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2. Ao dizermos “bebê”, ao invés de “lactente
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”, eliminamos involuntariamente
de nossa linguagem o processo vital do querer ser alimentado.
3. O quarto onde se morre é substituído pela UTI.
4. A doença como forma aceita de vida quase não existe mais e o doente é
visto como caso para receitar remédios, constando a doença, nos
prontuários médicos, como “diminuição da capacidade de trabalho” e, a
morte passando a ser um erro da equipe médica.
5. A palavra morte, nos atestados de óbito, por si mesmos uma afirmação, ou
pretensa afirmação humana de “atestar” e “dominar” a morte, é substituída
por eufemismos como “êxito letal”, “parada cárdio-respiratória” e outros.
6. O ser humano é considerado um “caso social” quando, por doença ou
velhice, tornou-se desamparado.
7. Após a morte, o cadáver é retirado do hospital por corredores e porões até
um furgão; transladado então à casa mortuária de algum cemitério, será
maquilado e preparado para obter uma aparência mais “viva”, finalmente
indo para o jazigo. O leito familial de morte, as visitas de condolências, os
adornos na casa do falecido, o féretro indo da casa até o cemitério,
atravessando a comunidade, tudo isso desapareceu, ao ser a morte
eliminada de nossa vida. No momento, eliminamos até mesmo a
possibilidade de visitação aos túmulos, com o advento da, cada vez mais
freqüente, cremação.
8. Durante a formação médica, a morte costuma ser abolida do rol de
preocupações clínicas. Dificilmente os médicos perguntam, na
anamnese
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, se o paciente tem medo de morrer, se pensa em morrer, em
suicídio, ou coisas assim. Sequer é perguntado se o paciente está triste,
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A correspondência “baby” / ”bebê” é perfeita, mas não “Säugling” / “lactente”. As diferenças são que
“lactente” é termo de linguagem médica, ao passo que o correspondente alemão é termo corriqueiro, e
que a formação da palavra “lactente” refere-se apenas ao alimento (de raiz latina, significando leite), ao
passo que “Säugling” refere-se à alimentação (“saugen” significando “sugar”).
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“Paul Ricoeur observou que os Gregos tinham duas palavras para designar a atividade da
memória: mnèmè, a imagem mnêmica, a lembrança que surge espontaneamente, sem a vontade
do sujeito, que o afeta, portanto; e anamnèsis, uma busca intelectual consciente, uma atividade do
espírito, atividade de procura e recolhimento, que se aproxima da razão e do logos, ou seja, há
pouco espaço para o que não é racional.” (GAGNEBIN, J.M. Walter Benjamin, memória, história e
narrativa. Revista Mente, Cérebro e Filosofia, São Paulo: Duetto, n. 7, p. 64, 2008). – Ricoeur ,
trabalha a questão da memória de maneira mais aprofundada na sua obra: RICOEUR, P. A
memória, a história e o esquecimento, Campinas: ed. Unicamp, 2007, Cf.