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socialista, necessitava edificar os pressupostos de sua teoria da democracia. Seu recurso
só poderia ser um construto mental
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.
Antes de empreender a análise do experimento mental schumpeteriano, uma
breve observação relacionada à empiricidade ou não do recurso. Disse acima que para
conseguir lograr sua teoria procedimental em Democracia livre de duvidas, Schumpeter
recorreu a uma “negação” do mundo empírico absoluto, ou seja, ele apresenta seu
construto mental como uma questão configurada apartada de elementos materiais da
vida social. Todavia, Schumpeter, na formação das variáveis que sustentam seu
experimento mental, utilizou (com perspicaz indiferença), de elementos empírico-
históricos. A característica desta utilização, no entanto, era a de uma falácia do mundo
empírico. Em outras palavras, Schumpeter manipula certos fatos da realidade histórica
para manter em pé seu construto mental. O que então nos informa o experimento
democrático schumpeteriano?
Se, o movimento socialista é, a partir de sua lógica interna de argumentação,
antagônico à democracia, de acordo com a crítica de Schumpeter isto significa que nem
sempre (e para o autor quase nunca) a política ou “estratégia política” que adere ao povo
ou às suas reivindicações substanciais
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culmina em democracia. No decurso histórico,
invariavelmente, ocorrem circunstancias especificas em que para se chegar à essência
democrática, tendo em vista, a necessidade do povo, vale-se de procedimentos não-
democráticos
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. Alem disso, e isto é o mais fundamental na configuração do experimento
mental do cientista político austro-americano. O governo, ao longo da história, para
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Toda teoria só pode ser uma construção mental. A teoria da democracia de Joseph Schumpeter não
poderia diferenciar-se disto. Entretanto, a ênfase dada a um construto mental como recurso demonstrativo
do procedimento democrático como livre de duvidas e incertezas revela em Schumpeter o quanto o
recurso mesmo era impreterível para a consecução dos seus objetivos, ultrapassando assim, o
convencionalismo de toda teoria como um construção mental. Nota-se também neste ponto especifico
uma ambigüidade em Schumpeter, pois ele próprio se coloca como um autor no campo da analise realista;
o que significa dizer que por coerência lógica a utilização de um construto mental seria um equívoco.
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É certo que nem sempre o movimento socialista e seus idealizadores apresentaram estratégias e
programas políticos que articulassem substancialmente vontade do povo e democracia, exemplo disto é o
posicionamento de Rosa Luxemburgo após a revolução russa quanto à autodeterminação das
nacionalidades russas e distribuição de terra entre os camponeses. Nos dois casos Rosa apresentava um
programa-estratégia contrário ao dos Bolcheviques, ou seja, apresentava um programa que naquele
momento especifico em alguma medida era contra aos desejos dos povos das nacionalidades e dos
camponeses na Rússia, mas não deixa de ser verdade histórica que foram os socialistas que melhor
representaram o desejo do povo. E mais: mesmo a democracia burguesa (em termos substanciais) foi mais
advogada pelos oponentes da burguesia do que pela classe burguesa mesma. Cf. sobre esta discusão,
Rosa Luxemburgo A Revolução Russa ed. Vozes1991, Max Beer História do Socialismo e das Lutas
Sociais p.522 a 576 ed. Centro do Livro Brasileiro s/d. e Leo Kofler Contribuicion a la Historia de la
Sociedad Burguesa p. 444 a 480 ed. Amorrortu 1997.
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Nota-se que Schumpeter ao longo de sua construção contra os socialistas não especifica o que são
procedimentos não-democráticos do ponto de vista da vida política. Podemos deduzir que sejam:
revoluções, democracia direta e participação (não no sentido dos participativistas: “controle” dos
representantes e Accountability) da maioria do povo nas principais decisões do “governo”.