ambiente escolar.
Segundo Antunes (2003), embora muitas ações institucionais tenham sido
realizadas, no sentido de motivar e fundamentar uma reorientação dessa prática, as
mudanças observadas, infelizmente, ainda não ultrapassam o domínio de iniciativas
assistemáticas, eventuais e isoladas.
O professor de português precisa comprometer-se com a causa da educação
lingüística de seus alunos, precisa dispor de tempo para estudo e reflexão, precisa inserir-se
em projetos de pesquisas, participar de cursos de atualização e estar em sintonia com as
novas orientações e propostas da área da linguagem.
O trabalho pedagógico e a formação do professor de português são, atualmente,
uma preocupação dos meios acadêmicos e constituem tema de inúmeras pesquisas, embora
ainda sejam escassos os livros que têm como destinatários, especificamente, os professores
de português do ensino fundamental e do ensino médio.
1.3 Revisitando a formação do professor de português
Os problemas referentes ao ensino da escrita ultrapassam, certamente, as
questões lingüísticas e de aprendizagem, e chegam até à formação de professores, dentre
outros pontos. Segundo Matêncio (2002), um dos aspectos mais conflituosos na relação
entre ensino e aprendizagem, nos graus iniciais, e o estudo da linguagem e da
aprendizagem, na universidade, encontra-se na formação dos professores.
27
Os cursos de letras têm formado professores que comumente retornam à
universidade perguntando-se sobre o que fazer no cotidiano de ensino. Eles encontram
obstáculos nas transformações das novas tendências de educação, geralmente o que
aprendem na graduação não lhes oferece base de sustentação metodológica e, então, se
vêem extremamente distantes da necessidade real do aprendiz. Disso resulta o elevado
número de cursos de reciclagem ou de atualização, onde o que se percebe é uma tentativa
de se preencherem as lacunas deixadas pela graduação (GERALDI, 1991). Vem daí,
também, a dificuldade que o professor encontra, após esses retornos à universidade, em
fazer convergir teoria e prática.
Os cursos de formação de professores ainda privilegiam, muitas vezes, um
trabalho centrado na fixação de conteúdos, de mero treinamento para o manuseio de
conceitos e definições. Com isso, o docente acredita que sua função é transmitir
informações e não (re)construí-las em parceria com seus alunos, num objetivo de interesses
comuns. Segundo Guedes (2006, p. 28), o argumento usado para justificar a ênfase na
formação teórica nos cursos de letras é que a visão geral e crítica da ciência proporcionada
pelo domínio da teoria vai dar condições ao professor de transformar o conhecimento em
conteúdo de ensino. Sabemos que não é apenas o conhecimento de conteúdos lingüísticos
que possibilitará aos professores de língua materna posturas mais eficazes em sala de aula.
De acordo com Guedes (2006), a tentativa de construir, nos cursos de letras,
uma formação teórica em alunos que não exercitaram a leitura e a escrita, numa mínima
quantidade capaz de dar sentido à reflexão sobre a língua, transforma a pretensa formação
teórica em formação meramente metalingüística, perpetuando essa ação ao licenciar
professores que irão cobrar de seus alunos o que o têm condições de mostrar como se
faz. Ainda nessa mesma perspectiva, Guedes afirma que:
A formação básica para o professor de português que se disponha a ensinar seus
alunos ler e escrever consiste em sua habilidade de ler e escrever e em sua
capacidade de teorizar sua leitura e escrita. quem sabe como aprendeu a
escrever torna-se capaz de mostrar como se faz, de corrigir o rumo do texto que
está sendo produzido pelo aluno. Mais do que saber como se ensina, o professor
de português – na verdade, qualquer professor precisa saber como se aprende,
pois sua reflexão a respeito do seu aprendizado constitui o mais importante
28
saber para encaminhar a reflexão de seus alunos a respeito do próprio
aprendizado (GUEDES, 2006, p. 57).
Ensinar a ler e a escrever implica, portanto, praticar a leitura e a escrita, por
isso, se um aluno chega ao curso de letras sem ter sido transformado em leitor e produtor
de textos durante o ensino fundamental e médio, esse curso de letras ou faz dele um leitor e
um escritor, ou perpetua uma tradição que vai continuar formando professores incapazes
de formar leitores e produtores de textos.
Segundo Kleiman (2006), olhando para o percurso da atividade do professor de
língua portuguesa e o percurso das transformações das idéias lingüísticas na prática de
ensino, percebe-se que, nos últimos trinta anos, houve uma adesão bastante acentuada aos
modelos e construtos teóricos das ciências da linguagem, o que trouxe mudanças
relevantes nas atividades de ensino desse professor, que deixou de priorizar as atividades
de análise do nível frásico, fundamentadas teoricamente pela gramática tradicional da
década de 70, encaminhando-se para as atividades de análise do texto, fundamentadas
teoricamente pela Lingüística Textual da década de 80, até chegar às atividades ainda
incipientes de análise dos gêneros, fundamentadas nos PCN, que, por sua vez, estão
fundamentados na teoria dos gêneros de Bakhtin.
Entretanto, essas mudanças ocorridas na escolha da unidade de ensino não se
refletem na ação do professor: a ação envolvida, em todos os casos citados, é a análise da
língua, mesmo quando o gênero passa a orientar a seleção textual. Na verdade, são poucos
os resultados que as mudanças nos rumos dos estudos da linguagem trazem efetivamente
para a maioria dos cursos de formação de professores e conseqüentemente para as salas de
aulas.
Matêncio (2002) ressalta que os conhecimentos que mobilizam a reflexão sobre
o objeto de estudo e sobre a interação lingüística e, conseqüentemente, a reflexão contínua
sobre a práxis, são cruciais para a formação e ensino em língua materna. Para a autora, as
condições de trabalho dos professores, assim como os papéis e lugares atribuídos ao
professor, aluno e objeto de estudo o devem continuar a justificar uma prática
profissional que desloque o papel dos sujeitos envolvidos na prática em sala de aula ao de
simples reprodutores de um conhecimento estabelecido.
29
A mudança desse quadro requer, antes de tudo, determinação, empenho,
vontade de querer mudar. Conforme Antunes (2003), isso supõe uma ação ampla,
fundamentada, planejada, sistemática e participativa dos professores como classe e de cada
professor em particular para que se possa chegar a uma escola que cumpra sua função
social de capacitar as pessoas para o exercício consciente de sua cidadania.
O fato de assumir a discussão de como aproximar o estudo da língua desse ideal
de “competência para a cidadania” já é o começo da mudança, pois já concretiza a intenção
de professores de querer adotar uma atividade pedagógica realmente capaz de oferecer
resultados mais positivos.
É claro que qualquer discussão sobre os objetos da atividade pedagógica, por
mais completa que seja, deve complementar-se com o estudo, a crítica, a pesquisa, a
reflexão de todos aqueles que participam dessa atividade. Nesse sentido, Antunes (2003, p.
36) afirma que:
não mais lugar para o professor simplistamente repetidor [...] que fica,
passivo, à espera de que lhe digam exatamente como fazer, como ‘passar’ ou
‘aplicar’ as noções que lhe ensinaram. Os princípios são o fundamento em que o
professor vai apoiar-se para criar suas opções de trabalho. O novo perfil do
professor é aquele do pesquisador, que, com seus alunos (e não, ‘para’ eles),
produz conhecimento, o descobre e o redescobre. Sempre.
Ainda segundo a autora, se nossa prática de professor se afasta do ideal é
porque nos falta, entre outras muitas condições, um aprofundamento teórico acerca de
como funciona o fenômeno da linguagem humana.
Assim, é urgente que se discuta e se invista, seriamente, na melhoria da
formação lingüística e pedagógica dos professores, para que eles possam alargar sua
compreensão dos fatos da linguagem e das competências requeridas para o ato de ler e
escrever. Evidentemente, não queremos jogar sobre os ombros do professor a
responsabilidade pelas dificuldades do ensino no Brasil. Todos nós sabemos o quanto a
educação ainda não é, de fato, prioridade nacional.
No quadro das condições de trabalho do professor está a questão do tempo de
que ele dispõe para promover sua formação continuada, para preparar suas aulas, para
acompanhar o desenvolvimento de seus alunos, para a reflexão sobre suas experiências.
30
Assim, se queremos, de fato, levar a sério o papel do professor, não podemos nos esquecer
de que a excelência, a qualidade, é algo que requer tempo, que requer maturação e
empenho continuado (ANTUNES, 2006, p. 178).
A essas questões relacionadas à formação docente, articulam-se aspectos
teórico-epistemológicos como os aportes teóricos de Vygotsky, Bakhtin e Bronckart, os
quais são abordados no próximo capítulo.
31
CAPÍTULO II
2. CAMINHOS PERCORRIDOS NA LEITURA DE VYGOTSKY, BAKHTIN E
BRONCKART
Neste capítulo, apresentamos a teoria sociointeracionista de Vygotsky
(1987[1934] e 1988[1930]), da qual destacamos os conceitos de mediação, internalização,
desenvolvimento e ensino, que propiciam a visão de que a aprendizagem é sempre uma
ação mediada pelo outro e pela linguagem. Também expomos a teoria enunciativo-
discursiva de Bakhtin/Volochínov (1988 [1929]), Bakhtin (1992), assinalando a natureza
social da linguagem e as questões relacionadas aos enunciados e aos gêneros. Na
seqüência, abordamos a teoria do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart (1999), a
respeito da ação de linguagem e da arquitetura textual.
2.1 O interacionismo social vygotskiano e suas implicações para a educação
A teoria sociointeracionista de Vygotsky (1987[1934] e 1988[1930]) tem sido
alvo de atenção, por parte dos educadores, porque tem exercido influência na escola, pois
trata de questões diretamente relacionadas ao ensino e aprendizagem.
De acordo com a sua abordagem, a relação do indivíduo com o mundo é sempre
mediada por instrumentos, produtos da evolução histórico-cultural. os instrumentos
externos (ferramentas) utilizados pelo homem para dominar a realidade, isto é, atuar,
transformar, controlar a natureza e os objetos, e os instrumentos psicológicos (signos), que,
apesar de sua natureza social, são também instrumentos individuais que se constituem em
recursos utilizados para mediar e regular os processos psicológicos.
São considerados signos quaisquer espécies de símbolos convencionais criados
pelo homem, que lhe permitam transformar e conhecer o mundo, comunicar suas
32
experiências e desenvolver suas funções psicológicas. Entre todos os signos utilizados pelo
homem, Vygotsky destaca a linguagem como o signo através do qual as funções mentais
elementares se transformam em funções superiores, por meio de uma série de alterações.
Uma delas é que a “operação que inicialmente representa uma atividade externa
é reconstruída e começa a ocorrer internamente” (VYGOTSKY, 1988[1930], p. 64), como
exemplo, podemos pensar nos conceitos científicos sistematizados pela escola,
incorporados e reconstruídos internamente pelo aluno que passa a usá-los como seus.
Outra alteração se refere à situação em que “um processo interpessoal é
transformado num processo intrapessoal” (VYGOTSKY, 1988[1930], p. 64). É esse
movimento do social para o individual que marca, na teoria de Vygotsky, a gênese tanto da
própria linguagem como das práticas intelectuais para as quais a linguagem serve de
mediadora.
Assim todo conhecimento é uma construção social em que a relação do sujeito
com o objeto do conhecimento se faz mediada por um outro, via linguagem. Inicialmente
entre pessoas (interpessoal), através da linguagem, como interação social, para depois se
tornar intrapessoal.
Por considerar a construção do conhecimento um processo dialógico, Vygotsky
((1987[1934]) ao falar das interações formais, isto é, do processo de ensino-aprendizagem,
declara que esse deve antecipar o desenvolvimento do aprendiz e o incidir no estado de
desenvolvimento que existe. Para ele, são ineficazes, em termos de desenvolvimento, as
aprendizagens orientadas para níveis de desenvolvimento que foram atingidos, porque
não apontam para um novo estágio no processo de desenvolvimento. Com isso, ele
distingue dois níveis de desenvolvimento: o real, constituído pela capacidade que o
aprendiz tem de realizar tarefas de maneira independente e autônoma, e o potencial, que se
caracteriza pela capacidade de resolver problemas com o auxílio de um adulto ou de um
par mais experiente.
Esse processo define o que Vygotsky chama de Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZPD) que em suas palavras é
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
33
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com os companheiros capazes (VYGOTSKY,
1988[1930], p. 97).
Para Vygotsky, a principal característica do ensino é criar a ZPD, estimulando
processos evolutivos internos. Para criar a ZPD, é necessário promover tensão que permita
a ultrapassagem do nível atual para as formas mais complexas do comportamento e do
pensamento.
Vygotsky atribui à escola fundamental importância, bem como ao papel do
professor no desenvolvimento intelectual do aluno. Para ele, a sala de aula deve ser o lugar,
por excelência, de desafio, de estímulo, apresentando ao aluno novas possibilidades de
atingir estágios mais elevados de desenvolvimento.
Resumindo, Vygotsky nos fornece uma pista sobre o papel da ação docente: o
professor é o mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o domínio e a
apropriação dos diferentes instrumentos culturais. Mas a ação docente somente terá sentido
se for realizada no plano da Zona de Desenvolvimento Proximal. Isto é, o professor
constitui-se na pessoa mais competente que precisa ajudar o aluno na resolução de
problemas que estão fora do seu alcance, desenvolvendo estratégias para que pouco a
pouco possa resolvê-las de modo independente.
Portanto, na perspectiva de Vygotsky, exercer a função de professor,
considerando a ZPD, implica assistir o aluno proporcionando-lhe apoio e recursos, de
modo que ele seja capaz de aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que lhe
seria possível sem ajuda.
Nas palavras de Bruner (1985), atuar como professor, considerando uma ZPD,
diz respeito à maneira como se organiza o contexto, de modo que o aprendiz possa atingir
um patamar mais elevado ou mais abstrato a partir do qual reflete. Não é, portanto, a
instrução propriamente dita, mas a assistência, tendo presente o conceito de interação
social de Vygotsky, que permite ao aprendiz atuar no limite de seu potencial.
Nesse sentido, Morrison (1993) afirma que a interação social se refere à
observação de Vygotsky de que a aprendizagem é um processo social e o conhecimento
algo socialmente construído. O conceito de interação social está para o contexto do
aprendiz assim como a ZPD para a sua natureza. A interação social não se define, portanto,
34
apenas pela comunicação entre o professor e o aluno, mas também pelo ambiente em que a
comunicação ocorre, de modo que o aluno interage também com os problemas, os
assuntos, as estratégias, as informações e os valores de um sistema que o inclui.
Na perspectiva da psicologia sócio-histórica de Vygotsky, compreender a
relação de crianças e adolescentes com a leitura e a escrita representa a compreensão do
contexto social e histórico no qual essas crianças e adolescentes estão inseridos.
Compreender como se dão leitura e escrita na sala de aula significa compreender as
relações sociais que caracterizam esse contexto e como elas contribuem (ou não) para a
formação de leitores e escritores. É necessário considerarmos o aluno real, que habita as
salas de aula da atualidade, buscando compreender suas necessidades reais e suas
capacidades.
Visto que o processo de ensino-aprendizagem é essencialmente social, temos
que considerar também a relação professor-aluno, pois a maneira como se essa relação
manifesta-se na aprendizagem. A sala de aula não é apenas um lugar onde se ensina e
aprende-se, mas também um lugar de interação. A maneira como o professor se relaciona
com seus alunos reflete-se positivamente ou negativamente no aprendizado deles, ou seja,
a qualidade de nossa relação com os alunos pode ser determinante para conseguir nosso
objetivo profissional” (MORALES, 2001, p. 13). É papel do professor não mediar a
construção de conhecimento, possibilitar o letramento e o desenvolvimento de
competências, mas também tornar-se o interlocutor de seus alunos, o que implica criar
relações interpessoais de qualidade.
Analisando algumas implicações da teoria de Vygotsky para a educação, Rego
(1999) destaca como pontos relevantes: o bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento, favorecendo a complementação das funções psicológicas que estão se
desenvolvendo; a importância do papel do outro na construção do conhecimento e, a
mediação do professor nas interações interpessoais e na interação dos alunos com os
objetos do conhecimento.
Em síntese, as contribuições teóricas de Vygotsky são rias, principalmente
por terem possibilitado uma melhor compreensão do desenvolvimento humano e de como
se efetiva a aprendizagem. São concepções que, associadas à teoria enunciativo-discursiva
de Bakhtin/Volochínov (1988[1929]), constituem recursos importantes para o
35
entendimento da natureza enunciativa e social da linguagem, bem como sua transposição
para questões didáticas.
2.2 Bakhtin/Volochínov: linguagem e interação
A linguagem constitui a centralidade da obra Marxismo e filosofia da
linguagem (BAKHTIN/VOLOCHINOV 1988[1929]), na qual está a teoria da linguagem e
do dialogismo. Esta obra faz uma crítica a duas linhas teóricas do pensamento filosófico e
lingüístico o objetivismo abstrato, representado principalmente pelo pensamento
saussuriano e o subjetivismo idealista, em que a enunciação apresenta-se como um ato
puramente individual, como uma consciência individual.
Nesses dois modelos, a língua é tratada como sistema abstrato, ideal e fechado
em si mesmo, sem manter qualquer relação com os aspectos sociais e culturais.
Bakhtin/Volochínov, defensor da natureza social e evolutiva da língua, sustenta
que a realidade dinâmica e concreta da língua não permite que os falantes interajam por
meio dela como se fosse um sistema abstrato de normas. Ao contrário, a ngua está em
constante evolução em decorrência das interações verbais dos interlocutores. Se
considerada como um sistema de normas, ela nos distancia de sua realidade evolutiva e
viva e de suas funções sociais (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988[1929], p. 108). Sua
preocupação é com a língua enquanto elemento de comunicação e de interação e não como
sistema.
Outra discordância de Bakhtin/Volochínov em relação às duas abordagens diz
respeito à natureza da enunciação. Para ele, tanto o objetivismo abstrato quanto o
subjetivismo idealista apóiam-se “sobre a enunciação monológica como ponto de partida
de sua reflexão sobre a língua” (ibid, p. 110). A diferença entre as duas correntes está
numa abordagem de “compreensão passiva”, realizada pelo objetivismo abstrato; e numa
abordagem de enunciação somente do ponto de vista de quem fala, realizada pela segunda
corrente.
Contrário a essas duas concepções, ele apresenta o modelo enunciativo-
discursivo de linguagem baseado na interação verbal e no enunciado. O autor propõe então
que se pense a interação verbal como a realidade da linguagem. Para ele, a linguagem deve
36
ser estudada como o lugar da interação humana, em que os sujeitos situados historicamente
efetuam todo tipo de discurso. Pois
a verdadeira substância da língua não é constituída pelo sistema abstrato de
formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui
assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988
[1929], p. 123).
O caráter interativo da linguagem é a base de todas as suas formulações, e não
há possibilidade de compreender a linguagem senão a partir de sua natureza sócio-histórica
porque todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.
Para Bakhtin/Volochínov, a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados, pois a palavra dirige-se sempre a um interlocutor.
Segundo ele, “toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente
o produto de interação do locutor e do ouvinte” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1988
[1929], p. 113).
Para o autor, o indivíduo está envolvido pelo meio social, no interior do qual se
encontra em constante interação. É o meio social o centro organizador de toda enunciação,
de toda expressão. Assim, de maneira bastante concisa, interação para Bakhtin/Volochínov
é o meio de constituição do indivíduo como um sujeito social pleno, o que inclui o “sujeito
discursivo”.
Então, ver a linguagem como processo de interação significa entender que é
pelo contato interpessoal que as pessoas se comunicam, m acesso à informação,
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo,
produzem cultura.
Conceber a linguagem como uma atividade constitutiva significa concebê-la
sempre em constituição, em modificação, pela ação que sujeitos historicamente situados
exercem sobre ela. É na interlocução que se amplia a aquisição de novos recursos
expressivos e a compreensão do mundo. Deve ser considerada, portanto, como algo
37
dinâmico, em processo de construção, por um sujeito que, por meio das interações
realizadas no ambiente em que vive, constrói sua linguagem e é, ao mesmo tempo,
construído por ela.
É importante, ainda, salientar uma outra contribuição de Bakhtin/Volochínov, a
de que a linguagem é essencialmente dialógica e polifônica. Esse caráter da linguagem
revela-se quando ele afirma que toda palavra sempre é necessariamente ideológica por ser
social, é habitada por outras vozes; toda palavra se dirige a um outro com quem dialoga.
Assim, os discursos estão em permanente diálogo com outros discursos e vozes. Para
Bakhtin/Volochínov, ignorar a natureza dialógica da linguagem é o mesmo que negar a
relação que existe entre a linguagem e a vida. Ele considera o dialogismo como o princípio
constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. A dialogia não se restringe
apenas às réplicas de um diálogo real; é mais ampla, heterogênea e complexa, porque são
relações de sentido. Bakhtin/Volochínov (1988[1929], p. 123), ao tratar desse tema,
declara:
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das
formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se
compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto é, não apenas como a
comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal de qualquer tipo que seja.
Conseqüentemente, o diálogo é visto não entre os interlocutores, mas
também entre os enunciados, os quais são plenos de vozes que se cruzam, se contrapõem,
concordam e discordam entre si, em processo contínuo de comunicação.
O enunciado é sempre uma resposta a um enunciado anterior. O locutor
mantém relação não só com o objeto da enunciação, como também com os enunciados dos
outros. Qualquer enunciado está sempre em busca de uma resposta, de uma atitude
responsiva do outro. “Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade
constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia haver, enunciado”
(BAKHTIN, 1992, p. 325).
A pessoa de quem o locutor espera uma resposta – o destinatário – é um
participante ativo na cadeia discursiva; o enunciado é construído em função da sua
38
resposta. O locutor forma ao seu enunciado a partir do ponto de vista do outro, isto é, a
palavra é um território compartilhado, quer pelo expedidor, quer pelo destinatário. Sendo
assim, toda enunciação só pode ser compreendida nas relações com outras enunciações.
Desse modo, diz Bakhtin (1992, p. 290),
a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada
de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito
variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra,
forçosamente a produz: [...] o ouvinte que recebe e compreende a significação
de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude
responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,
adapta, apronta-se para executar.
Nesta noção podemos resumir o esforço dos interlocutores em colocar a
linguagem em relação frente a um e a outro. O locutor enuncia em função da existência
(real ou virtual) de um interlocutor, requerendo deste último uma atitude responsiva, com
antecipação do que o outro vai dizer, isto é, experimentando ou projetando o lugar de seu
ouvinte. De outro lado, quando recebemos uma enunciação significativa, esta nos propõe
uma réplica: concordância, apreciação, ação etc. E, mais precisamente, compreendemos a
enunciação somente porque a colocamos no movimento dialógico dos enunciados, em
confronto tanto com os nossos próprios dizeres quanto com os dizeres alheios.
Pode-se observar duas questões básicas que perpassam o dialogismo: a
existência de uma interação permanente entre os participantes do diálogo; e a
interdependência entre discurso e contexto, de forma que um determina e seleciona o outro
e vice-versa.
Brait (1996) sintetiza de maneira bem clara e elucidativa a dupla função do
dialogismo bakhtiniano:
o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e
harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma
comunidade, uma cultura, uma sociedade. É nesse sentido que podemos
interpretar o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza
39
interdiscursiva da linguagem. Por um outro lado, o dialogismo diz respeito às
relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos
instaurados historicamente pelos sujeitos, que por sua vez instauram-se e são
instaurados por esses discursos (BRAIT, 1996, p. 78).
Uma das maiores colaborações de Bakhtin/Volochínov para os estudos da
comunicação diz respeito à reversibilidade e à constituição dos sujeitos no diálogo. A
comunicação deixa de ser um processo unilateral (de emissor para receptor). Para Bakhtin,
“não importam apenas os efeitos da comunicação sobre o destinatário, mas também os
efeitos que a reação do destinatário produz sobre o destinador” (BARROS, 1996, p. 31).
Nessa perspectiva, as noções de emissor e receptor ganham uma nova
roupagem. Ao invés de se constituírem apenas como agentes de emissão e recepção de
mensagens, os interlocutores passam a ser vistos como seres sociais constituídos pelas
interações sociais das quais participam. O dialogismo bakhtiniano reconhece “a
necessidade de dar conta da presença do outro a quem uma pessoa está falando” (CLARK
& HOLQUIST,1998, p. 235).
Portanto, os estudos de Bakhtin/Volochínov relacionados à natureza dialógica,
polifônica e sociointeracional da linguagem trazem implicações para a educação e
favorecem reflexões acerca do aprendizado de língua materna, construção do
conhecimento, papel do professor e do aluno.
2.2.1 O interacionismo e o ensino-aprendizagem de língua materna
O pensamento de Bakhtin/Volochínov decorre do pressuposto de que nos
constituímos à medida que nos relacionamos com o outro. A discussão de todo o seu
trabalho reside no fato de que a linguagem é produto da interação entre sujeitos falantes. O
próprio aprendizado da língua materna é dependente do outro. Aprendemos a falar pela
boca do outro e é em decorrência da minha interação com o outro que o meu mundo
simbólico vai sendo construído (CASTRO, 1996, p. 104).
Considerar essa forma de compreender o ensinar e o aprender a língua na escola
é fundamental para pensar sobre a concepção que considera a linguagem como forma de
40
interação. Essas considerações interferem no ensino da língua, tendo em vista que a prática
pedagógica, nessa perspectiva, volta-se para o ensino produtivo de língua, tendo como
objetivo o desenvolvimento de novas habilidades lingüísticas para que o aluno possa fazer
uso da língua de maneira mais concreta.
É nesse sentido que a adoção do princípio interacional projeta uma série de
atitudes, tais como: escutar o aluno; permitir que ele apresente seu ponto de vista e o
defenda; não obrigá-lo a falar ou escrever a respeito de um tema que ele não domina; não
impor modelos rígidos para realização de tarefas; aceitar interpretações ou leituras
adequadas; permitir que ele se leia e se corrija quando necessário, e quantas vezes
necessário; apresentar problemas para que a resposta seja buscada como desafio; permitir
que ele crie, enfim – e criar é ser também um pouco professor.
No processo de ensino, torna-se indispensável pôr o aluno diante de situações
interativas de linguagens, de modo que possa envolver-se em um esforço de compreensão e
de atuação, desafiando a argumentar e questionar sobre a atividade apresentada,
oferecendo indicadores a respeito. Sobre isso, os PCN (BRASIL,1998, p.24) revelam que
Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o
professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do
conhecimento, pois permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a
negociação dos sentidos, a avaliação dos processos pedagógicos em que estão
envolvidos.
A sala de aula deixa de ser apenas um lugar de transmissão/recepção de um
conhecimento arbitrário e passa a ser um “evento social no qual, através de procedimentos
interacionais, professor e alunos tentam construir significado e conhecimento” (MOITA
LOPES, 1995, p. 349). A sala de aula é o local de encontro de diferentes vozes, as quais
mantêm relações de controle, negociação, compreensão, concordância, discordância,
discussão.
Freitas (1996) soube expressar de maneira exemplar o processo educativo sob o
olhar de Bakhtin:
41
Educar não é homogeneizar, produzir em massa, mas produzir singularidades.
Deixar vir à tona a diversidade de modos de ser, de fazer, de construir: permitir
a réplica, a contra-palavra. Educar é levar o aluno a ser autor, a dizer a própria
palavra, a interagir com a língua, a penetrar numa escrita viva e real. O
professor precisa também ser autor: penetrar na corrente da língua, recuperar
sua palavra, sua autonomia, sem fazer dela uma tribuna para o poder, mas um
meio de exercer uma autoridade que se conquista no conhecimento partilhado.
Nesse sentido o professor pode ser visto como um orquestrador de diferentes
vozes (FREITAS, 1996, p. 173).
Nessa perspectiva, os papéis tradicionais de professor e aluno – em que o
primeiro detém todo o saber e o segundo deve apenas assimilar este saber e devolvê-lo ao
professor por meio das avaliações periódicas – são substituídos pelo papel de interlocutores
que juntos constroem e (re)significam o objeto de estudo. O aluno não é mais visto como
aquele ser passivo que ocupa uma posição secundária no processo ensino-aprendizagem, e
sim um sujeito ativo, que na interação com o professor e com os demais colegas,
(re)constrói conhecimento.
Depois das concepções de Bakhtin/Volochínov sobre interação e dialogismo,
não se pode mais conceber a língua como um produto pronto e fechado em si mesmo. A
língua, como uma entidade viva e em constante evolução, precisa ser analisada e ensinada
como tal.
Outro subsídio importante de Bakhtin (1992) para o ensino diz respeito ao seu
conceito de gênero e de enunciado, do qual trataremos no item seguinte.
2.2.2 Os gêneros do discurso na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin
Para Bakhtin, a interação verbal realiza-se por intermédio de enunciados que
são o variados, heterogêneos e complexos quanto as próprias atividades do homem. Para
ele, “todas as esferas da atividade humana, por variadas que sejam, estão sempre
relacionadas com a utilização da língua” (BAKHTIN, 1992, p. 279), ou seja, em cada
esfera de atividade, o homem elabora “tipos relativamente estáveis de enunciados” que são
os diversos gêneros do discurso (orais e escritos) que circulam no meio social. Dessa
42
forma, os gêneros do discurso carregam, necessariamente, as marcas ideológicas de uma
ou outra esfera da qual surgem. Eles possuem um conteúdo temático, um estilo verbal e
uma construção composicional diretamente ligados às especificidades e finalidades dessas
esferas, e, como surgem exatamente das necessidades sociais, podem sofrer alterações ao
longo do tempo, à medida que tais necessidades também se modificam. Considerar que os
gêneros se transformam nos leva, pois, a concebê-los como construtos sócio-históricos que
emanam da sociedade e evoluem de acordo com ela.
Bakhtin (1992), tomando o caráter simples ou complexo das circunstâncias
comunicativas, distingue os gêneros em dois grupos: primários e secundários. Os gêneros
primários são originados em contextos imediatos e se constituem em circunstâncias de
uma troca verbal espontânea”, são ligados à situação imediata em que são produzidos e se
realizam de forma comum no cotidiano (exemplo: uma carta pessoal, um bilhete, uma
conversação espontânea, entre outros). Os gêneros secundários “aparecem em
circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente evoluída,
principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica” (BAKHTIN, 1992, p. 281).
Cumpre lembrar que ambos, gêneros primários e gêneros secundários, se inter-
relacionam, pois, na perspectiva bakhtiniana, os gêneros secundários, em sua constituição,
absorvem e transformam os gêneros primários. No processo, os gêneros primários
convertem-se em secundários, perdem seu vínculo com a realidade imediata e adquirem
outras características associadas a uma esfera de dimensão cultural mais complexa e
evoluída.
Na concepção de Bakhtin, a linguagem é adquirida por meio de enunciados, ou
seja, do discurso organizado em gêneros específicos, que se adaptam às mais diversas
situações de comunicação. Como os integrantes de uma determinada esfera social ocupam
posições diferentes e por sua vez realizam atividades distintas, os gêneros acabam tendo,
também, um caráter diversificado, visto que cada diferente esfera de atividade elabora um
certo número de gêneros, isto é, formas específicas de se constituírem enunciados. É nesse
sentido que se afirma que há tantos gêneros quanto há atividades humanas.
Portanto, é importante ressaltar aqui o que afirma Brait (2000, p. 28): “não se
pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades em que eles se constituem e
atuam, aí implicadas as condições de produção, de circulação e de recepção”.
43
Além de sofrer influência das características intrínsecas de cada esfera, cada
texto produzido num certo gênero também sofre influência determinante da apreciação
valorativa do próprio locutor em relação à situação de enunciação. Nesse sentido, Rojo
(2005), ao analisar a questão dos gêneros discursivos conforme tratada por Bakhtin,
conclui que todas as três dimensões dos gêneros discursivos (conteúdo temático, estilo e
forma composicional) são determinadas pelos parâmetros da situação dos enunciados e
sobretudo pela apreciação valorativa do locutor a respeito do(s) tema(s) e do(s)
interlocutor(es) de seu discurso.
Podemos dizer então que é a apreciação valorativa que determina ou organiza
os elementos de um enunciado, pois de acordo com Bakhtin/Volochínov (1988 [1929],
p.134), o valor apreciativo serve antes de mais nada para orientar a escolha e a distribuição
dos elementos mais carregados de sentido da enunciação. Não se pode construir uma
enunciação sem a modalidade apreciativa. Conseqüentemente, para se compreender,
produzir ou conhecer os gêneros ou os textos pertencentes a eles, é necessário que se leve
em conta a sua situação social de produção, considerando como elementos essenciais dessa
situação os parceiros da interlocução, as relações sociais, institucionais e interpessoais
dessa parceria, vistas a partir do foco da apreciação valorativa do locutor e, ao mesmo
tempo, considerando as esferas de produção desses gêneros.
A escolha das formas de estruturação do gênero discursivo é influenciada por
fatores subjetivos do locutor e do contexto da interação verbal e social:
Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do
outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o
gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a
dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja desde o início, somos
sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará
suas diferenciações (BAKHTIN, 1992, p. 302).
Em resumo, para falar e escrever, utilizamos formas estáveis de enunciados,
isto é, gêneros do discurso, os quais estão presentes na vida cotidiana, nas experiências e
na consciência dos falantes. Se não existissem os gêneros, a comunicação seria impossível,
porque não haveria entendimento recíproco entre os interlocutores (BAKHTIN, 1992).
44
Além do mais, Bakhtin defende a tese de que o homem deve ser estudado como
produtor de textos, como aquele que tem voz, que dialoga, que interage e que entra em
confronto com o outro.
2.3 Aportes do interacionismo sociodiscursivo (ISD)
Uma contribuição teórica importante para as discussões que vimos
empreendendo, com vistas ao ensino-aprendizagem de produção de textos, pode ser obtida
pelos princípios norteadores do interacionismo sociodiscursivo desenvolvido por Bronckart
(1999), fundamentado nas teorias de Vygotsky (o interacionismo), de Habermas (o agir
comunicativo) e de Bakhtin/Volochínov (a enunciação).
O interacionismo sociodiscursivo defende a tese de que assim como as condutas
humanas são produtos da socialização do homem, as ações de linguagem são
desenvolvidas nas interações sociais.
Nesse enfoque, as ações de linguagem surgem a partir da necessidade da
existência de um instrumento mediador das atividades humanas. Assim, a cada nova ou
diferente situação, as ações de linguagem sofrem adaptações, originando diferentes
espécies de textos. São essas espécies de textos, mais ou menos cristalizadas e adaptadas
aos contextos, que, diferindo da terminologia utilizada preferencialmente por Bakhtin,
Bronckart chama de gêneros de textos.
De acordo com Bronckart, os gêneros são objetos permanentes de avaliações
sociais, o que lhes confere o caráter de modelos nos quais o agente de uma ação de
linguagem se baseia para produzir um texto. Para o autor, o texto é definido “como toda
unidade de ação de linguagem situada, acabada e auto-suficiente do ponto de vista da ação
ou da comunicação” (BRONCKART, 1999, p. 75), e visto como uma ação de linguagem
que mantém estreita relação com a situação de produção e com os efeitos que buscam
proporcionar em relação ao destinatário. A noção de texto da qual se utiliza o ISD se
assemelha à noção bakhtiniana de enunciado/texto/discurso; ou seja, trata-se da unidade
comunicativa verbal, oral ou escrita, gerada por uma ação de linguagem, acumulada
historicamente “no mundo das obras humanas”, que os indivíduos utilizam para interagir
uns com os outros nos diferentes ambientes discursivos da sociedade. Dito de outra forma,
45
onde há interação verbal há o exercício feito pelos interactantes de mobilizar e atualizar um
gênero, cujo produto será um texto empírico.
Bronckart (1999) concebe a situação de produção como um conjunto de
representações que o agente de uma ação de linguagem aciona ao produzir um texto. Ele
estabelece dois grupos: o primeiro refere-se ao mundo físico e o segundo ao mundo sócio-
subjetivo.
No que concerne ao mundo físico, todo texto é resultado de um comportamento
verbal concreto desenvolvido por um sujeito situado no espaço e no tempo. Desse modo, o
texto é definido por elementos que constituem o mundo físico, como: o lugar de produção,
o momento de produção, o emissor e o receptor.
O segundo grupo, o do mundo sócio-subjetivo, estabelece que a produção de
todo texto inscreve-se nos quadros de uma formação social, mais precisamente no quadro
de uma forma de interação comunicativa que implica o mundo social (as representações a
respeito de normas, valores, regras...) e o mundo subjetivo (as representações relativas às
características de cada indivíduo especificamente). Neste plano interativo, destacam-se o
lugar social, a posição social do emissor (enunciador) e do receptor (destinatário), bem
como o objetivo da interação e o conteúdo temático.
Resumindo, para realizar uma ação de linguagem, o agente desenvolve as
seguintes operações: mobiliza representações sobre os contextos físico e sócio-subjetivo e
sobre os conteúdos a serem verbalizados, bem como seleciona o gênero de texto mais
adequado ao contexto e ao conteúdo que quer transmitir.
Para Bronckart (op. cit), não esses fatores integram a situação de produção e
representam as relações do texto com o contexto, mas também o texto tem sua arquitetura
interna relacionada ao sistema da língua. O autor concebe a organização de um texto a
partir da metáfora de um “folhado” formado por três camadas, que se sobrepõem e
interagem, compondo a dinâmica textual: a infra-estrutura textual, os mecanismos de
textualização e os mecanismos enunciativos.
A infra-estrutura é formada pelo plano mais geral do texto, tem formas
variáveis, em razão dos gêneros e de sua dependência com a situação de produção. Sua
organização é ainda determinada pelos tipos de discurso e de seqüências que nela
eventualmente aparecem.
46
Os tipos de discurso são segmentos textuais que mantêm uma estreita relação
com a situação de comunicação e indicam as operações subjacentes ao conteúdo e ao
contexto, as quais são manifestadas por meio de unidades lingüísticas identificáveis no
texto e que traduzem a criação de mundos discursivos, sendo esses tipos que dão ao texto
sua coerência e sua configuração.
O mundo discursivo é definido como resultado de duas ordens de operações: as
operações relativas ao conteúdo temático e ao lugar/momento da realização do texto
(elaboradas de modo conjunto ou disjunto), bem como as operações relativas ao
enunciador e aos parâmetros físicos da ação de linguagem (relações de implicação e
autonomia). É da articulação dessas duas ordens que se estabelecem os quatro tipos de
discurso (narração, relato interativo, discurso teórico e discurso interativo). As operações
constitutivas dos mundos discursivos podem ser resumidas a uma decisão de caráter
binário (mundos discursivos da ordem do EXPOR e mundos discursivos da ordem do
NARRAR). Fazendo a oposição entre a ordem do NARRAR e a ordem do EXPOR, de um
lado, e a oposição entre implicação e autonomia, de outro, pode-se definir os quatro
mundos discursivos e seus correspondentes tipos de discursos: mundo do EXPOR
implicado (discurso interativo), mundo do EXPOR autônomo (discurso teórico); mundo do
NARRAR implicado (relato interativo) e mundo do NARRAR autônomo (narração), que
Bronckart resume em um quadro com dupla entrada:
Coordenadas gerais dos mundos
Conjunção Disjunção
EXPOR NARRAR
__________________________________________________
Relação ao ato Implicação Discurso interativo Relato interativo
__________________________________________________
de produção Autonomia Discurso teórico Narração
__________________________________________________
Além dos tipos de discurso, a infra-estrutura geral dos textos é também
caracterizada segundo a organização seqüencial do conteúdo temático. A idéia central é
que a infra-estrutura textual é ainda determinada pelos tipos de discurso e de seqüências
(narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal) na concepção de Adam (1992).
Essas diferentes seqüências podem se combinar em um texto, em várias modalidades e é da
47
diversidade das seqüências e da diversidade de seus modos de articulação que decorre a
heterogeneidade composicional dos textos.
Outro componente básico da arquitetura textual relaciona-se aos mecanismos de
textualização que são os recursos que o produtor de texto utiliza para assegurar a coerência
temática, dentre os quais destacamos a conexão, a coesão nominal e coesão verbal.
Os mecanismos de conexão são realizados por organizadores textuais que
servem para integrar o conteúdo temático. De um modo geral, articulam o plano do texto,
elaboram a transição entre os tipos de discurso e entre fases de uma seqüência e ainda
fazem as articulações entre as frases.
A coesão nominal é usada para introduzir os temas, personagens, argumentos,
para organizar as retomadas ao longo do texto, e manter a estabilidade e a continuidade
textual.
Os mecanismos de coesão verbal garantem a organização temporal e a
hierarquia dos processos (estados, acontecimentos ou ações) verbalizados no texto e
realizados pelos tempos verbais. Aparecem em interação com outros elementos que têm
valor temporal e sua distribuição depende dos tipos de discurso empregado.
Um outro importante componente da arquitetura textual relaciona-se aos
mecanismos enunciativos, constituídos pelas modalizações e pela inserção de vozes, que
aparecem nos textos, ora de forma explícita, ora de forma implícita.
A modalização é vista como as marcas do posicionamento do sujeito nos
enunciados e as relações que estabelece com seu interlocutor. São avaliações (julgamentos,
opiniões, sentimentos) sobre alguns aspectos do conteúdo temático; são sempre locais e
podem ocorrer em qualquer plano da arquitetura textual. As modalizações favorecem a
interação leitor-texto e ainda fornecem informações para a interpretação do conteúdo
temático. Conforme Bronckart, elas desempenham quatro funções distintas: modalizações
lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas.
As modalizações lógicas ocorrem quando as avaliações do conteúdo temático
são baseadas nos critérios da lógica formal, que definem o mundo objetivo. O conteúdo
temático é avaliado conforme as condições de verdade, como fatos certos, possíveis,
prováveis, improváveis. Segundo Windish (1990), é um tipo de modalização que tende a
48
apagar os traços do sujeito e, de modo geral, o locutor não se dirige a um interlocutor
direto, desviando a enunciação para um auditório universal.
As modalizações deônticas referem-se às avaliações do conteúdo temático que
são apoiadas em valores, isto é, em opiniões e regras do mundo social, apresentando os
fatos enunciados como (socialmente) permitidos, proibidos, necessários, desejáveis. Para
Lyons (1977), essas modalizações são constituídas de proposições em que as necessidades
ou as possibilidades de realização são atribuídas aos agentes moralmente responsáveis.
As modalizações pragmáticas servem para esclarecer aspectos da
responsabilidade de algum agente do texto, em termos de valores utilitários,
principalmente sobre a capacidade de ação (o poder-fazer), de intenção (o querer-fazer) e
das razões (o dever-fazer).
As modalizações apreciativas referem-se às avaliações feitas com base em
critérios subjetivos, afetivos ou morais, apresentando os fatos enunciados como bons,
maus, estranhos, conforme o ponto de vista do sujeito que avalia.
Todos esses fatores apresentados fazem com que a organização de um texto não
seja um processo linear nem mecânico, porque é criada pelo autor e depende do gênero do
texto e da situação de produção.
2.3.1 O ISD e o ensino centrado nos gêneros textuais
O ISD tem sua origem e principal pólo de desenvolvimento na Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e fazem parte desse grupo
tanto pesquisadores interessados em descrever e analisar o funcionamento e aquisição da
linguagem, quanto aqueles interessados em desenvolver metodologias didáticas para o
ensino de línguas. Trabalhando mais intensamente nas questões da didática de línguas,
Schneuwly e Dolz, colaboradores na construção do modelo apresentado por Bronckart
(1999), desenvolvem uma série de pesquisas e construtos teóricos.
Schneuwly (1988), por exemplo, elabora uma tese a respeito da função dos
gêneros no desenvolvimento. Defende a idéia de que o trabalho com os gêneros na escola,
não só proporciona o desenvolvimento do aluno como também favorece a aprendizagem da
49
língua. Nesse sentido, é importante compreender como, para o grupo de Genebra, essa
didática se operacionaliza com base nos gêneros. Para o autor, os gêneros de textos além
de serem instrumentos fundamentais para a participação dos indivíduos nas atividades
sociais, o que por si só já justificaria seu ensino na escola, servem, também, para o
desenvolvimento de novas funções intelectivas e para transformar as existentes.
De acordo com Dolz e Schneuwly (2004), os gêneros seriam megainstrumentos
que devem ser considerados em três dimensões: a) os conteúdos que são dizíveis; b) a
estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; c) as configurações
específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo traços da posição enunciativa do
enunciador, e os conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que
formam sua estrutura. Além disso, na opinião de Dolz e Schneuwly (2004), os gêneros são
resultados de cristalizações das práticas de linguagem e, portanto, podem ser tomados
como modelos de atuação.
Ainda segundo Schneuwly (1994), no processo de desenvolvimento dos
indivíduos, sua participação nas diversas atividades sociais vai lhes dando a possibilidade
de construir conhecimentos sobre os gêneros e sobre os esquemas para sua utilização.
Nesse caso, se os gêneros menos formais vão sendo apropriados no decorrer das atividades
cotidianas, sem necessidade de um ensino sistematizado, os gêneros mais formais
necessitam ser aprendidos mais sistematicamente, sendo seu ensino uma responsabilidade
da escola, que deve desempenhar o papel de propiciar ao aluno o contato, o estudo e o
domínio dos diversos gêneros utilizados socialmente.
No entanto, como aponta Bronckart (2003), a diversidade dos gêneros e a
variabilidade de sua manifestação nos textos trazem um problema de ordem metodológica,
que é o da definição particular de cada um deles, de sua classificação e da identificação de
suas características centrais. Mesmo assim, seria possível realizar um estudo dessas
características a partir de textos classificados em gêneros diferentes, levantando suas
especificidades e construindo “modelos” que os caracterizariam. A comparação dos
diferentes modelos poderia fornecer pistas sobre as semelhanças e/ou diferenças, o que
contribuiria para a reformulação dos “modelos de neros” ou “gêneros teóricos”
inicialmente construídos.
Nesse mesmo raciocínio, para o ensino de gêneros, seria necessária a
construção de materiais didáticos adequados, que favorecessem a transposição didática
50
dos conhecimentos científicos para o nível dos conhecimentos a serem efetivamente
ensinados, considerando o nível de capacidade dos alunos.
Considerando que diferentes gêneros requerem diferentes tipos de
conhecimentos e diferentes conjuntos de habilidades, o ensino de produção textual não
pode ser o mesmo para todo e qualquer gênero a ser estudado. Por isso, segundo
Schneuwly e Dolz (2004), o ensino que objetiva o domínio textual requer uma intervenção
ativa do professor e o desenvolvimento de uma didática específica. Por essa razão, vários
pesquisadores têm defendido um ensino sistemático na produção escrita de diferentes
gêneros. Não se trata, porém, de permitir apenas o acesso, o manuseio ou a produção de
diferentes tipos de textos, mas efetivar um ensino sistemático expressando claramente o
conhecimento implícito do gênero.
Nesse contexto, o grupo de Genebra considera que a introdução do gênero na
escola é sempre resultado de uma decisão didática, que precisa considerar os objetivos de
sua aprendizagem, que são de dois tipos: em primeiro lugar, aprender a dominar o gênero,
para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo a fim de melhor produzi-lo dentro e fora da escola; e,
em segundo lugar, desenvolver capacidades que ultrapassem o gênero e que são
transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p
80).
Para os autores, os gêneros quando usados para fins didáticos, são utilizados
como forma ideal pura, destituídos de sua forma de comunicação e, nesse sentido,
transformam-se em gêneros escolarizados, constituindo recursos para o aluno apropriar-se
de suas características. Nesse sentido, Schneuwly e Dolz (2004, p. 81), cientes de que ao
introduzir na escola gêneros próprios de outras esferas sociais os quais inevitavelmente
sofrem transformações, propõem a elaboração de “modelos didáticos” de gêneros. A
proposta é que o trabalho com esses gêneros didatizados seja feito a partir de uma espécie
de “ficcionalização”, que proporcione ao aluno condições de produção mais próximas
possíveis das verdadeiras situações de comunicação.
Para a elaboração do modelo didático, três princípios devem ser considerados: o
princípio de legitimidade (os conhecimentos existentes sobre gêneros de texto); o princípio
de pertinência (refere-se às capacidades dos aprendizes, às finalidades e aos objetivos da
escola, aos processos de ensino-aprendizagem) e o princípio de solidarização (tornar
coerentes os conhecimentos em função dos objetivos de ensino).
51
A construção do modelo didático é o primeiro passo a ser desenvolvido para o
trabalho com gêneros em sala de aula. Após essa etapa é elaborada a seqüência didática
referente às diferentes atividades a serem trabalhadas.
A seqüência didática “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de
maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 97). Uma seqüência didática deve partir de uma produção inicial,
em que os aprendizes tentam elaborar um primeiro texto do gênero escolhido, de forma a
revelar as representações que m dessa atividade. Essa primeira produção é realizada após
a apresentação de um projeto coletivo de produção de um gênero que será realizado
“verdadeiramente” na produção final. Ela é a condição para a preparação de diversos
módulos que darão conta dos problemas apresentados pelos alunos na primeira situação de
escrita. Os módulos serão utilizados para dar aos alunos os instrumentos necessários para
atingirem o objetivo de produzirem o gênero escolhido. A seqüência didática termina com
uma produção final, que ao aluno a possibilidade de praticar as noções e instrumentos
trabalhados durante os módulos e permite ao professor uma avaliação do processo. Essa
avaliação pode ser feita a partir da proposta de Bronckart (1999) para análise de textos
como atividades de linguagem, priorizando-se os aspectos mais enfocados durante a
seqüência didática.
No próximo capítulo, será feita a descrição da metodologia empregada nesta
pesquisa.
52
CAPÍTULO III
3. PERCURSO METODOLÓGICO
3.1 A natureza da pesquisa
Atualmente, as pesquisas em Lingüística Aplicada (LA) desenvolvidas em sala
de aula têm procurado produzir significados em torno de como se a construção do
processo de ensino/aprendizagem, não pretendendo analisar o produto final, que
geralmente está fora do alcance de investigação e não contribui para a melhoria daquele
processo. Dessa forma, o foco de pesquisa é deslocado do planejamento de cursos e do
produto de ensino/aprendizagem para a construção da aprendizagem via interação
(CAVALCANTI & MOITA LOPES, 1991). Segundo esses autores, a relevância deste foco
é essencial para a área de ensino/aprendizagem de línguas, que, em última análise, o que
se quer é compreender como o professor opera e como o aprendiz enfrenta essa tarefa.
Assim, investigar o cotidiano escolar é fundamental para se compreender como a escola
desempenha o seu papel na formação do indivíduo. Dada essa importância, a presente
pesquisa procura analisar o trabalho pedagógico do professor com a produção de textos
escritos no ensino médio, com o intuito de caracterizar o processo de construção desse
saber.
Tudo isso acabou por direcionar para um paradigma metodológico que desse
conta de permitir essa intimidade: a pesquisa qualitativa. Para Ludke e André (1986), o
estudo qualitativo é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados
descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma natural e
contextualizada. Este é o tipo de pesquisa que, comumente, realizam os pesquisadores
sociais preocupados com a atuação prática, ou seja, com o processo dos fenômenos e não,
simplesmente, com os resultados e o produto final da análise dos dados. Os significados e a
interpretação surgem da percepção do fenômeno visto em determinado contexto. Embora
53
existam críticas sobre esse método, tais como apresentar uma interpretação subjetiva e
também provocar alterações no ambiente ou no comportamento das pessoas envolvidas na
pesquisa, ele permite um contato pessoal do pesquisador com o fenômeno estudado.
O principal instrumento utilizado para a pesquisa foi a observação da dinâmica
interna das aulas de produção de textos. Por resgatar dados presentes na prática de sala de
aula, a pesquisa deve ser compreendida dentro de seu próprio contexto.
3.2 Contexto e sujeitos da pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola particular de pequeno porte, na cidade
de Campina Grande-PB, no segundo semestre de 2006. A escola fica distante do centro da
cidade e atende uma clientela constituída de estudantes provenientes, em sua maior parte,
do mesmo bairro e pertencentes à classe média baixa. Fato diagnosticado não só por
intermédio de nossas interações com os alunos, mas também pelas informações coletadas
pela secretaria da escola, na fase de matrícula.
É uma instituição que atende alunos desde o maternal até o ensino médio. O
ensino médio, foco de nosso estudo, é formado por seis turmas de a série, três turmas
no período da manhã e três no período da tarde.
A escolha de uma escola particular para desenvolver a pesquisa se deu por
vários motivos. Primeiro porque, na maioria das vezes, não encontramos, nas escolas
públicas que visitamos, professores dispostos a participarem da pesquisa. Segundo, porque
na maioria das escolas particulares, as aulas de português subdividem-se em
gramática/redação, o que facilita a sistematização das observações. Terceiro, porque nossa
pesquisa não tem o propósito de averiguar qualificações entre escolas públicas e privadas,
que em ambos os contextos se desenvolve o trabalho com a linguagem escrita, objeto de
nossa investigação. Por outro lado, é sabido que as dificuldades dos estudantes com a
produção escrita ocorrem tanto nas escolas públicas quanto nas particulares.
A pesquisa foi realizada em quatro turmas, sendo duas turmas do turno da
manhã, 1ª série A e série A, e duas turmas do turno da tarde, 1ª série B e 2ª série B, com
uma média de 30 alunos cada uma. A escolha dessas turmas foi feita em função do horário
54
das aulas de redação e da disponibilidade das professoras. A observação foi realizada
semanalmente, durante o segundo semestre de 2006.
As duas professoras, participantes desta pesquisa, que serão identificadas com a
inicial de seus nomes (S. e C.), são formadas em Letras, com licenciatura plena. A
professora S. formou-se no ano de 1997 e a professora C., no ano de 1995. São
professoras que atuavam em sala de aula mais de oito anos, e possuíam uma carga
horária de trabalho muito grande, pois trabalhavam em mais de uma escola. Em conversa
informal, as professoras afirmaram que, devido à falta de tempo, quase não participam de
cursos de aperfeiçoamento e de capacitação docente.
A professora S. possui especialização na área de Leitura e quando da realização
deste estudo lecionava no Ensino Fundamental de uma escola municipal, no período da
manhã, e no período da tarde, trabalhava na unidade pesquisada com o Ensino Médio.
A professora C. não possui especialização e, quando foi feita a pesquisa,
trabalhava com o Ensino Médio em duas escolas. Lecionava na escola particular em que
realizamos a pesquisa, no período da manhã, e á tarde, em uma escola estadual.
3.3 Os instrumentos de coleta de dados
Para desenvolver o trabalho de investigação, adotamos os seguintes
procedimentos de coleta de dados:
a) questionário específico para as professoras, com perguntas abertas para colher
depoimentos sobre sua concepção de linguagem e de escrita, seus procedimentos
pedagógicos e suas dificuldades no desenvolvimento da atividade de produção textual.
b) observação das aulas: objetivando analisar a prática pedagógica das professoras, as
condições de produção dos textos escritos, a interação professor/aluno. Procuramos
registrar as propostas de produção de textos, bem como a atuação das docentes na
exposição e exploração dos temas propostos, e ainda nossas percepções quanto à reação
dos alunos à atividade solicitada.
55
c) coleta das produções escritas: foram solicitados às professoras os textos produzidos
pelos alunos nas diferentes situações de escrita para serem fotocopiados, omitindo-se
qualquer informação que pudesse identificar a escola e/ou os sujeitos da pesquisa.
3.3.1 O questionário
Para colher depoimentos das professoras sobre o ensino de produção de textos,
utilizamos um questionário (anexo 1) contendo dez perguntas abertas.
As questões foram elaboradas com o intuito de obter informações sobre suas
concepções de linguagem, de escrita, seus procedimentos e objetivos em relação ao ensino
de produção textual, suas dificuldades no desenvolvimento deste trabalho em sala de aula,
sobre o material didático utilizado, os tipos de textos trabalhados, avaliação dos textos e,
por fim, a que se deve a ineficiência do ensino de produção de textos.
3.3.2 As aulas observadas
Assistimos às aulas com a finalidade de observar como as professoras
conduziam as atividades de produção escrita, se havia clareza na exposição do tema e
discussão prévia e, ainda, se a reação dos alunos era de interesse ou desinteresse pela
atividade. As observações foram anotadas e alguns textos foram recolhidos para reproduzi-
los, devolvendo os originais à professora. No período observado, segundo semestre de
2006, aconteceram oito situações de escrita, as quais foram assim distribuídas: 1ª A/manhã:
02 aulas; A/manhã: 01 aula; B/tarde: 03 aulas e B/tarde: 02 aulas. Dessas aulas,
descreveremos apenas cinco, número suficiente para demonstrar a fidedignidade da
pesquisa. A seguir descreveremos os procedimentos pedagógicos desenvolvidos pelas
professoras no encaminhamento das atividades de produção de textos em sala de aula.
3.3.2.1 A primeira situação de escrita
56
Esta aula aconteceu no dia 25/09/2006, na série B, com a professora S. Ela
começou a aula indagando aos alunos se tinham feito a redação sobre “A violência nos
estádios de futebol”, atividade solicitada na semana anterior. Apenas três alunos
entregaram os textos, os outros alegaram que haviam esquecido em casa ou que não
fizeram porque tiveram que estudar para as provas. Em outro momento, no final da aula, a
professora revelou-nos que os alunos não gostam das aulas de redação, que faltam muito e
que não se interessam, por isso não fazem os textos.
Após essa parte, ela passou outra atividade de produção textual. Era para os
alunos escreverem um texto descritivo subjetivo sobre “Violência urbana”. Uma aluna
reclamou: Agora a gente escreve sobre violência! Não tem outro tema melhor não?”
A professora ignorou a reclamação da aluna. Outro aluno perguntou: E o que é um texto
descritivo subjetivo?” a docente falou apenas que é “um texto em que você tem que dar sua
opinião. É fazer valer seu ponto de vista”.
A partir desse momento, ela exigiu silêncio e os alunos começaram a escrever.
A aula acabou e os alunos não terminaram a produção, ficando para concluir em casa.
No final da aula perguntei a professora se ela não recolhia os textos dos alunos
para a correção. Ela respondeu que: às vezes peço para o aluno o texto que produziu.
Faço algumas observações e quando necessário peço a reescrita. Só no final do bimestre é
que dou uma olhada nos textos e atribuo uma nota”.
Com tal procedimento, obrigando o aluno a escrever especificamente para
atender ao ritual escolar, corrigindo e atribuindo nota no final do bimestre, a professora
nem ao menos se coloca como interlocutora imediata dos textos dos alunos.
3.3.2.2 A segunda situação de escrita
Esta aula foi ministrada na turma da série B, no dia 11/10/2006, pela
professora S. Ela iniciou a aula cobrando a produção de texto que tinha solicitado na aula
da semana anterior. Poucos alunos tinham feito o texto, e a professora reclamou dizendo:
“É sempre assim, vocês nunca fazem a redação. Ficam enrolando o tempo da aula e não
escrevem. A partir de hoje, vocês vão escrever na sala e me entregar para eu dar uma
nota”.
57
Depois disso, ela entregou a cada aluno um texto retirado de um livro didático
que tratava sobre Gravidez na adolescência e pediu que os alunos fizessem uma leitura
silenciosa. Vale salientar que esse texto foi publicado inicialmente na revista Pais & Teens.
58
Após a leitura dos alunos, ela leu o trecho que fala sobre gêneros textuais, mas
não aprofundou o conteúdo. Continuou com a leitura do texto, fez alguns comentários e
solicitou que os alunos respondessem as questões anexas ao texto.
Como a maioria dos alunos ficou conversando, ela interrompeu a atividade e
ditou outra: “Produza um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema Gravidez na
adolescência”. Percebemos com essa atitude da professora que a produção de texto é usada
como uma ação punitiva, com o objetivo de manter os alunos calados.
Uma aluna falou que tinha dificuldade com a introdução do texto e perguntou:
O que é que se coloca na introdução?A docente respondeu: A introdução é para você
apresentar o que vai desenvolver no texto. Foi sua única explicação. Pela fisionomia da
aluna, a resposta não foi suficiente para tirar suas dúvidas.
Em seguida, a professora falou: o vestibular chegando. Vocês devem
escrever pelo menos 25 linhas que é mais ou menos o que o vestibular exige”. Enfatizou
também a necessidade de constar no texto pelo menos três parágrafos, um para introdução,
um para o desenvolvimento e outro para a conclusão e que ia começar a corrigir nas
redações os erros ortográficos e de concordância, pois são causas de notas baixas no
vestibular.
A produção de textos tem sido ainda enfocada, na prática escolar, sob a
premissa de que, existindo conhecimentos gramaticais adequados, o aluno estaria
naturalmente apto a produzir um discurso rico em idéias, corretamente estruturado, perfeito
em termos de lógica e criatividade.
59
Os alunos começaram a produzir o texto, mas poucos conseguiram terminar
porque o tempo é muito curto.
3.3.2.3 A terceira situação de escrita
Esta aula aconteceu na série B no dia 17/10/2006, sob o comando da
professora S. Nesse dia, ela iniciou a aula distribuindo para cada aluno o seguinte texto:
60
Após a realização de uma leitura silenciosa pelos alunos, a docente comentou
sobre o texto, mas sem se aprofundar e sem solicitar a participação dos alunos. Depois ela
sugeriu que eles respondessem as questões anexas ao texto em casa e anotou no quadro a
seguinte proposta: Produza um texto persuasivo, trabalhando com o gênero textual
editorial, com o tema: Brasil de pouca leitura”. E disse que o texto deveria ter de 20 a 25
linhas e que era para fazer na sala, pois ia atribuir nota.
A única explicação que a professora forneceu à turma sobre o editorial foi que é
um tipo de texto muito parecido com o texto dissertativo, que deve ter introdução,
desenvolvimento e conclusão. Encaminhar a produção textual com base nos neros
textuais é uma questão ainda problemática, não se trata, em todos os casos, da falta de uma
concepção clara de gênero ou da própria natureza do texto. O problema reside exatamente
na forma como são conduzidas as propostas de produção escrita. Em sua maior parte, as
atividades se limitam a encaminhar o aluno a escrever sobre um determinado assunto com
base em algum gênero, reduzindo-o, assim, a mero exercício de redação escolar.
Alguns alunos reclamaram que uma aula era pouco para escrever o texto, mas
seguiram as recomendações da professora. É, não tem jeito, tem que escrever, vale nota”,
diz uma aluna.
Retrata-se aqui uma situação em que o aluno produz o texto mais por obrigação
e necessidade do que pelo interesse de aprender. Os alunos iniciaram a produção e a
professora passou a corrigir avaliações de outra turma. Os alunos ao perceberem que a
professora estava ocupada com outra atividade, pararam de produzir o texto e ficaram
conversando. Nisso a aula acabou e ninguém fez o texto.
Sobre a situação descrita acima, acreditamos que, após a leitura, a professora
deveria ter procedido com a discussão das idéias do texto, através de um trabalho interativo
com os alunos, a fim de levá-los a atribuir significados que extrapolem o texto lido, enfim
levá-los a compreender as informações do texto para poder produzir outros textos.
Condição não presente nessa aula, pois não notamos, em momento algum, a interlocução
em sala de aula, os alunos apenas ouviam a professora, não interagiam.
A produção textual, no âmbito escolar, abrangeria um papel sumamente
importante, caso envolvesse a participação dos estudantes em sala de aula no processo de
ensino-aprendizagem, suprimindo a relação estável de que é o professor quem ensina e o
aluno quem aprende.
61
Outro fator preocupante é a reclamação dos alunos quanto ao pouco tempo para
produzir um texto em sala de aula, e com razão, pois é impossível realizar tal atividade em
apenas uma aula. Ao aluno não é oferecido tempo suficiente para refletir sobre o que
escreve.
3.3.2.4 A quarta situação de escrita
Esta aula foi observada no dia 13/11/2006 na turma de 1ª série A, com a
professora C. que ensina pela manhã na mesma escola. Ela iniciou a aula solicitando aos
alunos a seguinte atividade:
“Produza um texto com o gênero textual carta pessoal, analisando os
princípios desse gênero”.
Os alunos questionaram sobre “o quê” e “para quem” era para escrever a carta.
A professora respondeu: “Vocês escrevem sobre o que quiserem e para quem quiserem.
Essa é uma atividade para vocês exercitarem esse tipo de texto”.
Como podemos perceber, a mediação da professora é preocupante, pois
desperdiça o momento adequado para orientar os alunos na condução do trabalho. Cabe a
ela estabelecer as condições de produção que nortearão a produção desse tipo de texto,
que estão ausentes na proposta apresentada.
O que observamos na condução da atividade é que a professora não expôs o
objetivo da carta pessoal, não orientando o produtor para o motivo de sua produção,
levando-nos a compreender que se trata de um mero exercício escolar. Esse fato nos
preocupou, pois pensamos que, mesmo tendo certeza que os alunos têm experiências com
o tipo de texto solicitado, seria viável que ela comentasse as especificidades do gênero
textual, que apresentasse, mesmo que de forma expositiva, os elementos constitutivos deste
tipo de gênero, a fim de desenvolver um trabalho de reflexão que propiciasse aos alunos a
utilização de seus conhecimentos prévios.
Apesar do artificialismo da atividade, observamos que, nessa situação de
escrita, os alunos se sentiram mais à-vontade na construção de seus textos. Isso porque foi
uma atividade em que os alunos puderam expor o que gostariam de dizer, em que
62
estiveram envolvidos em uma situação que faz parte de suas experiências, vivências. A
maior parte dos alunos concluiu a escrita da carta, mas poucos a entregaram à professora.
3.3.2.5 A quinta situação de escrita
Esta aula foi ministrada pela professora C. na série A do período matutino,
no dia 27/11/2006. Ela iniciou a aula anotando no quadro a seguinte atividade:
“A prática de produção de texto, na escola, tem sido martírio não para os
alunos, mas para os professores. Os temas expostos para a produção de texto tem se
repetido de ano para ano.
Dessa maneira, fica evidente que a escola tem uma grande contribuição na
produção intelectual dos nossos alunos.
E você o que acha disso?”
Antes de os alunos iniciarem a atividade, a professora salientou que o texto era
para ser produzido na sala, que valeria nota e que tivessem cuidado para não cometerem
erros de ortografia, acentuação e pontuação. Após essas recomendações, ela pediu que os
alunos iniciassem suas produções, exigindo silêncio total na sala de aula.
A única intervenção da professora no trabalho de produção dos alunos foi pedir
que lessem e corrigissem a redação antes de entregá-la. Alguns alunos conseguiram
concluir o texto, mas a maioria levou para finalizar em casa.
Como vimos, a docente não realizou nenhuma atividade prévia à produção
textual. Entendemos que ela deveria ter discutido com os alunos o tema proposto, pois
seria o momento apropriado para eles manifestarem o que acham sobre essa prática tão
importante. A professora deveria ter aberto espaço para os alunos falarem sobre suas
dificuldades, seus medos e, principalmente, sobre a forma como deveria ser trabalhada a
prática de escrita na escola. Talvez essas discussões tivessem desencadeado mudanças
necessárias diante da atividade de produção de texto, tanto por parte dos alunos como da
professora.
Podemos dizer que a forma como foi conduzida a atividade de produção de
texto descrita acima é falha, considerando que não houve um objetivo significativo para os
63
alunos escreverem. O “para que” de se produzir o texto, como se viu, se despe do sentido
de uso da língua enquanto prática social, visto que os alunos estão escrevendo um texto
unicamente para atender a uma exigência da professora.
Se nas atividades de produção textual, o aluno escreve apenas para “cumprir
uma tarefa”, para atender a uma solicitação do professor, estará realizando, segundo
Geraldi (1991), “a redação para a escola”.
3.3.3 Os textos
A coleta dos textos foi feita com o objetivo de analisar como as condições de
produção interferem na escrita dos alunos e, também, analisar a configuração textual-
discursiva. Das situações de escrita, coletamos apenas trinta e seis textos, dos quais foram
analisados três de cada situação descrita (capítulo IV).
3.4 Procedimentos adotados na análise das situações de escrita
A análise é de natureza qualitativa e teve como objetivo verificar como se o
processo de ensino-aprendizagem da produção de textos escritos no ensino médio, como se
o processo de interação professor/aluno e quais as condições oferecidas para que os
alunos escrevam seus textos. Na análise dos textos, partimos de uma visão global,
buscando interpretar como as condições de produção interferem na escrita dos alunos e
depois focalizamos nosso olhar sobre a dimensão lingüístico-textual.
64
CAPÍTULO IV
4. O PROCESSO E O PRODUTO
4.1 Os dizeres das professoras sobre o ensino de produção de textos
A análise dos questionários revelou-nos que para as professoras o ensino de
produção de textos é importante porque leva o aluno a comunicar e organizar suas idéias,
empregando as normas gramaticais e a estrutura textual: introdução, desenvolvimento e
conclusão (questões 1 e 2). Dessa maneira, identificamos na fala das professoras uma
preocupação com a forma, prevalecendo sobre as idéias do aluno. O domínio das normas
gramaticais conduzirá à produção escrita. Apesar de a professora C destacar que um de
seus objetivos é “tornar o aluno capaz de expor e organizar suas idéias, transformando-os
em seres reflexivos e ativos de uma sociedade”, percebemos, durante as observações das
aulas, que ela não se apóia na abordagem interacionista da linguagem para dirigir as suas
ações, mas na abordagem tradicional de ensino, que é coerente com as suas ações e não
com sua fala.
Quanto aos procedimentos empregados no ensino de produção de textos em
sala de aula (questão 3), as respostas revelaram a interpretação de texto como ponto de
partida para a escrita. Segundo a professora S., ela parte sempre da leitura de um texto,
entretanto, pelo que observamos em sala de aula (ver itens 3.3.2.2 e 3.3.2.3), essa leitura
fica apenas no nível superficial. É uma atividade de linguagem que não contempla uma
situação real de comunicação, não é oportunizado ao aluno ativar seus conhecimentos
prévios. Trata-se, simplesmente, de uma mera leitura para escrever uma redação escolar. A
professora C., no seu depoimento, admitiu que nem sempre discute os temas antes da
atividade de produção escrita, pois segundo ela, é importante que o aluno manifeste seu
pensamento sem ser influenciado pelas idéias dos outros.
65
Em relação às dificuldades em trabalhar a produção textual (questão 4), as
docentes destacaram a falta de hábito de leitura e o número elevado de alunos, como
fatores que dificultam o trabalho com redação em sala de aula. Quando a professora S.
aponta a falta de hábito de leitura dos alunos como dificuldade para o ensino de produção
textual, ela revela uma concepção de ensino que não o professor como mediador do
aluno na prática de leitura. Para ela, a leitura não precisa ser ensinada na escola, é dever do
aluno, por si só, já ter esse hábito internalizado. Inclusive, um dos problemas dos alunos na
produção escrita (questão5), segundo as professoras, encontra-se no desenvolvimento das
idéias. A falta de conteúdo do aluno é conseqüência da falta de conhecimento de mundo,
de informação, portanto, a leitura será a primeira indicação para amenizar o problema. o
número excessivo de alunos, como outra dificuldade para o ensino, é devido ao fato de a
professora C. ter uma concepção de que o texto deve ser higienizado, corrigido todos os
erros lingüísticos (cf. textos da quinta situação de escrita), configurando-se numa prática
que acarreta um desgaste físico e mental muito grande.
Segundo Antunes (2006), no trabalho de avaliação do texto escrito do aluno, o
professor tem-se concentrado em apontar erros, de preferência aqueles que se situam na
superfície do texto, concretamente os erros de ortografia e de concordância verbal, por isso
os alunos perdem a vontade de falar, pois se sentem, permanentemente, no risco de serem
apanhados em algum erro.
Questionadas quanto à correção dos textos (questão 6), a professora C. revelou
que corrige priorizando os aspectos formais (ortografia, acentuação, concordância),
fazendo anotações nos textos. Esse tipo de tratamento dado ao texto evidencia um apego
maior às normas lingüísticas em detrimento dos aspectos discursivos. Para essa professora,
ser bom produtor de texto significa ter domínio da ortografia e empregar corretamente os
aspectos gramaticais, que prioriza esse tipo de correção. Isso demonstra que o um
trabalho de reescritura de textos em sala de aula. A visão da professora ainda está muito
ligada ao aspecto formal do texto, a preocupação em melhorar a ortografia, a concordância,
ainda aparece como um dos principais objetivos desse ensino, o que coloca a gramática
como foco e não o texto. a professora S. afirmou que, geralmente, faz uma correção
coletiva em sala de aula, em que o aluno o texto que produziu e se for necessário, ela
solicita a reescrita. Vale ressaltar que esse fato o ocorreu em nenhum momento de nossa
66
observação em sala de aula. O fato de não possibilitar releituras, revisão e refacção dos
textos pode interferir negativamente na forma como os alunos produzem seus textos.
Sobre os temas e tipos de textos utilizados nas produções textuais (questões 7 e
8), os depoimentos das professoras mostraram que elas procuram trabalhar com assuntos
do momento, com temas retirados de revistas e jornais e que despertam o interesse dos
alunos. Os tipos de textos mais freqüentemente solicitados pelas professoras, os “gêneros
escolares” aparecem como os de maior recorrência, principalmente o texto dissertativo.
Essa é outra questão que reflete a concepção tradicional de ensino das professoras, ao
privilegiarem o trabalho com esse tipo de texto. Segundo Antunes,
A famosa “redação” que aparece sempre como um texto de caráter
dissertativo parece ter assumido a condição de gênero escolar único, pois
pouca coisa diferente se escreve na escola, sobretudo nas séries do Ensino
Médio. Não admira, pois, que mais tarde, escrever qualquer outro gênero de
texto se torne uma tarefa praticamente inviável (ANTUNES, 2003, p. 63).
O ensino de redação dissertativa prende-se exclusivamente ao fato de o aluno poder
prestar um vestibular e não à possibilidade de fazer uso desse tipo de texto para fazer
reflexões, realizar inferências, argumentar de acordo com os próprios interesses. A
pesquisa revela uma grande preocupação das professoras com relação ao vestibular. Elas
orientam o ensino de produção textual visando à preparação da prova de redação desse
concurso. Por isso, a estrutura formal da dissertação - introdução, desenvolvimento e
conclusão - que, segundo as entrevistadas, é a estrutura exigida no vestibular pelas
instituições universitárias, transforma-se no centro das atenções do seu ensino.
A literatura de apoio utilizada pelas docentes no ensino de produção textual
(questão 9) resume-se aos livros didáticos e manuais de redação. A maioria desses manuais
prega a severa obediência à estrutura formal e não defende a idéia de um discurso pessoal
interessante e consistente. O livro didático é considerado uma ferramenta de apoio aos
professores, mas, muitas vezes, o seu uso torna-se freqüente, quando os profissionais da
educação se defrontam com os seguintes aspectos: não têm tempo suficiente para elaborar
suas aulas; não foram capacitados para realizar outro trabalho em sala; não têm interesse
em procurar um material diversificado; o sistema não leva à construção diferenciada em
67
sala de aula. Então se acostumam com esse auxiliar pedagógico e ficam ligados às
atividades e concepções inseridas neste material.
A ineficiência no ensino (questão 10), na opinião das professoras, se deve a
várias causas que ocasionam problemas na prática educativa. As principais causas
consensualmente apontadas foram: a) a falta de leitura dos alunos; b) o desinteresse dos
alunos pela atividade de produção escrita; c) a deficiência do ensino da escrita no ensino
fundamental; d) a dificuldade em despertar o gosto do aluno pela escrita; e) o despreparo
para trabalhar com o ensino da escrita. Foram vários, portanto, os motivos citados que
impedem um ensino de produção de textos mais eficiente. Embora a professora C cite que
as universidades não preparam o profissional para trabalhar com a produção textual, as
demais deficiências apontadas pelas professoras são consideradas fora do alcance delas, ou
seja, em sua maioria, são de responsabilidade do aluno.
4.2 Análise do processo de escrita no ensino médio
Inicialmente, queremos deixar claro, aqui, que o foco de nossa pesquisa sobre
produção textual se situa no processo e não apenas no produto. Consideramos que essa
articulação é bem vinda, visto que integra o processo global de ensino-aprendizagem nesta
área, ajudando a perceber os processos subjacentes à construção do discurso escrito,
relacionando-os ao seu produto final.
As condições de produção presentes em cada situação de escrita foram
resgatadas por intermédio das observações feitas em sala de aula, quando procuramos
identificar seus elementos constituintes. Na análise, priorizamos os encaminhamentos que
orientaram as produções de textos, os quais são interpretados considerando os elementos
constitutivos do contexto físico e da interação comunicativa (tema, atividades didáticas,
instruções, gênero, destinatário e objetivo). Na tabela 1, apresentado em seguida, expomos
as instruções e os elementos das situações de produção.
68
TABELA 1 – ELEMENTOS DAS SITUAÇÕES DE ESCRITA
Situações
de escrita
Série/
turma
Data Tema Atividades didáticas Instruções
Gêneros Destinatário Objetivos
1 1ª/B 25/09/06 Violência
urbana
Não houve atividade prévia
à produção de texto.
Produza um texto descritivo subjetivo
com o seguinte tema Violência urbana.
Não
especificou
Sem
destinatário
2 2ª/B 11/10/06 Gravidez na
adolescência
Leitura feita pelos alunos de
um texto retirado da revista
Pais & Teens sobre gravidez
na adolescência. Leitura
feita pela professora do
trecho que trata sobre o
texto argumentativo escrito
e, em seguida, leitura do
texto e alguns comentários.
Estudo do texto.
Produza um texto dissertativo-
argumentativo sobre o tema Gravidez
na adolescência.
Texto de
opinião
Sem
destinatário
Argumentar
sobre a
Gravidez na
adolescência.
3 1ª/B 17/10/06 Leitura Leitura silenciosa do
editorial “Vaga-lume
literário”, retirado do jornal
Folha de São Paulo.
Comentários da professora
sobre o texto, sem a
participação dos alunos.
Produza um texto persuasivo,
trabalhando com o gênero textual
editorial, com o tema: Brasil de pouca
leitura.
Editorial Sem
destinatário
Expressar
opinião
procurando
convencer o
leitor a partir de
argumentos.
4 1ª/A 13/11/06 Não
especificou
Não houve atividade prévia
à produção de texto.
Produza um texto com o gênero textual
carta pessoal, analisando os princípios
desse gênero.
Carta pessoal Livre escolha Exercitar a
escrita de carta
pessoal.
5 2ª/A 27/11/06 Produção de
texto
Não houve atividade prévia
à produção de texto.
A prática de produção de texto, na
escola, tem sido martírio não para os
alunos, mas para os professores. Os
temas expostos para a produção de
texto tem se repetido de ano para ano.
Dessa maneira, fica evidente que a
escola tem uma grande contribuição na
produção intelectual dos nossos alunos.
E você o que acha disso?
Texto de
opinião
Sem
destinatário
Dar opinião a
respeito da
prática de
produção de
texto na escola.
69
Ao analisarmos as instruções e elementos destinados a cada situação de escrita (tabela 1),
percebemos que alguns elementos indispensáveis em uma situação comunicativa real estão
ausentes nas instruções. Dentre eles, a representação que o aluno-produtor tem de si
mesmo, de seu papel social. Podemos, no entanto, supor que os agentes produtores
apresentam-se simplesmente como alunos, somente em alguns casos, quando tiveram de
escrever uma carta pessoal, exerceram papel social diferente.
O destinatário é outro elemento que não é explícito em nenhuma situação de
escrita. Se o objetivo do locutor, principalmente no texto argumentativo, consiste em
realizar modificações nas crenças e opiniões do interlocutor; uma orientação para produção
de texto, que não faça alusão a esse componente da interação verbal, provavelmente não
favorece a criação de sua representação. O problema torna-se mais grave, não porque
cria uma situação de produção de texto desprovida de qualquer função social da linguagem
escrita, mas também porque faz com que o aluno veja o professor como único leitor de
seus textos.
Considerando o objetivo, no sentido dado por Bronckart (1999), isto é, a
representação do efeito que se quer produzir no destinatário, percebemos que esse
elemento básico foi voltado, principalmente, para o cumprimento de uma atividade escolar.
Contudo, observando as instruções, notamos que foram solicitadas aos alunos algumas
operações de linguagem como opinar e convencer.
Quanto aos temas das produções, de certa forma, estão relacionados ao contexto
social dos alunos, como os temas das situações de escrita 1 e 2 (Violência urbana e
Gravidez na adolescência, respectivamente). os temas das situações 3 e 5 (Leitura e
Produção de texto) fazem parte do contexto escolar. Ao responder a pergunta de 7 do
questionário (Anexos 1 e 2), as professoras afirmaram que procuram trabalhar com
assuntos do momento, com temas retirados de revistas e jornais e que despertam o
interesse dos alunos. Entretanto, observando as atividades didáticas desenvolvidas,
constatamos que os temas poderiam ter sido mais interessante para os alunos se tivessem
sido discutidos e debatidos, atividades não realizadas em sala de aula. Na análise do
tratamento dos temas, verificamos que a maioria faz parte do senso comum, não levando à
divergência de opinião, por isso, os temas favorecem apenas a realização da operação de
justificação que, segundo Masseron (1997a), constitui uma forma de argumentação voltada
para o ponto de vista do locutor.
70
O gênero não está explícito em todas as instruções, mas, pelos enunciados das
propostas, podemos deduzir, como no caso das situações de escrita 2 e 5, que se trata de
texto de opinião. Não foi possível precisar qual gênero foi solicitado na situação de escrita
1, em que a docente solicita a produção de um texto descritivo subjetivo sobre Violência
urbana”, somente a análise dos textos poderá mostrar o gênero produzido pelos alunos.
Quando perguntamos às professoras sobre os tipos de textos mais solicitados nas atividades
de produção textual - questão 8 do questionário - (Anexos 1 e 2), elas responderam que
trabalham mais com o texto dissertativo porque é a modalidade mais presente nos
vestibulares.
Com relação ao ensino dos gêneros, observamos que as professoras não fizeram
uma abordagem teórica sobre os gêneros solicitados que contextualizasse sua função sócio-
comunicativa, o que pode ter comprometido a eficiência dos alunos nas produções escritas.
Quanto às atividades didáticas realizadas antes da produção de cada texto,
notamos que ora, as professoras iniciam a aula apresentando ao aluno um texto-apoio para
subsidiar uma posterior produção textual, ora lançam uma proposta sem nenhuma atividade
prévia à escrita, considerando, dessa forma, o aluno como um sujeito que está pronto para
produzir qualquer texto, seja qual for o assunto. No item 3 do questionário (Anexo 2), a
professora S. disse que desenvolve a leitura de um texto e que algumas vezes faz a
discussão dos temas expostos. Entretanto, pelo que observamos em sala de aula, essa
leitura fica apenas no nível superficial. É uma atividade de linguagem que não contempla
uma situação real de comunicação, não é oportunizado ao aluno ativar seus conhecimentos
prévios. Trata-se, simplesmente, de uma mera leitura para escrever uma redação escolar. A
professora C., no seu depoimento, admitiu que nem sempre discute os temas antes da
atividade de produção escrita, pois segundo ela, é importante que o aluno manifeste seu
pensamento sem ser influenciado pelas idéias dos outros.
A respeito das instruções, percebemos que foram incompletas, faltando-lhes
alguns elementos básicos. Na produção da carta, por exemplo, não foi oferecido nenhum
dos elementos constitutivos das condições de produção: não houve explicitação do tema,
do objetivo e nem mesmo do destinatário.
Outro problema que destacamos no ensino de produção textual é o tempo
dispensado para essa atividade. Uma aula apenas não é suficiente para que o aluno planeje,
escreva e revise seu texto, mas mesmo assim, é essa a prática desenvolvida na escola
71
pesquisada. Para se ter uma idéia, das cinco situações de escrita, relatadas no item 3.3.2, os
alunos conseguiram concluir apenas a situação de número quatro, em que produziram uma
carta pessoal.
Sobre o encaminhamento das atividades de escrita, notamos que não houve o
“antes” nem o “durante” e nem o “depois” da produção, primeiro, porque não houve
atividade prévia às produções, em duas situações de escrita os alunos leram um texto
que serviu de base para a produção de outro, segundo, porque em nenhum momento as
professoras agiram como mediadoras no trabalho de produção dos alunos e, terceiro,
porque não houve atividade de reescrita. A produção de texto não é vista como um trabalho
que exige releituras e reescrituras, procedimentos de uma concepção interacionista de
linguagem. O texto, da forma como foi trabalhado, configura-se como produto pronto e
acabado, que tem como única finalidade a avaliação do professor.
4.3 Análise dos textos
Na análise dos textos, inicialmente buscamos interpretar como as condições de produção
interferem na escrita dos alunos e depois realizamos a análise da configuração
lingüístico-discursiva, a qual foi feita uma abordagem mais geral dos mecanismos de
textualização e do posicionamento enunciativo, através do levantamento de unidades
lingüísticas mais recorrentes nos textos.
4.3.1 Textos da 1ª situação de escrita
Texto 1
72
Texto 2
73
Texto 3
Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos
Observando o comando da atividade (“produzir um texto descritivo subjetivo
com o tema violência urbana”), notamos que a professora solicitou a construção de um
texto que não ficou muito claro para os alunos, mas mesmo assim os alunos escreveram
seus textos.
74
Ao lermos as produções dessa situação de escrita, constatamos que os alunos
produziram textos dissertativos, tipologia tradicional muito trabalhada em sala de aula.
No que se refere à textualidade, o que podemos afirmar é que certa
homogeneidade discursiva nos textos 1 e 2, isto é, as redações se compõem de argumentos
recorrentes, os alunos falam praticamente as mesmas coisas. Vejamos alguns trechos:
Texto 1: A violência envolve cada vez mais o cotidiano das pessoas, sair de casa é uma questão de saber
se portar diante de uma sociedade cada dia mais violenta”.
Texto 2:” A violência urbana está cada vez mais presente nos grandes e médios centros urbanos...”
“Andamos pela rua com medo de sofrer algum tipo de assalto ou seqüestro ou até mesmo sermos atingidos
por alguma bala perdida.”
Texto 1: “Baixar taxas de analfabetismo, ocupar os jovens... são propostas que na minha opinião
reduziriam parcialmente a violência urbana”.
Texto 2 “A solução pra esses problemas seria a diminuição da pobreza, com acesso a educação e mais
emprego para os mais pobres.”
O texto 3 se assemelha muito a uma aula expositiva, pois o discente inicia sua
produção conceituando violência urbana, aliás, ele utiliza uma linguagem muito
semelhante à do dicionário, depois, o aluno cita as formas e causa dessa violência e conclui
que é um dos temas mais discutidos no país.
O que podemos depreender é que os alunos como não sabem, de forma mais
objetiva, desenvolver o assunto, buscam caminhos para chegar a algum lugar, empreendem
esforços para preencher as linhas em branco retirando do seu conhecimento de mundo,
algo que possa ajudá-los a concluir a tarefa escolar.
É importante destacar o quanto a indefinição dos propósitos ou a não
explicitação dos objetivos com os quais se escreve pode influenciar a produção dos
aprendizes.
Acreditamos que a mediação do professor no processo de produção textual seja
um fator determinante para o aluno produzir um texto que tenha qualidade tanto no plano
75
da forma quanto no plano do conteúdo. Porém, não foi isso que aconteceu nessa situação
de escrita, pois em nenhum momento, a professora agiu como mediadora no trabalho de
construção de textos dos seus alunos.
A configuração textual da 1ª situação de escrita
Por acreditarmos que uma tabela facilita a visualização das unidades
lingüísticas relevantes para a análise dos textos, apresentamos a seguir uma síntese destas
unidades a fim de exemplificar as semelhanças existentes na materialidade lingüístico-
discursiva das produções textuais dos alunos:
Tabela 2 - Configuração dos textos da 1ª situação de escrita
Textos 1 2 3
Mundo discursivo Expor Implicado Expor Implicado Expor Implicado
Tipo de discurso Discurso interativo Discurso interativo Discurso interativo
Unidades dêiticas
temporais
atualmente antes, hoje
Unidades dêiticas
espaciais
casa rua Brasil
Pronomes de pessoa
singular/plural
nos, (nós) devíamos,
minha
(nós) andamos, nos (eu) vou, (nós)
podemos
Frases não declarativas Como acabar com esta
violência? Será que
deveríamos ter votado
pela proibição do uso
de armas?
Verbos no presente do
indicativo
é, está, envolve,
deparamos, mata faz,
têm
está, afeta, andamos,
estão, são
é, espalha-se,
compreende, provocam,
formam, manifestam
Verbos no pretérito estava, convencionou,
transformou-se
Verbos no futuro do
pretérito
resolveria, acabaria,
reduziria
deveria, poderia, seria
76
Organizadores textuais cada vez mais, ou,
como, que, mas, e,
porque
cada vez mais, e, ou, até
mesmo, que
que, mas, e, como, ou,
por que
Modalização lógica Baixar taxas de
analfabetismo, ocupar
os jovens com
atividades que
despertem o lado
humanitário dos jovens,
são propostas que na
minha opinião
reduziriam
parcialmente a
violência urbana
A solução pra esses
problemas seria a
diminuição da pobreza,
com acesso a educação
e mais emprego para os
mais pobres
Modalização apreciativa
- A vida é preciosa, e
está cada vez mais
difícil preservá-la.
- Ao ligarmos a TV nos
deparamos com
notícias jornalísticas
cada vez mais
assustadoras...
Infelizmente o crime
está mais organizado
que a polícia
...a violência
transformou-se num
dos temas mais
discutidos em todo o
país
Modalização deôntica
...os próprios policiais
que deveriam nos dar
segurança.
- ...os políticos que
poderiam solucionar
esse problema em sua
grande maioria são
corruptos.
O levantamento das unidades lingüísticas aponta para a seguinte análise:
1. verificamos que os textos pertencem ao mundo do EXPOR e que os alunos
escreveram com predomínio de discurso conjunto e interativo;
2. as formas verbais predominantes nos textos apresentam-se no tempo presente (é,
está, envolve, deparamos, mata, faz, têm, afeta, andamos, estão, são, espalha-se,
compreende, provocam, formam, manifesta), indicando que os processos a que se
referem têm um valor simultâneo ao momento da fala do enunciador;
3. encontramos pronomes de pessoa do singular e do plural, ora explícitos (nos,
minha) ora implícitos ( (nós) devíamos, (nós) andamos, (eu) vou, (nós) podemos).
77
4. aparece no texto 1 frases não declarativas (interrogativas) características do
discurso implicado: ( Como acabar com esta violência?; Será que devíamos ter
votado pela proibição do uso de armas?);
5. encontramos unidades dêiticas espaciais e temporais: (cidades brasileiras, favelas,
grandes e médios centros urbanos, rua, Brasil, grandes cidades, cidades menores,
país, atualmente, antes, hoje);
6. os organizadores textuais mais recorrentes nos textos foram: e, que, ou, mas;
7. quanto à coesão nominal, constatamos que os alunos fazem a progressão temática
por meio de anáforas nominais, principalmente pela repetição do nome violência;
8. em relação aos mecanismos enunciativos, os alunos fizeram uso de modalizações
apreciativas, principalmente pelo emprego do intensificador “mais” ( A vida é
preciosa e está cada vez mais difícil preservá-la; Infelizmente o crime está mais
organizado que a polícia) , de modalização deôntica imbricada com a apreciativa
(...os políticos que poderiam solucionar esse problema em sua grande maioria são
corruptos) e também de modalizações lógicas (A solução pra esses problemas
seria a diminuição da pobreza, com acesso a educação e mais emprego para os
mais pobres);
9. Podemos inferir ainda, dos textos, a presença de diferentes vozes sociais como, a
voz social dos meios de comunicação de massa (notícias jornalísticas cada vez
mais assustadoras “filho mata pai”; “criança é abusada sexualmente”), a voz
social e ao mesmo tempo de senso comum de que na favela só têm más influências
(“E as favelas, porque tanta concentração de maus influências”.), a voz social da
Constituição Federal (sem distinção de raça, cor ou credo), a voz dicionarizada
(Violência urbana é o ato ou efeito de violentar, de empregar força física... ato de
violentar crueldade, força), dando um caráter de objetividade aos textos.
4.3.2 Textos da 2ª situação de escrita
Texto 1
78
Texto 2
79
80
Texto 3
Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos
Nesse episódio de produção, apesar de ter ocorrido a leitura prévia de um texto
sobre o tema, os alunos não conseguiram expressar suas idéias de forma mais significativa.
Se a professora tivesse explorado o texto, se tivesse dado oportunidade aos alunos para
expressarem seus pensamentos, possibilitado a heterogeneidade de vozes, certamente eles
teriam adquirido mais experiências sobre o assunto e assim produzido textos melhores.
Para o aluno aprender a escrever, precisa encontrar interlocutores, colocar-se
em dialogia, encontrar espaços para a atividade humana de expressão, de modo a articular
81
seus textos às diferentes necessidades e interesses que se encontram nas suas práticas
sociais. O outro a quem se dirige o texto é sempre o professor, e na tentativa de agradá-lo,
o aluno/adolescente se assume como irresponsável, inconsciente, despreparado etc.
Nos textos examinados, percebemos que as idéias giraram em torno da falta de
responsabilidade dos jovens e das conseqüências de uma gravidez indesejada, observemos
os fragmentos:
Texto 1: As meninas estão iniciando uma vida sexual cada vez mais cedo, apesar da sociedade ser bem
moderna e ter varias formas de informação, os jovens são inconsequentes e não se previnem.”
“Fatores como ausência de dialogo, atividades sexuais começados precocemente reforçam a
irresponsabilidade dos jovens e de seus pais”.
Texto 2: “...se não tiver apoio da família, o que acaba em aborto ou em crianças criadas na
marginalização”
Texto 3: “...a gravidez pode vir a interromper, na adolescência fazendo assumir responsabilidades.”
Quanto à organização, percebemos que grande parte dos alunos teve a
preocupação de estruturar seus textos em três parágrafos, estrutura típica dos textos
dissertativos. A orientação da professora para estruturar o texto em introdução,
desenvolvimento e conclusão leva o aluno a “concluir” o texto no parágrafo, e não o
raciocínio. Outro aspecto observado é que eles escreveram em torno de 20 a 25 linhas,
como havia estabelecido a professora.
Nessa situação de escrita, podemos notar que o aluno é condicionado a escrever
dentro dos padrões tradicionais da escola, dirigido pela professora que dita ordens, como: o
texto deverá ser escrito na sala; valerá nota; o texto deve ter pelo menos três parágrafos e
25 linhas (ver item 3.3.2.2). Essa postura da professora, ao ditar normas para se escrever o
texto, configura-se numa conduta metodológica extremamente técnica, fato que deixa claro
que o tradicionalismo ainda permanece enraizado no trabalho pedagógico.
A partir dos textos analisados, podemos concluir que, infelizmente, o aluno não
foi estimulado a produzir um texto em que sentisse necessidade de se comunicar, de
expressar seus pensamentos, seus sentimentos, seus valores, suas experiências pessoais.
Anularam-se, portanto, todas as razões reais de comunicação que poderiam gerar
interações, prevalecendo a abordagem tradicional de ensinar e de aprender.
82
A configuração textual da 2ª situação de escrita
Tal como procedemos na análise dos textos da situação de escrita,
apresentaremos, a seguir, uma tabela com o levantamento das unidades lingüísticas da
situação de escrita:
Tabela 3 - Configuração dos textos da 2ª situação de escrita
Textos 1 2 3
Mundo discursivo Expor Autônomo Expor Implicado Expor Autônomo
Tipo de discurso Discurso teórico Discurso interativo Discurso teórico
Unidades dêiticas
temporais
hoje
Pronomes de
pessoa singular/plural
(nós)podemos, (nós)
estivéssemos
Frases não
declarativas
Mas e se estivéssemos falando
de uma adolescente, que está
estudando ou não, masque
principalmente está no início
de sua vida?
Verbos no presente
do indicativo
estão, são, previnem,
torna-se, cresce,
reforçam, é, tem
é, adquire, trata, podemos,
tem, está, são
caracteriza-se,
entram, faz, aceitam,
mandam, é
Verbos no futuro do
pretérito
seria
Organizadores
textuais
cada vez mais, apesar
de, e, a cada ano, mas,
já que, nem
que, porém, mas, mas
também, então, ou
Assim, muitas vezes,,
com que, ou, porque,
também, para que
Modalização lógica
com certeza a mulher
adquire a partir de uma certa
idade
- ... a realidade seria outra,
pois uma adolescente não tem
maturidade suficiente para
criar uma criança
83
Modalização
apreciativa
...apesar da sociedade
ser bem moderna e ter
varias formas de
informação, os jovens
são inconseqüentes e
não se previnem.
- A cada ano se torna
cada vez mais crescente
o índice de gravidez na
Adolescência
- A mulher é encarregada de
uma missão especial
- ...dar origem a uma vida é
algo que requer muita
responsabilidade
- ... é quase inaceitável que os
dados sobre os casos de
gravidez na adolescência
sejam tão gritantes
Hoje, os meninos e
meninas entram na
adolescência cada
vez mais cedo
- ...é muito
importante o dialogo
entre os pais
Modalização deôntica Fatores como ausência
de dialogo, atividades
sexuais começados
precocemente
reforçam a
irresponsabilidade dos
jovens e de seus pais
- O que se tem a fazer é
dinamizar estas informações,
aumentar a liberdade das
jovens para opinar sobre o
assunto com os pais, e tornar
a sexualidade segura de
doenças e de gravidez
indesejável.
- Também é muito
importante o dialogo
entre os pais e os
filhos, para que eles
sejam orientados,
para depois assumir
as responsabilidades.
As unidades lingüísticas identificadas nos textos da situação de escrita remetem para a
seguinte análise:
1. os textos 1 e 3 foram produzidos com base em um discurso teórico autônomo,
caracterizado pela ausência de unidades lingüísticas referentes aos parâmetros
físicos da ação de linguagem;
2. no texto 2, percebemos que o agente-produtor utilizou um discurso interativo
implicado, marcado pela presença implícita de pronomes de pessoa
((nós)podemos, (nós)estivéssemos);
3. o tempo verbal predominante nos três textos é o presente do indicativo (estão, são,
previnem, torna-se, cresce, reforçam, é, tem, adquire, trata, podemos, está,
caracteriza-se, entram, faz, aceitam, mandam), com valor de simultaneidade;
4. presença de frase interrogativa no texto 2, característica de um discurso interativo;
5. não identificamos ocorrências de dêiticos espaciais, e apenas no texto 3 observamos
a presença do dêitico temporal hoje;
6. os organizadores textuais empregados nos textos foram do tipo lógico, mais comum
nos discursos da ordem do EXPOR;
84
7. os mecanismos de coesão nominal mais freqüentes nos textos são as anáforas
nominais, marcadas ora pela repetição da unidade-fonte ora por relação de
associação;
8. notamos que os escreventes fizeram uso mais freqüente de modalizações
apreciativas e deônticas, ao fazerem julgamentos apoiados no mundo subjetivo, no
mundo da moral e nos valores e regras constitutivas do mundo social. Em alguns
casos, como nos exemplos sublinhados, a modalização deôntica aparece sobreposta
à apreciativa. também a presença de modalizações lógicas, quando o aluno
julga alguns elementos do conteúdo baseando-se em conhecimentos definidos pelo
mundo objetivo, real, e modalização do tipo pragmática, ao evidenciar aspectos da
responsabilidade dos jovens;
9. Percebemos, ainda, a voz do domínio religioso imbricada com a do autor, no
seguinte trecho do texto 2: A mulher é encarregada de uma missão especial que lhe foi dada
por Deus, que é a de garantir a existência da humanidade por meio da procriação”.
4.3.3 Textos da 3ª situação de escrita
Texto 1
85
Texto 2
86
Texto 3
87
Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos
Em relação ao gênero solicitado na atividade de escrita, o editorial, o que
percebemos é que a professora procura incluí-lo no enunciado da atividade, apenas para
deixar claro que trabalha com diferentes gêneros, pois no encaminhamento da atividade,
ela não trabalhou as especificidades desse gênero. A escrita não é vista a partir de uma
dimensão do uso da linguagem que seria o gênero, mas a partir de uma dimensão
comportamental de atendimento a uma tarefa solicitada.
Quanto ao conteúdo, notamos que em todos os textos, os alunos atribuem o
pouco hábito de leitura dos brasileiros a fatores como: falta de investimento pelos
governantes, falta de incentivo dos pais e da escola e ausência de projetos de incentivo à
leitura. Observemos os seguintes fragmentos:
Texto 1: No Brasil, a pouca leitura ainda é um problema muito grave. Tal problema é ocasionado devido à
vários fatores. Primeiramente, porque o governo não investe na educação e nem incentiva a leitura. Outro
fator é que os pais não incentivam os filhos a leitura. Por último, vem o fator da tecnologia, que tem como
protagonistas a televisão, o vídeo e o computador.
Texto 2: A situação do Brasil nesse aspecto é considerada vergonhosa, tendo um reduzido número de
pessoas que realmente possuem o interesse em cultivar a leitura. Isso deve-se a falta de estímulo por parte
dos pais em relação aos seus filhos. Porque caso os jovens vissem desde a infância que sua mãe ou seu pai
têm o hábito de ler livros nas horas vagas, por exemplo, facilitaria os mesmos também adquiri-lo
posteriormente.
Texto 3: Alguns dos fatores dessa pouca leitura, é a falta de recursos, falta de investimento por parte dos
governantes e além de tudo, a falta de apoio, principalmente pelos familiares e pela escola.
Essa homogeneidade de idéias ocorreu porque os alunos se apropriaram das
informações do texto estudado e dos comentários que a professora fez sobre o assunto. Não
temos dúvida de que o conteúdo dito é uma reprodução, se não, como explicar as visíveis
semelhanças de informações? A falta de um contexto significativo, de uma razão para a
produção dos textos, interferiu nos seus “conteúdos”, que comungam as mesmas idéias do
texto que lhes serviu de apoio.
Outro aspecto que observamos é que os alunos procuraram seguir a
recomendação de que o texto deveria ter entre 20 a 25 linhas, como podemos notar, na
88
numeração das linhas do texto 2, a preocupação da aluna em seguir à risca a orientação da
professora.
No espaço escolar, o objetivo maior do aluno, ao produzir um texto, parece ser
o de seguir as regras do jogo da escola, tendo em vista obter uma avaliação favorável.
Assim o que é dito pelos alunos encontra-se sustentado no que imaginam que a escola
deseja que eles digam e deles espera obter, nos efeitos que buscam alcançar escrevendo de
determinada forma, dentre outros aspectos.
Segundo Cavalcante e E. Marcuschi (2005), o aluno sabe que seu leitor
imediato, e talvez único, é o professor, a quem compete controlar e julgar a qualidade da
produção. O autor-sujeito, nesse contexto, desaparece, emergindo o aluno, que está
preocupado apenas em cumprir com eficiência uma tarefa escolar.
Configuração textual da 3ª situação de escrita
Na situação de escrita podemos identificar os seguintes elementos
lingüísticos nos textos dos alunos:
Tabela 4 - Configuração dos textos da 3ª situação de escrita
Textos 1 2 3
Mundo discursivo Expor Autônomo Expor Autônomo Expor Implicado
Tipo de discurso Discurso teórico Discurso teórico Discurso interativo
Unidades dêiticas
temporais
A partir desse
momento
Unidades dêiticas
espaciais
Brasil Brasil Brasil
Pronomes de pess.
singular/plural
Nossas, nos, (nós)temos,
(nós)poderemos, (nós)podemos
Frases não
declarativas
Será que um país tão grande,
considerado em desenvolvimento
ainda deveria haver pouca leitura?
Verbos e locuções
verbais no presente
do indicativo
É, pode ser,
incentiva, investe,
incentivam, vem
tem, chegam a
É, pode desenvolver,
possui, possuem,
deve-se, têm, é
É, ajuda, temos, atravessa, podemos
89
passar, crescem,
pode continuar,
possam ler
preciso fazer
Verbos no futuro do
pretérito
seria facilitaria Deveria
Organizadores
textuais
Primeiramente,
porque, e, nem,
outro, por último,
que, com isso, cada
vez mais, daí,
assim, desde, para
que
Que, apesar de,
mais...do que, um
dos, porque, ou, por
exemplo,
posteriormente,
assim, com que, para
que, quando
Dentre, cada vez mais, desde, até,
mesmo sendo, além de, que, para
isso, só assim, e sim, ou
Modalização lógica
Tal problema é
ocasionado devido
à vários fatores...
- Uma possível
solução para esse
problema seria o
governo investir
mais em educação
e os pais
incentivarem os
filhos a ler.
- A leitura é uma das
capacidades que
qualquer ser humano
pode adquirir
durante a sua vida...
- ... tendo um
reduzido número de
pessoas que
realmente possuem o
interesse em cultivar
a leitura.
- Alguns dos fatores dessa pouca
leitura, é a falta de recursos, falta
de investimento por parte dos
governantes e além de tudo, a falta
de apoio, principalmente pelos
familiares e pela escola.
Modalização
apreciativa
- No Brasil, a
pouca leitura ainda
é um problema
muito grave.
-...tornando-se
adolescentes e
adultos
preguiçosos, e
profissionais
desqualificados.
- A situação do Brasil
nesse aspecto é
considerada
vergonhosa...
- Mesmo sendo de suma
importância, a leitura ainda é
escassa em muitos países
Modalização deôntica - Esse problema
pode ser atribuído
ao governo desses
países.
- Isso deve-se a falta
de estímulo por parte
dos pais em relação
aos seus filhos.
- Assim é preciso
fazer com que as
crianças brasileiras
se acostumem a
partir desse momento
a ler
Não deveria existir. Para isso, é
necessário que haja mais vontade
de estudar, ler ...
- Não podemos mais, ser um
“Brasil de pouca leitura”
Modalização
pragmática
O Brasil não pode
continuar assim.
-...é necessário que haja mais
vontade de estudar, ler, adquirir
conhecimento. assim, poderemos
continuar crescendo cada vez mais
A partir da tabela acima, podemos fazer a seguinte análise:
90
1. percebemos que os agentes-produtores dos textos 1 e 2 organizaram suas escritas
com base em um discurso autônomo e teórico, evidenciado pelo caráter
monologado dos textos.
2. O texto 3 foi escrito com base em um discurso interativo implicado, caracterizado
pelo emprego de pronomes e verbos na pessoa do plural (nossa, nos, ajuda,
temos, poderemos, deixarmos, podemos).
3. o tempo verbal predominante nos três textos é o presente do indicativo (é,
incentiva, investe, tem, crescem, ficam, possui, possuem, têm, ajuda, temos,
atravessa, podemos etc);
4. evidenciamos a presença de pronomes pessoais de 1ª pessoa no texto 3 e a ausência
desse tipo de pronome nos textos 1 e 2;
5. presença de frase interrogativa no texto 3 (Será que em um país tão grande,
considerado em desenvolvimento ainda deveria haver pouca leitura?);
6. os organizadores textuais mais utilizados pelos alunos foram organizadores lógicos
(porque, assim, com isso, desde, para que, para isso, assim etc) que são mais
freqüentes nos discursos da ordem do EXPOR;
7. a marcação da coesão nominal nos três textos foi feita pela categoria das anáforas
nominais. A unidade-fonte leitura é retomada pela repetição idêntica e por marcas
de determinação (esse problema, tal problema etc)
8. observamos marcas da modalização do tipo lógico, principalmente pelo emprego
das formas verbais do verbo SER (é, ser, seria, foi, será), apresentando, dessa
forma, os elementos do conteúdo temático sob o ponto de vista de suas condições
de verdade, como fatos atestados, prováveis. Também notamos a presença de
modalizações deônticas, quando os alunos atribuem as possibilidades de ações aos
agentes socialmente responsáveis, de modalizações apreciativas, quando fazem
julgamentos do conteúdo temático apoiados em critérios do mundo subjetivo e de
modalizações pragmáticas, quando esclarecem alguns aspectos em relação à
capacidade de ação (dever fazer/poder fazer).
91
4.3.4 Textos da 4ª situação de escrita
Texto 1
Texto 2
92
Texto 3
Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos
Podemos dizer que nesse episódio de escrita, as condições de produção, apesar
de não terem sido estabelecidas pela professora, estiveram presentes no momento da
produção. Os alunos tiveram o que dizer, uma razão para dizer e para quem dizer, apesar
de que o interlocutor, escolhido pelo aluno-produtor, não tenha tomado conhecimento do
texto. Esse problema não teria existido, se ela tivesse sugerido a escolha de destinatários
reais a quem pudessem remeter as cartas.
Em relação ao gênero trabalhado, os alunos demonstraram ter um bom
conhecimento sobre esse tipo de composição. Todos os textos apresentam a estrutura
básica de uma carta pessoal: local e data, a seção de contato, o núcleo da carta e a seção de
despedida.
Não podemos nos esquecer de que, na vida cotidiana, a carta pessoal é escrita
para interlocutores que têm certo grau de familiaridade, desse modo, encontramos, nas
cartas elaboradas pelos alunos, o uso de uma linguagem menos formal, estruturas
93
dialogadas, convite à interação e marcas de conhecimentos partilhados. Teria sido
interessante para os alunos, se a professora tivesse explorado a presença da oralidade num
gênero escrito, mostrando como essas marcas do oral são importantes para esse gênero
específico, visto que constitui sua materialidade textual.
Configuração textual da 4ª situação de escrita
A tabela a seguir apresenta o levantamento das unidades lingüísticas da 4ª
situação de escrita:
Tabela 5 - Configuração dos textos da 4ª situação de escrita
Textos 1 2 3
Mundo discursivo Expor Implicado Expor Implicado Expor Implicado
Tipo de discurso Discurso interativo Discurso interativo Discurso interativo
Unidades dêiticas
temporais
13 de novembro de 2006,
...como está acabando o
ano, é nessas horas...
13 de novembro de
2006, Boa tarde!, Sexta,
mais tarde, depois, mais
ou menos 2 horas da
tarde,
13 de novembro de
2006, até no momento
Unidades dêiticas
espaciais
Campina Grande, Aqui,
colégio
Campina Grande,
Piscina, nesta festa,
aqui
Campina Grande, aí,
aqui, faculdade
Pronomes de pessoa
singular/plural
(eu) estou, me, eu, (eu)
preciso, (eu) espero, nossa
Eu (7 ocorrências) Eu (4 ocorrências) , a
gente (nós)
Pronomes de 2ª pessoa Você (5 ocorrências) Você (4 ocorrências), te
(3 ocorrências)
Tu, te
Frases não declarativas Ei, porque você não
ficou sexta até mais
tarde?/ Você não sabe o
que perdeu!/ Vou
ficando por aqui!
Tu recebeu a seleção de
clips que eu te mandei
por aquele menino que
mora se em
Lisboa?/Ficasse
sabendo que R.M. que
estudava com agente
vai se casar?
Verbos e locuções
verbais no presente do
indicativo
Estou, espero, faz, está
acabando, é, lembro,
preciso
Sabe, envio, é, trata-se,
vou te contar, vou
ficando
Diz, estão, está, estou,
é, acho, vou ser
94
Verbos no pretérito Ficou, pediu, foi,
começou, coloquei,
tinham, fiquei, tirou,
tratou, tentou, fez, riu,
aconteceram,
apareceram
Recebeu, mandei,
estudava, foi
Organizadores textuais Que, como, e Que, aí, assim,
depois, aliás, Bom, mas
assim,
Que, pois é, por isso
Modalização
apreciuativa
- ...para dizer boas
notícias
- A parte do lanche, foi
o melhor
- Aconteceram outras
coisas, que não é
conveniente fala-las por
cartas
- Aqui está tudo beleza,
estou indo muito bem
na faculdade a turma é
super gente boa
- Muito massa os clips,
acho que tu vai gostar.
Modalização
pragmática
- ...preciso muito falar com
você
Os elementos lingüísticos identificados nos textos da situação de escrita remetem para a
seguinte análise:
1. os textos foram produzidos com base em um discurso interativo implicado,
caracterizado pela presença de unidades lingüísticas referentes aos parâmetros
físicos da ação de linguagem;
2. percebemos que os alunos utilizaram um discurso marcado pela presença do
pronome de 1ª pessoa do singular (eu) e de 2ª pessoa do singular (você);
3. o tempo verbal predominante nos textos 1 e 3 é o presente do indicativo (Estou,
espero, faz, está acabando, é, lembro, preciso, diz, estão, está, estou, é, acho, vou
ser), com valor de simultaneidade;
4. no texto 2, o tempo verbal mais empregado pelo aluno foi o pretérito perfeito
(ficou, pediu, foi, começou, coloquei, fiquei, tirou, tratou, tentou, fez, riu,
aconteceram, apareceram);
5. presença de frases não declarativas nos textos 2 e 3, característica de um discurso
interativo;
6. encontramos unidades dêiticas espaciais e temporais;
95
7. os mecanismos de coesão nominal mais freqüentes nos textos são as anáforas
pronominais, constituídas de formas pronominais de primeira e segunda pessoas,
remetendo aos participantes do discurso;
8. As modalizações predominantes nos três textos foram do tipo apreciativa, isso
porque o gênero carta pessoal favorece a ocorrência desse tipo de modalização. Nos
textos, os alunos posicionam-se expressando conteúdos do mundo afetivo, do
mundo partilhado com seu destinatário.
4.3.5 Textos da 5ª situação de escrita
Texto 1
96
Texto 2
Texto 3
97
Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos
Embora o encaminhamento da atividade não tenha sido satisfatório, os alunos
produziram textos muito significativos, com informações bastante reveladoras sobre a
prática de escrita na escola. No texto 1, por exemplo, o aluno faz um verdadeiro
depoimento de suas impressões sobre as aulas de redação, observemos alguns trechos:
Acho que a escola deveria variar mais com as propostas textuais, pois nós alunos as vezes
não temos o interesse de escrever e aprender sobre determinado assunto.” “O aluno aprende mais com as
aulas mais criativas do que com aquela velha aula que se repete todos os anos.” “Cabe ao professor
estimular o interesse do aluno, pois os alunos que no caso são adolescentes tem um interesse em comum e
esse interesse geralmente varia de tempos em tempos...”
98
No texto 2 fica evidente que o aluno não compreendeu a proposta de produção,
pois ele se ateve apenas aos últimos períodos do enunciado da atividade. Usando as
palavras de Charolles (1997, p. 59), esse texto apresenta uma “flagrante circularidade do
discurso”, devido ao fato de o aluno-produtor repetir excessivamente as mesmas
informações e, com isso, não faz o texto progredir semanticamente. Vejamos alguns
fragmentos desse texto:
“A escola tem sim uma grande contribuição na produção do aluno, mas quem tem uma outra
parte dessa contribuição é o proprio aluno”.
“O aluno é o principal contribuidor para si proprio no seu desenvolvimento intelectual”...
“A parte da escola na contribuição do intelecto do aluno é realmente oferecer o saber ao
aluno”...
“Finalizando, posso dizer que eu acho o aluno o maior contribuidor para sua propria vida
intelectual na escola”...
No texto 3, o aluno-produtor demonstrou em sua produção uma grande
preocupação com a prova de redação dos vestibulares. Isso se deve ao fato de que os
professores do ensino médio, especialmente os das escolas particulares, orientam o ensino
de produção textual visando, principalmente, à preparação do aluno para esse concurso.
Através do diagnóstico das revelações dos alunos nos textos, a professora
poderia dialogar com os mesmos, refletir sobre seu trabalho e transformar esse momento
de interação em subsídios para o seu planejamento. Pois de acordo com Leal (2003), “os
textos dos alunos se transformam em fontes muito ricas e apropriadas para o professor
monitorar o seu trabalho e o desenvolvimento do diálogo ativo com os sujeitos
aprendizes”.
Outra questão que observamos, é que a professora nem ao menos se colocou
como interlocutora dos textos dos alunos; foi apenas uma avaliadora que “leu” os textos
em busca de erros. A sua correção não é motivada pela necessidade de aumentar a eficácia
comunicacional do aluno, pelo contrário, a ênfase é sobre a obediência às regras
prescritivas, principalmente, de acentuação, ortografia e pontuação. Isso revela que, na
escola, o aluno não escreve para ser lido, mas para ser corrigido. A escola elimina, desse
modo, a atitude responsiva ativa, pois o aluno sabe de antemão que nada ou muito pouco
pode esperar como resposta efetiva ao que produz.
99
Configuração textual da 5ª situação de escrita
Na situação de escrita podemos identificar os seguintes elementos
lingüísticos nos textos dos alunos:
Tabela 6 – Configuração dos textos da 5ª situação de escrita
Textos 1 2 3
Mundo discursivo Expor autônomo Expor autônomo Expor autônomo
Tipo de discurso Discurso teórico Discurso teórico Discurso teórico
Pronomes de pessoa
singular/plural
(eu) acho, nós Eu Nosso, nossos
Pronomes de 3ª pessoa Quem Quem, si, ele, lhe
Verbos e locuções
verbais no presente do
indicativo
Acho, temos, aprende,
entende, fazem, cabe, é,
são, tem, varia, pode
Tem, é, oferece, posso
dizer, forma
Tem, ajuda, busca, é,
prepara
Verbos no futuro do
pretérito
Deveria, seriam deveria
Organizadores textuais Que, pois, às vezes, se,
mas, e
Mas, pois, e, para que,
finalizando
Pois, , mas, e, por
isso
Modalização
apreciuativa
- O aluno aprende mais
com as aulas mais
criativas do que com
aquela velha aula
-...a escola forma um
aluno que pode ser bom
quando é responsável e
ruim quando for
irresponsável
- Para a maioria das
pessoas a redação não
tem importância
alguma.
Modalização lógica Acho que a escola deveria
variar mais com as
propostas textuais
- Se a escola varia-se mais
seus métodos de ensino o
interesse e os resultados
obtidos seriam bem
melhores.
- A parte da escola na
contribuição do intelecto
do aluno é realmente
oferecer o saber ao aluno.
- Finalizando, posso dizer
que eu acho o aluno o
maior contribuidor para
sua propria vida
intelectual
Modalização deôntica
-... é do aluno a
responsabilidade de
aprender, de ir a escola e
de principalmente prestar
atenção em todas as aulas
que se tem no dia.
- A escola tem o dever de
ensinar
-...as escolas deveria
cobrar mais dos
alunos.
100
Modalização
pragmática
-...cabe ao professor
estimular o interesse do
aluno, pois os alunos que
no caso são adolescentes
tem um interesse em
comum e esse interesse
geralmente varia de
tempos em tempos e o
professor pode usa-la em
suas aulas.
-...para que os
professores lhe avaliem
bem e obtenha esito na
escola
- A gente busca treinar
para ter um
desempenho melhor
em um vestibular por
exemplo.
As unidades lingüísticas identificadas nos textos da situação de escrita remetem para a
seguinte análise:
1. embora tenhamos notado a presença de pronomes de 1ªpessoa nos textos, os alunos,
no decorrer de suas produções, colocaram-se distantes, dando um caráter de
objetividade ao discurso;
2. notamos a ausência de frases não declarativas e de dêiticos espaço-temporais;
3. os textos foram produzidos, predominantemente, com base em um discurso teórico
autônomo;
4. as formas verbais predominantes nos textos apresentam-se no tempo presente,
indicando que os processos a que se referem têm um valor simultâneo ao momento
da fala do enunciador;
5. os organizadores textuais mais utilizados pelos alunos foram organizadores lógicos,
que são mais freqüentes nos discursos da ordem do EXPOR;
6. os mecanismos de coesão nominal predominantes nos textos são as anáforas
nominais, marcadas ora pela repetição da unidade-fonte ora por relação de
associação;
7. quanto às modalizações, observamos o uso de modalizações lógicas, apresentando,
assim, o conteúdo temático sob o ponto de vista de suas condições de verdade. Notamos,
também, a presença de modalizações deônticas, quando os alunos atribuem as
possibilidades de ações aos agentes socialmente responsáveis, de modalizações
apreciativas, quando fazem julgamentos do conteúdo temático apoiados em critérios do
mundo subjetivo e de modalizações pragmáticas, quando esclarecem alguns aspectos em
relação à capacidade de ação (dever fazer/poder fazer).
101
Encerremos aqui a análise dos textos dos alunos, lembrando que não a
exploramos em sua amplitude e, ainda, que o estudo das redações que aqui foi feito se
prendeu à análise das condições de produção desses textos.
A respeito das condições necessárias para a produção de um texto, percebemos
que algumas não foram consideradas pelas professoras e essa falha afetou o desempenho
comunicativo dos alunos. Em resumo, é possível afirmar que a produção de texto depende
das condições de produção em sentido mais amplo (temas significativos, destinatário real,
orientação no momento da produção, objetivo claro e interessante), sem esquecermos das
atividades individuais e coletivas. Portanto, interferência de um conjunto de fatores, e
não apenas de uma instrução escrita ou de uma situação de produção momentânea,
desvinculada de um trabalho anterior.
Produzir um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa,
simplesmente, pela codificação das idéias, supõe, ao contrário, várias etapas,
interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pelo ato
de escrever, até o momento da revisão e da reescrita (ANTUNES, 2003, p. 54). O produto
final, ou seja, o texto, vai depender de como se respeitou cada uma dessas etapas.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta parte final, expomos as conclusões a que chegamos durante o processo de
investigação e análise, retomando de alguma forma a hipótese levantada no início deste
trabalho: a de que na realidade, o desempenho escrito do aluno retrata, de modo
significativo, a imagem real do processo escolar a que foi submetido, incluindo a
metodologia empregada no ensino de produção textual. Desse modo, nossa intenção, ao
desenvolver este trabalho, foi analisar como se o processo de ensino-aprendizagem de
produção de textos escritos propiciado pela escola, refletindo sobre a posição do professor
em relação ao desenvolvimento da capacidade comunicativa escrita de seus alunos. Nessa
perspectiva, focamos nossa atenção nas condições de produção de textos escritos no ensino
médio, caracterizando o trabalho pedagógico nessa área. Avançamos um pouco mais e
analisamos, também, os textos produzidos pelos alunos, em função de se verificar a
existência de indícios que demonstrassem a relação entre as condições de produção e a
materialidade textual-enunciativa.
Os resultados deste trabalho permitem-nos concordar com outros estudos que
mostram que o trabalho com a produção de textos, de modo geral, encontra-se
problemático em nossas escolas. Entretanto, não podemos fazer generalizações, dada a
pesquisa particular que fizemos.
Pretendemos refletir, a partir de agora, sobre a prática pedagógica com a
linguagem escrita presenciada nas quatro turmas de ensino médio nas quais realizamos esta
pesquisa. Na verdade, em alguns pontos deste trabalho, especificamente quando da análise
das condições de produção, fizemos algumas reflexões sobre o processo de ensino-
aprendizagem de produção de textos da realidade escolar em que estivemos enredados.
Para iniciar as nossas conclusões, gostaríamos de destacar alguns pontos
positivos da prática pedagógica das professoras-participantes desta pesquisa. Podemos
103
apontar como pontos positivos a preocupação das professoras em levar para a sala de aula
textos para subsidiar os alunos no momento da produção textual, mesmo não sendo
devidamente explorada a leitura desses textos; a tentativa de trabalhar com gêneros textuais
mesmo que de forma superficial e a escolha de temas atuais, procurando despertar o
interesse de seus alunos.
Apesar de notarmos a presença de alguns pontos positivos na prática
pedagógica das professoras, os resultados da pesquisa demonstram que o trabalho com a
produção textual escrita desenvolvida pelas docentes não leva em consideração as
influências das condições de produção para a materialização dos textos pelos alunos. As
circunstâncias observadas e analisadas levaram-nos a constatar que o problema de o aluno
não conseguir um bom desempenho comunicativo escrito é, em parte, decorrente do
conjunto de elementos que orientam a sua produção.
O quadro revelado pelos dizeres das professoras sobre a atividade de produção
escrita deixou transparecer que o ensino ainda se baseia em concepções prescritivistas.
Com isso anula-se o caráter interativo da escrita, descaracterizando-a como lugar de
interação e de diálogo entre sujeitos.
A prática pedagógica revelada pelas professoras evidencia problemas no
direcionamento das atividades de escrita, pois elas parecem acreditar que o modo como um
texto se constitui não depende em nada de para quem se fala, em que situação se fala
(onde, como, quando) e para que se fala. As condições de produção necessárias à atividade
de escrita não podem ser ignoradas como foram no contexto observado. Nesse sentido, E.
Marcuschi (2004, p. 99) afirma que a escrita na escola é
realizada de modo descontextualizado das ações diárias e de toda e qualquer
relação com o mundo extra-escolar. O estudante deve redigir textos claros,
lógicos, coesos, coerentes, apesar da vagueza com que a tarefa é solicitada, pois
sequer são lembradas condições discursivas imprescindíveis, como o objetivo
do texto, seu contexto social de circulação, gênero textual e leitor presumido.
Se o objetivo da escola é formar um escritor competente, capaz de adequar o
seu texto, sabendo selecionar o gênero mais apropriado, e capaz de planejar o seu discurso
104
em função dos objetivos e do interlocutor a quem se destina, a escola precisaria propiciar
condições para que isso acontecesse.
Constatamos que a escrita realizada pelos alunos em sala de aula é estática, uma
vez que não sai do contexto restrito de sala de aula. Na verdade, existe uma grande lacuna
entre as propostas textuais trabalhadas pelas professoras e as necessidades que os alunos
encontram no contexto social em que estão inseridos. Um dos motivos do insucesso dos
resultados com as atividades de produção textual observadas é a artificialidade dos temas
propostos pelas professoras aos alunos; é o problema de se proporem produções de textos
que não terão destinatários reais. O aluno, ao produzir um texto, sabe que é um exercício
estritamente pedagógico e sabe do que precisa para tirar nota. A motivação para escrever
em sala de aula é reduzida pelo sentimento de responsabilidade que o aluno tem sobre as
tarefas escolares.
Outra conclusão a que chegamos foi que os temas trabalhados em sala de aula
poderiam ter sido mais significativos para o estudante se tivessem sido discutidos,
debatidos. É relevante procurar conhecer as idéias dos alunos sobre um determinado
assunto, deixando-os expressar-se livremente e permitindo-os observar, em função das
diferentes posturas que surgirem, que existem diversas formas de julgar um mesmo tema.
Porém, o que se identificou, durante as observações, foi a anulação do espaço de interação
professor-aluno e objeto de conhecimento pela imposição de propostas prontas de
produção de textos sem diretrizes precisas para o aluno realizar.
Outra questão detectada no decorrer das aulas observadas foi a de um ensino
superficial calcado na noção de gêneros, pois, em nenhum momento foi evidenciado o
propósito comunicativo dos textos, a reflexão e a ação em torno do conteúdo, o contexto de
produção, o estilo e padrão composicional de cada um, aspectos que fazem com que um
determinado texto seja definido enquanto um gênero.
No geral, o que vimos é que os alunos produzem seus textos procurando
cumprir uma exigência escolar, e muitas vezes, esses textos nem são lidos pela professora
e, quando são, é feito com o intuito de encontrar os erros gramaticais e atribuir-lhes uma
nota, prática utilizada para obrigar os alunos a escreverem.
Vimos, ainda, que o texto, da forma como é trabalhado, configura-se como um
produto pronto e acabado, pois as professoras não compreendem que a elaboração de um
105
texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa, apenas, pela codificação de idéias,
mas pelo cumprimento de várias etapas, que vão desde o planejamento, passando pela
escrita propriamente dita, até o momento da revisão e da reescrita. Conforme defendido
nos fundamentos teóricos desta dissertação, a natureza interativa da escrita impõe esses
diferentes momentos, cada um implicando análises e diferentes decisões de alguém que é
sujeito, que é autor de um dizer e de um fazer, para outro ou outros sujeitos, também ativos
e cooperantes.
Consideramos importante, também, destacar o fato de que o ensino de produção
de textos no ensino médio, principalmente na escola particular, destina-se a preparar os
alunos para o vestibular. Muitas vezes, as professoras evidenciaram isso para os alunos em
suas falas e, de forma mais implícita, nas propostas de produção, as quais priorizavam a
construção de textos de caráter dissertativo, modalidade mais comum nos vestibulares.
Em relação aos textos produzidos pelos alunos, verificamos que parte deles
mantém um nível de organização formal tradicional (introdução-desenvolvimento-
conclusão), conseqüência da forma como ainda se trabalha o texto na escola. Outros
aspectos que nos chamaram a atenção nos textos dos alunos foram: a baixa
informatividade, a falta de argumentos consistentes, a dificuldade em selecionar os
conteúdos dentro da temática proposta e, embora não tenha sido foco de nossa análise,
alguns textos, devido à diversidade lingüística, apresentam algumas falhas no aspecto
formal (erros de ortografia e de concordância). Isso vem reforçar a necessidade de se
trabalhar a reescrita na sala de aula, pois essas falhas poderiam ter sido sanadas no
momento da revisão do texto.
Ainda em relação à configuração textual, observamos que os alunos nem
sempre conseguiram elaborar seus textos conforme o gênero solicitado, sendo mais comum
o texto de opinião. Que os alunos, ao tentarem defender seus pontos de vista, construíram
textos com segmentos de discurso teórico e, em menor proporção, empregaram o discurso
interativo que foi destaque nas cartas. Identificamos também a ocorrência significativa de
modalizações, assinalando que, ora os alunos se comprometem com o que expressam,
interagindo com o destinatário, ora se distanciam, adaptando os argumentos ao que querem
defender.
Podemos dizer, então, que os textos analisados mantêm estreita relação com o
processo de ensino-aprendizagem de produção textual, que, a nosso ver, retrata a pouca
106
eficiência no encaminhamento teórico-metodológico, pois não incide sobre as condições de
produção.
Assim, podemos concluir que existe um descompasso entre a Academia e a
Escola. Apesar dos vários cursos de capacitação, congressos, pesquisas sobre o ensino-
aprendizagem de produção de textos que começaram a apresentar mudanças nos estudos da
linguagem, com conseqüências diretas na maneira de conceber e ensinar a língua,
atualmente a maioria dos professores que atuam nas escolas continuam, ainda, com
práticas pedagógicas ligadas às velhas concepções de ensino e de língua. Isso ocorre não
porque nunca tenham ouvido falar das novas teorias lingüístico-textuais, mas porque não
sabem como transformá-las em prática cotidiana de ensino. Dessa forma, enquanto não
houver uma ação intermediária que trate de operacionalizar os avanços teóricos em
transposição didática na prática escolar, nada de novo irá ocorrer na sala de aula.
Convém, pois, indagarmos sobre qual será a contribuição que os cursos de
formação de professores, especificamente o curso de licenciatura em Letras, tem sobre este
quadro de ensino de produção textual que aqui esboçamos. Ficamos imaginando sobre
como teria sido a formação das professoras para a prática do ensino de produção textual, se
é que houve. Podemos reconhecer, através das observações realizadas, os efeitos de uma
adesão às orientações de abordagem tradicional, que podem ser decorrentes do tipo de
formação que receberam e do resultado da trajetória particular no processo contínuo de
“fazer-se-professor”. Portanto, não cabe apenas a elas a responsabilidade de um ensino
eficaz e sim a todo um processo que pode ser mais organizado no curso de graduação.
Julgamos, pois, que para melhorar esse quadro de ensino de produção textual,
não basta apenas mudar a prática, a metodologia. É necessário que se passe a conceber a
língua como uma forma de interação entre os sujeitos, condição necessária para que se
possibilite ao aluno constituir-se num autêntico produtor de textos. Para isso faz-se
necessário que o professor compreenda a sala de aula como um espaço interativo, que
“escrever aprende-se na interação contínua com os atos de escrita, através de estratégias
significativas, em que o aprendiz poderá entender o caráter dialógico da linguagem”
(LEAL, 2003, p. 66).
Por fim, a realidade aqui exposta demonstra que a prática de produção textual
está um tanto longe de alcançar um caráter funcional, com vistas a centrar-se num objetivo
definido e destinar-se a um interlocutor real e efetivo. Ao se manter cada vez mais o
107
ambiente artificial da sala de aula, a ação pedagógica de produção de texto não tem será
propiciado a inserção do aluno nas práticas sócio-culturais. Para que tal inserção venha a
ocorrer, será necessário, entre outras coisas, encaminhar a produção textual com um
propósito comunicativo, enriquecer as informações dos alunos, debater as idéias, escrever
para circulação, trabalhar a reescrita, e, sobretudo, abarcar a questão dos gêneros
discursivos como eixo central do trabalho com a linguagem na escola.
Ao final deste trabalho, acreditamos que as reflexões aqui apresentadas estão
longe de fechar a discussão acerca do fazer pedagógico do professor de português,
entretanto, esperamos que algo tenha sido acrescentado à reflexão sobre o ensino de
produção de textos. Se, de alguma forma, este trabalho contribuir para suscitar reflexões e
mudanças em torno do ensino de produção de textos, nosso objetivo foi atingido.
108
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114
ANEXOS
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO DA PROFESSORA C.
Prezado(a) professor(a),
Estamos realizando uma pesquisa e necessitamos de sua colaboração no sentido de
responder as questões a seguir.
Agradecemos sua ajuda e apoio.
Pesquisadora: Maria Anunciada Nery Rodrigues
Objeto de estudo: A prática de produção de texto: uma análise do processo e do produto.
Dados de identificação do respondente:
Escola:
Professor (a): C
1. Em sua opinião, por que é importante ensinar o aluno a produzir textos?
Imagina-se na era da comunicação, sem aprender a produzir textos, sejam eles orais
ou escritos é curioso e inaceitável, pois a todo instante estamos produzindo diversos
textos para nos comunicarmos com o mundo que nos cerca.
2. Com que objetivo você trabalha a produção de textos no ensino médio?
Primeiro objetivo é tornar o aluno capaz de expor e organizar suas idéias,
transformando-os em seres reflexivos e ativos de uma sociedade. Segundo, que ele seja
capaz de empregar os termos adequados, fazer a concordância, enfim, escrever
obedecendo as normas gramaticais.
3. Que procedimentos você utiliza no ensino de produção de textos?
Se disser que em todas as produções de fato as discussões primeiramente dos
temas, com toda certeza estou equivocada, pois às vezes, considero que é importante o
aluno refletir e chegar a um ponto distinto, sem fazer cópias ou até mesmo
pensamentos (idéias) manipuladoras feitas pelo restante da turma.
4. Quais as principais dificuldades em trabalhar a produção escrita em sala de aula?
Minha maior dificuldade com o trabalho de produção de textos está na quantidade de
textos para a correção.
5. Quais os problemas mais freqüentes nos textos dos alunos?
Enquanto professora de redação, até hoje, tenho plena convicção de que a maior
dificuldade do aluno é iniciar um texto, principalmente por não saber colocar no papel
suas idéias. Outra dificuldade é não saber estruturar o texto.
6. Depois da escrita do texto, como você trabalha a correção?
115
Corrijo a ortografia, concordância e acentuação, fazendo anotações nos textos com a
finalidade de o aluno repensar o próprio texto, observando os erros e as inadequações.
7. Quais os critérios que você utiliza ao escolher os temas para a produção de textual?
Eu procuro trabalhar com os assuntos do momento, temas relacionados à vida dos
alunos.
8. Que tipos de textos são mais solicitados nas atividades de produção textual?
Gosto de trabalhar com textos dissertativos porque é a modalidade mais pedida no
vestibular.
9. Você utiliza alguma bibliografia (livros didáticos) que o auxilie no ensino de
redação?
Trabalho com diversos livros didáticos, dentre eles o de Cereja e Magalhães e o do
Positivo.
10. Em sua opinião a que se deve a ineficiência do ensino de produção de textos?
A falta de hábito de leitura por parte dos alunos
Pouco interesse dos alunos pela atividade de produção de textos
ANEXO 2 - QUESTIONÁRIO DA PROFESSORA S.
Prezado(a) professor(a),
Estamos realizando uma pesquisa e necessitamos de sua colaboração no sentido de
responder as questões a seguir.
Agradecemos sua ajuda e apoio.
Pesquisadora: Maria Anunciada Nery Rodrigues
Objeto de estudo: A prática de produção de texto: uma análise do processo e do produto.
Dados de identificação do respondente:
Escola:
Professor (a): S
1. Em sua opinião, por que é importante ensinar o aluno a produzir textos?
O ensino de produção de textos é importante para fazer com que o aluno tenha acesso
às informações que levam a escrever bem, para que saiba se comunicar.
2. Com que objetivo você trabalha a produção de textos no ensino médio?
Com o objetivo de que o aluno passe para o papel seu pensamento de uma forma
organizada, que escolha um vocabulário adequado, não repita as palavras e que
desenvolva seu texto dentro da estrutura; introdução, desenvolvimento e conclusão.
116
3. Que procedimentos você utiliza no ensino de produção de textos?
São desenvolvidas com a leitura de um texto seguida da interpretação e algumas vezes
com a discussão dos temas expostos. Com base no texto lido é solicitado aos alunos
uma produção textual.
4. Quais as principais dificuldades em trabalhar a produção escrita em sala de aula?
O que dificulta o trabalho de produção de textos é a falta de hábito de leitura dos
alunos e para escrever bem é necessário que se tenha muitos conhecimentos.
5. Quais os problemas mais freqüentes nos textos dos alunos?
As maiores problemas dos alunos é quanto à ortografia, acentuação, concordância e
também a falta de idéias e conhecimento dos temas.
6. Depois da escrita do texto, como você trabalha a correção?
Geralmente é feita uma correção coletiva. Solicito que o aluno leia o texto que
produziu e os colegas dele e eu indicamos o que deve ser melhorado na reescrita, pois
é através dela que os alunos analisam, avaliam e melhoram seus textos, sendo eles
mesmos os avaliadores desse processo.
7. Quais os critérios que você utiliza ao escolher os temas para a produção de textual?
Trabalho com os temas que despertam o interesse dos jovens, utilizo também temas
retirados de revistas e jornais.
8. Que tipos de textos são mais solicitados nas atividades de produção textual?
Trabalho com diversos gêneros textuais, mas dou preferência ao texto dissertativo por
causa do vestibular.
9. Você utiliza alguma bibliografia (livros didáticos) que o auxilie no ensino de
redação?
Utilizo manuais de redação, livros didáticos, mas também jornais, revistas
10. Em sua opinião a que se deve a ineficiência do ensino de produção de textos?
A deficiência no ensino de redação durante o ensino fundamental
O aluno não tem motivação para escrever
As universidades não preparam adequadamente o professor para trabalhar com
produção textual.
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