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têm por trás da pele a carne, mas também o homem. É óbvio que isso pode ser
interpretado de modo metafórico. As mulheres teriam na sua pele (carne) a beleza, mas o
que há por dentro dessas mulheres (metaforicamente, o espírito) é considerado como um
monte de excrementos, dos quais o homem deve querer se manter distante. Porém,
obviamente, não há nada que possa comprovar tais afirmações. São apenas acusações
sem sentido, explicadas apenas pela misoginia fortemente presente nos textos medievais.
É interessante observar que, como já dissemos, toda essa questão misógina tem
origem na Bíblia. O pensador Godofredo de Monmouth
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afirmou sobre tal fato o
seguinte:
Com efeito, esse sexo abusou, pela sua persuasão, do primeiro homem,
e cercou, com a sua pergunta, o apóstolo Pedro. Pressionou o primeiro à
transgressão e o segundo à negação. É por isso que este sexo,
cumprindo o seu ofício à maneira de uma serva porteira, todos aqueles
que seduz, ou os exclui da vida, como exclui Pedro de Cristo, ou os
inclui na morte, como Adão no Paraíso (Apud DALARUN, 1990:37).
É-nos interessante observar que Godofredo, ao escrever sobre o papel da mulher
na queda do homem, repete o que Máximo de Turim
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havia dito, porém em nenhum
momento cita o nome de Eva. Sabemos que Eva está presente em seu texto, mas seu
nome não aparece escrito em uma página sequer. Isso nos confirma o fato de tais
mulheres consideradas pecadoras terem seus nomes escondidos na Idade Média, pois,
além de não serem dignas deles, podem atrair o Mal. São as mulheres inominadas
porque inomináveis, presentes em muitos textos medievais e, especialmente, no texto
que trataremos aqui: A Demanda do Santo Graal.
Essa questão das mulheres inominadas voltará, por exemplo, em uma carta
enviada por Marbode de Rennes
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a Robert d´Abrissel
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. O que se observa é o fato de
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Godofredo de Monmouth foi um clérigo da Idade Média, e um dos mais importantes reconstrutores da "matéria
da Bretanha", empenhando-se, especialmente, nas lendas artúricas.
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Máximo nasceu depois da metade do século IV, na região do Piemonte, na Itália. Deixou obras literárias muito
respeitadas, como o livro que reuniu seus numerosos "sermões e homilias", um total de oitenta e nove. Seu estilo
claro, persuasivo e de uma refinada e sutil ironia exortava os paroquianos a unirem-se para lutar contra o exército
dos bárbaros pagãos que atormentavam os pacatos habitantes.
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Marbode de Rennes foi um hagiógrafo e poeta francês. Foi considerado um dos maiores poetas do século XII.
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Segundo Régine Pernoud, Robert d´Abrissel foi responsável por criar um convento de homens, sob a direção
de uma mulher. Segundo ela "isto foi realizado com pleno sucesso, e sem provocar o menor escândalo, na Igreja
por Rober d´Abrissel, em Fontevrault, nos primeiros anos do século XII. Tendo resolvido fixar a incrível
multidão de homens e mulheres que se arrastava atrás dele – porque ele foi um dos maiores pregadores de todos
os tempos –, Robert d´Abrissel decidiu fundar dois conventos, um de homem, outro de mulheres; entre eles se
elevava a Igreja, único lugar em que monges e monjas podiam se encontrar. Ora, este mosteiro duplo foi
colocado sob a autoridade, não de um abade, mas de uma abadessa." (PERNOUD, 1994:50).