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O Visconde de Taunay (1843-1899), comentando a respeito da tela e do
fato histórico, critica o que considerou "exagerações de artista".
Depois da carga da brigada Hipólito e amortecido o fogo da bateria paraguaia, foi o passo
varado pelos nossos que assaltaram á baioneta as oito peças. Tomaram-nas, após não
pequena luta, corpo a corpo, e as foram atirando à água, cujo volume ainda mais cresceu
nesse ponto, atravancado de grande número de cadáveres, carros, carretas e bois mortos.
Foi quando o Conde d'Eu por seu turno tranpôs o ribeirão e, apenas do outro lado, correu
gravíssimo perigo. Um batalhão paraguaio, reformado a borda do mato, de lá saiu com
terrível fúria e caiu sôbre um corpo de infantaria atrás de cuja linha singela então nos
achávamos. Êste não resistiu ao ímpeto inimigo e debandou, deixando-nos absolutamente
sem proteção. Vi-me perdido. O Conde d'Eu sacou da espada, no que todos o imitamos e
pusemos os cavalos a galope, indo ao encontro da carga. Aí, porém, outro batalhão
nosso, em desapoderada marche-marche, pôde a tempo repelir o ataque, encurralar os
paraguios, de novo, junto à beira do mato, onde o fuzilou com a maior energia. Isto é o
que constitui o episódio do quadro de Pedro Américo, intitulado Batalha de Campo
Grande, inverossímil, sem dúvida, nas posições forçadas, impossíveis até dos cavalos
representados mas onde o risco foi, na realidade, muito grande para os que lá figuram.
O príncipe montava bonito cavalo rosilho, animal porém, muito manso, dócil e calmo, no
meio do fogo e que nunca se lembraria de empinar-se todo, tomando visos de verdadeiro
repuxo, como imaginou o pintor. O capitão de voluntários, Almeida Castro pegou, decerto,
no freio do animal, para embarcar o passo ao Conde d'Eu; mas, se bem me lembro,
estava então a pé e não cavalgava o foguíssimo e agauchado bucéfalo desenhado no
grande painel, pertencente hoje á Escola Militar da Praia Vermelha. Enfim exagerações de
artista. Nem lá havia frade algum, pois frei Fidelis de Avola se achava neste momento, no
Estado-Maior do general Vitorino, Barão de São Borja. Daquele segundo corpo de
Exército eram os tiros que ouvíamos a cada vez mais próximos a nos anunciarem o final
da vitória, após dia tão longo e cansativo, o triunfo da última das batalhas de toda a guerra
do Paraguai. Depois dela, com efeito não se deram senão combates parciais e tiroteios,
cada vez menos renhidos até o último da Aquidabanigui, em que foi morto Solano Lopez.
Assim se havia passado as coisas.
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e jovem Capitão Arouca, ferido de uma bala paraguaya. A' direita do painel, e um tanto ao longe,
avista-se o General Pedra em luta com o barbaro que tentara perpassal-o com a lança; mais ao longe
no terceiro e quarto planos, brasileiros e inimigos na mais encarniçada luta; e um pouco á frente do
Pedra, quase no primeiro plano, muitos inimigos, que resistem, ou fogem aos golpes dos nossos
soldados. As figuras paraguayanas foram tiradas, mais ou menos esactas, mais ou menos
modificadas pelas exigencias da composição dos muitos prisioneiros, e outros paraguayos, que
estiveram nesta capital. Os uniformes e as armas brasileiras, bem como todos os objectos
paraguayos, foram fielmente copiados do natural. (Para maiores esclarecimentos, consultem-se as
primorosas descrições, apreciações ou analyses do painel, que correm impressas.)" (CATÁLOGO
das obras expostas no palácio da Academia Imperial das Bellas Artes em 15 de Junho de 1872 – Rio
de Janeiro. Typographia Nacional, 1872. p.23-24).
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TAUNAY, Visconde de. Memórias. São Paulo: Melhoramentos, s/d. p.359.