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com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem
essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao
exercício da vida. (TM, p. 92 – 93)
É evidente que se está ensaiando uma idéia sobre a postura filosófica
de Machado a respeito do medalhão e isso se reflete no discurso ficcional à
medida que a personagem mantém uma postura de pensador. Ou melhor,
deduz-se que, para validar os conselhos sobre o “não pensar” ou “pensar
somente o já pensado”, esse pai (máscara autoral) precisou refletir sobre a
prática do medalhão para produzir um discurso original sobre ela:
Pai _ Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas,
a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das
Danaides, as asas de Ícaro, e outras que românticos, clássicos e
realistas empregam sem desar, quando precisam delas.
Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocados
jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os
discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento.
Caveant, consules é um excelente fecho de artigo político; o
mesmo direi do Si vis pacem para bellum. [...] Quanto à matéria
dos discursos, tens à escolha: _ ou os negócios miúdos, ou a
metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negocio miúdos,
força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza do bom-tom,
própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a
metafísica; _ é mais fácil e mais atraente. [...] Um discurso de
metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o
público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a
pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos
tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover
os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca
os limites de uma invejável vulgaridade. (TM, p. 94, 98)
O trecho grifado pode ser confrontado com o próprio conto, afinal aqui o
autor nos faz olhar para a forma selecionada, no caso o diálogo platônico
nascido do discurso socrático. Num lance de extrema criatividade, Machado
revela que a forma não tolhe a matéria, ou ainda, que não há matéria que não
possa ser tratada por determinada forma, bastando para isso talento. Mas, ao
mesmo tempo, o autor denuncia – não apenas no discurso proferido pelo pai,
mas, sobretudo, materializado na própria construção – que a forma pode muito
bem disfarçar o conteúdo, atribuindo-lhe maior ou menor importância.