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inserirmos livremente num mundo que, contudo, é sempre aquele desejado pelo autor. (ECO,
1968, p. 62)
É por esse motivo que buscamos primeiro responder às nossas dúvidas com relação à
configuração do gênero Fantástico, para, depois, em outro momento e num outro trabalho,
pensarmos noutras possibilidades de abordagem do tipo de narrativa a que nos propusemos
analisar nesta pesquisa. E, para fecharmos essa questão, como podemos perceber nas palavras
do crítico Umberto Eco, a obra literária, por ser aberta, movimenta-se na medida em que é
desfolhada por diferentes fruidores daquele discurso; contudo, isso não quer dizer que ela seja
escancarada e passível de todo tipo de interpretação (fruição).
Voltando à questão que por hora nos interessa, percebemos que Braulio Tavarez
aceita uma possível presença do gênero na arte contemporânea. Confirmando essa ideia, ele
diz que o “fantástico tem sido enriquecido, expandido e sofisticado por linguagens recentes,
como o cinema, as histórias em quadrinhos ou graphic novels, os role playing games etc.”.
(2003, p. 7)
Sabemos que, atualmente, há estudiosos que veem, assim como o autor em questão, a
possibilidade de a narrativa Fantástica estar presente nas diversas manifestações artísticas da
sociedade atual. No entanto, relembrando um pouco as coisas, segundo Todorov, o Fantástico
foi um gênero que esteve limitado aos séculos XVIII e XIX e essa visão impossibilitaria a
aceitação de uma modernidade do gênero. Sobre esse aspecto Todorov diz que:
se o sobrenatural e o gênero que lhe corresponde, o maravilhoso, existem desde sempre e
continuam a proliferar hoje, o fantástico teve uma vida relativamente breve. Apareceu de
maneira sistemática no fim do século XVIII, com Cazzote; um século mais tarde,
encontramos nas novelas de Maupassant os últimos exemplos esteticamente satisfatórios do
gênero. Podemos encontrar exemplos de hesitação fantástica em outras épocas, mas só
excepcionalmente essa hesitação será representada. Existe uma razão para esta curta vida? Ou
ainda: por que a literatura fantástica não existe mais? (TODOROV, 1979, p. 164)
Não seria descabido dizer que o homem de hoje não lembra em nada aquele de
outrora e, devido às diversas crises
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sociais, existenciais e de valores por que vem passando a
humanidade, há uma certa banalização daquilo que chamaríamos de insólito
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, e essa
exagerada banalização do incomum, do inesperado, do incômodo, do infame, do impossível,
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Termo usado por Lenira Marques Covizzi no livro O Insólito em Guimarães Rosa e Borges.
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O insólito, categoria operacional aqui empregada, engloba eventos ficcionais que a crítica tem apontado ora como
extraordinários – para além da ordem – ora como sobrenaturais – para além do natural – e que são marcas próprias de gêneros
literários de longa tradição, a saber, o Maravilhoso, o Fantástico, o Sobrenatural, o Estranho, o Realismo Maravilhoso e o
Absurdo.
Conforme Houaiss (2001), o termo “insólito” vem do latim insolìtus, -a, -um, significando o não acostumado, o estranho, o
alheio, e em português significa, por exemplo, o que não é habitual; é infrequente, raro, incomum, anormal; o que se opõe aos
usos e costumes; é contrário às regras, à tradição. Assim, os eventos insólitos seriam aqueles que não são frequentes de
acontecer, são raros, pouco costumeiros, inabituais, não usuais, incomuns, anormais, que contrariam o uso, os costumes, as
regras e as tradições, enfim, que surpreendem ou decepcionam o senso comum, ou ainda, surpreendem ou decepcionam as
expectativas quotidianas. É lícito, portanto, opor o insólito ao natural e ao ordinário, termos comuns na teoria dos gêneros
literários quando se quer falar de Maravilhoso, Fantástico, Estranho, Sobrenatural, Realismo Maravilhoso, Absurdo, gêneros
que já habitam a tradição crítico-teórica. (GARCÍA, 2007, p. 1-2)