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Universidade Estadual do Ceará
Centro de Ciências da Saúde
Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública
Mariana Ramalho de Farias
ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE
BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.
Fortaleza – Ceará
2009
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Universidade Estadual do Ceará
Centro de Ciências da Saúde
Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública
Mariana Ramalho de Farias
ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE
BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Saúde Pública do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Estadual do Ceará, área de
concentração Políticas e Serviços de Saúde, como
requisito parcial à obtenção do Grau de Mestre em
Saúde Pública.
Orientador: Prof. Dr. José Jackson Coelho Sampaio
Fortaleza – Ceará
2009
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“Ao final de nossas longas
explorações, chegaremos, finalmente, ao
lugar de onde partimos e o conheceremos,
então, pela primeira vez”.
Thomas Stewart Elliot
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Aos meus pais, Farias e Glória, pelo amor incondicional,
compreensão e apoio às minhas decisões pessoais e
profissionais.
Ao meu irmão Raphael (in memoriam) que, durante
nosso curto convívio, sempre torceu pelos meus
sonhos.
Ao Eduardo, por todo o amor nos momentos difíceis e
pelo constante estímulo ao meu desenvolvimento
profissional.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. José Jackson Coelho Sampaio, pela paciência e
competente orientação que me ajudaram a consolidar este trabalho.
Ao corpo docente do Curso de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública-CMASP,
por todas as discussões e contribuições na realização desse trabalho.
Aos funcionários do CMASP, Mairla Pitombeira da Franca Alencar, Lúcia Maria
Alves de Oliveira e Maria Guedes Lima Brito, que sempre me trataram com
gentileza e carinho.
Aos professores doutores que participaram da Banca de Qualificação do projeto
dessa dissertação, os professores Ernani Viana Vasconcelos Filho, Anya
Pimentel Gomes Fernandes Vieira e Sharmênia de Araújo Soares Nuto, pela
inestimável ajuda.
À FUNCAP, Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, pelo financiamento desse trabalho.
Aos profissionais entrevistados, pelas valiosas informações que permitiram o
desenvolvimento desta dissertação.
Aos meus colegas e amigos do Mestrado, pelos maravilhosos momentos de
confraternização, troca de conhecimentos e de angústias.
6
RESUMO
O objeto de estudo é o processo de trabalho da Equipe de Saúde da Família/Saúde
Bucal, a partir da integração das ações dos membros das equipes na Estratégia Saúde da
Família do município de Fortaleza, com o objetivo de analisar se há integração entre
essas equipes, na perspectiva da interdisciplinaridade de saberes e da integralidade do
cuidado, conhecendo as atividades realizadas na prática cotidiana e identificando os
aspectos que facilitam ou dificultam o desenvolvimento da integração entre essas
equipes. O estudo apresenta natureza qualitativa, crítico-analítica e foi desenvolvido no
município de Fortaleza, em dois Centros de Saúde da Família: Aída Santos, da Secretaria
Executiva Regional II e Paracampos, da Secretaria Executiva Regional V. Como sujeitos
da pesquisa, dividiu-se três grupos, dos quais, o primeiro foi formado por seis gestores: o
Secretário de Saúde do Município, o Coordenador de Saúde Bucal do Município, os
Coordenadores de Saúde Bucal e os Coordenadores de Saúde da Família das
Secretarias Executivas Regionais II e V; enquanto que o segundo grupo foi composto por
oito profissionais de nível superior: médicos, enfermeiros e cirurgião-dentista do Centro de
Saúde Paracampos; o terceiro grupo, por sua vez, foi composto por profissionais de nível
superior: médicos, enfermeiros e cirurgião-dentista do Centro de Saúde Aída Santos.
Como instrumentos e procedimentos de coleta de dados foram empregados: estudo
documental, diário de campo, questionário semi-estruturado com todos os cirurgiões
dentistas das Regionais II e V, entrevista aberta com os gestores e, grupo focal com os
profissionais dos centros de saúde escolhidos. A análise dos dados foi realizada à luz da
análise de discurso, como preconizada por Orlandi. Os resultados revelaram a existência
de melhorias na atenção à saúde em Fortaleza, entretanto, ainda existindo um modelo de
saúde híbrido, que combina o formato tradicional de práticas, com novos modos de
atenção. Em relação às equipes de saúde da família e saúde bucal, a integração ainda
encontra-se em processo incipiente, visto que a permanência de problemas estruturais
obstaculiza o trabalho interdisciplinar e integral das equipes. Ainda persiste a prática
centrada na clínica clássica, no procedimento individual e restrito ao consultório, de
maneira ainda fragmentada. Não há planejamento das ações e nem discussão
interdisciplinar do projeto assistencial comum, além de não haver compromisso com a
produção do cuidado.
Descritores: Equipe Interdisciplinar de Saúde; Saúde Bucal; Saúde da Família.
7
ABSTRACT
The purpose of this work is the work of the Family Health / Dental Health team based on
the integrated actions developed by the groups of the Family Health Program of the city of
Fortaleza, in order to examine whether there is integration between these teams, from the
perspective of the interdisciplinary knowledge and the integration of care, knowing the
activities performed in daily practice, identifying the issues that facilitate or hamper the
development of the integration between these teams. The study presents a qualitative and
critical-analytical nature and was developed in the city of Fortaleza, where there are two
Family Health Centers: Aída Santos, from Regional Executive Secretary II and
Paracampos, from Regional Executive Secretary V. As research subjects, there were three
groups, in which the first was formed by six managers, the Health Secretary of the city, the
Oral Health Coordinator of the City, the coordinators of Oral Health and the coordinators of
the Family Health Regional Executive Secretary II and V, while the second group was
composed by eight graduated professionals: doctors, nurses, dentists and surgeons from
Paracampos Center. The third group was composed by graduated professionals: doctors,
nurses, dentists and surgeons of the Health Center Aída Santos. As instruments and
procedures for data collection, there are used documentary study, a field diary, a semi-
structured questionnaire applied to all dentists of Region II and V, open interviews with
managers and a focus group with some professionals of Health Center choiced. Data
analysis was performed in the light of the analysis of discourse, as recommended by
Orlandi. The results revealed the existence of improvements in health care in Fortaleza,
with a hybrid model of health, which combines the traditional practices with new ways of
attention. For teams of family health and oral health, the integration is still incipient and
some structural problems remain hampering the work of interdisciplinary and integrated
teams. The practice still focuses on classical clinical and individual procedure that happens
only in the office, in a fragmented way. There’s no action planning or interdisciplinary
discussions about the common assistance project and no commitment with production of
care as well.
Descriptors: Patient Care Team; Oral Health; Family Health.
8
LISTA DE SIGLAS
ACS – Agente Comunitário de Saúde
APS – Atenção Primária à Saúde
ASB - Auxiliar de Saúde Bucal
BPA - Boletim de Procedimento Ambulatorial
CAB - Célula de Atenção Básica
CAPS - Centros de Atenção Psicossocial
CD – Cirurgião-Dentista
CEO - Centros de Especialidades Odontológicas
CERES – Células Regionais de Saúde
CMCEE - Central de Marcação de Consultas e Exames Especializados
CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
COOPSAÚDE - Cooperativa de Profissionais de Saúde
COSAC - Coordenação de Saúde da Comunidade
CRRIFOR - Central de Regulação e Referência das Internações de Fortaleza
CSF – Centro de Saúde da Família
DPHL - Diretoria de Programação de Recursos Hospitalares e Laboratoriais
EAAC - Equipe de Auditoria, Avaliação e Controle
ESB – Equipe de Saúde Bucal
ESF – Equipe de Saúde da Família
GETT - Gratificação pela Execução de Trabalhos Técnicos
HGCC - Hospital Geral César Cals
HGF - Hospital Geral de Fortaleza
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IJF - Instituto Dr. José Frota
IMPARH - Instituto Municipal de Pesquisa e Administração de Recursos Humanos
MAIS - Modelo de Atenção Integral à Saúde
MS – Ministério da Saúde
NASF- Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS – Organização Mundial de Saúde
9
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PPT - Plano Preventivo-Terapêutico
PSE - Programa de Saúde Escolar
PSF – Programa Saúde da Família
RA - Rede Assistencial
RAAE - Rede Ambulatorial de Atenção Especializada
RAISM - Rede Assistencial Integrada de Saúde Mental
SAMU - Serviço de Atendimento Médico de Urgência
SAS - Secretaria da Assistência à Saúde
SER – Secretaria Executiva Regional
SILOS - Sistemas Locais de Saúde
SMS - Secretaria Municipal de Saúde
SMSE - Sistema Municipal de Saúde Escola
SUS – Sistema Único de Saúde
TSB - Técnico de Saúde Bucal
UFC – Universidade Federal do Ceará
UNIFOR – Universidade de Fortaleza
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Razão de mortalidade materna nos anos de 2004, 2005 e 2006,
em Fortaleza .................................................................................................. 79
Figura 2 - Coeficiente de Mortalidade Infantil e Mortalidade Infantil
Proporcional em Fortaleza, 1981 a 2007 ....................................................... 80
Figura 3 - Percentual do número de exodontias realizadas em relação ao
total de procedimentos odontológicos, nos anos de 2004, 2005 e 2006, no
município de Fortaleza ................................................................................... 91
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Grupos de sujeitos do estudo ........................................................ 59
Quadro 2 – Codificação dos sujeitos do estudo ............................................... 60
Quadro 3 - Síntese das variáveis relativas às dificuldades de articulação das
ESB e ESF das SER II e V ............................................................................... 103
Quadro 4 – Síntese das considerações dos cirurgiões-dentistas das SER II e
V para a efetiva implantação da proposta do PSF nos
CSF................................................................................................................... 104
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição frequencial das variáveis relativas à caracterização
demográfica e perfil técnico dos CD das ESB das SER II e V............................ 98
Tabela 2 - Distribuição frequencial das variáveis relativas ao processo de
trabalho dos CD das ESB das SER II e V .......................................................... 101
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15
1. Aproximação com o Objeto de Estudo ......................................................... 15
2. Revisão de Literatura e Justificativa ............................................................ 21
2.1. Atenção Primária à Saúde ........................................................................ 21
2.2. Programa Saúde da Família ..................................................................... 23
2.3. Saúde Bucal no Programa Saúde da Família ........................................... 32
2.4. Processo de Trabalho em Saúde .............................................................. 37
3. Objetivos ...................................................................................................... 45
3.1. Geral .......................................................................................................... 45
3.2. Específicos ................................................................................................ 45
TRATAMENTO METODOLÓGICO .................................................................
46
1. Natureza do Estudo ..................................................................................... 46
2. Categorias Operacionais .............................................................................. 47
3. Campo de Estudo: Fortaleza ....................................................................... 48
3.1. História de Fortaleza ................................................................................. 49
3.2. Perfil Sócio-Econômico e Demográfico de Fortaleza ................................ 51
3.3. Sistema de Saúde de Fortaleza ................................................................ 52
3.4. A Saúde Bucal no SUS Fortaleza ............................................................. 53
4. Unidades e Sujeitos da Pesquisa ................................................................ 55
5. Procedimentos e técnicas de investigação .................................................. 61
6. Procedimentos e técnicas de interpretação ................................................. 64
7. Forma de Exposição .................................................................................... 65
8. Aspectos Éticos ............................................................................................ 66
CAPÍTULO 1: INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA E
EQUIPES DE SAÚDE BUCAL: A visão dos gestores ..................................
67
1. A implantação do PSF em Fortaleza ........................................................... 67
14
2. A inserção das Equipes de Saúde Bucal em Fortaleza ............................... 81
CAPÍTULO 2: INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA E
EQUIPES DE SAÚDE BUCAL: A visão dos profissionais ..........................
98
1. Perfil dos Cirurgiões-Dentistas da SER II e V .............................................. 98
2. Visão dos Profissionais quanto à existência de integração entre as
equipes .............................................................................................................
105
2.1. A integração das ESB e ESF: Análise das facilidades e dificuldades no
processo de trabalho em equipe ......................................................................
110
2.2. A produção do cuidado: Acolhimento, vínculo e culpabilização do
usuário .............................................................................................................
118
2.3. O papel da gestão: Normas, diretrizes e indicadores da atenção ............ 130
2.4. Processo de trabalho das equipes: a busca da Interdisciplinaridade e
Integralidade na atenção ..................................................................................
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................
146
1. Considerações Gerais ............................................................................... 146
2. Conclusões ................................................................................................. 148
3. Recomendações ......................................................................................... 151
REFERÊNCIAS ...............................................................................................
154
APÊNDICES ....................................................................................................
166
Apêndice I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................ 167
Apêndice II - Roteiro de Entrevista dos Gestores ............................................ 169
Apêndice III – Roteiro de Grupo Focal ............................................................. 171
Apêndice IV – Formulário de Perfil do Cirurgião-Dentista ............................... 172
ANEXOS .......................................................................................................... 173
ANEXO I – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UECE ..................... 174
ANEXO II – Autorização da SER II .................................................................. 175
15
INTRODUÇÃO
1. Aproximação com o Objeto de Estudo.
A aproximação com o objeto de estudo iniciou-se durante a graduação
da autora no curso de Odontologia, na Universidade de Fortaleza-UNIFOR, no
período de fevereiro de 2002 a dezembro de 2006. Ao cursar a disciplina de
Odontologia Social, despertou-se um interesse para a Saúde Pública, pois era
encantadora a idéia de que as doenças não estavam apenas no aspecto biológico,
mas também no aspecto psicossocial do ser humano e que, a partir de ações
básicas e primárias em vários setores, seria possível obter a melhoria do estado
de saúde das comunidades. Diante desse contato inicial com a disciplina, a autora
aprofundou os conhecimentos em Saúde Pública, assumindo durante o período de
um ano, uma monitoria em Saúde Bucal Coletiva na referida Universidade. Dessa
forma, dedicou-se ao estudo do Sistema Único de Saúde-SUS e das estratégias
de organização do modelo assistencial de saúde, que se apresenta através do
Programa Saúde da Família-PSF, que desde 1994, fora proposto pelo Ministério
da Saúde-MS como estratégia para reorganizar a Atenção Primária a Saúde- APS
no Brasil.
Em agosto de 2005, estagiou durante dois meses em uma Unidade de
Saúde, no município de Fortaleza, que ainda não tinha equipes do PSF. A partir
dessa experiência, foi possível observar in loco como se delineavam as práticas
dos cirurgiões-dentistas. O atendimento baseava-se exclusivamente na queixa-
conduta e, por muitas vezes, havia a inexistência de ações educativas. Inexistia
também qualquer forma de intervenção coletiva, com ações mais integrais aos
usuários. Observava-se que os dentistas eram concursados com mais de dez
anos de formados e pouco conheciam ou se interessavam pelo PSF. Não havia
acolhimento, vínculo ou responsabilização nas ações desenvolvidas pela equipe
de saúde bucal.
16
Diante dessa realidade vivenciada extremamente contraditória com o
que era estudado no meio acadêmico, impunha-se a necessidade de
desenvolvimento de uma pesquisa científica das determinações políticas e
históricas destas práticas. Assim, ocorreu o encontro da pesquisadora com objeto
da presente dissertação, desenvolvido inicialmente na monografia de conclusão
do bacharelado em Odontologia, intitulada: “Análise Situacional da Inserção do
Cirurgião-Dentista no Programa de Saúde da Família na Regional VI”, com a qual
analisou-se as facilidades e dificuldades da inserção do Cirurgião-Dentista no
PSF. A análise dos dados permitiu identificar como relevante a desarticulação de
ações entre a Equipe de Saúde Bucal – ESB e os demais profissionais do PSF, o
que acarretava graves prejuízos aos usuários.
Fica, então, apresentada a motivação para o desenvolvimento de um
estudo que avalie os obstáculos à integração da ESB na estratégia do PSF e
possa apontar a forma de alcançá-la, para que seja ofertado à população um
trabalho em equipe de fato interdisciplinar. Na medida em que as leituras foram
sendo aprofundadas, principalmente na temática do Trabalho em Equipe, surgiu a
vontade de estudar a relação entre os diversos membros que compõem a equipe
de Saúde da Família e principalmente, se ocorre a interface e a integração de
saberes com a Equipe de Saúde Bucal, tanto nas formulações de idéias e
projetos, quanto nas práticas resultantes.
Dessa forma, foi-se delimitando o objeto dessa pesquisa, que é a
análise do processo de trabalho da Equipe de Saúde da Família/Saúde Bucal, a
partir da integração das ações dos membros das equipes na Estratégia Saúde da
Família no município de Fortaleza-CE. Para esse estudo, procurou-se
compreender essas práticas, a partir da análise do trabalho em equipe, tomando
como matriz teórica a interdisciplinaridade dos saberes e a integralidade da
atenção à saúde.
A Saúde Pública e a lógica de operação do PSF exigem um processo
de trabalho baseado na multiprofissionalidade, na interdisciplinaridade e na lógica
coletiva da produção de compromissos. Assim, a finalidade do processo de
trabalho em saúde, como afirma Merhy (2007a), é a responsabilidade em operar
17
com saberes tecnológicos, de expressão material e não-material, para a produção
de cuidados individuais e coletivos que prometem cura, saúde, longevidade e
qualidade de vida. Para que isso seja possível, a equipe de saúde deve inter-
relacionar suas competências, seus valores sociais, seus sentimentos, tendo em
comum o objetivo de melhoria do estado de saúde ou a cura de transtornos. É
preciso estabelecer vínculo com o usuário, acolhendo-o com a qualidade de ouvir
e calar. A construção desse vínculo só é concretizada priorizando as tecnologias
do tipo leve e leve-dura no processo de trabalho.
Mendes-Gonçalves (1994) define tecnologia como um conjunto de
coisas, de saberes e de instrumentos que expressa nos processos de produção
dos serviços a rede de relações sociais entre agentes e práticas, conformada em
uma totalidade social, constituída não apenas pelo saber, mas também pelos seus
desdobramentos materiais e não-materiais. As tecnologias da saúde são
configuradas a partir do arranjo entre dimensões materiais e não-materiais do
fazer específico do campo, e podem ser classificadas em três tipos: leve, as
tecnologias relacionais, de produção de vínculo, acolhimento, compromisso e
participação; leve-dura, as tecnologias referentes aos saberes estruturados que
operam na clínica, na cirurgia, na prevenção, nos tratamentos; e dura, as
tecnologias embutidas nos equipamentos, nas normas e estruturas
organizacionais (MERHY, 2007a; 2007b).
Ao analisar o processo de trabalho em equipe sob a lógica do PSF,
encontram-se duas equipes distintas que se encontram fragmentadas e
desintegradas quanto às ações desenvolvidas. Ao focar a Odontologia,
observamos uma concepção de prática centrada no indivíduo doente, realizada
com exclusividade por um sujeito individual, o cirurgião-dentista, no restrito
ambiente clínico-cirúrgico, em que a prática odontológica é enfatizada pelo
pensamento de mercado, considerando a saúde como um bem de consumo, uma
mercadoria (PEREIRA, 2003). Quando inclusa nos serviços públicos, continua a
adotar esse modelo tradicional, centrado no atendimento curativo/mutilador.
Esse modo de processo de trabalho pode ser explicado a partir da
própria consolidação dos atos odontológicos. A Odontologia do século XX pautou-
18
se pelo paradigma flexneriano, derivado do Relatório do Senador Flexner,
encarregado de avaliar a alta mortalidade das práticas hospitalares nos Estados
Unidos, no início desse século. A proposta Flexner permitiu aos hospitais superar
os atrasos, a desorganização, as infecções letais, mas criou uma couraça, uma
moldura fechada que enquadrou todas as práticas de saúde: biologicismo,
especialismo, curativismo, tecnicismo, individualismo, objetivismo (PEREIRA,
2003). A construção do saber odontológico moderno deu-se, portanto, sobre a
seguinte tétrade: doença objetiva, indivíduo doente, tratamento singular, terapeuta
individual. Este modelo não responde mais aos problemas de saúde bucal da
população e, se o custo financeiro alcança escalas cada vez mais altas, a
eficiência cada vez mais se perde.
Na lógica do modo de produção capitalista, a saúde bucal é
considerada um bem de consumo, e os trabalhadores que a realizam seguem a
concepção taylorista/fordista
1
, aumentando a fragmentação na produção do
cuidado, gerando assim mais nichos de mercados e mercadorias, reduzidas ao
átomo dos procedimentos. O cirurgião-dentista especialista fragmenta a unidade
bucal a apenas aquela parte do todo ao qual ele se especializou. O processo de
trabalho tende a levar ao extremo a fragmentação do cuidado.
Observa-se que essa fragmentação não se dá apenas na assistência,
mas também na gestão, pois a equipe de saúde bucal já se insere no PSF como
uma equipe à parte, recortada e distante das outras profissões ou especialidades,
com coordenação e supervisão próprias. Este especifismo hipertrofia as
dificuldades de integração. Há uma dupla fragmentação do processo de trabalho e
da unidade de gestão, que pode ser apontada como um obstáculo à proposta de
uma clinica ampliada e do trabalho interdisciplinar, impeditiva, em médio prazo, do
próprio trabalho (CAMPOS, 2007a).
Então, analisando a micropolítica do processo de trabalho desenvolvido
pelos dentistas, pode-se observar que é caracterizado como tecnologicamente
duro, porque depende diretamente da existência de equipamentos e insumos, mas
1
Modelos de organização dos processos de trabalho industriais, concebidos por Frederick Taylor e Henry
Ford. Caracterizam-se pela fragmentação acentuada do processo de trabalho, em que o trabalhador desenvolve
atividades ultra-especializadas e repetitivas (MERHY, 2007b).
19
que, por ser presencial, complementa-se com uma tecnologia leve, dependente do
encontro, da conversa, porém superficial, instrumental, pontual (SANTOS, 2007).
A formação dos cirurgiões-dentistas corre desta maneira e o salto que é exigido
pelas novas práticas não acontece.
Os profissionais tendem a ser sensíveis à limitada resolubilidade de
suas práticas, mas esboçam explicações mecânicas, causais: falta de resina,
excesso de demanda por profissional, defeito na cadeira odontológica,
instrumentais clínicos defasados tecnologicamente etc (SANTOS, 2006). Para os
cirurgiões-dentistas, equipe significa, na maioria das vezes, o constrangimento de
“muita gente” usar o “mesmo espaço”. A prática permanece centrada no núcleo de
conhecimento de cada trabalhador, ocasionando um desencontro de saberes, a
busca sempre frustrada de uma modernidade tecnológica e uma obsolescência
social real.
O que ocorre na prática é que a equipe de saúde bucal passa a se
responsabilizar exclusivamente pelos problemas da boca, não estabelecendo
interconexões e complementaridades com as práticas desenvolvidas pelos outros
trabalhadores que atuam no PSF, constituindo-se em um apêndice ao programa
(SANTOS, 2007). Soma-se a isso o fato de que, nos serviços de saúde bucal,
existe uma enfática resistência dos trabalhadores especializados a se adequarem
à mudança da organização do trabalho, pela queixa de gerar sobrecarga
(PEREIRA, 2003). Dessa forma, apresenta-se como desintegração e
desarticulação entre as equipes.
Dentro do processo de construção do novo modelo de atenção a saúde,
representado através do PSF, a participação dos cirurgiões-dentistas foi
praticamente nula. A saúde bucal sempre esteve à margem de todo processo de
reordenação das ações de saúde, muitas vezes demonstrando desconhecimento
e desinteresse (PEREIRA, 2003). A participação da Odontologia não se deu no
mesmo ritmo que a Medicina e a Enfermagem nas lutas pela Reforma Sanitária
brasileira e na construção do SUS. A atuação não significativa dos profissionais de
Saúde Bucal no processo da reforma dificultou sua inserção no sistema e continua
como entrave à efetiva integração da Odontologia na equipe de saúde da família.
20
Ao analisar isoladamente a equipe de saúde da família, também se
observa alguns obstáculos em seu processo de trabalho. Um estudo de Pedrosa e
Teles (2001) com médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, apontou
conflitos dentro da equipe, a respeito do relacionamento entre os profissionais,
quando enfrentam situações difíceis ou que geram competição, revelando a falta
de responsabilidade pela continuidade do trabalho, muitas vezes causada pela
baixa interação entre os profissionais da equipe. A falta de conhecimento do
trabalho do outro, ou seja, a ausência de interdisciplinaridade, juntamente com
uma disputa de poder e espaço são os principais responsáveis pela desarticulação
das ações da ESF.
Uma gestão descoordenada das equipes de saúde da família também
pode ser responsável em gerar conflitos entre seus membros e entre a equipe e a
comunidade, porque não consegue atender à demanda devido à falta de
organização e integralidade do trabalho. Campos (2006) aponta ainda as
condições de trabalho, salários, competências e responsabilidades como
principais motivos que geralmente causam segmentação na equipe e
desconsideração de suas ações de saúde.
Ao tratar de desintegração entre os membros das ESB e ESF, é
necessário citar Peduzzi (2001), que apresenta duas diferentes distinções de
equipe: equipe como agrupamento de agentes e equipe como integração de
trabalhos. A primeira noção é caracterizada pela fragmentação, e a segunda, pela
articulação consoante a proposta de integralidade das ações de saúde. Entende-
se por articulação as situações de trabalho em que o agente elabora correlações e
coloca em evidência as conexões entre as diversas intervenções executadas.
Com base nessa distinção, a autora elabora uma tipologia referente às duas
modalidades de trabalho em equipe: equipe agrupamento, em que ocorre a
justaposição das ações e o agrupamento dos agentes; e equipe integração, em
que ocorre a articulação das ações e a interação dos agentes.
Em ambas, no entanto, estão presentes as diferenças técnicas dos
trabalhos especializados e a desigualdade de valor atribuído a esses distintos
trabalhos, operando a passagem da especialidade técnica para a hierarquia de
21
trabalhos, o que torna a recomposição e a integração diversas do somatório
técnico. Também, em ambas, estão presentes tensões entre as diversas
concepções e os exercícios de autonomia técnica, bem como entre as concepções
quanto à independência dos trabalhos especializados ou a sua
complementaridade objetiva.
Segundo a autora, a recomposição da equipe requer articulação das
ações, a interação comunicativa dos agentes e a superação do isolamento dos
saberes. Situação que só poderá ser alcançada diante da quebra do paradigma
médico-centrado para a perspectiva usuário-centrada. A princípio, tal mudança só
poderá ser alcançada mediante a mudança das práticas das equipes. O que se
observa é que na atenção ao usuárioa negação do aspecto emocional, em
nome de um saber e de uma responsabilidade terapêutica que vê diante de si uma
doença a ser vencida e não uma pessoa doente a ser compreendida e cuidada.
A negação desse aspecto dificulta a integralidade do cuidado,
impossibilitando um efetivo acolhimento e a produção do vínculo.
2. Revisão de Literatura e Justificativa.
2.1. Atenção Primária à Saúde:
O conceito de Atenção Primária a Saúde-APS vem sofrendo
transformações desde a 2ª e a 3ª décadas do século XX. Nos Estados Unidos,
entre 1910 e 1915, já havia a discussão da necessidade de criação de um Centro
de Saúde para atender às demandas de uma população específica. Em 1920, na
Inglaterra, aproximou-se dos conceitos atuais de APS, quando definiu o Centro de
Saúde como sendo a instituição encarregada de oferecer atenção médica no nível
primário (ANDRADE, 2007).
Aos poucos o conceito foi sendo construído, firmando-se principalmente
durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em
Alma-Ata, em 1978, onde o conceito de saúde é redefinido, considerando não
22
apenas os aspectos biológicos, mas também os psicossociais. Saúde passa a ser
compreendida como o estado de completo bem-estar físico, mental e social,
deixando de ser sinônimo de ausência de doença ou enfermidade e passa a ser
considerada como um direito humano fundamental (OMS, 1979). Assim, Atenção
Primária a Saúde-APS passa a ser definida como um objetivo que deveria ser
orientado de acordo com os principais problemas sanitários, posta ao alcance de
todos os indivíduos e famílias da comunidade, com sua plena participação e a um
custo que a comunidade e o país possam suportar. Atenção primária passou a ser
vislumbrada como a chave para alcançar em todo mundo um nível aceitável de
saúde, que fizesse parte do desenvolvimento social e se inspirasse em um espírito
de justiça.
Posteriormente, Starfield publica uma obra, em 1998, denominada
Primary Care: Balancing Health Needs, Services and Technology”, traduzida ao
português em 2002 (STARFIELD, 2002), que representa um marco na Atenção
Primária a Saúde. De acordo com essa autora, a APS pode ser definida como o
“centro da política sanitária”, ou seja, um nível do sistema de saúde de amplo
acesso para todo novo problema ou necessidade, de efeito temporal duradouro,
centrado mais na pessoa do que na doença, coordenado, integrado e capaz de
oferecer atenção à maioria dos agravos à saúde, com exceção dos mais raros ou
pouco habituais. Vuori (1984) converge com Starfield ao considerar a APS a base
do sistema de saúde. Também complementa ao afirmar que a APS é o tipo de
atenção à saúde que organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto
básicos como especializados, direcionados para a promoção, manutenção e
melhora da saúde.
Para realizar uma APS, é necessário basear-se na intersetorialidade,
não podendo dissociá-la da educação em saúde, do saneamento ambiental,
programas de saúde materno-infantis, prevenção de doenças endêmicas locais,
tratamento adequado de doenças e lesões comuns, fornecimento de
medicamentos essenciais, promoção da boa nutrição e medicina tradicional
(STARFIELD, 2002). Dessa forma, constitui-se também em uma característica
importante da APS a proximidade com a comunidade como uma necessidade dos
23
serviços de saúde, pois os fatores sociais e ambientais da população local
precisam ser identificados e analisados dentro do processo de saúde-doença.
A APS focaliza a saúde envolvendo prevenção, atenção e cura; baseia-
se na promoção de saúde, na atenção abrangente e continuada; é desenvolvida
por clínicos gerais em atividades interdisciplinares com outros profissionais, de
maneira intersetorial, buscando a participação da comunidade para que
desenvolva o autocuidado (STARFIELD, 2002). A APS, com sua característica de
integrar aspectos de promoção de saúde, prevenção de enfermidades de maneira
contínua, ao mesmo tempo em que promove manejo terapêutico, estabelecendo
referências com especialistas, faz com que o cuidado seja cada vez mais integral.
Os sistemas de saúde devem ser baseados no princípio da APS, como
afirma a OMS (WHO, 1984; STARFIELD, 2002). Dessa forma, a APS pode ser
compreendida como uma inversão das ações de saúde, de uma abordagem
curativa, desintegrada e centrada no papel hegemônico do médico, para uma
abordagem preventiva e promocional, integrada com outros níveis de atenção e
construída coletivamente por todos os profissionais de saúde.
No Brasil, com a reorientação do serviço de saúde a partir da Reforma
Sanitária de 1986 e com a conseqüente implantação do SUS, verificou-se a
necessidade de propiciar uma resolubilidade da rede básica, garantindo acesso
aos serviços de média e alta complexidade. Dessa forma, de acordo com Andrade
(2007), a APS foi o norteador da implementação do Programa Saúde da Família –
PSF à rede de assistência à saúde do Brasil mediante uma política de
universalização do acesso à atenção básica e consolidação da descentralização.
O PSF surge como um modelo para organizar a atenção primária dentro da
estrutura do Sistema de Saúde.
2.2. Programa Saúde da Família:
Em 1991, o Ministério da Saúde formou o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde-PACS. A partir dessa iniciativa, começou–se a enfocar a
família como unidade de ação programática de saúde. Na realidade, já havia
24
experiências de práticas em saúde com agentes comunitários sendo
desenvolvidas de forma isolada e focalizada em diversas regiões do país, nos
estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará, neste último constituindo-se
como política estadual (VIANA; DAL POZ, 2005).
O PACS é considerado por muitos autores (ANDRADE, 1998; VIANA;
DAL POZ, 2005) como um antecessor do PSF, pois pela primeira vez houve um
enfoque na família e não no indivíduo, dentro das práticas de saúde. O PACS
também foi responsável pela introdução de uma visão da intervenção em saúde
através da prevenção e organização da demanda, além de valorizar a integração
com a comunidade através de um enfoque menos reducionista sobre a saúde, não
centrado apenas na intervenção médica.
Inicialmente, o PACS foi formulado com o objetivo central de reduzir
mortalidade infantil e materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, por
meio de extensão da cobertura dos serviços de saúde para as áreas mais pobres
e desvalidas. Porém, a partir da experiência acumulada pelo estado do Ceará com
o PACS ali implantado, houve a percepção, pelo próprio Ministério da Saúde, de
que os agentes poderiam também ser peça importante para a organização do
serviço básico de saúde no município (VIANA; DAL POZ, 2005).
O PACS foi um programa responsável por implementar o SUS e
organizar os Sistemas Locais de Saúde–SILOS, principalmente porque, para sua
implantação no município, exigia-se o funcionamento dos Conselhos Municipais
de Saúde, a existência de uma unidade básica de referência do programa, a
disponibilidade de um profissional de nível superior na supervisão e auxílio às
ações de saúde e a existência de fundo municipal de saúde para receber os
recursos do programa (VIANA; DAL POZ, 2005).
De modo formal, o surgimento do PSF
2
no Brasil deu-se a partir de
uma iniciativa do município de Quixadá, localizado no sertão do Ceará. No
decorrer de 1993, foi realizada ampla discussão sobre SILOS e modelos
assistenciais, na qual se focava um novo projeto para a atenção básica, que
2
O termo mais apropriado seria “Estratégia Saúde da Família”, ao entender que o PSF, na realidade, se trata
de uma estratégia de organização da Atenção Primária em Saúde. Entretanto, opta-se nesse estudo pela
utilização da denominação “Programa”, por se tratar do termo já originalmente concebido e oficialmente
desenvolvido
.
25
pudesse incorporar recursos médicos e de enfermagem. Neste âmbito, o referido
projeto foi debatido, em dezembro de 1993, em Brasília, com a participação de
técnicos do Ministério da Saúde, de Secretarias Estaduais de Saúde, de
Secretarias Municipais de Saúde, consultores internacionais e especialistas em
atenção primária
(ANDRADE, 1998; VIANA; DAL POZ, 2005). A reunião esteve
assentada na discussão de uma proposta a partir do êxito do PACS e da
necessidade de incorporar novos profissionais para que os agentes não
trabalhassem de forma isolada.
Somente em março de 1994, o Ministério da Saúde lançou,
oficialmente, o PSF, com gerenciamento e organização da Coordenação de Saúde
da Comunidade-COSAC, subordinada à Secretaria da Assistência à Saúde-SAS
(BRASIL, 1998). A experiência cearense deslocou o eixo do programa de
medicina da família para saúde da família e ofereceu a base para a
institucionalização e a federalização do modelo (ANDRADE, 1998).
A base do programa, segundo o documento oficial, é reorientar os
serviços de saúde, destacando que “ao contrário do modelo tradicional, centrado
na doença e no hospital, o PSF prioriza as ações de proteção e promoção à saúde
dos indivíduos, das famílias e das comunidades, tanto adultos quanto crianças,
sadios ou doentes, de forma integral e contínua”,
com fins
à melhoria do estado de
saúde da população e da qualidade de vida dos brasileiros (BRASIL, 1998). A
proposta do PSF provocaria uma transformação interna do sistema de saúde, a
partir da construção de um modelo de atenção, que resgate no exercício da
prática os princípios e diretrizes do SUS, ou seja, garanta o atendimento universal,
gratuito, organizado, hierarquizado, segundo a complexidade da atenção e
regionalizado conforme a distribuição populacional e do quadro de
morbimortalidade e fatores de risco das comunidades.
Embora rotulado como programa, o PSF, por suas especificidades, foge
à concepção usual dos demais programas concebidos pelo Ministério da Saúde, já
que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de
saúde. Pelo contrário, caracteriza-se como estratégia que possibilita a integração
e promove a organização das atividades em um território definido com o propósito
26
de enfrentar e resolver os problemas identificados. A melhor definição para o PSF
seria a de um modelo de atenção que pressupõe o reconhecimento de saúde
como um direito de cidadania, expresso na melhoria das condições de vida; no
que toca a área de saúde, essa melhoria deve ser traduzida em serviços
resolutivos, integrais e, principalmente, humanizados (GODINHO; CURI, 2005).
Por modelo de atenção entende-se
um conceito que estabelece intermediações entre o técnico e o político.
Como uma dada concretização de diretrizes de política sanitária em
diálogo com um certo saber técnico. Uma tradução para um projeto de
atenção à saúde de princípios éticos, jurídicos, organizacionais, clínicos,
socioculturais e da leitura de uma determinada conjuntura epidemiológica
e de um certo desenho de aspirações e de desejos sobre o viver
saudável. Modelo, portanto, seria esta coisa tensa, que nem é só política
e tampouco só tecnologia (CAMPOS, 2006: p. 266).
Assim, são estratégias operacionais do PSF: i) ter a família como foco
da atenção; ii) eleger o princípio de atuação pautado na vigilância à saúde; iii)
buscar o desenvolvimento do trabalho em equipe, que resgate, na prática
profissional, a dimensão da atuação multiprofissional e iv) trabalhar a adscrição da
clientela (BRASIL, 1998).
Em relação aos recursos humanos, as equipes do programa foram,
inicialmente, compostas por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de
enfermagem e quatro a seis agentes de saúde. Segundo recomendações do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a), cada equipe deveria ser responsável por,
no máximo, 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000 pessoas.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 648
(BRASIL, 2006a) define para a ESF algumas atribuições que devem conduzir para
a reorganização da prática, são elas: definição do território de atuação das
unidades de saúde; programação e implementação das atividades, com a
priorização de solução dos problemas de saúde mais freqüentes, considerando a
responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea;
desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo de
saúde-doença da população e ampliar o controle social na defesa da qualidade de
vida; desenvolvimento de ações focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de
risco comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de prevenir
27
o aparecimento ou a manutenção de doenças e danos evitáveis; assistência
básica integral e contínua, organizada à população adscrita, com garantia de
acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial; implementação das diretrizes da
Política Nacional de Humanização, incluindo o acolhimento; realização de primeiro
atendimento às urgências médicas e odontológicas; participação das equipes no
planejamento e na avaliação das ações; desenvolvimento de ações intersetoriais,
integrando projetos sociais e setores afins, voltados para a promoção da saúde; e
apoio a estratégias de fortalecimento da gestão local e do controle social.
Então, é responsabilidade da equipe prestar assistência integral,
efetiva, contínua e com qualidade, considerando a perspectiva da família, através
de abordagem interdisciplinar, planejamento de ações, organização do trabalho e
compartilhamento de decisões.
Dentro da lógica operacional do PSF, o foco da atenção da equipe
multiprofissional passa então a ser a família, que torna partícipe do processo
saúde-doença, além de ser no espaço da unidade familiar que se desenvolvem as
ações preventivas, curativas e de reabilitação. Qualquer tipo de intervenção da
equipe é considerado como familiar. O que ocorre na prática é que, em alguns
casos, o termo família perde a especificidade. Isso ocorre porque o eixo que
orienta a intervenção familiar são os programas de saúde pública planejados e
padronizados nas instâncias hierarquicamente superiores da burocracia do setor
saúde. A percepção e a intervenção dos profissionais locais tendem então a
ficarem restritas. Se por um lado a padronização facilita a expansão do Programa,
por outro, simplifica e empobrece o seu alcance por não considerar as
manifestações locais dos problemas de saúde.
Através das visitas domiciliares realizadas pela equipe, torna-se
possível uma relação mais próxima com a população, conseqüentemente
estabelecendo um vínculo, o qual facilita a adesão da população às ações e aos
serviços de saúde. Pelo vínculo, a população sente-se mais acolhida e melhor
cuidada, o que estimula a construção da autonomia e participação no manejo
terapêutico, aonde há uma relação de respeito, valorização das particularidades e
co-responsabilização da população pelo seu próprio bem-estar. Para Campos
28
(2006), a prática clínica assentada no vínculo permite que o serviço de saúde
acompanhe, identifique os resultados do trabalho de cada profissional, oferecendo
na prática a cidadania pelo paciente e família.
Alguns estudos apontam algumas dificuldades na efetivação da
proposta do PSF, afirmando tratar-se de um programa direcionado para pobres,
como Mendes (2002), que destaca que o PSF, mesmo sendo um programa criado
para organização do sistema de serviços de saúde, ainda tem um papel ambíguo
por possuir forte conotação de um programa focalizado em regiões e grupos
populacionais desfavorecidos.
Godinho e Curi (2005) desenvolveram um estudo que aponta, como
problema do PSF, o fato do processo de trabalho ainda ser desenvolvido de forma
médico-centrada, operando centralmente na produção do cuidado e da cura. As
autoras afirmam ser necessária a existência de uma ação que reorganize o
trabalho do médico e dos outros profissionais, de forma interdisciplinar e integral.
Rodrigues (2006) converge com a opinião de Godinho e Curi (2005), ao
apontar a prática dos profissionais como o grande obstáculo à efetiva implantação
do PSF, pois esses não conseguem atender adequadamente as novas
necessidades de prestação dos cuidados de saúde, como integralidade, visão
ampliada do processo saúde-doença, formação de vínculos, abordagem familiar,
trabalho em equipe. O mesmo ocorre em relação à gestão do sistema, baseada
em lógica quantitativa da produção, rigidez nos processos de trabalho, não fixação
das equipes, normatização excessiva, baixa capacidade de inovação gerencial,
grande dependência dos serviços secundários, referência e contra-referência
truncadas.
Sobre o PSF do Ceará, Andrade (1998) realizou pesquisa em que
identificou diversas dificuldades no desenvolvimento de trabalho das equipes. A
autora cita como exemplos: poucos recursos financeiros, deficiência de infra-
estrutura das unidades de saúde, profissionais com formação não apropriada para
o trabalho em comunidade, carência de transporte para o deslocamento da
equipe, medicamentos insuficientes e dificuldade de acesso para as localidades. A
pesquisa foi realizada há uma década, e mesmo com grande expansão do PSF e
29
com melhoria de acesso, alguns dos obstáculos citados podem ser encontrados
na realidade atual.
Ainda sobre o PSF no Ceará, é importante acrescentar que a gestão
estadual adotou esse modelo como norteador das ações básicas do sistema de
saúde. Dessa forma, atualmente o estado conta com equipes de saúde da família
e equipes de saúde bucal distribuídas nas 22 Células Regionais de Saúde-
CERES, abrangendo a totalidade dos municípios. Da mesma forma, a capital,
Fortaleza, adotou esse modelo como re-orientador do seu sistema de saúde.
O sistema de saúde de Fortaleza caracterizou-se, durante os últimos 30
anos, pelo enfoque na hospitalização em detrimento estrutural da atenção básica.
O cenário era de descaso e falta de investimentos na própria rede, tanto
especializada como básica. Na atenção básica, a maioria dos Centros de Saúde
da Família não tinha infra-estrutura adequada, pois haviam sido construídos antes
do advento constitucional do SUS, obedecendo a padrões arquitetônicos que se
distanciam do que se entende como ambiência e humanização adequada dos
espaços de produção de saúde. Tinham-se estruturas verticalizadas e
centralizadas, com uma prática médica voltada para ações curativas,
individualizadas, assistencialistas e especializadas. Este sistema não gerava
resultados satisfatórios, devido às dificuldades de acesso e de resolutividade,
além da má qualidade da atenção. O surgimento do PSF representou apenas uma
cobertura de 15% da população, o que não garantia assistência adequada e
acompanhamento efetivo e contínuo das famílias (FORTALEZA, 2007).
Entretanto, com a mudança de gestão ocorrida em 2005, e a
implantação efetiva do PSF, Fortaleza passou por um processo de reestruturação
dos serviços, ampliando o número de profissionais de saúde através de um
concurso público, realizado no ano de 2006, em que se ofertaram vagas para 460
dentistas, 460 enfermeiros e 460 médicos, com o intuito de formar 460 equipes de
saúde da família, durante a gestão governamental de 2005 a 2008. Após a
divulgação dos aprovados, foram contratadas 304 equipes e, com isso, a
Prefeitura de Fortaleza, ampliou a cobertura do PSF de 15% para 43,44% da
população local. Atualmente, têm-se equipes de saúde da família em todas as
30
unidades básicas da capital que passaram a ser chamadas de Centros de Saúde
da Família-CSF (FORTALEZA, 2007).
As mudanças a partir da nova gestão alcançaram a totalidade do
sistema de saúde. Atualmente, o modelo de gestão e de atenção integral à saúde
do Sistema Municipal de Saúde de Fortaleza está sendo organizado por meio de
cinco Redes Assistenciais (RA). São elas:
Rede Assistencial da Estratégia Saúde da Família.
Rede Assistencial Ambulatorial Especializada.
Rede Assistencial da Urgência e Emergência.
Rede Assistencial Hospitalar.
Rede Assistencial Integrada em Saúde Mental.
Na Rede Assistencial da Estratégia Saúde da Família, após a
convocação dos aprovados no concurso público, a divisão das equipes de saúde
da família ficou assim configurada: 36 equipes na SER I, 38 equipes na SER II, 63
equipes na SER III, 33 equipes na SER IV, 64 equipes na SER V e, finalmente, 70
equipes na SER VI. O maior número de equipes ficou concentrado nas SER V e
VI, devido a três variáveis muito importantes: dimensão territorial, grandeza
populacional e maior proporção de pessoas em situação de pobreza
(FORTALEZA, 2007).
Nesse cenário de reestruturação, observa-se também o
desenvolvimento de um processo consistente, crítico, da territorialização em
saúde do município, com a participação dos novos profissionais de Saúde da
Família. Dessa forma, o processo de trabalho desses profissionais fica organizado
a partir da identificação das microáreas de saúde, onde as equipes de saúde da
família definem seu território e suas responsabilidades sanitárias. Essas micro-
áreas são classificadas de acordo com critérios coletivos de risco, que consideram
os riscos ambientais, aspectos sócio-econômicos, infra-estrutura de saúde e
cobertura da ESF (FORTALEZA, 2007).
Dessa forma, todas as quadras da cidade foram classificadas em quatro
tipos de áreas de risco. Na micro-área de risco tipo 1, estão presentes as pessoas
com maior vulnerabilidade e risco no processo saúde-doença, que corresponde a
31
aproximadamente 300 mil habitantes. Estas áreas são de prioridade total e são
consideradas como habitadas pelos “excluídos” da sociedade. A área de risco tipo
2, com mais de 900 mil habitantes, corresponde ao grupo populacional com baixa
renda, moradores de favelas urbanizadas e próximos às áreas criticas tipo 1. Na
área de risco tipo 3, encontra-se a população das camadas medias da sociedade,
já com um certo grau de melhorias sociais e menor vulnerabilidade, que
corresponde a cerca de 900 mil habitantes. Por ultimo, há as áreas nobres da
cidade, áreas desabitadas, grandes fábricas e reservas naturais, que constituem
as áreas do tipo 4. Essas áreas do tipo 4 não são prioridades para as ESF, mas
surgem como prioridade para a vigilância a saúde e ambiental. Para as ESF, a
prioridade é trabalhar com as micro-áreas de risco do tipo 1 e 2. Atualmente, as
microáreas de risco tipo 1 encontram-se cobertas pelo trabalho do PSF e as de
risco 2 apresentam cobertura variável (FORTALEZA, 2007).
Paralelamente ao processo de territorialização em Fortaleza, houve
concurso público para seleção de agentes comunitários de saúde, visando
complementar as ESF em todas as microáreas. Os ACS já foram selecionados e
estão sendo convocados (FORTALEZA, 2007).
Em outro nível de atenção, Fortaleza possui a Rede Ambulatorial de
Atenção Especializada-RAAE composta pela Central de Regulação e Referência
das Internações de Fortaleza-CRRIFOR, Central de Marcação de Consultas e
Exames Especializados-CMCEE, Equipe de Auditoria, Avaliação e Controle-EAAC
e Diretoria de Programação de Recursos Hospitalares e Laboratoriais-DPHL.
Mesmo com o aumento do acesso da população aos serviços
especializados, esse ainda é um grande obstáculo para a efetiva integralidade da
atenção. Devido à grande demanda por esses serviços, normalmente há uma
imensa fila, hoje eletrônica, de espera por certos atendimentos. Há então uma
dificuldade na referência e contra-referência de pacientes, que muitas vezes
esperam por um atendimento por vários meses ou anos, sem a resolubilidade de
seu problema.
O Serviço de Urgência e Emergência em Fortaleza é constituído pelo
Serviço de Atendimento Médico de Urgência–SAMU. Em média, são realizados
32
200 atendimentos/dia, com maior número de chamadas para as áreas clínica e de
trauma, com cerca de 80%. Um grande problema para esse serviço é a
quantidade de ligações que não se constituem em urgência. Cerca de 30% das
ligações diárias são trotes telefônicos, que congestionam as linhas e dificultam o
atendimento (FORTALEZA, 2007).
Quanto à Rede Assistencial Hospitalar, em Fortaleza há um total de 61
unidades de saúde, sendo 33% da esfera pública e 67% da privada. Das unidades
públicas, 45% são municipais, 40% são estaduais e 15% são federais. Fortaleza
conta, na sua rede própria, com uma unidade de nível terciário, o Instituto Dr. José
Frota/Centro-IJF, oito hospitais municipais de nível secundário e unidades
hospitalares privadas, conveniadas e/ou contratadas pelo SUS. A grande maioria
dessas unidades hospitalares privadas, cerca de 70%, está localizada nas SER II
e IV. A SER VI não dispõe, em seu território físico, de nenhum estabelecimento
privado conveniado e/ou contratado pelo SUS, enquanto a SER V só apresenta
uma unidade privada.
A assistência psiquiátrica também vem passando por extensas e
profundas modificações dentro desse contexto de reorientação dos serviços. O
modelo anterior, centrado no hospital especializado, de natureza asilar, cede lugar
a uma rede extra-hospitalar, comunitária, sob o paradigma da atenção
psicossocial. A Rede Assistencial Integrada de Saúde Mental, instalada nos
últimos dois anos, compõe-se de seis Centros de Atenção Psicossocial – CAPS,
para atendimento geral, seis CAPS para álcool e outras drogas, dois CAPS
focados no atendimento infantil, todos sob uma coordenação colegiada. Os CAPS
atendem, prioritariamente, pessoas com transtornos mentais graves, em situação
de crise, mas pode avançar para o atendimento a várias naturezas de transtorno
mental menos grave, a condições de sofrimento mental na vida cotidiana e a
trabalhos de promoção de saúde e de educação para a longevidade e a qualidade
de vida, numa cultura de paz e não violência (FORTALEZA, 2007).
2.3. Saúde Bucal no Programa Saúde da Família:
33
Em 1994, o Ministério da Saúde criou o PSF, na tentativa de consolidar
a Reforma Sanitária e fortalecer o SUS. Nas ações de saúde, a Saúde Bucal foi
posta em segundo plano e seus profissionais não foram incluídos na equipe
mínima.
No entanto, desde o ano de 1995, já existia um movimento nacional em
prol da inclusão da equipe de Odontologia no PSF, iniciado no meio acadêmico de
Brasília e Curitiba. Vários municípios, como Vitória da Conquista/Ba, em 1998,
Aracaju/SE, em 1999, Maceió/AL e Ribeirão Preto/SP em 2000, entre outros,
foram pioneiros, e formaram as Equipes de Saúde Bucal no PSF, antes do
Ministério da Saúde e das entidades de classe aderirem ao movimento (ZANETTI,
2001a).
Oficialmente, a inserção da Saúde Bucal no PSF se deu pela criação de
uma equipe à parte, denominada Equipe de Saúde Bucal–ESB, composta por
Cirurgião-Dentista-CD, Técnico de Saúde Bucal-TSB e Auxiliar de Saúde Bucal-
ASB, em 28 de dezembro de 2000, através da publicação da Portaria GM/MS nº
1444, que estabelecia o financiamento da equipe, criando um incentivo, separado
do já existente para as equipes de PSF, para a organização da saúde bucal nos
municípios. Essa portaria destaca que o trabalho das ESB no PSF estará voltado
para a reorganização de acesso às ações de saúde, garantindo atenção integral
aos indivíduos e famílias a partir do vinculo territorial (BRASIL, 2000).
No ano seguinte, foi elaborado o Plano de Reorganização das Ações de
Saúde Bucal na Atenção Básica, contido na Portaria n.º 267, de 06 de março de
2001, que regulamenta a Portaria nº 1444/GM. O documento considerava a
necessidade de ampliação do acesso da população brasileira às ações de
promoção, prevenção e recuperação da Saúde Bucal; a necessidade de melhorar
os índices epidemiológicos da Saúde Bucal da população e a necessidade de
incentivar a reorganização da Saúde Bucal na atenção básica, por meio da
implantação de suas ações no Programa de Saúde da Família (BRASIL, 2001).
De acordo com os membros que compõem as equipes de saúde bucal,
podem existir duas modalidades de equipes: modalidade I, que compreende um
34
cirurgião-dentista - CD e um (a) auxiliar de saúde bucal- ASB; modalidade II, que
além do CD e ASB, inclui o TSB.
Os integrantes da equipe, além de suas atividades específicas, devem
realizar conjuntamente atribuições de planejamento, acompanhamento e avaliação
das ações desenvolvidas no território de abrangência das unidades básicas;
identificando as necessidades e expectativas da população em relação à Saúde
Bucal; estimulando e executando medidas de promoção da saúde, atividades
educativas e preventivas em Saúde Bucal; executando ações básicas de vigilância
epidemiológica em sua área de abrangência, bem como organizar o processo de
trabalho, de acordo com as diretrizes do PSF e do plano de saúde municipal. Além
disso, a ESB deve também participar do processo de educação da comunidade,
sensibilizando as famílias para a importância da Saúde Bucal na manutenção da
saúde; programando e realizando visitas domiciliares, de acordo com as
necessidades identificadas e desenvolvendo ações intersetoriais para a promoção
da Saúde Bucal (BRASIL, 2001).
A relação entre as equipes, saúde bucal e saúde da família,
inicialmente foi determinada na proporção de uma ESB / duas ESF, implantadas
ou em processo de implantação, aonde cada ESB deveria atender, em média
6.900 habitantes (BRASIL, 2000). A partir da nova Portaria GM/MS 673, de 3 de
Junho de 2003, estabeleceu-se que poderiam ser implantadas tantas ESB quantas
forem as ESF em funcionamento nos municípios, desde que não ultrapassassem
o número existente de ESF e considerassem a lógica de organização da atenção
básica (BRASIL, 2003).
A proposta inicial limitava o envolvimento das ações da ESB nas
atividades do PSF e um grande avanço foi dado no sentido de superar o
problema, quando o MS permitiu a incorporação das novas equipes, de acordo
com o número de equipes de PSF em funcionamento. Com essa medida, houve
um grande aumento do número de ESB implantadas no País (PEQUENO, 2005).
Como parte do PSF, a Odontologia resgata a matriz ideológica do
programa, ou seja, apresenta as seguintes características operacionais: caráter
substitutivo das práticas tradicionais exercidas nas unidades básicas de saúde;
35
adscrição da população sob a responsabilidade da unidade básica de saúde;
integralidade da assistência prestada à população adscrita; articulação da
referência e contra-referência aos serviços de maior complexidade do Sistema de
Saúde; definição da família como núcleo central de abordagem; humanização do
atendimento; abordagem multiprofissional; estímulo às ações de promoção da
saúde, à articulação intersetorial, à participação e ao controle social e educação
permanente dos profissionais (BRASIL, 2001).
Durante muitas décadas, a atenção à saúde bucal caracterizou-se por
prestar assistência aos escolares, por meio de programas voltados para a cárie e
a doença periodontal. A prática odontológica centrava-se em uma atenção
baseada em ações individuais, curativistas, de baixa cobertura, centradas no
aspecto biológico da doença e no pronto atendimento. Com o conhecimento
aprofundado do processo saúde doença das principais patologias bucais, houve
uma mudança progressiva na assistência, inserindo-se ações coletivas de
prevenção e educação.
Esse esforço pode ter contribuído para a diminuição da incidência de
cárie na população em geral, melhorando a saúde bucal da população, como
demonstrado no Levantamento Epidemiológico Nacional de Saúde Bucal,
denominado SB Brasil, cujo objetivo foi produzir informações sobre as condições
de saúde bucal da população brasileira, a fim de subsidiar o
planejamento/avaliação de ações nessa área. Os resultados indicaram redução do
número de cáries, entretanto o edentulismo aumentou, sendo apontado como um
grave problema do país (BRASIL, 2004a).
É coerente afirmar que, com a ampliação das equipes de saúde bucal,
houve um grande avanço na saúde bucal, representado pelo maior acesso da
população aos serviços, mas sem ocorrer rompimento das práticas médicas-
centradas.
Um dos motivos principais desse avanço das ESB foi representado pela
adoção de políticas públicas de saúde, principalmente a Política Nacional de
Saúde Bucal denominada Brasil Sorridente, lançada em março de 2004 pelo
Ministério da Saúde, que foi responsável pela ampliação do atendimento, pois
36
suas ações não se restringiam apenas ao repasse de incentivos financeiros
isolados, mas ao incentivo para as ESB; implantação de laboratórios de prótese
em todo o país, disponibilizando prótese dentária na rede de assistência básica,
ampliando e qualificando a Atenção Básica; inclusão de insumos odontológicos na
farmácia básica do PSF, apoio para fluoretação das águas de abastecimento;
aumento da resolutividade na atenção básica; levantamento das condições de
saúde bucal da população brasileira; geração de cerca de 25 mil empregos diretos
na área de saúde bucal (BRASIL, 2004b).
Até o lançamento do Brasil Sorridente, a atuação do governo federal, na
saúde bucal, se resumia ao repasse de recursos para cada equipe montada por
município. É importante observar um esforço do atual governo em ampliar a
cobertura e o acesso da população aos serviços da odontologia.
Em Fortaleza, existem ESB distribuídas em todos os CSF. Ao todo, são
233 equipes. De 2005 a 2006 houve um aumento de quase 120% do número de
equipes, o que representa, conseqüentemente, um aumento da oferta de serviços
(FORTALEZA, 2007). Para adequar-se à contratação das equipes de saúde bucal,
os CSF passaram por reformas e por instalações de novos equipamentos
odontológicos, registrando um aumento de 30% da capacidade odontológica
instalada. Importa salientar que a ação de um dentista da estratégia saúde da
família não pode se basear apenas no aparato tecnológico, e muito menos ter sua
ação limitada e dependente dos equipamentos.
Em relação à demanda, a população de Fortaleza esteve
historicamente carente de assistência odontológica no setor público. Atualmente, a
gestão busca solucionar essa demanda reprimida, organizando-a em três eixos:
através do agendamento, do pronto-atendimento e da urgência. Dessa forma,
houve uma ação de triagem dos casos que estavam aguardando atendimento e
uma organização desse atendimento sob a lógica de tratamento completado, ou
seja, a finalização de todas as necessidades de cada usuário, pelo menos em
relação aos procedimentos básicos, para diminuir a demanda reprimida
(FORTALEZA, 2007). Mesmo com essa ação desenvolvida, devido a grande
37
demanda acumulada, ainda é grande o número de pacientes excluídos desse tipo
de atenção.
Uma outra mudança implantada a partir do novo modelo de atenção
bucal foi a incorporação de ações coletivas sistemáticas em espaços sociais.
Essas ações são realizadas através de um protocolo elaborado pela prefeitura
(FORTALEZA, 2006), que inclui desde a distribuição de insumos de higiene bucal,
como escovas dentais, dentifrícios e fios dentais, até a realização de atividades
educativas, escovação orientada e aplicação tópica de flúor. Sem dúvida, essas
ações coletivas contribuíram para a melhoria do serviço e para a integralidade da
atenção. Teve como vantagem a incorporação de pessoal auxiliar, favorecendo
um maior tempo clínico ao dentista. Entretanto, por um outro lado, um “protocolo”
elaborado pela prefeitura, sem discussão com a comunidade, sem basear-se em
dados epidemiológicos importantes, tende a surtir pouco efeito. Além do mais,
essas ações coletivas acabam restritas a espaços como escolas e creches,
remetendo a modelos de saúde bucal ultrapassados, que priorizavam ações aos
escolares, em detrimento de outros grupos populacionais.
Em relação à prática clínica individual, as equipes de saúde bucal
devem proporcionar resolutibilidade em todos os procedimentos da atenção
primária, tais como: profilaxia, aplicação tópica de flúor, restaurações, cirurgias
simples e remoção de cálculo supragengival. Para os procedimentos
especializados, é feito um encaminhamento para os Centros de Especialidades
Odontológicas-CEO, que em Fortaleza são em um total de quatro unidades.
A assistência odontológica especializada ainda se constitui como um
obstáculo para os usuários, pois, para certos procedimentos, há uma longa fila de
espera ou não há ofertas de vagas. Dessa forma há uma ruptura na continuidade
do tratamento, o que acarreta, em longo prazo, em prejuízo da saúde bucal. Esse
limite no acesso e na referência ainda é o principal entrave para a integralidade da
assistência odontológica em Fortaleza.
2.4. Processo de Trabalho em Saúde:
38
Trabalho é definido por Sampaio (1998) como sendo um complexo de
atividades que resulta na apropriação da natureza pelo homem, media os
procedimentos de apropriação e reproduz o próprio homem, revestindo-se de
formas específicas a cada modo de produção das condições de existência. Nos
processos de trabalho estão envolvidos os meios de produção - condições de
trabalho, formas de exploração, sistemas de distribuição da riqueza produzida,
processos técnicos, produtos - e a capacidade humana de criar e transformar -
projeto, criatividade, sociabilidade, significados, resistências. O trabalho gera,
portanto, utilidade e bens, mercado e mercadorias, valores e relações sociais,
constituindo-se em atividade humana por excelência.
O processo de trabalho passa por modificações permanentes, em
acordo com as mudanças da base produtiva, das tecnologias desenvolvidas e dos
modos de produção e de distribuição de riqueza e de poder. Com o advento do
modo de produção capitalista, sobretudo a partir da Revolução Industrial, as
modificações têm sido sucessivas e radicais. A partir da segunda metade do
século XX, momento de uma nova transição tecnológica, em que se observou, no
plano das indústrias e dos serviços, a introdução da comunicação em tempo real e
da informática, além da hegemonia do sistema financeiro, foram revolucionados o
parcelamento dos processos de trabalho, o mercado de trabalho, os
procedimentos produtivos e a acumulação do próprio capital (MERHY, 2007b).
Alguns autores analisam essa temática de trabalho e transição
especificamente no setor saúde (MENDES-GONÇALVES, 1994; CAMPOS, 2006;
PIRES, 1998, PEDUZZI, 2001; MERHY, 2007a; 2007b). Por exemplo, Pires (1998)
acredita que as mudanças ocorridas no trabalho industrial e nos serviços
influenciaram o setor saúde, destacando-se o uso intensivo de equipamentos de
tecnologia de ponta e a terceirização. A autora inclui trabalho em saúde como
parte do setor de serviços, o qual também sofreu a influência das organizações
produtivas hegemônicas, como o Taylorismo e o Fordismo.
Vilela (2003) converge com a autora, quando afirma que as práticas de
trabalho em saúde se apresentam predominantemente fragmentadas e
39
parcializadas, devido a forte influência do paradigma cartesiano, representado
através da fragmentação do conhecimento, como uma forma de atender as
necessidades da industrialização. Dessa forma, cada vez mais, valorizou-se a
noção de especialização para suprir os processos de produção e comercialização.
No campo das práticas sociais, novas profissões foram criadas e um novo sistema
de ensino e formação foi se estruturando, com base na estratégia da
disciplinaridade, caracterizada pela fragmentação do objeto e pela crescente
especialização do sujeito científico.
Entretanto, mesmo sofrendo a influência das organizações produtivas
hegemônicas, o trabalho em saúde apresenta-se com uma forma de trabalho
diferenciado, pois o saber no campo da saúde e o seu produto final, a própria
prestação da assistência de saúde, é produzida no mesmo momento em que é
consumida, sendo indissociável o produto do processo que o produz. Merhy
(2007b) concorda com a autora ao afirmar que o processo de trabalho em saúde é
um trabalho vivo. Dessa forma, só existe em ato, em ação, no momento do
trabalho em si. Difere-se, também, por não se expressar apenas através de
equipamentos ou de saberes estruturados, mas opera-se através de tecnologias
de relações, de encontro de subjetividades, através das práticas de acolhimento,
vínculo e autonomização, definidas por Merhy (2007a; 2007b) como tecnologias
do tipo leve. A introdução dessas novas tecnologias transforma de modo radical o
processo de trabalho (MENDES-GONÇALVES, 1994) e possibilita a classificação
de Merhy (2007a), já referida, em leves, ou relacionais; leve-duras, ou
especializadas estruturadas; e duras, ou instrumentais e normativas.
Mendes-Gonçalves (1994), ao discutir as relações que ocorrem no
processo de trabalho em saúde, considera que a tecnologia é um conjunto de
saberes e instrumentos que expressa, nos processos de produção dos serviços, a
rede de relações sociais em que seus agentes articulam sua prática. Para o autor,
tecnologia refere-se aos nexos técnicos estabelecidos, no interior do processo de
trabalho, entre a atividade operante e os objetos de trabalho, através daqueles
instrumentos que ganham existência, no trabalho, quando expressam relações
entre os homens e os objetos sobre os quais trabalham.
40
No processo de trabalho em saúde há um encontro do agente produtor,
com suas ferramentas de conhecimentos, equipamentos, tecnologias de modo
geral, com o agente consumidor, tornando-o em parte objeto da ação daquele
produtor, mas sem que com isso deixe de ser também um agente que, em ato,
põe suas intencionalidades, conhecimentos e representações, expressos como
um modo de sentir e elaborar necessidades de saúde para o momento do
trabalho.
Campos (2006) discutiu essa temática, inserida no contexto da Reforma
Sanitária, considerando que as mudanças propostas pelo movimento da Reforma
Sanitária - no aparato legal e na estrutura político-administrativa - não levavam em
conta as pessoas que operariam e usufruiriam dessa máquina, gerando um
impasse com os trabalhadores de saúde da área pública, que se encontravam
frustrados, descontentes, trabalhando pela sobrevivência e para garantir um certo
nível de consumo.
Diante disso, Merhy (2007a), ao refletir sobre o processo de trabalho na
saúde, concorda com Campos (2006), ao considerar que os profissionais da
saúde, no seu processo de produção, transformam-se em objeto, vítimas do
modelo liberal-privatista que coisifica a relação trabalhador-usuário, tornando-os
meros portadores dos saberes que os comandam e agindo como simples
cumpridores de rituais, sem a visão dos problemas e necessidades, o que gera
insatisfação e busca de compensações, como o consumismo e a utilização de
processos tecnológicos. Esses profissionais desconhecem seu papel em relação
ao objeto de trabalho, aos meios de trabalho e também em referência à equipe de
saúde; há trabalho em grupo, mas não há identidade do trabalhador coletivo.
Segundo Campos (2006), os sujeitos sociais envolvidos na reforma dos sistemas
de saúde deveriam ser responsáveis em construir um modelo de atenção que se
ordenasse pela radical defesa da vida, confrontando-se com os projetos
neoliberais presentes nos modos de gerir os serviços tanto no plano político como
produtivo.
É indispensável a construção de um compromisso entre os
trabalhadores de saúde com o mundo das necessidades dos usuários, o que
41
permite explorar o que as tecnologias de saúde detêm de efetividade, modificando
o modo de fazer saúde. Essa construção de compromisso trabalhador-usuário
passa pela busca da construção de um modelo tecnoassistencial que não pode
desprezar nenhum recurso tecnológico, clinico ou sanitário para sua ação, no qual
ocupa lugar estratégico o trabalho médico comprometido e vinculado com os
usuários, individuais e coletivos, atuando em equipes multiprofissionais,
operadores de conhecimentos multidisciplinares (CAMPOS, 2006).
Para que isso seja possível, é necessário superar o modelo médico
hegemônico neoliberal, constituindo organizações de saúde gerenciadas de modo
mais coletivo, além de processos de trabalho cada vez mais partilhados, buscando
um ordenamento organizacional coerente com uma lógica usuário-centrada, que
permita construir cotidianamente vínculos nas formatações das intervenções
tecnológicas em saúde, conforme suas necessidades individuais e coletivas
(MERHY, 2007b).
O processo de trabalho em saúde tem a dificuldade, muitas vezes, de
abranger essa tecnologia do cuidado ou desvaloriza-a diante da tecnologia do tipo
dura. Dentro da lógica médico-centrada vigente, o saber médico representa o
saber racional e científico na área da saúde, que para alcançar a objetividade,
precisa ocultar a dimensão emocional do profissional, inclusive negando o aspecto
psicossocial do paciente, como já anteriormente citada (GHIORZI, 2003).
Campos (2006) aponta as conseqüências de uma prática de saúde
taylorista. Segundo ele, essa prática pode ser traduzida pela acumulação de
normas administrativas e padronizações técnicas, guiadas por crenças na
possibilidade de controlar e regulamentar o conjunto total do trabalho, favorecendo
a fragmentação e a desarticulação das intervenções.
Como uma forma de enfrentar o intenso processo de fragmentação na
área da saúde, Peduzzi (2001) propõe o trabalho em equipe. De acordo com a
autora, o trabalho em equipe multiprofissional consiste em uma modalidade de
trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas
intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais.
Segundo ela, em uma equipe é necessário ter uma integração, representada pela
42
articulação das ações, interação comunicativa dos agentes e superação do
isolamento dos saberes, consoante a proposta de integralidade das ações de
saúde.
Na prática, entretanto, observa-se um processo de fragmentação dentro
da própria equipe, devido a uma desigualdade de valor entre os diversos membros
da equipe. Isso ocorre porque, historicamente a prática dos médicos foi a
fundadora da técnica científica moderna na área da saúde e, portanto, núcleo
original do qual os outros trabalhos especializados derivam. Dessa forma, os
trabalhos que se separam ou se agregam ao trabalho do médico configuram um
conjunto diversificado de áreas profissionais, necessárias à implementação da
totalidade das ações que podem viabilizar a atenção integral a saúde. No entanto,
configuram não somente trabalhos diferentes tecnicamente, mas também
desiguais quanto à valorização social. Assim, observa-se que não há apenas
diferenças técnicas, mas também uma hierarquia estipulada pelo saber médico
(PEDUZZI, 2001). Cria-se então uma desigualdade social dentro da equipe, que
se reflete em disputa de poder-espaço e, conseqüentemente, em desarticulação
das ações.
No trabalho em saúde, a equipe multiprofissional deve buscar a
interdisciplinaridade, centrando-se no usuário não apenas como objeto do
trabalho, mas como sujeito do processo terapêutico, proporcionando que dentro
da equipe de saúde seja construído um ambiente de experiência profissional e
ferramenta de apropriação de saberes e práticas e de transformações (CECCIM,
2004). Vislumbra-se a interdisciplinaridade como o meio de transcender e
atravessar o conhecimento fragmentado, oferecendo um cuidado mais resolutivo
ao paciente, acolhendo-o e produzindo o vínculo.
Dessa forma, é pertinente discutir os conceitos de multidisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. O termo multidisciplinaridade remete a
uma simples justaposição de disciplinas, sem que haja trocas enriquecedoras e
transformadoras entre as especialidades. Já a interdisciplinaridade pode ser
entendida como a interação existente entre duas ou mais disciplinas, em contexto
de estudo de âmbito coletivo, no qual cada uma das disciplinas em contato é, por
43
sua vez, modificada e passa a depender claramente das outras. É a substituição
de uma concepção fragmentária para uma unitária do ser humano, associada ao
desenvolvimento de flexibilidade, confiança, intuição, paciência e sensibilidade em
relação às demais pessoas. Resulta em enriquecimento recíproco e na inter-
transformação de conceitos (VILELA, 2003). A transdisciplinaridade, por sua vez,
pode ser entendida não apenas como uma comunicação entre os campos
disciplinares, mas entre os agentes em cada campo (ALMEIDA FILHO, 1997).
A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade surgem como um meio
de superar o isolacionismo das disciplinas, sendo uma ferramenta que deve
nortear o trabalho multiprofissional, caracterizando-o como uma prática mestiça,
capaz de escapar ao limite disciplinar das profissões e de se expor à alteridade,
sem hierarquização e sem divisões técnicas ou sociais, com os usuários e com a
equipe de saúde (CECCIM, 2004).
No processo de trabalho em saúde, o ato terapêutico deve ocorrer em
vários planos e se realizar por intermédio das múltiplas categorias profissionais e
múltiplos campos de conhecimento e de práticas, em uma perspectiva entre-
disciplinar de produção de cuidado pelos sujeitos. Essa perspectiva desafia os
modos disruptores das práticas de pensamento e de operação profissional
cientificistas (CECCIM, 2004). Sob essa perspectiva, a equipe multiprofissional de
saúde teria a oportunidade de compor e inventar a intervenção coletiva,
dialogando entre si e articulando ações conjuntamente.
O debate da adoção de uma prática substitutiva no campo da saúde
ainda encontra-se incipiente, e mesmo com os esforços em flexibilizar as
fronteiras disciplinares do conhecimento e da técnica, ainda se observam grandes
dificuldades. Vilela (2003) atribui essas dificuldades ao mito existente de que
apenas uma ciência técnica, objetiva e neutra conduza necessariamente ao
progresso, além da existência de obstáculos de ordem psicossocial de dominação
dos saberes, uma forte tradição positivista e biocêntrica no tratamento dos
problemas de saúde, e a competição dentro da equipe.
A mudança para uma ação interdisciplinar só será possível quando os
profissionais realizarem uma ação flexível, em que, mesmo atuando em suas
44
próprias áreas, sejam capazes de executarem ações comuns, estabelecendo
diálogos e ampliando a definição de tarefas através de pacto construído na própria
equipe. As atividades específicas e as comuns compõem o projeto assistencial
construído pela equipe.
A interdisciplinaridade, como desejada, ainda é uma realidade distante
das práticas predominantes no PSF, com ou sem ESB. A presença das ESB
agudizam as contradições já existentes entre médicos e enfermeiros, entre
profissionais de nível superior e profissionais de nível médio. Seja por uma disputa
de poder-espaço, ou uma auto-afirmação da especialidade, os trabalhadores de
saúde tendem a ter dificuldade em interagir seus saberes. Para que não seja uma
utopia e se aproxime cada vez mais da realidade, é necessário haver
compartilhamento das vivências e reconstrução dos papéis profissionais,
propiciando um processo participativo e de partilha de saberes, transformando a
realidade do processo saúde-doença da população. A integralidade da atenção só
será alcançada quando a interdisciplinaridade se fizer presente no processo de
trabalho das equipes de saúde.
Diante do exposto, no cenário político da reorientação dos serviços de
saúde e das mudanças do processo de trabalho, torna-se importante a realização
da presente investigação, visto as melhorias qualitativas que poderão surgir no
processo de trabalho das equipes, a partir dos resultados e das recomendações
práticas eventualmente consolidadas.
É também de grande importância a análise da proposta do governo
municipal de Fortaleza, pois, as informações colhidas poderão subsidiar
discussões sobre a necessidade de fomentar novas políticas e conseqüentemente
novas práticas no âmbito da Saúde Pública, com o intuito de melhorar a qualidade
da atenção comunitária na APS.
A situação apresentada faz-nos refletir sobre a forma em que a ESB
está se organizando no contexto do PSF e seus reflexos na melhoria de saúde da
população. Dessa forma, podemos traçar algumas questões a serem discutidas:
- Como vem se dando o processo de trabalho da Equipe de Saúde da
Família em interface com a Equipe de Saúde Bucal no PSF de Fortaleza, Ceará?
45
- Quais são os obstáculos no desenvolvimento das ações e atividades
entre os membros da Equipe de Saúde da Família e da Equipe de Saúde Bucal no
PSF de Fortaleza, Ceará?
Diante dessas inquietações, a fim de elucidá-las, o estudo apresenta os
seguintes objetivos.
3. Objetivos:
3.1. Objetivo Geral:
Analisar a integração da Equipe de Saúde da Família/Equipe de Saúde
Bucal no processo de trabalho no Programa de Saúde da Família do município de
Fortaleza-CE, na perspectiva da interdisciplinaridade de saberes e da
integralidade do cuidado.
3.2. Objetivos Específicos:
Identificar as atividades realizadas na prática cotidiana dos membros
da Equipe de Saúde da Família/Equipe de Saúde Bucal, seus atores e suas
dinâmicas;
Identificar as facilidades e as dificuldades ao desenvolvimento da
integração do processo de trabalho da Equipe de Saúde da Família/Equipe de
Saúde Bucal no PSF.
46
TRATAMENTO METODOLÓGICO
1. Natureza da Pesquisa:
A presente pesquisa apresenta natureza qualitativa, crítico-analítica,
visando compreender se um certo processo de trabalho em saúde, no campo da
atenção primária, realiza a integração de processos de trabalho em saúde e
alcança interdisciplinaridade de saberes e integralidade do cuidado.
A abordagem qualitativa, segundo Minayo (2008), é a abordagem
metodológica que trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. A autora afirma que a partir da pesquisa
qualitativa na área da saúde, é possível inflexões socioeconômicas, políticas e
ideológicos relacionadas ao saber teórico e prático sobre o processo
saúde/doença, institucionalização, organização, administração e avaliação dos
serviços e a clientela dos sistemas de saúde.
Na pesquisa qualitativa, por não se reduzir o conhecimento a dados
isolados, é possível compreender o fenômeno dentro de uma perspectiva histórica
e social, em que pesquisador e pesquisado estão em interação em um processo
no qual há ampla interação do sujeito com o objeto do conhecimento (MINAYO,
2008).
Por tratar-se de uma pesquisa que busca analisar o processo de
trabalho em saúde, somente é possível compreender o problema a partir da
perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja, a partir de suas vidas diárias,
satisfações, desapontamentos e outras emoções, sentimentos e desejos, assim
como na perspectiva do próprio pesquisador, também considerado em sua
subjetividade, visto que, neste processo qualitativo, o pesquisador observa as
pessoas e suas interações, participando de atividades, entrevistando pessoas-
chaves, conduzindo grupos focais, entre outras atividades (LEOPARDI, 2003).
47
Para avaliar o objeto de estudo do presente trabalho, é preciso que os
procedimentos ultrapassem a mera descrição dos fatos, a quantificação de dados
e a apresentação em tabelas. É preciso compreender a finalidade, os objetivos,
projetos, dinâmica de trabalho, composição de equipes profissionais,
procedimentos técnicos e contradições.
O estudo analítico, segundo o pensamento cartesiano, consiste em
desmontar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o
comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes. O estudo crítico,
por sua vez, estabelece critérios de valor, aceita ou rejeita à luz das experiências,
contextualiza os fenômenos estudados e os reconstrói, teoricamente, realizando
uma aproximação com a lógica dialética.
A abordagem dialética pensa a relação da quantidade como uma das
qualidades dos fatos e fenômenos (MINAYO, 2008). Ela se propõe a abarcar o
sistema de relações que constrói, o modo de conhecimento exterior ao sujeito,
mas também as representações sociais que traduzem o mundo dos significados.
Busca encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo, e considera
que o fenômeno social tem que ser entendido nas suas determinações e
transformações dadas pelos sujeitos (DESLANDES, 1994).
2. Categorias Operacionais:
Atenção Primária: Definida como o “centro da política sanitária”, ou
seja, um nível do sistema de saúde de amplo acesso para todo novo problema ou
necessidade, de efeito temporal duradouro, centrado mais na pessoa do que na
doença, coordenado, integrado e capaz de oferecer atenção à maioria dos
agravos à saúde, com exceção dos pouco habituais. É o tipo de atenção à saúde
que organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto básicos como
especializados, direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde.
Processo de Trabalho em Saúde: Processo específico de trabalho
que tem como finalidade as ações preventivas, promotoras, educativas,
terapêuticas e reabilitadoras em saúde, sendo seu objeto o indivíduo, grupos
48
comunidades ou populações, enfermos, expostos a risco especial ou sadio, que
necessitam de medidas adequadas a cada situação. Procedimentos, instrumentos,
habilidades, comportamentos e condutas representam o nível técnico do
conhecimento, ou seja, o saber no campo da saúde e o seu produto final, a própria
prestação da atenção à saúde, que é produzida no mesmo momento em que é
consumida. O processo de trabalho em saúde é um trabalho vivo, que só existe
em ato, em ação, no momento do trabalho em si.
Integração: Consiste na conjunção da intersetorialidade, da
interdisciplinaridade e da integralidade do cuidado. Implica na organização de
sistemas e redes, na hierarquização planejada de processos e procedimentos, em
acordo epistemológico mínimo das várias profissões e saberes que atuam no
campo da saúde e em realização de cuidado que respeite subjetividade, cidadania
e história na produção de saúde.
Interdisciplinaridade: Consiste na interação existente entre duas ou
mais disciplinas, em contexto de estudo de âmbito coletivo, no qual cada uma das
disciplinas em contato é, por sua vez, modificada e passa a depender claramente
das outras. É a substituição de uma concepção fragmentária para uma unitária do
ser humano, associada ao desenvolvimento de flexibilidade, confiança, intuição e
sensibilidade em relação às demais pessoas. Resulta em enriquecimento
recíproco e na intertransformação de conceitos, no sentido da prática solidária e
humanizada.
Integralidade: É a integração de atos preventivos e curativos,
individuais e coletivos, em cada caso dos níveis de complexidades. Constitui-se
em um dispositivo potente para desencadear processos de transformação no
cotidiano das práticas de saúde e redirecionar o modelo de atenção. Está
associada a um tratamento com dignidade, respeito, qualidade, acolhimento e
vínculo, na dinâmica da produção de sujeitos, de cidadania e de saúde.
3. Campo de Estudo:
49
A pesquisa ocorreu no município de Fortaleza, no estado do Ceará,
abrangendo dois Centros de Saúde da Família com ESF e ESB implantadas.
A seguir, pretende-se compreender esse campo de estudo a partir de
seus aspectos históricos e sócio-econômico-sanitários, abrangendo a organização
do sistema de saúde municipal no sentido de explanar os motivos e critérios para
as escolhas metodológicas.
3.1. História de Fortaleza
Na metade do século XVII, os holandeses aportaram às margens do rio
Pajeú e ergueram um forte, conhecido como Schoonenboch. Em 1654, os
portugueses tomaram o forte holandês e nomearam-no de Fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção. Em 13 de abril de 1726, o povoado foi elevado à categoria
de vila, posteriormente passando a sede da Capitania do Ceará, quando esta se
separou de Pernambuco, em 1799 (PONTE, 2001).
A pecuária tornou-se a base da economia e do povoamento, com a
prática de exportação diretamente com Lisboa, favorecida pela localização
litorânea e mais próxima da Europa. O Porto do Mucuripe, apto a receber grandes
embarcações, ganhou vulto como escoadouro da produção do interior, sobretudo
a de algodão.
O crescimento econômico-urbano iniciou-se a partir de 1860, devido ao
crescimento da exportação da produção algodoeira, tornando Fortaleza o principal
entreposto comercial do Ceará. Com esse crescimento, surgiu a necessidade de
organizar a urbanização. Data de 1875 a primeira planta topográfica da cidade de
Fortaleza, realizada por Adolfo Herbster, estabeleceu um traçado em forma de
xadrez, com eixo em três grandes avenidas, fazendo avançar projeto anterior,
proposto em 1812 por Silva Paulet, ambos resultando de um modelo aplicado em
Paris, a partir do século XVII. O objetivo central era disciplinar a malha urbana,
voltada para o escoamento fácil de produtos, realização de negócios,
50
estabelecimento de cenário para o estilo de vida das elites e controle social das
camadas populares (PONTE, 2001).
Entre 1877 e 1879, Fortaleza passou por um crescimento populacional,
motivado principalmente pela migração sertaneja decorrente da seca e da
desigualdade fundiária. A marginalização desses migrantes levou a acentuado
processo de favelização. Surgiu, então, principalmente no começo do século XX, a
necessidade de novo planejamento urbano, construção de bairros residenciais e
geração de empregos nos setores secundários e terciários da economia.
À medida que a cidade se desenvolvia, surgia a necessidade de intervir
na saúde da população. Dessa forma, é criado, em 1861, o primeiro hospital da
cidade, a Santa Casa de Misericórdia, principal espaço de tratamento e cura da
população pobre, desde que não infectadas por doenças contagiosas. Para essas
patologias, foi criado o Lazareto da Lagoa Funda (PONTE, 2001).
As ações de saúde da época caracterizavam-se pela higienização da
cidade, assim como acontecera na Europa no século XVIII, como forma de
civilização e produção de riquezas. As principais medidas nesse sentido foram: a
implantação do serviço de abastecimento de água e esgotos, a vacinação
obrigatória, o Instituto de Assistência e Proteção a Infância e inspeções sanitárias
a domicílio (PONTE, 2001).
Com o término da 2ª Guerra Mundial, houve um considerável
crescimento industrial do município. O beneficiamento de produtos regionais,
notadamente relacionados às produções alimentares e têxtil, impulsionou o parque
industrial metropolitano, o que permitiu a conseqüente diversificação da indústria
de transformação, criando pólos de captação da mão obra regional.
Entre as décadas de 1970 e 1980, a população de Fortaleza aumentou
em quase 50%, sem que com isso, houvesse crescimento econômico compatível.
Fortaleza inchava com os contingentes populacionais oriundos do interior, de onde
a agropecuária entrava em decadência.
Atualmente tem-se uma Fortaleza que continua com um crescimento
urbano intenso, caracterizado pela verticalização e ocupação de novos bairros.
Observa-se aprofundamento da desigualdade social, em que as classes pobres
51
convivem com as classes médias e a pequena riqueza, de modo ao mesmo tempo
disperso e complementar (VASCONCELOS-FO, 1998).
3.2. Perfil Sócio-Econômico e Demográfico de Fortaleza:
O município de Fortaleza está localizado no litoral norte do estado do
Ceará, com área territorial de 313,8 km². Limita-se ao norte e ao leste com o
Oceano Atlântico e com os municípios de Eusébio e Aquiraz; ao sul com os
municípios de Maracanaú, Pacatuba e Itaitinga e a oeste com o município de
Caucaia e Maracanaú.
Fortaleza é hoje a quarta maior cidade do país, com população
estimada pelo IBGE de 2.458.545 habitantes em 2007. Destes, 53,2% são do sexo
feminino e 40,4% encontram-se na faixa etária de 0 a 19 anos. Apesar de ter
população predominantemente jovem, essa situação vem mudando com o
aumento progressivo da população idosa, que corresponde a 7,48% do total
(FORTALEZA, 2007).
Quanto à educação, há em Fortaleza 1.014 escolas de ensino
fundamental e 285 escolas de ensino médio. A taxa de alfabetização, medida em
2000, indica que quase 90% da população é alfabetizada.
Da população economicamente ativa do município, a maioria, cerca de
65,8%, concentra-se no setor de serviços, predominantemente no segmento do
turismo. O setor secundário, por sua vez, abrange 34% da população
economicamente ativa, enquanto apenas uma pequena minoria, 0,2%, encontra-
se no setor primário. Apesar das mudanças da economia no último século, a partir
da modernização e da urbanização da cidade, Fortaleza ocupa a quarta posição
no ranking das capitais com maior taxa de desemprego (FORTALEZA, 2007).
Com cerca de 525.991 domicílios particulares, de acordo com o Censo
de 2000, Fortaleza ainda apresenta uma deficiência na sua rede de esgoto, visto
que só há o saneamento básico em 61% dos domicílios. Diferentemente da rede
de acesso a água e a energia elétrica, que são distribuídas para 99,8% e 99,9%
52
dos domicílios, respectivamente. É importante salientar que esses números
referem-se aos domicílios cadastrados, ignorando a grande quantidade de
barracos das áreas mais marginalizadas da cidade.
O retrato de Fortaleza é, portanto, o de uma cidade pobre, com grande
crescimento econômico, sem que, com isso, haja avanço social. Semelhante a
outras cidades do Brasil, observa-se imensa desigualdade de renda, visto que a
população pobre, carente de necessidades sociais básicas, constitui 44,84% da
população total da região metropolitana.
Em conseqüência do elevado crescimento demográfico e da extensa
ocupação de seu território, o município de Fortaleza foi dividido
administrativamente em seis Secretarias Executivas Regionais - SER.
As Secretarias Executivas Regionais-SER funcionam como instâncias
executoras das políticas públicas municipais. Para tanto, cada SER apresenta
uma organização em distritos, que reproduzem as macro-políticas definidas pela
estrutura municipal como Secretarias. São eles: Saúde, Educação, Meio
Ambiente, Finanças, Assistência Social, e Infra-Estrutura. A configuração
administrativa é descentralizada e os Distritos de Saúde assumem
responsabilidades executivas em território específico, realizando o projeto de
gestão da Secretaria Municipal de Saúde - SMS (FORTALEZA, 2007).
3.3. Sistema de Saúde de Fortaleza.
O Sistema Municipal de Saúde de Fortaleza vem passando por diversas
mudanças nos últimos anos. Atualmente, apresenta capacidade instalada para a
realização de serviços primários, secundários e terciários. Fortaleza integra a rede
regionalizada e hierarquizada do SUS, sendo referência em âmbito micro e
macrorregional e em espaços interestaduais.
O município de Fortaleza dispõe de 2.269 estabelecimentos de saúde
inscritos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES. Destes,
53
3,96% são unidades básicas, do tipo Centro de Saúde, e a grande maioria, 65,9%
são consultórios isolados (FORTALEZA, 2007).
Na atenção primária, Fortaleza adotou o modelo do PSF e contratou
304 equipes, ampliando a cobertura de 15% para 43,44% da população local.
Atualmente, têm-se equipes de saúde da família em todas as unidades básicas da
capital que a partir de 2006, passaram a ser chamadas de Centros de Saúde da
Família - CSF (FORTALEZA, 2007).
A divisão dessas equipes de saúde da família, por SER, ficou assim
configurada: 36 equipes na SER I, 38 equipes na SER II, 63 equipes na SER III,
33 equipes na SER IV, 64 equipes na SER V e, finalmente, 70 equipes na SER VI.
O maior número de equipes ficou concentrado nas SER V e VI, devido a três
variáveis muito importantes: dimensão territorial, grandeza populacional e maior
proporção de pessoas em situação de pobreza.
Fortaleza dispõe ainda de um serviço de Urgência e Emergência
realizado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência – SAMU e de uma
Rede Assistencial Hospitalar - RAH, composta por 61 unidades, dos quais 33%
pertencem a esfera pública e 67% da privada. Das unidades públicas, 45% são
municipais, 40% são estaduais e 15% são federais. Fortaleza conta, na sua rede
própria, com uma unidade de nível terciário, o Instituto Dr. José Frota-IJF, oito
hospitais municipais de nível secundário e unidades hospitalares privadas,
conveniadas e/ou contratadas pelo SUS.
Além desses serviços, Fortaleza conta também com uma Rede
Assistencial Integrada de Saúde Mental - RAISM Fortaleza, composta por seis
Centros de Atenção Psicossocial – CAPS para atendimento geral, seis CAPS para
álcool e outras drogas e dois CAPS focados no atendimento infantil.
3.4. A Saúde Bucal no SUS Fortaleza:
No que se refere à saúde bucal, essa passou por um aumento gradual
de equipes a partir de 2004, com os incentivos federais provenientes da Política
54
do “Brasil Sorridente” e, principalmente, a partir da iniciativa da gestão municipal
de incluir e (re) organizar a atenção à saúde bucal.
Atualmente existem 233 ESB atuando nas seis SER, divididas da
seguinte forma: 26 equipes na SER I, 33 equipes na SER II, 45 equipes na SER
III, 28 equipes na SER IV, 45 equipes na SER V e, finalmente, 56 equipes na SER
VI. A proporção de equipes de saúde da família/ saúde bucal é quase igual a 1:1,
obedecendo às diretrizes ministeriais.
Todos os cirurgiões-dentistas que fazem parte dessas equipes foram
contratados por meio do concurso público, assumindo em meados de 2006.
Portanto, de 2005 a 2006, houve um aumento de 119,81% no número de equipes
de saúde bucal. Entretanto, não havia estrutura física suficiente para a
implantação dessas equipes, o que exigiu reformas e instalações de novos
equipamentos odontológicos em diversos CSF, aumentando 30% a capacidade
odontológica instalada.
Quanto ao processo de trabalho dessas equipes, tem-se uma carga
horária de 40 horas semanais, distribuídas em ações clínicas individuais curativas
e ações coletivas em espaços sociais. Os procedimentos clínicos realizados nos
CSF são: profilaxia, aplicação tópica de flúor, restaurações, cirurgias simples e
remoção de cálculo supragengival, com uma maior demanda dos procedimentos
de dentística e periodontia. Para os procedimentos especializados, são feitos
encaminhamentos para os Centros de Especialidades Odontológicas-CEO que,
em Fortaleza, são em um total de quatro unidades.
As ações coletivas são realizadas, em sua grande maioria, em escolas
municipais presentes nos territórios das equipes, em que ocorre distribuições de
insumos de higiene bucal, como escovas, dentifrícios e fio dental, juntamente com
escovação supervisionada, aplicação de flúor em gel trimestralmente, exames
para levantamento epidemiológico, além de atividades educativas de prevenção e
promoção de saúde.
4. Unidades e Sujeitos da Pesquisa:
55
Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, as unidades e os sujeitos da
pesquisa foram escolhidos intencionalmente, definidos pela importância social, por
especificidades sócio-demográficas, pela completude das equipes, pelo tempo de
trabalho em comum, por saturação teórica e pela relevância das informações e
das observações.
As unidades de estudos, cenários das práticas a serem comparadas e
analisadas, foram escolhidas a partir da escolha das SER representativas dos
melhores e dos piores indicadores sócio-econômicos: maior/menor população,
maior/menor renda per capita, maior/menor Índice de Desenvolvimento Humano-
IDH.
Atendendo a estes critérios, as SER escolhidas foram: a SER II,
detentora dos melhores indicadores sócio-econômicos e a SER V, representativa
dos piores indicadores sócio-econômicos.
A Secretaria Executiva Regional II representa 14,6% da população
geral do município de Fortaleza, comportando uma população de 358.028
habitantes, dos quais 53% são do sexo feminino e 47% do sexo masculino. Possui
extensão territorial em torno de 4.933,90 hectares, englobando 20 bairros, tais
como: Centro, Praia de Iracema, Meireles, Aldeota, Mucuripe, Varjota, Vicente
Pinzon, Cais do Porto, Papicu, Praia do Futuro I, Praia do Futuro II, Joaquim
Távora, Dionísio Torres, Cocó, Cidade 2000, Dunas, São João do Tauape,
Salinas, Guararapes, Eng. Luciano Cavalcante.
A SER II caracteriza-se como o território “nobre” do município de
Fortaleza. Possui uma rede turística com grandes hotéis de luxo e restaurantes,
redes de farmácias, supermercados, praia, o centro comercial da cidade, cinemas,
teatros, e os shoppings mais freqüentados distribuídos nos 20 bairros.
Observando os indicadores sociais, essa regional detém os únicos
bairros de Fortaleza com IDH considerado alto. Dos 20 bairros da Regional, sete
possuem IDH alto, variando de 0,735 a 0,916; nove possuem IDH considerado
médio, variando de 0,479 a 0,684; enquanto que apenas três bairros possuem IDH
baixo, variando de 0,386 a 0,404.
56
Quanto a renda média per capita, os dados do IBGE (2000) indicam
que a SER II concentra maior renda média mensal do chefe de família. Ainda de
acordo com esses dados, dos dez bairros com maiores rendas per capita de
Fortaleza, nove se encontram na SER II. Enquanto um chefe de família da SER II
possui uma renda mensal média de 14,32 salários mínimos, um chefe de família
da SER V possui renda média mensal de 2,78 salários mínimos.
Encontram-se desigualdades entre os bairros da SER II, tanto
demográficas como sociais. O bairro Praia de Iracema, por exemplo, é composto
por apenas 2.532 habitantes, enquanto que o bairro Vicente Pinzon possui 45.462
habitantes. Ao analisar o IDH, observa-se valores que variam do mais baixo como
0,386, no Cais do Porto, ao mais alto, como 0,916 no Meireles.
Essa desigualdade encontra-se também na distribuição dos
equipamentos de saúde. A SER II possui 11 Centros de Saúde da Família; dois
CAPS, AD e Geral; três Hospitais Públicos: Hospital Geral César Cals-HGCC,
Instituto Dr. José Frota-IJF, Hospital Geral de Fortaleza-HGF; 15 Hospitais
Particulares; dois Hospitais Filantrópicos; um Hospital Militar; dois Laboratórios
Públicos; dois Centros Especializados. Esses estabelecimentos, principalmente os
privados conveniados, estão concentrados, em sua maioria, no bairro da Aldeota.
Quanto à classificação de risco do território em microáreas, o território
da SER II, está dividido em 291 microáreas, classificadas como: 18% de Risco 1,
37% de Risco 2, 35% de Risco 3 e 10% de Risco 4. Portanto, as microáreas
consideradas mais vulneráveis em termos ambientais e de infra-estrutura
representam 50% de todas as microáreas da SER, constituídas por 41% da
população.
Em relação a organização da atenção básica nessa regional, tem-se 39
ESF e 33 ESB, com cobertura de 35,7% de toda SER II. Ao considerar os 70% da
população considerada SUS dependente, a cobertura aumenta para 51%.
Na SER II, foi escolhida a unidade que apresentou o maior tempo de
implantação e de trabalho em comum da equipe: o CSF Aída Santos e Silva,
localizado no bairro Vicente Pinzon, o mais populoso da SER II, com 45.462
habitantes.
57
O CSF Aída Santos é responsável pelo atendimento de 65% da
população do bairro, o que corresponde a 29.597 habitantes. A unidade funciona
desde 1993, atendendo nos turnos da manhã e da tarde. Possui cinco ESF
completas e quatro ESB, que realizam todos os procedimentos de atenção básica
através de demanda agendada e espontânea. Esses profissionais, em sua
maioria, já trabalhavam em equipe antes da realização do concurso e continuaram
após a aprovação.
A outra Regional escolhida para compor o estudo foi a SER V,
detentora dos piores indicadores sócio econômicos. A Secretaria Executiva
Regional V representa 21,1% da população geral do município de Fortaleza,
comportando uma população de 519.946 habitantes, dos quais 52% são do sexo
feminino e 48% do sexo masculino. Possui extensão territorial em torno de
6.334,70 hectares, englobando 31 bairros: Conjunto Ceará, Conjunto Prefeito José
Walter, Conjunto Esperança, Jardim Cearense, Bom Jardim, Parque São José,
Parque Pres. Vargas, Parque Santa Rosa, Parque Genibaú, Maraponga,
Mondubim, Siqueira, Vila Manoel Sátiro, Granja Portugal, Granja Lisboa,
Canindezinho, Planalto Airton Senna, Jardim Fluminense, Parque São Vicente,
Parque Santo Amaro, Parque Santa Cecília, Conjunto Nova Jerusalém, Novo
Mondubim, Parque Santo Antonio, Apolo XI, Esplanada do Mondubim, Pequeno
Mondubim, Aracapé, Parque Francisco Borges e Parque Santana.
O aumento significativo da população dessa SER acarretou em uma
urbanização acelerada e sem planejamento, caracterizada por um grande número
de conjuntos habitacionais, que constituem, em sua maioria, áreas de risco.
A SER V possui um perfil carente de dispositivos sociais básicos, tais
quais: moradias adequadas, saneamento básico, educação, emprego e renda.
Alguns bairros apresentam índices elevados de violência devido à marginalização
e a disseminação do uso de drogas.
Observando o IDH nos 17 bairros oficiais da Regional, observa-se que
dez deles possuem um IDH baixo, enquanto 7 possuem IDH médio. Nenhum
bairro da SER V possui IDH considerado alto.
58
Quanto a renda média per capita, os dados do IBGE (2000) indicam
que a SER V concentra menor renda média mensal do chefe de família, cerca de
2,78 salários mínimos.
Em todo território da SER V, encontra-se: 18 CSF, dois CAPS, sendo
um geral e outro álcool/droga, e dois hospitais na atenção secundária. Esses
equipamentos de saúde são insuficientes para atender a demanda de toda a
população adscrita. Observa-se também uma grande desigualdade ao comparar
com a capacidade instalada da SER II.
Em relação a atenção básica, tem-se 67 ESF, 42 ESB e 129 ACS com
cobertura de 44% de toda SER V.
Na SER V, foi escolhida a unidade que apresentou o maior tempo de
implantação e de trabalho em comum da equipe. A Unidade escolhida foi o CSF
José Paracampos, localizado no bairro Mondubim, o mais populoso da SER V,
com 90.635 habitantes.
O CSF Paracampos possui mais de 30 anos de funcionamento, e antes
era de responsabilidade do Estado, caracterizado por ser um centro de referência
para pacientes com tuberculose. Atualmente, pertence a gestão municipal e é
responsável pelo atendimento de quase 40% da população do bairro Mondubim, o
que corresponde a cerca de 36.000 habitantes. A unidade funciona nos turnos da
manhã, tarde e noite, com quatro ESF completas e quatro ESB, que realizam
todos os procedimentos de atenção básica através de demanda agendada e
espontânea. Além dos profissionais contratados para o PSF, a unidade recebe,
duas vezes na semana, os alunos da Residência Médica em Saúde da Família.
Além desses, existem também dois médicos e dois dentistas com vínculo
empregatício estadual e carga horária de 20 horas semanais, que não participam
das atividades das ESF e ESB.
Em relação as microáreas adscritas do CSF, há 42 microáreas ao todo,
das quais cerca de 70% são de risco 1 e 2. A ESF tem dificuldade no
cadastramento dessas áreas devido a falta de moradias adequadas e a
conseqüente migração da população.
59
Para o acompanhamento de todas as microáreas, foram convocados
oito ACS, que não estão igualmente divididos em todas as equipes. Existem ESF
com quatro ACS, enquanto há outra sem nenhum. Dessa forma, muitas áreas
ainda estão carentes de ACS. Observa-se nesse CSF a necessidade de
contratação de mais profissionais para a ESF, além de melhorias e ampliação da
infra-estrutura.
Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram organizados em três
grupos (QUADRO 1):
- Grupo I: Gestores – O grupo foi composto por seis sujeitos
escolhidos intencionalmente, informantes-chaves do estudo, fornecendo
informações sobre o processo de implantação das ESF e das ESB, no município
de Fortaleza: o Secretário de Saúde do Município de Fortaleza; o Coordenador de
Saúde Bucal do Município; os Coordenadores de Saúde Bucal e os
Coordenadores de Saúde da Família da SER II e V.
- Grupo II: Equipe de Saúde da Família/Saúde Bucal I - composta por
profissionais de nível superior: médicos, enfermeiros e cirurgião-dentista, que
atuem no PSF do CSF Paracampos. O Grupo II foi composto por oito
profissionais: três enfermeiras, quatro dentistas e uma médica.
- Grupo III: Equipe de Saúde da Família/Saúde Bucal II - composta
por profissionais de nível superior: médicos, enfermeiros e cirurgião-dentista que
atuem no PSF do CSF Aída Santos. O grupo foi composto por cinco profissionais:
uma enfermeira, uma médica e três dentistas.
Quadro 1: Grupos de Sujeitos do Estudo
GRUPO PARTICIPANTES QUANTIDADE
GRUPO I Secretário de Saúde do Município
Coordenador de Saúde Bucal do Município
Coordenadores de Saúde Bucal das SER II e V
Coordenadores de Saúde da Família das SER II e V
Seis
participantes
GRUPO II Médico, cirurgião-dentista e enfermeiro que atuam
no PSF do CSF Paracampos
Oito
participantes
60
GRUPO III Médico, cirurgião-dentista e enfermeiro que atuam
no PSF do CSF Aída Santos
Cinco
participantes
Optou-se no estudo em trabalhar apenas com profissionais de nível
superior, visto que, tem-se como objetivo observar a interdisciplinaridade do
processo de trabalho das equipes do PSF, sendo, portanto, essencial compor o
grupo de sujeitos apenas com os médicos, enfermeiros e dentistas,
representantes das diferentes disciplinas.
Para preservar o sigilo dos participantes, durante a transcrição e análise
dos dados, adotou-se a seguinte codificação (QUADRO 2):
Quadro 2: Codificação dos sujeitos do estudo
SUJEITO GRUPO CÓDIGO
Secretário de Saúde do Município I GSMS
Coordenador de Saúde Bucal do Município I GCSB
Coordenadores de Saúde da Família da SER II I GCABII
Coordenadores de Saúde da Família da SER V I GCABV
Coordenadores de Saúde Bucal da SER II I GCSBII
Coordenadores de Saúde Bucal da SER V I GCSBV
Médico (a) II MG1
Cirurgiã(o)-dentista II CD1G2
Cirurgiã(o)-dentista II CD2G2
Cirurgiã(o)-dentista II CD3G2
Cirurgiã(o)-dentista II CD4G2
Enfermeiro (a) II E1G2
Enfermeiro (a) II E2G2
Enfermeiro (a) II E3G2
Médico (a) III MG3
Cirurgiã(o)-dentista III CD1G3
Cirurgiã(o)-dentista III CD2G3
61
Cirurgiã(o)-dentista III CD3G3
Enfermeiro (a) III EG3
Além desses sujeitos já descritos, optou-se em incluir os demais
cirurgiões dentistas das SER II e V, com o objetivo de descrever o perfil sócio-
demográfico e técnico desses profissionais.
5. Procedimentos e Técnicas de Investigação:
Para o processo de investigação, utilizou-se das seguintes ferramentas:
estudo documental, diário de campo, questionário semi-estruturado, entrevista
aberta e grupo focal.
Após a aprovação no comitê de ética, foram colhidas as devidas
autorizações, na Secretaria Municipal de Saúde e nas SER estudadas, para
viabilizar a entrada em campo e o desenvolvimento da pesquisa. Depois,
contataram-se as coordenações dos Centros de Saúde da Família escolhidos e
realizou-se uma visita para conhecimento do campo. Nessa ocasião, foram feitos
os contatos com os profissionais de saúde participantes, em que se explicou a
natureza e objetivo da pesquisa.
Após essa etapa de autorizações e conhecimento do território, foram
realizadas as entrevistas com os gestores, ao mesmo passo em que houve a
pesquisa dos documentos de gestão, como relatórios, planos municipais e dados
epidemiológicos, importantes para a triangulação dos dados. Foram realizadas
também observações nos núcleos de saúde bucal das SER, assim como nas
rodas dos CSF.
A pesquisa documental buscou a compreensão da formulação das
políticas após a implantação das ESF em Fortaleza, a fim de compreender as
expressões, os conceitos, as estruturas organizativas, bem como as relações
estabelecidas entre o discurso oficial e a prática operacional.
62
Segundo Gil (2002), a análise documental é um conjunto de operações
que visa representar o conteúdo de um documento sob a forma diferente da
original, a fim de facilitar num estado posterior a sua consulta e referenciação. Usa
materiais que não receberam tratamento analítico e que podem ser reelaborados
de acordo com os objetivos da pesquisa. Constitui uma técnica importante na
pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras
técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema.
O diário de campo foi utilizado com o objetivo de apreender
informações por meio da observação direta do campo, a partir das observações de
gestos, atitudes, comportamentos e falas, com anotações que abrem espaço à
subjetividade do pesquisador.
De acordo com Minayo (2008), o diário de campo é um instrumento em
que se registra todas as observações e informações que não estejam presentes
nas entrevistas formais. Constitui um instrumento que possui observações sobre
conversas informais, comportamentos, instituições, gestos, expressões que digam
respeito ao tema da pesquisa, possibilitando a expressão da subjetividade do
pesquisador.
A entrevista aberta, por sua vez, foi realizada, a partir de um roteiro de
entrevista (APÊNDICE II), com os gestores, em que se buscou compreender o
processo de trabalho das ESF/ESB no município de Fortaleza, a partir de seus
aspectos históricos e organizativos.
A entrevista constitui em uma importante ferramenta, pois permite
captar descrições e julgamentos de valor, fatos e opiniões. Para essa pesquisa,
optou-se por uma entrevista do tipo aberta, ou não estruturada, por caracterizar-se
como uma ferramenta que permite colher informações a partir da fala dos atores
sociais, permitindo total liberdade para discorrer livremente sobre o assunto
proposto (MINAYO, 2008). O desenvolvimento do instrumento visou apreender o
ponto de vista dos atores acerca dos objetivos da pesquisa.
Para os sujeitos dos grupos II e III foram realizados grupos focais. O
grupo focal refere-se a uma técnica privilegiada de coleta de informações para as
ciências sociais, oferecendo a possibilidade da fala ser reveladora de condições
63
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos e, ao mesmo tempo, ter a
magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos
determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas.
A realização de um grupo focal objetiva aprofundar divergências e, o valor
principal dessa técnica é que se fundamenta na capacidade humana de formar
opiniões e na participação de todos e de cada um. Então, a partir de um grupo
focal é possível observar o comportamento dos sujeitos enquanto grupo, se há
entre eles cooperação, nos gestos ou na própria verbalização (MINAYO, 2008).
Na pesquisa, a escolha de mais de um grupo ocorreu para permitir uma
ampliação do foco de análise. Para tanto, foi desenvolvido um temário
(APÊNDICE III) para facilitar a condução da técnica.
Os grupos foram realizados no próprio espaço físico dos CSF. No CSF
Aída Santos, o grupo foi reunido em julho de 2008, durante uma roda dos
profissionais. Participaram do grupo cinco profissionais, uma enfermeira, uma
médica e três dentistas. Todas as participantes eram jovens, com idade entre 27 e
32 anos. O grupo focal durou cerca de 45 minutos.
O grupo no CSF Paracampos, por sua vez, ocorreu em agosto de 2008
e contou com a participação de oito profissionais: três enfermeiras, quatro
dentistas e uma médica. O grupo formado era mais heterogêneo que o do CSF
Aída Santos, tanto no aspecto de gênero, como de idade, que variou de 27 a 44
anos. A sessão durou cerca de 40 minutos.
Complementarmente a esses dados, aplicou-se um formulário
(APÊNDICE IV) para os dentistas das SER II e V, para delinear o perfil desses
profissionais. O formulário foi entregue, por ocasião da reunião de núcleo com a
coordenação de saúde bucal em cada SER. Na SER II, há 32 ESB, porém, foram
entregues 27 formulários, pois havia quatro dentistas de licença no momento da
coleta de dados e uma dentista a serviço da SMS. Desse total, 26 foram
respondidos. Na SER V, por sua vez, há 45 ESB, entretanto, foram entregues
apenas 29 formulários, pois, quatro dentistas estavam ausentes da reunião, um
estava a serviço da SER e os outros 11 estavam de licença ou férias. Desse total
64
da SER V, apenas 16 foram respondidos. Portanto, a amostra contou, ao todo,
com a participação de 42 dentistas.
6. Procedimentos e Técnicas de Interpretação:
Após a transcrição do discurso dos sujeitos, iniciou-se o processo de
interpretação dos dados. Primeiramente, realizou-se em cada entrevista, pelo
menos, três leituras: uma cursiva, uma analítica e uma crítica, objetivando ao
domínio dos textos e o destaque dos elementos que poderiam ser utilizados na
análise. Após esse momento, as questões de cada entrevista foram avaliadas,
identificando a lógica de cada sujeito e destacando conceitos e categorias, além
de frases paradigmáticas. Por último, realizou-se a triangulação dos dados,
mediante a comparação dos destaques das entrevistas, dos documentos e da
observação em campo, buscando analisar as divergências e convergências. Os
dados da entrevista foram analisados a partir de identificação de categorias, pela
Análise de Discurso de Orlandi (2002).
Segundo Orlandi (2002), a partir da análise do discurso do sujeito,
procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico,
parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história. Minayo
(2008), complementa, afirmando que o objetivo básico da Análise do Discurso é
realizar uma reflexão geral sobre as condições de produção e apreensão da
significação do discurso, compreendendo o modo de funcionamento e as formas
de produção social do sentido.
Dessa forma, a análise dos dados buscou aprofundar o objeto de
estudo a partir de quatro categorias, que serão analisadas individualmente. São
elas: A integração das ESB e ESF - Análise das facilidades e dificuldades no
processo de trabalho em equipe; A produção do cuidado - Acolhimento, vínculo e
culpabilização do usuário; O papel da gestão - Normas, diretrizes e indicadores da
atenção; Processo de trabalho das equipes - a busca da Interdisciplinaridade e
Integralidade na atenção.
65
7. Forma de Exposição:
A dissertação encontra-se organizada em Introdução, Tratamento
Metodológico, dois capítulos de Resultados e Discussão e as Considerações
Finais.
Na Introdução, são descritos os principais conceitos necessários à
compreensão da pesquisa, como os conceitos de Atenção Primária à Saúde,
Programa Saúde da Família, Saúde Bucal no Programa Saúde da Família e
Processo de Trabalho em Saúde. Toda a descrição realizou-se a partir da
problematização do objeto de estudo, a integração das equipes de saúde da
família/saúde bucal, resgatando uma revisão dos estudos realizados. Nessa parte,
contemplam-se também as justificativas e objetivos do estudo.
No Tratamento Metodológico, encontra-se caracterizada a natureza da
pesquisa, além do detalhamento do campo de estudo, dos sujeitos e da exposição
do conjunto de critérios, procedimentos, instrumentos e elementos éticos, que
levaram à obtenção das informações para o alcance dos objetivos propostos.
No Capítulo 1, intitulado Integração das Equipes de Saúde da Família
e Equipes de Saúde Bucal: A visão dos gestores, descreve-se a implantação
do PSF em Fortaleza, incluindo a implantação das equipes de saúde bucal, a
partir dos dados coletados das entrevistas com os gestores. Apresenta-se
também, nesse capítulo a opinião e a compreensão desses sujeitos sobre o
processo de trabalho das equipes, sobretudo à luz da integração e integralidade.
No Capítulo 2, denominado Integração das Equipes de Saúde da
Família e Equipes de Saúde Bucal: A visão dos profissionais, busca-se
analisar a integração das equipes, a partir dos discursos dos profissionais de
saúde da família de Fortaleza. Nesse capítulo, pretende-se apresentar os
resultados a partir das categorias emergidas dos grupos focais, apresentando as
opiniões e as compreensões acerca da prática desses profissionais, na
perspectiva dos próprios sujeitos.
66
Nas Considerações Finais, abordam-se as considerações gerais
decorrentes dos vários momentos da pesquisa, assim como a sistematização de
algumas conclusões valiosas extraídas dos resultados analisados e expõem,
também, recomendações para gestores, profissionais, unidades formadoras e
pesquisadores, a fim de melhorar o processo de trabalho das equipes de saúde da
família de Fortaleza.
8. Aspectos Éticos:
O projeto de pesquisa, após a qualificação, foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (ANEXO I), conforme
determina a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996),
que rege a ética da pesquisa em seres humanos.
Para a entrada em campo, foi necessário o encaminhamento do projeto
e do parecer do Comitê de Ética à Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, no
Sistema Municipal Saúde-Escola, do setor de Educação Permanente para a
permissão da realização da pesquisa, com os devidos esclarecimentos. Apesar do
consentimento pela Secretaria Municipal de Saúde, foi necessário também o
consentimento da SER II, a partir de um ofício encaminhado à coordenação da
célula de atenção básica (ANEXO 2)
A autorização dos sujeitos ocorreu mediante os esclarecimentos dos
objetivos da pesquisa e, a partir da decisão consciente, houve o consentimento
livre por meio da assinatura do termo de consentimento (APÊNDICE I).
67
CAPÍTULO 1:
INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA E EQUIPES
DE SAÚDE BUCAL: A visão dos gestores
Este capítulo centra-se na análise dos dados coletados por meio do discurso dos
sujeitos que, de alguma forma, vivenciaram o contexto histórico da reorientação do
modelo de saúde no município de Fortaleza e que, por estarem em uma posição
diferenciada, gestores, puderam colaborar na descrição e compreensão desse
cenário.
Dessa forma, as entrevistas com os gestores, as observações em
campo, os documentos oficiais e a literatura existente foram articulados com a
finalidade de estabelecer um confronto entre o teórico e o empírico no processo de
triangulação dos resultados, a fim de compreender as convergências e
divergências existentes nesse processo.
1. A implantação do PSF em Fortaleza.
Em Fortaleza, no ano de 1997, adotou-se, como estratégia
administrativa, a descentralização da gestão municipal por meio da organização
de seis SER, as quais estavam diretamente subordinadas ao Gabinete da
Prefeitura e estruturaram-se para prestar os serviços municipais aos grupos
populacionais de sua abrangência. Essa descentralização facilitou o debate sobre
políticas de saúde, principalmente voltadas a uma reorganização do sistema de
saúde hegemônico (BATISTA et al, 2005).
A partir de então, iniciou-se a discussão do PSF, em maio de 1997, com
a formação de uma comissão composta de um coordenador e seis membros que
objetivavam a implementação do programa no município. A proposta preliminar de
implantação identificava os elementos que facilitavam a estratégia: a decisão
política da administração municipal, a descentralização por meio das seis SER, a
68
existência de uma rede básica bem distribuída e o PACS, em funcionamento. A
partir daí, houve um intenso planejamento, juntamente com as seis SER, para a
definição de prioridades e número de equipes a serem implantadas (VIEIRA,
2001).
O processo de implantação do PSF em Fortaleza ocorreu em quatro
fases distintas, divididas do seguinte modo: a primeira fase ocorreu em fevereiro
de 1998, com a seleção de 32 ESF; a segunda fase ocorreu em maio de 1999,
com a contratação de mais 18 ESF; a terceira fase ocorreu em abril de 2000, com
a implantação de mais 59 equipes; e a quarta fase, a atual, que teve início em
agosto de 2006, implantou 300 ESF e 250 ESB.
Na primeira fase, em fevereiro de 1998, o Instituto Municipal de
Pesquisa e Administração de Recursos Humanos-IMPARH selecionou por meio
da avaliação de currículo, entrevista e oficina de desempenho grupal, os médicos
e enfermeiros para comporem as primeiras equipes, priorizando profissionais com
experiência em PSF do interior do Estado. Esses profissionais foram contratados
por contrato temporário. Por análise de currículo, selecionou-se também os
auxiliares de enfermagem, formando 32 equipes de saúde da família. Nesse
primeiro momento não houve inclusão de equipes de saúde bucal (VIEIRA, 2001).
Essas primeiras equipes foram distribuídas em doze bairros,
englobando as seis SER, assim configuradas: Na SER I, implantou-se quatro
equipes no Centro de Saúde
3
-CS Guiomar Arruda, localizado no bairro do
Pirambu; na SER II, implantou-se quatro equipes, distribuídas no CS Frei Tito, no
bairro Caça e Pesca e no CIES Aída Santos e Silva, no bairro Vicente Pinzon;
para a SER III, foram alocadas oito equipes que se distribuíram da seguinte forma:
três no CS César Cals, no bairro do Pici, e cinco equipes no CS Meton de Alencar,
no bairro Antônio Bezerra. Na SER IV, quatro equipes foram implantadas no CS
Luís Albuquerque Mendes, no bairro da Serrinha, enquanto na SER V outras
quatro equipes foram implantadas no CS Novos Canudos, no bairro do
Canindezinho. Para a SER VI, implantou-se oito equipes, das quais quatro foram
3
Na época, utilizava-se a nomenclatura de Centro de Saúde-CS para designar as unidades de atenção básica
à saúde e a nomenclatura de Centro Integrado de Educação e Saúde-CIES para designar estabelecimentos
que constavam de unidade de atenção básica a saúde integrada a uma escola municipal.
69
para o CS Janival de Almeida, no Passaré e as outras quatro ficaram no CIES
Terezinha Parente, localizado no bairro Lagoa Redonda (VIEIRA, 2001).
A distribuição dessas equipes priorizou as áreas de risco, seguindo o
princípio da equidade na organização dos serviços de saúde como uma maneira
de propiciar vigilância à saúde às áreas com o maior risco de adoecimento. Nota-
se, nesse primeiro momento, um número de equipes ainda insuficientes para uma
cobertura adequada e para alterar o quadro epidemiológico da população.
Um ano após esse primeiro momento, em maio de 1999, iniciou-se a
segunda fase de implantação do PSF, caracterizada pela inclusão de mais 18
equipes às já existentes, compostas por médicos, enfermeiros e auxiliares de
enfermagem servidores do município, com remuneração estabelecida por
Gratificação pela Execução de Trabalhos Técnicos-GETT. Mais uma vez, as ESB
não foram incluídas (VIEIRA, 2001).
A distribuição dessas equipes nesse segundo momento foi mais
homogênea, abrangendo sete unidades de saúde. Na SER I, o CS Virgílio Távora
implantou três equipes; na SER II, foi incorporada uma equipe a mais para
complementar as já existentes no CS Frei Tito e no CIES Aída Santos. Na SER III,
o CIES Recamonde Capelo recebeu três equipes, enquanto na SER IV três
equipes também foram implantadas no CIES Projeto Nascente. Para a SER V,
foram implantadas quatro equipes no CIES Dom Lustosa, enquanto para a SER
VI, foram implantadas três equipes no CIES João Hipólito (VIEIRA, 2001).
Na terceira fase, iniciada em abril de 2000, contratou-se mais 59
equipes, por meio de convênio com a Cooperativa de Profissionais de Saúde-
COOPSAÚDE. Essas ESF foram divididas nas SER da seguinte forma: as SER I,
II e VI receberam nove equipes cada uma, enquanto a SER III recebeu treze
equipes e a SER IV, cinco ESF. Na SER VI, implantou-se o maior número de ESF,
quatorze ao total. Dessas 59 novas ESF, treze foram implementadas em unidades
com equipes já existentes, enquanto as demais foram distribuídas em CS
convencionais. Dessa forma, havia unidades que possuíam ESF, mas
continuavam co-existindo as práticas do modelo ainda hegemônico, curativista
(VIEIRA, 2001).
70
Após essa terceira fase, havia em Fortaleza 109 ESF, implantadas em
22 unidades de saúde. Nas regionais abordadas por esse estudo, a SER II e a V,
havia 15 e 22 equipes, respectivamente. Essas equipes, apesar de esforços para
realizar territorialização, cadastramento e atender a população, não conseguiram
proporcionar uma cobertura adequada, visto que apenas 15% da população era
coberta pelo PSF e, tampouco essas equipes eram capazes de modificar a
realidade dos indicadores epidemiológicos ou reorganizar as práticas de saúde e o
modelo de atenção básica.
Mendes (2002) propõe uma análise profunda da implantação do PSF,
dividindo essa implantação em quatro momentos distintos: o momento da
transição incipiente, caracterizado por uma cobertura populacional entre 10% e
25% e a quase inexistência de institucionalização; o momento de transição
intermediária, com uma cobertura entre 25% e 50% e baixo nível de
institucionalização; o momento de transição terminal, caracterizado por uma
cobertura populacional entre 50% e 70% e com um grau de institucionalização
político e nos serviços de saúde significativos, mas ainda com instabilidade na
institucionalização dos espaços educacionais e da representação popular; e o
momento da consolidação do PSF, caracterizada por uma cobertura populacional
entre 50% e 70% e com um grau de institucionalização político e nos serviços de
saúde significativos, mas ainda com instabilidade na institucionalização dos
espaços educacionais e da representação popular.
Essa institucionalização do PSF à qual Mendes (2002) se refere, ocorre
em diversos espaços sociais: espaço político, espaço dos serviços de saúde,
espaço educacional e espaço da representação populacional.
A institucionalização no espaço político representa a presença no
discurso e na vontade políticos da estratégia do PSF. Enquanto que a
institucionalização no espaço dos serviços de saúde significa a forma como o PSF
se insere, como estratégia, na organização do sistema de serviços de saúde e na
organização da atenção primária. A institucionalização no espaço educacional, por
sua vez, é representada pela orientação formativa dos profissionais de saúde,
voltada para o PSF, estabelecendo coerência da educação formal e da educação
71
permanente com os princípios, ideologia e recursos do PSF. Por último, a
institucionalização no espaço da representação populacional mede a profundidade
da incorporação da saúde da família como um valor societário, em que se observa
a atitude da população em relação a sua saúde, se de fato adotam medidas
preventivas e se se reconhecem como sujeitos de sua saúde (MENDES, 2002).
Em Fortaleza, esse modelo analítico de Mendes (2002) pode ser
aplicado às fases de implantação do PSF no município. O que se observa é que
na primeira fase, tem-se o momento da transição incipiente, ou inicial,
caracterizado por uma cobertura baixa e a quase inexistência de
institucionalização nos espaços político, profissional, educacional e da
representação populacional. Já na segunda fase, ainda permanece caracterizada
essa transição inicial, visto que não houve significativo aumento de cobertura ou
institucionalização. A terceira fase, mesmo com o aumento do número de equipes,
ainda não pode ser considerada como um momento distinto, visto que, ainda à
época, a cobertura não aumentou consideravelmente e, principalmente, não houve
institucionalização do PSF. Apenas na última fase, como será visto, o processo
apresentou avanços consistentes.
Essa ausência de institucionalização torna-se mais destacada quando
se analisa a implantação do PSF em Fortaleza nos anos de 2000 a 2004, a qual
se caracteriza por um processo de desarticulação do PSF, ocasionada pela
justaposição de programas, que além de acentuar a fragmentação do cuidado em
saúde, também onerava consideravelmente o sistema de saúde, tornando-o
ineficiente e ineficaz. Co-existiam nesse período quatro estratégias para a atenção
básica de Fortaleza: o PSF, o PACS, o Programa de Saúde Escolar-PSE
vinculado ao Modelo de Atenção Integral à Saúde-MAIS e a Unidade Padrão
(FORTALEZA, 2006b). O PSE foi um programa que atendia, nas unidades de
saúde, crianças e adolescentes até 14 anos de idade, estudantes da rede pública
de ensino. O PSE estava em 66,7% das unidades de saúde, atuando com 69
equipes. O MAIS, por sua vez, caracterizou-se por ser um modelo que realizava
atendimento básico, em nível ambulatorial, voltado a gestantes, por meio do pré-
natal, e às crianças de até um ano de idade, dentro de hospitais distritais
72
(BATISTA et al 2005). O Secretário Municipal de Saúde expõe as conseqüências
desse fato:
A prefeitura de Fortaleza ficou com quatro estratégias em relação à
atenção primária. Eu acho que isso foi muito ruim. Implantou uma
unidade chamada Unidade Padrão. Implantou o Programa de Saúde
Escolar, implantou o MAIS, que era um Modelo de Ação Integral de
Saúde e manteve o PSF. Então, essa dubiedade da prefeitura de
Fortaleza em relação à atenção primária, criando vários programas, diluiu
o papel do PSF e diluiu a própria importância da atenção primária dentro
do sistema municipal de saúde [...] Por exemplo, o MAIS era a realização
de pré-natal em hospitais. Isso foi muito prejudicial porque inclusive tirou
a importância do pré-natal nas unidades básicas de saúde, colocando
pré-natal em hospitais e muitas pessoas deixaram de fazer pré-natal e
ocorreu inclusive um aumento da mortalidade materna [...] Os médicos,
muitos pediatras, enfermeiros, estavam nas escolas fazendo o programa
de saúde escolar. Eu mesmo cheguei a entrar numa unidade de saúde,
que tinha uma [pediatra] sem poder mais atender e na própria unidade
tinha um pediatra lendo jornal, que disse: ´é porque eu sou do programa
de atenção escolar e minhas crianças estão de férias´. Então, isso é
realmente uma situação muito crítica que a gente encontrou. Uma
unidade padrão, que para mim toda unidade tem que ser padrão, não sei
porque inventaram esse negócio de unidade padrão e o PSF, resistindo
aqui.
Analisando a situação descrita, identifica-se a ausência de
institucionalização no campo político, pois a proposta do PSF não era
considerada como a norteadora da reorganização da atenção básica pelos
gestores; no campo dos serviços, uma vez que co-existiam em um mesmo espaço
diversas estratégias, desvalorizando o processo de trabalho e o funcionamento
dos serviços a partir dos princípios e ideologias do PSF; no campo educacional,
visto que inexistiam conceitos de educação permanente ou de formação voltados
ao PSF; e no campo das representações populacionais, pois essa é conseqüência
da institucionalização nos demais campos.
O que se observa é que, mesmo com a inserção do PSF, o sistema de
saúde continuava reproduzindo o modelo de atenção médico-assistencial
hegemônico, com ações pontuadas, focalizadas e excludentes. Havia, por um
lado, uma lógica de atendimento voltado às famílias, enquanto existiam as demais
estratégias direcionadas a segmentos distintos da população, como escolares,
gestantes e crianças de zero a um ano de idade, desrespeitando os princípios de
universalidade do acesso e integralidade (BATISTA et al, 2005).
73
Havia uma extrema desvalorização da atenção básica, sem
organização e priorização desse nível de atenção. A assistência ambulatorial
especializada, no entanto, apresentava 2,5 vezes maior número de consultas do
que a atenção básica, sendo que essas consultas eram, em sua maioria, pronto
atendimento, realizadas nos hospitais municipais, ou seja, eram consultas básicas
realizadas na lógica de pronto atendimento, sem gerar vínculo e continuidade do
cuidado (FORTALEZA, 2006b).
De acordo com o Plano Municipal de Fortaleza (FORTALEZA, 2006b),
outros equívocos podem ser identificados na gestão e na organização do sistema,
pois havia a lógica da prioridade ao acesso ao pronto atendimento e a valorização
da atenção especializada, por meio de transferência de grande parte dos recursos
financeiros a essa área. Inexistia articulação entre as unidades ambulatoriais e
hospitalares, que apresentavam dificuldades administrativas e financeiras, além de
sucateamento da estrutura física e de equipamentos. Complementando o cenário
crítico, tinha-se ainda a situação precária de contratação dos profissionais de
saúde por meio de terceirizações, cooperativas, influências políticas, que
influenciavam diretamente na qualidade do atendimento prestado à população.
Diante dessa situação, para que a proposta do PSF fosse de fato
implementada, era necessária uma reforma estrutural e organizacional da atenção
básica do município. Esse cenário crítico descrito propiciou o início da quarta fase
da implantação do PSF no município.
O Plano Municipal de Saúde apresenta as propostas para efetivar a
inversão desse modelo no período de 2006 à 2009. De acordo com esse
documento, a reorganização do sistema de saúde ocorreria por meio de eixos
programáticos, baseados prioritariamente na reestruturação e fortalecimento da
atenção básica, estabelecendo como porta de entrada do sistema as unidades
básicas de saúde, organizadas de acordo com os princípios do PSF, focando a
atenção na promoção e prevenção à saúde.
Então, a partir de 2005, a SMS organiza todo o sistema por meio de
Redes Assistenciais, adotando para a atenção básica o modelo da Rede
Assistencial da Estratégia Saúde da Família, norteando-a pelos princípios e
74
diretrizes do SUS, como uma forma de viabilizar todo o sistema, como se registra
abaixo:
A partir de 2005, nós universalizamos o PSF e resolvemos transformar
todas as unidades em unidades de saúde da família. Primeira coisa [a
fazer] foi unificar todas as estruturas, tudo passa a ser PSF. E aí fizemos
o concurso e colocamos 250 ESB, 300 ESF e fizemos concurso para
ACS. E aí então todo o processo de fortalecimento da estrutura
[aconteceu]. Paralelamente a isso, fizemos a Residência Multiprofissional
em Saúde da Família, que hoje é a maior Residência do Brasil. Criamos
esse conceito de Sistema Municipal de Saúde-Escola, quer dizer,
transformar toda a rede em espaço de ensino, pesquisa e assistência.
Então esse foi um processo muito importante, além de implantar a
democratização, como a questão da roda nas unidades de saúde
(GSMS).
Identifica-se nesse discurso o início da institucionalização no campo
político, no campo dos serviços e no campo educacional, como uma forma de
ultrapassar as barreiras para a implantação efetiva do PSF.
Nesse sentido, as mudanças começaram por uma estratégia,
desenvolvida pela Célula de Atenção Básica–CAB da SMS, denominada
Operação Fortaleza Bela na Saúde que representava a reestruturação da rede de
Atenção Básica por meio de recuperação física, de novos processos de gestão de
trabalho e da responsabilidade sanitária na perspectiva do território (FORTALEZA,
2006a). Essa estratégia focava-se principalmente na humanização dos
serviços. Em um primeiro momento, enfatizou-se a necessidade de reformar as
estruturas físicas das unidades básicas de saúde, juntamente com o
reabastecimento delas, garantindo a reforma e ampliação de 88 unidades de
saúde, proporcionando melhores condições de trabalho e de acolhimento da
clientela (FORTALEZA, 2006a). Esse momento é discriminado pelo Coordenador
de Saúde Bucal do município:
Eu tinha tido oportunidade de participar do processo de elaboração da
proposta de governo da Prefeita na área da saúde, então eu tinha um
acesso maior a essa discussão [...] Começamos a trabalhar organizando,
vendo como estavam as unidades de saúde, qual era a situação que
tinha. Os equipamentos eram muito sucateados, não tinha atendimento.
Então, a primeira coisa que queríamos era botar o atendimento para
funcionar.
Outro ponto importante dessa estratégia foi a realização do concurso
público, motivada principalmente pela precarização da situação de trabalho, visto
75
que todos os contratos dos profissionais de saúde, inclusive dos ACS, eram
intermediados pela COOPSAÚDE. De acordo com o Relatório de Gestão de 2005,
(FORTALEZA, 2006a), esse tipo de contratação foi necessário à época para
garantir o funcionamento das unidades, mas havia o reconhecimento dos gestores
de que essa condição funcional acarretava em situações de vínculo e de relações
trabalhistas fragilizadas e conseqüentemente precarizadas. Consoante a essa
estratégia, é elaborada e aprovada a Lei Complementar 0022, de 13 de julho de
2005, que criou os cargos de provimento efetivo para realização de concurso
público municipal, criando os cargos de Médico de Saúde da Família, de
Odontólogo de Saúde da Família e de Enfermeiro de Saúde da Família.
Dessa maneira, Fortaleza aderiu ao Concurso Público Estadual na
Saúde de base local, para seleção e contratação de 1380 profissionais do PSF, os
quais formariam 460 equipes, número suficiente para um incremento da cobertura,
de 15% para 70% da população de todo o município, e de 100% ao considerar
apenas a parcela da população SUS-dependente. Entretanto, devido a problemas
na infra-estrutura e carência de recursos, foram chamados inicialmente apenas
300 médicos, 300 enfermeiros e 250 dentistas, que atualmente compõem as
equipes de saúde da família em Fortaleza. Entretanto, apesar desses
consideráveis avanços, os profissionais auxiliares de nível médio, tais como
auxiliares de enfermagem e auxiliares de consultório dentário, permaneceram com
sua situação trabalhista intacta, mantendo a condição de terceirizados.
O Secretário Municipal de Saúde, a partir de sua fala, também identifica
a educação permanente e os processos de co-gestão como outras ferramentas
necessárias para a organização e a estruturação do sistema de saúde, incluindo a
implantação do PSF. O Sistema Municipal de Saúde Escola-SMSE e o “Método da
Roda” são vistos pelos gestores como estratégias importantes para a efetivação
do processo de organização do PSF.
A educação permanente para o SUS contribui para a mudança do
modelo de atenção, além de propiciar a gestão participativa. A SMS adota o
SMSE, com o objetivo de transformar a rede de serviços em espaços de ensino e
pesquisa, compreendendo que os saberes são construídos e modificados no
76
cotidiano do processo de trabalho pelo processo de aprendizagem-ação
(BARRETO et al., 2006).
Diante da reestruturação da atenção básica, torna-se fundamental a
formação dos trabalhadores para atuar nesse novo modelo de saúde. Em
Fortaleza, o SMSE se organiza pela formação de preceptorias, em que o
preceptor vai ao CSF e ao território de abrangência ajudar ao aluno/profissional a
refletir sobre suas práticas, contextualizando-as. Para tanto, as instituições de
ensino, localizadas em cada regional, foram articuladas ao conjunto de serviços de
saúde locais. Das ações de educação permanente do SMSE, as mais relevantes
são: a Residência de Medicina de Família e Comunidade, a Especialização em
Saúde da Família e Comunidade, e a Residência Multiprofissional em Saúde da
Família (BARRETO et al., 2006; FORTALEZA, 2007).
Em relação ao processo de co-gestão, Fortaleza adotou o Método da
Roda, concebido teoricamente por Campos (2007b). De acordo com esse autor,
co-gestão é a elaboração conjunta de diretrizes, objetivos, objeto e métodos de
trabalho, tomando todo esse processo como obra coletiva, que é o resultado de
todos pela contribuição individual de cada um. Nesse sentido, no Método da Roda,
há uma valorização e um fortalecimento da autonomia do sujeito/profissional, uma
vez que esse participa das reuniões em seu ambiente de trabalho, pactuando e
deliberando com o coletivo os assuntos levados à roda. A “roda” é então o espaço
propositivo, discursivo e de debate dos profissionais (VIANA e ANDRADE, 2005).
Em Fortaleza, essas rodas ocorrem com freqüência semanal, quinzenal
ou mensal nos CSF, entre os membros da equipe ou entre coordenação e todos
os profissionais. Observa-se também essa co-gestão nas regionais, onde os
gestores reúnem-se com representantes dos profissionais mensalmente para
discutir diretrizes e debater temas pertinentes ao processo de trabalho.
A implantação do PSF, nessa quarta fase, atinge o momento de
transição intermediária, aproximando-se ao momento de transição terminal, visto
que, atualmente possui uma cobertura de 45% da população e com um grau
significativo de institucionalização político, nos serviços de saúde, nos espaços
77
educacionais e tendendo ao aumento na institucionalização no campo da
representação popular.
Retomando o processo de implantação das equipes, ESF e ESB, em
Fortaleza, observa-se que, em cada SER, a implantação foi planejada e realizada
respeitando-se o número de unidades, o recurso disponível e a infra-estrutura
existente. Nas regionais estudadas nessa pesquisa, foram vivenciadas essas
realidades, como identificadas pela gestão da SER II:
Das 300 equipes, cada SER teve que olhar para seu território e dizer: ‘eu
preciso de 100, mas com a minha estrutura que eu tenho hoje, física, das
unidades, eu posso colocar quantas?’ E assim eu fui fazendo unidade por
unidade [...] ‘Na unidade X, tem tantos consultórios, tem tantos
profissionais da atenção básica, quantas equipes comportam ainda aqui?
Eu preciso de 10, mas 10 não vão caber, eu posso botar seis aqui’. E
assim, a gente foi lotando, em relação ao médico, enfermeiro e dentista.
Diante disso, a fim de comportar o maior número de profissionais, a
gestão da atenção básica adotou, como resposta a várias necessidades, a criação
de turnos noturnos, o terceiro turno, em algumas unidades de saúde,
possibilitando acolher o usuário que seja trabalhador diurno e a existência de um
maior número de equipes, mesmo em um espaço físico restrito, como explicita as
coordenadoras de atenção básica da SER II e V:
Em algumas unidades não cabia colocar profissionais pela manhã e
tarde, principalmente de manhã, porque a maior parte dos profissionais
que já eram da rede básica, os veteranos, já atuavam de manhã, porque
a manhã sempre é mais curta e tudo. Então, em algumas unidades, nós
botamos saúde da família manhã e tarde e botamos saúde da família
tarde e noite, com profissionais que entram 13h e saem às 21h. E assim
a gente saiu de 9% de cobertura de saúde da família, com 11 equipes, e
passou-se para 35,7% de cobertura, com 39 equipes (GCABII).
Um diferencial também dessa gestão é o funcionamento à noite. O
médico, o enfermeiro e o dentista estarem no posto à noite. A pessoa que
passa o dia trabalhando ter acesso ao posto à noite. Dos 18 postos da
SER V, 11 estão funcionando à noite com todos os membros da equipe,
médico, enfermeiro, dentista. Tem o atendimento com consulta
agendada, mas também tem o pronto atendimento (GCABV).
O terceiro turno foi proposto pelo Plano Municipal de Saúde, como
forma de enfrentar um período epidêmico de doenças infecto-contagiosas, e em
resposta ao grande crescimento da demanda por atendimentos em saúde. Nesse
sentido, mesmo após o término desse quadro epidêmico, optou-se por manter
esse serviço em algumas unidades. Na ocasião, foram avaliados os resultados
78
alcançados tanto no que se refere à ampliação do acesso aos serviços de saúde,
quanto à satisfação dos usuários e dos profissionais dos CSF e dos hospitais
municipais, os quais constataram uma grande diminuição da demanda nos seus
serviços de urgência durante o período de funcionamento do terceiro turno.
Atualmente, 35 CSF oferecem o atendimento do terceiro turno. As regionais
abordadas nesse estudo, a II e a V, concentram o maior número de CSF
funcionando em horário extra. Na SER II há o maior número de CSF funcionando
nos finais de semana. A SER V, por sua vez, apresenta o maior número de CSF
funcionando em horário noturno, pelo fato desta regional ter a maior densidade
populacional de Fortaleza (FORTALEZA, 2007; FORTALEZA, 2006b).
Em todas as regionais, os critérios que determinaram a escolha das
unidades que funcionariam em terceiro turno foram a maior concentração de áreas
de risco atendidas pelo CSF, a densidade populacional e os parâmetros
epidemiológicos.
Outro importante fator para o avanço do PSF foi a seleção de ACS por
meio de concurso público. Em 2006, foram ofertadas 2627 vagas para os ACS,
distribuídas em todas as micro-áreas de Fortaleza. Para a SER II, foram ofertadas
261 vagas, enquanto na SER V, ofertou-se o total de 643 vagas. A partir do ano
de 2007, os ACS selecionados foram gradativamente convocados, incorporando-
se às ESF já existentes (FORTALEZA, 2007).
Empiricamente, durante a observação em campo, foi possível identificar
a inserção desses profissionais nas equipes. Por exemplo, no CSF da SER V, no
dia da observação, três novos ACS foram apresentados, os quais somaram aos
oito já existentes. Na ocasião, houve a garantia de que outros nove ainda seriam
contratados, somando-se vinte ACS. No outro CSF estudado, na regional II,
existiam dezenove ACS. Observa-se que ainda há um deficit no número de
profissionais, visto que, segundo as recomendações do Ministério da Saúde
(BRASIL, 1994), as equipes devem ser compostas por quatro a seis agentes de
saúde. Na situação atual, seriam necessários tanto para o CSF da SER V, como
para o da SER II, o total de 16 a 24 ACS.
79
Os avanços resultantes dessa implantação são visíveis nos indicadores
epidemiológicos, principalmente os relacionados à cobertura e ao acesso da
população aos serviços, que passou de 15%, em 2005, a 45%, em 2008.
Por se tratar de um processo com pouco tempo de implantação, é
precoce julgar se houve melhora global do quadro sanitário populacional.
Quantitativamente, o que se pode identificar é a melhoria dos dados
epidemiológicos e, qualitativamente, identifica-se a satisfação dos usuários em
relação ao atendimento. Nos discursos dos gestores houve concordância em
afirmar que é possível identificar as melhorias tanto quantitativas como
qualitativas, descritos a seguir:
Então eu acho que já houve uma percepção da população, e ela
verbalizou isso pelos grupos focais que nós fizemos, e o que a população
fala: ‘tem problema, mas melhorou muito’. Então já há uma sensação de
melhora no sistema de saúde, na atenção básica, no cuidado, no
acolhimento, na humanização [...] Todos os indicadores melhoraram
muito, como a mortalidade materna, mortalidade infantil.
Qualitativamente, temos muito que melhorar, mas no acolhimento houve
uma melhoria, na humanização houve uma melhoria... (GSMS).
Houve redução da mortalidade infantil, houve redução da mortalidade
materna [...] o que a gente percebe é muito mais um avanço, uma
melhoria qualitativa de atenção às pessoas, de acesso [...] e aí a gente
acaba observando mais do que o próprio indicador (GCABII).
A mortalidade infantil com certeza é um diferencial, melhorou com
certeza. O acesso das pessoas também foi um impacto. Também
[melhorou] a cobertura das ESF nas áreas de abrangência e também
muitas atividades e ações no dia de sábado (GCABV).
Observando os dados epidemiológicos referentes ao período de 2004 a
2006, há uma concordância com o discurso da gestão, visto que se observa uma
redução na razão da mortalidade materna que passou de 70,14, em 2004, a
40,72, em 2006 (FIGURA 1). Quanto ao coeficiente de mortalidade infantil,
verifica-se um declínio de 18,5, em 2004, a 17,2, em 2006, assim como a
mortalidade infantil proporcional, que diminuiu de 6,3%, em 2004, para 5,7%, em
2006, ambas registrando tendência de queda (FIGURA 2) (FORTALEZA, 2007).
80
FIGURA 1: Razão de mortalidade materna nos anos de 2004, 2005 e 2006, em
Fortaleza.
Fonte: Relatório de Gestão de 2006 (FORTALEZA, 2007).
FIGURA 2: Coeficiente de Mortalidade Infantil e Mortalidade Infantil Proporcional
em Fortaleza, 1981 a 2007.
Fonte: Relatório de Gestão de 2006 (FORTALEZA, 2007).
Quanto ao processo de trabalho das equipes do PSF, os gestores
acreditam que já foram incorporadas, em algumas unidades, práticas de trabalho
81
voltadas à operacionalização do modelo, como ações de âmbito coletivo,
trabalhando dentro do território, visando a promoção de saúde. É possível
identificar nas entrevistas que essas ações se concretizam por meio da formação
de grupos, com um público alvo definido, em que se executa primordialmente
atividades preventivas-educativas. Nas regionais estudadas, observou-se que há
formação de grupos de idosos, hipertensos e diabéticos dentro do próprio
território, com ações voltadas à promoção de saúde e ao controle de doença por
meio de atividades educativas e preventivas. Em alguns CSF há também
experiências com grupos de adolescentes, de gestantes e de bebês. A formação
desses grupos é vista pela gestão como estratégias interessantes para a
reorganização do processo de trabalho na perspectiva da integralidade no
cuidado.
2. A inserção das Equipes de Saúde Bucal em Fortaleza.
De acordo com o Relatório de Gestão de 2005 (FORTALEZA, 2006a),
Fortaleza não contava, até 2004, com nenhuma equipe de saúde bucal no PSF.
Os cirurgiões-dentistas que atendiam nas unidades de saúde eram do quadro do
município ou do estado, com regime de 20 horas semanais ou contratados por
cooperativa, também de 20 horas semanais (CHAGAS, 2008). É importante
ressaltar que esses cirurgiões-dentistas não participavam do planejamento de
ações coletivas e tampouco realizavam ações integradas entre as equipes, porque
a prática odontológica focava-se essencialmente no atendimento clínico-curativo.
Apenas em 2005, a implantação das primeiras ESB começou, mesmo
que de forma pouco expressiva. Nesse período, houve a participação de diversos
atores ligados à Saúde Coletiva, que constituíram a Coordenação de Saúde Bucal,
e propuseram um diálogo reflexivo e coletivo da organização das ações em saúde
bucal. À época, janeiro de 2005, essa coordenação deparou-se com um cenário
desfavorável: a assistência odontológica da rede municipal encontrava-se
desabastecida, sucateada e com sérios problemas de manutenção de
82
equipamentos, observado pela diminuição do número de procedimentos
realizados no último trimestre de 2004 (FORTALEZA, 2006a).
Foi considerado como de urgência a necessidade de organizar um
atendimento odontológico de acesso universal e resolutivo. Para efetivar essa
proposta, investiu-se cerca de 300 mil reais na compra de insumos, pois havia
carência inclusive de artigos básicos, como luvas e anestésicos. Um impacto
dessa ação foi percebido no primeiro semestre de 2005, quando se observou um
aumento em mais de 100% nos procedimentos realizados. De acordo com o
Relatório de Gestão de 2005, o investimento foi aplicado na compra de 27 novos
consultórios completos, ao custo de 250 mil reais, que foram utilizados para a
troca de 15 equipamentos sucateados e para a instalação de 12 novos
(FORTALEZA, 2006a).
O impacto não se deveu apenas à compra de equipamentos, mas
também pela contratação de novos profissionais para atuarem dentro da lógica
organizacional do PSF. Contratou-se, então, 100 cirurgiões-dentistas por meio de
cooperativa, vinculando-os inicialmente a 27 unidades básicas de saúde que já
havia ESF implantada. Para que fosse possível essa implantação, o contrato dos
profissionais modificou-se para um regime de 40 horas semanais, como
preconizado pelo Ministério da Saúde e com acréscimo salarial de 16% (CHAGAS,
2008; FORTALEZA, 2006a).
A inserção dessas 100 ESB em 102 ESF representou um grande
avanço, entretanto houve dificuldade em incluir esses profissionais no PSF, pela
carência de equipamentos nas unidades de saúde, pois havia na rede 104
equipamentos odontológicos, que correspondiam a uma média de 1,2
equipamento por CSF. De acordo com Chagas (2008), essa relação desfavorável
funcionou como um desafio que proporcionou uma rotina de trabalho diferenciada,
em que os profissionais de saúde bucal necessitaram desenvolver ações em
conjunto com os demais membros de saúde da família, além de realizarem os
procedimentos coletivos. Então, diante dessa limitação, reorganizou-se a prática
da odontologia, voltando-a ao planejamento e atividades coletivas integradas a
ESF.
83
Os dentistas já estavam trabalhando com os outros profissionais do PSF,
junto com médicos e enfermeiros. Como eles tinham tempo, que não era
um tempo clinico, essas ações eram integradas [...] Então eles lideraram
alguns processos nesse tempo livre que tinham: processo de
territorialização, de conhecimento de área, de acolhimento dentro das
unidades de saúde. Houve participação nas unidades de saúde, nas
discussões das rodas, na confecção de alguns processos de trabalhos
(GCSB).
Chagas (2008) afirma que, desde o momento de convocação desses
profissionais, houve a necessidade de integrá-los às ações dos demais membros
das ESF. O coordenador de saúde bucal do município expressa essa
necessidade:
Nós, da coordenação de saúde bucal, temos o cuidado de não tentar
fazer um processo separado das equipes do PSF. Somente em áreas
especificas como protocolo, agendamento clinico, só as coisas muito
ligadas a clinica odontológica, mas o restante [estamos] deixando que o
diálogo ocorra dentro do PSF.
Entretanto, o processo de trabalho do cirurgião-dentista permanece
ligado a práticas curativas, fruto de sua formação que o prepara para o trabalho
com tecnologia dura e para o atendimento individual. Essa visão restrita torna
difícil a incorporação do conceito ampliado do processo saúde-doença,
dificultando o trabalho interdisciplinar dentro do PSF (CHAVES, 2005). Devido às
deficiências na formação do CD em relação a ações de planejamento e de
integração com os outros profissionais, foi necessário que a gestão organizasse
reuniões semanais no Conselho Regional de Odontologia-CRO, voltadas ao
planejamento e à capacitação dos profissionais inseridos no modelo que estava
sendo proposto, como esclarece o coordenador de saúde bucal do município:
Como ninguém tinha o hábito dessa inclusão, a gente realizava toda
quarta feira uma reunião de trabalho no CRO, do qual todos os
cooperados participavam e toda coordenação de saúde bucal participava.
Funcionava como uma grande roda de planejamento e gestão do
trabalho deles. Tiveram alguns momentos que teve algumas
capacitações e abordagens que eles tinham dificuldade, inclusive nós
levamos alguns professores para lá para tratar sobre o tema.
Essas reuniões foram divididas em dois módulos. No primeiro módulo,
ocorrido no primeiro semestre de 2005, abordou-se a reorganização das Ações
Coletivas em Saúde Bucal nos espaços sociais, como creches, escolas e grupos
comunitários, cadastrados nas CSF. Como resultado final dessas discussões, foi
84
elaborado um Manual Técnico sobre as ações coletivas em saúde bucal, que
consistiu em um documento que norteava e explicitava como as ações coletivas
deveriam ser desenvolvidas pelas equipes (FORTALEZA, 2005).
O manual estabelecia que todos os espaços sociais de abrangência da
equipe deveriam ser cadastrados e que todos os indivíduos deveriam receber
bochecho fluoretado, semanal, e flúor em gel, trimestral. Também previa que
deveria ser feito um levantamento de necessidades para identificar os indivíduos
com atividade de cárie ou doença periodontal. Para os que apresentassem
algumas dessas condições, a equipe deveria realizar cinco semanas seguidas de
escovação com flúor gel e avaliar se a lesão havia regredido ou se havia a
necessidade de intervenção clínica (FORTALEZA, 2005; CHAGAS, 2008).
Esse manual foi debatido e planejado coletivamente pela gestão de
Saúde Bucal do município e pelos cirurgiões-dentistas integrantes da rede. Sobre
essa gestão compartilhada, o coordenador de saúde bucal afirma:
Isso foi em janeiro de 2005 [...] as temáticas da saúde bucal começaram
a ser trabalhada coletivamente e foi um momento muito rico porque as
pessoas se apropriaram do processo. Era a primeira vez que Fortaleza
fazia isso, era a primeira vez que tinha dentistas, e eram muitos dentistas.
Muitas pessoas vieram do interior, já tinham alguma experiência em PSF,
então as pessoas que já tinham alguma experiência no interior e vieram
trabalhar aqui estavam gostando. Eles vinham para trabalhar aqui e eram
muito protagonistas dessas mudanças.
Apesar de toda a discussão sobre esse protocolo, a coordenação de
saúde bucal aponta que é necessário novamente discuti-lo coletivamente diante
da realidade epidemiológica atual, como se registra na entrevista:
É tanto que este documento precisa agora ser refeito, porque ele foi feito
em 2005 com a participação dos CD que estavam naquele processo e
agora a gente o aplicou, mas precisamos rever com os atuais
profissionais que estão hoje e para realizar as ações de acordo com a
epidemiologia (GCSB).
O segundo módulo, realizado no segundo semestre, abordou a
construção de Sistemas Coletivos de Trabalho em Saúde Bucal na rede básica do
município. As atividades do segundo módulo enfocaram temáticas vinculadas aos
problemas de biossegurança e ergonomia em odontologia. Como produto final,
elaboraram-se recomendações técnicas a serem adotadas nos projetos de
85
reforma e construção de Clínicas Odontológicas Coletivas, com dois a quatro
equipamentos odontológicos (FORTALEZA, 2006a).
Então nós tivemos aula de ergonomia para saber o espaço entre uma
cadeira e outra. A nossa proposta era, e ainda é, a construção de clínicas
coletivas de saúde bucal no lugar de consultórios isolados que
anteriormente tinham, então o que é essa clinica coletiva? Eram locais
em que você podia botar de três a quatro equipamentos vinculados com
a biossegurança e vinculados a um espaço de educação em saúde, em
que você pudesse escovar os dentes antes de entrar na consulta, até
para os mais biologicistas, o que reduziria a quantidade de bactérias no
interior da boca e lá você teria um espaço mínimo de 2,20m. Então o
desenho dessas clinicas foi feito pelos dentistas. Tinha um movimento:
‘conheça o espaço em que você trabalha’, em que o dentista tinha que
fazer um croqui de como era o consultório atualmente, qual é o espaço
que tem ao redor, qual a proposta de reforma, aí eles desenhavam a
proposta de reforma, e muitas dessas propostas acabaram entrando no
projeto da Secretaria de Saúde de reforma dos postos, que foi a
operação Fortaleza Bela nos postos (GCSB).
Ainda de acordo com a coordenação de saúde bucal, a discussão das
reuniões não foi apenas a respeito das ações coletivas e da infra-estrutura, mas
também abrangeu um debate sobre o processo de territorialização, por meio do
reconhecimento e da apropriação do território de abrangência pelas equipes que,
de acordo com a coordenação de saúde bucal, teve ampla participação dos
cirurgiões dentistas.
Os cirurgiões-dentistas participaram muito ativamente desse processo de
conhecimento da área, de territorialização, de mapeamento. Fortaleza
tinha um mapa cartográfico muito desatualizado. E isso já trabalhando
com os outros profissionais do PSF, junto com médicos e enfermeiros.
Como eles tinham tempo, que não era um tempo clinico, essas ações
eram integradas [...] Então eles lideraram alguns processos nesse tempo
livre que tinham: processo de territorialização, de conhecimento de área,
de acolhimento dentro das unidades de saúde. Houve participação nas
unidades de saúde, nas discussões das rodas, na confecção de alguns
processos de trabalhos, o dentista participou, ainda desde o começo de
2005 (GCSB).
Além de participar do processo de territorialização como um todo, junto
com a ESF, os dentistas também foram responsáveis pelo cadastramento dos
espaços sociais onde seriam realizadas as ações de saúde coletiva (FORTALEZA,
2006a).
Essas ações da ESB, ainda que incipientes, já representavam uma
substituição ao processo de trabalho tradicional, como preconizado pela Portaria
n° 267 de 6 de Março de 2001, que regulamentou a inserção das ESB no PSF por
86
meio da descrição das ações de saúde bucal na atenção básica. De acordo com
esse documento, a equipe de saúde bucal deve organizar-se de forma a promover
uma substituição das práticas tradicionais exercidas nas unidades de saúde por
uma prática que tenha como norteadores: a integralidade na atenção; a adscrição
da clientela; a humanização do atendimento; o trabalho multiprofissional; o
estímulo às ações de promoção e prevenção de saúde; a educação permanente,
dentre outros (BRASIL, 2001).
Todas essas ações estão previstas pelo Plano Municipal da gestão de
2006-2009. Esse documento ressalta a importância da inserção da saúde bucal na
lógica do PSF, implicando no estabelecimento do vínculo, da responsabilidade
sanitária em área definida com processos de territorialização e adscrição da
população (FORTALEZA, 2006b).
Embasado também pelos incentivos provenientes da Política Nacional
de Saúde Bucal, que possui como uma das principais diretrizes: “a ampliação e
qualificação da atenção básica, de modo a buscar a integralidade da atenção”
(BRASIL, 2004b, p. 4), a gestão decidiu selecionar 460 cirurgiões-dentistas por
concurso público, juntamente com o concurso para a seleção dos médicos e
enfermeiros que fariam parte das ESF, para compor as ESB. Então, a partir de
agosto de 2006, convocou-se 250 dentistas, acrescidos de 300 médicos e 300
enfermeiros para atuarem em 88 unidades de saúde da família, que passaram a
ser Centros de Saúde da Família, o que representou um aumento na cobertura de
saúde bucal para 43% da população.
Apesar do incremento no número de ESB, que, de 2005 a 2007,
aumentou 120%, o número de equipamentos odontológicos não sofreu grande
alteração, passando de 117 a 144 consultórios instalados, nesse mesmo período
(CHAGAS, 2008). Então, como já discutido anteriormente, diante dessa escassez
de equipamentos, os profissionais reorientaram seus processos de trabalho,
abrangendo a dimensão social do processo saúde-doença da população.
Esse cenário também foi observado em cada uma das regionais
estudadas. Na SER II, do ano de 2005 a 2007, as ESB passaram de 10 para 33,
ao total, enquanto na SER V, no mesmo período houve um incremento do número
87
de ESB, que passou de 12 a 45 equipes (FORTALEZA, 2007). A alocação desses
profissionais por SER se deu a partir do princípio da equidade, priorizando as
áreas de risco tipo 1 e tipo 2. Portanto esse foi o fator decisivo em se alocar um
maior número de profissionais na SER V, que além de ter uma população maior
que a SER II, ainda detém piores indicadores sociais e econômicos, além de
possuir maior número de micro-áreas de risco 1 e 2.
Houve também, no mesmo período, um aumento na capacidade
instalada. Entretanto, o número de equipamentos não acompanhou o crescimento
do número de equipes. Na SER II, do ano de 2005 a 2007, o número de
consultórios odontológicos passou de 16 a 21 no total, enquanto na SER V, no
mesmo período, houve instalação de três consultórios novos, passando de 19 a 22
no total (CHAGAS, 2008). A proporção entre profissional e equipamento
encontrada foi de 1,57, na SER II, enquanto na SER V, essa proporção foi de
2,04. Nota-se que há um incremento maior no número de profissionais na SER V
em relação a SER II, enquanto não se observa essa diferença no número de
equipamentos.
Em relação a essa inserção e a essa proporção, os coordenadores de
saúde bucal das SER explicam:
Na SER II eram 10 equipes. Hoje nós estamos com 33, mas nem todas
têm cadeira, porque teve a questão dos consultórios odontológicos.
Quando nós chamamos os dentistas do concurso, um dos critérios foi a
quantidade de cadeiras e a gente também teve algumas ampliações. Em
algumas unidades nós temos três cadeiras para três equipes, e em
algumas unidades nós temos uma cadeira para três equipes. Então é
uma realidade [...] Mas mesmo assim, nós não trabalhamos
simplesmente na cadeira fazendo restauração, a gente também trabalha
com ação coletiva. Foi esse o principal motivo que nos levou em pensar
em uma cadeira para dois profissionais. Enquanto um estiver fazendo as
atividades junto às ESF ou na ação coletiva em si, nas escolas, com os
professores, o outro estaria na clínica fazendo atendimento. Então ficou
mais ou menos uma média de 50% da carga horária em atividade
coletiva e 50% na clínica odontológica (GCSBII).
Na SER V são 42 ESB, antes delas, nós já tínhamos dentista no PSF,
pela COOPSAÚDE, em cinco unidades de saúde. Mas pode até ter quem
diga: ‘ah, chamaram gente demais, porque houve pressão, porque tinham
que chamar, e está sobrando equipamento’. Não, porque bem antes, já
eram, em média, dois dentistas para um equipamento. Então a gente já
tinha na nossa cabeça, que o dentista tinha que ter turnos livres para
[atividades] além da clínica (GCSBV).
88
É importante salientar que mesmo com o processo de trabalho em
saúde bucal voltado para a integralidade da atenção, focado em ações coletivas e
promoção de saúde, entende-se que para garantir acesso a uma população que
historicamente esteve excluída das ações de saúde bucal, é preciso que esses
consultórios sejam utilizados ao máximo. Diante disso, há uma conscientização da
gestão de não permitir que o equipamento fique parado:
A atuação do profissional de saúde bucal é além do equipamento
odontológico e esse equipamento odontológico deve ser muito bem
utilizado. As cadeiras, como são poucas, elas não podem parar. Se tiver
profissional, vamos fazer reunião, planejamento, ação coletiva, de forma
que a gente se distribua e que o equipamento nunca pare (GCSB).
O grande diferencial no processo de trabalho das ESB no PSF são as
ações coletivas. Para sistematizá-la, adotou-se o manual técnico de ações
coletivas (FORTALEZA, 2005), já discutido anteriormente, produzido pelas
primeiras equipes de saúde bucal em 2005. As ESB concursadas, quando
assumiram em 2006, realizaram o cadastro dos espaços sociais, o qual,
atualmente tem-se mais de 607 espaços sociais cadastrados, e realizaram o
levantamento epidemiológico da população para embasar as atividades coletivas
(CHAGAS, 2008; FORTALEZA, 2007).
Esse levantamento epidemiológico foi realizado em Fortaleza, por cada
SER, utilizando a metodologia do projeto SB Brasil (BRASIL, 2004a). Para tanto,
foram formadas equipes, por regional, compostas por cinco CD e cinco ASB, que
ficaram responsáveis em identificar os dados de prevalência de cárie dentária,
doença periodontal, fluorose e má-oclusão, além da necessidade de uso de
prótese, acesso aos serviços de saúde e satisfação do usuário. Os dados
identificaram que o CPO-D
4
, em todas as faixas etárias, apresentou-se com
índices menores do que os encontrado no Ceará e no Brasil. Na faixa etária de 12
anos, identificou-se um CPO-D de 1,55, considerado baixo de acordo com a
classificação da OMS (FORTALEZA, 2007).
4
CPO-D é o índice de dentes permanentes cariados, perdidos e restaurados que a Organização Mundial de Saúde-OMS
recomenda como padrão para estudos de prevalência da doença cárie. Foi descrito por Klein e Palmer, em 1937 e é o mais
utilizado em levantamentos epidemiológicos. De acordo com a OMS, o CPO-D médio deve ser inferior a 3,0 em jovens de
doze anos de idade (MOYSÉS, 2008).
89
Essa tendência de declínio na prevalência de cárie constitui fenômeno
mundial. De acordo com Nadanovsky (2008), a redução do CPO-D foi notável em
vários países nos últimos anos, explicada pelo uso abrangente de flúor, mudanças
no consumo de açúcar, mudanças no diagnóstico de cárie e melhoria nas
condições sócio-econômicas. De acordo com a OMS, apesar de ter havido
melhorias na saúde bucal de população em vários países, os problemas
persistentes ainda são graves, particularmente nos indivíduos de baixa renda,
tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento (MOYSÉS,
2008).
No Brasil, de acordo com Narvai (2000), essa redução da prevalência
de cárie é explicada pelo amplo uso de dentifrícios fluoretados e pela fluoretação
de água de abastecimento. A importância da fluoretação da água como a causa
do declínio da prevalência da cárie foi reconhecida e incluída como uma das
principais linhas de ação da Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004b).
De acordo com Pattussi et al (2006), os dados epidemiológicos podem
ser usados para fundamentar decisões sobre a melhor maneira de implementar
determinada ação de saúde. Então, a gestão, em posse dos resultados
encontrados no município, promoveu uma ampla discussão sobre o manual de
ações coletivas, adequando as ações coletivas à realidade encontrada, excluindo
os bochechos fluoretados que eram realizados nas escolas.
Nós estamos mudando o protocolo. Porque mudou? Porque nós
concluímos o levantamento epidemiológico, que deu inferior a 2, e de
acordo com a literatura, não justifica fazer bochecho fluoretado. Vamos
fazer escovação com gel uma vez por mês e de 15 em 15 dias em quem
tem atividade de cárie. E como vamos saber disso? Aí é feito um
levantamento de necessidades. Aí nas crianças que foram identificadas,
de acordo com o levantamento de necessidades, que tem atividade de
cárie, de mancha branca ativa, ou até mesmo cárie, incipiente ou de
cavidade ampla, nós vamos fazer escovação de 15 em 15 dias. E
dependendo da organização da unidade de saúde, eles vão organizar o
atendimento clinico dessas crianças (GCSBII).
Esse procedimento está embasado na literatura. De acordo com
Nadanovsky (2008), com o declínio da prevalência de cárie, a maioria das
crianças passa a necessitar apenas de intervenção básica, de pouca
complexidade e, ao que remete ao aspecto preventivo populacional, é
90
aconselhável adotar estratégias como fluoretação das águas de abastecimento,
dentifrícios com flúor, políticas para diminuir a ingestão de açúcar e políticas para
melhorias de moradias, trabalho e educação. As demais estratégicas
populacionais são melhores aplicadas em grupo minoritários de crianças que já
apresentem atividade de cárie, proporcionando uma maior racionalização de
recursos, convergindo com o discurso dos gestores.
A inclusão das ações coletivas representou um avanço no processo de
trabalho, focando-o para uma lógica integral, como foi possível identificar nos
discursos dos entrevistados. O Coordenador de Saúde Bucal da SER V, identifica
esse avanço a partir do aumento da abrangência das ações.
O avanço foi o acesso às atividades coletivas que aumentou muito. Nós
tínhamos, no primeiro momento, antes do concurso, em torno de 28 a 30
escolas cadastradas para fazer atividades coletivas. Com o PSF, nós
chegamos a quase 100 escolas cadastradas (...) com bochecho, com
doação de escova, creme dental. Isso aí é que diminuiu o CPO-D
(GCSBV).
De acordo com Chagas (2008), as ações coletivas desenvolvidas no
período de 2005 a 2007, aumentaram cerca de 577%, passando de 148.432, no
ano de 2005, para 1.005.792, em 2007, garantindo um maior acesso da população
às ações de prevenção dos agravos e de educação em saúde.
Os avanços foram percebidos também em relação às ações curativas
básicas realizadas nos CSF. Com a organização do processo de trabalho, a
contratação de mais ESB e a redefinição dos espaços das clínicas nos CSF,
aumentaram em 240% o número de ações básicas em odontologia, no período de
2005 a 2007 (CHAGAS, 2008).
O Ministério da Saúde redefiniu, em 2006, para a área de saúde bucal,
dois indicadores principais: a cobertura de primeira consulta odontológica
programática
5
e a cobertura da ação coletiva de escovação dental supervisionada
(BRASIL, 2006b). Além desses indicadores referidos pelo Ministério da Saúde,
existem outros que também podem ser utilizados para medir o acesso e a
melhoria do serviço, que são: o percentual de tratamentos concluídos em relação
5
A cobertura de primeira consulta odontológica programática refere-se ao percentual de pessoas que
receberam uma primeira consulta odontológica, realizada com finalidade de diagnóstico e, necessariamente,
elaboração de um plano preventivo-terapêutico, para atender as necessidades detectadas. Não se refere a
atendimentos eventuais como os de urgência/emergência que não tem seguimento previsto (BRASIL, 2006).
91
aos tratamentos iniciados; o percentual do número de exodontias realizadas em
relação ao total de procedimentos odontológicos e o total de procedimentos de
ações coletivas, como escovação supervisionada, bochecho fluoretado, aplicação
de flúor gel e educação em saúde.
Em Fortaleza, o percentual do número de exodontias em relação ao
total de procedimentos odontológicos básicos diminuiu de 15% em 2004 a 9% em
2006 (FIGURA 3). Avanços nos indicadores também ocorreram nas SER II e V.
Na SER II, em relação às ações coletivas, observou-se um aumento
significativo na cobertura. Analisando o período de 2004 a 2007, os procedimentos
coletivos passaram de 4.993 a 96.178, assim como ocorreu com os procedimentos
individuais, que aumentaram de 74.585, em 2004, para 91.213, em 2007. O
percentual de tratamentos concluídos em relação aos tratamentos iniciados
também aumentou nesse período, de 26%, em 2004, a 58%, em 2007. Por sua
vez, o indicador de percentual do número de exodontias em relação ao total de
procedimentos odontológicos básicos sofreu uma diminuição de 6,26, em 2004, a
2,71, em 2007.
Na SER V, os indicadores de acesso às ações coletivas e individuais
também melhoraram. Em relação às ações coletivas, observa-se que o número de
escovações supervisionadas aumentou, de 28.707, em 2006, para 110.798, em
2007; o número pessoas beneficiadas com atividades de educação em saúde
aumentou, de inexistente, em 2006, para 29.517, em 2007; e o número de
aplicações de flúor em gel aumentou, de 39.477, em 2006, a 112.539, em 2007.
FIGURA 3: Percentual do número de exodontias realizadas em relação ao total de procedimentos
odontológicos, nos anos de 2004, 2005 e 2006, no município de Fortaleza.
FONTE: Relatório de Gestão de 2006 (FORTALEZA, 2007).
92
Uma estratégia fundamental para esse incremento foi também a adoção
de horários noturnos e intermediários de atendimento. Em Fortaleza, 24 CSF
funcionam em horário intermediário, das 10h30min às 14:30min, enquanto existem
19 CSF com funcionamento em horário noturno, das 17h às 21h. As SER II e V
possuem, cada uma, dois CSF funcionando em horário intermediário: o CSF Célio
Brasil Girão e o CSF Paulo Marcelo, na SER II e o CSF Galba de Araújo e o CSF
Zélia Correia, na SER V. Nos horários noturnos, funcionam três CSF na SER II:
CSF Benedito Artur de Carvalho, CSF Rigoberto Romero e CSF Paulo Marcelo,
enquanto na SER V, nove CSF atendem nesse horário: CSF Galba de Araújo,
CSF Dom Lustosa, CSF Fernando Diógenes, CSF Zélia Correia, CSF Edmilson
Pinheiro, CSF Maciel de Brito, CSF Pedro Celestino, CSF José Paracampos e
CSF Jurandir Picanço (FORTALEZA, 2007).
Ampliamos o atendimento em horário intermediário e em horário noturno
também para otimizar o uso do equipamento. Então tem equipamento
que funciona de manhã, meio-dia, à tarde e à noite. Temos dificuldade
ainda de implantar isso em todas as unidades, pela questão financeira
(GCSB).
A adaptação do horário de funcionamento do PSF em Fortaleza
favorece o acesso ao serviço pelos trabalhadores. O Ministério da Saúde, por
meio da Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004a), recomenda a
ampliação do acesso a Saúde Bucal por condições de vida, compreendendo a
saúde do trabalhador. Então, admitindo a dificuldade no acesso a esse serviço nos
horários convencionais, sugere-se que sejam disponibilizados horários de
atendimento compatíveis às necessidades deste grupo, integrando a atenção
odontológica aos programas de saúde do trabalhador.
Em um estudo realizado no município de Maracanaú, no Ceará,
Cordeiro (2001) constatou a dificuldade de acesso dos trabalhadores ao serviço
de saúde, devido ao não funcionamento da unidade de saúde em horários
noturnos. A autora observou a necessidade de adaptação do horário para
viabilizar o acesso desses sujeitos ao serviço. Olinda (2006), em sua pesquisa,
também discute a necessidade de se adaptar o horário de atendimento das
equipes do PSF. A autora acredita que a inclusão de um dentista no horário
noturno facilitaria o acesso das pessoas.
93
É inegável o avanço que se obtém com o atendimento em horários
intermediários e noturnos, principalmente em CSF que esteja próximo aos
trabalhadores, como o CSF Paulo Marcelo, localizado no centro da cidade. Por ser
um bairro essencialmente comercial, concentra um grande número de
trabalhadores, que muitas vezes, mesmo cadastrados em CSF próximos de suas
residências, procuram a unidade mais próxima ao trabalho. Entretanto, o que se
observou na prática foi que as ações realizadas no horário noturno são,
principalmente, de caráter de urgência e pronto atendimento. Essa realidade foi
amplamente observada nos períodos de alta incidência de dengue, em que todos
os CSF voltaram suas atividades para o pronto atendimento da dengue,
principalmente os CSF que possuíam mais turnos de atendimento. Dessa forma, o
atendimento deixa de ser planejado e organizado e passa a ser voltado para a
atenção curativa, baseada na queixa-conduta. Uma outra questão observada foi
que, nesses CSF, os profissionais de saúde que atendem nos horários noturnos
compõem equipes distintas do PSF, dificultando qualquer atividade interdisciplinar.
Em relação ao processo de gestão, inicia-se, também em 2006, um
novo momento na Odontologia, quando essa se insere na Célula de Atenção
Básica da Secretaria Municipal de Saúde. É criado o cargo de coordenador de
Saúde Bucal do Município e os de coordenadores regionais de saúde bucal, um
por SER. Em cada SER, é também criado um núcleo de Saúde Bucal, formado por
um dentista da ESB de cada CSF circunscrito a SER. De acordo com Chagas
(2008), esses núcleos têm a função de discutir a política municipal e colocá-la em
prática por meio de reuniões quinzenais. Essas reuniões são também destinadas
para a discussão de assuntos clínicos e ações coletivas.
Empiricamente, isso não foi observado. Durante a realização da
pesquisa, os núcleos de saúde bucal, tanto da regional II, quanto da regional V,
não estavam mantendo essa regularidade das reuniões. Isso ocorreu, segundo a
gestão, devido à epidemia de dengue no município, que dificultou a realização
normal das atividades do PSF, inclusive as reuniões de roda de planejamento e as
reuniões do núcleo de saúde bucal.
94
Durante a observação em campo, foi identificado que os núcleos
estavam a mais de dois meses sem realizar reuniões. Nas reuniões do núcleo da
SER II, que a partir do segundo semestre de 2008 passou a se reunir com uma
freqüência maior, mensalmente, discutiu-se o preenchimento do boletim de
procedimento ambulatorial-BPA e a necessidade de se produzir uma sala de
situação
6
por centro de saúde. Na reunião seguinte, a pauta focou-se na
discussão e pactuação dos indicadores de saúde bucal. De fato, houve uma
discussão e um compartilhamento da decisão por todos os profissionais.
De forma geral, o núcleo de saúde bucal é visto como um instrumento
que facilita a co-gestão. De acordo com Campos (2007b), o método da co-gestão
busca o estabelecimento de compromissos entre os sujeitos, estimulando o
trabalhador a organizar o seu processo de trabalho. A construção da co-gestão se
estabelece pela escuta e pelo diálogo, sendo exercitada pela construção de
espaços coletivos, que podem ser entendidos como um arranjo organizacional
composto por atores que expressam seus desejos e seus interesses,
confrontando-os entre si e com a realidade para que, nesse confronto, surja o
produto final: a produção de serviços.
De acordo com os coordenadores de Saúde Bucal, o núcleo oportuniza
o compartilhamento de experiências e vivências dos profissionais, propiciando, a
partir daí, discussões possíveis para a tomada de decisões de forma coletiva:
Dentro do núcleo existe a partilha de experiências entre um e outro.
Então quando surge uma dificuldade, eu não resolvo não. Eles mesmos
que resolvem. Um diz: ‘porque lá na minha unidade eu faço assim, tenta
fazer dessa forma’. Então há essa divisão de experiências, de
dificuldades (GCSBII).
Mesmo com a organização do trabalho resultando de discussões
democráticas, há sempre o momento da “imposição” acordado ao núcleo
(CAMPOS, 2006), como apontada pelo gestor.
No Núcleo, a gente decide tudo coletivamente. Em alguns momentos a
gente tem que engrossar a voz porque senão, se deixar só na mão deles
[dos dentistas] (GCSBV).
6
De acordo com o Ministério da Saúde, a Sala de Situação é um instrumento do sistema de informação do
SUS, que possibilita análise dos indicadores de saúde regionais para avaliação de problemas, intervenções e
tomada de decisões. No caso de Fortaleza, a SMS propõe essa sala de situação em cada CSF para a
divulgação das informações e para o controle social (BRASIL, 2002).
95
Já na SER V, durante a observação em campo, identificou-se que a
reunião do núcleo focou-se nas reclamações dos profissionais em relação às más
condições de trabalho e à carência de insumos. Entretanto, não houve articulação
ou propostas de intervenções, representando uma necessidade maior de
planejamento ou discussão entre os profissionais, como deveria ser em um
processo de co-gestão.
Em geral, observou-se que a reunião dos grupos divergiu do conceito
de co-gestão. Campos (2007b) afirma que para a co-gestão ser construída no
cotidiano da prática, é preciso instituir encontros entre diretores e trabalhadores,
equipe e usuários, diretores e usuários, de modo que estes encontros se
constituam em espaços de análise, tomada de decisão e implementação de
tarefas. Para que o sistema de co-gestão funcione é fundamental que no espaço
de governabilidade de cada um sejam tomadas decisões e que apenas o
contraditório, ou o novo, ou o desconhecido, sejam levados para as instâncias
coletivas.
O que foi observado nas duas SER foi a ausência, mais marcante na
SER V, de discussão entre os trabalhadores para o compartilhamento de
experiências, para a tomada de decisões e para implementações de tarefas.
Em relação à integração entre as ESB e as ESF, identificou-se nas
falas dos gestores que essa ainda encontra-se incipiente, entretanto com
perspectivas reais de avanço, representadas por algumas ações pontuais já
desenvolvidas. É possível observar a partir dos trechos dessas entrevistas:
Então existe essa integração. Por exemplo, tem posto de saúde aqui, que
o obstetra está fazendo o pré-natal e nota que a mãe precisa de uma
consulta odontológica, então ele próprio já encaminha aquela gestante
para a odontologia. Então a gente observa que existe essa integração
(GCABV).
Os dentistas têm trabalhado muito com a gente nas campanhas de
multivacinação. A gente tinha experiência de que isso era levado antes
muito pelo pessoal da enfermagem, os enfermeiros, e hoje a saúde bucal
está junta, inclusive vacinando, na questão da gotinha, junto com o
enfermeiro, registrando no cartão [...] Às vezes, eles estão nos dias de
vacinação, onde a gente cria um fluxo na unidade em que a criança vai
tomar a vacina e já passa por uma avaliação das necessidades em saúde
bucal. Quer dizer, ela toma a vacina e vai ao dentista e é avaliada para
um posterior agendamento (CGABII).
96
Olha, sinceramente, em geral, na Regional V, eu acho que [a integração]
deixa a desejar, sabia? O tanto de reunião que a gente fez com a equipe
do PSF toda, quando a gente diz que tem que estar juntos, nesses
grupos, não é? Mas assim, de uma maneira geral, eu acho que talvez, se
botasse numa escala de 0 a 100, eu diria que [a integração está] entre 50
e 60. E aí vai muito do perfil do profissional. Por exemplo, nós temos
dentistas muito bons, com excelente entrosamento com a ESF,
acompanham as gestantes, acompanham na puericultura, dão todas as
informações. Que é como era para ser, não é? E o ideal [seria] que fosse
assim em todas as unidades (GCSBV).
Os gestores já observam também uma maior motivação dos
profissionais em articular as ações, na perspectiva da integralidade. Embora ainda
existam os obstáculos, foi possível identificar que os dentistas estão incorporando
as diretrizes do PSF no seu processo de trabalho, como se registra no discurso
abaixo:
Hoje, eu vejo, em termos de participação, os dentistas muito mais
participativos como equipe do que o próprio médico. Eu acho o dentista
mais dinâmico, se movimentando mais. E sinto isso. Mais do que o
próprio médico. O médico acaba ainda sendo muito de consultório, de
curativo e tal. Os dentistas estão mais móveis, participando mais das
coisas. Mas eu acho que, apesar dessa integração que há em
campanhas, em eventos, na rotina mesmo da unidade, poucas são as
experiências de fato. Por exemplo, o pré-natal encaminha para o dentista,
mas nem todo mundo faz isso. Haveria de ter uma integração maior.
Acho que a gente ainda deixa a desejar nessa integração. Mas é
incomparável ao que era antes. Antes, não existia integração. Dentista
entrava numa sala, saía da sala e pronto. O local de trabalho dele era o
consultório dele, era a cadeira dele. E não era a unidade, não era o
território e, muito menos, as escolas dali [...] Hoje, com o [programa]
saúde da família, as coisas são diferentes, mas ainda há muito o que
fazer. Eu acho que ainda tem pouca integração, no meu ponto de vista
(GCABII).
Como observado acima, a integração começou a se moldar a partir da
inserção das ESB. Comparado ao que havia antes, é inegável a melhoria.
Entretanto, a gestão ainda aponta alguns obstáculos que dificultam o processo de
trabalho interdisciplinar e que precisam ser ultrapassados para a consolidação do
trabalho em equipe. De acordo com os gestores, as maiores dificuldades
enfrentadas para a efetiva integração são o perfil do profissional e a baixa
cobertura. O perfil do profissional está vinculado ao tipo de formação acadêmica,
pautada na lógica biomédica e individual, sem abordar os princípios da saúde
coletiva e do planejamento em equipe. A baixa cobertura, por sua vez, é apontada
97
como a causa de uma grande demanda, historicamente excluída do acesso ao
serviço de saúde, a qual sobrecarrega os profissionais, dificultando o processo de
discussão e planejamento entre a equipe. Esses obstáculos ficam evidentes nos
discursos abaixo:
Tem dentista que não tem o perfil, que não quer. Assumiu por causa do
emprego [público], tá entendendo? Aí não gosta do trabalho, não gosta
do trabalho lá na escola. Tem gente que tem nojo do povo, de pegar nas
pessoas, do cheiro das crianças. Então a principal coisa é não ter o perfil.
Concurso não seleciona ninguém. Então o problema maior que eu vejo é
a questão do perfil. Eu acho que, de uma maneira geral, a escola ainda
forma só pro consultório. Tem avançado muito, no sentido de abrir mais
para essa questão de serviço público. (GCSBV)
[o obstáculo] Eu penso ainda na visão que alguns profissionais tem de
que ter saúde é não ter doença. Porque a saúde precisa ser encarada
com aquele olhar biopsicosocial. Tem posto de saúde que enquanto tem
aquele [profissional] que vê o paciente com o olhar holístico, tem aquele
médico que quer ficar apenas sentado, receitando. Então tem atritos
ainda entre médicos, enfermeiros e dentistas que ainda vêem a saúde
como um birôzinho para eu receitar [aonde] o paciente vai vim e vai ser
consultado (GCABV).
A pessoa chega, uma mulher em idade fértil, chega para mim com queixa
de infecção de garganta, e depois dela, eu tenho um monte de gente
para atender, eu acabo só vendo a infecção de garganta dela [...] E
porque? Porque eu ainda tenho uma baixa cobertura de saúde da família
e eu tenho uma grande demanda para atender, então isso acaba que a
gente fica vitimada por essa situação [...] a gente tem discutido para
sensibilizar os profissionais para que o olhar deles, apesar da demanda,
da baixa cobertura da saúde da família, que eles tentem exercitar esse
olhar para além da doença (GCABII).
98
CAPÍTULO 2:
INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA E EQUIPES
DE SAÚDE BUCAL: A Visão dos Profissionais
Para analisar a integração da ESB com a ESF, faz-se necessário conhecer o perfil
desses CD inseridos no PSF da SER II e V. Com essa finalidade, realizou-se uma
caracterização demográfica e técnica desses profissionais, a fim de descrever o
contexto dos trabalhadores que produzem a saúde bucal na atenção básica do
município.
Objetivando também compreender de forma mais aprofundada como
ocorre o processo de trabalho em equipe, foram realizados dois grupos focais, um
em cada regional estudada. Desse modo, a partir do grupo focal, foi possível
observar o comportamento dos profissionais enquanto grupo, se há entre eles
cooperação, nos gestos ou na própria verbalização, analisando as categorias a
partir das falas obtidas pelos sujeitos participantes.
1. Perfil dos Cirurgiões-Dentistas da SER II e V.
As informações colhidas a partir da aplicação dos formulários de
identificação permitiram a organização da Tabela 1, a qual sistematiza as variáveis
relativas de sexo, idade, tempo de formação, local de graduação, nível de
formação e área de pós-graduação.
Tabela 1: Distribuição freqüencial das variáveis relativas à caracterização
demográfica e perfil técnico dos CD das ESB das SER II e V. Fortaleza, Ceará.
2008.
Variáveis Demográficas Freqüência Absoluta Freqüência Relativa (%)
Sexo
Masculino
Feminino
12
30
28,57
71,43
Idade
99
Não informado
25-30
31-36
37-42
43-48
1
23
12
3
3
2,38
54,78
28,57
7,14
7,14
Tempo de Formado
Não informado
3-5
6-10
11-15
16-20
21-25
1
14
16
6
4
1
2,38
33,33
38,10
14,29
9,52
2,38
Local de Graduação
Pública local
Particular local
Outras Instituições
Não Informado
26
13
2
1
61,90
30,95
4,77
2,38
Nível de Formação
Graduação
Especialização
Especialização e Mestrado
9
30
3
21,43
71,43
7,14
Área de Formação dos
Pós Graduados
Saúde Pública
Outra especialidade
Saúde Pública e outra
12
17
4
36,36
51,52
12,12
Identifica-se que o perfil dos cirurgiões-dentistas das SER II e V é
caracterizado por profissionais predominantemente do sexo feminino, 71,4%, com
idade entre 25 a 30 anos, 54,8%, graduados pela Universidade Federal do Ceará,
61,9%, com tempo de formação entre três e dez anos, 71,4%, e com pós-
graduação lato sensu, modalidade especialização, 71,4%, sobretudo certificados
em especialidades distintas da Saúde Pública, 51,5% (TABELA 1).
Tem-se, então, um cenário composto por mulheres, jovens, com idade
média de 30 anos e com formação recente, em média, de oito a nove anos de
formados, egressas da Universidade Federal do Ceará-UFC. Observa-se também
um grande número de profissionais com especialização, muitas vezes, em áreas
clínicas.
100
Os dados encontrados convergem com a literatura. Moimaz et al (2003)
afirmam que há um processo crescente, nos últimos anos, de feminilização das
profissões, principalmente na área da saúde, inclusive identificando um aumento
na demanda feminina nos cursos de Odontologia em todo país. A feminilização é
uma característica forte da carreira a partir da década de 90, especialmente, no
setor público, o que pode ser explicado pelas mudanças inerentes a esse campo
ou pela relativização das mesmas, significando motivação por parte das mulheres
para além do fator econômico (CHAVES, 2007). Resultados semelhantes foram
encontrados em estudo de Rodrigues (2001), que, analisando o perfil dos
profissionais de saúde bucal do Rio Grande do Norte, identificou a predominância
do sexo feminino entre os cirurgiões-dentistas.
A predominância de profissionais jovens e com pouco tempo de
formação também pode ser explicada pela própria mudança no mercado de
trabalho da Odontologia no país, caracterizada por uma grande competividade
devido ao número excessivo de profissionais, somados à falta de renda de grande
parte da população, que não tem acesso aos serviços odontológicos privados.
Dessa forma, a alternativa de inserção dos novos cirurgiões-dentistas limita-se às
empresas de serviços odontológicos, aos planos de saúde ou ao PSF (CHAVES,
2005). Essa competitividade no mercado acaba por promover uma revalorização
dos serviços públicos, fazendo com que o CD, diante das incertezas da inserção
profissional, opte pela estabilidade da remuneração mensal do PSF (ZANETTI,
2001b).
Em relação ao local de formação, observa-se um maior número de
profissionais provenientes da universidade pública local, a UFC. Esse fenômeno é
compatível com o tempo de existência de cada unidade formadora do Ceará.
Atualmente, existem quatro cursos de graduação em Odontologia no Ceará, dois
localizados em Fortaleza, da UFC e da UNIFOR; e dois no interior do estado, em
Sobral, da UFC, e um particular, em Quixadá, da Faculdade Católica Rainha do
Sertão. O curso de Odontologia da UFC possui aproximadamente 100 anos de
existência e o da UNIFOR possui 13 anos. Os dois últimos, por sua vez, são
cursos relativamente recentes, sem nenhuma turma ainda graduada.
101
Quanto à educação continuada, observa-se uma grande porcentagem
de pós-graduados, com especialização, principalmente em áreas clínicas da
Odontologia. A especialização é colocada como uma obrigação para que o
profissional possa se qualificar e disputar sua vaga no mercado de trabalho.
Muitos profissionais optam por uma especialização clínica, o que nos permite
identificar a predominância de profissionais na rede da atenção primária
tecnicamente qualificados, entretanto com uma formação incompatível com as
necessidades exigidas pelo PSF, o que reflete em uma prática inadequada. Esse
tipo de formação dificulta a inclusão do CD em serviços públicos, pois reforça a
visão predominantemente tecnificada, fragmentada e redutora do processo saúde-
doença, o que dificulta o desenvolvimento de competências quanto às dimensões
éticas e sociais do trabalho (Narvai, 2003). Diante disso, observa-se que, alguns
dentistas, por sua vez, optaram por uma especialização na área da Saúde Pública,
justamente como uma forma de complementar a insuficiente formação na
graduação.
Compreendido o perfil dos trabalhadores, convém focar a análise nos
elementos gerais do processo de trabalho, cuja sistematização é apresentada na
Tabela 2.
Tabela 2: Distribuição freqüencial das variáveis relativas ao processo de trabalho
dos CD das ESB das SER II e V. Fortaleza, Ceará. 2008.
Aspectos Organizacionais Frequência
Absoluta
Frequência
Relativa (%)
Identificação do CD com a natureza do trabalho
no PSF
Identifica-se
Não se identifica
40
2
95,23
4,77
Razão de trabalhar no PSF
7
Razões Pessoais: afinidade e identificação
Razões do Mercado: complementar renda e falta de
opção
Estabilidade do Concurso
37
5
16
63,79
8,62
27,59
7
A pergunta era do tipo aberta, permitindo múltiplas respostas. O cálculo foi feito a partir da freqüência de
cada resposta em relação ao conjunto.
102
Existência de integração entre os profissionais
do PSF
SIM
NÃO
30
12
71,43
28,57
Conceito do grau de articulação
Péssimo, sem perspectivas
Ruim, mas avançando
Bom, crescente
Excelente
1
9
31
1
2,38
21,43
73,81
2,38
Em relação ao processo de trabalho, muitos profissionais, 95,2%,
afirmaram identificar-se com a natureza do trabalho no PSF. Entretanto, observou-
se que, 36,2%, justificam sua inserção motivada pela oportunidade do concurso
público e pela estabilidade econômica assegurada por esse tipo de vínculo
empregatício. No que se refere à percepção dos profissionais quanto a existência
de integração entre ESB e ESF, 71,4% dos cirurgiões dentistas apontam que ela
existe, 73,8% a classifica como boa e com avanços crescentes (TABELA 2).
Apesar de os profissionais afirmarem trabalhar no PSF devido a
afinidade com o tipo de trabalho, nota-se que houve um grande número que
apontou não só a questão da identificação pessoal, mas também a estabilidade
assegurada pelo concurso público. Percebe-se um forte componente econômico
na escolha do PSF por esses CD. Esses dados convergem com os achados por
Chaves (2005), que, em seu estudo, identificou que muitos cirurgiões dentistas
optavam pelo PSF como conseqüência do mercado de trabalho, o que
influenciava diretamente na qualidade da atenção prestada.
Quanto a existência de integração, os dentistas apresentam-se
satisfeitos com o que vem sendo construído no cotidiano das práticas. Observa-se
que, cada vez mais, o processo de trabalho das equipes tem buscado uma
intersecção nas ações, inclusive com estímulos da gestão para que isso ocorra. A
reorientação do modelo de atenção, baseado nas diretrizes do PSF, apresenta-se
como mola mestra para a mudança nas práticas, no sentido de pautá-las na
interdisciplinaridade dos saberes e na busca constante da integralidade na
atenção e no cuidado ao usuário.
103
Entretanto ainda existem dificuldades na articulação das ações entre as
equipes. No formulário respondido pelos dentistas, a questão referente a essas
dificuldades era aberta, com possibilidades de múltiplas respostas. Assim sendo,
organizou-se um quadro (QUADRO 1) com as principais respostas do CD e com a
freqüência de cada uma em relação ao conjunto.
QUADRO 1: Síntese das variáveis relativas às dificuldades de articulação das
ESB e ESF das SER II e V. Fortaleza, Ceará. 2008.
Maiores Dificuldades na articulação Freq.
Abs.
Freq.
Rel. (%)
Problemas de planejamento: Falta de tempo para
articulação-discussão-planejamento em equipe / falta de
comunicação entre os profissionais
9 18,37
Carência de infra-estrutura: espaço físico, manutenção e
ausência de transporte
8 16,32
Demanda: excessiva 8 16,32
Cultura de exclusão e disputa de poder-espaços 8 16,32
Deficiência na formação do profissional: conhecimento do
trabalho em equipe multiprofissionais e da filosofia do PSF
7 14,29
Carência de trabalhadores: principalmente médicos e
agentes comunitários
6 12,25
Problemas gerenciais: gestão da regional descoordenada e
desinteressada
3 6,13
TOTAL 49 100
Como é possível observar, os profissionais apontaram diversos fatores
como obstáculos à articulação das ações entre as ESB e ESF, tais como: a
ausência de planejamento, a carência de infra-estrutura, a demanda excessiva, a
cultura de exclusão do cirurgião dentista da equipe, a formação inadequada dos
profissionais, a carência de trabalhadores e a gestão descoordenada e
desinteressada (QUADRO 1).
Apesar de grande parte dos cirurgiões-dentistas afirmarem haver
articulação entre as equipes, ainda existem alguns obstáculos a serem superados,
tanto de ordem macropolítica, como a deficiência de formação dos profissionais,
104
até fatores de ordem micropolítica, como problemas gerenciais provenientes das
SER.
Esses resultados convergem com os de outros estudos já realizados,
como o de Pedrosa e Teles (2001) que identificou a baixa interação entre os
profissionais juntamente com uma disputa de poder e espaço, como causadores
de conflitos dentro da equipe. Campos (1997) aponta ainda as condições
precárias de trabalho como causas da segmentação na equipe.
Uma gestão descoordenada também pode ser responsável em gerar
conflitos entre seus membros e entre a equipe e a comunidade, porque não
consegue atender à demanda devido à falta de organização e integralidade do
trabalho (CAMPOS, 1997). Rodrigues (2006) converge com essa opinião, ao
apontar os problemas gerenciais como obstáculos a integração. De acordo com
esse autor, a gestão do sistema, baseada em lógica quantitativa da produção e
rigidez nos processos de trabalho, somadas à normatização excessiva,
impossibilitam a articulação das ações entre as equipes. O autor também aponta a
prática dos profissionais como grande obstáculo à efetiva implantação do PSF,
pois esses não conseguem atender adequadamente as novas necessidades de
prestação dos cuidados de saúde, como integralidade, visão ampliada do
processo saúde-doença, formação de vínculos, abordagem familiar, trabalho em
equipe.
As dificuldades centram-se, então, no papel do profissional e da gestão,
alám de deficiências estruturais. Durante a observação em campo e a coleta dos
demais dados, reforça-se a existência desses obstáculos, como será
posteriormente discutido.
No que se refere à percepção em relação à implantação do PSF, a
questão proposta também possibilitava múltiplas respostas, então, optou-se
também em construir um quadro (QUADRO 2) a partir das considerações dos CD
sobre o que é necessário para a efetiva implantação do programa em seu CSF.
105
QUADRO 2: Síntese das considerações dos cirurgiões-dentistas das SER II e V
para a efetiva implantação da proposta do PSF nos CSF. Fortaleza, Ceará. 2008.
Considerações dos CD para implantação da
proposta do PSF em cada CSF
Freq.
Abs.
Freq.
Rel. (%)
Organização da gestão/processo de trabalho 18 31,58
Contratação de médicos para complementação das
equipes
17 29,82
Melhoria de infra-estrutura 14 24,56
Maior entendimento da filosofia do PSF pela população
e profissionais
7
12,28
Maior integração dos profissionais 1 1,76
TOTAL 57 100
Em relação à implantação do PSF, os dentistas consideram que só será
efetivada quando houver melhoria na infra-estrutura, contratação de médicos para
a complementação das equipes, maior organização da gestão e do processo de
trabalho, maior integração dos profissionais e maior entendimento da filosofia do
PSF, tanto pelos profissionais como pela população.
A efetiva implantação do PSF ainda é uma realidade distante de ser
alcançada devido às dificuldades em relação às questões de infra-estrutura e
condições de trabalho. Todos esses entraves apontados pelos dentistas, por meio
dos formulários, complementados aos dados obtidos na observação do campo e
nos grupos focais, demonstram que a rede de atenção básica em Fortaleza é
prejudicada por falta de suprimento humano e/ou material e pelas dificuldades na
realização de um processo de trabalho pautado na integração dos profissionais e
na filosofia do PSF.
2. Visão dos profissionais quanto à existência de integração entre as
equipes.
106
Para a compreensão da percepção dos profissionais das ESB e ESF
acerca da integração entre eles, foram desenvolvidos dois grupos focais, um em
cada CSF estudado.
No CSF Aída Santos, o grupo foi reunido em julho de 2008. Dos nove
profissionais do PSF, apenas cinco compareceram. Os quatro ausentes eram:
uma enfermeira, que ainda estava em atendimento e optou por não participar; dois
médicos que já haviam ido embora e um dentista que se recusou a participar, por
estar em fim de expediente. O grupo foi composto por uma enfermeira, uma
médica e três dentistas. Todas as participantes são jovens, com idade entre 27 e
32 anos, e trabalham no PSF desde agosto de 2006, após a convocação do
concurso.
A reunião começou com 20 minutos de atraso e durou cerca de 45
minutos. Foi pedida autorização para gravar o áudio e para filmar a sessão,
entretanto a filmagem não foi permitida, por motivos não claramente expostos. O
grupo foi bastante cooperativo, possibilitando amplo debate, com destaque para
as falas da médica, que sempre tomava a iniciativa nas questões propostas. As
demais participantes também expuseram as suas opiniões, sempre convergentes
entre si. Foi possível observar que o grupo apresenta-se bem coeso, tanto em
relação às opiniões sobre a integração da equipe quanto às características do
processo de trabalho. O grupo verbalizou a cooperação existente entre os
membros, indicando que há um relacionamento que propicia a mesma cooperação
na prática.
Nesse Centro de Saúde, os profissionais afirmaram haver integração
entre os membros da equipe, facilitado pelo bom relacionamento entre os
profissionais. Identificou-se que essa integração é entendida como o fato de haver
encaminhamento de pacientes entre os profissionais, com um dia da semana
reservado apenas para os pacientes encaminhados pela equipe.
O atendimento da equipe ocorre por meio de ações individuais e
coletivas. As ações individuais são as ambulatoriais, enquanto que as coletivas
são as atividades educativas com grupos de pessoas e as visitas domiciliares, que
quase sempre são realizadas apenas pelo médico, enfermeiro e agente
107
comunitário de saúde. Cada equipe tem um turno para realizar essas visitas, mas
o dentista não as realiza, por grande demanda de consultório, falta de transporte e
dificuldade de adaptação tecnológica ao trabalho domiciliar.
De acordo com a equipe, ocorre a articulação das ações com os
encaminhamentos de crianças, gestantes, diabéticos, hipertensos, que
mensalmente vão ao atendimento com médico e/ou enfermagem e já são
encaminhados para o dentista.
Em relação às outras ações específicas do PSF, a equipe ainda
observa alguns obstáculos. Um exemplo é o acolhimento, que, de acordo com os
profissionais, ainda não ocorre de forma adequada, devido à demanda excessiva
e à falta de pessoal. Quanto ao vínculo com usuário, a equipe afirma não existir,
devido à dificuldade de territorialização e conseqüentemente da adscrição da
clientela, o que favorece a existência de uma grande demanda espontânea não
cadastrada, dificultando a formação do vínculo profissional-usuário ou equipe-
usuário.
Quanto às rodas de planejamento, no momento da pesquisa, estavam
sem funcionar. Os profissionais explicaram que por conta do período chuvoso e da
alta prevalência de dengue, epidemia contra a qual todos se voltaram, em caráter
emergencial, houve um período de três meses sem reuniões da equipe para
realizar o planejamento das ações.
Outras atividades integradas também foram apontadas pela equipe,
como as promovidas pela regional. Como exemplos, foram citados: o Fórum de
Saúde Bucal, que a enfermeira também participa; a Semana da Criança, em que
toda equipe participa; e as campanhas de vacinação, com participação do
dentista.
Para a realização do grupo no CSF Paracampos foi preciso ultrapassar
diversos obstáculos. Inicialmente, foi marcada uma reunião em julho de 2008, mas
nenhum profissional foi avisado, portanto não foi possível a realização do grupo
focal nessa data. Outro percalço foi o fato de que, em julho, muitos profissionais
do PSF estavam de férias, inviabilizando a realização do grupo. A coordenação
aconselhou que a pesquisa ocorresse em agosto, entretanto, a única data
108
disponível era no final de agosto, visto que o grupo deveria ser realizado em um
horário de reunião dos profissionais. Uma vez marcado, o grupo realizou-se no fim
de agosto, durante uma roda dos profissionais do PSF.
Na roda, que finalmente ocorreu, participavam médicos residentes em
saúde da família, uma vez que o CSF Paracampos é um dos campos de prática
da Residência de Medicina de Saúde da Família promovida pela SMS, entretanto,
foi solicitado que apenas os profissionais do PSF participassem do grupo focal.
Após a explicação da pesquisa e a autorização dos membros, iniciou-se o grupo
focal com a participação de oito profissionais, dos doze que compõem as equipes
do PSF, que foram: três enfermeiras, quatro dentistas e uma médica, portanto três
médicos e uma enfermeira não participaram, por não estarem presentes no
horário da reunião. Este g grupo, também, permitiu apenas a gravação em áudio.
A sessão durou cerca de 40 minutos.
O grupo formado era mais heterogêneo que o da SER II, tanto no
aspecto de gênero, pois havia três dentistas do sexo masculino, como de idade,
que variou de 27 a 44 anos. Inicialmente a discussão centrou-se na fala de dois
dos quatro dentistas, que afirmaram já terem experiência com o PSF e de terem
cursos em Saúde da Família. Observou-se, tanto no grupo da SER II, como no
grupo da SER V, que havia cooperação entre os sujeitos e convergências de
opiniões.
No grupo focal do CSF Paracampos, os profissionais afirmaram que a
integração existente ainda é incipiente, mas que está em processo de crescente
avanço e melhoria. Verbalizou-se durante o grupo que há uma facilidade na
articulação de ações entre cirurgiões-dentistas e enfermeiros, o que não ocorre
em relação ao profissional médico. Outro obstáculo na integração entre os
membros da equipe ocorre entre os profissionais de nível superior e os de nível
médio, tais como agentes comunitários de saúde, auxiliares de enfermagem e
auxiliares de consultório dentário que, segundo se afirmou no grupo, apresentam
dificuldades em apropriar-se da equipe e organizarem suas práticas de trabalho na
perspectiva da integralidade do cuidado e de acordo com as diretrizes do PSF. O
grupo identificou que essa dificuldade ocorre por causa da formação deficiente
109
para o trabalho em PSF e da ausência de vínculo com o trabalho, visto que os
auxiliares, excetuando os ACS, são profissionais com contratação terceirizada.
As ações desenvolvidas pela equipe estão de acordo com o que é
preconizado pelo Ministério da Saúde, pois as ESF e ESB realizam rotineiramente
ações individuais e coletivas. As ações individuais são as de caráter curativo ou
preventivo, realizadas no consultório ou no território, por meio das visitas
domiciliares. As ações coletivas são definidas como aquelas com caráter
predominantemente educativo, destinadas aos grupos de pessoas em condições
de risco ou com necessidades especiais, realizadas no CSF ou em espaços
sociais cadastrados no território de abrangência da ESF.
Para os sujeitos desse estudo, essas ações permitem compreender e
exemplificar a existência de integração entre eles. Os grupos atendidos no CSF
Paracampos são formados por idosos, gestantes e bebês, com propostas ainda
para o desenvolvimento de grupo para adolescentes e um grupo antitabagista. O
encaminhamento de pacientes entre a equipe também foi considerada como
exemplo da integração existente. Os profissionais convergiram ao afirmar que
ocorrem encaminhamentos de gestantes, idosos e hipertensos entre médicos,
enfermeiros e dentistas, ao serem atendidos pelo médico e/ou enfermeiro, já são
agendados para o dentista.
Quanto aos obstáculos ainda existentes para a consolidação da
integração, apontaram-se causas mais abrangentes, como a própria criação e
implantação da ESB como uma equipe a parte, sem de fato se incorporar a equipe
mínima do PSF e a formação deficitária do cirurgião dentista para trabalhar em
equipe, assim como foram apontadas causas de âmbito local como a ausência de
gestão mais cooperativa, ausência de planejamento entre os profissionais e uma
grande demanda.
Assim como no grupo focal do CSF Aída Santos, outras atividades
integrativas também foram apontadas pela equipe, como as promovidas pela
regional, tais como: as campanhas de vacinação, campanhas de prevenção do
câncer e a Semana do Idoso, com participação de toda a equipe de saúde da
família e equipe de saúde bucal.
110
2.1. A integração das ESB e ESF: Análise das facilidades e dificuldades no
processo de trabalho em equipe.
No que se refere à percepção dos sujeitos sobre a integração da equipe
de saúde bucal com o restante da equipe de saúde da família, existe divergência
entre os grupos focais. No primeiro grupo, os profissionais afirmaram que a
integração existe, facilitada pelo entrosamento pessoal dos profissionais e pelo
apoio da coordenação. No segundo grupo, os sujeitos enfatizaram que essa
integração ainda é incipiente, mas que, cada vez mais, vem avançando a partir da
reorientação do processo de trabalho. Os profissionais conceituam essa
integração entre as equipes como um processo, que ao ser comparado com o que
(in) existia antes, apresentou avanços, principalmente pela maior participação das
ESB nas ações com as ESF, como pode ser observado.
Acho que [a integração] está iniciando. Eu acredito assim, já esteve mais
distante. Na época que surgiu uma ESF para duas equipes de SB. Já faz
bastante tempo, naquela época era realmente só no papel. Atualmente, a
gente está se estruturando, na verdade. Eu acho que os dentistas, a
equipe toda, já estão sensibilizados para essa necessidade, e aos
poucos a gente está conseguindo se integrar. Dizer que está com uma
integração perfeita, que participa em tudo, não. Mas assim, já existe
algum movimento nesse sentido na equipe. A enfermeira com o dentista,
que eu acho que se integram mais. A postura com o médico eu já acho
um pouco mais distante (CD1G2).
Percebe-se a existência de obstáculos que, gradativamente, vem sendo
enfrentados e ultrapassados pela equipe no sentido de incluir efetivamente o CD.
Uma dessas barreiras relaciona-se com a prática autônoma e individualista do CD,
que surge, principalmente, por ser o CD o planejador e executor de suas
atividades. Ao iniciar um procedimento é ele quem define todo o tipo de cuidado
que vai ser prestado ao usuário e não precisa passar por avaliações, ou até
mesmo por interferências de outros profissionais da saúde, para que seu trabalho
seja efetuado (PEREIRA et al, 2003). Dessa forma, o CD desenvolve suas
atividades de forma independente, decidindo como será seu trabalho, usando da
sua liberdade e sendo o dono do seu saber técnico. Assim, por possuir técnicas
111
diferenciadas, tende a desarticular as ações com médicos e enfermeiros, que já
realizam ações mais similares em conjunto, como se registra abaixo:
Em relação ao dentista, a formação profissional [dele] não forma para o
trabalho em equipe. Talvez pela proposta de trabalho ter muitos pontos
em comum da equipe de enfermagem com a medicina, então se
encontrem mais. Porque assim, o hipertenso, ele fica trocando mês a
mês [entre médico e enfermeira], a gestante, fica trocando mês a mês. A
puericultura pode trocar mês a mês. Então, têm muitas ações que estão
imbricadas mesmo, e na verdade, com o dentista, as ações têm mais
particularidades (MG2).
De forma integrada, são feitos os encaminhamentos. Mas em algumas
coisas nós temos as particularidades da nossa categoria. A nossa
marcação é feita só para a odontologia, temos as nossas particularidades
da marcação de consulta (CD2G2).
As ESB, ao limitar sua atuação no campo biológico e no trabalho
técnico, dificultam a interação com os demais profissionais, no sentido de
compartilhar conhecimentos e permitir a integralidade. Dessa forma, os CD
fecham-se ao seu mundo de saberes e individualidades. De acordo com a Política
Nacional de Saúde Bucal, a ESB deve sentir-se parte da equipe multiprofissional
do PSF e viabilizar a troca de saberes entre todos os membros da equipe,
permitindo a incorporação de aspectos relacionados a Saúde Bucal por todos,
para que a Saúde Bucal também se torne objeto das práticas dos demais
profissionais, no sentido de abranger o sujeito como um todo (BRASIL, 2004b).
De fato, os dentistas vêm, gradativamente, se incorporando às ações
da ESF e apropriando-se de outros saberes, necessários a sua atuação no PSF.
Os CD já participam de grupos de educação e de outras ações pontuais com a
equipe, mesmo que de forma ainda incipiente. Entretanto o oposto não ocorre. Há
iniciativas, como relatado por uma CD, de incorporar enfermeiras e médicos ao
trabalho realizado na escola, o que ainda não ocorre.
Agora que estamos organizando grupos de atuação na unidade, na
comunidade com o PSF e a partir do momento que se tem a organização
desses grupos, fica mais fácil da saúde bucal participar junto,
principalmente com a enfermagem. Na verdade, a integração da ESF
está sendo mais assim com a enfermagem (CD2G2).
A gente ta pretendendo, eu até tava comentando com a enfermeira, que
a gente trabalha muito na escola, a gente ta toda semana na escola e é o
ponto em que a enfermeira e os médicos estão precisando ir com a
gente. A gente está sentindo necessidade no trabalho com os
adolescentes, que é o que a gente está querendo começar, né? Que a
112
equipe, não só o dentista, também fosse para a escola com a gente. A
gente só faz as atividades em saúde bucal, mas assim, é um trabalho em
conjunto, integrado e que a participação da enfermeira e do médico com
a gente também seria interessante estar começando (CD1G2).
É possível observar que os profissionais da ESF têm participado das
ações mais gerais, em conjunto com as ESB, como os grupos educativos, mas,
quando se trata de questões mais específicas, não existe uma ação
interdisciplinar, indicando que a apropriação de saberes relacionados a Saúde
Bucal, tanto por parte dos médicos, como de enfermeiros e demais trabalhadores,
ainda é insuficiente.
Uma outra dificuldade apontada para a integração do CD na equipe foi
o processo de inserção desse profissional na equipe, visto que as primeiras ESB
foram implantadas anos após a criação das ESF. As ESB foram estruturadas a
partir da publicação de duas portarias: a Portaria nº 1444/GM (BRASIL, 2000) e a
Portaria nº 267/GM (BRASIL, 2001), responsáveis em estabelecer o financiamento
e organizar o processo de trabalho dessas equipes. Entretanto, não proporcionou
a incorporação dessas equipes às ESF já existentes. Embora as ESB também
trabalhem com atenção básica e na mesma unidade de saúde que as ESF, foram
criadas como equipes distintas. Desde o seu início, a inserção da Saúde Bucal no
modelo de organização do PSF, ocorreu de forma isolada e distanciada da
realidade e do processo de trabalho das ESF, o que dificultou, e ainda dificulta, a
integração das equipes, como apontado por um CD
O próprio ministério [da saúde], quando criou o PSF, criou a equipe
mínima. A equipe mínima era médico, enfermeiro, auxiliar de
enfermagem e agente comunitário de saúde. Se essa equipe mínima
fosse toda equipe de saúde da família incluindo a saúde bucal, talvez a
integração seria maior, porque acabava com essa dicotomia. A
desintegração vem dessa questão da própria criação. E mesmo depois
da criação da portaria que incluiu a saúde bucal, deixou separado: a
equipe mínima mais a equipe de saúde bucal (CD2G2).
A implantação tardia e isolada da Saúde Bucal no PSF foi um agravante
para o distanciamento do CD dos demais membros da equipe, pois, dessa forma,
desde a criação, houve a diferenciação em duas equipes, distintas e
independentes. A mesma problemática ainda pode ser encontrada na própria
gerência das equipes, visto que, na gestão, tem-se também em separado a
113
Coordenação de Saúde da Família e a Coordenação de Saúde Bucal como se
essas fossem distintas e independentes. A questão na atenção se agrava devido à
formação do CD ainda ser voltada para o trabalho individualizado, o que, somado
a inserção em uma equipe já composta e consolidada por médicos e enfermeiros,
favorece à desarticulação.
O processo de formação do CD também foi apontado como causa para
a desarticulação do trabalho em equipe. De acordo com o relato de um CD da
equipe, desde a graduação não houve uma formação voltada para a prática
profissional inserida no contexto de uma equipe interdisciplinar e, muito menos, o
desenvolvimento das habilidades exigidas para o PSF.
Eu acredito que desde a formação acadêmica, não sei agora, na
formação agora, em relação ao PSF para nós dentistas, mas para nós
com no mínimo 10 anos de formados, a gente não vislumbrava isso de
integração, de formação de uma equipe de saúde da família. Não tinha
essa formação na faculdade, e eu acho que isso atrapalhou um pouco.
Porque se tivesse uma formação acadêmica mais voltada para o PSF,
para uma prática mais preventiva, acho que o profissional sairia da
faculdade com outra mentalidade, não só a parte curativa (CD4G2).
Constata-se, como afirma Zanetti (2001b), que o processo de formação
do CD se tornou, um processo social e histórico de alienação do trabalho
odontológico, reduzindo-o fundamentalmente nas habilidades tecnológicas,
unidimensionalizando sua qualificação profissional. A dificuldade torna-se mais
aparente quando se observa a atuação desse profissional na esfera pública, onde
existe a necessidade de se pensar não mais em um sujeito-indivíduo, mas em um
sujeito-coletivo, exigindo do CD uma gama de habilidades, tais quais habilidade
para o planejamento, programação, gestão e gerência. No PSF, essas habilidades
exigidas devem ser realizadas com os demais membros da equipe, no sentido do
trabalho interdisciplinar.
Uma questão importante observada nos relatos dos profissionais, assim
como na observação em campo, é a existência de um distanciamento dos
médicos com os demais profissionais. Poucos eram os médicos que participavam
das rodas, que estavam presentes no dia da observação ou que participaram da
pesquisa. Os dentistas relatam ter mais atividades em conjunta com as
enfermeiras, assim como as enfermeiras relatam dificuldade de integração com os
114
médicos. Foi perceptível a existência de uma disputa por poder-espaço entre os
profissionais, reforçada tanto pelas diferenças salariais existentes entre os
membros da equipe, como pela cultura de que o saber médico é o dominante e o
fundador das demais práticas em saúde. Dessa forma, os médicos tendem a
desenvolver essencialmente práticas curativistas isoladas em seu consultório,
mantendo a cultura da mera prescrição, baseada na queixa-conduta do usuário,
reproduzindo o modelo médico-curativo. Identifica-se, portanto, uma dificuldade
em incorporar esses profissionais na equipe, como percebe-se a seguir
Eu tenho uma certa facilidade em integrar equipes. Como eu trabalho no
período noturno, e normalmente quando chega um determinado horário,
o fluxo fica bem menor do que durante o dia, eu faço uma reunião e todos
os profissionais entram na reunião. Porque? Porque todos estão mais
livres, a unidade está mais sossegada, tem todo um clima para fazer essa
integração. Aí vai o pessoal da farmácia, da recepção e às vezes eu
tenho dificuldade com os médicos (E3G2).
No entanto, não apenas a desintegração do médico ou do dentista foi
constatada dentro da equipe, mas também se constatou a existência de
dificuldade na integração entre os profissionais de nível médio e os de nível
superior, causada principalmente pela falta de vínculo empregatício dos
profissionais auxiliares. Os entrevistados apontaram que esse tipo de vínculo gera
uma insatisfação dos profissionais, refletida diretamente no trabalho, e que,
somada a falta de formação para a compreensão da filosofia do PSF e da
apropriação desses conceitos na prática, favorecem a desintegração da equipe.
Há uma influência negativa da falta de vínculo empregatício na
qualidade da atuação do profissional, o que desenvolve um sentimento de não
pertença ao grupo. Chaves (2005) identificou que profissionais que trabalham sem
vínculo empregatício apresentam limitações em sua prática, seja por não
possuírem força legal ou política para reinvidicarem melhores condições de
trabalho, ou por não desenvolverem projetos em longo prazo, dessa forma
apresentando um baixo aproveitamento de seu potencial de trabalho.
Observou-se, a partir do discurso dos sujeitos, que entre os
profissionais de nível médio, que ocupam os cargos de auxiliares de enfermagem
e auxiliares de consultório dentário, existe um descontentamento em relação ao
vínculo precário de trabalho, principalmente em relação ao rendimento salarial.
115
Eu vejo que a desintegração não é a questão muito do médico e do
enfermeiro. Eu vejo que é mais a questão da equipe de nível superior e
da equipe de nível médio. Isso aí também precisa de mais integração
justamente, porque a gente está falando aqui só entre a gente, mas a
gente não está falando da equipe completa, com os auxiliares. E aí sim
que a gente precisa de mais integração e eles entenderem melhor disso
aí. A gente é mais trabalhado para isso aqui, do saúde da família, e eles
só são incorporados. Não são trabalhados nisso (CD2G2).
Nosso grupo de hoje, que é concursado, isso foi um grande ganho e uma
grande aposta dessa nova gestão. Nós, do nível superior, tivemos muito
investimento no nível superior. Mas agora deixa muito a desejar na
formação para agente comunitário, para auxiliar de enfermagem, e essa
turma precisa ser pensada nela (MG2).
o auxiliar se queixa bastante... é a questão do vinculo, que é muito
importante. [o concurso] foi o maior ganho nosso, principalmente para
quem vivenciou outras épocas. Mas o auxiliar reclama muito em relação a
isso, porque eles são terceirizados, e é uma relação frágil de
terceirização, sempre atrasam pagamento, sempre estão insatisfeitos,
então assim, é um ponto a ser pensado (E3G2).
Empiricamente, durante a observação de uma roda de profissionais dos
CSF estudados, foi possível identificar um distanciamento dos profissionais de
nível médio e superior. Observou-se também um descontentamento dos
auxiliares, que reivindicavam salários atrasados e férias, que de acordo com eles,
a empresa com a qual são vinculados não estava oferecendo.
Em relação principalmente aos ACS, essa situação vem se modificando
devido à seleção e à contratação por meio de concurso público (FORTALEZA,
2007). Com isso tem-se uma inserção desses profissionais dentro das equipes de
forma mais consistente, representando melhorias na atenção a saúde da
população. Entretanto, o mesmo não ocorre com os demais profissionais
auxiliares.
Já em relação aos dentistas, apesar dos entrevistados verbalizarem a
existência de integração, foi possível identificar, durante a observação, que muitas
vezes há a dificuldade do CD se firmar como membro efetivo da equipe. Durante
uma roda de profissionais do CSF, o coordenador, sempre ao dirigir-se aos
profissionais do PSF, enfatizava que se dirigia ao CD também, lembrando-o que
ele participava da equipe. Percebe-se também, a partir do discurso dos sujeitos,
que a própria gestão tem dificuldade em realizar essa integração, como indicado
abaixo:
116
Sempre diziam, a ida para a escola não vai ter carro não, então vai direto
para a escola, então aí era uma forma de segregar, de separar o dentista,
porque se o dentista e a ACD iam direto para a escola, não vão dar
satisfação nenhuma a equipe de onde está, então também separa,
entendeu? E tem essas coisas da campanha também. Por exemplo,
quando tem uma campanha que o dentista está presente, aí chega o
comentário da regional: ‘essa campanha tudo bem, mas dentista não
pode trabalhar nessas campanhas não. Olha, dentista não vai para a
campanha de vacinação, mas a equipe vai’. Então não é a equipe que vai
para a campanha de vacinação. Então fica aquela coisa, a campanha de
vacinação vai todo mundo, menos o dentista. Se for dentista, então não é
equipe. É o dentista e uma equipe (CD3G2).
Os sujeitos transmitem em suas falas a crença de que as ações são
realizadas através da integração dos vários profissionais, entretanto, o que se
observou foi a ação individual de cada trabalhador. Identificou-se que o trabalho
de cada profissional ocorre separadamente, no consultório odontológico, na sala
de consulta do médico ou da enfermeira, apesar de haver um esforço, verbalizado
durante as sessões de grupos focais, de realizar um trabalho interdisciplinar.
Os profissionais apontam ainda que existem dificuldades no cotidiano
de trabalho nos CSF que impedem uma maior articulação entre as ações. Para os
profissionais, a integralidade da atenção ao usuário inexiste por causa de vários
fatores, como: a carência de equipes, principalmente de equipes completas, visto
que há um deficit no número de médicos em relação aos demais profissionais; a
grande demanda, causada pela insuficiência de recursos humanos e que é
responsável pela sobrecarga de trabalho aos profissionais, dificultando o
planejamento da equipe, e a falta de infra-estrutura adequada, principalmente
transporte para realizar as atividades no território. Esses obstáculos são
apontados pelos profissionais, que os colocam como dificuldades para articularem
as ações, principalmente para trabalharem em equipe.
[as dificuldades são] a demanda, estrutura física, transporte, falta de
profissionais. A demanda resume tudo. A falta de profissional cai na
grande demanda (CD1G3).
Porque em uma unidade que era para ter cinco equipes, era para ter
mais, mas que tem no papel 5 e tem 3 médicos, ta faltando 2. Ta
entendendo? (...) Eles, de forma alguma, dão a estrutura (CD2G3).
Eu acho que o número de equipes é insuficiente para atender toda essa
demanda, a gente só consegue atender cerca de 50% da nossa
população, então eu acho que falta um maior número de equipes também
para diminuir esse transtorno (CD3G2).
117
Dessa forma, com a existência de fatores que dificultam a realização de
um trabalho interdisciplinar, os profissionais findam em realizar ações limitadas ao
seu consultório, sem planejamento ou discussão com os demais membros da
equipe, o que, conseqüentemente, compromete a qualidade da atenção
(OLIVEIRA, 2006).
Esses fatores, entretanto, não são exclusivos do PSF de Fortaleza.
Outro estudo, como o de Oliveira (2006), aponta os problemas sociais da
comunidade, as condições de trabalho precárias, os conflitos internos entre os
profissionais, como questões que favorecem a uma desarticulação da equipe.
Segundo essa autora, é necessário que a equipe se organize e se una para não
permitir que esses obstáculos afetem seus processos de trabalho.
Felizmente, existem também fatores que facilitam essa integração. Para
os profissionais de ambos os CSF, o bom relacionamento com a equipe e o
incentivo da coordenação do CSF propicia um maior entrosamento.
Se dentro do posto ocorre, isso é por boa vontade dos profissionais. Eu
acho que a facilidade é o nosso relacionamento (CD1G3).
A gente sabe de equipes que não tem integração nenhuma entre elas.
Que o médico é brigado com dentista, que é brigado com enfermeiro. Eu
conheço uma que é assim (MG3).
E já que você ta falando em integração, com certeza a integração entre a
gente é um grande facilitador desse processo. Com certeza. É como você
falou, se eu fosse brigada com a médica, aí seria muito mais difícil,
porque se já existe as dificuldades, essa seria mais uma. Entendeu?
Então a gente é muito bem relacionada. Eu acho ate que a coordenadora
trabalha muito bem isso, nas rodas (CD2G3).
Percebe-se uma boa relação pessoal entre os atores, na micropolítica
dos CSF, que procuram se ajudar e se articularem, sendo um fator que facilita o
processo de trabalho. Segundo Pedrosa e Teles (2001), o bom relacionamento
entre a equipe facilita a sua integração, uma vez que propicia o fortalecimento do
contato das famílias e o desenvolvimento das ações da equipe, pois dessa forma,
a população identifica e valoriza essa integração e a ratifica participando na
assistência. Entretanto, diferentemente desses autores, não se observou no PSF
de Fortaleza essa relação. Apesar da equipe possuir um bom relacionamento,
118
ainda há dificuldades em se estabelecer o vínculo e produzir adequadamente o
cuidado aos usuários.
2.2. A produção do cuidado: Acolhimento, vínculo e culpabilização do
usuário.
O campo da saúde apresenta um objeto complexo e que precisa ser
compreendido em toda sua totalidade. Esse objeto não deve ser considerado
apenas como um corpo, ou muitas vezes, parte dele, visto apenas na sua
concepção anatomofisiológica, mas entendido como um prolongamento da sua
relação com o meio externo e a sua historicidade (PAIM, 1995). Deste modo, o
objeto da prática no campo da saúde não é o corpo, ou a cura, mas a produção do
cuidado ao usuário, por meio do qual se buscam melhores condições para o
aperfeiçoamento da qualidade de vida e para a potencialização do sujeito. Daí,
então, como resultado, produz-se saúde, o objetivo que se pretende atingir
(MERHY, 2007b).
Cuidado pode ser conceituado de duas formas, intimamente ligadas
entre si. A primeira significa a atitude de desvelo e atenção para com o outro. A
segunda advém desta primeira: a preocupação e a inquietação pelo outro, em que
há envolvimento e responsabilidade pelo outro
8
(BOFF, 2005).
O cuidado é mais do que um ato em si; é um modo de ser-no-mundo
que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas. E há dois modos
básicos de ser-no-mundo: o trabalho e o cuidado. Para os seres humanos, o
trabalho se transforma em modo de ser consciente e assume o caráter de um
projeto e de uma estratégia, com suas táticas de organização de si mesmo e da
natureza. De alguma forma, o ser humano aprofundou sua racionalidade, o que o
levou a uma objetividade cada vez mais intermediada por instrumentos e
8
Em latim, cuidado significa cura. Em seu sentido mais antigo, cura era usada em um contexto de relações
humanas de amor e de amizade. Cura queria expressar a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e
de inquietação pelo objeto ou pela pessoa. Cuidado também deriva de cogitare-cogitatus cujo sentido é o
mesmo de cura: cogitar e pensar no outro, colocar a atenção nele, mostrar interesse por ele e revelar uma
atitude de desvelo, até de preocupação pelo outro (BOFF, 2005).
119
máquinas que conseqüentemente produzem atos fragmentados e distanciados
das inter-relações entre seres humanos. Já o modo de ser cuidado não se opõe
ao trabalho, mas repensa a subjetividade como uma maneira de re-significar a
objetividade dominante (BOFF, 2005).
Diante do que afirma Boff (2005), é preciso repensar o modo de ser-no-
trabalho, a partir de ações que recomponha os atos fragmentados e distanciados
da subjetividade das inter-relações. Dessa forma, é necessária uma re-
organização dos serviços de saúde, entendida como uma re-organização do
processo de trabalho em saúde, em que não se pode desconsiderar os aspectos
sociais, históricos e culturais do usuário, mas apropriar-se desses para produzir
um cuidado integral, baseado na responsabilização e vínculo. Corroborando com o
que afirma Boff (2005), para cuidar há que se manter uma relação entre diversos
atores e diferentes dimensões técnicas e políticas, relação que envolve posturas
singulares no lidar com as tecnologias
9
inerentes aos processos de trabalho.
É pertinente, nesse momento, resgatar a classificação de tecnologias
proposta por Merhy (2007a, 2007b), referindo-se àquela que extrapola a noção de
maquinário. De acordo com o autor as tecnologias devem ser consideradas em
três tipos: dura, leve-dura e leve.
A tecnologia dura, de acordo com esse autor, compreende a noção de
tecnologia no senso comum. Isto é, refere-se a tudo aquilo relacionado a
máquinas e equipamentos, assim as estruturas organizacionais que compõem o
serviço em saúde, além das normas formais que o regem.
A tecnologia leve-dura, por sua vez, é aquela que compreende os
saberes que atuam no processo de trabalho em saúde, que, segundo o autor, é
menos dura, por não se tratar de ferramentas e aparelhos. Dessa forma, é
considerada leve por englobar saberes que, a partir do momento que se adquirem,
passam a fazer parte do indivíduo e de como ele realiza sua prática. E ao mesmo
tempo é dura, por se tratar de saberes estruturados, padronizados, normalizados e
9
Mendes-Gonçalves (1994) define tecnologia como um conjunto de coisas, de saberes e de instrumentos que
expressa nos processos de produção dos serviços a rede de relações sociais entre agentes e práticas,
conformada em uma totalidade social, constituída não apenas pelo saber, mas também pelos seus
desdobramentos materiais e não-materiais.
120
organizados. Nessa classificação se encontram o saber do médico, do psicólogo,
do enfermeiro e outros profissionais.
Já a tecnologia denominada como leve é aquela que considera as
relações resultantes do trabalho em saúde através da produção de vínculo,
acolhimento e gestão. Assim, ela acontece a partir do encontro entre duas
pessoas que atuam uma sobre a outra, e no qual opera um jogo de expectativas e
produções, criando-se inter-subjetivamente momentos de falas, escutas e
interpretações, no qual há a produção de uma acolhida das intenções que estas
pessoas colocam neste encontro; cumplicidade e responsabilização em torno do
problema a ser enfrentado (MERHY, 2007a).
Diante disso, há a necessidade de incorporação de relações
interpessoais para a mudança do processo de trabalho em saúde, em que seja
possível extrapolar a produção do cuidado baseada somente na objetividade do
saber fazer, característicos da tecnologia dura e leve-dura. A proposta de
mudança dos serviços e, conseqüentemente, do trabalho em saúde, traz inclusa a
compreensão da subjetividade do usuário presentes nas relações interpessoais e
na interação entre agentes, trabalhadores de saúde e sujeitos, usuários.
O cuidado, então, é produzido quando existe o encontro entre
trabalhadores de saúde e usuários, em que haja relações de escutas e
responsabilizações, construindo-se vínculos e compromissos no sentido de
permitir ao usuário o controle do seu sofrimento e a produção de sua saúde
(MERHY, 2007a). O trabalho da equipe, então, assenta-se sobre essas relações,
em que os trabalhadores são, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos do seu
processo de trabalho. Dessa forma, o processo de trabalho se constitui no ponto
de partida de toda a produção do cuidado, a qual só produzirá resultados quando
organizada a partir de e com a população. O trabalho em saúde deve, portanto,
pautar-se no diálogo entre a equipe e as pessoas no sentido de compartilhar os
saberes e práticas (CAMPOS, 2006, TEIXEIRA, 2008).
Deve-se, então, buscar, nos serviços de saúde, uma alteração no
relacionamento entre os agentes produtores de saúde e a população usuária dos
serviços, baseada não apenas em discursos éticos e morais, mas em arranjos
121
organizacionais, com definições de compromissos da equipe, a partir da definição
dos campos
10
de competências e responsabilidades para cada profissional
(CAMPOS, 2006).
Essa mudança no processo de trabalho ainda é obstruída, muitas
vezes, pela dificuldade que alguns profissionais possuem de trabalharem com as
dimensões subjetivas do usuário, empregando a tecnologia do tipo leve. O
trabalho em saúde tem como característica o encontro entre pessoas que trazem
um sofrimento ou necessidade, os usuários, e outras pessoas que dispõem de
conhecimento ou recursos instrumentais para solucionar o problema. Neste
encontro são mobilizados os sentimentos, as emoções, as identificações, que
dificultam ou facilitam a aplicação dos conhecimentos do profissional na
percepção das necessidades de atenção ou de interpretação das demandas
trazidas pelo usuário, no sentido de resolvê-las (SILVA JUNIOR, 2005).
Entretanto, o que se percebe, nos sujeitos que produzem cuidado em saúde no
PSF de Fortaleza, é que há dificuldade em entender as reais necessidades dos
usuários que procuram o serviço. Ainda existe, nas práticas, muita alienação
11
em
relação ao trabalho, como o desconhecimento do objeto, dos objetivos, da missão
e dos meios. Observa-se, por meio das falas, que os profissionais desconhecem o
objeto de suas práticas, além de entenderem o processo de cuidar como o
tratamento e a cura de patologias, desconsiderando a subjetividade do usuário.
A gestão quer que a gente seja tipo... ‘ah, mas você tem que entender
que aquele paciente é um paciente que sofre’ Ta entendendo?
Sinceramente, tipo assim, ele [o usuário] ta interessado pelos meus
problemas? Não. Eu estou aqui para atender a patologia. Isso é minha
opinião. Eu estou aqui para atender a patologia. Lógico que tem toda
aquela parte do serviço, da parte educativa e tudo, mas ele [o usuário]
vem de uma forma agressiva como se você tivesse a fórmula mágica
para acabar com o problema dele (CD2G3).
Já uma outra profissional, durante o grupo focal, divergiu dos demais,
ao reconhecer que, mesmo diante da relativa impotência em resolver os
10
Campos (2006) conceitua campo como um espaço coletivo de luta e composição, em que ocorre a
produção de sentido para o coletivo, sendo composto tanto pelos interesses e desejos internos do coletivo,
como pelo compromisso de realização de tarefas, voltadas para produção de valores de uso.
11
Sampaio (1998, p. 29) define alienação como “categoria que sintetiza as experiências de contradição,
estranhamento e antagonismo entre produtor e produto, criador e criatura, sujeito e objeto, subjetividade e
objetividade”. Tem fonte objetiva nas relações de produção universaliza-se a partir da expansão da divisão do
trabalho.
122
problemas demandados pela população, é possível, ao utilizar a tecnologia leve,
acolher o usuário, por meio da escuta ampliada e do estabelecimento de vínculo,
alcançando resultados positivos no processo de cuidar.
Tem paciente que quer conversar, desabafar, pacientes que tem
problemas familiares. Por exemplo, tem uma paciente que a gente
atendeu, que a mulher tava passando mal, com falta de ar e depois que
comecei a falar com ela na sala do acolhimento, ela começou a falar dos
problemas dela. Que era sozinha, tinha criado 8 filhos adotivos, e todos
foram para a Alemanha e nem ligavam para ela. Então, assim, a gente
vai solucionar o problema? Tem como solucionar? Aí ela começou a
conversar, começou a falar e a aparente falta de ar e o cansaço
desapareceram (EG3)
.
No trecho acima, tem-se um exemplo do ato de cuidar, visto que, o
cuidado em saúde diz respeito, entre outros fatores, a uma relação
usuário/profissional de saúde preocupada em apresentar uma postura de inclusão
e escuta genuína da subjetividade do usuário, sem deixar, todavia, de perseguir a
meta de atendimento das necessidades amplas deste sujeito. Em síntese, o
cuidado está relacionado, basicamente, a um tipo de relação entre sujeitos que
inclui o acolhimento, a visão e a escuta do usuário num sentido mais abrangente e
global, em que a singularidade e a especificidade desse emergem, sempre
levando-se em conta a pertença deste sujeito a um determinado contexto
sociocultural do qual não pode ser alijado (PINHEIRO, 2004).
Entretanto, de forma geral, observou-se uma dificuldade, por parte dos
profissionais, em lidar com essas subjetividades. De certa forma, isso é uma
influência do modelo assistencial presente nos serviços, que é organizado dentro
da ótica hegemônica do modelo médico liberal, centrado em problemas
específicos e que subordina a dimensão cuidadora a um papel irrelevante e
complementar, além de subjugar toda ação da equipe multiprofissional (MERHY,
2007b). Constata-se, na fala de uma profissional que compara o atendimento no
setor privado com o atendimento no setor público, essa lógica dominante médico-
centrado.
Diferente do consultório particular, que quando o paciente chega, ele vem
especificamente com um problema patológico, uma doença em si, aquela
lesão que você trata aquilo e os problemas pessoais dele não te
interessam e nem ele quer que você se intrometa na vida dele. Então, ele
vai com aquele problema, você soluciona e ele vai embora. Já o paciente
mais humilde, ele não vai só com o problema da lesão. Ele vai com todo
123
o problema cultural que ele tem lá para trás e quer que você solucione,
solucione todo o problema social (MG3).
É possível identificar nesses trechos, que não há uma sensibilização do
profissional diante do sofrimento do usuário, mas, pelo contrário, os profissionais
tendem a distanciar-se dos problemas que não sejam intrinsecamente
relacionados com a patologia, além de culpabilizar o usuário por ele esperar
soluções para a melhoria de seu estado de saúde e bem-estar provenientes do
serviço de saúde.
Sá (2001) acredita que esse distanciamento ocorre como uma
estratégia defensiva adotada pelos profissionais de saúde diante da
impossibilidade de lidarem com o próprio desamparo, angústias e diante da
impotência face à dor e sofrimento alheio. Dessa forma, se desenvolvem os
processos de banalização do sofrimento alheio e a exacerbação do individualismo
e do conformismo, o que impede, de certa forma, o confronto do profissional com
as fontes de sofrimento, suas e do outro, favorecendo comportamentos perversos.
Percebe-se, por meio dos discursos, que os profissionais se sentem
incapazes de resolver os problemas que são postos pela demanda. Para essa
análise, cabe discutir os conceitos antagônicos de grupo-sujeito e grupo
assujeitado, desenvolvidos por Guattari (1981 apud CAMPOS, 2006). O primeiro é
formado pelas pessoas que estão implicadas com processos de mudança,
enquanto que o segundo é caracterizado pelo imobilismo e pela incapacidade de
modificar o que já está instituído, submetendo-se passivamente às dificuldades do
contexto interno e externo à situação.
Nas falas dos profissionais, foi possível identificar esse assujeitamento
do grupo, que verbaliza a impossibilidade de integrar-se e de modificar as práticas
por causa dos problemas sociais, que, segundo eles, não são de suas
competências resolvê-los. Dessa forma, tem-se uma complicada situação, em
que, de um lado, o usuário sente a falta de interesse e de responsabilização dos
profissionais para resolver suas aflições, que, muitas vezes, perpassa por setores
além da saúde; enquanto por outro lado, há os profissionais de saúde, que se
vêem impotentes diante dos problemas que lhe são postos, sentindo-se incapazes
124
de produzir um cuidado que é esperado, e colocando-se, de certa forma, apenas
como mero reprodutor de procedimentos clínicos, sem envolvimento com as
dimensões relacionais do processo de cuidar (MERHY, 2007b). Há, então, de um
lado, um usuário que se sente frustrado, inseguro, desamparado e desprezado;
enquanto, do outro lado, tem-se um profissional impotente, negligente e
despreparado para lidar com essas questões subjetivas.
Percebe-se, claramente esse assujeitamento do grupo, quando, diante
das dificuldades sociais, demonstra a incapacidade de resolução, colocando-se
passivo a essas questões. De acordo com os profissionais, a solução desses
problemas não é de responsabilidade de um trabalhador da saúde, mas deve ser
resolvido pelos governantes, que têm a obrigação de prover melhorias de todas as
condições sociais.
A gente não trata só a patologia, a gente trata essas condições [sociais]
todas, embora a gente não tenha como resolver. Sabe o que eu acho?
Que o PSF tem uma filosofia que é muito bonita, mas não funciona,
porque o povo no Brasil é muito pobre. Então o problema aqui não é
nenhum outro, é só dinheiro. Se essas pessoas tivessem um pouquinho
mais de dinheiro, elas teriam um pouquinho melhor de condição de vida
[...] Se as pessoas tivessem um pouquinho mais de acesso a
determinadas coisas: a mais informação, a qualidade de vida mais digna,
que ela mesma tivesse que buscar, ou outros tivessem que dar, ou o
governo tivesse que dar porque ela não teria como chegar lá, o PSF
funcionaria lindamente. Aqui nunca vai funcionar, porque não depende do
dentista, do médico e do enfermeiro. Não depende. Depende do país
como um todo. Depende do usuário que ta lá fora, da comunidade que ta
lá fora que você vai prestar o atendimento, que deveria ser todo mundo
(CD1G3).
Tem coisas que é da educação, que a gente vê que é da educação
básica, que é de muita coisa que não é da minha capacidade resolver. Às
vezes ele vem com esta cobrança, mas a gente não tem a capacidade de
resolução totalmente. Mas é lógico que se esse paciente vem para eu
atender e ele tem uma lesão, lógico que eu vou atender. Mas às vezes,
ele pede uma resposta que eu não posso resolver (CD2G3).
Transferir as responsabilidades para o outro constitui em uma tática
comum adotada pelos profissionais como uma forma de se exaurir da culpa
individual. Assim, as responsabilidades são transferidas, em bloco, para longe e
para fora. Eles, os governantes, o sistema, são os culpados. Esta tática resulta em
impotência semelhante à outra e, ambas, exigem muita atenção de gerentes,
supervisores, formadores, para que a falha não se multiplique. A culpa é de quem:
125
trabalhador, gestor, usuário, poder público? A responsabilidade por resolver é de
quem: trabalhador, gestor, usuário, poder público? A solução desta equação
política é vital para o processo de cuidar, entre pessoas cidadãs.
Cabe, então, questionar se a equipe possui a sensibilidade suficiente
para compreender que a saúde é um direito de todos e que, como servidores
públicos, esses profissionais têm a obrigação de garantir que o usuário tenha
acesso a ela, não como uma “esmola”, mas como um direito assegurado por
constituição (BRASIL, 1988).
A segunda fala registrada anteriormente, claramente expressa que os
profissionais acreditam que o seu papel dentro da equipe do PSF restringe-se a
tratar de lesões ou prover a cura. Tal situação deriva do modelo “médico
procedimento centrado”, como denomina Merhy (2007a), caracterizado pela
estruturação dos processos de trabalho baseados nos saberes e atos médicos,
construindo serviços centralizados em procedimentos. Para que a mudança no
processo de trabalho ocorra, é preciso entender que cada usuário que se coloca
diante da equipe de saúde não pode ser visto apenas como uma patologia a ser
tratada, mas como um complexo conjunto determinado pelas suas vivências
culturais e sociais (PAIM, 1995).
Fica explícito, a partir da análise das falas, a influência do modelo
médico-centrado, fazendo com que surjam obstáculos ao desenvolvimento de
vínculo aos usuários. Entretanto, os profissionais afirmam que são os usuários que
dificultam a construção desse vínculo e a mudança no processo de trabalho, por
possuírem o pensamento voltado para cura e com dificuldades em compreender a
ação da equipe do PSF.
Infelizmente a gente tem que falar. Na verdade, se eles tivessem o
conhecimento de como é o PSF [...] A gente tem uma população que é
muito carente, é muito pobre. Então ela vem aqui pegar medicação para
vender (CD1G3).
Ela não vem para consulta e ela não vem ter uma solução do problema,
ela vem para pegar o remédio para vender, muitas vezes. Então assim,
se o remédio não é disponibilizado, não adiantou nada a consulta que
fez, não adiantou nada o atendimento odontológico que fez, se ele não
conseguiu o remédio que queria, ele vai sair reclamando (MG3).
Eles querem chegar e serem atendidos. Pronto. É isso que eles querem.
Se eles não forem atendidos, eles esculhambam qualquer outro trabalho
126
anterior que a gente pode ter feito com eles mesmo. Então assim, eles
não entendem que aqui existem as prioridades, existem os casos que a
gente vai fazer. Eles querem chegar e serem atendidos. Tanto no médico
como na odontologia (CD2G3)
De certa forma, há obstáculos para a efetivação do vínculo entre
trabalhador-usuário. O usuário é visto pela equipe como culpado por sua condição
social e de saúde precárias. De certa forma, essa percepção da equipe é
proveniente do modelo liberal-privatista, médico-centrado, que tem como
característica o tratamento do usuário de maneira impessoal, objetiva e
descompromissada (MERHY, 1994). Percebe-se que a formação do vínculo,
dessa forma, torna-se frágil, acarretando em uma falta de responsabilização dos
profissionais pelos problemas dos usuários, como identificado nas falas dos
profissionais nos grupos, que, com freqüência, culpavam o usuário por sua
condição social e de saúde.
É complicado porque assim, se a gente vai puxando, puxando, puxando,
a gente vê que é uma cultura moldada no paternalismo. Então não é a
comunidade de Fortaleza, mas é a comunidade carente do Brasil que
está acostumada com o fato de ‘eu não tenho, então você tem que me
dar. Eu não vou trabalhar e nem lutar por aquilo, eu quero que você me
dê. Porque, como eu sou pobre e você tem mais condições, a sua
obrigação é me dar’. Então quando eles chegam no posto, é mais ou
menos isso, ‘você vai solucionar o meu problema. Porque se você ta aí é
porque eu estou pagando com o meu imposto.’ Então muitas das
justificativas que eles usam é essa: Eu to pagando seu salário, eu to
pagando imposto, então você tem a obrigação de solucionar meu
problema (MG3).
O vínculo deve ser entendido não como um acontecimento imediato,
mas como uma conquista proveniente da troca de saberes entre trabalhadores da
saúde e comunidade. Percebe-se a inexistência de vínculo entre profissionais do
PSF de Fortaleza e a população, visto que a existência de vínculo está agregada a
noção de responsabilização, não só do trabalhador, mas de toda equipe, pelos
problemas individuais e coletivos da população. Assim posto, é preciso
desenvolver a relação equipe-usuário, em que os profissionais de saúde
compreendam o contexto social em que a comunidade está inserida. Uma
profissional verbaliza esse conceito, compreendendo o vínculo com o usuário
como necessário para a ação integral da equipe.
Quando eu falo em vínculo, é porque não é para ver só a patologia não.
De uma certa forma, a gente, que é do PSF, não é só para ver a
127
patologia, é para a gente ter justamente também este vínculo, de você
saber onde a pessoa mora, em que condições ela vive, você saber que
ela não tem saneamento, não tem água filtrada, se ela mora em área de
risco de desabamento. Saber determinadas coisas da vida dela para que
você possa traçar o plano de tratamento. Então você não vê, por
exemplo, apenas o dente, mas você vê ate o pé que pode estar com
algum problema porque você sabe que ela mora no morro (CD1G3).
Entretanto, é preciso compreender que, para que exista o vínculo, é
preciso haver a adscrição da clientela de forma organizada para cada equipe de
saúde. Esse é um obstáculo apontado pela equipe, que considera o vínculo com o
usuário insatisfatório devido a grande demanda e a inexistência de adscrição.
Tem a questão do vinculo, que é preconizado pelo PSF. É complicado
para a gente, porque, por exemplo, no interior você pode criar um
determinado vínculo. Então fica mais fácil, porque você acaba morando
dentro da comunidade. E numa cidade como Fortaleza, não tem nem
como. Então se torna difícil se ter um vínculo com determinadas pessoas.
Mas eu acho que o principal do vinculo não é nem você morar na região,
é a demanda, a quantidade de pessoas (EG3)
.
Merhy (2007a) reconhece que sem ‘acolher’ e ‘vincular’ não é possível
ocorrer a produção da responsabilização, que implica em impacto efetivo nos
processos sociais de produção da saúde e da doença, pois a reorganização dos
serviços de saúde e dos processos de trabalho da equipe orienta-se pela
construção de um efetivo vínculo para o acesso integral aos serviços de saúde,
pela oferta racional da tecnologia e pelo acolhimento humanizado dos usuários
(MERHY, 1994). Nos processos intercessores para a construção dessas relações
nas práticas de saúde, o acolhimento é proposto também como elemento
constituinte, buscando a responsabilização por meio de práticas de intervenção
resolutiva (MERHY, 2007a).
O acolhimento pode ser definido como o ato ou efeito de acolher,
expresso, em suas várias definições, como uma atitude de inclusão, sempre
implicando em uma relação com alguém. O acolhimento está, portanto, presente
em todas as relações e em todos os encontros. Nesse sentido, de ação de “estar
com” ou “estar perto de”, ele pode ser caracterizado como uma das diretrizes de
maior relevância ética-estética-política, a qual envolve a postura de perceber o
outro como alvo de reconhecimento e aceitação de seu modo de vida, valorizando
a dignidade humana (BRASIL, 2006c).
128
O acolhimento então surge como uma forma de dinamizar os encontros
e desencontros entre trabalhadores de saúde e usuários, que, durante esse
momento, podem produzir ruídos e estranhamentos, responsáveis em produzir
novas possibilidades no modo de se trabalhar em saúde. O acolhimento pode
então ser compreendido como um processo intercessor, que busca questionar a
relação usuário-serviço, permitindo uma maior acessibilidade aos usuários,
modificando radicalmente o cotidiano do serviço de saúde, no sentido de torná-lo
usuário-centrado (MERHY, 2007a).
Entretanto, é preciso admitir que é difícil o exercício do acolhimento nas
práticas cotidianas reais, pois as relações da atualidade são pautadas, cada vez
mais, por encontros fugazes, capazes de produzir processos de “anestesia”. Esse
anestesiamento ocorre quando se produz indiferença diante do outro e evita-se a
escuta do outro sobre suas necessidades, como uma forma, enganosa, de sentir-
se seguro e protegido do sofrimento (BRASIL, 2006c).
Na unidade de saúde, o acolhimento caracteriza-se por meio da escuta
qualificada do usuário, possibilitando a universalização do acesso e a resolução
do problema, dando-lhe uma resposta positiva e encaminhamentos necessários
(MERHY, 2007a). O profissional deve escutar a queixa, os medos e as
expectativas do usuário, identificar os riscos e a vulnerabilidade, e se
responsabilizar para dar uma resposta ao problema (BRASIL, 2006c). Entretanto,
o que se observou nas unidades de saúde estudadas, é que o acolhimento ainda
encontra-se distante dessa conceituação. De acordo com os profissionais de
ambos os grupos, o acolhimento ainda ocorre de forma deficiente.
[o acolhimento] é extremamente complicado. Principalmente por conta da
demanda e por falta de profissionais. É muito difícil o acolhimento nessa
unidade. A gente ainda não conseguiu chegar no ponto que seja bom
para ambas as partes. É desumano para o paciente ou para o
profissional. Então a gente tenta fazer essa triagem, tenta fazer esse
acolhimento. Mas, às vezes, é um profissional só dentro desse
acolhimento, ou enfermeira, ou o médico, aí complica, né? Porque esse
profissional fica extremamente sobrecarregado para poder nortear os
pacientes para os outros profissionais. Os outros profissionais já estão
sobrecarregados, a agenda então fica estreita e tem pouco profissional. E
aí qual a resposta que você vai dar para o paciente que está querendo
alguma coisa? Não tem mais para quem encaminhar, não tem mais o que
fazer. E aí vai dizer o que? Vai embora? Então é complicado. Então
quem está no acolhimento é a pessoa que tem que dá a solução, tem
que resolver o problema sozinha. E é a pessoa que está exposta a
129
receber todo tipo de agressão. No meu ponto de vista, é uma batalha, e
ela está ali na linha de frente. Então é o primeiro que sai lesado, é o pior
tipo de serviço aqui na unidade é o acolhimento (MG3).
Percebe-se, a partir do registro acima, que a profissional entende o
processo de acolher como uma “batalha”, em que, ao invés de serem construídas
relações de confiança e vínculo, surgem relações de agressão e negligência. O
profissional sente-se prejudicado e possui uma visão simplificada do acolhimento,
de que é apenas o momento de encaminhamentos e triagem.
É comum os profissionais possuírem a noção de acolhimento como
uma dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente
confortável, ou como uma ação de triagem e repasse de encaminhamentos.
Ambas são importantes, contudo, não podem ser compreendidas dissociadas dos
processos de trabalho em saúde, tomadas de forma pontual, isolada e
descomprometida com os processos de produção de vínculo. Nessa definição,
essas práticas não somente comprometem a eficácia do serviço de saúde, como
também causam sofrimento desnecessário a trabalhadores e usuários do SUS,
como relatado pela profissional (BRASIL, 2006c).
O acolhimento não pressupõe profissional específico para fazê-lo,
portanto configura-se como uma ação interdisciplinar da equipe. Entretanto,
identificou-se que ele ainda é desenvolvido, em muitos CSF, apenas por médicos
e enfermeiros, sem a participação do CD, por acreditar-se que o CD não poderia,
por não estar capacitado, realizar um acolhimento de todo o CSF. Contudo, já há
uma busca, por parte da gestão, em capacitar os dentistas para realizarem essa
ação, como se registra no trecho abaixo:
Assim, a gente não participa dos acolhimentos. Quer dizer, na verdade
eu nem sabia [que o CD fazia o acolhimento], fiquei sabendo a pouco
tempo através do curso de especialização. A gente teve um curso de
treinamento e capacitação. Nessa parte de acolhimento, a gente nunca
participou (CD1G2).
Como se pode perceber, ainda falta a capacitação do dentista em
realizar ações integrais com a equipe e participar mais ativamente e integrado
para realizar o que é proposto para o PSF. Assim como o acolhimento, as visitas
domiciliares não são realizadas adequadamente, principalmente pelos dentistas,
130
que pouco participam, tanto do acolhimento como das visitas domiciliares, com a
desculpa da falta de transporte ou da incapacidade de realizar o trabalho
odontológico no domicílio, devido a tecnologia dura inerente
[as visitas] são feitas. Não semanalmente, como seria preconizado, mas
são feitas. Não é semanal por conta da demanda. Às vezes tem uma
demanda reprimida muito grande no dia da visita, e aí o médico e o
enfermeiro não podem sair da unidade. Muitas vezes só tem aquele
médico na unidade, e aí ele tem que ficar para pegar a demanda toda do
posto. Às vezes, o carro não vem da regional. Algumas vezes o carro não
pode vim, está indisponível, em outra atividade, então, nesses dias não
tem visita (MG3)
[não fazemos a visita sempre porque] o trabalho do dentista é mais
complicado de ser feito em casa (CD1G3)
.
A gente tem dificuldade de carro, e aí não tem como o dentista ir junto
(CD4G2).
A gente ainda sente um pouco de dificuldade porque as pessoas querem
que o dentista esteja na cadeira fazendo obturação, restauração, e é
essa barreira que a gente tem que enfrentar (CD1G2)
Demonstra-se, a partir dos trechos acima, a dificuldade em realizar
atividades integradas, tais como a visita domiciliar, devido a demanda, a falta de
infra-estrutura/transporte e, ainda, a forte influência do modelo Flexneriano, no que
se refere às práticas curativistas, focadas no aspecto biológico do indivíduo,
presentes na cultura da população e na formação deficiente do CD.
Surge então a principal questão a ser enfrentada, no sentido de mudar
efetivamente os serviços de saúde, de forma que esses possam operar focados
no usuário e em suas necessidades, sendo capazes de produzir vínculo,
integralidade e resolutividade, que é a organização dos processos de trabalho, no
sentido de compor equipes que se articulem e que incorporem efetivamente
saberes que busquem compreender a subjetividade do usuário e que se
comprometam na produção do cuidado.
2.3. O papel da gestão: Normas, diretrizes e indicadores da atenção.
131
No que se refere ao ato de governar instituições, existe uma diretriz
essencial que reconhece que todo coletivo organizado para a produção cumpre
duplo papel: o de produzir serviços de interesse social e, ao mesmo tempo,
assegurar a sobrevivência da própria organização e do conjunto de agentes que a
integram. No caso da saúde, em que os trabalhadores estão organizados para a
produção do cuidado, existem conflitos para conciliar esses papéis, pelo fato de
que esses coletivos não são homogêneos, pois são compostos por sujeitos com
interesses e poderes diferenciados: de um lado, os gestores, e de um outro, os
trabalhadores de saúde (CAMPOS, 2007b).
Dessa forma, tem-se uma pluralidade de atores disputando projetos e
recursos, com diferentes capacidades e interesses. Portanto, neste caso, gestão
seria não apenas administração de coisas pelos homens, mas toda intervenção de
governo que possibilite esses processos de disputa que os agentes instituem entre
si na institucionalização do serviço (SÁ, 2001; MERHY, 2006). É, a partir desse
entendimento, que surgem as dificuldades no processo de gerir, pois governar
implica em construir um projeto comum e consensual às exigências de uma
multiplicidade de agentes diferenciados, gerando conflitos de interesses (SÁ,
2001).
Uma outra dificuldade que pode ser atribuída à gestão é a de conseguir
realizar a articulação entre a racionalidade do ato médico e sanitário aos conflitos
relativos a demanda, ao mesmo tempo em que, articula as razões do Estado às
necessidades sociais, tendo que também articular todos os conflitos entre os
sistemas de saúde já existentes e suas modalidades de organização institucional.
Essas situações complexas exigem a capacidade de aliar o conhecimento técnico-
científico a uma relativa habilidade política. Porém, o profissional de saúde, que
assumirá essa posição administradora no campo da saúde, não tem formação
adequada para enfrentar esses conflitos (SÁ, 2001).
A solução para essa limitação nos processos de gestão centra-se na
adoção de práticas autônomas pelos sujeitos, a partir da formulação de projetos
solidários. Para que haja essa autonomia, é preciso, contudo, mudança nas
relações de trabalho e interação entre os agentes (SÁ, 2001). Uma dessas
132
mudanças seria uma distribuição mais homogênea do poder, em que permita ao
sujeito maior poder de decisão sobre seu trabalho. Contudo, como enfatiza
Campos (2006), nessas situações, a igualdade entre os profissionais ocorre de
modo artificial, uma vez que todos fariam tudo e ninguém seria pessoalmente
responsável por nada em particular, já que a responsabilidade pelo projeto
terapêutico deveria ser sempre coletiva. Dessa forma, em vez de haver
integração, obtêm-se o oposto: a fragmentação e negligência com as ações.
No processo de gestão institucional, nos serviços de saúde, os
profissionais são exigidos e cobrados quanto às regras, normas e diretrizes,
precisando cumprir o que é demandado pela gestão. A contradição existente é
que a institucionalização do serviço é impeditiva ao livre exercício profissional e à
autonomia do trabalhador. Dessa forma, surgem as dificuldades, como os
profissionais deixam transparecer nas falas abaixo:
A gestão sempre cobra o perfeito. Ela sempre cobra a utopia. Então
sempre vai ter conflito. Porque eu mais ou menos aprendi a ver que a
utopia não é algo que você queira chegar, mas é algo apenas para te
nortear. Olha, aquilo ali é a perfeição. Não é que você vai chegar na
perfeição, mas você vai se trilhando por aquele caminho. Então a gestão
acaba cobrando, cobrando e cobrando e você tem que inventar soluções
para aquilo que você vê que está bloqueado no empecilho da cultura, do
social e econômico (MG3)
A gestão cobra muito e não vê o lado do profissional. Se eles viessem e
passassem um dia aqui, um dia não, se viessem um mês, só para saturar
um pouquinho, talvez eles entendessem um pouco. Eu acho que eles
querem que a gente faça tudo pelo paciente, lógico que é como ela disse,
ninguém vai fazer o perfeito, mas lógico que a gente vai buscar o melhor
para o paciente. Mas eu acho que falta um pouco ver o lado do
profissional (CD2G3).
Os trechos acima refletem os conflitos entre gestão-trabalhador.
Percebe-se que os profissionais sentem uma cobrança incompatível com a
realidade existente.
Foi possível observar que há um processo de assujeitamento da
equipe, já discutido anteriormente, também em relação à gestão de seu processo
de trabalho. Identifica-se, quanto a gerenciar suas práticas de trabalho, que os
profissionais tendem a se sentir impotentes diante das dificuldades e não se vêem
como agentes das mudanças, entendido aqui como co-gestores autônomos de
seus processos de trabalho. Essa situação de assujeitamento dos profissionais se
133
agrava porque, particularmente, no trabalho da administração e do planejamento,
quase nunca se inclui o estímulo à produção de sujeitos sociais como objetivo. Há,
pelo contrario, uma tradição muito maior, no campo da gestão, de controlar o
pessoal, do que o de fortalecê-lo como sujeito autônomo e responsável
(CAMPOS, 2006).
Campos (2007b) complementa, afirmando que esse quadro só pode ser
revertido, isso é, só pode ocorrer mudanças de um trabalhador assujeitado para
um trabalhador sujeito dos seus processos produtivos, mediante essencialmente a
expressão de sua autonomia, bem como a partir da criação de espaços de co-
gestão dos processos produtivos combinados a um controle por parte dos
detentores dos meios de produção, os gestores.
O trabalho autônomo pressupõe liberdade produtiva por parte dos
agentes, e não aprisionamento em normas, diretrizes e regras. Foi possível
perceber que os profissionais não se sentem livres nas suas práticas, mas, pelo
contrário, sentem-se pressionados pela gestão, percebendo as diretrizes como
fatores desmotivadores para o processo de trabalho, sentindo-se, muitas vezes,
incomodados diante das cobranças por produção e qualidade. Dessa forma, o
profissional não só se desmotiva, como também se sente valorizados pela gestão.
Uma profissional exemplificou esse sentimento a partir de uma metáfora
A regional falou em uma reunião que os profissionais do PSF são
maravilhosos, que se eles fossem jogadores de futebol, eles jogariam em
todas as posições, querendo enaltecer o profissional, né? Que o
profissional pode ser o goleiro, o centroavante, dá conta de tudo, que ele
vai e faz o gol. Ai um enfermeiro se levantou e falou assim: Engraçado,
eu me sinto a bola. Sendo jogada de lá para cá e de cá para lá e que
quando faço o gol, o mérito não é meu, o mérito é de quem chutou. Eu
achei o máximo, porque foi de uma inteligência tremenda, ele viu, pelo
outro lado, o que o profissional sente. Porque a regional jogou de um jeito
e ele viu pelo lado que é realmente a verdade (MG3).
Essa desvalorização ainda se acentua porque, de acordo com os
profissionais, além de falta de estímulos, falta apoio suficiente da gestão no
sentido de melhorar o processo de trabalho, como aponta a cirurgiã-dentista
A gestão deu as diretrizes maravilhosas e jogou a gente no meio de uma
comunidade enorme. As diretrizes [do PSF] assim são lindas, na hora
que você vai falar é lindo, e agora, façam! E nem é só aqui não, é em
todo canto (CD2G3).
134
Os trabalhadores refletem em suas falas a forte influência capitalista na
organização do trabalho em saúde. Os processos de organização do trabalho
foram constituídos sob influência das teorias clássicas da administração, as quais
defendem que as gerências das instituições devem destituir os trabalhadores de
vontades, criatividades e capacidades próprias, impedindo a expressão da
autonomia. Esse pensamento se estendeu inclusive ao setor saúde, refletindo-se
em instituições de saúde que apresentam estruturas hierarquizadas, com
subordinação do indivíduo e uma maior preocupação com a produtividade do
trabalho do que com a qualidade da assistência ofertada (GUIMARAES, 2007).
As organizações de saúde são organizações profissionais que
dependem fundamentalmente de seus operadores. Devido à complexidade e à
variabilidade do trabalho, os profissionais precisam ter liberdade nas decisões
relativas aos seus serviços. Quando não há apoio da gestão na organização
desses processos de trabalho e no reforço da autonomia do profissional, há
dificuldade em realizar mudanças organizacionais mais integrais e realizar o
trabalho multiprofissional (MENDES, 2002).
Presencia-se uma busca por uma inversão desse modelo de
organização, centrando-se principalmente na organização do processo de
trabalho, antes pautada pelo trabalho individualizado, e que, atualmente é
vislumbrada a partir da dinâmica do trabalho em equipe. De certa forma, essa
mudança é possível, considerando-se que o trabalho em saúde não é plenamente
controlável, por ser baseado numa relação entre pessoas, estando, portanto
sempre sujeito aos desígnios do trabalhador em espaço autônomo, de
concretização dos atos de saúde, o que favorece o auto-governo e a construção
coletiva das práticas (MERHY, 2007b). A mudança pode ocorrer, e
conseqüentemente uma maior qualidade da atenção, desde que seja assegurada
uma adequada combinação de autonomia profissional com certo grau de definição
de responsabilidade para os trabalhadores. Assim posto, a gestão deve estimular
práticas autônomas, em que cada profissional seja capaz de responsabilizar-se
pelos problemas dos outros, envolvendo todos os agentes nessa tarefa, o que,
135
conseqüentemente, facilita o fortalecimento da equipe e a integração entre os
profissionais (CAMPOS, 2006).
Entretanto, de acordo com os entrevistados de ambos os grupos, a
formulação constante de novas diretrizes e novas normas que incidem sobre o
processo de trabalho são impostas de maneira vertical e são vistas como
desconectadas com a prática cotidiana, muitas vezes atrapalhando no processo
de articulação entre as equipes.
Outra coisa, que eu acho, e que desestimula muito também, são as
normas que vem. Ah, agora é para fazer assim. Aí daqui a uma semana,
não, não é mais para fazer desse jeito. Às vezes você cansa de escutar
um monte de diretrizes [...] Parece assim, ta tudo estruturado aí pronto,
pára tudo e vai cuidar de dengue. Cancela visita, cancela
encaminhamento, cancela tudo. E não é só da dengue... outras coisas
que param também. A estrutura do atendimento é agora desse jeito.
Vamos fazer o acolhimento assim, assim, assado. Aí a gente faz os
cursos e daqui a pouco: ‘não, não é mais desse jeito’. Então assim,
realmente eu acho que falta uma diretriz para nortear o trabalho. Eles
mudam muito de como vai orientar o trabalho da gente (CD3G3).
Esse trecho acima exemplifica bem as conseqüências da falta de
autonomia e do assujeitamento dos profissionais no desenvolvimento do trabalho.
Por não se sentir partícipes do processo decisório, ao invés de tentar conquistar a
autonomia e serem sujeitos de seu processo de trabalho, há uma maior
preocupação em cumprir e fazer cumprir normas, sem, contudo, questionar sua
pertinência.
Percebe-se uma dificuldade na implantação de processos coletivos de
gestão, responsáveis em inverter a lógica de gerenciamento, como proposto pela
prefeitura de Fortaleza. A Secretaria de Saúde de Fortaleza adotou o Método da
Roda (CAMPOS, 2007b) como modelo para o processo de co-gestão. Esse
método propõe a elaboração conjunta, por profissionais de saúde e gestores, das
diretrizes, dos objetivos, do objeto e dos métodos de trabalho, tomando todo esse
processo como obra coletiva. Nesse sentido, há um fortalecimento da autonomia
do profissional, uma vez que esse pode pactuar e deliberar sobre seu processo de
trabalho.
Abrahão et al (2008) convergem com Campos (2007b) no entendimento
de que somente processos de co-gestão com relativa autonomia ao sujeito-
trabalhador garantem novas práticas de trabalho. De acordo com as autoras, o
136
trabalho em saúde é centrado na relação profissional-usuário e que a produção do
cuidado só é alcançada mediante a construção de espaços democráticos
impulsionados pela co-gestão do processo de trabalho. Dessa forma, é possível
desencadear processos de co-responsabilização, promovendo um modo de
gerenciar que permita a autonomia dos sujeitos envolvidos.
A gestão, quando assumida como construção coletiva, possibilita
trabalhar a produção de espaços coletivos, permitindo a re-significação das
práticas dos sujeitos, que passam a produzir serviços necessários tanto aos
usuários como na constituição de coletivos organizados para essa produção
(ABRAHÃO, 2008). Esses espaços coletivos são viabilizados a partir da
organização dos profissionais como equipe integrada. Entretanto, o que foi
possível observar é que os profissionais não se sentem autônomos ou envolvidos
como agentes da gestão de seu trabalho, mas percebem a gestão implantada de
modo vertical, sem real envolvimento dos trabalhadores.
A gestão do trabalho quando implantada de modo vertical causa
conflitos e desentrosamento entre a equipe, visto que, dessa forma, cada
profissional tende a ter sua linha de trabalho e seus próprios regulamentos,
fazendo com que cada membro da equipe se sinta responsável apenas por sua
área técnica específica, formando abismos dentro da equipe ou entre equipe e
chefia (CAMPOS, 2006). Quando a interação do grupo não parte de uma
necessidade experimentada pelos atores, mas de uma proposta vertical
formulada, dificilmente se consegue uma mudança no trabalho em equipe, no
sentido de integrá-la.
É possível identificar essa verticalidade contraditória ao agrupamento
da equipe, por meio dos discursos de dois cirurgiões dentistas, que destacam
normas e diretrizes da gestão que, ao invés de buscar um agrupamento entre a
equipe multidisciplinar, acaba por desarticulá-la, dificultando a incorporação do
cirurgião-dentista na equipe:
Até mesmo na própria administração, por exemplo, quando tem uma
campanha que o dentista está presente, chega o comentário da regional:
‘essa campanha tudo bem, mas dentista não pode trabalhar nessas
campanhas não’. Então fica aquela coisa, é dentista, então não é equipe.
É o dentista e uma equipe (CD3G2).
137
Sempre diziam, a ida para a escola não vai ter carro não, então vai direto
para a escola, então aí era uma forma de segregar, de separar o dentista,
porque se o dentista e a ACD iam direto para a escola, não vão dar
satisfação nenhuma a equipe de onde está. Então atrapalha, também
separa, entendeu? E tem essas coisas da campanha também. Olha,
dentista não vai para a campanha de vacinação, mas a equipe vai. Então
não é a equipe que vai para a campanha de vacinação. Então fica aquela
coisa, a campanha de vacinação vai todo mundo, menos o dentista
(CD4G2).
O trabalho da equipe precisa ser compreendido como obra coletiva, em
que o profissional seja autor dessa obra, sendo capaz de interferir nos processos
decisórios relativos à co-gestão dos processos de trabalho (ABRAHÃO, 2008). A
gestão em saúde precisa ter a capacidade de controlar e supervisar o trabalho no
sentido de recomposição dos sujeitos, e não como mais um empecilho para essa
integração. Entretanto, as próprias organizações de saúde são contrárias a essa
integração e a essa co-gestão, pois se constituem em territórios contraditórios,
onde existe o conflito tenso e constante de autonomia e controle, pois, ao mesmo
tempo em que os sujeitos podem se autogovernar e intervir nos processos de
trabalho, é preciso haver controle, por meio de normas e regras instituídas
(ABRAHÃO, 2008; MERHY, 1999).
As relações entre os sujeitos que realizam a gestão são sempre
permeadas por singularidades, conflitos, diferenças e convergências. A proposta
para uma gestão efetiva é possibilitar a co-gestão coletiva, inserindo a visão dos
agentes participantes - gestores, trabalhadores e usuários - voltada à mudança e
ao compromisso com a produção do cuidado. É preciso organizar os serviços de
saúde em busca de processos gerenciais auto-gestores, dirigidos e
compartilhados por esses agentes, comprometidos com a reorientação do
processo de trabalho centrado no usuário, no sentido de promover ações em
saúde mais acolhedoras, vinculantes, resolutivas e autonomizadoras.
2.4. Processo de trabalho das equipes: A busca da interdisciplinaridade e
integralidade na atenção.
138
Integralidade é definida, legalmente e institucionalmente, como um
“conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema” (BRASIL, 1990). Assim posto, essa definição pode ser
considerada tanto em seu plano individual, em que o cuidado, seja ele individual
ou para grupos de risco, surge como ação inovadora capaz de gerar práticas
eficazes; como em seu plano sistêmico, em que o acesso aos níveis de
complexidade na rede de serviços de saúde deve ser considerado como direito
(BRASIL, 1988).
Então, integralidade apresenta duas vertentes: a da atenção ao usuário
e a de acesso aos serviços. Em qualquer uma das duas, a equipe multiprofissional
desempenha importante papel para assegurá-la, pois para garantir a integralidade
de atenção, há de se constituir práticas de trabalho pautadas na integração e na
interdisciplinaridade entre os membros da equipe, ou seja, quanto melhor for a
relação estabelecida entre médicos, enfermeiros e dentistas, melhor será a
produção do cuidado.
A integralidade, então, existirá nas práticas da equipe que valorizem o
cuidado e que considerem o usuário como sujeito a ser atendido e respeitado em
suas demandas e necessidades. Silva Junior (2005, p. 80) reforça essa assertiva
ao afirmar que
o cuidado se revela como um fio condutor para a construção da
integralidade na atenção a saúde, em seus sentidos mais amplos, como
local de encontro de sujeitos com necessidades e capacidades, onde
fluxos de interação possibilitem o acesso às várias alternativas de
solução de problemas e à construção de vínculos e de responsabilidades
mútuas.
Portanto, a integralidade nos processos de trabalho não depende
apenas das articulações entre os membros da equipe, mas também, e
principalmente, da articulação entre essa equipe e os usuários, formando o vínculo
necessário para que esses sujeitos sintam-se cuidados integralmente (PAIM,
1995).
O trabalho em equipe multiprofissional funda-se como uma forma de
viabilizar esse vínculo, e, por meio de suas práticas, evitar a fragmentação no
139
cuidado, pois recompõe, em uma assistência integral, as ações parciais que nem
sempre solucionam as necessidades de saúde em seu todo. A noção de equipe
está etimologicamente associada à realização de tarefas compartilhadas entre os
indivíduos, as quais se extraem o sucesso para a realização pretendida
(PEDUZZI, 2001). Os sujeitos que compõem as ESF e ESB de Fortaleza
entendem a integralidade dessa maneira, acreditando que apenas equipes
completas e integradas podem oferecer uma atenção à saúde de qualidade.
Entretanto, esses profissionais apontam dificuldades em relação a demanda como
obstáculos para essa recomposição da equipe.
A gente tem até dificuldade em fazer os programas do PSF direitinho.
Atender diabéticos, hipertensos, crianças, porque tem muita emergência.
Acaba que vira um serviço de pronto atendimento e não de PSF
(CD2G3)
.
Percebe-se a partir do texto acima, que os profissionais têm dificuldade
em cumprir com as diretrizes do PSF, devido a problemas externos a equipe.
Assim posto, é importante analisar como esses profissionais do PSF de Fortaleza
entendem a integralidade em suas práticas. A partir dos grupos focais, foi possível
perceber que os profissionais direcionam seu trabalho no sentido da integralidade,
ao apontarem a realização de ações educativas e preventivas por meio da criação
de grupos com os usuários. Entretanto, eles consideram que suas ações ainda
são incipientes, principalmente devido a falta de profissionais para complementar
as equipes e, conseqüentemente, a existência de uma demanda exacerbada, que
dificulta as ações voltadas para a prevenção e promoção de saúde articuladas às
ações clínicas curativas.
Essa demanda exacerbada que a gente não consegue controlar dá
exatamente nisso. Tem 6 meses que eu estou tentando formar o grupo
de antitabagismo, sem conseguir um espaço, e tentando trabalhar essa
questão da sexualidade do adolescente. É uma coisa que a gente tem
que ter consciência, e realmente se sente sufocada por essa demanda
que se coloca (E3G2).
Além da demanda, a falta de planejamento das ações pela equipe foi
outra questão apontada, em ambos os grupos, como um fator que dificulta a
integralidade no cuidado e a interdisciplinaridade da equipe. As causas apontadas
para a falta de planejamento divergiram entre os grupos. Em um grupo, o do CSF
140
Aída Santos, os profissionais apontaram a falta de tempo como obstáculo ao
planejamento em equipe, enquanto no grupo do CSF Paracampos, apontou-se a
falta de iniciativa ou compromisso dos profissionais para esse planejamento
A gente não tem tempo de estar programando as atividades coletivas em
grupo, com médico e enfermeiro. Que é o que é preconizado para o PSF.
É meio complicado porque a gente não tem tempo para parar e fazer isso
(CD1G3).
O que eu verifico aqui é que [a dificuldade] é a reunião, de ter
determinado horário mesmo para a gente se reunir. Porque assim, todo
mundo vem com sua demanda já e no final, não se vêem. Na verdade é
necessário ter uma reunião da equipe, ter uma tarde para se reunir, para
discutir e para formar o grupo. Se a equipe tivesse rotina de se encontrar
mensalmente, que se sentassem para ficar se organizando e planejando.
É prioridade fazer alguma coisa para adolescente? Então, se para minha
equipe é prioridade, eu arrumo meu tempo. Então assim, se você
conseguiu organizar a equipe, você tem o grupo. Eu acho que precisa
sim é de um planejamento. E você precisa de um turno, e tem que ser um
turno mesmo, para planejar e avaliar. Aí eu acho que é um dos maiores
problemas, porque a gente não tem. [A gente] não se organiza para ter
esse turno. Quem vai ter que ter esse tempo somos nós (MG2).
Sem dúvida, a falta de planejamento a qual os profissionais se referem
e que, conseqüentemente, faz com que não haja articulação e organização
prévias das ações, faz com que o trabalho da equipe seja fragmentado.
Entretanto, essa “falta de tempo” não parece ser real, visto que, durante a
observação, as coordenações dos CSF afirmaram que toda semana havia um
turno apenas para a roda dos profissionais, momento destinado para que todos os
membros da equipe pudessem se reunir e terem a oportunidade de planejar em
conjunto todas as ações.
Entende-se que é a comunicação dentro da equipe a responsável em
estabelecer as relações entre as ações, propiciando a integração da equipe e,
conseqüentemente, os consensos quanto aos objetivos e resultados a serem
atingidos, no sentido de alcançar a interdisciplinaridade. No entanto, é importante
salientar que nem todas as formas de relacionamento conduzem a essa interação
comunicativa, em que cada ação profissional é conhecida, dialogada e negociada
como prática comum em busca do projeto assistencial comum. O simples fato de
promover reuniões e encontros entre os profissionais não garante um trabalho
interdisciplinar. Para tanto, faz-se necessário que o trabalho em equipe seja
entendido como um trabalho em que há compartilhamento e em que se negocie as
141
distintas necessidades de decisões técnicas, uma vez que seus saberes
operantes particulares levam a distintos julgamentos e tomadas de decisões
(SCHRAIBER, 1999; PEDUZZI, 2001).
Vê-se a partir da fala da profissional, quando diz “...todo mundo vem
com sua demanda já e no final, não se vêem”, de que o trabalho da equipe é
fragmentado e que não há interdisciplinaridade, visto que cada profissional chega
com sua demanda e atende individualmente, sem compartilhar com a equipe e
sem buscar o projeto assistencial comum. Esse isolamento do profissional
desarticula a equipe e é contrário à idéia da interdisciplinaridade.
O que a equipe do PSF em Fortaleza desenvolve é um trabalho
multidisciplinar, em que há apenas uma justaposição de disciplinas (VILELA,
2003). A interdisciplinaridade, como se almeja, ultrapassa esse conceito, quando
se define como a interação existente entre duas ou mais disciplinas, na qual cada
uma das disciplinas em contato é, por sua vez, modificada e passa a depender
claramente das outras. Na interdisciplinaridade, embora exista um saber que
conduz o processo de trabalho, o princípio da hierarquia ente as ciências é
substituído pelo princípio da cooperação, possibilitando a discussão dos conceitos,
objetos e objetivos. Nesse contexto, os sujeitos interagem com os outros sujeitos
(ALMEIDA-FILHO, 1997).
Entretanto, é impossível desenvolver um trabalho que se propõe
interdisciplinar e integrado, se não houver tempo e disposição para o diálogo, para
a articulação das ações e para o compartilhamento de saberes. Durante o grupo,
uma profissional verbalizou bem essa deficiência de planejamento da equipe,
afirmando não ser a falta de tempo o fator e sim a falta de compromisso da
equipe.
Eu acho que isso aí [o planejamento] só vai acontecer quando todos os
profissionais da equipe colocarem a reunião como prioridade. Eu acho
que o maior empecilho é esse, porque alguns colocam como prioridade, e
outros não. Então entra até na formação, em que muitos não dão
importância a isso. Aí você marca uma reunião, coloca no cronograma,
faz tudo direitinho e na hora não acontece, porque dois profissionais
sentem aquilo como necessário e outros não sentem (E1G2).
Apesar da fala da profissional apontar para uma falta de compromisso
de alguns profissionais, não se deve deixar de considerar que existe um esforço
142
dos profissionais em sintetizar os diversos campos disciplinares, no sentido de
construir a interdisciplinaridade. O que se observa, no entanto, é que essa
intersecção das competências e interação dos sujeitos se encontram ainda em
processo de construção, de forma incipiente, ainda barrados principalmente pela
própria formação dos profissionais, pela organização das práticas, assim como
pela carência de profissionais e de infra-estrutura adequada para a realização das
atividades. O que se percebe, como conseqüência disso, é que ocorre, na equipe,
uma intersecção de variados objetos e instrumentos, dispostos de lado a lado, de
forma fragmentada, em que cada profissional tem suas atividades individuais e
que os procedimentos são realizados por múltiplos agentes. Não se observa nas
práticas complementação ou apreensão do objeto comum entre todos, mas pelo
contrário, verifica-se uma justaposição de trabalhos (PEDUZZI, 2001), em que
cada agente realiza seu trabalho de forma autônoma, individual e independente da
equipe.
Constata-se, pelo discurso dos profissionais de ambos os grupos, que o
entendimento de integração ainda é simplificado e minimizado, quando eles
afirmam existir integração por causa dos encaminhamentos de usuários realizados
entre os profissionais ou, então, pela participação do cirurgião-dentista em ações
pontuais, como campanhas de vacinação, muitas vezes organizadas e impostas
de forma vertical pela gestão. Não foi possível perceber o grupo como uma
unidade integrada, que apreende o indivíduo como um todo, mas como vários
agentes que se interligam ainda de forma fragmentada.
O que a gente combinou, no caso, foi que todas as crianças que passam
pela puericultura, a gente faz sempre esse encaminhamento para o
dentista. Quando eu acho necessário, em alguns casos, como com a
gestante, com o diabético, com o hipertenso, como eles vem
mensalmente, então tem uma seqüência no atendimento. Passam por
mim, e em seguida já vai encaminhado para o consultório do dentista
(EG3).
Nas quartas de manhã, eu só atendo paciente encaminhado pela
enfermeira. Então, na quarta de manhã, eu não marco nada. Minha
agenda é toda voltada para atender os pacientes exclusivos
encaminhados da minha equipe, da enfermeira ou médica (CD3G3).
Está havendo uma certa integração no sentido de que tem uma
campanha de vacinação, o dentista está presente. Tem campanha de
143
prevenção de câncer, o dentista está presente. Tem campanha com
relação a semana do idoso, o dentista está presente (E1G2).
Então, percebe-se que existe uma dificuldade dos profissionais em
desenvolver ações interdisciplinares, ultrapassando o objeto de sua disciplina e
incorporando os conteúdos disciplinares dos demais profissionais de saúde. A
interdisciplinaridade pretendida não busca apenas a fusão ou o agrupamento de
conteúdos e métodos, e sim, busca trabalhar o conhecimento de todos por meio
de interdependências e conexões entre as diversas disciplinas (SIQUEIRA, 1999).
O desafio que é posto no PSF de Fortaleza é justamente esse: o de
ultrapassar o entendimento de integração como sinônimo de encaminhamento e
conseguir integrar a equipe no sentido de que cada profissional reconheça a
necessidade de complementaridade e articulação das suas práticas com os
demais membros, sem que com isso perca sua autonomia técnica. Tanto a
interdisciplinaridade como a liberdade, são necessárias para alcançar a eficácia e
eficiência dos serviços de saúde. Esse desafio só pode ser alcançado mediante o
exercício da autonomia técnica de forma interdependente, autonomias
reconhecidas e negociadas pelos distintos agentes, por meio de sua interação
(SCHRAIBER, 1999).
Dessa forma, tem-se ações articuladas, conectando os diferentes
processos de trabalho. Assim sendo, requer que cada agente possua
conhecimento do trabalho do outro e reconheça esse conhecimento como
necessário para alcançar a atenção integral do usuário (SCHRAIBER, 1999,
PEDUZZI, 2001). Essa dificuldade é maior principalmente entre dentistas e o
restante da equipe, visto que o CD possui uma visão reduzida de seu objeto de
trabalho, a boca, o que o torna diferente e alheio a médicos e enfermeiros.
Entretanto, ao se ampliar a visão de objeto de trabalho, que passa da boca para o
sujeito, facilita-se a incorporação de saberes e a integração entre os profissionais.
Portanto, essa complementaridade, apreensão e compartilhamento de
um novo objeto de trabalho, o sujeito em todos os aspectos, passa a conflitar com
a autonomia técnica que os profissionais buscam alcançar. O conflito ocorre
porque os profissionais buscam uma forma de trabalho tal como a tradição na área
144
da prática do tipo liberal, atendendo isoladamente, e tomando as decisões
técnicas por si, baseados em sua autoridade individual. Isto implica na dificuldade
atual de relacionar-se em equipe interdisciplinar com os demais agentes
(SCHRAIBER, 1999).
Os conflitos no trabalho em equipe são inerentes à proposta da
perspectiva interdisciplinar e possibilitam o restabelecimento de interações entre
os membros da equipe (OLIVEIRA, 2006). Esses conflitos sempre existirão,
entretanto há de se fazer com que eles sejam revertidos para a integração da
equipe. Para que a integração da equipe ocorra, é preciso conhecimento e
valorização do trabalho do outro, para que haja consenso quanto aos resultados
que se quer atingir e, também, deve existir uma descentralização na tomada de
decisões e maior flexibilidade nas divisões do trabalho, por meio de interações
entre os agentes no sentido de entendimento mútuo (SCHRAIBER, 1999).
Quando se consegue essa boa interação entre a equipe e sua atuação
voltada para a perspectiva interdisciplinar, consegue-se um acompanhamento e
um envolvimento maior com os usuários, produzindo cuidado com vínculo e
responsabilização. Uma equipe integrada trabalha em prol da saúde das famílias,
compartilhando experiências, atendendo suas necessidades, conhecendo a
situação de cada usuário e buscando conjuntamente, a solução de suas
necessidades e sofrimento (OLIVEIRA, 2006).
Já em relação a integralidade da rede de atenção, tem-se como
obrigação dos gestores e profissionais de saúde garantirem o acesso aos serviços
de assistência ambulatorial e hospitalar aos usuários (BRASIL, 1990). Para que
isso ocorra, é necessário haver articulação e integração entre as redes
assistenciais do município. Entretanto, em Fortaleza, essa integralidade ainda está
distante de existir, principalmente, como relatado pelos profissionais, devido a,
mais uma vez, a grande demanda, o que acarreta em um número de vagas
insuficiente para atendimento especializado.
Tem paciente que tem encaminhamento para um especialista, para um
exame, a demanda é muito alta e a demora é de até um ano. Aí o
paciente fica esperando. Às vezes, sai da fila e tem que voltar ao médico
para pedir outro encaminhamento (E2G2).
145
Se chega uma gestante para o pré-natal, a gente já liga a puericultura, o
planejamento familiar, a prevenção. Quer dizer, a gente já dá o
acompanhamento, o seguimento àquela pessoa. Aí tem o dentista que a
gestante já vai encaminhada. Até que esbarre em [uma gravidez de] risco
e aí está o problema, [porque] não depende mais da gente (E2G2).
Mesmo diante das dificuldades em realizar os encaminhamentos, os
profissionais acreditam que as ações de suas responsabilidades, como as ações
educativas, preventivas e clínicas da atenção básica, possuem uma resolutividade
relativamente boa. Entretanto, acreditam que para alcançar a integralidade no
cuidado, precisariam de uma equipe multiprofissional maior, composta por outros
profissionais, tais como fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros.
Eu acho que para a gente dar a integralidade, a gente tem que ter uma
equipe multiprofissional muito maior. A gente precisa de um
fisioterapeuta, porque o paciente não pode ir e não tem como ir. Então
esbarra aí. Uma nutricionista no sistema ainda é muito difícil,
principalmente para pacientes que não podem vir até a rede. Então eu
acho que para a gente dar integralidade mesmo, eu acho que falta ainda
uma série de pontinhos desagregados (E3G2).
Reconhecendo essa necessidade de incorporar mais profissionais e de
formar uma equipe multiprofissional maior, o Ministério da Saúde publicou, em
2008, a Portaria n° 154, que permite a implantação de Núcleos de Apoio à Saúde
da Família - NASF, nos territórios de abrangência das ESF. De acordo com essa
portaria (BRASIL, 2008), poderão ser implantados dois tipos de NASF: NASF tipo
um e NASF tipo dois, em qualquer município com ESF. O NASF tipo um deverá
ser composto por, no mínimo, cinco profissionais de nível superior, entre
assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
acupunturista, ginecologista, homeopata, pediatra, psiquiatra, nutricionista,
psicólogo e terapeuta ocupacional, que estarão vinculados de oito a até, no
máximo, vinte ESF. Já no NASF tipo dois, a equipe é composta por, no mínimo,
três profissionais de nível superior, entre assistente social, educador físico,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta
ocupacional, vinculados a no mínimo três ESF (BRASIL, 2008). Medidas como
essa, incorporando novos fazeres e saberes ao PSF, proporcionam um
atendimento integral ao usuário, propiciando a produção de um cuidado eficaz.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Considerações Gerais
No desenvolvimento da pesquisa, principalmente em relação ao campo e aos
sujeitos do estudo, alguns obstáculos foram encontrados, os quais precisam ser
pontuados e destacados.
O primeiro obstáculo encontrado foi a realização das entrevistas com os
gestores. Essas entrevistas normalmente ocorreram durante o horário de trabalho,
o que, conseqüentemente, dificultou a concentração do entrevistado. Por algumas
vezes, havia interrupções para atender ligações ou demandar alguma atividade.
Outra dificuldade, ainda em relação à essas entrevistas, foi o acesso a alguns
gestores, que, devido a agenda lotada de compromissos, demoraram cerca de oito
meses para conceder a entrevista. Entretanto, esses fatores apenas dificultaram o
cumprimento do cronograma, sem, contudo, prejudicar a qualidade dos dados.
Mesmo com essas dificuldades iniciais de acesso, é importante
salientar que sempre houve apoio dos gestores à realização da pesquisa,
sobretudo com o fornecimento dos documentos necessários para entendimento da
organização da atenção básica em Fortaleza. Porém, em relação a esses
documentos, é importante ressaltar que muitos estavam em processo de
construção, como os dados epidemiológicos e o relatório de gestão de 2007,
enquanto outros estavam desatualizados, como os dados epidemiológicos das
SER II e V.
Um ponto importante a se destacar em relação a esse contato
pesquisadora-gestor foi o convite para participar dos núcleos de saúde bucal que
partiu de ambos os coordenadores de saúde bucal das SER, que, além do
interesse na participação e no conhecimento in loco da pesquisadora nos
processos de co-gestão, também se ofereceram a fornecer dados e auxiliar no
contato com as equipes.
147
Detendo-se ainda nos obstáculos encontrados, uma dificuldade foi em
relação à aplicação do questionário semi-estruturado com todos os dentistas das
SER II e V, visto que, do total de CD da SER II, apenas 81% responderam. Da
mesma forma ocorreu na SER V, que, de todos os CD que atuam nessa regional,
apenas 50% responderam ao questionário, o que representa 57% de todos os CD
das duas SER. A dificuldade em receber os questionários respondidos pode ser
atribuída ao fato de que esses questionários foram entregues na ocasião das
reuniões de núcleos para um representante de cada CSF, o qual responsabilizaria
em distribuí-los com os demais CD do CSF e retorná-lo à gestão. Nesse processo,
pode ter havido o desinteresse desses participantes.
Quanto à entrada no campo dos CSF, alguns aspectos precisam ser
apontados e descritos. Nos CSF Aída Santos e Paracampos, da SER II e V,
respectivamente, as coordenadoras consentiram a realização da pesquisa,
inclusive permitindo a participação e observação da pesquisadora durante as
rodas de todos os profissionais dos CSF. Entretanto, a realidade encontrada nos
CSF dificultou esse processo de observação, visto que os CSF, no período da
coleta de dados da pesquisa, enfrentavam a epidemia de dengue na cidade, o que
modificou o processo de trabalho de todos os profissionais, que voltaram seus
esforços essencialmente ao atendimento de casos suspeitos de dengue,
prejudicando a realização da atenção integral aos usuários, como proposto ao
PSF, o que afetou também negativamente a realização de reuniões entre os
trabalhadores do CSF, que, de acordo com as coordenadoras, estavam há quase
três meses sem se reunir.
Outro ponto, em relação aos CSF, foi a realização do grupo focal. No
CSF Aída Santos foi preciso esperar que as reuniões dos profissionais
retornassem após o período de epidemia da dengue. Já no CSF Paracampos,
além da espera pelo retorno das rodas dos profissionais, foi preciso também
esperar pelo fim do período de férias de alguns profissionais. Somente depois de
alguns meses de espera e diversos cancelamentos, foi possível, enfim, a
realização do grupo focal. Em ambos os CSF, entretanto, percebeu-se pouca
participação, principalmente dos profissionais médicos.
148
Apesar disso, é preciso reconhecer que, felizmente, há em Fortaleza
um contingente de trabalhadores na área da saúde que busca a implantação,
institucionalização e avanços do PSF. Esses sujeitos, mesmo diante de todas as
limitações, travam, no cotidiano, uma batalha para fazer da saúde pública um
direito social assegurado a todos os cidadãos.
2. Conclusões.
Em relação ao campo de estudo, pode-se concluir, a partir dos dados
coletados nos documentos e nas entrevistas, que o sistema de saúde municipal
vem progressivamente avançando. Percebe-se uma mudança significativa nos
serviços de saúde, referentes às melhorias estruturais e organizacionais, a partir
do ano de 2005, mais precisamente no final do ano de 2005 e início de 2006.
Pode-se dizer que esse período representou um “divisor de águas” do fazer saúde
pública em Fortaleza, por ser o momento em que a gestão decidiu organizar a
atenção básica, o que representava um grande desafio, por tratar-se de
implantação de estratégias inéditas em um município do porte de Fortaleza.
A implantação do PSF representou o norte para as mudanças. Todos
os gestores entrevistados, informantes-chaves desse período de mudanças,
demonstraram a vontade política e os esforços na implantação e
institucionalização do PSF nos diversos espaços sociais: político, dos serviços de
saúde, educacional e da representação populacional.
Essa institucionalização está sendo gradativamente alcançada.
Primeiramente no espaço político, com as opções tomadas pela gestão de
priorizar o PSF e, depois, nos serviços de saúde, com a realização do concurso
público e, conseqüentemente, a contratação de ESF e ESB, representando uma
grande vitória das categorias profissionais no sentido de estabelecer vínculos
empregatícios mais estáveis. Outras estratégias, como a criação do Sistema
Municipal de Saúde-Escola e as modificações curriculares nos cursos de
formação, além do aumento da cobertura da atenção, foram responsáveis por uma
149
relativa institucionalização no campo educacional e da representação
populacional.
Entretanto, todas essas medidas ainda são insuficientes para a
mudança estrutural da atenção a saúde. Em Fortaleza, existe um modelo de
saúde ainda híbrido, combinando o formato tradicional de práticas baseadas no
modelo Flexneriano, com novos modos de atenção. Ainda existem nos CSF do
município, ESF trabalhando com profissionais que não pertencem ao PSF. Tem-
se, em várias unidades de saúde, profissionais atuando pautados pelas diretrizes
do PSF, planejando ações para promoção e prevenção da saúde da clientela
adscrita, enquanto que, no mesmo espaço físico, existem outros profissionais
atuando estritamente na clínica clássica, realizando essencialmente atividades
curativas, para atender demanda livre, sem integração entre eles.
Ao analisar o trabalho das ESB, percebe-se que, apesar da
reorganização do trabalho, voltado ao desenvolvimento de ações coletivas
preventivas e de educação em saúde, o que propiciou melhorias dos dados
epidemiológicos de saúde bucal, a pesquisa mostrou que ainda persiste a prática
centrada na clinica clássica, no procedimento individual e restrito ao consultório,
de maneira ainda fragmentada.
Essa fragmentação é mais presente quando se analisa a integração
entre os membros das ESF e ESB. Apesar dos esforços, as equipes ainda se
encontram em um processo de integração incipiente, visto que a permanência de
problemas estruturais obstaculiza o trabalho interdisciplinar e integral. Os
profissionais, por sua vez, ainda não conseguiram ultrapassar o conceito de
equipe-agrupamento para o conceito de equipe-integração, pois, como verificado,
ainda ocorre justaposição de ações fragmentadas ao invés de ocorrer trocas
efetivas de saberes no momento de atendimento do usuário. O usuário, ao ser
atendido, recebe os encaminhamentos para os profissionais e passa na consulta
de enfermagem, do médico, do CD, tendo seu corpo fragmentado pelas diferentes
especialidades.
É justamente nesse ponto que a integração das ações falha. Os
profissionais acreditam estar desenvolvendo ações integradas porque realizam
150
encaminhamentos entre si, principalmente de grupos de risco, ou por estar
formulando grupos, muitas vezes sem a efetiva participação de toda a equipe.
Dessa forma, acomodam-se e não procuram, em suas práticas, planejar as ações
e, muito menos, discutir interdisciplinarmente o projeto assistencial comum.
Essa dificuldade de integração é atribuída, pelos profissionais, à
demanda reprimida, que tem representado um grande entrave, para o bom
funcionamento do PSF. O conceito de demanda reprimida precisa ser esclarecido
em sua dupla dimensão: acúmulo de carências históricas e grande massa
populacional. Estas dimensões sinergizam no que podemos chamar de demanda
exacerbada, que, somada à carência de profissionais, em especial médicos, tem
sido apontadas como obstáculos, porque dificultam as ações de planejamento, de
reuniões da equipe, de realização das diretrizes do PSF e, principalmente, as
ações de estabelecimento de vínculo com o usuário e a integralidade da atenção.
Em geral, na rotina de atendimento da equipe, o trabalho é realizado de
forma mecânica, em que cada um faz a sua parte, muitas vezes centrada no
procedimento, sem conhecer o processo como um todo, e sem objetivar um
projeto assistencial comum, seja porque esse projeto não é discutido, ou porque
não existe por parte da equipe uma interdisciplinaridade, o que enfraquece a
integralidade.
Na pesquisa, foi possível identificar pontos importantes para a
desintegração, além da demanda exacerbada e da carência de profissionais,
apontados pelos profissionais e pelos gestores. Um deles foi a falta de
compromisso dos profissionais com a produção do cuidado e o outro foi a falta de
planejamento das ações pela equipe.
A falta de compromisso com a produção do cuidado foi constatada a
partir da falta de responsabilização e de sensibilização dos profissionais para
tratar com as subjetividades do usuário. Por diversas vezes, foi relatada a
impotência da equipe perante as questões impostas pelos usuários. Essa equipe,
muitas vezes, enxerga esse usuário como culpado pela sua condição e pela busca
por solução ao seu sofrimento. Além da inexistência do vínculo, os profissionais
151
não conseguem apreender a dimensão subjetiva no encontro com o usuário, o que
enfraquece as relações equipe-usuário.
Quanto ao planejamento da equipe, durante o período de realização da
pesquisa, praticamente inexistia, o que acarretava o desenvolvimento de ações
voltadas principalmente ao atendimento da demanda livre, sem planejamento e
sem discussão com todos os membros da equipe. Quando as ações eram
planejadas, principalmente no sentido de integrar a equipe, não partia da equipe,
mas de normas definidos pela gestão, que, apesar de assumir a co-gestão como
modo de gerência, continua impondo as diretrizes às equipes de forma vertical.
Pode-se afirmar, então, que no período estudado, por conta da epidemia da
dengue, o PSF inexistiu enquanto estratégia nas práticas de atenção.
De forma geral, observou-se uma tentativa de organização e
estruturação dos serviços de saúde, tanto nos CSF quanto nas SER. Comparando
as regionais, constatou-se uma melhor qualidade na SER II em relação à infra-
estrutura, a organização, ao processo de trabalho e aos resultados obtidos, porém
as dificuldades e os problemas são os mesmos nas duas SER.
3. Recomendações.
A partir do percurso dessa pesquisa, de seus resultados e conclusões,
podem-se extrair recomendações aos gestores, aos profissionais de saúde que
compõem as ESF e ESB, às instituições formadoras e aos pesquisadores do
campo da saúde.
Aos profissionais de saúde, não se pretende definir qual seria a melhor
forma de se trabalhar em equipe, nem tampouco definir normas e burocratizar
cada vez mais o processo de trabalho. Recomenda-se, entretanto, que as equipes
busquem construir coletivamente caminhos e possibilidades para promover um
modo de cuidado que contemple todas as expectativas do usuário, principalmente
as de dimensão subjetiva. Para tanto, cada equipe de saúde deve nortear-se por
152
práticas integradas pautadas a partir da compreensão da integralidade e da
subjetividade do outro.
Recomenda-se também que as equipes busquem resgatar a essência
dos seus serviços e, conseqüentemente, procurem contribuir para a melhoria do
quadro sócio-sanitário do território na qual está inserida. É importante que os
profissionais reflitam e discutam questões relativas a compromisso social, ética,
cidadania, dignidade humana, ou seja, questões que desenvolvam a sensibilidade
no processo de cuidado, a partir de uma nova consciência, mais solidária e
comprometida com a defesa da vida das pessoas.
Aos gestores, recomenda-se a busca constante de práticas de co-
gestão, com compartilhamento efetivo das medidas e normas para orientar o
processo de trabalho no sentido de desenvolver a interdisciplinaridade. Para tanto,
é necessário estimular a autonomia dos profissionais e permitir que todos possam
sentir participantes das decisões para o seu processo de trabalho. Um trabalho em
equipe integrado só existe mediante normas que sejam adequadas às
experiências e realidades de cada equipe.
Ainda aos gestores, recomenda-se a contratação, por meio de concurso
público, de mais profissionais às ESF, sobretudo profissionais médicos, na busca
de reduzir a demanda que dificulta às ações integradas das equipes. Também é
preciso contratar apropriadamente, com vínculos empregatícios assegurados, os
profissionais auxiliares, tais como auxiliares de enfermagem, ASB e TSB. Outro
ponto importante a ser considerado, é na melhoria da infra-estrutura,
principalmente de espaços para o trabalho da equipe, além de salas apropriadas
para as reuniões e transportes suficientes para as atividades nos territórios.
Às unidades formadoras, principalmente às Escolas de Saúde Pública,
recomenda-se o fortalecimento da estratégia da educação permanente para os
profissionais do SUS, buscando incorporar, sobretudo, os profissionais de nível
médio. Recomenda-se a realização de cursos de formação adequados para esses
profissionais auxiliares, tais como auxiliares de enfermagem, ASB, TSB e ACS,
voltados para o entendimento da filosofia do PSF, do processo de trabalho nesse
153
modelo, e proporcionando a identificação desses profissionais como membros da
equipe do PSF.
Às universidades, principalmente aos cursos de formação de
trabalhadores para a saúde, recomenda-se a avaliação constante de seus projetos
pedagógicos, no sentido de incorporar disciplinas que permitam o
desenvolvimento, de forma crítica e reflexiva, de competências relacionadas às
práticas interdisciplinares dos profissionais de saúde. É importante que a formação
desses profissionais proporcione indagações, e que estimule e oportunize as
opiniões e concepções sobre o processo de trabalho em saúde, o trabalho em
equipe e o funcionamento dos serviços de saúde. Não se pode deixar de incluir,
também, no processo de formação desses profissionais, estímulos ao
desenvolvimento de ferramentas de planejamento e gestão, que possam contribuir
para a atuação desses profissionais numa perspectiva mais ampla. Além de todas
as recomendações já citadas, é necessário também que esses pólos de educação
permitam a sensibilização desses profissionais de saúde para a produção de um
cuidado humanizado
Aos pesquisadores de saúde, recomenda-se o desenvolvimento de
mais pesquisas, principalmente qualitativas, sobre esse objeto de estudo, a fim de
servirem de subsídios para a avaliação permanente das práticas das equipes no
PSF. Também é importante desenvolver pesquisas que busquem compreender as
concepções dos usuários quanto ao processo de cuidado produzido pelas ESF e
ESB. Uma outra recomendação aos pesquisadores é buscar analisar o grau de
satisfação dos profissionais que atuam nas ESF e ESB, e identificar quais riscos
eles estão expostos no desenvolvimento de suas práticas.
Enfim, concluído o processo da pesquisa, expostos resultados,
considerações e recomendações, pretende-se ultrapassar as dificuldades de
integração entre as disciplinas, no sentido de permitir trocas constantes entre elas
e, conseqüentemente, obter a integralidade na atenção do usuário. Essa não é
uma tarefa fácil, e ainda há muito que se percorrer e se construir para viabilizar os
princípios do SUS no cotidiano das práticas de saúde.
154
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166
APÊNDICES
167
APÊNDICE I: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
PESQUISA: ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA/SAÚDE BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A pesquisa tem como foco a ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE
DE SAÚDE DA FAMÍLIA/SAÚDE BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
no município de Fortaleza.
A análise dessa integração tem fundamental importância no processo
de reorientação dos serviços de saúde e de mudanças do processo de trabalho
decorrentes da implantação do Programa Saúde da Família no município de
Fortaleza.
Dessa forma, o estudo pretende contribuir para melhorias qualitativas
no processo de trabalho das equipes, a partir dos resultados e das
recomendações práticas eventualmente consolidadas, podendo subsidiar
discussões sobre a necessidade de fomentar novas políticas e conseqüentemente
novas práticas no âmbito da Saúde Pública.
A presente pesquisa tem como objetivo: Analisar a integração da
Equipe de Saúde da Família/Equipe de Saúde Bucal no processo de trabalho no
Programa de Saúde da Família do município de Fortaleza-CE, na perspectiva da
interdisciplinaridade de saberes e da integralidade do cuidado. Desenvolvida e
articulada em diferentes etapas, utilizará métodos de pesquisa (qualitativa),
técnicas e instrumentos apropriados ao tipo de dado e informação a ser coletada.
Os dados serão obtidos através de entrevistas e grupos focais.
168
Garante-se que a pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição
de vida e trabalho dos participantes, salientando que as informações serão
sigilosas e que não haverá divulgação personalizada das informações.
Os dados e as informações coletadas serão utilizados para compor os
resultados da investigação, os quais serão publicados em periódicos e
apresentados em eventos científicos, além de proporcionar benefícios para
ampliar a visão dos gestores da saúde, a fim de criar políticas públicas que
melhorem a qualidade dos serviços.
Todos os participantes têm a segurança de receber esclarecimentos a
qualquer dúvida acerca da pesquisa e a liberdade de retirar o consentimento a
qualquer momento da pesquisa. Coordenadora da pesquisa: Mariana Ramalho de
Farias. Tels: (085) 3268-3545 / 88675979.
Fortaleza, _____/_____/_____
Assinatura do Participante:____________________________________
Assinatura do Pesquisador: ___________________________________
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
PESQUISA: ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA/SAÚDE BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.
Eu ____________________________________ aceito participar da
pesquisa: ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DA EQUIPE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA/SAÚDE BUCAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA de forma livre e
esclarecida.
Fortaleza, ___/___/___
Ass./Rubrica do Participante: __________________________________
Ass. do Pesquisador: ________________________________________
169
APÊNDICE II - Roteiro de Entrevista com os Gestores
Secretário de Saúde do Município de Fortaleza:
1. Identificação:
Nome: ___________________________________________________
Código do Entrevistado: _____________________________________
Há quanto tempo no cargo: ___________________________________
2. Perguntas:
- Como ocorreu a organização do modelo de atenção?
- Qual a percepção acerca da reorganização do modelo de atenção?
- Quais os principais desafios na implantação do PSF em Fortaleza?
- Quais as mudanças já observadas a partir da implantação das ESF e
ESB?
- Como a Saúde Bucal vem sendo inserida nesse contexto do PSF?
- Quais as perspectivas para a consolidação do novo modelo de
organização de saúde?
- Documentos a serem solicitados: Plano Municipal de Saúde; o
Relatório de Gestão dos anos de 2005 e 2006 e os dados epidemiológicos dos
últimos anos.
Coordenador de Saúde Bucal do Município:
1. Identificação:
Nome: __________________________________________________
Código do Entrevistado: _____________________________________
Há quanto tempo no cargo: ___________________________________
2. Perguntas:
170
- Como se deu a implantação das ESB em Fortaleza?
- Como vem se dando o processo de trabalho no PSF? Quais as
facilidades e dificuldades desse processo?
- Quais foram os avanços e os recuos do PSF?
- Como vê a integração das ESB e ESF?
Coordenadores de Saúde da Família das Regionais:
1. Identificação:
Nome: _________________________________________________
REGIONAL: _______ Código do Entrevistado: __________________
Há quanto tempo no cargo: __________________________________
2. Perguntas:
- Ações individuais e ações coletivas das ESF.
- Como é o processo de trabalho das ESF na dinâmica cotidiana.
- Quais os principais avanços na saúde da família a partir da
reorganização do modelo de atenção?
- Como percebe a integração dos membros da ESF e ESB?
- Há acolhimento, integralidade e vínculo da ESF com o usuário? Se
não, quais são os obstáculos?
Coordenadores da Saúde Bucal das Regionais
1. Identificação:
Nome: ___________________________________________________
REGIONAL: _________ Código do Entrevistado: _________________
Há quanto tempo no cargo: __________________________________
2. Perguntas:
- Ações individuais e ações coletivas das ESB.
- Como é o processo de trabalho das ESB na dinâmica cotidiana.
- Quais os principais avanços na saúde bucal a partir da reorganização
do modelo de atenção?
171
- Como percebe a integração dos membros da equipe? ESF e ESB.
- Há acolhimento, integralidade e vínculo da ESB com o usuário? Se
não, quais são os obstáculos?
APÊNDICE III - Roteiro do Grupo Focal
1. Identificação:
Regional: ______________ CSF: ____________________________________
2. Temário:
- Integração nos processos de trabalho
- Atividades desenvolvidas entre todos os membros / Ações coletivas / visitas
- Interdisciplinaridade de saberes e Integralidade do cuidado.
- Facilidades e Dificuldades ao desenvolvimento da integração do processo de
trabalho da Equipe de Saúde da Família/Equipe de Saúde Bucal no PSF.
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APÊNDICE IV – Formulário de Perfil do Cirurgião-Dentista
PERFIL DOS CIRURGIÕES- DENTISTAS
Regional: _________ CSF: ___________________________________________________
1. Sexo: ( ) Masculino 2. Idade: ______________
( ) Feminino
3. Tempo de formado:_______ 4. Local de formação(instituição): __________________________
5. Grau de Formação: ( ) Graduado
( ) Especialista em: ____________________________________________
( ) Mestre em:________________________________________________
( ) Doutor em: ________________________________________________
6. Teve experiências anteriores em PSF? ( ) SIM ( ) NÃO
7. Outras experiências anteriores:
( ) no serviço público como dentista clínico
( ) no serviço público como gestor
( ) como autônomo – prática clínica
( ) como prestador de serviço em planos ou convênios
( )como docente
( ) outras: _____________________________________________
8. Você se identifica com a natureza do seu trabalho no PSF? ( )SIM ( )NÃO
8.1 - Se não, em que gostaria de trabalhar:
( ) Prática privada em consultório autônomo ou como prestador de serviço
( ) Prática pública – gestão
( ) Ensino-pesquisa-extensão
Outras: _________________________________________________________________________
9. Por que você trabalha no PSF? ___________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
10. Você acha que há integração nas ações da equipe de saúde bucal com as demais ações da
equipe do PSF? ( ) SIM ( ) NÃO
11. Como você classificaria o grau de articulação entre os membros da equipe de saúde bucal com
os demais profissionais do PSF?
( ) Péssimo/sem perspectivas
( ) Ruim/mas avançando
( ) Bom, crescente
( ) Excelente
12. Na sua opinião, quais as maiores dificuldades na articulação das ações e na integração entre
os membros das equipes?
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_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
13. O que você considera necessário para a efetiva implantação da proposta do PSF em sua
unidade?________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
ANEXOS
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