Download PDF
ads:
EDUARDO BENZATTI DO CARMO
A obra ficcional e jornalística do escritor António de Alcântara Machado:
letras e imagens
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais (Antropologia),
sob a orientação do Prof., Doutor Edgard de Assis Carvalho.
PUC - São Paulo - 2004
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Comissão Julgadora:
___________________________
___________________________
___________________________
___________________________
___________________________
2
ads:
RESUMO
Esta tese apresenta a indissociável relação entre vida/obra do escritor António de
Alcântara Machado. Existência e criação aparecem como movimentos complementares que
permitem delinear os contornos de uma personalidade marcante do modernismo paulista. A
imagem final não é, e nem poderia sê-lo, acabada. De família tradicional, o autor tornou-se
um homem rígido e coerente com suas posições políticas, éticas e estéticas.
Simultaneamente, viveu hesitações e contradições em relação à dimensão religiosa e à vida
amorosa.
Descortinar essa estreita relação não foi o único objetivo do estudo. A polivalência
de sua produção revela a curiosidade e inquietude intelectual que o norteava. Uma série de
atividades relacionadas com as letras fica evidenciada no decorrer da pesquisa: jornalista,
crítico teatral, musical e literário, cronista, contista, romancista, autor de peças de teatro
inacabadas. Novamente encontramos outra ligação complementar, agora entre obra
jornalística e literária. Ainda outras facetas do autor foram lembradas, de empresário a
político.
Através de uma intensa pesquisa procuramos localizar parte significativa do
conjunto de textos do autor, seja enquanto homem de imprensa, seja como militante da
causa modernista. Revisitar obra tão vasta, interpretá-la sob novos olhares e disponibilizá-la
às novas gerações justifica todo o esforço empreendido.
O foco do estudo recaiu na relação entre seus escritos e a produção de imagens. De
um instantâneo fotográfico ao cinema, de uma caricatura ao desenho animado, os enredos
de suas narrativas foram construídos através de um estilo que invoca uma profusão de
imagens de diferentes naturezas.
3
Ao final, o que presumíamos torna-se claro: só é possível conhecer a vida de um
homem quando conhecemos suas idéias e seu trabalho, assim como só é possível apreender
o todo de sua obra quando apreendemos todas as matizes dessa.
Para tanto, utilizamos como método de investigação três princípios do pensamento
complexo elaborado por Edgar Morin: dialógico, recursivo e hologramático. Esses
princípios que são explicitados no corpo do trabalho - perpassam e sustentam
teoricamente a tese.
Para apresentar o resultado de todos esses movimentos, o estudo foi estruturado em
quatro capítulos Intimidades, Mapas, Jornada e Imaginante. São caminhos de um
itinerário imaginário que nos permitiu reconstruir aspectos da vida/obra do escritor. O
resultado é o resgate e atualização de uma criação que não pode ser esquecida.
Março de 2004, São Paulo 450 anos.
4
ABSTRACT
This thesis presents the non dissociable relationship between the life and works of
the writer António de Alcântara Machado. Being and creation are shown as complementary
movements that furnish a sketch of the outlines of an influential personality of the
modernist movement of São Paulo. The resulting image is not, and cannot be a complete
one. Born in a traditional family, the author became a strict and coherent man in his
political, ethical and esthetical stances, all the while suffering through uncertainties and
contradictions concerning religious matters and his personal sentimental life.
To unveil this close relationship was not the only goal of this study. The manifold
nature of his production reveals the intellectual curiosity and restlessness driving him
onwards. Many writing-related activities were unearthed during the research: journalism,
theatrical, musical and literary reviews, newspaper articles, short stories, novels, and
unfinished plays. Once again we find a complementary link between the journalistic and
literary work. Many other facets of the author were also recalled, from enterpreneur to
politician.
Researching deeply, we sought to locate a significative amount of texts produced by
the author, as a newspaper man, and as a proselityzer of the modernist cause. Reviewing
such a vast work, interpreting it according to new viewpoints, and making it available to
recent generations justifies all of the effort expended.
The focus of attention of the sudy fell on the relationship between his writings and
the production of images. From a single snapshot to the cinema, from a caricature to an
5
animated feature, the plots of his narratives were built welding a style that evokes a
profusion of images of a diverse nature.
At the conclusion, our supposition is clearly proven: it is only possible to know the
life of a man when we get to know his ideas and his work, just as his works can only be
wholly understood when every nuance of it has been aprehended.
To achieve this purpose, the investigative method employed were the three
principles of complex thinking formulated by Edgar Morin: dialogic, recursive and
hologrammatic. Those principles, explicitly stated in this study, permeate and provide
theoretical support to this thesis.
To present the result of all these movements, the study was structured into four
chapters: Intimacies, Maps, Journey and Imaginative. They are the pathways of an
imaginary itinerary that guided us in a reconstruction of aspects of the life and works of the
author. The result is the retrieval and renewal of a creation that must not be forgotten.
6
A Bia e Ju que verão uma outra cidade
7
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS..........................................................................................................10
APRESENTAÇÃO..............................................................................................................12
O CORPUS DO ESTUDO.................................................................................................................12
O TEMA E A PESQUISA..................................................................................................................16
DOIS CONCEITOS, TRÊS PRINCÍPIOS: UM REFERENCIAL TEÓRICO..................................24
CAPÍTULO I: INTIMIDADES............................................................................................28
CORRESPONDÊNCIAS E CORRESPONDENTES........................................................................45
CAPÍTULO II: MAPAS.......................................................................................................71
LIVRO EIXO: LARANJA DA CHINA................................................................................................71
PERSONAGENS-TIPOS...................................................................................................................78
RUAS, PASSAGENS E AVENIDAS... CAMINHOS QUE CORTAM AS PAISAGENS
PAULISTANAS..............................................................................................................................106
CAPÍTULO III: JORNADA.............................................................................................150
LIVRO EIXO: BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA, NOTÍCIAS DE SÃO PAULO.......................150
UM NOVO FRONT DE LUTA: A IMPRENSA...........................................................................158
OLHAR FOTOGRÁFICO...............................................................................................................170
A INTERTEXTUALIDADE COMO REFORÇO AO IMAGÉTICO.............................................180
8
CAPÍTULO IV: IMAGINANTE........................................................................................194
LIVRO-EIXO: PATHÉ-BABY..........................................................................................................194
IMPRESSÕES CINEMATOGRÁFICAS........................................................................................198
FRAGMENTOS SONOROS DE PATHÉ-BABY.............................................................................211
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................212
COMENTADA DO AUTOR...........................................................................................................212
COMENTADA SOBRE O AUTOR.................................................................................................221
GERAL.............................................................................................................................................227
ARTIGOS DE REVISTAS E PERIÓDICOS DO PERÍODO ESTUDADO...................................242
ARTIGOS DE REVISTAS E PERIÓDICOS SOBRE O PERÍODO ESTUDADO........................250
REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS E FILMOGRÁFICAS............................................257
DOCUMENTÁRIOS........................................................................................................................257
FILMES DE FICÇÃO......................................................................................................................258
LOCAIS DE PESQUISA....................................................................................................264
ANEXO A...........................................................................................................................267
ANEXO B...........................................................................................................................293
ANEXO C...........................................................................................................................299
ANEXO D...........................................................................................................................306
ANEXO E...........................................................................................................................309
9
AGRADECIMENTOS
A realização desta tese é o resultado da colaboração de amigos, professores,
familiares e funcionários de instituições públicas e privadas. Obrigado:
Em especial, ao professor Doutor Edgard de Assis Carvalho. Novamente sua
confiança e orientação aquilataram o trabalho. Nossas conversas sobre cinema são sempre
agradáveis e um estímulo a reflexão.
À Regina pelo apoio que se traduziu em diferentes formas, até na compreensão da
ausência.
Às professoras Doutoras Maria Margarida C. Limena e Mariza Martins Furquim
Werneck pelas sugestões no momento da qualificação e aos professores que aceitaram
participar da banca examinadora do estudo.
Ao CNPq pelo financiamento de parte da pesquisa e ao Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela
oportunidade e o acolhimento ao projeto.
10
É preciso rever,
escrever e assinar
os autos do passado,
antes que o tempo
passe tudo a raso.”
(Cora Coralina)
“Cada leitura, cada execução, cada escuta é, assim, um ato de regeneração. E as
obras vivem assim, de regeneração em regeneração, algumas morrendo por falta de apreço
e por esquecimento, como acontece também aos deuses dos cultos abandonados.”
(Edgar Morin, O método 4. As idéias, 2001)
11
APRESENTAÇÃO
O corpus do estudo
Esta tese é dividida em quatro capítulos. Cada um deles nos remete a espaços e
tempos preenchidos por passagens da vida/obra do escritor e jornalista António de
Alcântara Machado que, a despeito de nos ter legado uma vasta produção jornalística e uma
considerável produção ficcional, morreu pouco antes de completar 34 anos.
A divisão em capítulos constitui um método de exposição dos resultados de uma
pesquisa. Esse recurso pode ser entendido como uma tentativa de retirar de um fluxo
contínuo e vibrante, partes indissociáveis do todo, objetivando e acreditando que a leitura
dos fragmentos torna mais fácil a compreensão do conjunto. Na feitura desta tese, esta
divisão teve outro objetivo.
Os capítulos interligam e aprofundam aspectos significativos da vida/obra do autor
em foco. Não encerram momentos de uma existência e fragmentos autônomos de uma
produção, mas sublinham a integralidade dessa relação entre vida e trabalho literário. São
perspectivas e olhares diferentes que se cruzam e se entrecruzam, sobre as íntimas e tensas
ligações entre vida/obra. Ressaltam o princípio “hologrâmico” de que nos fala Edgar
Morin: são partes, mas partes que contém o todo. São aberturas para o todo e não formas de
represá-lo.
Nesse sentido, são intercomunicáveis, ligadas por um conjunto de idéias que as
atravessam e as unem. São idéias produzidas e defendidas pelo mesmo homem, é
impossível tratá-las pela disjunção ou aprisioná-las em capítulos que não se tocam.
O primeiro capítulo, denominado Intimidades, focaliza a trajetória da sua vida
familiar e pessoal, as relações com seus familiares, amigos mais próximos e inimigos, as
12
conversas sobre assuntos privados, as poucas confissões sobre sua personalidade - seus
anseios, certezas e ambigüidades, desejos e esperanças. Algumas correspondências de
caráter mais íntimo, disponíveis para pesquisa, são aqui citadas no intuito de apresentar um
possível perfil intelectual e do seu caráter. São imagens construídas através de depoimentos
de alguns poucos que gozaram da sua intimidade, registrados nas mais diversas fontes.
É um capítulo que espelha a falta de informações sobre a sua vida particular e o fato
de ser uma pessoa refratária para falar de e escrever sobre si mesma. Como se trata de um
capítulo biográfico, a profusão de datas foi inevitável. Optei por uma descrição dos
acontecimentos em ordem cronológica, porém, às vezes, um assunto se desdobra,
enveredando para outros tempos e lugares, daí ser necessário retomar o fio condutor
inicialmente proposto, o eixo seqüencial da história da sua vida. Torna-se necessário, então,
uma leitura mais atenta para essa forma de estruturação do capítulo: relacionar um grande
número de datas com seus respectivos acontecimentos. Ainda por registrar depoimentos e
trechos de correspondências, há no capítulo várias citações dessa natureza. Pela
especificidade do material envolvido, o tom é mais descritivo, ao contrário dos capítulos
subseqüentes, de caráter mais ensaísticos.
Aproveito esse capítulo para entrelaçar sua vida privada à profissional, historiando
seus escritos ficcionais e jornalísticos. Em relação à sua intensa produção jornalística,
apresento ainda sua trajetória pelos diversos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, nos
quais exerceu as mais diferentes funções: crítico teatral e literário, cronista, repórter,
redator-chefe e diretor. É uma visão panorâmica do homem, do escritor e do profissional.
No segundo capítulo, denominado Mapas, passeamos com ele e com os
personagens-tipos que criou pelas ruas da cidade de São Paulo que ele tanto amava.
Acompanhamos o autor a um passeio pela região central e por alguns bairros que
constituíam a periferia daquele momento. É uma descrição da paisagem urbana, das feições
arquitetônicas e comportamento dos tipos que circulavam por esses lugares. Ao analisar
contos e crônicas referentes à cidade, esse capítulo retrata as transformações produzidas
pelo processo de modernização abrupto pelo qual São Paulo passou e que produziu
situações interessantes, em que aspectos avassaladores da modernização ora se chocaram,
ora conviveram paralelamente com outros mais plácidos do final do século XIX. É a virada
13
para o século XX que marca a chegada da modernidade paulista. Ele percebe isso e
transforma essas descontinuidades, fissuras e hiatos em matéria de reflexão e produz uma
ficção urbana marcada por esse olhar misto de espanto e ironia.
É das ruas que vem a inspiração para suas crônicas e para seus contos. A obra é
apresentada como dois movimentos complementares: num, a ficcional, os contos, e a
jornalística, as crônicas, desconstroem o real, desmaterializam o vivido; no outro, essas
duas possibilidades de apreensão do mundo, reconstroem a realidade, rematerializam a
existência. Material e imaterial encontram-se mesclados e compõem as duas faces de uma
mesma produção intelectual.
Neste capítulo, e nos dois seguintes, intitulados Jornada e Imaginante, demonstro
a estreita e particular relação entre contos e crônicas. Tanto em uma, quanto na outra forma
de texto, emergem temas em comum e fundamentais para o entendimento de aspectos da
sua obra: o processo de modernização e desenvolvimento da cidade, a linguagem
modernista como possibilidade de apreensão e tradução dessa nova realidade, a radical
transformação das relações humanas no complexo quadro da modernidade, dentre outros
que serão apresentados nesses capítulos. Para analisar e refletir sobre tais temas, e outros,
subjacentes a eles, utilizei idéias e conceitos de autores que pensaram as conexões entre
cidade e o processo de modernização, entre cidade e literatura, e entre literatura e a própria
modernidade. É o caso, em especial, de Walter Benjamin, Lévi-Strauss, Roland Barthes,
Italo Calvino, Marshall Berman e Edgar Morin.
No turbilhão dessa existência vivida no centro da modernidade, tudo está
interligado, dessa forma, é nas ruas, passagens, galerias e cafés da região central onde o
escritor-cronista encontra um amigo, que pode ser incorporado por nós, seus leitores, e o
convida para um passeio e desses encontros fortuitos é possível, entre uma e outra
conversa, escutarmos uma confissão que diga algo sobre seu íntimo e nos remeta
novamente ao espaço da sua intimidade.
O terceiro capítulo, denominado Jornada, aborda aspectos ligados à obra
jornalística. Desde as crônicas sobre os mais diversos assuntos, passando pela sua
militância nos periódicos modernistas, nos quais suas concepções de moderno se
transformaram e são explicitadas, até suas inovações na forma e no conteúdo que marcaram
14
os periódicos pelos quais passou. Para tanto, retomo por outro prisma o conteúdo já
registrado no primeiro capítulo, além de completá-lo com outras informações. Como se
trata de um capítulo que foca a sua trajetória na imprensa, aproveito-o para referenciar o
conjunto de crônicas e ensaios, literários e históricos, agrupados em Cavaquinho e
Saxofone (solos): 1926/1935, livro póstumo que condensa parte de sua produção nessa área.
Aqui novamente o fluir da existência não permite o compartimento em partes
distintas de uma mesma produção. Algumas vezes acompanhamos o escritor como um
repórter-andarilho flanando pelas ruas da cidade a procura da notícia em lócus, outras como
um cronista que escreve seu texto referenciado por um fato do cotidiano que presenciou
nessas andanças. Concentramos nossos passeios, naqueles bairros onde se reuniam as
colônias de imigrantes italianos que já davam a São Paulo um aspecto pitoresco, e na região
central, área mais qualificada da cidade.
No quarto capítulo, denominado Imaginante, exploro a relação entre a produção
literária e jornalística com o nascente cinema. Arte moderna por excelência, o cinema
estava presente em vários sentidos na sua vida. Além de ser entusiasta da possibilidade de
junção entre a arte e a técnica que o cinema representa, incorporou vários elementos do
campo cinematográfico na sua obra, seja ela ficcional ou jornalística. Refiro-me, dentre
outras características, aos cortes rápidos nos enredos que narra, à simultaneidade de
episódios representada por uma escrita concisa e vibrante. Isso quando não é o próprio
cinema, local da cena de uma de suas histórias. Técnicas gráficas influenciadas pelo cinema
abundam em sua produção. Basta lembrar que o seu primeiro livro, Pathé-Baby, o nome de
uma máquina de filmar portátil bastante popular em seu tempo, é todo estruturado como
uma projeção cinematográfica. Nesse sentido, as descrições das cidades européias por onde
passou, e que estão registradas em Pathé-Baby, são aqui invocadas para reforçar a relação
entre seu estilo literário e o cinema silencioso.
Não esqueçamos também, de que estarmos no cinema, essa “gruta dos Mistérios
iniciáticos” (Morin, 1997, p. 16), como a ele se refere Edgar Morin, é compartilharmos
nossos sentimentos mais íntimos com outros, próximos ou não.
Com exceção do capítulo Intimidades, todos os outros possuem eixos centrais
ligados aos seus livros publicados em vida. Mapas está relacionado com seu terceiro livro,
15
Laranja da China de 1928, um conjunto de contos que retrata de forma bem-humorada a
burguesia quatrocentona da qual fazia parte e a ascendente pequena burguesia urbana da
década de vinte do século passado. Jornada relaciona-se com seu segundo livro, Brás,
Bexiga e Barra Funda de 1927, uma descrição do dia-a-dia dos trabalhadores dos bairros
ítalo-paulistanos. Imaginante está relacionado com seu livro de estréia, Pathé-Baby de
1926, uma seqüência de crônicas de viagem, produzida durante excursão pela Europa, entre
abril e outubro de 1925. No início dos capítulos, apresento uma sinopse de cada um desses
livros. Cabe registrar que citações de outros livros publicados postumamente reforçam os
aspectos da obra analisados nos capítulos citados.
O tema e a pesquisa
É importante registrar que este trabalho é parte de uma pesquisa iniciada em 1995 e
que resultou, numa primeira etapa, em minha dissertação de mestrado intitulada São Paulo
nos anos vinte: um estudo sobre as transformações dos aspectos materiais e imateriais da
cidade reconstruída através da obra ficcional do escritor António de Alcântara Machado,
apresentada e defendida em outubro de 1997, na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Na oportunidade, foquei minhas análises na obra ficcional, procurando identificar
nela temas representativos do processo de modernização então em curso na cidade, no
início do século passado. São temas que refletem fenômenos singulares da modernidade: o
surgimento de tipos e grupos sociais, reflexo da nova ordem social, econômica e cultural; a
velocidade e a multidão, enquanto produtos de uma nova percepção do tempo e do espaço
urbano. Esses aspectos revelam as diferentes formas de inserção do humano no processo
modernizador, desnudando a sua essência contraditória: na modernidade, passado
presente futuro convivem simultaneamente num único fluxo e os homens e mulheres que
a geram são por ela tragados.
Demonstrei que caminhando pelas ruas da área central ou mirando o dia-a-dia dos
distantes bairros italianos da capital, esse escritor-flâneur capturou em suas histórias a nova
16
espacialização e temporalidade da urbe tornando-se o prosador urbano de uma paulicéia já
desvairada.
Uma vez iniciada, essa pesquisa nunca foi interrompida. Após me debruçar sobre
sua obra ficcional voltei meu interesse para a sua ampla e pouca conhecida obra
jornalística. O contato com esse rico material me impulsionou a rever e reler as suas
ficções. Percebi que de fato essas duas faces são indissociáveis. Em certos aspectos é difícil
conceituar alguns de seus textos: são críticas teatrais que parecem crônicas, são crônicas
que parecem contos, são contos que parecem crônicas.
A meu ver, uma característica transpassa todos seus escritos e por isso a elegi como
tema principal desta tese: a relação entre letras e imagens visuais. Seus escritos, de
qualquer forma que se apresentem, remetem a diferentes tipos de imagens. Às vezes
invocam um instantâneo fotográfico, outras, uma imagem em movimento. Às vezes nos
remetem a uma caricatura ou às histórias em quadrinho ou à uma pintura impressionista.
Sua obra é composta de letras que tecem imagens, imagens descritas com precisão. Sua
leitura vem acompanhada de fortes elementos visuais, tanto no aspecto físico, ou seja, no
aproveitamento do suporte, do espaço da folha na qual a escritura é construída, na
distribuição dos diferentes tipos utilizados na confecção do texto, como no aspecto abstrato,
no sentido de alimentar o imaginário com uma profusão de imagens de diferentes naturezas.
O estilo ágil e dinâmico de sua prosa, apoiado em inovadoras e surpreendentes
técnicas de diagramação, resulta num tipo de calidoscópio de variadas imagens - estáticas,
em movimento, em preto-e-branco, coloridas, precisas, difusas.
A força imagística de sua literatura é uma das feições mais interessantes de sua
obra. Daí ter elegido essa relação letras imagens como o principal aspecto da sua
produção que será analisado mais demoradamente nos capítulos Mapas, Jornada e
Imaginante. Em Mapas, foco a análise na relação entre a forma de caracterização dos seus
personagens-tipos e a caricatura, um tipo de desenho muito apreciado no período em
estudo. Ainda no campo dessa arte de representação, sugiro uma aproximação de algumas
de suas narrativas de ficção com o desenho animado e as histórias em quadrinho. Em
Jornada, a análise recai principalmente na relação entre a descrição de um ambiente, onde
17
acontece a ação de suas histórias de ficção ou de suas crônicas, e a fotografia, uma técnica
de fixação instantânea de imagens. Além disso, nesse capítulo, podemos verificar que os
textos do autor recorrem a outras imagens gráficas, como a manchete de um jornal ou uma
chamada publicitária. Por fim, em Imaginante, analiso a proximidade entre seu estilo
literário e o cinema, ou seja, a possibilidade de reter e projetar imagens em movimento.
Como estratégia de pesquisa, optei por refazer seus caminhos desde sua estréia no
campo jornalístico, localizando seu primeiro artigo do qual se tem conhecimento, publicado
no periódico Jornal do Comércio, de São Paulo, em 19 de setembro de 1921. Trata-se de
uma crítica ao livro, então recém-lançado, de Artur Mota, intitulado Vultos e Livros.
Posteriormente, recuperei todas as críticas dos espetáculos teatrais, e eventualmente
musicais, possíveis de recuperação, também publicadas nesse jornal. Digo “possíveis”, pois
esse material foi pesquisado no setor de Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo,
que não dispõe para consulta de todas as edições do referido periódico. Há uma parte não
disponível para pesquisa, pois se encontra em restauro, assim como há números faltantes
desse matutino. Parte do material não encontrado no Arquivo do Estado foi recuperado no
“Arquivo Antonio de Alcântara Machado”, sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros
IEB, da Universidade de São Paulo. Ao fim dessa primeira etapa, alguns poucos
exemplares deixaram de ser consultados, o que certamente significou o não acesso a
algumas das críticas publicadas, dependendo do período, quase que diariamente na seção
“Theatros e Música” de janeiro de 1923 até julho de 1926. A relação das críticas teatrais e
de eventuais espetáculos musicais que conseguimos encontrar está arrolada no Anexo A.
Nessa busca por todos os textos que escreveu e publicou, lamentei que alguns rastos
desapareceram.
Refazer a sua trajetória por todos esses anos me permitiu acompanhar as mudanças
no seu processo de escrita. O estilo do texto empregado na feitura de suas críticas vai
tornando-se mais próximo daquela linguagem adotada em seus livros, uma linguagem
modernista. Isso se cristaliza a tal ponto que, na edição do dia 10 de dezembro de 1924,
publica uma crítica, intitulada “Vespeiro”, cujo estilo e estrutura do texto nos remetem às
suas futuras crônicas. A adoção desse método, em acompanhar cronologicamente a
produção do então jornalista e futuro escritor, me possibilitou perceber outros movimentos
18
em curso no contexto dessa produção, revelados pelas notícias do matutino: as
transformações pelas quais a cidade passava, as divergências entre “passadistas” e
“modernos” que, vez por outra, estouravam em suas páginas.
Todo esse farto material compulsado foi microfilmado e digitalizado para servir de
consulta às futuras pesquisas, em especial, sobre a crítica teatral produzida no Brasil e as
concepções teóricas do moderno teatro brasileiro. Lembro que o trabalho De Pirandello a
Piolim: Alcântara Machado e o teatro no modernismo, de Cecília de Lara, é fundamental
para a análise dessa sua faceta.
Durante esse período, produziu, paralelamente, textos de outros gêneros. Localizei
seus primeiros contos - reproduzidos depois em seus livros Brás, Bexiga e Barra Funda e
Laranja da China - publicados em jornal e algumas críticas literárias. Nessa fase, publicou
inclusive as suas crônicas de viagem que registram de forma irônica impressões sobre as
cidades européias pelas quais passou entre abril e outubro de 1925. Tais crônicas deram
origem a seu primeiro livro, Pathé-Baby, editado no ano seguinte.
Em seguida, me dediquei a pesquisar seu conjunto de crônicas publicadas no mesmo
Jornal do Comércio, entre setembro de 1926 e abril de 1927, na seção “Saxofone”, depois
rebatizada “Cavaquinho”. A relação dessas esparsas críticas literárias, das crônicas e das
primeiras versões dos contos publicados em jornal está arrolada no Anexo B. À medida que
seu trabalho jornalístico transmigrava para essa forma de observação e descrição da
realidade, em particular da cidade de São Paulo, seu trabalho de escritor tornava-se mais
fecundo. Produções jornalística e literária se misturam de tal forma que para o pesquisador
é difícil distinguir entre crônica e conto. Aprofundo essa reflexão no capítulo Jornada.
Aproveitei esse retorno à produção dos textos publicados em diversos periódicos e
reli seus livros na seqüência cronológica em que foram originalmente lançados. Isso
resultou numa leitura mais contextualizada do que as anteriores. Reli outros livros nos
mesmos livros. Acompanhando as críticas sobre seus livros publicadas no momento em que
eram lançados, consegui entender melhor os pontos de vistas dos críticos literários do
período. Para a leitura de seus livros de contos Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da
China, e seu livro de crônicas de viagem Pathé-Baby, utilizei as edições da Seção de Obras
Raras e Especiais (Sala Paulo Prado) da Biblioteca Mário de Andrade, por se tratarem de
19
edições princeps. Nessa seção tive acesso ainda a outros livros do e sobre o escritor, caso
dos estudos históricos que produziu, além de parte de seus escritos nas revistas
modernistas.
Na fase final, minha atenção se voltou para a sua produção dedicada a publicação
nos periódicos modernistas da década de vinte que ajudou a fundar e dirigir ou a divulgar,
colaborando com seus artigos. E o caso das revistas: Novíssima, Estética, Terra Roxa... e
outras terras, Revista do Brasil, na fase modernista, revista Verde de Cataguazes, Revista
Movimento, Revista de Antropofagia e a Revista Nova, sua última experiência nesse tipo de
publicação, no início dos anos trinta. Essas revistas foram pesquisadas em várias
instituições, destaco o setor de Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo e
novamente a Seção de Obras Raras e Especiais (Sala Paulo Prado) da Biblioteca Mário de
Andrade.
Esse período da sua vida está registrado na correspondência disponível para
pesquisa e publicada no livro organizado por Cecília de Lara, Pressão afetiva &
aquecimento intelectual: cartas de Antônio de Alcântara Machado a Prudente de Moraes,
neto. Outros escritos, de caráter mais pessoal, foram selecionados do material depositado
no “Arquivo Antonio de Alcântara Machado”, do Instituto de Estudos Brasileiros - IEB. Se
considerarmos a intensa troca de correspondência entre os membros das diferentes
correntes modernistas e que nos últimos anos tem sido divulgada em diversos estudos sobre
o período, verificaremos que esse tipo de material disponibilizado para pesquisa é ainda
pouco extenso.
Complementando essa última etapa, revisitei seus outros escritos de ficção: o
romance inacabado, Mana Maria; os contos avulsos, somente publicados em livro, após sua
morte: As Cinco Panelas de Ouro, Miss Corisco, Guerra Civil, Apólogo Brasileiro Sem
Véu de Alegoria e O Mistério da Rua General de Paiva; a crônica Três Milagres de
Anchieta; o texto “Um inédito - sem título - de António de Alcântara Machado”, conforme
o denominou Francisco de Assis Barbosa; o primeiro ato de uma peça teatral inacabada,
com o título de O Nortista; e o fragmento de um possível romance, denominado Capitão
Bernini.
20
No setor de Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo tive também acesso
aos artigos sobre o escritor e sua obra relativos ao período estudado ou imediatamente após
sua morte em 1935, aludidos no item “Bibliografia Artigos de Revistas e Periódicos do
Período Estudado e Artigos de Revistas e Periódicos sobre o Período Estudado”. Alguns
foram registrados com comentário que destacam informações importantes ou curiosas sobre
o material compulsado. Devido o estado de conservação, parte desses periódicos
encontram-se disponíveis para consulta somente em microfilmagem, o que impossibilita em
certos casos a leitura do número das páginas.
Os livros editados nesse período foram pesquisados na Coleção Geral (Sala
Herculano de Freitas) da Biblioteca Mário de Andrade e estão relacionados no item
“Bibliografia Comentada do Autor, Comentada sobre o Autor e Geral”. Ainda na
Biblioteca Mário de Andrade, na Seção Mapoteca, consultei e reproduzi algumas plantas da
área central da cidade no final do século XIX e início do XX.
A maior parte das obras, editadas pós-período em estudo e algumas mais recentes
relativas à história da cidade de São Paulo, foi consultada no acervo da Biblioteca do
Arquivo Histórico Municipal Washington Luís, do Departamento do Patrimônio Histórico
DPH -, localizado no Edifício Ramos de Azevedo/Casa da Memória Paulistana. Sobre
aspectos da região central e dos bairros da periferia da época, consultei as publicações do
Instituto Itaú Cultural, que tem em seu acervo videográfico parte dos documentários
listados no item “Referências Videográficas e Filmográficas Documentários”, e da
Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. As indicações das obras sobre a
cidade de São Paulo estão listadas no item “Bibliografia – Geral”.
Os filmes de ficção citados no final desta tese fazem parte do acervo da Cinemateca
Brasileira e, de tempos em tempos, são exibidos em salas especiais da cidade. No item
“Referências Videográficas e Filmográficas – Filmes de Ficção”, listei somente aqueles aos
quais tive oportunidade de assistir.
Os livros publicados recentemente sobre a sua obra e aqueles dos pensadores que
selecionei para a análise de aspectos dessa obra foram encontrados, na sua maior parte, na
Biblioteca Sérgio Milliet do Centro Cultural São Paulo e na Biblioteca Geral da Pontifícia
Universidade Católica - Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri. Nessa última, na
21
Biblioteca de Pós-Graduação, pesquisei algumas das teses aqui mencionadas. Essas edições
mais recentes e as teses encontram-se relacionadas nos itens “Bibliografia Comentada
sobre o Autor” e “Bibliografia - Geral”. Outras teses foram consultadas na Biblioteca do
Instituto de Estudos Brasileiros - IEB.
Os catálogos das exposições referentes ao período foram encontrados na Biblioteca
Alfredo Volpi (Artes) do Centro Cultural São Paulo. As referências dos catálogos estão no
item: “Bibliografia Geral”. Para a parte iconográfica fiz uso dos acervos das seguintes
instituições: IMS - Instituto Moreira Salles, Instituto Itaú Cultural, Fundação Patrimônio
Histórico da Energia de São Paulo e do Arquivo de Negativos do Departamento do
Patrimônio Histórico DPH do município, localizado no Solar da Marquesa de Santos.
Todas as reproduções fotográficas aqui utilizadas foram autorizadas pelas instituições que
cederam as imagens, conforme normas internas de cada uma. O leitor desta pesquisa
encontrará no final a lista dos locais em que pesquisei e seus respectivos endereços, os reais
e, quando disponíveis, os virtuais.
Sempre que disponíveis, escolhi trabalhar com as edições princeps, tanto em relação
aos seus livros, como aos seus textos publicados em periódicos, e as publicações originais
sobre sua obra. Essa escolha tornou-se necessária, devido à profusão de edições sucessivas
que, em geral, desfiguraram e adulteraram significamente os seus textos, sob uma suposta
“atualização ortográfica”. As exceções são as críticas aos seus livros e aos dos seus
contemporâneos, como as suas correspondências recolhidas por Cecília de Lara. Ao editar
parte desse material, a pesquisadora optou por atualizar a grafia dos textos. Esse criterioso
trabalho de recuperação dessa obra foi muitas vezes utilizado como fonte dessa pesquisa.
Entendo que minha opção, de transcrição literal dos textos originais, constitui outro
ganho: manter o sabor especial que tem os textos das décadas em foco, seja pela diferença
de acentuação, seja pela própria grafia de algumas palavras. Espero que o leitor desta tese
se delicie com suas histórias, crônicas e correspondências, como me deliciei. Por outro
lado, ao recuperar a grafia original, reproduzi algumas falhas de impressão comuns nessas
edições, essas falhas estão indicadas na tese com o advérbio em latim “sic”. Além disso,
este trabalho foca um período da nossa história literária quando a ortografia não era fixa e
uniforme. Até a forma de grafar as palavras era utilizada para diferenciar os escritores da
22
época entre “vanguardistas” e “passadistas”, como eram conhecidos respectivamente os que
aderiram e os que não aderiram ao modernismo. A falta de regras claras explica a variação
com que algumas palavras e nomes foram grafados.
O próprio nome do escritor é um exemplo: ora é grafado com o acento agudo:
António, ora com o acento circunflexo: Antônio. Às vezes, sem nenhum acento: Antonio. O
mesmo é válido para o seu sobrenome Alcântara, que aparece muitas vezes sem estar
acentuado; nestes casos indico com o advérbio em latim “sic” que a reprodução é fiel ao
texto citado. Ele reclamava dessas variações, e dizia que seu nome era António, com acento
agudo e vogal aberta. Dessa maneira que passou, a partir de 1924, a assinar seus artigos e,
mais tarde, autografar seus livros, lembrando que seu nome era de origem portuguesa e não
fazia sentido modificar sua grafia e pronúncia. Além disso, gostava de ser chamado de
António, e não de Alcântara Machado. Lembrava que esse era o modo como seu pai ficou
conhecido e ele era só o filho do professor Alcântara Machado, o António. Essa semelhante
forma de tratamento, utilizar somente o sobrenome de família, entre os dois escritores,
gerou e gera até hoje constantes e absurdos erros de referências às obras e aos episódios das
vidas de José de Alcântara Machado d’Oliveira, o pai, e António Castilho de Alcântara
Machado d’Oliveira, o filho. Por respeito à sua memória, escolhi grafar seu nome
considerando o prenome António, embora essa grafia não seja a mais conhecida.
Adotei como um dos critérios deste trabalho, informar ao leitor que se trata de
transcrição literal, sem atualização da grafia, quando há citações de textos da época.. Caso
um mesmo texto seja utilizado várias vezes, essa informação consta somente na primeira
citação. Quando a grafia foi atualizada, não consta nenhuma informação. Para algumas
transcrições de poemas, anúncios publicados em periódicos do período e textos impressos
no frontispício de seus livros adotei o sinal gráfico “/” (barra) para marcar a divisão entre as
linhas na diagramação do texto original. O objetivo é destacar o aspecto visual de parte dos
textos citados. E, por se tratar da obra de um literato, as citações são abundantes.
Por último, lembro novamente que essa obra é visual. O emprego dos mais
diferentes recursos gráficos, como de alternância nos tipos - caixa-alta, itálico, negrito -,
espaçamento e pontuação, disponíveis ou por ele testados, é parte constituinte e
fundamental do texto. O escritor explorou largamente vários recursos gráficos nas suas
23
narrativas. Muitas vezes eles carregam sentidos, informações e idéias que reforçam a
literalidade da sua escritura. Sempre que possível, tentei reproduzir parte desses efeitos - a
proporção dos tipos, os jogos entre eles e a sua distribuição nos espaços das páginas -
procurando recriar a diagramação original da sua obra.
Quando cito o nome de seus livros e o título de seus contos, artigos e crônicas, optei
por empregar a maiúscula em todas as palavras, menos nas preposições, a despeito de nem
sempre aparecerem dessa forma publicados. O objetivo dessa licença foi destacar seus
escritos, embora, normalmente já estão registrados em itálico ou entre aspas, dependendo
de sua natureza, em oposição àqueles creditados a outros autores.
Desejo ainda registrar que todo o material utilizado nesta tese foi pesquisado em
instituições públicas ou em coleções particulares, cujos detentores o disponibilizam com
generosidade para àqueles interessados na sua vida/obra. Não quis solicitar aos seus
familiares ou a outros pesquisadores nenhum tipo de material “inédito” - leia-se: privado -
sobre o autor, pois acredito que o caráter público de sua obra/vida, guardado os cuidados
com sua memória, deve prevalecer como um antídoto ao esquecimento daquilo que dele
herdamos e merece estar disponível às novas gerações.
Dois conceitos, três princípios: um referencial teórico
Os conceitos de modernidade e modernismo são fundamentais para a compreensão
deste trabalho. Nesta apresentação citei determinados autores, Walter Benjamin, Lévi-
Strauss, Roland Barthes, Italo Calvino, Marshall Berman e Edgar Morin, que contribuíram
com suas idéias para minha análise de temas essenciais que transpassam a obra do escritor.
O entendimento desses autores sobre os conceitos de modernidade e modernismo é
diferente em relação às suas conseqüências, embora existam alguns elementos em comum,
referentes a esses conceitos, no pensamento de todos, principalmente em relação à natureza
desses fenômenos. Escolhi a definição de Marshall Berman para explicitar o significado da
idéia de modernidade e, por desdobramento, de moderno, toda vez que essa aparece no
contexto deste estudo. Afirma:
24
“Existe um tipo de experiência vital, experiência de tempo e espaço, de si mesmo e
dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que é compartilhada por homens e
mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como
‘modernidade’. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,
alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A
experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de
classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a
modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de
desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança,
de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo
no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’.” (Berman, 1998, p.15).
Em Tudo que é sólido desmancha no ar, Berman sugere a possibilidade da
recuperação de parte do dinamismo e humanismo presentes na modernidade e no
modernismo do século XIX, para oxigenar o modernismo e a modernidade do século XX, o
século que particularmente nos interessa. Conectar o mundo contemporâneo a um passado
que possa, com sua energia e vigor, nutrir e renovar nossas forças. Resgatar uma herança de
valor imensurável para que possamos prosseguir construindo o moderno de hoje e o de
amanhã.
Compartilho com esse autor principalmente da idéia que a modernidade representa
uma dicotomia, na medida que possibilita uma nova organização da sociedade, mas,
paralelamente, sua iminente destruição. Da penicilina à Auschvitz tudo o que a
modernidade criou leva a marca dessa dialógica: construção destruição. Na necessária e
inexorável caminhada rumo ao futuro, o homem tem feito do presente o exercício constante
de negação do passado. Nos últimos duzentos anos essa tarefa ganhou o nome de
modernidade e nela tudo o que é sólido, mas também tudo o que é feito de sonhos e desejos
25
desapareceu, e continua desaparecendo, no ar. Talvez o melhor seja dizer: cedeu, e continua
cedendo, lugar as novas utopias que do mesmo modo desaparecerão no ar.
Entende-se por modernidade, o constante processo de transformações do mundo
material, assim como do universo imaginário e simbólico. É a sociedade e suas relações,
para além da econômica, emaranhando o homem numa rede de novas sensações e
conexões. Obrigando-o as novas posturas que nunca se fixam e impondo-lhe novos padrões
de comportamento que são transitórios. A modernidade, nesse sentido, engendra mudanças
tão rápidas e contínuas que não permitem ao homem conformá-las. O homem da
modernidade é o homem de uma singular temporalidade: do sempre agora.
Por modernismo, a reflexão, a consciência que esse novo homem desenvolveu de si
mesmo, do novo tempo e ambiente em que vive, além, por extensão, das novas formas de
expressão dessa consciência moderna. Essas formas de expressão nunca são acabadas, estão
constantemente se reformulando, pois tentam apreender o dinâmico fenômeno da
modernidade, que não se deixa capturar.
Podemos encontrar essa reflexão sobre um novo mundo - que pode ser representado
no trinômio: estranhamento/familiaridade/saturação, processo pelo qual passam todas as
coisas - permeando as obras de escritores como Fiódor Dostoiévsky, Henri Ibsen, Thomas
Mann, Marcel Proust, James Joyce e Franz Kafka, entre outros identificados com uma
percepção moderna do mundo.
Malcolm Bradbury, ao analisar a vida e obra desses escritores, demonstra a
infinidade de temas sugeridos pela experiência da modernidade e as diferenças de
percepção do novo, concluindo sobre a dificuldade em definir de forma clara o que é uma
obra modernista. Esse autor define modernismo como “o nome que veio a designar aquela
transformação radical sofrida pelas formas, pelo espírito e pela natureza das artes entre a
década de 1870 e o início da Segunda Guerra Mundial.” (Bradbury, 1989, p. 20-21).
Ainda três princípios do pensamento complexo elaborado por Edgar Morin são
fundamentais para o entendimento da dialógica vida/obra:
o princípio dialógico que se funda na associação complexa (complementar,
concorrente e antagônica) de instâncias necessárias junto à existência, ao funcionamento e
ao desenvolvimento de um fenômeno organizado;
26
o princípio recursivo em que todo momento é, ao mesmo tempo, produto e
produtor, que causa e que é causado, e em que o produto é produtor do que o produz, o
efeito causador do que o causa;
o princípio hologramático em que não apenas a parte está no todo, mas em que o
todo está, de certa forma, na parte.” (Morin, 1997, p. 201).
Os princípios dialógico, recursivo e hologramático transpassam toda esta pesquisa:
da escolha do objeto e tema até a confecção da tese consubstanciaram o referencial teórico
que auxilia na compreensão das relações fundamentais que o estudo suscita: vida/morte,
vida/obra, tradição/modernidade e ficção/jornalismo.
e e
27
“Há vinte anos atrás, se me perguntassem o que valia mais, se o autor, se a idéia, eu
responderia sem hesitar que o autor. Agora já não sei mais, vivo incerto. O homem é coisa
sublime, porém, se as idéias prevalecessem sobre os homens, já de muito que a paz teria
pousado sobre a terra. E ando saudoso de paz.”
(Mário de Andrade, artigo introdutório para o primeiro número da revista Clima,
abril de 1941)
“Quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê
partilha dessa companhia. Mas o leitor de um romance é solitário. Mais solitário que
qualquer outro leitor (...). Nessa solidão, o leitor do romance se apodera ciosamente da
matéria de sua leitura. Quer transformá-la em coisa sua, devorá-la, de certo modo. (...).
O interesse ardente do leitor se nutre de um material seco. O que significa isto? ‘Um
homem que morre com trinta e cinco anos’, disse certa vez Moritz Heimann, é em cada
momento de sua vida um homem que morre com trinta e cinco anos.’ Nada mais duvidoso.
Mas apenas porque o autor se engana na dimensão do tempo. A verdade contida na frase é a
seguinte: um homem que morre aos trinta e cinco anos aparecerá sempre, na rememoração,
em cada momento de sua vida, como um homem que morre com trinta e cinco anos. Em
outras palavras: a frase, que não tem nenhum sentido com relação à vida real, torna-se
incontestável com relação à vida lembrada. Impossível descrever melhor a essência dos
personagens do romance. A frase diz que o ‘sentido’ da sua vida somente se revela a partir
de sua morte. Porém o leitor do romance procura realmente homens nos quais possa ler ‘o
sentido da vida’. Ele precisa, portanto, estar seguro de antemão, de um modo ou outro, de
que participará de sua morte. Se necessário, a morte no sentido figurado: o fim do romance.
Mas de preferência a morte verdadeira. Como esses personagens anunciam que a morte já
está à sua espera, uma morte determinada, num lugar determinado? É dessa questão que se
alimenta o interesse absorvente do leitor.”
(Walter Benjamim, Magia e técnica, arte e política, 1985)
I
28
INTIMIDADES
Oriundo de uma das famílias mais tradicionais de São Paulo, os Alcântara Machado
de Oliveira, sempre dividida entre as letras e a política, António Castilho de Alcântara
Machado d’Oliveira teria dado continuidade a essa linha se não tivesse falecido
precocemente no dia 14 de abril de 1935, na cidade do Rio de Janeiro, prestes a completar
34 anos - nasceu em 25 de maio 1901, em São Paulo.
Seus antepassados remotam à primeira leva de portugueses que desembarcou no
Brasil e que em 1532, fundou a Capitania de São Vicente chefiada pelo capitão-mor e
governador da Província, Martim Afonso de Souza.
Bisneto do brigadeiro José Joaquim Machado d’Oliveira (1790-1867), presidente de
províncias, deputado-geral, diplomata, historiador e geógrafo; neto do professor de Direito -
professor Catedrático de Direito Comercial, além de professor de Direito Privado da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco -, jurista, jornalista, um dos fundadores da
Academia Paulista de Letras e seu primeiro presidente, e administrador barão Brazílio
Augusto Machado d’Oliveira (1848-1919), casado com Maria Leopoldina de Souza
Machado d’Oliveira (1852-1938); filho do professor de Direito - professor Catedrático de
Medicina Legal, embora não fosse formado em Medicina, lecionou e mais tarde ocupou o
cargo de Diretor de mais longa gestão da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco -,
jurista, vereador, deputado e senador estadual pelo Estado de São Paulo, constituinte em
1933 pela Chapa Única por São Paulo Unido, historiador, biógrafo e escritor, autor do
clássico da literatura paulista Vida e morte do bandeirante, de 1929, membro das
Academias Paulista e Brasileira de Letras, autor da célebre frase: “Paulista sou, há
quatrocentos anos”, José de Alcântara Machado d’Oliveira (1875-1941), casado com Maria
Emília de Castilho Machado (1876-1958), o escritor cresceu entre quatro irmãos: Brazílio
Augusto Machado d’Oliveira Neto (1900-1968), José de Alcântara Machado d’Oliveira
Filho (1902-1971), Anna Yolanda de Alcântara Machado d’Oliveira (1905-1995) e Theresa
de Alcântara Machado d’Oliveira, essa, viva, e a vasta biblioteca da família. A sua mãe
29
gostava de repetir que a casa era “comandada pelos livros, em primeiro lugar, e depois pela
política” (Prada, 2001, p. 30).
Esse contato com os livros desde criança, somado ao crescimento em ambiente
familiar estimulante ao desenvolvimento humanístico, contribuiu para uma sólida formação
intelectual. Prova disso é seu longo artigo de estréia em um jornal de grande circulação,
uma crítica literária publicada no Jornal do Comércio de 19 de setembro de 1921 -
relacionada no Anexo B - que, ocupando quase uma página do periódico paulista, leva o
título do livro do escritor Artur Mota, um dos representantes da literatura acadêmica,
“Vultos e Livros”. Trata-se de uma obra repleta de informações biobibliográficas sobre os
patronos das cadeiras da Academia Brasileira de Letras e os titulares do momento em que a
obra foi escrita - o livro havia sido publicado há poucos meses, ainda naquele ano de 1921.
Então com apenas 19 anos, aponta uma série de erros e omissões no trabalho de
Artur Mota, demonstrando conhecer publicações raras e esgotadas e possuir, diante do rico
material bibliográfico a que tinha acesso, uma postura de pesquisador apaixonado pelo
acervo disponível: investigava e confrontava datas, emitia juízos sobre escritores e críticos
literários do passado e do presente, citava acontecimentos e personagens aparentemente
desconhecidos por Artur Mota, baseando seus argumentos em documentação segura. Anos
mais tarde, Brito Broca, em artigo intitulado “Quando Antônio de Alcântara Machado
escrevia como passadista”, que compõe coletânea de seus textos, publicada em 1962, logo
após sua morte, referindo-se ao episódio e citando uma das fontes de informação utilizadas
pelo autor, o “Almanaque literário do Diário Mercantil para 1886”, registra tratar-se de uma
raridade bibliográfica que teria procurado em vão na Biblioteca Nacional.
Longe do estilo de linguagem que irá marcar seus futuros textos, o então jovem
estudante de Direito do Largo de São Francisco já demonstrava considerável intimidade
com os clássicos da literatura nacional e estrangeira. Entretanto, seu desenvolvimento
intelectual não acontecia somente no espaço familiar. Estudou em instituições que foram ou
são consideradas exemplares na área do ensino. Ao contrário dos lugares onde morou - a
família fixou residência na Rua Barão de Campinas, nº 21, depois nº 323, onde nasceu, e na
Rua Frederico Steidel, 47, próximo ao Largo do Arouche, ambas no bairro de Santa
Cecília -, até hoje todos os estabelecimentos ligados à sua vida escolar e acadêmica estão
30
preservados: o antigo Colégio Stafford, onde realizou seus estudos primários, entre 1908 e
1912, localizado no então elegante bairro dos Campos Elíseos, no cruzamento das
Alamedas Nothmann e Cleveland, tem hoje suas edificações tombadas e passa por processo
de restauração para abrigar a futura sede da Fundação e do Museu da Energia Núcleo de
São Paulo. O Ginásio São Bento, onde cursou o secundário, entre 1914 e 1918, uma
instituição de ensino tradicional da cidade de São Paulo que em 2003 completou seu
centenário, e a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, as “Arcadas” como é
conhecida, onde estudou entre 1919 e 1925.
Quanto à influência de livros e autores na formação de sua personalidade, poucas e
fragmentadas foram as informações que conseguimos levantar no decorrer de nossa
pesquisa. Em uma de suas crônicas na seção “Cavaquinho” - relacionada no Anexo B -,
publicada no Jornal do Comércio de 12 de março de 1927, intitulada “Pela Guryzada”, nos
fala de sua predileção na infância pelo semanário recreativo infantil Tico-Tico. Criado em
1905 pelo cartunista Luiz Sá, essa revista foi a primeira a publicar histórias em quadrinhos
no país. Apresentava para as crianças, entre outros, os lendários personagens Reco-Reco,
Bolão e Azeitona, protagonistas de histórias imaginadas pelo desenhista e escritor ítalo-
brasileiro Angelo Agostini, com a colaboração, entre outros, de J. Carlos. Tico-Tico era um
almanaque inteiramente dedicado ao público infantil e misturava humor, informação e
educação. Editada no Rio de Janeiro, mas distribuída para inúmeras cidades, a revista durou
até 1957 e marcou profundamente uma série de escritores, como Érico Veríssimo e Carlos
Drummond de Andrade. Essas primeiras leituras cederam lugar às novelas policiais, aos
romances de capa-e-espada e, na adolescência, aos clássicos infanto-juvenis.
O confronto da sua personalidade com a de seu irmão mais velho, Brazílio Augusto
Machado d’Oliveira Neto, faz surgir diferenças significativas já perceptíveis desde crianças
e que se acentuaram ao logo do tempo. É o que sugere o artigo de Cecília Prada, intitulado
“Os irmãos Machado”. A autora cita as recordações do escritor e jurista Cândido Mota
Filho, freqüentador da casa da família Alcântara Machado na Rua Frederico Steidel, desde
a infância, que lembram da vocação de líder do amigo Brazílio Machado Neto: “inventando
brinquedos e determinando os jogos que iríamos realizar com alguns garotos do bairro, nas
tardes domingueiras” (Prada, 2001, p. 32).
31
As diferenças no temperamento entre os dois irmãos acentuam-se na adolescência.
Ele se aproxima mais dos livros e dos ambientes propícios ao estudo; Brazílio Machado
liga-se aos esportes, em especial ao tênis, conquistando até um campeonato paulista e, mais
tarde, um brasileiro. Na vida adulta, o irmão mais velho é descrito como um “homem de
ação” (ibidem, p. 30), prático e de perfil político e literário mais conservador. Optou pela
política e pelo comércio e tornou-se um “realizador e inovador das práticas mercantis no
país.” (ibidem, p. 30). Como político, participou do Movimento Constitucionalista de 1932
e da reformulação do PRP - Partido Republicano Paulista, foi também deputado e
presidente da Assembléia Legislativa do Estado; como empresário e político de classe,
chegou à direção, em 1942, e à presidência, em 1944, da Associação Comercial de São
Paulo, à presidência, em 1944, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e à
presidência, em 1952, reeleito em 1956 e em 1958, da Confederação Nacional do
Comércio. Participou, e foi o seu primeiro presidente, em 1946, da criação do Senac
Serviço Nacional do Comércio e do Sesc Serviço Social do Comércio, concretizando sua
visão da necessidade do empresariado paulista e nacional estar aberto e voltado às
iniciativas ligadas às obras sociais e à valorização dos profissionais da indústria e do
comércio. Foi ainda comerciante e industrial do ramo de rádio e eletricidade. Escreveu
livros de economia e administração.
Mesmo no campo artístico, observam-se diferenças profundas entre ambos.
Enquanto o autor torna-se cada vez mais próximo das inovações no campo literário, em
particular, e das artes, no geral, Brazílio Machado, igualmente de uma vigorosa formação
cultural, adere a posições mais conservadoras. O amigo de viagem Lahyr de Castro Cotti,
relata a preferência de Brazílio Machado por Bernini e Ticiano, dentre os artistas italianos.
No campo literário preferia as obras biográficas que acentuam traços individuais em
contraponto àquelas que exaltam acontecimentos históricos ou movimentos coletivos.
Brazílio Machado é o pai de Caio Francisco de Alcântara Machado - falecido em 2001,
enquanto esta tese estava sendo escrita -, publicitário, que foi diretor do Departamento
Nacional do Café, idealizador e impulsionador das feiras industriais na cidade de São
Paulo. Em comum: os dois irmãos se formaram na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco. Diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1925.
32
Mas antes, em 1923, paralelamente aos estudos de direito, iniciou sua atividade
jornalística no mesmo periódico que publicara seu primeiro artigo, a crítica sobre o livro
Vultos e Livros. No Jornal do Comércio, ocupou a função de crítico teatral escrevendo na
seção “Theatros e Música”, de janeiro de 1923 até julho de 1926 e durante esse período,
esporadicamente, de cronista, de crítico literário e de contista na seção literária “Só aos
Domingos”. Foram mais de 200 críticas de espetáculos teatrais e musicais - relacionadas no
Anexo A - realizados na capital paulista, publicadas numa seqüência quase diária,
interrompida somente por dois intervalos mais duradouros. O primeiro, em julho de 1924,
quando eclodiu o movimento revolucionário liderado pelo General Isodoro Dias Lopes, que
ocupou a capital e interrompeu as atividades corriqueiras da cidade, dentre elas os
espetáculos de teatro e música. Assumiu as funções de redator-chefe em caráter interino do
Jornal do Comércio, substituindo o amigo e diretor Mário Guastini. E o segundo, entre a
segunda quinzena de março até novembro de 1925, quando o jornalista viajou pela segunda
vez à Europa. Ele já havia estudado na Suíça em 1913, onde foi aluno de um internato na
cidade de Haute-Savoie. Agora, retornava à Europa sozinho, permanecendo de abril a
outubro. De lá escreveu uma seqüência de reportagens narradas em forma de crônicas de
tom irreverente que foram enviadas e inicialmente publicadas no Jornal do Comércio, entre
abril e novembro do mesmo ano. Depois de seu regresso, essas crônicas foram reescritas
num estilo mais ágil e compuseram seu livro de estréia, Pathé-Baby, publicado em 5 de
fevereiro de 1926, ilustrado por Paim Vieira e prefaciado por Oswald de Andrade. Pathé-
Baby foi recebido com entusiasmo pelos escritores da vanguarda paulista. Não participante
da Semana de Arte Moderna de 1922, na época ainda um jovem estudante de Direito da
Faculdade do Largo de São Francisco, ao publicar Pathé-Baby marca sua integração ao
movimento modernista.
Através dessa atividade de crítico, amplia sua percepção de teatro que aqui era
apresentado pelas companhias européias, e posteriormente, pelas companhias brasileiras e
critica a falta de uma temática mais nacional nos textos de nossos autores. Além da análise
do texto, da escolha do autor, da adaptação, da montagem, da interpretação dos atores, da
direção, da produção, inovou em vários sentidos a crítica de espetáculos dessa natureza,
quase inexistente na época. Aspectos como figurinos, cenários, iluminação e cenografia
33
foram abordados pelo jornalista. Há críticas que analisam a reação e o comportamento do
próprio público freqüentador de teatro, outras até as condições de infra-estrutura dos
espaços das apresentações. Mesmo a inauguração de um teatro é motivo de um texto que
nos revela os detalhes de quem esteve presente no acontecimento. Não são somente das
críticas referentes aos espetáculos em cartaz na cidade que se ocupa, há ainda artigos
inteiramente dedicados a um ator ou uma atriz em especial, caso da divina Sarah Bernhardt,
publicado em 29 de junho de 1924, em turnê por cidades brasileiras naquele mês, ou outros
focando exclusivamente um autor ou texto, caso de “La Vierge Folle”, do dramaturgo
Henry Bataille, publicado em 29 de outubro de 1924. Algumas de suas críticas e ensaios
mais polêmicos nessa fase foram assinados como S.S. de S., uma abreviatura do
pseudônimo Sófocles, Shakespeare da Silva.
Durante o período em que permanecer no Jornal do Comércio aproveitou outros
espaços desse diário para publicar críticas sobre a obra de alguns escritores, dentre eles, o
poeta brasileiro Paulo Eiró e o poeta futurista Marinetti. Aconteceu também nessa fase a
publicação de seus primeiros contos: em 21 de setembro de 1924, na seção “Só aos
Domingos”, a estréia com Cyrillo, uma composição híbrida entre conto e crônica; em 25 de
janeiro de 1925, na mesma seção, foi publicado Gaetaninho, definitivamente seu primeiro
texto, no qual personagem e enredo são totalmente ficcionais; em 1 de março de 1925,
Carmela, na mesma seção, acompanhado do aviso “(De um possível livro de contos: Ítalo-
Paulistas)”; em 8 de março do mesmo ano, no mesmo espaço, Lisetta, com a observação:
“(Para um possível livro de contos: ÍTALO-PAULISTAS)”. Os três últimos alterados, mais
tarde compuseram seu segundo livro de contos ítalo-paulistas, Brás, Bexiga e Barra Funda
(1927). Posteriormente, descobriu-se serem de sua autoria pequenas notas, sem título, que
serviam para preencher os espaços vazios das páginas. Esses sueltos fazem referências a
uma multiplicidade de temas.
Em 1925, junto com Mário de Andrade, colaborou com a revista Estética, fundada
no Rio de Janeiro por Prudente de Moraes, neto e Sérgio Buarque de Holanda.
Segundo pesquisas e estudos de Cecília de Lara, ele colaborou com artigos sobre
espetáculos teatrais na revista Novíssima, entre 1923 e 1924, de São Paulo, com sucursal no
Rio de Janeiro; na Revista do Brasil, em sua segunda fase ,entre 1926 e 1927, e na Revista
34
Movimento, em 1928, essas do Rio de Janeiro; e nos jornais Diário Nacional de São Paulo,
em 1929, e O Jornal, em 1926, gazeta fluminense. No Diário Nacional, na seção “Caixa”,
utilizando o pseudônimo de J.J. de Sá, escreveu uma série de ensaios, retomando a idéia de
nacionalização dos temas abordados pelo nosso teatro, defendendo a criação de um teatro
genuinamente brasileiro no conteúdo e na forma e conectado com as idéias e os ideais
modernistas. Um teatro que se preocupasse com a formação do ator brasileiro, que levasse
em consideração a herança cultural preservada nas nossas artes circenses, nas festas e
manifestação artística de forte apelo popular e que utilizasse um falar natural e brasileiro,
em contraposição ao sotaque lusitano que os autores insistiam em conservar.
A sua relação com o teatro poderia ter se desdobrado em um outro sentido, digamos
mais institucional. É o que constatamos quando tomamos conhecimento do contexto que
marca o surgimento de um setor público especializado para a área cultural da nossa cidade.
Paulo Duarte, recordando os eventos que levaram a criação do Departamento de
Cultura da Prefeitura de São Paulo em 1936, durante a administração do prefeito Fábio
Prado, nos revela que a idéia foi gestada e acalantada muito antes, em um apartamento da
Avenida São João, onde o historiador dividia a moradia com Nino Gallo. Nessa “base
modernista”, um grupo formado, entre outros, por Mário de Andrade, António de Alcântara
Machado, Tácito de Almeida, Antônio Carlos Couto de Barros, Sérgio Milliet, que também
habitou o local, Henrique da Rocha Lima, então diretor do Instituto Biológico, Paulo
Magalhães, Paulo Rossi Osir, Randolfo Homem de Melo e Rubens Borba de Morais, se
reuniu entre 1926 a 1931, em “tôrno de uma grande mesa de granito, fria como uma mesa
de necrotério, dizia Couto de Barros, mas que se esquentava com vinhos bons” (Duarte,
1985, p. 49).
O sonho de alguns modernistas de transformar as estruturas socioeconômicas do
país através de profundas modificações nos setores voltados à cultura começaria a se
concretizar em São Paulo, quando parte daquela geração chegou ao poder.
Após o convite feito por Fábio Prado, indicado como prefeito pelo então governador
Armando Sales de Oliveira, em 1934, a Paulo Duarte para que integrasse sua equipe de
governo local, esse confessou seu desejo, na verdade, um sonho coletivo, de criação de um
departamento cultural para a cidade de São Paulo, o prefeito concordou com a idéia, e,
35
principalmente, garantiu a verba necessária para a concretização do projeto. Mário de
Andrade, um dos que colaboraram na primeira versão do anteprojeto, foi intimado por
Paulo Prado a aceitar a direção do departamento que nascia. Relutou, mas cedeu. Foi
nomeado então chefe da Divisão de Expansão Cultural e diretor do Departamento de
Cultura e de Recreação de São Paulo em 30 de maio de 1935, um ano mais tarde,
renomeado Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo.
Parte significativa da estrutura e do acervo que permanece até hoje na Secretaria
Municipal de Cultura de São Paulo foi criada por Mário de Andrade e sua equipe. Até o seu
desligamento da direção do Departamento, em março de 1938, na gestão do prefeito Prestes
Maia, que, segundo Paulo Duarte, só tinha amor para o seu programa de grandes avenidas,
muitas daquelas idéias esparsas, vingaram, outras não. Para o autor, membro daquele
núcleo inicial que sonhou para São Paulo um complexo cultural equivalente a sua
importância econômica e política, foi idealizada uma nova seção responsável pela
administração dos teatros municipais da qual seria diretor. Essa divisão ficou apenas no
papel.
Depois da publicação de Pathé-Baby, no início de 1926, foi deixando de escrever as
críticas teatrais e ocupou outra função no Jornal do Comércio. Entre setembro de 1926 e
abril de 1927, publicou suas crônicas, agora em espaço fixo, sobre os mais variados
assuntos, em especial sobre feições e períodos da vida da cidade, intituladas inicialmente
“Saxofone” e depois substituídas por “Cavaquinho” - relacionadas no Anexo B - que,
segundo ele próprio, combinava melhor com a sonoridade brasileira. Nesse novo espaço
foram publicados três de seus contos que, depois de retrabalhados, compuseram seu livro
Laranja da China de 1928. É o caso de Conto de Natal, publicado em 25 de dezembro de
1926, que apareceu no livro com o título O Inteligente Cícero, Mysterio de Fim de Ano,
publicado em 8 de janeiro de 1927, que depois foi transformado em um dos contos
intitulado O Ingênuo Dagoberto e Conto de Carnaval, publicado em 26 de fevereiro de
1927, que recebeu no livro o título O Mártir Jesus. Além desses, outros seis, de um
conjunto de doze, foram publicados em outros periódicos antes de constituírem Laranja da
China. São eles: O Revoltado Robespierre, O Patriota Washington, O Lírico Lamartine, O
36
Aventureiro Ulisses, O Filósofo Platão e A Dança de São Gonçalo, transformado no conto
A Piedosa Teresa.
No primeiro semestre de 1927, a colaboração com o Jornal do Comércio foi se
tornando menos assídua. Seu tempo já vinha sendo dividido com outras atividades literárias
e seus artigos cada vez mais ocupavam espaços em outros periódicos. Nesse ano, iniciou
sua colaboração, de forma esporádica, nos Diários Associados, grupo fundado pelo
jornalista Assis Chateaubriand. Essa relação continuou de forma mais regular, no período
entre 1929 e fins de 1934, quando ingressou definitivamente no grupo, como diretor do
Diário da Noite. E colaborou enviando artigos referentes a diversos temas com a revista
Verde de Cataguazes, entre 1927 e 1928. Essa revista modernista mineira foi dirigida por
Henrique de Resende, Martins Mendes e Rosário Fusco.
Retomando o ano de 1926. Publicou seus artigos e alguns contos no O Jornal do Rio
de Janeiro, colaboração que também somente terminará com sua morte. Nesse ano, abriu
uma nova frente de divulgação das idéias, posições, produções e tendências modernistas: a
edição das revistas, nas quais sempre teve papel fundamental, seja no aspecto organizador e
administrativo, seja como colaborador, com seus textos. Com Antônio Carlos Couto de
Barros dirigiu a revista modernista Terra Roxa... e outras terras, em 1926, que contou com
a participação de Sérgio Milliet em sua fundação. Terra Roxa... e outras terras marcou o
retorno dos modernistas às publicações de divulgação e consolidação do ideário do
movimento, iniciadas com a extinta revista Klaxon, entre 1922 e 1923. Depois, com Raul
Bopp, fundou e dirigiu a Revista de Antropofagia, entre 1928 e 1929, na sua primeira fase -
a relação desses números publicados em avulso encontra-se no item “Bibliografia – Artigos
de Revistas e Periódicos do Período Estudado”. Tais publicações modernistas reafirmavam
as idéias contidas no “Manifesto Pau-Brasil” (1924) de Oswald de Andrade, apontando
para atitudes antiprovincianas e inimigas dos preconceitos aos elementos constitutivos de
nossa identidade cultural. As revistas tiveram vidas efêmeras: a primeira, Terra Roxa... e
outras terras, alcançou apenas sete números, a segunda, Revista de Antropofagia, dez. A
Revista de Antropofagia, da qual chegaram a ser produzidos oito mil exemplares, nessa sua
primeira “dentição”, começou a circular em maio de 1928 e prossegue até fevereiro de
1929, marcando o início da projeção do movimento modernista para além das cidades de
37
São Paulo e do Rio de Janeiro. Colaboraram com a revista, entre outros, Manuel Bandeira e
Carlos Drummond de Andrade, poetas, naquele momento, desconhecidos do grande
público leitor. Com sua contribuição nas revistas modernistas desse período marca
efetivamente sua participação no Modernismo paulista. É importante lembrar inclusive que
1928 foi o ano em que Mário de Andrade lançou sua obra mais significativa desse período
do movimento, Macunaíma.
Imediatamente após o termino dessa primeira fase, em março de 1929, como
colaborador dos Diários Associados, voltou a publicar a Revista de Antropofagia, em sua 2º
dentição, enquanto suplemento do Diário de S. Paulo - a relação dos exemplares dessa
segunda fase encontra-se no Anexo C -, mas logo no início da nova fase da revista, se
afastou do projeto, ao que tudo indica por desentendimentos com Oswald de Andrade.
Continuou ocupando espaço no periódico, publicando seus contos. Guerra Civil apareceu
primeiramente no Diário de S. Paulo em 2 de junho de 1929 e no O Jornal, em 9 de julho
do mesmo ano. Somente após sua morte, foi recolhido, juntamente com outros contos
inéditos em livro, e editado em livro, como parte de Mana Maria/Contos.
Sua última experiência no campo dos periódicos literários modernistas aconteceu
entre março de 1931 e dezembro de 1932, com a edição da Revista Nova, de São Paulo, que
dirigiu em parceria com Paulo Prado e Mário de Andrade. É nesse periódico, outro de vida
efêmera, que publicou um dos mais belos contos da literatura moderna brasileira, As Cinco
Panelas de Ouro.
Enquanto sedimentava sua carreira de jornalista, produzia e publicava seu livro de
contos Brás, Bexiga e Barra Funda. Lançado em 17 de março de 1927, o livro foi saudado
por Mário de Andrade nas páginas do jornal A Manhã de 19 de junho daquele ano, numa
crítica intitulada “Alcântara Machado”. Reproduzida por Cecília de Lara em Comentários e
notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de
Alcântara Machado:
“(...). Alguns dessa geração recente já aparecem no entanto bem livres do vício da
tese que desgraçou os modernistas. Alcântara Machado é um deles. Faz pouco chuçou a
boiada com um Pathé-Baby pontudo, impetuosamente original. Agora com Brás, Bexiga e
38
Barra Funda inda surpreende mais. Se humaniza, o espírito dele passa de reacionário a
contemplativo; caçoa pouco e aceita bem. E cria a obra mais igual, mais completa em si que
a ficção brasileira produziu de 1920 para cá. Podia dar data mais longe, mas o que interessa
aqui é o depois-da-guerra porém.” (Lara, 1982, p. 104-105).
Seu livro posterior, Laranja da China, o segundo de contos, apareceu em 1928 e
como o anterior foi bem recebido pela crítica. Stiunirio Gama, pseudônimo de Mário
Guastini, escreveu no Jornal do Comércio, de 3 de julho de 1928, em sua seção
“Focalizando”, sobre Laranja da China a seguinte crítica. Reproduzida por Cecília de Lara
em Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Laranja da China de António de
Alcântara Machado:
“(...) Não me seria, pois, lícito, silenciar sobre Laranja da China, que acaba de sair
elegantemente impresso. Pois este livro confirma os sucessos anteriores. O autor mantém o
mesmo equilíbrio. Não se deixou empolgar pelo acolhimento amável dispensado aos dois
primeiros. Reapareceu igual. Não repousou sobre glórias. É o observador irônico a
apresentar tipos maravilhosamente estudados. Sem exageros e sem originalidade chocantes.
Antonio de Alcântara Machado é, acima de tudo, um pintor. Apanha o traço predominante
do indivíduo, desenhando-lhe depois a figura. A figura física e mental. (...).” (ibidem, p.
67).
Ainda como escritor de ficção, iniciou o romance Mana Maria, interrompido pela
sua morte, que, junto com outros contos esparsos não publicados em vida, compuseram a
edição póstuma Mana Maria/Contos, editada em 1936 pela Livraria José Olympio Editôra.
Postumamente foram descobertos outros textos inéditos, caso de um fragmento de romance,
intitulado Capitão Bernini, título que já havia aparecido na contra-capa de Laranja da
China, como “Obras em preparação”, e o primeiro ato de uma peça denominada O Nortista,
ambos publicados nas edições de Novelas Paulistanas a partir de 1988.
39
Retornando a 1928. Neste ano, outra faceta sua é conhecida, a de historiador. O seu
amor por São Paulo passava pelo dever intelectual de conhecer o passado e resgatar as
raízes que dessem significados aos acontecimentos do presente. Recebeu o prêmio da
“Sociedade Capistrano de Abreu” pela monografia histórica Anchieta na Capitania de São
Vicente, publicada no ano seguinte. Até hoje sua monografia é considerada, ao lado da
coletânea Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de
Anchieta, s.j. (1554/1594), publicado em 1933, edição da Academia Brasileira de Letras,
referência para quaisquer pesquisas sobre o jesuíta, um dos fundadores da cidade de São
Paulo, e sua relação com a Companhia de Jesus. Nessa coletânea contribui escrevendo o
estudo introdutório e as notas, aproximadamente 700, a convite de Afrânio Peixoto. No
mesmo ano, 1928, homenageou seu avô proferindo um discurso que foi publicado no ano
seguinte na revista acadêmica O Onze de Agosto, com o título “Comemoração de Brazílio
Machado”.
No campo da pesquisa historiográfica, escreveu ainda, segundo Cecília de Lara no
seu texto “O rapsodo da imprensa”, artigos sobre Mailasky, personagem central no
processo de implantação da estrutura ferroviária no país, e sobre a história da imprensa em
São Paulo. Praticou, ao pesquisar sobre os poetas e trovadores urbanos, o que Sérgio Milliet
chamou de “etnografia citadina” (Lara, 2001, p. 55). Registrou seu interesse pelas origens
das canções populares no texto denominado “Lira Paulistana”, publicado postumamente
por iniciativa de Sérgio Milliet. Era sua intenção editar esse conjunto de poesias e
modinhas populares acompanhado de um estudo, pois o título “Lira Paulistana” aparece
registrado na contra-capa do seu livro Laranja da China (1928), como “Obras em
preparação”. Na intensa troca de correspondências com seu amigo, Prudente de Moraes,
registrada no livro Pressão afetiva & aquecimento intelectual: cartas de Antônio de
Alcântara Machado a Prudente de Moraes, neto, organizado por Cecília de Lara,
mencionava o trabalho em andamento demonstrando, contudo, insegurança quanto a sua
validade. Em carta escrita e enviada em janeiro de 1929, anexou cópias de parte das poesias
que comporiam o estudo e informou sobre a estrutura da obra:
40
“Terá duas partes: Salão de Engraxate e Perímetro Urbano. A primeira será o
homem. A segunda a cidade. Dê (porque exijo) opinião muito justa e bastante severa. Faço
absoluta questão. Tenho medo que o livro não seja sentido fora de S. Paulo. Depois enviarei
o resto das poesias. Você será o primeiro leitor. Dona Inah a primeira leitora. Por isso
segredo.” (Lara, 1997, p. 120).
Apesar da aparente decisão de finalizar o estudo para brevemente publicá-lo,
continuou trabalhando nele por mais alguns meses. O “Prefácio” foi escrito em janeiro de
1930, quando realizou sua terceira viagem à Europa, mas, ao final, o projeto foi
abandonado.
A relação entre o Modernismo paulista e um novo surto de pesquisas
historiográficas, primeiro em São Paulo e depois no Brasil, ainda carece de estudos mais
abrangentes. A missão modernista de afirmação do novo impulsionou uma dinâmica
dialética de resgate do passado histórico. Luís Toledo Machado, defensor dessa relação,
argumenta: “correspondia à necessidade de afirmar uma tradição diante da brusca mudança
que a industrialização e a imigração acarretavam na paisagem paulista. Assim se inicia o
movimento de revisão do passado de São Paulo” (Machado, 1970, p. 41).
Nessa perspectiva, as pesquisas anchietanas que levou a cabo não se constituem
casos isolados das incursões dos modernistas nessa área do conhecimento. No estudo de
Luís Toledo Machado sobre o escritor e seu papel no modernismo, verificamos que: “o
culto anchietano perdurava no curso das gerações. O Modernismo, na sua vocação para a
pesquisa histórica, viria confirmá-lo e tanto é assim, que a revista Terra Roxa... e outras
terras dedicava a Anchieta um dos seus primeiros números, inserindo colaboração de Paulo
Prado, Afonso de Taunay, Mário de Andrade, António de Alcântara Machado e outros.”
(ibidem, p. 40).
Entre outubro de 1929 e junho de 1930, fez sua terceira e última viagem à Europa,
junto com sua única companheira, Dolores Bicudo, a Lolita. Essa viagem foi marcada por
uma nova série de “crônicas de viagem”, “prosa turística”, como a ela se referia, enviadas e
publicadas no Diário de S. Paulo e em outros jornais do grupo Diários Associados. Ao
retornar, deu seqüência às suas atividades jornalísticas escrevendo críticas diárias sobre
41
literatura - a série de rodapé, intitulada “Reportagem Literária” que antes fora ocupada por
nomes como Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, e Agripino Grieco - nesse
mesmo periódico, entre 1932 e 1933, focando obras de novos autores, em especial, a
corrente regionalista que surgia como desdobramento das renovações e rupturas detonadas
com o movimento modernista. Em 1930, publicou o conto O Mistério da Rua General de
Paiva em As Novidades Literárias, Artísticas e Científicas.
Em 1931, publicou na revista A Ordem, em números separados, e depois na Revista
Nova, edição de março, um ensaio sobre o avô, Brazílio Machado Ou Um Operário
Católico. Escreveu notas para um futuro livro sobre a Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco que não foi concretizado.
Entre 1932 e 1933, dirigiu a “Emprêsa Editôra A Vida dos Municípios” que
publicou os jornais locais de várias cidades do interior de São Paulo, Itapetininga, Bauru,
São Carlos, Botucatu, dentre outras. Com a eclosão do Movimento Constitucionalista e da
revolução, em julho de 1932, interrompeu suas atividades culturais e aderiu à mobilização
do Estado de São Paulo contra a ditadura Getulista. Nessa empreitada, assumiu o cargo de
superintendente da Rádio Sociedade Record, fundada pelo seu primo Paulo Machado de
Carvalho, e escreveu, e em algumas oportunidades leu, notícias, mensagens de
arregimentação e comentários de apoio ao movimento revolucionário transmitidas pelo
locutor César Ladeira, entre julho e outubro de 1932, apesar da censura imposta pelo
governo central. Em relação a esse episódio, o acaso o levou ao centro dos acontecimentos
que decidiram a rendição da resistência paulista frente às tropas comandadas pela ditadura.
Esses fatos foram em parte registrados em uma espécie de “diário de campo” em outubro
de 1932 e reproduzidos somente em 1970, quando da publicação de António de Alcântara
Machado e o modernismo de Luís Toledo Machado. Nesse livro, o seu texto sobre o
episódio, originalmente sem título, recebeu o nome de “A rendição de São Paulo”. Inédito
até aquele momento, só foi publicado após a morte de vários personagens citados nos
acontecimentos nele narrados.
Sua efetiva participação no Movimento Constitucionalista, seu forte sentimento de
paulistanidade e suas posturas claras, firmes e realistas sobre o grave momento político pelo
qual passara São Paulo e o Brasil contribuíram para que fosse escolhido secretário-geral,
42
uma espécie do que conhecemos hoje como assessor parlamentar, da bancada paulista eleita
para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933/1934, sob a legenda da “Chapa Única por
São Paulo Unido”. Nessa função trabalhou como redator de algumas das propostas dessa
bancada ao projeto constitucional. Transferiu-se, então, para o Rio de Janeiro no final de
1933 e, simultaneamente às novas atividades políticas, continuou exercendo seu trabalho na
imprensa, publicando seus artigos de crítica literária em jornais dos Diários Associados e de
comentários políticos, escrevendo e assinando diariamente a coluna política da primeira
página do Diário da Noite, sucursal carioca, assumindo sua direção em fins de 1934,
permanecendo até seu falecimento, alguns meses depois. Nesse vespertino fluminense,
publicou seu último artigo em 5 de abril de 1935, intitulado “Mais Um Bocado de
Paciência”. Segundo depoimentos de amigos e do próprio Assis Chateaubriand, o novo
diretor não se contentava somente em acompanhar a distância a feitura do jornal, mas
estava a todo o momento nas oficinas, acompanhando a paginação, sugerindo reportagens e
até modificações na diagramação do jornal, que era considerado “a menina dos olhos” dos
Diários Associados.
Promulgada a nova Constituição em 1934, foi eleito deputado federal por São Paulo
na legenda do PC Partido Constitucionalista, sucessor do PD Partido Democrático que
surgiu em oposição ao PRP, chefiado na época pelo governador Armando de Sales
Oliveira. Pouco antes de sua morte, visitou a Argentina e o Uruguai, na companhia de
outros escritores, a convite do jornal argentino A Crítica, remetendo artigos de Buenos
Aires e Montevidéu.
Antes de tomar posse na Câmara Federal, faleceu na Casa de Saúde São Sebastião,
às 14h45min. do dia 14 de abril de 1935, prestes a completar 34 anos, vítima de uma
peritonite infecciosa contraída após uma operação de apendicite.
Raimundo de Menezes, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 19
de dezembro de 1946, relembrava os últimos momentos do escritor. A interrupção abrupta
de sua vida e, paralelamente, da feitura daquele que seria seu primeiro romance, Mana
Maria, acentua o cunho dramático de sua morte. Escreveu Raimundo de Menezes - a
transcrição do trecho é literal e obedece a grafia da época:
43
“O livreiro-editor José Olimpio encarregara a Jaime de Barros de dar um recado a
Antonio de Alcantara (sic) Machado. Sabia que ele estava escrevendo um romance e queria
edita-lo. Ainda ontem trabalhei nele... foi a resposta do autor de ‘Mana Maria’,
quando dois dias depois lhe falou o amigo. Era uma segunda-feira. No domingo seguinte
adoeceu. No outro viajaram juntos para S. Paulo. ‘Ele ia fechado num caixão negro,
pesado, inteiramente liso...’.” (Menezes, 1946, p. 8).
Seu corpo foi trasladado para São Paulo no dia 15 de abril e, no dia seguinte, velado
e sepultado no mausoléu da família, no Cemitério da Consolação. Diante de uma bela
escultura em bronze, criada em 1921 pelo artista Luigi Brizzollara, pode-se ler a inscrição:
“Et quasi cursores vitae lampada tradunt”. Traduzida na figura de um atleta velho que
fenece e como último gesto passa a tocha a outro mais jovem que intrépido continua a
corrida da vida até chegar o momento de também passá-la adiante às futuras gerações.
Apesar dos breves anos vividos, podemos perceber a trajetória de um dos homens
que mais ativamente participou da vida cultural e política do país na década de vinte e
início da década de trinta do século passado. Após sua morte, foi encontrada entre seus
papéis uma crônica sem título, elaborada durante sua última viagem à Europa, entre
setembro de 1929 e junho de 1930, que registra alguns pensamentos premonitórios sobre o
término da existência. Repleta de imagens primordiais e arquétipos - o Eterno Retorno; o
retorno à Mãe-Terra; o fogo, o fenecimento e a ressurreição; o mito da Cruz e da
Centralidade, dentre outros -, descreve seu desejo de morrer no Brasil, mais precisamente
no meio do largo da igreja de Santa Cecília, na cidade de São Paulo. Posteriormente esse
escrito foi editado em um livro de depoimentos de seus amigos e conhecidos, intitulado Em
memória de Antonio de Alcantara Machado e datado de um ano após a sua morte. A
transcrição é literal e obedece a grafia da época:
“Não quero morrer na Europa. Quero ir morrer no Brasil, na cidade de São Paulo,
numa manhã bem quente. Sobretudo quero morrer de chapéo (sic) na cabeça. Quem morre
de chapéu na cabeça mostra que não tem respeito medroso pela morte. É camarada dela. O
continuo Serafim costumava dizer com muita admiração na porta do palacio presidencial:
44
‘este deve ser grosso, entra de chapéu na cabeça’. Os que subindo as escadas já vão tirando
o chapéu êsses são pedintes, são subalternos, vão ser desiludidos ou humilhados. Eu não.
Eu na manhã bem quente me aprontarei, sairei de casa andando firme, desejarei bom dia
aos conhecidos da rua Ana Cintra, entrarei no largo de Santa Cecília e em frente da igreja,
no meio do largo, subirei no refúgio me encostando no lampeão esgalhado. Nos braços do
lampeão verde eu serei amparado quando chegar o momento. Como já disse: subirei no
refúgio. Trinta centimetros sôbre o nivel dos paralelepípedos. Porêm nêsse instante trinta
centimetros serão uma altura vertiginosa. Eu me sentirei no alto, mas muito no alto. São
Paulo então não abandonará seu filho. Com cheiro de gasolina, com fumaça de fábrica, com
barulho de bondes, com barulho de carros, carroças, e automoveis, com barulho de vozes,
com cheiro de gente, com latidos, cantos, pipilos e assobios, com barulho de fonógrafo,
com barulho de rádio, campainhas, businadas, com cheiro de feiras, com cheiro de
quitandas, todos os cheiros e tambem barulhos da vida, São Paulo encherá o silêncio da
morte. Porque não se deve esperar a morte deitado na cama, de cara amarela, de olhos
fechados, entre remédios e lágrimas. Não é visita de médico. A morte não gosta da morte.
A morte só gosta da vida. A morte chega no momento justo em que o homem vai perder a
vida para não deixar o homem morrer: para dar vida eterna para êle. A morte é que
imortaliza. Ela salva o homem que o mundo quer matar. Livra o homem do mundo.”
(Grieco, 1936, p. 1-2).
Em 1970, o crítico literário Luís Toledo Machado, em sua obra António de
Alcântara Machado e o modernismo, volta a editar esse texto e lhe concede o sugestivo
título de “Meditatio mortis”.
Torna-se difícil reconstruir com exatidão a dimensão religiosa do autor. Segundo
Plínio Corrêa de Oliveira, quando as discussões sobre temas religiosos eclodiam entre os
deputados, ele, exercendo a função de secretário da bancada paulista na câmara federal,
embora não participasse do debate, o acompanhava “com um olhar quente de simpatia e de
solidariedade”. (ibidem, p. 168). Para Tristão de Athayde confessou através de uma
correspondência sua posição surpreendente em relação à Igreja: “Eu sou um torcedor da
Igreja”. (ibidem, p. 193).
45
Após a sua inesperada morte, seus livros continuaram a ser publicados e, com o
passar dos anos, foram sendo conhecidos textos de múltiplos estilos que ele escreveu mais
não editou em vida - relacionados no item “Bibliografia Comentada do Autor”, no
subitem “Edições Póstumas”. Inúmeros foram também os artigos publicados sobre o
escritor e sua obra após o seu precoce desaparecimento. Parte desses artigos estão
registrados no item “Artigos de Revistas e Periódicos do Período Estudado”. O tom, em sua
maioria, é de lamentação por uma promessa não cumprida. A morte impediu que um dos
mais importantes ficcionistas do movimento modernista completasse seu romance urbano,
o livro Mana Maria e alcançasse um amadurecimento intelectual que o colocaria ao lado
das grandes figuras do movimento - nota-se pela leitura das poucas páginas escritas o
adensamento da prosa, a composição de personagens com mais relevos - e talvez junto dos
grandes nomes da literatura nacional.
Álvaro Lins corrobora com o argumento de que a morte prematura impossibilitara o
escritor para a maturidade literária, mas nos lembra - a transcrição do trecho é literal e
obedece a grafia da época:
“(...) Muitas vezes ‘morte prematura’ é uma expressão sem qualquer sentido. Pois o
momento da morte não se conta na idade, mas quando a vida se realiza e se completa em
qualquer direção. Rimbaud não precisou senão de sua juventude, enquanto Victor Hugo
teve necessidade dos seus oitenta anos para se revelar em corpo inteiro. E não há nada de
mais triste do que sobreviver a uma vida, da qual já não se tem mais o que fazer. Lembrarei
também o caso dos poetas românticos, sobretudo os nossos, que, morrendo na mocidade,
não transmitem, no entanto, esta impressão de autores partidos pela metade. (...). Com
Antônio de Alcântara Machado, não. Sente-se que começava, apenas, quando a morte
paralizou o seu itinerário. (...).” (Lins, 1941, p. 193-194).
Dizem que a dor de enterrar um filho é desmedida. Talvez o que conforte um pouco
a idéia da morte inevitável é a esperança que os mais velhos tem de serem enterrados pelos
mais jovens. José de Alcântara Machado teria respondido ao ser indagado qual foi sua
46
maior obra, que fora seu filho António, aquele que a morte lhe subtraiu estúpida e
ironicamente, pois era ele quem deveria ter partido primeiro.
Cândido Mota Filho, falecido em 1977, amigo da família Alcântara Machado,
relembrando o delicioso convívio entre seus membros, recordava os almoços freqüentes na
casa localizada na rua Frederico Steidel, no bairro de Santa Cecília, pretexto para as longas
conversas que se seguiam: “entrelaçando episódios familiares, fatos políticos e comentários
sobre os últimos livros ou sobre os rumos que estavam seguindo os participantes da Semana
de Arte Moderna. (...) tinha sempre pretexto para ouvir o Antônio, com sua risada
inconfundível, a traduzir, em contos orais, o cotidiano paulista” (Prada, 2001, p. 31). Com a
sua ida definitiva para a capital federal em 1934, e seu falecimento meses depois, a casa dos
Alcântara Machado ficou um pouco mais vazia.
Correspondências e correspondentes
Além dos depoimentos de amigos e conhecidos, dentre eles, Mário de Andrade,
Assis Chateaubriand, Austregésilo de Athayde, Cândido Mota Filho, Edgard Cavalheiro,
Francisco de Assis Barbosa, José Lins do Rego, Mário Guastini, Menotti Del Picchia,
Rodrigo Mello Franco de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Sérgio Milliet e Tristão de
Athayde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, registrados no livro Em memória de
Antonio de Alcantara Machado, mandado editar pela família em 1936, e outros
depoimentos publicados, principalmente no impacto do seu falecimento, foram ainda
pesquisadas as suas correspondências disponíveis enviadas àqueles mais próximos. Parte
dos originais desse material encontra-se no Arquivo Antonio de Alcântara Machado”, do
Instituto de Estudos Brasileiros IEB -, da Universidade de São Paulo; outra parte das
correspondências foi confiada à Cecília de Lara por Francisco de Assis Barbosa, para
posterior estudo e publicação. Em 1997, por iniciativa da Editora Giordano e apoio da
EDUSC Editora da Pontifícia Universidade de São Paulo e da Lemos Editorial, foi
possível publicar parte dessa correspondência como o quinto título da Coleção Memória
Brasileira. Trata-se de Pressão afetiva & aquecimento intelectual: cartas de Antônio de
47
Alcântara Machado a Prudente de Moraes, neto, organização e introdução de Cecília de
Lara, que oportunizou o conhecimento de quarenta e oito cartas enviadas pelo autor ao seu
amigo, residente no Rio de Janeiro, no período de 1925 a 1932, concentradas em sua
maioria entre 1926 e 1929. São cartas e bilhetes que versam principalmente sobre as
inúmeras tarefas necessárias para a efetivação das publicações modernistas em curso no
período da troca das correspondências, em especial de Terra Roxa... e outras terras e
Revista de Antropofagia, na sua primeira fase. Nelas podemos encontrar ainda informações
sobre outros episódios envolvendo os modernistas, tais como os relacionados às rivalidades
surgidas após a Semana de Arte Moderna, que desembocaram nas conhecidas facções e
dissidências do movimento de renovação, quer por questões estéticas, quer por questões
ideológicas e existenciais.
Ao compulsar essa correspondência, entretanto, fui movido por outros interesses. As
correspondências guardam um tipo de informação preciosa para aqueles que desejam
recompor feitios da intimidade da vida de uma personagem em estudo. Neste caso, alguns
traços do caráter do escritor são desvelados nas linhas e nas entrelinhas desse conjunto de
cartas. Pela própria natureza do texto, intimista e confidencial, mormente direcionado a
uma pessoa, aqui um amigo, temos a possibilidade de perscrutar nuanças da sua
personalidade, impossível de apreender nos inúmeros artigos sobre sua vida e obra.
A ironia, marca permanente em seus escritos ficcionais, está presente na maior parte
de sua correspondência. Usada como arma pelos modernistas não somente contra aqueles
que não comungavam de suas idéias, em particular contra os intelectuais da geração
anterior tratados como “passadistas”, mas também contra os modernistas dissidentes do
grupo original organizador da Semana, a ironia, às vezes suave, às vezes cáustica,
transborda nas frases das missivas trocadas entre esses escritores. Foi em muitos casos
estopim de discussões, não raras entre componentes dos mesmos grupos, que se
desdobraram em ressentimentos jamais curados. Muitas amizades de longos anos não
resistiram ao desacordo de idéias sobre estética, política e o futuro da literatura e das artes
no Brasil. A luta pela afirmação, e uma vez afirmadas, a luta pela consolidação das idéias
de vanguarda artística e política degenerou, não raro, em brigas pessoais. As posições
assumidas nos grupos deveriam ser claras e incontestes. A necessidade de uma estreita
48
aproximação afetiva visando fortalecer os grupos para os infindáveis embates intelectuais
não permitia qualquer tipo de traição pessoal ou no campo das idéias que era, uma vez
detectado, ou às vezes apenas entendido como tal, pago com a total exclusão do grupo ou
do círculo de amizades.
Um outro elemento entrava na combinação dessa química e resultou em vários casos
de rompimento de relações. Se a atenção permanente era necessária, por outro lado os
modernistas não se furtavam às brincadeiras com os mais próximos. Muitas amizades que
já se encontravam em franco processo de degeneração terminaram definitivamente após
brincadeiras não compreendidas ou mal digeridas. O caso entre Mário e Oswald de
Andrade é o mais conhecido, mas não o único.
A relação entre o escritor e os de Andrade pode ser mapeada pelas
correspondências. Ele manteve com Mário e Oswald amizades que tiveram trajetórias
diferentes. Mário, sete anos mais velho, tornou-se, com certeza, um de seus melhores
amigos, talvez o mais íntimo, até o fim da vida; Oswald, onze anos mais velho, de amigo,
tornou-se um de seus desafetos.
Vale lembrar que foi Oswald de Andrade que saudou a sua entrada no grupo
modernista, por conta da publicação em livro de suas crônicas de viagem. Pahé-Baby foi
lançado em fevereiro de 1926, mas o prefácio-telegráfico que Oswald escreveu é datado de
dezembro de 1925, recebeu o nome de “Carta–Oceano” e reproduz no seu início um
anúncio do vapor “Cap. Polonio” que saía regularmente de Santos, passava por Montevidéu
e Buenos Aires, para então seguir até a Europa. O texto se refere dessa maneira ao seu autor
e a seu estilo - a transcrição é literal e obedece a grafia da época:
“CARTA – OCEANO
HAMBURG - SÜDAMERIKANISCHE
DAMPFSCHIFFFAHRTS – GESELLSCHAFT
Postdampfer
‘CAP POLONIO’
António Alcântara Machado
72 = Sebastião Pereira – São Paulo
49
Em 1913 quando você usava oculos calças curtas acompanhando proceres eleições
municipaes havia bruta véla Praça Antonio Prado accesa dia noite preoccupação geral era
saber quando apagaria.
Hoje São Paulo cidade triste acabrunhada experiencia revoluções arranha-céos
quem tivesse idéa accender véla Triangulo seria preso.
Nossa litteratura essa epoca tambem teve vélas dentro redomas. Depois scintilou
Philips modernista donde resultou sua geração mais desenvolta mais segura mais perigosa.
Comparo alguns heróes Paraguay Arte Moderna que outra coisa não foi Semana
Theatro Municipal com meninada Minas, principalmente com você e Prudente. São
canjas deante vocês.
Eu mesmo querendo tomar notas chispada Cap polonio só me vêm formas suas
personagens seus. Empaquei dentista Nazareth. Evidente que dentista Nazareth natural
Pampilhosa affirmando café portuguez melhor do mundo não é meu é seu.
Culpa sua ter exgottado litteratura viagens esse cinema com cheiro que é Pathé-
Baby. Excepciono variante Paulo Prado em promettida Viagem Europa dará
esclarecimentos nossa falta civilização. Só elle capaz.
Quanto litteratura transatlantica sem fios definitivamente armada Pathé-Baby.
Até agora brasileiro escriptor vindo Europa limitava-se fazer papel Hans Staden
artilheiro Bertioga caiu preso Tupinambás seculo 16 apavorado antropophagia aconsclhava
(sic) não comerem gente. Morubichaba respondia: - Não amole é gostoso. Nós identico
sermão deante cocaina tourada nú artistico.
Você apossou-te sem espanto temperatura occasional cada gente cada paiz.
Por todo seu livro concordancia amavel realmente Europa gostosa ridicula.
Pathé-Baby é reportagem. Como mudam tempos diria Marquez Maricá pensando
João do Rio. De facto da tolice amavel esse seu mallogrado amigo á segurança seu estylo
seu modo acertar vão diversos seculos. Brasil paiz milagres accrescentaria Marquez
ignorando grande litteratura nossa é reportagem.
OSWALD DE ANDRADE
Dezembro 1925”
50
(Machado, 1926, p. 11-13).
Episódios imediatamente posteriores demonstram que a sua amizade com Oswald
de Andrade continuou íntima e cordial a ponto de ser a Oswald que ele mostrava suas
primeiras versões dos contos que mais tarde editaria. É o que atesta um artigo publicado no
Jornal do Comércio de 16 de setembro de 1926, na seção “Feira das Quintas” - a relação de
críticas e crônicas de outros autores do período estudado localizada-se no Anexo D -, de
Oswald, assinado como João Miramar - essa seção continuaria sendo publicada até meados
de 1927, sempre assinada dessa forma, uma referência ao personagem de seu livro,
Memórias sentimentais de João Miramar, publicado em 1924. Nele encontramos
referências a uma leitura prévia de alguns “contos ítalo-paulistas”, como os denomina o
próprio Oswald, inclusive citando-os pelos títulos que viriam a ser publicados em Brás,
Bexiga e Barra Funda, a “Carmela” e o “Gaetaninho”. Embora seja uma pequena nota ao
final do artigo, cujo tema principal era outro, há espaço para elogios ao jovem escritor que
preparava seu segundo livro, o primeiro ficcional. É com o lançamento da Revista de
Antropofagia, em maio de 1928, periódico modernista que nessa primeira fase foi editado
mensalmente e em avulso até fevereiro de 1929, que o pensamento dos dois escritores
entram em estreita sintonia. Retomando as idéias do “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald,
publicado no Correio da Manhã, em 18 de março de 1924, os modernistas que aderiram a
essa linha de combate, radicalizaram a estratégia de defesa da identidade cultura brasileira
através da proposta antropofágica de devoração dos inimigos, ou melhor, de suas idéias, no
caso, das européias, e da transformação do diferente em algo digerível e energizante. O
potencial crítico dessa proposta provocativa e imaginosa será amplamente explorado por
uma parcela dos modernistas participantes da Semana de 22. O escritor uniu-se a essse
grupo encabeçado por Oswald de Andrade.
Já no primeiro número da revista, de maio de 1928, encontramos o autor, diretor da
publicação, apresentando a proposta do grupo e do periódico, no artigo intitulado “Abre-
Alas”. A transcrição é literal e obedece a grafia da época:
51
“Nós eramos xifópagos. Quási chegamos a ser deródimos. Hoje somos
antropófagos. E foi assim que chegamos á perfeição.
Cada qual com o seu tronco mas ligados pelo fígado (o que quer dizer pelo ódio)
marchávamos numa só direcção. Depois houve uma revolta. E para fazer essa revolta nos
unimos ainda mais. Então formamos um só tronco. Depois o estouro: cada um de seu lado.
Viramos canibais.
Aí descobrimos que nunca havíamos sido outra cousa. A geração actual coçou-se:
apareceu o antropófago. O antropófago: nosso pai, principio de tudo.
Não o índio. O indianismo é para nós um prato de muita sustância. Como qualquer
outra escola ou movimento. De ontem, de hoje e de amanhã. Daqui e de fora. O
antropófago come o índio e come o chamado civilizado: só êle fica lambendo os dedos.
Pronto para engulir os irmãos.
Assim a experiência moderna (antes: contra os outros; depois: contra os outros e
contra nós mesmos) acabou despertando em cada conviva o apetite de meter o garfo no
vizinho. Já começou a cordeal mastigação.
Aqui se processará a mortandade (êsse carnaval). Todas as oposições se enfrentarão.
Até 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje há inimigos que são aliados. A diferença é
enorme. Milagres do canibalismo.
No fim sobrará um Hans Staden. Êsse Hans Staden contará aquillo de que escapou e
com os dados dêle se fará a arte próxima futura.
É pois aconselhando as maiores precauções que eu apresento ao gentio da terra e de
todas as terras a libérrima REVISTA DE ANTROPOFAGIA.
E arreganho a dentuça.
Gente: pode ir pondo o caium a ferve.
António de Alcântara Machado.” (Machado, 1928, p. 1).
Nesse primeiro número foi publicado juntamente o “Manifesto Antropofágico”, de
Oswald, intitulado “Manifesto Antropófago”, que descreve, de forma mais sistematizada, o
ideário antropofágico. A dimensão estética, ponto central do “Manifesto Pau-Brasil”, cede
52
lugar à dimensão da revolução social e da utopia. A transcrição do trecho é literal e obedece
a grafia da época:
“Queremos a revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de
todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua
pobre declaração dos direitos do homem.” (ibidem, p. 3 e 7).
Oswald de Andrade e o autor pareciam comungar das mesmas idéias, parte delas
compartilhadas e registradas na Revista de Antropofagia, em especial na sua primeira fase.
Porém, no terceiro número da Revista, quando da sua segunda “dentição”, como
suplemento do Diário de S. Paulo, publicado em 31 de março de 1929, encontramos o
início de ataques diretos ao escritor, assim como a Mário de Andrade e outros, registrados
numa espécie de editorial intitulado “Ortodoxia”. Esse texto, assinado por “Freuderico” ,
mas certamente de autoria de Oswald de Andrade, que aliás utilizou-se de pseudônimos em
todos os textos escritos com essa finalidade de atacá-los, acusa - a transcrição dos trechos
literal e obedece a grafia da época:
“A antropofagia como movimento não faz questão de ser tomada a sério. Esse sério,
que faz rir não nos convem, deixamol-o inteiro á indagação de Tristão de Athayde, á
estética de Mario de Andrade ou ao desespero adolescente de Antonio de Alcantara
Machado (vide Confessions d’un enfant du siécle).
(...).
Antonio de Alcantara Machado é o burguez brilhante. Sem duvida. Ficasse na
repórtagem, e não nos dariamos ao trabalho de pôl-o no lugar. Mas acreditou que o
documento Chiquinha Dell’Oso é arte. E ainda acredita em Arte. Dois erros. Ficou sendo o
nosso França Junior, como já disse Menotti. Mas pra quê mais França Junior?
Resultado. Perdeu o bonde da geração e está bancando o desesperado. Piolin na
scena do caminhão que passa sem ele para o treino de futebol. Mas Piolin é melhor.
Incomparavelmente.
53
(...).
O que conduziu Alcantara na estréa foi o prefacio de Pathé-Baby. Por esse caminho,
ele ia bem. Traiu-se. Virou importante. Carioca. Não nos interessa.
(...). Yan de Almeida Prado cronista tem um sabor! Que diferença de Alcantara!
Eduardo Pellegrini já alcançára Alcantara (vide Martineli e outros arranha-céos) como
contador. Yan meteu o França Netto num chinelo como cronista. Antropofagia. Nós
assistimos. Constatamos. Marcamos pontos. Cinco para Cunhambebe. Dez para
Pequeroby.”.
Os ataques continuam na edição seguinte, no quarto número da Revista publicado
em 07 de abril de 1929, numa pequena nota intitulada “Nós... pelas costas, ou nós cegos”,
novamente de Oswald de Andrade, publicada numa espécie de seção intitulada “A pedidos
(com varios dias de atrazo)”. Nela se lê:
“O sr. Antonio de Alcantara Machado, o nosso França Junior, escreveu no “Diário
de S. Paulo” um artigo sob o imodesto titulo de “Nós e eles”. É o caso de perguntarmos ao
sr. Alcantara:
Nós, quem? Nós, as casacas de ferro de Anchieta? Nós, os caixas d’oculos? Nós,
os moradores da rua Sebastião Pereira?
Ora, tire o cavallo da chuva.
Braz Bexiga”.
Novos ataques surgem no número seguinte, publicado em 14 de abril de 1929.
Agora num pequeno artigo intitulado “Os tres sargentos”, assinado por Cabo MACHADO e
no mesmo estilo ácido dos outros textos - nesse artigo, aliás, Yan de Almeida Prado,
elogiado no até pouco tempo, torna-se outro desafeto e alvo de Oswald de Andrade -,
lemos:
54
“Os srs. Alcantara Machado (o Gago Coutinho que nunca voou) e Mario de
Andrade (o nosso Miss São Paulo traduzido em masculino), iniciaram a guerra contra a
original idade. Só a chatice, a copia e a amizade é que prestam.
(...).
Sabemos que o sr. Carlos Drumond de Andrade recebeu uma carta de São Paulo, na
qual lealmente se explicava que, por motivo de incompreensão, o Tonico Caixa d’Oculos
tinha sido posto á margem do movimento antropofágico. Com muito prazer, pois foram
enormes e leaes os esforços para fazel-o boiar. Mas o homemzinho (sic) tinha um vasto
vicio de origem. Aristocrata filho de senador, neto de professor, bisneto de brigadeiro.
Impossivel. Preferiu ficar na literatura para gozo da familia. Você viu que artigo lindo ele
escreveu hoje? E aquela historia do Biringela? Que impagavel? Talento?
De resto, acreditando em carpintaria teatral, no padre Anchieta e no monstrengo
mental que foi Capistrano de Abreu. Peor. Convencido que está tendo influencia na prosa
brasileira! (...).”.
Até o final desta segunda e última fase da Revista de Antropofagia podemos
encontrar críticas dessa natureza - trechos de outras críticas estão localizados no Anexo C -,
que às vezes descambam para ataques pessoais, detratando em especial ao escritor e a
Mário de Andrade. Ora explícitas, chamando-os pelos nomes próprios, ora cifradas,
chamando-os de “rapazes agitados do bairro de Santa Cecília”, “rapazes bem comportados
do bairro de Santa Cecília”, “rapazes do côro de Santa Efigenia” e outros apelidos
sarcásticos, essas críticas insistem que os dois perderam o rumo do movimento
antropofágico e suas produções se tornaram anódinas. Oswald se aproveita do fato do autor
ter publicado seus estudos anchietanos para detratá-lo, contrapondo uma visão idealista dos
jesuítas e da Companhia de Jesus com outra, não menos idealista, que a Antropofagia tinha
de nossos índios.
Quando rastreamos informações sobre a relação entre os dois modernistas através
das correspondências do período entre o escritor e Prudente de Moraes, observamos o
rompimento da amizade. Algo aconteceu estremecendo a relação que a partir de um certo
momento vai se deteriorando rapidamente. Embora o motivo principal, se é que houve um
55
só, não seja explicitado pelas correspondências, percebemos, num curto intervalo de tempo,
a amizade se transformar em profundo ressentimento. As palavras entre ambos, no começo
da relação tão elogiosas, vão cedendo lugar a diatribes.
Acompanhemos, em períodos distintos, a maneira pela qual ele se refere a Oswald.
As transcrições dos trechos das correspondências são literais e a grafia foi atualizada por
Cecília de Lara, na organização do livro Pressão afetiva & aquecimento intelectual: cartas
de Antônio de Alcântara Machado a Prudente de Moraes, neto. Parte das notas foram
reproduzidas na sua ordem original e, quando necessário, com minhas complementações,
pois esclarecem o leitor sobre episódios e personagens que são apenas aludidos na
seqüência das cartas, algumas vezes em linguagem cifrada:
CARTA IX
11 de agosto *
Helenizemo-nos (1), Prudente. Paciência. Dentro de oito dias mandarei a cousa (2).
Você não me disse nada a propósito da frase sobre o Mário (3) da entrevista Alberto (4).
Fica assim como está? Ou não?
Seu artigo Poesia é tão bom que em alguns pontos merece refutação. Parabéns. Vou
relê-lo. Depois escrevinharei (5).
Oswald (6), Tarsila (7) e Paulo Prado (8) chegam aí no sábado pelo Almansora (9).
Vá a bordo e dê um abraço duro neles. No Oswald (10) principalmente em meu nome.
Grande amplexo (nós agora somos helênicos e calogéricos) (11).
Alcânt. (12)
Notas
* Não consta o ano: 1926, conforme dados internos da carta.
1. Referência ao fato de passarem a colaborar numa revista tradicional, como a RB.
(Revista do Brasil; complementação minha).
56
2. Trata-se de sua colaboração: “Um aspecto da renovação contemporânea” (RB 1, 15
set. 26), que abre uma série de longos ensaios sobre assuntos de teatro, além de resenhas e
comentários.
3. Mário de Andrade. Refere-se à entrevista com Alberto de Oliveira: a mencionada frase
sobre M. de A. apareceu em TR (Terra Roxa... e outras terras; complementação minha) da mesma
forma em que consta na CARTA VII, de A. de A. M.
4. Alberto de Oliveira.
5. Crítica não localizada. Uso de forma pouco usual, embora dicionarizada, em tom de
brincadeira.
6. Oswald de Andrade.
7. Tarsila do Amaral.
8. Paulo Prado.
9. Nome de navio: na época as viagens à Europa se faziam apenas por mar.
10. Oswald de Andrade.
11. Nova alusão à RB e a Pandiá Calógeras, um dos diretores.
12. Uso da forma abreviada do sobrenome: Alcântara.” (Lara, 1997. p. 46-48).
CARTA XVIII
17 de Novembro*
Ainda não recebi, Prudente sem preço o nº 5 da Revista (1).
(...).
Aí no Rio se acha um certo Oswald de Andrade, sujeito a quem eu quero um bem
louco. Canta-lhe ao ouvido em meu nome a Canção do Saudoso Incompreendido.
Tenorizando os trechos mais doloridos. Que é pra ver se ele se convence da minha amizade
até besta. E deixa de fingir que ignora uma coisa que ele conhece de cor. Bom. Faça isso
que lhe peço. Obrigado (3).
(...).
Escreva-me. Escreva-me. ESCREVA-ME (8). Leu?
Grande abraço.
A. (9)
57
Notas
* Não consta o ano: 1926, segundo dados da carta.
1. Trata-se da Revista do Brasil 5, de 15 de nov. 26. Esta etapa teve dez números,
portanto não terminou nessa ocasião.
3. Estremecimentos na amizade, talvez já sinais que prenunciavam a futura ruptura de O. de
Andrade com M. de Andrade e A. de A. M.
8. Três tamanhos de letras, representando, visualmente, a intensificação do conceito
expresso.
9. Inicial, com que se assina algumas vezes.” (ibidem, p. 61-63).
CARTA XLIV
25 de abril*
Antes de mais nada Prudente amigo um abraço sincero de pêsames pela morte
de seu tio. Pêsames extensivos a Inah. A seu pai enviarei diretamente.
(...).
Não escrevi nem escreverei coisa alguma em resposta ao meu ex-admirador Oswald
de Andrade (1). Ou antes: escrevi mas não publiquei nem publicarei. De fato rabisquei o
Recado para um áulico que saiu violento como o diabo. O Rodrigo (2) leu uma cópia que
enviei a pedido dele. A você não enviei com receio de chocar Inah (3). É realmente coisa
incrivelmente ferina. O Rodrigo deve ter rasgado a cópia. Mas ainda que não tenha rasgado
não faça questão de ler. Nunca escrevi coisa mais virulenta. É verdade que podia amenizar.
Mas não paga a pena. O Oswald (5) (como diz o nosso Couto (6)) é um sujeito que mesmo
durante o carnaval não pode sair à rua vestido à caráter. Caráter e Oswald (7) são coisas que
se repelem.
Meteu-se agora com uns sórdidos e se fez inimigo da Igreja, de Mário de Andrade e
de Antônio de Alcântara Machado. Tenho pois companheiros ilustres nessa inimizade
honrosa. Acha que eu acredito na Arte. Engana-se. Eu acredito piamente é no caráter. No
58
Caráter até. E esta danado porque no dia em que minha experiência pessoal concordou com
a dos outros no verificar provadamente que ele era ordinário deixei de procurá-lo (8).
Antônio de Alcântara Machado não nos interessa, escreve ele. Interessa sim.
Interessa tanto que eu sou o assunto predileto da Antropófaga (9).
Depois os ataques são anônimos. Até agora o Oswald que é o autor deles não teve a
coragem de assinar o nome. E já declarou ao Paulo Prado (11) que nada tinha a ver com a
revista. Cinismo. Mas inútil. Paulo Prado bateu-lhe o telefone na cara. É o que ele tem
ganho com suas atitudes atuais.
Herdeiro presuntivo sem nunca ocupar o trono, eterno quase-célebre, está se
indispondo com o grupo que sempre foi o único a lhe dar importância, o único a reconhecer
o seu talento estupendo, a levar a sério sua literatura. Acaba sozinho. Ou melhor: já está
sozinho aqui.
Enfim eu deixo para ele a Antropófaga (12). Oswald é mesmo reicidente em tomar
para si as coisas desde muito usadas e abandonadas por outros.
Mais dia menos dia seu Prudente o João Miramar (14) mas sobretudo
Mirawashington ou Admirawashington (15) está aí batendo no peito. É fatal. Já fez as pazes
com o Guastini (16). E a polêmica acabou com a minha intervenção feita a pedido de
Oswald via Tarsila (17). Você verá.
E é isso.
(...).
Grande abraço amigo.
Alcântara.
Notas
*Não consta ano: 1929 conforme dados internos da carta.
1. Havia estreitos laços de amizade entre Oswald de Andrade e A. de A. M. Pathé-Baby
teve prefácio de O. de Andrade: a “Carta-Oceano” (publicada em TR, nº 2, fev. 26). A. de A. M. foi
diretor da RA (Revista de Antropofagia; complementação minha) em sua 1
a
fase e colaborava com
artigos de fundo. Mas a certa altura A. de A. M. se afastou da RA e de O. de Andrade, conforme
explica nesta carta.
2. Rodrigo de (sic) M. F. de Andrade.
59
3. Esposa de Prudente.
5. Oswald de Andrade.
6. A. C. Couto de Barros.
7. Como se vê, a virulência dos ataques, na época da Antropofagia passa a ter como alvo os
próprios componentes do grupo modernista.
8. A ruptura entre O. de Andrade e M. de Andrade arrastou outros, na troca de hostilidades.
A. de A. M. deixa a revista, ressentido com as atitudes de O. de Andrade e seus novos
companheiros.
9. Em sua 2
a
fase, nas páginas do DSP (Diário de S. Paulo; complementação minha), a RA
passa a investir sistematicamente contra M. de Andrade, A. de A. Machado, Yan de Almeida Prado
e outros. Ver “nós... pelas costas, ou nós... cégos” (RA, 2
a
fase, DSP, 14 abr. 1929) e entrevista de
A. Moreira, “A propósito do Teatro Sem Nome”, 24 abril 1929.
11. Paulo Prado.
12. Forma pela qual normalmente A. de A. M. se referia à Revista de Antropofagia.
Ressentido com os ataques, afasta-se da revista ao se iniciar a 2
a
fase, nas páginas do DSP.
14. Usa o nome da personagem do livro Memórias Sentimentais de João Miramar para
designar o autor: Oswald de Andrade.
15. Faz, ainda, alusão a atitudes políticas, em relação a Washington Luís Pereira de Souza,
Presidente do Estado (atualmente tal função se chamaria “Governador do Estado”). Washington
Luís depois foi Presidente da República.
16. Mário Guastini, diretor do JC (Jornal do Comércio; complementação minha), SP, que
havia se desentendido com O. de Andrade.
17. Tarsila do Amaral.” (ibidem, p. 128-131).
A amizade com Mário de Andrade, ao contrário da relação com Oswald, se estreita
com a passagem do tempo. Mário foi responsável indiretamente por um episódio
fundamental da sua vida. Numa festa na casa de Mário conheceu aquela que seria sua única
companheira, aliás, de quem temos poucas informações, até o final da vida, Dolores
Bicudo. Djalma Cavalcante, que prepara uma biografia do escritor, cujo título provisório é
António, paulistano e brasileiro, revela em artigo de Haroldo Ceravolo Sereza, publicado
no jornal O Estado de S. Paulo, em 25 de fevereiro de 2001, que Dolores Bicudo, conhecida
como, a Lolita, era uma mulher dezeseis anos mais velha que ele, além de mãe de dois
60
filhos. O romance não foi aceito pela sua família, vanguardista nas letras, nos
empreendimentos e na política, mas conservadora nos costumes, pois ainda Dolores era
uma mulher separada e independente financeiramente. Segundo Djalma Cavalcante,
quando da sua morte, a irmã Anna Yolanda de Alcântara Machado d’Oliveira promoveu
um sistema de revezamento, entre a mãe, Maria Emília de Castilho Machado e Dolores
Bicudo, junto ao caixão. Yolanda foi protagonista de outro episódio que demonstra o
estremecimento entre o escritor e sua família nos últimos anos de sua vida. Um ano antes
de sua morte, em 1934, o autor se negou a batizar um sobrinho, filho da irmã. Depois,
voltou atrás e batizou o menino com o seu nome, António.
Mário aparece então como uma espécie de padrinho dessa relação amorosa. Na
troca de correspondência entre os dois, António de Alcântara Machado, um homem
extremamente discreto e mesmo refratário para falar de si próprio, tem em Mário um
confidente e conselheiro sobre os problemas gerados pelo romance com Dolores. Aliás, são
de Mário as curiosas e únicas fotos que temos dele com Lolita durante uma viagem que os
amigos fizeram ao Rio de Janeiro em 1930, essas fotos estão reproduzidas no final deste
capítulo, e compõem o conjunto de imagens denominado Álbum de Família”. São
momentos fugazes capturados pela objetiva de Mário.
No mesmo grupo de cartas, trocadas entre o escritor e Prudente de Moraes, são
várias as referências a Mário de Andrade e seus escritos. O sentido é sempre de respeito e
admiração, embora o tom seja, na maioria das vezes, de ironia. Citamos trechos de uma
dessas correspondências, na qual comenta com seu amigo Prudente de Moraes. neto, a
critica de Mário, publicada no jornal A Manhã de 19 de julho de 1927, da qual
reproduzimos um pequeno fragmento neste capítulo, a respeito do lançamento de Brás,
Bexiga e Barra Funda. Mais do que indicar pontos da crítica dos quais concorda ou não, ele
deixa escapar uma confissão sobre sua personalidade. Reside aí a maior importância da
analise desse tipo de documento: encontrar no escritor Alcântara Machado, o homem
António. As transcrições dos trechos são literais e a grafia foi atualizada por Cecília de
Lara, na organização do livro que reúne as cartas. Parte das notas foram reproduzidas na
sua ordem original, e quando necessário, com minhas complementações:
61
CARTA XXXI
24 de junho*
Minha de 22 enviada ontem começa com as mesmas palavras, seu Prudente, da sua
de 21 recebida ontem. Minha, isto é: minha carta.
(...).
Já tinha lido o artigo do Mário (2). Está bom. Muito bom, mesmo.
E como autor que sou acrescentarei: menos nos pontos incriminados. Com aquele
negócio da antítese por exemplo eu não me conformo. Já tivemos a respeito uma discussão:
Paulo Prado, Mário e eu. O primeiro e o terceiro contra o segundo. Mário acabou dizendo
que Albalat (5) esclarece bem o assunto. Diante disso capitulei. Paulo Prado também.
Se a história do Gaetaninho (6) é antítese tudo é antítese. Você está com pressa de
chegar ao seu escritório. Toma o ônibus. O ônibus chega atrasado à cidade. Antítese.
Você tem vontade de tomar um refresco. Toma. O refresco lhe faz mal aos
intestinos. Antítese.
Sociedade Corinthians v. Palestra (este então!) e Nacionalidade (7) também são
antíteses para o Mário.
Não entendo. Ou melhor: entendo mas não concordo.
A frase - “Não ad. nada que o céu est. az. pqe. a alma de Nic. est. negra” (9) sim.
Minha autocrítica pulou (ao contrário do que pensa Mário). Pulou de raiva, mas eu
conservei a frase. Porque exprime um pensamento de Nicolino (11). E Nicolino não tem
autocrítica moderna. Mário não viu isso. “As patas também mexem” (13). Antes de mais
nada Lisetta (14) não tem sete anos. Eu é que sei a idade dela. E não conto porque idade de
mulher é segredo. Depois juro sobre a cabeça do glorioso João R. Barros e sobre as virtudes
bandeirantes de Dona Margarida (15) que criança em S. Paulo diz pata em vez de pé. Diz
uma a outra: Tira a pata daí!
No que Mário acerta é na descoberta da minha ternura (16). Aí sim. Acerta
assombrosamente.
62
Gostei muito de seu artigo (17). Embora francês como ele só. Isto é, cheio de
sutilezas acrobáticas. Mas claro como água no fundo. E aí também revela seu espírito
francês.
(...).
Quanto à vida continua linda como pensa Dona Inah (25).
Saúdo-a gostosamente.
Escreva-me e abrace-me.
Alcântara
Notas
* Não consta ano: 1927, conforme dados internos da carta.
2. Comentários à crítica de M. de Andrade que analisa aspectos da obra, afirmando:Brás,
Bexiga e Barra Funda é um livro irritantemente excelente. Não mostra tentativas. Não se percebe
trabalho”. (A Manhã, 19 de jul. 1927) (Reproduzida em anexo à ed. fac. similiar de 1982, p. 104.
V. Bibl.).
5. Albalat – crítico francês.
6. Personagem do conto do mesmo nome de Brás, Bexiga e Barra Funda. Ver CARTA XX,
Nota 6.
7. Contos de BBBF.
9. Por extenso a frase é a seguinte: “Não adianta nada que o céu esteja azul porque a alma
de Nicolino está negra”. Do conto de BBBF “Amor e Sangue”.
11. Personagem de “Amor e Sangue”.
13. Frase de “Lisetta”, conto de BBBF.
14. Personagem do conto do mesmo nome: “Lisetta”.
15. Referência irônica ao episódio relatado na CARTA XXVII sobre a mãe do aviador J.
Barros, que realizou a travessia do Atlântico no Jaú.
16. Refere-se ao trecho da crítica em que M. de Andrade escreve: O autor não tem
coragem da própria sensibilidade. Ou não é bem isso não... A personalidade psicológica de A. M.
me parece das mais interessantes. Pra mim se dá nele uma espécie de seqüestro de ternura, porque
não lhe convém sentir nem desenvolver ternura. A. M. é indivíduo seguro da vida e de si.
17. Não há dados para identificar: crítica sobre BBBF.
25. Esposa de Prudente.” (ibidem, p. 91-95).
63
Essa confissão sobre sua ternura se inscreve nos raros relatos que conhecemos do
autor falando sobre dimensões mais veladas de si. No livro Em memória de Antonio de
Alcantara Machado (Grieco, 1936), dentre a coletânea de textos de amigos e conhecidos
escritos após sua morte, encontramos novamente Mário de Andrade relatando episódio
revelador dessa dificuldade do autor expor seus sentimentos.
Conta Mário que, em certa ocasião, quando não compartilhavam ainda de uma
amizade mais próxima, teria o censurado pela recusa a comoção, explícita no seu primeiro
livro Phaté-Baby. Mais tarde, quando do lançamento de seu segundo livro, o conjunto de
contos ítalo-paulistanos, Brás, Bexiga e Barra Funda, Mário voltou ao assunto,
comentando que o livro, além de ter um poder de comover os outros, demonstrava também
a sua capacidade de comover-se. O personagem Gaetaninho era o foco da discussão. Mário
achava impossível o seu criador não se comover com a história e o destino do menino que
somente conseguiu andar de automóvel, o seu grande sonho, no dia do seu próprio enterro.
Embaraçado com o rumo da conversa, ele se defendia citando técnicas narrativas de outros
autores, como Poe e Diderot. Mário observa que por um instante lhe pareceu que ele
confessaria seu amor pelo personagem, mas ela não aconteceu. Mário interpretou essa
reação como uma defesa, perante a possibilidade de uma confissão dessa natureza fragilizá-
lo na relação entre os dois. Disfarçou, confessou que sentia pelo seu personagem apenas dó
e mudou o sentido da conversa.
Os laços de amizade entre os dois escritores foram fortalecidos pela admiração
mútua da capacidade literária de cada um. Mário de Andrade acompanhava o
desenvolvimento da sua prosa desde o lançamento de Pathé-Baby, passando por Brás,
Bexiga e Barra Funda, livro que, como crítico do jornal A Manhã, teve a oportunidade de
resenhar, até Laranja da China. Como tantos era partidário da idéia que o amigo alcançaria
sua plenitude literária com a publicação de seu primeiro romance, o inacabado Mana
Maria. De fato, a leitura desse romance urbano nos revela uma escrita mais equilibrada, a
consolidação de uma linguagem enxuta, sem alguns excessos e cacoetes que a própria prosa
modernista já procurava abandonar. Passados alguns anos após a morte do amigo, Mário
escrevendo para o Estado de S. Paulo, em de outubro de 1939, artigo intitulado “O
64
romance paulista”. Nele ainda lembrava da sua falta para a literatura local. A citação foi
extraída do livro, organizado por Sonia Sachs, intitulado Vida literária: Mário de Andrade:
“Apagada a grande voz de Antônio de Alcântara Machado, que com Mana Maria
demonstrava sustentar o romance paulista numa altura esplêndida, o que nos resta mais?”
(Sachs, 1993, p. 109).
As dedicatórias nos exemplares de seus livros oferecidos ao amigo reforçam a idéia
de admiração. Soam como avisos, algo envergonhados ou tímidos, de um discípulo ao seu
mestre. Quando do lançamento de Brás, Bexiga e Barra Funda, escreveu - os grifos são
meus: “Para o Mário de Andrade, grande poeta do Brás e do resto, este livro sem poesia.
Of. o Alcântara março 927.”. Ele sublinha nessa dedicatória o olhar distante através do
qual observava os bairros de ocupação italiana da cidade. Posicionamento despretensioso
que objetivava apenas descrever um pouco do cotidiano dos habitantes desses bairros. É
um jornal.”, registra no Artigo de Fundo que apresenta o livro, “Mais nada. Noticia. Só.
Não tem partido nem ideal. Não comenta. Não discute. Não aprofunda.” (Machado, 1927.
p. 18).
A dedicatória que acompanha Laranja da China é mais humorada - o grifo é meu:
“Sr. Mário de Andrade. Saudações. Conta Delteil assombrado que o grande Victor Hugo
punha uma laranja inteira na boca e a engolia com casca e tudo. Esperando a mesma
façanha do invejável apetite do prezado amigo ouso oferecer-lhe este fruto dos meus
pecados. Cordialmente, Antonio de Alcântara Machado. 27 junho 928.”. Curiosamente,
Mário não emitiu sua opinião sobre esse livro no momento de sua publicação, mas somente
após a morte do amigo, no artigo o “Tumulo (sic) da neblina”, testemunho constituinte do
livro Em memória de Antonio de Alcantara Machado (Grieco, 1936).
Marcos Antonio de Moraes, em seu artigo “Encontro de amizade, Mário de Andrade
e Antonio de Alcântara Machado”, de março de 2000, analisando o episódio, lembra de
uma carta de Manuel Bandeira a Mário, datada de 24 de julho de 1928, na qual podemos ler
um trecho referente à reação do autor a receptividade de seu livro pelo poeta mineiro. A
referência da citação encontra-se em outro trabalho do pesquisador. Trata-se da publicação
65
da correspondência entre os dois escritores, Correspondência Mário de Andrade e Manuel
Bandeira. Nela Bandeira, alerta Mário:
“O Alcântara parece que sente nesse particular com você. Com ele me sucedeu uma
coisa desagradável. Me mandou Laranja com esta dedicatória ‘Não esprema que não sai
sumo.’ Gostei muito, achei que tinha muito sumo e disse a ele na carta em que agradeci.
Mas ajuntei que era aplicada a outro meio a mesma técnica de Brás, Bexiga e que o que eu
estou esperando com viva curiosidade era o romance do Capitão Bernini. Alcântara me
respondeu todo triste, dizendo que foi uma decepção! Que tinha trabalhado muito para se
libertar de Laranja (sic), como em Laranja (sic) trabalhara para se libertar de Phaté-Baby;
que pensava ter feito coisa diferente. Fiquei incomodado de haver causado essa pena ao
Alcântara. Conto isso a você porque lhe pode ser útil se você tiver que criticar o livro.
Note-se que eu diria sempre a ele a minha impressão se ela resultasse de uma leitura crítica
(que não foi a minha): deve-se sempre a verdade a quem trabalha de boa fé e de boa
vontade.” (Moraes, 2001, p. 397).
Na pesquisa não encontrarmos os exemplares dos livros que Mário de Andrade
provavelmente lhe presenteou. Eles devem conter dedicatórias que ajudem a revelar um
pouco mais dessa mútua adimiração intelectual. Outra prova de sua estrita amizade pode ser
lida no fato de Mário dedicar tipograficamente ao amigo seu livro Belazarte de 1934.
Retornando ao seu relacionamento com Dolores Bicudo. A reação negativa da sua
família provocou um certo isolamento social do casal. Eram poucos os lugares que
freqüentavam juntos. Esse desentendimento familiar foi um dos motivos que o levou a
realizar sua terceira viagem à Europa, entre setembro de 1929 e julho de 1930, em
companhia de Dolores. Apesar da situação, não perdeu o bom humor. É o que se desprende
do postal que enviou para o amigo Mário.
Na cidade de Salzburgo, visitou a casa onde Mozart nasceu. De lá enviou um cartão,
datado de 4 de outubro de 1929, no qual se observa na frente uma foto da casa transformada
em museu. No verso, podemos ler a mensagem ao amigo. A transcrição é literal e obedece
a grafia da época:
66
“Mozart morreu sem os três dentes superiores da frente: eu vi na caveira dêle.
Problema para você: qual a influência dessa banguelice na história da música. Queria ver
você aqui. Mesmo por que a cidade é ótima. Alcântara.” (Moraes, 1993, p. 150).
Quando o casal mudou-se para o Rio de janeiro, no final de 1933, a amizade com
Mário permanece, apesar da distância e da impossibilidade de um contato semanal como se
sucediam em São Paulo. Fragmentos de uma carta de Manuel Bandeira a Mário, datada:
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1933, publicada em Correspondência Mário de
Andrade e Manuel Bandeira, demonstra que os convites para que Mário os visite na capital
federal não demoram a aparecer:
“Falar em Alcântara, tomaram um apartamento ótimo no melhor ponto da Av.
Atlântica, no Lido. Tem um quarto demais e tanto Lolita como o Alcântara falaram que iam
convidar você para vir passar uns 15 dias com eles. Aceite, que vai ser uma beleza!”
(Moraes, 2001, p. 573).
Mário aproveitava suas viagens ao Rio de Janeiro para rever o casal de amigo, e foi
numa dessas oportunidades que soube da trágica morte do escritor. O episódio ficou
registrado em uma carta comovente de Mário a Prudente de Moraes, neto, datada: São
Paulo, 16 de maio de 1935, que revela, além da dificuldade de Mário em aceitar a desdita
da morte súbita do querido amigo, a sua compreensão de alguns traços da personalidade do
autor. O pesquisador Marco Antonio de Moraes teve acesso a esse documento, pertencente
ao “Arquivo Antonio de Alcântara Machado” de responsabilidade do Instituto de Estudos
Brasileiros, da Universidade de São Paulo, e publicou, com o consentimento da Família
Mário de Andrade, no artigo “Encontro de amizade, Mário de Andrade e Antonio de
Alcântara Machado”. Um tanto extenso, vale reproduzir um trecho dessa correspondência
reveladora da profunda amizade entre esses dois homens:
67
“Prudentinho, sua carta foi pra mim um prazer enorme. Mesmo nas palavras
tristonhas evocando o Alcântara. A morte dele como que não me dói mais, e sem o menor
egoísmo, foi pra mim uma espécie de reencontro de amizades. Como você, vários outros
amigos verdadeiros, sentiram precisão de me encontrar de novo, como que herança me
deixada pelo Antonio. Quando peguei no fone, chegando aí no Rio, e sube da morte dele,
fiquei literalmente aterrado, você não imagina. Passei não sei quanto tempo, parado,
absolutamente exausto, sem pensar, sem mexer, sem nada. Era tanto sentimento
desencontrado, tanta idéia desencontrada, em tumulto, não era bem sofrer, era um desses
momentos tão cruciantes, tão exaltado, em que o espírito perde parte da consciência muito
grande pra chegar a reconhecer que sofre. Fiquei meio abobado. Mas sou muito sistemático,
você sabe, pra me entregar assim. Tomei o partido de andar. Isso seriam umas dez horas ou
pouco mais, saí do Rio Hotel, andei, andei, me multitudinizei buscando prejudicar o meu
verdadeiro estado de desgraça pelo entorpecente da fadiga física. Fui parar, quando olhei no
relógio, às três e meia, na porta do Manuel Bandeira. Sem almoço, e sem nada. Passei a
semana numa espécie de exaltação, contando indiscretamente o Antonio pra toda a gente,
até pros que não se preocupavam dele. E todos foram bons pra mim, não sei se eu dava
mostras que sofria muito, me agüentaram com paciência. Também não fiz nada, fugi de
qualquer cerimônia, não telegrafei pro pai dele, nada. Talvez mesmo eu tenha convertido a
morte do Antonio num caso de minha propriedade... Com bastante egoísmo, revoltado
contra todas as convenções, eu achava tudo insuficiente. Tanto falei, tanto pensei, tanto
destemperadamente extravasei meu sofrimento que no fim de duas semanas o Antonio já
estava convertido numa imagem, essa imagem dos seres amados que a gente guarda
consigo, sem dor, depois que o tempo faz dos mortos não mais a inconveniência duma falta,
mas como que um apoio moral que chega a ser útil recordar. Eu não sei se deva pedir
desculpas a você destas considerações mais visivelmente egoísticas que tinha precisão de
fazer pra alguém. Não a faria nunca a um Ademar Vidal, por exemplo, que também sentiu
muito a morte do Antonio. É um espírito demasiadamente aceitador, não me compreenderia
propriamente, antes me aceitaria demais. E se, no caso, minha alma é feia, prefiro me
confessar a um espírito mais recalcitrante, mais justiceiro ante as feiúras humanas, como
você.
68
Mas se a morte do Antonio, de tão digerida por mim, não me dói mais, é certo que
ainda estou cheio de melancolia, e a todo momento me brotam assomos de indignação
contra essa morte. Como até hoje fico indignado com a morte do Álvares de Azevedo. Há
mortes de moços de que a gente se consola, que a gente aceita. Não faz mal Castro Alves
ter morrido moço, tenho a sensação calma de que ele deu o que tinha de dar, e só faria se
repetir. Já o Álvares de Azevedo como o Antonio, não. São poetas em que a gente percebe
nas obras uma ascensão que só se completaria com o amadurecimento da idade e do
espírito. Por isso fico indignado, me dá vontade de gritar, de quebrar este erradíssimo
mundo. Eu tinha uma esperança mesmo formidável no Antonio. Não me parece que você
tenha razão em esperar dele um grande político. O Antonio jamais seria capaz dum desses
esplêndidos gestos decisórios, que tornam um homem politicamente grande além da morte.
Havia no temperamento dele uma timidez sutil que o fazia se conformar excessivamente
com o indivíduo que o conversava no momento. Era mesmo quase uma hipocrisia, muito
aceitadora, bastante tergiversadeira, que na minha impressão, o havia de tornar uma espécie
de Alcântara pai em nossa vida político-social, acomodatício e bastante da banda das
maiorias. Circunspecto e muito desejado. Nunca imprescindível. Demais a mais, as
tradições escravizavam o Antonio. Ora, eu me pergunto meio incerto se ainda é tempo dum
político moço se decidir por essa espécie de democracia liberal em que nos descoloramos...
Politicamente me parece que o Antonio chegava muito envelhecido num mundo
excessivamente moço pra ele. Eu gostava, depois de o ver conversando e se acomodando a
alguém, de lhe auscultar as reações intelectuais que, em seguida, esse mesmo indivíduo
provocava nele. Muitas vezes a escachação era completa, decisiva. O que não impedia o
Antonio de se acomodar de novo a esse indivíduo, a primeira vez que o encontrasse. É
verdade que ele possuía um tino, um faro muito seguro de se afastar definitivamente dos
que nada podiam lhe acrescentar o enriquecimento vital, quer político, quer intelectual,
quer qualquer outro. Isso lhe permitia caminhar muito firme, muito direto pra um destino
brilhante, sem impedimentos morais ou práticos. Mas um destino brilhante, me parece
pouco satisfatório pra imagem que eu tenho do Antonio e pra esperança que eu depositava
nele. Eu o imagino com um destino forte. As suas reações diante dos indivíduos, a
percepção aguda dos defeitos, alheios (e próprios: ele mesmo várias vezes considerou
69
comigo o seu próprio egoísmo; o exercício higiênico de converter todas as vaidades num
imenso orgulho pessoal que leva a gente à consciência nítida de si mesmo e à autocrítica
impiedosa; a docilidade do seu ser acomodatício, chegando, ele o primeiro, a pronunciar a
palavra hipocrisia...), a faculdade sensibilíssima de reconhecer o ridículo dos outros e de o
pôr à mostra; e ao mesmo tempo um grande amor da humanidade, uma quase piedade que
sofria ante o prodigioso poder de serem miseráveis e infinitamente pequenos, que os
homens têm: tudo destinava o Antonio a um ser exclusivamente intelectual, a um literato
puro, escrevedor de livros em que a miséria, o ridículo, o defeito, não fossem despejados de
cima da vaidade dum ser que se julgasse superior, mas de dentro dum amor profundo de
quem soubesse ter piedade. O convívio semanal com o Antonio me deu a certeza de que ele
chegaria enfim a esse literato amante e fustigador do nosso mundo, depois que lhe passasse
o excessivo sexo de moço que faz a gente ser desvirilizar constantemente no humor, na
assuada, no risinho que risca pra sempre o indivíduo e lhe nega o amargo direito de ser
desgraçadamente ridículo ou ruim. Você tem lembranças dos risinhos que o Antonio dava?
Eram curtos, dum segundo, mas tão decisórios, tão certeiros que deixavam o indivíduo rido
a ninguém. Mas já nas obras dele, além da firmeza notabilíssima de técnica, e apesar da
aparente sequidão, a gente percebe, na profundeza de certas análises do Laranja da China e
em certos laivos de amor que escapuliram sem querer do artista, uma gradativa regeneração
humana que dariam à obra futura do Antonio, um valor mais permanente e mais moral. E a
meu ver a política estava no ponto de estragar tudo isso. Se não completamente, pelo menos
muito. Minhas últimas cartas pra ele eram ásperas, não lhe davam paz de espírito...
Fustigaram muito o desperdício que ele estava fazendo do próprio destino... E tudo isso me
melancoliza por demais, você está vendo, me bota falando ainda com exaltação. É melhor
parar aqui.” (Moraes, 2000, p. 33-35).
Por toda essa predileção e cumplicidade, Mário de Andrade talvez fosse o melhor
amigo, se não o único, para descrever a sua personalidade. Contudo, quando continuamos a
ler seu testemunho no livro Em memória de Antonio de Alcantara Machado (Grieco, 1936),
nos deparamos com sua dificuldade em defini-la. Escreveu Mário, em “O Tumulo na
neblina”:
70
“Antonio de Alcantara (sic) Machado foi um dos homens com quem privei de maior
intimidade. Talvez por isso eu me sinta agora indeciso ao escrever sobre êle. O conheci
demais, e o excesso de conhecimento me deixa, ao menos por agora, incapaz de captar o
amigo numa síntese acrisolada; antes êle me aparece numa violenta nebulosa de
contradições, e a cada traço dêle que se define em mim logo outro se ajunta que em vez de
acentuar o primeiro, o fragiliza.” (Grieco, 1936, p. 92).
À essa imagem: “violenta nebulosa de contradições”, soma-se outra, de um duplo,
de um sósia, que reforça a impossibilidade de apreender com precisão o amigo. Continua
tentando descreve-lo:
“Construira por isso uma espécie de sósia em que se instalara pra exercer a vida.
Um sósia ostensivamente forte, um ser gosado e gosador, habilmente distribuidor de
simpatias e antipatias decisórias, que o aproximavam dos em cujo convívio êle se
valorizava, e afastavam dêle os que lhe eram inúteis. Ele mesmo tirava certa vaidade dêsse
manequim admirável em que vivia de aluguel. Quando qualquer de nós comentava o poder
de se tornar momentaneamente antipático que êle tinha, o Antonio recebia um prêmio,
satisfeito que nem criança.
Mas êste sósia em que Antonio de Alcantara Machado viveu com frequência, não
era absolutamente usado por covardia, nem mesmo por defêza. Não era hipocrisia. Era
antes sinceridade por demais!... Em todos os homens presos a suas ideas e juizos e que se
regem por êstes, estronda uma aparência de sinceridade que nada mais é de fato que teoria.
Se julgam sinceros apenas porque são doutrinarios.
Os individuos enfraquecidos por extrema sensibilidade, os raros como o Antonio,
são pelo contrário dotados duma sinceridade mais completa, que é intelectual e sentimental
ao mesmo tempo, mais capaz de compreender, e por isso mesmo de se adaptar e oscilar.
Esta sinceridade, muitas vezes desnorteante para o proprio ser que a sofre, incapaz de
qualquer pragmatismo, instintivamente desrespeitosa de qualquer atitude moral, social,
71
intelectual, esta sinceridade clarividente, leva por contradição, a essa espécie de desamor
das ideas como dos homens que se manifesta por uma condescendência confortadora.
Antonio de Alcantara Machado era de fato um ser preciosamente confortavel pra quantos
êle cedeu se aproximassem dêle. Os recebia de alma plena, sabia contradizer em quasi
concordância, não insistia jamais e compreendia como ninguem. A sua propria escrita, de
desenho perfeito, duma legibilidade impressa, era assim: uma facilidade de que êle estava
longe, uma concordancia clara que não feria a ninguem.” (ibidem, p. 94-96).
Nascido em família de tradição nas letras, nos negócios e na política; jovem de
precoce talento; homem de aguda inteligência e sensibilidade; modernista tardio, mas
militante em diversas frentes, quando incorporou o ideário modernista, o defendeu e o
divulgou de forma inconteste em seus escritos; empreendedor, fundou e/ou dirigiu revistas
e jornais que inovaram nas técnicas de edição; historiador apaixonado por São Paulo;
político liberal e democrata; amigo leal e de caráter; pessoa reservada para falar de seus
sentimentos, às vezes confusos e contraditórios, mas extrovertida para comentar, quase
sempre, ironicamente, sobre o mundo a sua volta. Eis a imagem fragmentada, incompleta,
mas possível do autor. Existem, decerto, tantas outras dimensões dessa personalidade que
poderão ser apreendidas pela leitura de seus textos, o que será retomado nos capítulos
posteriores.
e e
DO RIGOR NA CIÊNCIA
... Naquele Império, a Arte da Cartografia atingiu uma tal Perfeição que o Mapa
duma só Província ocupava toda uma Cidade, e o Mapa do Império, toda uma Província.
Com o tempo, esses Mapas Desmedidos não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos
levantaram um Mapa do Império que tinha o Tamanho do Império e coincidia ponto por
72
ponto com ele. Menos Apegadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes
entenderam que esse extenso Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às
Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste subsistem despedaçadas Ruínas
do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos. Em todo o País não resta outra relíquia
das Disciplinas Geográficas. (Suárez Miranda: Viagens de Varões Prudentes, livro quarto,
cap. XIV, 1658.)”
(Jorge Luis Borges, História Universal da Infâmia, 1986)
“(...) [o conto não perde tempo] (...)”
(Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio, 1998)
“(...)
Convidei-o a voltar pra casa em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
E desapareceu no turbilhão da galeria
(...).”
(Ary Barroso, Camisa Amarela, 1938)
II
MAPAS
Livro eixo: Laranja da China
73
Publicado em junho de 1928, Laranja da China, seu terceiro livro e o segundo de
ficção, é composto por doze histórias, sendo que nove já haviam sido editadas em revistas e
jornais, algumas com títulos deferentes, e outras três eram inéditas. Os contos já publicados
são: O Revoltado Robespierre (Senhor Natanael Robespierre dos Anjos) na revista
modernista Terra Roxa... e outras terras, 6, de 6 de julho de 1926 e na revista Feira
Literária, em “Trio Brasileiro” (p. 81-86), de junho de 1927; O Patriota Washington
(Doutor Washington Coelho Penteado) na revista Feira Literária, em “Trio Brasileiro” (p.
87-99), de junho de 1927; O Filósofo Platão (Senhor Platão Soares) na revista Verde de
Cataguases, 4 (p. 16), de dezembro de 1927; O Inteligente Cícero (Menino Cícero José
Melo de Sá Ramos) no Jornal do Comércio, na seção “Cavaquinho”, com o título Conto de
Natal, na edição de 25 de dezembro de 1926; O Mártir Jesus (Senhor Crispiniano B. de
Jesus) no Jornal do Comércio, na seção “Cavaquinho”, com o título Conto de Carnaval, na
edição de 26 de fevereiro de 1927; O Lírico Lamartine (Desembargador Lamartine de
Campos) na revista Feira Literária, em “Trio Brasileiro” (p. 99-103), de junho de 1927; O
Ingênuo Dagoberto (Seu Dagoberto Piedade) no Jornal do Comércio, na seção
“Cavaquinho”, com o título Mystério de Fim de Ano, na edição de 8 de janeiro de 1927; O
Aventureiro Ulisses (Ulisses Serapião Rodrigues) na revista Verde de Cataguases, 2 (p.
8-9), de outubro de 1927; A Piedosa Teresa (Dona Teresa Ferreira) em Terra Roxa... e
outras terras, 1, de 20 de janeiro de 1926, com o título A Dança de São Gonçalo. Os
contos A Apaixonada Elena (Senhorinha Elena Benedita de Faria), A Insígne Cornélia
(Dona Cornélia Castro Freitas) e O Tímido José (José Borba) são os inéditos, no sentido
de não se conhecer até hoje versão anterior ao livro. A Piedosa Teresa (Dona Teresa
Ferreira) foi incluso, após a sua morte, na primeira edição de Mana Maria/Contos de 1936,
como fazendo parte de um conjunto de narrativas ficcionais até então inéditas em livro,
histórias esparsas que foram recolhidas para completar o livro composto inicialmente do
romance inacabado Mana Maria. O erro foi cometido devido uma confusão em relação aos
títulos dos contos. Os organizadores da obra não perceberam que o conto intitulado a A
dança de São Gonçalo, publicado primeiramente com esse título no 1 da revista Terra
Roxa... e outras terras, era na verdade o conto A Piedosa Teresa (Dona Teresa Ferreira) já
publicado em Laranja da China de 1928. Para outras informações sobre a feitura e a
74
estrutura do livro verificar o criterioso estudo da professora Cecília de Lara: Comentários e
notas à edição fac-similar de 1982 de Laranja da China de António de Alcântara
Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e DAESP -
Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
Os títulos do livro e dos contos nos fornecem importantes pistas para o
entendimento das suas intenções com a publicação da obra. Laranja da China é uma alusão
à uma paródia, em voga na época, dos acordes iniciais do hino nacional. Mário de Andrade
registrou esse efeito onomatopéico nos primeiros versos da última estrofe do seu poema O
domador, publicado em Paulicea desvairada. A transcrição do trecho é literal e obedece a
grafia da época:
“Laranja da China, laranja da China, laranja da China! / Abacate, cambucá e
tangerina! / Guardate ! Aos aplausos do esfusiante clown, / heroico sucessor da raça heril
dos bandeirantes, / passa galhardo um filho de imigrante, / loiramente domando um
automóvel!” (Andrade, 1922, p. 79).
No título da obra, revelam-se através da paródia as idéias de pátria-patriotismo e de
nação-nacionalismo, que nas histórias adquiriram um tom de crítica bem-humorada ao
xenofobismo. Já os títulos dos contos são compostos de nomes extravagantes e estranhos,
dessa maneira elaborados: um prenome, antecedido de um adjetivo que resume o traço
principal da personalidade do ou da protagonista, a característica central que é explicitada
nas situações e episódios da narrativa. Há ainda, entre parênteses, um pronome de
tratamento que informa sobre a condição social ou a idade do personagem e, por fim, o seu
nome completo, uma colagem de nomes próprios e sobrenomes de famílias mais ou menos
comuns, alguns insinuando que certos heróis ou heroínas pertencem a uma linhagem
familiar mais nobre, outros, não. Além disso, fica evidente a referência a alguns
personagens históricos, míticos e literários. O efeito da graça se dá nesse amálgama de
nomes históricos, tradicionais e comuns carregados de sentidos.
Tristão de Athayde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, escreveu uma crítica
sobre Laranja da China destacando a sua maestria na criação de personagens pitorescos,
75
comparando-o a Arthur Azevedo. Reproduzida por Cecília de Lara em Comentários e
notas à edição fac-similar de 1982 de Laranja da China de António de Alcântara
Machado:
“Como todos sabem, o sr. Alcântara Machado, que é um dos mais moços e mais
originais dos nossos contistas modernos, tem um sabor todo próprio no que escreve. E um
senso da realidade extremamente vivo.
Pois bem, lendo este último livro seu, onde há mais pitoresco e mais sátira ligeira do
que no ‘Brás, Bexiga e Barra Funda’, onde a ‘Morte do Caetaninho (sic)’ era pungente a
ponto de nos fazer mal, - lendo o ‘O Revoltado Robespierre’, por exemplo, que é uma
página magistral de espírito, de verdade flagrante, de caráter nosso, a gente se lembra sem
querer de Arthur Azevedo. Nunca, evidentemente, a sua prosa teve a graça lépida e
sugestiva, o pitoresco espontâneo e nunca aguado da prosa do sr. Alcântara Machado. Mas
ambos plantam diante da gente, em meia dúzia de traços, um tipo da vida quotidiana, como
poucos são capazes de o fazer. Há neste, aliás, muito mais ‘intenções’ do que havia, na
prosa ‘amena’, como ele gostava de dizer, do autor dos ‘contos fora da moda’. No livro do
sr. Alcântara Machado não há apenas aquele realismo fácil do outro, embora perca um
pouco por ficar também pela superfície. Mas tem muitas páginas, extremamente curiosas,
como as do ‘aventureiro Ulisses’, por exemplo. Pois sendo um criador de pitoresco, de
tipos fora do comum, um pouco estranhos, um pouco aluados, é sempre de uma
naturalidade flagrante e extremamente viva.” (Lara, 1982, p. 69-70).
Em Laranja da China, o seu olhar se desloca da colônia italiana, retratada em Brás,
Bexiga e Barra Funda, dos arrabaldes pobres, para os bairros da pequena burguesia e da
elite paulistana. O centro da cidade é o cenário e o personagem principal de alguns dos
contos desse livro que satiriza o nacionalismo ufanista de parte da população paulistana. A
sua obra é produto e produtora desse tempo e espaço.
76
Pano de fundo
São Paulo, década de vinte, século XX. A cidade vivia um intenso processo de
modernização iniciado nas últimas décadas do século XIX, com a escolha da capital da
província, categoria alcançada em 1815, como ponto de convergência da produção do café,
plantado nos planaltos interiores, para exportação. Essa produção, escoada para os
depósitos construídos na cidade, visando uma estocagem especulativa do “ouro verde”,
tinha destinos intermediário e final certos: o porto de Santos, alcançado via uma complexa
estrutura ferroviária, idealizada e executada pelos engenheiros ingleses da “The São Paulo
Railway Company”, que desafiava e vencia a íngreme Serra do Mar e, depois, o continente
europeu, ávido pelo consumo da estimulante bebida produzida pela infusão das sementes
do fruto do cafeeiro, após processo de torração e moagem. Aqui, na cidade de São Paulo,
ficava a maior parte do capital gerado com a comercialização e especulação do produto.
O café tornou-se a principal alavanca e o símbolo do surto de crescimento daquela,
que até meados do século XIX era uma cidade pacata, ponto de passagem das tropas que
vinham do interior do país rumo ao litoral, assim como no sentido inverso. Ramas de café
foram representadas nas fachadas das edificações públicas e particulares; nos desenhos dos
vitrais e espelhos; no trabalho em ferro dos portões e gradis; e na pintura dos murais,
afrescos e paredes. Nas artes plásticas foram motivos de quadros, gravuras e esculturas;
temas da literatura, da poesia e da música. Mais tarde, culminaram sendo elemento dos
brasões da cidade e do estado.
Mário de Andrade escreveu o poema Café, tragédia secular para ser encenado em
três atos. Nele, a história do desenvolvimento e das crises pelas quais a cidade passou está
relacionada com a produção cafeeira. Tanto o poema quanto a Concepção melodramática,
uma espécie de roteiro para sua montagem e encenação, foram incluídos na obra Poesias
completas, de 1955. Cassiano Ricardo, no seu poema Café expresso também relacionou a
cidade a essa bebida estimulante, tão apropriada ao novo espírito inquieto da cidade. A
transcrição é literal e obedece a grafia da época:
77
“Café expresso - está escrito na porta. / Entro com muita pressa. Meio tonto, / por
haver acordado tão cêdo... / E prompto! parece um brinquêdo: / cáe o café na chicara pra
gente / maquinalmente. / E eu sinto o gôsto, o aroma, o sangue quente de / S. Paulo / nesta
pequena noite liquida e cheirosa / que é a minha chicara de café. / (...) Mas eu não tenho
tempo pra pensar nessas coisas! / Estou com pressa. Muita pressa! / A manhã já desceu do
trigésimo andar / daquelle arranhacéo colorido onde móra. / Ouço a vida gritando lá fora! /
Duzentos réis, e sáio. A rua é um vozerio. / Sóbe-e-desce de gente que vai pras fabricas. /
Pralapracá de automoveis. Buzinas. Letreiros. / Compro um jornal. O Estado! O Diário
Nacional! / Levanto a góla ao sobretudo, por causa do frio. / E lá me vou pro trabalho,
pensando... / Ó meu S. Paulo! / Ó minha uiára de cabelo vermelho! / Ó cidade dos homens
que acordam mais cedo no / mundo!” (Ricardo, 1932, p. 117-119).
Um breve passeio pelo chamado “centro velho” da cidade, pode até hoje nos levar a
muitos locais onde as ramas do café estão representadas, e a outros que exalam o
inconfundível aroma do fruto. Pelo olhar e pelo olfato, o passado e o presente chegam
juntos, propondo aos nossos sentidos a lembrança: quase tudo que pisamos e tocamos
naquela área, foi financiado direta ou indiretamente pelo capital gerado com o café.
A implantação e o desenvolvimento da cafeicultura promoveu a maior entrada na
província de São Paulo de mão-de-obra estrangeira, pós-escravatura. Segundo Sheldon
Leslie Maran, estima-se que “3.390.000 imigrantes (...) entraram no Brasil entre 1871 e
1920”, sendo que “os italianos constituíam mais de 1.373.000.” (Maran, 1979, p. 13). A
maior parte desses imigrantes entrou no Brasil pelo porto de Santos, rumo aos cafezais do
estado. Trabalhadores que engrossaram, de forma legal ou clandestinamente, as populações
das cidades, principalmente da capital, após cada crise que a economia cafeeira enfrentou,
até a derradeira, na década de trinta.
Entre o final do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX, a cidade viveu
um crescimento populacional para o qual não estava preparada, a cidade alcança cerca de
580 mil habitantes em 1920 - em 1872, possuía 31.385 habitantes; em 1890, 64.934; em
1900, 239.820. Entre 1872 e 1920, a população paulistana aumentou 18 vezes.
78
O resultado desse crescimento desordenado não tardou a ser sentido. Começando
pela falta de infra-estrutura urbana, como saneamento básico quase inexistente,
fornecimento de energia, primeiro pela geração de gás, depois de eletricidade, limitado-se a
região central, passando pela deficiência no transporte coletivo, pois a primeira linha
regular de bonde elétrico foi inaugurada somente em maio de 1900. Foi então necessária, a
abertura de novas ruas, a construção de novas moradias e estabelecimentos comerciais. A
empresa canadense/anglo-americana Light and Power teve um papel fundamental e
polemico na implantação de parte dessa infra-estrutura. Outros serviços de qualificação
urbana foram executados por companhias criadas ou reformuladas nessa fase de transição,
dentre elas, a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos, The São Paulo Tramway, a
Companhia de Viação Paulista, a São Paulo Railway Company, a City of São Paulo
Improvements e a Empresa de Limpeza Pública.
Em curto espaço de tempo, a paisagem urbana se alterou radicalmente e a região
central foi o palco privilegiado do novo processo de urbanização. Feições da cidade de
tradição colonial-monárquica foram eliminados rapidamente: os traçados imprecisos das
ruas e caminhos, redesenhados; praças e outras áreas públicas, criadas. As antigas
construções, predominantemente de “taipa de pilão”, foram demolidas e surgiram as
edificações de tijolos e outros materiais que possibilitaram a sustentação de mais
pavimentos. Os serviços foram ampliados - novos hotéis, restaurantes e toda uma gama de
funções públicas e privadas que a cidade demandava - e os negócios se diversificaram,
possibilitando até a fixação de um comércio de luxo e de artigos importados para atender a
aristocracia cafeeira, os proprietários das fazendas que aqui mantinham residências, e a
nascente burguesia urbana.
O capital acumulado nas transações comerciais da produção cafeeira iniciou sua
transmigração para o incipiente setor industrial. A economia em expansão proporcionou o
aparecimento das primeiras fábricas, da produção em escala e, com elas, de uma nova
formação social. Surgiram o operariado, em grande parte formado pelos imigrantes ou seus
descendentes, a primeira geração nascida em solo paulista, a burguesia industrial e
financeira, além de uma classe média constituída por comerciante, funcionários públicos e
profissionais liberais que começava a se adensar. O reflexo dessa nova ordem social e
79
econômica na ocupação do espaço urbano foi à nítida delimitação entre os bairros elegantes
e os operários.
O poder público, no seu esforço racionalista de disciplinamento, organizou uma
nova configuração urbana, interferindo na remodelação e embelezamento das feições
físicas da urbe, principalmente no seu perímetro central, constantemente replanejado, e nos
recentes loteamentos, destinados às classes abastadas. Esses espaços, planejados para
equilibrar vias e praças, podiam contar com os melhores serviços e mobiliários urbanos.
Por outro lado, com argumentos “tecno-científicos”, como promoção de higienização para
o controle das epidemias, o Estado forçou a população pobre residente no centro a
transferir-se para os bairros que se formavam na periferia da época. Afastados da colina
central, do núcleo inicial do processo de povoamento da cidade, que então concentrava
praticamente todo o setor de comércio, de serviços e o financeiro, esses bairros
localizavam-se em regiões de baixadas, alagadiças, quando não totalmente pantanosas,
próximas dos leitos dos rios e córregos, e pestilentas, propícias ao surgimento de doenças.
O caso das constantes e espetaculares enchentes é emblemático da situação de
abandono da periferia pelo setor público. As inundações nesses bairros pobres, que
concentravam a maioria dos trabalhadores, estão registradas em quadros, fotos, notícias,
depoimentos e literatura do período.
A rapidez das mudanças foi vertiginosa. À uma cidade, outra foi sobreposta. A
construção e reconstrução dos espaços e seus elementos constituintes em tamanha
velocidade criou a impossibilidade de apreensão e sedimentação nos seus habitantes de uma
paisagem urbana estável e contínua. O caso da arquitetura é exemplar. A profusão de estilos
arquitetônicos tão díspares, daquele período até hoje, é tamanha, principalmente na região
central, que não permite a identificação de uma linha evolutiva ou predominante. Não há
um núcleo arquitetônico que nos permita reconhecer uma época, um sentido histórico, com
certeza absoluta. “Ecletismo”, na arquitetura, é conhecido como um estilo, e o termo
utilizado para designar todo o conjunto multifário de edificações situado na parte central da
cidade. Leonardo Benevolo, apresentando o estudo de Benedito Lima de Toledo sobre as
sucessivas transformações da cidade no período de um século, observou:
80
“As cidades brasileiras crescem muito rapidamente, e, entre elas, São Paulo mais
que qualquer outra. A velocidade é tão grande, a ponto de apagar, no espaço de uma vida
humana, o ambiente de uma geração anterior: os jovens não conhecem a cidade onde,
jovens como eles, viveram os adultos. Assim, as lembranças são mais duradouras que o
cenário construído, e não encontram nele um apoio e um reforço. (...).” (Toledo, 1983, p.
7).
Nesse ritmo de mudanças desenfreadas, no anseio do sempre inédito e no desejo de
recuperar um tempo perdido, séculos de pasmatório que a cidade viveu, desde sua fundação
na metade do XVI até meados do XIX, São Paulo atravessou as duas primeiras décadas do
século XX e chegou aos anos vinte consolidando sua posição de futura metrópole.
Ao nos transportarmos para a década de vinte, encontraremos a cidade com sua
paisagem urbana radicalmente modificada, perceberemos que o processo de modernização
deslocou seu eixo e começou a apoiar-se em outras bases: no incremento e diversificação
da produção industrial, com a conseqüente ampliação do consumo; no aparecimento e
desenvolvimento de novos meios de transportes, o bonde e o automóvel, que encurtaram as
distâncias e introduziram uma nova temporalidade no cotidiano; e na interação cultural
entre o imigrante e aquele que aqui nasceu.
Todo um conjunto de elementos urbanos, materiais e imateriais, representantes da
modernidade do momento, recriou o território da urbe e forçou seus habitantes a
experienciarem um outro comportamento, uma nova disciplina. Surgiram novos ambientes
e tempos; sons, odores e luzes. A paulicéia estava preparada para viver o seu desvario. É
esse contexto político, econômico, sociopsicológico e cultural, repleto de contradições que
forma o pano de fundo deste trabalho.
É nessa São Paulo multifacetada que o escritor viveu, é essa a cidade cenário e
personagem de sua crônicas e ficções. Ele nos convida para um passeio ocioso pela cidade,
aproveitemos algumas horas em sua companhia.
Personagens-tipos
81
Para compreendermos as características dos seus personagens. devemos
primeiramente refletir sobre a natureza do tipo de narrativa que ele escolheu como forma de
registro da realidade na qual estava inserido. Refiro-me ao conto.
Mesmo que não fosse sua intenção primar pela fidedignidade, ou seja, reconstruir
em contos um real mais próximo do real, através de suas histórias descreveu uma cidade e
sua gente, em muitos aspectos de plausível existência. Os filtros do seu imaginário
retinham e retrabalhavam informações e sensações do mundo exterior, mas ao descreve-las,
nos episódios das suas narrativas, identificamos circunstâncias históricas e culturais que
parecem cumprir uma função conscientemente elaborada: insinuar que embora criação
ficcional, poderia ser a narração de um fato possível; que embora conto, poderia ser notícia
de jornal.
A opção pelo conto, pela short story, não se dá por acaso. Arte/técnica da concisão,
o conto desafia o escritor a abreviar a narrativa, a condensar o enredo de uma historia em
poucas linhas. Tchékhov, um dos maiores contistas da literatura mundial, dizia: “sei falar
curto de coisas longas” (Belinky, [198-], p. 6). Essa era a sua intenção: desenvolver em
breves narrativas ficcionais, historias completas. Tramas que se abrem e se fecham em
ritmo veloz, mas que no curto espaço/tempo que se passam, nos remetem a temas
complexos e universais: a natureza humana, o sentido da existência, o trágico e o cômico
moldando o destino dos homens, dentre outros.
Ao se utilizar do conto, e não da novela ou do romance, como suporte de sua prosa,
resolve outra questão de fundo do modernismo, a saber, as novas manifestações artísticas
deveriam estar sintonizadas com a novas configurações sociais, políticas e econômicas da
sociedade, da qual eram produtos e produtoras, com as novas tecnologias – nesse momento
o motor de combustão interna, a eletricidade, o telégrafo, o dínamo e outras tantas
invenções entram definitivamente no dia-a-dia das pessoas -, com as novas relações sociais,
com o fluxo das novas idéias, com as novas formas de expressão, com uma nova
linguagem, com uma nova urbanidade. Traduzindo: a prosa moderna, segundo a
experimentação modernista, deveria ser veloz, leve, concisa, despojada, surpreendente e
revolucionaria na forma; dramática e satírica, poética e prosaica, trágica e cômica,
82
melancólica e alegre, além de irônica, e quando possível, provocar a junção de diversos
estados da alma humana, no conteúdo dos entrechos das histórias que se propusesse a
contar.
No caso específico da sua obra, todos os elementos dessa prosa modernista
encontram-se presentes, em maior ou menor grau, mas um tornou-se fundamental para
sublinhar seu estilo: a ironia. Da leitura de seus contos desprende-se a construção de um
universo irônico singular, pois embora se tratando de ficção, os episódios nos remetem a
esfera do real, ou melhor, de uma ilusão do real. Nos enredos de suas histórias fictícias,
apresenta situações plausíveis, para em seguida, através da ironia, força as fronteiras desse
pseudo-real até o limite, esgarçando-as, até romper o fio que dividi a realidade, ou a
possibilidade de atribuir as histórias contadas nas narrativas uma chancela de realidade, da
ficção, que no seu caso, nunca descamba para um delírio imaginativo.
A ironia utilizada dessa maneira provoca a graça, pois vai seduzindo e persuadindo
o leitor, na medida que apresenta um universo como “quase real”, alicerçado numa lógica
verossímil, mas que de repente começa a ser desafiada, vai perdendo a estabilidade e acaba
ruindo. A trama toma rumos inesperados e aquilo que parecia formalmente lógico, mostra-
se de certa forma, absurdo, não porque fosse pura ficção desde o principio, mas sim porque,
parecendo crível, não resiste ao recurso da ironia, que vai desvelando o contrário do que
aparentava ser na forma inicialmente apresentada, utilizada para dissociar dois universos
inicialmente apresentados como uno. O leitor vai oscilando entre o universo fictício e o
“real”, suas expectativas em relação ao encadeamento dos fatos e ao final da história em
que está absorto vão sendo fraudadas e, então, perplexo sente que foi pego numa blague,
daí eclode o riso.
Analisando os seus textos literários e jornalísticos podemos afirmar que parte
considerável do cômico na sua obra é fundada na ironia. Esse recurso estilístico é utilizado
para estruturar vários de seus contos. Destacamos, na sinopse em seguida, apenas um
desses para demonstrar como o recurso funciona no desenvolvimento da narrativa. Trata-se
do conto Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria - que se encontra reproduzido na íntegra
no Anexo E.
83
Na história acompanhamos um grupo de trabalhadores do matadouro embarcando
num trem na estação de Magoarí com destino a Belém – o autor sempre compõe os cenários
dos enredos de suas narrativas de ficção com a descrição de paisagens e lugares
verdadeiros, o que contribui para reforçar a sensação de uma história real. Naquele dia, “6
de maio”, a colocação da data é outro elemento que calca a ficção na realidade, o trem,
como de costume, encontrava-se no escuro, a falta de luz era diária, denotando o descaso da
companhia responsável pela ferrovia com o tipo de pessoa que transportava. Surge então a
figura de um cego alegre e falante que indaga a um passageiro sobre a sucessão
presidencial. Esse responde àquele que nada sabia, uma vez que não podia ler seu jornal,
afinal estavam no escuro. O cego não compreende a resposta e pergunta novamente, ao
ouvir a confirmação, fica indignado com a falta de luz é a ironia irrompendo, mudando o
rumo da trama, provocando no leitor um certo embaraço na ordenação lógica dos
acontecimentos; o que parecia possível tem que agora dividir lugar com uma situação
bizarra. O herói, um cego politizado, faz um contundente discurso sobre a importância da
luz para toda a humanidade, os direitos dos usuários de trem de viajarem em vagões
iluminados, afinal a luz está inclusa no preço da passagem!. Segue-se uma série de diálogos
non-sens deliciosos. A massa começa a tomar consciência - à medida que o cego se
inflama, surpreendentemente a consciência/luz ocupa o espaço deixado pela falta de
luz/eletricidade - e se revolta. - como diz o cego, brasileiro é bom, mas não é bobo, um dia
“a cousa pega fogo”. Os vagões são destruídos, metodicamente esquartejados com os
instrumentos de trabalho do matadouro. Na estação de Belém, todos fogem.
No dia seguinte, os jornais noticiam os incidentes em suas primeiras páginas. A
polícia entra em cena e um inquérito é aberto para apontar os responsáveis pelo
vandalismo. O delegado ouve vários passageiros, todos negam a participação no motim,
mas um decide falar a verdade, um protestante com a bíblia no bolso - nessa altura dos
episódios, o leitor não tem mais dúvidas que se trata mesmo de uma narrativa ficcional; a
fronteira entre ficção e realidade foi claramente ultrapassada. O delegado então questiona:
qual o motivo e quem iniciou a baderna? A testemunha responde: a falta de luz e o culpado
foi um cego. Vai imediatamente preso, “porque”, remata, “com a autoridade não se
brinca.”. A conclusão inesperada, irônica e absurda detona o riso.
84
Analisando o tema do inesperado, como recurso utilizado para perturbar um
possível raciocínio lógico na ordenação da trama narrativa, na sua obra, Luís Toledo
Machado escreveu:
“O fator surprêsa não só causa repentina confusão mental, como interrompe o
desenvolvimento lógico da trama narrativa, contrariando aquilo que é desejado ou
esperado. Nisso reside o mecanismo psicológico do riso: o riso é provocado por uma
descarga psíquica, que resulta de um estado de tensão dirigido em dado sentido e que se
resolve intempestivamente em outro.” (Machado, 1970, p. 110).
Isso posto, temos então uma primeira descrição da forma, do conteúdo e do estilo
dos seus textos ficcionais e não ficcionais.
No livro organizado por Sonia Sachs, intitulado Vida literária: Mário de Andrade,
encontra-se reproduzido uma crítica de Mário, originalmente publicada no Diário de
Notícias, do Rio de Janeiro, em 19 de maio de 1940, com o título de “Dona Flor”, que faz
referência ao conto e sua eficácia como gênero literário, novamente o amigo é lembrado e
relacionado a esse tipo de narrativa:
“E quando, de um pra outro romance, de uma pra outra poesia, o artista varia apenas
o tema da sua personalidade, nós reclamamos, e dizemos que ele ‘está se repetindo’. Ora,
nada disto se dá com o conto. Marques Rebelo como Antônio de Alcântara Machado, nós
os sentimos completos em cada um dos seus melhores contos. O conto é tão familiar, tão
íntimo (mais íntimo que a vaticinidade de qualquer poesia intimista), que nós não nos
cansamos jamais da repetição do mesmo tema de personalidade, variado apenas na anedota,
como não nos fatigamos do nosso leito ou do pijama velho. Talvez de todos os gêneros
literários seja o conto o mais intransigentemente estético, o que menos admite os interesses
do conhecimento.” (Sachs, 1993, p. 190).
85
Para habitar suas breves histórias, criou uma gama de personagens que representam
os diversos tipos da cidade no limiar do século XX. Quando analisamos esses heróis e
heroínas, identificamos uma característica comum a todos: a falta de densidade psicológica,
típica das figuras de contos. O curto tempo dos episódios da narrativa está, no caso,
diretamente ligado a impossibilidade de descrever aspectos psicológicos mais profundos
das personagens. Então, como caracteriza-los?
O autor procura descrever seus personagens salientando os traços gerais mais
marcantes daqueles tipos que representam, reforça uma ou outra feição da personagem em
evidência alcançando um efeito metonímico, substituindo o todo, ou seja, a própria
personagem, pela parte, constituída por uma de suas características predominantes. Como
resultado, encontramos vagando em suas histórias, não personagens de complexa
personalidade, mas antes, tipos que representam padrões de comportamento mais planos,
estereótipos humanos de fácil e rápida identificação. A essas figuras, denominaremos
personagens-tipos ou tipos-personagens.
Esses personagens-tipos são, via de regra, revelados na primeira cena de suas
histórias. Trata-se de um recurso largamente utilizado, aproveitar a primeira aparição do
personagem central para imediatamente apresentá-lo ao leitor através da descrição satírica,
e às vezes depreciativa, de suas características físicas, sociais ou psicológicas, quando não
todas em conjunto. Tomemos como exemplo três personagens-tipos que compõem a série
de contos do livro Laranja da China. A transcrição de todos os trechos do livro citados
neste capítulo é literal e obedece a grafia da época:
“Todos os dias úteis ás dez e meia toma o bonde no largo de Santa Cecília
encrencando com o motorneiro.
Quando a gente levanta o guarda-chuva é para você parar essa joça! Ouviu, sua
besta?
Gosta de todos aquêles olhares fixos nêle. Tira o chapéu. Passa a mão pela cabeleira
leonina. Enche as bochechas e dá um sôpro comprido. Paga a passagem com dez mil réis.
Exige o trôco imediatamente.
86
Não quero saber de conversa, seu galego. Passe já o trôco. E dinheiro limpo,
entendeu? Bom.
O quê? Retrato de Artur Bernardes? Deus me livre e guarde! Arranje outra nota.
Levanta-se para dar um geito na cinta, chupa o cigarro (Sudan Ovais por causa dos
cheques), examina todos os bancos, vira que vira, começa:
Isto até parece serviço do governo!” (Machado, 1928, p. 11-12).
Esse cidadão inconveniente é O Revoltado Robespierre, ou melhor, o Senhor
Natanael Robespierre dos Anjos, funcionário público, “terceiro escriturário por concurso
não falando na carta de um republicano histórico.” (ibidem, p. 16), que metódica e
cotidianamente, há vinte e dois anos, faz o mesmo trajeto de casa para o local de trabalho
na Secretaria dos Negócios de Agricultura e Comércio: Largo de Santa Cecília Largo do
Arouche Rua do Arouche Largo do Municipal Viaduto do Chá Praça do
Patriarca Rua Anchieta Largo do Palácio, hoje Pateo do Colégio.
Atentemos aos alvos da revolta do Senhor Robespierre que é dirigida: ao motorneiro
do bonde, ao condutor - nos bondes, o cobrador das passagens -, a qualidade do serviço
prestado no transporte coletivo, aos cheiros que exalam da cidade, ao preço da carne, ao
imigrante que fala alto: “Falta de educação é cousa que a gente percebe logo.” (ibidem, p.
13), ao império da família Matarazzo e à grafia utilizada nos anúncios publicitários
espalhados nos bondes.
Dessa primeira seqüência de críticas, outras virão no decorrer do trajeto para o
trabalho, destacamos aquelas direcionadas aos imigrantes italianos. Como indicamos no
início deste capítulo, o livro Laranja da China retrata na maior parte de suas histórias o
cotidiano de parte da pequena burguesia urbana, que começava a se fixar nos ramos de
serviços e do comércio, e da ascendente burguesia industrial paulistana, a nova elite que iria
disputar os espaços econômicos e políticos com a aristocracia cafeeira. Ao contrário de
Brás, Bexiga e Barra Funda, seu livro de contos que pode ser lido como uma homenagem,
apesar de alguns autores não o considerarem dessa forma, à colônia ítalo-paulista, em
Laranja da China encontramos uma resistência e até mesmo aversão ao que é estrangeiro,
87
ou melhor, ao que é italiano. As frases do Senhor Natanael Robespierre dos Anjos: “Raio
de italiano para falar alto. Falta de educação é cousa que a gente percebe logo. Não tem que
ver.” (ibidem, p. 13) e a forma preconceituosa como olha para os escritórios das Industrias
Matarazzo situados na sede do Viaduto do Chá - registrada na próxima citação - confirmam
essa aversão inerente de uma classe média paulistana ascendente ou com forte desejo de
ascensão. No livro, outras manifestações desse tipo aparecem, como por exemplo no conto
O Mártir Jesus (Senhor Crispiniano B. de Jesus) que junto com sua esposa, dona Sinhara,
resiste até não mais poder a vontade das filhas de participar do corso até o Brás: No
Brás eu não admito que vocês vão.” (Machado, 1927, p. 89), sentencia, dona Sinhara. Ao
final, as meninas não só irão ao corso na companhia dos pais, como ainda seu Crispiniano
irá acompanhá-las ao baile de carnaval da Sociedade de Dança Primor, freqüentada,
segundo as filhas, por famílias distintas, fazendo jus ao “mártir” do título.
Na continuidade dos episódios do conto O Revoltado Robespierre encontraremos
novas críticas dirigidas ao Estado: “essa nação dentro da nação” (Machado, 1928, p. 16),
em cuja administração colabora, não poupando aqueles que ocupam cargos superiores.
Essas críticas vêm precedidas de gestos de subserviência, o que corrobora o efeito de
esvaziamento de sua revolta:
“Cumprimenta rasgadamente o doutor Indalécio Filho, sub-inspector das bombas de
gasolina, que passa no seu Marmon oficial e não o vê. Depois anota apressadamente o
número do automóvel no verso de uma cautela do Monte de Socôrro do Estado.
O povo que sue para pagar o luxo dos afilhados do governo! Aproveite, pessoal!
Vá mamando no Tesouro enquanto o povo não se levanta e manda vocês todos... nada! Mas
isto um dia acaba.
Terceiro sorriso nada sibilino. Passa para a ponta. Confirma para os escritórios da I.
R. F. Matarazzo:
Ora se acaba!” (ibidem, p. 15).
Passemos ao segundo personagem, não menos excêntrico que o anterior:
88
“Fechou a porta da rua. Deu dois passos. E se lembrou de que havia fechado com
uma volta só. Voltou. Deu outra volta. Então se lembrou de que havia esquecido a carta de
apresentação para o director do Serviço Sanitário de São Paulo. Deu uma volta na chave.
Nada. É verdade: deu mais uma.
Nhana! Nhana! Nhana!
Nhana apareceu sem meias no alto da escada.
Estou vendo tudo.
Ora vá amolar o boi! Que é que você quer?
Na gaveta do criado-mudo tem uma carta. Dentro de um envelope da Câmara dos
Deputados. Você me traga por favor. Não.Eu mesmo vou buscar. Prefiro.
Como queira.
E foi buscar. Saiu do quarto parou na sala de jantar.
Ainda tem gelea aí, Nhana?” (Machado, 1928, p. 33-34).
Esse é O Filósofo Platão (Senhor Platão Soares). Inábil e confuso para as ações
mais triviais do cotidiano: “Para a satisfação consigo mesmo ser completa só faltava abrir o
guarda-sol. Você não quer abrir, desgraçado? Você abre, desgraçado, amaldiçoado,
excomungado. Abre nada. Nunca viu, seu italianinho de borra? Guarda-sol, guarda-sol, não
me provoque que é peor. Desgraçado, amaldiçoado, excomungado. Platão heroicamente fez
mais três tentativas. Qual o quê. Foi andando. Batia duro com a ponteira na calçada de
quadrados. De vingança.” (ibidem, p. 37-38), o senhor Platão transforma sua procura por
um emprego numa odisséia urbana: atravessar a rua movimentada, disputar um espaço com
a multidão no transporte coletivo, equilibrar-se no estribo do bonde e caminhar através de
áreas suspeitas. No fragmento seguinte observamos outra faceta do nosso herói: aparentar o
que não é e ostentar com o que não tem. O senhor Platão é hábil sofismador quando através
de alguns argumentos tenta justificar a sua preferência pelo ônibus da light, reservado para
uma posição socioeconômica da qual em verdade não faz parte - em Laranja da China
encontraremos vários outros personagens aspirando um status mais elevado:
89
“(...). Abriu a porta. Fechou. Vinha vindo um bonde a duzentos metros. Esperou.
Agora o ónibus. Esperou. Agora um automóvel do lado contrário. Esperou. Olhou bem de
um lado. Olhou bem de outro. Certificou-se das condições atmosféricas de nariz para o ar.
Marcialmente atravessou a rua.
O poste cintado esperava os bondes com gente em volta. Platão quando ia chegando
escorregou numa casca de laranja. Todos olharam. Platão equilibrou-se que nem japonês.
Encarou os presentes vitoriosamente. Na lata, seus cretinos. Esfregou a sola do sapato na
calçada e foi esperar em outro poste. Chegou de cabeça baixa.
Boa tarde, Platão.
O mesmo, Argemiro, como vai você?
Aqui nêste solão esperando o maldito 19 que não chega!
Platão cavou um arzinho risonho. Acendeu um cigarro. Disse sem olhar:
Eu espero o ónibus da Light.
Milionário é assim.
Primeiro deu um puxão nos punhos postiços. Depois respondeu:
Nem tanto...
O 19 passou abarrotado. Argemiro não falava. Platão sim de vez em quando:
Êsse é um dos motivos por que eu prefiro o ónibus da Light apesar do preço. Tem
sempre lugar. Depois é um Patek.
Mas era só para moer.
Argemiro deu um adeuzinho e aboletou-se á larga num 19 vasio. Então Platão
soltou um suspiro e pongou o 13 que vinha atrás.” (ibidem, p. 34-36).
A aventura do senhor Platão nunca se completa, a sua missão de encontrar um
emprego e adentrar na vida real é diariamente postergada, o herói procura sempre adiar a
sua entrevista no Departamento de Saúde Pública, não por obstáculos extraordinários e
intransponíveis ou qualquer tipo de imprevisto, mas pelo próprio personagem que não
demonstra vontade de adentrar no mundo do trabalho:
90
Boa tarde, seu Platão, como vai o senhor?
Ó dona Eurídice, como vai passando a senho...ora que se fomente!
Olhou para trás. Não ouviu. Que ouvisse. Parou deante da placa dourada. Sem saber
se entrava ou não. Não será melhor não? Tanta escada para subir, meu Deus.
(...).
Aí resolveu subir:
O doutor director ainda não chegou?
(...).
Agora é que eu estou reparando... o seu Platão Soares... Sim senhor, seu Platão.
Desta vez o senhor teve sorte mesmo: encontrou o homem. Vá se sentando que o bicho hoje
atende.
Platão deu uma espiada na sala.
Chi! Tem uns dez antes de mim.
Paciência, não é?
(...).
Sabe de uma cousa? Aai!... Eu volto amanhã...
O senhor dá licença de um aparte, seu Platão? Eu se fosse o senhor não deixava
para amanhã não. O senhor já veiu aqui umas dez vezes?
Não tem importância. Eu volto amanhã.
Admiro o senhor, seu Platão. O senhor é um FI-LÓ-SO-FO, seu Platão, um grande
FI-LÓ-SO-FO!
Até amanhã.
Se Deus quizer.” (ibidem, 1928, p. 39-40).
Passemos ao terceiro e último personagem:
91
“Desembargador. Um metro e setenta e dois centímetros culminando na careca
aberta a todos os pensamentos nobres, desinteressados, equânimes. E o fraque. O fraque
austero como convem a um substituto profano da toga. E os óculos. Sim: os óculos. E o
anelão de rubi. É verdade: o rutilante anelão de rubi. E o todo de balança. Principalmente o
todo de balança. O tronco têso, a horizontalidade dos ombros, os braços a prumo. Que é que
carrega na mão direita? A pasta. A divina Temis não se vê. Mas está atrás. Naturalmente.
Sustentando sua balança. Sua balança: o desembargador Lamartine de Campos.
Aí vem êle.
Paletó de pijama sim. Mas colarinho alto.
Joaquina, sirva o café.” (Machado, 1928, p. 99-100).
Ele descreve O Lírico Lamartine, conhecido como o Desembargador Lamartine de
Campos. Suas características físicas e sua compostura, em conjunto com sua indumentária,
são apresentadas e relacionadas a alguns traços superficiais da sua personalidade egrégia,
especificamente àqueles ligados ao exercício de sua profissão. Na cena seguinte, faz outra
relação irreverente, essa entre os pesos que a esposa do desembargador foi adquirindo e à
evolução na sua carreira de magistrado:
“(...) Quando o desembargador se casou (era promotor público e tinha uma capa
espanhola forrada de seda carmesim) dona Hortênsia pesava cincoenta e cinco quilos. Juíz
municipal: dona Hortênsia foi até sessenta e seis e meio. Juíz de direito: dona Hortênsia fêz
um esforço e alcançou setenta e nove. Lista de merecimento: oitenta e cinco na balança da
Estação da Luz deante de testemunhas. Desembargador: noventa e quatro quilos novecentas
e cincoenta gramas. E dona Hortênsia prometia ainda. Mais uns sete quilos (talvez nem
tanto) o desembargador está aí está feito ministro do Supremo Tribunal Federal. E se depois
Hortênsia num arranque supremo alargasse ainda mais as suas fronteiras nativas?
Lamartine punha tudo nas mãos de Deus.
Porque está olhando tanto para mim? Nunca me viu mais gorda?
Verei ainda se a sorte não me for madrasta! Vou trabalhar.” (ibidem, p. 100-101).
92
É na privacidade de sua sala de trabalho, recluso de todos, que o desembargador
cede lugar ao lírico. O funcionário público de carreira se transforma no poeta e as leis, com
seus artigos, parágrafos e incisos, dão lugar às rimas e versos. A pseudo-austeridade é
revelada pela substituição da leitura do sisudo Diário Oficial pela da alegre e popular
revista literária O Colibri. Sua verdadeira dimensão psicológica é desnudada:
“Duas voltas na chave. A cadeira giratória geme sob o desembargador. Abre a pasta.
Tira o DIÁRIO OFICIAL. De dentro do DIÁRIO OFICIAL tira O COLIBRI. Abre O COLIBRI.
Molha o indicador na língua. E vira as páginas. Vai virando aceleradamente. Sofreguidão.
Enfim: CAIXA DO O COLIBRI. Na primeira coluna: nada. Na segunda: nada. Na terceira:
sim. Bem em baixo: Pajem enamorado (São Paulo) Muito chocho o terceto final de
seu soneto SEGREDOS DA ALCOVA. Anime-o e volte querendo.
Não?
Segunda gaveta á esquerda. No fundo. Cá está.
Então beijando o teu corpo formoso
Arquejo e palpito e suspiro e gemo
Na doce febre do divino gôzo!
Chocho?
Releitura. Meditação (a pena no tinteiro). Primeira emenda: mordendo em lugar de
beijando.
Chocho?
Declamação veemente. Segunda emenda: febre ardente em lugar de doce febre.
Chocho?
Mais alma. Mais alma.
A imaginação vira as asas do moinho da poesia.” (ibidem, p. 101-102).
93
A técnica de inicialmente apresentar a descrição externa da personagem para ao
final revelar um ou mais aspectos da sua personalidade genuína, utilizada em O Lírico
Lamartine é reproduzida nas outras narrativas do livro. Trata-se de um jogo de aparências
entre o que é visto das personagens-título dos contos, e o que é verdadeiramente por elas
sentido.
Os personagens Senhor Natanael Robespierre dos Anjos, Senhor Platão Soares e
Desembargador Lamartine de Campos dão lugar aos tipos o Revoltado Robespierre, o
Filósofo Platão e o Lírico Lamartine. Para corroborar esse efeito não podemos esquecer de
outro recurso já mencionado no início deste capítulo: o jogo entre pronomes, prenomes,
sobrenomes. e os adjetivos. Enquanto os nomes próprios remetem a idéia de “mais um” dos
tantos cidadãos que se aglomeravam no espaço urbano - prenomes que quando somados aos
adjetivos que vincam a característica mais marcante da personagem, aquele traço de
personalidade comum a um grande número de pessoas, reforçam o efeito de dissolução do
indivíduo na massa anônima -, os sobrenomes sinalizam a idéia de individualização dos
sujeitos. Temos então a despersonalização das personagens - inicialmente identificadas por
nomes, mas sobretudo, sobrenomes de famílias possivelmente de existência real - e a
transformação dessas em tipos - identificados por prenomes sempre colados a um adjetivo -
esvaziados psicologicamente e padronizados socialmente. Aí reside parte da ironia dos
contos.
Dentro desse jogo de antagonismos, outros meios são utilizados para desestabilizar
a lógica das tramas narrativas e produzir novos efeitos humorísticos nos contos. Por
enquanto vamos centrar nossa análise na contradição entre as características principais
atribuídas às personagens, as expectativas criadas por essa caracterização e o desempenho
das personagens nos desenlaces das situações propostas nas narrativas.
No fundo o Senhor Natanael Robespierre dos Anjos é um desses conformistas que
circulam pela cidade implicando com todos e com tudo que encontra pelo caminho que
percorre até seu trabalho. Suas pequenas revoltas diárias não destroem, nem transformam
pessoal ou politicamente nada; o Senhor Platão Soares é um falso filósofo, desses que
todos conhecemos um exemplar. Durante toda a historia, esse personagem-tipo não pensa
ou pronuncia nada de profundo ou interessante, antes é até palavroso. Seus argumentos são
94
anódinos, superficiais e reforçam o senso comum sobre as coisas do mundo. Falta lhe
praticidade para as coisas mais banais, como abrir um guarda-sol. Como o anterior, esse
personagem-tipo não tem consciência da sua comicidade, bastante visível para os outros
personagens e para o leitor da história. O Desembargador Lamartine de Campos, como
poeta deixa a desejar. A construção de seus sonetos é arcaica. Sua poesia é conservadora
nos temas e na forma, não ousa, é prudente demais, como toda estrutura jurídica. É um
acadêmico, desses que os modernistas não se cansavam de combater. Ou seja, podemos ler
os títulos dos contos, e logo, a indicação dos modelos sociais que as personagens encarnam
como um blefe. São personagens-tipos que podem significar personagens não-tipos, ou
melhor, tipos contrários ao sugeridos: um revoltado conformista, um filósofo que não pensa
e um lírico sem inspiração poética. Parece que estamos diante de um jogo de espelhos de
outra natureza, no qual cada imagem refletida é o inverso daquilo que espelha. Cada
espelho dessa estrutura antitética deforma as imagens através da ironia. Essa inverte as
imagens, as características, os sinais, os sentidos e os destinos das personagens e dos
enredos das histórias.
Essas são algumas das personagens representativas dos tipos extravagantes que
povoavam a cidade no início do século passado. Talvez o melhor seja dizer que são tipos
que até hoje estão por aí. Um pouco modificados, mas estão por aí. Quem não conhece
algum desses modelos sociais: um revoltado-conformista, ou um pseudofilósofo, ou um
funcionário público que deseja, no seu íntimo, ser um artista?
Relembremos que, exceto o Senhor Platão Soares, esses personagens-tipos são
todos funcionários públicos de distintas graduações atuando em diferentes circunstâncias.
Nesse aspecto, nossos heróis estão ligados ao eixo central do livro, revelado no título da
obra que remete a idéia de um nacionalismo, ora sincero, ora degenerado em ufanismo. O
que possibilita interpretá-lo como uma crítica social não somente a hipocrisia de certos
tipos, grupos e profissões, mas sobretudo àqueles patrioteiros e suas patriotices. Crítica que
alcança diretamente o grupo do Verde-amarelismo, ou o movimento da anta, composto por
dissidentes da Semana de Arte Moderna de 22, entre eles o poeta e escritor Cassiano
Ricardo e o crítico literário Plínio Salgado. Essa corrente, especificamente literária, pregou
um brasileirismo superficial, a defesa de uma linguagem castiça, um retorno acrítico a
95
temas nacionais e tradições populares, desembocou nos anos trinta no Integralismo, a
versão tupiniquim do Fascismo italiano.
Os modernistas do grupo Antropofágico combateram sistematicamente a corrente
Verde-amarela investindo contra a visão conservadora de nacionalismo que essa
preconizava.
Quando refletimos sobre a sua técnica utilizada para a caracterização dos
personagens-tipos encontramos o primeiro ponto de ligação entre esse aspecto de sua obra e
um modo particular de configuração de imagens. Nesse caso, me refiro à caricatura.
Ele demonstrava um especial apreço por essa forma de desenho. Quando da morte
de Voltolino, registrou em uma de suas crônicas, publicadas originalmente no Jornal do
Comércio de São Paulo, em 04 de setembro de 1926, intitulada “Voltolino”, sua admiração
pelo trabalho do caricaturista, ressaltando a sua função de documentação dos tipos
característicos daquele momento e, conjuntamente, relacionando a técnica do traço com as
transformações pelas quais a cidade passava. Descrevendo o estilo do caricaturista
Voltolino, bem poderia estar se referindo sob muitos aspectos a sua forma de desenhar as
personagens. Os fragmentos foram extraídos do livro Cavaquinho e Saxofone (solos):
1926/1935; a transcrição dos trechos é literal e obedece a grafia da época:
“Para mim o que há de melhor na obra deixada por Voltolino é a fixação do ítalo-
paulista. Fixação humorística. Triste também.
Voltolino inspirava-se no ambiente. Daí o seu mérito. Foi o caricaturista dêste
momento inapreciável do S. Paulo que a gente vive.
Lapis desgracioso o seu. Deselegante como êle só. Por isso mesmo caricaturava
melhor os humildes. Seria incapaz de fabricar um álbum como os de Sem.
Nada disso. Nada de se meter com gente milionária e da alta. Preferia a gentalha que
anda a pé. Um varredor da Prefeitura, por exemplo. Então sim. Com dois traços apanhava o
tipo flagrante.
O desenho era apressado mas seguro. À imagem desta S. Paulo de Anchieta e de nós
também, onde os Fords dansam entre arranha-céus.
96
Caricaturista vagabundo. Boêmio principalmente. Andava por aí até tarde da noite.
Depois reproduzia tudo que vive por aí. (...).
Assim os vendedores de jornais de Voltolino. Gorrinho de banda, olhar peralta,
paletó paterno batendo nos joelhos, pés descalços, são risonhos e expansivos. A gente,
porém, sente vontade de passar a mão pela cabecinha deles. Os diabinhos enternecem.
* * *
Nesta terra de maus caricaturistas Voltolino foi uma linda exceção. Não falo em
recursos técnicos nem em formosura ou riqueza de desenho. Êle era um desleixado.
Defeito, se quiserem. Mas de tão pouca importância no gênero que cultivou. Defeito que
não conta.
Sua obra nasceu toda do momento. Suas caricaturas eram sempre provocadas. O
assunto surgia sem ser buscado. Assim muito naturalmente: na rua, no noticiário dos
jornais, nos acontecimentos do dia. O desenho tinha relação com o instante em que
aparecia. Datava sempre um fato. Marcava um tipo ocasional. Comentava. Sublinhava.
Por isso mesmo era popular. (...). Seu lapis espetava o sujeito pelo seu lado grotesco
ou inconfessável e erguia-o bem alto à vista de todos.
O que fêz tem para nós o valor da obra de um Bordalo em Portugal. Sob certo
aspecto continuou Ângelo Agostini. Êle em S. Paulo e J. Carlos no Rio ficarão sendo os
ilustradores de sua época. Nos desenhos de um e de outro nossos netos conhecerão a
verdadeira fisionomia de seus avós paulistas e cariocas. Como num álbum de retratos de
família.” (Machado, 1940, p. 247-249).
Podemos sugerir várias semelhanças, que se manifestam ora mais, ora menos,
dependendo do trabalho analisado, entre a elaboração dos desenhos de Voltolino e a
constituição dos seus personagens-tipos. Ambos se inspiravam na fauna de figuras originais
que perambulavam pela São Paulo em que viveram. Parafraseando o próprio autor: são os
ilustradores e cronistas de uma época, no desenho de um e na prosa de outro podemos
conhecer a fisionomia, os valores, os modos até as manias de nossos avós -; ambos focaram
97
seu olhar na gente pobre e anônima, em especial, nos grupos de imigrantes italianos e nos
seus descendentes, os ítalo-paulistas e ítalo-brasileiros e se enterneceram por essas pessoas;
a imagem construída, tanto pelo desenhista como pelo escritor, procura registrar através da
técnica e do estilo empregado o febril processo de modernização então em curso e ambos
caminhavam pela cidade, no meio daquele turbilhão que arrastava e misturava traços
provincianos de uma São Paulo que desaparecia com traços de modernização que
pressagiavam e prenunciavam a futura cidade cosmopolita, observando com acuidade o que
acontecia de novo, procurando as figuras que serviriam de modelo para suas criações,
enfim colhendo material para seus trabalhos.
Os personagens-tipos elaborados pelos dois são identificáveis, principalmente, por
traços fortes e marcantes. Desenhista e o escritor “carregam nas tintas” para descrever as
características essenciais ou, em alguns casos, somente uma particularidade essencial do
personagem retratado, despojando-o do acessório e supérfluo. Ambos procurando captar o
verdadeiro caráter da personagem em foco através de rápidos e incisivos riscos que vão
delineando as suas feições, desenhando sua fisionomia facilmente reconhecível. Ao final
não temos uma imagem completa, uma descrição exata, mas sim um esboço constituído por
marcas distintivas que sublinham o lado ridículo, às vezes degenerando para o grotesco, do
caricaturado.
Esse “carregar nas tintas” é literal no caso da caricatura, da charge, do traço
carregado, forte, sublinhado, em negrito. Na sua prosa igualmente é um recurso recorrente,
utilizado no momento da apresentação do personagem-tipo principal, em alguns casos, dos
secundários, para destacar aspectos singulares e significativos do caráter da personagem-
título do conto - leia-se: aspectos anedóticos e risíveis - e, paralelamente, introduzir o leitor
no universo da narrativa, no espaço imaginário onde a ação acontecerá.
Nas histórias de Laranja da China esse recurso é constantemente utilizado.
Recordemos a apresentação de O Lírico Lamartine. Naquela as características físicas, a
postura, a compostura, a indumentária, que o singulariza profissional e socialmente, e
alguns traços rasos da sua personalidade são descritos e conectados uns aos outros. Como
efeito, surge em nossa mente a figura do senhor Lamartine de Campos, mais lírico, do que
98
propriamente desembargador. Um homem que apresenta uma imagem de respeitabilidade,
mas que possue pensamentos, desejos e atitudes decisivamente ridículas e anedóticas.
Vejamos mais exemplos extraídos de outros contos. Em O Ingênuo Dagoberto (Seu
Dagoberto Piedade) temos, novamente na primeira cena, a descrição do herói e de sua
família proveniente do interior do estado que vem à capital para passear e fazer compras.
Em poucas linhas, descreve o grupo desta forma:
“Deante da porta da loja pararam. Seu Dagoberto carregava o menorzinho. Silvana a
maleta das fraldas. Nharinha segurava na mão do Polidoro que segurava na mão do
Gaudêncio. Quim tomava conta do pacote de balas. Lázaro Salem veiu correndo do balcão
e obrigou a família a entrar.
Seu Dagoberto queria um paletó de alpaca. A mulher queria um corte de cassa verde
ou então côr-de-rosa. A filha queria uma bolsinha de couro com espelho e lata para o pó de
arroz. O menino de dez anos queria uma bengalinha. O de oito e meio queria um chapéu
bem vermelho. O de sete queria tudo.
É só escolher.
O menorzinho queria mamar.
(...).
Entre marido e mulher houve um entendimento mudo. E a família saiu cheinha de
embrulhos. Em direcção ao Jardim da Luz.” (Machado, 1928, p. 105-106).
Eis o retrato, ou melhor a caricatura, de uma típica família interiorana que vem para
a capital realizar suas compras. Esse conto nasceu de uma crônica, que foi retrabalhada para
esse novo formato, intitulada “Mysterio de Fim de Ano”, publicada na secção
“Cavaquinho”, na edição do Jornal do Comércio de 08 de janeiro de 1927. Nela, descreveu
as pessoas que se deslocavam até São Paulo para as compras natalinas. No conto as
referências ao período de festas desapareceram. No decorrer da história, os personagens
irão passear e tirar fotos no Jardim da Luz - depois de seis tentativas, o retrato sairá
tremido, mas mesmo assim o lambe-lambe cobrará doze mil réis por seis cópias! -, andar de
bonde, no “caradura”, cuja passagem é mais barata, conhecer o Parque Antártica, lotado
99
devido à saída do futebol - as crianças vão aproveitar o tempo no parque para brincar no
balanço e na roda gigante, depois tomar gasosas e seu Dagoberto será enganado no troco
dos refrigerantes - e cometer várias gaffes. Mais tarde, depois do jantar “mal servido”,
novamente enganados, agora no hotel em que estavam hospedados, seu Dagoberto - note
que o escritor lhe confere um pronome de tratamento menos nobre quando comparado
àqueles dos personagens já apresentados - irá passear sozinho pela Avenida Tiradentes,
conhecerá dois homens de Itapira e acabará sendo por eles ludibriado: “Na esquina da
Cadeia Pública seu Dagoberto trocou três camarões de duzentos e mais um relógio com
uma corrente e três medalhinhas (duas de ouro) por oito contos de réis. E voltou para o
Grande Hotel e Pensão do Sol (Familiar) que nem uma bala.” (ibidem, p. 113). O embuste
do qual seu Dagoberto foi vítima será notícia no jornal: mais um trouxa caiu no golpe das
notas, cujo valor não corresponde a quantidade aparentemente entregue. No final, será
escrachado pela esposa, suportará tudo, menos ser chamado de caipira.
Vejamos agora o caso do O Inteligente Cícero (Menino Cícero José Melo de Sá
Ramos). Neste conto observamos uma inversão curiosa no método de apresentação e
caracterização da personagem central. Na primeira cena, tomamos conhecimento do
nascimento do menino Cícero, filho único de uma família da ascendente burguesia
industrial, através de uma nota de jornal, ou seja, não se trata de uma apresentação direta do
protagonista no início da história, como nos exemplos anteriores. Aliás é o jornal, esse “o
órgão da opinião pública”, que irá caracterizando a criança, desde o nascimento até os seus
primeiros anos. Cícero já nasce esperto, possuidor de uma “esperteza congênita”, depois se
transforma em robusto e mais tarde, inteligente. Eis como as fases de crescimento são
anunciadas:
“Dois dias depois da chegada de Cícero ao mundo (garoava) o DIÁRIO POPULAR
escreveu: Acha-se em festas o venturoso lar do nosso amigo senhor major Manuel José
de Sá Ramos, conhecido fabricante do môlho João Bull e da pasta dentifrícia
Japonesa, e de sua gentilíssima consorte dona Francisca Melo de Sá Ramos, com o
nascimento de uma esperta criança do sexo masculino que receberá na pia batismal o
100
nome de Cícero. Felicitamos muito cordealmente os carinhosos pais. O major foi
pessoalmente á redação levar os agradecimentos dos carinhosos pais e no dia seguinte o
órgão da opinião pública registrou a visita referindo-se mais uma vez á esperteza congênita
de Cícero.
Quando o pequeno fêz dois anos passou a ser robusto. Quando fêz quatro foi
promovido pelo DIÁRIO POPULAR a inteligente e mui promissor menino.” (Machado,
1928, p. 55-56).
Cícero aparece na história sempre nas vésperas dos natais de seus cinco, seis e sete
anos escolhendo os presentes que gostaria de ganhar. Como exposto anteriormente no
início do capítulo, este conto é um dos que foram publicados antes do lançamento do livro.
Na edição de 25 de dezembro de 1926 do Jornal do Comércio, na seção “Cavaquinho”, a
história do esperto menino apareceu com o título de Conto de Natal e o nome inicialmente
pensado para ele era outro, Manequinho. É o que percebemos quando cotejamos as duas
versões. Vejamos o início do conto quando publicado no Jornal do Comércio. A citação é
literal e foi retirada do estudo Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de
Laranja da China de António de Alcântara Machado de Cecília de Lara:
“Manequinho (Manoel José de Sá Ramos Júnior) era um menino que prometia
muito. Tinha cada resposta que só vendo. E resposta para tudo. Com cinco anos de idade.
Imaginem só. Um prodígio. Um legítimo prodígio.” (Lara, 1982, p. 29).
É interessante observarmos que na versão da história publicada no Jornal do
Comércio, ele utilizou a mesma estrutura que atravessa praticamente todos os contos do
livro Laranja da China, ou seja, apresentou um retrato das características principais da
personagem central diretamente, identificando seus traços e particularidades mais
acentuados já na primeira aparição, aproveitando as linhas iniciais da narrativa. Nessa
primeira versão, o menino inicialmente é descrito como um garoto com cinco anos, daí a
história retrocede, mediante narrativa em flash-back, para o fato excepcional que foi o seu
101
nascimento. Para a edição em livro, optou por iniciar o conto desse acontecimento. Na
versão publicada em jornal, temos a técnica relacionada à caricatura, a descrição do traço
principal da personagem, a esperteza, no começo da história e condensada em poucas linhas
ou poucos traços; na versão em livro, temos a caracterização do menino, sublinhando a
principal faceta do seu caráter, diluída ao longo da trama. Há outras variações não menos
importantes, mas para a nossa análise essas são as que merecem destaque.
Retomando a versão do conto em livro, recordemos que o menino escolhe seu
presente na véspera do natal pedindo-o diretamente a São Nicolau, entretanto o que
encontra no dia seguinte nem sempre é o desejado e solicitado ao santo. No natal de seus
oito anos resolve tentar novamente e pede um automóvel igual a de seu tio, um Ford de
verdade. Seus pais contornam o problema presenteando o garoto com um carro de
brinquedo e anexado a sua direção um bilhete de consolo, supostamente escrito pelo santo:
“(...). Em cima do volante tinha um bilhete escrito á máquina: Meu querido Cícero.
Dentro de meu cesto não cabia um automóvel grande como você pediu. Por isso deixo
êste que é a mesma cousa. Tenha sempre muito juízo e seja bonzinho para seus pais.
(a) S. Nicolau.” (Machado, 1928, p. 63).
De nada adianta o subterfúgio, o menino fica decepcionado e inconsolado com o
presente que não substitui o pedido. Após muito choro e muita conversa, argumentos e
contra-argumentos, os pais tentam explicar ao garoto as dificuldades para um santo já tão
velho trazer um presente de tamanha proporção. Cícero é convencido a aceitar o presente:
São Nicolau é velhinho, não pode carregar um cesto muito grande...
E depois por grandão que fosse não podia caber um Ford de verdade dentro
dêle...
É. E se cabesse...
Se coubesse, Francisca!
...se coubesse São Nicolau não aguentaria com o pêso...
102
Está cansado, não tem mais força.
Cícero foi retendo a choradeira. Levantou a camisola para enxugar as lágrimas.”
(ibidem, p. 64-65).
É nesse momento, na cena final, quando o problema parecia ladeado que
encontramos a evidência que comprova a inteligência e a esperteza precoce de Cícero, pelo
menos na percepção de seus pais, e completamos a imagem do protagonista do conto:
Então? Não chora mais?
Assumiu uns ares meditabundos. Em seguida pôs as mãos na cintura. Ergueu o
côco. Pregou os olhos no pai (o major sem querer estremeceu). Disse num repente:
Se êle não podia com o pêso porque não deixou o dinheiro para eu comprar o
Fordinho então?
Nem o major nem dona Francisca tiveram resposta. Ficaram abobados.
Berganharam olhares de bôca aberta. O major piscava e piscava. Sorrindo. Procurando
alcançar o filho contornando a cama. Cícero farejou uns cocres e foi se meter entre o
armário e a janela. Fazendo beicinho. Tremendo encolhido.
Não dê em mim, papai, não dê em mim!
Mas o major levantou-o nos braços. Sentou-se na beirada da cama com êle no colo.
Cícero. Apertou-lhe comovidamente a cabeça contra o peito. Olhando para a mulher traçou
com a mão direita três círculos pouco acima da própria testa. Depois mordeu o beiço de
baixo e esbugalhou os olhos para o teto. Cícero. Dona Francisca sorriu apertando os olhos:
Veja você, Neco!
Estou vendo! E palavra que tenho medo!
Dona Francisca não entendeu. E o Major então começou a explicar.” (ibidem, p.
65-66).
A inversão na apresentação também é operada no conto A Piedosa Teresa (Dona
Teresa Ferreira), mas com algumas variações. Ao contrário do conto O Inteligente Cícero,
103
a imagem de dona Teresa é descrita fisicamente num único parágrafo, novamente ele o faz
lançando mão da técnica caricatural, no meio dos eventos que compõem a trama, porém
antes utiliza um outro recurso: caracterizar o personagem-tipo pelo seu modo pitoresco de
falar. Acompanhemos o início do conto:
“Atmosfera de cauda de procissão. Bodum.
Os homens formam duas filas deante do altar de São Gonçalo. São Gonçalo está
enfaixado como um recêmnascido. Azul e branco. Entre palmas de São José. Estrêlas
prateadas no céu de papel de seda.
Os violeiros puxando a reza e encabeçando as filas fazem reverências. Viram-se
para os outros. E os outros dançam com êles. Batepé no chão de terra socada. Pan-pan-pan-
pan! Pan-pan! Pan! Pan-pan-pan-pan! Pa-pan! Param de repente.
Para bater palmas. Pla-pla-pla-plá! Pla-plá! Plá! Pla-pla-pla-plá! Pla-plá! Param de
repente.
Para os violeiros cantarem viola no queixo:
É êste o primeiro velso
Qu’eu canto pra São Gonçalo
Senta aí mesmo no chão, Benedito! Tu não é mió que os outro, diabo!
É êste o primeiro velso
Qu’eu canto pra São Gonçalo
E o côro começa grosso, grosso. Rola subindo. Desce fino, fino. Mistura-se.
Prolonga-se. Ôooôh! Aaaah! Ôaaôh! Ôaiiiih! Um guincho.
O violeiro de olhos apertados cumprimenta o companheiro. E marcha seguido pela
fila. Dá uma volta. Reverências para a direita. Reverências para a esquerda. Ninguêm pisca.
Volta para o seu lugar.
Entra, seu Casimiro!
104
O japonês Kashamira entra com a mulher e o filhinho brasileiros de roupa de brim.
Inclina-se deante de São Gonçalo. Acocora-se.” (Machado, 1928, p. 131-132).
O início da narrativa possibilita vários olhares, diferentes análises.
Podemos primeiramente entender o porquê de ter sido São Gonçalo, como
aconteceu, por outros motivos, com São Jorge, banido das missas católicas nas igrejas
brasileiras. São Gonçalo nasceu em Amarante, Portugal, no século XII. Rezava as missas
acompanhado de sua viola - é padroeiro dos violeiros - e estimulava os fiéis a dançarem nas
igrejas. Sábado à noite freqüentava os prostíbulos da cidade, cantava e dançava com as
prostitutas prometendo a elas futuros casamentos. Para não cair em tentação colocava
pregos na sola dos sapatos para através da penitência imposta não esquecer de sua missão
no local e não ser seduzido por desejos carnais. O objetivo era fatigá-las, para que cansadas
não trabalhassem no domingo, dia de descanso e culto ao Senhor. Essa relação indireta com
o prazer e a sexualidade lhe rendeu a fama de protetor das prostitutas, santo casamenteiro e
da fertilidade. São Gonçalo ajuda as velhas a casarem e quando o casal não consegue ter
filhos, recomenda-se passar a imagem do santo nas genitálias e pedir que a gravidez se
concretize, dizem que ele atende o pedido.
Relatos do Brasil colonial descrevem as missas dedicadas a São Gonçalo como
verdadeiras festas pagãs, nas quais o som das guitarras misturava-se com as gritarias dos
padres, devotos, senhores, escravos, fidalgos e normalmente descambava em danças de
umbigadas, sensuais e provocativas em louvor a Deus e ao santo. A imagem de São
Gonçalo corria de mão em mão, os fiéis dançavam com ela num ritmo delirante.
Esse comportamento chegou até ao clero português e, com o tempo, esse culto foi
proibido dentro das igrejas, assim como qualquer tipo de dança, instrumento popular e
algazarra, mas até hoje o santo continua com muitos devotos e a ser consagrado em festas
populares. Seu culto foi transferido para outros espaços, perdeu a sensualidade e não se
admite sua relação com as prostitutas ou a fertilidade, pelo menos não publicamente. Dizem
que em sua cidade natal, os pães de São Gonçalo têm a forma de falo e são muito
procurados por aqueles que tem problemas de infertilidade.
105
No caso do conto, a festa em louvor a São Gonçalo acontece na casa da
personagem-título, A Piedosa Teresa.
Em segundo, ao descrever o cenário e os personagens secundários, em especial, os
violeiros, vai convidando o leitor a adentrar no espaço, na circunstância e na história e
participar da festa. A coreografia da dança exige tocar as violas e simultaneamente bater os
pés no chão. Desse modo, outro elemento fundamental utilizado na técnica narrativa
aparece: a reprodução de sons provocados pelos personagens, ou por alguma coisa que
manipulam, e escutados pelo leitor.
Essas informações sonoras proliferam nos seus textos. Surgem na forma de
pequenos ruídos, barulhos e estrondos emitidos pelos mais diversos instrumentos ou de
grunhidos desprendidos por animais, o autor abusa das onomatopéias. Manifestam-se
também no formato de gritos proferidos por pessoas, normalmente de significado mais
sugestivo do que explícito, até tomarem um aspecto mais elaborado e compreensível, como
nos pregões dos vendedores ambulantes e nas músicas, cujas letras são registradas em
destaque, pelo uso dos tipos em negrito, como acontece no próprio conto em foco com o
canto dedicado a São Gonçalo.
Às vezes a reprodução de alguns sons, por exemplo, aquele produzido por um carro
em alta velocidade, nos remete ao universo das histórias em quadrinho, uma outra
possibilidade de associação entre alguns dos seus textos e essa outra modalidade do
desenho, de forte expressão visual e hoje bastante difundida na forma de comics. A leitura
de determinados contos de acentuado apelo imagístico como possíveis roteiros de histórias
em quadrinhos será invoca novamente adiante.
O som dos pés batendo no “chão de terra socada” é abafado: “Pan-pan-pan-pan!”; o
bater palmas é reproduzido por um som mais estridente: “Pla-pla-pla-plá!”. Note o acento
agudo no último “pla”, representando uma batida mais forte, a derradeira de uma seqüência
ritmada que reforça o efeito fonético pretendido. A frase onomatopéica utilizada na
descrição desses momentos da dança nos possibilita “ouvir” a imagem da festa que vamos
construindo no nosso imaginário. Reforçando o sentido sonoro da estruturação dos
parágrafos temos uma aliteração na repetição das sílabas iniciais das palavras “para” e
“palmas”: “Para bater palmas.” (ibidem, p. 131); “param”: “Param de repente.” (ibidem, p.
106
131) e novamente “para”: “Para os violeiros cantarem viola no queixo.” (ibidem, p. 132).
Completando o quadro sonoro temos a descrição do coro que começa grosso, sobe dessa
forma, mas desce fino, depois “Mistura-se. Prolonga-se. Ôooôh! Aaaah! Ôaaôh! Ôaiiiih!
Um guincho.” (ibidem, p. 132).
Em terceiro, merece registro a linguagem informal e espontânea das personagens,
no caso aproximando-a da fala daqueles que habitavam os limites da cidade, uma região
situada entre os bairros centrais e o interior do estado: “De cima do montão de lenha a
gente vê São Paulo deitada lá em baixo com os olhos de gato espiando a Serra da
Cantareira. Nosso céu tem mais Estrêlas.” (ibidem, p. 138). Região de sítios e chácaras que
deve ter lhe servido de inspiração, considerando que o conto quando foi publicado pela
primeira vez na revista Terra Roxa... e outras terras, 1, de 20 de janeiro de 1926, e
aparece dessa forma datado: “Granja Sta. Maria, dezembro de 925”.
Nessa primeira cena destacamos os poucos diálogos reproduzidos que, apesar de
escassos, são bastante expressivos do modo típico do falar acaipirado. Destaque para a
conjugação do verbo e a transformação sofrida pelo adjetivo na frase: Tu não é mió que os
outro, diabo!” (ibidem, p. 132; grifos meus). E principalmente para o fato do pronome
“outro” não flexionar para formar o seu plural, apontando para a criação de uma nova
estrutura sintática de concordância, ou melhor, de não concordância, que irá marcar a
linguagem coloquial do paulistano e do paulista, pelo menos de parte dessa população, até
nossos dias. Não podemos esquecer ainda dos versos iniciais da canção em louvor ao santo:
É êste o primeiro velso / Qu’eu canto pra São Gonçalo” (ibidem, p. 132; grifos meus). A
substituição do “r” pelo “l”, bastante comum na linguagem corrente do interior do estado, e
a fusão de “que” mais “eu” originando a corruptela “Qu’eu”, são indicativos de uma fala
desprendida das normas mais rígidas da língua culta ou formal.
O escritor dedicou-se a transcrever para os seus textos, principalmente para suas
narrativas de ficção, a linguagem falada no cotidiano de diversos grupos sociais, em
especial, dos imigrantes com sua maneira pitoresca de se exprimir, do período que
testemunhou. Essas variações estilísticas reforçam a idéia da linguagem como um elemento
essencial de identificação sociocultural.
107
Em quarto e último, quase despercebido passa a presença de um japonês na cena.
Seu Kashamira, abrasileirado para “seu Casimiro”, é convidado a entrar na festa/culto, vem
acompanhado com a mulher e o filho brasileiro, sugerindo a miscigenação entre a primeira
leva de imigrantes japoneses e os brasileiros e o surgimento de uma primeira geração
nascida desse encontro de raças. O que merece destaque, pois o autor é mais conhecido
pelas suas narrativas que retratam a relação entre imigrantes italianos e brasileiros, e os
seus descendentes. A presença de um outro tipo de imigrante já considerado participante
daquela comunidade e de seus descendentes nipo-brasileiros, que como os italianos
representados principalmente em Brás, Bexiga e Barra Funda, aparece adaptado aos
costumes locais - seu Kashamira, logo que entra no recinto onde acontece os eventos faz
reverência a São Gonçalo - sublinha a possibilidade de leitura da sua obra como
documentação de um momento singular da história de São Paulo, momento de crescimento
da cidade em vários sentidos: espacial, econômico, cultural e populacional. Daí a
contribuição dos imigrantes japoneses que aqui inicialmente chegando são direcionados
para as plantações de café no interior do estado, mas não se adaptam e com o tempo
procuram se reaproximar da cidade e acabam se fixando em suas bordas, na região
conhecida hoje por “cinturão verde”, responsável por grande parte da produção de
hortifrutigranjeiros que abastecem nossas feiras e mercados.
Retornando a narrativa: a festa segue seu ritmo frenético, de repente ouvimos a voz
da protagonista:
“Cabeças mulatas espiam nas janelas. A porta é um monte de gente. Dona Teresa
desdentada recebe os convidados.
Não vê que meu defunto seu Vieira tá enterrado já há dois ano... Faiz mesmo dois
ano agora no Natar.
Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Pan!
A arma dêle tá penando aí por êsse mundo de Deus sem podê entrá no céu.
Pla-pla-pla-plá! Pla-plá!
Eu antão quiz fazê esta oração pra São Gonçalo deixá êle entrá.” (ibidem, p. 133).
108
Temos o início da configuração de dona Teresa Ferreira, A Piedosa Teresa, que
ressalta apenas uma de suas feições físicas mais imediatas: o feitio de sua boca, no caso,
desdentada. Todavia, a imagem da personagem-tipo começa a tomar corpo através do modo
peculiar de sua fala. Ele utiliza nesse caso, e como de resto na quase totalidade de suas
composições narrativas, o discurso direto para dar voz às suas personagens e através dessas
elocuções espontâneas não apenas revelar verbalmente o pensamento de cada uma, mas
sobretudo contextualizá-las num determinado segmento social - a forma que a personagem
se expressar revela sua origem e posição na sociedade - e, de quebra, traçar alguns de seus
aspectos psicológicos.
Teresa Ferreira vai se apresentando ao leitor à medida que conversa com outro
personagem. Além da maneira pela qual se expressa, deformando a fonética, a sintaxe e a
prosódia, que a identifica como membro daquela comunidade, outras informações
contribuem para compor sua imagem: descobrimos que é viúva, que é a dona da casa onde
a festa acontece, que é quem organizou a festa e a celebração ao santo. A piedosa Teresa
parece ainda guardar luto pela alma do marido falecido há dois anos. Parece.
A dança, a música e a festa continuam. Pelas tantas é novamente dona Teresa que
fala:
Não vê que o Crispim tambêm pegou uma doença danada. Não Havia geito de
sará. O coitado quiz até se enforcá num pé de bananeira!
Dona Teresa é viuva. Viuva de um português. Mas nem oito dias passados dona
Teresa se ajuntou com o Crispim. A filhinha dela ri enleada e é namorada de um polaco. Na
Fazenda Santa Maria está sozinha pela sua boniteza. Dona Teresa cuida da alma do morto e
do corpo do vivo. No carnaval dêste ano organizou um cordão. Cordão dos Filhos da Cruz.
Dona Teresa é pecadora mas tem sua religião. Todos gostam dela em toda a extensão da
Estrada da Cachoeira. Dona Teresa é geitosa, consegue tudo e ainda por cima é pagodeira.
Artá de São Gonçalo
109
Artá de nossa oração
Nóis antão fizemo uma promessa que se Crispim sarasse nóis fazia esta festinha.”
(ibidem, p. 134-135).
Ao esboço inicial, outros traços vão sendo agregados. A imagem vai se tornando
mais nítida, embora permaneça a idéia de apresentar o caráter da protagonista reduzido ao
essencial. Dona Teresa, que já sabíamos ser viúva, “casou” novamente logo após a morte
do esposo com o seu Crispim, o que nos faz recordar a fama de casamenteiro de São
Gonçalo. Aproveita então a festa dedicada ao santo para pedir pela alma de um e agradecer
pela cura do outro: “Dona Teresa é pecadora mas tem sua religião.” (ibidem, p. 135).
Organiza cordões, ranchos de motivo religiosos, no carnaval, é benquista por toda a
vizinhança, além de pagodeira.
No trecho em destaque encontramos outra referência ao processo de miscigenação
em curso na cidade e no interior paulista provocado pelas várias correntes imigratórias
basicamente européia que trouxeram mão-de-obra para as fazendas de cultivo de café no
estado, principalmente no final do século XIX e início do século XX. A filha de dona
Teresa namora um polonês. Até o final da narrativa será comentado ainda o caso de Rosa
que fugiu com um italiano casado e voltou sozinha “com o ventre redondo”. Ou seja, várias
situações nas quais afloram a sensualidade e a sexualidade, assuntos velados que estão na
zona de influência do santo. E a enfermidade do seu Crespin? Será conjeturar muito
interpretá-la como uma doença venérea?: Não vê que o Crispim tambêm pegou uma
doença danada. Não Havia geito de sará.” (ibidem, p. 134). Já próximo do final da cantoria
escutamos novamente dona Teresa ordenando:
Depois é a veiz das moça. Quem quizé pode pegá o santo e dançá com êle
encostado no lugá doente.” (ibidem, p. 137; grifo meu).
E a festa continua até o amanhecer do dia seguinte.
110
Os fragmentos apresentados desse conto apresentam outro aspecto do estilo literário
do escritor: o foco narrativo de seus textos ficcionais se desloca da primeira pessoa, do
narrador-personagem, ora apresentado através do discurso direto, ora do indireto, para a
terceira pessoa, ou seja, um narrador-observador ou onisciente, como acontece em A
Piedosa Teresa.
Esses são alguns exemplos ilustrativos de efetivação da técnica caricatural, utilizada
para descrever as características físicas essenciais e os aspectos inerentes do caráter dos
personagens-tipos que habitam os contos de Laranja da China. Outros recursos narrativos
invocarão outras formas de imagens. É o que veremos e leremos no decorrer deste trabalho.
Ruas, passagens e avenidas... caminhos que cortam as paisagens paulistanas
Esses seres ocupam dois tipos de cenários nos enredos das suas narrativas
ficcionais: um externo, ou seja, os múltiplos espaços coletivos e públicos da cidade, que são
identificados pelos seus nomes reais e constituem normalmente locais de referência de São
Paulo; outro interno, que pode ser uma residência ou o local de trabalho da personagem-
tipo principal ou de um (a) coadjuvante.
No espaço externo muitas vezes a personagem-tipo vagueia no meio da multidão
agitada que já prenchia os espaços dos passeios públicos e transbordava para o meio das
ruas. Acompanhá-la nos possibilita conhecer as principais vias de circulação da cidade
daquela época, desde que não a perdemos de vista no meio da turba buliçosa que conferia a
urbes ares metropolitanos. Pierre Denis, um viajante que passou por aqui em 1900,
observava que São Paulo era um dos poucos lugares do Brasil onde se podia avistar uma
multidão.
A multidão é um dos fenômenos urbanos mais característicos do processo de
modernização e de modernidade pelo qual passaram as grandes cidades européias,
principalmente Paris e Londres, a partir da segunda metade do século XIX. Nessas capitais,
a multidão fascinou a escritores, poetas e pintores. Alguns contos de Edgar Allan Poe são
referências obrigatórias sobre o assunto, em especial L’homme des foules. Assim como
111
certos poemas de Charles Baudelaire, como A une passante. Walter Benjamin, no seu
clássico ensaio A Paris do Segundo Império em Baudelaire coteja os escritos de Karl Marx,
Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe e Victor Hugo, além de citar fragmentos de obras de
Gustave Flaubert, Honoré de Balzac, E. T. A. Hoffmann e Charles Dickens, entre outros,
criando um interessante quadro sobre a relação multidão versus indivíduo, ou seja, um dos
dilemas da modernidade. Não conheço texto mais belo sobre o tema.
Em A Paris do Segundo Império em Baudelaire, Benjamin dedica uma das partes a
figura do flâneur e o faz analisando fragmentos de romances, novelas, poemas e contos dos
escritores acima citados. Um desses contos é O homem da multidão, de Edgar Allan Poe.
Na leitura dessa intrigante história podemos tanto aprender mais sobre o fenômeno
da multidão, como entender a figura do flâneur e sua relação com a cidade moderna.
Sua sinopse: a história se passa em Londres, num final de tarde de outono. Detalhe
importante, pois o conto tem na variação da luz, um de seus fortes elementos dramáticos. O
protagonista da narrativa encontra-se sentado num café observando pela vidraça o fluxo de
pessoas de uma das principais artérias do centro da capital. A luz do fim do dia, somada a
fumaça no interior do café, que embaça as vidraças, dá a cena um efeito fantasmagórico
que contribui para acentuar a atmosfera surreal da visão do narrador, ou seja, o próprio
protagonista, pois a trama é narrada em primeira pessoa. Nessa cidade, uma das maiores do
mundo na metade do século XIX, condição que conserva até hoje, a multidão se torna mais
presente ao chegar da noite, naquele período entre o final de mais uma jornada de trabalho
e a hora do retorno para casa. Em verdade, na história, o que causa um certo estranhamento,
mesmo considerando o fato de ser Londres, é a multidão permanecer nos espaços públicos
centrais até de madrugada. E mais: quando ela está se tornando rarefeita, reaparece nas
primeiras hordas de trabalhadores que pela manhã se dirigem à labuta. O principal motivo
que o protagonista-narrador aponta para a permanência da multidão diuturnamente na área
central é o advento da luz artificial, substituindo os lampiões a gás, estendida do espaço
privado para iluminar o público. A luz artificial aumentou a sensação de segurança nas
noites das grandes cidades e permitiu que os estabelecimentos comerciais ampliassem o seu
horário de funcionamento, atraindo dessa forma mais gente para a vida noturna.
112
Nesse momento quando a multidão engrossa, o protagonista-narrador se regozija
contemplando-a: “o mar tumultuoso de cabeças humanas enchia-me de uma emoção
deliciosamente inédita” (Santaella, 1984, p. 131). Começa a arrolar os grupos e tipos
citadinos, temos então uma curiosa descrição da fauna urbana: “nobres, comerciantes,
procuradores, negociantes, agiotas” (ibidem, p. 131), “pequenos funcionários de firmas
transitórias” (ibidem, p. 131), “funcionários categorizados de firmas respeitáveis” (ibidem,
p. 132), batedores de carteira, jogadores de toda laia, almofadinhas, militares, mendigos
profissionais - observe que à medida que a noite se torna mais profunda, a multidão se
metamorfoseia numa massa de tipos mais ordinários, a gentalha toma as ruas. E completa o
quadro multifacetado:
“(...) débeis e cadavéricos inválidos, sobre os quais a morte já estendera sua garra, e
que se esgueiravam pela multidão, olhando, implorantes, as faces dos que passavam, como
se em busca de alguma consolação ocasional, de alguma esperança perdida; mocinhas
modestas voltando para seus lares taciturnos após um longo e exaustivo dia de trabalho e
furtando-se, mais chorosas que indignadas, aos olhares cúpidos dos rufiões, cujo contato
direto, não obstante, não podiam evitar; mundanas de toda sorte e de toda idade: a
inequívoca beleza no auge da feminilidade, lembrando a estátua de Luciano, feita de
mármore de Paros, mais cheia de imundícies em seu interior; a repugnante e desarvoradora
leprosa vestida de trapos; a velhota cheia de rugas e de jóias, exageradamente pintada, num
derradeiro esforço por parecer jovem; a menina de formas ainda imaturas, mas que, através
de longa associação, já se fizera adepta das terríveis coqueterias próprias do seu ofício e
ardia de inveja por igualar-se, no vício, às suas colegas mais idosas; bêbados inúmeros e
indescritíveis; uns, esfarrapados, cambaleando inarticulados, de rosto contundido e olhos
vidrados; outros, de trajes ensebados, algo fanfarrões, de lábios grossos e sensuais, e face
apopleticamente rubicunda; outros, ainda, trajando roupas que, em tempos passados,
haviam sido elegantes e que, mesmo agora, mantinham escrupulosamente escovadas;
homens que caminhavam com passo firme, mas cujo semblante se mostrava medonhamente
pálido, cujos olhos estavam congestionados e cujos dedos trêmulos se agarravam, enquanto
abriam caminho por entre a multidão, a qualquer objeto que lhes estivesse ao alcance; além
113
desses todos, carregadores de anúncios, moços de frete, varredores, tocadores de realejo,
domadores de macacos ensinados, cantadores de rua, ambulantes, artesãos esfarrapados e
trabalhadores exaustos, das mais variadas espécies tudo isso cheio de bulha e
desordenada vivacidade, ferindo-nos discordantemente os ouvidos e provocando-nos uma
sensação dolorida nos olhos.” (ibidem, p. 133).
A essa incrível lista de tipos que a cidade produziu ou atraiu, acrescentamos a
trindade: o dandy, o voyeur e o flâneur. O primeiro identifica vários escritores que
registraram as mudanças e os choques nos costumes, sentimentos e na razão - na maneira
de apreender o mundo no período entre o final do Romantismo e início da Modernidade -,
dentre eles o próprio Poe; o segundo, o protagonista do conto que se deleita observando a
multidão e sua transformação; o terceiro, “um velho decrépito” (ibidem, p. 131), cujas
feições e atitudes impressionam tanto o narrador que este irá sair de sua confortável posição
de espectador para segui-lo por entre a multidão.
Esse velho é o flâneur, mas um flâneur diferente. Para entendermos sua natureza
precisamos do auxilio de Walter Benjamin, pois foi o filósofo alemão o primeiro a
compreender a originalidade desse personagem de Poe.
Precisamos primeiramente entender que o flâneur não é um simples passante.
Enquanto este se limita a percorrer a cidade, aquele tem a cidade como sua casa. Lembra
Benjamin sobre ele:
“(...). A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios,
sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele, os letreiros
esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom ou melhor que a
pintura a óleo no salão do burguês; muros são a escrivaninha onde apóia o bloco de
apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e os terraços dos cafés, as sacadas de
onde, após o trabalho, observa o ambiente. Que a vida em toda a sua diversidade, em toda a
sua inesgotável riqueza de variações, só se desenvolva entre os paralelepídedos (sic)
cinzentos (...).” (Benjamin, 1989, p. 35).
114
É necessário que se diga, que o flâneur é um ser anti-social. Ele aprecia as ruas, mas
não os passantes. Ele vaga pelas ruas ignorando conscientemente os transeuntes. O flâneur
tem que viver nesse dilema: quer a rua somente para si, mas sabe que a rua despovoada de
outros não é a rua das grandes cidades que tanto ama. Ele tem que suportar todos aqueles
que ocupam os mesmos espaços que julga serem seus. E mais: não quer perder sua
privacidade, mesmo no meio da multidão.
Por isso ele adora as galerias, as passagens que unem uma rua à outra. Por vários
motivos: porque são “interiores urbanos” a meio caminho entre o lar e a rua, elas afastam
os automóveis.O flâneur odeia os automóveis ou qualquer outro meio de transporte que
circule no perímetro urbano: “Na Paris de Baudelaire, ainda (...) se apreciavam as galerias,
onde o flâneur se subtraía da vista dos veículos que não admitem o pedestre como
concorrente.” (ibidem, p. 50). De quebra, as galerias são pouco utilizadas pelos pedestres,
quando comparadas com as ruas. O flâneur gosta de espaços livres para circular, mesmo
sabendo da incompatibilidade entre espaços não ocupados e a constituição das cidades
modernas. Além disso, não podemos esquecer que as galerias são aproveitadas como
centros comerciais, logo estão sempre iluminadas, retardando o anoitecer e atraindo as
pessoas para uma permanência mais longa nesse espaço comum: “As primeiras lâmpadas a
gás arderam nas galerias.” (ibidem, p. 47). Exatamente pela sua função comercial,
concentram grande número de vitrines, e estas proporcionam outro efeito de fantasmagoria
que o flâneur adora apreciar. Através dessas estruturas envidraçadas as mercadorias
parecem perder sua substancialidade, a constituição do vidro, meio viscosa, distorce a
imagem daquilo que miramos através delas. Além do mais, é necessário que se diga, o
flâneur é um ocioso e não um consumidor. Ele olha as mercadorias com curiosidade, gosta
da imagem delas espelhadas nas vitrines, mas não as compra, antes, as desdém.
Transgressor, se recusa a fazer parte do circuito do mercado capitalista. Sobre esse seu
passatempo de passear por entre as mercadorias, acrescenta Benjamin:
“(...). Se a galeria é a forma clássica do interior sob o qual a rua se apresenta ao
flâneur, então sua forma decadente é a grande loja. Este é, por assim dizer, o derradeiro
115
refúgio do flâneur. Se, no começo, as ruas se transformavam para ele em interiores, agora
são esses interiores que se transformam em ruas, e, através do labirinto das mercadorias, ele
vagueia como outrora através do labirinto urbano. Um traço magnífico do conto de Poe é
que ele inscreve, na primeira descrição do flâneur, a imagem do seu fim.” (ibidem, p. 51).
Na história o que impressiona o protagonista que observa atentamente o velho se
locomovendo no meio da turba, não é o fato desse flâneur andar sem um destino
predefinido, afinal a errância é a essência da flânerie, mas sim que todo o seu caminho seja
feito somente no interior da multidão, não a atravessando, mas utilizando-a como meio para
se locomover na cidade e simultaneamente como fim, pois é nela que quer sempre estar.
Esse homem não se contenta em caminhar por entre a multidão, ele tem a necessidade
misteriosa, para o protagonista, de caminhar com a multidão. Dessa forma, ele só vai para
aonde a multidão for, ele só está onde há multidão possa levá-lo. Ele permanece em
constante movimento, passa de uma multidão para outra e quando para em algum lugar é
porque todas as multidões já se dissolveram. Então, ele aguarda impacientemente em algum
estabelecimento fechado, mas que esteja cheio de gente, até o retorno de um novo dia, e
com ele o ressurgimento das multidões.
Para tanto ele conhecer o horário e o local onde cada multidão se forma. Da região
central até os bairros mais periféricos, e vice-versa, seu roteiro é sempre organizado pelo
fluxo das multidões. Ao final, depois de persegui-lo por diversas avenidas, ruas, praças e
outros lugares de Londres - por um ciclo de vinte e quatro horas: noite alta, madrugada,
manhã, tarde e um novo avançar da noite -, no meio da chuva e do frio, dirá o protagonista-
narrador exausto, observando o retorno do velho ao coração da cidade, aproveitando o
reaparecimento dos fluxos das multidões no mesmo local onde foi visto pela primeira vez
no início do conto:
“‘Este velho’, disse comigo, por fim, é o tipo e o gênio do crime profundo. Recusa-
se a estar só. É o homem da multidão. Será escusado segui-lo: nada mais saberei a seu
respeito ou a respeito dos seus atos. (...)’.” (Santaella, 1984, p. 138).
116
O conto se fecha, desse modo, no mesmo local e hora em que se iniciou no dia
anterior. O flâneur retoma seu destino: vaguear para sempre por entre a multidão. Nessa
perspectiva, o conto não tem fim, recomeça sempre do seu final. É mais um dos “jogos
literários” de Poe. É um recurso “magnífico”, como definiu Benjamin, que o escritor norte-
americano lança mão para provocar no leitor um misto de surpresa e estranheza, aliás
palavras muito utilizadas para expressar algumas das sensações que causam as leituras dos
textos poeanos.
Ainda não respondemos de forma suficiente quais as diferenças entre a figura mais
conhecida do flâneur e o flâneur que Poe cria para intrigar o protagonista, e a nós mesmos,
nessa sua história.
Como já dissemos, o flâneur aprecia um certo espaço livre para poder circular em
sua casa, ou seja, na rua. No caso do conto, pelo contrário, ele procura os espaços
congestionados pelas multidões. O flâneur de Poe é viciado pela multidão. Ele necessita
retirar dela alguma coisa, talvez a sua energia vital, ele a quer, ou se quer no meio dela,
mas, ao mesmo tempo, a odeia. A partir desse ponto de vista, podemos traçar algum
paralelo entre o seu triste destino e o não menos triste destino do vampiro: ambos mantém
uma estranha relação de amor/ódio com aqueles que lhe são próximos. O dilema do
vampiro é mais insolúvel, afinal ele não sabe se mata tudo que ama ou se ama tudo que
mata; o flâneur não sabe se foge daquilo que odeia, mas necessita - pode se refugiar nas
galerias - ou vai ao reencontro daquilo que verdadeiramente mais ama: ruas e gente.
Benjamin, ao se referir a essa necessidade do flâneu se dissolver a multidão, escreveu: “Na
multidão, a cidade é ora paisagem, ora ninho acolhedor.” (Kothe, 1991, p. 39).
Na multidão descrita por Poe, lembra Benjamin, aqueles que a compõe se
movimentam de modo semelhante às maquinarias da produção fabril, são movimentos de
puro reflexo. Comportam-se mais como autômatos, são indivíduos que perderam suas
singularidades. O resultado é o bloqueamento de uma multidão pela outra, não como
resultado do transito de veículos, que em momento algum é citado no conto, mas sim da
própria natureza dos movimentos da multidão: movimentos mecanizados. Numa concepção
117
mais clássica da flânerie seria impossível com esse quadro seu aparecimento e
desenvolvimento.
Poe borra os limites entre o comportamento naturalmente associal e fugidio do
flâneur e sua necessidade de compartilhar sua casa, à medida, que o coloca no meio e
dependente da aglomeração formada por inúmeros passantes. Para tanto, Poe reveste seu
flâneur com uma blindagem de indiferença que o protege da presença de todos os outros
que formam a multidão espessa, a tal ponto que em nenhum momento ele percebe que está
sendo seguido de perto pelo protagonista-narrador:
“(...). Durante meia hora o velho prosseguiu seu caminho, com dificuldade, ao longo
da grande avenida; eu caminhava grudado aos seus calcanhares, com medo de perdê-lo de
vista. Como nunca voltou a cabeça para trás, não se deu conta de minha perseguição. (...).
As antigas maneiras do estranho voltaram a aparecer. O queixo caiu-lhe sobre o peito,
enquanto seus olhos se moviam, inquietos, sob o cenho franzido, em todas as direções,
espreitando os que o acossavam. Abriu caminho por entre a multidão com firmeza e
perseverança. Surpreendi-me ao ver que, tendo completado o circulo da praça, ele voltava e
retomava o itinerário que mal acabara de completar. Mais atônito ainda fiquei ao vê-lo
repetir o mesmo circuito diversas vezes; quase que deu comigo, certa vez em que se voltou
com um movimento brusco.” (Santaella, 1984, p. 136).
Somente encapsulado pode o flâneur sobreviver no meio da multidão e até mesmo
desejar conviver com ela. O preço que paga, e o flâneur sempre está disposto a pagá-lo, é o
seu total isolamento, a sua total solidão. Lembremos Benjamin quando enxerga Baudelaire
como um praticante da flânerie, com peculiaridades que não adentraremos neste estudo:
“Baudelaire amava a solidão, mas a queria na multidão.” (Benjamin, 1994, p. 47).
O que mais incomoda no conto O homem da multidão, como na análise que
Benjamin fez dele, é que o extravagante comportamento desse flâneur que Poe criou não se
inscreve totalmente na região do fantástico e do maravilhoso, procedimento comum a
tantos personagens seus mais conhecido pelos contos de terror e mistério. Dito de outra
maneira, seu comportamento tem um pé no fantasioso e outro no real, e isso nos faz
118
lembrar o espanto de Breton ao constatar que justamente no fantástico não havia senão
realidade. Poe talvez queira nos demonstrar algo parecido, ou seja, as atitudes desse flâneur
somente potencializam maneiras de agir não tão distantes daquelas praticadas pelo restante
dos homens e mulheres que vivem nas cidades modernas de hoje. No seu jeito de se
relacionar com a multidão, ele parece antecipar, de forma uma tanto exagerada, a maneira
de proceder do indivíduo contemporâneo. Isso vai se delineando quando Benjamin ressalta
como Poe narra a movimentação e o estranho comportamento da multidão:
“(...). Ainda mais surpreendente é a descrição da multidão segundo seu modo de
movimentar-se: ‘A maioria dos que passavam parecia gente satisfeita consigo mesma, e
com os dois pés no chão. Pareciam apenas pensar em abrir caminho através da multidão.
Franziam o cenho e lançavam olhares para todos os lados. Se recebiam um encontrão de
outros transeuntes, não se mostravam mais irritados; ajeitavam a roupa e seguiam
apressados. Outros - e também esse grupo era numeroso - tinham movimentos
desordenados, rostos rubicundos, falavam consigo mesmos e gesticulavam, como se se
sentissem sozinhos exatamente por causa da incontável multidão ao seu redor. Se tivessem
de parar no meio do caminho, repentinamente paravam de murmurar, mas sua gesticulação
ficava mais veemente, e esperavam - um sorriso forçado - até que as pessoas em seu
caminho se desviassem. Se eram empurradas, cumprimentavam as pessoas que as tinham
empurrado e pareciam muito embaraçadas. Poder-se-ia pensar que se está falando de
indivíduos empobrecidos e semi-embriagados. Na verdade, trata-se de ‘gente de boa
posição, negociantes, bacharéis de especuladores da Bolsa’. Algo diverso de uma
psicologia de classe está aqui em jogo.” (ibidem, p. 48-49).
Trata-se uma psicologia das massas, das multidões que não surgiram com as
grandes cidades contemporâneas, mas se intensificaram nelas. O conto de Poe retrata a
profunda solidão do homem moderno que caminha por entre outras pessoas sem querer
perceber a presença delas. Isolados no meio de tantos, esse homem vivencia um retraimento
consciente. Como ele, caminhamos no meio da multidão, absortos em interesses
particulares, com “um sorriso forçado”, desviamo-nos dos outros passantes. Preferimos
119
nossa própria companhia que a de outros, preferimos conversar com nosso subjetivo, no
lugar de nos comunicarmos com aqueles que habitam e circulam na mesma cidade.
Para Benjamin, o flâneur é um abandonado na multidão” (ibidem, p. 51). Nosso
comportamento em relação ao coletivo, do qual somos parte integrante, se esvai,
encontramo-nos abandonados no meio da multidão. Talvez não nos assemelhamos ainda
àquele homem da multidão de Edgar Allan Poe, mas estamos cada vez mais solitários,
exatamente onde deveríamos estar em comunhão: na cidade, local de convivência de
cidadãos.
A multidão também aparece nas histórias de ficção do autor. Em alguns dos contos
de Laranja da China comentados anteriormente pudemos avistá-la. Em O Filósofo Platão
ela se encontra nos pontos de parada de ônibus e bondes. Em O Ingênuo Dagoberto, a
família do interior que vem passear na capital encontra um Parque Antártica ocupado pela
multidão que acabara de sair da partida de futebol. Em O Mártir Jesus, a multidão se diverti
no corso de carnaval que se tornava mais emocionante quando saia da Avenida Paulista e
seguia para o bairro dos operários, o distante e alegre Brás. Atravessar o Rio Tamanduateí
era se aventurar por uma outra cidade, nos fascinantes e perigosos arrabaldes da mesma.
Por outro lado, a multidão que se diverte pode se transformar numa massa sediciosa quando
provocada. É o que acontece em Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria.
O escritor ainda retratou a multidão em suas crônicas diárias publicadas por
diversos jornais em meados da década de vinte. Dentre elas, destacamos uma intitulada o
“O centro da cidade de S. Paulo”, na qual somos convidados para um passeio imaginário
pelo famoso “triângulo central”, o núcleo inicial do povoamento e da urbanização da
cidade, o centro do centro. Nessa crônica, junto com ele, percorremos ruas, atravessamos
praças e paramos em locais conhecidos. Durante a caminhada observarmos a aglomeração
de pessoas, grupos e tipos que circulam nessas artérias centrais, as lojas e outros
estabelecimentos comerciais, os prédios públicos e privados, os monumentos e demais
lugares importantes do trajeto, sempre acompanhado as suas explicações. Ele se comporta
como um guia turístico que vai apontado e comentando em tom didático sobre os pontos
interessantes do roteiro. A versão integral do texto foi extraída do livro Cavaquinho e
Saxofone (solos): 1926/1935:
120
“O centro da capital paulista tem a forma de um triângulo mais ou menos retângulo,
cujos três lados são: a rua Direita, a rua 15 de Novembro e a rua S. Bento. A mais bonita é a
rua 15 de Novembro onde existe o Cinema Triângulo que funciona durante o dia e se
acham instalados em prédios cotubas os grandes bancos. De tarde ficam muitos italianos
nas calçadas impedindo o triângulo (no texto originalmente publicado no Diário da Noite,
edição de 27 de junho de 1926, se lê: “trânsito”; observação minha), o que é um desafôro
porque a gente quer passar e não pode. Ouvi dizer que a italianada se reune alí para vigiar o
dinheiro que possue na Banca Francese ed Italiana per l’America del Sud e eu acredito que
seja verdade.
A praça António Prado fica no fim da rua 15. Antigamente se chamava largo do
Rosário. Tinha a confeitaria Castelões onde a gente comia quatro empadinhas de camarão
muito gostosas e só pagava duas porque a gente não era trouxa. Hoje existe a Brasserie
Paulista onde as famílias não pidem (sic) ir à tarde porque é mal frequentada. Há também o
Correio Paulistano que é um jornal muito velho e que elogia certas pessoas só durante
quatro anos e o “Estado de S.Paulo” que aos domingos dá trinta e duas paginas e até mais
com bonitos anúncios de automóveis e cinemas mostrando bem o progresso de S.Paulo.
Depois vem a rua S. Bento. Esta rua é bastante simpática, asfaltada, com o prédio do
Crespi que tem nove andares. O que hoje não é nada porque há no centro da cidade e fóra
dele mesmo construções que têm dez, doze e quinze andares, de forma que S. Paulo
continuando assim é capaz de bater a própria Nova York.
A S. Bento começa na estátua de José Bonifácio e acaba no relógio de S. Bento. No
largo dêsse relógio fica tôdas as tardes uma porção de criadas que é mesmo uma vergonha.
Tem também muitos automóveis de luxo, mas os chauffeurs são uns águias e a polícia nem
se incomoda.
A rua S. Bento pega de um lado a praça do Patriarca onde existe no meio uma
coluna que é mesmo uma indecência. A maior atração dessa praça são os grilos a cavalo.
Pára gente o dia inteiro só para ver a pôse engraçada deles.
Olhando meio de lado para o viaduto do Chá encontra-se o prédio da Casa Mappin
Stores. Em frente dele há sempre almofadinhas de várias idades que tomam sol horas a fio
121
só para dizerem piadas às moças que passam desacompanhadas. São os elegantes da cidade
na maioria tão cretinos que até a gente fica com pena deles.
Por último vem a rua direita completamente torta. É a mais chique da cidade. Nela
as meninas que querem casar e as mulheres que querem outra cousa se exibem
principalmente aos sábados. Então os moços ficam parados à beira das calçadas e elas vão
da Casa Mappin à Casa Lebre e depois voltam. Isso a tarde inteira sem parar. Parece que
em Paris também é assim e é por isso que a policia não leva os tais e as tais direitinho para
o xadrez. Mas que mereciam, mereciam mesmo.
Na rua Direita é que está a Casa Alemã. No último andar dêste estabelecimento
comercial é que está o salão de chá que desbancou o da Casa Mappin. É muito limpo, mas o
pessoal que vai lá só quer saber de se mostrar e namorar. Uma espécie de corso da Avenida
Paulista parado e fechado com direito a comidas e bebidas. Pelo menos tem o mesmo fim.
Ainda nessa rua Direita ficam reunidas em grupo as pessoas que falam mal da vida
alheia. São muitas e quasi tôdas de bonita posição. Tudo que dizem é inventado mas não
faz mal porque dá prazer e faz efeito. Para êsses sujeitos tôdas as mulheres de S. Paulo
enganam os maridos quasi sempre com êles (sic) mesmos sujeitos. E aí é que está o gôzo.
Parece que todo paulista já nasce com êsse costume feio de inventar e contar escândalos da
sociedade. É só para isso que existem o Automóvel Clube, a porta do Jornal do Comércio,
os salões de barbeiro, o refúgio da praça do Patriarca e outros lugares.
Fora do Triângulo há ainda ruas e praças importantes como a rua Líbero Badaró que
já foi muito pândega, mas agora tomou juízo e se alargou; a praça da Sé com uma catedral
que se acabar será a primeira da América do Sul de tão alta e larga, uma espécie de garage
ao ar livre e vários pausinhos pintados de branco e vermelho para o carioca pensar que S.
Paulo é uma cidade de formidável movimento e morrer de inveja; o largo de S. Francisco
em que fica a Faculdade de Direito de onde saíram a Abolição e a República e hoje saem
funcionários públicos; o largo do Palácio, lugar muito histórico porque foi nele que o padre
Anchieta fundou a cidade, sem prever o monumento da fundação, porque se previsse não
fundava nada; a avenida São João muito querida dos vendedores ambulantes e dos senhores
membros da Câmara Municipal; a rua da Boa Vista que de repente pára porque o viaduto
não há meio de sair mas é muito necessário, pois encurtará a distância que separa o hotel
122
d’Oeste, onde se hospedam os diretórios do interior, do palácio do Exmo. Govêrno, e assim
por diante.
Eu embirro solenemente com o centro da minha cidade natal. Por isso, se fôsse a
polícia, mandava fechar o Triângulo e prendia tôda a gente que vive nele, menos o
vassoureiro que apregoa em francês, o velhinho das castanhas sêcas, o Bródo, o cego da
travessa do Grande Hotel e uma pessoa que eu não digo, porque essas são criaturas
inocentes que não têm culpa do progresso de S. Paulo e dos seus foros de cultura e
civilização.” (Machado, 1940, p. 3-6).
Nessa rápida caminhada, podemos identificar alguns temas importantes que
permeiam grande parte de seus textos: a relação afetiva com a cidade, a imigração, o
cinema, a imprensa e a publicidade. Vamos pontuar e comentar alguns deles.
Aproveitaremos as referências às ruas e alguns lugares importantes da paisagem central
para refletirmos sobre aspectos do passado e do presente.
Inicialmente desperta a atenção a idéia, mais precisa na época, de que a cidade tinha
um centro. Uma única região de confluência e interconexão de serviços - de hospedagem,
de alimentação, financeiros, jurídicos, educacionais, religiosos -, de comércio, de uma rede
de transporte e comunicação e de algumas poucas atividades ligadas diretamente à
produção artesanal e fabril.
As ruas principais desse centro único formavam um triângulo imperfeito, “mais ou
menos retângulo” (ibidem, p. 3). Ruas de passeio e de estar, ao contrário de hoje, vias de
passagem de uma multidão sempre apressada. Dessas ruas, a Rua XV de novembro -
primeiramente chamada Rua do Rosário, referência à antiga Igreja do Rosário de onde a rua
partia, depois Rua da Imperatriz e finalmente, com a Proclamação da República, recebeu o
atual nome - já abrigava os prédios das grandes instituições bancárias. É nela que no
passeio encontramos os ruidosos grupos de italianos depositando nos bancos o capital
acumulado, resultado do sucesso da ascensão social de parte desses imigrantes. Mas a XV
de Novembro não era somente o centro financeiro da cidade, pois na época localizava-se ali
também o famoso cinema Triângulo, próximo do Largo do Tesouro, hoje início da Ladeira
Porto Geral, que se tornou inovador na forma de exibição dos filmes, ou melhor, das fitas
123
como eram chamadas as películas cinematográficas, ao inaugurar as matinês em dias úteis
da semana.
Observemos que o tom por vezes irônico utilizado na descrição dos lugares,
paisagens, situações ou tipos pitorescos que perambulavam pela região serve para
desmistificar uma suposta grandiosidade de elementos representativos do progresso urbano.
Até mesmo desmistificar os choques entre forças antagônicas desencadeadas pelo processo
modernizador em curso na urbe e particularmente visível na área. No lugar de um olhar
estupefato encontramos um outro, blasé, quase totalmente familiarizado com aquela
realidade. A esse olhar anestesiado, domesticado, indiferente, outros, - ingênuo, indignado,
comovido - serão somados até o final do passeio.
Para muitos que estudam o período em foco, essa convivência entre o presente
moderno, com toda a carga de energia desprendida pela modernidade, e o passado
tradicional, vestígios físicos e comportamentais de uma São Paulo ainda colonial-
monárquica, em certos momentos, faz pairar a dúvida do quão moderna foi essa
modernidade.
Na continuidade de nosso passeio paramos na Praça Antônio Prado, antigo Largo do
Rosário. Este espaço foi reurbanizado na gestão do conselheiro Antônio Prado, prefeito do
município na primeira década do século passado. Na ocasião dessa reurbanização, a antiga
Igreja do Rosário foi demolida para ampliação do largo objetivando desafogar o trânsito de
veículos e pedestres. Tal atitude precauciosa indica a preocupação do poder público com a
necessidade de preparar aquele espaço para os efeitos do desenvolvimento econômico já em
curso desde a virada do século XIX para o XX.
Homem empreendedor, Antônio Prado promoveu no centro o primeiro tratamento
urbanístico da cidade. Em sua gestão se deu a ampliação do perímetro urbano da zona
central, interligando-a às outras regiões da cidade.
Nessa praça encontravam-se a famosa confeitaria Castelões, a cervejaria Paulista e
as sedes de dois distintos órgãos da imprensa, o quase centenário Correio Paulistano e o
Estado de S. Paulo. O primeiro, conservador e oportunista; o segundo, liberal e moderno. O
jornal Estado de S. Paulo - seu nome original era Província de S. Paulo - já imprimia uma
tiragem dominical especial, na que os bonitos anúncios de automóveis e cinemas
124
comprovavam, o progresso da capital. Vivia a cidade um progresso real ou apenas uma
modernidade impressa em anúncios e reclames? Certamente, os dois aspectos se
articulavam dialógicamente.
Os anúncios nos periódicos da época nos remetem a outro fato importante do
período: o desenvolvimento da publicidade, relacionado ao aparecimento das modernas
técnicas de impressão e a popularização dos meios de comunicação de grande alcance, além
do jornal, as revistas e pouco depois o rádio.
Na Rua São Bento - denominada no período colonial Rua Direita de São Bento, pois
era desta direção que a rua partia da antiga Igreja de São Bento - encontramos o prédio do
grupo Crespi, importante família empreendedora do ramo de cotonifício, cuja principal
industria localizava-se no bairro da Mooca, com seus nove andares, o local foi conservado e
até hoje pode ser apreciado pela sua singularidade arquitetural. Não era o maior edifício da
cidade, havia outros que tinham dez, doze e até quinze andares sempre lembrando os
paulistanos da possibilidade de São Paulo ultrapassa Nova York, no que diz respeito às
escalas arquitetônicas.
Destacando o início e o fim da São Bento “bastante simpática, asfaltada” (ibidem,
p.4), ele aponta dois interessantes elementos da paisagem local, até hoje pontos de
referência para quem circula pela aquela via. O primeiro é a estátua do paulista José
Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca do processo de independência do Brasil, figura
reverenciada pela burguesia quatrocentona, da qual, aliás fazia parte. A escultura encontra-
se ainda hoje próxima do local descrito, mesmo após tantas intervenções urbanísticas, com
seu ar tranqüilo, contrastando com o da população que passa ligeira e atarefada pela praça,
indiferente àquele homem de casaca, perdido no meio de tantas placas, mercadorias e gente.
Se hoje marcarmos um encontro na Praça do Patriarca, corremos o risco de nos
perdermos no meio da multidão. Naquela época porém parecia haver rápidos e indecentes
encontros no local. Essa observação nos possibilita conjecturar sobre a diversidade de
condutas assumidas no espaço público com o advento da modernidade.
Para além de representar uma mudança radical na vida material, a modernidade
significou a liquidação avassaladora das tradicionais formas de convivência. Através da
leitura dos jornais e de outros documentos do período, percebemos que nem todos os
125
homens e mulheres se conformaram às mudanças abruptas de comportamento. Alguns se
adaptaram rapidamente, mas muitos reagiram com a mesma força que o novo tentava se
impor.
Mimetizando alguns de seus personagens, em certos momentos da crônica,
incorpora esse tipo de homem que, por um lado, legitima e se orgulha do desenvolvimento
econômico e material, por outro, é refratário às mudanças culturais, e até mesmo se indigna
com as posturas ousadas que invadiram os lugares públicos.
Ao se colocar no papel desses homens repartidos entre dois mundos irreconciliáveis
- de um passado recente, cujos vestígios e ruínas se espalhavam ainda pela cidade, e
principalmente na memória e no imaginário de muitos, e de um presente que a cada dia
impunha uma nova ordem -, o autor representa a crise que a modernidade instaurou no
coração e nas mentes dos habitantes de todos os lugares onde vingou. Processo tenso e
contraditório, essa dialógica destruição/recriação do capitalismo moderno, gerou indivíduos
cindidos.
Seguindo até o final da Rua São Bento, chegamos no largo e encontramos o outro
ponto de referência que marcava a paisagem central: um relógio público de três faces.
Desse modelo, de Níchile, resta apenas um exemplar situado no início da Avenida São
João, no encontro com a São Bento.
Existem várias fotografias que retratam o Largo São Bento na década de vinte e
nelas o relógio aparece quase sempre como o elemento de maior destaque. O seu registro
mais real e emocionante é o documentário silencioso “São Paulo, a symphonia da
metrópole”, filmado em 1929 pelos húngaros Adalberto Kemeny e Rodolpho Rex Lusting.
O filme, restaurado pela Cinemateca Brasileira, mostra o completo frenesi na região
central. Em pelo menos um dos planos o Largo São Bento com o relógio é focalizado.
Marcador do tempo e, em múltiplos sentidos, de um novo tempo, era para ele que os
olhares apressados e inquietos convergiam. Como toda metrópole moderna, São Paulo
desejava marcar seu tempo coletivo com precisão.
O relógio foi colocado no meio do largo que funcionava como uma rotunda. Os
automóveis o circulavam em alta velocidade: “Tem também muitos automóveis de luxo,
mas os chauffeurs são uns águias e a polícia nem se incomoda.” (ibidem, p 4). Não só para
126
acompanhar o novo ritmo e temporalidade instaurada no espaço urbano, mas para
impressionar a porção de criadas, outro grupo destacado, que além dos choferes, ocupava o
largo nas horas vagas.
As pessoas paravam no largo São Bento para ver o tempo passar, e na Praça do
Patriarca para ver a pose engraçada dos guardas de trânsito na tentativa de controlar o fluxo
de gente, carros, automóveis, carroças e bondes. Provocava riso numa população
desabituada às novas posturas e coreografias das grandes cidades. A modernidade impunha
novos posicionamentos aos corpos. O mesmo automatismo, vigor e potência inerente às
máquinas era exigido dos homens e mulheres. Forma e condição físicas perfeitas e sempre
prestes a responder às novas demandas geradas no cotidiano moderno.
Na continuação de caminhada encontramos outro grupo em frente ao prédio da
elegante Casa Mappin Stores. São os janotas desocupados, com ar afetado, no flerte e nas
investidas junto às moças que passavam desacompanhadas. Esse grupo, em princípio, tão
elegante tornava-se nessa atitude tão vulgar que merece a sua compaixão.
É importante ressaltar que, na crônica, a multidão assume duas formas distintas
mais complementares: em uma aparece como massa uniforme, densa e espessa, na outra se
exibe descompactada, dividida em diversos grupos representativos de nacionalidades,
profissões, estratos sociais e faixa etária. Grupos dispersos que ,de repente, se juntam com
os transeuntes em bloco, se dissolvem no anonimato da multidão, e depois, voltam
novamente a se agruparem por afinidades.
Por fim dobramos a esquina e entramos na Rua Direita - antiga Rua Direita de Santo
Antônio, seu nome original remonta à sua localização em relação à Igreja de Santo
Antônio, localizada na Praça do Patriarca. Essa rua era a passarela da moda na cidade.
Proporcionava um espetáculo de variedades de tipos, roupas e expressões fisionômicas.
Nela rapazes e mulheres se exibiam e se lançavam às conquistas amorosas.
Além das conhecidas Casas Mappin e Lebre, a Direita abrigava outros
estabelecimentos comerciais de artigos chiques, como as Casas Lemke e Paiva. Na Casa
Alemã encontrava-se o deslumbrante salão de chá, cuja diversidade de freqüentadores, é
comparada aos desfiles de carros e automóveis da Avenida Paulista, um corso parado,
contido, mais condizente àquele ambiente de aparências.
127
A ruidosa Direita, “completamente torta” (ibidem, p. 4) foi principalmente a rua da
bisbilhotice da vida alheia e é aí que reside, um traço fundamental de caráter do paulista,
sempre exercitado nos lugares públicos e privados: “Parece que todo paulista já nasce com
êsse costume feio de inventar e contar escândalos da sociedade.” (ibidem, p. 5).
Completamos aqui o passeio no Triângulo, mas o autor prossegue descrevendo
situações pitorescas nas suas adjacências.
Observamos a Praça da Sé, local que por muito tempo desempenhou a função de
garagem, além de canteiro das obras de uma catedral cuja construção demorou décadas e
ele não viu sua inauguração, pois faleceu vinte anos antes.
Da Praça da Sé ao Largo de São Francisco, onde se situa a Faculdade de Direito,
reduto da vanguarda intelectual e política, símbolo de lutas históricas, mas que já naquele
período apresentava mudanças e se transformava em fornecedora de funcionários para a
burocracia estatal.
De um largo ao outro chegamos ao do Palácio, no pátio do Colégio, antiga sede do
Governo do Estado. Local da construção do primeiro colégio dos jesuítas e do monumento
que comemora a fundação da cidade, que por sinal não agradava muito ao escritor.
Até as mazelas da política local são lembradas e relacionadas aos aspectos físicos e
às edificações: “a rua da Boa Vista que de repente pára porque o viaduto não há meio de
sair mas é muito necessário, pois encurtará a distância que separa o hotel d’Oeste, onde se
hospedam os diretórios do interior, do palácio do Exmo. Govêrno, e assim por diante.”
(ibidem, p. 6).
É, porém, no último parágrafo da crônica que encontramos uma das chaves para a
compreensão da sua visão de modernidade.
Após demonstrar antipatia com determinados lugares, aspectos arquitetônicos,
ângulos da paisagem do centro, e com uma série de episódios protagonizados pelos muitos
grupos que povoam a região, ele desvia seu olhar para alguns tipos corriqueiros que por lá
transitavam, ocupados com seus trabalhos desqualificados, defendendo suas vidas prosaicas
e despercebidas. Esse olhar é agora de ternura.
128
Intelectual preocupado com as mudanças do seu tempo, integrou-se àqueles
acontecimentos, testemunhou e historiou as transformações da sua sociedade. As novas
formas de existência mereceram uma atenção especial.
O processo de modernização foi avassalador, tanto nos efeitos, como nos resultados
que produziu. Neste sentido, é impossível falar de desenvolvimento ou progresso como
bem geral, desfrutado coletivamente.
Cada homem e cada mulher, seja numa conversa em um salão de chá, seja
simplesmente no trabalho doméstico e velado ou na dureza do comércio ambulante,
viveram situações conflituosas dentro da mesma realidade.
Ele procurou observar e narrar alguns desses dramas, apesar da barreira social que
separava sua classe das camadas populares. Não o fez em tom de denuncia política, não se
preocupou em ideologizar seus temas, não defendeu nenhum grupo social específico, sua
militância concentrou-se na defesa de uma nova literatura, uma nova estética, um novo
teatro, enfim, uma nova arte. Ao final, trata-se das “criaturas inocentes que não têm culpa
do progresso de S. Paulo e dos seus foros de cultura e civilização” (ibidem, p. 6), “o
vassoureiro que apregoa em francês, o velhinho das castanhas sêcas, o Bródo, o cego da
travessa do Grande Hotel” (ibidem, p. 6), com suas vestes simples e brados inesquecíveis,
que merecem ficar no centro do centro da cidade que o escritor tanto amou.
Como dissemos, mesmo de um encontro fortuito, de um caminhar ocioso pelas ruas
da cidade, poderíamos, entre um assunto e outro, escutarmos uma confissão sobre algo que
fale do seu íntimo. Eis aqui outro indício de sua ternura, aquela mesma que Mário de
Andrade declarava ser difícil ouvi-lo assumir.
Aproximadamente dez anos depois da elaboração dessa crônica, em 1935, ano em
que veio a falecer, chega à cidade uma missão universitária francesa contratada pela
burguesia paulistana para que seus membros lecionassem nos departamentos da área de
ciências humanas da recém-criada Universidade de São Paulo. Para a cadeira de sociologia
foi designado um jovem professor de vinte e sete anos chamado Claude Lévi-Strauss. No
grupo, além deste, sua esposa Dina, o historiador Fernand Braudel, o geógrafo Pierre
Monbeig, o filósofo Jean Maugüé, entre outros.
129
A permanência de Lévi-Strauss na cidade até 1937, quando se lança em viagem de
exploração pelo interior do Brasil até Mato Grosso, e realiza suas pesquisas entre os grupos
indígenas Bororo, Nambiquara e Cadiveo, relatadas no clássico Tristes Trópicos, associada
a sua curiosidade, olhar perspicaz e conhecimentos sociológicos, o estimula a percorrer
constantemente as ruas da cidade. Tudo o fascina: a diversidade das paisagens e vegetação,
a coexistência dos contrastes, a língua, os costumes e o clima tropical. Sobre essas
andanças escreveu em Saudades de São Paulo:
“(...) Aqueles entre meus ex-alunos que lançarem os olhos sobre estas linhas se
lembrarão talvez da importância que tinha a cidade em meu ensino. À guisa de trabalhos
práticos, eu lhes propunha a rua onde moravam, o mercado ou o cruzamento mais próximo,
cabendo-lhes observar e descrever a repetição no espaço do tipo de habitação, das
categorias sociais e econômicas, das atividades profissionais etc. Talvez alguns desses
trabalhos ainda existam.” (Strauss, 1996, p. 14).
“(...) Mas o que eu gostaria de sublinhar aqui é que minhas especulações não teriam
sido possíveis se o simples fato de viver em São Paulo, de percorrer a cidade a pé em
longos passeios, não me tivesse exercitado em considerar o plano de uma cidade e todos os
seus aspectos concretos como um texto que, para compreendê-lo, é preciso saber ler e
analisar.
Pois, naquele tempo, podia-se flanar em São Paulo. Não como em Paris ou em
Londres, diante de lojas de antiguidades. (...). Mas, justamente, não era preciso pedir à
cidade outros objetos de contemplação e de reflexão senão ela mesma: imensa desordem
em que se misturavam numa confusão aparente igrejas e prédios públicos da época
colonial, casebres, edifícios do século XIX e outros, contemporâneos, cuja raça mais
vigorosa tomava progressivamente a dianteira.” (ibidem, p. 16-17).
“O encanto da cidade, o interesse que ela suscitava vinha primeiro de sua
diversidade. Ruas provincianas onde o gado retardava a marcha dos bondes; bairros
deteriorados que sucediam sem transição às mais ricas residências; perspectivas imprevistas
sobre vastas paisagens urbanas: o relevo acidentado da cidade e as defasagens no tempo,
130
que tornavam perceptíveis os estilos arquitetônicos, cumulavam seus efeitos para criar dia
após dia espetáculos novos. (...).” (ibidem, p. 69).
O ritmo intenso das transformações pelas quais atravessava a cidade chamava a
atenção de Lévi-Strauss, como relatou em Tristes Trópicos. Sua definição de São Paulo de
meados da década de trinta do século passado: uma cidade indômita. Todos aqueles que até
hoje refletem sobre a cidade sabem da precisão dessa definição. São Paulo não se deixa
capturar por inteira. Continua Lévi-Strauss rememorando:
“Um espírito malicioso definiu a América como uma terra que passou da barbárie à
decadência sem conhecer a civilização. Poder-se-ia, com mais acerto, aplicar a fórmula às
cidades do Novo Mundo: elas vão do viço à decrepitude sem parar na idade avançada. (...).
Para as cidades européias, a passagem dos séculos constitui uma promoção; para as
americanas, a dos anos é uma decadência. Pois não são apenas construídas recentemente;
são construídas para se renovarem com a mesma rapidez com que foram erguidas, quer
dizer, mal. No momento em que surgem, os novos bairros nem se quer são elementos
urbanos: são brilhantes demais, novos demais, alegres demais para tanto. Mais se pensaria
numa feira, numa exposição internacional construída para poucos meses. Após esse prazo,
a festa termina e esses grandes bibelôs fenecem: as fachadas descascam, a chuva e fuligem
traçam seus sulcos, o estilo sai de moda, o ordenamento primitivo desaparece sob as
demolições exigidas, ao lado, por outra impaciência. (...).
(...), ao chegar a São Paulo em 1935, não foi, portanto, o aspecto novo que de início
me espantou, mas a precocidade dos estragos do tempo. (...).
Em 1935, os paulistas vangloriavam-se de que construíam em sua cidade, em média,
uma casa por hora. Tratava-se, na época, de mansões; garantem-me que o ritmo se manteve
igual, mas com edifícios. A cidade desenvolve-se a tal velocidade que é impossível obter
seu mapa: cada semana demandaria uma nova edição. Parece, inclusive, que se formos de
táxi a um encontro marcado algumas semanas antes, corremos o risco de chegar com um
dia de avanço em relação ao bairro. Em tais condições, a evocação de lembranças de quase
vinte anos atrás assemelha-se à contemplação de uma fotografia apagada. Mas pode, ao
131
menos, oferecer um interesse documental; despejo os fundos de gaveta de minha memória
nos arquivos municipais.
Na época, descrevia-se São Paulo como uma cidade feia. (...).
E, contudo, São Paulo nunca me pareceu feia: era uma cidade selvagem (...).”
(Strauss, 1998, p. 91-93).
Essa cidade com aspectos de metrópole, mas ainda com traços de um passado
colonial, evidenciava contrastes que já haviam sido apontados pelo escritor em crônicas dos
anos vinte. Acompanhemos agora Lévi-Strauss num passeio pelas ruas da cidade, em
especial pela região central. Observou sobre o centro da capital:
“(...). Assim, à saída de duas ruas divergentes que seguem em direção do mar,
desembocamos na beira do barranco do rio Anhangabaú, cruzado por uma ponte que é uma
das principais artérias da cidade. A parte baixa é ocupada por um parque ao gosto inglês:
gramados enfeitados com estátuas e coretos, enquanto na perpendicular dos dois taludes
erguem-se os principais edifícios, o Teatro Municipal, o Hotel Esplanada, o Automóvel
Clube, os escritórios da companhia canadense que explora a eletricidade e os transportes.
Seus volumes heteróclitos afrontam-se numa desordem imóvel. Essa confusão de imóveis
lembra grandes manadas de mamíferos reunidos à noite em torno de um bebedouro, por
alguns instantes indecisos e imóveis; condenados, por uma necessidade mais premente que
o medo, a misturar temporariamente suas espécies antagônicas. A evolução animal se
cumpre segundo fases mais lentas que as da vida urbana; se hoje eu contemplasse o mesmo
local, talvez verificasse que o híbrido rebanho desapareceu: pisoteado por uma raça mais
vigorosa e mais homogênea de arranha-céus implantados nessas margens que uma auto-
estrada fossilizou com asfalto.” (ibidem, p. 95).
O roteiro inclui novamente o Triângulo, que uma década após nosso passeio
continua sendo o centro dos negócios da cidade. Caminhando agora com o antropólogo,
podemos traçar um paralelo entre as suas observações dessa área e aquelas que tivemos a
132
oportunidade de ouvir do escritor. Vários lugares e aspectos da cidade aparecem na
descrição dos nossos dois guias: a praça da Sé e a catedral, eternamente em obras, a
multidão condensada nas estreitas ruas do Triângulo, e outros citados adiante. É
interessante lembrarmos da observação a respeito da dimensão de alguns prédios ao nos
depararmos com a descrição de Lévi-Strauss do edifício Martinelli, então em construção,
mas projetado para ser o maior arranha-céu da América Latina. Relatou em Tristes
Trópicos:
“(...). Logo atrás, ficava o centro de negócios, fiel ao estilo e às aspirações da
Exposição de 1889: a praça da Sé, a meio caminho entre o canteiro de obras e a ruína.
Depois, o famoso Triângulo, do qual São Paulo tinha tanto orgulho quanto Chicago de seu
Loop: zona de comércio formada pela interseção das ruas Direita, São Bento e 15 de
Novembro, vias atulhadas de letreiros onde se comprimia uma multidão de comerciantes e
de funcionários que, com seus trajes escuros, proclamavam sua fidelidade aos valores
europeus ou norte americanos, ao mesmo tempo que seu orgulho pelos oitocentos metros de
altitude que os livrava dos langores do trópico (o qual, porém, passa em plena cidade).
(...) avenida São João, artéria de vários quilômetros que se começava a traçar
paralelamente ao Tiete, seguindo o percurso da velha estrada do Norte para Itu, Sorocaba e
as ricas plantações de Campinas. Presa por seu início à ponta do esporão, a avenida descia
pelos escombros de velhos bairros. Cruzava primeiro, à direita, com a rua Florêncio de
Abreu, que ia dar na estação de trem, entre os bazares sírios que abasteciam todo o interior
de bugigangas, e calmas oficinas de seleiros e estofadores onde prosseguia - mas por
quanto tempo? a fabricação de grandes selas de couro trabalhado, de xairéis para cavalos
com grossos fios de algodão, de arreios decorados com prata lavrada, destinados aos
fazendeiros e aos peões do mato tão próximo. Depois, a avenida, passando ao pé de um
arranha-céu então único e inacabado -, o rosado Prédio Martinelli (...).” (ibidem, p.
93-94).
Em Saudades de São Paulo descreveu suas recordações desse edifício, referência da
capital paulistana:
133
“Se coloquei o prédio Martinelli na abertura desta coletânea, é que em 1935 ele era
ao mesmo tempo um referencial e um símbolo.
Único arranha-céu de toda a cidade, aos olhos dos paulistanos simbolizava a
ambição de que esta se tornasse a Chicago do hemisfério sul. Ambição que se realizou
desde então, e foi além...
O prédio Martinelli era também um referencial cuja silhueta dominava todos os
outros prédios. Era visto de quase toda a parte, mesmo do fundo dos barrancos escarpados
que desciam das elevações onde corria a avenida Paulista. Ainda entregues à natureza,
esses barrancos abrigavam as habitações mais pobres, com os riachos, à guisa de esgotos,
transformados em torrentes quando chovia.
Mas o arranha-céu impunha sua presença majestosa sobretudo no início da avenida
São João, artéria nova cuja abertura não estava ainda terminada. Descendo a pé a avenida
em direção ao oeste, ficava-se obsedado por sua massa rosada que se percebia toda vez que
se olhava para trás. Mesmo à distância, ela obstruía o horizonte, tanto de dia como ao
anoitecer, quando as ornamentações feitas para o Carnaval se iluminavam.” (Strauss, 1996,
p. 23).
Nesses passeios diurnos através de importantes logradouros da região central,
acompanhados por ilustres cicerones, tivemos a possibilidade de conhecer ângulos matérias
e imateriais interessantes da cidade: sua configuração geográfica, um pouco de sua
memória, lugares que são referências até hoje para o paulistano, seja pelo seu valor
simbólico, cultural, político, econômico ou histórico. Para que a possamos conhecer bem,
não basta apenas caminhamos por ela, é necessário escolhermos momentos adequados para
essas andanças, horários que possam propiciar um passeio menos apressado, mais
contemplativo, como durante a noite.
Na noite, a maior parte da urbe dorme. A multidão, compactada ou descompactada
em diversos grupos, abandona as ruas, os automóveis deixam de circular, as vias ficam
livres para o transeunte noturno e os ruídos da cidade diminuem. Mesmo a ausência da
luminosidade natural é uma aliada do notívago que se aventura num passeio noturnal. A
134
luz, que se torna artificial e dirigida, contribui para direcionar a atenção a determinados
detalhes da paisagem urbana que durante o dia não são percebidos.
A multidão é um fenômeno que permite ao observador reconhecer uma cidade como
verdadeiramente urbana, mas, paradoxalmente, é quando a multidão desaparece que
podemos realmente conhecer a cidade em toda a sua dimensão. A multidão ocupa espaços
significativos dos sítios urbanos e, de certa forma, esconde a própria cidade, entendida
como o maior dos artefatos produzidos pelo homem.
É importante lembrar que, embora aparentemente deserta, a cidade noturna nos
oferece a possibilidade de espiar, além se seus aspectos físicos mais imediatos, a presença
de alguns tipos e grupos que trabalham e circulam somente à noite.
Para conhecermos melhor o centro da cidade que o escritor conheceu, recomendo
não apenas o passeio diurno que acabamos de fazer, mas sim acompanhar a distancia um de
seus personagens-tipos numa outra caminhada, essa noturna e envolta de mistérios. Faço
menção ao conto O Tímido José (José Borba) que fecha o livro Laranja da China.
O clima da narrativa desse conto nos remete novamente às histórias detetivescas de
Edgar Allan Poe, cujos enredos seduziram leitores do mundo todo, entre eles o próprio
autor. Na primeira cena, apresenta um quadro que sugere uma outra representação
imagética: os desenhos em preto-e-branco das antigas revistas em quadrinhos, dos comics
adultos que conseguiam captar toda a atmosfera das historias góticas de terror. Poderíamos
explorar a relação da atmosfera sugerida pelo conto com outras referências
cinematográficas: o cinema expressionista alemão dos anos vinte do século passado, como
retratado em O Gabinete do Dr. Garigari, de Robert Wienne, M o Vampiro de
Düsseldorf, de Fritz Lang e Nosferatu, uma Sinfonia do Horror, de Friedrich Wilhelm
Murnau ou clássicos do film noir americano, principalmente dos anos quarenta, como O
Falcão Maltês, conhecido igualmente como Relíquia Macabra, de John Huston, um
suspense baseado no romance homônimo de Dashiell Hammett. A relação entre as
narrativas ficcionais do escritor e o cinema será analisada no último capítulo da tese.
Para os leitores de histórias em quadrinhos de hoje, o visual dessas velhas histórias
góticas se conservou em desenhos do famoso ilustrado norte-americano Frank Miller,
criador de personagens como Batman, o cavaleiro das trevas, não por acaso morador e
135
guardião de Gotham City, possuidor de um espírito atormentado, culpado e dividido entre o
bem e o mal, exatamente como os heróis das historias de detetive, esse exemplar
representante de uma nova galeria de tipos que a modernidade engendrou. Em O homem da
multidão de E. A. Poe, curiosamente a figura do detetive como constituinte da fauna urbana
não é citada, apesar de Poe arrolar um sem-números de tipos e grupos citadinos. Penso que
a razão é simples: o detetive está representado na personagem do protagonista-narrador que
segue o estranho homem por entre as multidões.
Vamos a primeira cena do conto O Tímido José (José Borba):
“Estava ali esperando o bonde. O último bonde que ia para a Lapa. A garoa descia
brincando no ar. Levantou a gola do paletó, desceu a aba do chapéu, enfiou as mãos nos
bolsos das calças. O sujeito ao lado falou: O nevoeiro já tomou conta do Anhangabaú.
Começou a bater com os pés no asfalto molhado. Olhou o relógio: dez para as duas. A
sensação sem propósito de estar sozinho, sozinho, sem ninguêm é que o desanimava. Não
podia ficar quieto. Precisava fazer qualquer cousa. Pensou numa. Olhou o relógio: sete para
as duas. Tarde. A Lapa é longe. De vez em quando ia até o meio dos trilhos para ver se via
as luzinhas do bonde. O sujeito ao lado falou: É bem capaz de já ter passado. Medindo os
passos foi até o refúgio. Alguém atravessou a praça. Vinha ao encontro dêle. Uma mulher.
Uma mulher com uma pele no pescoço. Tinha certeza que ia acontecer alguma cousa. A
mulher parou a dois metros se tanto. Olhou para êle. Desviou os olhos, puxou o relógio.
Pode me dizer que horas são?
Duas. Duas menos três minutos.
Agradeceu e sorriu. Se o Anísio estivesse ali diria logo que era um gado e atracaria
o gado. Êle se afastou. Disfarçadamente examinava a mulher. Aquilo era fácil. O Anísio? O
Anísio já teria dado um geito. Na bôca é que a gente conhece a senvergonhice da mulher.
Parecia nervosa. Abriu a bolsa, mexeu na bolsa, fechou a bolsa. E caminhou da direcção
dêle. Êle ficou frio sem saber que fazer. Passou ralando sem um olhar. Tomou o viaduto. O
bonde vinha vindo. O nevoeiro atrapalhava a vista mas parece que ela olhou para trás. Mais
uns segundos perdia o bonde. O último bonde que ia para a Lapa. Achou que era uma
besteira não ir dormir. Resolveu ir. O bonde parou deante do refúgio. Seguiu. Correndo um
136
bocadinho ainda pegava. Agora não pegava mais nem que disparasse. Ficar com raiva de si
mesmo é a cousa peor dêste mundo. Pôs um cigarro na bôca. Não tinha fósforos. Virando o
cigarro nos dedos seguiu pelo viaduto. Apressou o passo. Não se enxergava nada. De
repente era capaz de esbarrara com a mulher. Tomou a outra calçada. Esbarrar não. Mas
precisava encontrar. Afinal de contas estava fazendo papel de trouxa.
Quem sabe se seguiu pela rua barão de Itapetininga? Mais depressa não podia andar.
Garoar garoava sempre. Mas ali o nevoeiro já não era tanto felizmente. Decidiu. Iria indo
no caminho da Lapa. Se encontrasse a mulher bem. Se não encontrasse paciência. Não iria
procurar. Iria é para casa. Afinal de contas era mesmo um trouxa. Quando podia não quiz.
Agora que era difícil queria.” (Machado, 1928, p. 143-145).
Um paulistano que conheça o centro pode localizar o lugar preciso onde a trama e o
itinerário da narrativa se inicia, embora ele somente descreva seus arredores. Trata-se da
Praça do Patriarca, local de parada dos bondes que atravessavam a conhecida “cidade
velha”, área compreendida entre a região do Pateo do Colégio e os limites leste do vale do
Anhangabaú, e seguiam para a “cidade nova”, área compreendida entre o lado oeste do vale
do Anhangabaú até a região da Praça da República, através do Viaduto do Chá, importante
elemento de ligação entre as “duas cidades”. No caso, o bonde, que o protagonista perdeu,
seguiu adiante até a Lapa.
Lembremos que estamos na mesma praça “onde existe no meio uma coluna que é
mesmo uma indecência” (Machado, 1940, p. 4). Além da coluna, havia o refúgio onde
paravam os bondes. No refúgio nosso herói espera impacientemente o último passar e levá-
lo ao distante bairro onde mora. Em nossa caminhada durante o dia não reparamos no
refúgio, pois nossa atenção estava voltada para a maior atração da praça: “os grilos a
cavalo. Pára gente o dia inteiro só para ver a pôse engraçada deles.” (ibidem, p. 4) e, além
do mais, a multidão encobria a pequena calçada. É a diferença entre estar na praça de dia ou
de noite.
O clima do ambiente físico contagia e reforça o ar misterioso do ambiente
psicológico. Está frio, cai uma garoa contínua e o resultado é o nevoeiro que vai se
adensando a ponto de não permitir qualquer visibilidade. Depois se dissipa. Esse quadro
137
brumoso nos faz lembrar o fog londrino que emoldurava as histórias de suspense e de terror
dos romances da era vitoriana, como os contos góticos de Poe. Temos, então, novamente
uma atmosfera narrativa perfeita para ser transposta para uma história em quadrinhos, ou
mesmo para uma série de gravura, em preto e branco, que explorasse o jogo de contrastes
entre o claro e o escuro, a penumbra que a cena lúgubre sugere.
Na continuidade da ação surge uma mulher de porte e semblante enigmático.
Novamente somos obrigados a relacionara o conto às histórias detetivescas, pois nelas a
presença de uma mulher com esse perfil é uma constante. A femme fatale de aspecto
impenetrável e curiosamente sensual, no cinema interpretadas por tantas divas, como Bette
Davis, Ingrid Bergman, Marlene Dietrich e Rita Hayworth, que aparece e desaparece
inexplicavelmente. Nessas histórias, normalmente é o detetive que acaba seduzido por essas
mulheres, no conto é o nosso herói que vence a timidez e decidi, não sem hesitar, seguir a
moça. Continuemos acompanhando essa caminhada:
“Estava parada na esquina. E virada para o lado dêle. Foi diminuindo o andar. Ficou
atrás do poste. Procurava ver sem ser visto. Alguma cousa lhe dizia que era aquêle o
momento. Porêm não se decidia e pensava no bonde da Lapa que já ia longe. Para sair dali
esperava que ela andasse. Impacientava-se. BARBEARIA BRILHANTE. Dezoito letras. Se
continuava parada é que esperava alguêm. Se fosse êle era uma boa massada. Sua esperança
estava na varredeira da Limpeza Pública que vinha chegando. A poeira a afugentaria. Nem
se lembrava de que estava garoando. Pôs o lenço no rosto.
A mulher recomeçou a andar. Até que enfim. E êle tambêm rente aos prédios. Agora
já tinha desistido. Viu as horas: duas e um quarto. Antes das três e meia não chegaria na
Lapa. Talvez caminhando bem depressa. Precisava desviar da mulher senão era capaz de
parar de novo e pronto. Daria a volta na praça. Ela tinha tomado a rua do meio. Então
reparou que outro tambêm começara a seguir a sujeita. Um tipo de capa batendo nos
calcanhares e parecia velho. Primeiro teve curiosidade. Curiosidade má. Depois uma
espécie de despeito, de ciume, de orgulho ferido, qualquer cousa assim. Nem êle nem
ninguêm. Cada vez apressava mais o passo. O tipo parou para acender o cigarro. Era velho
mesmo, tinha bigodes brancos caídos, usava galochas e se via na cara a satisfação. Não.
138
Isso é que não. Nem êle nem o velho nem ninguêm. Nem que tivesse de brigar. Mas porque
não êle mesmo? Resolveu: seria êle mesmo.
Via a ponta da pele caída nas costas. De repente ela parou e sentou-se num banco.
Sentia o velho rente. E agora? Fêz um esforço para que as pernas não parassem. A mulher
virou o rosto na direcção dêle. Que é que estava olhando? O velho? Mas a sujeita endireitou
logo o rosto, abaixou a cabeça. Vai ver que olhava sem ver. Passou como um ladrão, o
coração batendo forte e sentou-se dois bancos adeante. Prova de audácia sim. Mas não
podia ser de outro modo. (...).
A sujeita se levantou, deu um geito na pele, veiu vindo. Com toda a coragem a
fixava. Impossível que deixasse escapar de novo a ocasião. Bastaria um sorrisozinho. Mas
nem um olhar quanto mais um sorriso. Mulher é assim mesmo: facilita, facilita até demais e
depois nada. Só dando mesmo pancada como recommendava o Anísio. Bombeiro é que
sabe tratar mulher. Já estava ali mesmo: seguiu-a. O velho estava esperando com todo o
cinismo. O gôzo dêle foi que quando ela ia chegando pegou outra rua do jardim e o velho
ficou no ora veja. Vá ser cínico na praia. Não é que o raio da sujeita apressou o passo?
Melhor. Quanto mais longe melhor. Preferia assim porque no fundo era um trouxa mesmo.
Reconhecia.” (Machado, 1928, p. 145-148).
Ainda na Rua Barão de Itapetininga, o protagonista espreita a mulher de longe,
escondido atrás do poste, na frente da “Barbaria Brilhante”. Para a descrição do local exato
onde o Tímido José se encontra, o autor utiliza um recurso estilístico anteriormente
explorado em seus outros contos, deste e de seus outros dois livros, Pathé-Baby e Brás,
Bexiga e Barra Funda. Trata-se de descrever os letreiros dos estabelecimentos comerciais
localizados em logradouros por onde circulam seus personagens. Esse recurso de destacar e
fechar o foco em um fragmento da paisagem, aproxima ainda mais a sua narrativa aos
quadrinhos em preto e branco, à medida que reforça o caráter imagístico da sua prosa.
Nesse momento podemos observar a presença de um outro grupo peculiar que
circulava pela cidade quando essa adormecia. Estou falando do pessoal da limpeza urbana.
No conto, o trabalho do grupo espanta a mulher que se encontra parada na esquina. Anos
mais tarde, em 1935, o pintor Carlos Prado registrará a atividade desses trabalhadores nas
139
ruas desertas e frias de uma São Paulo garoenta. O quadro “Varredores noturnos”, um óleo
sobre aglomerado pertencente a Coleção Fadel, coleção que Hecilda e Sergio Fadel
formaram no Rio de Janeiro e que constitui um panorama da arte brasileira do Período
Holandês até o século XX, retrata um grupo de garis, alguns sentados descasando, outros se
preparando para continuar a varrição, numa esquina penumbrosa. Apesar de se encontrarem
em grupo, a solidão e a melancolia estão estampadas nos rostos dessas personagens da
noite. Esse quadro, inspirado na tristeza dos trabalhadores noturnos, lembra a cena dos
varredores que ocupam as ruas do centro no conto.
Sempre hesitante nosso herói decide não segui-la mais, porém a presença de outro
homem, aparentemente com o mesmo propósito, o faz reconsiderar sua decisão, e retoma a
perseguição. Quer desvendar quem é ela, no fundo, trata-se de vencer o seu acanhamento e
aproximar-se dela primeiro do que o outro sujeito, um velho, fisicamente semelhante ao
homem da multidão, de Poe.
A moça adentra a Praça da República, senta num banco, espera os homens
passarem, depois se levanta e apressa os passos, parece querer despistá-los.
Poderíamos especular mais sobre os motivos que levam o protagonista a perseguir a
mulher. Como percebemos, parece querer vencer a enorme timidez que é a sua
característica principal. Há também uma necessidade de reafirmar sua masculinidade. Isso
fica evidente quando o herói compara suas reações com aquelas que seu amigo, invocado
como exemplo de homem que sabe como tratar as mulheres, teria. Soma-se a isso, o
sentimento de orgulho ferido quando sente a presença de outro homem perseguindo a
mesma mulher: “Não. Isso é que não. Nem êle nem o velho nem ninguêm. Nem que tivesse
de brigar” (ibidem, p. 147).
Há indícios de outros comportamentos mais subliminares. Fica no ar algo sensual,
quase libidinoso. Nosso personagem principal é capturado pela aquela imagem de mulher.
Se dissemos “imagem de mulher” e não “pela mulher” é porque ela nunca se mostra de
forma precisa, total, completa, mas sim através de fragmentos.
Surge do meio das brumas, o que nos permite imaginar a dificuldade de visualizar o
contorno de sua silhueta. O escritor foca primeiramente no seu pescoço que está envolto
por uma pele, imagem provocante, na medida que sugere um jogo de mostrar e esconder
140
parcialmente uma zona erógena do corpo. Depois, a mulher fita José, mas logo desvia o
olhar, pergunta as horas, agradece e lhe sorri. Está nervosa, fuça na bolsa, fecha-a e
caminha em direção a ele para desviar quase em cima, causando um leve esbarrão e
desaparece novamente por entre o nevoeiro. Seqüência excitante na qual fragmentos de
uma mulher - pescoço, olhos, boca e mãos - parecem seduzir o protagonista. Corpo
fragmentado, desejo estilhaçado. Ele reage, sublinhando sua rudeza: “Na bôca é que a gente
conhece a senvergonhice da mulher.” (ibidem, p. 144). Seqüência que pela rapidez dos
cortes e força das imagens poderia ser magistralmente registrada em desenhos em preto-e-
branco. Que belos desenhos não poderíamos desfrutar numa adaptação do conto para os
quadrinhos eróticos!
Mais adiante outros fragmentos não menos provocativos da mulher são focalizados:
“Via a ponta da pele caída nas costas.” (ibidem, p. 147). E completando o corpo fracionado:
“A mulher virou o rosto na direcção dêle.” (ibidem, p. 147). Nova troca de olhares, mas a
mulher parece decidida a terminar com o suposto flerte. Ajeita a pele que encobria seu
pescoço e sensualmente caía pelas costas e segue em frente. A atitude de ignorar a presença
de José em seu caminho provoca uma mistura perigosa de frustração, raiva e despeito. O
seu desejo não é desejado. O machismo rompe violentamente: “Mulher é assim mesmo:
facilita, facilita até demais e depois nada. Só dando mesmo pancada como recommendava o
Anísio. Bombeiro é que sabe tratar mulher.” (ibidem, p. 148).
José está seduzido, mas não apaixonado. Esta é a diferença entre ele e o poeta que é
obrigado a viver e circula pela cidade moderna. Estou evocando o conhecido poema de
Baudelaire A uma passante. Ao cortejar o poema com o conto, podemos apontar algumas
possíveis semelhanças, oposições ou complementaridades.
Sua natureza é de outra ordem, mas seu tema não. O que mais fascina no poema são
as suas várias possibilidades de leitura, dentre elas, aqueles que vivem apressados nas
grandes cidades estariam fadados a cumprir dois destinos em relação ao amor. Um deles
seria marcado pela impossibilidade total do apaixonamento, indicando que não há mais
tempo nem espaço para as paixões duradouras nas metrópoles modernas. O outro é mais
cruel: nosso destino de habitantes desses lugares é transitarmos de uma paixão para outra
141
sem nunca vivermos plenamente nenhuma delas. As paixões duram o tempo de uma rápida
troca de olhares entre dois passantes, no meio da multidão.
É o que acontece em A uma passante. Nele encontramos o poeta-flâneur andando
numa rua repleta de gente, de repente, avista uma linda mulher e se apaixona, porém essa
paixão dura o tempo de perde-la de vista entre as pessoas que passam ligeiras. É sobre a
perda que o poema nos fala: pessoas que estão perdidas num lugar e num tempo que não
reconhece mais, que carregam as marcas, o peso e a dor de outras perdas - como a passante
do poema que está de luto - e que estão destinadas a se perderem na torrente de gente que
ocupa a cidade, como esses amantes citadinos que não se encontrarão mais. Como
magistralmente definiu Benjamin, trata-se de amor à última vista. Ao contrário do flâneur
de Poe, o poeta de Baudelaire não se encontra enclausurado numa proteção de indiferença,
mas observa com atenção aos outros passantes. Escreveu Baudelaire:
“A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... e a noite após! - Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!” (Baudelaire, 1985, p. 345).
142
Baudelaire nasceu em 1821, vinte anos depois escreveu seus primeiros poemas. A
uma passante apareceu pela primeira vez em 1860, sete anos depois o poeta morre.
Baudelaire tem sua formação poética vinculada ao Romantismo, mas sua visão voltada para
a modernidade, é o que atesta o poema citado. Tivesse vivido mais alguns anos,
provavelmente teria lido os textos psicanalíticos de Freud. Como, então nós leríamos um
poema como A uma passante? Encontraríamos nele interferência de uma teoria sobre o
deslocamento do desejo? Seria a cidade moderna com seus infinitos estímulos um locus
privilegiado para a transitoriedade do desejo, que escorrega de um objeto para outro sem
nunca repousar? Na visão de Katia Muricy, essa rápida troca de olhares entre passantes, no
meio da multidão, representa “um instantâneo erótico”. (Lebrun, 1987, p. 497-508).
Retomando o conto O Tímido José, na seqüência final, temos:
“Ela esperou que o automóvel passasse (tinha mulheres dentro cantando) para
depois atravessar a rua correndo e desaparecer na esquina. Então êle quási que corria
tambêm. Dobrou a esquina. Um homem sem chapéu e sem paletó (naquela humidade)
gritava palavrões na cara da sujeita que chorava. Á primeira vista pensou até que não fosse
ela. Mas era. Dando com êle o homem segurou-a por um braço (ela dizia que estava
doendo) e com um safanão jogou-a para dentro do portão. E fechou o portão
immediatamente. Uma janela se iluminou na cazinha cinzenta. Ficou ali de olhos
esbugalhados. Alguêm dobrou a esquina. Era o velho. Maldito velho. Então seguiu. E o
outro atrás.
Nem tinha tempo de pensar em nada. Lapa. Lapa. Puxou o relógio: vinte e cinco
para as três. Um quarto para as quatro em casa. E que frio. E o velho atrás. Virou-se
estupidamente. O velho fêz-lhe um sinal. O quê? Não queria conversa. Não falava com
quem não conhecia. Cada pé dentro de um quadrado no cimento da calçada. Assim era
obrigado a caminhar ligeiro.
Faz favor, seu!
Favor nada. Mas o velho o alcançou. Não podia deixar de ser um canalha.
143
Diga uma cousa: conhece aquêle chaveco?
Fechou a cara. Continuou como se não tivesse ouvido. Mas o homem parecia que
estava disposto a acompanha-lo. Parou. Perguntou desesperado:
Que é que o senhor quer?
Por mais um pouco chorava.
Onde é que ela mora?
Não sei! Não sei de nada!
O velho começou a entrar em detalhes indecentes. Não aguentou mais, fêz um gesto
com a mão e disparou. Ouvia o velho dizer: Que é que há? Que é que há? Corria com as
mãos fechando a gola do paletó. Só depois de muito tempo pegou no passo de novo. Porque
estava ofegante a garganta doia com o ar da madrugada. Lapa. Lapa. E pensava: A esta
hora é capaz de ainda estar apanhando.” (Machado, 1928, p. 148-150).
Na cena final podemos observar a presença de outro grupo circulando de automóvel
na madrugada. São mulheres que voltam cantando, provavelmente de uma festa. Na parte
final, entendemos que a misteriosa mulher retardava o seu retorno para casa. Quem a espera
é um homem furioso, ela apanha. A perseguição chega a seu fim sem medrar. Nosso herói
perdeu o bonde, tempo, a chance de vencer a sua timidez e o objeto desejado. O outro tenta
puxar conversar, mas ele está furioso consigo mesmo. Esquece a timidez e é ríspido com o
velho, aperta o passo, corre. Termina pensando na Lapa e na mulher.
Há outra imagem, entre tantas do conto, que me parece perfeita para ser adaptada ao
desenho, com a força do contraste do preto-e-branco. Estou destacando o momento que
José frustrado pensa o quanto a Lapa está longe, olha para o relógio, sente frio, percebe a
presença do velho vindo em sua direção e decide caminhar mais rápido. Olha para o chão e
diz para si mesmo: “Cada pé dentro de um quadrado no cimento da calçada.” (ibidem, p.
149). Visualizo as divisões da calçada molhada, o reflexo do rosto do herói cansado com a
expressão de malogrado e em cada quadrado um pé, procurando recuperar o tempo perdido
e evitar que o velho o alcance. É uma imagem de enorme plasticidade.
144
Uma última questão se impõe nesse conto que acabamos de analisar. Embora não
haja a multidão, devido à trama da narrativa se desenvolver de madrugada, podemos
encontrar entre os personagens um tipo qualquer de flâneur perdido na cidade vazia? Se
sim, qual deles seria? O protagonista e tímido José? A misteriosa mulher? O velho
patético?
Podemos considerar que todos esses não passam de passantes noturnos. No caso do
herói, não aparece nos entrechos da história nenhum indício que aponte uma predileção por
caminhadas, pelo contrario, se o fez foi somente para seguir e tentar descobrir que era a tal
mulher. A mulher, como já dissemos, parecia mais querer retardar sua chegada em casa, do
que apreciar a cidade num passeio noturno. O velho, talvez fosse um daqueles tipos que
ficam nas esquinas da cidade, a espreita, esperando uma mulher passar desacompanhada,
para então segui-la.
Se a possibilidade de existir um flâneur na trama for a mais crível, não podemos
esquecer que outro personagem ocupa espaço na ação. Estamos nos referindo ao leitor do
conto que se converte num perfeito voyeur, à medida que junto com o protagonista segue e
observa a mulher com a mesma obsessão deste. Queremos saber quem e essa mulher, para
aonde vai, o que faz àquela hora caminhando pelas ruas desertas. Como é seu corpo? Como
se veste? É bonita ou não? É sedutora? Ele parece nos convidar a espiar de longe, na
confortável posição de quem vê, mas não é visto. Parece que uma carga de erotismo medeia
essa relação entre o leitor e a imagem dessa personagem, algumas imagens, todos sabemos,
são poderosos estímulos sexuais. Nosso gozo é ver quem nos interessa ver, mas ver quem
não nos pode ver. Parada na esquina, andando, correndo, sentada num banco, sejam quais
forem as maneiras como se apresenta a enigmática mulher, nosso olhar é instigado a olhá-
la. Como se trata de um objeto fugidio, porém não conseguimos apreende-lo. Seus
contornos são imprecisos, o que provoca ainda mais nossa curiosidade. Eis, nossa posição
no conto.
Na poesia e prosa brasileira moderna, encontramos o tema da flânerie abordado por
diversas perspectivas, mas surpreendentemente é da música contemporânea que virá a visão
mais abrangente do assunto. Faço menção à música As vitrines, do disco Almanaque,
lançado em 1982, de Chico Buarque, no qual podemos encontrar uma sensível interpretação
145
sobre o tema e os subtemas dele derivados. Nela as imagens do poeta-flâneur de
Baudelaire, do objeto amado que não se deixa capturar, dos desencontros dos amantes, da
cidade com suas passagens e galerias, dos letreiros das lojas e da publicidade, do fetichismo
das mercadorias, do cinema, da fantasmagoria que o reflexo e o embaraço das vitrines
produzem, do jogo de duplos das sombras, das imagens espelhadas nos olhos, das luzes das
galerias, essas ruas-passagens que nunca dormem, dos salões e as exposições de arte e da
indiferença do ser amado para com o apaixonado. São as galerias das cidades atravessadas
pelos fluxos de elementos, representações e sensações que a modernidade criou. Canta
Chico Buarque:
“Eu ti vejo sumir por aí
Te avisei que a cidade era um vão
Dá tua mão
Olha pra mim
Não faz assim
Não vai lá não
Os letreiros a ti colorir
Embaraçam a minha visão
Eu ti vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir
Já ti vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines ti vendo passar
Na galeria
Cada clarão
146
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão.” (Almanaque, Chico Buarque).
Há também outro conto que merece ser citado como exemplo do vigor de imagens
latentes. Imagens que querem saltar para fora dos limites do texto e se transfigurarem em
desenhos, no caso, em desenhos animados, em cartoon. Refiro-me ao conto O Patriota
Washington (Doutor Washington Coelho Penteado). Nessa narrativa encontramos Doutor
Washington e sua família comemorando os trinta e oito anos da república brasileira com um
delicioso passeio até a distante Mogi das Cruzes. É o único conto de Laranja da China,
cuja ação transborda para além da cidade de São Paulo e alcança um município vizinho. A
luz agora é completamente diferente daquela soturna que emoldurava o conto O Tímido
José. Estamos lendo e assistindo uma historia que se passa numa clara manhã de primavera,
trata-se de uma luz apropriada para o tom alegre e colorido da narrativa. Nela o ridículo e a
comicidade de um comportamento marcadamente ufanista é descrito logo no início:
“O sol ilumina o Brasil na manhã escandalosa e o doutor Washington Coelho
Penteado no rosto varonil. Há trinta e oito anos Deodoro da Fonseca fundou a República
sem querer. O doutor pensa bem no acontecimento e grita no ouvido do chofer:
Toca pra Mogi das Cruzes!
(...).
Muitíssimo bem. Agora segue de Chevrolet aberto para Mogi das Cruzes. Algum
dia no mundo já se viu uma manhã tão linda assim?
Eta Brasil.
Eta.
147
Na lapela uma bandeirinha nacional. Conservada ali desde a entrada do Brasil na
grande conflagração. Ou bem que somos ou bem que não somos. O doutor é de facto:
brasileiro graças a Deus. Onde desejava nascer? No Brasil está claro.” (Machado, 1928, p.
19-20).
Seguem todos da divertida família na odisséia nacionalista. O passeio inclui uma
passagem pelo centro da capital, que agora podemos revistar de dentro do automóvel
aberto. Esse detalhe é importante, pois permite que possamos observar melhor o
comportamento e as reações de quem está dentro do veículo, como descortina a região que
antes havíamos percorrido a pé. A mulher do Doutor Washington se apresenta como um
contraponto a seus discursos exageradamente patriotas, o que gera situações engraçadas,
pois onde ele vê grandiosidade, ela vê a realidade, sem a mesma vibração. Acompanhemos
os diálogos entre os dois personagens:
“Ao lado dêle a mulher é assim assim. Os filhos sabem de cor o hino nacional. Só
que ainda não pegaram bem a música. Em todo o caso cantam ás vezes durante a sobremesa
para o doutor ouvir. A bandeira se balançando na sacada do Teatro Municipal lembra ao
doutor os admiráveis versos do poeta dos ESCRAVOS.
Sim senhor! É bem a brisa de que fala Castro Alves.
Que brisa, Nenê?
Nada. Você não entende.
Êle entende. E goza a brisa que beija e balança.
— O capitão Melo me afirmou que não há parque europeu que se compare com êste
do Anhangabaú.
— Exagêro...
Já vem você com a sua eterna mania de avacalhar o que é nosso! Pois fique
sabendo...
148
Fique sabendo, dona Balbina. Fique a senhora sabendo que o que é nosso é nosso. E
vale muito. E vale mais que tudo. Vá escutando. Vá escutando em silêncio. E convença-se
de uma vez para não dizer mais bobagens.
— Veja o movimento. E hoje é feriado, heim! Não se esqueça! Paris que é Paris não
tem movimento igual. Nem parecido.
— Você nunca foi a Paris...
Isso tambêm é demais. O melhor é não responder. Homem: o melhor é estourar.
Meu Deus do céu! Não fui mas sei! Toda a gente sabe! Os próprios franceses
confessam! Mas você já sabe: é a única pessoa no mundo que não reconhece nada, não sabe
nada!
Guiados pelo fura-bolos do doutor todos os olhares se fixam na catedral em começo.
— Vai ser a maior do mundo! E gótica, compreenderam? Catedral gótica!
Na cabeça.” (ibidem, p. 20-22).
O escritor utiliza um interessante artifício para descrever as reações do Doutor
Washington quando é contrariado pela sua esposa. Ele responde em parte as observações
inoportunas de dona Balbina, o que não tem coragem de responder aparece em off, ou seja,
desligado do diálogo que está sendo travado pelos dois personagens. Ficamos, então com a
impressão de poder “ler os pensamentos” do Doutor Washington, suas respostas à mulher,
que somente nós e ele ouvimos. Após sua observação sobre a inacabada catedral, seu
silêncio aparece como uma vitória do Doutor Washington, uma confirmação dos seus
conhecimentos sobre a grandiosidade da cidade e do país. O centro da cidade aparece no
conto como um espaço movimentado em pleno feriado. É novamente a multidão ocupando
os lugares públicos para seu lazer.
Saindo da região central passam pelo Brás, bairro que é visto com desconfiança. O
Doutor Washington não enxerga nesse outro lado do rio Tamanduateí a pujança da
industrialização ou um símbolo do desenvolvimento econômico da cidade, mas o perigoso
local onde habita o estrangeiro. Acostumado a reproduzir falas estereotipadas, novamente,
como no fragmento citado anteriormente, verificamos que o protagonista da história não
tem realmente nada de substancioso a dizer, algumas de suas frases nem se completam:
149
“O chofer não deixa escapar um só buraco e dona Balbina põe a mão no coração.
Washington Coelho Penteado toma contam do clacson.
(...).
O vento desvia as palavras do doutor dos ouvidos da família. O Chevrolet não
respeita bonde nem nada. Pomba só levanta o vôo quando o automóvel parece que já está
em cima dela.
Êste Brás! Êste Brás! Não lhes digo nada!
Dez fósforos para acender um cigarro.” (ibidem, p. 22-23).
O autor utiliza diversos recursos para acentuar o efeito de velocidade, aliás um dos
mais significativos fenômenos que caracterizam a modernidade. Descreve numericamente a
velocidade do automóvel, a reação de alguns personagens a essa velocidade - dona Balbina
segue viagem sobressaltada, enquanto o doutor Washington se diverte tocando a buzina nas
curvas que se tornam mais perigosas pela rapidez do veículo -, aquilata as conseqüências de
tamanha velocidade - as palavras do Doutor Washington são levadas pelo vento, o mesmo
vento que impede que ele acenda o cigarro - ou registra a própria palavra “velocidade” para
acentuar a aceleração do automóvel.
Elementos do seu estilo particularíssimo responsáveis pelo dinamismo da narrativa
frases secas, diretas, curtas; períodos compostos muitas vezes de uma só palavra– estão
presentes em cada uma das cenas do conto auxiliando na representação de uma
movimentação frenética.
A seqüência na estrada que liga São Paulo a Mogi é focalizada a partir de duas
perspectivas: um ponto de vista externo, de quem está vendo o automóvel passar e um outro
de quem está dentro do veículo.
A primeira nos permite ver uma família caricaturada - além de dona Balbina e do
doutor Washington, seguem juntos o filho caçula, Juquinha e Washington Júnior e
embasbacada pelo progresso da cidade - que tem mais automóvel, do que carros de boi -,
observando e comentando sobre tudo que vêem de dentro do automóvel que passa
levantado poeira, chacoalhando pela estrada precária que liga os dois municípios.
150
A segunda nos possibilita observar a paisagem que vai ficando para trás, remetendo
àquele efeito dos desenhos animados de repetir no fundo da cena o mesmo conjunto de
elementos de uma paisagem, numa seqüência rápida que transmite a idéia de movimento
acelerado e ininterrupto para quem olha, embora, na realidade, seja o fundo que se desloca
e não os personagens em primeiro plano. Esse efeito é da mesma maneira largamente
explorado nos quadrinho das revistas infantis. Considerando o multicolorido da seqüência e
a possibilidade de sua leitura a partir de dois focos, um iluminando as expressões dos
personagens e outro a paisagem circundante, podemos sugerir na concepção do conjunto da
cena, e ademais em todo o conto, a influência das histórias em quadrinhos que contribuíram
para a formação do seu imaginário quando criança, em especial àquelas publicadas pela
revista Tico-Tico.
Continuemos acompanhando o automóvel rumo a Mogi das Cruzes:
“Dona Balbina olha a paineira. Mesma cousa que não olhasse. Juquinha vê um
negócio verde. Washington Júnior um negócio alto. O doutor mais uma prova da pujança
primeira-do-mundo da natureza pátria.
Interjeição admirativa. Depois:
Reparem só no (sic) quantidade de automóveis. Dez desde São Miguel! E
nenhum carro de boi!
60 por hora.
O Chevrolet perde-se na poeira. Dona Balbina se queixa. Juquinha coça os olhos.
— Pó quer dizer progresso!
Palavras assim são ditas para gente saborear baixinho repetindo muitas vezes. Pó
quer dizer progresso. Logo surge uma variante: Pó, meus senhores, quer dizer tão
simplesmente progresso. (...).
Velocidade.
151
— O Brasil é um gigante que se levanta. Dentro em breve...
Era uma vez um pneumático.” (ibidem, p. 23-25).
A diferença de olhares para a paisagem que ladeia a estrada se estende para as
variadas reações à poeira que o próprio automóvel levanta. Onde a mulher nada enxerga,
por causa da nuvem de pó, o marido identifica o progresso inexorável do Brasil.
Lembremos da frase de Washington Luís Pereira de Souza, Presidente da República entre
1926-1930: “Governar é abrir estradas”. A estrada que a familia percorre está recheada de
buracos e sem qualquer tipo de pavimentação asfáltica. Um veículo perdido no meio da
poeira, um personagem com as mãos tapando o nariz e reclamando, outro coçando os olhos
e lacrimejando e outro aproveitando para discursar sobre o significado progressista do pó
através de um didatismo risível, eis outra imagem lúdica que poderia ser perfeitamente
captada num desenho animado.
O autor nos revela nesse trecho do conto que a idéia do país como um gigante que
se levanta não é nova no imaginário brasileiro. Nem a nossa implicância com nossos
vizinhos argentinos. Reparemos nesse fragmento, quando localizam um leprosário. O
discurso agora toma outro rumo surreal, exaltando as ações do nosso governo na área da
saúde e comparando-as às dos argentinos:
“(...) Amanhã não haverá mais leprosos no Brasil. Por enquanto ainda há mas isso
de ter morfea não é privilégio brasileiro. Não pensem não. O mundo inteiro tem. A
Argentina então nem se fala. Morfético até debaixo d’água. E não cuida seriamente do
problema não. Está se desleixando. É. Está. Daqui a pouco não há mais brasileiro
morfético. Só argentino. Povo muito antipático. Invejoso, meu Deus. Não se meta que se
arrepende. Em dois tempos... Bom. Bom. Bom. Silêncio que a espionagem é brava.”
(ibidem, p. 25-26).
Chegam em Mogi das Cruzes, uma parada para o lanche, uma volta para apreciar o
progresso que chegou até lá e de novo a família na estrada regressando para a capital. Antes
152
o doutor tem a idéia de telegrafar para o Presidente da República, relatando a viagem, a
rapidez do percurso, as condições da “magnífica rodovia” e cumprimentá-lo pela data
especial.
No meio do retorno, de repente, fica amuado, o que deixa todos preocupados e o
leitor intrigado. Insiste em não dizer o motivo que somente saberemos quando a família
chegar em casa. É o desfecho da comédia que revelou mais uma das suas caricaturas
desenhada de forma brilhante. Como os outros personagens-tipos que tivemos a
oportunidade de conhecer neste capítulo, o Doutor Washington, encarnando um
nacionalismo exacerbado, representa a caricatura de um tipo de brasileiro que até hoje
podemos encontrar por aí. E o que dizermos da incongruência entre o discurso e a ética? O
Doutor Washington se revela ao final mais um daqueles funcionários públicos que utiliza
um próprio do Estado - no caso, um automóvel acompanhado de motorista - para seus
passeios particulares nos fins de semana. Tipo genuinamente brasileiro e fácil de
encontrarmos circulando pelas ruas das cidades e estradas do Brasil.
Lemos na seqüência final da história e do desenho que vinca o recurso da ironia:
“— Que é que deu em você? O preço do telegrama?
O gesto deixa bem claro que isso de dinheiro não tem a mínima importância.
Dona Balbina pensa um pouquinho (o doutor quieto) e arrisca de novo:
Medo que o chefe saiba que você usa o automóvel de serviço todos os
domingos? Domingos e feriado?
O gesto manda o chefe bugiar no inferno.
O Chevrolet corre atrás dos marcos quilométricos.
Só ao entrar em casa o doutor se decide a falar.
— Esqueci-me de pôr o endereço para a resposta!...
— I-DI-O-TA!
Olhem só o gôzo das crianças.” (ibidem, p. 29-30).
153
De volta a cidade, deixemos a família gozando o Doutor Washington e vamos
novamente acompanhar o escritor que agora se dirige para o trabalho. É na relação entre
jornalismo e literatura que outras imagens tomarão formas. É o que veremos a seguir.
e e
154
“Se bem que imóvel, a imagem fotográfica não é uma imagem morta. Uma prova
disso é que gostamos das fotografias, que olhamos para elas. E, no entanto, as fotografias
não são animadas. Esta observação, falsamente ingénua, pode esclarecer-nos. Poder-se-ia
julgar que, no cinematógrafo, a presença das personagens lhes vem da vida, do movimento
que lhes é conferido. Na fotografia é, evidentemente, a presença que dá vida. A primeira e
estranha qualidade da fotografia é a presença da pessoa ou da coisa que, no entanto, está
ausente. (...). A mais banal das fotografias possui ou apela para uma certa presença. A
prova que o sabemos e o sentimos é que conservamos connosco, em nossa casa, as
fotografias, e as exibimos (omitindo significativamente a indicação de que se trata duma
imagem: ‘esta é a minha mãe, a minha mulher, os meus filhos’), não só para satisfazer a
curiosidade de estranhos, mas também pelo prazer evidente de nós próprios as
contemplarmos uma vez mais, de nos reconfortarmos com a sua presença, de as sentirmos
ao pé de nós, connosco, dentro de nós, pequenas presenças que trazermos no bolso ou
conservamos em casa, ligadas à nossa pessoa ou ao nosso lar.
O pai e a mãe defuntos, o irmão morto na guerra, olham-nos do centro da sua
grande moldura, velam e protegem a casa do camponês, como os deuses tutelares. Onde
quer que haja um lar, as fotografias sucedem às estatuetas ou aos objectos de que se
rodeava o culto dos mortos. Desempenham, duma forma atenuada, porque também o culto
dos mortos é mais atenuado, o mesmo papel das tabuinhas chinesas, pontos de ligação com
os mortos queridos, para os quais é, deste modo, sempre possível apelar.
Não terá vindo a difusão da fotografia reanimar as formas arcaicas de devoção
familiar? Ou melhor: será que os anseios do culto familiar não vieram a encontrar, na
fotografia, a representação exacta daquilo que amuletos e objectos realizavam de forma
imperfeitamente simbólica – a presença da ausência?
Neste sentido, é possível dar um nome exacto à fotografia: recordação. (...).”
(Edgar Morin, O cinema ou o homem imaginário, 1997)
155
III
JORNADA
Livro eixo: Brás, Bexiga e Barra Funda, notícias de São Paulo
Publicado em março de 1927, Brás, Bexiga e Barra Funda, notícias de São Paulo,
seu segundo livro, o primeiro de ficção, é composto por onze histórias, sendo que três
foram editadas numa primeira versão para jornal - depois todas sofreriam modificações
para as versões definitivas em livro -, as restantes eram inéditas. Os contos já publicados
anteriormente são: Gaetaninho na edição do Jornal do Comércio de 25 de janeiro de 1925,
na seção “Só aos Domingos”, ilustrado por Ferrignac; Carmela na edição do Jornal do
Comércio de de março do mesmo ano, na seção “Só aos Domingos”, ilustrado por
Ferrignac e acompanhado de um aviso: “(De um possível livro de contos: Ítalo-Paulistas)”,
e Lisetta na edição do Jornal do Comércio de 8 de março de 1925, fora da seção “Só aos
Domingos”, sem ilustração, mas acompanhado do aviso: “(Para um possível livro de
contos: ÍTALO-PAULISTAS)”. Os contos Tiro de Guerra N. 35, Amor e Sangue, A
Sociedade, Corinthians (2) vs. Palestra (1), Notas Biográficas do Novo Deputado, O
Monstro de Rodas, Armazém Progresso de São Paulo e Nacionalidade são os inéditos, no
sentido de não se conhecer até hoje versão anterior ao livro. Além dos contos o livro é
composto por um “não prefácio” denominado Artigo de Fundo, neste reforça a sua intenção
de conceber o livro não como uma obra literária, mas jornalística; não como uma obra de
ficção, mas de registro de fatos do cotidiano, relacionados com a colônia ítalo-paulista, e
relaborados na forma de contos. Escreveu na abertura de Brás, Bexiga e Barra Funda - a
transcrição de todos os trechos do livro citados neste capítulo é literal e obedece a grafia da
época:
156
“Assim como quem nasce homem de bem deve ter a fronte altiva quem nasce jornal
deve ter artigo de fundo. A fachada explica o resto.
Êste livro não nasceu livro: nasceu jornal. Êstes contos não nasceram contos:
nasceram notícias. E êste prefácio portanto tambêm não nasceu prefácio: nasceu artigo de
fundo.
BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.
(...).
BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA como membro da livre imprensa que é tenta
fixar tão sómente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e quotidiana desses novos
mestiços nacionais e nacionalistas. É um jornal. Mais nada. Noticia. Só. Não tem partido
nem ideal. Não comenta. Não discute. Não aprofunda.
Principalmente não aprofunda. Em suas colunas não se encontra uma única linha de
doutrina. Tudo são factos diversos. Acontecimentos de crónica urbana. Episódios de rua. O
aspecto étnico-social dessa novíssima raça de gigantes encontrará amanhã o seu historiador.
E será então analisado e pesado num livro.
BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA não é um livro.
Inscrevendo em sua coluna de honra os nomes de alguns ítalo-brasileiros ilustres
êste jornal rende uma homenagem á força e ás virtudes da nova fornada mamaluca. São
nomes de literatos, jornalistas, cientistas, políticos, esportistas, artistas e industriais. Todos
êles figuram entre os que impulsionam e nobilitam nêste momento a vida espiritual e
material de São Paulo.
BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA não é uma sátira.
A REDACÇÃO
(Machado, 1927, p. 15 e 18-19).
157
O livro é dedicado à memória de alguns italianos e descendentes: Lemmo Lemmi, o
Voltolino, Alfredo Mário Guastini, Paulo Menotti Del Picchia, Victor Brecheret, Anita
Malfatti, Conde Francisco Matarazzo Junior e Francisco Mignone, dentre outros. Há duas
citações, antes do Artigo de Fundo: uma é de Giovanni Botero, datada de 1595, a outra é do
Conde Francisco Matarazzo em discurso proferido em 1926, saudando o novo Presidente
da República, Washington Luís e diz: “Esta é a pátria dos nossos descendentes.”.
Foi com esse entusiasmo que João Ribeiro recebeu o seu primeiro livro de contos,
no Jornal do Brasil, em 4 de maio de 1927. Crítica reproduzida por Cecília de Lara em
Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de
António de Alcântara Machado:
É realmente um excepcional escritor esse que nos dá, à maneira dos antigos
cronistas, um tratado do Brasil, mas do Brasil novo e diferencial, que se processa nas terras
paulistas.
Da violenta e caótica cidade escolheu os bairros bilíngües xipófagos do povo gris
incerto e indeciso, antes do ponto, da queda umbilical do caldeamento.
Na minha tarefa de crítico, no baixo nível que se chama recensão ou o registro da
literatura corrente, sem argúcias psicológicas e sem intenção de expor as correntes
doutrinárias e estéticas do nosso tempo, sempre me fascinou a ousadia dos homens novos
que tentaram e tentam ainda a diferenciação dos nossos métodos de sentir, de pensar e de
escrever.
Para mim, a regeneração só se faria a preço da absoluta renúncia dos modelos
europeus, no horror à imitação das fórmulas e das escolas ultramarinas, portuguesas outrora
e depois francesas, recordando como se esqueceu por muito tempo e criminosamente as
fontes legítimas da inspiração nacional.
O livro de Alcântara Machado é um grande exemplo da literatura nova, que
entrevejo triunfante, pelo menos na fase atual das nossas letras.
Que fez Alcântara Machado?
158
Buscou e achou um veio aurífero na sedimentação progressiva e intensa da
nacionalidade.
Não quis travar o conhecimento do cabloco ou do sertanejo, nem do índio
problemático e absurdo. Não foi e nem era preciso ir longe.
À porta da casa, descobriu o seu tesouro, tão ignorado da gente ignara que passava.
Vivendo numa cidade moderna, trêmula e estuante de vibrações contínuas de
recomposição, descobriu a gente nova que alvorecia, semente de futuros grandes e incertos.
Em São Paulo, que é o seu campo experimental, encontrou a camada nova ainda um
pouco eruptiva e violenta que começa, após uma geração, a sedimentar-se...
É a camada ítalo-brasileira, que repete na América a conquista romana um pouco
civilizada, sem aquela preocupação cloacina do inglês, na injusta frase do seu inimigo
James Joyce no admirável Ulisses.
O italiano trabalha, acredita no seu mito da cidade eterna, e traz às contas o seu
Vesúvio (veja o conto Amor e sangue) e por vezes ressuscita a Calábria, civilizada e
maquiavélica.
(...).
O livro de Alcântara Machado dá essa feição nova, tênue, do primeiro quisto,
delgado ainda, do ítalo-brasileiro.
Brás, Bexiga e Barra Funda é bem o livro que nos revela esse interessante mundo,
transparente e ectoplásmico, que sai da ilusão para a realidade.
No seu “artigo de fundo” vem a cantiga, sinal dos novos tempos:
Italiano grita
Brasileiro fala
Viva o Brasil
E a bandeira da Itália.
A rima está com o fígado ádvena em caminho de adaptação. Que dizer das histórias
que compõem o livro? São todas magníficas, o Gaetaninho que amassou o bonde.
Carmela, a namorada fútil e acomodatícia, o Tiro de Guerra, ordem do dia paulista;
159
chuva e sol o Amor e Sangue, que lembra um episódio dos Malavoglia, a Sociedade,
página pequena e grande. Liseta, de graça infantil, Corinthians versus Palestra e um etc.
para resumir a enumeração, que seria fastidiosa por negar e omitir o texto, que é de
obrigação civil a toda gente ler.
O livro é dedicado aos ítalo-brasileiros que emergiram da onda imigratória para
lustre da pátria nova.
E não é um livro apenas para gáudio do leitor comum. Interessa ao historiador, ao
etnógrafo, ao lingüista, ao folclorista, que buscam definir os matizes do Brasil novo. E na
literatura, pelo documento indireto, é que se conhece com maior fidelidade a civilização
interna, para dentro das fachadas, do formigueiro humano.
Brás, Bexiga, Barra Funda marcará uma fase da novelística brasileira.” (Lara,
1982, p. 102-104).
Outras críticas comprovam a expectativa em relação ao futuro da sua carreira
literária. Stiunirio Gama, pseudônimo de Mário Guastini, em sua coluna Ás segundas”, no
Jornal do Comércio, escreveu em 14 de março de 1927:
“(...).
Antonio de Alcântara Machado é um escriptor que encanta com a sua prosa clara e
incisiva, com a sua observação penetrante e pouco commum em homens de sua idade.
Alcântara é um analysta invejável. Com duas pennadas, traça o perfil phisico, moral e
intellectual dos seus typos, que vivem, se movimentam e conversam com o leitor.
(...).
Já disse acima que Bráz, Bexiga e Barra Funda é um livro delicioso. E o é de facto;
sem favor. Os contos que reúne em suas páginas são verdadeiras jóias literárias. Qualquer
um delles, ao acaso, agradará. E mesmo que assim não fosse bastaria um, um apenas, para
confirmar o indiscutível valor de Antonio de Alcântara Machado.
Corinthians (2) vs. Palestra (1) é uma perfeição. Em quatro páginas e meia, o leitor
assiste a um desses empolgantes jogos de futebol acompanhando todas as peripécias, sem
160
perder uma phrase, um movimento sequer dos apaixonados torcedores. São quatro páginas
e meia vividas, são vinte e dois jogadores que driblam e marcam pontos para o seu clube,
são um mundo de espectadores que escutam o calor e sentem os gritos, são uma multidão
que vibra de enthusiasmo. E para quem é capaz desse prodígio todos os elogios serão
poucos.” (Gama, 1927, p. “1”, trata-se da capa, não numerada).
Martin Damy, no Jornal do Comércio, escreveu em 6 de abril de 1927, em sua
coluna “O espírito dos livros”, crítica intitulada “Brás - Bexiga e Barra Funda de António
de Alcântara Machado”:
“(...).
Para mim, Antonio de Alcântara Machado é um desses escriptores superiores. (...).
(...).
Essencialmente moderno, não entra comtudo na chimica das phrases
incomprehendidas. É nítido e franco, ágil, elástico, sem escamoteações de lantejoulas
cegantes. Guardando vivacidade, não se apressa nunca. Pára somente após ter esgotado o
assumpto. Antes, não.
Suas páginas, em Brás, Bexiga e Barra Funda, são na verdade assim - de notas
syncopadas e de pensamentos galopados em sentenças rápidas. Mas, quanto ao ardor nos
seus ardores contidos, quanta agudeza na analyse carinhosamente suavizada, quanta
mordacidade na ingenuidade atirada em quasi todas as suas páginas. É um reticenciar
constante. Um constante entrelaçar de imagens, um cruzamento ininterrupto de
observações. De quando em quando, um apito estrídulo. E o autor fecha então
voluntariamente o trânsito às suas considerações de ambientes para deixar passar o cortejo
das Carmelas, dos Caetaninhos.
É então a São Paulo todinha dos italianos que vem até a nossa emoção. Mais que
isso - é toda a Itália immigrada que vem até nós. E em lucta com o meio e dominada por
elle, seus braços se nos abrem amigos. E nós os vencemos, e o italiano fica sendo brasileiro.
Não acreditam os senhores? Pois leiam o livro de Antonio de Alcântara Machado.”
(Damy, 1927, p. 3)
161
Rodrigo Mello Franco de Andrade escreveu no O Jornal, do Rio de Janeiro, em 3 de
abril de 1927, crítica intitulada “Antonio de Alcântara Machado - Brás, Bexiga e Barra
Funda - Editorial Helios - S. Paulo, 1927”, em sua coluna “Vida literária”:
“(...).
Em Brás, Bexiga e Barra Funda não há nada supérfluo. É um livro conciso, como
talvez não tenha surgido até hoje nenhum no Brasil. Não tem mais uma nesga de literatura.
O primeiro conto - “Gaetaninho” - por exemplo, desenvolve-se em menos de 100 linhas do
typo grande e tem uma intensidade dramática estupenda. O sr. Antonio de Alcântara
Machado não se deixa levar pela história, nem se perde em incidentes e explicações.
Conduz a narrativa com uma segurança magnífica.
(...).
A forma do sr. Antonio de Alcântara Machado é sua só. Não se sente nella a
influência de ninguém. Neste livro novo mais do que no anterior seu estylo é preciso,
directo, conciso. Não tem a preocupação de ser moderno. E é. Intensamente. (Como elle
diria).
(...).
(...). Quem pratica muito o sr. Antonio de Alcântara Machado é que corre o risco de
acabar escrevendo a seu modo, brusco, sacudido. Perde insensivelmente a superstição dos
períodos cheios, rythmados, sabiamente equilibrados. Despreocupa-se de todos os effeitos
sonoros e “alcantaranisa-se” afinal. O autor do Pathé-Baby tem a força e o feitio dos
homens contagiosos de que falava Jean Cocteau. Por isso mesmo não será prudente
recomendar-se à meninada que vá buscar ensinamentos no Brás, Bexiga e Barra Funda.
Mas quem tiver dúvidas ainda sobre a benemerência do movimento modernista no
Brasil, leia o volume novo do sr. Antonio de Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra
Funda não é só um dos mais admiráveis livros de prosa nacional. É também um dos
melhores livros de poesia.” (Andrade, 1927, p. (ilegível)).
162
Essas críticas foram reunidas integralmente por Cecília de Lara em Comentários e
notas à edição fac-similar de Brás, Bexiga e Barra Funda, notícias de São Paulo, p.
89-108. Neste estudo, porém, a grafia foi atualizada. Para recuperá-la pesquisei novamente
todas nos periódicos indicados e transcrevi-as na forma original em que foram publicadas.
Em Brás, Bexiga e Barra Funda encontramos um retrato, ou melhor, uma série
deles, das verdadeiras colônias italianas em que se transformaram determinados bairros da
periferia de São Paulo no início do século passado. Fotografias fixando cenas do dia-a-dia
da mais numerosa corrente de imigrantes e seus descendentes que a cidade recebeu a partir
das últimas décadas do século XIX. até o início do XX.
Essa maciça presença do imigrante, em especial do italiano, na sociedade paulista
do gerou diversas reações: da interação e troca, passando pela desconfiança até as tentativas
de anular aspectos significativos das culturas estrangeiras pela local. Em acontecimentos
excepcionais como greves, manifestações, revoltas, revoluções e no caso extremo da
Primeira Grande Guerra, a perseguição ao “de fora” tornou-se mais agudas. A violenta
repressão da greve de 1917 que paralisou São Paulo, de fato basicamente organizada pelos
anarquistas italianos e espanhóis, e os constantes bombardeios aos bairros operários pelas
tropas legalistas durante a revolução de 1924 são exemplos dessa perseguição.
Afora os momentos de crise, no dia-a-dia verificava-se uma latente ou explícita
aversão ao imigrante, tanto pobre quanto rico. Sobre essas reações discorre Nicolau
Sevecenko:
“(...). De um lado havia a ascensão irrefreável de membros das colônias
estrangeiras, envolvidos principalmente com indústrias e comércio de gêneros básicos, cuja
solidez, confiabilidade e tendência ao predomínio eram monitoradas pelo consulado inglês
na cidade, aconselhando as autoridades e súditos da coroa britânica a orientarem para esses
elementos seus capitais, sociedades e interesses. Do outro lado havia a massa dos
proletários, eternamente inconformados com as extensas jornadas de trabalho, a
insuficiência dos salários e a precariedade de suas condições de vida, excitados por
pregações radicais, em estado de guerra ingente. Era sob esse clima que se formulava a
chamada “Reação Nacionalista” em São Paulo, e um de seus líderes, o dr. Sampaio Dória,
163
em discurso de campanha, alertava: ‘Os brasileiros estão ameaçados de passar, por
imprudência, de senhores da terra a colonos dos estrangeiros, que vencem.’ Um outro
publicista, Bruno Ferraz do Amaral, clamando quanto à demora de uma reação, se
perguntava alarmado: ‘De fato, quando frutificar o nacionalismo, que restará brasileiro em
São Paulo? Capitais, estrangeiros; indústria dita nacional, estrangeira; colonos,
estrangeiros; fazendeiros, estrangeiros; proprietários, estrangeiros...’.
(...). A prática do estímulo à imigração maciça era um mecanismo de estabilização
das tensões e achatamento dos salários, dominada desde muito cedo pelos dirigentes e
cafeicultores paulistas. Na tentativa de defender seus interesses e fazer valer seus direitos,
líderes operários, representantes comunitários e autoridades do consulado italiano
procuravam deter ou restringir ao máximo a vinda de seus conterrâneos ao Brasil. Diante
das drásticas condições locais, muitos imigrantes viam espontaneamente na evasão uma das
poucas alternativas eficazes de protesto que ainda lhes restavam. Dos mais de 1 milhão de
imigrantes introduzidos no estado de São Paulo no curto período de 1884 a 1914, cerca da
metade deixaria o país em busca de outro e melhor destino. De forma que, quando em meio
à aguda dificuldade de obtenção de trabalhadores estrangeiros, em inícios de 1922, La
Fanfulla se posicionou contra a imigração, comparando o tratamento dado aos imigrantes
àquele antes reservado aos escravos negros, a reação foi explosiva. Fundou-se no mesmo
instante a Liga Defensiva Brasileira, encabeçada por uma lista com os nomes dos duzentos
maiores fazendeiros de São Paulo, com uma ameaça aberta ‘aos indesejáveis e ao jornal
italiano Fanfulla, que tomarão severas medidas (...) se o mesmo continuar as repelentes
infâmias de pasquineiro ignóbil contra nós e nossa terra...’.” (Sevecenko, 1998, p.138-140).
Parte dessas relações entre brasileiros e italianos está retratada nas histórias de Brás,
Bexiga e Barra Funda e num conjunto de artigos e crônicas. É o que apresentaremos em
seguida, após resgatarmos o entrelaçamento entre suas trajetórias de cronista e ficcionista.
Um novo front de luta: a imprensa
164
Já registramos que a sua primeira crítica literária, um artigo sobre o livro Vultos e
Livros, de Artur Mota, foi publicada no Jornal do Comércio, sucursal de São Paulo. O
artigo foi reproduzido integralmente no livro organizado por Cecília de Lara e dirigido por
Francisco de Assis Barbosa, Prosa preparatória & cavaquinho e saxofone, editado pela
Civilização Brasileira, em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a Fundação
Nacional Pró-Memória, em 1983. Mas, é quando lemos o artigo de Brito Broca, “Quando
Antônio de Alcântara Machado escrevia como os passadistas”, parte da coletânea Pontos
de referência editada pelo MINC Ministério da Educação e Cultura/Serviço de
Documentação, em 1962, que tomamos conhecimento de como o autor, ainda estudante,
teve a oportunidade de publicar seu primeiro artigo num jornal de grande circulação.
Escreveu Brito Broca - a transcrição do trecho é literal e obedece a grafia da época:
“Numa página do livro A Hora Futurista que Passou conta Mário Guastini que,
num dia de setembro de 1921, foi procurado por seu amigo de muitos anos, Alcântara
Machado. Vinha êle tímido e visìvelmente (sic) embaraçado confiar-lhe o seguinte:
‘— Meu Antônio vai dar alguma coisa. Ainda agora acaba de produzir trabalho que
me parece bom e que eu desejaria ver publicado. Você o leva e se o julgar publicável, ceda-
lhe um pouco de espaço no ‘Jornal do Comércio’. Guastini, diretor na época dessa fôlha
paulista, respondeu logo:
‘— Mande o trabalho que o lerei com imenso prazer, depois... de publicado.’
Assim, a 9 de setembro de 1921 aparecia no referido jornal o primeiro artigo de que
se tem notícia, assinado por Antônio de Alcântara Machado. Dentro de seis meses
desencadearia o movimento modernista, com a famosa ‘Semana’ no Teatro Municipal de
São Paulo e já começara na imprensa a pregação revolucionária. (...).” (Broca, 1962, p.
121).
Na realidade, o artigo referido na conversa entre os dois amigos, José de Alcântara
Machado, pai do escritor, e Mário Guastini, diretor da folha paulista naquele momento, foi
publicado em 19 de setembro de 1921. Somente em janeiro de 1923 veio o convite de
Mário Guastini para que escrevesse as criticas teatrais do mesmo Jornal do Comércio, na
165
até então inédita seção “Theatros e Música”. Ocupou esse espaço até julho de 1926,
aproveitando a oportunidade para escrever breves crônicas, algumas críticas literárias e as
primeiras versões de alguns de seus contos que seriam futuramente publicados em livros,
utilizando para isso, principalmente, a seção literária “Só aos Domingos”.
Em setembro de 1926 estréia uma nova seção: “Saxofone”, com crônicas sobre os
mais diversos assuntos, em especial sobre aspectos do cotidiano paulista. Em janeiro de
1927, a seção passou a se chamar “Cavaquinho”, nome que permaneceu até abril daquele
ano.
Da leitura desse variado conjunto de textos evidencia-se, não somente um processo
de aprimoramento, mas também de depuração da escrita, no sentido de torná-la mais
despojada, sintética, objetiva e mais plástica, moldável a linguagem corrente. Esse
“escrever como se fala”, ou mais exatamente “escrever como fala o brasileiro no seu dia-a-
dia”, contemplava não apenas as exigências de uma nova forma de fazer literatura, como
paralelamente possibilitava abrir um outro flanco de luta na contenda entre passadistas e
modernistas, ou seja, as páginas de alguns jornais abertos a essa linguagem imediata.
Quando isso não foi mais suficiente, procuram fundar seus próprios meios de comunicação
escrita, me refiro às revistas modernistas que pulularam nas mais diversas cidades
brasileiras, algumas distantes do eixo São Paulo-Rio.
A batalha entre uma linguagem acadêmica e arcaica, considerada empoada pelos
modernistas, e uma linguagem nova capaz de apreender o ritmo frenético das
transformações modernas não ficou restrita ao campo específico da literatura, mas
espalhou-se para outros espaços da imprensa escrita, lembrando que o rádio tornou-se
popular no Brasil somente na década de trinta e o primeiro jornal falado entrou no ar na
década de quarenta, o “Grande Jornal Falado Tupi”, de São Paulo. Os seus textos
jornalísticos adquirem uma outra dimensão, na medida que evoluíram para uma estrutura,
cuja sintaxe representava o ideal modernista nas letras, ocupando espaços estratégicos em
importantes periódicos de São Paulo e Rio de Janeiro.
O processo gradual de transformação da linguagem torna-se evidente quando
comparamos seu primeiro artigo publicado em 1919, “Vultos e Livros”, e suas primeiras
críticas teatrais da seção “Theatros e Música”, de 1923, com suas crônicas semanais
166
registradas na seção “Saxofone”, em 1926, depois “Cavaquinho”, em 1927. Mesmo antes,
quando lemos suas crônicas de viajem enviadas da Europa, em 1925, já observamos o
deslocamento para um tipo de linguagem mais depurada, ágil e acessível, e
conseqüentemente, mais próxima do grande número de leitores dos jornais.
Do conteúdo à forma - um estilo ágil e direto; descrições desprovidas de excessos,
sem distrações -, todo o conjunto foi se transfigurando numa “prosa jornalística”. Surge um
prosador que escrevia procurando uma nova forma de linguagem, objetiva como a
jornalística, que possibilitasse a todos uma informação e um entendimento instantâneo.
Brito Broca em “Quando Antônio de Alcântara Machado escrevia como os
passadistas”, chamava a atenção para essa mudança, destacando principalmente a
linguagem utilizada na feitura de seu artigo de estréia:
“(...).
Em suma, um bom trabalho de pesquisa êsse artigo. Mas no estilo, como estamos
longe do modernista de 1925! Escrevendo com desenvoltura e clareza, o futuro autor de
Pathé-Baby incide, não raro, em expressões de mau gôsto e em lugares-comuns, naqueles
pecados que viria denunciar impiedosamente em muitos dos chamados ‘passadistas’. Alude
a ‘um celeiro modesto do pensamento brasileiro’ e a Romero e Veríssimo como ‘dois
clarões solitários’ suavizando um pouco o negrume da desolação da nossa crítica. Logo
depois, Romero é o ‘bandeirante’, ‘impetuoso e bravo’ da crítica. De Fagundes Varela diz:
‘quando estudante em São Paulo, dispersou com prodigalidade os cigalhos de ouro do seu
espírito’. Mas onde o mau gôsto particularmente se acentua é nas referências a Rui
Barbosa, ao homem que seria a bête noire dos modernistas e que o Antônio de Alcântara
Machado de 1921 admirava da maneira mais enfática e bombástica: ‘a produção
maravilhosamente ciclópica de Rui Barbosa, que Emílio de Meneses comparou na sua
pujança e na sua beleza ao salto das Sete Quedas no Rio Paraná, é das que não podem ser
abrangidas numa só crítica, analisadas por um só espírito. O feixe de luz intenso é
volumoso demais para um só prisma. Às gerações do futuro é que caberá erguer a coluna
glorificadora dêsse gênio sublimado, purista portentoso da língua, que será para elas, o que
para as de hoje é Camões ou Vieira’. Não parece incrível o diapasão?
167
De tudo isso somos levados a concluir: aos vinte anos, com o espírito amadurecido
no convívio dos livros, possuindo uma cultura considerável para a idade, Antônio de
Alcântara Machado não adquirira ainda um instrumento de expressão suficientemente
elegante e artístico. Em seu abono temos, no entanto, a ressaltar, que muitos escritores já de
nome feito, na época, alguns dos quais se tornariam cabeças do Modernismo incorriam,
com freqüência, no mesmo mau gôsto. Só em 1925, nas crônicas de Pathé-Baby, o crítico
de Artur Mota encontraria seu verdadeiro estilo o estilo mais característico da prosa
modernista.” (ibidem, p. 125-126).
O contato com a produção modernista, a aproximação com os Andrades,
inicialmente com Oswald, depois com Mário, foi influenciando a sua escrita. Outros fatores
importantes nessa metamorfose devem ser enfatizados. Ao entrar para o mundo das letras
pela porta da imprensa, pode utilizar os espaços que lhe foram cedidos nos jornais para
experimentar uma nova forma de linguagem, antes de transpô-la para as páginas de seus
livros. Talvez o mais significativo dessa relação dialógica imprensa literatura, tenha sido
a contaminação de uma esfera por outra.
Quando refazemos cronologicamente o seu trajeto, sobressai uma troca em que
partes constituintes da relação foram retroalimentando uma à outra. Ao final uma falsa
questão pode tentar se impor: estamos falando de um jornalista que escreveu livros ou de
um escritor que atuou na imprensa? Estamos falando de ambos, jornalista e ficcionista
simultaneamente.
O autor, em crônica reproduzida em Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935,
intitulada “Aristides Silva Ou o Quarto Poder”, discorre sobre a relação entre produção
ficcional e matéria jornalística:
“Numa época (é a nossa) em que a literatura cada vez mais se preocupa com o caso
interior o jornal acaba sendo o único comentário do que se passa fora dos homens. O
romance hoje em dia narra o indivíduo. Os indivíduos são assuntos de imprensa. (...). Não
se vê por assim dizer o homem em ação. Vivendo sôlto no mundo. Heróis agora a gente só
encontra no jornal. Os dramas absurdos que antigamente a obra de ficção armava o jornal
168
registra depois da polícia. O romancista está espiando para dentro, bem no fundo. A vida
que vive na luz é o repórter o único a fixar. Fixar por um minuto. No jornal ela continua e
se transforma, nasce dia, morre dia, como sucede cá fora. (...).
Por isso mesmo a obra literária de movimento é confundida com a reportagem. Ou
antes: é muitas vêzes chamada de reportagem. (...).
O jornal veio demonstrar que a chamada invenção literária nunca existiu. No fundo,
espírito inventivo é simplesmente espírito observador. A vida é que inventa e cada vez
inventa melhor. Não há imaginação capaz de bater a realidade no terreno do extraordinário.
Porque o jornal não era o elemento de divulgação que hoje é, e portanto certo aspecto do
drama quotidiano passava despercebido para a maioria, o entrecho parecia às vêzes produto
exclusivo da imaginação literária. (...). Hoje, é bastante abrir o jornal.
É a vida. E até o tumulto da vida. O detalhe bem banal e o fantástico se misturando.
Na terceira coluna da terceira página o italiano Pisani experimenta um avião de trezentos
passageiros. Na quarta coluna o José Maria mata a Maria José por causa de um gato, na
quinta o presidente da sociedade agrícola expõe os problemas que assoberbam a cultura do
algodão, na sexta o estivador se joga no mar com uma pedra pendurada no pescoço, na
sétima os espetáculos da Companhia Gandaia atraem tôdas as noites enorme público.
Maravilha. A vida não pára. É o Manhattan Transfer de John dos Passos. O assassino
degola no número de 20 de abril. Chora arrependido no número de 21. Depois desaparece.
Surgem outros assassinos que também vão desaparecendo. Mas a 10 de maio volta o
facínora de 20 de abril, assistindo de moral abatido ao sumário de culpa. Vai mudando de
secção. No dia 16 de julho é condenado. No dia 8 de agôsto se enforca no xadrez. E surge
na primeira página ao lado do rei da Dinamarca em excursão de prazer pelos lagos da
Escócia.” (Machado, 1940, p. 379-381).
Recordemos que ele iniciou efetivamente sua contribuição com o Jornal do
Comércio em janeiro de 1923, como crítico teatral e musical daquele matutino. Com o
passar do tempo foi inovando na maneira de abordar o espetáculo criticado. Não se
contentava somente em criticar aspectos positivos e negativos da montagem no referente à
qualidade do texto, ao estilo do dramaturgo e a atuação dos atores, mas passou a comentar
169
criativamente sobre outros componentes das peças que assistia quase que diariamente nos
inúmeros teatros que existiam na cidade. Cenários, iluminação, figurinos e outros
elementos cênicos foram sendo incorporados nos seus comentários, assim como a
impostação das vozes dos atores e a fidelidade, ou não, de uma adaptação por um
determinado diretor foram componentes das encenações que mereceram atenção em suas
críticas. Dentre as várias polêmicas em que se envolveu na defesa de uma dramaturgia
brasileira, lembramos da sua luta pela substituição do texto interpretado em português de
Portugal por um falado em português do Brasil.
No final dessa fase no Jornal do Comércio, quando já dividia a função de crítico
teatral com outros jornalistas, não esqueceu de registrar em alguns de seus últimos textos da
seção “Theatros e Música” até mesmo a reação do público em determinado espetáculo ou
mesmo observar as condições físicas oferecidas pelos teatros. Esse trajeto encontra-se
criteriosamente analisado no estudo de Cecília de Lara, intitulado: De Pirandello a Piolim:
Alcântara Machado e o teatro no modernismo.
A essa atividade de crítico teatral, ele foi explorando outros formatos de expressão
literária. Em 21 de setembro de 1924, publicou seu primeiro texto mais próximo de uma
composição ficcional, “Cyrillo”, um misto de conto e crônica, conta a história da morte de
um palhaço e apareceu na seção “Só aos Domingos” do Jornal do Comércio. Esse texto
nunca foi incluído em nenhum de seus livros, mesmo nas coletâneas organizadas após sua
morte. Em 25 de janeiro do ano seguinte, publicou a versão original daquele que é seu mais
conhecido conto, “Gaetaninho”. Quando publicou o conto “Carmela”, em de março de
1925, na seção “Só aos Domingos”, o fez com uma observação importante: “(De um
possível livro de contos: Í talo-Paulistas)”. Embora esse texto tenha sofrido modificações
quando apareceu em Brás, Bexiga e Barra Funda, ficou evidente que pensava em reunir em
uma única obra sua produção de contos avulsos. A intenção foi reforçada quando publicou
o conto “Lisetta”, em 8 de março daquele ano, fora da seção “Só aos Domingos”, com a
mesma observação ligeiramente modificada: “(Para um possível livro de contos: ÍTALO-
PAULISTAS)”.
Sua decisão de visitar a Europa em 1925 - partiu na segunda quinzena de março e lá
permaneceu de abril a outubro - acabou engavetando os planos de lançamento desse
170
“possível livro de contos”, protagonizados por personagens representantes da colônia
italiana da cidade, em especial daquela primeira geração já nascida no Brasil. Aproveitou
sua estada na Europa para escrever uma série de crônicas versando sobre as cidades pelas
quais passou. Elas foram publicadas no Jornal do Comércio, numa série denominada
“Panoramas Internacionaes” entre abril e novembro de 1925. Depois de seu retorno, todos
esses textos foram reelaborados para a edição de seu livro de estréia em 1926, Pathé-Baby.
Após esse processo, provavelmente voltou a centrar suas energias no projeto interrompido
com a viagem e depois a confecção e publicação de Pathé-Baby. A experiência de
observação dos lugares pelos quais andou, a forma sintética de descrevê-los e a maneira
minuciosa de recompô-los para a versão definitiva em livro influenciaram no estilo da
escritura do futuro escritor que se tornaria mais cristalizado na produção dos outros contos
de Brás, Bexiga e Barra Funda, inéditos até o lançamento do livro, e mesmo nas novas
versões dos três contos já mencionados que completariam a obra. Realizou esse trabalho até
o final de 1926, e pôde lançá-los no início de 1927.
Em carta dirigida a Prudente de Moraes, neto, datada de “17. 1. 927”, escreveu - a
citação foi extraída do livro Pressão afetiva & aquecimento intelectual: cartas de Antônio
de Alcântara Machado a Prudente de Moraes, neto, organizado por Cecília de Lara:
“(...).
Brás, Bexiga e Barra Funda está prontinho da silva. Por estes dias vai para o prelo.
São dez contos ítalo-paulistas.
O resto vai indo.” (Lara, 1997. p. 66).
No decorrer de sua trajetória jornalística, vinha exercitando na feitura de suas
críticas teatrais e musicais uma forma de escritura mais próxima da brevidade da crônica e
da subjetividade da ficção. Os ensaios, misto de textos jornalísticos e literários, as primeiras
versões dos contos ítalo-paulistas e as crônicas de viagem conduziram o jornalista ao
cronista, e o ensaísta ao literato.
Sua produção torna-se mais completa quando verificamos que no mesmo período
em que se dedicou a feitura de Pathé-Baby, final de 1925, e Brás, Bexiga e Barra Funda,
171
durante o ano 1926, continuou escrevendo os contos de um terceiro projeto, a saber, a
publicação de Laranja da China, lançado em junho de 1928. Como colocamos no início do
capítulo anterior, nove dos contos que compuseram esse livro conheceram versões
anteriores publicadas em diversas revistas e no Jornal do Comércio. A primeira publicação
apareceu na revista modernista Terra Roxa... e outras terras, nº 1, de 20 de janeiro de 1926,
trata-se do conto A Piedosa Teresa (Dona Teresa Ferreira) que foi editado naquela versão
com o título A Dança de São Gonçalo. A última, na revista Verde de Cataguases, 4, de
dezembro de 1927, trata-se do conto O Filósofo Platão (Senhor Platão Soares). Logo, da
elaboração desses contos numa primeira versão, passando pela sua edição em periódicos até
a reelaboração de todos para posterior publicação em livro, temos uma operação que se
estende por mais de um ano iniciou-se antes do final de 1925, atravessou todo o ano de
1926 e continuou durante o ano de 1927. Lara registrou em seu estudo Comentários e notas
à edição fac-similar de 1982 de Laranja da China de António de Alcântara Machado, a
seguinte observação sobre a preparação do livro:
“(...). Em dezembro de 1927 o volume já estava montado, conforme diz o autor em
carta dirigida a Prudente de Moraes, neto: Laranja da China é que entra no prelo no mês
que vem. Se Deus quiser. O aventureiro Ulisses é dele. O Filosofo Platão (que sairá no
próximo número de Verde) também’. (22 de dezembro de 1927).” (Lara, 1982, p. 13).
Outros indícios provam que ele arquitetou simultaneamente os livros Brás, Bexiga e
Barra Funda e Laranja da China. Quando da publicação da primeira versão do conto O
Inteligente Cícero (Menino Cícero José Melo de Sá Ramos) no Jornal do Comércio, com o
título Conto de Natal, edição de 25 de dezembro de 1926 - portanto, no período de
finalização de Brás, Bexiga e Barra Funda que foi lançado logo no início do ano seguinte,
em março de 1927 -, indicou no rodapé do texto que o conto pertencia a um futuro livro,
cujo título seria Oh! Que saudades que eu tenho!. O título definitivo, Laranja da China,
apareceu somente em fevereiro de 1927, quando foi publicado o conto O Mártir Jesus
(Senhor Crispiniano B. de Jesus) no Jornal do Comércio, com o título Conto de Carnaval.
172
Logo, durante um período, especificamente 1926, os personagens dos contos ítalo-paulistas
conviveram na sua cabeça com os personagens de uma outra série enfeixados pelo tema do
patriotismo.
Não podemos esquecer que o ano de 1926 marcou mudanças significativas no
Jornal do Comércio. Após sua viagem à Europa e a publicação de Pathé-Baby, no início de
1926, decidiu que precisava de mais horas para estudar e se dedicar às outras atividades
literárias. As críticas teatrais quase que diárias lhe tomavam um precioso tempo.
Paulatinamente foi deixando de escrever na seção “Theatros e Música” e migrou para a
função de cronista ocupando a seção “Saxofone”, depois “Cavaquinho”. Além de serem
editadas semanalmente, essas crônicas lhe possibilitavam a oportunidade de caminhar
diurnamente pela cidade à procura de assuntos que depois eram abordados na seção. Além
do mais, seus focos de interesses agora eram múltiplos. Em 1926, fundou e depois dirigiu,
com Antônio Carlos Couto de Barros, a revista Terra Roxa... e outras terras, publicação
que serviu para divulgar as idéias modernistas. Mais tarde, mesmo a seção “Cavaquinho”
foi perdendo assiduidade até deixar definitivamente de colaborar com o Jornal do
Comércio. No momento do lançamento de Laranja da China, em junho de 1928,
encontrava-se dirigindo a primeira fase da Revista de Antropofagia com Raul Bopp e
colaborando com jornais do grupo Diários Associados. A divisão do seu tempo entre
jornalismo e criação literária continuava, logo, a contaminação de uma área pela outra.
A colaboração com os periódicos modernistas ou não perpassou praticamente toda a
sua carreira jornalística. Jornalista multifário, dirigiu, fundou, ajudou a divulgar ou somente
contribuiu enviando artigos para diversas revistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Destacamos: Novíssima, entre 1923 e 1924, de São Paulo, com sucursal no Rio de
Janeiro: contribuiu nessa revista modernista ligada ao verde-amarelismo com artigos sobre
espetáculos teatrais; Estética, em 1925, do Rio de Janeiro, fundada por Prudente de Moraes,
neto e Sérgio Buarque de Holanda: recebia de São Paulo seus artigos e de Mário de
Andrade; Terra Roxa... e outras terras, em 1926, de São Paulo: contribuiu escrevendo
artigos e contos; Revista do Brasil, entre 1926 e 1927, do Rio de Janeiro: colaborou com
artigos sobre espetáculos teatrais; Feira Literária, em 1927: contribuiu enviando contos;
Verde de Cataguazes, entre 1927 e 1928, de Minas Gerais: colaborou enviando artigos
173
sobre diversos temas, além de contos; Revista Movimento, em 1928, do Rio de Janeiro:
colaborou com artigos sobre espetáculos teatrais; Revista de Antropofagia, entre 1928 e
1929, de São Paulo: fundou e dirigiu a Revista de Antropofagia, na sua primeira fase, entre
maio de 1928 e fevereiro de 1929, e a Revista Nova, entre março de 1931 e dezembro de
1932, de São Paulo: sua derradeira experiência com esse tipo de publicação, fundou essa
revista em parceria com Paulo Prado e Mário de Andrade. Ainda em 1931, publicou na
Revista Nova, edição de março, um ensaio sobre o avô, Brazílio Machado Ou Um Operário
Católico. Essa revista publicou outro de seus contos esparsos, As Cinco Panelas de Ouro.
Em 1930 já havia publicado outro desses contos avulsos, O Mistério da Rua General de
Paiva”, em As Novidades Literárias, Artísticas e Científicas.
Se nos prendermos somente às suas colaborações nos jornais verificaremos que
além do Jornal do Comércio, onde exerceu as mais diferentes funções, de repórter a
redator-chefe, colaborou ainda com vários outros diários. Destacamos: O Jornal, de 1926
até sua morte, gazeta fluminense: colaborou com artigos sobre temática diversa, críticas de
espetáculos teatrais e nesse periódico publicou seus contos Guerra Civil, em 1929, e
Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria, que só foram agrupados em coletânea e editados
em livro após a sua morte; Diário Nacional, em 1929, de São Paulo: colaborou com artigos
sobre espetáculos teatrais, nesse periódico, na seção “Caixa”, utilizando o pseudônimo de
J.J. de Sá, escreveu uma série de ensaios sobre teatro; Diário de S. Paulo: além de escrever
para a Revista de Antropofagia, na sua segunda fase, entre março e agosto de 1929, que era
editada como suplemento do Diário de S. Paulo, e publicar seu conto Guerra Civil, em
1929, foi para esse jornal que enviou crônicas da Europa, quando de sua terceira e última
viagem ao velho continente, entre outubro de 1929 e junho de 1930, junto com sua
companheira, Lolita. Essa “prosa turística” foi publicada no Diário de S. Paulo e em outros
jornais do grupo Diários Associados. Algumas dessas crônicas e ensaios estão reproduzidas
em Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935: “Eldorado”, “Bordo”, “Excursionando
Com Thos. Cook & Son e Seus Rivais”, “História Verídica Onde Entram Papagaios”,
“Prosa Turística (Muito Fiada)”, “O 312.º”, “Seis Inocentes Anedotas Sôbre o Fascismo”,
“Junqueira Freire”, “Os ex-comedidos” e “A Propósito do ‘Byron’ de Maurois”.
174
Quando retornou escreveu a série “Reportagem Literária”, entre 1932 e 1933, nesse
mesmo periódico, criticando livros dos novos autores nacionais, dentre eles, Caio Graco
Júnior, José Lins do Rego e Otávio de Faria. E no Diário da Noite, sucursal do Rio de
Janeiro, periódico pertencente aos Diários Associados, onde iniciou sua colaboração em
1927, de forma esporádica, se estendendo até 1935, pouco antes de sua morte. No final de
1934 foi nomeado diretor desse periódico. Não se limitava a dirigi-lo afastado de sua
feitura diária. Habitualmente era visto nas oficinas do periódico opinando sobre a sua
diagramação.
Além de artigos sobre literatura, escreveu diariamente na coluna política da primeira
página, e foi nesse vespertino carioca que publicou seu último texto jornalístico em 5 de
abril de 1935. Algumas dessas crônicas estão reproduzidas em Cavaquinho e Saxofone
(solos): 1926/1935: ”Destino do Socialismo”, “Um Valor Novo”, “Panacéia”,
“Confederação”, “O Primeiro Saudosista”, “O Dentista” e “Sorria, Major, Sorria”.
Somando outras atividades na área jornalística, como a direção da “Emprêsa Editôra
A Vida dos Municípios” que publicou entre 1932 e 1933 diversos jornais no interior de São
Paulo às diferentes funções que exerceu nos periódicos em que trabalhou, como repórter,
redator-chefe e diretor, teremos um quadro que demonstra uma carreira jornalística profícua
e meteórica, que abrange pouco mais de uma década: junho de 1923 a abril de 1935.
Paralelamente às atividades jornalísticas e literárias, encontrou tempo para exercer a
advocacia e principalmente a política. Desde seu estreito envolvimento com o Movimento
Constitucionalista de 1932 até ser eleito em 1934, eleição realizada logo após a
promulgação da constituição de 16 de julho daquele ano, para ocupar uma cadeira de
deputado federal por São Paulo, pela legenda do Partido Constitucionalista - faleceu antes
de tomar posse -, vinha dedicando grande parte do tempo a prática política.
Desenvolveu trabalhos no campo da historiografia. Suas pesquisas sobre Anchieta
continuam entre as mais importantes dedicadas aos estudos anchietanos - recebeu o prêmio
da “Sociedade Capistrano de Abreu” pela monografia histórica Anchieta na Capitania de
São Vicente. Dividindo a direção de Terra Roxa... e outras terras com Antônio Carlos
Couto de Barros contribuiu para a campanha pela aquisição de uma carta de Anchieta
175
enviada ao Cap.-Mor Jerônimo Leitão no ano de 1579 que foi adquirida em Londres e
doada ao Museu Paulista.
Segundo Francisco de Assis Barbosa, ele pensava em escrever a biografia do padre
jesuíta e efetivar um antigo projeto que seu avô, Brazílio Augusto Machado d’Oliveira, não
conseguiu levar a cabo. Ainda se dedicou a pesquisar sobre o cancioneiro urbano da cidade
de São Paulo e a história da fundação da Estrada de Ferro Sorocabana. Alguns ensaios
sobre esses temas estão reproduzidos em Cavaquinho e Saxofone (solos): “Rapsodos do
Tietê”, “Anchieta, o Universitário” e “Maylasky”.
Manteve uma intensa relação epistolar com diversos literatos e jornalistas, em
especial, com Prudente de Moraes, neto. Quando adulto viajou duas vezes à Europa e
visitou a Argentina e o Uruguai na companhia de outros escritores a convite do jornal
argentino A Crítica. Pouco antes de sua morte remeteu artigos e crônicas desses países
platinos. Algumas dessas crônicas estão reproduzidas em Cavaquinho e Saxofone (solos):
1926/1935: “Primeira Impressão de Buenos Aires”, “Onde o Homem o É”, “Sôbre Política
Argentina” e “Montevidéu Amável”.
De resto, iniciou Mana Maria, romance que, junto com os contos esparsos não
publicados em livro, compôs a edição póstuma Mana Maria/Contos, editada em 1936.
Escreveu fragmentos de um romance intitulado Capitão Bernini, título que já havia
aparecido na contra-capa de Laranja da China, como “Obras em preparação”, e o primeiro
ato de uma peça denominada O Nortista, ambos publicados nas edições de Novelas
Paulistanas a partir de 1988.
Essa panorâmica da sua trajetória referente a vida profissional, revela sua estreita
relação com a palavra escrita. Nesta pesquisa procuramos entender mais sobre esse homem
que viveu o jornalismo e a literatura de forma indissociável, criando imagens que
representam aspectos significativos do período em que viveu.
7A seguir abordaremos a relação de seus textos com a fotografia, invocada ao
observarmos a descrição dos espaços onde se desenvolvem as ações das histórias ficcionais
ou cotidianas.
176
Olhar fotográfico
Sua capacidade de observação e integração com o meio possibilitou que detalhes e
ângulos inesperados da cidade fossem sendo desvelados para os leitores de suas crônicas, e
mais tarde, de seus contos. Seus textos revelam uma pessoa que apreciava longas
caminhadas, e de certo as fazia munido de papel e lápis, pois encontramos em seus relatos
informações minuciosas e precisas que nos remetem àqueles diários de campo elaborados
por exploradores.
Em crônica de 1929, intitulada “Noturno de São Paulo”, reproduzida em
Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935, descreve aspectos da cidade observados
durante um passeio noturno. O que chama a atenção não é a descrição dos lugares e
elementos concretos, mas o recurso utilizado de focar seu olhar nas luzes dos faróis dos
automóveis e nos anúncios publicitários e dessa forma desmaterializar a paisagem, dar ao
relato uma aparência abstrata, onírica, quase irreal:
“Do Largo do Paisandú a vista da gente descendo à tôda a avenida São João até a
praça do Correio toma impulso para subir os vinte e tantos andares do casarão Martinelli.
Aí pelas nove e meia da noite os automóveis correm para pegar a segunda sessão dos
cinemas e é bonito ver as luzes indo e vindo pertinho do asfalto enquanto outras fogem
trepando pelos prédios e são anúncios de sapatos, gramofones, vermífugos, terrenos a
prestações, dentifrícios, tantas cousas precisadas pelo povo. Parece que as luzes estouram,
se esborracham no fundo escuro. Tudo fica enorme e se prolonga na noite. E a gente tem
vontade de subir também.” (Machado, 1940, p. 7).
Percebemos pela leitura do fragmento que quem se movimenta não é o observador,
mas seu olhar que desce a Avenida São João até encontrar o Edifício Martinelli, depois
sobe e resvala até o topo onde se encontra o casarão do comendador. Esse olhar/luz funde-
se com as luzes artificiais dos veículos e dos anúncios de néon. Luzes que também se
177
movimentam, que vem e vão, fogem, sobem nos prédios, que estouram e se prolongam
noite adentro.
No trecho seguinte, encontramos a descrição da sensação de olhar a cidade de cima
de um prédio. A descrição não é apenas objetiva, mas está carregada de percepções
singulares, uma espécie de plenitude que faz o observador se fundir com a paisagem que
observa:
“Então é bom fazer meia volta e rumar para a rua Ipiranga n.º não-me-lembro (é o
pái-de-todos da rua). Porque no terraço que remata dez ou doze ou quinze andares é uma
gostosura de panorama urbano cercando por todos os lados. A gente tem a cidade à sua
disposição, se sente maior, domina. Depois está mesmo no diapasão do que vê. Não é bem
orgulho. É uma espécie de plenitude, uma satisfação íntima e imensa de estar alí, de ter
dado ao menos sua colaboração de presença, a tendência agradável de se encorporar ao bem
feito, êsse contentamento tão grande da cousa exterior que dá até o contentamento de si
mesmo. A gente se reconcilia com a gente. Ganha a generosidade universal dos fortes e
toma ares protetores. Quasi que se estende a mão lá de cima para ajudar as casinhas de
cinco metros a subir mais uns andares. Fica-se com pena da mesquinhez delas.” (ibidem, p.
7-8).
Nas duas cenas temos movimentos interessantes do olhar. No anterior, o observador
está em baixo e, desse ponto de vista, observa a altura dos prédios e os anúncios que estão
neles colocados. Nesse, ele admira a cidade de cima para baixo, além de apanhá-la numa
panorâmica que possibilita uma perspectiva curiosa suscitando um misto de dominação e
orgulho, extensão e incorporação, contentamento e generosidade com o que é pequeno ou o
que se vê assim.
Nessa panorâmica de trezentos e sessenta graus continua a mirar outros lugares da
urbe. Saindo da região central, seu olhar percorre os bairros mais afastados sempre
fotografando detalhes peculiares. Esse olhar funciona como um conjunto de objetivas, e ele
se serve dele para manter o objeto fotografado na sua distância real ou para aproximá-lo,
como é o caso do relógio da torre da luz e dos anúncios luminosos.
178
Novamente as luzes são capturadas em suas variadas formas: superpostas, indicam
as fábricas nos bairros operários; minguando, o final da área ocupada na zona leste;
resplandecentes, os anúncios de neom na cordilheira da região da Paulista:
“Porém isso é bobagem. Melhor é espiar pulando o Triângulo o taboleiro vasto do
Braz e da Moóca. Lá as luzes superpostas indicam fábricas e a noite caíu mais preta e
profunda. Longe, onde é a fronteira nordeste da cidade, as lâmpadas mais altas vão
minguando, se distanciando uma das outras até morrerem na escuridão cerrada: Penha de
França.
Na direção da Cantareira primeiro é a tôrre da estação da Luz (vinte e duas horas e
trinta e cinco minutos), depois a rua Voluntários da Pátria se espichando e subindo com a
Penitenciária à sua extrema direita resplendendo.
A vista da gente de bairro em bairro vai fazendo a volta da cidade. O ventinho frio,
insinuante, persistente machuca o rosto. Nos Campos Elíseos há explosões de árvores entre
os telhados, em Santa Cecília as casas se afastam respeitosamente para as ruas passarem à
vontade, Higienópolis se enche de sombras. Do Piques até a Avenida é um despropósito de
prédios se acotovelando. No Piques são prédios mesmos. Na Avenida são Palacetes. E aí
estão os anúncios de novo: CHEVROLET, LANÇA-PERFUME PIERROT, CRUZWALDINA,
SABONETE GESSY. Esverdeando, azulando e avermelhando, sobretudo avermelhando de
alto a baixo a arquitetura embaralhada.” (ibidem, p. 10).
Nesse fragmento observamos outro recurso narrativo/visual parecido com àquele
apontado no conto O Tímido José. No conto, descrevia com precisão uma das ruas da
cidade, a Barão de Itapetininga, indicando a placa de um de seus estabelecimentos
comerciais - BARBEARIA BRILHANTE. Agora, é a descrição dos anúncios luminosos que
merece destaque, e ele o faz utilizando o mesmo tipo em caixa alta, além de detalhar as
cores das luzes que colaboram para capturar a atenção dos passantes.
A publicidade é outro aspecto da modernidade observado e registrado, não somente
em suas crônicas, mas nos contos. A concentração do capital, o início da produção em
escala industrial, o crescimento do comércio e a criação de um mercado interno provocam a
179
necessidade de atrair o consumidor. Novos elementos são incorporados à paisagem urbana:
o anúncio, o réclame, a propaganda de uma infinidade de produtos. É a publicidade
incipiente ocupando diversos espaços: o cartaz de rua, o anúncio nos bondes, o luminoso
nas empenas e telhados dos prédios.
A iluminação elétrica possibilitou que o comércio mesmo fechado continuasse
anunciando, e de certa forma vendendo, suas mercadorias. Somam-se ao fato, os avanços
da mecânica e o conseqüente desenvolvimento da área gráfica e editorial. Revistas, jornais,
folhetos, prospectos tornam-se meios de veiculação das mensagens publicitárias.
A publicidade influencia na formação de atitudes, no gosto, na moda e no modo de
vida das pessoas. Os próprios modernistas utilizaram-se das técnicas e da linguagem
publicitária para divulgar suas idéias, assim como na concepção gráfica de livros e
manifestos do movimento. No seu caso, a reprodução de textos publicitários reforça outras
tendências da literatura modernista: a intertextualidade e a fusão de linguagens.
No conto O Revoltado Robespierre, ainda de Laranja da China, podemos constatar
a existência da publicidade nos bondes que circulavam pela cidade. Até as deformações
morfológicas das mensagens publicitárias são apontadas. São elas mais um dos motivos da
revolta do inconveniente Senhor Natanael Robespierre dos Anjos:
“(...). O do ODOL já leu. Estava começando o da CASA VENCEDORA. Isso de preço
do custo só engana os trouxas.
Ó estupidez! O senhor já reparou naquêle anúncio ali? Bem em cima da mulher
de chapéu verde. CONCERTA-SE MÁQUINAS DE ESCREVER. ConcerTA-SE máquinaSSS!
Fan-tás-tico! Eu não pretendo por duzentos réis condução e ainda por cima trechos selectos
de Camilo ou outro qualquer autor de pêso, é verdade... Mas enfim...
É preciso um fêcho erudito e interessante ao mesmo tempo.
— Mas enfim...
A mão procura inutilmente no ar dando voltinhas.
— Mas enfim... seu Serafin...
180
Fica nisso mesmo. Acerta o cebolão com o relógio do largo Municipal. Esfrega as
mãos. O guarda-chuva cai. Ergue-o sem geito. Enfia a cartolinha lutando com as melenas.
Previne os vizinhos:
Êste viaduto é uma fábrica de constipações. De constipações só? De pneumonias
mesmo. Duplas!
Silêncio. Mas eloquente. Palito de fósforo é bom para limpar o ouvido. Descobre-se
deante da Igreja de Santo António.
Não está vendo, seu animal, que a mulher não se sentou ainda? Aprenda a tratar
melhor os passageiros! Tenha educação!” (Machado, 1928, p. 13-14).
Retomando a crônica. A percepção e descrição da área que a sua vista abrange
continua apoiada no sugestivo jogo entre o sólido e o impalpável: luz concreto. Outros
elementos são invocados para participarem e completar o jogo: água e neblina:
“Reparando bem falta alguma cousa. Há dureza de mais. Tudo sólido, fincado,
parado, esperando. Tudo vertical. A edificação desmancha a linha ondeada das colinas. E
tudo junto. Falta alguma cousa que separe, desmanche a imobilidade majestosa dos
casarões compridos. Falta água. É um rio que falta, rio largo, rio cheio de pontes, rio cheio
de curvas, e cais, ostensivo e inevitável, que corte o miolo da cidade sem dó. Porque o Tietê
é só histórico: não tem nada urbanístico. Foge do centro, passa de largo, sem nenhuma
função decorativa.
(...).
Tenho dito. Ciáo, como se diz no Belémzinho (sic). O frio está danado. Depois aí
vem a neblina. Daquí a pouco invade o Anhangabaú para os sócios do Automóvel Clube
pensarem que estão em Londres.” (ibidem, p. 10-12).
Além da sensibilidade para as filigranas das paisagens, ele também possuía uma
profunda acuidade na observação de fatos triviais do cotidiano. Essas observações serviam
de matéria-prima tanto para suas crônicas, como para suas criações literárias. O
181
atropelamento de uma criança pelo bonde ou automóvel, a traição amorosa e o crime
passional, a rivalidade entre torcidas de futebol, o amor proibido entre os jovens de
descendências e classes diferentes, a desconfiança das famílias quatrocentonas em relação à
ascensão social dos italianos, o golpe aplicado nos turistas vindos do interior e inúmeras
outras histórias que seus contos apresentam parecem extraídas das notícias de jornais ou
inspiradas em fatos por ele testemunhados. O que fortalece a impressão que alguns de seus
contos “não nasceram contos: nasceram notícias”. E Brás, Bexiga e Barra Funda “não
nasceu livro: nasceu jornal”.
Na descrição do ambiente de algumas dessas histórias, novamente a fotografia é
invocada como forma de fixar um conjunto de elementos portadores de múltiplos sentidos.
Na crônica “Noturno de São Paulo” que analisamos anteriormente, o seu
olhar/objetiva se movimentava em panorâmicas, nos contos de Brás, Bexiga e Barra Funda
ele está fixo, ainda que se utilize do mesmo recurso de aproximar algum elemento que
queira destacar do conjunto. Observemos no trecho inicial de Carmela a descrição da Rua
Barão de Itapetininga, primeiro cenário da história da costureira pobre, a Carmela do título,
filha de italianos, que está flertando com um rapaz pertencente a uma família da burguesia
paulistana. Como outros, o conto já inicia no meio da ação:
“Dezoito horas e meia. Nem mais um minuto porque a madama respeita as horas de
trabalho. Carmela sai da oficina. Bianca vem ao seu lado.
A rua barão de Itapetininga é um depósito sarapintado de automóveis gritadores. As
casas de modas (AO CHIC PARISIENSE, SÃO PAULO PARIS, PARIS ELEGANTE)
despejam nas calçadas as costureirinhas que riem, falam alto, balançam os quadris como
gangorras.
— Espia se êle está na esquina.
— Não está.
— Então está na praça da República. Aqui tem muita gente mesmo.
— Que fiteiro!” (Machado, 1927, p. 33-34).
182
Embora rápida, a descrição do lugar nos permite fixar um instantâneo da
movimentada rua do centro que na época concentrava grande parte das oficinas de costuras
da cidade: movimentação de carros, algazarra das costureiras que saem do trabalho e a
seqüência dos ateliês de moda. A leitura do fragmento nos possibilita imaginarmos uma
fotografia, uma criação mental de uma imagem, do local/cenário da narrativa. A confusão
de carros e gente parece ser capturada pelo seu olhar/objetiva e congelada em uma imagem.
A lente foca nos nomes das casas de modas e num zoom aproxima-os de forma a destacá-
los da totalidade dos elementos que compõem a cena. O tipo utilizado caixa alto, negrito
– reforça a idéia que estamos “vendo” esses estabelecimentos através de seus letreiros e não
somente lendo seus nomes comerciais.
Essa fotografia enquadra elementos dispostos em planos diferentes: em primeiro
plano enxergamos os carros que passam provocando barulho, no plano de fundo temos os
estabelecimentos de moda despejando as trabalhadoras. O vozerio é ensurdecedor.
Via principal da chamada “cidade nova” a Rua Barão de Itapetininga ainda ficou
registrada em um dos poemas de Lira Paulistana, de Mário de Andrade. A descrição agora
é menos objetiva e sublinha a saudade que poeta sente da amada que está distante. A
transcrição é literal e obedece a grafia da época:
“Na Rua Barão de Itapetininga / O meu coração não sabe de si, / Não se vê moça
que não seja linda, / Minha namorada não passeia aqui. / Na Rua Barão de Itapetininga /
Minha aspiração não agüenta mais, / A tarde caindo, a vida foi longa, / Mas a esperança já
está no cais. / Na Rua Barão de Itapetininga / Minha devoção quebra duma vez, / Porque a
mulher que eu amo está longe, / É ... a princesa do império chinês. / Na Rua Barão de
Itapetininga / Noite de São João qualquer mês terá, / Em mil labaredas de fogo e sangue /
Bandeira ardente tremulará. / Na Rua Barão de Itapetininga / Minha namorada vem
passear.” (Andrade, 1945, p.).
Em outro conto, intitulado Amor e Sangue, encontramos a história de Nicolino Fior
d’Amore que inconformado com o fim do relacionamento assassina Grazia. Na cena inicial
temos a descrição de uma das ruas do bairro onde o crime passional acontecerá:
183
“Ia indo na manhã. A professora pública estranhou aquêle ar tão triste. As bananas
na porta da QUITANDA TRIPOLI ITALIANA eram de ouro por causa do sol. O Ford
derrapou, maxixou, continuou bamboleando. E as chaminés das fábricas apitavam na rua
brigadeiro Machado.
Não adiantava nada que o céu estivesse azul porque a alma de Nicolino estava
negra.” (Machado, 1927, p. 61-62).
Novamente o seu olhar/objetiva captura e congela um instante fugaz de uma rua.
Longe do centro, estamos num bairro operário de população predominantemente italiana.
Outro recurso de estilo pode ser verificado: a sinestesia. Num plano intermediário vemos a
professora que passa e estranha a fisionomia profundamente alterada de Nicolino, no fundo
a porta da quitanda um zoom aproxima os letreiros que denunciam qual colônia ocupa
aquele espaço. As letras em destaque – caixa alta, negrito. Na porta da venda, a cor aurífica
das bananas fere os olhos. O ar triste do protagonista contrasta com a cor viva da fruta. Em
primeiro plano, o automóvel passa “maxixando”, quase como um sinal de que algo está
desestabilizado, Nicolino está maquinando o assassínio. Completando a cena escutamos o
apito das fábricas instaladas na rua fotografada.
Na cena dois elementos estão em movimento: Nicolino que passa melancólico e o
Ford que derrapa. Na fotografia da cena podemos vê-los graças a um efeito ótico
largamente explorado: o registro de imagens em movimento. O truque é possível através de
dois artifícios: uma abertura maior do diafragma da objetiva e um tempo menor na
velocidade de obturação permitindo ambos a entrada de mais luz por mais tempo. A
luz/imagem é capturada de forma imprecisa. A impressão é que estamos vendo seres
ectoplásmicos caminhando pelas ruas, mortos e vivos convivendo nos mesmos espaços.
Podemos observar esse efeito fantasmagórico em várias fotografias da época.
No conto que abre o livro, Gaetaninho, encontramos outras cenas que nos remetem
a idéia de que estamos apreciando momentos fugidios que foram congelados por
184
fotografias. Algumas idéias de Roland Barthes sobre a fotografia nos auxiliam na análise
dessas cenas.
Em A Câmara Clara, Barthes reitera seu interesse particular pelas fotografias. Dois
elementos essenciais justificam esse interesse: O studium e o punctum. O primeiro está
ligado a um campo maior de percepção, a um depósito de referências que permite a
identificação imediata dos objetos de uma imagem fotográfica. Seu interesse por fotografias
marcadas pelo studium é mais geral, algumas vezes emocionado, mas sempre filtrado “pelo
revezamento judicioso de uma cultura moral e política”. (Barthes, 1984, p. 45). Trata-se de
uma relação afetiva média, morna, mais ou menos distante entre o observador e os objetos
que compõem a fotografia. Uma relação mediada pela cultura, pois é através dela que o
observador participa da cena fotografada. O segundo elemento se manifesta no contexto do
studium para contrariá-lo. O punctum é um pequeno detalhe da fotografia que toca o
observador profundamente. Esse ponto sai da foto e o atinge, o pega desprevenido, como
que por acaso.
Em Gaetaninho há uma cena fotografada pelo escritor onde o punctum se manifesta
no conjunto que compõe o studium. O personagem principal que empresta seu nome ao
título do conto está sonhando que participa do enterro de sua tia:
“Que beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a tia
Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o Savério noivo dela de lenço nos olhos.
Depois êle. Na boleia do carro. Ao lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro
branco onde se lia: Encouraçado São Paulo. Não. Ficava mais bonito de roupa marinheira
mas com a palhetinha nova que o irmão lhe trouxera da fábrica. E ligas pretas segurando as
meias. Que beleza, rapaz! Dentro do carro o pai, os dois irmãos mais velhos (um de gravata
vermelha, outro de gravata verde) e o padrinho seu Salomone. Muita gente nas calçadas,
nas portas e nas janelas dos palacetes, vendo o entêrro. Sobretudo admirando o
Gaetaninho.” (Machado, 1927, p.25).
185
O studium dessa fotografia nos permite uma identificação de vários elementos: os
cavalos enfeitados por se tratar de uma ocasião especial, o caixão que guarda tia Filomena,
o padre, os familiares que choram a morte da parenta, a carruagem, o cocheiro que a guia, a
roupa de marinheiro da criança, a população que assiste com respeito a passagem do cortejo
fúnebre, os muros do cemitério, e todo o restante que faz parte do nosso universo cultural.
Observando a fotografia da cena também somos atingidos pelo punctum. Ele não está na
descrição no gorro da roupa marinheira de Gaetaninho. Na cena, o recurso de destacar um
elemento do conjunto através da escolha de um tipo diferente é um blefe, pois logo a seguir
o escritor nos informa que na realidade o menino cobre a cabeça com um chapéu tipo
palheta, numa versão infantil. Assim o nome do navio está na descrição de uma possível
cena, mas não está nessa fotografia. O punctum da foto que me atinge são as ligas pretas
segurando as meias de Gaetaninho. É um detalhe que toca profundamente o meu subjetivo.
Barthes afirma que o punctum com freqüência se manifesta na forma de um detalhe,
ou seja “um objeto parcial” (Barthes, 1984, p. 69). Aquele elemento que atrai o olhar do
observador, num nível de percepção não intencional e muda sua leitura da foto que vê,
concedendo-lhe um valor superior. Esse detalhe, quando está presente no contexto do
studium, irrompe por acaso, não é necessário nenhum tipo de análise para percebe-lo, é ele
que encontra o olhar do observador.
Na cena do enterro, o autor utilizou outro efeito ótico para que pudéssemos observá-
la. Ao contrário da foto anterior, ele congelou toda a imagem em movimento. Agora, a
abertura do diafragma é menor e o tempo de velocidade do obturador, maior. Resultado:
tempo de exposição menor a luz, a retenção da imagem mesmo em movimento é precisa. O
que permite que vejamos os detalhes da vestimenta de Gaetaninho, embora esteja em cima
de uma carruagem em deslocamento. No final do conto, Gaetaninho sairá correndo atrás da
bola e será atropelado por um bonde. Andará de carro, como era seu sonho, participando de
outro enterro, o seu.
Na foto seguinte, novamente observamos outro enterro. No conto O Monstro de
Rodas, a criança pobre foi atropelada, mas nesse caso por um automóvel:
186
“O caixãozinho côr de rosa com listas prateadas (dona Nunzia gritava) surgiu deante
dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da
Aida, da Josefina, da Margarida e da Linda.
— Não precisa ir depressa para as moças não ficarem escangalhadas.
A Josefina na mão livre sustentava um ramo de flores. Do outro lado a Linda tinha a
sombrinha verde aberta. Vestidos engomados, armados, um branco, um amarelo, um creme,
um azul. O enterro seguiu.
O pessoal feminino da reserva carregava dálias e palmas de São José. E na calçada
os homens caminhavam descobertos.” (Machado, 1927, p. 116).
A profusão de elementos coloridos dessa foto somente acentua o studium. São
objetos demasiadamente reconhecíveis num enterro: o caixão infantil pintado com cores
lustrosas, as várias espécies de flores, a sombrinha verde e o conjunto multicolorido dos
vestidos das crianças. O punctum que me atinge está quase fora do campo focal da
fotografia. São os homens nas calçadas com os chapéus nas mãos; formam um contraponto
ao colorido do funeral com suas roupas de tons escuros. Segurando os chapéus cinzas
contrastam com as crianças que carregam as flores.
Barthes continua suas reflexões sobre o punctum afirmando que às vezes esse
detalhe que atinge o espectador pode estar ligado a uma lembrança. Reconhecemos nele
coisas, paisagens, fisionomias familiares. Esses homens dispostos dessa forma mais o
conjunto de suas cabeças descobertas me lembram outras fotos de enterros, cenas de
filmes, talvez situações semelhantes que tenha presenciado.
Podemos perceber que, em muitos de seus contos, o estilo do escritor reforça o
aspecto visual da narrativa especialmente em Brás, Bexiga e Barra Funda, no qual somos
surpreendidos por fotografias que trabalham recordações, de diferentes naturezas, da alegria
das crianças num futebol de rua até a tristeza dos pais ao enterrarem seus filhos.
A intertextualidade como reforço ao imagético
187
O autor construiu uma obra cuja narrativa é atravessada pelo fluxo de diferentes
textos. A intertextualidade é um recurso que reforça o aspecto visual de sua produção.
Além de realçar a presença dos anúncios, cartazes, prospectos, placas e luminosos com
mensagens publicitárias, suas narrativas são portadoras de outras formas de expressão que
conjugam a linguagem com elementos não verbais dispostos formalmente de maneira
criativa.
Em Tiro de Guerra 35, explora a idéia do amor a pátria brasileira pelos
descendentes das primeiras levas de imigrantes italianos que aqui se fixaram. Aristodemo
Guggiani faz parte da primeira geração nascida no Brasil, alista-se no exército, e no ensaio
para a parada do sete de setembro mete um tabefe em outro recruta de descendência alemã
que cantava paródias do hino nacional. É preso e julgado pelo sargento. No outro dia sua
sentença é comunicada na “Ordem do dia” e publicada em destaque na página do conto, sua
disposição centralizada provoca no leitor a sensação de estar lendo uma comunicação
fixada nas paredes do quartel:
“‘Ordem do dia
De conformidade com o ordenado pelo exmo. snr. dr. presidente dêste Tiro de
Guerra e depois de ouvir seis testemunhas oculares e auditivas acerca do deploravel facto
ontem acontecido nesta sede do qual resultou levar uma lapada na face direita o inscrito
Guilherme Schwertz, n. 81, communico que fica o citado Guilherme Schwertz, n. 81,
desligado das fileiras do exército, digo, dêste Tiro de Guerra visto ter-se mostrado indigno
de ostentar a farda gloriosa de soldado nacional pelas injúrias infamérrimas que ousou
levantar contra a honra imaculada da mulher brasileira e principalmente da Mãe,
acrescendo que cometeu semelhante acto delituoso contra a honra nacional no momento
sagrado em que se cantava nesta sede o nosso imortal hino nacional. Comunico tambêm
que por necessidade de disciplina, que é o alicerce em que se firma toda corporação militar,
o inscrito Aristodemo Guggiani, n. 117, único responsável pela lapada acima referida
acompanhada de equimoses graves, fica suspenso por um dia a partir desta data. Dura lex
188
sed lex. Aproveito porêm no entretanto a feliz oportunidade para apontar como exemplo o
supra citado inscrito Aristodemo Guggiani, n. 117, que deve ser seguido sob o ponto de
vista do patriotismo embora com menos violência apesar da limpeza, digo, da limpidez das
intenções.
Aproveito ainda a oportunidade para declarar que fica expressamente proibido no
páteo desta sede o jôgo de futebol. Aqui só devemos cuidar da defesa da Pátria!
São Paulo, 23 de agosto de 1926.
(a) Sargento instructor Aristóteles Camarão de Medeiros.’” (ibidem, p. 55-56).
Ao final do conto, o protagonista toma outra decisão patriótica: troca de companhia
de ônibus, na qual trabalhava de cobrador, se transferindo para uma de capital nacional:
“Aristodemo Guggiani logo depois apresentou sua demissão do cargo de cobrador
da Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio. Sob aplausos e a conselho do sargento
Aristóteles Camarão de Medeiros. Trabalha agora na Sociedade de Transporte Rui Barbosa,
Ltda.
Na mesma linha: Praça do Patriarca-Lapa.” (ibidem, p. 57).
No conto Amor e Sangue, além do nome da quitanda que apontamos no fragmento
já analisado, o autor destaca dois outros elementos de forte apelo visual. Na cena em que o
protagonista Nicolino Fior d’Amore adentra a barbearia onde trabalha, podemos ler numa
placa colocada na entrada:
AO BARBEIRO SUBMARINO. BARBA: 300 réis. CABELO: 600 réis. SERVis.
GARANTIDO.
— Bom dia!
Nicolino Fior d’Amore nem deu resposta. Foi entrando, tirando o paletó, enfiando
outro branco, se sentando no fundo á espera dos freguezes. Sem dar confiança. Tambêm
seu Salvador nem ligou.
189
A navalha ia e vinha no couro esticado.” (ibidem, p. 63).
Na cena final, após Nicolino apunhalar Grazia - um jogo de palavras com
“desgraça” - e ser preso, são suas declarações que os jornais estampam nas manchetes.
Assistimos novamente o encontro entre ficção e o fato cotidiano. A história de amor e
morte entre Nicolino e Grazia sai das páginas dos jornais e adentra o conto, depois no conto
volta a ser objeto da matéria jornalística.
Mais tarde, elas serão transformadas em letra de música. Ao leitor fica ainda a
sugestão de cantá-la acompanhada com a melodia de uma outra música conhecida na
época:
“Todos os jornais registram essa frase que foi dita chorando.
Eu estava louco,
Seu delegado! BIS
Matei por isso,
Sou um desgraçado!
O estribilho do ASSASSINO POR AMOR (Canção da actualidade para ser cantada
com a música doFUBÁ”, letra de Spartaco Novais Panini) causou furor na zona.” (ibidem,
p. 66).
Em A Sociedade duas junções estão em jogo: a do ascendente capital italiano com o
decadente capital nacional, além da união de descendentes de imigrantes com brasileiros
através do casamento. Adriano Melli é filho do cav. uff. Salvatore Melli que tenta namorar
Teresa Rita, filha do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda. A mãe da menina é
contra. O pai do rapaz propõe ao conselheiro uma sociedade: ampliar as instalações de suas
fábricas em São Caetano utilizando os terrenos que José Bonifácio tinha ao lado. A
proposta do negócio vem acompanhada nas entrelinhas de outra, o casamento entre os
190
filhos. A forma macarrônica pela qual seu Salvatore Melli se expressa registra a maneira
comumente falada pelos primeiros imigrantes italianos. As deformações fonéticas,
sintáticas e prosódicas criam novos vocábulos e reforçam o caráter risível do diálogo:
“— É. Eu já pensei nisso. Mas sem capital o senhor compreende é impossível...
— Per Bacco, doutor! Mas io tenho o capital. O capital sono io. O doutor entra com
o terreno mais nada. E o lucro se divide no meio.
O capital acendeu um charuto. O conselheiro coçou os joelhos disfarçando a
emoção. A negra de broche serviu o café.
(...).
— Ia dimenticando de dizer. O meu filho fará o gerente da sociedade... Sob a minha
direcção si capisce.
— Sei, sei... O seu filho?
— Si. O Adriano. O doutor... mi pare... mi pare que conhece êle?
O silêncio do conselheiro desviou os olhos do cav. uff. Na direcção da porta.
— Repito un’altra vez: o doutor pense bem. (ibidem. P. 74-75).
Alguns meses depois, os convites são apresentados. O leitor tem a impressão de
estar recebendo-os e sendo convidado para o noivado. O esmero nos detalhes reforça a
sensação de realidade da narrativa:
O conselheiro José Bonifácio O cav. uff. Salvatore Melli
de Matos e Arruda e
e senhora
senhora têm a honra de participar
têm a honra de participar a V. Exa. e Exma. famíla
a V. Exa. e Exma. famíla, o contracto de casamento de
o contracto de casamento de seu filho Adriano com a se-
sua filha Teresa Rita com o nhorinha Teresa Rita de Ma-
sr. Adriano Melli. tos e Arruda.
191
Rua da liberdade, n. 259-C. Rua da Barra Funda, n. 427.
S. Paulo, 19 de fevereiro de 1927.
No chá do noivado o cav. uff. Adriano Melli na frente de toda a gente recordou á
mãe de sua futura nora os bons tempinhos em que lhe vendia cebolas e batatas, Olio di
Lucca e bacalhau português quási sempre fiado e até sem caderneta.” (ibidem, p. 76-77).
A respeito da influência da língua italiana no cotidiano paulista do início do século
passado, registrou Franco Cenni em Italianos no Brasil:
“Um mineiro, ao visitar São Paulo em 1902, não pôde dominar seu espanto, e o
historiador Aureliano Leite assim reproduziu suas impressões: ‘Os meus ouvidos e os meus
olhos guardam cenas inesquecíveis. Não sei se a Itália o seria menos em São Paulo. No
bonde, no teatro, na rua, na igreja, falava-se mais o idioma de Dante que o de Camões. Os
maiores e mais numerosos comerciantes e industriais eram italianos. Os operários eram
italianos’.
Já em 1890 Henrique Raffard afirmara que a população da Paulicéia era geralmente
de origem estrangeira, falando quase tanto o italiano como o português. Muitas tabuletas,
em vários edifícios, eram escritas em italiano, coisa que fazia declarar ao jornalista lusitano
Souza Pinto (que, chegando à estação, não tinha conseguido fazer-se entender por vários
cocheiros de tílburis, os quais se exprimiam nos mais diversos dialetos italianos, com
predominância do napolitano, falando em largos gestos): ‘Encontramo-nos a cogitar se por
estranho fenômeno de letargia, em vez de descer em São Paulo teríamos ido parar à cidade
do Vesúvio’.
E Gina Lombroso Ferrero, confirmava: ‘Ouve-se falar o italiano mais em São Paulo
do que em Turim, em Milão e em Nápoles, porque entre nós se falam os dialetos e em São
Paulo todos os dialetos se fundem sob o influxo dos vênetos e toscanos, que são em
maioria.’” (Cenni, 2003, p. 327-328).
192
Luís Toledo Machado em António de Alcântara Machado e o modernismo reflete o
sobre o processo de incorporação de italianismos à língua informal, falada no dia-a-dia pelo
paulista. Destaca que a palavra ciao, transformada em t`chiau é o exemplo mais
significativo dessa absorção. A assimilação de um conjunto de palavras e expressões do
universo lingüístico do imigrante italiano é um dos temas trabalhados por Cenni no seu
estudo sobre a presença desse imigrante em nosso país. Nessa pesquisa alguns vocábulos
são citados, dentre eles o t`chiau merece o mesmo destaque apontado por Luís Toledo
Machado, esse se refere à palavra enquanto sinal de despedida, forma mais conhecida entre
nós, Cenni comenta sua origem como sinal de saudação:
“Há numerosas palavras exatamente iguais nas línguas italiana e portuguesa, como:
cantina, caricatura, cascata, fiasco, calamita, bravata, ribalta, sonata, partitura, ópera,
contralto, soprano, violino, polenta, salame, favorito, mosaico, piano, e poltrona; enquanto
outras, em sua forma portuguesa, perderam apenas a consoante dupla, como: loteria, dueto,
opereta, violoncelo, mortadela, ricota, risoto, soneto... De direta origem italiana é carnaval,
que por sua vez deriva, no italiano, de carne, pois, a partir da terça-feira gorda a Igreja
suprimia (em latim levare) o uso da carne. Os italianos pisanos diziam carnelevare, os
napolitanos karnolevare e os sicilianos karnilevari. O filólogo Stappers empresta a esta
palavra um sentido diferente, fazendo-a provir do latim carnis levamen, isto é, prazeres da
carne antes das continências da quaresma.
Além das palavras já citadas, que se referem a espetáculos, teatros e comidas, outras
há, de origem italiana, que dizem respeito às artes plásticas e militares e à arquitetura,
como: colunata, capitel, fachada, nicho, aquarela, batalhão, capitão, coronel, esquadrão;
algumas de grande uso comum, como: pajem, parque, pastel, retrato, capricho e aquele
nhoque que vemos escrito nas tabuletas das casas de lanches nas mais diferentes e
fantasiosas das maneiras; palhaço provém do nome de uma personagem do teatro popular
napolitano que vestia roupas feitas com fazendas usadas para forrar cochões de palha;
gazeta vem do veneziano, sendo o nome de uma pequena moeda de cobre com a qual no
século XVI se adquiriam exemplares de um jornal, que dava notícias das expedições ao
Levante...
193
Mas a palavra de origem italiana mais difundida no Brasil, e particularmente em
São Paulo, não consta de nenhum dicionário, muito embora seja ouvida inúmeras vezes ao
dia, nos mais diferentes lugares, e pronunciada também por pessoas que não são de origem
italiana, nem privam habitualmente com italianos. Trata-se daquele ciao, transformado
quase sempre num arrastado t’chiau, cuja origem remonta ao tempo longínquo em que a
saudação comum dos venezianos às pessoas de respeito era Le sono schivavo. Na pronúncia
vêneta, com o passar do tempo, a frase transformou-se num rápido ... scivavo, que,
estendendo-se à vizinha Lombardia, ficou sendo definitivamente ciao, antes de se espalhar
pelo mundo, sobre os lábios de milhões de emigrantes.” (ibidem, p. 331-332).
Esse macarronismo foi magistralmente captado e reinventado na obra literária e
jornalística de Juó Bananére, pseudônimo adotado por Alexandre Marcondes Machado, que
registrou numa de suas colunas de jornal, intitulada “O Ritiro”: “A artugrafia muderna é
una maniera di scrivê, chi a genti escrive uguali come dice.” António de Alcântara
Machado, admirador confesso desse escritor, considerou isso para reproduzir a fala das
primeiras levas de imigrantes italianos que aqui chegaram. Porém, segundo Luís Toledo
Machado, Bananére acentuou “as deformações fonéticas, semânticas, morfológicas,
sintáticas e prosódicas” (Machado, 1970, p. 115), enquanto o autor reproduziu a fala do
imigrante italiano corretamente, “sem deformações, ainda que de sabor popular” (ibidem, p.
115). A magnífica obra de Adoniran Barbosa, descendente direto dessa linhagem,
adicionou elementos da linguagem simples do caipira ao jeito macarrônico do paulista
falar, criando em suas músicas diálogos saborosos e situações prosaicas que também
registram a evolução lingüística da cidade de São Paulo.
Em O Monstro de Rodas, conto já citado anteriormente, cria outra forma de utilizar
o recurso da intertextualidade. Na cena, os amigos estão reunidos e conversando sobre o
atropelamento da criança. Quando alguns nomes são citados, ele abre parênteses para
relacioná-los a informações que auxiliam o leitor a melhor identificá-los. Num deles, o
cartaz de uma engraxataria é apresentado em destaque:
194
“Na sala de jantar Pepino bebia cerveja em companhia do Américo Zamponi
(SALÃO PALESTRA ITÁLIA - Engraxa-se na perfeição a 200 réis) e o Tibúrcio (— O
Tibúrcio... — O mulato? — Quem mais há de ser?).
— Quero só ver daqui a pouco a notícia do Fanfulla. Deve cascar o almofadinha.
Chi, Pepino! Você é ainda muito criança. Tu é ingenuo, rapaz. Não conhece a
podridão da nossa imprensa. Que o quê, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem
a Light. Pode matar sem medo. É ou não é, seu Zamponi?
Seu Américo Zamponi soltou um palavrão, cuspiu, soltou outro palavrão, bebeu,
soltou mais outro palavrão, cuspiu.
É isso mesmo, seu Zamponi, é isso mesmo!” (Machado, 1927, p. 115).
Nesse conto, a trama da historia é ligada à documentação de um aspecto social
importante relacionado ao crescimento da metrópole: o grande número de atropelamentos
registrados desde o começo da circulação de bondes e automóveis. A respeito da associação
entre o automóvel, o poder da elite e os atropelamentos de pedestres, principalmente na
região central da cidade, Nicolau Sevecenko comenta que desde o início do século passado
o automóvel era identificado como símbolo de status, visto como um “brinquedo de rico” e
não uma necessidade urbana, num contexto no qual o transporte coletivo - trens, bondes,
carroças, charretes - era privilegiado pelo poder público. Mais tarde, nos anos vinte, foi
sendo incorporado aos serviços de táxis da cidade, o que fez piorar o trânsito nas estreitas
ruas centrais. Os filhos dos ricos passaram a utilizá-lo como meio de ostentar força e vigor,
os atropelamentos se tornaram constantes:
“(...). Em qualquer circunstância, em qualquer lugar, o tempo todo, o imperativo era
a máxima aceleração e o uso incessante da buzina. Os atropelamentos são diários e
múltiplos, especialmente envolvendo anciãos e crianças. Como o crescimento da cidade era
um fenômeno recente, os carros eram um fato novo, o grosso da população não tinha
qualquer representação na Câmara Municipal ou outros órgãos políticos e os motoristas ou
eram ou estavam a serviço dos ricos e poderosos, não havia qualquer regulamentação do
195
trânsito e os atropelamentos, mesmo com mortes, ficavam impunes, exceto por uma
pequena multa. O que aumentava ainda mais o prestígio dos automóveis e a ousadia sem
limites dos motoristas, mantendo a população pedestre acuada sob um clima de terror.
O automóvel herdou assim o estigma proveniente do recente passado escravista, que
associava necessariamente as posições de poder com o exercício da brutalidade. E
provavelmente teve um papel decisivo em manter e difundir o mais amplamente possível
essa associação funesta, de modo que, com o avolumar-se das formas de transporte urbano,
o padrão de utilização de todas elas, inclusive bicicletas, motocicletas, bondes e carroças
passou a ser aquele prestigiosamente afirmado pelos automóveis. Salvo os clamores quase
que diários pela imprensa, sobretudo nas seções de cartas dos leitores, nenhuma reação
defensiva da população era assumida pelas autoridades. Às vezes eram os próprios
motoristas que se acidentavam ou feriam uns aos outros, mas era parte do jogo. (...). Eis um
tipo de carta corriqueira na imprensa: ‘No dia 31 de dezembro, às vinte horas, pouco
menos, achava-me na Praça da República e dirigia-me para a Rua Sete de Abril. Quase ao
entrar nesta, percebi que em minha direção se encaminhava um automóvel, com bastante
velocidade, todo descoberto, conduzindo diversas senhoras. Tratei de desviar-me, mas em
vão, pois por todos os lados para que me encaminhava, era perseguido pelo automóvel e,
por um requinte de perversidade, o chauffeur não diminuía a marcha da máquina. Vi-me
por isso forçado a correr até galgar o passeio da praça, escapando de ser colhido pelo
automóvel por verdadeiro milagre. Quantos desastres desses não se dão nesta cidade a todo
momento e que são atribuídos ao acaso, quando muitos se dão de caso pensado, por
perversidade dos chauffeurs.’” (Sevecenko, 1998, p.74-75).
No conto Armazém Progresso de São Paulo novamente temos a impressão de
estarmos caminhando por uma das ruas do Bexiga e avistarmos o cartaz reproduzido no
folheto lançado em baixo de nossas portas. Estamos diante do armazém de seu Natale
Pienotto e dona Bianca, cuja ambição é sair daquele bairro e morar num palacete da
Avenida Paulista. Além do trabalho duro e diário no armazém, seu Natale conta com
informações privilegiadas dadas em troca de propina por José Espiridião, funcionário da
Comissão de Abastecimento. Sabendo o que irá ou não subir de preço com antecedência,
196
seu Natale pode estocar os produtos que valerão mais nos dias seguintes. Assim se dará sua
ascensão social. Na primeira cena se lê:
“O armazem do Natale era célebre em todo o Bexiga por causa dêste anúncio:
AVISO ÁS EXCELETÍSSIMAS MÃES DE FAMÍLIA!
O
ARMAZEM PROGRESSO DE SÃO PAULO
DE
NATALE PIENOTTO
TEM ARTIGOS DE TODAS AS QUALIDADES
DÁ-SE UM CONTO DE RÉIS A QUEM PROVAR O CONTRARIO
N. B. – Jogo de bocce com serviço de restaurante nos fundos.
Isso em letras formidáveis na fachada e em prospectos entregues a domicílio.”
(Machado, 1927, p. 121)
O Bexiga teve origem e destino diferente do Brás e da Barra Funda. Enquanto os
dois últimos foram ocupados pelas fábricas e indústrias, o Bexiga voltou-se ao pequeno
comércio e foi ocupado predominantemente por calabreses. Dedicados a montar seu próprio
negócio, esses imigrantes instalaram cantinas, padarias, armazéns, barbearias, sapatarias,
marcenarias e outras pequenas oficinas. As colônias italianas possuíam em comum a
distância em relação ao centro da cidade. Nádia Marzola observou sobre o Bexiga:
“O Bexiga foi o bairro dos italianos, na maioria calabreses, que aproveitaram os
preços baixos, as ruas de 60 palmos, íngremes, para recriar ambientes da Itália na cidade
que se modificava. Ao se transplantarem para São Paulo, trouxeram consigo toda uma
tradição cultural que foi marcante na paisagem local.
Já em 1902, o aglomerado de casas e barracos, construído por negros libertos e
italianos, tinha o essencial para um núcleo de povoamento: uma padaria, uma mercearia (a
197
“Basilicata”) e uma santa padroeira (Nossa Sra. de Achiropita), trazida pelos calabreses de
Rossano que chegaram a São Paulo ainda no século XIX, substituindo escravos alforriados.
Em 1914 levantaram a capela dessa Santa, à qual eram dedicadas festas à
semelhança das celebrações populares da Moóca e do Brás. Pela lei 1242, de 26 de
dezembro de 1910, o Bexiga passou a pertencer ao 17º subdistrito do Município de São
Paulo, com o nome que conserva até hoje - Bela Vista.” (Marzola, 1979, p. 63-66)
Chegamos ao último conto do livro, Nacionalidade. A história do barbeiro
Tranquillo Zampinetti, morador do Brás, ferrenho defensor da Itália.
Na primeira cena, o protagonista lê as notícias da guerra publicadas pelo Fanfulla, o
leitor lê com ele:
“O barbeiro Tranquillo Zampinetti da rua do Gasómetro n. 224-B entre um cabelo e
uma barba lia sempre os comunicados de guerra do FANFULLA. Muitas vezes em voz alta
até. De puro entusiasmo. La fulminante investita dei nostri bravi bersaglieri ha ridotto
le posizione nemiche in um vero amazzo di rovine. Nel campo di battaglia sono restati
circa cento e novanta nemici. Dalla nostra parte abbiamo perduto due cavalli ed è
rismato ferito um bravo soldato, vero eroe che si è avventurato troppo nella conquista
fatta da solo di una batteria nemica.
Comunicava ao Giacomo engraxate (SALÃO MUNDIAL) a nova vitória e entoava:
Tripoli sarà italiana,
sarà italiana a rombo di cannone!
Nêsses dias memoráveis deante dos freguezes assustados brandia a navalha como
uma espada:
— Caramba, come dicono gli spagnuoli!” (Machado, 1927, p. 133-134).
198
O conflito entre os primeiros imigrantes e seus descendentes nascidos no Brasil é
retratado no motivo das brigas de seu Tranquillo Zampinetti com os filhos. Nesse trecho
podemos verificar outro recurso visual explorado pelo autor: o volume da voz de um
personagem é representado visualmente por tipos diferentes; o grito é grafado em caixa-alta
e negrito:
“Mas tinha um desgosto. Desgosto patriótico e doméstico. Tanto o Lorenzo como o
Bruno (Russinho para a saparia do Brás) não queriam saber de falar italiano. Nem
brincando. O Lorenzo era até irritante.
— Lorenzo! Tua madre ti chiama!
Nada.
— Tua madre ti chiama, ti dico!
Inútil.
— Per l’utima volta, Lorenzo! Tua madre ti chiama, hai capito?
Que o que.
Stai attento que ti rompo la faccia, figlio d’un cane sozzaglione, che non sei
altro!
— Pode ofender que eu não entendo! Mamãe! Mamãe! MAMÃE!
Cada surra que só vendo.” (ibidem, p. 134-135).
À medida que ascende socialmente, porém, seu Tranquillo vai esquecendo a pátria
de origem e se aproximando mais do Brasil: torna-se cabo eleitoral do PRP - Partido
Republicano Paulista, fiscaliza as obras da capela da família no Araçá e fica emocionado
quando o filho Bruno se forma na Faculdade de Direito de São Paulo. A integração do
italiano se completa pela requisição da naturalização brasileira:
“O primeiro serviço profissional do Bruno foi requerer ao exmo. snr. dr. Ministro da
Justiça e Negócios Interiores do Brasil a naturalização de Tranquillo Zampinetti, cidadão
italiano residente em São Paulo.” (ibidem, p. 141).
199
Destacamos os aspectos visuais mais significativos de Brás, Bexiga e Barra Funda,
outros podem ser verificados nas demais obras de ficção do autor, assim como em muitas
de suas crônicas. Desse conjunto de imagens estáticas, fixadas em instantâneos fotográficos
ou através de variadas técnicas de desenhos passaremos para outro grupo, esse de imagens
em movimento. É a relação entre sua obra e outro elemento central constituinte do
fenômeno da modernidade, o cinema.
e e
200
“Nossos cafés e as ruas de nossas grandes cidades, nossos escritórios e nossos
quartos mobiliados, nossas estações e nossas usinas pareciam nos aprisionar sem esperança
de libertação. Então veio o cinema, e, graças à dinamite de seus décimos de segundos, ele
explodiu este universo concentracionário, tão bem que agora, abandonados no meio de seus
cacos projetados ao longe, nós empreendemos aventurosas viagens.”
(Walter Benjamin)
“(...) o discorrer é como o correr (...)”
(Italo Calvino, citando Galileu Galilei, Seis propostas para o próximo milênio,
1998)
IV
201
IMAGINANTE
Livro eixo: Pathé-Baby
Publicado em 5 de fevereiro de 1926, Pathé-Baby, seu primeiro livro, é composto
por uma seqüência de vinte e três crônicas de viagem, sendo que a maior parte foi editada
numa primeira versão no Jornal do Comércio, entre abril e novembro de 1925. As crônicas
apareceram compondo uma série intitulada, “Pathé-Baby Panoramas Internacionaes”,
numeradas com erros de seqüência - em algarismo romano nessa ordem: “(I) Recife” em
29 de abril; “(II) Las Palmas” em 03 de maio; “(III) Lisboa” em 12 de maio; “(IV)
Normandia” em 03 de junho; “(V 1
a
parte) Paris” em 17 de junho; “(V 2
a
parte) Paris”
em 23 de junho; “(VI) De Paris a Dives=Sur=Mer” em 19 de julho; “(VII) Milão” em 02 de
agosto; “(VIII) Nápoles” em 09 de agosto; “(X) Veneza” em 20 de setembro; “(XII)
Florença” em 04 de outubro; “(XIII) Bologna, Pisa, Lucca, Siena” em 15 de novembro;
“(XIV) Barcelona” em 22 de novembro. Todas sofreram significativas modificações para as
versões definitivas em livro, tanto no que se refere ao conteúdo, como, e principalmente, a
disposição gráfica. A montagem final dos textos em livro, nada lembra a forma como
aparecem publicados em jornal. Essa série relacionada no Anexo B descreve as
impressões irônicas das cidades européias por onde passou quando da sua segunda viagem
ao velho continente, entre abril e outubro de 1925. Sua partida de Santos data de 24 de
março, de lá, a bordo do navio Flandria, seguiu para Recife, de onde, ainda em março,
enviou a primeira crônica para o Jornal do Comércio “Recife” é a única narrativa da
viagem que não foi incluída na coletânea final do livro. Retornou em 2 de novembro. As
crônicas que não foram publicadas antes do lançamento do livro são: Londres, Perugia,
Assis, Roma, Sevilha, Córdoba, Granada, Madrid e Toledo.
O prefácio, de autoria de Oswald de Andrade, denominado “Carta-Oceano”, datado
de dezembro de 1925, está reproduzido no capítulo Intimidades. Esse prefácio também foi
202
publicado em Terra Roxa... e outras terras, na edição número 1 de 20 de janeiro de 1926,
portanto quase um mês antes do lançamento do livro.
Pathé-Baby, nome de uma máquina de filmar portátil, considerada de fácil manejo,
fabricada no início dos anos vinte do século passado pela Pathé Frères para amadores, foi
ilustrado com uma série de vinte e quatro estampas confeccionadas por Antonio Paim
Vieira, cada uma ilustra a abertura de uma crônica, sendo que a primeira abre o livro
reproduzida na capa e na página de rosto. Nessa seqüência de quadros desenhos com
pequenas variações entre um e outro, como verificamos nos fotogramas das películas
cinematográficas - está representada a idéia central do livro: estruturá-lo como uma seção
de cinema mudo, ou silencioso como preferem alguns pesquisadores, acompanhada pela
execução de música ao vivo que preenchia o espaço dos diálogos, inexistentes nessa fase do
cinema. Nos primeiros, observamos em primeiro plano um quarteto instrumental, uma
pianista, um contra-baixista, um violinista, um flautista, num plano de fundo encontra-se a
tela de projeção. À medida que as crônicas se sucedem, e a fita avança, as ilustrações vão
“projetando” nessa tela paisagens e cenas típicas das cidades correspondentes, em sua
maioria ícones visuais comumente estampados em cartões-postais. A partir da crônica
número 7, Milão, verificamos que os músicos começam a se sentirem cansados e vão
abandonando seus lugares na formação original. A pianista entediada para de tocar e o
flautista é o primeiro a se retirar. Na 18
a
, Barcelona, saem a pianista e o violinista. O
contra-baixista resiste até o último desenho-fotograma, mas nesse muda de lado e passa a
tocar à direita da platéia.
O livro-cinema é dedicado tipograficamente ao seu pai e a Marcellino de Carvalho,
filho. O índice é apresentado como um programa de sessão cinematográfica. Cada crônica é
registrada como uma sessão corrida, assim dispostas: Ouverture por Oswald de Andrade; 1.
Las Palmas; 2. Lisboa; 3. De Cherbourg a Paris; 4. Paris; 5. De Paris a Dives-Sur-Mer; 6.
Londres; 7. Milão; 8. Veneza; 9. Florença; 10. Bolonha; 11. Pisa; 12. Lucca; 13. Siena; 14.
Nápoles; 15. Perugia; 16. Assis; 17. Roma; 18. Barcelona; 19. Sevilha; 20. Córdoba; 21.
Granada; 22. Madrid e 23. Toledo. Cada título aparece impresso em um tipo de letra
diferente. Ainda se lê no programa: PREÇO (INCLUSIVE O IMPOSTO): 7$000 / N.B.
Estão SUSPENSAS AS ENTRADAS DE FAVOR / Brevemente! Braz, Bexiga e Barra
203
Funda (Contos) Brevemente! O livro fecha com uma mensagem, denominada
“Moralidade”, trata-se da reprodução de um fragmento da “Canção do Exílio” de
Gonçalves Dias: “Nosso céo tem mais estrellas, Nossas varzeas tem mais flôres, Nossos
bosques tem mais vida, Nossa vida mais amores.” Paim ainda desenhou uma campainha
que toca apresentando o livro entre a página de rosto e a dedicatória e uma filmadora
cinematográfica apoiada num tripé– localizada na última página.
Como já mencionamos no capítulo anterior, a viagem interrompeu temporariamente
a publicação de suas críticas teatrais e a elaboração dos contos que viriam compor seus
futuros livros de ficção, porém, ao retrabalhar as crônicas para publicação em livro, pôde
desenvolver o estilo sintético e irônico de sua escritura. A respeito da montagem
cinematográfica de Pathé-Baby e das suas inovações gráficas, comenta Cecília de Lara:
“A montagem da obra, jogando com elementos do universo do cinema, encontra sua
gênese a partir do nome que Antonio de Alcântara Machado deu aos episódios - Pathé-
Baby, panoramas internacionais, como se fosse uma reportagem cinematográfica sobre os
locais que visitou. Mas, nada significaria essa ligeira sugestão - nascida do nome da
máquina de filmar - se não houvesse a impregnação na própria maneira de captar a
realidade, reconstituída em flashes, que valorizam os detalhes visuais - e pelos
procedimentos de estilo - visando à economia significativa com eliminação sistemática do
supérfluo, do discursivo, preferindo a construção em blocos que se unem ou se afastam sem
liames aparentes: como uma montagem de objetos de perfis bem delineados, sem meios-
tons, de transição.” (Lara, 1982, p. 22).
Brito Broca em A Gazeta (SP), 11 de fevereiro de 1958, escreveu crítica sobre
Pathé-Baby intitulada “Nosso céu tem mais estrelas”. Crítica reproduzida por Cecília de
Lara em Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Pathé-Baby, de António de
Alcântara Machado:
204
“Está para ser reeditada a obra de ficcionista de Antonio de Alcântara Machado.
Mas o que precisa reeditar-se, igualmente, era o seu livro de viagens Pathé-Baby, hoje
raridade bibliográfica. E isso porque esse livro desempenhou importante papel no
Modernismo, não só do ponto de vista literário - por ter constituído a primeira
demonstração da prosa modernista - como do ponto de vista da vida literária - por ter
marcado uma posição nova em nossa maneira de encarar a Europa. Antes, os escritores
brasileiros, quando iam à Europa, escreviam quase somente sobre Paris e era sempre em
tom de panegírico que o faziam. Antonio de Alcântara Machado não se preocupou apenas
com Paris, visitou outros países, outras capitais e cidades, e em lugar de se mostrar
deslumbrado, de exaltá-las, procurou ao contrário incidir nos aspectos caricaturais e
desfavoráveis. Diríamos que ele foi realista, enquanto em nossa literatura de viagem vinha
prevalecendo, até então, um verdadeiro romantismo, se não houvesse, por vezes, nesse
realismo acentuado ‘parti-pris’. Os viajantes anteriores, com poucas exceções, como de
Nabuco e Nestor Vitor, ficavam na superfície, em sua visão iluminada e decorativa da
Europa; Antonio de Alcântara Machado não saiu também da superfície, quando reduziu
tudo a filmes e filmes que (em 1926, não podíamos fazer o paralelo) pareciam, pela
esquematização, desenhos animados de Walt Disney, mas apresentou o reverso da medalha.
É preciso considerar que, em 1925, quando Antonio de Alcântara Machado partiu
para a Europa, não se haviam definido ainda, com precisão, as correntes nacionalistas do
Modernismo. Se já lançara Oswald de Andrade o grito da ‘Poesia Pau-Brasil’, essa poesia
com um sentido propriamente primitivista, preconizando um ‘estado de inocência’, a volta
a Pero Vaz Caminha, inspirava-se diretamente nos movimentos de vanguarda europeus.
Oswald confessava mesmo que fora na Place Clichy, umbigo do mundo, que descobrira a
nova estética. Depois de 1922 dera-se uma verdadeira debandada de modernistas para Paris.
E todos procuravam utilizar-se, mais ou menos, da experiência européia, nas pesquisas em
que se empenhavam. Até essa época, portanto, ninguém julgava necessário desdenhar a
Europa para ser modernista. Daí o espírito essencialmente revolucionário dos ‘filmes’ de
Antonio de Alcântara Machado. Logo ao passar por Lisboa envia ele uma crônica para o
Jornal do Comércio, focalizando flagrantes pouco lisonjeiros da cidade. Um dos primeiros
a protestar foi o gerente da folha, aliás, um português muito simpático, de nome Matos.
205
Mário Guastini, porém, deu mão forte ao seu redator (...) e as crônicas enviadas da França,
da Inglaterra, da Itália e da Espanha continuaram a ser publicadas. Guastini confessaria,
depois, ter recebido muitas cartas atrevidas contra esses artigos. ‘Os autores das epístolas
agressivas escondiam-se no anonimato e escreviam com os pés...’ - diz ele no livro A hora
futurista que passou. Era natural; constituía um fato quase virgem, se não inteiramente
virgem no Brasil, alguém ir à Europa para só ver o lado mau, as deficiências dos países que
percorria. Acredito que nem só os estrangeiros aqui residentes teriam sido autores das
cartas anônimas; muitos brasileiros haviam também de irritar-se com a petulância daquele
moço que parecia esforçar-se por desencantar as belezas do Velho Continente. Bastaria este
exemplo: na Itália, onde há tanta maravilha a extasiar-nos, Antonio de Alcântara Machado
fora buscar um detalhe insignificante para forçar o grotesco: a aversão que ali existe pela
água em certos lugares. Isto suscitou muitos protestos. Mas, em 1926, ao comentar o
aparecimento de Pathé-Baby, em artigo incluído no livro a que há pouco nos referimos, A
hora futurista que passou, Mário Guastini via na atitude do jovem modernista, uma
espécie de revide aos escritores estrangeiros, para os quais o Brasil até então era o país das
cobras e dos negros descalços. Se a maioria deles instistia (sic) em distinguir apenas o que
tínhamos de pouco lisonjeiro, quando não inventavam disparates a nosso respeito, porque
não havíamos de permitir a um brasileiro a liberdade de descrever o que a Europa tinha de
ruim? E velhos conhecedores dos países europeus podiam testemunhar que Antonio de
Alcântara Machado não inventava: apenas caricaturava, uma caricatura através da qual se
distinguiam melhor, muitas vezes, as linhas nítidas da verdade. José Maria dos Santos, que
residiu longo tempo na França, ante a ‘película’ da Normandia, perguntou a Mário
Guastini:
Quem manda a você essas impressões de viagem?’ E ao interar-se da identidade
do autor, um rapaz de vinte e quatro anos, observou:
Pois o diabinho tem talento como gente grande... A Normandia é isto mesmo:
uma fotografia não seria mais perfeita’.
Ao publicar o livro em 1926, (...) reproduziu na última página, como moral da
fábula, (...) versos da ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias (...).
206
Curioso paradoxo: o realismo revolucionário do modernismo iria justificar-se pelo
lirismo de um dos nossos mais típicos românticos. Pois é preciso reconhecer: desde o
romantismo nunca mais nos tínhamos sentido exilados na Europa, e o ‘1900’ foi justamente
o período em que vivíamos melhor, lá do que aqui e em que o regresso ao Brasil é que
constituía, na realidade, um exílio para muita gente. Antonio de Alcântara Machado
revertera a nostalgia de Gonçalves Dias numa atitude polêmica, iniciando a ofensiva contra
a Europa, que iria desencadear-se de 1926 em diante, e teria a sua vanguarda na corrente
verde-amarela.
Por uma coincidência, digna de registro, a viagem do autor de Pathé-Baby realizou-
se no mesmo ano de 1925, em que o futebol, o mais popular dos nossos esportes, o que
mais fala alto ao orgulho nacional, exibia-se pela primeira vez, vitorioso, na Europa. A
excursão do Paulistano ao Velho Mundo, com quatro vitórias e apenas uma derrota
insignificante na França e retumbante vitória em Portugal, nessa época em que ainda
prevalecia o amadorismo, emocionou o Brasil e principalmente São Paulo, trazendo nas
massas a consciência da nossa superioridade esportiva sobre os europeus. Superioridade
que, por extensão, seria para elas o do próprio Brasil sobre uma Europa decadente. Eis um
detalhe do qual não nos devemos esquecer no sincronismo histórico-social do movimento
modernista.” (ibidem, p. 57-59).
É sobre essa junção entre escrita e cinema, esse olhar cinematográfico e irônico sob
uma Europa decadente do pós-guerra, reforçando uma disposição irredentista já observada
em Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, publicado em 1924 e
a maneira criativa de transpor suas agudas observações para o campo literário que trata este
capítulo. Focá-lo em Pathé-Baby é a oportunidade de apresentar o livro considerado como
exercício estilístico e estético do autor. Em muitas referências ao livro encontramos a
expressão “Impressões de Viagens” como uma espécie de subtítulo, embora não apareça
esse complemento no título da edição princeps, da mesma forma que na edição fac-similiar
de 1982. Incorporamos à essa idéia de marcas deixadas pelas visitas às cidades européias
uma outra ligada à maneira de observá-las e registrá-las, ou seja, uma maneira
cinematográfica.
207
Impressões cinematográficas
A leitura de Pathé-Baby nos remete aos documentários de curta metragem que
precediam as sessões de cinema. A colagem de imagens procura apresentar um panorama
multifacetado da localidade descrita. São ruas, casas, lojas, placas, monumentos,
edificações históricas, atmosfera, sons, cheiros, cores, condições climáticas, pessoas,
comportamentos, profissões, vestimentas fixadas pelo olhar cinematográfico do autor.
Lisboa, porta de entrada do conjunto das cidades européias visitadas, é registrada
através de um olhar/câmara que se desloca em rápidos movimentos: de uma rua para outra,
de um bairro para outro, de um aspecto físico da cidade para um aspecto peculiar de um
tipo ou grupo de pessoas. Sempre em locações externas, os enquadramentos revelam
ângulos inusitados. De um plano geral: a rua, para um plano médio: os vendedores, para um
plano aproximado ou um primeiro plano: os tamancos e os pés descalços. O efeito do
dinamismo da cena é obtido através do jogo da câmera e da montagem, no caso, uma
sucessão de planos diferentes em oposição: do mais distante para o mais próximo:
“Na rua 24 de Julho há assustadoras lagunas de água barrenta. Ovarinas tambêm,
aos grupos. Vendedores ambulantes. Tamancos barulhentos. Um mercado infecto.
Descomunais pés descalços. Saias pelos joelhos. Calças arregaçadas. Verdureiras. Sujeitos
de gorro, capa espanhola e guarda-chuva.
A estátua do Duque da Terceira.
Depois de outras, a rua do Ouro. Joalherias. Bancos. Prédios idosos. Largo do
Rocio, com D. Pedro IV, diferente do de Pedro Américo, plantado no centro. O Teatro de
D. Maria ao fundo, branco. E alfacinhas matinais, de andar ligeiro.
O Chiado. Casas de moda. Lojas. Alfaiatarias a valer. Guardas civis de bracelete
verde e vermelho. Rua Garret (a placa explica que Garret foi um poeta que viveu de tantos
de tal a tantos de tal). O automóvel sofre de tabes: sôbre o calçamento inominável treme
como varas verdes.” (Machado, 1926, p. 30-31).
208
Na seqüência, o movimento de câmara é invertido: de um plano aproximado, a
estátua, para um plano médio, as casas, para um plano geral, o céu chuvoso. Depois, retorna
ao movimento original. Aqui a técnica é outra: não há montagem posterior, o olhar/câmara
realiza um plano-seqüência sem cortes através de um travelling: a imagem enquadra a rua
num plano de fundo, depois a estátua e desce para o enquadramento fechado nos dedos
partidos:
“A estátua de Luis de Camões. Cheiro forte de glórias idas. Casas tristes, bolorentas.
O frio e a chuvinha.
Rua do Alecrim. Mais uma estátua. Amorável. De mármore, com a Verdade, Eça
olha sem vêr. A Verdade, quási núa, tem tres dedos partidos. Dá dó. Dos que partiram.
Deante do Eça de mármore desfilam tipos que o de mais ossos que carne conheceu e
aproveitou. Aquele suíno de luvas côr de manteiga e chapéu côco é o Damaso seguramente.
Botinas de elástico que rangem: conselheiro Acácio. Agora, o Pinho, de sobretudo, manta e
guarda-chuva. E a Juliana, batendo as chinelas na calçada escorregadia.
Imortais.” (ibidem, 1926, p. 31).
Em Paris, o mesmo sofisticado jogo de enquadramento é utilizado: na estruturação
das seqüências dos planos, ora parte do geral para o mais próximo, ora do mais próximo
para o geral. A justaposição de elementos, as mudanças repentinas de enfoque
representadas pelos cortes rápidos nas descrições dos episódios -, a tentativa de abarcar
uma simultaneidade de acontecimentos através das técnicas de filmagem e montagem,
reforça a idéia da invenção de um novo tempo, um tempo cinematográfico, capaz de
registrar o ritmo veloz da vida urbana e moderna. Uma localidade de Paris, a Place de
l’Étoile, resume a agitação de todas as capitais européias: automóveis e gente circulam num
ritmo frenético. A multidão disputa lugar com os carros no espaço e nas cenas. As
seqüências correm simultaneamente, e em oposição, graças a uma montagem em paralelo:
uma registra a cidade em constante movimento, a outra fixa o menino que lê silabando
209
vagarosamente a inscrição no Arco; no entorno do monumento observamos um cotidiano
vertiginoso, sob o monumento, flagrantes de tranqüilidade e respeito. Estados da alma e
aspectos da realidade exterior são capturados num fluxo contínuo, o resultado final
aproxima a narrativa dos filmes “impressionistas” franceses da década de vinte do século
passado:
“Place de l’Étoile. Em torno do Arco do Triunfo magotes de automóveis giram. As
Avenidas são doze bôcas de asfalto que comem gente e veículos, vomitam gente e veículos.
Insaciáveis.
Ruído. Pó. E gente. Muita gente. O soldado apita, levanta o seu bastão, e a
circulação pára para que possam passar, tranqùilamente, a ama e o seu carrinho. Duas
costureirinhas que tagarelam. A família que vai bocejar nos bancos do Bois. Um maneta
vendendo alfinetes. Gargalhadas de uma loura de olheiras verdes. A kodak de um inglês.
Um casal de namorados. Israelitas ostentando a roseta da Legião de Honra. Monóculos.
Paris que passa.
E pára sob a arcada. Do chão sobe a flama da saudade, que dança. Tres mutilados,
condecorados, compenetrados, montam guarda. O menino de capote azul, carregando um
arco, inclina-se. Gira o gorro na ponta do pau e soletra baixinho:
— I... ci re... po... po... Ici re... pose...
— Recolhimento de teatro dramático. Em volta do Arco, a vida dinâmica da cidade
tumultuária, berrando no buzinar dos automóveis, no ronco dos ónibus, no vozerio
indistinto que sobe e foge. Sob a arcada, os olhos fixando o túmulo. E o menino:
— ... repose un sol... dat...
Mulheres de luto juntam as mãos. Os lábios tremem. Há corôas pelo chão. A
flama joga para o alto uma fumaceira escura que envolve as meretrizes que chegam.
Cabeças descobertas.
— ... fr... fran... français m... mort...
Cabeças baixas. A meretriz mais alta desprende da cintura um ramo de violetas,
coloca-o entre as corôas. O ramo resvala, esconde-se sob as flores mortas. A filha da
210
burguesa de buço agacha-se, pega o ramo roxo, pousa-o sôbre o túmulo. A burguesa de
buço (e gorda) aprova com o olhar. Todos pensam. Todos rezam.
— ...pour la pa...trie.
Em torno do Arco, os automóveis buzinam sempre, os ónibus roncam, sobe e foge o
vozerio da multidão.
O menino sai, correndo, tocando o seu arco, triunfantemente.” (ibidem, p. 49-50).
Em Londres novamente encontramos o embaralhamento de imagens inesperadas
como recurso para captar uma realidade de ritmo alucinante. Muitos dos elementos aqui
filmados representam aspectos da metropolização que depois seriam retomados em seus
futuros escritos sobre a temática urbana multidão, trânsito intenso, os barulhos da cidade
e os anúncios publicitários, esses últimos enquadrados em contra-plongée, ou seja, filmados
de baixo. A visão cinemática da região de Londres que representava o centro da civilização
moderna é apresentada através de uma montagem fragmentada e descontínua que
possibilita a fusão de imagens, sons e cores - ao final das tomadas, até o tempo parece ser
capturado o que nos remete de novo a idéia de um filme ou uma pintura de estilo
impressionista.
A idéia de um possível filme realista documental é sempre negada pelo inusitado
das situações filmadas. Numa seqüência a justaposição de diferentes olhares olhares
imensos dos Indianos, o olhar privado de visão do cego e olhar imperfeito do míope, nessa
ordem acaba enfraquecendo a possibilidade de ver o espetáculo das luzes, comparado as
telas de Léger, que a seqüência seguinte revela. Novamente a tônica principal é a oposição.
Captação de cenas e montagem por contrastes: de idéias, de elementos e de interpretação
das situações filmadas, além da técnica de enquadramento que continua sendo por oposição
de planos:
“O Criterion despeja na confusão do Piccadilly Circus mantos de zibelina com
colares de pérolas, smockings com claques, caras raspadas com monóculos, cabeças louras
com diademas.
211
Os ónibus vermelhos de dois andares cruzam-se, esfregam-se, enfileiram-se. A
multidão errante cobre a Regent Street. Senhor do trânsito, o guarda de um metro e noventa
faz com as mãos enluvadas geometria no espaço. O ruído é um atropelo de mil sons
diferentes. Os cafés sorvem a gente que sobra das calçadas. Mas a gente não diminue.
Coventry Street lateja como um vaso cardíaco.
Motoristas de chapéo côco ridicularizam taxis acrobáticos. Um cab passa sumido
como o passado. Mulheres vendem flores por obrigação. Indianos de olhos imensos reunem
turbantes deante da Corner House. O cégo de óculos pretos está bêbado com certeza. O
moço míope só vê a beleza tropical que enlaça.
Os anúncios luminosos, galgando os prédios, policromos, despencando dos últimos
andares, travessos, rodando, piscando, ágeis, desaparecendo á direita, surgindo á esquerda,
subindo, descendo, indo, vindo, LEARN LANGUAGES AT BERLITZ!, MAZAWATTEE TEA,
DO YOU COMPOSE?, BOVRIL, MONICO, põem na téla desigual da multidão que não pára
pinceladas de Léger e Delaunay, vermelhas, azues e verdes, depois de novo verdes, azues e
vermelhas.
A National Galery extende a fachada encarvoada.
E emquanto Trafalguar Square reflecte a vida de oito milhões de vidas (a coluna de
Nelson é o bastão que dirige a circulação do mundo), o escocês de saiote, nas escadarias de
Saint-Martin’s in the Fields, tira sonzinhos pastoris da cornamusa.
Uma da madrugada.” (ibidem, p. 77-78).
Em Milão a descrição da movimentada Galeria Vittorio Emanuele descortina um
microcosmo surpreendente. Mais uma vez as galerias, as passagens são utilizadas como
sínteses do ambiente social e espiritual da modernidade. As frases curtas e adjetivadas são
utilizadas na composição de um quadro dos tipos que circulam e freqüentam esse espaço
peculiar da cidade. Homens e mulheres são filmados em contraponto: mulheres
lindas/homens caricatos; soldados/velhos; carabineiros altos/carabineiros baixos; floristas
velhas/damas acompanhadas; meretrizes/mulheres grávidas.
Embora estejamos na época do cinema mudo e preto-e-branco, não podemos deixar
de observar que os filmes do autor superam essas limitações técnicas. Há uma faixa de sons
212
que registra canções, assovios, berros, risadas, ruídos, músicas, falas e silêncios, captados
separadamente e mixados na montagem final das cenas. As cores também estão presentes
em suas descrições. Na cena final, um zoom enquadra as gravatas vermelhas dos homens
que aparecem em contraste com os pés delicados das mulheres, enquadrados em close:
“Pela Galleria Vittorio Emanuele Milão gira.
Italianas lindas. A qualquer hora. Alugáveis ou não. Olhos de tragédia. Atitudes
cinematográficas de mulher fatal.
Homens caricatos. Elegância desopilante. Não usam chapéu: usam juba.
Formidável. Os cabelos formam chumaço. Calças sacos. Os paletós param
inesperadamente. Bengalinha em punho, os terríveis com o olhar despem e apalpam as
mulheres. Reunem-se em grupos, riem e cantarolam, gesticulam, berram, cospem e
assobiam.
A Galleria é bolsa, exposição e mercado de artistas. Ambiente de caixa de teatro.
Cantores sem contracto. Maestros cabeludos. Coristas sebentos. Um só assunto: canto.
Deante do tablado das orquestras, á porta dos restaurantes, soldados, velhos e
criados assobiam Puccini.
Carabineiros carnavalescos, aos pares (um alto e um baixo, um alto e um baixo).
Floristas velhas oferecem cravos ás damas acompanhadas. Parada de galões e de fardas.
Meretrizes das imediações do corso Vittorio Emanuele.
L’Ambrosiano! La sera! La sera!
Mulheres grávidas, de andar soleníssimo. Todas as gravatas masculinas são
vermelhas. Todos os pés femininos são de anjo.” (ibidem, p. 87-88).
Em Roma, o autor utiliza uma decupagem mais clássica para descrever e filmar os
lugares que atraem turistas de todo o mundo: o ritmo é contínuo, quando muito correm duas
ações em paralelo turismo oficial/turismo religioso -, os personagens e objetos filmados
são centralizados nos quadros, não há grandes movimentos de câmara.
Utilizou-se um recurso gráfico para indicar a passagem de tempo e espaços: linhas
de pontos, representando cortes nos blocos narrativos, separam parágrafos e planos-
213
seqüências. Esse recurso será depois reproduzido em outros escritos. A narração insiste em
ironizar os visitantes que siderados pela beleza de Roma movimentam a mais poderosa
industria romana, o turismo, para satisfação do Estado e da Igreja:
“Na Stazione di Termini as hordas desembarcam em ordem. A invasão quotidiana
de Roma pelos bárbaros da Agência Cook, da American Express, das peregrinações
católicas.
Enfileiram-se os batalhões basbaques. Empunham bandeirinhas. Ostentam
medalhas. Trocam dinheiro (muito).
Vêm ver as ruínas e o Papa.
. . . . . . . . . . . .
E equilibrar as finanças do Estado e da Igreja.
Começa a transformação intensiva das libras, dos pesos, dos dólares em liras.
A indústria italiana mais próspera tem por operários-chefes mortos os estatuários
gregos, os arquitectos de Nero e Caracala, Raffaello Sanzio, Michelangelo Buonarroti,
Bernini, outros. Quando os artigos expostos da Roma-museu ganham o ar massante de
cousa vista, dois golpes de picareta renovam a mostra, salvando a situação. Descobrem-se
mais cinco pares de colunas coríntias, tres dorsos mutilados, dois metros quadrados de
mosaico romano e chama-se o estrangeiro. Êste vem, pasma e paga.
(...).
Os peregrinos do Brasil e da Espanha bem-aventurados esfolam os joelhos nos
vinte e oito degraus que escondem a Escada Santa, reconstróem com indignada fé os tres
pulos da cabeça de Paulo na Via Laurentina, salivam no pé gasto do S. Pedro da Basilica, e
levam, como presente para os amigos que ficaram na pátria, uma fotografia do Papa
martelando a Porta Santa.
Invariavelmente. Sob a fiscalização remunerada das autoridades civis e
eclesiásticas.
. . . . . . . . . . . . .
Focalizando Kodaks ou berrando litanias, as hordas vão-se. Um Atíla de farda ou
batina á frente.
214
Têm a benção da Igreja. Têm a protecção do Estado.
E recibos dos dois.
Antes de partir, na Fontana di Trevi deixam o soldo propício que garante a volta á
Roma.
Os garotos da Via della Stamperia e da Via del Lavatore vêm á noite brincar na
bacia. Depois vão comprara melancias.” (ibidem, p. 169-171).
Por fim, chegamos a Barcelona: Aqui o autor retoma a estruturação das seqüências
e dos blocos narrativos inicial. De um lugar para outro, de um objeto de cena a outro, vários
movimentos são apreendidos simultaneamente. O fluxo da passagem do tempo khrónos -
é aprisionado pelo cronista enquanto descreve uma Barcelona decadente:
“Sob as folhagens da Rambla, a multidão se estende como um tapete. O Mercado de la
Boqueria apodrece o ar. Para o Escribiente n. 3, úa mulher, toda ânsia, dita uma carta com
lágrimas.
Na Plaza de la Universidad, o Monumento al Doctor Robert pede dinamite. Passam
olhos, sob mantilhas negras.
O abandono das ruas. A hediondez dos prédios.
A cincoenta e tres metros de altura, Christóvão Colombo abençoa o mar de mastros.
O corso no Paseo de Gracia enfileira automóveis milionários.
Dentro do terreno murado, sobem paredões gradeados, parecidos com girafas, parecidos
com a Tour Eiffel. Pastores, ovelhas e santos, em cima de uma porta, aglomeram-se para
um concurso de feiura. A construção, em começo, é um assombramento de pedra. Caminha
para uma realidade final assustadora.
— El Templo de la Sagrada familia. Concepción portentosa del genial arquitecto don...
— Siga! Siga, por favor!
Poeira. Abençoada.
A noite enfeita Barcelona, como ua mantilha.” (ibidem, p. 179-180).
215
O autor, um freqüentador de cinema e fã de Charles Chaplin, irá utilizar muito do estilo
narrativo fílmico de Pathé-Baby em seus livros e outros escritos posteriores. Técnicas
gráficas também procurarão reproduzir elementos do universo cinematográfico na sua
produção. Isso quando não for o próprio cinema, local da cena de uma de suas histórias. É o
que presenciamos quando Mana Maria, a personagem-título de seu romance inacabado,
decide ir ao centro da cidade e entra numa sessão matinê, menos interessada na fita e mais
para esperar o horário de outro compromisso:
“Levantou-se ás mesmas horas do costume. Qualquer hora em que dormisse por mais
tardia acordava sempre bem cedo. Não eram ainda oito horas e ela já tinha o livro
embrulhado. Com um cartão entre a capa e o frontespício: “Maria H. Pereira, agradecida,
devolve o romance Le mariage d’Huguette que leu com interesse”. Mandou leval-o (sic)
logo depois do almoço. E avisou a copeira que não estava em casa para o dr. Samuel Pinto.
Nem que fosse para falar no telefone.
Naquela tarde precisava falar com o advogado por causa de um inquilino atrasado.
Eram três horas quando ela perguntou para o empregado:
— O dr. Tobias está?
Não estava, só voltava ás cinco. Saiu. Em frente, o Cine-Universal engulia um homem
de fraque. Olhou o cartaz: Greta Garbo em Mulher Vendida. Detestava vampiros. Hesitou
entre o cinema e uma volta vagabunda pela cidade. Cinema. A indicadora mostrou com
uma lampada o único lugar vasio. Pescadores barbudos decepavam com um só golpe
certeiro a cabeça dos peixes prateados.
E a orquestra tocava a Serenata de Toselli. Luz. O cavalheiro á sua esquerda murmurou:
Perdão! E puxou a aba do fraque. Mana Maria se sentara na aba do fraque. O homem do
fraque. Usava pencinê. No cabaré fumarento Greta Garbo deante de um calice vazio
cismava com o olhar distante. E uma sujeita de boina fazia o possível para desviar a
atenção do companheiro daquele olhar distante. Mana Maria percebeu a agitação do
homem do fraque se remexendo na poltrona. Justo no momento em que o olhar distante
como que por acaso se cruzou com o do seu admirador a mão do homem do fraque se
pousou com hesitação na perna de mana Maria. Um pulo, um começo de escândalo e mana
216
Maria precipitadamente demandou a saída. Na rua se perguntou se fizera bem em não
esbofetear o imundo. E se respondeu que sim. Fizera bem. O que sentia era um misto de
indignação e de nojo. Uma vontade de bater. Mas fôra melhor assim. Cachorro. Um táxi
passou. Tomou-o e mandou tocar para casa. O advogado ficava para outro dia. Fechou-se
no quarto pensando que devia ter esbofeteado o cachorro.” (Machado, 1936, p. 44-46).
Em Seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino reflete sobre cinco qualidades
inerentes a literatura que desejaria ver preservadas e transmitidas às gerações deste terceiro
milênio: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade. A sexta, consistência, não
foi desenvolvida devido a sua morte. Ao expor sobre esses valores literários, bem poderia
estar se referindo ao cinema. O cinema enquanto sonho:
“Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo
que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de
fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação,
que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de
conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a
realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos...” (Calvino, 1998, p. 19).
Empregando o princípio recursivo elaborado por Edgar Morin, podemos definir o
cinema como produto e simultaneamente produtor do complexo fenômeno da modernidade.
Enquanto fluxo de imagens transforma o pesado em leve tudo o que é filmado ganha a
leveza de uma película de acetato. A rapidez com a qual captura o filmado é a mesma com
a qual o projeta. A imagem cinematográfica é a reprodução dinâmica do filmado, faz parte
do seu jogo de ilusão procurar representar com exatidão o real, para tanto recorre à
multiplicidade de imagens projetadas velozmente. Enquanto imagem também é fixação de
luz, visibilidade. Novamente essa rede de associações, literatura cinema modernidade,
nos remete a Calvino referindo-se ao estilo do poeta florentino Guido Cavalcanti:
217
“(...), tudo se move tão rapidamente que não podemos nos dar conta de sua
consistência, mas apenas de seus efeitos (...).” (ibidem, p.27).
Quando observamos globalmente a obra de António de Alcântara Machado
identificamos, de certa forma, no seu estilo narrativo essas qualidades apontadas por Italo
Calvino. O humor pelo qual filtrou sua visão de mundo é um aspecto da literatura apreciado
por Calvino. Analisando a relação entre humor e melancolia que perpassa os dramas
shakesperianos, o escritor italiano expressa uma reflexão apropriada para definir essa
característica – o humor - na obra do autor:
“Assim como a melancolia é a tristeza que se tornou leve, o humor é o cômico que
perdeu peso corpóreo (...) e põe em dúvida o eu e o mundo, com toda a rede de relações que
os constituem.” (ibidem, p.32).
É surpreendente lermos em Calvino as idéias de Giacomo Leopardi sobre velocidade e
economia no estilo poético, registradas em Zibaldone. Poderíamos estar lendo um
fragmento de crítica a Pathé-Baby ou a outro livro do autor:
“A rapidez e a concisão do estilo agradam porque apresentam à alma uma turba de
idéias simultâneas, ou cuja sucessão é tão rápida que parecem simultâneas, e fazem a alma
ondular numa tal abundância de pensamento, imagens ou sensações espirituais, que ela ou
não consegue abraçá-las todas de uma vez nem inteiramente a cada uma, ou não tem tempo
de permanecer ociosa e desprovida de sensações. (...). A excitação das idéias simultâneas
pode ser provocada tanto por uma palavra isolada, no sentido próprio ou metafórico, quanto
por sua colocação na frase, ou pela sua elaboração, bem como pela simples supressão de
outras palavras ou frases etc.” (ibidem, p.55).
O mesmo pode ser dito quando lemos Calvino referindo-se ao “programa estilístico” de
Galileu Galilei:
218
“(...) a rapidez, a agilidade do raciocínio, a economia de argumentos (...) a fantasia dos
exemplos (...).” (ibidem, p.56).
Ou ao estilo sintético e esquemático de Jorge Luis Borges, que para Calvino conseguia
dessa forma “aberturas para o infinito sem o menor congestionamento” (ibidem, p. 63):
“(...) na variedade dos ritmos, dos movimentos sintáticos, em seus adjetivos sempre
inesperados e surpreendentes.” (ibidem, p.63).
A escrita breve que marcou seu estilo nos reporta às qualidades da rapidez e exatidão
propostas por Calvino. Através dela criou uma gama de imagens que representa aspectos
essenciais da modernidade, entre eles, a visibilidade e multiplicidade. Para tanto dissolveu
na leveza de sua narrativa e linguagem o pesadume desse novo mundo, como o fez outra
forma de narrá-lo, o cinema.
Fragmentos sonoros de Pathé-Baby
“Fragmentos sonoros de Pathé-Baby é o cd que acompanha este estudo. Trata-se
da trilha um resumo das impressões do escritor das cidades visitadas - que acompanhava
o visitante do ambiente “Pathé-Baby”, parte integrante da exposição António de Alcântara
Machado: literatura como jornalismo, realizada no Centro Cultural São Paulo entre 13 de
maio e 14 de julho de 2002. Esse ambiente constituía-se numa alegoria do livro, formada
por 23 telas confeccionadas, segundo o guia da exposição, em tecido, pintadas a mão em
acrílico e medindo cada 1,60 X 2,20 – que reproduziam as ilustrações de Paim.
e e
219
BIBLIOGRAFIA
COMENTADA DO AUTOR
MACHADO, António de Alcântara. Pathé-Baby. São Paulo: Editorial Helios Limitada,
1926.
Página de rosto: ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO / APRESENTA: / PATHÉ
/ BABY”, sobre um desenho, de uma série de vinte e quatro estampas que ilustra o livro,
confeccionada por Paim.
Edição do autor com prefácio de Oswald de Andrade, datado de dezembro de 1925
e ilustrações de Antonio Paim.
220
O livro é dedicado tipograficamente ao seu pai: “PARA MEU PAI”.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. São Paulo: Editorial Helios
Limitada, 1927.
Página de rosto: BRÁS / BEXIGA / E / BARRA FUNDA / NOTÍCIAS / DE SÃO
PAULO / POR / António / DE / Alcântara / Machado / 1927”. No verso, se lê: DO MESMO
AUTOR: / PATHÉ-BABY (1926) / EM PREPARAÇÃO: / CAVAQUINHO (SOLOS) /
LARANJA DA CHINA (CONTOS) / CAPITÃO BERNINI (ROMANCE)”.
Edição do autor publicada em março de 1927. No exemplar da Seção de Obras
Raras e Especiais (sala Paulo Prado), da Biblioteca Mário de Andrade, há uma etiqueta
informando: “DOAÇÃO DO / AUTOR. / RESIDENCIA CAPITAL.”, não há dedicatória.
______. Laranja da China. São Paulo: Empreza Graphica Editora Monteiro Lobato
Limitada, 1928.
Página de rosto: LARANJA DA CHINA / ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO /
SÃO PAUL / O 1928”. No verso: DO AUTOR: / PATHÉ-BABY (VIAJEM) - 1926 / BRÁS,
BEXIGA E BARRA FUNDA / (notícias de S. Paulo) 1927 / EM PREPARAÇÃO: /
ESTILINGUE (ARTIGOS) / CAPITÃO BERNINI (ROMANCE) / CAVAQUINHO (SOLOS) /
LIRA PAULISTANA (COLEÇÃO DE MODINHAS)”.
Edição do autor publicada em junho de 1928.
O livro é dedicado tipograficamente: “PARA ALCÂNTARA MACHADO FILHO”.
______. Anchieta na Capitania de São Vicente. Rio de Janeiro: Edição da Sociedade
Capistrano de Abreu, 1929.
Vencedor do prêmio da Sociedade Capistrano de Abreu de 1928. Separata do tomo
105, vol. 159 - 1º de 1929 - da Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro.
______. Comemoração de Brazílio Machado. São Paulo: Edição do autor, 1929.
221
Discurso pronunciado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 14 de
novembro de 1928 e publicado em separata da revista acadêmica O onze de agosto em
março de 1929.
______. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões do Padre Joseph de
Anchieta, s.j. (1554/1594). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933. (Coleção Afranio
Peixoto da Academia Brasileira de Letras).
Página de rosto: “Cartas Jesuiticas / III / CARTAS, Informações, Fragmentos
Historicos / E Sermões / DO / Padre Joseph de Anchieta, S. J. / (1554 - 1594) / AD /
IMMOR- / TALITA / TEM / 1933 / CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S. A. / Rua do Lavradio,
160 – RIO DE JANEIRO”.
Estudo introdutório e notas sobre a vida do padre José de Anchieta realizado em
julho de 1933. Nessa edição, o livro está estruturado desta forma: “Nota preliminar” (p.
5-11), de Afranio Peixoto; “A obra de Anchieta no Brasil” (p. 11-15), de Capistrano de
Abreu; “Introdução” (p. 17-26), de Afranio Peixoto; “Notas e posfacio: ‘Vida do padre
Joseph de Anchieta’” (p. 541-560), de António de Alcântara Machado. Há uma segunda
edição realizada pela Editora Itatiaia de Belo Horizonte em 1988.
Edições Póstumas
MACHADO, António de Alcântara. Lira Paulistana. Revista do Arquivo Municipal de
São Paulo, São Paulo, ano II, v. XVII, p. 189-196, out. 1935.
Estudo sobre o cancioneiro urbano da cidade de São Paulo com antologia de peças.
Inclui notas de Sérgio Milliet. Há uma segunda edição incluída em LARA, Cecília de;
BARBOSA, Francisco de Assis (Org.). Prosa preparatória & cavaquinho e saxofone. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a
Fundação Nacional Pró-Memória, 1983. (Obras, vol. 1). p. 291-328.
222
______. Rapsodos do Tietê. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, São Paulo, ano
II, v. XVIII, p. 235-239, nov./dez. 1935.
Estudo sobre o cancioneiro urbano da cidade de São Paulo com antologia de peças.
Há uma segunda edição incluída em LARA, Cecília de; BARBOSA, Francisco de Assis
(Org.). Prosa preparatória & cavaquinho e saxofone. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a Fundação Nacional Pró-
Memória, 1983. (Obras, vol. 1). p. 213-221.
______. Mana Maria/Contos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1936.
Página de rosto: “António de Alcântara Machado / Mana Maria / 1936 / Livraria
JOSÉ OLYMPIO Editora / Rua do Ouvidor, 110 / RIO”. No verso: OBRAS DO AUTOR /
PATHÉ BABY (Impressões de viajens) 1926. / BRAZ, BEXIGA E BARRA FUNDA (contos) /
1927. / LARANJA DA CHINA (contos) 1928. / COMEMORAÇÃO DE BRASILIO MACHADO
/ (discurso na Faculdade de Direito de São / Paulo) 1929. / ANCHIETA NA CAPITANIA DE
S. VICENTE / (memória premiada pela Sociedade Capis- / trano de Abreu) 1929. / CARTAS,
INFORMAÇÕES, FRAGMENTOS HIS- / TÓRICOS E SERMÕES DE ANCHIETA /
(publicação da Academia Brasileira de le- / trás). 1933. / No prelo: / SAXOFONE
(CRÔNICAS) / CAVAQUINHO (CRÔNICAS)”.
Após a página de rosto, lê-se: EDITANDO ESTE Mana Maria’ O / PRIMEIRO
DOS TRES LIVROS PÓSTUMOS / ORGANISADOS POR AMIGOS QUERIDOS DO / AUTOR,
QUEREMOS AQUI DEIXAR O TES- / TEMUNHO DA PROFUNDA ESTIMA QUE /
VOTÁVAMOS A António de Alcântara / Machado. O EDITOR”.
Além do romance inacabado Mana Maria, esta edição inclui os contos “As cinco
panelas de ouro”, “A Dança de S. Gonçalo”, “Miss Corisco”, “Guerra Civil” e “Apólogo
Brasileiro Sem Véu de Alegoria”, cujos títulos estão dessa forma grafados no livro.
______. Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editôra, 1940.
Página de rosto: ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO / CAVAQUINHO / E /
SAXOFONE / (SOLOS) / 1926 - 1935 / 1940 / LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA / RUA
223
DO OUVIDOR, 110 / RIO DE JANEIRO”. No verso: OBRAS DO AUTOR / PATHÉ BABY
(Impressões de viagem) 1926. / BRAZ, BEXIGA E BARRA FUNDA. (contos) 1927. /
LARANJA DA CHINA (contos) 1928. / COMEMORAÇÃO DE BRASILIO MACHADO (dis- /
curso na Faculdade de Direito de São Paulo) / 1929. / ANCHIETA NA CAPITANIA DE S.
VICENTE (me- / mória premiada pela Sociedade Capistrano de / Abreu) 1929. / CARTAS,
INFORMAÇÕES, FRAGMENTOS HISTÓ- / RICOS E SERMÕES DE ANCHIETA (publi- /
cação da Academia Brasileira de Letras) 1933. / MANA MARIA (ROMANCE) 1936.”.
Seleção de artigos e crônicas de vários jornais, escritos entre 1926 e 1935, referentes
a diversos temas e assuntos coletados e selecionados por Sérgio Milliet e Cândido Mota
Filho. Além de alguns artigos da seção “Saxofone”, depois renomeada “Cavaquinho”, a
obra condensa impressões da sua segunda viagem à Europa, entre 1929 e 1930, e seus
artigos enviados da última viagem que fez aos países platinos, Uruguai e Argentina, em
1935. Com prefácio do pai do escritor, José de Alcântara Machado, em duas páginas não
numeradas, e assinado: “A. M.”.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda:/Laranja da China. São Paulo: Livraria Martins
Editôra, 1944.
Introdução de Sérgio Milliet e capa de Clóvis Graciano. Na capa está grafado
“Braz”; na página de rosto, “Brás”.
______. Novelas Paulistanas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1961.
Página de rosto: “ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO / NOVELAS /
PAULISTANAS / BRÁS, BEXIGA E BARRA FUNDA / LARANJA-DA-CHINA / MANA
MARIA / CONTOS AVULSOS / LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITÔRA / Rio de Janeiro
1961”.
Organização e introdução - trata-se da “Nota sôbre António de Alcântara Machado”;
datada: “Rio de Janeiro (Leblon), setembro de 1957” -, assinada por Francisco de Assis
Barbosa e capa e ilustrações de Poty. Há uma reprodução de foto do autor quando jovem,
datada de 1924 e autografada. Nessa edição, o livro está estruturado desta forma: I - “Nota
da Editôra” (p. 7-12); II - “Nota sôbre António de Alcântara Machado” (p. 13-49); III -
224
Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo (p. 51-108); IV - Laranja da China (p.
109-178); V - Mana Maria (p. 179-255); VI - Contos Avulsos (p. 257-311): “As Cinco
Panelas de Ouro” (p. 259-294), “Miss Corisco” (p. 294-301), “Guerra Civil” (p. 301-305) e
“Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria” (p. 306-311). O título “Novelas Paulistanas” foi
dado por Francisco de Assis Barbosa e refere-se a toda obra de ficção do autor. A Livraria
José Olympio Editôra publicou seis edições de Novelas Paulistanas. A Editora Itatiaia, de
Belo Horizonte e a Editora da Universidade de São Paulo EDUSP - passaram a editá-lo
em 1988, acrescido das pesquisas sobre o escritor e dos inéditos encontrados por Cecília de
Lara.
Em algumas dessas edições encontramos um erro de indicação bibliográfica sobre o
autor. Há a reprodução de um fragmento do texto de Sérgio Milliet, denominado “Fora de
forma”, impresso pela editora Anchieta, em 1942. Nele Milliet analisa o livro Vida e morte
do bandeirante, de Alcântara Machado. Trata-se em realidade da obra mais conhecida do
pai do escritor.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda (Notizie di São Paulo raconti). Milão: Editora
All’Insegna del Pesce D’Oro, 1981.
Edição italiana dessa obra, prefaciada por Rubens Ricupero.
______. Novelas Paulistanas. São Paulo: Itatiaia e EDUSP - Editora da Universidade de
São Paulo, 1988. (Coleção Biblioteca Básica de Literatura Brasileira, nº 2)
Organização e introdução - trata-se da reprodução da “Nota sôbre António de
Alcântara Machado” citada na referência anterior - de Francisco de Assis Barbosa e capa e
ilustrações de Poty. Nessa edição, o livro está estruturado desta forma: I - “Nota
Biográfica” - substituindo a “Nota da Editora” da primeira edição, essa é assinada por
Francisco de Assis Barbosa; II - “Nota sobre António de Alcântara Machado”; III - Brás,
Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo; IV - Laranja da China; V - Mana Maria; VI
- Contos Avulsos (“As Cinco Panelas de Ouro”, “Miss Corisco”, “Guerra Civil” e “Apólogo
Brasileiro Sem Véu de Alegoria”); VII - Inéditos em Livro (“O Mistério da Rua General de
Paiva” conto; “Três Milagres de Anchieta” crônica; “Um inédito - sem título - de
225
António de Alcântara Machado”; “O Nortista” - primeiro ato de uma peça teatral
inacabada; “Fragmento de Capitão Bernini” - romance inacabado). Essa versão revisada e
aumentada em relação à 1
a
edição de 1961 foi reeditada em 1994 pela Livraria Garnier do
Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
______. A rendição de São Paulo. In: MACHADO, Luís Toledo. António de Alcântara
Machado e o modernismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1970. (Coleção
Documentos Brasileiros, vol. 146). p. 126-147.
Esse documento jornalístico inacabado, e até então inédito, é um dos dois apêndices
de sua autoria que compõe o livro de Luís Toledo Machado, o outro é “Meditatio mortis”.
Ambos textos receberam os títulos do crítico literário.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. São Paulo: IMESP - Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo,
1982.
Prefácio de Francisco de Assis Barbosa e comentários e notas de Cecília de Lara.
Edição fac-similar - livro e Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás,
Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado, separados.
______. Pathé-Baby. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e
DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
Prefácio de Francisco de Assis Barbosa e comentários e notas de Cecília de Lara.
Edição fac-similar - livro e Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Pathé-
Baby de António de Alcântara Machado, separados e acondicionados em estojo.
______. Laranja da China. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e
DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
Prefácio de Francisco de Assis Barbosa e comentários e notas de Cecília de Lara.
Edição fac-similar - livro e Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Laranja
da China de António de Alcântara Machado, separados.
226
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. São Paulo: IMESP - Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo,
1983.
Apresentação de Audálio Dantas e J. S. Witter. Prefácio de Francisco de Assis
Barbosa e comentários e notas de Cecília de Lara. Edição fac-similar - livro e Comentários
e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de
Alcântara Machado, condensados em uma única publicação. A última reedição, de 1994, é
creditada somente a IMESP e prefaciada por Antonio Arnosti.
______. Prosa preparatória & cavaquinho e saxofone. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a Fundação Nacional Pró-
Memória, 1983. (Obras, vol. 1; Coleção Vera Cruz, vol. 349)
Organização de Cecília de Lara e direção de Francisco de Assis Barbosa. O título da
obra foi dado pelos organizadores.
______. Pathé-Baby e Prosa turística: o viajante europeu e platino. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a Fundação
Nacional Pró-Memória, 1983. (Obras, vol. 2; Coleção Vera Cruz, vol. 349)
Organização de Cecília de Lara e direção de Francisco de Assis Barbosa. O título da
obra foi dado pelos organizadores.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. Belo Horizonte e Rio de
Janeiro: Villa Rica Editoras Reunidas, [19--]. (Textos Básicos de Literatura, vol. 2)
Nota biográfica de Francisco de Assis Barbosa.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.
Apresentação de Ariovaldo José Vidal.
______. Laranja da China. São Paulo: Nova Alexandria, 1996.
227
Apresentação de Regina Pontieri.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
Apresentação de Décio Pignatari.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo e outros contos. São Paulo:
Moderna, 1997.
Notas de leitura de Douglas Tufano. Os contos incluídos nessa edição são “O Mártir
Jesus (Senhor Crispiniano B. de Jesus)”, “O Aventureiro Ulisses (Ulisses Serapião
Rodrigues)”, “O Tímido José (José Borba)”, “Miss Corisco” e “Apólogo Brasileiro Sem
Véu de Alegoria”.
______. Brás, Bexiga e Barra Funda/Laranja da China. São Paulo: O Estado de S. Paulo e
Klick Editora, 1997. (Coleção Ler É Aprender, nº 20)
Consultoria deste número da professora Cely Arena.
______. Laranja da China. Rio de Janeiro e Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2002.
Prefácio de Francisco de Assis Barbosa e Comentários e notas de Cecília de Lara.
Edição fac-similar comemorativa dos 80 anos da Semana de Arte Moderna. Livro e
“Comentários e notas” condensados em uma única publicação. Foram lançadas duas
versões, uma em capa dura.
______. Mana Maria. São Paulo: Nova Alexandria, 2001.
Apresentação de Cecília de Lara. Primeira edição autônoma, sem a publicação dos
Contos Avulsos, desse romance inacabado.
______. Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria. In: CAVALCANTE, Djalma (Org.).
Contos em Quadrinho. Juiz de Fora: Editora da UFJF - Universidade Federal de Juiz de
Fora; São Paulo: Musa Editora, 2002. (nº 1). p. 46-62.
A adaptação do conto para os quadrinhos é de J. Rodrigues.
228
______. Novelas Paulistanas. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2001. (Coleção Páginas
Amarelas, nº 32)
Nessa edição, o livro está estruturado desta forma: I Brás, Bexiga e Barra Funda:
notícias de São Paulo; II - Laranja da China; III - Contos Avulsos (“As Cinco Panelas de
Ouro”, “Miss Corisco”, “Guerra Civil” e “Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria”).
Trata-se de uma edição de bolso comemorativa do centenário de nascimento do escritor.
Textos do Autor Editados em Coletâneas
FARACO, Carlos Emilio et al. (selecionadores dos textos). Para gostar de ler. São Paulo:
Ática, 1989. (Contos, vol. 10)
Trata-se de uma série que edita os contos dos principais escritores brasileiros
direcionada ao público infanto-juvenil. É o primeiro contato de muitos estudantes com um
de seus textos. No início do volume há uma “entrevista” fictícia com o autor, intitulada
“Cada qual que tome o seu rumo” (p. 6). O conto escolhido para a coletânea foi o célebre
“Gaetaninho” (p. 45-48). Ao final do conto segue-se um resumo dos “dados biográficos” e
uma relação das “obras importantes” (p. 48).
MAGALHÃES JR, R. Antologia de humorismo e sátira. Rio de Janeiro: Edições Bloch,
[19--]. (Coleção Resumo)
Os textos selecionados para essa coletânea foram a crônica “Genialidade brasileira”
(p. 376-379) e o conto “Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria” (p. 379-383).
MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2000.
O conto foi incluído no primeiro capítulo, denominado “De 1900 aos anos
30/Memórias de ferro, desejos de Tarlatana”. Mais uma vez o conto selecionado foi
“Gaetaninho” (p. 92-94). No livro organizado por Sonia Sachs intitulado Vida literária:
229
Mário de Andrade - ver “Bibliografia Geral”, encontra-se reproduzido uma crítica de
Mário, originalmente publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro em 5 de março de
1939, com o título de “Começo de crítica” que faz referência ao conto “Gaetaninho”:
“Também o meu inesquecível amigo Antônio de Alcântara Machado observava com
certa fadiga o sucesso do seu ‘Gaetaninho’.” (Sachs, 1993, p. 12).
COMENTADA SOBRE O AUTOR
BARBOSA, Francisco de Assis. Nota sôbre António de Alcântara Machado, cronologia e
introdução. In: MACHADO, Antônio de Alcântara. Novelas Paulistanas. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editôra, 1961. p. 13-49.
Os textos foram escritos no Rio de Janeiro em setembro de 1957.
______. Prefácio. In: LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982
de Pathé-Baby de António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982. p.
7-8.
______. Prefácio. In: LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982
de Brás, Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP -
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São
Paulo, 1982. p. 7-8.
______. Prefácio. In: LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982
de Laranja da China de António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo,
1982. p. 7-8.
230
______. Dados biográficos e apresentação. In: ______ (Org.). António de Alcântara
Machado: trechos escolhidos por Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Livraria Agir
Editôra, 1961. (Coleção Nossos Clássicos, nº 57). p. 4-15.
BARBOSA, Almiro Rolmes; CAVALHEIRO, Edgard. Antônio de Alcântara Machado. In:
______. Obras-primas do conto brasileiro. São Paulo: Livraria Martins Editôra, 1962. p.
59-65.
Após o texto sobre o escritor (p. 59-60), segue-se à reprodução (p. 63-65) do conto
“Gaetaninho” de Brás, Bexiga e Barra Funda.
BOSI, Alfredo. O prosador do modernismo paulista: Alcântara Machado. In: ______.
História concisa da literatura brasileira. 2
a
ed. São Paulo: Cultrix, 1977. Cap. VII, p.
420-422.
BROCA, Brito. Quando Antônio de Alcântara Machado escrevia como os passadistas. In:
______. Pontos de referência. Brasília: MINC - Ministério da Educação e Cultura/Serviço
de Documentação, 1962. p. 121-126.
CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Antônio de Alcântara Machado. In:
______ (Org.). Presença da literatura brasileira: modernismo. 8
a
ed. São Paulo: Difel
Difusão Editorial, 1981. (vol. III). p. 133-147.
Após o texto sobre o escritor (p. 133-134), seguem-se as seguintes reproduções (p.
134-147): uma crônica de Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935, intitulada “Geração
Revoltada”, trechos do capítulo cinco de Pathé-Baby, “de Paris a Dives-Sur-Mer”, e o
conto “A Sociedade” de Brás, Bexiga e Barra Funda.
______. Modernismo. In: ______ (Org.). Presença da literatura brasileira: modernismo.
São Paulo: Difel – Difusão Editorial, 1981. (vol. III). p. 7-33.
231
CARELLI, Mario. A visão de António de Alcântara Machado. In: ______. Carcamanos e
comendadores: os italianos de São Paulo: da realidade à ficção (1919-1930). Tradução de
Ligia Maria Pondé Vassallo. São Paulo: Ática, 1985. 3
a
Parte, p. 103-122.
CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade (1500-1960). São
Paulo: EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
O capítulo XIX, denominado “Produção literária do modernismo/A fase heróica: 2º)
A prosa de ficção” (p. 183-234), analisa parte da sua obra e sua relação com o modernismo
paulista.
CHAMIE, Mário. Penumbra de Pommery ou uma situação para Oswald. In: A linguagem
virtual. São Paulo: Edições Quiron e Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado
de São Paulo, 1976. Cap. II, p. 39-47.
GRIECO, Agrippino et al. Em memória de Antonio de Alcantara Machado: 25 de maio de
1902 – 14 de abril de 1935. São Paulo: Elvino Pocai, 1936.
Livro organizado por José de Alcântara Machado d’Oliveira, por ocasião da
celebração de um ano decorrido da morte de seu filho. São reminiscências de diversos
amigos e conhecidos que falam da sua vida e morte. A tiragem foi de quinhentos
exemplares numerados e não comercializados. Note que há um erro na complementação do
título: ele nasceu em 25 de maio de 1901.
HOHLFELDT, Antonio. Os modernistas. In: Conto brasileiro contemporâneo. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1988. (Série Revisão, vol. 6).
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Pathé-Baby. In: PRADO, Antonio Arnoni (Org.). O
espírito e a letra: estudos de crítica literária, 1920/1947. São Paulo: Companhia das Letras,
1996. (vol. 1). p. 219-221.
232
______. Realidade e poesia. In: PRADO, Antonio Arnoni (Org.). O espírito e a letra:
estudos de crítica literária, 1920/1947. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. (vol. 1). p.
257-259.
______. Cavaquinho e saxofone. In: PRADO, Antonio Arnoni (Org.). O espírito e a letra:
estudos de crítica literária, 1920/1947. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. (vol. 1). p.
344-349.
LARA, Cecília de. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Pathé-Baby de
António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
______. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda
de António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
______. Comentários e notas à edição fac-similar de 1982 de Laranja da China de
António de Alcântara Machado. São Paulo: IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo e DAESP - Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, 1982.
______. Klaxon e Terra Roxa... e outras terras: dois periódicos modernistas de São Paulo.
1971. 283 f. Tese (Doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas) Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas. USP - Universidade de São Paulo, São Paulo.
______. Antonio de Alcântara Machado: experimentação modernista em prosa. 1981. 571
f. Tese (Livre-Docência em Letras Clássicas e Vernáculas) - Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas. USP - Universidade de São Paulo, São Paulo.
233
______. De Pirandello a Piolim: Alcântara Machado e o teatro no modernismo. Rio de
Janeiro: MINC Ministério da Cultura/INACEN Instituto Nacional de Artes Cênicas,
1987. (Coleção Ensaios)
______. Pressão afetiva & aquecimento intelectual: cartas de Antônio de Alcântara
Machado a Prudente de Moraes, neto. São Paulo: EDUC - Editora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e Giordano e Lemos Editorial & Gráficos, 1997.
LIMA, Alceu Amoroso (Tristão de Athayde). Antonio de Alcantara Machado: Pathé-Baby.
Ed. Helios. S. Paulo, 1926. In: ______. Estudos: 1
a
série. Rio de Janeiro: Terra de Sol,
1927. Parte 1, Cap. “Signaes” (p. 67-76), p. 73-75.
O livro reúne os artigos de Tristão de Athayde publicados no O Jornal e na Revista
do Brasil do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1926 e janeiro de 1927. Esses artigos foram
agrupados por temas em pequenos capítulos e são precedidos de um estudo do crítico
literário. No caso, trata-se de uma crítica sobre o seu primeiro livro:
______. Mario de Andrade - Amar, verbo intransitivo, ed. A T. J., S. Paulo, 1927. A. de
Alcantara Machado - Brás, Bexiga e Barra-Funda, ed. Helios. São Paulo, 1927. In: ______.
Estudos: 2
a
série. Rio de Janeiro: Terra de Sol, 1928. Parte 1, Cap. “Romancistas ao sul” (p.
24-36), p. 28-36.
O livro reúne os artigos de Tristão de Athayde publicados no O Jornal e na Revista
do Brasil do Rio de Janeiro, entre os anos de 1926 a 1928. Esses artigos foram agrupados
por temas em pequenos capítulos e são precedidos de um estudo do crítico literário. No
caso, trata-se de uma crítica sobre o seu segundo livro, o primeiro de contos, relacionando-
o com o de Mário de Andrade. Reproduzida igualmente em O Jornal de 9 de outubro de
1928, com o título de “Romancistas ao sul”.
______. António de Alcantara Machado - Laranja da China. Emp. Graphica Lmt. S. Paulo,
1928. In: ______. Estudos: 3
a
série I. Rio de Janeiro: A Ordem, 1930. Cap. “Contos” (p.
123-135), p. 133-134.
234
O livro reúne os artigos de Tristão de Athayde publicados no O Jornal e na Revista
do Brasil do Rio de Janeiro, nos anos de 1926, 1927 e 1928. Esses artigos foram agrupados
por temas em pequenos capítulos e são precedidos de um estudo do crítico literário. No
caso, trata-se de uma crítica sobre o seu terceiro livro, o segundo de contos. Esse terceiro
volume da série Estudos foi o único a ser editado em duas partes.
______. Antônio de Alcântara Machado, o prosador modernista. In: ______.
Companheiros de viagem. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1971. p. 60-62.
Coletânea de textos de Tristão de Athayde sobre os amigos com os quais conviveu.
No caso, trata-se de um artigo escrito em 1951 que rememora o estilo literário e a morte
repentina do escritor.
LINS, Alvaro. Um documento do modernismo. In: ______. Jornal de crítica: 1
a
série. Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1941. Cap. XIII, p. 188-196.
Álvaro Lins, contrariando seu ceticismo quanto à possibilidade de se fazer uma
análise da literatura, principalmente a contemporânea, sem que os esquemas adotados para
isso não fossem parciais e mutilados, empreende uma jornada para analisar a literatura pós-
modernista. Literatura em fase de formação e que para ele realmente possui um caráter
novo e moderno. Moderno e não mais “modernista”, como faz questão de frisar. Considera
o modernismo movimento de destruição, não de criação, pois, segundo ele, não deixou
nenhuma obra representativa. O modernismo está “na história literária, mas não na
literatura” (Lins, 1941, p. 189), segundo citação de Otávio Faria. O surgimento de figuras
como Gilberto Freyre, que desenvolveu sua obra numa direção alheia ao modernismo,
reflete essa idéia. Em seguida, passa a analisar os escritos do autor e conclui que, nessa
literatura envelhecida, herdada do modernismo, “a personalidade e as idéias de Antônio de
Alcântara Machado apresentam ainda uma capacidade de viver, como se estivessem ao
nosso lado.” (ibidem, p. 195).
MACHADO, Luís Toledo. António de Alcântara Machado e o modernismo. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1970. (Coleção Documentos Brasileiros, vol. 146).
235
______. Solidão e morte em Antônio de Alcântara Machado. In: ______. O processo
literário. São Paulo: Editora da UNESP - Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho” e Instituto de Artes do Planalto, 1985. (Série Arte e Cultura/Publicações
Avulsas, nº 8). 2
a
Parte, p. 69-74.
Análise de um texto do escritor publicado originalmente em GRIECO, Agrippino et
al. Em memória de Antonio de Alcantara Machado: 25 de maio de 1902 14 de abril de
1935. São Paulo: Elvino Pocai, 1936. p. I-IV (sic). Naquela coletânea o texto aparece sem
título. No estudo publicado pelo próprio Luís Toledo Machado, ver: MACHADO, Luís
Toledo. António de Alcântara Machado e o modernismo. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editôra, 1970. (Coleção Documentos Brasileiros, vol. 146). p. 148-149, o texto foi
reproduzido e acrescido do título “Meditatio mortis” pelo crítico literário.
MILLIET, Sérgio. Antônio de Alcântara Machado. In: ______ (Org.). Obras primas do
conto humorístico. São Paulo: Livraria Martins Editôra, 1956. p. 19-24.
Após o texto sobre o escritor (p. 19), segue-se reprodução do conto “Guerra Civil”
(p. 21-24) de Novelas paulistanas.
______. In: MACHADO, António de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda/Laranja da
China. São Paulo: Livraria Martins Editôra, 1944. p. 5-19.
REGO, José Lins do. Antônio de Alcântara Machado. In: ______. Gordos e Magros. Rio
de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1944. p. 54-56.
RUIZ, Roberto. O espetáculo da moda e a semana de arte moderna. In: ______. Hoje tem
espetáculo? As origens do circo no Brasil. Rio de Janeiro: MINC - Ministério da
Cultura/INACEN - Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1987. (Coleção Memória). Cap. 10,
p. 62-72.
236
TESORO, Luci Léa Lopes Martins. A obra de António de Alcântara Machado: flashes de
São Paulo SP. 1984. 336 f. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de História.
PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
GERAL
ALVIM, Zuleika M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo: 1870-1920. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
ANDRADE, Mário de. Paulicea desvairada. São Paulo: Casa Mayença, 1922.
______. Lira paulistana (seguida de O carro da miséria). São Paulo: Livraria Martins
Editôra, 1945.
______. Poesias completas. São Paulo: Livraria Martins Editôra, 1955.
______. Amar, verbo intransitivo: idílio. Belo Horizonte e Rio de Janeiro: Villa Rica
Editoras Reunidas, 1995. (Biblioteca de Literatura Brasileira, vol. 2).
ANDRADE, Milton. A alma das ruas (III). Revista Memória - Revista do Departamento
de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano IV, 13, p. 20-25, out. 1991/mar.
1992.
ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia Pau-Brasil/Manifesto Antropófago/O rei da
vela. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Um homem sem profissão: memórias e confissões, sob as ordens de mamãe. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1954.
237
ARANTES, Antônio Augusto (Org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do
patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense e CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, 1984.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Tradução:
Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2003. Título original: Dictionnaire théorique et
critique du cinéma.
BALANDIER, Georges. As encruzilhadas do imaginário. In: ______. O dédalo: para
finalizar o século XX. Tradução de Suzana Martins. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
p. 107-148. Título original: Le dédale.
BANANÉRE, Juó. La divina increnca: reprodução integral da primeira edição de 1915.
São Paulo: Editora 34, 2001.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Título original: La chambre claire.
______. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. 3
a
ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
(Coleção Elos). Título original: Le plaisir du texte.
BAUDELAIRE, Charles. Les fleurs du mal. Paris: GF Flammarion, 1991.
______. As flores do mal. Tradução de Ivan Junqueira. 3
a
ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985. (Poesia de Todos os Tempos). Título original: Les fleurs du mal.
BEIGUELMAN, Giselle. Rondó do tempo presente. Revista Memória - Revista do
Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano VII, 22, p. 46-61,
jul./dez. 1995.
238
BELINKY, Tatiana (Org.). Os melhores contos de Tchékhov. Tradução de Tatiana Belinky.
São Paulo: Círculo do livro, [198-].
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 4
a
ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras
Escolhidas, vol. 1). Título original: Auswahl in drei baenden.
______. Rua de mão única. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos
Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas, vol. 2). Título original:
Einbahnstrasse – Berliner kindheit um neunzehnhundert – Denkbilder.
______. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Tradução de José Carlos
Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. 3
a
ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras
Escolhidas, vol. 3). Título original: Auswahl in drei baenden.
______. A modernidade e os modernos. Tradução de Heindrun Krieger Mendes da Silva,
Arlete de Brito e Tania Jatobá. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. (Coleção Biblioteca
Tempo Universitário, 41). Título original: Das argument, 46, da Argument-Verlag,
1967 e Scriften, da Suhrkamp Verlag, 1955.
______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução de Marcus
Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades e Editora 34, 2002. (Coleção Espírito Crítico).
Título original: Über kinder, jugend und erziehung.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade.
Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. Título original: All that is solid melts into air.
BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter
Benjamin. 2
a
ed. São Paulo: EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
239
BORGES, Jorge Luis. História Universal da Infâmia. Tradução de Flávio José Cardozo. 3
a
ed. Porto Alegre: Globo, 1986. Título original: Historia universal de la infamia.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 4
a
ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
BRADBURY, Malcolm. O mundo moderno: dez grandes escritores. Tradução de Paulo
Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Título original: The modern
world, ten great writers.
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da
pobreza. 4
a
ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Coleção Tudo é História, nº 52)
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Tradução: Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001. Título original: Le città invisibili.
______. Seis propostas para o próximo milênio. Tradução: Ivo Barroso. 3
a
ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003. Título original: Lezioni americane - Sei proposte per il
prossimo millennio.
______. Por que ler os clássicos. Tradução: Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. Título original: Perché leggere i classici.
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação
urbana. Tradução de Cecília Prada. São Paulo: Studio Nobel, 2004. Título original: (sem
indicação).
CENNI, Franco. Italianos no Brasil: “Andiamo in ’Merica...”. 3
a
ed. São Paulo: EDUSP -
Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
240
CENSO DEMOGRÁFICO de de IX de 1940, parte XVII, tomo 2, série regional, São
Paulo, SP.
COSTA JR., Paulo José da. Meu São Paulo?... Nunca mais! São Paulo: Jurídica Brasileira,
2001.
CRUZ, Heloisa de Faria (Org.). São Paulo em revista: catálogo de publicações da imprensa
cultural e de variedade paulistana 1870-1930. São Paulo: Arquivo do Estado, 1997.
(Coleção Memória, Documentação e Pesquisa, nº 4)
CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). O direito à memória: patrimônio histórico e
cidadania. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, SMC - Secretaria Municipal
de Cultura e DPH - Departamento do Patrimônio Histórico, 1992.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Tradução: Antonio Carlos Piquet e Roberto
Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. Título original: Proust et les signes.
______. Lógica do sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo:
Perspectiva e EDUSP - Editora da Universidade de São Paulo, 1974. (Série Estudos, nº 35).
Título original: Logique du sens.
______; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Júlio Castañon
Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1977. (Série Logoteca). Título original: Kafka, pour une
littérature mineure.
DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo: edição comemorativa dos 40 anos de
falecimento de Mário de Andrade. 2
a
ed. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo,
SMC - Secretaria Municipal de Cultura e Hucitec Editora de Humanismo, Ciência e
Tecnologia, 1985.
241
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipologia geral. Tradução de Hélder Godinho. Lisboa: Presença, 1989. (Coleção
Métodos, nº 30). Título original: Les structures anthropologiques de l’ imaginair.
EISENSTEIN, Serguei. Memórias imorais: uma autobiografia. Tradução de Carlos
Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Título original:
Immoral memories: an autobiography.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. 12
a
ed.
São Paulo: Perspectiva, 1995. (Série Estudos, nº 85). Título original: Como se fa una tesi di
laurea.
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920. São Paulo: Difel, 1986.
FREIRE, Cristina. Além dos mapas: os monumentos no imaginário urbano contemporâneo.
São Paulo: Annablume, SESC - Serviço Social do Comércio e FAPESP.
FEIRE, Paulo. Qual é a graça de ser tudo igual? O bom está na diversidade. Revista E
Revista do SESC - Serviço Social do Comércio, São Paulo, ano 10, 3, p. 37-39,
set./2003.
FOOT, Francisco; LEONARDI, Victor. História da indústria e do trabalho no Brasil: das
origens aos anos vinte. São Paulo: Global, 1982. (Teses, nº 6)
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO - FAAP. Da antropofagia a Brasília,
Brasil: 1920-1950. São Paulo, 2002.
Catálogo da exposição realizada no Museu de Arte Brasileira MAB entre de
dezembro de 2002 e 2 de março de 2003.
242
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: os cacos da história. São Paulo: Brasiliense,
1982. (Coleção Encanto Radical, nº 18)
GAMA, Lúcia Helena. Nos bares da vida: produção cultural e sociabilidade em São Paulo:
1940-1950. São Paulo: SENAC - Serviço Nacional do Comércio, 1998.
______. Sociabilidade e produção cultural em São Paulo, uma caminhada pelos vértices e
pela história do triângulo central ao longo de um século: 1840-1940. Revista Cidade -
Revista do DPH - Departamento do Patrimônio Histórico e da SMC - Secretaria Municipal
de Cultura, ano V, nº 5, p. 40-51, jan. 1998.
GATTAI, Zélia. Anarquistas, graças a Deus. 30
a
ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
HAMBURGER, Käte. A lógica da criação literária. Tradução de Margot P. Malnic. 2
a
ed.
São Paulo: Perspectiva, 1986. (Coleção Estudos, 14). Título original: Die logik der
dichtung.
HILLMAN. James. Cidade e alma e Caminhar. In: ______. Cidade e alma. Tradução de
Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg. São Paulo: Studio Nobel, 1993. p. 37-42 e p. 51-57.
(Coleção Cidade Aberta). Título original: (sem indicação).
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Praça Ramos/Viaduto do Chá/Praça do Patriarca. 2
a
ed.
São Paulo, 1996. (Cadernos Cidade de São Paulo, nº 1)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Pátio do Colégio. 2
a
ed. São Paulo, 1994. (Cadernos
Cidade de São Paulo, nº 2)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Largo São Bento/Viaduto Santa Efigênia/Largo Santa
Efigênia. 2
a
ed. São Paulo, 1996. (Cadernos Cidade de São Paulo, nº 3)
243
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Praça da Sé. 2
a
ed. São Paulo, 1994. (Cadernos Cidade
de São Paulo, nº 4)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Largo São Francisco. 2
a
ed. São Paulo, 1996. (Cadernos
Cidade de São Paulo, nº 5)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Largo da Memória. 2
a
ed. São Paulo, 1996. (Cadernos
Cidade de São Paulo, nº 6)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Bairro dos Campos Elíseos. São Paulo, 1995. (Cadernos
Cidade de São Paulo, nº 12)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Praça da República. São Paulo, 1995. (Cadernos Cidade
de São Paulo, nº 13)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Avenida Paulista. 2
a
ed. São Paulo, 1994. (Cadernos
Cidade de São Paulo II, nº 8)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Região da Luz. 2
a
ed. São Paulo, 1995. (Cadernos
Cidade de São Paulo II, nº 9)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Estádios. 2
a
ed. São Paulo, 1994. (Cadernos Cidade de
São Paulo II, nº 10)
INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Região Tiradentes. São Paulo, 1994. (Cadernos Cidade
de São Paulo II, nº 11)
INSTITUTO MOREIRA SALLES. São Paulo de Vincenzo Pastore. São Paulo, 1996.
Catálogo da exposição fotográfica realizada no IMS - Espaço Higienópolis - entre
31 de janeiro de 1996 e 20 de abril de 1997.
244
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. Título original: The death and life of great american cities.
JARDIM, Evandro Carlos et al. São Paulo anos 20: andar, vagar, perder-se. São Paulo:
Melhoramentos, 2004.
KOTHE, Flávio R. Jornalismo e literatura. In: _____. Para ler Benjamin. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves Editora, 1976. p. 81-84. (Série Para Ler)
______ (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. 2
a
ed. São Paulo: Ática, 1991. (Coleção
Grandes Cientistas Sociais, nº 50)
LEBRUN, Gérard et al. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Saudades de São Paulo. Tradução de Paulo Neves. São Paulo:
Companhia das Letras e IMS - Instituto Moreira Salles, 1996.
______. Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. Título original: Tristes tropiques.
MACHADO, Arlindo. Serguei M. Eisenstein: geometria do êxtase. 2
a
ed. São Paulo:
Brasiliense, 1982. (Coleção Encanto Radical, nº 8)
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. Título original: A history of reading.
MARAN, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro:
1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
245
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de
República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: EDUSP Editora da Universidade de São
Paulo, FAPESP e IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001.
MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo antigo, 1554-1910. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
(Coleção São Paulo, vol. 4)
MARZOLA, Nádia. Bela Vista. São Paulo: SMC - Secretaria Municipal de Cultura e DPH -
Departamento do Patrimônio Histórico, 1979. (Coleção Histórias dos Bairros de São Paulo,
vol. 15)
MORAES, Marcos Antonio de (Org.). “Tudo está tão bom, tão gostoso...”: postais a Mário
de Andrade. São Paulo: EDUSP Editora da Universidade de São Paulo e Hucitec
Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia, 1993.
______ (Org.). Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira. 2
a
ed. São Paulo:
EDUSP Editora da Universidade de São Paulo e IEB - Instituto de Estudos Brasileiros,
2001. (Coleção Correspondência de Mário de Andrade, nº 1)
MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. 3
a
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Tradução de Maura Ribeiro
Sardinha. 6
a
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. (O Espírito do Tempo, 1).
Título original: L’ esprit du temps.
______ (com a colaboração de Irene Nahoum). Cultura de massas no século XX: necrose.
Tradução de Agenor Soares Santos. 3
a
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. (O
Espírito do Tempo, nº 2). Título original: L’ esprit du temps.
246
______. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia. Tradução: António-
Pedro Vasconcelos. Lisboa: Relógio D’Água Editores e Grande Plano, 1997. Título
original: Le cinéma ou l’homme imaginaire.
______. Meus demônios. Tradução: Leneide Duarte e Clarisse Meireles. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997. Título original: Mes démons.
______. O método 4. As idéias: habitat, vida, costumes, organização. Tradução de Juremir
Machado da Silva. 2
a
ed. Porto Alegre: Sulina, 2001. Título original: La méthode 4. Les
idées – leur habitat, leur vie, leurs moeurs, leur organisation.
MENDES, Dirce de Paula S. Bonde ou luz? Eis a questão. Revista Memória - Revista do
Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano IV, 13, p. 56-60,
out. 1991/mar. 1992.
PADILHA, Marcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo
dos anos vinte. São Paulo: Recorde, 2004.
PASSOS, Maria Lúcia Perrone de Faro. Apresentação. In: ______ (Coord.). Evolução
Urbana da Cidade de São Paulo: 1872-1945. São Paulo: Departamento de Patrimônio
Histórico da Eletropaulo, 1990. p. 7-16. (Série Bibliografia, vol. 1)
PAZ, Octavio. Claude Lévi-Strauss ou o novo festim de Esopo. Tradução de Sebastião
Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 1993. Título original: Lévi-Strauss o el nuevo festín
de Esopo.
POE, Edgar Allan. Nouvelles histoires extraordinaires. Tradução e prefácio de Charles
Baudelaire. Paris: GF Flammarion, 1965.
247
______. Contos de terror, de mistério e de morte. Tradução de Oscar Mendes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
PONTES, José Alfredo Otero Vidigal; SEGATTO, José Antonio. A cidade da Light (The
city of the Light company): 1899-1930. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico
da Eletropaulo, 1990. (vol. 1)
______; TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: registros, 1899-1940. São Paulo:
Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, 1992.
PRADO JR., Caio. A cidade de São Paulo: geografia e história. 2
a
ed. São Paulo:
Brasiliense, 1998. (Coleção Tudo é História, nº 78)
PRADO, José Maria do. No tempo do cinematógrafo. Revista Memória - Revista do
Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano II, 3, p. 30-34,
abr./jun. 1989.
REZENDE, Antonio Paulo. História do movimento operário no Brasil. São Paulo: Ática,
1990.
RIBEIRO, Suzana Barretto. Italianos do Brás, imagens e memórias: 1920-1930. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
RICARDO, Cassiano. Martim Cererê: o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróes. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1932.
RYBCZYNSKI, Witold. Vida nas cidades: expectativas urbanas no novo mundo. Tradução
de Beatriz Horta. Rio de Janeiro: Record, 1996. Título original: City life: urban
expectations in a new world.
248
SACHS, Sonia (Org.). Vida literária: Mário de Andrade. São Paulo: EDUSP Editora da
Universidade de São Paulo e Hucitec Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia,
1993. (Série Mariodeandradiando)
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira:
da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
SANTAELLA, Lúcia (Org.). Os melhores contos de Edgar Allan Poe. Tradução de José
Paulo Paes. São Paulo: Círculo do livro, 1984.
SÃO PAULO (Estado). Arquivo do Estado de São Paulo e Imprensa Oficial. Memória
Urbana: a Grande São Paulo até 1940. São Paulo, 2001. (vol. 1)
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Cultura e Departamento de Museus e
Arquivos. Virando o vinte, cotidiano, imaginário e política: São Paulo 1870-1910. São
Paulo, 1994.
Catálogo da exposição realizada na Casa das Rosas entre 23 de novembro de 1994 e
22 de janeiro de 1995.
SÃO PAULO (Estado). USP - Universidade de São Paulo e IEB Instituto de Estudos
Brasileiros. Saudades da minha terra: Blaise Cendrars. São Paulo, 1997.
Catálogo da exposição realizada no IEB entre agosto e setembro de 1997 -
exposição de documentos e obras por ocasião do colóquio internacional “Brasil: a
utopialândia de Blaise Cendrars”.
SÃO PAULO (Município). SMC - Secretaria Municipal de Cultura e DPH - Departamento
do Patrimônio Histórico. Paulicéias perdidas. São Paulo, 1991. (Série Registros, vol. 14)
Catálogo da exposição fotográfica realizada no eixo Praça da Sé Largo do
Arouche, durante o ano de 1991.
249
SÃO PAULO (Município). SMC - Secretaria Municipal de Cultura e Centro Cultural São
Paulo. António de Alcântara Machado: literatura como jornalismo. São Paulo, 2002.
Guias da exposição realizada no Centro Cultural São Paulo entre 13 de maio e 14 de
julho de 2002.
SÃO PAULO (Município). SMC - Secretaria Municipal de Cultura e Centro Cultural São
Paulo. Mário de Andrade no Departamento de Cultura: imaginação e rigor. São Paulo,
2003.
Guia da exposição realizada no Centro Cultural São Paulo entre 31 de maio e 17 de
agosto de 2003.
SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o
pensamento. Tradução de Luiz Fernando P. N. Franco. Campinas: Editora da UNICAMP
Universidade de Campinas, 1990. (Coleção Repertórios). Título original: Voleurs de mots.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. 4
a
. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
______. Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SIMÕES, Inimá Ferreira. Salas de cinema em São Paulo. São Paulo: SMC Secretaria
Municipal da Cultura e Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
THEODORO, Janice. Rituais urbanos. Revista Memória - Revista do Departamento de
Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano V, nº 19, p. 44-54, jul./dez. 1993.
TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. 2
a
ed. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1983.
250
______. Anhangabahú. São Paulo: FIESP - Federação das Industrias do Estado de São
Paulo e CIESP - Confederação das Industrias do Estado de São Paulo, 1989.
VÉRAS, Maura Pardini Bicudo. O bairro do Brás em São Paulo: um século de
transformações no espaço urbano ou diferentes versões da segregação social. 1991. 765 f.
Tese (Doutorado em Ciências Sócias) Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
VIANNA, Ilca Oliveira de Almeida. Metodologia do trabalho científico: um enfoque
didático da produção científica. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2001.
WILSON, Edmund. Os anos vinte: extraído dos cadernos e diários. Tradução de Paulo
Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Título original: The twenties,
from notebooks and diaries of the period.
XAVIER, Ismail. D. W. Griffith: o nascimento de um cinema. São Paulo: Brasiliense, 1984.
(Coleção Encanto Radical, nº 59)
ARTIGOS DE REVISTAS E PERIÓDICOS DO PERÍODO ESTUDADO
ANDRADE, Mário. Alcântara Machado. A Manhã, São Paulo, 19 junho 1927. p.
(ilegível).
Artigo saudando a publicação de Brás, Bexiga e Barra Funda.
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Antonio de Alcântara Machado Brás, Bexiga e
Barra Funda Editorial Helio S. Paulo, 1927. O Jornal, Rio de Janeiro, 3 abril 1927.
Vida Literária, p. (ilegível).
251
AMARAL, Rubens do. Folha da Manhã, São Paulo, 21 dezembro 1940. Livros e Idéias, p.
7.
No artigo, sem título, Rubens do Amaral comenta sobre o lançamento de
Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935 pela Livraria José Olympio Editora no ano que
então terminava. Elogia tanto a iniciativa de Sérgio Milliet e Cândido Mota Filho, como as
crônicas selecionadas na coletânea.
BROCA, Brito. Nosso céu tem mais estrelas. A Gazeta, São Paulo, 11 fevereiro 1958. p. 4.
Artigo sobre a necessidade de reeditar o livro Pathé-Baby, no final dos anos
cinqüenta.
CAVALCANTI, Di. Os nossos inquéritos literários - A cidade de S. Paulo e seus
escriptores - Como o “triangulo” é visto por um modernista Fala-nos o Sr. Antonio de
Alcantara Machado. Diário da Noite, São Paulo, 27 junho 1926. p. (ilegível).
Artigo reproduzido no Diário Popular de 18 de junho de 1992.
CAVALCANTI, Valdemar. Antonio de Alcantara Machado: Cavaquinho e saxofone
(solos). Livraria José Olympio, Rio, 1940. Revista do Brasil, São Paulo, ano IV, 32, p.
59-62, fevereiro 1941.
Crítica do livro Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Waldemar Cavalcanti
inicia seu texto reclamando da falta de um estudo minucioso sobre a obra do escritor.
Álvaro Lins é apontado como aquele que teria se comprometido a fazê-lo.
Lamenta a sua morte prematura e fala do trabalho de publicação de Cavaquinho e
Saxofone, obra póstuma organizada por Sergio Milliet e Cândido Mota Filho e publicada
naquele momento. Reforça o esmero e cuidado com que os amigos se empenharam para
não “truncar nem falsear o espírito da obra que António de Alcântara Machado viria talvez
um dia a realizar” (Cavalcanti, 1941, p. 60).
CAVALHEIRO, Edgard. Antônio de Alcântara. Revista Planalto, São Paulo, 7, p.
(ilegível), agosto 1941.
252
O texto reproduz o artigo, registrado anteriormente, escrito em 1940. Edgard
Cavalheiro somente desconsiderou o primeiro parágrafo daquele. Dentre várias observações
sobre a sua vida e obra, o crítico insiste na falta de um estudo definitivo sobre a
personalidade de António de Alcântara Machado.
DAMY, Martin. Pathé-Baby, de Antonio de Alcantara Machado. Jornal do Comércio, São
Paulo, 19 fevereiro 1926. O Espírito dos Livros, p. 3.
Crítica a propósito do lançamento de Pathé-Baby.
______. Brás (sic) Bexiga e Barra Funda de António de Alcântara Machado. Jornal do
Comércio, São Paulo, 6 abril 1927. O Espírito dos Livros, p. 3.
EDITORA ABRIL LTDA; METAL LEVE S.A. Revista de Antropofagia. São Paulo,
1975.
Reedição da revista literária publicada em São Paulo entre 1928 e 1929. Trata-se do
fac-símile da 1
a
“dentição” publicada em avulso e da 2
a
“dentição” publicada como
suplemento do Diário de S. Paulo. Essa reedição é acompanhada por uma introdução de
Augusto de Campos.
GAMA, Stiunirio. Jornal do Comércio, São Paulo, 14 março 1927. Às Segundas, p. 1.
Crítica sem título, a propósito do lançamento de Brás, Bexiga e Barra Funda.
Stiunírio Gama era o pseudônimo de Mário Guastini, crítico literário e diretor do Jornal do
Comércio.
______. Jornal do Comércio, São Paulo, 3 julho 1928. Focalizando, p. 3.
Crítica sem título, a propósito do lançamento de Laranja da China. Mário Guastini,
que assinava como Stiunírio Gama, anagrama de seu nome, evocando episódios da infância
do escritor para reforçar sua relação com os livros e depois apresenta uma pequena
trajetória literária do autor.
253
GRIECO, Agripino. Um viajante de bom humor. Diário da Noite, São Paulo, 7 novembro
1929. p. (ilegível).
Texto que focaliza a terceira viagem do escritor à Europa e seu olhar bem humorado
sobre o velho continente. O autor do artigo relembra que a viagem anterior resultou no livro
Pathé-Baby.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Pathé-Baby. Terra Roxa... e outras terras, São Paulo,
6, p. 3, julho 1926.
Crítica a propósito do lançamento de Pathé-Baby.
MACHADO, António de Alcântara. Abre-Alas. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 1,
ano 1, p. 1, maio 1928.
Os números consultados da Revista de Antropofagia são aqueles agrupados na
edição fac-similar publicada pela Editora Abril e a Metal Leve de São Paulo em 1975.
Registro, em especial, os anúncios dos livros do escritor e de outros modernistas ou não que
escreviam para o periódico. Podemos através da leitura desses anúncios traçar um paralelo
da produção jornalística e literária - os livros que estavam prontos para serem lançados,
aqueles que estavam sendo escritos e aqueles que nunca foram terminados - desses autores.
Neste primeiro número da revista, em sua primeira fase, foi editado o Manifesto
Antropofago” (inicia-se na p. 3 e continua na p. 7), de Oswald de Andrade, acompanhado
de um desenho de Tarsila, cujo nome foi grafado erroneamente: “Tarcila”. O desenho,
datado de 1928, é legendado com a observação: “De um quadro que figurará na sua
próxima exposição de Junho na galeria Percier, em Paris.”. Trata-se de uma reprodução do
famoso Abaporu, ícone do movimento antropofágico. Encontramos neste número (na p. 2)
o anúncio - grafia original: “Estão no Prélo / LARANJA DA CHINA / DE / Antonio de
Alcantara Machado / E / MACUNAIMA / DE / Mario de Andrade”.
Ainda foi editada crítica do escritor sobre uma série de livros de poesias, entre eles,
um de Jorge de Lima, Poemas e Essa negra Fulo, publicada naquele período, intitulada
254
“Seis poetas” (p. 4). Finaliza com uma Nota insistente assinada pelo autor e por Raul
Bopp: “Neste rabinho do seu primeiro numero a ‘Revista de Antropofagia’ faz questão de
repetir o que ficou dito lá no principio:
Ella está acima de quaesquer grupos ou tendencias;
Ella acceita todos os manifestos mas não bota manifesto;
Ella acceita todas as criticas mas não faz critica;
Ella é antropofaga como o avestruz é comilão;
Ella nada tem que ver com os pontos de vista de que por acaso seja vehiculo.
A ‘Revista de Antropofagia’ não tem orientação ou pensamento de especie alguma:
só tem estomago.” (p. 8).
Pode ser considerado prova disso o artigo escrito por Plínio Salgado, “A lingua
tupy” (p. 5-6) que inicia nesse número e continua no seguinte.
______. Incitação aos Canibais. Revista de Antropofagia, São Paulo, 2, p. 1, junho
1928.
Neste número (na p. 2) há novamente um anúncio dos dois livros - grafia original:
ÊSTE MÊS: LARANJA DA CHINA / DE / António de Alcântara Machado / E /
MACUNAÍMA / (HISTÓRIA) / DE / Mario de Andrade”. Na p. 3, encontra-se publicado o
início de Macunaíma, com o título: ENTRADA DE ‘MACUNAÍMA’, Mario de Andrade”,
ilustrado com desenho de Maria Clemencia de Buenos Aires.
Há uma crítica do autor sobre o livro Martim Cererê de Cassiano Ricardo, intitulada
“Um poeta” (p. 4) e finalizando novo recado do escritor e de Raul Bopp, intitulado S. O.
S. (p. 8): “A Revista de Antropofagia já tem para publicar em seus próximos números
nada mais nada menos do que 37 poesias: não possue um único trechinho em prosa.
Ela dirige assim aos novos do Brasil êste radiogama (sic) desesperado:
S. O. S. SOCORRO. ESTAMOS NAUFRAGANDO NO AMAZONAS DA POESIA.
MANDEM URGENTE PROSA SALVADORA.”.
______. Carniça. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 3, p. 1, julho 1928.
255
Neste número foi publicado pela primeira vez o poema “No meio do caminho” de
Carlos Drummond de Andrade (p. 1). Há também o anúncio - grafia original: “Ja sahiu e
custa / 6$000 / o novo livro de / ANTÓNIO DE ALCANTARA MACHADO / LARANJA DA
CHINA / Pedidos para / CAIXA POSTAL / N. 1.269 / São Paulo” (p. 2). Na p. 6
encontramos: “Brevemente: / MACUNAÍMA / (Historia) / de / MARIO DE ANDRADE”.
O escritor faz a crítica de dois livros de poesias e três de prosa, sendo um deles o
seu próprio - Laranja da China. A crítica intitulada “3 poetas e 2 prosadores” encontra-se
na página 4.
______. A Entrada dos Mamalucos. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 4, p. 1, agosto
1928.
Este número igualmente anuncia os livros Macunaíma”, sem o complemento
“História”, e Laranja da China, como nos números 1 e 2, numa única mensagem (na p.
2). A partir desse número encontraremos nas últimas páginas das edições da “Revista”,
desta primeira fase, o anúncio - grafia original: “Assinatura anual / da / REVISTA DE
ANTROPOFAGIA / custa / rs. 5$000 / Pedidos acompanhados de vale postal / para / Caixa
do Correio n. 1269 / São Paulo”. Em nova mensagem de vendas (na p. 4), dentre outros, é
anunciado um livro de Oswald - grafia original: ESTÁ Á VENDA: / Oswald de Andrade
– A estrella de absintho / (romance) – São Paulo”.
Há ainda nova crítica do autor, “Um poeta e um historiador” (p. 4). O historiador,
no caso, trata-se de Luis da Câmara Cascudo e o livro López do Paraguay.
______. Pacto do Dia. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 5, p. 1, setembro 1928.
Repete-se o anúncio (na p. 2) dos livros do escritor e Mário de Andrade como no
número anterior.
Nos comentários de lançamentos editoriais, ele escreve sobre Macunaíma de Mário
de Andrade, crítica intitulada “Um poeta e um prosador” (p. 4).
______. Vaca. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 6, p. 1, outubro 1928.
256
Repete-se o anúncio (na p. 5) dos livros do escritor e Mário de Andrade como no
número anterior, mas acrescido de “contos” após Laranja da China e “história”, após o
título “Macunaíma”.
Em “2 poetas” (p. 4), o escritor faz a crítica de Republica dos Estados Unidos do
Brasil, um livro de Menotti Del Picchia.
______. Concurso de Lactantes. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 7, p. 1, novembro
1928.
Repete-se o anúncio (na p. 2) somente do livro de Mário de Andrade como no
número anterior. Nesta edição encontramos (na p. 1) em letras garrafais o aviso - grafia
original: “SAIBAM QUANTOS / Certifico a pedido verbal de pessoa interessada / que o meu
parente Mario de Andrade é o peor / crítico do mundo mas o melhor poeta dos Estados /
Desunidos do Brasil. De que dou esperança. / JOÃO MIRAMAR”.
A crítica do escritor desse número, intitula-se “2 poetas e 1 prosador” (p. 4).
______. Pescaria. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 8, p. 1, dezembro 1928.
Neste número (na p. 5), entre outros, anuncia-se - grafia original: “A sair
brevemente”, os livros de: ANTÓNIO DE ALCÂNTARA MACHADO LIRA
PAULISTANA (Colecção de mo- / dinhas).” Esta obra, de fato em preparação naquele
momento, nunca foi publicada. E: OSWALD DE ANDRADE SERAFIM PONTE-
GRANDE (romance)”.
O escritor analisa, crítica intitulada “2 ensaistas”, dois livros de ensaios recém
lançados (p. 4), um de Mário de Andrade, Ensaio sobre música brasileira, outro de Paulo
Prado, Retrato do Brasil. Cada qual em sua área, até hoje referências.
______. Chaco. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 9, p. 1, janeiro 1929.
Neste número (na p. 6) anuncia-se, entre outros - grafia original: ALCANTARA
MACHADO O bandeirante na / intimidade (estudo sôbre os inventários / paulistas do
século 17).”. Esta obra, do seu pai, recebeu posteriormente outro nome: Vida e morte do
257
bandeirante, publicada realmente em 1929. Anuncia-se, no mesmo espaço: ANTÓNIO DE
ALCANTARA MACHADO Lira / paulistana (coleção de modinhas).”, que como
registramos, ficou apenas no projeto.
Na crítica desse número, “1 crítico e 1 poeta” (p. 4) focaliza a coletânea de textos de
Tristão de Athayde, Estudos (2
a
série), já citada nesta tese.
______. Ascanio Lopes. Revista de Antropofagia, São Paulo, nº 10, p. 1, fevereiro 1929.
Neste número, o último dessa fase da revista, repete-se o anúncio anterior dos
futuros lançamentos editoriais.
A crítica do escritor intitula-se “4 poetas” (p. 4).
______; MILLIET, Sérgio; BARROS Couto de. A vida de SPAM: órgão de combate,
São Paulo, nº 1, fevereiro 1933.
Trata-se de um pequeno jornal distribuído na festa da Sociedade Paulista de Artistas
Modernos - SPAM. Os artigos não estão assinados, mas há uma observação a lápis, no lado
esquerdo do título, atribuindo os artigos aos três escritores. O jornal é datado do dia 16 de
fevereiro de 1933.
MACHADO, José de Alcantara (sic). Algumas cartas a Mario Guastini. A Manhã, Rio de
Janeiro, 20 fevereiro 1944. Suplemento Literário Vol. VI, p. 110.
São reproduções de uma série de cartas que Alcântara Machado, pai do escritor,
escreveu para seu amigo Mario Guastini, entre 1918 e 1939, de vários lugares, Caxambu,
Paris, São Paulo. Nessa correspondência, ele pede uma série de favores que são
prontamente atendidos pelo amigo, dentre eles, que informe sobre a saúde de seu filho que
ficara doente em uma dessas suas constantes ausências - essa carta é datada de 9 de agosto
de 1926 e foi enviada de Paris.
MENEZES, Raimundo de. Curiosidades biográficas: Antonio de Alcantara Machado. O
Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 dezembro 1946. p. 8.
258
MILLIET, Sérgio. O moderno romance brasileiro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28
novembro 1937. p. 4.
O crítico literário defende o argumento de que o romance regional surge com os
livros de contos e a obra inacabada Mana Maria. Depois, reaparece no romance nordestino
produzido no período e desqualificado por Sérgio Milliet. A concepção paulista e citadina
desse romance é para o crítico o melhor caminho para um possível romance brasileiro,
inexistente até então.
______. Cavaquinho e saxofone (“o sal da heresia”). Revista do Arquivo Municipal de
São Paulo, São Paulo, ano VII, v. LXXVI, p. 41-52, maio 1941.
Sérgio Milliet faz nesse texto uma analise da obra do escritor focando
essencialmente sua relação com o movimento modernista. O artigo será depois completado
com um parágrafo inicial e reproduzido na “Introdução” da edição de Brás, Bexiga e Barra
Funda/Laranja da China de 1944.
______. Cavaquinho e saxofone. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 dezembro 1940. p.
4.
Artigo que reproduz em parte o texto já publicado na Revista do Arquivo Municipal
de São Paulo e relacionado anteriormente. Trata-se de um resumo, adequando-o para o
formato de jornal.
______. Cavaquinho e Saxofone: excertos de um estudo. Revista da Academia Paulista
de Letras, São Paulo, ano IV, v. 13º, nº 13, p. 5-10, 12 março 1941.
Trata-se de uma reprodução parcial do texto publicado na Revista do Arquivo
Municipal de São Paulo e relacionado anteriormente.
RIBEIRO, João. Brás, Bexiga e Barra Funda. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 maio
1927.
259
Crítica reproduzida em RIBEIRO, João. Os Modernos. In: ______. Crítica. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1952. p. 314-316.
S/ass. Pathé-Baby do Antônio de Alcântara Machado Editorial Hélios Limitada, São
Paulo. Correio Paulistano, São Paulo, 25 fevereiro 1926. p. 5.
S/ass. António de Alcântara Machado. A Manhã, Rio de Janeiro, 13 novembro 1944. p.
(ilegível).
S/ass. Pathé-Baby. Jornal do Comércio, São Paulo, 24 fevereiro 1926. p. (ilegível).
S/ass. Pathé-Baby. Jornal do Comércio, São Paulo, 30 março 1926. p. (ilegível).
ARTIGOS DE REVISTAS E PERIÓDICOS SOBRE O PERÍODO ESTUDADO
ANGELO, Ivan. Os setenta anos de “Brás, Bexiga e Barra Funda”: Bixiga, cenário de um
clássico da literatura brasileira. Nosso Bairro, São Paulo, 27 novembro 1997. Disponível
em: http://www.bixiga.com.br/telas/bbb1.htm. Acesso em: 27 agosto 1998.
______. Os setenta anos de “Brás, Bexiga e Barra Funda”: Uma visão elitista dos
imigrantes. Nosso Bairro, São Paulo, 27 novembro 1997. Disponível em:
http://www.bixiga.com.br/telas/bbb2.htm. Acesso em: 27 agosto 1998.
CAVALCANTE, Djalma. António escreveu, nós l(v)emos. Cult Revista Brasileira de
Literatura, São Paulo, ano IV, nº 47, p. 58-61, junho 2001.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”, publicado em
homenagem ao centenário do seu nascimento.
260
D.O. LEITURA. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, ano 19, 5, maio 2001. 50 p.
Edição especial.
Trata-se de uma edição totalmente dedicada ao escritor em comemoração ao
centenário do seu nascimento. Os artigos publicados são - a grafia dos títulos foi atualizada:
“O túmulo na neblina” (p. 8-15), de Mário de Andrade. Texto que compõe o livro em sua
memória já referenciado. Ver: GRIECO, Agrippino et al. Em memória de Antonio de
Alcantara Machado: 25 de maio de 1902 14 de abril de 1935. São Paulo: Elvino Pocai,
1936; “António de Alcântara Machado” (p. 16-23), de Sérgio Milliet. É a reprodução da
Introdução da edição conjunta de Brás, Bexiga e Barra Funda/Laranja da China, de 1944,
já referenciada. Ver: MILLIET, Sérgio. In: MACHADO, António de Alcântara. Brás,
Bexiga e Barra Funda/Laranja da China. São Paulo: Livraria Martins Editôra, 1944. p.
5-19; “Alcântara Machado: testemunha da Imigração” (p. 24-31), de Rubens Ricupero.
Trecho do prefácio de uma edição italiana de Brás, Bexiga e Barra Funda (Notizie di São
Paulo raconti). Milão: Editora All’Insegna del Pesce D’Oro, 1981, já referenciado; “Uma
quase biografia” (p. 32-35), de Djalma Cavalcante; “Fundamentos do teatro brasileiro
moderno” (p. 36-43), de Cecília de Lara. Texto já publicado em O Percevejo: revista de
teatro, crítica e estética do Departamento de Teoria do Teatro do Programa de Pós-
Graduação em Teatro da UNI-Rio, Rio de Janeiro, ano 5, 5, outubro de 1997; “Villa-
Lobos e o Folclore Nacional: por António de Alcântara Machado” (p. 44-47). Entrevista do
compositor ao jornalista, publicada originalmente no Jornal do Comércio em 8 de janeiro
de 1925; “Mana Maria” (p. 48-50), de Jorge Amado. Reprodução de artigo já publicado no
Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, v. 11, 1936.
Acompanha esta edição especial, uma reprodução em edição fac-similar do primeiro
e único ato de uma peça de teatro escrito pelo autor, intitulada “O nortista”, tratava-se da
sua segunda tentativa de incursão pela literatura teatral. O encarte registra que o original
encontra-se na biblioteca de Guita e José Mindlin e não há informações sobre a data precisa
na qual o texto foi escrito. Há no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo, no “Arquivo Antonio de Alcântara Machado”, uma carta de Rodrigo Mello
261
Franco de Andrade, datada de 15 de dezembro de 1931, referindo-se ao texto. O escritor
teria enviado ao seu amigo uma cópia desse “primeiro ato”.
DA REDAÇÃO. Itinerário de um Modernista. Cult Revista Brasileira de Literatura, São
Paulo, ano IV, nº 47, p. 56-57, junho 2001.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”.
FAERMAN, Marcos. A prosa e a bola. Cult Revista Brasileira de Literatura, São Paulo,
ano I, nº 11, p. 46-50, junho 1998.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “Futebol e literatura”.
GIORDANO, Cláudio. Duas cartas de Alcântara Machado a Plínio Barreto. Cult Revista
Brasileira de Literatura, São Paulo, ano IV, nº 47, p. 44, junho 2001.
Trata-se do artigo que compõe a seção da revista Cult, denominada “Memória em
Revista”. Encontra-se no mesmo número que publicou o “Dossiê Cult do referido
número, intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”.
GOTLIB, Nádia Battella. Paisagens paulistanas: um passeio por São Paulo na obra do
contista-cronista-repórter Alcântara Machado. Revista Memória - Revista do
Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo, São Paulo, ano II, 2, p. 35-39,
jan./mar. 1989.
LARA, Cecília de. O rapsodo da imprensa. Cult Revista Brasileira de Literatura, São
Paulo, ano IV, nº 47, p. 52-55, junho 2001.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”.
262
MAURO, Sérgio. Paulicéia italiana. Cult Revista Brasileira de Literatura, São Paulo, ano
I, nº 4, p. 18-20, novembro 1997.
MORAES, Marcos Antonio. Encontro de amizade, Mário de Andrade e Antonio de
Alcântara Machado. D.O. LEITURA, São Paulo, ano 18, nº 3, p. 27-36, março 2000.
PRADA, Cecília. Os irmãos Machado: São Paulo relembra a vida de Antônio de Alcântara
e Brasílio Neto. Problemas Brasileiros, São Paulo, ano XXXIX, 344, p. 30-33,
março/abril 2001.
RODRIGUES. Prosa em quadrinhos. Cult Revista Brasileira de Literatura, São Paulo,
ano IV, nº 47, p. 51, junho 2001.
Trata-se de um trabalho do caricaturista Rodrigues. É a transposição para os
quadrinhos do início do primeiro e único ato escrito da peça “O Nortista”, de António de
Alcântara Machado. Há um texto registrando a preparação pelo mesmo desenhista de uma
edição de Brás, Bexiga e Barra Funda em quadrinhos. Esse trabalho compõe o “Dossiê
Cult do referido número, intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara
Machado”.
RICUPERO, Rubens. Alcântara Machado: testemunha da imigração. Estudos Avançados -
Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 18,
p. (ilegível), 1993. Tradução de Giuliano Macchi.
SALIBA, Elias Thomé. Juó Bananére e o humor ítalo-caipira. Revista Cultura Vozes, São
Paulo, nº 3, p. 53-58, 1992.
______. Um contista moderno, teimoso e imprudente. O Estado de S. Paulo, 25 fevereiro
2001. Caderno 2/Cultura, p. D5.
263
Segundo o historiador, alguns episódios ocorridos na São Paulo dos anos vinte
marcam profundamente a obra do escritor. Suas crônicas seriam uma espécie de “filtro”
desses acontecimentos. Trata-se, principalmente, da Revolução de 24, e dos respectivos
bombardeios que por 29 dias abalaram São Paulo - este episódio, para Saliba, ecoaria na
percepção refinada que ele tinha do “caótico processo de metropolização” da cidade. Além
disso, 1924 foi o ano das brigas, rupturas e dissidências no grupo de modernistas de 22. O
artigo insiste nessa simbiose entre obra e vida. Ainda há depoimentos de amigos sobre o
seu tipo de humor peculiar. Falam de seus ditos pitorescos, de suas blagues, do gosto que
tinha pelas anedotas. Uma visão humorística da vida e da cidade que, segundo o autor do
artigo, constituem “parte intrínseca de todas as suas formas de percepção da realidade.
Humor que capta, nas dobras das anedotas, os desvios e deslocamentos de sentidos.”
(Saliba, 2001, p. D5). Saliba aponta possíveis inspirações recebidas pelo escritor, dentre
elas, a mais evidente, o humor de Pirandello. Inclusive, sobre seu humor visceral há um
depoimento de Sérgio Buarque. E, ao final, o texto discute sobre uma das características
mais caras da sua obra, a idéia de “distanciamento”. Distanciamento que Mário de Andrade
parece ter notado e que talvez seja responsável pela forma “de tratar o absurdo e o humor
não como inerentes ao mundo, mas como resultantes da ruptura dos fios que tecem a trama
social e histórica.” (ibidem, p. D5). Sugere Saliba, sua obra pode “ser lida como um retrato
nervoso embora sempre humano e comovente – da história da cidade” (ibidem, p. D5). O
artigo foi publicado no Caderno 2/Cultura especial, comemorativo do centenário do seu
nascimento.
SEREZA, Haroldo Ceravolo. Alcântara Machado. O Estado de S. Paulo, 25 fevereiro
2001. Caderno 2/Cultura, p. D1.
O artigo, entre outras coisas, destaca o escritor como o melhor cronista da São Paulo
que os imigrantes italianos construíram nos anos 20 e 30. Essa era a mesma visão que outro
modernista, Mário de Andrade, tinha do amigo. O artigo foi publicado no Caderno
2/Cultura especial, comemorativo do centenário do seu nascimento.
264
______. Escritor não quis e não pôde cuidar da própria obra. O Estado de S. Paulo, 25
fevereiro 2001. Caderno 2/Cultura, p. D4.
O artigo está voltado para os trabalhos do pesquisador da sua obra, Djalma
Cavalcante. Além do lançamento da biografia do autor, estaria no “forno” uma seleção de
críticas de contemporâneos do autor. Há comentários sobre o seu cotidiano, seus passeios
pelas ruas da cidade, seu temperamento metódico, informações sobre parte de sua
produção, cujos originais estão depositados no IEB Instituto de Estudos Brasileiros, no
“Arquivo Antonio de Alcântara Machado”, da Universidade de São Paulo e uma crítica
sobre um certo esquecimento de seus textos. O pesquisador aponta como causas desse
esquecimento: o surgimento de uma nova geração de modernistas nos anos 30, a sua
dedicação pela política e um certo descuido pela sua obra literária, além de sua morte
brusca. Lembra da sua importância em outros “ramos” do texto jornalístico, como a crítica
teatral, na qual de fato iniciou sua carreira nas letras.
Há um box com trechos de um texto, intitulado “Não quero morrer na Europa”.
Trata-se de um escrito, sem título, produzido em sua última viagem à Europa, entre 1929 e
1930, editado pela primeira vez um ano após sua morte. Esse texto reaparece no livro de
Luís Toledo Machado, como “Meditatio mortis”. Título concedido pelo crítico literário.
Ver: GRIECO, Agrippino et al. Em memória de Antonio de Alcantara Machado: 25 de
maio de 1902 14 de abril de 1935. São Paulo: Elvino Pocai, 1936. e MACHADO, Luís
Toledo. António de Alcântara Machado e o modernismo. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editôra, 1970. (Coleção Documentos Brasileiros, vol. 146).
O artigo foi publicado no Caderno 2/Cultura especial, comemorativo do centenário
do seu nascimento.
SCHWARTZ, Jorge. Brasil 1920-1950: de la antropofagia a Brasilia. D.O. LEITURA, São
Paulo, ano 19, nº 4, p. 43-50, abril 2001.
SEVCENKO, Nicolau. Futebol, metrópoles e desatinos. Revista da USP Revista da
Universidade de São Paulo, São Paulo, nº 22, p. 30-37, 1994.
265
XAVIER, Valêncio. Cinema escrito. Cult – Revista Brasileira de Literatura, São Paulo, ano
IV, nº 47, p. 62-63, junho 2001.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”.
ZENI, Bruno. Alcântara, inventor de São Paulo. Cult Revista Brasileira de Literatura,
São Paulo, ano IV, nº 47, p. 46-50, junho 2001.
Trata-se de um dos artigos que compõe o “Dossiê Cult do referido número,
intitulado “O centenário do escritor António de Alcântara Machado”.
266
REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS E FILMOGRÁFICAS
DOCUMENTÁRIOS
Segue-se uma relação de filmes que retratam o contexto histórico, personagens,
movimentos artísticos, literários e arquitetônicos do período pesquisado. Esses
documentários ajudam a recriar e reviver o ambiente e atmosfera da cidade de São Paulo e
do Brasil nas primeiras décadas do século passado.
Acaba de chegar ao Brasil... Blaise Cendrars. Direção: Carlos Augusto Calil, SP, 1971.
45min.
Anos 30: entre duas guerras, entre duas artes. Direção: Décio Pignatari, SP, 1989. 15min.
Artes plásticas e arquitetura: os anos 20 (partes I e II) - Palestra do Professor Agnaldo
Farias. Realização: Instituto Cultural Itaú, SP, 1992. 60min. (parte I) e 120min. (parte II).
Belmonte. Direção: Ivo Branco, SP, 1981. 19 min.
Cenas do século. Realização: TV cultura de São Paulo, SP, 1995. Em especial: O
tenentismo (3min46seg); Heitor Villa-Lobos (4min10seg); A revolução de 1930
267
(4min09seg); A revolução constitucionalista de 1932 (4min16seg); Intentona comunista,
integralismo e Estado Novo (3min54seg).
Cem Oswald anos. Direção: Adilson Ruiz, SP, 1990. 57min.
Centenário Lasar Segall. Direção: Denise Vieira Pinto, SP, 1991. 20min.
Leitura de poemas: os anos 20. Realização: Instituto Cultural Itaú, SP, 1992. 120min.
Mário de Andrade. Realização: TV cultura de São Paulo, SP, [199-]. 42min25seg.
Mário... um homem desinfeliz. Direção: Adilson Ruiz, SP, 1993. 26min.
Miramar de Andrade. Realização: TV cultura de São Paulo, SP, 1991. 63min44seg.
Modernismo: os anos 20. Direção: Roberto Moreira, SP, 1992. 18min.
Oswald, um homem de profissão. Direção: Marcia Meirelles, SP, 1990. 25min.
Panorama Histórico Brasileiro: os anos 20 (partes I e II) - Palestra do Professor Renato
Janine Ribeiro. Realização: Instituto Cultural Itaú, SP, 1992. 60min (cada).
Paulo Setúbal: romancista e poeta. Direção: Roberto Moreira, SP, 1993. 15min.
São Paulo antiga, uma encomenda da modernidade. Direção: Adilson Ruiz, SP, 1995.
10min.
Século XX: primeiros tempos. Direção: Fernando Severo, SP, 1993. 15min.
268
Um Mário. Direção: Jorge Luiz Albernaz, Luiz Rezende Filho, Rogério Martins, Marcelo
Gonçalves, Ulisses Ventura e Maurício Dias, [S.1.: s. n.], 1993. 15min.
Viajando pelo Modernismo. Direção: Roberto Moreira, SP, 1993. 17min.
Warchavchik. Direção: Joatan Vilela Berbel, RJ, 1986. 42min.
FILMES DE FICÇÃO
Segue-se uma relação de filmes, longas, médias e curtas-metragens, que foram
produzidos no - ou que retratam o - período pesquisado. Alguns dos filmes foram exibidos
nos cinemas da cidade no início do século passado e é provável que, dentre eles, hajam
filmes que foram assistidos pelo autor. Entretanto, o motivo de listá-los é outro: o
espectador poderá acompanhar nessa seleção a evolução das técnicas narrativas e de
montagem das primeiras quatro décadas do cinema, daí a disposição da relação em ordem
cronológica. Técnicas que, como defendo na pesquisa, influenciaram no seu estilo literário.
Note que mesmo o seu tempo de vida (1901-1935) não é referência para a seleção indicada.
Outras observações: 1 - ficaram de fora vários outros filmes que foram exibidos, alguns
com muito sucesso, no circuito da cidade, no período que este estudo aborda. A lista é
pessoal e indica obras, algumas, cópias raras, que estão conservadas na Cinemateca
Brasileira de São Paulo. 2 – Os filmes que não constam informações sobre “duração” foram
produzidos em longas-metragens.
Viagem à lua - Direção: George Méliès, França, 1902 (curta metragem; silencioso).
A longa casa - Direção: D. W. Griffith, EUA, 1909 (curta; silencioso).
The lonelly villa – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1909 (curta; silencioso).
269
A corner in wheat – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1909 (curta; silencioso).
Uma mulher despeitada - Direção: D. W. Griffith, EUA, 1911 (curta; silencioso).
The lonedale operator – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1911 (curta; silencioso).
The musketeers of pig alley – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1912 (curta; silencioso).
The New York hat – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1913 (curta; silencioso).
Os óculos do vovô - Direção: Francisco Santos, Brasil, 1913 (curta; silencioso).
Intolerância - Direção: D. W. Griffith, EUA, 1915-1916 (silencioso).
O Vagabundo - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1916 (média metragem;
silencioso).
Rua da Paz - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1917 (média; silencioso).
O Imigrante - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1917 (média; silencioso).
O gabinete do Dr. Garigari - Direção: Robert Wienne, Alemanha, 1919 (silencioso).
Exemplo regenerador - Direção: Jose Medina, Brasil, 1919 (curta; silencioso).
Lírio partido – Direção: D. W. Griffith, EUA, 1920 (curta; silencioso).
As filhas de Kohlhiesel - Direção: Ernest Lubitsch, Alemanha, 1920 (silencioso).
O Garoto - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1921 (média; silencioso).
270
A morte cansada - Direção: Fritz Lang, Alemanha, 1921 (silencioso).
Nosferatu, uma sinfonia do horror - Direção: Friedrich Wilhelm Murnau, Alemanha,
1921/22 (silencioso).
Paris adormecida - Direção: René Clair, França, 1923 (média; silencioso).
Cine olho - Direção: Dziga Vertov, URSS, 1924 (curta; silencioso).
Entr’acte - Direção: René Clair, França, 1924 (curta; silencioso).
A greve - Direção: Serguei Eisenstein, URSS, 1924 (silencioso).
O Encouraçado Potenkim - Direção: Serguei Eisenstein, URSS, 1925 (silencioso).
Greed, ouro e maldição - Direção: Erich Von Stroheim, EUA, 1925 (silencioso).
A General – Direção: Buster Keaton e Clyde Bruckman, EUA, 1926 (silencioso).
A mãe - Direção: Vsevolod Pudovkin, URSS, 1926 (silencioso).
Somente as horas - Direção: Alberto Cavalcanti, França, 1926 (média; silencioso).
A filha do advogado - Direção: Jota Soares, Brasil, 1926 (silencioso).
Metrópoles - Direção: Fritz Lang, Alemanha, 1927 (silencioso).
Outubro - Direção: Serguei Eisenstein, URSS, 1927 (silencioso).
271
A pequena Lili - Direção: Alberto Cavalcanti, França, 1927 (média; silencioso).
Thesouro perdido - Direção: Humberto Mauro, Brasil, 1927 (média; silencioso).
Braza dormida - Direção: Humberto Mauro, Brasil, 1928 (silencioso).
A caixa de Pandora - Direção: Georg W. Pabst, Alemanha, 1928/29 (silencioso).
Asfalto - Direção: Joe May, Alemanha, 1928/29 (silencioso).
Um cão andaluz - Direção: Luis Buñuel, França, 1929 (curta; silencioso).
Fragmentos da vida - Direção: Jose Medina, Brasil, 1929 (média; silencioso).
Limite - Direção: Mário Peixoto, Brasil, 1929/30 (silencioso).
O anjo azul - Direção: Josef Von Sternberg, Alemanha, 1930 (silencioso).
M, o vampiro de Dusserdorf - Direção: Fritz Lang, Alemanha, 1931 (silencioso).
A nós, a liberdade - Direção: René Clair, França, 1931 (silencioso).
Scarface, a vergonha de uma nação - Direção: Howard Hawks, EUA, 1932 (silencioso).
Que viva México! - Direção: Serguei Eisenstein, URSS/México, 1932 (silencioso).
Ganga bruta - Direção: Humberto Mauro, Brasil, 1933 (silencioso).
O atalante - Direção: Jean Vigo, França, 1933/34 (silencioso).
272
Aconteceu naquela noite - Direção: Frank Capra, EUA, 1934.
A viúva alegre - Direção: Ernest Lubitsch, EUA, 1934.
Tempos Modernos - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1935 (silencioso).
Flash Gordon - Direção: Foord Beeb, EUA, 1936 (silencioso).
A dama das camélias - Direção: George Cukor, EUA, 1936.
Uma noite na ópera - Direção: Sam Wood, EUA, 1936 (silencioso).
Nasce uma estrela - Direção: Frank Pierson, EUA, 1937.
A grande ilusão - Direção: Jean Renoir, França, 1937.
Do mundo nada se leva - Direção: Frank Capra, EUA, 1938.
Alexander Nevski - Direção: Serguei Eisenstein, URSS, 1938 (silencioso).
Ninotchka - Direção: Ernest Lubitsch, EUA, 1939.
A regra do jogo - Direção: Jean Renoir, França, 1939.
No tempo das diligências - Direção: John Ford, EUA, 1939.
... e o vento levou - Direção: Victor Fleming, EUA, 1939.
Bonequinha de seda - Direção: Gilda de Abreu, Brasil, 1939.
273
O Grande Ditador - Direção: Charles Spencer Chaplin, EUA, 1940 (curta; silencioso).
Até a vista querida - Direção: Edward Dmytryc, EUA, 1940.
Fantasia - Produção: Walt Disney, EUA, 1940.
Cidadão Kane - Direção: Orson Welles, EUA, 1941.
LOCAIS DE PESQUISA
Centro Cultural São Paulo
Biblioteca Sérgio Milliet (coleção geral)
Biblioteca Alfredo Volpi (artes)
Rua Vergueiro, 1000 - Paraíso
Web site: Acesso através do portal da Prefeitura do Município de São Paulo:
www.sp.gov.br
Biblioteca Mário de Andrade
Seção de Obras Raras e Especiais (sala Paulo Prado)
Coleção Geral (sala Herculano de Freitas)
274
Mapoteca
Rua da Consolação, 94 - Centro
Web site: Acesso através do portal da Prefeitura do Município de São Paulo:
www.sp.gov.br
Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo
Bibliotecas Geral e Pós-Graduação
Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes
Web site: Acesso através do portal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:
www.pucsp.br
Instituto de Estudos Brasileiros - IEB
Biblioteca
Arquivo (“Arquivo Antonio de Alcântara Machado”)
Avenida Prof. Mello Moraes, 140 - Travessa 8 - Cidade Universitária
Web site: www.ieb.usp.br
Instituto Itaú Cultural
Banco de Dados Culturais/Informatizado
Videoteca
Avenida Paulista, 149 - Paraíso
Web site: www.itaucultural.org.br
Arquivo do Estado de São Paulo
Hemeroteca
Rua Voluntários da Pátria, 596 - Santana
Web site: www.arquivoestado.sp.gov.br
275
Instituto Moreira Salles
Acervo Documental
Rua Piauí, 844 - Higienópolis
Web site: www.ims.com.br
Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo
Acervo Fotográfico
Periódicos
Rua do Lavapés, 463 – Cambuci
Web site: www.fphesp.org.br
Arquivo Histórico Municipal – Edifício Ramos de Azevedo
Arquivo Histórico Municipal Washington Luís
Departamento do Patrimônio Histórico – Casa da Memória Paulistana
Biblioteca
Praça Coronel Fernando Prestes, 152 – Bom Retiro
Web site: Acesso através do portal da Prefeitura do Município de São Paulo:
www.sp.gov.br
Solar da Marquesa de Santos
Arquivo de Negativos
Rua Roberto Simonsen, 136 - Centro
Web site: Acesso através do portal da Prefeitura do Município de São Paulo:
www.sp.gov.br
Cinemateca Brasileira
Biblioteca
276
Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana
Web site: www.cinemateca.com.br
ANEXO A
Relação das críticas teatrais, e algumas eventuais críticas de espetáculos musicais,
assinadas pelo escritor e publicadas no Jornal do Comércio, de São Paulo, entre 1923 e
1926. Trata-se somente das críticas localizadas durante a pesquisa – em especial no setor de
277
Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo - e digitalizadas para futuras consultas. Há
críticas publicadas em outros exemplares do referido periódico, mas não se encontram
disponibilizadas para consulta. A grafia não foi atualizada.
Dia: 10/janeiro/1923 (1)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre vários espetáculos.
Dia: 13/janeiro/1923 (2)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
“Terra Natal”
Dia: 24/janeiro/1923 (3)
Página: 4 e 5
Secção: “Theatros e Música”
“L’ultima Valtzer” e “Linda Gaby”
Dia: 26/janeiro/1923 (4)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre vários espetáculos, em especial, da “Sociedade de Consertos Symphonicos”.
Dia: 01/fevereiro/1923 (5)
Página: 6
Secção: “Theatros e Música”
“A Jurity”
Dia: 15/fevereiro/1923 (6)
Página: 6
Secção: “Theatros e Música”
“O Amigo da Paz”
Dia: 24/fevereiro/1923 (7)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
“O Pomo da Discordia”
278
Dia: 02/março/1923 (8)
Página: 7
Secção: “Theatros e Música”
“A Vida é Um Sonho”
Dia: 15/março/1923 (9)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
“Casamento Americano”
Dia: 16/março/1923 (10)
Página: 7
Secção: “Theatros e Música”
“La Danze delle Libellule”
Dia: 23/março/1923 (11)
Página: 6
Secção: “Theatros e Música”
“Nossos Papás”
Dia: 03/abril/1923 (12)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
“La Scugnizza”
Dia: 05/abril/1923 (13)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
“Tentação”
Dia: 15/abril/1923 (14)
Página: 6
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre três concertos de H. Villa Lobos.
Dia: 18/abril/1923 (15)
Página: 7
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre outros concertos de H. Villa Lobos.
Dia: 19/abril/1923 (16)
279
Página: 6
Secção: “Theatros e Música”
“1830”
Dia: 21/abril/1923 (17)
Página: 4
Secção: “Theatros e Música”
“La Baiadera”
Dia: 22/abril/1923 (18)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre vários espetáculos, em especial, da “Sociedade de Consertos Symphonicos”.
Dia: 02/maio/1923 (19)
Página: 4
Secção: “Theatros e Música”
“A Inquilina de Botafogo”
Dia: 04/maio/1923 (20)
Página: 7
Secção: “Theatros e Música”
“La Signorina Puck”
Dia: 05/maio/1923 (21)
Página: 3
Secção: “Theatros e Música”
“La Signorina Puck” (continuação)
Dia: 19/maio/1923 (22)
Página: 4
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre vários espetáculos, em especial, o concerto de Jacyra Amorim e Luiz
Figueras.
Dia: 03/junho/1923 (23)
Página: 5
Secção: “Theatros e Música”
Críticas sobre vários espetáculos, em especial, “Cabocla Bonita” e o concerto de Alexandre
Burovsky.
280
07/junho/1923 (24)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Comedienne”
08/junho/1923 (25)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Le Béguin”
10/junho/1923 (26)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Les Demi-Vierges”
12/junho/1923 (27)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Sentiers de la Vertu”
13/junho/1923 (28)
pág. 3
“Theatros e Música”
“L’école des Amants”
15/junho/1923 (29)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Maman Colibri”
16/junho/1923 (30)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Bascule”
17/junho/1923 (31)
pág. 5
“Theatros e Música”
“La Veine”
19/junho/1923 (32)
pág. 5
“Theatros e Música”
“L’autruche”
281
20/junho/1923 (33)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Sapho”
21/junho/1923 (34)
pág. 4
“Theatros e Música”
“L’amant de Coeur”
24/junho/1923 (35)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Le Detour”
27/junho/1923 (36)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Les Maris de le’Otine”
28/junho/1923 (37)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Mr. le Directeur”
29/junho/1923 (38)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Le Prince d’Aurec”
01/julho/1923 (39)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Gioconda”
03/julho/1923 (40)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Rosmunda”
04/julho/1923 (41)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Vena d’Oro
282
05/julho/1923 (42)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Anfissa”
08/julho/1923 (43)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Falena”
10/julho/1923 (44)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Sogno di Un Mattino di Primavera”
11/julho/1923 (45)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Marche Nuptiale”
15/julho/1923 (46)
pág. 3
“Só aos Domingos”
“Um Appello Estapafurdio”
16/julho/1923 (47)
pág. 2
“Theatros e Música”
“L’Aigrette”
17/julho/1923 (48)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Sei Personaggi in Cerca d’Autore”
18/julho/1923 (49)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Maschera e il Volto”
21/julho/1923 (50)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Viena d’Oro”
283
22/julho/1923 (51)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Nemica”
24/julho/1923 (52)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Figlia di Jorio”
25/julho/1923 (53)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Acidalia”
26/julho/1923 (54)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Fuochi d’Artificio”
27/julho/1923 (55)
pág. 3
“Theatros e Música”
“L’Ombra”
01/agosto/1923 (56)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Grande Magico”
02/agosto/1923 (57)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Conde Barão”
03/agosto/1923 (58)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Negócios são Negócios”
04/agosto/1923 (59)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Cama, Mesa e Roupa Lavada”
284
11/agosto/1923 (60)
pág. 4
“Theatros e Música”
“A Vida d’Um Rapaz Gordo”
24/agosto/1923 (61)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Poliche”
30/agosto/1923 (62)
pág. 4
“Theatros e Música”
“L’Aventurier”
31/agosto/1923 (63)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Prise de Berg-Op-Zoon”
01/setembro/1923 (64)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Le Enfant du Miracle”
02/setembro/1923 (65)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Cyrano de Bergerac”
05/setembro/1923 (66)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Arco Iris”
06/setembro/1923 (67)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Possession”
07/setembro/1923 (68)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Le Maitre de Forges”
285
08/setembro/1923 (69)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Madame Sans-Gêne”
13/setembro/1923 (70)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Tierra de Carmen”
26/setembro/1923 (71)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Bonscar”
02/outubro/1923 (72)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Oh! Lá Lá
03/outubro/1923 (73)
pág. 3
“Theatros e Música”
AAM comenta sobre a reabertura do Casino Antarctica com o espetáculo “Music-Hall”.
06/outubro/1923 (74)
pág. 2
“Theatros e Música”
“La Marche a l’ Etoile”
09/outubro/1923 (75)
pág. 4
“Theatros e Música”
“C’est Paris !”
17/outubro/1923 (76)
pág. 3 e 4
“Theatros e Música”
“Aida”
18/outubro/1923 (77)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Thais”
286
19/outubro/1923 (78)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Guilherme Tell”
20/outubro/1923 (79)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Lucia”
21/outubro/1923 (80)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Faust”
23/outubro/1923 (81)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Lohengrin”
24/outubro/1923 (82)
pág. 3
“Theatros e Música”
Não há crítica, AAM reclama que não havia lugares reservados à imprensa no Teatro
Municipal, logo não assistiu ao espetáculo “Electra” e pede desculpas aos leitores.
25/outubro/1923 (83)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Loreley”
26/outubro/1923 (84)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Zuzú
27/outubro/1923 (85)
pág. 2
“Theatros e Música”
“Il Trovatore”
28/outubro/1923 (86)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Louise”
287
30/outubro/1923 (87)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Tristão e Isolda”
01/novembro/1923 (88)
pág. 5
“Theatros e Música”
“I Compagnacci” e “Salomé
02/novembro/1923 (89)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Rigolletto” e “Walkyria”
21/dezembro/1923 (90)
pág. 3
“Theatros e Música”
“A Casa do Tio Pedro”
22/dezembro/1923 (91)
pág. 3
“Theatros e Música”
“No Tempo Antigo”
25/dezembro/1923 (92)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Eva no Ministerio”
28/dezembro/1923 (93)
pág. 4 e 5
“Theatros e Música”
“As Levianas”
29/dezembro/1923 (94)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Una Notte di Dansa”
03/janeiro/1924 (95)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Os Pés Pelas Mãos”
288
04/janeiro/1924 (96)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Secretario de Sua Exa.”
09/janeiro/1924 (97)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Casado Sem Ter Mulher”
11/janeiro/1924 (98)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Moinhos de Vento”
12/janeiro/1924 (99)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Riquette”
16/janeiro/1924 (100)
pág. 4
“Theatros e Música”
“O Tio Salvador”
17/janeiro/1924 (101)
pág. 4
“Theatros e Música”
“As Vinhas do Senhor”
19/janeiro/1924 (102)
pág. 4
“Theatros e Música”
Críticas sobre várias atrações do Casino Antarctica.
25/janeiro/1924 (103)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Quando o Amor Vem”
27/janeiro/1924 (104)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Othello”
289
29/janeiro/1924 (105)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Il Cardinale Lambertini”
30/janeiro/1924 (106)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Pane Altrui”
31/janeiro/1924 (107)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Lorenzaccio”
01/fevereiro/1924 (108)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Morte Civile”
15/fevereiro/1924 (109)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Eterno don Juan”
16/fevereiro/1924 (110)
pág. 3
“Theatros e Música”
Crítica sobre uma atração do Casino Antarctica, o “Café Concerto”.
21/fevereiro/1924 (111)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Horizontes Mais Largos”, artigo sobre um episódio envolvendo o ator Procópio Ferreira.
Artigo assinado com o pseudônimo de S.S. de S.
24/fevereiro/1924 (112)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Si”
02/maio/1924 (113)
pág. 3
“Theatros e Música”
290
“A Princeza das Czardas”
09/maio/1924 (114)
pág. 3
“Theatros e Música”
Crítica sobre a estréia da Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
10/maio/1924 (115)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre a Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
11/maio/1924 (116)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre a Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
14/maio/1924 (117)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Scugnizza”
16/maio/1924 (118)
pág. 3
“Theatros e Música”
Crítica sobre a Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
18/maio/1924 (119)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre a Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
20/maio/1924 (120)
pág. 2
“Theatros e Música”
Crítica sobre a Cia. de Bailados Russos no Teatro Municipal.
24/maio/1924 (121)
pág. 3
“Theatros e Música”
“A Hora de Stambul”
28/maio/1924 (122)
pág. 3
“Theatros e Música”
291
“Frasquita”
10/junho/1924 (123)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Eva”
Crítica assinada somente como A.
11/junho/1924 (124)
pág. 3
“Theatros e Música”
“La Casa delle Tre Ragazze”
13/junho/1924 (125)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Sempre Vence a Mulher”
14/junho/1924 (126)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Casta Diva”
18/junho/1924 (127)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Graças a Deus!”
25/junho/1924 (128)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Lohengrin”
26/junho/1924 (129)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Aida”
27/junho/1924 (130)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Bohême” (sic)
28/junho/1924 (131)
pág. 4
292
“Theatros e Música”
“Il Trovatore”
29/junho/1924 (132)
pág. 5
“Só aos Domingos”
“Sarah e Eleonora”
Crítica sobre as atrizes Sarah Bernhardt e Eleonora Duse.
01/julho/1924 (133)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Mme Butterfly”
02/julho/1924 (134)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Gioconda”
03/julho/1924 (135)
pág. 2
“Theatros e Música”
“Bohême”
05/julho/1924 (136)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Carmen”
16/agosto/1924 (137)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Inimigo das Mulheres”
23/agosto/1924 (138)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Para Evitar Queixumes”. Uma crítica sobre a Cia. Lyrica Italiana que estreou no Rio de
Janeiro. AAM pede que o espetáculo venha completo para São Paulo.
Crítica assinada com o pseudônimo de S.S. de S.
24/agosto/1924 (139)
pág. 4
“Theatros e Música”
293
Artigo sobre uma crítica de S.S. de S. a respeito da decadência do teatro português. AAM
diz concordar com os argumentos de S.S. de S., ou seja, ele mesmo.
29/agosto/1924 (140)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Não Fosse Elle Tenor”. Crítica sobre um episódio envolvendo o tenor da Cia. Lyrica
Italiana que se apresentava no Rio de Janeiro.
30/agosto/1924 (141)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre um concerto de Magdalena Tagliaferro.
31/agosto/1924 (142)
pág. 4
“Theatros e Música”
“O Theatro na Academia”. Crítica sobre o fato da Academia Brasileira de Letras ter elegido
um homem de teatro para uma de suas cadeiras, o paulista Claudio de Souza.
07/setembro/1924 (143)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre a estréia da Cia. Velasco de teatro
10/setembro/1924 (144)
pág. 3
“Theatros e Música”
“O Micróbio do Amor”
12/setembro/1924 (145)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Mil Espetaculos”. Crítica sobre o espetáculo número mil do Theatro Santana.
13/setembro/1924 (146)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Monteria”
16/setembro/1924 (147)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Arco Iris”
294
18/setembro/1924 (148)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Leyenda del Beso”
23/setembro/1924 (149)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Boris Godunow”
24/setembro/1924 (150)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Quem Não Chora....”. Crítica sobre a necessidade dos teatros terem uma sala especial para
os críticos. AAM reclama que o Theatro Municipal e o Sant’Anna não têm.
25/setembro/1924 (151)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Traviata”
26/setembro/1924 (152)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Boheme” (sic)
27/setembro/1924 (153)
pág. 4
“Theatros e Música”
“O Contratador de Diamantes”
28/setembro/1924 (154)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Uma Injustiça”. Crítica sobre a atual Temporada Lyrica do Municipal não receber os
espetáculos completos, como exibidos em Buenos Aires e no Rio de Janeiro.
Crítica assinada como S.S. de S.
29/setembro/1924 (155)
pág. 2
“Theatros e Música”
Crítica sem assinatura, mas pela referência à anterior, do dia 28 de setembro, deduzo ser do
escritor. AAA retoma a discussão das companhias líricas não virem completas para São
Paulo.
295
30/setembro/1924 (156)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Rectificando”. Ainda sobre a polêmica apontada na crítica anterior e “Carmen” sobre o
espetáculo de mesmo nome.
01/outubro/1924 (157)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Madame Butterfly”
03/outubro/1924 (158)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Mefistofeles”
04/outubro/1924 (159)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Andrea Chenier”
09/outubro/1924 (160)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Um Homem Encantador”
Crítica assinada como S.S. de S.
10/outubro/1924 (161)
pág. 4
“Theatros e Música”
“A Injustiça da Lei”
14/outubro/1924 (162)
pág. “4”
“Theatros e Música”
“O Grande Amor”
15/outubro/1924 (163)
pág. 5
“Theatros e Música”
“Que Volte a Seu Posto!”. Crítica reclamando da retirada do microfone do palco do Theatro
Municipal.
Crítica assinada como S.S. de S.
26/outubro/1924 (164)
296
pág. 4
“Theatros e Música”
“Mascotte”
28/outubro/1924 (165)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Madame”
29/outubro/1924 (166)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Les Cloches de Corneville”
30/outubro/1924 (167)
pág. 4
“Theatros e Música”
Crítica sobre a estréia da Cia. de Bailado Maria Olenewa.
01/novembro/1924 (168)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Bailados Pela Cia. Olenewa”
02/novembro/1924 (169)
pág. 4
“Theatros e Música”
“La Belle Helena”
04/novembro/1924 (170)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Bailados Pela Cia. Olenewa”
05/novembro/1924 (171)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Scugnizza”
07/novembro/1924 (172)
pág. 4
“Theatros e Música”
Uma entrevista-depoimento de Maria Olenewa no salão do Esplanada e uma crítica do
espetáculo “Mne Pompadour”.
297
13/novembro/1924 (173)
pág. 3 e 4
“Theatros e Música”
“O Sapo e a Estrella”
15/novembro/1924 (174)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Si”
19/novembro/1924 (175)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Straccinaria”
21/novembro/1924 (176)
pág. 4
“Theatros e Música”
“O Coração Manda”
27/novembro/1924 (177)
pág. 3
“Theatros e Música”
“A Presidente”
29/novembro/1924 (178)
pág. 2
“Theatros e Música”
“La Danza delle Libellulas”
30/novembro/1924 (179)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Não Fazem Falta”. Crítica sobre o desaparecimento de textos originais brasileiros no
repertório das companhias de comédias nacionais.
Crítica assinada como S.S. de S.
06/dezembro/1924 (180)
pág. 3
“Theatros e Música”
“A Abelha de Ouro”
10/dezembro/1924 (181)
pág. 3
“Theatros e Música”
298
“Vespeiro”. Crítica ou crônica? Exemplo da inovação de seu estilo que depois será
observado em textos de outra natureza. Provavelmente o texto refere-se ao espetáculo da
crítica anterior.
12/dezembro/1924 (182)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Fado Corrido”
19/dezembro/1924 (183)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Piparote”
24/dezembro/1924 (184)
pág. 4
“Theatros e Música”
“El Comediante” e “La Eloquencia del Silencio”
25/dezembro/1924 (185)
pág. 6
“Theatros e Música”
“Congratulações”. Crítica assinada por S.S. de S. que manda parabéns para AAM por sua
crítica que foi alvo de reclamações pela forma com a qual grafou o nome de um espetáculo
de revista do teatro português, ou seja, “Fado Corrido”.
27/dezembro/1924 (186)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Wu-Li-Chang”, “La Mala Ley” e “La Cena de Los Cardenales”
28/dezembro/1924 (187)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Ernesto Vilches”. Crítica sobre esse ator de teatro.
30/dezembro/1924 (188)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Lady Frederick”
31/dezembro/1924 (189)
pág. 2 e 3
“Theatros e Música”
“Dolly”
299
02/janeiro/1925 (190)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Um Appello”. Crítica assinada como João do Ringue, depois se segue uma pequena nota
assinada como A. de A.M.
03/janeiro/1925 (191)
pág. 4
“Theatros e Música”
“A Casa das Tres Meninas”
04/janeiro/1925 (192)
pág. 4
“Theatros e Música”
“O Principe d. Juan”
13/janeiro/1925 (193)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Papá Lebonnard”
15/janeiro/1925 (194)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Alma Forte”
24/janeiro/1925 (195)
pág. 4
“Theatros e Música”
“A Ventoinha”
30/janeiro/1925 (196)
pág. 4
“Theatros e Música”
“As Mulheres Não Querem Almas”
04/fevereiro/1925 (197)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Um Caso de Policia”. Crítica sobre o fato das companhias brasileiras de teatro estarem se
dissolvendo.
Crítica assinada como S.S. de S.
10/fevereiro/1925 (198)
300
pág. 4
“Theatros e Música”
“Ré Mysteriosa”
13/fevereiro/1925 (199)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Alegria Grammatical”. Crítica sobre o fato do Theatro Royal fixar o cartaz de uma peça
registrando o nome do espetáculo com uma crase inexistente.
Crítica assinada como S.S. de S.
14/fevereiro/1925 (200)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Si”
19/fevereiro/1925 (201)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Heitor Villa Lobos”. Crítica sobre a obra e um recital recente de H. Villa-Lobos.
26/fevereiro/1925 (202)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Desgraçado Theatro”. Crítica sobre o fato de alguns empresários brasileiros preferirem a
montagem de comédias mais palatáveis, em detrimento de dramas ou outros tipos de
montagens.
Crítica assinada como S.S. de S.
13/novembro/1925 (203)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Ideal Prohibido”
Retornam as críticas dos espetáculos assinadas como António de A. M., após a sua viagem
para Europa, que resultará no seu primeiro livro Pathé-Baby.
15/novembro/1925 (204)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Appello e Protesto”. Crítica sobre a possibilidade do recém inaugurado Theatro Santa
Helena se transformar num cinema, “ameaça” que pairava sobre outros teatros da cidade.
Crítica assinada como Antonio de A. M.
22/novembro/1925 (205)
pág. 7
301
“Theatros e Música”
“Bidú Sayão”. Entrevista-depoimento com a cantora Bidú Sayão, assinada por S.S. de S.
26/novembro/1925 (206)
pág. 2
“Theatros e Música”
“Das Extemporale”
28/novembro/1925 (207)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Dr. João André”. Assinadas como António de A. M.
29/novembro/1925 (208)
pág. 8
“Theatros e Música”
Crítica sobre o espetáculo da “Sociedade de Concertos Symphonicos”, assinada como
Antonio de A.M. e crítica intitulada “Ninon Vallin” sobre a cantora de mesmo nome
assinada por Sotocles (sic) S. da S.
02/dezembro/1925 (209)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Variedades no Santa Helena”. Crítica sobre aspectos interessantes dos espetáculos de
Café-Concertos.
05/dezembro/1925 (210)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Partida Para Cythera”
10/dezembro/1925 (211)
pág. 3
“Theatros e Música”
“A Melhor Aventura”
17/dezembro/1925 (212)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Scugnizza”
18/dezembro/1925 (213)
pág. 3
“Theatros e Música”
“As Nossas Mulheres”
302
19/dezembro/1925 (214)
pág. 2
“Theatros e Música”
“Comidas, Meu Santo!”
22/dezembro/1925 (215)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Violão e Jazz-Band”
01/abril/1926 (216)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Um Congresso de Criticos”. Crítica sobre um congresso de críticos dramáticos que
aconteceria em maio de 1926, em Paris.
04/abril/1926 (217)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Seu Criado Mathias”
08/abril/1926 (218)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Scugnizza”
09/abril/1926 (219)
pág. 3
“Theatros e Música”
“André Picard”. Crítica sobre a morte do dramaturgo francês.
13/abril/1926 (220)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Doña Francisquita”
14/abril/1926 (221)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Paganini”
16/abril/1926 (222)
pág. 4
“Theatros e Música”
303
“A Geisha”
24/abril/1926 (223)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Les Molinos de Viento” e “El Barbero de Sevilla”
15/maio/1926 (224)
pág. 4
“Theatros e Música”
“A Europa Vai se Curvar”. Crítica sobre uma companhia brasileira que se preparava para
uma excursão à Europa. AAM ironiza o fato dessa companhia não estar preparada para
enfrentar os palcos da França, logo, para o crítico as platéias da Europa se curvariam para
pegarem pedras no chão.
19/maio/1926 (225)
pág. 3
“Theatros e Música”
“´Il Vulcano´ Marinetti e Vaia”. Crítica sobre um espetáculo de Marinetti em Roma que
fora muito vaiado. AAM anuncia que o poeta virá a São Paulo brevemente.
21/maio/1926 (226)
pág. 3
“Theatros e Música”
“Sugestão Muito Séria”. Crítica sobre o fato do teatro Odeon de Paris ter aberto suas portas
para os espetáculos de revista.
01/junho/1926 (227)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Bonito Papel”. Crítica sobre a ridícula participação do Brasil no já referido congresso de
críticos de teatro em Paris, o Brasil teria mandado um funcionário da embaixada.
02/julho/1926 (228)
pág. 4
“Theatros e Música”
“Rejuvenescimento”. Crítica sobre a publicação de um livro de Emile Fabre que trata da
renovação da Comédia Francesa.
ANEXO B
304
Relação das críticas literárias, crônicas e contos do escritor publicados no Jornal do
Comércio, de São Paulo, entre 1921 e 1927. Trata-se somente do material localizado
durante a pesquisa, em especial no setor de Hemeroteca do Arquivo do Estado de São
Paulo, e digitalizado para futuras consultas. Há críticas, crônicas e contos publicados em
outros exemplares do referido periódico, mas não se encontram disponibilizados para
consulta. A grafia não foi atualizada.
Há referências a um artigo que teria sido escrito, anterior a crítica do livro Vultos e
Livros, sobre Chabi Pinheiro publicado no jornal O Norte, da cidade de Taubaté, em 13 de
fevereiro de 1921, mas que até o momento não foi encontrado pelos pesquisadores de sua
obra.
Dia: 19/setembro/1921 (1)
Página: 4
Secção: fora de secção.
Título da crítica ou crônica ou conto. E observações sobre o texto.
“Vultos e Livros”. Trata-se do primeiro texto de AAM publicado num jornal de grande
circulação.
30/setembro/1923 (2)
pág. 3
“Só aos Domingos”
Artigo sobre o poeta Paulo Eiró.
29/junho/1924 (3)
pág. 5
“Só aos Domingos”
Artigo sobre a atriz Sarah Bernhardt. Aparece o elemento gráfico criado para acompanhar
os seus textos quando publicados nessa seção.
21/setembro/1924 (4)
pág. 3
“Só aos Domingos”
“Cyrillo”. Primeiro texto, composto num misto de crônica e conto, versa sobre a morte de
um palhaço.
305
26/outubro/1924 (5)
pág. 5
“Só aos Domingos”
Outro texto híbrido, uma mistura de crítica e crônica, intitulado “Virgens Loucas”. Sobre
um escrito do dramaturgo Henry Bataille, “La vierge folle”. Há referência ao cinema e
trata-se de um texto que remete aos cortes cinematográficos, recurso depois largamente
explorado em seus futuros contos.
25/janeiro/1925 (6)
pág. 5
“Só aos Domingos”
“Gaetaninho”. Conto que mais tarde irá compor seu segundo livro Brás, Bexiga e Barra
Funda, aparece aqui com ilustração de Ferrignac.
01/março/1925 (7)
pág. 5
“Só aos Domingos”
“Carmela”. Conto que mais tarde irá compor seu segundo livro Brás, Bexiga e Barra
Funda, aparece aqui com ilustração de Ferrignac.
08/março/1925 (8)
pág. 5
“Só aos Domingos”
“Lisetta”. Conto que mais tarde irá compor seu segundo livro Brás, Bexiga e Barra Funda.
29/abril/1925 (9)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Recife” (I). Registrada como escrita em março/1925.
03/maio/1925 (10)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Las Palmas” (II). Registrada como escrita em abril/1925.
12/maio/1925 (11)
pág. 3 e 4
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Lisboa” (III). Registrada como escrita em abril/1925.
03/junho/1925 (12)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Normandia” (IV). Registrada como escrita em abril/1925.
306
17/junho/1925 (13)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Paris” (V – 1
a
parte). Registrada como escrita em abril/1925.
23/junho/1925 (14)
pág. 4
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Paris” (V – 2
a
parte). Registrada como escrita em maio/1925.
19/julho/1925 (15)
pág. 4
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “De Paris a Dives=Sur=Mer” (VI). Registrada como escrita em
maio/1925.
02/agosto/1925 (16)
pág. 4
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Milão” (VII). Registrada como escrita em junho/1925.
09/agosto/1925 (17)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Nápoles” (VIII). Registrada como escrita em junho/1925.
20/setembro/1925 (18)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Veneza” (X). Registrada como escrita em junho/1925.
04/outubro/1925 (19)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes – “Florença” (XII). Registrada como escrita em junho/1925.
15/novembro/1925 (20)
pág. 3
“Pathé-Baby”
Panoramas Internacionaes “Bologna, Pisa, Lucca, Siena” (XIII). Registrada como escrita
somente em 1925.
22/novembro/1925 (21)
pág. 4
“Pathé-Baby”
307
Panoramas Internacionaes “Barcelona” (XIV). Registrada como escrita em
setembro/1925.
24/maio/1926 (22)
pág. 2
Fora de secção.
“Escute, Marinetti”.
03/julho/1926 (23)
pág. 4
“Notas de Arte”.
Crítica sobre a exposição de Tarsila do Amaral em Paris, assinada somente por “A”.
04/setembro/1926 (24)
pág. 3
Crônica de estréia da secção “Saxofone”. Espaço que ocupará todos os sábados.
“Voltolino”. Trata-se de uma homenagem ao caricaturista falecido recentemente.
11/setembro/1926 (25)
pág. 3
“Saxofone”
“Caliope Tropical”. Crônica sobre a mania de eloqüência do brasileiro. Reproduzida em
Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra,
1940. p. 112-119.
18/setembro/1926 (26)
pág. 3
“Saxofone”
“Guaranys Viajados”. Crônica sobre a dependência espiritual do Brasil em relação à
Europa, e como o brasileiro fica embasbacado com tudo que vê no velho continente. Texto
sempre atual. Reproduzida em Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editôra, 1940. p. 137-143.
25/setembro/1926 (27)
pág. 3
“Saxofone”
“Estética Suburbana”. Crônica sobre a feiúra da cidade de São Paulo.
25/dezembro/1926 (28)
pág. 3
“Conto de Natal”. Crônica sobre a tentativa de determinados pais enganarem o filho com
um presente que não é o desejado pela criança. É uma crônica/conto que será depois
308
retrabalhada e transformada em um dos contos de seu terceiro livro Laranja da China,
intitulado O Inteligente Cícero (Menino Cícero José Melo de Sá Ramos).
08/janeiro/1927 (29)
pág. 3
Crônica da secção “Cavaquinho”. Houve a troca do nome da seção por um instrumento
mais brasileiro.
“Mysterio de Fim de Ano”. Crônica sobre os visitantes do interior que vêm para a cidade de
SP no final do ano realizar as compras natalinas. É uma crônica/conto que será depois
retrabalhada e transformada em um dos contos de seu terceiro livro Laranja da China,
intitulado O Ingênuo Dagoberto (Seu Dagoberto Piedade). Reproduzida em Cavaquinho e
Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1940. p.
46-52.
15/janeiro/1927 (30)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Sólo Romântico”. Crônica sobre as comemorações, em 1927, do centenário do
Romantismo, enquanto movimento artístico. Reproduzida em Cavaquinho e Saxofone
(solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1940. p. 356-363.
22/janeiro/1927 (31)
pág. 3
“Cavaquinho”
“A Ceia dos Não Convidados (Peça Em Um Átimo)”. Crônica sobre um diálogo imaginário
entre D. João VI e a Marquesa de Santos.
05/fevereiro/1927 (32)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Sólo Genioso Sobre Sólo Genial”. Crônica sobre a facilidade do brasileiro em distribuir
adjetivos. Também reproduzida em Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1940. p. 92-98.
12/fevereiro/1927 (33)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Variações Sobre Um Centenário”. Crônica sobre a imprensa nacional, em particular a
paulista. Atualíssima.
19/fevereiro/1927 (34)
pág. 3
309
“Cavaquinho”
“Está Na Hora”. Crônica sobre o carnaval e sua relação com a política do período.
Reproduzida em Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editôra, 1940. p. 120-126.
26/fevereiro/1927 (35)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Conto de Carnaval”. Crônica sobre a aflição de um pai em permitir que seus filhos
brinquem o carnaval. É uma crônica/conto que será depois retrabalhada e transformada em
um dos contos de Laranja da China, intitulado O Mártir Jesus (Seu Crispiniano B. de
Jesus).
05/março/1927 (36)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Amnesia”. Crônica sobre a falta de livros de memórias ou sobre a vida dos nossos
escritores.
12/março/1927 (37)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Pela Guryzada”. Crônica sobre a falta das revistas infantis para os meninos da época. O
autor lembra de como elas foram importantes para sua infância. Na mesma página há um
anúncio do livro Brás, Bexiga e Barra Funda.
19/março/1927 (38)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Solo Calçado”. Crônica sobre o vestuário brasileiro, em especial o calçado, e sua relação
com as tendências físicas, psicológicas e intelectuais do nosso povo. Reproduzida em
Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra,
1940. p. 99-104.
26/março/1927 (39)
pág. 3
“Cavaquinho”
“Indifferença e Cia., Illtda”. Crônica sobre a falta de informação e indiferença do brasileiro
sobre tudo o que acontece no estrangeiro, em especial na literatura.
02/abril/1927 (40)
pág. 3
“Cavaquinho”
310
“Filiação Impossível”. Crônica sobre a incompreensão entre os velhos e os novos escritores
brasileiros. Para AAM, a literatura nacional passou do Parnasianismo e do Romantismo
direto para o Modernismo ser ter vivido uma fase de transição. Reproduzida em
Cavaquinho e Saxofone (solos): 1926/1935. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra,
1940. p. 310-315.
ANEXO C
A reedição da Revista de Antropofagia publicada em São Paulo, entre 1928 e
1929, foi patrocinada pela Metal Leve S.A e editada pela Editora Abril Ltda em 1975.
Trata-se do fac-símile da 1
a
“dentição” publicada originalmente em dez números avulsos,
entre maio de 1928 e fevereiro de 1929, e da 2
a
“dentição” publicada como suplemento do
Diário de S. Paulo, entre março e agosto de 1929. Segue-se uma sinopse dos exemplares
publicados nessa segunda fase da Revista:
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 17/
março/1929 (domingo), p. 6 - a indicação refere-se à página do jornal, e não à da
revista, pois o periódico, como já registrado, virou suplemento de única página.
Após o título: “revista de antropofagia” - na horizontal, no meio da página -, segue-
se, entre parênteses: “orgão do clube de Antropofagia” - esse título e subtítulo
permanecem até o número 4 -, como a indicação do número e da “dentição”. Há
neste número a seguinte informação sobre o expediente do periódico - informação
reproduzida até o número 5: “expediente / da / revista de antropofa- / gia / (2.
a
Dentição). / açougueiro: Geraldo / Ferraz / correspondencia: / caixa postal, 1269”.
Este número é ilustrado com um desenho de Tarsila do Amaral. Entre diversos
artigos, há um anunciando a presença do poeta surrealista Benjamin Péret, em São
311
Paulo. Encontra-se publicado um poema de Oswald de Andrade, “Sol”, e outro de
Jorge de Lima, “Santa Rira Durão” dedicado a Oswald e Raul Bopp.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 24/
março/1929 (domingo), não há indicação do número da página. Título e subtítulo
aparecem agora na vertical e dessa forma permanecem somente até o número
seguinte.
Neste número é publicado um fragmento do poema de Raul Bopp, “Macapá, ou
seja, um “Pedaço da ‘Cobra Norato’”. O número é ilustrado com um desenho de
Patrícia Galvão, a Pagú. Entre diversos artigos, há um elogiando a conferência de
Péret.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 31/
março/1929 (domingo), p. 6.
Este número é ilustrado com um desenho de Di Cavalcanti. Há um poema de
Oswald, “Meditação no horto” e um artigo de Mário de Andrade intitulado
“Religião brasileira”, fragmento de Turista aprendiz.
Entre diversos artigos, há um descrevendo como foi o almoço do “Clube da
Antropofagia”, cujo prato principal foi Abelardo Pinto, o Piolin, no dia do seu
aniversário. Trata-se de uma confraternização entre os antropófagos e o famoso
palhaço cultuado pelos modernistas realizada na Praça do Patriarca, onde Piolin
costumava se apresentar.
Neste número, aparece pela primeira vez - registrados no “editorial” da revista
denominado “Ortodoxia” - os ataques direcionados a Tristão de Athayde, Mário de
Andrade, António de Alcântara Machado e Graça Aranha. Parte desses ataques
foram reproduzidos no capítulo “Intimidades”, subcapítulo “Correspondências e
correspondentes” desta tese. Assina o editorial “Freuderico”, mas certamente trata-
se de Oswald. Essas críticas de tom sarcástico continuaram mais ou menos veladas
até o final da publicação da Revista.
312
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 07/
abril/1929 (domingo), não há indicação do número da página. Título e subtítulo
voltam a aparecer na horizontal, mas agora encabeçando a página e dessa forma
permanecerão até o final da publicação. No expediente continua o nome de Geraldo
Ferraz para o envio de correspondências, mas desaparece a indicação: “açougueiro”.
Este número publica um poema de Raul Bopp, “Putirum”, outro fragmento de
Cobra Norato e de Benjamin Péret, “Le bom vieux temps”, com a observação
“Especial pra nós”.
No número, os ataques de Oswald a Mário e ao autor se concentram nas notas
“Reportagem sensacional” e “Nós... pelas costas, ou nós... cégos”.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 14/
abril/1929 (domingo), p. 6. Após o título “revista de antropofagia”, não há mais
subtítulo ou qualquer outra informação, como até então. A nova forma de
apresentação será mantida até o número oito. O box dedicado ao expediente da
revista mudou: “expediente / da / revista de antropofagia / (orgão da antropofagia /
brasileira de letras).”. Mais abaixo se lê: “correspondencia / para / GERALDO
FERRAZ / caixa postal, 1269”.
Os ataques de Oswald continuam num pequeno artigo intitulado “Os tres
sargentos”, mas agora são extensivos a Yan de Almeida Prado, a quem havia
elogiado no terceiro número dessa fase da Revista. Há ainda críticas indiretas ao
autor no “editorial” intitulado “A proposito do teatro sem nome entrevista de
Álvaro Moreyra”.
Nesse número foi publicado um poema de Raul Bopp, “Yperungaua”.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 24/
abril/1929 (quarta-feira), p. 10. Neste número desaparece o nome de Geraldo Ferraz
do expediente da Revista.
Este número é ilustrado com um desenho de Tarsila, uma variação do seu quadro “A
Negra”. Continuam os ataques principalmente a Mário, mas também ao autor,
313
Ronald de Carvalho, Guilherme de Almeida e outros em artigo intitulado
“Moquem” e em nota intitulada “Não perdem por esperar”. Ambos textos assinados
por pseudônimos.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 01/
maio/1929 (quarta-feira), p. 12. No expediente aparece a informação que o “director
do “mez” da Revista é Adour - trata-se de Jayme Adour da Camara. Retorna nesse
espaço o nome de Geraldo Ferraz para o envio de correspondência, e a indicação:
“açougueiro”, que permanecerá até o número nove, desaparecerá, e retornará no
número treze. No número quatorze, o nome de Geraldo Ferraz estará indicado como
“secretário de redação”. No quinze, retorna como “açougueiro”. No dezesseis e
último número da publicação, aparece como “organizador”.
Neste número os ataques de Oswald se concentram nos artigos “Resposta aos
anjinhos” e “A ciencia do Toninho”, ou seja, o autor.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 08/
maio/1929 (quarta-feira), p. 12. Agora, logo abaixo do título “revista de
antropofagia”, aparece o novo subtítulo: “orgão da antropofagia brasileira de letras”
- que já aparecia nos expedientes -, no mesmo espaço aparece a informação que o
diretor do mês é Jayme Adour da Camara (sic). O número e a “dentição” continuam
registrados somente no box do expediente.
Este número é ilustrado com um desenho de Pagú. Há um “editorial” criticando
ironicamente a arquitetura da Estação Sorocabana, chamando o arquiteto Cristiano
das Neves de “um dos maiores criminosos de São Paulo”.
Fac-símile do número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de 15/
maio/1929 (quarta-feira), p. 10.
As críticas ao arquiteto Cristiano das Neves continuam em uma nota denominada
“Antiguidades”.
314
Fac-símile do 10º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
12/junho/1929 (quarta-feira), p. 10. Agora, logo abaixo do título “revista de
antropofagia”, continua aparecendo o subtítulo, retorna a informação do número e
“dentição”, porém desaparece o nome do diretor do mês - que fica registrado apenas
no espaço do expediente. Essa configuração será mantida até o número quatorze -
variando somente o local do título e subtítulo da Revista, encabeçando ou no meio
da página do suplemento -, é novamente alterada no número quinze, mas retorna no
número dezesseis.
Fac-símile do 11º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
19/junho/1929 (quarta-feira), p. 10. Aparece a informação que o diretor do mês da
revista é Raul Bopp, esse permanecerá nessa função até o final da publicação.
Nesse número, em especial, novo desenho de Pagú; um poema de Ascenso Ferreira,
“Toré, impressões da dansa tipica dos indios carijós” e a publicação de uma carta de
Carlos Drummond de Andrade enviada a Oswald explicando o porquê de não poder
aderir à antropofagia.
Fac-símile do 12º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
26/junho/1929 (quarta-feira), p. 12.
Neste número um artigo anuncia para julho a primeira exposição de Tarsila l no
Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, depois de seu sucesso em Paris. Pela primeira
vez aparecem anúncios publicitários na Revista, dentre eles, o maior é da
Cafiaspirina, um analgésico da Bayer que não foi antropofagizado.
Oswald resolve agora atacar o poeta Menotti Del Picchia em artigo intitulado
“Analfabetismo letrado”.
Fac-símile do 13º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
04/julho/1929 (quinta-feira), não há indicação do número da página. Aparece a
informação que o diretor do “mez” da revista é Raul Bopp.
315
Este número é ilustrado com desenhos de Tarsila e Cícero Dias. Há um sumário do
catálogo da exposição de Tarsila indicando que, entre várias opiniões sobre seus
quadros, incluem-se a de Mário e a do autor. Há nesta edição a reprodução de um
fragmento da crítica que o autor já publicara no Jornal do Comércio de 3 de julho de
1926.
Há uma nota que anuncia a presença de Cícero Dias em São Paulo e nela Tarsila diz
que o pintor é “o maior andarilho da imaginação brasileira”.
Fac-símile do 14º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
11/julho/1929 (quinta-feira), p. 18.
Este número é ilustrado com um desenho de Tarsila. Anuncia-se que sua exposição
será aberta no dia 20 do corrente mês.
Há a publicação de quatro poemas de Murillo Mendes, “Canção do exilio”, “Cartão
postal”, “Vocação” e “Nova cara do mundo”, este último anunciando a passagem do
cometa A’lei (sic). E um de Jorge de Lima, “Migração”, antecedido de uma nota
que anuncia sua visita à cidade de São Paulo.
Fac-símile do 15º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
19/julho/1929 (sexta-feira), p. 12.
Pela primeira vez, o título da Revista aparece editado economicamente dessa forma:
“revista de antropofagia, numero 15” - tudo junto e sem o acompanhamento do
subtítulo ou qualquer outra informação, como até então -, localizado pouco abaixo
do meio da página, à esquerda. Esta nova forma de apresentação não será mantida e
já desaparecerá no próximo número.
Este número é ilustrado com um desenho de Tarsila. Anuncia-se novamente a
abertura da exposição de Tarsila, que já se encontrava no Rio, para o dia 20 no
Palace Hotel, ficaria aberta somente até o dia 30, e o Primeiro Congresso Brasileiro
de Antropofagia que deveria ser realizado em breve, no final de setembro, na capital
federal. Há um poema de Jorge de Lima, “Maleita”, especialmente para a Revista.
316
Mas o que chama a atenção é um artigo intitulado “resposta a Ascenso Ferreira”,
assinado por Oswaldo Costa. Nele, Oswald faz uma série de observações a respeito
de assuntos tratados numa carta - publicada acima do artigo - que recebeu do poeta
recifense, autor de Catimbó, de 1927: chama Carlos Drummond de cretino; diz que
Ascenso é um grande poeta”, mas se começasse a imitar Bilac e Vicente de
Carvalho, “como o Mario de Andrade eu deixaria de quere bem a você e não teria
outro remedio senão devorar o amigo com a maior ferocidade possivel”. Mais
adiante: “Como poeta, Mario tem realmente coisas deliciosas. É quando ele se
esquece que é professor do Conservatorio, que escreveu um Compendio de Historia
de Musica, que faz critica profissional atravez de estampas e de Art Vivant, e deixa
ou não consegue deixar de explodir dentro dele o negro bom que ele quer
inultimente esconder por medo da Santa Madre Igreja. É esse samba como
observou Oswald de Andrade que faz gostosas certas coisas dele. Na obra dele,
portanto, si não me interessa a parte doutoral, pedante, falsamente erudita, a parte do
branco ipócrita do côro de Santa Efigenia, me interessa a parte-bode, que é ás vezes
de uma riqueza inegualavel. O que lastimo, exatamente, é que Mario recalque o
bode. Quanto ao mais Macunaima inclusive, que elogiei ao ponto mesmo de
reinvindical-o para o movimento antropofagico, dizendo que ele era a Odisséa
brasileira – está certissimo. Não discuto.”.
Fac-símile do 16º número da Revista como suplemento do Diário de S. Paulo, de
01/agosto/1929 (quinta-feira), p. 10.
Este último número da Revista é ilustrado com um desenho de Tarsila do Amaral.
Há uma poesia de Manuel Bandeira, “Berimbau”. Quase metade da página é
dedicada às repercussões positivas da abertura da exposição de Tarsila no Rio. São
reproduzidas notícias e críticas elogiosas de jornais como os conservadores O Paiz e
Jornal do Brasil, além do Correio da Manhã e a Critica. O “editor” da Revista, em
“editorial” não assinado, comenta o fato do “caduco ‘Jornal do Comercio’” ter se
referido à exposição como “futurista”, termo muito utilizado no Brasil, para
denominar os nossos modernistas, conceito repudiado pelos antropófagos. Digno de
317
observação é a notícia que fecha esse “edital” registrando o fato de Oswald ter
socado “o nariz de um admirador do sr. Amoedo” - trata-se do pintor acadêmico
Rodolfo Amoedo -, o “editor” aplaude a atitude e incentiva Oswald e os leitores da
Revista a repetirem o gesto contra os inimigos.
Antropófagos, modernistas ou futuristas, não importa o nome, o fato é que o sucesso
da exposição de Tarsila parece fechar um ciclo iniciado com a polêmica exposição
de Anita Malfatti, em fins de 1917. A arte moderna parecia não assustar mais
ninguém, foi deglutida, como gostavam de dizer os antropófagos, até pelos
conservadores.
ANEXO D
Relação das críticas e crônicas de outros autores publicadas no Jornal do Comércio,
de São Paulo, entre 1925 e 1928. Trata-se somente do material localizado durante a
pesquisa, em especial no setor de Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo, e
digitalizado para futuras consultas. Há críticas e crônicas publicadas em outros exemplares
do referido periódico, mas não se encontram disponibilizadas para consulta. A grafia não
foi atualizada.
Dia: 02/julho/1925 (1)
Página: “1” (capa)
Secção: “Bilhetes do Rio”
Título da crítica ou da crônica. E observações sobre o texto e sua autoria.
Crítica ao Modernismo, assinada por Parédrinho.
07/julho/1925 (2)
pág. “1” (capa)
318
“Bilhetes do Rio”
Crítica sobre um poeta paulista de nome Luis Carlos, considerado como “futurista”,
assinada por Parédrinho.
16/julho/1925 (3)
pág. “1” (capa)
“Bilhetes do Rio”
Crítica ao Modernismo, assinada por Parédrinho.
19/fevereiro/1926 (4)
pág. 3
“O espírito dos Livros”
“Pathé-Baby, de Antonio de Alcantara Machado”. Crítica assinada por Martin Damy sobre
o recém lançado livro do escritor.
03/maio/1926 (5)
pág. “1” (capa)
Fora de secção
Crônica de Mário Guastini, assinada como Stiunirio Gama, sobre Paulo Prado e sua relação
com o movimento modernista de São Paulo.
10/maio/1926 (6)
pág. 3
Fora de secção
Crítica sobre o livro Pathé-Baby publicada no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, e
reproduzida neste de São Paulo, sem assinatura.
29/maio/1926 (7)
pág. 3
Fora de secção
Outra crítica sobre o livro Pathé-Baby, sem assinatura.
05/março/1926 (8)
pág. 3
Fora de secção
“A revolução de julho (através do livro de um alcoolatra)”. Crônica assinada por Mário
Guastini.
16/setembro/1926 (9)
pág. 3
“Feira das Quintas”
Crônica de Oswald de Andrade, assinada como João Miramar, na qual há referencia a uma
leitura prévia de alguns “contos ítalo-paulistas” de AAM, A Carmela, O Gaetaninho, já
citando o título do futuro livro: Brás, Bexiga e Barra Funda.
319
04/fevereiro/1927 (10)
pág. 3
“Tradições que desapparecem”
“A dansa de S. Gonçalo”. Crônica assinada por Silveira Bueno.
11/fevereiro/1927 (11)
pág. 3
“São Paulo de outrora”
“Typos populares do Braz antigo”. Crônica assinada por Silveira Bueno.
16/fevereiro/1927 (12)
pág. 3
“O espírito dos livros”
“Primeiro andar, de Mário de Andrade (edição da Casa Editora Antonio - ilegível)”. Crítica
assinada por Martin Damy.
18/fevereiro/1927 (13)
pág. 3
“São Paulo de outrora”
“Typos populares do Braz antigo (conclusão)”. Crônica assinada por Silveira Bueno.
23/fevereiro/1927 (14)
pág. 3
“O espírito dos livros”
“Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade (edição A Tisi)”. Crítica assinada por
Martin Damy.
14/março/1927 (15)
pág. “1” (capa)
Ás Segundas”
Crítica de Mário Guastini, assinada como Stiunirio Gama, sobre o lançamento do livro
Brás, Bexiga e Barra Funda.
28/março/1927 (16)
pág. “1” (capa)
Ás Segundas”
Crônica de Mário Guastini, assinada como Stiunirio Gama, sobre os salões da residência de
dona Olívia G. Penteado e a quantidade de obras “modernas’ que o jornalista teria neles
apreciado.
06/abril/1927 (17)
pág. 3
“O Espírito dos Livros”
Crítica assinada por Martin Damy sobre o então recém-lançado livro Brás, Bexiga e Barra.
320
07/abril/1927 (18)
pág. 3
“Feira das Quintas”
Crônica de Oswald de Andrade, assinada como João Miramar, sobre uma carta enviada por
Oswald de Andrade, ou seja, ele mesmo, para Paulo Prado referente ao movimento pau-
brasil.
05/maio/1927 (19)
pág. 3
“Feira das Quintas”
Crônica de Oswald de Andrade, assinada como João Miramar, sobre palhaço Piolin e a sua
relação com o teatro nacional.
03/julho/1928 (20)
pág. 3
“Focalizando”
Crítica de Mário Guastini, assinada como Stiunirio Gama, sobre o recém lançado livro
Laranja da China.
ANEXO E
O conto Apólogo Brasileiro Sem Véu de Alegoria foi transcrito na íntegra, a grafia
da época foi mantida, assim como erros de impressão. A versão apresentada encontra-se na
primeira edição de Mana Maria/Contos da Livraria José Olympio Editôra, de 1936, nas
páginas 199-208.
Apólogo brasileiro sem véu de alegoria
321
O trenzinho recebeu em Magoarí o pessoal do matadouro e tocou para Belém. Já era
noite. Só se sentia o cheiro doce do sangue. As manchas na roupa dos passageiros ninguem
via porque não havia luz. De vez em quando passava uma fagulha que a chaminé da
locomotiva botava. E os vagões no escuro.
Trem misterioso. Noite fóra noite dentro. O chefe vinha recolher os bilhetes de
cigarro na bôca. Chegava a passagem bem perto da ponta acesa e dava uma chupada para
fazer mais luz. Via mal e mal a data e ia guardando no bolso. Havia sempre uns que
gritavam:
— Vá pisar no inferno!
Êle pedia perdão (ou não pedia) e continuava seu caminho. Os vagões sacolejando.
O trenzinho seguia danado para Belém porque o maquinista não tinha jantado até
aquela hora. Os que não dormiam aproveitando a escuridão conversavam e até
gesticulavam por fôrça do habito brasileiro. Ou então cantavam, assobiavam. Só as
mulheres se encolhiam com mêdo de algum desrespeito.
Noite sem lua nem nada. Os fósforos é que alumiavam um instante as caras
cansadas e a pretidão feia caía de novo. Ninguêm estranhava. Era assim mesmo todos os
dias. O pessoasl (sic) do matadouro já estava acostumado. Parecia trem de carga o trem de
Magoarí.
_______________
Porêm aconteceu que no dia 6 de maio viajava no penúltimo banco do lado direito
do segundo vagão um cego de óculos azuis. Cego baiano das margens do Verde de Baixo.
Flautista de profissão dera um concêrto em Bragança. Parára em Magoarí. Voltava para
Belém com setenta e quatrocento no bolso. O taioca guia dêle só dava uma folga no bocejo
para cuspir.
Baiano velho estava contente. Primeiro deu uma cotovelada no secretário e puxou
conversa. Puxou á toa porque não veiu nada. Então principiou a assobiar. Assobiou uma
valsa (dessas que vão subindo, vão subindo e depois descendo, vêm descendo), uma polca,
322
um pedaço do “Trovador”. Ficou quieto uns tempos. De repente deu uma cousa nêle.
Perguntou para o rapaz:
— O jornal não dá nada sôbre a sucessão presidencial?
O rapaz respondeu:
— Não sei: nós estamos no escuro.
— No escuro?
É.
Ficou matutando calado. Clarissimo que não compreendia bem. Perguntou de novo:
— Não tem luz?
Bocejo.
— Não tem.
Cuspada.
Matutou mais um pouco. Perguntou de novo:
— O vagão está no escuro?
— Está.
De tanta indignação bateu com o porrete no soalho. E principiou a gritar dêle assim:
Não pode ser! Estrada relaxada! Que é que faz que não acende? Não se pode
viver sem luz! A luz é necessária! A luz é o maior dom da natureza! Luz! Luz! Luz!
E a luz não foi feita. Continuou berrando:
— Luz! Luz! Luz!
Só a escuridão respondia.
Baiano velho estava fulo. Urrava. Vozes perguntaram dentro da noite:
— Que é que há?
Baiano velho trovejou:
— Não tem luz!
Vozes concordaram:
— Pois não tem mesmo.
*
323
Foi preciso explicar que era um desafôro. Homem não é bicho. Viver nas trevas é
cuspir no progresso da humanidade. Depois a gente tem a obrigação de reagir contra os
exploradores do povo. No preço da passagem está incluida a luz. O govêrno não toma
providências? Não toma? A turba ignara fará valer seus direitos sem êle. Contra êle se
necessário. Brasileiro é bom, é amigo da paz. É tudo quanto quizerem: mas bobo não.
Chega um dia e a cousa pega fogo.
Todos gritavam discutindo com calor e palavrões. Um mulato propôs que se
matasse o chefe do trem. Mas João Virgulino lembrou:
Êle é pobre como a gente.
Outro sugeriu uma grande passeata em Belém com banda de musica e discursos.
— Foguetes tambêm?
— Foguetes tambêm.
— Be-le-za!
Mas João Virgulino observou:
— Isso custa dinheiro.
Que é que se vai fazer então? Ninguem sabia. Isto é: João Virgulino sabia.
Magarefe-chefe do matadouro de Magoarí, tirou a faca da cinta e começou a esquartejar o
banco de palhinha. Com todas as regras do oficio. Cortou um pedaço, jogou pela janella e
disse:
— Dois quilos de lombo!
Cortou outro e disse:
— Quilo e meio de toicinho!
Todos os passageiros magarefes e auxiliares imitaram o chefe. Os instintos
carniceiros se satisfizeram plenamente. A indignação virou alegria. Era cortar e jogar pelas
janellas. Parecia um serviço organizado. Ordens partiam de todos os lados. Com piadas,
risadas, gargalhadas.
— Quantas reses, Zé Bento?
— Eu estou na quarta, Zé Bento!
Baiano velho quando percebeu a história pulou de contente. O chefe do trem correu
quasi que chorando.
324
— Que é isso? Que é isso? É por causa da luz?
Baiano velho respondeu:
É por causa das trevas!
O chefe do trem suplicava:
— Calma! Calma! Eu arranjo umas velinhas.
João Virgulino percorria os vagões apalpando os bancos.
— Aqui ainda tem uns três quilos de colchão mole!
O chefe do trem foi para o cubículo dêle e se fechou por dentro rezando. Belém já
estava perto. Dos bancos só restava a armação de ferro. Os passageiros de pé contavam
façanhas. Baiano velho tocava a marcha de sua lavra chamada A’s armas cidadãos! O
taioquinha embrulhava no jornal a faca surripiada na confusão.
Tocando a sineta o trem de Magoarí fundou na estação de Belém. Em dois tempos
os vagões se esvasiaram. O ultimo a sair, foi o chefe muito pálido.
*
Belém vibrou com a história. Os jornais afixaram cartazes. Era assim o título de um:
Os passageiros no trem de Magoarí amotinaram-se jogando os assentos ao leito da estrada.
Mas foi substituido porque se prestava a interpretações que feriam de frente o decôro das
familias. Deante do Teatro da Paz houve um conflito sangrento entre populares.
Dada a queixa á polícia foi iniciado o inquerito para apurar as responsabilidades.
Perante grande número de advogados, representantes da imprensa, curiosos e pessoas
gradas, o delegado ouviu vários passageiros. Todos se mantiveram na negativa menos um
que se declarou protestante e trazia um exemplar da Bíblia no bolso. O delegado perguntou:
— Qual a causa verdadeira do motim?
O homem respondeu:
— A causa verdadeira do motim foi a falta de luz nos vagões.
O delegado olhou firme nos olhos do passageiro e continuou:
— Quem encabeçou o movimento?
Em meio da ansiosa expectativa dos presentes o homem revelou:
325
— Quem encabeçou o movimento foi um cego!
Quis jurar sôbre a Bíblia mas foi imediatamente recolhido ao xadrez porque com a
autoridade não se brinca.
e e
326
São Paulo, junho de 2004.
Licença:
<a rel="license" href=" http://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.5/br/"><img
alt="Creative Commons License" style="border-width:0" src="
http://i.creativecommons.org/l/by-nd/2.5/br/88x31.png " /></a><br /><span
xmlns:dc=" http://purl.org/dc/elements/1.1/ " property="dc:title">A obra ficcional e
jornal&#237;stica do escritor Ant&#243;nio de Alc&#226;ntara Machado: letras e
imagens</span> by <span xmlns:cc=" http://creativecommons.org/ns #"
property="cc:attributionName">Eduardo Benzatti do Carmo</span> is licensed
under a <a rel="license" href=" http://creativecommons.org/licenses/by-
nd/2.5/br/">Creative Commons Atribui&#231;&#227;o-Vedada a
Cria&#231;&#227;o de Obras Derivadas 2.5 Brasil License</a>.
327
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo