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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
A MODALIDADE DEÔNTICA NA
CONSTRUÇÃO DA PERSUASÃO EM
DISCURSOS POLÍTICOS
LÉIA CRUZ DE MENEZES
FORTALEZA
2006
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2
LÉIA CRUZ DE MENEZES
A MODALIDADE DEÔNTICA NA
CONSTRUÇÃO DA PERSUASÃO EM
DISCURSOS POLÍTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Lingüística da Universidade Federal do Ceará, para
a obtenção do título de Mestre em Lingüística (Área de
concentração: Análise Lingüística).
Orientadora: Profa. Dra. Márcia Teixeira Nogueira.
Fortaleza
2006
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Menezes, Léia Cruz de.
A modalidade deôntica na construção da persuasão em discursos políticos/
Léia Cruz de Menezes. – Fortaleza: [s.n.], 2006
122 f. :il.; 30 cm.
Orientadora: Márcia Teixeira Nogueira
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará.
Programa de Pós-Graduação em Lingüística.
1. Modalidade deôntica. 2. Lingüística. 3. Gramática Funcional.
4. Discurso Político. I. Nogueira, Márcia Teixeira. II. Universidade Federal
do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Lingüística.
III. Título.
4
À professora e amiga Márcia Teixeira Nogueira dedico este trabalho.
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AGRADECIMENTOS
A realização do curso de pós-graduação é fruto de um trajeto, que se inicia no
primeiro contato formal com a Escola e tem como ponto decisivo a formação acadêmica em
nível de graduação. Durante o período em que fui aluna do curso de Licenciatura em Letras
da UFC, fizeram-se decisivos ao engajar-me no universo da pós-graduação as aulas
ministradas por todos os professores que tive, as amizades que fiz, o incentivo sempre a
mim concedido pelos membros do Corpo Docente da instituição, os seminários e
congressos aos quais assisti. Assim, devo agradecimento a todos os meus professores por
mais essa etapa trilhada. Nominalmente, dirijo-me agora a alguns dos que fazem a UFC,
por meio dos quais homenageio a todos:
À minha orientadora de Mestrado, Profa. Dra. Márcia Teixeira Nogueira, por sua
competente orientação, por sua amizade, compreensão.... Ao longo desses 24 meses de
atividades, muito pude aprender com a professora Márcia. Este não seria possível sem seus
esforços.
Ao Prof. Dr. Nelson Barros da Costa, pelas excelentes contribuições prestadas ao
meu trabalho tanto por ocasião da qualificação de meu projeto como no momento dos
Seminários de Pesquisa. É uma alegria tê-lo em minha banca de defesa e poder ter contado
com suas palavras elogiosas e suas sugestões ao longo desse processo.
À minha orientadora de iniciação à Pesquisa ao longo dos últimos dois anos de
minha graduação, Profa. Pós-Dra. Ana Cristina Pelosi Silva de Macedo, a quem devo o
desenvolvimento do prazer pela pesquisa acadêmica. O apoio e a amizade da professora
Ana Cristina, nem sempre por mim retribuídos na medida que ela sempre fez por merecer,
viabilizou meu crescimento no universo da pesquisa, o que foi fundamental ao meu
ingresso no Mestrado.
À Profa. Dra. Maria Elias Soares, a quem devo a primeira oportunidade formal de
engajamento no universo da pesquisa acadêmica, quando pude substituir o bolsista titular
de um dos projetos desenvolvidos pela professora em função do término da graduação
deste. Só tenho boas lembranças desse período.
À professora Hebe Macedo, pelas aulas de Morfossintaxe do Português e de
Introdução à Sociolingüística bem como por seu contagiante entusiasmo à frente dos
Seminários Lingüísticos.
À Profa. Maria Ednilza Oliveira Moreira, da qual tive o prazer de ser aluna nas
disciplinas de Teoria e Prática de ensino de Língua Portuguesa e Estágio em ensino de
Língua Portuguesa. O entusiasmo da professora, sua preocupação com cada um de nós
sempre estarão na lembrança. Ela sempre dizia (e demonstrava) “ser preciso ensinar a
língua em situações reais de intercâmbio lingüístico”.
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Ao Prof. Francisco Edi de Oliveira Sousa, do qual tive o privilégio de ser aluna nas
disciplinas Latim II, Literatura Latina e Filologia Românica. A ele devo, além das lições
formais, as lições aprendidas da oportunidade de sua amizade Quantas e quantas vezes o
prof. Edi ajudou-me a corrigir redações de alunos, quantas vezes fiz do telefone residencial
do professor um “tira-dúvidas”! Mais do que um professor, um raro amigo.
Ao Prof. José Américo Bezerra Saraiva, pelas lições de Fonologia do Português, de
Lingüística Textual e pelas tantas conversas ao longo desses anos. Tenho enorme prazer em
rever as provas e trabalhos que fiz nas disciplinas ministradas pelo Prof. Américo, pois, em
todas as avaliações, há um comentário de incentivo.
Ao estimado Professor Paulo Mosânio Teixeira Duarte, de quem obtive, na
graduação, valorosas lições de Sintaxe do Português e de História da Língua Portuguesa e,
no Mestrado, tive o privilégio de ser sua aluna nas disciplinas Teorias lingüísticas e
Tópicos em descrição do português. Sempre prestimoso e dedicado aos alunos, um grande
amigo.
Á Profa.Claudete Lima agradeço as lições de Morfologia e o desprendimento em
dar de si em prol de seus alunos. Quando na Graduação, admirava-a por seu desempenho
no magistério; hoje, além de solidificar a outrora admiração, a admiro por seu dinamismo e
por sua garra. Um grande ser humano.
Ao Prof. Yvanowick Dantas Valério, meu professor de Introdução à Lingüística.
Foi na segunda-feira, dia 02 de março de 1998, na recepção aos calouros, que ouvi, pela
primeira vez, a expressão “Ciência da linguagem”, apaixonei-me por ela ao primeiro
contato.
À Rejane e à Amiuda (Secretárias da Coordenação do Curso de Letras), à Antônia e
à Laura (Secretárias da Pós-Graduação em Lingüística), pelo modo competente e atencioso
com que sempre a mim atenderam.
Ao bolsista de pesquisa Luciano Araújo, pelas tardes que ao meu trabalho dedicou
por ocasião da utilização do programa Varbrul.
À amiga Ana Cristina Cunha, pela excelente tradução que se dispôs a realizar do
resumo de minha dissertação.
À equipe da Maxcopy, Costa, Núbia, Moana, Kelly, Fábio, Jackson..., pelo socorro
prestado na impressão de meus trabalhos.
A FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico), pelo valioso auxílio financeiro.
Fundação Cearense
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A Jeová Deus pela dádiva da vida, afinal Toda boa dádiva e todo presente perfeito
vem de cima, pois desce do pai das luzes celestiais, com quem não variação na virada
da sombra – epístola de Tiago 1: 17.
Aos meus pais, Antônio Tadeu e Maria Juracy, os responsáveis por minha formação
pessoal e profissional, meus incentivadores de longas dadas.
Ao meu irmão, Tiago, por todas as vezes que abdicou seu direito à tv, ao som ligado
para que eu pudesse melhor concentrar-me em meus estudos.
À Ledinha, minha tia, pelas constantes palavras de incentivo.
Ao meu Amado Esposo, Sérgio Ricardo, que nunca me permite desanimar;
companheiro, leal, amigo... Conquista alguma teria o mesmo sabor sem ele ao meu lado.
Fundação Cearense de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
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... a argumentação que solicita uma adesão é, acima de tudo, uma
ação: ação de um indivíduo, a quem podemos chamar, de maneira
muito geral, o orador, sobre um indivíduo, a quem podemos chamar,
também de uma maneira muito geral, o ouvinte, e isso tendo em vista
desencadear uma outra ação. Com efeito, a ação argumentativa, bem
como a ação que a argumentação visa a desencadear, são obras de
agentes. A pessoa intervém assim a cada passo; com sua estabilidade,
mas também com sua faculdade de escolha, com sua liberdade
criadora, com os imprevistos de seu comportamento, com a
precariedade de seus compromissos.
Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca 1999: 370,371
9
RESUMO
MENEZES, Léia Cruz de. A modalidade deôntica na construção da persuasão em
discursos políticos. 2006. 122f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Área de
concentração: Análise Lingüística). UFC. Fortaleza.
Objetivando analisar de que modo expressões lingüísticas da modalidade deôntica atuam no
sentido de viabilizar a adesão do auditório a pontos de vista defendidos em discursos
políticos, pesquisamos, sob o prisma da orientação funcionalista, quarenta e quatro
discursos proferidos por Deputados Federais no plenário da Câmara por ocasião das
discussões envolvendo a proposta de reforma no regime previdenciário dos servidores
públicos, ao longo do primeiro semestre de 2003. Entendida como a modalidade
relacionada à possibilidade ou necessidade de atos executados por agentes moralmente
responsáveis, a modalidade deôntica foi analisada do ponto de vista sintático, semântico e
pragmático. A pesquisa revelou a existência de uma relação entre pressão social sob os
oradores e freqüência de uso de expressões deonticamente modalizadas, a saber, quanto
maior a pressão em torno da aprovação/rejeição do projeto em tramitação, mais
freqüentemente se valeram os parlamentares de expressões capazes de, entre outras
funções, apresentá-los à opinião pública como autoridades dispostas a lutar pelos interesses
da comunidade. Quanto aos meios lingüísticos de expressão da modalidade deôntica,
constatamos a alta produtividade do verbo auxiliar modal, destacando-se o verbo dever na
instauração de obrigações. Observamos também a elevada produtividade da exclusão do
orador do alvo sobre o qual recai o valor deôntico instaurado. A predileção dos
parlamentares por apresentarem-se à opinião pública como indivíduos que arcaram com
o ônus que lhes competia na execução de uma tarefa, ou por levar a audiência a crer que a
competência para a realização de algo é de outrem, cabendo-lhes denunciar e cobrar, é
justificada na medida em que essa estratégia revelou-se mecanismo de atenuão da pressão
por parte do auditório sobre a figura do orador, transferindo expectativas e cobranças a
outros indivíduos ou a instituições.
Palavras-chave: modalidade; deôntica; discurso político.
10
ABSTRACT
The study aimed at investigating in which way linguistic expressions of the deontic
modality act in a sense of making the audience’s participation possible in standpoints
defended in political speeches and, thus, it was analyzed, under a functionalist theory,
forty-four speeches delivered by Representatives at the Lower House of Congress. They
discussed the reformation proposal on the welfare state along the first semester of the year
2003. Being understood as the modality related to the axis of the obligation, the deontic
modality is, in the present research, as a whole, analyzed under the manifestation of
syntactic, semantic and pragmatic-discourse aspects. The research revealed the existence of
a relation between the reformation process’ stage, what is directly related to the social
pressure over the politicians, and the usage frequency of deontic modalizator expressions.
Concerning the linguistc means of the deontic modality expression, one could perceive a
high production of the modal verb, standing out the verb “must” in the consolidation of
obligations. One could also observe a high frequency of the lack of a target’s explicitation
in which the deontic value was established as well as an exclusion strategy in relation to the
target, when the latter was specified. The politicians’ preference for presenting themselves
to the public as the ones who took the responsibilities in a task execution, or for making the
audience believe that this responsiblity belongs to somebody else, weakens the audience’s
pression over the politician’s figure, then transferring this responsibility to other individuals
or to institutions. For these reasons, in general terms, one can observe the politicians’
preference for keeping some distance from the established deontic value’s incidence target.
Key words: deontic modality; political speech
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................14
CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS PARA O ESTUDO DA
MODALIDADE................................................................................................................. 17
1.1. A opção pela abordagem funcionalista no estudo da categoria modalidade.........18
1.2. O modelo funcional de gramática de Simon Dik......................................................20
1.2.1. A interação por meio da linguagem..................................................................20
1.2.2. A representação formal dos enunciados...........................................................23
1.2.3. Uma tipologia semântica dos Estados de Coisas.............................................31
1.3. Síntese..........................................................................................................................34
CAPÍTULO IIA CATEGORIA MODALIDADE....................................................... 36
2.1. A categoria modalidade – propostas tipológicas...................................................... 39
2.2. A manifestação da categoria modalidade................................................................. 47
2.3. Síntese......................................................................................................................... 51
CAPÍTULO IIIA MODALIDADE DEÔNTICA........................................................52
3.1. A modalidade deôntica: características em discussão.............................................52
3.2. Síntese..........................................................................................................................58
CAPÍTULO IV O DISCURSO POLÍTICO EM ANÁLISE: DISCURSOS
PROFERIDOS NO PEQUENO EXPEDIENTE DE SESSÕES ORDINÁRIAS E
EXTRAORDINÁRIAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ........................................ 59
4.1. A caracterização do corpus........................................................................................ 59
4.2. A constituição do corpus............................................................................................. 64
4.3. Os parâmetros para análise do corpus...................................................................... 68
4.4. Síntese...........................................................................................................................80
CAPÍTULO V A MANIFESTAÇÃO DA MODALIDADE DEÔNTICA EM
DISCURSOS POLÍTICOS................................................................................................ 82
5.1. Grupo de discurso: etapas de discussão da reforma.................................................82
12
5.2. Meios lingüísticos de expressão da modalidade deôntica.........................................84
5.3. Valor deôntico instaurado.......................................................................................... 88
5.4. Obrigação, permissão e proibição: subtipos............................................................. 92
5.5. Fonte e Alvo deôntico no discurso político................................................................96
5.6. Comportamento do orador quanto ao valor deôntico instaurado.........................100
5.7. Tipo de frase.............................................................................................................. 102
5.8. Localização da seqüência modalizadora no discurso.............................................103
5.9. Marcas asseveração da força ilocucionária............................................................ 105
5.10. Síntese...................................................................................................................... 110
CONCLUSÃO..................................................................................................................113
REFERÊNCIAS...............................................................................................................120
ANEXO.............................................................................................................................122
13
INTRODUÇÃO
Partindo da compreensão de que, ao nos engajarmos em um ato de interação verbal,
o fazemos com a intenção de modificar algo na informação pragmática daqueles com os
quais interagimos e tendo em vista que, a fim de obtermos sucesso na modificação que
almejamos provocar, escolhemos e articulamos as expressões lingüísticas em função de
nossa intenção comunicativa (Dik:1989,1997), no presente trabalho, empreendemos análise
de como as expressões modalizadoras deônticas atuam no sentido de viabilizar a aceitação
por parte do auditório de pontos de vista defendidos em discursos políticos.
Focando nosso interesse nos efeitos de sentido produzidos por expressões
modalizadoras deônticas na construção da persuasão em discursos políticos, analisamos,
mediante orientação funcionalista, quarenta e quatro discursos proferidos por Deputados
Federais no plenário da Câmara por ocasião das discussões envolvendo a polêmica proposta
de reforma no regime previdenciário dos servidores públicos, ao longo do primeiro
semestre de 2003.
Sustentamos a hipótese de que, a depender do posicionamento do orador ante a
proposta em apreciação, as expressões modalizadoras deônticas são utilizadas de modo
diferenciado, o que gera a transmissão de imagens distintas, imagens essas que estão a
serviço da condução da audiência ao modo como o orador percebe o objeto sobre o qual
versa. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), a capacidade de adoção de máscaras
por parte dos oradores a fim de conquistar os diversos elementos de um auditório
heterogêneo é pressuposto imprescindível à manutenção da argumentação.
Esse trabalho, portanto, objetiva contribuir ao entendimento do elo entre
modalidade deôntica e construção discursiva. Para tal fim, a modalidade deôntica,
entendida como aquela relacionada à possibilidade ou necessidade de atos executados por
agentes moralmente responsáveis, será analisada do ponto de vista sintático (o meio
lingüístico de expressão da modalidade deôntica, o tipo de frase), semântico (a natureza do
alvo e da fonte deôntica, os valores de obrigação, permissão, proibição e seus subtipos) e
pragmático (comportamento do orador quanto ao valor instaurado, posicionamento do
orador quanto ao tema em discussão, imagens suscitadas).
14
No que concerne à organização desse trabalho, seu conteúdo está subdividido em
cinco capítulos.
No primeiro, intitulado Pressupostos funcionalistas para o estudo da modalidade,
procuramos explicitar os princípios que norteiam uma investigação funcionalista,
mostrando o valor da adoção dessa orientão como ferramenta de análise ao estudo da
categoria modalidade, e conceder uma visão geral do modelo funcional de gramática
proposto por Simon Dik, do qual nos valemos nessa pesquisa.
No segundo capítulo, A categoria modalidade, realizamos breve incursão em
algumas noções provenientes dos modelos idealizados pelos lógicos e lingüísticas, para fins
de compreensão da categoria modalidade, e empreendemos análise de propostas
tipológicas, quando, então, expomos e discutimos idéias de Lyons, Palmer, Dik e
Hengeveld sobre os modos de manifestação da modalidade.
No terceiro capítulo, A modalidade deôntica, centramos nossa atenção na
modalidade que é objeto de estudo deste trabalho. Nesse capítulo, portanto, procuramos
discutir as principais características dessa modalidade, segundo entendimento de estudiosos
como Lyons e Palmer.
No quarto capítulo, O discurso político em análise: discursos proferidos no
pequeno expediente de sessões ordinárias e extraordinárias na Câmara dos Deputados,
expomos as características de nosso corpus, procuramos elucidar o modo como o
constituímos, explicitar a metodologia e os parâmetros de análise adotados em nossa
investigação.
No quinto capítulo, A manifestação da modalidade deôntica em discursos políticos,
apresentamos e discutimos os resultados encontrados. Nesse capítulo, buscamos demonstrar
as funções exercidas pelas expressões lingüísticas da modalidade deôntica na construção do
ato argumentativo.
Em Conclusão, dedicamo-nos a refletir sobre a investigação empreendida, buscando
conceder uma caracterização geral da manifestação da modalidade deôntica no discurso em
análise com base nas generalizações a que nos foi possível chegar.
Ao término de cada capítulo, o leitor encontrará uma síntese, na qual procuramos
trazer à tona as principais questões discutidas no capítulo que acabamos de concluir
visando à melhor compreeno do capítulo subseqüente. Ao término do trabalho, em anexo,
15
o leitor encontrará os discursos que compõem o corpus dessa pesquisa. Neste, as
expressões que julgamos modalizadoras deônticas estão marcadas, a fim de que, diante dos
enunciados por nós comentados, ao leitor seja possível o acesso ao co-texto em sua
inteireza.
16
1. PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS PARA O ESTUDO DA MODALIDADE
Embora se distingam peculiaridades que tornam os diferentes modelos
funcionalistas distintos entre si, podemos, em linhas gerais, compreender a denominação
“gramática funcional” como uma teoria global da interação social que prioriza a análise das
funções das unidades lingüísticas sobre seus limites e sua posição, e que concebe a
gramática como acessível às pressões do uso. Assim o é porque, segundo depreendemos de
Dik (1989, 1997), a orientação funcionalista entende que, no uso comunicativo da ngua,
não apenas a capacidade lingüística está envolvida. Juntamente a essa capacidade, atuam
outras, a saber: a epistêmica, a lógica, a perceptual, a social.
Em decorrência da capacidade epistêmica, o usuário é capaz de construir, manter e
explorar uma base de conhecimento organizado; derivar conhecimentos de expressões
lingüísticas, arquivar esse conhecimento adequadamente e, nas situações de intercâmbio
lingüístico, recuperá-lo e utilizá-lo possibilitando a interpretação de expressões lingüísticas
em situações posteriores. A capacidade gica, por sua vez, possibilita ao usuário, munido
de determinadas parcelas de conhecimento, a extração de outras parcelas de conhecimento
mediante regras de raciocínio. Em virtude da capacidade perceptual, o usuário extrai, da
percepção do meio que o cerca, conhecimento para produzir e interpretar expressões
lingüísticas. Devido à capacidade social, o usuário não apenas sabe o que dizer, mas como e
de que modo expressar-se em uma situação comunicativa específica. Essas diferentes
capacidades não atuam isoladamente, mas imbricam-se, produzindo, cada uma, um output
essencial ao funcionamento das demais.
Desta feita, a orientação funcionalista contrapõe-se à formalista na medida em que
define a ngua como instrumento de interação social cuja função mais destacada é a de
comunicação. E, se, no mecanismo de uso da língua em situações reais de intercâmbio
lingüístico, várias e diversas são as capacidades do usuário que interagem possibilitando a
comunicação, não há como conceber uma descrição das expressões de uma língua de modo
descontextualizado; a descrição das expressões deve fornecer dados para a explicação de
seu modo de atuação em contexto específico.
Deixamos claro que não pretendemos, com o exposto, subestimar o valor da
orientação formalista como ferramenta de análise. Reconhecemos que ambas as orientações
são importantes instrumentos para a descrição de fenômenos lingüísticos. No entanto, como
17
versaremos no tópico subseqüente, nosso objetivo justifica a opção pela orientação
funcionalista.
1.1. A opção pela abordagem funcionalista no estudo da categoria modalidade
Aponta Neves (1997) que a adoção de um ponto de vista funcionalista no estudo de
uma língua natural assume a verificão de como se obtém a comunicação com essa língua
como principal questão de interesse. É preocupação central em estudos funcionalistas a
análise de como é possível aos falantes de uma língua, por meios lingüísticos, fazerem-se
entender, terem influência no estoque de informações e no próprio comportamento prático
uns dos outros.
Desse modo, o tratamento funcionalista de uma língua natural considera a
competência comunicativa, isto é, a capacidade humana de usar e interpretar as
expressões de uma maneira interacionalmente satisfatória, o que implica o estudo das
expressões lingüísticas em uso, portanto uma abordagem da sintaxe e da semântica
dentro de uma teoria da pragmática. Entende-se, pois, que a gramática de uma língua só
pode ser adequadamente descrita mediante avaliação de toda a situação comunicativa: o
propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo. A abordagem
funcionalista propõe-se, assim, explicar as regras e princípios subjacentes à construção das
expressões lingüísticas em termos de sua funcionalidade em relação aos modos de
utilização das expressões.
Desde a elaboração do projeto que resultou nessa pesquisa, quando começamos a
empreender estudos preliminares de discursos políticos proferidos na Câmara dos
Deputados, constatamos que nossa intenção de análise das funções persuasivas dos efeitos
de sentido produzidos pelas expressões lingüísticas da modalidade deôntica na construção
da argumentação em discursos políticos não lograria êxito se trilhássemos um caminho
teórico-metodológico que concedesse proeminência a aspectos relativos à forma, atribuindo
à semântica e à pragmática um papel de menor valor, ou vice-versa. Precisávamos da
integração, pois, a menos que nos fosse possível transitar da forma linística ao seu
significado dentro de seu contexto, não haveria como apresentar respostas às perquirições
que o contato com o material que constitui nosso corpus nos impunha.
18
Entre as várias possibilidades de expressão lingüística da modalidade deôntica, qual
a mais recorrente, por exemplo, na instauração de uma obrigação? De modo algum obtemos
o mesmo efeito de sentido ao instaurarmos uma obrigação a ser cumprida por outrem
mediante um adjetivo em posição predicativa ou ao assim fazê-lo por meio de um verbo
auxiliar modal. Como essas opções atuam no sentido de persuadir a audiência a aderir à
tese defendida? No que diz respeito aos valores semânticos da modalidade deôntica
(permissão, obrigação, proibição), por que o orador X optou pela instauração de uma
permissão, quando, ao versar sobre o mesmo assunto, o orador subseqüente instaurou uma
proibição? Que imagens transmitem oradores que optam por incluírem-se na incidência do
valor deôntico instaurado em contraposição às imagens transmitidas por aqueles que optam
pela exclusão? Diante de tais questionamentos, apenas uma amostra entre tantos, é evidente
que uma análise quer exclusivamente semântica, quer exclusivamente sintática não
possibilitaria a construção do elo entre modalidade deôntica e construção discursiva.
Assim, a opção pela orientação funcionalista como ferramenta de análise dá-se em
decorrência do objetivo proposto.
Destacamos, ainda, que, embora adotemos a expressão “orientação funcionalista” ao
longo do texto, estamos cientes da existência de diferentes funcionalismos. Segundo
Nichols (1984), existe um funcionalismo conservador, que aponta a inadequação do
formalismo ou do estruturalismo sem, contudo, propor uma análise funcional da estrutura;
um funcionalismo moderado, que aponta essa inadequação e propõe uma análise
funcionalista da estrutura; e um funcionalismo extremado, que nega a própria estrutura e
considera as regras existentes nas línguas naturais como baseadas internamente na função.
O funcionalismo com o qual trabalhamos é o moderado. E, dentre os autores cujas
propostas podem ser chamadas de moderadas (Van Valin; Dik; Halliday; Hengeveld),
optamos pelo funcionalismo de Simon Dik, pois o modelo proposto por Dik nos auxilia a 1)
apreender as relações intersubjetivas que se dão no processo de interação verbal; 2)
discernir os diferentes tipos de modalização.
19
1.2. O modelo funcional de gramática de Simon Dik.
1.2.1. A interação por meio da linguagem
O modelo proposto por Dik (1989) permite-nos perceber a língua como instrumento
de interação social, mediante o qual os humanos estabelecem relações visando a provocar
modificações específicas na informação pragmática
1
daqueles com os quais interagem em
situações reais de intercâmbio lingüístico. A figura a seguir ilustra como se processa a
interação por meio da linguagem verbal.
Figura 01 - Modelo de interação verbal (Dik, 1989:8-10)
__________________________________
1
De acordo com Dik (1989:9), a informação pragmática inclui todos os itens presentes no mundo
mental de um indivíduo, desde o conhecimento que ele possui até seus preconceitos, crenças etc.
Dik concede à composição da informação pragmática a seguinte divisão: informação geral:
informação de longo prazo, concernente ao mundo real, incluindo suas características naturais e
culturais, e concernente a outros mundos, possíveis ou imaginários; informação situacional:
informação oriunda da percepção dos participantes, bem como de suas experimentações, por
ocasião da situação interacional; informação contextual: informação derivada das expressões
lingüísticas que são compartilhadas antes ou depois de qualquer ponto na interação verbal.
O Falante forma: O Ouvinte constrói:
-------Antecipa
Reconstrói ----
INFORMAÇÃO
PRAGMÁTICA DO
FALANTE
INFORMAÇÃO
PRAGMÁTICA DO
DESTINATÁRIO
EXPRESSÃO
LINGÜÍSTICA
Intenção Interpretação
20
Desse modelo, depreendemos ser a expressão lingüística responsável pela mediação
entre a intenção de quem enuncia e a interpretação de quem ouve. Assim o é porque, em
qualquer estágio da interação verbal, tanto falante quanto ouvinte possuem informação
pragmática, ou seja, um conjunto de conhecimentos, crenças, suposições, opiniões e
sentimentos que tanto atuarão por ocasião da enunciação (levando o falante a não necessitar
verbalizar plenamente a sua intenção em virtude do que ele sabe acerca da informação do
destinatário no momento da interação) quanto por ocasião da interpretação (levando o
destinatário a basear-se apenas parcialmente na expressão enunciada, para fins de
interpretação, em virtude da informação que ele já detém).
Desse modo, ao nos engajarmos em um ato de interação verbal, quando na posição
de falantes
2
, produzimos expressão lingüística em função de uma dada intenção, da
informação pragmática que dispomos e da antecipação que fazemos de qual seja a possível
interpretação daquele com o qual interagimos.
Por seu turno, quando na posição de destinatários, embasamos nossa interpretação
na expressão linística produzida, na informação pragmática que dispomos e na nossa
conjectura acerca da possível intenção do falante, procurando reconstruí-la.
É digna de nota a necessidade de formularmos adequadamente nossa intenção
comunicativa. Caso contrário, não conseguiremos sucesso em realizar mudanças na
informação pragmática de nosso ouvinte. Mudanças essas que podem visar à adição
(fornecimento de informação não disponível ao ouvinte), à substituição (fornecimento de
informações capazes de tomar o lugar de alguma outra disponível ao ouvinte) ou à
rememoração (fornecimento de informações que o ouvinte já dispõe, mas delas não recorda
no momento da interação).
Outro ponto merecedor de nossa atenção concerne ao entendimento do que
consideramos ser o significado da expressão lingüística. O significado codificado pelo
falante não se iguala nem à interpretação final do ouvinte nem à intenção do próprio
falante.
_________________________________
2
Em Dik (1989, 1997), as expressões speaker (falante) e addresser (ouvinte) constituem uma
generalização dos papéis em uma interação verbal prototípica (a conversação oral), o se
restringindo, obviamente, a textos orais.
21
De fato, vamos ter acesso a um conteúdo semântico que corresponde a determinadas
interpretações, dentro da estrutura definida pela informação disponível tanto ao falante
quanto ao ouvinte.
Segundo Dik (1989, 1997), a interação social mediada pela linguagem constitui uma
forma de atividade cooperativa estruturada. Cooperativa, porque necessita de pelo menos
dois participantes para alcançar seus objetivos; e estruturada, porque é governada por
regras, normas e convenções. Dik, portanto, defende a necessidade de a Lingüística ocupar-
se de dois tipos de sistemas de regras: as que estão no cerne da formação do enunciado (as
regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas) e as que regem os padrões de
interação verbal nos quais as expressões são utilizadas (as regras pragmáticas).
O modelo proposto por Dik permite-nos dar início à discussão das questões
resultantes do contato com os textos que compõem nosso corpus. Na tentativa de obter a
adesão da audiência (intenção comunicativa), cada parlamentar valer-se-á dos expedientes
lingüísticos que julgar mais adequados à conquista daquela parte do auditório heterogêneo
ao qual ele se dirige. Aqui se faz imprescindível destacarmos o conceito de “adoção de
diferentes máscaras” de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). Segundo os autores, os
oradores, a fim de conquistar os diversos elementos de um auditório heterogêneo, “mudam
de cara” à medida que subdividem sua assistência em subgrupos. Uma vez optem por
repartir seus ouvintes em grupos múltiplos ou mesmo opostos (opção comumente adotada
pelos proferidores de discursos políticos, haja vista a amplitude dos conflitos de interesses
existentes no âmbito de uma sociedade tão heterogênea como as sociedades dos países em
desenvolvimento), podem os oradores defender seus pontos de vista como homens, como
cristãos, como pais, como patriotas... Compreendemos que, dada a quantidade de meios de
manifestação da modalidade, bem como as possibilidades de efeitos de sentido produzidos
pelo uso de expressões modalizadas, estes são meios que permitem aos oradores se
expressarem em uníssono aos anseios de certas partes de seu auditório heterogêneo, o que
condiz exatamente com a compreensão de Dik do que seja o mecanismo de interação pela
linguagem verbal.
22
1.2.2. A representação formal dos enunciados.
A representação formal dos enunciados é outro ponto de destaque na proposta de
Dik (1989,1997). A oração é concebida como uma estrutura hierárquica que consiste de
várias camadas, cada uma representando um diferente tipo de entidade: o ato de fala (nível
hierarquicamente mais elevado) envolve uma estrutura proposicional (nível
imediatamente mais baixo ao do ato de fala) que, por seu turno, constitui-se de uma
predicação (nível imediatamente mais baixo ao da estrutura proposicional) e, esta, na base
da estrutura, designa um determinado Estado de Coisas (codificação lingüística de uma
situação passível de ocorrência em um mundo real ou imaginário). O quadro 1, a seguir,
ilustra as quatro camadas mencionadas. O sentido da seta, de cima para baixo, aponta na
direção do nível hierarquicamente mais baixo ao mais elevado.
Quadro 1 – A estrutura hierárquica da oração.
Em cada um desses níveis, atuam operadores e satélites. Tanto operadores quanto
satélites cumprem funções semânticas que se equiparam; o que os distingue é a forma de
expressão por eles utilizada a fim de cumprir dada função semântica. Desta feita, enquanto
operadores (representados por π) especificam um Estado de Coisas por meios gramaticais,
satélites (representados por σ) realizam função semelhante por meios lexicais. Operadores e
satélites estão subdivididos em níveis (I-IV). Na seqüência, por meio do quadro 3, podemos
visualizar a organização dos operadores e satélites em cada nível bem como as respectivas
funções destes.
Camada 4: ORAÇÃO (Ato de Fala)
Camada 3: PROPOSIÇÃO
Camada 2: PREDICAÇÃO
Camada 1: PREDICADO E TERMOS
23
Nível I – Operadores de Predicado
Operadores (π
1
) Satélites (σ
1
)
Por meios gramaticais – marcam aspecto
quantificacional (perfectividade/
imperfectividade) e negação de predicado.
Por meios lexicais – exprimem propriedades
do Estado de Coisas, tais quais modo,
velocidade e instrumento.
Nível II– Operadores de Predicação
Operadores (π
1
) Satélites (σ
1
)
Por meios gramaticais marcam tempo,
aspecto quantificacional (habitualidade,
freqüência, continuidade e intensidade),
modalidade objetiva e polaridade.
Por meios lexicais exprimem o cenário do
Estado de Coisas: tempo, lugar, freqüência e
probabilidade.
Nível III– Operadores de Proposição
Operadores (π
1
) Satélites (σ
1
)
Por meios gramaticais marcam
modalidade subjetiva e evidencial.
Por meios lexicais exprimem a validade
do conteúdo proposicional, modalidade
epistemológica, atitudes e evidências.
Nível IV– Operadores de Elocução
Operadores (π
1
) Satélites (σ
1
)
Por meios gramaticais atenuam ou
acentuam a força ilocucionária do ato de
fala.
Por meios lexicais exprimem estratégias
comunicativas do falante em relação à força
ilocucionária do enunciado.
Quadro 2 – A distribuição de operadores e satélites em níveis
A fim de entendermos de que modo o ato de fala envolve uma estrutura
proposicional que, por seu turno, constitui-se de uma predicação e esta, por sua vez,
designa um determinado Estado de Coisas, analisemos, sucintamente, a representação
formal dos enunciados conforme proposta de Dik (1898, 1997), Hengeveld (1988, 1989,
1990), Dik e Hengeveld (1991).
A construção de uma estrutura subjacente da oração requer, inicialmente, um
predicado (1º Camada). O predicado é um esquema que, mediante a inserção de termos
24
nos seus slots de argumentos, produz a predicação (2º Camada). O nível 1 do universo das
predicações é o da predicação nuclear. O quadro 3, a seguir, ajuda-nos a visualizar o que
acabamos de mencionar.
Quadro 3 – O preenchimento dos slots no esquema de predicado.
No exemplo acima, temos um predicado que assinala uma relação entre duas
entidades, respectivamente, nos papéis de agente e de meta (Quem come; come algo). Às
casas correspondentes a quem realiza a ação e sobre o que recai a ação, aplicamos um dado
número de termos (Ana e salada, respectivamente); ou seja, aplicamos um certo número de
expressões que são possíveis de uso para referir entidades de algum mundo real ou
imaginário, resultando na predicação. A predicação indica uma codificação lingüística e
possivelmente cognitiva que, na condição de falantes nativos de uma língua, fazemos de
uma situação possível de ocorrência em um mundo real ou imaginário, ou seja, indica um
Estado de Coisas.
A partir da predicação nuclear, por meio da adição de operadores (π) de predicado
e satélites (σ), será possível qualificar o Estado de Coisas indicado pela predicação;
quando, então, chegaremos ao nível 2 da 2º camada, portanto, à predicação central,
resultado dessas especificações concedidas à predicação nuclear.
Desta feita, aplicando operadores e satélites pertencentes ao nível I ao exemplo
concedido no quadro 3, podemos ter, entre as ltiplas possibilidades, a que se apresenta
no quadro 4, a seguir:
Comer [Verbo] (X
1
) agente (X
2
) meta - Predicado
Comer [Verbo] (X
1
: Ana
) agente (X
2
: salada ) meta - Preenchimento dos
slots do esquema de predicado
Termo Predicado Termo
Ana comeu salada Predicação
Entidade 1 Relação Entidade 2
25
Quadro 4 – Aplicação de operadores e satélites de nível I a uma predicação nuclear.
Estamos, agora, diante de uma predicação central, haja vista termos o aspecto
perfectivo, indicando ter sido o ato praticado por Ana uma ação conclusa; e uma indicação
do modo como essa ação transcorreu, apressadamente.
Prosseguindo no âmbito das predicações, teremos que, mediante a utilização de
operadores e satélites de nível II, concederemos à predicação central (nível dois do universo
das predicações) uma ampliação, resultando, assim, na predicação estendida (nível três do
universo das predicações), conforme podemos visualizar no quadro 5:
Quadro 5 – Aplicação de operadores e satélites de nível II a uma predicação central.
Passamos a ter um cenário do Estado de Coisas em decorrência do uso de um
satélite de nível II que nos propiciou a visualização temporal - espacial na qual transcorre a
relação entre as duas entidades (Ana e salada). Quanto ao verbo “comer” no pretérito
perfeito do indicativo, é digno de nota a indicação não apenas de perfectividade, mas
também de tempo. Simultaneamente, atua como operador de nível I e operador de nível II.
Termo Predicado Termo
Ana comeu salada - Predicação
Entidade 1 Relação Entidade 2
Ana comeu salada apressadamente
Ana
comeu
salada
apres
sadamente
. – Predicação Central.
Ana comeu salada apressadamente em um restaurante perto de seu local de trabalho.
26
Salientamos que tanto uma predicação central quanto uma estendida podem
aparecer como especificação de um outro Estado de Coisas. Neste caso, recebem a
denominação de predicação encaixada em uma predicação mais elevada, ou seja,
predicação encaixada em uma predicação matriz. Exemplos:
a) Maria ouviu dizer [que Ana comeu salada apressadamente]
b) Maria ouviu dizer [que Ana comeu salada apressadamente em um restaurante
perto de seu local de trabalho]
Passemos, agora, ao nível da proposição (3º camada). Enquanto os diferentes tipos
de predicações (nuclear, central e estendida) designam Estados de Coisas, ou seja,
entidades que são passíveis de durar algum tempo, de serem vistas, ouvidas, percebidas; a
proposição designa um fato possível, um conteúdo proposicional, como tal podendo ser
motivo de surpresa, de dúvida, de menção, de negação, de rejeição, de lembrança, de
verdade, de falsidade. Alcançamos a proposição mediante a utilização de operadores e
satélites de nível III. Vejamos, no quadro 6, o que ocorre quando uma predicação estendida
recebe um modalizador:
Quadro 6 – A proposição.
Mediante a utilização de um modalizador, temos agora uma avaliação do falante a
respeito da possibilidade de um Estado de Coisas ocorrer. Por meio dela, o falante se
descompromete parcialmente de sua assertiva.
Predicação estendida
Ana comeu salada apressadamente em um restaurante perto de seu local de trabalho.
Proposição
É possível que Ana tenha comido salada apressadamente em um restaurante perto de
seu local de trabalho.
27
A cláusula (4º camada), por fim, é a proposição revestida de força ilocucionária,
vindo a corresponder, assim, a um ato de fala. Isso se dá em decorrência das especificações
concedidas pelos operadores e satélites de nível IV à proposição. Desta feita, mediante
aplicação de um operador ilocucionário, podemos ter o que está expresso no quadro 7:
Quadro 7 – O ato de fala.
Mediante a aplicação, respectivamente, de um operador ilocucionário de valor
exclamativo, de um operador de valor declarativo e de outro de valor interrogativo,
confrontamo-nos com três distintas possibilidades de Atos de Fala.
A teoria dos atos de fala, derivada de Austin (1962) e posteriormente desenvolvida
por Searle (1979), é relevante à discussão de modo e modalidade, segundo veremos no
tópico intitulado A categoria modalidade propostas tipológicas. Destacamos aqui, para
efeito de contextualização, que a referida teoria diz respeito à relação entre o falante e o que
ele diz. Enquanto no ato locucionário nós estamos dizendo alguma coisa; no ato
ilocucionário, nós estamos fazendo alguma coisa – uma pergunta; anunciando um veredito;
dando uma ordem ou fazendo uma promessa. Tal distinção proposta por Austin (1962) é
muito próxima da distinção assumida por Lyons (1977) entre elementos modais de uma
sentença e elementos proposicionais.
Constatamos, assim, que a contribuição semântica tanto de operadores (π) quanto de
satélites (σ) é fundamental à construção de um enunciado; sendo a natureza desses
operadores e satélites correspondente aos níveis de estruturação da oração aos quais são
aplicados. Estes propiciam uma gradual expansão da estrutura.
Destacamos que o modelo explanado não é transformacional, ou seja, não propõe
dar conta do correlato psicológico da produção lingüística. O próprio Dik (1989: 52-53),
ciente das limitações de seu modelo, manifesta-se acerca da seqüencialidade de etapas que
concorrem à produção de enunciados nos seguintes termos:
a) Ana comeu salada apressadamente em um restaurante perto de seu local de trabalho!
b) Ana comeu salada apressadamente em um restaurante perto de seu local de trabalho.
c) Ana comeu salada apressadamente em um restaurante perto de seu local de trabalho?
28
A ordem de produção real não é nem mesmo necessariamente organizada de modo
seqüencial. Estudos psicológicos de produção (e interpretação!) de sentenças tornam
plausível que os usuários das línguas naturais têm antes fortes capacidades para o
processamento paralelo de informação. Isso significa que uma parte do aparato de
produção do falante pode estar operante na construção de termos, enquanto uma outra
está procurando por predicados satisfatórios, e uma terceira está ativa para a decisão
de qual deve ser a força ilocucionária.
3
Fica claro, assim, que o modelo acima explanado é de descrição, não de
processamento, pois o processamento pode envolver a simultaneidade dos processos
supracitados.
Quanto à relevância do modelo proposto por Dik e Hengeveld (1991) ao estudo das
modalidades, destacamos que ele possibilita clara distinção entre os diferentes tipos de
modalização, à medida que nos permite observar os valores modais relacionados aos eixos
do conhecimento e da conduta em relação ao nível da estrutura oracional em que se
aplicam. Temos, assim, que a modalização localizada no eixo da conduta (modalidade
deôntica) situa-se no nível da predicação, enquanto a modalização localizada no eixo do
conhecimento pode dar-se no nível da predicação (modalidade epistêmica) ou no nível da
proposição (modalidade epistemológica).
O objeto de estudo do nosso trabalho, portanto, está situado no âmbito da camada
que designa um determinado Estado de Coisas, ou seja, uma codificação lingüística e
possivelmente cognitiva que, na condição de falantes nativos de uma língua, fazemos de
uma situação possível de ocorrência em um mundo real ou imaginário. Assim sendo, de
acordo com o modelo considerado, a modalidade deôntica exerce a função representacional
da linguagem, por meio da qual o enunciatário compreende a que situação, real ou fictícia,
faz-se referência. O esquema presente no quadro 8, permite-nos visualizar o que acabamos
de dizer.
_______________________________
3
“The order of actual production is not even necessarily in a sequential way. Psychological studies
of sentence production (an interpretation!) make it plausible that natural language users have rather
strong capacities for the parallel processing of information. This means that one section of the
speaker’s production facility may be working on the construction of terms, while another section is
already looking around for suitable predicates, and a third section is active in deciding what the
illocutionary force is going to be.” (Dik, 1989: 52-53).
29
NÍVEL MODALIDADE
PREDICADO
Camada: Designa propriedades ou
relações.
- Modalidade Inerente
Ex: Ana não pode comer.
PREDICAÇÃO
2º Camada: Designa Estado de Coisas
- Modalidade Epistêmica Objetiva
Ex: É humanamente impossível que Ana
tenha comido salada em tão pouco espaço
de tempo.
- Modalidade Deôntica
Ex: Ana tem de comer pelo menos uma
salada; caso contrário, não a deixarei sair.
PROPOSIÇÃO
3º Camada: Designa fatos possíveis
- Modalidade Epistemológica
Ex: Eu acho que Ana comeu salada
apressadamente em um restaurante perto de
seu local de trabalho.
ORAÇÃO
4º Camada: Corresponde ao Ato de Fala
Ex: Ana comeu salada apressadamente em
um restaurante perto de seu local de
trabalho!
Quadro 8 – As camadas oracionais e o fenômeno da modalidade.
Destacamos que, embora a modalidade deôntica esteja, de fato, no âmbito da
predicação, a análise da atuação das expressões modalizadoras deônticas por nós
empreendida respalda-nos a asseverar a existência de uma orientação argumentativa já no
nível da predicação. De acordo com o modelo exposto, a função interpessoal far-se-ia notar
a partir da camada denominada proposição, quando então deixamos de nos restringir à
designação de entidades passíveis de durar algum tempo, de serem vistas, ouvidas,
percebidas, e passamos a designar fatos possíveis, como tais podendo ser motivo de
surpresa, de dúvida, de menção, de negação, de rejeição etc. Constatamos haver uma
30
orientação argumentativa sobre os Estados de Coisas desejáveis pelo falante e, por isso,
recomendados por ele.
No capítulo seguinte, aprofundaremos nossa discussão acerca do fenômeno
lingüístico da modalidade.
1.2.3. Uma tipologia semântica dos Estados de Coisas
Ainda outro ponto de destaque na proposta de Dik e Hengeveld concerne aos
parâmetros para uma tipologia semântica dos Estados de Coisas. Consideremos, em linhas
gerais, essa tipologia e em que medida ela é relevante ao estudo que aqui empreendemos.
Como parâmetros mais importantes para uma tipologia semântica dos Estados de
Coisas, Dik (1989, 1997) aponta os seguintes:
I) +/-Dinâmico [+/- din]
+/- Télico [+/- tel]
+/- Momentâneo [+/-mom]
+/- Experiência [+/-exp]
+/- Controle [+/-con]
Um Estado de Coisas [-din] é aquele no qual não há mudanças, ou seja, é aquele no
qual as entidades envolvidas são apresentadas como sendo ou permanecendo as mesmas ao
longo do intervalo de tempo no qual se obtém o Estado de Coisas. Em contrapartida, um
Estado de Coisas [+din], necessariamente, envolve algum tipo de mudança, algum tipo de
dinamismo interno. Assim, afirma Dik (1997: 107), enquanto o Estado de Coisas [-din]
pode ser chamado de Situação, o [+din] pode ser chamado de Evento. Os predicados em (a)
e (b) descrevem Situações e os (c), (d), (e)
4
ilustram Eventos:
a) A substância estava vermelha./
b) João estava sentado na cadeira de seu pai.
c) O relógio estava tiquetaqueando.
d) A substância avermelhou.
e) João abriu a porta.
______________________
4
a) The substance was red; b) Jonh was sitting in his father’s chair; c) The clock was ticking; d) The
substance reddened; e) Jonh opened the door. (Dik: 1997: 107)
31
Um Estado de Coisas [-tel] é aquele no qual o indicação do término do ato
praticado pela entidade envolvida; enquanto em um Estado de Coisas [+tel] há indicação da
conclusão da ação. Compararemos as expressões (f) e (g)
5
abaixo:
f) João estava pintando um retrato.[+tel]
g) João estava pintando retratos.[-tel]
É possível permanecer pintando indefinidamente retratos, mas não é possível
permanecer pintando um mesmo retrato indefinidamente; quando terminado o retrato, a
ação finda.
A momentaneidade, por sua vez, diz respeito à duração da ação. Eventos marcados
pelo traço [+mom] são entendidos como não tendo duração: seu início coincide com o seu
ponto final. Eventos marcados pelo traço [-mom], por outro lado, ocupam um certo
intervalo de tempo, e apresentam início e fim distintos. São exemplos de eventos,
respectivamente, [+mom] e [-mom] as expressões (h) e (i):
h) A bomba explodiu.
i) João começou/ continua/ terminou a /de pintar o retrato.
Uma experiência é um Estado de Coisas no qual algum ser animado percebe, sente,
deseja ou experiencia alguma coisa em suas faculdades mentais ou sensorias. Assim, são
exemplos, respectivamente, de Estado de Coisas [+exp] e [-exp] as expressões (j) e (k)
7
:
j) João não acreditou na história.
k) João não esperou por seus amigos.
Por fim, um Estado de Coisas é caracterizado pelo parâmetro [+con] se o seu
primeiro argumento tem o poder de determinar a ocorrência ou não da ação descrita pelo
Estado de Coisas. Contrastemos os exemplos (l), (m) e (n)
8
, abaixo:
l) João abriu a porta. / m) João estava sentado no jardim. / n) A árvore caiu
_________________________
5
f) Jonh was painting a portrait; g) Jonh was painting portraits. (Dik: 1997: 108)
6
h) The bomb exploded; i) Jonh started/ continued/ finished painting the portrait. (Dik 1997: 111)
7
j) Jonh did not believe the story; k) Jonh did not wait for his friend. (Dick 1997: 116)
8
l) Jonh opened the door; m) Jonh was sitting in the garden; n) The tree fell down. (Dick 1997: 112)
32
João poderia decidir não abrir a porta ou não sentar no jardim. João é, portanto, o
controlador desse Estado de Coisas. A árvore, por sua vez, não poderia decidir não cair.
Dessa feita, temos, em (l) e (m), a presença do traço [+con] e, em (n), o traço [-con].
Mesmo em Estado de Coisas de estado [-controle] ou de processo [-controle], a
modalidade deôntica se manifesta na qualificão de um Estado de Coisas que é
conseqüência de uma ação a ser executada por algum agente responsável, tal como
podemos notar, na seqüência, no exemplo extraído de nosso corpus:
o) Não como negar que a Previdência precisa ser reformada e com toda a urgência
possível. [b v 1 x I I U 4 Z] Disc.5
Percebemos que o primeiro argumento (a Previdência) não pode realizar a reforma
evocada como necessária pelo orador. A obrigação de empreender a reforma recai sobre os
parlamentares, no entanto, o orador optou por não mencionar o alvo sobre o qual o valor
deôntico instaurado recai.
Uma análise semântica mediante a utilização do parâmetro [+/- con] possibilita-nos
a distinção entre o significado de capacidade e o significado de permissão, este último
tradicionalmente considerado deôntico.A oposição entre [+con] e [-con] interessa-nos em
especial, exatamente porque, para que ocorra a modalização deôntica do enunciado, faz-se
necessário, segundo afirma Neves (1996: 188), que o valor deôntico instaurado tenha como
escopo um predicado com o traço [+con]. Desta feita, comenta a autora (Neves: 1997) que,
com o verbo poder, por exemplo, o traço [+controle] da predicação em Ele pode voltar
autoriza o significado de permissão; o que já não se verifica em Ele pode compreender meu
sofrimento, pois, embora o sujeito também seja animado, compreender detém o traço [-
controle], daí o significado de capacidade, não de permissão.
Conforme discutiremos no capítulo subseqüente, alguns estudiosos descartam a
inclusão do significado de capacidade dos valores deônticos, destinando a esse uma
categoria modal distinta da deôntica e da epistêmica, como o faz Palmer (1986). outros,
como Halliday (1985), não incluem esse significado entre os pertencentes aos valores
modais, optando pela terminologia potencialidade. Ainda outros, como Silva-Corvalán
(1995), incluem esse significado juntamente com o de habilidade sob o rótulo modalidade
33
de raiz. Por ora, limitamo-nos, apenas, a mostrar como a tipologia semântica dos Estados
de Coisas pode nos auxiliar a discernir certas nuances, estando um dos parâmetros [+/-
controle] no âmago da discussão do que pode ou não ser legitimamente considerado um
significado deôntico. No tópico A categoria modalidade - propostas tipológicas,
retornaremos à questão do significado de capacidade, expressando o posicionamento
adotado nessa pesquisa.
1.3. Síntese
Cientes das peculiaridades que tornam os diferentes modelos funcionalistas distintos
entre si, nesse capítulo inicial, procuramos expor, em linhas gerais, as características de
uma investigação lingüística de orientação funcionalista. Destacamos que o tratamento
funcionalista de uma língua natural considera a competência comunicativa, portanto as
expressões lingüísticas precisam ser estudadas em uso, com base em uma abordagem da
sintaxe e da semântica dentro de uma teoria da pragmática. Procuramos mostrar que, tendo
em vista o objetivo de nosso trabalho, a saber, empreender uma análise das funções
persuasivas dos efeitos de sentido produzidos por expressões lingüísticas da modalidade
deôntica na construção da argumentação em discursos político, fez-se necessária a adoção
de uma ferramenta de análise que nos possibilitasse transitar da forma lingüística ao seu
significado dentro de seu contexto, daí nossa opção pela orientação funcionalista.
Expostas as características de um estudo lingüístico sob a perspectiva funcionalista
e justificada nossa opção por esse caminho teórico-metodológico, adentramos o modelo
funcional de gramática de Simon Dik (1989), pelo qual optamos. Ao considerarmos o
entendimento de Dik sobre como se processa a interação por meio da linguagem verbal,
bem como sua concepção da estruturação da oração em camadas e sua proposta para uma
tipologia semântica dos Estados de Coisas, procuramos evidenciar em que medida o
modelo proposto por Dik nos auxilia tanto na apreensão das relações intersubjetivas que se
dão no processo de interação verbal, quanto no discernimento dos diferentes tipos de
modalização.
Desta feita, ao término desse capítulo inicial, algumas características da modalidade
deôntica estavam claramente assumidas por nós. Dentre elas, destacamos sua atuação
como importante expediente lingüístico a serviço de empreender modificações na
34
informação pragmática daqueles a quem os políticos se dirigem em seus discursos; sua
localização na camada oracional denominada predicação, sua orientação argumentativa e
sua manifestação tanto em Estado de Coisas detentores do traço [+controle] quanto
naqueles que detêm o traço [-controle].
35
2. A CATEGORIA MODALIDADE
A fim de que possamos empreender uma análise das modalidades no âmbito das
línguas naturais, faz-se mister breve incursão em noções oriundas dos modelos idealizados
pelos lógicos, incursão essa que fazemos conscientes de que o campo da modalidade
lingüística difere do campo da modalidade lógica, dado o “caráter não-lógico, não-
ordenado das línguas naturais”, conforme nos lembra Neves (1996:163). Ainda, segundo
expressa Cervoni (1989:61), “o campo da modalidade lingüística será necessariamente
diferente do campo da modalidade lógica, apesar de as relações existentes, afinal, sabemos
que ‘inspirar-se em’ não poderia significar ‘fazer coincidir’”.
Desta feita, para os fins que intentamos, noções como a de dictum (conteúdo do
pensamento) em comparação com a de modus (atitude que o sujeito toma em relação a esse
conteúdo); a de necessidade e a de possibilidade, bem como a de eixos conceptuais (o da
existência, o do conhecimento e o da conduta) nos serão relevantes.
A distinção entre o dictum e o modus encontra correspondência na distinção entre o
que Kiefer (1987) chama de sentença não-descritiva e sentença descritiva. Segundo
Kierfe, uma sentença descritiva representa uma proposição
9
, ou seja, um conteúdo
proposicional (Dictum).
Enquanto a proposição fornece uma descrição da realidade, correspondendo, assim,
a uma sentença descritiva; a sentença não-descritiva não representa uma proposição, haja
vista ser a descrição do mundo apenas parte de sua função, nela havendo a expressão da
atitude do falante ante ao que ele próprio enuncia.
_________________
9
O termo proposição aqui empregado refere-se ao conteúdo do pensamento, dictum. Tanto Kierfe
(1987) quanto Lyons (1977) o utilizam nessa acepção. No capítulo anterior, o termo proposição foi
empregado com a acepção a ele conferida por Hengeveld (1989) e Dik (1989). Referia-se a uma das
camadas subjacentes à construção do enunciado, a que designa não um Estado de Coisas, mas um
fato possível, um conteúdo proposicional, como tal podendo ser motivo de surpresa, de dúvida, de
menção, de negação, de rejeição, de lembrança, de verdade, de falsidade.
36
Enquanto a sentença descritiva é constituída por uma única parte: a proposicional; a
sentença não-descritiva é constituída de duas partes: a proposicional e a atitudinal. Sob a
óptica lingüística, a modalidade de uma sentença é determinada pelos elementos
atitudinais. Desta feita, embora cientes de “...que é muito improvável que...um conteúdo
asseverado num ato de fala seja portador de uma verdade não filtrada pelo conhecimento e
pelo julgamento do falante”, tal como nos lembra Neves (1996:171), isto é, seja
absolutamente não-modalizado, analisaremos, no presente trabalho, apenas enunciados que
apresentam um segmento modal. Reconhecemos, assim, a expressão da atitude do falante
como essencial para a caracterização das modalidades lingüísticas e adotamos o
entendimento expresso por Coracini (1991:113), de que modalidade é
...a expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou menor
força o que enuncia, ora comprometendo-se, ora afastando-se, seguindo normas
determinadas pela comunidade em que se insere.
Ainda, agora nas palavras de Cervoni (1989:53), “modalidade é um ponto de vista
do sujeito falante sobre o conteúdo proposicional de seu enunciado”.
As noções de necessidade e possibilidade, por sua vez, emanam da concepção
aristotélica segundo a qual os enunciados de uma ciência podem ser necessariamente
verdadeiros ou possivelmente verdadeiros. A partir dessa relativização do sentido da
simples verdade, foram discriminadas, a partir do quadrado gico, o qual apresentamos
abaixo, as primeiras modalidades, chamadas aléticas ou aristotélicas, modalidades essas
que se referem ao eixo da existência e dizem respeito à determinação do valor de verdade
dos enunciados.
Necessário Impossível
Possível Contingente
37
Definida a modalidade alética, os lógicos estabeleceram, além do eixo conceptual da
existência, no qual está situada essa modalidade, dois outros eixos: o do conhecimento e o
da conduta, nos quais estão, respectivamente, situadas as modalidades epistêmica e
deôntica.
Assim, enquanto a modalidade alética relaciona-se ao equacionamento veridictório
das proposições, a modalidade epistêmica concerne à possibilidade ou necessidade da
verdade da proposição, envolvendo, portanto, o conhecimento e a crença; e a modalidade
deôntica, por seu turno, diz respeito à necessidade e possibilidade de atos executados por
agentes moralmente responsáveis, estando associada às funções sociais de permissão e
obrigação.
Sintetizando:
Eixos conceptuais:
DA EXISTÊNCIA DO CONHECIMENTO DA CONDUTA
Modalidade alética Modalidade epistêmica Modalidade deôntica
Determinação do valor Possibilidade ou Possibilidade ou
de verdade necessidade da verdade necessidade de atos
dos enunciados da proposição. executados por agentes
moralmente responsáveis
Praticamente todos os trabalhos cujo objetivo é o estudo quer da modalização lógica
quer da modalização lingüística partem da classificação dessas três modalidades. E a crítica
à lógica modal, muitas vezes não compatível com o estudo empreendido em línguas
naturais, contribui para o desenvolvimento das pesquisas sobre a categoria modalidade.
Nesse primeiro momento, objetivamos apenas mostrar as implicações de alguns
conceitos provenientes dos estudos empreendidos pelos gicos a fim de que possamos
começar a compreender a categoria modalidade. No tópico subseqüente, intitulado A
categoria modalidade – propostas tipológicas, analisaremos as categorias modais a que ora
apenas fazemos menção.
38
2.1. A categoria modalidade – propostas tipológicas
Vários são os estudiosos da modalidade que, sob a perspectiva Linística,
registram a dificuldade no que tange a classificar as modalidades em virtude de
constituírem um campo cuja precisão dos limites é difícil de ser definida (Lyons, 1977;
Palmer, 1979, 1986; Cervoni, 1989; Dall’Áglio-Hattnher, 1995; entre outros).
Palmer (1986: 1-3), por exemplo, menciona que, embora a modalidade seja uma
categoria passível de organização assim como o são as categorias de aspecto, tempo,
número e nero, a caracterização da função semântica da modalidade é menos óbvia do
que a caracterização semântica das citadas categorias. Explica o autor que a categoria que
expressa o passado, o presente e o futuro pode ser definida como relacionada ao tempo; a
que expressa o número, por sua vez, como relacionada à enumeração; e que, embora
existam alguns problemas em precisar a definição de aspecto e gênero, na prática, não há
dificuldade em decidir o que deve ser tratado como exemplos de tais categorias. A noção de
modalidade, no entanto, diz Palmer, é muito mais vaga e deixa em aberto um mero de
definições possíveis. O estudioso ainda aponta como obstáculo ao estudo da modalidade a
inexistência de uma característica prototípica, claramente básica, capaz de identificar a
categoria apesar da grande variação de significado entre as línguas.
Dado o reconhecimento dessa dificuldade, não nos surpreende a existência de
diferentes classificações para as modalidades. No entanto, os estudiosos parecem convergir
no que diz respeito à aceitação de dois principais tipos: epistêmica e deôntica. Mesmo em
trabalhos nos quais não encontramos exatamente a terminologia que acaba de ser citada,
nos defrontamos com correspondências ao que a maioria dos autores entende por
modalidades deôntica e epistêmica.
Antes de darmos início à análise de algumas propostas tipológicas da categoria
modalidade, faz-se necessária explicação do porqda não inclusão da modalidade alética
entre as comumente consideradas como os principais tipos de modalidade, conforme
acabamos de mencionar. Isso se dá, porque, como citamos anteriormente, a modalidade
alética relaciona-se ao equacionamento veridictório das proposições, daí ser seu estudo de
valor periférico em investigações das modalidades em línguas naturais. Acerca dessa
questão, Neves (1996:172) assim se posiciona:
39
Uma investigação sobre o valor puramente alético de uma proposição a retiraria do
contexto de enunciação para centrar-se na organização lógica interna de seus termos e
na relação que ela mantém com os mundos possíveis, nos quais seria, ou não,
verdadeira (...) Nessa linha de reflexão se entende por que a modalização alética não
constitui matéria privilegiada de investigação quando se trata de ocorrências reais de
uma língua. Nesse sentido, ela se opõe à modalização deôntica e epistêmica, que se
prestam bem a uma investigação lingüística dos enunciados.
Lyons (1977) versa sobre dois tipos de modalidade: a epistêmica e a deôntica.
Para o autor, a modalidade epistêmica é aquela que diz respeito a enunciados nos
quais o falante qualifica, de modo explícito, seu comprometimento com a verdade da
proposição por ele enunciada. Subdivide o autor a modalidade epistêmica em subjetiva e
objetiva. A primeira é definida como a afirmação do falante e não a afirmação de um fato,
e a segunda constitui a expressão de um conhecimento em geral aceito ou comprovado
cientificamente. Desta feita, enquanto, ao modalizar subjetivamente uma proposição, o
falante se coloca como fonte da informação concedida; ao modalizar objetivamente, o
falante apenas externa um conhecimento cuja aceitação é embasada quer na cientificidade
do que fora enunciado, quer na aceitação comum de dado conhecimento, equiparando-se,
assim, a modalidade epistêmica objetiva à modalidade alética da lógica.
Lyons (1977: 799) ilustra a diferença entre modalidade epistêmica objetiva e
modalidade epistêmica subjetiva ao mostrar as duas possíveis interpretações para o
enunciado “Pode chover em Londres”
10
. Se esse enunciado tiver sido motivado por
informação advinda de um meteorologista, por exemplo, posso dizer que estou diante de
um enunciado modalizado objetivamente, posso declarar “Ele (meteorologista) me disse
que pode chover em Londres”
11
.
Se esse enunciado, em contrapartida, tiver sido motivado por informações advindas
de fontes leigas, estarei diante de um enunciado modalizado subjetivamente, mas
apropriadamente relataria que “Ele me disse que pensa que pode chover em Londres”
12
ou
“Ele expressou a opinião de que pode chover em Londres”
13
, em que não embasamento
científico, mas,sim,opinião pessoal.
______________
10
It may be raining in London
11
He told me that it might be raining in London
12
He told me that he thought it might be raining in London
13
He expressed the opinion that it might be raining in London
40
A crítica feita a essa subdivisão da modalidade epistêmica proposta por Lyons
concerne à sua sustentabilidade quando em confronto com o modo mediante o qual os
falantes expressam conhecimento científico, uma vez que a modalidade epistêmica
subjetiva também se manifesta na expressão desse tipo de conhecimento.
Por modalidade deôntica
14
, Lyons entende a proposição relacionada à necessidade
ou possibilidade de atos realizados por agentes moralmente responsáveis. Temos, assim,
não a descrição de um ato propriamente dito, mas de um Estado de Coisas a ser obtido caso
o ato em questão seja levado a contento. Lyons (1977: 834, 835) ilustra a modalidade
deôntica ao citar o enunciado “Abra a porta!”
15
, o qual será compreendido como uma
imposição de obrigação de alguém a outrem a depender de quem sejam os envolvidos na
interlocução. Segundo o autor, uma das maneiras de averiguarmos a validade da sentença
deôntica é fazermos a pergunta Quem disse isso?”
16
, pois faz-se necessário o
reconhecimento da autoridade de um sobre o outro.
Palmer (1986) classifica a modalidade lingüística em três tipos: a epistêmica, a
deôntica e a dinâmica.
Para Palmer, a modalidade epistêmica é um sistema modal que indica o grau de
comprometimento do falante com seu enunciado. Subdivide o autor o sistema modal
epistêmico em sistema modal dos julgamentos e sistema modal das evidências.
Enquanto os julgamentos denotam proposições afirmadas com dúvida, as evidências
denotam proposições afirmadas com relativa segurança, portanto abertas a questionamentos
e a justificativas evidenciais. Como ilustração do sistema modal dos julgamentos e do
sistema modal das evidências, Palmer oferece, respectivamente, os seguintes exemplos:
a) É possível que... / Pode ser concluído que... / Parece que...
17
b) Eu posso sentir alguma coisa queimando.
18
____________________________________
14
O último tópico desse capítulo é dedicado à modalidade deôntica, objeto de estudo desse trabalho.
Nesse tópico, no entanto, apenas estamos elencando propostas tipológicas para as modalidades de
um modo geral e discutindo algumas questões referentes a estas, o que justifica nosso não
aprofundamento, nesta seção, da categoria objeto de nossa análise.
15
Open the door!
16
Who says so?
17
It is possible that ... / It is to be concluded that... / It appears that...
(Palmer: 1986: 52)
18
I can smell something burning (
Palmer: 1986: 75)
41
Por modalidade deôntica, Palmer entende o sistema modal que apresenta um
elemento de vontade (will) e envolve a ação do falante ou de outra pessoa, ação essa
orientada para um agente. Concede, o autor, dentre outros, o exemplo a seguir:
c) Sente-se à mesa. – pai para uma criança.
19
Por modalidade dinâmica, o autor entende o sistema modal relacionado ao
significado de capacidade/ habilidade ou disposição do sujeito, não mantendo, portanto,
relação com a expressão de opinião ou atitude do falante. Cita como exemplo:
d) João pode falar Italiano.
20
A definição de modalidade dinâmica concedida por Palmer merece uma pausa para
consideração, dada a importância para o nosso trabalho. Primeiramente, procuremos
compreender os argumentos desenvolvidos pelo autor para esta subdivisão.
Segundo Palmer, a subjetividade pode ser considerada uma característica essencial
da categoria modalidade (afirmação com a qual manifestamos anuência), sendo a
modalidade epistêmica sempre subjetiva. No entanto, segundo o autor, problemas com
essa assertiva na análise da modalidade deôntica, pois, em alguns usos não epistêmicos de
elementos modais, parece não existir elemento de subjetividade, enquanto em outros parece
haver vários graus de envolvimento do falante.
Palmer considera a existência dos seguintes graus de envolvimento da parte do
falante: ele pode estar totalmente envolvido [pessoalmente]; ele pode estar envolvido de
algum modo [pessoalmente, mas não tão diretamente] ou envolvido como um membro da
sociedade que instiga à ação [indiretamente]. A fim de demonstrar como isso se dá, o
estudioso considera o modo de atuação de dois verbos modais da língua inglesa: Can
(poder) e must (dever).
______________________
19
Sit at the table - parent to child (Palmer: 1986: 108)
20
John can speak Italian (Palmer: 1986: 102)
42
O modal can é, às vezes, usado para expressar o que parece ser uma declaração
factual não-modal, como em John can speak italian (João pode falar italiano). Comenta
Palmer que essa expressão não envolve nem a opinião do falante, nem a atitude deste,
simplesmente afirma que João tem a habilidade de falar italiano. Mas can, destaca o autor,
é, indubitavelmente, um verbo modal em inglês.
O modal must, por sua vez, pode ser usado para indicar o envolvimento do falante
(se ele obriga alguém a realizar uma ação, nós podemos assumir que ele próprio deseja ver
a ação levada a termo, destaca Palmer) ou ele pode ser usado quando o falante não está
envolvido, não tendo assim interesse claro na realização da ação. Como exemplo de ambos
os usos, Palmer cita, respectivamente, Você deve vir aqui de uma vez
21
e Você deve ir
agora se você deseja pegar o ônibus.
22
Dada essa gradação do elemento subjetividade no uso dos modais, Palmer separa a
modalidade dinâmica das modalidades epistêmica e deôntica por considerar que,
diferentemente dessas últimas, a dinâmica engloba os casos em que os modais não
exprimem a atitude subjetiva dos falantes, dizendo respeito às noções de habilidade e
disposição.
Assim como Palmer, Sweetser (1990) também traça separação entre a modalidade
dinâmica e as modalidades epistêmica e deôntica, alegando a autora que, por suas próprias
naturezas, os significados de habilidade e disposição aos quais se referem as expressões
dinamicamente modalizadas não podem ser impostas por alguém ou por uma instituição.
Halliday (1985), por sua vez, expressa concordância com o posicionamento de
Palmer apenas em termos. Não considera a denominada modalidade dinâmica como um
tipo de modalidade, mas concorda com a interpretação dada ao significado do modal poder
em expressões do tipo “João pode fazer isto”;ou seja, admite que, em situações como essa,
não há como considerar o modal epistêmico ou deôntico por constituir apenas uma noção
de capacidade/habilidade, sem relação direta quer com a avaliação do falante quer com seu
julgamento. Daí Halliday chamar de potencialidade exemplos como o supracitado.
You must come here at once
______________________
21
You must come here at once
22
You must go now if you wish to catch the bus
43
Já autoras como Silva-Corvalán (1995) e Ferreira (2000) optam por abrigar, em uma
única categoria, as chamadas noções deônticas de obrigação e permissão e a noção de
capacidade. As autoras traçam, assim, distinção entre modalidade de raiz e modalidade
epistêmica, abrigando sob o rótulo modalidade de raiz todos os usos não epistêmicos dos
verbos modais.
Depreendemos, de fato, dos exemplos concedidos por Palmer, haver uma gradação
do elemento subjetividade em alguns usos de verbos modais, mas questionamos aqui o fato
de as expressões ilustrativas dessa gradação estarem fora de uma situação real de
comunicação por meio da linguagem verbal. Com uma contextualização, a então ausência
de subjetividade poderia facilmente dissipar-se, permitindo-nos, assim, uma interpretação
do modal quer como expressão da modalidade deôntica quer como expressão da
modalidade epistêmica. Desse modo, não adotaremos nesse trabalho a posição taxativa de
que as noções de habilidade e capacidade independem da avaliação do falante, pois
julgamos discutível esse posicionamento, haja vista não nos parecer crível a
sustentabilidade, em língua natural, de um enunciado absolutamente isento da avaliação de
quem enuncia. Neves (1996: 171,172), após asseverar que “a expressão mais estritamente
alética numa língua natural é a de capacidade (física, moral ou intelectual)”, nos lembra:
Ocorre que é muito improvável que o enunciado se possa manter como uma asserção
descompromissada das intenções e das necessidades do falante que assevera; é muito
improvável, afinal, que um conteúdo asseverado num ato de fala seja portador de uma
verdade não filtrada pelo conhecimento e pelo julgamento do falante.
Desta feita, decidimos pela inclusão ou não no campo da modalidade deôntica das
expressões atributivas de capacidade à medida que consideramos toda a situação
comunicativa na qual a expressão se encontra - o propósito do evento de fala, seus
participantes e seu contexto discursivo. Trataremos, no próximo capítulo, dessa questão.
Dik (1989) e Hengeveld (1988,1989) estabelecem uma tipologia na qual a
modalidade epistêmica e a deôntica são subdivisões da modalidade objetiva, que se
contrapõe à inerente e à epistemológica.
Essa tipologia nos parece em especial vantajosa à análise do fenômeno da
modalização, por permitir o estabelecimento de distinção mais clara entre os diferentes
44
tipos desse fenômeno, pois considera a função desempenhada pelo item modalizador e a
camada da oração sobre a qual incide.
A modalidade inerente é expressa por todos os meios lingüísticos mediante os quais
o falante pode caracterizar a relação entre um participante em um Estado de Coisas e a
realização potencial desse Estado. Ela atua internamente à predicação, isto é, internamente
ao Estado de Coisas.
A modalidade objetiva, por sua vez, é expressa por todos aqueles meios lingüísticos
pelos quais o falante pode avaliar a realidade de um Estado de Coisas em termos de seu
conhecimento dos Estados de Coisas possíveis. Incide sobre a camada da oração chamada
de predicação. Subdivide-se a modalidade objetiva em deôntica e epistêmica. Tal
subdivisão encontra justificativa no tipo de conhecimento no qual o falante embasa sua
avaliação de um Estado de Coisas: quando aquele que enuncia o faz embasado em
conhecimento de situações possíveis ou hipotéticas resultante de sua vivência e de sua
concepção da realidade, fala-se em modalidade epistêmica; quando aquele que enuncia o
faz embasado em conhecimento de situações possíveis ou hipotéticas relativo a algum
sistema de convenções (morais, legais ou sociais), fala-se em modalidade deôntica. Desta
feita, é o tipo de conhecimento no qual o falante ancora seu julgamento a base para a
distinção entre as modalidades deôntica e epistêmica.
A modalidade epistemológica, por seu turno, é expressa por todos os meios
lingüísticos mediante os quais o falante pode expressar seu comprometimento em relação à
verdade do que enuncia. Incide sobre a camada da oração chamada de proposição.
Subdivide-se a modalidade epistemológica em subjetiva e evidencial. Essa subdivisão é
decorrente do grau de comprometimento do falante em relação ao conteúdo de seu
enunciado, que, por sua vez, está associado à origem da informação contida na proposição.
Isto é, quanto mais fidedigna o falante julgar ser a fonte, maior será a tendência ao
comprometimento. O esquema que se encontra na figura 2 mostra as subdivisões a que as
modalidades epistemológica subjetiva e epistemológica evidencial estão sujeitas:
45
Figura 2 Subdivisões das modalidades epistemológica subjetiva e epistemológica
evidencial segundo Hengeveld.
São exemplos, respectivamente, de modalidade objetiva epistêmica, modalidade
objetiva deôntica, modalidade subjetiva epistêmica, modalidade bulomaica, modalidade
evidencial:
23
e) É humanamente impossível que João tenha terminado a tarefa.
Dado o conhecimento da situação - a dimensão da tarefa a ser levada a cabo, a
capacidade de João - o falante é conduzido a asseverar o conteúdo de e.
f) João tem de ter terminado a tarefa.
Dado o conhecimento de um sistema de convenção social, como, por exemplo, o
prazo máximo para a entrega de um trabalho acadêmico a fim de que a correção seja feita e
a nota do aluno possa ser lançada em seu histórico em tempo estipulado pela instituição de
ensino, o falante é conduzido a asseverar o conteúdo de f.
____________________________
23
Os exemplos que se seguem são adaptações, o traduções, para a língua portuguesa, dos tipos de
exemplos utilizados pelos autores.
Epistêmica Certeza
Subjetiva Probabilidade
Bulomaica Possibilidade
Comprometimento forte / Crença / Comprometimento fraco
Inferencial
Evidencial
Citativa
Experiencial
O evento é inferido a partir de uma evidência / O evento como relato a partir
de uma outra fonte / O evento foi experienciado por uma fonte.
46
g) Acredito ser humanamente impossível que João tenha terminado a tarefa.
Observamos que o falante revela-se como fonte da informação contida na
proposição, daí resultando a afirmação da impossibilidade de questionamento da
modalidade subjetiva epistêmica. Afinal, trata-se da opinião do falante.
h) Torço que João tenha terminado a tarefa.
Na modalidade bulomaica, o falante, fonte da informação contida na proposição,
indica seu comprometimento emocional com o conteúdo de seu enunciado.
i) Parece que João terminou a tarefa, pois o vi muito feliz na praia, hoje cedo.
Na modalidade evidencial, o falante indica a fonte do conteúdo de seu enunciado.
No exemplo i, o falante inferiu a conclusão da tarefa ao encargo de João em função de tê-lo
visto em atividade recreativa, o que implicaria na evidencialidade inferencial.
2.2. A manifestação da categoria modalidade
Diversos são os modos de manifestação da categoria modalidade em língua
portuguesa. Koch (1996) menciona os auxiliares modais, as formas verbais perifrásticas, as
orações modalizadoras, os verbos de atitude proposicional, os advérbios de modalidade,
certos modos e tempos verbais. Neves (1996) destaca verbos auxiliares modais, verbos de
significação plena, advérbios, adjetivos em posição predicativa, substantivos, categorias
gramaticais do verbo da proposição (tempo, aspecto e modo) e meios prosódicos
(hesitações, patinações, repetições) como elementos que entram na configuração modal dos
enunciados.
Mediante observação da listagem fornecida pelas supracitadas autoras, percebemos
que a categoria modalidade contém a categoria modo, ou seja, pode dela valer-se, embora
não se restrinja aos seus limites. Essa distinção entre modo e modalidade é feita por vários
estudiosos; entre eles Pottier (1976) e Hoye (1997). Segundo Pottier, o modo verbal
envolve as idéias de indicativo, subjuntivo e imperativo, enquanto o termo modalidade
abrange noções que vão além dessas idéias, expressando volição, desejo, possibilidade,
obrigação, entre outros. Segundo Hoye, modo refere-se a uma categoria gramatical e
47
modalidade refere-se ao campo completo dos contrastes modais, quer tenham sido
realizados lexical, gramatical ou prosodicamente.
Outro estudioso que também adota a distinção entre modo e modalidade é Palmer
(1986). Objetivando explicar o porquê do uso restrito do termo modo em seu livro, e a
conseqüente necessidade de ter seu trabalho recebido o título de modo e modalidade (Mood
and Modality), ao invés de simplesmente Mood, o autor considera três questões, as quais
exporemos.
Primeiramente, lembra-nos Palmer que o termo modo é tradicionalmente restrito a
uma categoria expressa pela morfologia verbal. Tradicionalmente, a natureza verbal da
categoria modo não é posta em dúvida. Ela é formalmente uma categoria morfossintática do
verbo, como tempo e aspecto, embora sua função semântica relacione-se a toda a sentença.
Citando Jespersen, Palmer concorda que se trata de uma categoria sintática, não nocional, a
qual se apresenta na forma do verbo. Assim, a restrição do termo modo à morfologia verbal
o torna não aplicável a todo um sistema gramatical não marcado pelo verbo. Afinal, a
modalidade não é expressa em todas as línguas nos limites da morfologia verbal. Ela pode
manifestar-se por meio de verbos modais (que estão pelo menos ainda dentro do elemento
verbal da sentença, como destaca Palmer) ou mediante particípios, os quais estão um tanto
distanciados da categoria verbo. As marcas formais da modalidade são, pois, encontradas
no interior da gramática das línguas, embora não sempre no interior do verbo.
Como segundo argumento ao uso restrito do termo modo, o estudioso analisa como
se a escolha entre as várias funções semânticas pertencentes aos modos encontrados nas
línguas que nos são familiares. Essa escolha é mais guiada por aspectos gramaticais que
pela análise dos significados modais. Como exemplo, o autor menciona o subjuntivo, que,
embora seja usado em comandos diretivos, é tipicamente considerado o modo usado nas
sentenças subordinativas, daí não ser coincidência que o termo subjuntivo seja uma
tradução do grego hypotaktiké, o qual significa subordinada; função esta que é apenas uma
das funções do subjuntivo.
O terceiro problema de uma análise em termos de modos tradicionais, segundo
Palmer, é que esses são geralmente restritos à indicação de subjuntivo, imperativo e
optativo.Mas, em muitas línguas do mundo, existem outras categorias, algumas delas
48
totalmente marcadas na morfologia verbal, que não podem ser facilmente designadas por
nenhum desses termos.
Registramos a adoção, nesse trabalho, da separação entre modo e modalidade, pois
a julgamos propícia à percepção de semelhanças e diferenças entre essas distintas
categorias lingüísticas, percepção essa que útil nos será por ocasião da discussão dos dados
de nosso corpus.
Quanto à diversidade de meios de lexicalização da categoria modalidade, segundo
mencionamos no primeiro parágrafo desse tópico, é mister considerarmos que ela não nos
poupa de um problema que torna dificultoso o estudo da modalidade, a saber, a polissemia.
Segundo aponta Tolonen (1992; apud Neves: 1996: 165,166):
... um dos principais problemas no estudo da modalidade é apresentado pela
tendência que as línguas naturais têm de empregar os mesmos meios lingüísticos para
diversas finalidades comunicativas, das quais a modalidade é uma apenas. O reverso
disso é o fato de que muitos meios se usam para os mesmos fins.
É no uso dos verbos auxiliares modais que verificamos os maiores índices de
polissemia. Digno de nota é o fato de que a polissemia inerente aos modais não é privilégio
da língua portuguesa. Sweetser (1990) registra a percepção da ambigüidade em modais na
língua inglesa, nas línguas indo-européias, nas semíticas e nas Filipinas.
Assim, o verbo poder, por exemplo, em enunciado descontextualizado: “Roberto
pode recorrer ao STF a fim de reverter a situação que lhe é desfavorável”, assumirá tais
interpretações:
1) Capacidade Roberto tem capacidade, quer física, quer moral, quer intelectual,
para recorrer em favor de seus interesses; o que nos faria entender o enunciado como a
expressão da capacidade alética.
2) Permissão – Alguém concede permissão a Roberto, a fim de que ele possa
recorrer; o que nos levaria a interpretar esse enunciado como a expressão da permissão
deôntica.
3) Possibilidade Os meios à disposição de Roberto permitem que ele recorra. Daí
interpretarmos o enunciado como expressão da possibilidade epistêmica.
49
Para precisarmos o sentido de enunciados cuja presença de verbos como poder,
dever, ter que/de se faz notar, temos de conceder detida atenção ao contexto ou à situação
comunicativa. Desta feita, a relevância da análise da enunciação para dirimir questões de
polissemia é crucial. Como afirma Neves (1996:170):
Ocorre que, sendo a modalidade uma propriedade da frase enunciada (“cláusula”, na
proposta de Dik), ela mantém relação necessária com o complexo de funções de que a
frase se reveste. Nesse sentido, para uma tarefa de investigação que se propõe
funcionalista, cabe, em princípio, a indicação de que os elementos, em exame no seu
uso, têm de ser vistos como funcionais em relação ao todo enunciado.
Percebemos que a manifestação da categoria modalidade dá-se tanto por meios
gramaticais, lexicais quanto prosódicos
24
e que, embora a gama de meios lexicais de
manifestação da categoria seja vasta, a polissemia, resultante da tendência das línguas
naturais de empregar meios lingüísticos idênticos para diversos fins, especialmente notória
em verbos auxiliares modais, torna a análise da enunciação imprescindível à interpretação
das modalidades.
Desta feita, a opção pela orientação funcionalista como ferramenta para descrição
da modalidade deôntica dá-se tanto pelos objetivos propostos nesse trabalho, segundo
explanamos no capítulo antecedente, como em decorrência da complexidade do próprio
fenômeno em estudo. Faz-se mister, pois, uma teoria da organização gramatical das línguas
naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social, exatamente o que
uma Gramática Funcional propõe-se ser.
Assim, embora saibamos que várias são as possibilidades para o tratamento das
modalidades: quer se privilegiem aspectos relativos à forma, quer aspectos relativos à
semântica e/ou à pragmática, estamos convencidos, em consonância com Palmer (1979), da
dificuldade de análise resultante da adoção de apenas um ou outro critério; por isso
concluímos ser a consideração tanto dos aspectos formais quanto dos semânticos a opção
mais acertada ao estudo da modalidade deôntica nesse trabalho.
______________________________
24
Delimitamos nossa análise aos mecanismos segmentais de expressão da modalidade deôntica.
Essa restrição visa à exeqüibilidade do projeto, uma vez que a inclusão da entonação levar-nos-ia a
trabalhar com o nível dos sons, das curvas melódicas e das pausas, requerendo procedimentos e
equipamentos de transcrição bastante sofisticados.
50
2.3. Síntese
Cientes de que breve incursão em noções oriundas dos modelos idealizados pelos
lógicos é necessária à compreensão das modalidades no âmbito das línguas naturais,
iniciamos o capítulo II considerando as noções de dictum e modus, as de necessidade e
possibilidade e a de eixos conceptuais. Ao resgatarmos essas noções, afirmamos ser a
modalidade de uma sentença determinada pelos elementos atitudinais, daí sua correlação
com a noção de modus, a saber, atitude que o sujeito toma em relação ao conteúdo de seu
enunciado; e situamos a modalidade deôntica no eixo conceptual da conduta, portanto
dizendo respeito à necessidade (função social de obrigação) ou possibilidade (função social
de permissão) de atos executados por agentes moralmente responsáveis.
Na seqüência, passamos a analisar algumas propostas tipológicas da categoria
modalidade. Ao considerarmos as propostas de Lyons (1977), Palmer (1986), Dik (1989) e
Hengeveld (1988,1989), assumimos que a modalidade deôntica está relacionada à
necessidade ou possibilidade de atos realizados por agentes moralmente responsáveis,
portanto é a descrição de um Estado de Coisas a ser obtido; que ela apresenta um elemento
de vontade, envolvendo a ação do falante ou de outra pessoa e que o falante ancora seu
julgamento em conhecimento de situações possíveis ou hipotéticas relativo a algum sistema
de convenções (morais, legais, ou sociais). Quanto à separação empreendida por Palmer
entre modalidade deôntica e modalidade dinâmica, optamos por decidir pela inclusão ou
não das expressões atributivas de capacidade no campo da modalidade deôntica somente
após empreendermos análise de toda a situação comunicativa na qual a expressão se
encontra.
Na conclusão desse capítulo, ao versarmos sobre os diversos meios de manifestação
da modalidade em língua portuguesa, assumimos a distinção ente modo e modalidade,
quando, então, mostramos que a categoria modalidade pode valer-se da categoria modo,
embora a ela não se restrinja. Neste, também consideramos o problema da polissemia
inerente aos verbos modais, quando, então, mais uma vez, ressaltamos a importância da
orientação funcionalista como ferramenta para descrição da modalidade, haja vista que,
para precisarmos o sentido de enunciados com verbos como poder, dever, ter que/de, por
exemplo, temos de analisar o contexto e a situação comunicativa detidamente.
51
3. A MODALIDADE DEÔNTICA
Ao longo dos capítulos anteriores, consideramos várias características da
modalidade deôntica ao versarmos sobre o fenômeno modalidade em geral. Ao
apresentarmos a proposta de Dik (1989, 1997), afirmamos que a modalidade deôntica está
situada na camada oracional chamada predicação. Ao realizarmos breve incursão em
noções extraídas dos modelos idealizados pelos lógicos, asseveremos a relação da
modalidade deôntica com o eixo conceptual da conduta. Ao considerarmos algumas
propostas tipológicas da categoria modalidade, atribuímos à modalidade deôntica
características como ser a descrição de um Estado de Coisas potencial, não a descrição de
um ato propriamente dito; conter um elemento de vontade, está ligada ao conhecimento que
o enunciador tem de situações possíveis ou hipotéticas relativo a algum sistema de
convenções (morais, legais ou sociais) etc.
Por ser a modalidade deôntica o objeto de estudo deste trabalho, dedicamos este
capítulo à análise das principais características dessa modalidade, segundo entendimento de
estudiosos como Kalinowski, Lyons e Palmer, entre outros.
3.1. A modalidade deôntica: características em discussão
As sentenças deônticas geralmente são discutidas em termos da noção de obrigação,
haja vista a própria significação do termo grego deon: o que é obrigatório.
Kalinowski (1976), por exemplo, designa modalidade deôntica como aquela à qual
correspondem os valores modais de obrigação, proibição e permissão, concedendo a
representação gráfica que se segue:
S L S = obrigatório
L = proibido
M= permitido (fazer e não-fazer)
M
De onde se depreendem as seguintes relações semânticas contrárias:
Se S então não L ou M; se L então não S ou M; se M então não L ou S.
52
Recorre o autor às relações de contradição e contrariedade visando explicar os
pontos intermediários entre as noções de obrigação, proibição e permissão. Segundo a
representação gráfica que se segue, um predicado será obrigatório se, e somente se, não for
permitido não fazer; será proibido se, e somente se, não for permitido fazer; e será
permitido se, e somente se, não for obrigatório:
v
S L
p = permitido fazer
v = obrigatório em geral (ordenado ou proibido)
w = permitido não fazer (facultativo)
p M w
Lyons (1977) também discute sentenças deônticas em termos da noção de
obrigação, estabelecendo entre os valores modais de obrigação, proibição e permissão os
seguintes liames:
Não obrigação – permissão de não fazer
Obrigação – não permissão de não fazer
Permissão – não obrigação de fazer
Não permissão – obrigação de não fazer
A modalidade deôntica é caracterizada como aquela que se encontra entre os pólos
do obrigatório e do proibido, passando pelo permitido.Comenta Lyons:
Se X não é obrigado a fazer a (onde a é um ato específico ou genérico), a ele é
permitido não fazer a; e se ele é obrigado a fazer a, a ele não é permitido não fazer a.
Também, se a X é permitido fazer a, então ele não é obrigado a fazer a, e se a X não é
permitido fazer a ele é obrigado a não fazer a. Lyons 1977:832.
25
__________________________
25
If X is not obliged to do a (where a is either na individual or a generic act), he is permitted not to
do a; and if he is obliged to do a, he is not permitted not to do a (...). Also, if X is permitted to do a,
then he is not obliged not to do a: and if X is not permitted to do a he is obliged not to do a.
53
A partir desses comentários iniciais, percebemos que a modalidade deôntica
encontra-se entre os eixos do obrigatório e do proibido, pólos extremos e contrários,
passando intermediariamente pelo permitido. Tendo em vista a relevância das
considerações de Lyons (1977) e Palmer (1986) quanto à modalidade deôntica,
centraremos, a partir de agora, nossa atenção nos comentários desses dois estudiosos.
Segundo Lyons (1977), o termo deôntico [do grego “deon”: “o que é obrigatório”) é
agora usado por um grande número de filósofos para fazer referência a uma particular
divisão ou extensão da gica modal: a lógica da obrigação e da permissão. Feita essa
primeira conceituação, Lyons versa acerca das características da modalidade deôntica,
confrontando-a com a modalidade lógica e a epistêmica. Eis as principais características
apontadas pelo autor:
1 - A modalidade deôntica relaciona-se à necessidade ou possibilidade de atos
realizados por agentes moralmente responsáveis. Portanto, diz o estudioso, quando nós
impomos a alguém a obrigação de agir ou nos obrigamos quanto à realização de um
determinado ato, nós estamos descrevendo o Estado de Coisas que será obtido se o ato em
questão for realizado.
2 - A modalidade deôntica mantém intrínseca conexão com a futuridade. Desta
feita, segundo Lyons, o valor de verdade de uma proposição deonticamente modalizada é
determinado relativamente a algum estado do mundo posterior ao estado do mundo que
contém a obrigação; e o estado do mundo que contém a obrigação não pode preceder,
embora possa ser simultâneo, ao estado do mundo no qual a obrigação é imposta.
3 - A necessidade deôntica (com a qual a obrigação está relacionada, enquanto à
possibilidade relaciona-se à permissão deôntica) tipicamente procede, ou deriva, de alguma
origem ou causa. Assim, nas palavras de Lyons, se X reconhece que ele é obrigado a
executar alguma ação, então existe usualmente alguém ou alguma coisa que ele
reconhecerá como responsável por fazer recair sobre ele a obrigação de agir nesse sentido.
Pode ser uma pessoa ou instituição a cuja autoridade ele se submete; pode ser um corpo
moral ou legal de princípios mais ou menos explicitamente formulado, pode ser não mais
do que uma compulsão pertinente à mente ou ao espírito, que seja difícil de identificar e
precisar.
54
Lyons assume a existência de alguma noção de obrigação universalmente válida,
cujas variações em termos de categorias de sanções estariam ligadas às diferentes culturas.
Essas variações estariam lexicalizadas em palavras como certo’ e ‘errado’ (e, em um
estágio de especificidade das leis, ‘inconstitucional’, ‘ilegal’, ‘impróprio’, ‘amoral’,
‘blasfêmia’, ‘tabu’, ‘injusto’ etc). Adverte-nos Lyons que, na análise da estrutura lexical de
línguas particulares, distinções necessitarão ser traçadas entre os vários tipos de obrigação e
que muitas de tais distinções serão culturalmente dependentes e terão de ser relacionadas às
crenças institucionalizadas e a normas de conduta.
Quanto à origem da modalidade deôntica, Lyons instiga-nos a procurá-la nas
seguintes funções da linguagem ontogenicamente básicas, a saber: a desiderativa (por meio
da qual expressamos vontades e desejos) e a instrumental (por meio da qual conseguimos
que outros nos façam coisas ao impormos nossas vontades a outros agentes). uma
grande proximidade entre o significado desiderativo de “Eu quero o livro” e o significado
instrumental de “Dê-me o livro”; tanto o é que os pais, comumente, interpretam as
expressões desiderativas dos filhos como pedidos, argumenta Lyons. Assim, prossegue o
autor, tanto as crianças fazem uso das expressões desiderativas para conseguir o que
querem dos adultos como, inversamente, os pais fazem uso de proibições aos filhos para a
obtenção do que desejam. Desta feita, a modalidade deôntica, intrinsicamente ligada a um
tipo de controle humano dos fatos, surge antes da modalidade epistêmica. Em consonância
com Lyons, Sweetser (1990) faz menção a estudos da linguagem infantil os quais apontam
para a aquisição, por parte da criança, primeiramente dos sentidos deônticos dos verbos, e
posteriormente dos epistêmicos.
A sentença imperativa constitui um outro aspecto relevante à abordagem dos
enunciados deonticamente modalizados, pois se trata de um tipo frasal que mantém relação
direta com enunciados modalizados deonticamente. Tanto o é que Récanati (1982, apud
Coracini, 1991: 118) estabelece a seguinte relação entre modalidades e tipos frasais: frases
assertivas correspondem a modalidades aléticas, frases interrogativas a modalidades
epistêmicas e frases imperativas a modalidades deônticas. Tanto obrigação como
permissão, segundo Neves (1996), ligam-se ao imperativo. Afinal, como aponta Lyons
(1977), as sentenças imperativas, embora mais utilizadas para a expressão de ordens,
podem ser usadas para a concessão de permissão. Como exemplo, o autor cita que, quando
55
nós dizemos “Entre!”
26
em resposta a uma batida na porta, nós estamos concedendo
permissão, pois a batida é, por convenção, o equivalente a um pedido por permissão: isto é,
significando “Posso entrar?”
27
. Assim como a instrução “Siga!”
28
ou “Atravesse agora!”
29
,
prossegue Lyons, associada ao sinal verde de trânsito, não está impondo ao motorista ou ao
pedestre a obrigação de se comportar ou deixar de se comportar de certa maneira: ele está
criando ou mantendo a permissibilidade de uma ação por remover uma proibição.
Segundo Palmer (1986: 96), o termo deôntico é usado por ele para o tipo de
modalidade caracterizada como contendo um elemento de vontade. Os significados
relacionados a essa modalidade concernem à ação, realizada quer por outros quer pelo
próprio falante. Para o autor, os tipos de modalidade deôntica mais importantes a serem
considerados em um estudo gramatical são os Diretivos e os Comissivos.
30
Diretivo, segundo definição concedida por Searle e adotada por Palmer, é o tipo
expresso por meio de enunciados com os quais “nós tentamos fazer com que nossos
ouvintes façam coisas”
31.
Como ilustração, Palmer cita exemplos nos quais contrasta a
diferença entre os usos dos modais may e must: You may come tomorrow e You must come
tomorrow, cuja tradução para a língua portuguesa equivaleria a “Você pode chegar
amanhã” e “Você tem de chegar amanhã”. Desta feita, enquanto must é usado para instituir
uma obrigação, por isso podendo ser interpretado como expressando necessidade deôntica;
may é usado para conceder permissão, podendo ser interpretado como expressando
possibilidade deôntica.
_________________________
26
Come in! (Lyons: 1977: 838) /
27
May I come in? (Lyons: 1977: 838)
28
Go! (Lyons: 1977: 838) /
29
Cross now! (Lyons: 1977: 838)
30
Searle (1979; 1983) argumenta acerca da existência de cinco categorias básicas de atos
ilocucionários:
Assertivos: Quando nós dizemos aos nossos ouvintes (falsa ou verdadeiramente) como as coisas
são;
Diretivos: Quando nós conseguimos que nossos ouvintes façam coisas;
Comissivos: Quando nós nos obrigamos a fazer coisas;
Declarativos: Quando nós causamos mudanças no mundo com nossas expressões
Expressivos: Quando nós expressamos nossos sentimentos e atitudes.
Segundo Palmer (1986: 13), o que Searle chama de assertivos e diretivos estão no centro de
qualquer discussão da modalidade. Palmer considera os diretivos e os comissivos sob o rótulo de
modalidade deôntica.
31
Where we try to get our hearers to do things. (Palmer 1986:97)
56
Os Comissivos, por sua vez, também segundo definição de Searle adotada por
Palmer, relacionam-se àquelas expressões por meio das quais nós imputamos a nós mesmos
a obrigação de fazer coisas
32
.
Palmer considera, ainda, o que chama de outras modalidades (Volitive e
Evaluative), sobre as quais declara que obviamente não são estritamente deônticas, pois o
termo deôntico, em sentido estrito, só se aplicaria ao conceito de diretivos.
Mas, tendo em vista que essas outras modalidades são igualmente não epistêmicas,
pois não expressam o grau de comprometimento do falante com o seu enunciado,
argumenta Palmer, opta o autor por utilizar o termo deôntico para tratar de tais modalidades
por uma questão de conveniência. Desta feita, sob o rótulo deôntico também estão
expressões que exprimem esperança e desejo, tais quais “Eu espero que João esteja aqui
agora” (I hope John is here now) e “Eu queria que João estivesse aqui agora” (I wish Jonh
were here now), bem como aquelas que expressam a atitude de aceitação da verdade
daquilo que o falante enuncia: “Ele deve fazer semelhante coisa!” (That he should do such
a thing!).
Achamos discutível essa inclusão das modalidades volitiva e avaliativa sob o rótulo
deôntico. Percebemos que essa inclusão se deu mediante o fato de não haver indícios de
comprometimento do falante em relação ao conteúdo de sua enunciação nessas categorias.
Assim, enquanto para que o enunciado seja considerado expressão da modalidade
epistêmica requer-se dele a posse de dois traços característicos: subjetividade e gradação do
nível de comprometimento daquele que enuncia em relação ao conteúdo de seu enunciado;
para considerar um enunciado como expressão da modalidade deôntica, requer-se apenas a
característica subjetividade.
O tipo comissivo é, de fato, próximo do tipo diretivo no sentido de que, em ambos,
podemos flagrar os valores modais de obrigação, permissão e proibição, o que não se
com as duas outras modalidades supracitadas.
_________________________
32
Where we commmit ourselves to doing things. (Palmer 1986:115)
57
Desta feita, nesse trabalho, ao nos referirmos à expressão modalidade deôntica,
estamos nos remetendo aos tipos diretivos e comissivos, segundo designação de Palmer,
bem como às características a que Lyons se refere como pertencentes à modalidade
deôntica e ao entendimento que Dik e Hengeveld manifestam do que seja modalidade
deôntica, segundo mencionamos. Também não excluímos da denominação modalidade
deôntica aquelas expressões atributivas de capacidade/habilidade inseridas em contexto nos
quais os valores semânticos tradicionalmente considerados modais possam se fazer
perceber.
Finalizando esse tópico, destacamos que, no que concerne à expressão da
modalidade deôntica, ela é expressa por verbos auxiliares modais e plenos; advérbios,
adjetivos em posição predicativa; substantivos, podendo haver concomitância de dois ou
mais dos meios supracitados.
3.2. Síntese
Dedicamos esse terceiro capítulo à consideração de algumas particularidades do
objeto de estudo de nosso trabalho, a modalidade deôntica. Caracterizada como aquela que
se encontra entre os pólos do obrigatório e do proibido, passando pelo permitido, a
modalidade deôntica está relacionada a atos praticados por agentes moralmente
responsáveis e mantém intrínseca relação com a futuridade. Vimos que a necessidade
deôntica procede de alguma origem, podendo ser esta uma instituição, uma pessoa, um
corpo moral ou legal de princípios ou até mesmo uma compulsão pertinente à mente ou ao
espírito. Ao mencionarmos a relação entre sentença imperativa e modalidade deôntica,
consideramos que não apenas a obrigação liga-se ao imperativo, mas também a permissão.
Adotamos a distinção feita por Palmer entre o tipo diretivo e o comissivo da modalidade
deôntico, estando este relacionado às expressões por meio das quais imputamos a nós
mesmos a obrigação de fazer coisas e aquele relacionado às expressões por meio das quais
tentamos fazer com que nossos ouvintes façam coisas. Por fim, questionamos a inclusão,
por parte de Palmer, das modalidades volitiva e avaliativa no estudo da modalidade
deôntica, postura essa não assumida em nosso trabalho, e fizemos menção aos meios
lingüísticos de expressão da modalidade deôntica em língua portuguesa, tais como verbos
auxiliares modais, plenos, advérbios, adjetivos em posição predicativa etc.
58
4. O DISCURSO POLÍTICO EM ANÁLISE: DISCURSOS PROFERIDOS NO
PEQUENO EXPEDIENTE DE SESSÕES ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
4.1. A Caracterização do Corpus
A fim de elucidar os fatores que compõem as circunstâncias específicas de produção
do discurso político proferido na Câmara dos Deputados (oradores; ambiente de
proferimento dos discursos, auditório em presença e virtual; determinações regimentais
etc) adentraremos a consideração do modo de funcionamento da Câmara a partir de uma
consideração do Regimento Interno da Casa.
De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aprovado mediante
Resolução 17, de 1989, publicada no Suplemento ao Diário do Congresso Nacional de
22-9-1989, p.3, disponibilizado pela Internet no endereço www.camara.gov.br, a Câmara
reunir-se-á durante as seguintes sessões legislativas: preparatórias, ordinárias,
extraordinárias e solenes.
As preparatórias precedem a inauguração dos trabalhos do Congresso Nacional na
primeira e na terceira sessões legislativas de cada legislatura.
33
As ordinárias, com duração de até cinco horas, são realizadas em todos os dias úteis
da semana, iniciando-se às nove horas, nas sextas-feiras, e às quatorze horas de segunda à
quinta-feira, e destinam-se a debates e deliberações. Exceto quando, por ofício, o Presidente
da Câmara, por proposta do Colégio de Líderes ou mediante deliberação do Plenário sobre
requerimento de pelo menos um décimo dos Deputados, convocar períodos de sessões
extraordinárias exclusivamente destinadas à discussão e votação das matérias constantes no
ato de convocação é que não serão realizadas as sessões ordinárias.
As extraordinárias, com duração de quatro horas, são realizadas em dias ou horas
diversos dos prefixados para as ordinárias e destinam-se, exclusivamente, à discussão e
votação das matérias constantes da Ordem do Dia.
As solenes são realizadas para comemorações especiais ou recepção de altas
personalidades; admite-se a realização de até duas sessões solenes por mês.
__________________________
33
A legislatura é o período de mandato de um representante do povo, tem duração de 4 anos.
59
Todas as quatro sessões supracitadas são públicas, sendo excepcionalmente secretas
apenas por deliberação do Plenário segundo previsto na Constituição.
Assim, após analisarmos os tipos de sessões realizadas pela Câmara, optamos, para
a constituição de nosso corpus, por discursos proferidos em sessões ordinárias e
extraordinárias. Nossa opção justifica-se pelo caráter de debate e deliberação atribuído às
referidas sessões. Concordemente, nos discursos nelas proferidos, ser-nos-á possível o
contato com enunciações cujo propósito é a adesão do auditório às teses defendidas. Além
disso, a freqüência de suas realizações nos permite flagrar o exercício diário da arte oratória
política. Deter-nos-emos, a seguir, no modo de funcionamento dessas duas sessões a fim de
que possamos entender algumas das características peculiares aos discursos de nosso
corpus.
Tanto as sessões ordinárias quanto as extraordinárias constam de Pequeno
Expediente e Grande Expediente. O Pequeno Expediente tem duração de sessenta minutos
improrrogáveis. Nele os oradores inscritos podem fazer uso da palavra pelo prazo de cinco
minutos, não sendo permitidos apartes (interrupções breves de outros deputados que visam
a indagar, solicitar esclarecimento em relação à matéria em debate.) A inscrição dos
oradores é feita na Mesa, em caráter pessoal e intransferível, das oito às treze horas e trinta
minutos, diariamente, sendo assegurada a preferência aos que não tenham falado nas cinco
sessões anteriores. O Grande Expediente, por sua vez, tem duração de cinqüenta minutos
improrrogáveis. Nele os oradores inscritos podem fazer uso da palavra pelo prazo de vinte e
cinco minutos, sendo permitidos apartes (O deputado que queira apartear terá de pedir e
obter a permissão do orador, sendo a interrupção inclusa no tempo destinado ao orador). A
lista de oradores é organizada mediante sorteio mensal.
Optamos por trabalhar com discursos proferidos no Pequeno Expediente para que,
desse modo, pudéssemos lidar com um maior número de discursos e, portanto, termos
acesso a uma diversidade maior de pontos de vista acerca do tema em discussão.
Conforme o até então exposto, a fim de garantir o uso da palavra, cada parlamentar
precisa, primeiramente, inscrever-se no local e horário estabelecidos e, em seguida,
elaborar um pronunciamento exeqüível no tempo que lhe foi concedido, sob pena de ter seu
discurso interrompido. No entanto, há outras exigências, conforme reza o Art. 73 do
Regimento Interno da Casa, parcialmente transcrito na seqüência:
60
Art. 73. Para a manutenção da ordem, respeito e austeridade das sessões, serão
observadas as seguintes regras:
III – o Presidente falará sentado, e os demais Deputados, de pé, a não ser que fisicamente
impossibilitados;
V – ao falar da bancada, o orador, em nenhuma hipótese, poderá fazê-lo de costas à Mesa;
VII se o Deputado pretender falar ou permanecer na tribuna anti-regimentalmente, o
Presidente adverti-lo-á; se, apesar dessa advertência, o Deputado insistir em falar, o
Presidente dará o seu discurso por encerrado;
X o Deputado, ao falar, dirigirá a palavra ao Presidente, ou aos Deputados de modo
geral;
XI – referindo-se, em discurso, a colega, o Deputado deverá fazer preceder o seu nome do
tratamento de Senhor ou de Deputado; quando a ele se dirigir, o Deputado dar-lhe-á o
tratamento de Excelência;
XII nenhum Deputado poderá referir-se de forma descortês ou injuriosa a membros do
Poder Legislativo ou às autoridades constituídas deste e dos demais Poderes da
República, às instituições nacionais, ou a Chefe de Estado estrangeiro com o qual o Brasil
mantenha relações diplomáticas.
Além de especificações quanto à postura física do orador e ao tratamento que este
deve destinar às autoridades, em nome da austeridade a que se refere o caput do artigo 73
(acima transcrito), o Regimento contém determinações quanto a quem pode estar no recinto
do Plenário durante as sessões (deputados, senadores, ex-parlamentares, funcionários da
Câmara em serviço local e os jornalistas credenciados caput do artigo 77), a como
devem se comportar os em Plenário (não será permitida conversação que perturbe; a
qualquer pessoa é vedado fumar no recinto do Plenário incisos II e XIV do art.73), ao
comportamento do público na galeria (mantendo-se a incomunicabilidade com o recinto do
Plenário parágrafo do artigo 77); a quantos devem estar em Plenário a fim de que um
Pequeno Expediente possa ter início (pelo menos a décima parte do número total de
deputados, desprezada a fração - § do artigo 79), a compêndios que devem estar à
disposição do orador por ocasião da sessão (A Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o
tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso - § do artigo
79) etc.
Percebemos, assim, que o ambiente é bastante organizado e formal, exigindo
austeridade; que cada um dos 513 parlamentares está em igual condição no que concerne a
serem fontes de instauração de exigências a serem cumpridas e a serem alvos de valores
deônticos instaurados, pois todos são autoridades legislativas; que expressões formulaicas,
61
tendo em vista as próprias especificações regimentais quanto ao vocabulário, serão
recorrentes nos discursos etc.
Em Plenário, portanto, cada parlamentar intenciona persuadir seus pares (auditório
em presença) quanto à legitimidade de seu ponto de vista, ao mesmo tempo em que precisa
mostrar-se à opinião pública (auditório virtual) como um representante legítimo dos
interesses daqueles que o elegeram. Trava-se, assim, uma verdadeira batalha, cuja arma
principal é a palavra.
Ao analisarmos a “batalha discursiva” travada por ocasião da discussão da Proposta
de Reforma da Previdência nos moldes formulados pelo governo do Presidente Luiz Inácio,
detectamos estratégias comuns aos oradores conforme estes se mantinham na oposição ao
projeto; na defesa do projeto ou relutantes quanto à adoção de um posicionamento
taxativo. Tendo em vista que, segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996), o ato
argumentativo é uma espécie de operação visando a fazer com que o receptor conheça e
aceite a imagem que o emissor transmite do referente como sendo a que ele deve adotar
para si, os oradores buscam transmitir imagens do texto da Reforma, do Governo vigente e
dos seus pares, mediante recorrência a estratégias cuja exposição nos parece relevante à
compreensão de como se deu, em termos argumentativos, o que denominamos “batalha
discursiva”. Destacamos que as estratégias na seqüência elencadas foram depreendidas da
análise que fizemos de todos os textos que constituem o corpus desse trabalho na medida
em que organizamos os argumentos recorrentes e os correlacionamos aos posicionamentos
dos parlamentares. Assim, verificamos:
Estratégias e argumentos recorrentes em discursos de defesa do projeto:
- incitar a revolta fazendo crer ser a maioria dos servidores públicos agraciados com
vultosas aposentadorias;
- atrelar a deficiência do atual sistema previdenciário ao ônus com aposentadorias e
pensões pagas a servidores públicos, apresentados como detentores de privilégios;
- enaltecer a iniciativa do Governo Lula que, mediante a proposta apresentada,
enfrenta privilégios históricos a fim de tornar o sistema previdenciário mais justo;
- desqualificar os que se opõem à aprovação do texto da proposta, apresentando-os
como defensores de privilégios históricos.
62
Estratégias e argumentos recorrentes em discursos de oposição ao projeto:
- incitar a revolta mediante a propalação da tese de ser a proposta de Reforma
emanada do Executivo inconstitucional; ela é apresentada como afronta ao Direito
adquirido do cidadão;
- atrelar a deficiência do atual sistema previdenciário à administração, por parte
do Governo, do dinheiro pago pelo servidor público para efeito de aposentadoria ao longo
de toda sua vida laborial;
- desmerecer a iniciativa do governo Lula, procurando provar ser a proposta
apresentada um modo de colocar a Previdência no colo da iniciativa privada, privilegiando,
assim, os banqueiros;
- desqualificar os que apóiam a proposta, caracterizando-os como estelionatários
eleitorais.
Estratégias e argumentos recorrentes em discursos que demonstram relutância
quanto à adoção de um posicionamento quer absolutamente favorável quer
absolutamente contrário ao projeto:
- incitar à reflexão, trazendo à tona questões que o orador julga estarem sendo
relegadas a um segundo plano; estas são apresentadas como muito importantes;
- reivindicar um período maior de tempo para que os pontos mais polêmicos do
projeto possam ser analisados com maior acuidade;
- externar sua preocupação com o modo como a discussão está transcorrendo e com
as manifestações de insatisfação por parte da sociedade;
- sublevar valores como “ser a Câmara a casa do povo”; “ter o parlamentar de ser
coerente em suas decisões” etc.
Cada orador faz da bancada da Câmara seu palanque pessoal, do qual, nos termos de
Dik (1989, 1997), procura efetuar mudanças na informação pragmática de seu auditório.
São evidentes as situações em que os oradores procuram provocar mudanças nos
conhecimentos de seus ouvintes mediante o fornecimento de informações que julgam não
disponíveis a estes; outras vezes, percebemos que a mudança intentada pelo orador visa a
buscar substituir algo na informação pragmática de seus ouvintes, já outras vezes tentam os
63
oradores fazerem que os ouvintes rememorem questões que parecem esquecidas.
Percebemos, portanto, que os discursos se enquadram na proposta de modelo de interação
verbal de Dik (1989), sobre o qual versamos no capítulo I.
4.2. A Constituição do Corpus
Para a análise dos efeitos de sentidos produzidos por expressões deonticamente
modalizadoras em discursos políticos, trabalhamos com um total de 44 discursos proferidos
no Pequeno Expediente de Sessões Ordinárias e Extraordinárias durante o período de
tramitação da proposta de Reforma da Previdência Social (leia-se: reforma do regime
próprio do servidor público, não da Previdência como um todo), no âmbito legislativo. Essa
foi a primeira reforma empreendida no Governo Luiz Inácio Lula da Silva, e culminou com
a aprovação da Emenda Constitucional nº 41/ 2003. O corpus é constituído por transcrições
dos discursos proferidos pelos parlamentares e disponibilizados ao público no formato de
notas taquigráficas
34
pelo site oficial da Câmara www.camara.gov.br.
Visto termos partido da hipótese de que haveria uma ligação entre a pressão no que
concerne à adoção de um veredicto que satisfaça a sociedade e a incidência de expressões
deonticamente modalizadoras nos discursos; a saber, quanto maior a pressão popular, mais
freqüentemente valer-se-iam os parlamentares de expressões capazes de apresentá-los à
opinião pública como autoridades dispostas a lutar pelos interesses da comunidade, os 44
discursos foram agrupados em ordem cronológica de proferimento, tendo como critério que
assinala o término de um grupo e início de outro acontecimentos que intensificaram os
embates entre os argumentos pró e contra pontos da proposta emanada do Executivo.
Segue-se a especificação dos grupos juntamente com a explanação dos aspectos contextuais
que separam um grupo de discursos de outro:
_________________________
34
No artigo 73 inciso VI do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, lemos: a nenhum
Deputado será permitido falar sem pedir a palavra e sem que o Presidente a conceda, e somente
após essa concessão a taquigrafia iniciará o apanhamento do discurso - grifo nosso. Ainda no
Regimento, agora no artigo 98 § 2º, lemos: Ao Deputado é lícito retirar na Taquigrafia, para
revisão, o seu discurso, não permitindo a publicação na ata respectiva. Caso o orador não devolva o
discurso dentro de cinco sessões, a Taquigrafia dará à publicação o texto sem revisão do orador -
grifo nosso.
64
1º GRUPO: Discursos proferidos de 22.02.2003 até 30.04.2003 [09 discursos]
Período em que os parlamentares discutiam em Plenário pontos de um texto que não
estava ainda sob julgamento do Legislativo. Os principais pontos a comporem o texto da
proposta em processo de elaboração no Executivo começavam a vir, gradativamente, à tona
e sobre tais manifestavam-se alguns parlamentares. Temos, portanto, as primeiras
discussões em Plenário.
2º GRUPO: Discursos proferidos de 06.05.2003 até 05.06.2003 [11 discursos]
No dia 30 de abril de 2003, o Presidente da República, juntamente com uma
comitiva de 27 Governadores, dirige-se à Câmara a fim de entregar os projetos de reformas
previdenciária e tributária. Ao chegar à Câmara, a proposta é encaminhada à Comissão de
Constituição e Justiça e Redação (CCJ) a fim de que seu teor seja julgado quanto ao critério
de constitucionalidade. após o parecer de constitucionalidade, pode o texto, de fato,
prosperar na Casa para efeito de votação em Plenário; caso o teor da proposta seja julgado
inconstitucional, não haverá votação em Plenário, sendo arquivada. Desta feita, os 11
discursos que constituem o grupo são proferidos enquanto os Parlamentares aguardam o
parecer da CCJ. Visto a íntegra da proposta agora ser de conhecimento público, a mídia
veicula as alterações no regime próprio da previdência do servidor público propostas pelo
Executivo mais intensamente, e as manifestações populares de (des)contentamento
começam a vicejar.
3º GRUPO: Discursos proferidos de 06.06.2003 até 04.07.2003 [12 discursos]
No dia 05 de julho de 2003, a Comissão de Constituição e Justiça e Redação da
Câmara emite parecer favorável quanto ao critério constitucionalidade da proposta de
Reforma da Previdência, aprovando-a por maioria dos votos (44 a favor e 13 contra), sem
emendas nem destaques. Temos, portanto, a 1º vitória da proposta no âmbito Legislativo. O
texto é encaminhado à Comissão Especial da Reforma da Previdência, onde os
parlamentares que desejam propor modificações ao texto da proposta devem buscar fazê-
las.
As manifestações de revolta por parte dos servidores públicos quanto ao parecer de
constitucionalidade da proposta ecoam pelo País, e uma sensação de inexplicabilidade
65
envolve a classe média brasileira. Afinal, em 1999, quando da votação, na mesma CCJ, da
Proposta de Emenda à Constituição nº 136/1999, a qual sustentava a necessidade de os
servidores públicos inativos voltarem a contribuir para a Previdência (um dos pontos
ressuscitados pela proposta de 2003), a bancada inteira do PT apresentou voto em separado,
defendendo a inconstitucionalidade da proposta, sendo esta, por fim, declarada por meio da
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn ) nº 2.010-DF.
4º GRUPO: Discursos proferidos de 09.06.2003 até 23.06.2003 [12 discursos]
No dia 08 de junho de 2003, servidores públicos federais deflagram greve nacional -
movimento grevista no Governo Petista – como evidência de repúdio ao texto da
proposta da Previdência. Período em que a discussão continua a prosperar na Casa, mas
agora sob o peso de uma greve nacional, findando com a votação e aprovação, no Plenário
da Comissão Especial da Reforma da Previdência, do relatório do Deputado José Pimentel.
Nesse dia, a Tropa de Choque da Polícia Militar reprime manifestação de servidores
públicos no Plenário da Casa do Povo. A proposta é aprovada em turno com poucas
alterações em seu texto inicial.
O quadro abaixo mostra a constituição e delimitação do corpus, indicando a
quantidade de modalizadores deônticos presentes em cada um dos grupos discursivos:
Número de
Discursos por Grupo
Número de palavras Número de
expressões
modalizadoras
deônticas
Número de
caracteres (sem
espaço)
1º Grupo: 09 5.025 42 26.339
2º Grupo: 11 6.438 64 34.479
3º Grupo: 12 7.008 30 37.809
4º Grupo: 12
5.867 53 31.525
Total: 44 24.338 189 130.152
Quadro 9: Delimitação do corpus – grupos de discurso em análise.
66
Por ocasião da constituição do corpus, buscamos estabelecer um volume
textual aproximado nos quatro grupos, daí a preocupação com o número de caracteres de
cada discurso coletado, a fim de que fosse viável o estabelecimento de comparações quanto
às categorias de análise levadas em conta por ocasião da apreciação das ocorrências.
Em um primeiro momento da apresentação da análise das 189 expressões
deonticamente modalizadoras, exporemos, em conjunto e em correlação com o que sucedeu
em cada um dos grupos nos quais reunimos os discursos, a análise quantitativa e qualitativa
dos meios lingüísticos instauradores de valores deônticos, dos valores instaurados, dos tipos
de fonte e alvo do valor deôntico, do comportamento do orador em relação ao valor
instaurado, bem como do tipo de frase na qual a expressão modalizadora se encontra e de
seu posicionamento na seqüência proferida.
Concomitantemente, faremos comentários acerca dos efeitos de sentido produzidos
pelos enunciados deonticamente modalizados, quando, então, versaremos acerca das
imagens transmitidas pelo orador de si à sua audiência em virtude das escolhas lingüísticas
envolvendo a expressão de valores deônticos.
Para a análise qualitativa, optamos, como expusemos no capítulo I, por uma
abordagem do fenômeno da modalização sob a óptica funcionalista, daí porque não
perdermos de vista, em ambos os momentos mencionados, a situação comunicativa: o
propósito de fala, seus participantes e seu contexto discursivo.
Para a análise quantitativa dos enunciados modalizadores deônticos, aplicamos aos
dados dois programas do pacote VARBRUL Makecell e Crostab. O primeiro é
responsável pelos cálculos porcentuais de freqüência relativa a cada variável; o segundo,
pelo cruzamento das variáveis. Embora nosso objeto de estudo não seja um fenômeno
lingüístico variável, à maneira como esse termo é definido pela Teoria da Variação
Lingüística, a adoção dos dois programas supracitados visa a permitir-nos a manipulação de
um volume considerável de dados com a garantia de que todos eles serão analisados sob
uma mesma perspectiva quantitativa.
67
4.3. Parâmetros para análise do Corpus
A fim de que possamos analisar em que medida as expressões modalizadoras
deônticas estão a serviço da persuasão em discursos políticos, buscamos elementos
sintáticos, semânticos e pragmáticos capazes de caracterizar o uso de tais expressões.
Exporemos, a seguir, tais parâmetros juntamente com exemplos retirados do nosso corpus.
Antes, portanto, julgamos necessário explicar as codificações presentes ao término de cada
trecho que servirá de exemplo ao expormos os parâmetros visando à compreensão da
metodologia utilizada na análise dos dados.
Ao término de cada trecho no qual encontramos expressão lingüística da
modalidade deôntica, há, entre colchetes, uma codificação que se reporta a cada um dos
parâmetros utilizados na análise. Em seqüência, também registramos o do discurso no
qual a seqüência foi encontrada. Na seqüência, expomos a codificação utilizada:
- Grupo ao qual o discurso pertence: b (1ª grupo); e (2ª grupo); j (3º grupo); M (4º grupo);
- Forma de expressão da modalidade deôntica: v (verbo auxiliar modal); V (verbo de
significação plena); a (adjetivo em posição predicativa); s (substantivo); d (advérbio); A
(adjetivo);
- Valor deôntico instaurado: 1 (Obrigação); 2 (Permissão); 3 (Proibição);
- Tipo de obrigação/ Tipo de proibição: x (externa); m (interna);
- Tipo de Permissão: g (sugestão); n (concessão); t (autorização); o (ordem);
- Fonte deôntica: I (indivíduo); i (instituição);
- Alvo deôntico: I (indivíduo); i (instituição);
- Comportamento do orador em relação ao valor instaurado: L (inclusivo); U (exclusivo);
- Tipo de frase na qual a seqüência modalizadora deôntica se encontra: 4 (asserção
afirmativa); 8 (asserção negativa no modal); 9 (asserção negativa no principal); r (asserção
negativa);
- Localização da expressão modalizadora deôntica no discurso: K (Introdução); Y
(Desenvolvimento); Z (Conclusão).
68
Optamos por registrar a codificação à medida que os parâmetros vão sendo
expostos. Desta feita, ao falarmos sobre formas de expressão, cada trecho do corpus
escolhido para ilustrar esse parâmetro vem apenas com a indicação, entre colchetes, do
grupo ao qual o discurso pertence e da forma lingüística nele presente; prosseguindo, ao
falarmos de valores deônticos, o leitor se deparará com trechos seguidos por três
codificações: grupo ao qual o discurso pertence, forma lingüística de expressão da
modalidade deôntica e valor deôntico instaurado e assim sucessivamente. Ressaltamos,
ainda, que as letras do alfabeto bem como os números que escolhemos para codificação dos
trechos foram opções pessoais guiadas por critérios menemônicos, não embasadas em
alguma codificação utilizada por estudiosos citados nesse trabalho.
a) Grupo no qual o discurso se encontra
Como os discursos que constituem o corpus foram agrupados em ordem cronológica
de proferimento, tendo como critério que assinala o término de um grupo e início de outro
acontecimentos que intensificaram os embates entre os argumentos pró e contra pontos da
proposta emanada do Executivo, a identificação do grupo ao qual o discurso pertence gera a
expectativa da presença de uma maior ou menor freqüência de expressões modalizadoras
deônticas. Essa expectativa justifica-se, conforme mencionamos, pela percepção da
existência de uma relação entre pressão no que concerne à adoção de um veredicto que
satisfaça a sociedade e a incidência de expressões deonticamente modalizadoras nos
discursos.
b) Formas de expressão
Conforme consideramos no capítulo 2, a expressão lexical da modalidade deôntica
pode se dar por meio de verbo auxiliar modal; verbo de significação plena; adjetivo em
posição predicativa; substantivos e adjetivos em posição não-predicativa, entre outras. Os
seguintes trechos retirados do nosso corpus ilustram, respectivamente, as formas de
expressão da modalidade deôntica mencionadas:
69
1) Portanto, toda lei deve ter como princípio e como fim o Homem e não o Estado, em
primeiro lugar.
35
[bv] Disc.2
2) Cabe ao Governo, portanto, adotar medidas capazes de evitar o pânico que ora se instala
na classe média quanto ao futuro e rever posicionamentos fixados na reforma da
Previdência que vão provocar graves perdas de renda nas futuras aposentadorias e pensões
desse importante segmento da população. [eV] Disc. 15
3) Mesmo admitindo a veracidade do dado, é preciso contar a verdade por inteiro.
[ba] Disc.
4) Sr. Presidente, as visitas às cidades e as conversas nas fábricas têm indicado a
necessidade de a comunidade ser mais bem informada. [bs] Disc.07
5) ... possibilitando a certas categorias profissionais omitirem-se da participação efetiva na
solução de problemas nacionais e elegendo grupos menos organizados para o sacrifício
necessário. [MA] Disc.31
Os advérbios foram encontrados em nosso corpus atuando não como meios de
expressão da modalidade deôntica, mas como intensificadores do valor deôntico instaurado,
conforme o exemplo a seguir ilustra:
6) Deixei muito claro que sou inteiramente contra privilégios garantidos a alguns poucos
pela atual legislação, os quais, portanto, devem ser rigorosamente eliminados.
[Mv] Disc.38.
________________________
35
Por julgarmos didático, optamos por iniciar uma nova numeração para fins de apresentação das
ocorrências do corpus. Desta feita, o leitor observará que a ocorrência ilustrativa de verbo auxiliar
modal com meio lingüístico de expressão da modalidade deôntica recebeu a numeração 1.
Lembramos que, em anexo, página 122 desse trabalho, estão todos os discursos dos quais extraímos
os exemplos citados.
70
No exemplo 6, percebemos o verbo auxiliar modal (dever) como meio de expressão
da modalidade deôntica intensificado por advérbio de modo rigorosamente. . No capítulo
destinado à análise, consideraremos a relevância tanto das marcas de asseveração como das
de atenuação dos valores deônticos instaurados para efeito da construção da persuasão.
c) Valores deônticos instaurados
Conforme fizemos menção no capítulo 2, a modalidade deôntica é caracterizada
como aquela que se encontra entre os pólos do obrigatório e do proibido, passando pelo
permitido. Na seqüência, apresentamos ocorrências que exemplificam esses valores:
7) Precisamos acabar com a idéia de que aposentadoria é benesse do Estado. obrigação
[ev1] Disc. 19
8) Mas hoje me permito falar da reforma da Previdência Social. – permissão [ev2] Disc.16
9) Não podemos ser apenas uma caixa de ressonância do Executivo. proibição [ev3]
Disc.20
c) Tipo de obrigação
Para análise do valor deôntico obrigação, valer-nos-emos da proposta de Almeida
(1988: 14), que estabelece a seguinte tipologia:
Obrigação moral (interna): Envolve o dever de consciência, profissional,
social e religioso. Esse tipo de obrigação se exprime na locução: ter
obrigação de [dever autodestinado]
Obrigação material (externa): Envolve a necessidade natural, física,
biológica ou fisiológica. Esse tipo de obrigação se exprime na locução: ser
obrigado a [dever transferido]
Obrigação gica: Envolve as leis do pensamento, o raciocínio lógico ou a
conveniência que entende premeditação. Para esse tipo de obrigação,
71
Almeida sugere a correspondência com expressões adverbiais tais quais:
obviamente, logicamente etc.
Por considerarmos que a obrigação lógica, segundo definição de Almeida, estaria
ligada à necessidade alética, não acolhemos esse subtipo do valor deôntico obrigação em
nossa análise. Desta feita, as ocorrências abaixo, respectivamente, ilustram a obrigação
interna e a externa:
10) E os servidores públicos do Brasil deverão ter grandeza suficiente para dar uma
contribuição a mais para construirmos uma sociedade mais solidária. [j v 1 m] Disc.21
11) Por outro lado, a aposentadoria integral, como garantia fundamental da chamada
Constituição Cidadã, deve prevalecer, no mínimo, para todos os agentes públicos das
chamadas carreiras de Estado, e que exercem funções indelegáveis à iniciativa privada. [j
v 1 x] Disc.27
Em 10, percebemos que o orador conclama os servidores públicos à prestação de
um dever cívico, recorrendo à necessidade de ter grandeza, atributo moral por tradição dos
grandes homens e mulheres, a fim de que possam participar da construção de uma
sociedade solidária, portanto mais justa. Notamos, assim, que o orador fundamenta a
obrigação a ser cumprida em valores morais. Em 11, por sua vez, ao demarcar claramente
seu posicionamento em relação a um dos pontos da proposta, a manutenção da
aposentadoria integral, o orador evoca a força da Lei. Percebemos que o orador fundamenta
a obrigação a ser cumprida em preceitos constitucionais. Enquanto em 10 valeu-se o orador
da emoção, evocando nos indivíduos sobre os quais a obrigação por ele instaurada recai
nobres sentimentos; em 11, o orador valeu-se do texto da Lei. Em outras palavras, diz-se
que o ser humano, por ensinamento, tem a obrigação de ser nobre, solidário, mas o homem
é obrigado a seguir os ditames legais para efeito de preservação das relações sociais.
d) Tipo de permissão
Para análise do valor deôntico permissão, valer-nos-emos, mais uma vez, da
proposta de Almeida (1988:164). Segundo Almeida, assim como no caso da obrigação, a
72
permissão pode assumir diferentes nuances, cujos extremos são sugestão e ordem, passando
intermediariamente pela concessão e autorização, conforme ilustramos a seguir:
PERMISSÃO
Sugestão Concessão Autorização Ordem
Podes crer. Podem rir de mim Doutor, pode entrar Rute, pode trazer fulana.
36
Em nosso corpus, encontramos os tipos de permissão classificados por Almeida
como concessão e sugestão, ilustrados, respectivamente, a seguir:
12) Mobilização esta que teve a orientação específica de construir as bases de
descontentamento popular para alavancar as “carreiras políticas” de seus candidatos,
conforme podemos entender pela atual postura do Governo Federal, ... [ev2n] Disc. 11
13)... e se o problema é a falta de alternativas, posso citar a defendida pelo pesquisador do
Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) ... [ev2t] Disc.11
Em 12, temos um caso de permissão do tipo concessão. Segundo o orador, as
atitudes do Governo Federal concedem margem à interpretação de ter havido má-fé entre o
que o partido do atual Governo mostrava ser antes de assumir o poder e o que ele mostra
ser após a vitória. Em 13, por seu turno, temos um caso de permissão do tipo sugestão. O
orador sugere ao auditório uma alternativa para a aparente falta de proposta.
___________________________________
36
Os exemplos que ilustram os tipos de permissão foram extraídos do trabalho de Almeida (1988),
não de nosso corpus. Mantivemos, assim, a coerência com o que vimos fazendo ao longo do
trabalho, ou seja, sempre que possível, optamos por exemplificar as definições concedidas pelos
estudiosos os quais estamos citando nesse trabalho com exemplos por eles concedidos.
73
e) Tipo de fonte deôntica
Conforme explanamos no subtópico a modalidade deôntica, menciona Lyons
(1977) que o valor deôntico deriva de alguma origem ou causa. Assim, se X reconhece ser
obrigado a executar uma ação, é porque existe alguém ou alguma coisa que X reconhece
como tendo autoridade para fazer recair sobre ele a obrigação de agir nesse ou naquele
sentido, podendo ser uma pessoa ou instituição a cuja autoridade X se submete; podendo
ser um corpo moral ou legal de princípios mais ou menos explicitamente formulado, ou até
uma compulsão pertinente à mente ou ao espírito. Temos, assim, que a instauração dos
valores de obrigação, permissão e proibição emanam de uma fonte.
No caso do discurso político, cada parlamentar tem o respaldo popular (o voto do
cidadão) para instaurar obrigações, permissões e proibições na defesa do interesse da
sociedade (ou de parte dela) aos demais parlamentares ou à esfera Executiva e Judiciária.
Na condição de representantes do povo, valem-se os parlamentares da sua própria condição
de autoridades legislativas e fiscalizadoras para instaurar valores deônticos, recorrendo a
valores consagrados, como interesse social, justiça, moralidade cristã, legislação vigente
etc.
Destacamos que, ao mencionarmos ser a fonte uma instituição (i) ou um indivíduo
(I), temos ciência de que, nem sempre, estamos lidando com uma variável dicotômica, pois,
quando, por exemplo, o parlamentar se posiciona na sua condição de membro do
Legislativo, ele instaura valores deônticos na condição de indivíduo que é parte de uma
instituição; assim, ao mesmo tempo em que fala por si, evoca toda uma classe. No capítulo
destinado à análise dos dados, voltaremos a essa questão com maior acuidade. Por ora,
apenas ilustraremos, com os exemplos a seguir, os tipos de fonte deôntica:
14) Segundo alguns formadores de opinião, o Parlamento deve estar bastante alerta para os
trechos da reforma proposta, que representam, nada mais nada menos, do que uma
privatização da Previdência, ... [ev1xI] Disc.20
15) Para ser médico, dentista, torneiro mecânico etc, não basta saber fazer, nem apenas ter
feito o curso, é preciso ter o aceite da sociedade expresso no diploma, caso contrário, seria
um charlatão. [ba1xi] Disc. 09
74
Enquanto, em 14, o orador voz a uma obrigação a ser cumprida pelo Parlamento
instaurada por alguns membros da classe dos formadores de opinião no Brasil (indivíduos);
em 15, o orador relembra uma obrigação a ser cumprida por todos os membros da
sociedade brasileira instaurada pela Lei vigente do País (instituição).
e) Tipo de alvo deôntico
Conforme mencionado no capítulo 2, Lyons entende por modalidade deôntica a
proposição relacionada à necessidade ou possibilidade de atos realizados por agentes
moralmente responsáveis. Sendo assim, aquele que é compelido à adoção de um
determinado proceder, por reconhecer a autoridade da fonte de onde emana a instauração de
um valor deôntico, constitui o alvo sobre o qual recai o valor instaurado.
A fim de que possamos entender sobre o que ou quem recai valores deônticos
instaurados no transcorrer da oratória política, faz-se mister analisar o referente da
incidência como individual ou coletivo; abrangendo desde os parlamentares, os quais
detinham o poder de aceitação ou rejeição da proposta oriunda do Poder Executivo, até a
sociedade brasileira como um todo, a qual, segundo a Constituição, detém a titularidade do
Poder Constituinte Originário.
37
Na seqüência, observamos a instauração de uma obrigação que incide sobre um
indivíduo (16) e, em (17), sobre uma instituição:
16) Uma nova e infeliz resposta veio ontem com o discurso do Presidente, que diz que
ninguém nem nada secapaz de deter seu ímpeto reformista. Numa atitude absolutamente
antidemocrática e messiânica, desafiou a Constituição, o Congresso Nacional, o Judiciário e
a população brasileira, mostrando uma coragem que, infelizmente, deveria ter mostrado
perante o Presidente dos Estados Unidos, George Bush, e o FMI, mas não o fez. [jv1mII]
Disc.29
_________________________
37
A expressão Poder Constituinte Originário diz respeito ao poder de elaboração da Carta Magna a
reger a vida social de um povo. Como vivemos sob um regime democrático representativo, o titular
desse poder é o povo, que o delega a representantes eleitos por meio de sufrágio direto e universal.
Desta feita, os valores deônticos instaurados nos discursos recaem, mais freqüentemente, sobre os
parlamentares como indivíduos, sobre o Parlamento como instituição legisladora e fiscalizadora e
sobre aqueles que concederam aos parlamentares a legitimidade de versar sobre os interesses da
coletividade.
75
17) Quero falar, Sr. Presidente, sobre algumas incongruências que percebo no projeto, e
esta Casa precisa se empenhar para aperfeiçoá-la, para o bem da população brasileira e de
suas entidades representativas. [ev1mIi] Dic.16
Em 16, o orador instaura uma obrigação que recai sobre o Presidente da República,
em 17, o orador instaura obrigação que recai sobre a Câmara dos Deputados, como
instituição.
f) Comportamento do orador quanto ao valor instaurado
Ao citarmos, no capítulo 1, o conceito de “adoção de diferentes máscaraspresente
em Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), mencionamos que o orador, no intento de
conquistar a adesão de integrantes de um auditório heterogêneo, recorre à adoção de
diferentes faces a fim de conduzir o auditório à aceitação do ponto de vista por ele
defendido. A inclusão ou exclusão do orador na incidência do valor deôntico instaurado é,
portanto, relevante estratégia persuasiva, à medida que confere ao orador essa possibilidade
de adoção de distintas faces. Com base nesse recurso retórico, algumas vezes o orador se
coloca entre aqueles sobre os quais recai a responsabilidade de executar os valores
deônticos instaurados, comprometendo-se, assim, a agir, como em (18), outras vezes, o
orador assinala nítida distância entre aqueles que precisam agir e ele, colocando-se como
aquele a quem não compete diretamente executar uma ação, o que não o impede de
pressionar aqueles a quem ele atribui obrigações, como em (19); ou como aquele que
cumpriu sua parte na execução da tarefa, cabendo, agora, a outrem agir (20).
18) Devemos fazer emendas que possibilitem ao Governo brasileiro assegurar uma
aposentadoria para quem trabalhou toda sua vida neste País. Este é o debate que devemos
fazer com responsabilidade neste Parlamento. [bv1mIIU] Disc.08
19) O Partido dos trabalhadores, que chegou ao Governo, tem de chegar também ao poder
e dobrar o salário mínimo, como fez Getúlio Vargas, mesmo tendo que prestar contas ao
FMI. [ev1mIiU] Disc.16
76
20) Aqueles que governaram este país têm que assumir a responsabilidade, ter
autocrítica e dizer em que erraram, para que o atual Governo possa construir um sistema
previdenciário responsável para a grande maioria do povo brasileiro. [bv1mIIU] Disc.08
Percebemos que, em (18), o orador insere-se entre aqueles que devem fazer
emendas, devem debater, assumindo perante seu auditório o compromisso de participar da
execução da obrigação que acaba de instaurar. Em (19), no entanto, o orador não se insere
entre aqueles a quem compete dobrar o salário mínimo e prestar contas ao FMI, pois delega
essas incumbências ao Partido dos Trabalhadores, legenda distinta da sua, assumindo,
assim, o compromisso de cobrar as ações devidas a quem as compete realizar e de
denunciar. Já em (20), o orador, na condição de integrante do Partido do Presidente da
República, instaura obrigação que não recai sobre ele, tendo em vista ter assumido seu
grau de participação efetiva no cumprimento da tarefa.
g) Tipo de frase
Julgamos que a análise do modo de atuação das seqüências modalizadoras deônticas
na construção da persuasão em discursos políticos também deve passar pela consideração
do tipo de frase nas quais essas seqüências se encontram a fim de que possamos verificar
quais os tipos frasais nos quais a modalidade em análise mais caracteristicamente se faz
presente no tipo de discurso em tela.
Dada a relevância da pergunta retórica para efeito de persuasão, bem como de frases
exclamativas, capazes de enfatizar a perplexidade do orador ante a uma faceta do tema
considerado, supúnhamos que esses tipos frasais seriam recorrentes em nosso corpus. No
entanto, constatamos a predominância de asserções afirmativas e de asserções negativas,
ambas de cunho imperativo
38
, o que condiz com o fato de ser a modalidade deôntica
possuidora de uma conotação muito forte de ordem, pedido ou conselho.
__________________________
38
Não estamos fazendo referência ao modo verbal. Utilizamos o termo imperativo para indicar que
percebemos, nos tipos frasais recorrentes no corpus, conotações (ordem, pedido, conselho) que são,
por tradição, entendidas como manifestas pelo modo verbal imperativo, mas não são exclusivas
deste. Para marcarmos essa distinção, estamos optando por falar em cunho imperativo.
77
Os exemplos, a seguir, mostram os tipos frasais recorrentes em nosso corpus,
respectivamente, asserção afirmativa e asserção negativa, ambas de cunho imperativo:
21) Devemos apoiar aquilo que for bom para o País e recusar os pontos negativos.
[ev1mIIL4Y] Disc.20
22) Não podemos ser apenas uma caixa de ressonância do executivo. [ev3mIIL8] Disc. 20
Em 21, temos uma asserção afirmativa; enquanto em 22, temos uma asserção com
um operador de negação incidindo sobre o modal.
h) Localização da seqüência modalizada no discurso
Tendo em vista ser nosso objetivo contribuir para a construção do elo entre
modalidade deôntica e construção discursiva, julgamos apropriada a verificação e a análise
da relação entre expressões deônticas e seu posicionamento no corpo da estrutura oratória:
se nas palavras iniciais do orador; se no desenvolvimento do seu ponto de vista; se em suas
palavras concludentes. Vejamos, abaixo, exemplos de seqüências localizadas no que
percebemos ser esses três distintos pontos no discurso nº 31 de nosso corpus.
Logo em suas palavras iniciais, o orador expressa sua anuência quanto à
necessidade de realização da reforma, conclamando a Nação a agir,conforme vemos em 23:
23) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, quero falar de uma visão cidadã da Reforma da
Previdência. O País está em crise e necessita da participação dos brasileiros. [jV1mIIU4K]
Após os brasileiros terem sido conclamados a atuar na resolução da crise, o orador
passa a detalhar, no desenvolvimento de sua argumentação, o modo como ele concebe a
realização da Reforma. Para cada ponto por ele salientado, a precedência de um
modalizador deôntico, conforme podemos constatar nos trechos a seguir:
24) Na esfera estatal, precisamos combater com extremo rigor a sonegação e a apropriação
indébita com ões que resultem na fiscalização constante e na cobrança judicial incansável
78
das procuradorias, enquanto se aperfeiçoa e se simplifica a legislação em tela.
[jV1mIIU4Y]
25) É preciso restabelecer um Estado de Direito capaz de rechaçar a prática da sonegação
fiscal como estratégia de competitividade. [ja1mIIU4Y]
26) Na iniciativa privada, empresários e autônomos, grandes, médios e pequenos, precisam
reordenar suas ações, patrocinando a consolidação do novo sistema, contribuindo conforme
determinado em lei. [jv1mIIU4Y]
27) Quanto à contribuição previdenciária dos atuais e futuros beneficiários, precisamos de
regras gerais e claras, deixando de lado pleitos que busquem transformar o juiz, o militar, o
promotor, o político, o servidor público, ou qualquer outro grupo, em brasileiros especiais.
[jV1mIIL4Y]
28) No caso em tela, tais beneficiários devem contribuir, pois as normas que lhes
permitiram as condições em que se encontram seus benefícios não estavam amparadas por
análises atuariais e econômicas consistentes. [jv1mIIU4Y]
Constatamos que, em (24) e (25), o orador instaura obrigações que recaem sobre os
parlamentares, pois dizem respeito à atuação legislativa; em (26), por sua vez, o orador
instaura obrigação que recai sobre os empresários; já em (27), o orador, novamente instaura
obrigação que recai sobre os parlamentares, afinal, a eles compete o estabelecimento das
tais regras gerais e claras; em (28), por fim, o orador instaura obrigação que recai sobre os
beneficiários que, de algum modo, foram indevidamente beneficiados. Percebemos, assim,
que, as várias tarefas a serem cumpridas por diferentes agentes a fim de que a Reforma seja
satisfatória, na concepção do orador, são mencionadas, no decorrer do desenvolvimento do
discurso, como escopo de uma expressão modalizadora deôntica.
Em suas palavras finais, arremata o autor sublevando a defendida necessidade da
Reforma, destacando ser sua realização uma questão de justiça e colocando-se entre os que
têm a obrigação de realizá-la:
79
29) Nós, na condição de Parlamentares, temos que promover justiça a todo o povo
brasileiro. Era o que tinha a dizer. [j v 1 m I I U 4 Y]
Expostos e exemplificados os parâmetros acima, enfatizamos que ainda outros
fatores se fizeram notar ao nos debruçarmos sobre as seqüências lingüísticas de nosso
corpus, e a estes não deixamos de considerar no capítulo V, destinado à análise mais
detalhada dos dados. São eles: as marcas de asseveração da força ilocucionária e o recurso à
citação, por parte do orador, de valores deônticos instaurados por terceiros.
4.4. Síntese
Iniciamos o quarto capítulo dando a conhecer o modo de funcionamento da Câmara
dos Deputados a fim de elucidar os fatores que compõem as condições de produção do
discurso político proferido na Câmara. Embasados no Regimento Interno da Câmara,
expusemos os tipos de sessões legislativas preparatórias, ordinárias, extraordinárias e
solenes – e suas peculiaridades, quando, então, tornamos clara nossa predilão, para efeito
de constituição do corpus, por discursos proferidos em sessões ordinárias e extraordinárias
em função do caráter de debate e deliberação presente nessas sessões. Aprofundando nosso
conhecimento, versamos acerca da constituição das referidas sessões, quando então
explicamos a distinção entre Pequeno Expediente e Grande expediente. Assumimos nossa
opção por trabalhar com discursos proferidos no Pequeno Expediente para que pudéssemos
lidar com um maior número de discursos e, assim, termos acesso a uma diversidade maior
de pontos de vista. Ainda na primeira parte desse capítulo, transcrevemos alguns artigos do
Regimento da Câmara, os quais versam acerca da postura física a ser adotada pelo
parlamentar que discursa em plenário, do tipo de vocabulário a ser adotado etc. Concluindo
o primeiro tópico desse capítulo, consideramos estratégias e argumentos recorrentes em
discursos de nosso corpus em correlação com o posicionamento adotado pelos
parlamentares na discussão do Projeto de reforma da Previdência, tema sobre o qual os
discursos do corpus versam, quando então pudemos vislumbrar a aplicabilidade do modelo
de interação verbal de Dik (1989,1997).
Na continuidade, buscamos explicitar a constituição do corpus. Esse é composto por
44 transcrições de discursos proferidos no Pequeno Expediente de Sessões Ordinárias e
80
Extraordinárias durante o período de tramitação da proposta de Reforma da Previdência
Social. Para efeito de análise, os abrigamos em quatro grupos, tendo, como critério que
assinala o término de um grupo e início de outro, acontecimentos que intensificaram os
embates entre argumentos pró e contra pontos da proposta emanada do Executivo.
Finalizamos o segundo subtópico desse capítulo expondo nossa metodologia de análise
quantitativa e qualitativa.
Na seqüência, apresentamos os parâmetros para análise do Corpus juntamente com
trechos de discursos que ilustram os elementos sintáticos, semânticos e pragmáticos
escolhidos por nós, a saber: grupo de discurso; meios lingüísticos de expressão da
modalidade deôntica; valor deôntico instaurado; obrigação, permissão e proibição:
subtipos; fonte e alvo deôntico no discurso político; comportamento do orador quanto ao
valor deôntico instaurado; tipo de frase; localização da seqüência modalizadora no
discurso; marcas de atenuação e asseveração da força ilocucionária.
81
CAPÍTULO V A MANIFESTAÇÃO DA MODALIDADE DEÔNTICA EM
DISCURSOS POLÍTICOS
Neste capítulo, retomaremos os elementos sintáticos, semânticos e pragmáticos
considerados no capítulo anterior, por ocasião da apresentação dos parâmetros de análise do
corpus, a fim de empreendermos discussão dos dados provenientes da análise dos 44
discursos que compõem o corpus dessa pesquisa.
5.1. Grupo de discurso: etapas de discussão da reforma
Conforme expusemos no capítulo III, ao apresentarmos a constituição do corpus,
para verificarmos hipótese de existência de uma relação entre aumento da pressão sobre os
parlamentares, no que tange à adoção de resoluções capazes de satisfazer a opinião popular,
e intensificação do uso de expressões deonticamente modalizadoras em pronunciamentos
legislativos, organizamos os discursos de nosso corpus em grupos. Desta feita, dispomos
os 44 discursos em 4 grupos, de tal modo a visualizarmos um percurso que tem como ponto
inicial os primeiros pronunciamentos de parlamentares acerca da Proposta de Reforma da
Previdência (início do semestre do Governo Lula) até a aprovação do texto da proposta
em primeiro turno (final do 1º semestre do Governo Lula).
Assim, do 1º grupo para o 2º, constatamos uma intensificação da utilização de
expressões deonticamente modalizadoras [22 trechos a mais: 42 expressões (1º grupo) / 64
expressões (2º grupo)]; do 2º para o 3º grupo, percebemos uma menor recorrência às
expressões lingüísticas da modalidade deôntica [34 trechos a menos: 64 expressões (2º
grupo) / 30 expressões (3º grupo)]; por fim, do grupo para o , nova intensificação é
verificada [23 trechos a mais: 30 expressões (3º grupo) / 53 expressões (4º grupo)].
Ao relacionarmos a freqüência de uso de expressões da modalidade deôntica com a
etapa de discussão da reforma na qual o discurso foi proferido, confirmamos a existência de
um elo entre pressão social sobre os oradores e freqüência de uso de expressões
deonticamente modalizadoras.
Os primeiros nove discursos de nosso corpus (grupo 1) foram proferidos em um
período que antecede a chegada do texto oficial da proposta de Reforma à Câmara; trata-se
de um período inicial de discussão. Nesse, os parlamentares estão considerando a
82
necessidade de realização da proposta, o que a proposta deve conter e começam,
incipientemente, a rebater argumentos de seus pares a fim de conduzir a audiência à
aceitação do modo como desejam que a questão seja percebida.
Quando o texto é entregue para apreciação da Casa, a “batalha discursiva”
intensifica-se, pois, para que o texto possa prosperar em Plenário, é preciso ter sua
constitucionalidade reconhecida. O parecer de constitucionalidade representa a primeira
vitória dos defensores do projeto; a não-aprovação, por sua vez, é derrota inconteste, pois o
parecer da Comissão de Constituição e Justiça da mara (CCJ) é terminativo, o que
resulta na impossibilidade de tramitação de um texto na Casa. Assim, nesse período, os que
defendem a legitimidade do projeto e os que se mostram a ele contrários intensificam a
defesa de seus pontos de vista a fim de procurar influir tanto na decisão de seus pares que
estão na CCJ quanto na opinião dos membros da sociedade. Recorrem os oradores bem
mais a expressões modalizadoras deônticas nesse grupo do que no inicial.
Analisando, contextualmente, o decréscimo do uso de expressões modalizadoras
deônticas do 2º para o grupo, compreendemos que, após o parecer favorável da CCJ,
entra o processo de embate argumentativo em uma fase de calmaria para os que obtiveram
a primeira vitória e de reavaliação das estratégias argumentativas para aqueles que estão na
oposição ao conteúdo do texto emanado do Executivo.Desta feita, enquanto os que viram a
derrocada de seu intento de derrubar a proposta na CCJ precisam reformular a
argumentação, os vitoriosos não têm por que fazer a defesa de seu posicionamento com a
intensidade de outrora. É nesse grupo que encontramos a maior quantidade de discursos
sem expressão alguma da modalidade deôntica (Dos 44 discursos que compõem o corpus,
em cinco deles verificamos a inexistência de expressões da modalidade deôntica; três
desses discursos estão localizados no grupo) e o maior número de discursos nos quais
não há adoção de um posicionamento taxativo por parte do orador quer a favor do conteúdo
da proposta, quer contra.
Do para o grupo, temos nova intensificação do uso de expressões
modalizadoras deônticas. Essa intensificação é justificável tanto pela proximidade da
votação do relatório, cujo resultado significará vitória ou derrota do projeto em turno,
quanto pela pressão de uma greve nacional dos servidores públicos.
83
Em consonância com o modelo de interação verbal de Dik (1989), ao nos
engajarmos em um ato de interação verbal, quando na posição de falantes, produzimos
expressão lingüística em função de uma dada intenção, da informação pragmática que
dispomos e da antecipação que fazemos de qual seja a possível interpretação daquele com o
qual interagimos. Sendo assim, parece-nos que utilizar expressões lingüísticas que tornam a
defesa de um modo de perceber o objeto em discussão, em um dado momento, mais
incisiva é tão relevante quanto saber qual o momento de não utilizar tais expressões ou
fazê-lo menos freqüentemente.
Notamos, assim, que, visando obter sucesso na modificação da informação
pragmática dos membros da audiência, as expressões modalizadoras deônticas se fizeram
presentes nos discursos de nosso corpus de modo estratégico, na defesa dos pontos de vista
mais diversos sobre o mesmo objeto em análise.
Nossa primeira constatação atesta, portanto, a relevância da análise da enunciação,
conforme expusemos no tópico A manifestação da categoria modalidade (cap. II), para a
devida abordagem do fenômeno modalidade, tendo em vista a complexidade dessa
categoria. Sem a devida observância ao percurso de tramitação do projeto de reforma
previdenciária no âmbito Legislativo, não seria possível asseverar a relação entre o
momento em que se encontra a discussão e o maior ou menor uso de expressões da
modalidade deôntica como o fazemos agora.
5.2. Meios lingüísticos de expressão da modalidade deôntica.
Em cada um dos quatro grupos nos quais organizamos os discursos que compõem
nosso corpus, assim como na análise dos grupos em sua totalidade, constatamos ser o verbo
auxiliar modal o mais recorrente meio lingüístico de expressão da modalidade deôntica. Na
seqüência, apresentamos os porcentuais das formas de expressão da modalidade deôntica
no corpus em sua totalidade (tabela 01):
84
Verbo auxiliar
modal
N %
Verbo de
significação
plena
N %
Adjetivo em
posição
predicativa
N %
Substantivo
N
%
Adjetivo
N %
126 67 17 9
31 16 7 4 7 4
Tabela 01 – Formas de expressão da modalidade deôntica no discurso político.
Na tabela 01, temos, em ordem decrescente de produtividade, o verbo auxiliar
modal, o adjetivo em posição predicativa, o verbo de significação plena e substantivos e
adjetivos compartilhando a posição de menor produtividade.
Na tabela 02, na seqüência, vemos como os meios lingüísticos de expressão da
modalidade deôntica se distribuem nos grupos:
Grupos
Verbo
auxiliar
modal
N %
Verbo de
significação
plena
N %
Adjetivo em
posição
predicativa
N %
Substantivo
N %
Adjetivo
N %
1
26 62
2 5
8 19
5 12
1 3
2
46 73,4
5 7,9
9 14
1 1,6
2 3,1
3
18 60
6 20
4 13,3
0 0
2 6,7
4
36 68
4 7,3
10 19
1 1,9
2 3,8
Tabela 02 – Formas de expressão da modalidade deôntica em cada grupo de discurso
político
Percebemos que, apenas no 3º grupo, identificamos uma maior produtividade do
verbo de significação plena (20%) se comparado ao adjetivo em posição predicativa (13,
3%); e a ausência de substantivos como meio de expressão da modalidade deôntica. No
entanto, as diferenças quantitativas, no que tange aos meios de expressão, percebidas entre
85
um grupo e outro, são pequenas, o que nos respalda a asseverar ser o que encontramos na
análise do corpus na sua totalidade um reflexo bem próximo do que ocorreu nos grupos
individualmente.
No que concerne ao tipo de verbo auxiliar empregado, verificou-se uma maior
freqüência do verbo dever (36%) indicativo de obrigação (em afirmativas) e proibição (em
negativas), conforme podemos constatar, respectivamente, nos exemplos a seguir:
30) Assim sendo, salvo melhor juízo, duas vertentes de análise devem ser observadas. [M v
1 m I I U 4 Y] Disc.41
31) Não se deve simplesmente bater o e dizer que quem é da base do Governo tem de
votar de acordo. Não é assim. [e v 3 m I I U 8 Y] Disc.16
Com segunda maior freqüência (24%), é utilizada a expressão ter que/de. Tal
expressão também é característica do valor deôntico de obrigação, conforme vemos na
ocorrência a seguir:
32) A reforma da nossa Previdência tem que ser feita e vai receber meu total apoio. [e v 1 x
I I U 4 Y] Dis.16
O verbo poder, por sua vez, é utilizado em 23% das ocorrências, freqüentemente
com valor de uma negação de permissão, isto é, de uma proibição. A ocorrência, abaixo,
ilustra o que acabamos de mencionar:
33) Por tudo isso, não podemos votar o texto da reforma da Previdência Social sem antes
discuti-lo com profundidade. [e v 3 x I I L 8 Y] Disc.16
O verbo precisar manifesta-se em 17% das ocorrências, indicando uma necessidade
deôntica, ou seja, uma obrigação:
34) Quero falar, Sr. Presidente, sobre algumas incongruências que percebo no projeto, e
esta Casa precisa se empenhar para aperfeiçoá-lo, para o bem da população brasileira e de
suas entidades representativas. [e v 1 x I i U 4 Y] Disc.16
86
A diferença mais evidente entre as qualificações modais feitas nos discursos em que
os oradores demonstram ser favoráveis à proposta e naqueles em que houve manifestação
de desfavor ao conteúdo do texto em apreciação está no uso do verbo dever. Observamos
que os oradores que se manifestam contrários à proposta fazem mais uso do modal dever
(70%) em orações assertivas afirmativas, instaurando obrigações nas quais se incluem,
segundo observamos no exemplo (35).
35) Devemos fazer emendas que possibilitem ao Governo brasileiro assegurar uma
aposentadoria para quem trabalhou toda sua vida neste País. [bv1mIIU4Z] Disc.8
Por sua vez, os oradores que manifestam um posicionamento favorável à proposta
utilizam, mais freqüentemente, o modal dever (66%) também em orações assertivas
afirmativas, mas instaurando obrigações das quais se excluem, como podemos ver em (36).
36) Aqueles que radicalizam o discurso contra a reforma da Previdência dos servidores
públicos parecem esquecer que a atual conjuntura acaba onerando absurdamente as
finanças públicas, e, conseqüentemente deveriam ter eles esse discernimento, finda por
impingir à grande maioria da sociedade brasileira, exatamente a que vive nas piores
condições, a responsabilidade de garantir e financiar um sistema mal planejado de
benefícios previdenciários. [ev1mIIU4Y] Disc.12
Quanto aos oradores que optaram por não adotar uma posição taxativa (contra/ a
favor), estes se valeram, mais freqüentemente, de adjetivos em posição predicativa (60%),
com destaque para a alta produtividade da expressão é preciso, tal como observamos em
(37):
37) É preciso um correto diagnóstico dos problemas, para que se possa avaliar se realmente
necessitamos reformar nosso Direito Positivo. A opinião pública vem sendo mobilizada,
nos últimos 10 anos, a favor de algumas reformas. [Ma1mIIU4Y] Disc.41
Percebemos que, enquanto os oradores que se manifestaram contrários à realização
da proposta, nos moldes emanados do Executivo, transmitiram ao auditório a imagem de
disposição no que concerne a empreender tarefas necessárias à realização de alterações no
87
regime previdenciário benéficas à população; os que manifestaram posicionamento
favorável valeram-se, com mais freqüência, da imagem de cumpridores de seus deveres e
utilizam o verbo dever na tentativa de mostrar à opinião pública o que compete a outrem
realizar, conforme ilustram, respectivamente, os exemplos (35) e (36).
Por sua vez, o uso do verbo dever não tem o mesmo destaque nos discursos nos
quais os oradores optaram pela não manifestação de um posicionamento quer
absolutamente contrário quer absolutamente favorável. Nestes, adjetivos em posição
predicativa são mais recorrentes (é preciso, é importante, é urgente, é necessário). Por
meio dessa expressão da modalidade deôntica, os oradores vestiram a máscara da
conscienciosidade, ou seja, sem expressarem, diretamente, sobre quem recai a obrigação
que estão a instaurar, mostraram-se preocupados com determinadas questões, as quais são
por eles defendidas como relevantes à execução de mudanças no regime previdenciário, de
fato, benéficas à sociedade. Ao colocar como foco central o que é preciso, urgente,
necessário, importante... realizar, e não a quem compete realizar, o discurso perde a força
do embate argumentativo entre grupos de posicionamento divergente e ganha um aspecto
de “convocação à reflexão”, que constitui, sem dúvida, estratégia retórica de muita valia.
5.3. Valor deôntico instaurado
Conforme mencionamos ao expormos os parâmetros de análise do corpus,
consideramos os valores de obrigação, permissão e proibição nesta investigação da análise
deôntica. Na tabela, a seguir, apresentamos os porcentuais dos valores deônticos no corpus
em sua totalidade (tabela 03):
Obrigação
N %
Permissão
N %
Proibição
N %
151 80
6 3
32 17
Tabela 03 – Valores deônticos instaurados no discurso político
Constatamos a alta produtividade da instauração de obrigações por parte de todos os
oradores (80%), o que é justificável se levarmos em conta o acirramento natural do embate
88
discursivo quando está em jogo demarcações de eleitorado. Todos os 513 parlamentares
compartilham a mesma legitimidade oriunda do voto livre e secreto para atuar como
autoridades legislativas e fiscalizadoras, o que os torna igualmente em condições de
delegarem tarefas uns aos outros, a membros de outras instâncias e às próprias instâncias
existentes na sociedade quando na defesa dos interesses da parcela da coletividade que
representam. Os exemplos abaixo ilustram o que acabamos de mencionar:
38) Quero falar, Sr. Presidente, sobre algumas incongruências que percebo no projeto, e
esta Casa precisa se empenhar para aperfeiçoá-lo, para o bem da população brasileira e de
suas entidades representativas. [ev1xIiU4Y] Disc.16
39) Quanto ao grande e sofrido contingente de 19 milhões de pessoas que trabalham por
conta própria ou sem remuneração, o Executivo e o Congresso Nacional estão lhes devendo
aperfeiçoamento da reforma previdenciária, a fim de garantir um mínimo de proteção.
[jV1mIiL1Y] Disc.25
40) Temos de apresentar uma proposta de reforma da Previdência que combata privilégios,
que assegure direitos e que resposta aos nossos filhos que, se Deus quiser, trabalharão e
precisarão de Previdência que tenha sustentabilidade. [bv1mIIL4Y] Disc. 7
Observamos que a obrigação presente no exemplo (38) é instaurada pelo orador e
recai sobre a instituição a que o Deputado, que se mostrou contrário ao texto da proposta ao
longo de seu discurso, pertence. No exemplo (39), temos um caso de instauração de
obrigação por parte de um orador que não manifestou posicionamento taxativo em seu
discurso. Este, ao optar por trazer à tona questões que, na sua concepção, precisam ser
tratadas com maior profundidade, instaura obrigação que recai sobre a Câmara e o Senado
(Congresso Nacional) e sobre o Poder Executivo. Em (40), o orador, favorável ao teor da
proposta em discussão, instaura obrigação que recai sobre os parlamentares quais
indivíduos, inclusive sobre si próprio. Percebemos, portanto, a alta produtividade da
instauração de obrigações independentemente do posicionamento (taxativo quer
contrário, quer favorável – não-taxativo) adotado pelo orador.
Na tabela 04, na seqüência, vemos como os valores deônticos instaurados nos
discursos políticos se distribuem nos grupos:
89
Grupos Obrigação
N %
Permissão
N %
Proibição
N %
1
36 86
2 5
4 9
2
48 75
4 6
12 19
3
26 87
0 0
4 13
4
41 77
0 0
12 23
Tabela 04 – Valores deônticos instaurados em cada grupo de discursos políticos
A alta produtividade da instauração de obrigações revelou-se, segundo nos mostra a
tabela 04, em todos os grupos de discursos políticos. Podemos afirmar, desta feita, ser o
discurso político em análise caracterizado pela instauração de obrigações, ora recaindo
sobre instituições, ora sobre indivíduos, ora enfatizando a responsabilidade e, portanto, o
compromisso, de toda uma classe, ora o de indivíduos em suas funções de representantes do
povo etc.
A instauração de proibições, por seu turno, fez-se mais freqüente em discursos nos
quais o orador manifesta não ser favorável ao conteúdo do texto em apreciação. Tanto o é
que, das trinta e duas ocorrências de proibições encontradas no corpus, vinte e três se
fizeram presentes em tais discursos. Na seqüência, trechos retirados de dois discursos de
nosso corpus ilustram a atuação de expressões modalizadoras deônticas em seqüências que
instauram proibições em discursos nos quais os oradores expressam sua não anuência ao
texto em discussão:
41) Por tudo isso, não podemos votar o texto da Reforma da Previdência Social sem antes
discuti-lo com profundidade. [ev3xIIL8Z] Disc.16
42) O que o inativo quer é simplesmente o cumprimento de um contrato, que não pode ser
rompido unilateralmente pelo Governo, em benefício próprio. [ev3xIIx8Z] Disc.19
90
Ambos os trechos arrematam discursos mediante instaurações de proibições. Em 41,
o orador, depois de todos os argumentos por ele apresentados como desabonadores do texto
na conformação em que este chegou à Câmara, conclui não ser lícito que ele e seus pares
votem o texto da Reforma do modo como ele se apresenta. Em (42), por sua vez, o orador
arremata relembrando aos membros de seu auditório uma cláusula constitucional segundo a
qual mudanças em contratos podem ocorrer quando as partes neles envolvidas
concordam, e os inativos não estão a concordar com as mudanças que o Governo propõe
em seus contratos de trabalho. Percebemos que as proibições atuam no sentido de demarcar
pontos considerados pelo orador como ilícitos, impróprios, prestando-se, muitas vezes, à
denúncia. A alta produtividade de expressões proibitivas na conclusão dos discursos é,
portanto, digna de nota, tanto o é que, das trinta e duas ocorrências presentes no corpus,
quinze estão localizadas em trechos conclusivos, ou seja, nas palavras finais dos discursos.
No que diz respeito ao valor de permissão, este foi rarissimamente instaurado; fez-
se presente em apenas três (Discursos 7, 11 e 16) dos 44 discursos de nosso corpus.
Vejamos, abaixo, exemplos, de seqüências instauradoras de permissões para que possamos
considerar em que medida atuam na construção da persuasão em discursos políticos:
43) Por experiência de vida, posso ter divergências e dúvidas em relação à Reforma da
Previdência Social, mas a confiança que tenho no Governo Lula é extraordinariamente
superior a qualquer dúvida que possa ter. [bv2lIIL4Y] Disc.07
44) E se o problema é a falta de alternativas, posso citar a defendida pelo pesquisador do
Instituto de Pesquisas Aplicadas (lPEA) e Superintendente da Escola Nacional de Ciências
e Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Kaizô Beltrão, um
dos principais especialistas no assunto do País. [ev2tlIIU4Y] Dis.11
Em (43), o orador, visando aproximar-se daqueles que demonstram ter uma opinião
distinta da sua em relação à aceitação do texto da Proposta, concede-se o direito de
divergir. Mesmo na condição de apoiador do Governo, o orador concede a si mesmo a
possibilidade de discordar do texto proposto, mostrando, assim, aos que divergem que isso
é natural, o que não deve abalar a confiança na proposta emanada do Executivo. Em (44),
por sua vez, ocorre a instauração de sugestão. Diante da alegada inexistência de uma
91
proposta melhor do que a provinda do Executivo, o orador sugere a apreciação da
alternativa por ele citada. Desta feita, o orador não está buscando aproximar-se de parte de
seu auditório que dele diverge, mas está mostrando conhecimento do ponto sobre o qual
está debatendo ao mesmo tempo em que procura evidenciar ao seu auditório ser falaciosa a
alegação de não haver proposições capazes de substituir a que está sob análise. Enquanto
em (43) uma concessão foi utilizada para efeito de aproximação entre partes discordantes,
em (44) uma sugestão foi utilizada como mecanismo de contra-argumentação, visando pôr
em xeque a análise divergente.
5.4. Obrigação, permissão e proibição: subtipos.
Conforme mencionamos no capítulo anterior, para análise dos tipos de valores
deônticos instaurados, utilizamos a proposta de Almeida (1988). Desta feita, na tentativa de
flagrar as distintas e, por vezes, sutis nuances na instauração de valores deônticos,
adotamos, parcialmente, a classificação de Almeida na análise das obrigações e proibições,
caracterizando-as como dever transferido (externas) ou como dever autodestinado
(internas), e, integralmente, na análise das permissões, analisando-as como sugestão,
concessão, autorização ou ordem.
Quando, por ocasião da instauração de uma obrigação ou proibição, o orador recorre
a atributos tradicionalmente cultuados, em nossa sociedade, como pertencentes aos homens
de bem justiça, coerência, lealdade, solidariedade a fim de fundamentar, respaldar o
valor instaurado, afirmamos estar diante quer de uma obrigação interna, quer de uma
proibição interna. Valendo-se de um expediente lingüístico sugerido por Almeida,
estaríamos diante de um enunciado que poderia ser parafraseado como temos a obrigação
de... Somos, de fato, ensinados que temos a obrigação de compartilhar, de ponderar as
conseqüências de nossos atos... (proceder moralmente desejável); por outro lado, ouvimos
que temos a obrigação de não nos julgarmos superiores aos outros, de não agirmos
deslealmente (proceder moralmente reprovável). Os exemplos (45) e (46) ilustram,
respectivamente, obrigação interna e proibição interna:
45) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a coerência deve ser a bússola dos homens
públicos de bem, que, apesar de não serem impedidos de rever posições ou mudar de
92
opinião ao longo de sua trajetória política, devem fazê-lo de forma responsável, sem se
exporem ao ridículo ou ao constrangimento. [ev1mIIU4K] Disc.11
46) Realmente, de vez em quando, sinto-me envergonhado de ser Parlamentar. Por mais
que discorde historicamente das posições do PT, tenho certeza de que ningm pode
praticar estelionato eleitoral para chegar ao Governo. Não é possível mandar cartas,
discursar contra a reforma da Previdência e, quando aqui chega, apresentar uma proposta
mais draconiana ainda do que seu antecessor! [Mv3mIIU4Y] Disc.33
Em (45), o orador fundamenta as obrigações que instaura em atributos consagrados
por nossa sociedade como imprescindíveis a pessoas respeitáveis. Temos a obrigação de
ser coerentes e responsáveis e não mudarmos de posicionamento, oportunistamente, se
almejamos granjear um mínimo de credibilidade. Quanto ao trecho (46), registramos a
inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de uma sanção institucionalizada para o
que o orador denominou de estelionato eleitoral. Desta feita, ao instaurar as proibições
presentes no trecho transcrito, o orador respalda-se no atributo moral da integridade; é
consenso que, se um representante foi eleito por prometer fazer X, ao assumir a
representação daqueles que o elegeram, ele tem, moralmente, a obrigação de fazer X,
portanto, de ser íntegro. Existe a obrigação moral, há sanções que podem advir sobre ele (a
perda da credibilidade, inviabilizando a continuidade na vida pública, por exemplo), mas
não há um poder imperioso capaz de imediatamente sancionar um ocupante de cargo
público que não agiu em consonância com suas promessas.
Por sua vez, quando o orador, ao instaurar uma obrigação ou proibição, recorre ao
ordenamento jurídico, por exemplo, afirmamos ser a motivação do valor instaurado
externa. Nós somos obrigados a obedecer à Norma jurídica. A força da Lei vigente em um
País é tão imperiosa que, segundo o princípio constitucional da inescusabilidade, ninguém,
nem mesmo um estrangeiro, pode alegar a ignorância sobre a existência de uma lei com o
pretexto de justificar a sua não observância. Desta feita, enquanto existem sanções
institucionalizadas que recaem sobre alguém que descumpra um contrato lavrado em
cartório, por exemplo, dsermos obrigados a honrar algo juridicamente acordado, não há
uma força imperiosa que obrigue alguém a, por exemplo, ser solidário, embora nossa
93
sociedade dissemine (via religião, educação formal) que temos a obrigação de agirmos
solidariamente. Os trechos, abaixo, ilustram, respectivamente, a obrigação externa e a
proibição externa:
47) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, os debates nas audiências públicas promovidas
pela Comissão Especial que aprecia a reforma da Previdência Social e os que se realizam
nos mais diferentes pontos do País estão demonstrando a absoluta necessidade de revisão,
por parte do Governo, de dispositivos constantes de sua proposta original. [Ms1xiiU4K]
Disc.38
48) Os servidores públicos têm direitos e não podem arcar sozinhos com a conta da
Previdência. [bv3xIIU8Y] Dis.06
Em (47), a obrigação instaurada tem por fundamentação o próprio processo
legislativo. Se os debates nas audiências promovidas pela Comissão instituída para apreciar
o texto da Reforma, bem como os realizados externamente à mara, com a sociedade,
indicam a necessidade de rever pontos do texto em discuso, os parlamentares são
obrigados a agir em conformidade com o que o processo de discussão está evidenciando;
caso contrário, o proceder legislativo pode ser considerado inconstitucional, portanto nulo.
Em (48), a proibição instaurada respalda-se na questão legal. Os direitos que os servidores
têm, segundo o orador, inviabilizam modificações no sistema previdenciário que resultem
em os servidores terem de arcar, sozinhos, com o ônus da dívida da Previdência.
Em termos quantitativos, constatamos que, das 151 seqüências instauradoras de
obrigações presentes em nosso corpus, 83 (55%) foram analisadas como internas e 68
(45%) como externas. Quanto às proibições, das 32 seqüências constantes em nosso corpus,
24 (75%) foram consideradas internas e 08 (25%) externas.
Para melhor compreensão da alta produtividade da motivação interna do valor
deôntico instaurado na construção da argumentação em discursos políticos, é relevante
considerarmos, mesmo que sucintamente, o conceito de topoi presente em Ducrot (1990).
Os topoi são princípios argumentativos pressupostos, lugares comuns que, por si mesmos,
consistem numa interpretação do mundo e têm força persuasiva pelo fato de constituírem
uma sabedoria aceita por muitos, daí terem autoridade. Consideremos o enunciado “a
94
coerência deve ser a bússola dos homens públicos de bem sob a ótica da concepção
argumentativa da linguagem a fim de entendermos de que modo o conceito de topoi se
aplica em nosso trabalho.
A concepção argumentativa da linguagem entende que o sentido argumentativo da
linguagem não é psicológico, antes consiste na colocação das coisas em certa perspectiva.
Desta feita, não faz sentido dizer que é falsa ou verdadeira a frase a coerência deve ser a
bússola dos homens públicos de bem”, pois seu sentido está na intenção do orador de
conduzir o auditório à aceitação de uma, entre muitas, conclusões. Uma das possibilidades
caminharia na seguinte condução dos argumentos: Se a coerência deve ser a bússola dos
homens públicos de bem (lugar comum), se os membros do Partido dos Trabalhadores
mostram-se incoerentes o que, de fato, o orador procura evidenciar ao longo de seu
discurso), estes são homens públicos mal-intencionados, portanto, indignos da aceitação
público.
Percebemos que, ao recorrerem à necessidade de coerência por parte do homem
público, à necessidade de construção de uma sociedade mais justa, ao dever cidadão de
garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário para as próximas gerações, à
necessidade de inclusão dos menos afortunados, à inaceitabilidade da ascensão ao poder via
mentira, entre outros expedientes, os oradores estão valendo-se de topoi. Os topoi são
valorosos à condução da conclusão a que o orador deseja fazer seu auditório chegar na
medida em que estabelece como ponto de partida algo cuja aceitabilidade é tão difundida
que, dificilmente, será aspecto controverso para qualquer que seja o membro da sociedade
no período histórico em que a argumentação está sendo proferida.
Desta feita, a alta produtividade do tipo interno não nos surpreendeu. Afinal, na
disputa pelo eleitorado (mesmo não sendo período oficial de palanque; quando a discussão
recebe grande atenção por parte da mídia, o que torna o posicionamento dos parlamentares
alvo de crítica ou de elogio, ela se torna, sim, delimitadora de eleitorado), o discurso
visceral, que faz do orador um paladino dos sentimentos nobres e um ardoroso combatente
dos valores tradicionalmente reprováveis pela sociedade, é muito utilizado por políticos.
Ao analisarmos os tipos de permissões, valendo-nos da classificação proposta por
Almeida (1988), segundo mencionamos, constatamos a existência, em nosso corpus, dos
tipos concessão e sugestão. Os exemplos, a seguir, ilustram ambos os tipos:
95
49) Mas hoje me permito falar da reforma da Previdência Social. [ev2tpIIL4K] Disc. 16
50) Com a proposta do Governo em mão, poderemos apresentar as nossas. O Governo
apresentará um projeto, ao qual estou disposto a votar favoravelmente. Mas, se pudermos
apresentar emendas, esta é a Casa e o espaço que finalmente decidirá o verdadeiro
encaminhamento. [bv2niIL4Z] Disc.07
Em (49), temos a instauração de uma concessão; o próprio orador concede a si
permissão para versar sobre a Reforma da Previdência ao invés de sobre outras questões.
Esse trecho está localizado nas palavras introdutórias do orador, portanto atuando como
delimitador do assunto a ser considerado. Em (50), temos a instauração de uma sugestão. O
orador, que claramente defende o texto emanado do Executivo na íntegra, a fim de não
transparecer autoritarismo, traz à tona o direito outorgado pela Constituição aos
parlamentares, que podem, sim, emendar um texto em apreciação. É como se ele dissesse
que não há imposição da parte do Governo. É muito mais fácil olhar com simpatia algo que
não nos é imposto. Assim, mediante a sugestão, o orador evidencia maleabilidade. Essa
qualidade é reforçada, ainda, pela inclusão do orador entre aqueles a quem a Constituição
permite apresentar emendas a propostas, pois, ao utilizar o verbo poder na pessoa do
plural, o orador, que, segundo depreendemos do todo do seu discurso, parece não ter
ressalvas ao texto emanado do Executivo, pois a ele manifesta anuência plena, aproxima-se
daqueles que desejam propor modificações ao texto.
5.5. Fonte e Alvo deôntico no discurso político
O valor deôntico instaurado pode ser percebido como proveniente quer de um
indivíduo quer de uma instituição, e este valor, por sua vez, pode recair sobre um indivíduo
ou uma instituição. Vejamos, na seqüência, trechos do corpus ilustrativos do que acabamos
de asseverar:
51) Devo dizer que o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva está se mostrando
absolutamente inábil não só na condução desse processo, mas também no enfrentamento de
todas as questões brasileiras, talvez por ser a primeira vez que seu partido assume o
comando do País. [Mv1mIIL4K] Disc 42
96
52) A partir deste momento, a Casa tem a responsabilidade de aprofundar o debate e fazer
as emendas necessárias para adequar o projeto às discussões e idéias representadas por cada
um de nós, membros do Poder Legislativo. [bs1xIiU4K] Disc.08
53) Em 2002, a sociedade destinou R$ 17 bilhões para financiar o déficit do Regime Geral
de Previdência Social RGPS, complementando o pagamento de 19 milhões de benefícios, e,
no mesmo período, teve de destinar R$ 39 bilhões para complementar o pagamento de
apenas 3,2 milhões de servidores públicos. [ev1xiiU4Y] Disc.12
Em (51), o indivíduo, orador, é, a um tempo, fonte e alvo da obrigação
instaurada. Estamos diante de uma obrigação de cunho moral (afinal não força externa
que obrigue o orador a admitir publicamente a inabilidade de seu próprio partido)
instaurada pelo orador que recai sobre si próprio. Ele se manifesta como estando compelido
a admitir as falhas do seu partido.Em (52), o orador instaura obrigação que recai sobre a
instituição a qual pertence (a Casa). Em (53), o orador dar a conhecer ao seu auditório uma
realidade visando instigar a revolta e mover aqueles que o escutam a abraçar a defesa da
Reforma nos moldes propostos pelo Executivo, como o orador o quer. Para tanto, alude a
uma obrigação instaurada pelo próprio sistema Previdenciário brasileiro na sua atual
conformação; este legou à sociedade (instituição), nas palavras do orador, a pesada
obrigação de ter de destinar 39 bilhões para complementar o pagamento de apenas 3,2
milhões de servidores públicos.
As funções persuasivas a que se prestam as escolhas da fonte e do alvo são de
extrema relevância. Constatamos, por exemplo, que, quando o orador se deixa perceber, ao
mesmo tempo, como a fonte a instaurar obrigação de cunho moral e o alvo sobre o qual
recai o valor instaurado, ele se reveste da máscara da honestidade, como no exemplo (51).
Ele se apresenta como aquele que reconhece a existência de falhas ou como aquele que
precisa fazer uma dada declaração etc. Essa estratégia, presente em vários discursos de
nosso corpus, principalmente na introdução dos discursos, arrefece um possível ímpeto
belicoso dos membros do auditório que manifestam posicionamento contrário ao do orador,
tornando, assim, possível a este desenvolver seu ponto de vista com uma maior
probabilidade de ser ouvido; afinal, ele iniciou sua fala estabelecendo um elo entre ele e
aqueles que tenderiam a não admitir as idéias que ele exporá. Quando o orador instaura
97
valor que apenas indiretamente recai sobre si e seus pares, como no exemplo (52), optando
por enfatizar a responsabilidade de uma instituição, ele se livra do desgaste de ter
“apontado o dedo” para um grupo partidário em específico, para um membro de grupo
partidário etc. A opção pelo alvo instituição faz recair o peso da obrigação sobre um todo.
Quando o orador, por seu turno, voz a um valor instaurado por alguém ou por uma
instituição, como no exemplo (53), ele geralmente o faz para respaldar o posicionamento
que está a defender. Os valores deônticos percebidos em nosso corpus como não
provenientes da voz do orador, mas citados por ele, mostraram-se ser poderosas “âncoras” à
construção da defesa do ponto de vista do orador, pois atuam no sentido de adicionar
informação ao conhecimento pragmático dos membros da audiência.
Destacamos que a identificação tanto do alvo quanto da fonte como individual ou
coletiva nem sempre é ponto pacífico; daí estarmos a falar em como percebemos a origem
ou o alvo do valor deôntico instaurado, respaldados, obviamente, no co-texto e contexto dos
discursos em análise. Seguem-se exemplos por meio dos quais explanaremos a dificuldade
por nós percebida por ocasião da identificação dos tipos de fonte e alvo bem como o
proceder metodológico que adotamos:
54) Cabe ao Governo, portanto, adotar medidas capazes de evitar o pânico que ora se
instala na classe média quanto ao futuro e rever posicionamentos fixados na reforma da
Previdência que vão provocar graves perdas de renda nas futuras aposentadorias e pensões
desse importante segmento da população. [eV1xIiU4Z] Disc15
55) Temos que ver como se vai fazer a reforma e como se vai cobrar. [ev1xIIL4Y] Disc.16
56) É inadmissível a manutenção da atual situação. [ea3mIIU4Y] Disc.12
Os dois primeiros exemplos, (54) e (55), não nos apresentam problemas em termos
de identificação dos tipos de fonte e alvo, pois estes se encontram claramente expressos ou
facilmente depreendidos. Em ambos, percebemos o indivíduo orador como a fonte da qual
emana o valor instaurado; em (54), o alvo é a instituição Governo (expresso) e, em (55), o
alvo são indivíduos (parlamentares), segundo depreendemos da utilização do verbo na
98
pessoa do plural por parte do orador. O alvo sobre o qual recai a proibição instaurada pelo
orador em (56), por sua vez, não vem expresso, como se dá em (54), nem podemos
depreendê-lo da desinência verbal, como em (55). Temos um caso de ausência de marca em
relação ao alvo.
A princípio, a análise do ambiente de proferimento, a Câmara dos Deputados, bem
como o conhecimento de que compete aos parlamentares modificar a situação caracterizada
pelo orador como inadmissível (informação contextual), nos movia no sentido de asseverar
que os parlamentares (indivíduos) são o alvo. Reconhecemos, no entanto, que, nesse caso,
muitos poderiam, legitimamente, considerar ser o alvo o Parlamento (instituição), afinal, é a
instância que compete modificar a situação denunciada pelo orador. Desta feita, parece-nos
que a ausência de uma marca que identifique o alvo sobre o qual recai o valor instaurado é,
de fato, estratégia de descomprometimento relevante em discursos políticos. Assim,
identificamos uma escala de comprometimento com a responsabilidade de agir ou de
indicar quem deve agir que caminha no sentido de um menor comprometimento para um
maior, segundo ilustração abaixo:
(-) (+)
Nenhuma marca Instituição Indivíduo
Deste modo, em nossa análise, a ausência de expressões capazes de indicar o alvo
sobre o qual o valor instaurado recai foi interpretada como relevante recurso de
descomprometimento. Por seu turno, consideramos alusivas a instituições as expressões
este Governo, a sociedade, esta Casa, Parlamento, Executivo, Constituição. Por sua vez, as
expressões parlamentares, formadores de opinião, deputados, inativos, burocratas,
petistas, aqueles que governaram o País, homens públicos, Lula foram interpretadas como
designações de indivíduos, embora possamos fazer a ressalva de que, por serem designados
desse modo (pela profissão que exercem, pelo partido a que são filiados etc), há,
imediatamente, uma referência a instituições. Registramos, assim, que não se trata de uma
dicotomia inequívoca.
99
Em termos porcentuais, dos 189 trechos modalizadores deônticos presentes em
nosso corpus, 85% tiveram indivíduos como fonte da qual emana o valor instaurado. No
que concerne ao alvo, 25% dos valores instaurados recaíram sobre indivíduos. A alta
produtividade da ausência de marcas indicativas daquele/ daquilo sobre o qual recai o valor
instaurado se fez notar em 65% das ocorrências. Em apenas 10% das ocorrências foram
percebidas instituições como alvo.
Percebemos a alta produtividade de indivíduos como fonte de valores deônticos e
alta produtividade da inexistência de marcas indicativas do alvo. Se indicar como alvo uma
instituição, segundo comentamos acima, permite ao orador fazer recair o valor deôntico
instaurado apenas indiretamente sobre si e seus pares, utilizar-se apenas de expressões
como “É inadmissível”, presente em (56), sem indicar a quem compete alterar a situação
denunciada, soa como um eco de revolta, um extravasamento. um forte efeito retórico
nesse tipo de enunciado, e um baixo comprometimento com o encaminhamento das ações
necessárias.
Ainda sobre o alvo deôntico, deixamos claro que, quando asseveramos a ausência
de uma marca que nos indique ser o alvo um indivíduo ou instituão não estamos
postulando sua inexistência; trata-se de um modo de dizer que diminui responsabilidades.
Ressaltamos que, no estudo, não interessa a existência real do alvo. A argumentação
fundamenta-se na linguagem, nesse modo, o falante opta por não explicitar o alvo, o que
tem como efeito a diluição das responsabilidades.
5.6. Comportamento do orador quanto ao valor deôntico instaurado
Ao analisarmos o alvo sobre o qual recai o valor deôntico instaurado na oratória
parlamentar, procuramos observar o comportamento do orador em relação à sua
aproximação ou afastamento do alvo. Os exemplos, a seguir, ilustram, respectivamente, a
exclusão
39
e a inclusão do orador:
__________________________
39
Não se trata, propriamente, de uma exclusão do orador do alvo sobre o qual incide o valor
instaurado, mas de uma não-inclusão explícita do orador no alvo deôntico.
100
57) Cabe ao Governo, portanto, adotar medidas capazes de evitar o pânico que ora se
instala na classe média quanto ao futuro e rever posicionamentos fixados na reforma da
Previdência que vão provocar graves perdas de renda nas futuras aposentadorias e pensões
desse importante segmento da população. [eV1xIiU4Z] Disc.15
58) Este é o debate que devemos fazer com responsabilidade neste Parlamento. [b v 1 m I I
U 4 Z] Disc.8
Em (57), temos a exclusão do orador da incidência do valor instaurado.
Observamos, com freqüência, em nosso corpus, a utilização do termo Governo fazendo
referência à esfera do Executivo, dos parlamentares (esfera legislativa) naturalmente se
excluírem desse alvo. Em (58), observamos a inclusão do orador que, juntamente com os
demais parlamentares, se coloca entre os que têm de debater o assunto em tela. Ambas as
opções exclusão/inclusão mostram-se relevantes à construção da persuasão em discursos
políticos. Conforme já mencionamos, ao incluir-se entre aqueles a quem compete a
execução de uma dada tarefa, o orador apresenta-se à sua audiência como tendo disposição
para fazer o que necessário for; ao excluir-se, ele mostra não está diretamente relacionado à
execução de determinada tarefa, mas apresenta-se como disposto a lutar para que aqueles a
quem compete realizá-la assim o façam.
Constatamos a alta produtividade da exclusão em nosso corpus. Dos 189 trechos
modalizadores deônticos nele presentes, em 48 (25%) flagramos a inclusão do orador e, em
141 (75%), a exclusão. A alta freqüência da exclusão não nos surpreendeu, afinal,
apresentar-se à opinião pública como alguém que já arcou com o ônus que lhe competia na
execução de uma tarefa, ou levar a audiência a crer que a competência para a realização de
algo é de outrem, cabendo-lhe denunciar e cobrar, atenua a pressão por parte do auditório
sobre a figura do orador e a transfere a outros indivíduos ou a instituições. Por se tratar de
embate político sobre tema controverso, envolvendo muitos e diversos interesses e
interessados, retirar de sobre os ombros o peso de ter de adotar publicamente um
posicionamento gerador de impopularidade quer com aqueles que lutavam pela aprovação
do projeto, quer com os que torciam por seu engavetamento, mostrou-se estratégia
recorrente.
101
Ao relacionarmos os parâmetros tipo de alvo deôntico (ausência de marca/
instituição/ indivíduo) e comportamento do orador quanto ao valor deôntico instaurado
(inclusivo/ não-inclusivo), chegamos a uma segunda escala de comprometimento com a
responsabilidade de agir ou de indicar quem deve agir que, assim como a anterior, caminha
no sentido de um menor para um maior comprometimento, segundo ilustração na
seqüência:
(-) (+)
Nenhuma Instituição Instituição Indivíduos Indivíduos Indivíduo
marca Exclusão Inclusão Exclusão Inclusão Enunciador
5.7. Tipo de frase
Dada a relevância da pergunta retórica para efeito de persuasão, bem como de frases
exclamativas, capazes de enfatizar a perplexidade do orador ante a uma faceta do tema
considerado, supúnhamos que esses tipos frasais seriam recorrentes em nosso corpus. No
entanto, esses tipos não foram encontrados nos discursos que analisamos. Constatamos a
predominância de asserções afirmativas e de asserções negativas, ambas de cunho
imperativo, o que condiz com o fato de ser a modalidade deôntica possuidora de uma
conotação muito forte de ordem, pedido ou conselho.
Das 189 expressões da modalidade deôntica constantes em nosso corpus, 158 (84%)
se fizeram presentes em asserções afirmativas, apenas 31(16%) em asserções negativas;
sendo que, destas, em 28 (91%), percebemos o operador de negação incidindo sobre o
modal. Os exemplos, abaixo, ilustram, respectivamente, asserções afirmativas e asserções
negativas:
59) Precisamos acabar com a idéia de que aposentadoria é benesse do Estado. É obrigação!
É cumprimento de um direito comprado pelo cidadão. [ev1xIIL4Y] Disc.19
102
60) Além da definição de um teto para os proventos, a reforma não poderá deixar de tocar
em pontos que ainda são herança do Estado patrimonialista, entre eles a acumulação da
aposentadoria e o recebimento simultâneo de proventos oriundos do exercício do mesmo
cargo. [Mv3mIiU8Y] Disc.39
Constatamos ser o discurso político em análise predominantemente constituído por
frases assertivas nas quais percebemos um tom de chamada à ação, de conselho, portanto
faz-se notar o imperativo fraco. Não há ocorrência de injunções, imperativo forte. O fato de
serem todos os parlamentares igualmente autoridades legitimamente constituídas justifica a
não existência de ordens diretas instauradas uns sobre os outros e, nos casos em que o valor
deôntico instaurado recai sobre indivíduos que o os próprios parlamentares, percebemos
a predileção da estratégia da não delegação direta de demandas, considerada agressiva por
muitos, daí a ausência de injunções.
5.8. Localização da seqüência modalizadora no discurso
Para efeito de análise do modo de atuação das seqüências modalizadoras deônticas
na oratória política, procuramos verificar em que pontos no contínuo discursivo as
expressões em análise se fizeram mais freqüentes e que funções exerceram de forma mais
acentuada.
Percebemos que, em suas palavras inicias, os oradores, após dirigirem-se à Mesa da
Câmara e aos seus pares presentes em plenário, costumam introduzir o tema central de sua
fala, geralmente em tom de denúncia, e, para este fim, as expressões modalizadoras
deônticas foram bastante recorrentes, segundo podemos observar no exemplo abaixo:
61) Exmos. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, por trás dos meros que fundamentam
a urgência da Reforma previdenciária, realidades que precisam ser contempladas por
nós, legisladores, e pelo Governo, para que situações, insustentáveis, não se tornem
cruéis. [bs1xIIU4K] [bv1mIIiU4K] Disc.6
Mediante um substantivo e um verbo auxiliar modal, respectivamente, urgência e
precisar, o orador inicia sua fala instaurando obrigações que recaem tanto sobre os
legisladores quanto sobre o Executivo (Governo). E ele o faz em tom de denúncia, pois a
103
sanção para a não observância das questões sobre as quais ele irá versar se faz clara na
introdução do discurso: para que situações, insustentáveis, não se tornem cruéis. Após
essa introdução que visa causar impacto, o orador passa, então, a discorrer sobre essas
realidades que, em suas palavras, precisam ser contempladas. Registramos que, ao longo de
nosso corpus, detectamos a presença de 36 expressões modalizadoras deônticas atuando na
introdução dos discursos.
Delimitado o enfoque mediante o qual o assunto será considerado pelo orador, este
passa ao seu desenvolvimento. Nesse ponto do contínuo discursivo, fez-se notar, com maior
intensidade, a presença de expressões modalizadoras deônticas; registramos a presença de
117 dessas expressões nessa posição em todo o corpus. Observemos seu modo de atuação
no exemplo que se segue:
62) É fundamental que se assegure um princípio básico de qualquer modelo ou estrutura
legal, isto é, o da garantia jurídica. Isso significa, Sr. Presidente, que para os atuais
servidores devem prevalecer as regras pactuadas por eles nos contratos firmados com o
Estado, quando ingressaram no serviço blico. Portanto, a integralidade das
aposentadorias e a paridade nos reajustes para aposentadorias e pensões com os da
remuneração na ativa precisam ser mantidas, por uma questão de justiça e de garantia
jurídica. O mesmo deve ocorrer com a contribuição dos inativos. [M a 1 x I I U 4 Y] [M v 1
x I I U 4 Y] [M v 1 x I I U 4 Y] [M v 1 x I I U 4 Y] Disc.38
No intento de posicionar-se acerca de um ponto específico da proposta, a
necessidade de manutenção das regras firmadas entre Governo e funcionários públicos
quando estes assumiram suas funções, o orador utiliza-se de expressões modalizadoras
deônticas que atuam no sentido de reforçar a obrigação instituída pelo texto constitucional,
o qual reza ser fundamental a manutenção da garantia jurídica. Percebemos que a alta
produtividade de expressões modalizadoras deônticas no desenvolvimento dos discursos
atua ou como recurso enfático, ou como meio de organização de diversos pontos distintos a
serem discutidos pelo orador, de modo que cada ponto considerado apareça no discurso
como escopo de uma expressão modalizadora deôntica.
Defendido seu ponto de vista, é hora de arrematá-lo. Geralmente os oradores o
fazem mediante breve retomada das questões centrais. Em todo o corpus, detectamos a
104
presença de 36 expressões modalizadoras deônticas atuando no fechamento dos discursos.
Vejamos exemplo na seqüência:
63) Feitas essas considerações preliminares, acho que devemos nos dedicar ao processo de
elaboração final do projeto, tendo em vista o devido respeito ao servidor público, de todas
as instâncias, e o reconhecimento de que há, sim, carreiras estratégicas no Estado, portanto
o combate a privilégios e demasias não pode significar a desqualificação do servidor
público. [Mv1mIIL4Z] [Mv3mIIU8Z] Disc.40
O ponto central defendido pelo orador ao longo de sua fala, a saber, o respeito que
se deve ao servidor público, é trazido novamente à tona nas palavras conclusivas do
discurso mediante a instauração de uma obrigação e de uma proibição. Desta feita, ele
assegura aos seus ouvintes que se dedicará à elaboração do projeto de Reforma sem,
contudo, admitir a desqualificação do servidor público.
5.9. Marcas de asseveração da força ilocucionária
De acordo com Hengeveld (1988), a asseveração atua no sentido de reforçar
imposição ou autoridade, enquanto a atenuação é utilizada no sentido contrário,
propiciando, assim, a primeira, uma maior exposição do falante; a segunda, uma
preservação de sua face.
Ao analisarmos as expressões da modalidade deôntica presentes no corpus,
percebemos a presença de alguns expedientes lingüísticos que corroboram para tornar a
força ilocucionária de valores instaurados mais intensa. A esses estamos chamando de
marcas de asseveração.
Exercendo a função de intensificadores, destacamos a atuação de advérbios, a
repetição do meio lingüístico de expressão da modalidade deôntica e o uso do verbo no
futuro do pretérito.
Das 189 expressões da modalidade deôntica presentes no corpus, em quatro,
detectamos a presença de advérbios atuando como intensificadores da força ilocucionária
do valor deôntico instaurado. Na seqüência, registramos trechos de discursos nos quais
presença de advérbios:
105
64) A proposta de universalizar a contribuição previdenciária pode ser considerada
inovadora, compatível com os padrões da modernidade, mas é preciso garantir que os
recursos efetivamente sejam canalizados para a instituição. [e a 1 m I i U 4 Z] Disc.17
65) Deixei muito claro que sou inteiramente contra os privilégios garantidos a alguns
poucos pela atual legislação, os quais, portanto, devem ser rigorosamente eliminados.
[M v 1 x I I U 4 K] Dic.38
66) Essa é, sim, tarefa do nosso partido, que ao longo dos anos consolidou-se pelas lutas
populares, pela organização sindical, pelo debate com a sociedade na discussão sobre o
papel do Estado, sobre como deveríamos atuar na relação do Estado com os servidores
públicos, particularmente os federais. [M a 1 m I i L 4 K] Disc.34
67) Não me vou ater aos números nem à falta de recursos para honrar o compromisso
solene que o Governo assumiu com quem trabalhou pelo menos 35 anos e que quando
chega ao portal da aposentadoria tem ainda que enfrentar diversos entraves burocráticos
para conseguir o benefício. [b v 1 x i I U 4 k] Disc.2
Nos exemplos acima, notamos a presença de operadores argumentativos
(efetivamente, rigorosamente, sim, ainda), atuando sobre adjetivos e substantivos em
posição predicativa (é preciso, é tarefa) e sobre verbos auxiliares modais (dever, ter que). A
atuação de tais operadores como intensificadores é facilmente percebida mediante o recurso
da supressão de tais dos respectivos enunciados em que se fazem notar. Caso o orador
tivesse optado por declarar que “Essa é tarefa do nosso partido”, ao invés de por expressar
que “Essa é, sim, tarefa do nosso partido”, conforme observamos em (66), por exemplo,
não haveria prejuízo à instauração do valor de obrigação, mas o impacto a que se presta a
enunciação na conformação escolhida pelo orador estaria indelevelmente prejudicado.
Percebemos que a opção pela intensificação da força ilocucionária do valor
instaurado é importante recurso à construção da persuasão em discursos políticos à medida
que põe em relevo determinados pontos do discurso e permite ao orador estabelecer crítica
de modo sutil. Senão, vejamos. Em (64), ao mencionar que “é preciso garantir que os
recursos efetivamente sejam canalizados para a instituição”, o orador, ao mesmo tempo em
106
que concede destaque ao ponto central de seu discurso, critica o modo como se dá o repasse
de verbas dos cofres públicos para o caixa da previdência; ele está apontando para a
existência de desvios parciais. Em (65), por seu turno, ao declarar que privilégios “devem
ser rigorosamente eliminados”, mais uma vez, temos o destaque à questão central do
discurso e a crítica a iniciativas anteriores que se mostraram incapazes de atuar com o rigor
defendido pelo orador como necessário. Em (66), o sim presente no enunciado Essa é, sim,
tarefa do nosso partido”, abre a possibilidade de interlocução bem-sucedida entre o orador,
membro do Partido dos Trabalhadores, e os membros de partidos que se opõem ao Governo
na medida em que enfatiza como corretas as cobranças dos oposicionistas em torno das
obrigações que recaem sobre o PT. Em (67), ao mencionar que, ao chegar ao portal da
aposentadoria o trabalhador “tem ainda que enfrentar diversos entraves burocráticos para
conseguir o benefício”, o orador está pondo em relevo o quão desumano é o tratamento
dispensado ao trabalhador pela atual conformação do sistema previdenciário. É o tipo de
informação denunciadora, mediante a qual a revolta é insuflada; sentimento excelente à
aceitação da necessidade de reformulação que será proposta pelo orador a partir desse
ponto do discurso.
Outro mecanismo de intensificação da força ilocucionária do valor deôntico
instaurado bastante recorrente em nosso corpus é a repetição do meio lingüístico de
expressão da modalidade deôntica. Na seqüência, registramos uma ocorrência desse recurso
enfático para efeito de ilustração e análise:
68) Temos que discutir um pouco mais. O meu partido está discutindo... Temos que ver
como se vai fazer a reforma e como se vai cobrar... Além do mais, temos que discutir aqui
também o problema do professor... . O salário pago aos professores no Brasil é um dos
piores do mundo. E eles ainda terão de ficar 35 anos trabalhando?! Aí, não! Temos que
discutir isso também. Quero que o Presidente Lula, o Ministro José Dirceu e Eduardo
Campos tomem conhecimento deste meu pronunciamento, no qual afirmo que temos de
discutir a Previdência Social. Disc.16
No trecho (68), a ênfase é realizada mediante dois expedientes, a saber, a repetição
do verbo auxiliar modal ter que/de e a paráfrase. Percebemos que o orador realiza uma
107
espécie de pausa em seu discurso e dirige-se à Mesa diretora, para a qual externa seu desejo
de que os próceres do Executivo tomem conhecimento do seu posicionamento,
parafraseando idéia por ele defendida ao longo de todo o discurso, a saber, “temos de
discutir a Previdência Social”. Registramos que, no discurso número dezesseis do nosso
corpus, do qual extraímos o trecho acima, foram percebidas 26 expressões modalizadoras
deônticas, sendo, portanto, o recurso à ênfase por meio da repetição de um mesmo meio
lingüístico de expressão da modalidade deôntica acentuadamente explorado pelo orador,
mediante o qual ele se apresenta como árduo defensor de um determinado ponto de vista.
Na defesa de pontos de vista, valem-se os oradores também do efeito enfático
propiciado pelo encadeamento do mesmo meio linístico de expressão da modalidade
deôntica em expressões, alternadamente, afirmativas e negativa, conforme ilustra o trecho
abaixo:
69) De fato, os privilegiados existem, e para eles deve haver uma legislação mais rigorosa,
que elimine tais privilégios. Não se deve dizer que toda a classe trabalhadora é privilegiada.
[b v 1 m I I U 4 Y] [b v 3 x I I U 8 Y]Disc.03
Podemos dizer, em termos de transmissão de conteúdo, que o orador teria
manifestado seu ponto de vista se tivesse simplesmente dito que “...os privilegiados
existem, e para eles deve haver uma legislação mais rigorosa, que elimine tais privilégios”.
Afinal, nesse primeiro enunciado, já está presente a idéia de que não é toda uma classe que
é privilegiada, pois o orador diz que sobre “eles” (indivíduos), não sobre toda uma classe,
deve recair uma legislação mais rigorosa. O enunciado na seqüência parece-nos, portanto,
predominantemente enfático. Destacamos, também, sua atuação como elemento de
denúncia, na medida em que atua no sentido de mostrar que está havendo uma deturpação
do que sejam as reais condições da classe trabalhadora no serviço público brasileiro. A
denúncia, que também atua como uma chamada indireta aos que estão propalando a idéia
rechaçada pelo orador, atua como elemento conclusivo.
No que concerne ao uso do verbo no futuro do pretérito, este se apresenta como
recurso de asseveração da força ilocucionária do valor deôntico instaurado em alguns
108
discursos de nosso corpus na medida em que torna a crítica mais mordaz. Vejamos como
isso se dá mediante análise dos exemplos a seguir:
70) A Previdência sempre foi, ou deveria ter sido, patrimônio dos trabalhadores e, portanto,
intocável. Ocorre que os trabalhadores nunca foram chamados para administrar os recursos
advindos de suas próprias contribuições. [j v 1 m I i U 4 K] Disc.27
71) Uma nova e infeliz resposta veio ontem com o discurso do Presidente, que diz que
ninguém nem nada secapaz de deter seu ímpeto reformista. Numa atitude absolutamente
antidemocrática e messiânica, desafiou a Constituição, o Congresso Nacional, o Judiciário e
a população brasileira, mostrando uma coragem que, infelizmente, deveria ter mostrado
perante o Presidente dos Estados Unidos, George Bush, e o FMI, mas não o fez. [j v 1 m I I
U 4 Y] Disc.29
Apontando para uma futuridade em relação a um tempo passado, o verbo no futuro
do pretérito assinala, em (70) e (71), o não-cumprimento de uma obrigação. Ao declararem
que a “Previdência deveria ter sido patrimônio dos trabalhadores”, em (70), ou que o
Presidente brasileiro “deveria ter mostrado coragem perante o Presidente dos Estados
Unidos”, em (71), os oradores estão, respectivamente, denunciando os gerenciadores do
dinheiro público por incompetência administrativa e denunciando a subordinação do
Presidente da República ante aos poderosos e suas instituições. Exatamente por incidir
sobre atitudes futuras em relação ao passado, essas críticas são mais contumazes, pois,
mesmo que os atingidos pelas denúncias ajam no sentido de atuarem na reversão das
características a eles atribuídas, respectivamente, ingerência da coisa pública e
subserviência ao poder do capital, ainda assim, não poderão apagar o fato de não terem
cumprido com as obrigações que sobre eles recaíram anteriormente. A única defesa contra a
crítica incidente sobre o futuro em relação a um tempo passado é a alegação de não
descumprimento do dever que lhe era devido, afinal, podemos agir sobre o futuro em
relação a um tempo presente.
109
5.10. Síntese
Nesse capítulo, dedicado à análise e discussão dos dados, procuramos verificar os
modos de atuação da modalidade deôntica na construção da persuasão em discursos
políticos.
No subtópico inicial, Grupo de discurso: etapas de discussão da reforma, ao
relacionarmos a freqüência de uso de expressões da modalidade deôntica com a etapa de
discussão da reforma na qual o discurso foi proferido, confirmamos a existência de um elo
entre pressão social sobre os oradores e freqüência de uso de expressões deonticamente
modalizadoras. Quanto mais decisiva a etapa da discussão se mostrava ser, mais
freqüentemente os oradores utilizaram-se de expressões modalizadoras deônticas em seus
discursos, o que evidenciou o uso estratégico desse recurso lingüístico por parte dos
oradores.
No segundo subtópico, Meios lingüísticos de expressão da modalidade deôntica,
pudemos constatar a alta produtividade de verbos auxiliares modais como meio de
expressão da modalidade deôntica em discursos políticos, destacando-se entre os modais o
verbo dever. Observamos que, embora se utilizando dos mesmos meios lingüísticos de
manifestação da modalidade deôntica, há diferenças entre as qualificações modais feitas
pelos oradores a depender do modo como se posicionaram ante ao tema em discussão.
Assim, enquanto os oradores que manifestam um posicionamento favorável à proposta de
reforma de previdência utilizam, com mais freqüência, o modal dever em orações assertivas
afirmativas instaurando obrigações nas quais se excluem, os oradores que se manifestaram
contrários à proposta fazem mais uso do verbo modal dever em orações assertivas
afirmativas instaurando obrigações nas quais se incluem. Por sua vez, os oradores que não
adotaram uma posição nem contra, nem a favor valeram-se mais intensamente de adjetivos
em posição predicativa. As diferenças entre as qualificações modais se revelaram
importantes estratégias argumentativas na medida em que transmitem aos ouvintes imagens
distintas dos oradores.
No terceiro tópico, Valor deôntico instaurado, constatamos a alta produtividade da
instauração de obrigações por parte dos oradores. Das 189 ocorrências de expressões
modalizadoras deônticas presentes no corpus, em 151 fez-se notar o valor de obrigação; em
32, o valor de proibição e, em 6, o de permissão. Pudemos afirmar, desta feita, ser o
110
discurso político em análise caracterizado pela instauração de obrigações, ora recaindo
sobre instituições, ora sobre indivíduos, ora enfatizando a responsabilidade e, portanto, o
compromisso, de toda uma classe, ora o de indivíduos em suas funções de representantes do
povo etc.
No quarto tópico, Obrigação, permissão e proibição: subtipos, expusemos a alta
produtividade do subtipo interno tanto de obrigação quanto de proibição. Quando à
permissão, rarissimamente empregada, percebemos a presença dos subtipos concessão e
sugestão. A alta produtividade do tipo interno não nos surpreendeu. Afinal, na disputa pelo
eleitorado, o discurso visceral, que faz do orador um paladino dos sentimentos nobres e um
ardoroso combatente dos valores tradicionalmente reprováveis pela sociedade, é muito
utilizado por políticos.
No quinto tópico, Fonte e alvo deôntico no discurso político, constatamos, em
termos porcentuais, que, dos 189 trechos modalizadores deônticos presentes em nosso
corpus, 85% tiveram indivíduos como fonte da qual emana o valor instaurado. No que
concerne ao alvo, 25% dos valores instaurados recaíram sobre indivíduos. A alta
produtividade da ausência de marcas indicativas daquele/ daquilo sobre o qual recai o valor
instaurado se fez notar em 65% das ocorrências. Em apenas 10% das ocorrências foram
percebidas instituições como alvo. Percebemos a alta produtividade de indivíduos como
fonte de valores deônticos e alta produtividade da inexistência de marcas indicativas do
alvo. Em termos qualitativos, ponderamos que, se indicar como alvo uma instituição
permite ao orador fazer recai o valor deôntico instaurado apenas indiretamente sobre si e
seus pares, utilizar-se apenas de expressões como “É inadmissível...”, por exemplo, sem
indicar a quem compete alterar a situação denunciada, soa como um eco de revolta, um
extravasamento. um forte efeito retórico nesse tipo de enunciado, e um baixo
comprometimento com ações necessárias.
No sexto tópico, Comportamento do orador quanto ao valor deôntico instaurado,
pudemos constatar a alta produtividade da não-inclusão (exclusão) do orador no alvo sobre
o qual recai o valor deôntico instaurado em discursos. Dos 189 trechos modalizadores
deônticos presentes no corpus, em 48 (25%) flagramos a inclusão do orador e, em 141
(75%), a exclusão. A alta freqüência da exclusão não nos surpreendeu, afinal, mostrou ser
111
excelente estratégia de desvio de atenção da audiência para outros indivíduos ou
instituições, atenuando, assim, a pressão por parte do auditório sobre a figura do orador.
No sétimo tópico, Tipo de frase, expusemos que o discurso político em análise
mostrou-se predominantemente constituído por frases assertivas nas quais percebemos um
tom de chamada à ação, de conselho, portanto fazendo-se notar o imperativo fraco. Não
ocorrência de injunções, imperativo forte. O fato de serem todos os parlamentares
igualmente autoridades legitimamente constituídas justifica a não existência de ordens
diretas instauradas uns sobre os outros e, nos casos em que o valor deôntico instaurado
recai sobre indivíduos que não os próprios parlamentares, percebemos a predileção da
estratégia da não delegação direta de demandas, considerada agressiva por muitos, daí a
ausência de injunções.
No oitavo tópico, Localização da seqüência modalizadora no discurso, versamos
acerca dos pontos, no contínuo discursivo, nos quais as expressões modalizadoras deônticas
se fizeram mais freqüentes e procuramos verificar que funções exerceram de forma mais
acentuada. Pudemos constatar a presença de 36 expressões modalizadoras deônticas
atuando na introdução dos discursos, 36 atuando na conclusão e 117 atuando no
desenvolvimento. Percebemos que a alta produtividade de expressões modalizadoras
deônticas no desenvolvimento dos discursos atua ou como recurso enfático, ou como meio
de organização de diversos pontos distintos a serem discutidos pelo orador, de modo que
cada ponto considerado apareça no discurso como escopo de uma expressão modalizadora
deôntica.
No nono e último tópico, Marcas de asseveração da foa ilocucionária, mostramos
como alguns expedientes lingüísticos corroboram para tornar a força ilocucionária de
valores instaurados mais intensa, quando então expusemos e comentamos o modo de
atuação de operadores argumentativos, do recurso à repetição do meio lingüístico de
expressão da modalidade deôntica e de verbos no futuro do pretérito como asseveradores da
força ilocucionária.
112
CONCLUSÃO
Adotando um caminho teórico-metodológico que nos permitiu transitar da forma
lingüística ao significado dentro de um contexto, buscamos compreender de que maneira a
expressão da modalidade deôntica atua na construção da persuasão em discursos políticos.
Para a análise dos efeitos de sentidos produzidos por expressões modalizadoras
deônticas em discursos políticos, trabalhamos com um total de 44 discursos proferidos no
Pequeno Expediente de Sessões Ordinárias e Extraordinárias durante o período de
tramitação da proposta de Reforma da Previdência Social na Câmara dos Deputados, em
2003.
A fim de levar nosso objetivo a contento, buscamos elementos sintáticos,
semânticos e pragmáticos capazes de caracterizar o uso das 189 expressões lingüísticas da
modalidade deôntica presentes em nosso corpus. Desta feita, empreendemos análise das
etapas de discussão da reforma em correlação com a freqüência de uso de expressões da
modalidade deôntica; dos meios lingüísticos de expressão da modalidade deôntica; dos
valores deônticos instaurados; dos tipos de obrigações; dos tipos de proibições; dos tipos de
permissões instauradas; da fonte deôntica; do alvo deôntico; do comportamento do orador
em relação ao valor instaurado; do tipo de frase na qual a seqüência modalizadora deôntica
se encontra e da localização da expressão modalizadora deôntica no discurso.
Em conclusão, é oportuno, portanto, voltarmos ao começo a fim de que, com base
no trajeto de pesquisa trilhado, possamos conceder respostas às perquirições feitas por
ocasião da elaboração do projeto dessa pesquisa.
Quando realizávamos nossas primeiras incursões ao universo discursivo da Câmara
dos Deputados para efeito de análise da relevância do objeto de estudo desse trabalho,
chamou-nos a atenção, primeiro, a alta produtividade do uso de expressões modalizadoras
deônticas presentes no discurso e, logo em seguida, a diversidade de opções que estão ao
dispor dos oradores no que concerne à instauração de valores deônticos. Postulamos, então,
uma série de questões às quais nos propúnhamos responder. Consideramo-nos, agora, aptos
a retornar às perquirições feitas por ocasião do projeto dessa dissertação a fim de
concedermos a elas respostas embasadas no trajeto de pesquisa trilhado.
Em relação aos meios lingüísticos de manifestação da modalidade deôntica, desde
os primeiros contatos com discursos proferidos na Câmara, chamou-nos a atenção os
113
efeitos de sentido produzidos por distintos recursos lingüísticos na instauração de um
mesmo valor deôntico. Logo pudemos constatar que, de modo algum, obtínhamos o mesmo
efeito de sentido ao instaurarmos uma obrigação, por exemplo, mediante um adjetivo em
posição predicativa (... é preciso garantir que os recursos efetivamente sejam canalizados
para a instituição) ou ao assim fazê-lo através de um verbo auxiliar modal (Nós, na
condição de Parlamentares, temos que promover justiça a todo o povo brasileiro). Diante
dessa realidade, formulamos a seguinte indagação: de que modo essas opções atuam no
sentido de persuadir a audiência a aderir à tese defendida pelo orador?
Segundo comentamos no capítulo V, a instauração de obrigações por meio de
adjetivos em posição predicativa confere ao discurso um aspecto de “convocação à
reflexão”. Esse meio lingüístico mostrou-se altamente produtivo em discursos nos quais os
oradores optaram pela adoção de um posicionamento não-taxativo; nem contra a proposta,
nem a favor dela. Em enunciados nos quais valores deônticos são instaurados por meio de
adjetivos em posição predicativa, percebemos que o foco da atenção é direcionado para o
que é preciso, necessário, urgente...realizar, não para quem compete realizar. A utilização
de adjetivos em posição predicativa em instaurações de obrigações mostrou ser estratégia
retórica de muita valia na medida em que reveste o orador da máscara da
conscienciosidade. Por meio dessa estratégia, o orador “retira-se” do embate argumentativo
travado entre grupos de posicionamento divergente e apresenta-se como alguém ou que
questões mais profundas a serem discutidas ou que voz à indignação de parte da
sociedade diante de um determinado quadro social. Desse modo, faz-se ecoar palavras de
ordem inadmissível a manutenção da atual situação) de forte efeito retórico e baixo
comprometimento em relação à tomada de atitudes capazes de modificar as situações
denunciadas pelos oradores.
Por sua vez, a utilização de verbos auxiliares modais fez-se mais freqüente em
discursos nos quais os oradores posicionam-se taxativamente, quer contra o texto emanado
do Executivo, quer a favor dele; com a seguinte diferença qualitativa bastante interessante,
em relação ao verbo mais recorrente nos discursos, o auxiliar dever. Percebemos que os
oradores que se manifestaram contrários à proposta optaram pela inclusão de si mesmos no
alvo sobre o qual recai a obrigação, transmitindo, assim, aos ouvintes, a imagem de
disposição no que concerne a empreender tarefas necessárias à realização de alterações no
114
regime previdenciário benéficas à população. Por sua vez, os oradores que manifestaram
um posicionamento favorável à proposta optaram por excluírem-se do alvo sobre o qual a
obrigação recai, transmitindo ao auditório a imagem de cumpridores de seus deveres,
valendo-se do verbo dever a fim de mostrar à opinião pública o que compete a outrem
realizar.
Desta feita, as opções linísticas mediante as quais um valor deôntico pode ser
instaurado são propiciadoras de máscaras com as quais os oradores se mostram à opinião
pública. Estas possibilitam ao orador apresentar-se como alguém disposto a agir em prol da
modificação de uma dada situação; como aquele que arcou com o ônus que lhe era
devido na execução de uma dada tarefa, competindo-lhe, agora, o papel de denunciante; ou
como aquele que demonstra preocupação com certas questões. Cada orador sabe para que
parte desse imenso auditório heterogêneo, que é a opinião pública, seu discurso se dirige.
Assim, parece-nos que cada orador procura versar sobre o tema sob o prisma que lhe parece
mais plausível a adesão de seu ponto de vista por parte da sua audiência.
Em relação à fonte da qual emana o valor deôntico instaurado e ao alvo sobre o qual
recai o valor deôntico, no projeto inicial, formulamos as seguintes questões: no que diz
respeito ao tipo de fonte instauradora do valor deôntico, por que, às vezes, recorre o orador
a si próprio como fonte, mas por que, às vezes, opta por uma instituição? No que tange à
escolha do alvo sobre o qual recai o valor semântico instaurado, que propósitos
argumentativos se escondem por trás da opção entre instaurar um valor deôntico a um
indivíduo ou a uma instituição?
Ao longo da análise, vimos que as funções persuasivas a que se prestam as escolhas
da fonte e do alvo são de extrema relevância. Constatamos, por exemplo, que, quando o
orador se deixa perceber, ao mesmo tempo, como a fonte a instaurar obrigação de cunho
moral e o alvo sobre o qual recai o valor instaurado, ele se reveste da máscara da
honestidade (Devo dizer que o Governo...). Ele se apresenta como aquele que reconhece a
existência de falhas ou como aquele que precisa fazer uma dada declaração etc. Essa
estratégia, presente em vários discursos de nosso corpus, principalmente na introdução dos
discursos, arrefece um esperado ímpeto belicoso dos membros do auditório que manifestam
posicionamento contrário ao do orador, tornando, assim, possível a este desenvolver seu
ponto de vista com uma maior probabilidade de ser ouvido; afinal, ele iniciou sua fala
115
estabelecendo um elo entre ele e aqueles que tenderiam a não admitir as idéias que ele
exporá. Quando o orador instaura valor que apenas indiretamente recai sobre si e seus
pares, (...a Casa tem a responsabilidade de aprofundar o debate...), optando por enfatizar a
responsabilidade de uma instituição, ele se livra do desgaste de ter “apontado o dedo” para
um grupo partidário em específico, para um membro de grupo partidário etc. A opção pelo
alvo instituição faz recair o peso da obrigação sobre um todo.
Por sua vez, ao se deixar perceber como a fonte da qual emana o valor deôntico
instaurado, o orador apresenta-se como uma autoridade, valendo-se, assim, da sua condição
de representante legítimo dos interesses da sociedade que o elegeu. Quando opta, porém,
por externar de onde embasa o valor instaurado, citando a Constituição, preceitos
religiosos,etc, ele deixa sua própria autoridade como pano de fundo a fim de conceder
relevo a uma fonte que julga mais competente, por isso mais forte argumentativamente.
A análise do corpus nos revelou a dificuldade em identificar o alvo como individual
ou coletivo, pois estávamos a desconsiderar uma terceira opção, extremamente produtiva e
muito relevante em termos de estratégia argumentativa; a que diz respeito à ausência de
uma marca que identifique o alvo sobre o qual recai o valor instaurado. Constatamos, de
fato, existir uma espécie de escala de comprometimento com a responsabilidade de agir ou
de indicar quem deve agir. Essa escala caminha no sentido de um menor comprometimento
(ausência de marca indicativa do alvo) para um maior comprometimento (indivíduo como
alvo), apresentando como ponto intermediário a identificação do alvo como instituição.
Quando correlacionamos a identificação do alvo (ausência de marca, instituição,
indivíduo) com o comportamento do orador em relação ao valor deôntico instaurado, se
inclusivo ou exclusivo (mais propriamente não-inclusivo), alcançamos um entendimento
mais amplo das estratégias de descomprometimento com a responsabilidade de agir ou de
indicar quem deve agir. Essa escala caminha no sentido de um menor comprometimento
(quando não indicação de marca capaz de identificar o alvo) para um maior
comprometimento (quando o orador indica como alvo um indivíduo que corresponde ao
próprio enunciador), apresentando como pontos intermediários os seguintes: instituição/
exclusão (Cabe ao Governo, portanto, adotar medidas capazes de evitar o pânico que ora se
instala na classe média...) instituição/ inclusão (Cabe a nós, como Poder Legislativo,
corrigir isso), indivíduo/ exclusão (Primeiro ele deveria reivindicar o pagamento de 10
116
salários mínimos...), indivíduo/ inclusão (Nós, na condição de Parlamentares, temos que
promover justiça a todo o povo brasileiro).
Parece-nos, assim, que tanto a fonte de onde emana o valor deôntico quanto o alvo
sobre o qual recai o valor instaurado são escolhidos pelo orador na medida do grau de seu
comprometimento. Instaurar um valor deôntico que do orador parece emanar a um
indivíduo nominalmente identificado é estratégia de confronto direto. Dos 189 trechos
modalizadores deônticos presentes em nosso corpus, em apenas três se fez notar essa opção
de extremo embate. A opção mais produtiva foi aquela na qual percebemos o orador como
fonte e a ausência de marca indicativa do alvo.
No que concerne ao comportamento do orador de incluir-se ou não no alvo sobre o
qual incide o valor deôntico instaurado, o qual acabamos de correlacionar ao tipo de alvo,
constam, no projeto, as seguintes indagações: que imagens transmitem os oradores que
optam por incluírem-se na incidência do valor deôntico instaurado em contraposição às
imagens obtidas por aqueles que optam pela não-inclusão? Como essas imagens
construídas corroboram com a persuasão discursiva?
Constatamos a freqüência da exclusão do orador do alvo deôntico em nosso corpus.
Dos 189 trechos com modalizadores deônticos, em 48 (25%) flagramos a inclusão do
orador e, em 141 (75%), a exclusão.
Assim, enquanto, ao incluir-se no alvo, o orador apresenta-se como aquele que vai
atuar na resolução das questões elencadas em seu discurso como precisando de intervenção,
ao excluir-se, ele se apresenta como aquele que está apto a denunciar, a cobrar de quem
compete agir. Ambas as opções mostraram ser relevantes recursos persuasivos.
Não apenas as respostas suscitadas por ocasião da elaborão do projeto dessa
pesquisa foram respondidas, mas várias outras questões foram nos sendo apresentadas
enquanto nos debruçávamos na investigação dos modos de atuação da modalidade deôntica
na construção da persuasão em discursos políticos.
Desta feita, pudemos constatar a existência de uma relação entre aumento da
pressão sobre os parlamentares, no que tange à adoção de resoluções capazes de satisfazer a
opinião popular, e intensificação do uso de expressões deônticas modalizadoras em
pronunciamentos legislativos. A depender da etapa de discussão na qual o texto em
tramitação na Câmara se encontrava, mais ou menos freqüentemente se valeram os
117
oradores da instauração de valores deônticos. Essa correlação entre período no qual o
discurso é proferido e freqüência de expressões da modalidade deôntica nos permitiu
flagrar o potencial persuasivo do uso de tais expressões.
Em relação aos valores deônticos instaurados (obrigação - permissão - proibição),
podemos, agora, asseverar que os discursos políticos em análise caracterizam-se pela
instauração de obrigações. E que a obrigação interna, que significa o recurso à menção de
valores tradicionalmente cultuados, em nossa sociedade, a fim de respaldar a noção
deôntica instaurada, destacou-se em relação à obrigação externa. Essa opção, como todas as
que envolvem o uso de expressões modalizadoras deônticas, é relevante à construção da
persuasão. Na disputa pelo eleitorado, apresentar-se à opinião pública como um instaurador
de obrigações traz à tona a posição de autoridade daquele que fala, concedendo ao eleitor a
aparência de exercício das funções para as quais o parlamentar foi eleito: fiscalizar e
legislar. Por sua vez, o discurso visceral, respaldado em valores como justiça, coerência
apresenta o orador travestido dos valores socialmente cultuados como nobres, o que facilita
a aceitação do grande público, daí a predileção para instauração de obrigações do tipo
interno.
Quanto aos tipos de frases nas quais as sentenças modalizadoras deônticas se
fizeram notar mais freqüentemente, constatamos ser o discurso político em análise
predominantemente constituído por frases assertivas nas quais percebemos um tom de
chamada à ação, de conselho, portanto faz-se notar o imperativo fraco. Não ocorrência
de injunções, imperativo forte. O fato de serem todos os parlamentares igualmente
autoridades legitimamente constituídas justifica, a nosso ver, a não existência de ordens
diretas instauradas uns sobre os outros e, nos casos em que o valor deôntico instaurado
recai sobre indivíduos que não os próprios parlamentares, percebemos a predileção da
estratégia da não delegação direta de demandas, considerada agressiva por muitos, daí a
ausência de injunções.
Quanto à localização das expressões modalizadoras deônticas no contínuo
discursivo, pudemos perceber que elas se fizeram notar na introdução, no desenvolvimento
(mais acentuadamente) e na conclusão dos discursos analisados. Nas palavras iniciais dos
discursos, atuaram como introdutoras do tema central a ser considerado, geralmente o
abrindo em tom de denúncia. Nas palavras concludentes, atuaram como arrematadoras da
118
questão central discutida ao longo do discurso, geralmente o concluindo em tom de
promessa. No desenvolvimento, por sua vez, destacaram-se ou como recurso enfático, ou
como meio de organização de diversos pontos distintos a serem discutidos pelo orador, de
modo que cada ponto considerado surgisse no discurso como escopo de uma expressão
modalizadora deôntica. Constatamos, assim, que as expressões da modalidade deôntica
unem os fios da teia argumentativa; apresentando questões centrais, fragmentando-as em
partes, desenvolvendo-as enfaticamente, arrematando-as de modo a marcar nos ouvintes o
ponto apresentado como central.
Ainda pudemos verificar os meios utilizados pelo orador para intensificar a força
ilocucionária de valores instaurados. Verificamos que, por meio de operadores
argumentativos, da repetição do meio lingüístico de expressão da modalidade deôntica e do
uso do verbo no futuro do pretérito associado ao particípio foi possível aos oradores
concederem mais assertividade a valores deônticos instaurados em seus discursos. A
presença de intensificadores nessas expressões corrobora ao entendimento delas como
estratégicas à construção da persuasão.
Ao término do trajeto de pesquisa empreendido, julgamos, portanto, ter alcançado
nosso objetivo, a saber: contribuir ao entendimento do elo entre modalidade deôntica e
construção discursiva.
Lembramos, por fim, que restringimos nossa análise apenas aos mecanismos
segmentais de expressão da modalidade deôntica, por uma questão de exeqüibilidade do
projeto, como expusemos. Assim, acreditamos que, somada a essa investigação, uma
análise dos mecanismos não-segmentais de expressão da modalidade deôntica curvas
melódicas, pausas, gestos nos conduziria a um entendimento cabal do modo de atuação
dessa categoria lingüística no processo de construção da persuasão em discursos políticos.
119
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121
ANEXO
Corpus
122
01
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 008.1.52.O Hora: 15:26
Fase: PE
Orador: WILSON SANTOS, PSDB-MT Data: 27/02/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 0
O SR. WILSON SANTOS (PSDB-
MT. Pronuncia o seguinte discurso.) Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, apesar das ameaças de greve por parte dos sindicatos e até dos
apelos levados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) ao Presidente Luiz
Inácio
Lula da Silva, o Governo vai mesmo apoiar a fixação de um teto para as aposentadorias
dos servidores e algum tipo de contribuição dos aposentados para a Previdência Social.
Além de serem pontos defendidos abertamente por integrantes do Governo, ambo
s
encontram eco entre os integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES), que ontem realizou a primeira reunião temática sobre a reforma da Previdência.
Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, 50,67% dos 82 integrantes do
Cons
elho não consideram que os servidores atuais tenham direito adquirido sobre as
aposentadorias e 58,66% são favoráveis à cobrança de contribuição dos aposentados.
Acontece que, Sr. Presidente, os conselheiros parecem esquecer que o direito adquirido é
das
cláusulas pétreas da Constituição Federal e que se reveste como um ato jurídico
perfeito e acabado.
O Ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, defendeu recentemente as medidas diante
dos conselheiros, ao dizer que uma ''tendência muito forte'' de incluí-
las na proposta de
reforma, afirmando que para os atuais servidores, não dúvida jurídica nenhuma de que,
estabelecida a regra constitucional e havendo contribuição prevista para os inativos, quem
se aposentar a partir da regra obrigatoriamente estará
incluído, contudo, reconhece a
hipótese da dúvida para quem está aposentado.
O próprio Ministério da Previdência, ironicamente, não considera a contribuição dos atuais
inativos fundamental porque não terá grande impacto financeiro a médio prazo. A
economia seria de R$ 1,5 bilhão no primeiro ano, mas com tendência de redução.
O que chama a atenção em tudo isso é que, com essa história de se pretender taxar os
inativos, objetivando resolver o déficit da Previdência, o Presidente Lula está se
transformand
o no Robin Wood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos. Melhor faria
o Governo se cobrasse mais impostos dos banqueiros que, como sempre, continuam a
aumentar seus lucros à custa dos sacrifícios impostos à sociedade, a começar pelo
freqüente aument
o da taxa de juros; pelo contingenciamento de despesas no Orçamento,
cujas conseqüências mais graves e imediatas são o crescimento da dívida blica; pela
elevada concentração de rendas e pela queda constante do nível de emprego.
E o tema da Previdência a
inda abrange outras questões sociais, Sr. Presidente. Cerca de
32,4% dos 13,3 milhões de aposentados voltam ao mercado de trabalho, comprovando que
o que recebem mal dá para sobreviver. Isso foi o que revelou a última Pesquisa Nacional
por Amostra de Domic
ílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Destes, a grande maioria, dois terços, ganham até um salário mínimo, ou seja, R$ 200.
E vem a pergunta: de que adianta se aposentar aos 52 anos se o benefício não para o
123
sustento da famíl
ia? O valor da aposentadoria é baixo e insuficiente, e sem renda o
aposentado acaba voltando ao mercado de trabalho.
Na Europa, por exemplo, a realidade é bem diferente. Além de se aposentarem mais
velhos, aos 65 anos, os trabalhadores gozam de benefícios
que não existem por aqui, como
a complementação da renda. Cerca de 75% das famílias européias estão inseridas nesse
programa. Basta a comprovação de que a renda per capita
da família é insuficiente para
sustentar o mero de moradores residentes no domicí
lio.
Claro que se trata de um cenário distinto do nosso, mas serve como pano de fundo para
comparações. Na Europa, as pessoas acabam o ensino fundamental aos 18 anos, ao
contrário do Brasil, 14 anos, e começam a trabalhar mais velhas, com 23 anos. Isso
naturalmente faz com que os europeus se aposentem mais tarde.
Fica aqui meu posicionamento contrário, Sr. Presidente, no tocante à essa possível
contribuição injusta dos inativos.
Muito obrigado.
02
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 012.1.52.O Hora: 15:36
Fase: PE
Orador: ALMIR MOURA, PL-RJ Data: 11/03/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 05
O SR. ALMIR MOURA (PL-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e
Srs. Deputados, ocupamos esta tribuna, hoje, para ressaltar um d
os pontos mais
importantes que serão debatidos pela Câmara este ano, qual seja o da Previdência Social.
Por sua complexidade e tamanhas as dificuldades que se apresentam ao legislador, esse
problema tem sido jogado para debaixo do tapete por tantas administrações.
Não me vou ater aos números nem à falta de recursos para honrar o compromisso solene
que o Governo assumiu com quem trabalhou pelo menos 35 anos e que quando chega ao
portal da aposentadoria tem ainda que enfrentar diversos entraves burocráticos p
ara
conseguir o benefício.
Quero referir-
me às injustiças, a situações que até chamaria de trágicas por que passam
milhares de brasileiros, sobretudo neste momento de grandes dificuldades econômico-
financeiras enfrentadas pelo País.
Neste salve-se-quem-pu
der, em que as empresas buscam a sobrevivência a todo custo, o
corte preferencial para redução de despesas geralmente ocorre na folha de pagamento.
Todos sabemos que o custo que a empresa tem com um empregado não se restringe apenas
ao salário: há uma carg
a muito grande de encargos, que chega em alguns casos à metade
do que o empregado recebe.
Sabemos muito bem que, seja qual for a decisão tomada pelo Congresso Nacional em
relação a este grave problema, a Previdência Social terá ainda um árduo caminho a
percorrer, até que a situação seja normalizada.
O número de trabalhadores informais aumenta percentualmente a cada ano que passa e,
lamentavelmente, essa grande força de trabalho não contribui autonomamente para a
Previdência.
124
Sr. Presidente, Sras. e Srs. De
putados, defendemos aqui que seja criada uma campanha de
conscientização e divulgadas intensamente pela mídia todas as facilidades para que o
cidadão, que está no mercado informal, contribua para a Previdência. Pelo que temos lido
nos jornais, se esse cont
ingente de trabalhadores estivesse contribuindo pelo mínimo, boa
parte do problema financeiro da Previdência seria minimizado.
Esta, creio, é uma medida urgente
: conscientizar o trabalhador informal, através de uma
campanha veiculada pela mídia, que ele deve pagar
o seu INSS, garantindo, assim, todos
os benefícios oferecidos pela Previdência..
Este é um ponto. Mas, e pelo lado empregador? Ocorre no Brasil, atualmente, uma das
maiores injustiças contra o trabalhador, restrita às demissões. Todos nós sabemos
que a
idéia de "País jovem", "Brasil jovem" disseminada pelos governos do tempos da ditadura
sedimentou-se no subconsciente da Nação.
Hoje, quando um trabalhador, seja ele de que categoria for, chega aos 35 anos de idade
começa a se assustar. Essa dramátic
a situação vem sendo alimentada pela propaganda,
como disse acima, aliada ao culto ao corpo, à boa forma, à "malhação": a boa forma
visando à estética, nem tanto aos benefícios que a ginástica traz à saúde. O importante
é
ser jovem, belo e assim conseguir
bons empregos. Mas é bom que ninguém se engane com
os acenos da propaganda.
Com a entrada do Brasil na corrente do neoliberalismo, o problema se acentuou e a faixa
útil, faixa limite de um trabalhador, passou a ser, no máximo, 40 anos. Perguntem a um
traba
lhador demitido com essa idade se já conseguiu emprego? As empresas passam a
admitir somente jovens, ainda sem a devida experiência, seja na indústria, seja no
comércio ou no setor de serviços. Em países como Japão, os mais experientes têm lugar
garantido
nas empresas. São eles que garantem a manutenção dos padrões de qualidade
dos produtos e serviços, para que não haja quebra desses padrões e conseqüente quebra nas
vendas.
Entrei por este caminho para acentuar que a reforma da Previdência tem alcance bem m
ais
profundo. Esta abordagem inicial vai merecer de minha parte, fiel às linhas mestras de meu
partido, um comentário mais detalhado para falar, por exemplo, dos trabalhadores que
estão a poucos anos de ter direito à merecida aposentadoria e são demitidos
sem nenhum
amparo. Como é possível um trabalhador com 60 anos de idade, faltando cinco para se
aposentar, completar seu tempo no desemprego, sem condições, até, de contribuir como
autônomo para a Previdência?
Sr. Presidente, Sras. e Srs. e Deputados, pelo
que tenho notícia, são inúmeros os casos de
trabalhadores nessa deprimente e vergonhosa situação
São aspectos como esse que voltarei a expor nesta tribuna, que tenho a honra de ocupar em
meu primeiro mandato. O Brasil, como futura grande nação, o Brasil c
omo povo, é maior
do que algumas de suas leis, defasadas, desgastadas pelo tempo e pela incúria de tantos
administradores que ocuparam o poder.
Como disse certa vez, nesta tribuna, o saudoso Deputado Ulisses Guimarães,
"O homem,
colocado na Terra por Deus
, é anterior ao Estado e anterior às leis, normas e
constituições". Portanto, toda lei deve ter
como princípio e como fim o Homem e não o
Estado, em primeiro lugar.
Muito obrigado!
125
03
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 014.1.52.O Hora: 14:24
Fase:
PE
Orador: ANTONIO CAMBRAIA, PSDB-CE Data: 13/03/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. ANTONIO CAMBRAIA (PSDB-CE.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
nosso País, esta terra maravilhosa, apesar de ser rica, não é ainda o Brasil q
ue se deseja.
Significativa parcela da população vive em condições miseráveis ou bastante precárias.
Isso não se justifica em um país que é uma grande potência econômica. Em razão da
concentração de renda, não se leva bem-estar à casa de todos os brasilei
ros, relegando
alguns a uma qualidade de vida muito baixa.
O novo Governo anuncia as reformas, e isso tem levado esperança a todos os que sofrem e
penam nos mais distantes rincões do Brasil. Ressalto a importância da reforma
previdenciária, que, a partir d
os anúncios feitos pelo Ministro da Previdência, tem causado
muitas preocupações aos brasileiros, à classe trabalhadora, que espera que este Governo,
que lhe representa até pela sua sigla, melhore suas condições de vida.
Mas o que está sendo anunciado com
relação à reforma da Previdência Social não está
tranqüilizando a população, que anseia por melhor qualidade de vida, principalmente
porque a proposta de reforma da Previdência ainda não chegou a esta Casa. existe até
uma mobilização de sindicatos, de
entidades de classe dos trabalhadores com relação a
essa matéria.
Esta semana, ao embarcar no aeroporto de Fortaleza, presenciei sindicatos manifestando-
se
com faixas pedindo que a reforma da Previdência não seja aprovada nos termos em que o
Governo está
anunciando. Quer dizer, aqueles mesmos sindicalistas que foram às ruas já
estão cobrando medidas do Governo.
Estabelecer um teto de aposentadoria para o servidor público, unificar a Previdência
privada e a do servidor público, nivelando por baixo, não é o
que o servidor quer, mas sim
a garantia da sua aposentadoria com vencimentos integrais, até porque ele contribui sobre
seus vencimentos integrais. A aprovação dessa reforma acarretaria grandes prejuízos.
Ninguém aceita a contribuição dos inativos. Entreta
nto, o Governo ressuscita a idéia de
cobrar contribuição desses servidores e de aumentar a idade para aposentadoria. Isso não
prejudicará apenas os que são privilegiados, mas toda a população, pois todos terão de
se aposentar um dia.
De fato, os privil
egiados existem, e para eles deve haver uma legislação mais rigorosa, que
elimine tais privilégios. Não se deve dizer que toda a classe trabalhadora é privilegiada.
Sr. Presidente, o Governo tem de atender
aos anseios da população, para corresponder ao
que esperamos.
Muito obrigado.
126
04
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 018.1.52.O Hora: 15:18
Fase: PE
Orador: PAUDERNEY AVELINO, PFL-AM Data: 19/03/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. PAUDERNEY AVELINO (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, antes mesmo de o partido que está no poder
colocar, como o fez em recente reunião do seu Diretório Nacional, "mais
velocidade, eficácia e definição" do atual Governo, tive a oportunidade de
acentuar e
comentar diversas vezes a falta de ritmo e de rumos estratégicos da
gestão governamental que se iniciou em de janeiro passado sob os auspícios de
altíssima expectativa de grande maioria do povo brasileiro.
Em discurso proferido em 28 de outubro de 2002,
festejando sua vitória nas urnas,
o então Presidente eleito escolheu como prioridade de seu governo a aprovação
das reformas. E as citou pela ordem: reforma da Previdência; reforma tributária;
reforma da legislação trabalhista e da organização sindical; r
eforma agrária e
reforma política.
Estamos no terceiro mês de governo e a esta altura apenas duas dessas reformas
parecem continuar prioritárias: a da Previdência Social e a tributária. As outras
estão ou fora de pauta ou caminhando muito devagar. E nas du
as que sobraram vai
ficando cada vez mais claro que o Governo não tem diagnóstico nem projeto. Em
suma, estão na estaca zero.
Vejamos, por exemplo, o que está acontecendo com a reforma da Previdência. As
idéias defendidas pelo Ministro Ricardo Berzoini não
têm nada a ver com o que
está no Programa do Governo 2002, que continha as diretrizes divulgadas na
campanha eleitoral. Lá está escrito que o governo petista unificaria os dois
sistemas o do INSS e o regime dos servidores públicos e além disso criaria um
regime de aposentadoria complementar que funcionaria como os fundos de
pensão.
Tão logo tomou posse, o Governo inteiro se deu conta de que a unificação dos
sistemas é inviável, porque União, Estados e Municípios teriam de
começar a
pagar a contribuição men
sal em nome dos seus funcionários, como qualquer
empregador, o que provocaria uma despesa adicional fantástica para o setor
público, para a qual não recursos.
Assim, ficou demonstrado que não havia diagnóstico. O PT passou os últimos
quatro anos boicota
ndo todos os projetos de reforma. Inclusive o de iniciativa de
um dos seus competentes Parlamentares, o então Deputado Federal Eduardo
Jorge, que, não atendendo à pressão partidária para retirar seu projeto de pauta,
chegou até a ser punido. Todos esses em
bargos eram feitos em nome de uma
proposta melhor que seria apresentada pelo partido na hora apropriada. E agora se
que não existe proposta e que os petistas não tinham pensado nas
conseqüências do que escreveram nas diretrizes.
Há algumas semanas, o PT
propôs colocar de novo em tramitação o Projeto de Lei
9, que prevê a adoção do sistema de fundo de pensão para os funcionários que
127
forem admitidos. Esse projeto tinha sido rejeitado na Legislatura anterior pela
própria bancada do PT. Na quinta-feira da
semana passada, o partido do Governo
e seus aliados resolveram esquecer o PL 9, alegando que é preciso
primeiro ter
noção do conjunto. O conjunto, no caso, seria o projeto completo da reforma
previdenciária, que não existe. Resolveu-se, então, esperar
que sobre a matéria se
pronuncie o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o grupo de 81
notáveis que está assessorando o Presidente da República. Ora, ouvir a sociedade
e debater com cada setor é uma prática saudável se houver clareza em torno do
que discutir.
Aparece, então, o Ministro da Fazenda com a idéia de mudar a contribuição
patronal para o INSS, para incidir sobre o faturamento (ou receita bruta) das
empresas, em vez de ser calculada sobre a folha de pagamento. Idéia, por sinal,
altamente
discutível, sob vários aspectos. E surge a Carta de Brasília, de 22 de
fevereiro, assinada em conjunto pelo Governo Federal e pelos Governadores, que
sugere a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos, proposta
rejeitada três vezes se
guidas pela bancada petista no Governo passado e repelida
pelo Supremo Tribunal Federal. Mas volta o Ministro da Fazenda com outra
sugestão: a de que o servidor aposentado receba seu benefício medido pelo salário
líquido (com todos os descontos) e não pelo salário integral.
Como se vê, além de ter sido a reforma previdenciária anunciada de forma
desastrada, o problema está mal colocado e não rumo nem mesmo nos debates.
A continuar assim, o próprio Governo estará "queimando o filme" de um
empreendimento que precisa ter êxito
, mas que poderá até fracassar por falta de
definição, por erro de estratégia, pela teimosia de impor teto de proventos da
inatividade do funcionalismo público num país sem tradição de previdência
complementar e pela indisposição para c
riar esse tipo de regime numa primeira
etapa, como precondição para a mudança do regime de aposentadoria dos
servidores públicos.
Era o que tinha a dizer.
05
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 037.1.52.O Hora: 15:20
Fase: PE
Orador: PAUDERNEY AVELINO, PFL-AM Data: 03/04/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 05
O SR. PAUDERNEY AVELINO (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, já que o Governo resolveu agilizar a
elaboração das propostas de reform
a tributária e da Previdência Social, convém
128
lembrar que os tecnocratas, atuantes em todas as administrações, encaram com
certa miopia administrativa a questão previdenciária, sobretudo no tocante aos
servidores.
Devo esclarecer, desde logo, que em princíp
io não me oponho à instituição do
sistema de previdência complementar, como ponto de partida para a futura
previdência unificada de setores públicos e privados, conquanto sejam respeitados
os direitos adquiridos dos atuais servidores.
As considerações que
pretendo fazer são concernentes à distorção de dados e
referências que os burocratas fazem circular na mídia sobre o assunto. Divulga-
se,
por exemplo, sem a indicação da fonte da estatística, que o pagamento de
aposentadorias e pensões do funcionalismo ger
a hoje rombo aproximado de R$ 40
bilhões. A conta não passa de delírio de Matemática Financeira. Mesmo
admitindo a veracidade do dado, é preciso contar a verdade por inteiro.
Os custos previdenciários do funcionalismo público desde sempre foram bancados
pe
lo Tesouro e a fundo perdido. Sua escalada é no mesmo ritmo crescente da
expansão das atividades do Poder Público, com a circunstância agravante que os
tecnocratas não mencionam de que a União jamais contribuiu com sua parte para a
estabilidade do sistema.
Nem sequer recolheu as contribuições a um fundo de
capitalização, para garantir o resgate de encargos futuros.
E aqui me valho dos resultados de importante pesquisa sobre o assunto levada a
efeito pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal. É
que, nessa
contabilidade oficial, para começar não são computadas receitas criadas para
suporte do seguro social dos trabalhadores, aí incluídos os do setor público (R$ 45
bilhões da COFINS e cerca de R$ 9 bilhões da Contribuição Social sobre o Lucro
Líqu
ido das empresas). Conforme o citado levantamento, se não houvesse a
omissão, já em 2001 teria havido superávit de R$ 34 bilhões. E muito mais
expressivo teria sido o resultado se o Estado honrasse sua responsabilidade
contributiva.
Os servidores usufruem
do direito à aposentadoria integral porque pagam 11%
sobre o total da remuneração. os trabalhadores do setor privado recolhem sobre
o teto e, por isso, perdem o direito de receber, na inatividade, o mesmo salário da
ativa, caso percebam acima do teto.
P
or se que o chamado rombo da Previdência começa mais em cima: o
Tesouro não recolhe contribuição para o INSS, na parte que lhe compete. Mas o
Governo tem outro problema crônico e preocupante, ou seja, a dificuldade de
recebimento, pela Previdência
, de créditos cobrados dos próprios órgãos públicos,
federais, estaduais e municipais.
Pelo menos um quarto dos 1.500 maiores créditos que o INSS tem a receber é de
responsabilidade de órgãos públicos, incluídas empresas estatais, autarquias,
Governos E
staduais e Municipais. A dívida total é da ordem de R$ 61,3 bilhões.
as Prefeituras e os órgãos por elas controlados correspondem a 14,5% dos
maiores devedores. Do total do débito, Estados, Prefeituras e órgãos vinculados
devem cerca de R$16,1 bilhões.
O Banco do Brasil aparece na lista dos inadimplentes da Previdência com uma
dívida de cerca de R$ 115 milhões. Nada acontece, porque existe interminável
controvérsia entre com o INSS sobre mais R$ 1 bilhão de débitos atribuídos ao
129
banco e por este contesta
dos. Semelhante controvérsia tem inviabilizado
pendência de quase R$ 360 milhões atribuída à Caixa Econômica Federal e por
ela igualmente questionada. E há também estatais que afirmam nada terem a pagar
à Previdência, a exemplo da Companhia Nacional de Aba
stecimento, listada com
dívida de R$ 454 milhões.
Fora do setor público, o INSS considera na lista créditos que provavelmente
jamais vai receber, como o de empresas falidas ou em processo falimentar.
Podemos citar a ENCOL e a TRANSBRASIL. A primeira, falid
a seis anos,
deixou dívidas de R$ 630 milhões; a segunda, quase um ano e meio sem voar,
lidera a lista com dívida de aproximadamente R$ 800 milhões.
Não há como negar que a Previdência precisa ser
reformada e com toda a urgência
possível. O debate es
centrado no déficit mensal ou anual, que, a cada
divulgação oficial, vem com cifras diferentes.
Se uma radical intervenção é urgente
, nem por isso hão de ser desconsiderados os
perigos e atropelos da empreitada. Vale insistir que o déficit não deriva ap
enas do
descompasso entre os benefícios pagos ao trabalhador da empresa privada e os
assegurados ao servidor público. A perversão do sistema ainda ostenta outras
anomalias, como as que acabo de descrever e comentar, além do passivo enorme,
resultado de fraudes, de sonegação e do insatisfatório gerenciamento.
O que importa é que tudo isso seja levantado e avaliado em toda a sua abrangência
e que não se parta
para a solução simplista de reduzir os proventos do funcionário
público aposentado e de compeli-lo a
contribuir novamente para o sistema
previdenciário.
06
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 043.1.52.O Hora: 15:04
Fase: PE
Orador: ALMIR MOURA, PL-RJ Data: 09/04/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. ALMIR MOURA (PL-RJ. Sem r
evisão do orador.) Exmos. Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, por trás dos números que fundamentam a urgência
da
reforma previdenciária, realidades que precisam ser contempladas
por nós,
legisladores, e pelo Governo, para que situões, já insustent
áveis, não se tornem
cruéis.
Refiro-
me aos assalariados na faixa de 40 e 50 anos de idade, que diariamente
travam luta de vida ou morte contra o desemprego; pessoas duramente
prejudicadas pelas mudanças previdenciárias promovidas no Governo passado e
que, tudo indica, serão os maiores derrotados na próxima reforma da Previdência.
130
Os servidores públicos têm direitos e não podem arcar
sozinhos com a conta da
Previdência. Eles são amparados por fortíssimos sindicatos e já se mobilizam para
evitar os cortes
pretendidos pelo Governo. Os militares e os juízes, especialmente,
conseguiram do Governo sinais de que podem ser preservados. Sobra para
quem? Para o trabalhador comum, mal remunerado, que quase sempre não dispõe
de organização sindical eficiente. Como
não tem voz para protestar, essa gama de
trabalhadores pode, novamente, vir a pagar a conta. Isso sem falar nos
desempregados, que nem se preocupam muito com a Previdência, porque estão
preocupados em garantir a própria subsistência.
As vozes silentes dos fracos, porém, fizeram-
se retumbantes nas últimas eleições,
colocando para fora o poderoso Governo FHC e muitos de seus afilhados. O
Presidente Lula, eleito pelos votos desses humildes brasileiros assalariados, terá
sensibilidade e moderação para não lhes
impor fardo mais pesado do que o que
carregam sobre os ombros.
Desta tribuna, comprometo-
me a lutar ao lado desses trabalhadores. E conclamo
os prezados colegas a também ingressarem nessa luta.
__________________________________________________________(O
orador, a partir desse trecho, começar a versar sobre outro assunto, distinto da
Reforma da Previdência)
Sr. Presidente, aproveito ainda a oportunidade para lembrar a difícil situação por
que passa o povoado de São Sebastião da Boa Vista, no Município
de Miracema,
interior do Estado do Rio de Janeiro. Os moradores não têm como levar os filhos à
escola ou ao hospital, uma vez que não há acesso para o povoado, porque ninguém
quer consertar a única estrada que passa por lá. Essa estrada, na verdade, corta
três
Municípios: Miracema, Laje do Muriaé e Itaperuna.
A Prefeitura de Itaperuna diz que não faz o serviço porque a maior parte dela está
no Município de Laje do Muriaé; a do Município de Laje do Muriaé diz que não
faz porque há um pedaço que pertence a M
iracema e outro que é de Itaperuna; por
fim, a de Miracema não faz porque a sua é a menor parte da estrada.
Com isso, aproximadamente 500 famílias do povoado de São Sebastião da Boa
Vista, também chamado de São Sebastião dos Pelados, estão morrendo à míngu
a.
Faço um apelo para a União, o Ministério dos Transportes e o Governo do Estado
do Rio de Janeiro no sentido de que olhem com mais sensibilidade para essa
região, que foi um grande pólo cafeeiro do Estado, com agricultura e pecuária
expressivas, e hoje tem um número menor de moradores por falta de infra-
estrutura.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
131
07
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 063.1.52.O Hora: 14:14
Fase: PE
Orador: VICENTINHO, PT-SP Data: 30/04/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 09
O SR. VICENTINHO (PT-
SP. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, caros telespectadores, no último final de semana, visitei as cidades de
Ourinhos, Santa Cruz do Rio Pardo e Ipauçu, região muito alvissareira. Aproveit
o a
oportunidade para mandar meu abraço às lideranças que me acolheram: o Sr. Elias, de
Ourinhos, os Presidentes regionais do PT de Santa Cruz do Rio Pardo e de Ipauçu,
companheiros que lutam conosco muito tempo.
Nas palestras ministradas nas Faculdades
Estácio de e de Ourinhos, constatei que as
pessoas têm muitas dúvidas. Ali, promovemos análise de conjuntura para as comunidades
que precisam de informação.
Um dos temas mais debatidos foi o da Previdência Social.
Percebi que a mídia não tem dado as in
formações devidas.
Quero destacar gesto altamente positivo do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, que hoje virá a esta Casa para entregar as propostas de reforma da Previdência e
tributária. Depois que elas forem apresentadas, espero que as fofocas e os disse-que-
disse
acabem. Vamos nos basear no que estiver escrito, no que for concreto.
Por experiência de vida, posso
ter divergências e dúvidas em relação à reforma da
Previdência Social, mas a confiança que tenho no Governo Lula é extraordi
nariamente
superior a qualquer dúvida que possa ter. Muitos no País pensam que o desconto dos
inativos será para todos, mas não será. Refere-
se ao setor público. Aliás, estou achando
muito baixo o valor que foi sugerido e vamos propor modificações aqui.
A
comunidade não sabe que o servidor público passou a pagar a Previdência Social a partir
de 1992. Não paga há 30 nem 35 anos. Talvez por isso haja essa grande divergência.
Uma Deputada desta Casa me disse, em viagem internacional, que se envergonhava de
dizer que sua aposentadoria é de 19 mil reais, além do salário de Deputada.
Essas questões tem de ser analisadas. Temos de apresentar
uma proposta de reforma da
Previdência que combata privilégios, que assegure direitos e que resposta aos nossos
filhos
que, se Deus quiser, trabalharão e precisarão de Previdência que tenha
sustentabilidade.
Sr. Presidente, as visitas às cidades e as conversas nas fábricas têm indicado
a necessidade
de a comunidade ser mais bem informada. Pedimos sempre que as pessoas não
se baseiem
apenas no que diz a mídia. É importante
conversar.
Com a proposta do Governo em mão, poderemos
apresentar as nossas. O Governo
apresentará um projeto, ao qual estou disposto a votar favoravelmente. Mas, se pudermos
apresentar emendas, esta é a
Casa e o espaço que finalmente decidirá o verdadeiro
encaminhamento.
Este debate é extremamente importante e dura muitos anos. Constato uma evolução. O
nobre Presidente era Líder do Governo em 1995, quando houve grande debate sobre a
Previdência Social
nesta Casa. E o assunto era a contribuição. Hoje, nem falamos mais
132
sobre isso; já aceitamos, virou consenso. Evoluímos. Naquela época, apanhávamos quando
falávamos nisso. Hoje compreendemos a importância de se ter uma Previdência solidária e
universal. Por isso, precisamos contribuir com igualdade. A Previdência Social tem de
ser
eficaz e atender também àqueles que precisam e não podem pagar por ela.
Considero importantíssimo o Sr. Presidente da República sair do Palácio do Planalto e vir
a a esta Casa para nos entregar as propostas.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
08
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 063.1.52.O Hora: 14:44
Fase: PE
Orador: ARY VANAZZI, PT-RS Data: 30/04/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 09
O SR. ARY VANAZZI (PT-
RS. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, viveremos hoje
um momento histórico no Poder Legislativo: o Presidente da República, juntamente com
os Governadores dos Estados e alguns Prefeitos, entregará, num simbolismo democrático
importante, os projetos de
reformas previdenciária e tributária. A partir deste momento, a
Casa tem a responsabilidade
de aprofundar o debate e fazer as emendas necessárias para
adequar o projeto às discussões e idéias representadas por cada um de nós, membros do
Poder Legislativo.
O nosso Governo tem tido a coragem de apresentar à sociedade o debate sobre a questão
previdenciária, que continuaremos a fazer com muita tranqüilidade e responsabilidade. A
previdência pública é direito dos trabalhadores, mas, hoje, muitos brasileiros co
ntinuam
excluídos.
Sr. Presidente, alguns elementos no projeto que evidentemente não podemos
admitir.
Um deles é a questão da taxação dos inativos. O problema da Previdência não está nos
inativos. O Governo Federal está sofrendo um desgaste político tre
mendo ao enfrentar esse
debate, sem nenhum resultado econômico que possa resolver o problema da Previdência,
que gasta 88 bilhões de reais por mês. Com a taxação, receberá apenas 1 bilhão de reais.
A taxação dos inativos é uma exigência dos Governadores e Prefeitos, que
precisam
resolver o problema em seus Estados e Municípios. Os Deputados devem ter
a coerência
de defender os interesses de seus Estados e não, sem a menor responsabilidade, fazer um
discurso equivocado para atacar o Governo.
O Deputado Moron
i Torgan disse, desta tribuna, que o Governo não tem coragem de
cobrar a dívida à Previdência. Olhe a ira do destino, Sr. Presidente: a Previdência tem uma
dívida de 150 bilhões de reais.
Os Governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso
ajuizaram 2%
dessa dívida para serem cobradas na Justiça e não tiveram coragem de enfrentar o
monopólio econômico, as grandes corporações e o sistema financeiro. Agora querem que
em quatro, cinco ou em um ano o atual Governo resolva o problema.
que se dizer a verdade! A reforma da Previdência tem de incluir
os cidadãos,
133
principalmente os agricultores, que têm 55 anos e não conseguem se aposentar.
Devemos
fazer
emendas que possibilitem ao Governo brasileiro assegurar uma aposentadoria para
quem trabalhou toda sua vida neste País. Este é o debate que devemos fazer
com
responsabilidade neste Parlamento.
Não é possível responsabilizar
o Governo por tudo o que acontece, pois os problemas vêm
de Governos anteriores. Aqueles que governaram este País têm de assu
mir a
responsabilidade
, ter autocrítica e dizer em que erraram, para que o atual Governo possa
construir um sistema previdenciário responsável para a grande maioria do povo brasileiro,
principalmente os trabalhadores de baixa renda.
09
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 063.1.52.O Hora: 15:20
Fase: PE
Orador: SERAFIM VENZON, SEM
PARTIDO-SC
Data: 30/04/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 05
O SR. SERAFIM VENZON (Sem Partido-
SC. Pronuncia o seguinte discurso.) Sr.
Presidente, Sras. e S
rs. Deputados, diante de inúmeros avanços tecnológicos que
modificam a qualidade de vida e o seu ponto de vista, cria-se a necessidade de
adequar a
legislação para manter o Estado de Direito das pessoas em equilíbrio para preservar a boa
convivência.
Alguns princípios sociais são pétreos, imutáveis, mas os seus desmembramentos
precisam
ser
adequados com as variações sociais. Por exemplo, o respeito a propriedade individual é
um principio pétreo. Mas o conceito de propriedade é que se modifica.
A maior propr
iedade que cada um tem é o direito social. Tudo o que somos e o que temos
é resultado da organização da sociedade. Para ser médico, dentista, torneiro mecânico etc.
não basta saber fazer, nem apenas ter feito o curso, é preciso ter o aceite-se da sociedade
expresso no diploma, caso contrário, seria um charlatão. Para ter um carro, uma casa ou
um terreno não basta comprá-lo, é preciso ter
a escritura pública. É também semelhante ser
proprietário de parte de um espectro de ondas eletromagnéticos para uma emis
sora de
rádio ou TV; não é diferente ser dono de um software, de um programa de Internet.
A todas essas propriedades, quando adquiridas a prazo, é conferido um documento de
expectativa de direito.
A melhor propriedade, seguramente, não é carro nem casa, é
a Seguridade Social: é a
aposentadoria que pagamos a prazo durante a vida laborial. É pelo trabalho que revelamos
o que somos. O que fazemos e como fazemos revela a nossa alma, o nosso ser. Cada um
134
de nós tira o sustento de si mesmo e dos familiares do seu
trabalho. O trabalho gera
principalmente um beneficio social que faz bem a muita gente, próximos ou distantes,
impossível de nominá-los.
Qual é o beneficio social do agricultor? É o alimento que chega a mesa de todos os que
tem outra atividade; do profess
or, é o aprendizado da comunidade; do tecelão, é a
disponibilidade de roupa; do juiz, é o cumprimento da lei.
E o do Deputado? Certamente, num momento de mudanças necessárias
, concordo, é o
respeito com a maior propriedade de cada um: a aposentadoria ou a sua expectativa.
Por
isso, quero assegurar ao cidadão brasileiro que farei tudo para que o respeito à propriedade
continue sendo um princípio pétreo.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, aproveito a oportunidade para convidar V.Exas. a
participarem da
XII Festa Nacional da Maçã, em São Joaquim, a cidade mais fria de Santa
Catarina em temperatura, porém a mais quente em calor humano, especialmente em
recepção a turistas.
Muito obrigado.
10
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 066.1.52.O Hora: 15:20
Fase: PE
Orador: LUIZ SÉRGIO, PT-RJ Data: 06/05/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 01
O SR. LUIZ SÉRGIO (PT-
RJ. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, abordarei
vários assuntos neste discurso.
O primeiro são as eleições de outubro, demonstr
ação inequívoca de que o povo
brasileiro clama por mudanças. Quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
usou a expressão "caixa-
preta do Judiciário", a necessidade de discutir a
democratização do Poder Judiciário deveria ter sido considerada benéfica pa
ra os
magistrados, e não apenas crítica negativa.
Sr. Presidente, registro ainda que a vinda do Presidente Lula a esta Casa, na
semana passada, para entrega dos projetos das reformas previdenciária e tributária,
acompanhado de 27 Governadores, foi fato iné
dito e episódio marcante na história
política brasileira.
Ressalvo que, com relação à reforma tributária, s, do Estado do Rio de Janeiro,
aproveitaremos a ocasião para promover profundo debate do tema, porque a
cobrança do ICMS, em alguns casos, é feita
no destino final do produto e, em
outros, na origem. O Estado Rio de Janeiro, produtor de 80% do petróleo
brasileiro, é prejudicado, porque o combustível é taxado na fase do consumo final,
e não na de origem, quando é produzido.
______________________________________________________
(Trecho que versa sobre a Reforma da Previdência)
Quanto à polêmica reforma da Previdência, é preciso ressaltar
alguns pontos
135
extremamente positivos. Por exemplo, para a maioria dos trabalhadores brasileiros
regidos pela CLT, a
elevação do valor máximo das aposentadorias para 2 mil e
400 reais é antiga reivindicação.
É também extremamente construtivo que tenhamos coragem de estabelecer, no
caso do funcionalismo público, teto máximo para as aposentadorias. Em todo o
Brasil, as p
essoas que assistem ao debate em torno da reforma não consideram
justo que alguns recebam aposentadoria de 30, 40 ou 50 mil reais, enquanto os
valores dos benefícios recebidos pelo restante da população são bastante
diferentes.
muita discussão sobre o t
ema, por parte de alguns Parlamentares, mas, nesta
Casa, este já é o terceiro momento de negociação da grande reforma. Tenho
certeza de que a proposta final estará de acordo com as reivindicações do povo
brasileiro neste momento: construir bases sólidas pa
ra mudar a política econômica
na direção do crescimento da economia e da geração de empregos.
___________________________________________________________
Passo a outro assunto, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados. A indústria naval
brasileira já começa
a dar os primeiros sinais de sua recuperação. Para isso está
sendo decisiva a ação do Governo Federal. O exemplo mais visível foi a revisão
dos editais de licitação das plataformas P-51 e P-
52 da PETROBRAS,
determinando que a maior parte das obras seja rea
lizada em território nacional,
empregando milhares de trabalhadores.
Em Angra dos Reis, o estaleiro BRASFELS, antigo Verolme, em que aliás
comecei minha carreira de metalúrgico, lançou ao mar, no dia 31 de março, o
navio de apoio Geonísio Barroso, embar
cação do tipo AHTS. Foi o primeiro
lançamento de um navio no estaleiro em dez anos. A cerimônia, a que compareceu
a Ministra Dilma Rousseff, de Minas e Energia, foi motivo de festa para os
trabalhadores.
O futuro do setor naval brasileiro é de muita espera
nça. O Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva já se mostrou pessoalmente empenhado para que seja possível
reabilitação completa do setor. E para conseguir avançar ainda mais é preciso o
comprometimento de todos e a posição firme do Estado brasileiro. Se quer
emos
construir um país potente e verdadeiramente forte, é preciso ir além.
Vejamos o exemplo dos Estados Unidos da América. Desde 1920, eles possuem
dura lei a respeito, conhecida como Jones Act
, que determina, entre outras coisas,
que toda embarcação para operar naquele país seja construída em estaleiro norte-
americano, tenha bandeira daquele país e tripulação nativa. Até mesmo as
empresas encarregadas de operar os navios devem ter, pelo menos, 75% de norte-
americanos natos em sua composição. Isso é sobera
nia. As vantagens da proteção
e do incentivo à produção naval são inúmeras. A construção de um navio
semelhante ao Geonísio Barroso gera setecentos empregos diretos e 1.800
indiretos. Nas obras, são utilizados aço, tintas, soldas e outros componentes
produ
zidos pela indústria brasileira, e ainda o recolhimento de impostos aos
cofres públicos. E o melhor é que a qualidade do serviço feito no Brasil é,
reconhecidamente, tão boa quanto a de qualquer estaleiro do mundo.
No entanto, a frota total de embarcaçõ
es de apoio operando no Brasil tem 151
136
navios, dos quais 102 o estrangeiros e apenas 49 brasileiros. Em cifrões, isso
significa que pagamos 300 milhões de dólares anualmente a empresas de outras
países e deixamos apenas 60 milhões de dólares para nossas
empresas. Isso é
apenas o retrato de parte do setor naval, e nos mostra uma realidade que precisa
ser urgentemente revertida. É necessária tomada de posição concreta do Governo
brasileiro no sentido de proteger e fomentar a indústria naval brasileira, a ex
emplo
do que fazem outros países.
Como se vê, Sr. Presidente, não estaremos inventando nada novo, apenas
querendo garantir aos brasileiros o que é dos brasileiros.
Sr. Presidente, solicito que este meu discurso seja divulgado pelos órgãos de
comunicação da Casa.
11
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 069.1.52.O Hora: 15:48
Fase: PE
Orador: PAULO FEIJÓ, PSDB-RJ Data: 07/05/2003
O discurso tem por objetivo a defesa da inconstitucionalidade da Proposta de
Reforma da Previdência elaborada pelo Gover
no Lula. O orador explicita ser
contrário à taxação dos inativos.
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 04
O SR. PAULO FEIJÓ (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a coerência deve ser
a bússola dos homens
blicos de bem, que, apesar de não serem impedidos de rever posições ou mudar
de opinião ao longo de sua trajetória política, devem fazê-lo de forma responsável
,
sem se exporem ao ridículo ou ao constrangimento.
Coerência esta distante do Presidente Luiz In
ácio da Silva, que ontem mais uma
vez recorreu ao expediente da comodidade para atribuir ao então Presidente
Fernando Henrique Cardoso a responsabilidade por não terem sido aprovadas as
reformas que o próprio PT rechaçou, atacou e inviabilizou durante os o
ito anos da
gestão social-democrata do PSDB.
Adotando urna linha de raciocino reducionista, na abertura da 44ª reunião da
Frente Nacional de Prefeitos, em Aracaju, o Presidente Luiz lnácio da Silva,
registra a imprensa nacional, expôs que nos últimos vinte anos
"não se pensou no
País, mas nas carreiras políticas de cada governante". Trata-
se de uma
indelicadeza cometida pelo atual Presidente não com seus antecessores, mas com
o próprio PT, uma força política marcada pela mobilização nacional contra
quaisque
r reformas que tenham sido apresentadas antes de o partido assumir o
poder central.
Mobilização esta que teve a orientação especifica de construir as bases de
descontentamento popular para alavancar as "carreiras políticas" de seus
candidatos, conforme podemos
entender pela atual postura do Governo Federal,
que briga com unhas e dentes pela aprovação de reformas constitucionais nesta
137
Casa de Leis que nunca antes foram consideradas prioritárias pelo PT e pelos
partidos que hoje lhe dão sustentação e que fora
m oposição às administrações
anteriores.
No mesmo encontro, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que, ao
contrário do que possa ser insinuado pela força de seus articuladores políticos
neste insigne Parlamento, não pretende interferir na autonomia
do Congresso
Nacional para aprovação das reformas constitucionais. Alegou ainda o Presidente
Lula que as criticas que tem recebido ao texto original da reforma previdenciária
não apresentam alternativas para à taxação dos inativos, para o estabelecimento d
o
equilíbrio das contas do sistema.
Transcrevo trecho do discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no
Encontro Nacional de Prefeitos:
"Os que forem contra, por favor apresentem de
onde vai tirar o dinheiro para pagar (as aposentadorias). Porque se a
lguém
disser que tem alguma fórmula mágica, que está guardada no bolso de alguém,
na gaveta do presidente de algum partido deste pais, no bolso de algum deputado,
por favor, diga".
No intuito de contribuir com a serenidade do Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva,
cujas declarações demonstraram um certo estado de espírito de ansiedade e
intranquilidade, gostaria de citar que especialistas de diferentes áreas identificam
como o maior problema para a taxação dos inativos o fato de a proposta ser
inconstitucional.
E se o problema é a falta de alternativas, posso
citar a defendida pelo pesquisador
do Instituto de Pesquisas Aplicadas (lPEA) e Superintendente da Escola Nacional
de Ciências e Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE), Kaizô Beltrão, um dos principais especialistas no assunto do País.
A sugestão do pesquisador é de que melhor seria o beneficiário da Previdência
receber o equivalente ao salário liquido na ativa, em vez de ter que voltar a
contribuir para o sistema previden
ciário, o aposentado receber o valor liquido do
salário que tinha quando era contribuinte.
Penso que o PT tem timidamente defendido as propostas do Governo Federal,
talvez por encontrar dificuldades de explicar à população porque pretende
defender a aprova
ção, no contexto da reforma da Previdência, de pontos como o
rebaixamento das pensões a 70%, como a cobrança de 11% dos aposentados,
como o redutor de 5% ao ano nas aposentadorias do servidor que for para a
inatividade antes dos 60 anos (homens) ou 55 anos (mulheres).
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados.
12
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 071.1.52.O Hora: 14:50
Fase: PE
Orador: LUIZ COUTO, PT-PB Data: 08/05/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 07
138
O SR. LUIZ COUTO (PT-
PB. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo Governo Lula marca o
início de uma nova fase de discussões sobre o tema. Inteligentemente, o novo Governo
propiciou um pré-
debate com a sociedade, anterior à apresentação dos textos normativos,
suficiente para que os anseios e as aspirações dos diversos setores interessados
convergissem para uma proposta que transforme nosso atual sistema de previdência,
garantindo não ap
enas o equilíbrio da Previdência Social e a regularização das finanças
públicas, mas sobretudo justiça social.
Através da reforma da Previdência, cuja discussão poderá demonstrar a viabilidade de
aprovação parcial das propostas do Governo, a sociedade pode
reduzir a desigualdade
social e criar instrumentos para retomar o crescimento econômico brasileiro.
É
inadmissível
a manutenção da atual situação. Em 2002, a sociedade destinou R$ 17 bilhões
para financiar o déficit do Regime Geral de Previdência Social
RGPS, complementando o
pagamento de 19 milhões de benefícios, e, no mesmo período, teve de destinar
R$ 39
bilhões para complementar o pagamento de apenas 3,2 milhões de servidores públicos.
Aqueles que radicalizam o discurso contra a reforma da Previdênci
a dos servidores
públicos parecem esquecer que a atual conjuntura acaba onerando absurdamente as
finanças públicas, e, conseqüentemente deveriam ter
eles esse discernimento , finda por
impingir à grande maioria da sociedade brasileira, exatamente a que viv
e nas piores
condições, a responsabilidade de garantir e financiar
um sistema mal planejado de
benefícios previdenciários. É o que acontece quando são utilizadas receitas da seguridade
social, da saúde e da assistência social para pagamento de benefícios previdenciários.
Os atuais números criam óbices a mudanças favoráveis aos próprios servidores,
engessando qualquer política salarial. Esquecem-
se muitos também de que as reformas
alcançam de forma mais forte apenas os servidores com melhor situação, capazes
de
suportar os respectivos ônus da reforma, mas que serão, noutra via, beneficiados pelas
políticas que a partir de então poderão ser implementadas em favor dos servidores
públicos, dentre elas a tão almejada recuperação do valor dos vencimentos. Mais ain
da, a
reforma garantirá a milhares de futuros beneficiários vinculados a institutos próprios de
previdência pública, sobretudo nos Estados e Municípios, que não possuem a menor
condição de bancar os benefícios futuros de seus atuais segurados, a certeza do
pagamento
de suas aposentadorias e pensões.
Inobstante os desvios ou erros administrativos, que ocorreram muito mais no RGPS do que
no RPPS Regime Próprio de Previdência Social , o fato é que o Regime de Previdência do
Servidor Público, com as regras hoj
e postas e pelos motivos aqui analisados, é
matematicamente impagável, fruto de uma visão nada responsável e muito menos atuarial
dos gastos a serem produzidos pelos inativos.
Por outro prisma, a instituição da Previdência Pública Complementar ajudará o
País a
constituir poupança, o que é imprescindível para o crescimento econômico do Brasil.
É
necessário
vislumbrar as possibilidades geradas pelo investimento de parte desse
numerário em setores estratégicos, fortalecendo o caráter social do sistema previdenciário.
A verdade é que a instituição de um teto para a Previdência dos servidores públicos é uma
atitude responsável e justa do atual Governo. Embora signifique aumento imediato de
gastos para a Previdência, pois o Governo perderá um grande montante de
receita, já que a
contribuição da nova geração de ativos ficaria reduzida ao teto de contribuição, o teto
garantirá o equilíbrio do sistema daqui a uma década, tornando justo e viável o sistema
139
previdenciário dos servidores públicos.
O descaso das administrações passadas torna imprescindível
que o atual Governo discuta e
descubra saídas para a questão previdenciária, soluções que garantam aos jovens de hoje a
possibilidade de gozar dos benefícios previdenciários amanhã, o que, o se iludam, não
ocorrerá se tal situação caótica não for corrigida.
O Governo Lula não se furtará ao ônus de salvar nossa Previdência e de torná-
la mais justa
e útil à sociedade. Tentaremos, com o apoio de toda a sociedade, beneficiar os milhares de
brasileiros com o ajustamento da
s regras previdenciárias à realidade nacional, em prol das
necessidades sociais da Nação brasileira.
Sr. Presidente, quero comentar outro assunto.
Aproveito a oportunidade para registrar que a Gerente Administrativa da Nacional Gás
Butano fechou a filial d
a distribuidora em Cabedelo, e, em conseqüência, mais de 150
famílias estão hoje desabrigadas.
Estou encaminhando ofício às autoridades da Paraíba para que tomem providências em
relação ao problema, que prejudica o Município de Cabedelo, o Estado da Paraíb
a, que
perderá recursos, e os trabalhadores.
A bancada paraibana nesta Casa solicita a reabertura da filial naquela localidade, para que
os pais de família não fiquem na miséria.
Era o que tinha a dizer.
13
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 072.1.52.O Hora: 09:24
Fase: PE
Orador: WELINTON FAGUNDES, PL-MT Data: 09/05/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 02
O SR. WELINTON FAGUNDES (PL-MT. Sem revisão do orador.) -
Sr.Sras. e Srs.
Deputados, ocupo esta tribuna para registrar f
ato que, a meu ver, demonstra a maturidade
democrática que este País cada vez mais vem tendo. Esta Casa recebeu há poucos dias o
Presidente Lula com 27 Governadores. S.Exa. veio entregar os projetos das reformas. Sem
dúvida nenhuma, foi um dos momentos mais férteis da democracia brasileira.
Aproveito este momento para convocar o Governo Federal, os Governos dos Estados, as
Prefeituras, a sociedade brasileira, para fazermos aqui também a grande reforma do ensino
brasileiro, principalmente a valorização do en
sino básico. Hoje, infelizmente, Sr.
Presidente, menos de 4% dos nossos jovens conseguem chegar a uma universidade, e a
maioria daqueles que terminam o ensino médio não têm uma profissão.
Também está na hora de acabar com o analfabetismo neste País. Quero
parabenizar o
Ministro Cristovam Buarque, que está trabalhando diuturnamente com esse objetivo. Nesta
semana, S.Exa. esteve em Mato Grosso, e pudemos sentir sua determinação.
Quero salientar que não são importantes apenas o trabalho e a predisposição do S
r.
Ministro nesta questão da educação. São importantes ainda o envolvimento de todos, a
140
valorização dos professores, melhores salários, enfim, melhores condições para que nossas
crianças possam receber ensino de qualidade que as possibilite ser verdadeiros
cidadãos no
futuro. Investir em educação é ter a certeza de que o País quer seguir o caminho do
desenvolvimento e, principalmente, chegar ao Primeiro Mundo.
Registro ainda, Sr. Presidente, que hoje está sendo nomeada a Diretoria do DENIT
Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de Transportes. muito tempo esperávamos
por isso. Parabenizo todos os diretores que estão assumindo essa Diretoria. São eles: Dr.
José Coutinho, Diretor-Geral; Dr. Washington Carvalho, na Diretoria de Infra-
Estrutura
Aquaviária;
Dr. Sérgio Pimentel, na Diretoria de Administração e Finanças; Dr. Antônio
Mota Filho; na Diretoria da Infra-Estrutura Terrestre; e o ex-
Deputado Federal Ricardo
Corrêa, na Diretoria de Planejamento e Pesquisa.
Sr. Presidente, essa diretoria tem um grande
desafio pela frente. Nossas estradas estão
esburacadas, e o País tem perdido muitas vidas por causa desse descaso. problemas
também no setor ferroviário e na cabotagem. Temos mais de 8 mil quilômetros de costa,
mas, infelizmente, não fazemos a cabotagem.
Aproveito para cobrar do Ministério dos Transportes maior agilidade na restauração das
nossas estradas. Cobro ainda do Governo Federal a liberação de recursos da CIDE, que no
ano passado teve arrecadação de 7,6 bilhões de reais, para recuperação da nossa
malha
rodoviária.
Sr. Presidente, quero falar também sobre as reformas.
É preciso votá-
las o mais rápido possível. Queremos simplificar a carga tributária deste
País. Existem hoje 37 impostos, taxas e contribuições. Uma empresa gasta todo o seu lucro
para ter uma assessoria que resolva seus problemas fiscais.
Nós, do PL, defendemos a simplificação dos tributos, principalmente com a bandeira do
Imposto Único. Precisamos facilitar a vida dos que querem estar de bem com a legislação
tributária brasileira.
Quando a grande maioria dos contribuintes de um país não consegue
cumprir a legislação, é preciso mudá-
la, porque ela não atende ao empresariado, ao
trabalhador, enfim, a toda a sociedade. É o que tem ocorrido no Brasil.
Em 2001, de tudo o que foi arrecad
ado no País, a União ficou com 68,99%, e, em 2002,
com 70,15%, enquanto os Municípios ficaram com 4,4%, em 2001, e com 4,35%, em
2002. Portanto, estamos retirando recursos dos Municípios, e é lá que os problemas
ocorrem e devem ser solucionados, o que é possível se houver verbas.
Queremos que a reforma tributária melhore a condição dos nossos Municípios. Nós, do
PL, defendemos também a bandeira do municipalismo e entendemos que a forma de
estruturar melhor este País é valorizar o Município.
________________________________________________________
(Trecho que versa sobre a Reforma da Previdência)
Sabemos que o tempo é curto, mas gostaríamos de falar um pouco sobre a reforma da
Previdência Social.
Hoje, fala-se muito da cobrança dos inativos. Aliás, a palavra "inativos" tem de ser
abolida, porque nossos aposentados trabalharam muito por este País e podem, com sua
experiência, continuar contribuindo para o seu desenvolvimento. Portanto, vamos apoiar as
reformas, mas não podemos permitir que os nossos velhinho
s aposentados sofram mais um
141
golpe em seus benefícios.
___________________________________________________________
Sr. Presidente, no próximo domingo será comemorado o Dia das Mães. Eu, que tenho a
felicidade de ainda ter a minha mãe, D. Minervina Pereira
Fagundes, com mais de 70 anos,
por seu intermédio faço uma homenagem a todas as mães e a todas as mulheres brasileiras.
Infelizmente, no Brasil de hoje ainda convivemos com a discriminação contra as mulheres.
Precisamos corrigir essa situação.
Antes de enc
errar este pronunciamento, agradeço a V.Exa., Sr. Presidente, por partilhar
conosco sua experiência de mais de 40 anos de mandato parlamentar. V.Exa. já foi
presidente de tudo no Brasil: Presidente de Câmara de Vereadores, da Assembléia
Legislativa do seu
Estado, do Senado Federal e do Congresso Nacional, que dirigiu num
momento difícil por que passou esta Nação, o da decretação do impeachment
do então
Presidente da República.
Assim, agradeço a V.Exa. a experiência que tem transmitido a todos nós, jovens qu
e ainda
precisamos aprender muito para fazer do Brasil um grande país, mais justo e em que não
existam tantas diferenças regionais e tantas desigualdades sociais.
Muito obrigado.
14
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 073.1.52.O Hora: 15:12
Fase: PE
Orador: INALDO LEITÃO, PSDB-PB Data: 12/05/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. INALDO LEITÃO (PSDB-
PB. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, o tema que tomou conta da agenda política de todos nós é o das ref
ormas da
Previdência e tributária. Lamento não termos na Ordem do Dia a reforma política.
Quero resgatar um pouco da história para fixar na memória de cada um de nós o que o
Deputado Osório Adriano estava dizendo, o que aconteceu em 1999, quando da votação
,
na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, da Proposta de Emenda à
Constituição 136, dos inativos da qual, por coincidência, eu era Relator. Não apenas o
então Deputado José Dirceu disse que a PEC que tributava os inativos era inconstituciona
l,
como também Waldir Pires; José Genoíno; Marcelo Déda, atual Prefeito de Aracaju;
Antonio Carlos Biscaia e Dr. Rosinha. A bancada inteira do PT apresentou voto em
separado, o qual recolhi, assinado por esse time de primeira linha do PT hoje são
Ministros, Presidente do partido, Prefeitos etc.
Naquela época, o foco da discussão era a cobrança de contribuição previdenciária dos
servidores inativos; agora não é apenas isso.
Passei o final de semana tentando calcular quanto um aposentado ganhará com a entrada
em vigor de outras regras que estão fixadas na PEC enviada pelo Governo do PT,
começando pela tributação de 11% no contracheque dos servidores públicos inativos e
passando pela redução das pensões, seja a dos servidores falecidos seja a dos servidores
142
civ
is seja a dos militares. Além da dor da morte, a família também receberá a penalidade
da redução de 30% nas pensões.
A alteração do limite de idade para aposentadoria e o fim da paridade de reajustes entre os
que estão na ativa e os aposentados ou pensioni
stas, hoje disciplinados na Constituição,
também nos preocupam. O Governo do PT pretende acabar com essa paridade, e não
vamos saber de que forma, ou em que momento haverá reajuste dos proventos de
aposentadoria ou da remunerão relativa às pensões.
Sr. P
residente, encontrei muita dificuldade para saber quanto passará a perceber um
aposentado ou pensionista após a reforma proposta pelo Governo Lula se é que ela vai ser
aprovada, Deputado Mendes Ribeiro Filho. Estou discutindo a questão de mérito, e sei que
V.Exa. não votará a favor. Na CCJR vamos analisar os aspectos referentes à
admissibilidade, do ponto de vista constitucional, jurídico, legal e regimental, dessa
proposta de emenda à Constituição, mas depois teremos uma discussão de mérito.
Precisamos ter cautela para tratar do assunto. Temos de avaliar
com cuidado a situação,
ouvir a sociedade, os segmentos interessados na redução de conquistas que vêm desde o
poder constituinte originário, em 1988. Hoje, nós, os detentores do poder constituinte
derivado, devemos examinar
com calma a matéria, a fim de aprovar ou não as reformas
propostas pelo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um item relacionado à reforma tributária que também precisa ser estudado com atenção é
a tributação do ICMS no consum
o ou no destino, porque isso pode afetar o princípio
federativo, consagrado na Constituição e cláusula pétrea do sistema constitucional.
Muito obrigado.
15
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 100.1.52.O Hora: 15:40
Fase: PE
Orador: FERNANDO GONÇALVES, PTB-RJ Data: 29/05/2003
O trecho do discurso que versa sobre a Reforma da Previdência tem por objetivo
propor ao Governo que este reveja posicionamentos fixados na referida Reforma
a fim de evitar o pânico que vem se instalando na classe média.
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 01
O SR. FERNANDO GONÇALVES (PTB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, tenho feito inúmeras manifestações nesta
tribuna analisando a ação do Governo do Presidente Lula em relação
a pontos
importantes da conjuntura econômica, às propostas de reformas encaminhadas à
Câmara dos Deputados e ainda aos graves problemas da segurança blica.
Na maioria das vezes, registro o aplauso e o apoio às decisões que estão sendo
adotadas pelo Gover
no, principalmente pela seriedade e preocupação com que o
Executivo trata questões tão delicadas como a violência crescente no País,
combate à inflação e à sonegação e a busca do pleno equilíbrio das contas
públicas.
143
Em outras oportunidades, Sr. Presidente
, venho expressando o meu alerta às
autoridades da área econômica quanto à absoluta necessidade de se aplicar, com
urgência, um redutor na taxa básica de juros, atualmente em 26,5% ao ano, dando
início a uma nova trajetória que vise aliviar o elevado custo
dos segmentos
produtivos nacionais.
Meu pronunciamento de hoje tem o objetivo de demonstrar o grave risco para o
conjunto da sociedade brasileira, em especial para contingentes da classe média,
como os profissionais liberais, e para grande parte dos traba
lhadores, da política
de juros exorbitantes, de desativação das atividades do comércio e dos serviços e
de redução da massa salarial, além das perspectivas de mudanças profundas nos
critérios de concessão de aposentadorias e pensões.
Foram divulgados ontem
pelo DIEESE e pelo IBGE os índices de desemprego
referentes ao mês de abril último, em que se constata histórico recorde de
desemprego em São Paulo. O primeiro apurou o índice de 20,6% da População
Econômica Ativa, com cerca de 1 milhão e 940 mil desempre
gados; o segundo,
12%, em todo o País.
Entendo, Sr. Presidente, que esses dados alarmantes, que inclusive sinalizam
aumento significativo na dispensa de mão-de-
obra, devem servir como alerta ao
Governo no sentido de mudar imediatamente a condução de algun
s pontos da
política econômica.
_________________________________________________________
(A partir do trecho que se segue o orador centra sua atenção na Reforma da
Previdência)
De igual modo, o temor pela reforma da Previdência Social está provocando uma
corrida desenfreada a planos de previdência privada, dada a preocupação
notadamente de servidores públicos, profissionais liberais e comerciantes, enfim,
de integrantes da classe média, com a aquisição de planos que complementem a
futura aposentadoria.
O p
roblema é que a quase totalidade das instituições que administram esses planos
de previdência complementar bancos e seguradoras estão cobrando taxas
altíssimas para gerir os respectivos fundos, além de não explicitarem devidamente
todas as condições de fun
cionamento dessas modalidades, de difícil compreensão
para a maioria das pessoas.
Com isso, muitos estão aderindo ao sistema sem conhecer todos os seus detalhes e
comprometendo parcela considerável de sua renda mensal, o que poderá lhes
provocar sérios pre
juízos, em proveito dos administradores vale repetir, o sistema
financeiro.
Cabe ao
Governo, portanto, adotar medidas capazes de evitar o pânico que ora se
instala na classe média quanto ao futuro e rever posicionamentos fixados na
reforma da Previdência q
ue vão provocar graves perdas de renda nas futuras
aposentadorias e pensões desse importante segmento da população.
Era o que tinha a dizer.
144
16
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 102.1.52.O Hora: 14:08
Fase: PE
Orador: GONZAGA PATRIOTA, PSB-PE Data: 02/06/2003
.
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 26
O SR. GONZAGA PATRIOTA (PSB-PE. Sem revisão do orador.) Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, inicialmente, agradeço ao Deputado Alberto
Fraga a gentileza da permuta.
Mais uma vez ocupo esta tribuna para falar da reforma da Previdência Social.
Quando elaboramos a Constituição, construímos a casa que, depois de alguns
anos, precisa de reformas.
Nos casos em questão, ela já chegou tarde. Refiro-me não só à reforma tributária e
previdenciária, mas também às reformas política e trabalhista.
Mas hoje me permito falar da reforma da Previdência Social.
Há pouco mais de 10 anos, o México quebrou. Fez reformas, inclusive a da
previdência. Tive o cuidado de verificar o que o México fez para recuperar, em
tão pouco tempo, sua previdência: cobrou dos que deviam e evitou a roubalheira
como a que existe neste País do dinheiro da previdência. E o mais importante é
que a reforma foi feita para cercar de maneira contundente os mexicanos
devedores.
Pasmem V.Exas.: ano passado, o México baixou as tarifas da previdência e do
imposto de renda, tanto foram os recursos arrecadados.
A reforma da nossa Previdência tem que ser feita e vai receber meu total apoio. É
preciso que se discuta esta matéria na Casa. Leio os jornais, vejo declarações de
companheiros do Governo o meu partido, PSB, faz parte da base do Governo e
todos dizem que o projeto precisa ser aprovado, que a Previdência Social tem que
sair do buraco, devendo o texto final ficar tal como está. Não é bem assim.
Combatemos tanto aqui, durante a ditadura, a prepotência de pessoas que
impunham sua vontade. O "João dos cavalos", quando mandava algo a esta Casa,
quase sempre dizia "tem que fazer". Não é assim. Temos que discutir um pouco
mais. O meu partido está
discutindo. A Deputada Luiza Erundina já levou diversas
pessoas à Comissão para que, com cada uma, se fizesse a discussão da matéria.
Temos que ver como se vai fazer a reforma e como se vai cobrar.
No Município de Petrolina, Pernambuco, por exemplo, em 80% das construções
civis e não estou falando de casinhas populares feitas em sistema familiar , os
trabalhadores não têm cadastro na Previdência Social; pedreiros e serventes
trabalham e não contribuem para a Previdência Social. O mesmo ocorre com
trabalhadores do setor de prestação de serviços, como os motoboys, para citar
apenas uma categoria. Eles também não pagam Previdência Social. Há
trabalhadores que têm sistema de previdência especial, como o trabalhador rural,
que, aos 60 anos de idade, pode se aposentar. Mas, se se labuta como servente ou
145
pedreiro, durante 40, 50 anos, não se pode aposentar. Por tudo isso, não podemos
votar o texto da reforma da Previdência Social sem antes discuti-lo com
profundidade.
Sr. Presidente, já votei por três vezes, nesta Casa, contra a taxação de inativos e a
retirada da paridade entre o trabalhador da ativa e o que chamam de inativo. Não
existe ninguém inativo. A pessoa contribui durante 35 anos e depois se aposenta.
Por 35 anos, coloca-se dinheiro em caixa para se prover a aposentadoria e poder
viver mais 10, 20, 30 anos, ou mais, após esse tempo.
Então, a proposta de se taxar aposentado tem que ser discutida. Eu não voto nela.
Também não concordo com a idéia de se retirar a paridade entre o aposentado e
quem está na ativa.
Além do mais, temos que discutir aqui também o problema do professor. O salário
pago aos professores no Brasil é um dos piores do mundo. E eles ainda terão de
ficar 35 anos trabalhando?! Aí, não! Temos que discutir isso também.
Quero que o Presidente Lula, o Ministro José Dirceu e Eduardo Campos tomem
conhecimento deste meu pronunciamento, no qual afirmo que temos de discutir a
Previdência Social. Não se deve simplesmente bater o pé e dizer que quem é da
base do Governo tem de votar de acordo. Não é assim.
O Partido dos Trabalhadores, que chegou ao Governo, tem que chegar também ao
poder e dobrar o salário mínimo, como fez Getúlio Vargas, mesmo tendo que
prestar contas ao FMI. É lógico. Estamos devendo e temos que pagar, mas não
com o suor do trabalhador, taxando proventos dos aposentados ou tirando direitos
adquiridos de quem os tem.
Sr. Presidente, jamais, em nenhum momento, desconheci a importância da
reforma da Previdência Social. Temos que fazê-la. No entanto, não posso rasgar a
Constituição Federal no que diz respeito aos direito adquiridos, nem tampouco
aceitar passivamente que o Governo ou mesmo o meu partido, o PSB, me
obriguem a votar favoravelmente à taxação de inativos, à quebra de paridade de
vencimentos de ativos com aposentados e à exclusão da aposentadoria especial
aos professores.
Quero falar, Sr. Presidente, sobre algumas incongruências que percebo no projeto,
e esta Casa precisa se empenhar para aperfeiçoá-lo, para o bem da população
brasileira e de suas entidades representativas. Esta Casa saberá manter sua
independência no processo de elaborar e votar as leis e jamais se curvará às
ingerências daqueles que julgam ser profundos conhecedores da verdade, mas que
não passam de defensores de interesses outros.
A esta altura, é preciso lembrar, Sr. Presidente, que todas as democracias
modernas e bem-sucedidas adotaram as garantias constitucionais dos direitos
individuais e salvaguardas estruturais, como a separação dos Poderes, o exame
judicial e outras medidas de poder e contrapoder. Alguns,
de dentro e de fora desta
Casa, esquecendo-se desse fato, estão assumindo posição favorável ao desrespeito
aos direitos adquiridos e às garantias individuais. E que argumento apresentam,
Sr. Presidente? Argumentos fúteis, insubsistentes juridicamente, que seriam
engraçados se não fossem ridículos. Nem mereciam ser citados e debatidos aqui,
de tão pueris e bizarros.
Estão dizendo que, se prevalecesse o princípio do direito adquirido, a escravatura
146
não teria sido abolida no Brasil. Ora, Sr. Presidente, a assinatura da Lei Áurea,
pela Princesa Isabel, aconteceu em meio a um movimento de expressão
revolucionária. O Príncipe, em caso de conflito constitucional, estava munido de
poderes para decidir segundo seu entendimento. Além disso, segundo análise
muito bem
feita pelo jornalista Josemar Dantas, o escravismo não estava protegido
por cláusula irreformável.
Outros têm argumentado que o casamento não poderia ser dissolvido a partir de
1977, com a aprovação da Lei do Divórcio no Brasil, porque um cônjuge já teria
direito adquirido sobre o outro. O que poderíamos responder a um argumento
como esse? A única coisa que me vem à mente é o pasmo, por ter ele sido
apresentado por um jurista em um debate nesta Casa no último dia 21, quarta-feira
atrasada.
O respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, situa-
se entre as conquistas que hoje, no mundo civilizado, distinguem os verdadeiros
regimes de franquias democráticas das formas opressivas de governo. Violar esses
direitos, pois, é seguir os passos da ditadura. Nem mesmo o regime de exceção,
instaurado no Brasil em 1964, ousou abolir tais garantias. E note-se que os
militares detinham o poder constituinte revolucionário, apto a revogar a ordem
constitucional vigente por inteiro.
O Partido dos Trabalhadores, criado nos subterrâneos da resistência democrática,
coberto de glórias na luta sindical, que logo contaminou a sociedade inteira,
chegou ao Governo, mas parece-me que ainda não chegou ao poder.
O que está faltando ao PT, e a Lula principalmente, é a coragem de poder.
Coragem que Vargas teve, no segundo mandato, para dobrar o salário mínimo,
mas nunca se dobrando ao capital internacional. E, se Lula e o PT acham que não
chegaram ao poder, o que estão fazendo lá em cima?!
É por isso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que me posiciono pela
manutenção dos direitos adquiridos dos servidores públicos, pela paridade de
reajustes para os ativos e os aposentados. Também me posiciono com veemência
contra a taxação dos aposentados e contra o fim da aposentadoria especial dos
professores. E por que me posiciono desta maneira, Sr. Presidente? Porque quero
um Brasil com instituições fortes, com serviço público de qualidade para a
população. Quero uma educação de qualidade para nossas crianças, sem o que não
teremos futuro nenhum.
Recebi recentemente, Sr. Presidente, um arrazoado da Diretoria da Executiva
Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação, que expõe
argumentos exatamente nesta linha de raciocínio e, ainda e mais especialmente,
sobre a educação no nosso País. Como poderemos ter ou esperar uma educação de
qualidade, maltratando os professores que já ganham o segundo menor salário da
categoria em todo o mundo? Aumentando o tempo de serviço de profissionais que
já sofrem tremendo desgaste físico e psíquico, provocado por péssimas condições
de trabalho?! A quem interessa o tratamento que se quer dar à coisa pública nesse
País, Sr. Presidente?
A esse respeito é oportuno frisar, mais uma vez, as palavras do jornalista Janio de
Freitas, em sua coluna na Folha de S.Paulo, edição de 21 de janeiro:
"Uma reforma séria da Previdência não se fará sem alguma noção do que é
147
serviço público, do Estado e seu papel. A iniciativa privada não faz um país, no
sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo.
Os estudos sobre a recuperação da Europa, da devastação de pós-guerra ao bem-
estar de hoje, sem igual no mundo, demonstram que o êxito não se explica pelo
Plano Marshall, mas pelo papel decisivo do serviço público e pela função
atribuída ao Estado, naqueles novos ou restaurados regimes democráticos.
Nos países adiantados, compreende-se que a previdência pública não se
autofinancie. Seus déficits são de responsabilidade do Estado, cujo poder de
arrecadação destina-se a prover os fatores, todos de bem-estar social. Sejam a
segurança, o transporte, o urbanismo, a aposentadoria, a assistência médica. Por
isso, em alguns países onde o déficit da Previdência alcançou dimensão
perturbadora, por exemplo, Espanha e Itália, foi tratado com uso dos amplos
meios de arrecadação do Estado. Nos dois países citados, aliás, a Previdência
constitui o maior gasto relativo no Orçamento, sem falarmos em Dinamarca,
Suécia, Noruega, Finlândia e outros paraísos feitos pela compreensão dos
impostos, sobretudo o de renda, como fatores de justiça social. Ou seja, também
previdenciária para civis e militares, funcionários e assalariados, desempregados
e aposentados."
Termino, Sr. Presidente, dizendo que precisamos da verdade. Incomoda-me muito
ver a maneira pouco isenta como está sendo conduzida a discussão da reforma da
Previdência pela grande mídia brasileira. Chega de má-fé e de argumentos
asininos! Ou fazemos um debate sério com a sociedade brasileira ou seremos
chamados, em breve, a prestar contas de nossas palavras e ações. Antes de atacar
o trabalhador com medidas inconstitucionais, é preciso tapar o ralo por onde têm
escorrido os bilhões de reais da Previdência Social: a corrupção, a sonegação e a
má-gestão, as Jorginas da vida. Vamos aumentar a base dos contribuintes. Cobrar
as dívidas milionárias, inclusive da própria União, que não tem pago o que lhe
cabe no plano previdenciário dos servidores públicos.
Vamos nos empenhar em um debate sincero e verdadeiro com o povo brasileiro,
um debate livre de paixões, inverdades e meias-verdades, a fim de que não
estejamos construindo nossas premissas, com base no aforismo "domina-se
melhor o povo excitando-lhe as paixões do que cuidando de seus interesses", de
Gustave Lebon.
Busquemos todos o verdadeiro e perene interesse do povo brasileiro, tão sofrido e
carente, fazendo as reformas necessárias, mas com responsabilidade, dentro da lei
e com respeito à Constituição. De outro modo, estaremos construindo sobre a
areia e não sabemos o barulho que poderá haver quando o edifício da democracia
cair.
Estas as palavras de um Parlamentar da base governista, mas comprometido com a
classe trabalhadora brasileira, dentre ela, os servidores públicos explorados há
mais de 8 anos sem um centavo de aumento salarial e acumulando inflação que
varia de 50% a 500%.
148
17
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 108.1.52.O Hora: 14:18
Fase: PE
Orador: SANDES JÚNIOR, PP-GO Data: 05/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 02
O SR. SANDES JÚNIOR (PP-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras.
e Srs. Deputados, ocupo esta tribuna para prosseguir o debate em torno da reforma
previdenciária, sem dúvida alguma a principal matéria do conjunto de reformas propostas
pelo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reforma da Previdência deverá elevar o número de contribuintes do Regime Geral dos
atuais 28 milhões para 47 milhões, segundo informações do nobre Deputado José
Pimentel, ilustre Relator da Comissão Especial que vai estudar a ma
téria. O Governo não
explicou como fará a "mágica da inclusão", coisa que nenhum governo conseguiu até
agora.
O Relator cita uma série de itens que contribuiriam para garantir a inclusão de novos
trabalhadores no sistema, como a redução da contribuição pat
ronal de 22% para 11%, o
que deverá trazer 7,6 milhões de trabalhadores do setor informal para o formal.
Outro dado me chamou a atenção, Sr. Presidente. Segundo o eminente Relator, das 40
milhões de pessoas que se encontram na informalidade, 18,7 milhões
ganham mais de um
salário mínimo e teriam condições de aderir ao sistema.
Segundo o nobre colega, haverá redução da contribuição para os empregadores
domésticos, de 12% para 10%; e a diminuição da contribuição de autônomos, de 20% para
10%. O nobre Relator
destaca que a maior parte dos itens da proposta do Governo já havia
sido sugerida no passado pelo PT, que estuda o assunto desde 1975.
De acordo com ele, a única novidade que não constava do programa do então candidato
Lula é a contribuição dos inativos.
O Relator explica que, exceto no caso do teto de
contribuição, nenhum dos demais itens da reforma depende de emenda constitucional.
É importante ressaltar que de nada adianta alargar a base de arrecadação da Previdência se
não houver transparência e uma c
orreta aplicação dos recursos.
A proposta de universalizar a contribuição previdenciária pode ser considerada inovadora,
compatível com os padrões da modernidade, mas é preciso
garantir que os recursos
efetivamente sejam canalizados para a instituição. Por isso, cabe a
este Governo romper
definitivamente com práticas antigas, que se traduziam pela inviabilização total do
sistema, mediante o desvio de recursos para outras prioridades, algumas delas
absolutamente discutíveis, como a que socorreu os bancos o
famigerado PROER no
Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.
149
18
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 108.1.52.O Hora: 14:36
Fase: PE
Orador: CELCITA PINHEIRO, PFL-MT Data: 05/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 07
A SRA. CELCITA PINHEIRO (PFL-MT. Sem revisão da oradora.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, foi realizado nesta terça-
feira, na mara dos Deputados, o
seminário "As Mulheres na Reforma da Previdência: o Desafio da Inclusão Social"
, cuja
finalidade foi alertar o Governo Federal para o fato de que as reformas devem ser
mais
justas, pois não podemos aceitar
tudo que nos querem impor nas reformas previdenciária e
tributária.
Nós mulheres brasileiras queremos propostas mai
s justas, sem preconceito, que venham
realmente trazer aquilo que a comunidade brasileira quer.
Para debater os principais pontos das reformas, lideranças femininas de várias partes do
Brasil compareceram ao evento, dando ampla e clara demonstração de que
a mulher
brasileira deseja cada vez mais participar do processo político brasileiro e das mudanças
que se fazem necessárias.
Do evento devemos destacar
as propostas de diversas entidades que tiveram o aval da
bancada feminina no Congresso e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria CFMEA.
Entre as propostas encaminhadas está a de implantar políticas específicas de incorporação
de famílias que trabalham no mercado informal, com alíquotas mais baixas de
contribuição.
Hoje, devido à falta de emprego, é cada
vez maior o número de mulheres que trabalham
na informalidade. Tal circunstância deixa-
as vulneráveis no tocante ao atendimento
médico-hospitalar, à aposentadoria e a outros benefícios que não podem ser usufruídos
pelas trabalhadoras informais.
Outra quest
ão que merece ser analisada com bastante cuidado quando se formar o texto
final da reforma previdenciária é a relacionada às trabalhadoras autônomas, que
pleiteiam índices mais baixos de contribuição para o ingresso no sistema de trabalhadores
autônomos e empregados domésticos.
Outra grande distorção que ocorre atualmente no País e não pode continuar
é a
inferioridade da remuneração das mulheres com relação à dos homens, mesmo quando
exercem funções idênticas, o que lhes impõe uma contribuição menor e,
conseqüentemente, uma aposentadoria inferior.
Como bem foi ressaltado no seminário, as injustiças são muitas e a aposentadoria
diferenciada em 5 anos entre mulheres e homens está longe de ser um privilégio; é apenas
medida compensatória.
Sr. Presidente, Sras.
e Srs. Deputados, o seminário foi dos mais proveitosos, porque serviu
para mostrar o entendimento da mulher brasileira sobre as reformas que atingirão toda a
sociedade.
Sr. Presidente, também aproveito esta oportunidade para saudar todas as lideranças
femi
ninas que aqui estiveram, sem medir esforços, a fim de trazer suas propostas e
esclarecer suas vidas sobre o que pode ser feito para promover reformas que tragam
150
benefícios para todos.
Não poderíamos também deixar de enaltecer a iniciativa da nossa banca
da feminina no
Congresso e da Comissão Especial de Reforma Previdenciária de promover o seminário,
juntamente com o Centro Feminista de Estudos e Assessoria CFMEA, que contou com o
apoio da Articulação de Mulheres Brasileiras, da Articulação Nacional de ON
Gs de
Mulheres Negras, da Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT e da Rede
Feminista de Saúde.
Muito obrigada.
19
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 108.1.52.O Hora: 15:28
Fase: PE
Orador: JOSUÉ BENGTSON, PTB-
PA
Data: 05/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 07
O SR. JOSUÉ BENGTSON (PTB-PA. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, como a população brasileira toda sabe, vem se arrastando
sobre a cabeça dos inativos e pensionistas o cutelo da in
justiça. Técnicos estudam,
fazem contas, elaboram projetos e se esfalfam com o infeliz objetivo de impor ao
aposentado brasileiro aquilo a que dão o nome de contribuição mensal. O projeto
de reforma da Previdência Social trazido ao Congresso Nacional, a
lguns dias,
pelo Sr. Presidente da República, só veio aumentar o sofrimento dos pobres
aposentados do País. O povo se exaspera, grita, esperneia, mas os ouvidos estão
surdos à voz do clamor contrário a tão nefasta medida. Alegam governantes e
técnicos que,
assim, tirando do pobre aposentado os míseros reais que recebe,
será resolvida a questão da Previdência Social no país. Pensam que enganarão,
mais uma vez, a paciência esgotada de um povo ordeiro, pacífico, de uma
parcela da população que deseja
sejam respeitados seus direitos.
Sr. Presidente, quem acredita na informação oficial de que, tirando dos
aposentados e pensionistas, descontando em seus miseráveis demonstrativos de
pagamento a parcela de tantos por cento ao mês, estará resolvido o proble
ma da
Previdência Social brasileira? Quem, em seu bom senso, aceita essa afirmação?
Ora, os governantes sabem, os Parlamentares sabem, a população sabe que o
problema não se resolve assim, tirando-
se de quem não tem.
A raiz desse mal, senhores, está na
administração do imenso valor arrecadado pelo
INSS. Para onde vai tanto dinheiro? Onde é consumido o que é tirado do
trabalhador brasileiro durante anos a fio, como pagamento antecipado de uma
justa aposentadoria depois de 30 ou 35 anos de trabalho? Fa
lo em imenso valor,
sim, conforme comprova a receita de contribuições sociais do Orçamento da
151
Seguridade Social, cujos dados foram extraídos da Comissão de Orçamento do
Congresso Nacional a partir dos Relatórios da Execução Orçamentária de 2002 da
União. N
o entanto, extraídas as despesas, verificamos que um superávit de
mais de R$48 milhões e ainda por cima pagando-
se ações do combate à pobreza,
os benefícios assistenciais (LOAS), rendas mensais vitalícias etc. a pessoas que
nunca contribuíram.
Não nego
a justiça de assistência aos necessitados, absolutamente. O que está
errado é que o INSS continue a pagar a quem nunca contribuiu, para tanto tirando
dos contribuintes.
Como eu disse, trata-
se de pagamento antecipado. O trabalhador recolhe
durante toda
sua vida, antecipadamente; recolhe, não, mas compra
antecipadamente o direito a uma aposentadoria digna e justa. No entanto, quando
idoso e sem condições de continuar trabalhando, recebe míseros reais da
Previdência, como se fosse, digamos claramente, uma
esmola.
O aposentado não precisa de favor; precisa de
justiça! Assim como alguém paga
um plano de saúde ou seguro qualquer para ter direito quando necessário, é o caso
da aposentadoria. Precisamos acabar
com a idéia de que aposentadoria é benesse
do Estado. É obrigação! É cumprimento de um direito comprado pelo cidadão.
O Governo alega que a Previdência está às portas da bancarrota. Não acreditamos.
Que culpa tem o contribuinte se seu dinheiro foi mal usado durante anos? Qual
sua culpa se, com seu dinheir
o, foram pagas contas de outros órgãos? E, na
maioria das vezes, de maneira incorreta, sempre ilegal, pois contribuição para
efeito de aposentadoria tem que ser
, na verdade, contribuição para aposentadoria e
não recurso para pagar contas alheias.
Os aposen
tados estão à mingua! Um salário mínimo indigno, vergonhoso, nos
constrange a enfrentar a verdadeira fúria de que estão tomados os que dependem
desses miseráveis tostões, lançados às mãos dos que deram suas vidas pelo
trabalho digno, contribuindo e comprando seu direito, que hoje não é reconhecido.
Agora se pretende cobrar dos aposentados, a título obrigatório, uma contribuição
mensal. Isso soa como piada de mau gosto!
Além de não pagar aos inativos aquilo a que realmente têm direito, mercê de mil
cálculos
que fazem os especialistas do Governo, visando a tirar sempre mais do
antigo contribuinte, inventa-se agora que os inativos devem ser
obrigados a
contribuir sobre seus ricos proventos. Que proventos, senhores? Onde está o
dinheiro recolhido pelo INSS? Que
é suficiente, isto todos sabem. Que para
aumentar o valor do salário mínimo, disto também todos sabem.
Ninguém quer mais explicações. O que o povo quer é simplesmente justiça.
Compra-se um direito por toda a vida e não se recebe?! Isto é abuso, para us
armos
palavra menos pesada. Isto é desvio do dinheiro do INSS. Isto é encher os bolsos
de alguns com a suada contribuição de milhões de brasileiros espoliados.
É bom lembrar que o rombo da Previdência Social não é de hoje. O grande rombo
da Previdência Soc
ial se deu quando a instituição incorporou os antigos institutos,
como IAPETC, IAPI, IAPA e tantos outros. Foi gasto o dinheiro dos fundos de
pensão desses institutos e a Previdência teve que absorver
aqueles funcionários
que haviam contribuído para seus institutos. Portanto, trata-
se de recursos que
foram gastos pela União e não foram ressarcidos. É este o motivo de haver hoje
152
esse chamado rombo da Previdência Social. Se todos aqueles recursos tivessem
sido ressarcidos, o INSS não estaria no prejuízo.
Mas
basta, senhores! Basta de versões técnicas, cheias de lógica de gabinete! O
que o inativo quer é simplesmente o cumprimento de um contrato, que
não pode
ser rompido
unilateralmente pelo Governo, em benefício próprio. Todo contrato,
como reza a lei brasilei
ra, para ser alterado precisa da anuência das partes. E,
neste caso, a parte interessada, os aposentados e pensionistas, não deu sua
anuência.
Aposentados e pensionistas, aqui estamos para defender os direitos de cidadãos
que clamam por justiça. Contem com meu apoio!
Sr. Presidente, solicito a divulgação do meu pronunciamento nos meios de
comunicação da Casa e no programa A Voz do Brasil.
20
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 108.1.52.O Hora: 15:46
Fase: PE
Orador: CARLOS EDUARDO CADOCA, PMDB-PE Data: 05/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 04
O SR. CARLOS EDUARDO CADOCA (PMDB-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, utilizo esta tribuna para apresentar uma denúncia e
alertar milhares de brasileiros, que creio sejam merecedores da nossa atenção e proteção.
Falo dos aposentados cujos contracheques incluíram indevidamente, descontos para
contribuição previdenciária durante 20 meses, entre agosto de 1996 e março de 1998.
Diversas Cortes Trabalhistas consideraram estes recolhimentos inconstitucionais e
proferiram sentenças favoráveis aos servidores aposentados, que hoje têm direito líquido e
certo a receber as quantias corrigidas monetariamente. Infelizmente, apesar de já terem
decorridos muitos anos, os valores não foram depositados nas contas dos requerentes.
Muitos inclusive, já faleceram.
Srs. Parlamentares, este fato me foi apresentado em momento mais do que oportuno, uma
vez que estamos discutindo a reforma da Previdência Social nesta Casa. Esta é a hora ideal
para observarmos as falhas existentes no sistema que ora vige no País e para elaborarmos
um texto que, além de reduzir o caráter amplamente fiscal presente na proposta enviada
pelo Poder Executivo, promova uma verdadeira inclusão social rural e urbana.
Não podemos ser apenas uma caixa de ressonância do Executivo. Devemos apoiar aquilo
que for bom para o País e recusar os pontos negativos. A população não entenderá o nosso
papel de legisladores se aprovarmos um texto constitucional incapaz de gerar os efeitos
sociais e financeiros ideais. Segundo alguns formadores de opinião, o Parlamento deve
estar bastante alerta para os trechos da reforma proposta, que representam, nada mais nada
menos, do que uma privatização da Previdência, aguardada pelas empresas que visam
lucros acima de tudo e que estão pouco preocupadas com o caráter social que um sistema
previdenciário sério deve possuir.
Estaremos dando um pequeno, porém significativo passo, no sentido de introduzirmos no
153
texto da PEC nº 40 ordenamentos que evitem fatos lamentáveis como o descrito no início
deste discurso. Não é justo que brasileiros que trabalharam muitos anos e contribuíram
com a Previdência, ao usufruírem dos benefícios, tenham os seus direitos anulados, mesmo
que temporariamente.
Espero que muito antes da promulgação da reforma da Previdência, os aposentados de
todo o País tenham recebido pelo menos os valores devidos pelo Governo Federal,
segundo sentenças judiciais transitadas em julgado.
A eles, aos meus partidários, aos meus conterrâneos e ao Governo Federal, reitero a minha
disponibilidade para apoiar a luta por aquilo que for melhor para as finanças do País, desde
que isto não signifique a piora do padrão de vida dos aposentados, cuja renda principal
hoje em dia provém da Previdência Social.
Muito obrigado.
21
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 109.1.52.O Hora: 09:38
Fase: PE
Orador: NILSON MOURÃO, PT-AC Data: 06/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. NILSON MOURÃO (PT-AC. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação
aprovou ontem, com larga margem de votos favoráveis 44 a favor e 13 contra , a
constitucionalidade da proposta de emenda à Constituição da reforma da
Previdência enviada à Câmara dos Deputados pelo Presidente Lula.
Ainda que os debates tenham sido acirrados como é próprio na Casa e tenha
havido na sessão exageros por parte de alguns Deputados que se opunham à
proposta, a vontade da Comissão ficou expressa, clara e c
ristalina. É entendimento
da maioria da Comissão de Constituição e Justiça que a reforma da Previdência
tem base legal, é constitucional, podendo, portanto, prosperar na Casa.
O debate, entretanto, está apenas começando. Agora a proposição segue para a
Com
issão Especial da Reforma da Previdência, onde, apesar das inúmeras
discussões realizadas a respeito do mérito da proposta, com participação de
representantes de vários segmentos sociais, inclusive de especialistas de todas as
áreas, o debate vai continuar.
Sr. Presidente, de tudo que tenho visto nos eventos de que tenho participado,
impressionou-
me o fato de alguns ficarem prisioneiros de seu próprio sectarismo.
Algumas pessoas não são capazes de ouvir e enxergar, não são capazes de encarar
a realidade e não se abrem para as possibilidades apresentadas.
Isso demonstra claramente que em alguns setores da sociedade brasileira está
arraigada a visão de privilégios sociais. O Brasil, país colonial, das elites, onde
poucos dominam milhões, não suporta reforma
s inclusivas. É um fato que chama
a atenção de qualquer pessoa de bom senso que faz uma leitura atenta do regime
de previdência social do Brasil. E, da forma como está organizada e estruturada,
154
não possui sustentabilidade e compromete as gerações atuais e as do futuro.
Sr. Presidente, enfrentamos uma situação delicada. Digo isso de forma
transparente porque sou servidor público federal, sou professor concursado da
Universidade Federal do Acre. O problema localiza-
se no fato de que os
servidores blicos, ta
nto os federais, como os estaduais e os municipais, sempre
foram a base para nossas propostas. Além disso, é um setor importante da
sociedade brasileira que mobiliza, que forma opinião e que levantou tantas
bandeiras para construção da justiça social no Brasil.
O problema torna-
se delicado porque a reforma da Previdência incide diretamente
nos servidores públicos. Estamos cortando na carne, estamos tratando de questão
referente à nossa própria vida, mas está na hora de enfrentarmos essa idéia.
E os servidores públicos do Brasil deverão ter
grandeza suficiente para dar uma
contribuição a mais para construirmos uma sociedade mais solidária.
A previdência do setor público não se sustenta, está eivada de injustiças que
precisam ser corrigidas. E o Presidente Lul
a teve a coragem de apresentar essa
proposta.
É preciso deixar
claro também, Sr. Presidente, para vários setores da sociedade
brasileira, para nossas bases e para os servidores públicos que o Governo Lula não
se restringe a duas reformas e não terminará co
m elas: a tributária e a
previdenciária. O Governo Lula vai durar, e muito. Muitas outras mudanças virão.
O jogo de mudança no Brasil está apenas começando e incide na reforma da
Previdência dos servidores públicos.
Faço apelo da tribuna desta Casa para qu
e nós, que somos servidores públicos,
tenhamos grandeza suficiente e visão de longo prazo para que possamos legar às
futuras gerações uma Previdência que tenha sustentabilidade, que guarde justiça
social e, sobretudo, que consiga responder às demandas da n
ossa geração e das
gerações futuras.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
22
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 109.1.52.O Hora: 09:50
Fase: PE
Orador: PROFESSOR IRAPUAN TEIXEIRA, PRONA-SP Data: 06/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. PROFESSOR IRAPUAN TEIXEIRA (PRONA-SP. Sem revisão do orador.) - Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, professor que sou, tenho recebido correspondência de
colegas, principalmente de universidades públicas, em que manifestam insatisfação.
Alguns já abandonaram a cátedra, tendo em vista a perspectiva que se avizinha com a
reforma da Previdência. Ontem, mais uma vez e lamentavelmente, a oposição ao Governo
foi vencida.
155
Na verdade, Sr. Presidente, devemos dizer que no Brasil a Oposição parece sempre ser a
minoria. Talvez seja esta a razão pela qual continuem a existir em nosso País todo tipo de
mazela a prejudicar a vida do trabalhador. Pela prévia do dia de ontem, parece que isso vai
continuar.
Sou suplente na CCJ e acompanhei com o titular todo o trabalho daqueles que ainda
tentam resgatar o que sobrou do funcionalismo público. Lembro que a oposição era até
maior na Comissão. Entretanto, o Governo, como fizeram todos os que o antecederam,
substituiu nada menos que 11 membros contrários à proposta apresentada, conforme
divulgou a Folha de S.Paulo. Trocaram 11 Deputados mais todos os membros dos partidos
aliados. Todos foram cooptados a votarem contra o trabalhador brasileiro.
Ora, fala-se sempre em grandes salários, como se o servidor público fosse o único
responsável por todos os problemas existentes no Brasil. Não resta dúvida de que uma
minoria recebe grandes salários, fruto de erros administrativos que ocorrem há anos. Veja,
Sr. Presidente, meus antigos contracheques de professor e já renunciei à cátedra e não sou
funcionário público registravam 254 reais por 40 horas/aula.
Hoje, na sua maioria, os professores continuam a receber um salário miserável, e o
Governo utiliza a mesma forma de administração da iniciativa privada: quando quer
resolver algum problema de caixa demite seus trabalhadores ou atribui a eles a
responsabilidade pela má administração.
A Folha de S.Paulo também publicou um artigo do Prof. Felício. Não tenho nenhuma
afinidade com o professor, mas ele e outras pessoas que são hoje parte do Governo
discordam veementemente da taxação dos inativos. Não consideram o funcionário que
recebe 1 mil reais um privilegiado e apontam que 57% do funcionalismo federal ganham
em torno de 1.500 reais.
Não podemos, de maneira alguma, aceitar os fatos lamentáveis que aconteceram ontem na
CCJ. Digo lamentáveis, porque a nova Constituição, o que temos de mais sagrado em
nosso País, é fruto do que se chamou revolução, aquela que causou a morte de muitas
pessoas que hoje deveriam estar vivas. E foi esta Constituição que juramos, a todo
momento, defender.
Ontem, Sr. Presidente, em plena reunião da Comissão de Constituição de Justiça e de
Redação foi rasgada a Constituição. Trata-se de fato lamentável. Num ato de desespero
uma servidora pública rasgou a Constituição, ela que, ao longo de toda uma vida de
trabalho, constata que ficará impossibilitada, na velhice, de ter uma tranqüilidade para si e
seus filhos.
A Sra. Ivone Barreiro Moreira, 58 anos, Presidenta da Associação dos Oficiais de Justiça
de São Paulo, cujo nome está publicado na Folha de S.Paulo, num ato de desespero e na
defesa de todo o funcionalismo público, viu-se obrigada, gesto simbólico, a rasgar a
Constituição.
Espero que não seja creditado à Sra. Ivone este mal, mas que o seja àqueles que de fato
rasgam a Constituição, ao acabar com todos os direitos adquiridos pelo funcionalismo
público depois de toda uma vida dedicada ao trabalho.
23
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 110.1.52.O Hora: 14:08
Fase: PE
156
Orador: JOSÉ LINHARES, PP-CE Data: 09/06/2003
TRECHOS DEONTICAMENTE MODALIZADOS: 03
O SR. JOSÉ LINHARES (PP-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, no fim da semana passada, todo o País assistiu,
atônito, à aprovação, na Comissão de Constitu
ição e Justiça, da proposta de
reforma da Previdência emanada do Governo.
O que me chamou a atenção, numa análise serena do evento, foi a maioria
constrangedora com que o relatório foi aprovado. Não sofreu emendas nem
destaques, nenhum apelo regimental foi
interposto e acolhido. Daí se conclui que
os doutos pares da Comissão, mesmo os que se dizem oposição, concordaram com
a constitucionalidade da matéria em tela.
Comenta-
se que as modificações deverão encontrar espaço e discussão na
Comissão específica a ser criada nesta próxima terça-
feira. Quiçá, não se encurte o
tempo e haja realmente um fórum de debates sadios para que os aposentados não
sejam apenados, para que os tetos não sejam estreitados, e que a necessária
reforma não se restrinja tão-somente ao e
spírito arrecadatório, postergando os
valores efetivos de uma previdência efetivamente social e solidária.
Na minha concepção, algumas cláusulas deveriam
diferenciar a nova da velha
concepção previdenciária, privilegiando os princípios da seguridade social
. Se não
vamos ter uma previdência ideal, aproximemo-la da justiça e da distributividade.
Para que isso possa ocorrer, fazem-se necessárias algumas características.
Primeira, ser tão abrangente que permita que nela possa ingressar,
voluntariamente, toda a população adulta do País, como fórmula de protegê-
la dos
infortúnios que a vida e sobretudo a velhice costumam nos surpreender. As
estatísticas nos informam que cerca de 22 milhões de brasileiros poderiam
ingressar no Sistema Geral da Previdência.
Segunda,
ser tão flexível que possa oferecer planos de previdência diferenciados e
compatíveis com as características das atividades econômicas exercidas pelos
segurados.
Terceira, que ofereça benefícios compatíveis com as contribuições capitalizadas
dos segurados.
Quarta, que sejam remetidas aos Estados e Municípios regras próprias que se
amoldem às suas realidades socioeconômicas. Todos nós sabemos, Sr. Presidente,
que temos desigualdades sociais neste País e que as Regiões Norte e Nordeste são
muito mais pobres do que as Sul e Sudeste
Quinta, criar estímulo para o alongamento das carreiras dos servidores públicos e
ao retorno temporário de aposentados ao serviço. Quanto a essa questão, penso no
patrimônio que poderá ser desperdiçado pela exclusão de pesquisadores
,
professores, auditores e outros que amealharam durante o exercício de suas
profissões tesouros de conhecimento e experiência que poderiam ser ativados em
prol do bem comum.
Sexta, que a previdência complementar crie uma conta corrente individualizada e
157
r
emunerada, facultando ao usuário o transparente conhecimento das aplicações do
Fundo a que está vinculado, para que não ocorra o que vem acontecendo agora
com os Fundos fechados de previdência.
Enfim, muitas outras idéias poderão surgir para que a proposta
aprovada não tenha
como finalidade precípua sustar a hemorragia financeira anunciada de nossa
Previdência.
Sr. Presidente, iremos transformar as nossas sugestões em destaques e emendas, e
acredito que o nobre Relator irá acolhê-las.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
24
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 114.1.52.O Hora: 14:24
Fase: PE
Orador: MIRIAM REID, PSB-RJ Data: 11/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 02
A SRA. MIRIAM REID (PSB-RJ. sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Sras
. e
Srs. Deputados, estamos vivendo momento histórico: o do resgate do ICMS para os
Estados produtores de petróleo e energia.
Há quinze anos fomos golpeados com a Emenda Serra. E hoje o Estado do Rio perde
mais de 1 bilhão de reais devido à taxação discrim
inatória com a qual os Estados
produtores de petróleo e energia são penalizados, uma vez que a taxação do destino
favorece alguns Estados em detrimento de outros.
No Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, está sendo realizado hoje encontro entre a
Governad
ora Rosinha Mateus e os Governadores e Secretários da Fazenda dos
Estados de Alagoas, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná e Espírito Santo.
Esse encontro tem como objetivo acordo que leve esta Casa, juntamente com as
bancadas federais de cada um dess
es Estados, a mudar a Constituição, a alterar essa
discriminação cometida e corrigir tal injustiça.
Na semana passada, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou,
por unanimidade, lei que taxa o ICMS do petróleo em 18%. Partiu a Assemblé
ia do
princípio de que, quando o óleo é extraído do subsolo e vai para uma concessionária,
passa a ocorrer transferência de titularidade. Essa circulação de mercadoria acontece
no Rio de Janeiro, Estado que produz 80% do petróleo do País. Assim, a Assemblé
ia
Legislativa, por unanimidade, aprovou essa lei, que será sancionada pela
Governadora Rosinha na próxima sexta-
feira. E esse passo é decisivo na conquista
do direito ao ICMS.
Em função disso, Sr. Presidente, estaremos em reunião amanhã, pela manhã, com
t
odas as bancadas dos Estados produtores de petróleo e energia, a fim de chegar a
consenso quanto à elaboração de uma emenda coletiva dos Estados produtores. Desse
modo, demonstraremos a esta Casa a união não só dos partidos, mas das bancadas em
defesa de seus Estados.
158
Além disso, acreditamos na sensibilidade da Comissão Especial da Reforma
Tributária para acatar essa emenda, que é de grande alcance na medida em que
corrigirá tal injustiça.
Sr. Presidente, venho a esta tribuna, na condição de Deputada Feder
al representante
do Município de Macaé, capital do petróleo do País, para manifestar essa posição e
dizer que não podemos continuar sendo injustiçados. A oportunidade é única, e creio
que esta Casa estará sensível para ouvir o clamor de toda uma população
que tem o
privilégio de possuir petróleo e no caso dos outros Estados energia elétrica.
___________________________________________________________________(a
partir desse trecho, o assunto é a Reforma da Previdência)
Quero ainda, Sras. e Srs. Deputados, m
anifestar minha solidariedade e apoio à luta
dos funcionários públicos em defesa de uma previdência pública. Sabemos o risco
que corre o serviço público se lhe forem retirados alguns direitos. Não podemos
abrir
mão da previdência pública em detrimento da p
rivatização do setor sim, porque esse
fundo complementar nada mais será do que a transferência de recursos dos
funcionários para os bancos.
Essa postura de luta, cuja manifestação estamos acompanhando em Brasília, é o
clamor do funcionalismo público deste
País. Os servidores públicos pedem a esta
Casa que não altere as regras da aposentadoria, não taxe os inativos e o reduza o
valor das pensões. A situão dos pensionistas é inaceitável
; se o valor da pensão
for reduzido, a injustiça será ainda maior.
Deixo, portanto, registrados meu apoio e minha solidariedade à luta dos servidores
públicos do nosso País.
O SR. PRESIDENTE
(Gonzaga Patriota) A Presidência se associa às manifestações
de V.Exa. em defesa dos servidores públicos.
25
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 114.1.52.O Hora: 15:10
Fase: PE
Orador: PEDRO FERNANDES, PTB-MA Data: 11/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 04
O SR. PEDRO FERNANDES (PTB-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
no momento em que a reforma da Previdência
mobiliza o Parlamento e a cidadania, cabe-nos lembrar
cifra preocupante e
desafiadora. Hoje, nada menos que 45 milhões de pessoas, de uma populão
economicamente ativa totalizando 75 milhões, ou 60% dos trabalhad
ores
brasileiros, sobrevivem ao deus-
dará do setor informal, à margem de qualquer
proteção trabalhista e previdenciária.
159
O mapa da informalidade, baseado em dados da Pesquisa Nacional de Amostras
Domiciliares PNAD/2001, do IBGE, e atualizados por estimativ
as do sociólogo e
professor da FEA/USP José Pastore, revela a seguinte distribuição: 19 milhões de
informais estão empregados em empresas; 15 milhões são trabalhadores por conta
própria; 3,8 milhões são empregados domésticos; 6 milhões trabalham sem
remuneração e 1,2 milhão são empregadores.
De acordo com o Prof. Pastore, metade desse enorme contingente clandestino,
relegado aos porões da cidadania socioeconômica, é formada por pessoas sem
renda suficiente para pagar a Previdência ou por trabalhadores menor
es de 16 e
maiores de 60 anos, incapazes de elegibilidade para o INSS.
A maioria esmagadora dos informais concentra-
se nas pequenas e microempresas,
que, de resto, dominam o panorama dos negócios e são o motor da
empregabilidade neste País. Na década de 90
, 55% dos novos postos de trabalho
surgiram nas pequenas e microempresas. No setor comercial, 83% dos
empregados estão em firmas com até 4 funcionários. No segmento de serviços,
74% dos postos de trabalho encontram-se na mesma situação.
Infelizmente, os al
tos custos dos encargos trabalhistas e previdenciários,
equivalentes a 103,46% de cada salário pago, representam ônus insuportável para
esses microempreendedores, porque nossa legislação insiste na suprema injustiça
de tratar igualmente os desiguais, impon
do as mesmíssimas exigências a mega e
microempresas.
Quanto ao grande e sofrido contingente de 19 milhões de pessoas que trabalham
por conta própria ou sem remuneração, o Executivo e o Congresso Nacional
estão
lhes devendo aperfeiçoamento da reforma previd
enciária, a fim de garantir um
mínimo de proteção. Esse mesmo compromisso deve nortear
a desburocratização
e a simplificação das regras de contratação e registro dos empregados, de modo a
tirá-los da condição marginal e desprotegida em que se encontram.
Sr
. Presidente, ciente estou de que este é o momento de unirmos esforços para
acelerar e concluir a reforma da Previdência do setor público, hoje um dos
principais focos de desequilíbrio das finanças nacionais e, como tal, sério
obstáculo à retomada do cresc
imento econômico. Mas, vencida esta etapa,
precisamos concentrar
nossas energias criativas em uma reforma trabalhista capaz
de garantir a solvência financeira e a sustentabilidade atuarial do INSS, tirando
dezenas de milhões de trabalhadores da clandestini
dade e fazendo justiça ao
sacrifício dos pequenos e microempresários do Brasil.
Muito obrigado.
26
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 115.1.52.O Hora: 14:34
Fase: PE
Orador: CARLOS WILLIAN, PSB-MG Data: 12/06/2003
TRECHOS DEONTICAMENTE MODALIZADOS: 0
160
O SR. CARLOS WILLIAN (PSB-MG. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente, caros
colegas, quero falar da situação calamitosa em que se encontra a segurança pública em
Minas Gerais.
Todos os dias, os meios de comunicação do País falam da falta
de segurança pública no
Estado do Rio de Janeiro. Na semana passada, uma revista de circulação nacional mostrou
que a situação não é exatamente a que se comenta. A falta de segurança no Rio não é
maior que a de outros Estados brasileiros, que apresentam sé
rios problemas no setor.
A violência já chegou a Minas Gerais, as Alterosas. Nossa situação é tão séria que
diariamente são registrados, em média, 23 assaltos a ônibus. Em alguns casos, os
assaltantes humilham os passageiros dos ônibus obrigando-os a cantar o
Parabéns pra
Você.
O Governador Aécio Neves prometeu maior eficiência na segurança pública, mas, no
entanto, estamos vendo a degradação da área. Os belo-
horizontinos não se sentem seguros
para sair à rua durante o dia ou a noite.
Sr. Presidente, fui
eleito de maneira expressiva na Capital mineira. Como representante
daquela cidade, peço às nossas autoridades federais e estaduais que tomem providências
para resolver o problema.
________________________________________________________________(a partir
desse trecho, o assunto é a Reforma da Previdência)
Hoje estivemos reunidos com representantes da magistratura do Estado de Minas Gerais
que estão preocupados com a reforma da Previdência que começa a tramitar nesta Casa.
São juízes e promotores de justiç
a que entraram no serviço público através de concurso, na
expectativa de serem regidos pelas regras da Previdência hoje em vigor, como o direito à
aposentadoria com salário integral e com determinada idade.
Esses direitos estão sendo subtraídos da nossa J
ustiça. Futuramente, se prevalecer a
reforma do jeito que se encontra, nenhum advogado de responsabilidade e competência vai
querer seguir a carreira da magistratura. Pelo contrário, vai preferir trabalhar como
profissional liberal, pois assim terá garanti
as individuais e trabalhistas. Será melhor do que
ingressar no sistema público, em que a regra do jogo é modificada a todo instante.
Sr. Presidente, vamos nos reunir, na segunda-
feira, com magistrados das Justiças do
Trabalho, Comum e Federal e com represe
ntantes do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais a fim de elaborar proposta a esta Casa que faça valer a integridade da
magistratura brasileira.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
161
27
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 116.1.52.O Hora: 15:36
Fase: PE
Orador: CELCITA PINHEIRO, PFL-MT Data: 16/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
A SRA. CELCITA PINHEIRO (PFL-MT. Sem revisão da oradora.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, passo a ler pronunciamento do Presidente da Associação Mato-
Grossense dos Magistrados, Dr. Ernani Vieira Souza, em seminário realizado hoje em
Cuiabá, "Movimento em Favor de uma Previdência Justa", que passo a ler:
" Dia Nacional da Mobilização da Justiça:
A reforma da Previdência Social e o desmonte do Estado.
Movimento em Favor de uma Previdência Justa.
O Governo anterior, através da mídia, fazia uma acusação sempre repetida: "as
aposentadorias integrais de funcionários públicos provocam um rombo de bilhões nas
contas da Previdência, em face de salários privilegiados".
O novo Governo não faz diferente. Para justificar a reforma da Previdência repete, aqui
também, o que dizia FHC, ou seja, que o "rombo" nas contas da Previdência é motivada
por salários privilegiados. Que pri
vilégios são esses? São poucos, dentre os milhares de
servidores que ganham acima de dez mil reais.
Por que o Governo não fala no privilégio dos banqueiros?
Não fala que somente no ano de 2002 os banqueiros receberam de juros mais de 120
bilhões de reais
. Onze bilhões por mês. Isso tirado da saúde, da educação, do
desenvolvimento, da vida do povo brasileiro.
Ora, querer jogar sobre os ombros dos funcionários, que contribuem mensalmente para
com a Previdência, a responsabilidade da crise econômica do País
, é atitude
irresponsável de ignorante ou de quem, a serviço dos banqueiros, quer jogar o nosso povo
trabalhador nas mãos da rede bancária, nas chamadas previdências privadas, quase
sempre ancoradas por um banco.
Uma rápida radiografia do que ocorre hoje
no País deixa evidente quais são os
verdadeiros privilegiados. Enquanto os servidores públicos e os trabalhadores da
iniciativa privada assistem à corrosão diária do seu poder de compra, os bancos exibem
lucros cada vez maiores.
O Governo alega que não
tem dinheiro e, por isso, aumenta os impostos e permite o
aumento constante dos combustíveis, dos remédios, dos alimentos, etc. Os trabalhadores
seguramente estão com o poder aquisitivo corroído. As empresas estão descapitalizadas.
O desemprego aumenta a c
ada dia. Mas o desvio do dinheiro da Previdência continua. O
próprio Governo, para pagar os juros das dívidas contraídas com o Banco Mundial e com
o FMI, patrocina esses desvios.
Mas, para desorientar a opinião pública e para desviá-la dessas mazelas, o G
overno, sem
qualquer cerimônia, afirma e reafirma que o rombo da Previdência se deve, unicamente,
162
aos salários privilegiados do servidor público e, lamentavelmente, essas afirmações
encontram eco na mídia. E a mentira repetida transforma-se em verdade.
Po
r isso mesmo o Governo jamais divulgou o fato de que a União é a maior devedora do
sistema previdenciário. Somente agora o Ministérios da Previdência, insistentemente
cobrado, divulgou uma lista incompleta dos grandes devedores da Previdência, dívida
essa
de R$ 153 bilhões, que representa duas vezes o rombo oficial da Previdência,
avaliado oficialmente em R$ 65 bilhões.
O jornalista Cláudio Humberto, em sua coluna, na Internet, no dia 8.2.03, fez a seguinte
denúncia:
'Lula poderia aproveitar a instalação do
seu Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social, no dia 13, para cobrar dos empresários e banqueiros presentes o pagamento do
que devem
ao INSS, aliviando o rombo da Previdência. O calote desses conselheiros
soma R$ 9,5 bilhões'.
E o que faz o Governo
para recuperar esse crédito? Nada. Ao contrário, recentemente
perdoou um desses grandes devedores, optando, assim, em sacrificar o servidor público
ao invés de recuperar esses créditos. Afinal, é muito mais cil sacrificar o sucumbido
servidor público do que enfrentar os poderosos que financiam campanhas.
Ninguém desconhece que a situação a que chegou a Previdência no País é fruto do mau
gerenciamento. E o resultado disso é que, durante todo o período em que havia um
pequeno número de beneficiários e um
grande número de contribuintes, nunca se fez a
necessária capitalização. O dinheiro da Previdência -
principalmente depois que criaram
um único instituto nacional -
sempre foi utilizado largamente pelo Governo Federal, que
se apropria indevidamente das con
tribuições dos trabalhadores e não deixa recursos para
atender às necessidades de pagamento dos benefícios.
A Previdência sempre foi, ou deveria ter sido
, patrimônio dos trabalhadores e, portanto,
intocável. Ocorre que os trabalhadores nunca foram chamados
para administrar os
recursos advindos de suas próprias contribuições. Ao contrário, os maus administradores,
ali colocados ao sabor das conveniências políticas do momento, jamais destinaram os
recursos arrecadados para um fundo de capitalização, a exemplo
da Previ e outros
fundos. Ao contrário, tais recursos sempre foram inescrupulosamente desviados para
outras finalidades, sem qualquer consulta ou concordância daqueles que contribuíam.
Se o Estado, ao invés da gestão inapta que sempre o caracterizou, obse
rvasse os
princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência que regem a Administração Pública, e, ainda, respeitasse os direitos e garantias
fundamentais do cidadão, principalmente os que dizem respeito à igualdade,
à segurança
e à vida, a uma vida digna, e se combatesse, com vontade e eficácia, a corrupção que
mina as forças do Estado e do cidadão, principalmente a corrupção que campeia no
próprio sistema previdenciário; se cobrasse tempestivamente a contribuição do
s grandes
devedores, ao invés de perdoá-
los; se permitisse a apuração de escândalos, como esses de
desvios de bilhões para contas misteriosas no exterior; se não impedisse a implantação da
CPI do Senado para apurar o uso do BANESTADO, que facilitou, para f
igurões da
República, o desvio de mais de 30 bilhões de para contas particulares no exterior -
sim,
algo em torno de US$ 30 bilhões deixou o País através de contas suspeitas e de
favorecimento do Banco Central (o Delegado José Francisco Castilho Filho, pri
meiro
encarregado das investigações, repetiu na Câmara dos Deputados que o tamanho da
roubalheira é esse mesmo); se, enfim, o Estado agisse honestamente, como bom e eficiente
163
administrador -, sem dúvida o déficit da Previdência, se é que existe, jamais exi
stiria.
Digo "se é que existe", porque ninguém sabe, com segurança, quanto se arrecada hoje em
favor da Previdência. Os números apresentados pelo Governo não são confiáveis. Todos
sabemos que são sempre manipulados para atingirem índices que lhe convém. En
fim, se o
Estado agisse dentro daqueles princípios norteadores, não haveria mais necessidade de
reformas constitucionais, de cooptação de Parlamentares, de negociações com partidos.
Como está, porém, é na área da gestão que se impõe, antes de tudo, uma ref
orma que dê
eficiência, confiabilidade e transparência no sistema de administração.
Mas o propósito de nosso encontro não é combater essa tal reforma. Queremos, na
verdade, debater alguns aspectos do projeto reformista, principalmente aqueles que
negam ao
servidor o direito a uma aposentadoria digna e sem sobretaxas, para que, no
final de longos anos de trabalho, já no entardecer da vida, possa ter um descanso
merecido, sem as apreensões e preocupações da falta de recursos para a compra de
remédios e pagame
ntos de médicos e hospitais, uma vez que o sistema de saúde pública
também está falido e não atende ninguém.
Queremos ter a chance de dizer, como disse a Senadora Heloisa Helena, em assembléia
promovida por fiscais de tributos, em Brasília, 'que o projeto
da reforma da Prevídência é
uma farsa que atende aos fundos de pensão'.
E por trás de cada fundo de pensão está sempre um grande banco.
Não é à-toa que o jornal londrino, Financiall Times,
preocupado com a reforma, comenta,
em edição do dia 12 do corren
te, a repercussão econômica da recente manifestação dos
servidores públicos. 'Investors who see pension reform as essential for the Iong-
term
health of public finances will be watching the government response to public pressure.'
(Os investidores, que cons
ideram a reforma previdenciária um elemento decisivo para o
saneamento das finanças públicas a longo prazo, acompanharão atentamente a reação
do Governo à pressão da opinião pública.)
Por tudo isso é que queremos um amplo debate em torno da reforma da Prev
idência,
para que nos dêem a chance de demonstrar, exemplificativamente, que um funcionário,
após concurso público, inicia sua carreira aos 25 anos de idade e contribui para a
Previdência Social por 35 anos; que durante os 35 anos seu salário de, digamos,
R$
4.000 não é reajustado; que sua contribuição mensal é de R$ 440 (11% de seu salário
bruto). Assim, em um ano as 13 contribuições à Previdência somam R$ 5.720; ao se
aposentar, com base nessas premissas, este funcionário teria acumulado cerca de R$
1.550
.000 (isto mesmo, hum milhão, quinhentos e cinqüenta mil reais). Este cálculo foi
feito por José Carlos Parente de Oliveira, Doutor em Física e professor da Universidade
Federal do Ceará.
Assim, qual o 'rombo' que a aposentaria integral do servidor provoca
na Previdência
Social? Qual o privilégio 'escandaloso' concedido ao funcionalismo público? E por fim
a pergunta que não cala: qual é o motivo real para campanha o insidiosa contra os
servidores do Estado? Não seria, mesmo, para jogar a previdência públi
ca no colo da
previdência privada, conforme orientação do FMI?
Por outro lado, a aposentadoria integral, como garantia fundamental da chamada
Constituição Cidadã , deve prevalecer
, no mínimo, para todos os agentes públicos das
chamadas carreiras de Estado,
e que exercem funções indelegáveis à iniciativa privada.
Estamos falando do Poder Judiciário, do Ministério Público, da arrecadação e
fiscalização tributárias, das Forças Armadas e das Polícias Civis e Militares.
164
Para os militares, porém, o problema deixo
u de existir. Genoíno, Presidente do PT, em
recente pronunciamento divulgado pela Internet, em 13/06/2003, declarou que os
militares têm direito à aposentadoria especial porque são uma categoria diferenciada
das demais. Tão diferenciada, dizemos nós, como
os magistrados, os promotores de
justiça e todos aqueles que exercitam o seu mister com dedicação exclusiva, impedidos
de exercer qualquer outra atividade remunerada.
Tratar igualmente a todos, com exceção dos militares, é ditadura neofascista.
Democracia
é conferir igualdade de oportunidades e tratar desigualmente os desiguais,
na proporção de suas desigualdades - sempre a todos respeitando.
Igualdade e respeito. É isso o que queremos e é isso que pedimos aos nossos
Parlamentares.
E o Presidente Lula não p
ercebeu ainda que o Estado nacional é uma abstração,
abstração essa que se materializa plenamente pela ação dos seus funcionários
permanentes, que precisam ser
motivados e tratados com respeito e justiça. Governos
que começam desrespeitando e agredindo
os interesses dos seus servidores nunca
terminaram bem.
A aposentadoria do servidor público não nasce do nada. Ela decorre de 35 anos de
contribuição ininterrupta. É muito dinheiro que o cidadão paga durante toda sua vida!
E, agora, aparece essa nova inves
tida contra direitos adquiridos que está resultando na
aposentadoria em massa de professores universitários, a ponto de o Ministro Cristovão
Buarque instituir um abono e bolsas de estudo para evitar novas aposentadorias. Se a
debandada desses professores n
ão for estancada, as universidades brasileiras sofrerão
uma grande e irrecuperável perda.
O mesmo acontecerá com outras categorias profissionais. o prejuízo para o País será
imensurável. Décadas haverão de passar até que os quadros sejam devida e
competentemente recompostos.
É por tudo isso que pedimos aos Parlamentares que apreciem a proposta de reforma da
Previdência com isenção, com espírito público e não com espírito meramente partidário,
como se atender aos reclamos do Presidente Luiz Inácio fosse m
ais importante do que
atender aos reclamos da Nação.
É o quanto esperamos."
Ernani Vieira de Souza - Presidente da AMAM.
165
28
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 116.1.52.O Hora: 15:52
Fase: PE
Orador: INOCÊNCIO OLIVEIRA, PFL-PE Data: 16/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 0
O SR. INOCÊNCIO OLIVEIRA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, trago à Casa a preocupação com a grave crise que se
instalou nas universidades e, de modo geral, n
o serviço público do País com o anúncio da
reforma da Previdência, que o Governo encaminhou à Câmara dos Deputados e está sendo
analisada e debatida, agora, no âmbito da Comissão Especial.
Tenho presente o exemplo da Universidade Federal de Pernambuco, on
de 62
aposentadorias foram concedidas, nos últimos meses, e mais de 40 estão sendo requeridas
ou em processo, com pedidos de contagem de tempo de serviço. A UFPE está em greve há
48 horas, como parte de um ato nacional de protesto dos professores universit
ários, que se
dizem "revoltados com o modelo da reforma da Previdência" proposto pelo Governo.
A categoria reclama, em todo o País, de não ter tido oportunidade de discutir a reforma
com o Governo Federal previamente ao envio da mensagem à Câmara. A greve
de
advertência em Pernambuco poderá ser seguida de uma greve geral mais ampla, a partir do
dia 25 próximo.
As propostas do Governo para atenuar a crise, que está afetando a qualidade do ensino, são
paliativas: a devolução, como abono, do desconto do INSS f
eito nos contracheques por um
período determinado. Uma bolsa complementar, em numerário, para os que desistam de
requerer aposentadoria.
Nenhuma dessas propostas está sendo bem recebida pelos professores universitários,
segundo informações que me chegam do Recife.
Ao contrário: um desânimo e descrença gerais relativamente ao Governo e ao próprio
Estado, como ente político.
E isso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ocorre não apenas no meio universitário,
mas em todo o serviço público, pois o funcio
nalismo, que é uma fonte segura para a
cobrança de tributos - Imposto de Renda, CPMF, INSS -
desconfia das propostas de
Governos que, nos últimos anos, se desacreditaram com as frustrações sucessivas do Plano
Cruzado, do Plano Collor, do Plano Verão, da CPMF provisória ...
Como se não bastasse, a classe média está, segundo o jargão popular, "encalacrada" na
Banca, entrando no cheque especial e usando o cartão - ou os cartões -
nos limites
máximos, limitando-se, quando pode, ao pagamento de juros mensais, qu
e levam boa parte
de seus proventos, e recorrendo às consolidações de passivos.
Até o dia 31 de julho vamos ver quantos cidadãos brasileiros, pessoas físicas, se
habilitarão aos benefícios da Lei 10.684, do último dia 30 de maio, que dispõe sobre o
parcelamento de débitos junto à Receita Federal e à Procuradoria-
Geral da Fazenda
Nacional, com seu passivo de Imposto de Renda para pagar que ainda não foi ajuizado
nem caiu no CADIM. Uma lista muito maior será das empresas -
grandes, pequenas,
médias - que v
ão aderir ou estão aderindo a esse novo REFIS, no quadro de retração
166
econômico a que assistimos.
Vamos buscar nesta Casa conciliar a necessidade da reforma da Previdência com as
conquistas sociais e os direitos adquiridos dos professores universitários,
do funcionalismo
e das outras categorias, no objetivo de não perder a colaboração de servidores leais e
capazes e evitar que o serviço público seja sucateado na ânsia de o Estado buscar para as
atividades do Estado o autofinanciamento - o que é uma perspe
ctiva errada quando
aplicada indiscriminadamente a todas as ações públicas.
Muito obrigado.
29
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 123.1.52.O Hora: 14:14
Fase: PE
Orador: BABÁ, PT-PA Data: 25/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 01
O SR. BABÁ (PT-PA. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, quero, nesta oportunidade, parabenizar os mais de 30 mil servidores
públicos que no dia 11 de junho se reuniram na Esplanada dos Ministérios, vindos
de todos os cantos do P
aís, para manifestar sua justa oposição ao projeto de
reforma da Previdência, apresentado pelo Governo Lula depois de ter sido
discutido com os Governadores e com o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social cuja maioria é formada por grandes empresári
os, muitos deles
sonegadores da Previdência , mas não com os trabalhadores. Estive com eles no
ato, na Plenária dos Servidores do dia 14, e presto meu apoio e minha
solidariedade àqueles que convocaram greve a partir do 8 de julho, porque eles
têm razão.
E
ssa proposta de reforma, ainda que venha a sofrer alguma modificação, não terá
seu núcleo mudado, cleo esse que consiste em acabar com a aposentadoria
integral para fortalecer os fundos de pensão, favorecendo os abutres do sistema
financeiro, que fize
ram falir fundos de pensão na Argentina e no Chile, e
continuam dando calote nos trabalhadores do mundo inteiro, como aconteceu com
os fundos da Enron e da GM, nos Estados Unidos, ou, sem ir muito longe, no dos
funcionários da VARIG, porque nada mais fazem
do que jogar com o dinheiro da
poupança dos trabalhadores, na especulação irresponsável do mercado financeiro.
Infelizmente, a resposta a essa resistência dos trabalhadores não poderia ser
mais
truculenta. A nós Parlamentares que apoiamos os servidores p
úblicos e nos
negamos a votar contra eles, a partir do Palácio do Planalto e da Casa Civil,
pressionam, punem com substituições nas Comissões e ameaças de suspensões,
por intermédio da Comissão de Ética do partido, onde estaremos, com as
companheiras Lucia
na Genro e Heloísa Helena, neste final de semana, em São
Paulo, sem direito à defesa, como fizeram com o Deputado João Fontes.
Acusam-
nos de defender privilégios, quando é a proposta do Governo que nada
faz para melhorar a triste situação do cortador de c
ana, nada faz pelos milhões que
estão excluídos da Previdência. Também não somos nós os que defendem o teto
167
de 17 mil reais para a cúpula do Poder Judiciário, proposta vinda do próprio
Governo. Quem é, então, que defende privilégios?
Desafio os Parlamentar
es, os Ministros, os ocupantes de cargos eletivos que
defendem essa reforma, os Governadores e os membros do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social a acabar com o acúmulo de aposentadorias,
com as privilegiadas aposentadorias dos Parlamentares, e a
recolher sua
contribuição, como fazem todos os trabalhadores. Posso falar com tranqüilidade
sobre esse tema, porque me recusei a receber aquela aposentadoria vergonhosa
pelos 8 anos de mandato de Deputado Estadual na Assembléia Legislativa do
Pará, e nest
a Casa não estou filiado ao fundo dos Parlamentares, e ainda desconto
mensalmente para o INSS.
Quem defende privilégios? Quem convocou sessões extraordinárias para
desperdiçar no mínimo 15 milhões de reais para pagar salários aos Parlamentares?
Foi o Gover
no, que tem pressa em suprimir direitos dos servidores e quer agradar
sua nova base de sustentação.
Nós não queremos convocação extraordinária!
Uma nova e infeliz resposta veio ontem com o discurso do Presidente, que diz que
ninguém nem nada será capaz de
deter seu ímpeto reformista. Numa atitude
absolutamente antidemocrática e messiânica, desafiou a Constituição, o Congresso
Nacional, o Judiciário e a população brasileira, mostrando uma coragem que,
infelizmente, deveria ter mostrado perante o Presidente
dos Estados Unidos,
George Bush, e o FMI, mas não o fez.
Não são bons esses desafios, Sr. Presidente. Lembre-
se o Presidente Lula de que a
popularidade não é eterna. Pelo contrário, na nossa Arica Latina temos
assistido à vertiginosa queda de popularidad
e daqueles Presidentes que insistiram
em adotar os planos neoliberais exigidos pelo mercado, como infelizmente se faz
hoje no Brasil. Para mudar esse modelo é que fomos eleitos, e também foi eleito
Lula.
Não trocamos de lado. Continuaremos na luta para de
rrotar o plano neoliberal, e
essa luta hoje inclui barrarmos a reforma da Previdência. Por isso, amanhã, dia 26,
estarei participando da passeata dos servidores públicos no Rio de Janeiro, na
Candelária, e também estarei apoiando a greve da categoria a iniciar-
se no dia 8
de julho, para derrubar a PEC sobre a reforma da Previdência que tramita no
Congresso Nacional.
30
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 123.1.52.O Hora: 14:34
Fase: PE
Orador: JAIR BOLSONARO, PTB-RJ Data: 25/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 0
O SR. JAIR BOLSONARO (PTB-RJ. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
168
posso não ser simpático à barba do Deputado Ivan Valente ou aos cabelos do
Deputado Babá, mas respeito a coerência destes poucos petistas que ainda resta
m
nesta Casa.
Falarei a respeito de justiçamento, inclusive durante o regime militar.
poucos dias, o Presidente Lula fez infeliz comparação entre uma professora e
uma cortadora de cana. Até entendo que isso tenha acontecido, depois do episódio
ocorrido
em São Paulo. Um subtenente do Exército brasileiro, segurança
particular do filho do Presidente da República - que estava na casa da namorada -
,
foi assassinado. Não sei se, caso o filho de Lula fosse depois ao motel, o
subtenente teria que segui-lo também
. O filho do Lula sequer se dignou a
comparecer ao sepultamento do subtenente. Talvez, em vez de professora, tenha
sido essa cortadora de cana quem o educou.
E a esposa do subtenente foi notificada de que dispõe de 120 dias para
desocupar o próprio naci
onal aqui em Brasília. Não se respeita nem o ano letivo.
O subtenente deixou um filho, que estuda no Colégio Militar, e uma filha, aluna
da Universidade de Brasília. Se a PEC 40 tivesse sido aprovada como está, a
viúva do subtenente receberia no máximo 70% dos parcos vencimentos do esposo.
Ontem, assistimos à declaração do nosso querido Lula de que nem o Congresso
Nacional nem o Poder Judiciário poderão barrar essas reformas; Deus poderá
fazê-lo. Por si só, dispensa comentários mais essa declaração de
sastrosa do
Presidente Lula, que estimula o conflito entre Poderes e classes.
Na verdade, o que ele quer é nivelar todos por baixo. Engana-
se o trabalhador que
está no Regime Geral da Previdência Social se pensa que não vai ser atingido pela
reforma. Na realidade, o Estado brasileiro transformou-
se num grande banco, cujo
objetivo é assaltar os clientes para enriquecer-se cada vez mais.
Fiquei mais estupefato ainda ao ver o Senador Aloizio Mercadante dizer hoje no
programa Bom dia Brasil que é inadmissível u
m servidor público se aposentar
ganhando mais que um carregador de sacos de cimento. Ele deveria
perguntar ao
seu pai, general Oliva, se está satisfeito com seus proventos de general da reserva,
e ao seu irmão, coronel da ativa, que está servindo aqui em B
rasília, se gostaria de
aposentar-
se com 2.400 por mês. Digo mais: se seu pai tivesse sido carregador de
sacos de cimento, o Senador Aloizio Mercadante não teria a educão que tem
hoje.
No passado, que provocaram aqui - eu não ia falar sobre isso -, al
guns
integrantes do PT praticavam justiçamento com seus companheiros. Ou seja, Sr.
Presidente, quando aquele colega, que ajudava a assaltar banco, a seqüestrar ou a
empurrar carro-
bomba no QG do Exército, em São Paulo, destroçando um
recruta, não interessava mais, eles simplesmente justiçavam-no, eliminavam-
no,
matavam-no.
Os servidores públicos civis da União estão sendo justiçados pelo Governo Lula.
Acabaram as eleições, e eles foram enganados pela promessa de que teriam 74%
de reajuste. Não se prec
isa mais deles: vamos agora justiçar os servidores
públicos, vamos mandá-
los para o jângal.
O pior, Sr. Presidente, como militar, não é perder a guerra quando um Exército é
mais poderoso, mais potente ou tem mais meios do que o seu. O doloroso, o
deprimen
te, é perder a guerra quando um companheiro seu o trai. E Lula está
169
traindo os servidores civis na proposta de reforma da Previdência.
Iludem-se os meus colegas das Forças Armadas se acham que, retirando-
os hoje
da Proposta de Emenda à Constituição nº 40,
na Comissão Especial, eles estarão
livres da vala comum da Previdência. A alma desta reforma da Previdência é
apenas uma proposta, que interessa realmente ao Governo do PT: acabar com a
paridade. Se assim se fizer e todo o restante for mantido, é mexer
um
pouquinho mais nos índices, acelerar um pouco mais a inflação. Como o servidor
inativo, o militar da reserva e a pensionista não terão mais reajuste, o Governo
conseguirá fazer tremenda economia para poder honrar os compromissos com os
banqueiros intern
acionais.
31
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 123.1.52.O Hora: 15:24
Fase: PE
Orador: JOSÉ DIVINO, PMDB-RJ Data: 25/06/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 09
O SR. JOSÉ DIVINO (PMDB-RJ. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, S
ras.
e Srs. Deputados, quero falar de uma visão cidadã da reforma da Previdência. O
País está em crise e necessita
da participação dos brasileiros. Contudo, costumeira
e antipatriótica prática vem conspirando contra todos, reclamando da manutenção
de direi
tos que, numa interpretação tendenciosa de princípios constitucionais, se
ampara por leis especiais, possibilitando a certas categorias profissionais
omitirem-
se da participação efetiva na solução de problemas nacionais e elegendo
grupos menos organizados para o sacrifício necessário
. É o egoísmo travestido de
corporativismo, antônimo da fraternidade e da solidariedade, entrando em ão,
impedindo-nos de amadurecer enquanto sociedade, ameaçando-
nos com
movimentos isolados, ações de inconstitucionalidade e o
utros instrumentos de
ocasião.
A Previdência Social é uma dessas questões cuja magnitude necessita
de ações
conclusivas e da participação solidária de todos. Na esfera estatal,
precisamos
combater com extremo rigor a sonegação e a apropriação indébita com
ações que
resultem na fiscalização constante e na cobrança judicial incansável das
procuradorias, enquanto se aperfeiçoa e se simplifica a legislação em tela.
É
preciso
restabelecer um Estado de Direito capaz de rechaçar a prática da
sonegação fiscal como estratégia de competitividade.
Na iniciativa privada, empresários e autônomos, grandes, médios e pequenos,
precisam reordenar
suas ações, patrocinando a consolidação do novo sistema,
contribuindo conforme determinado em lei.
Quanto à contribuição previdenc
iária dos atuais e futuros beneficiários,
precisamos de
regras gerais e claras, deixando de lado pleitos que busquem
170
transformar o juiz, o militar, o promotor, o político, o servidor público, ou
qualquer outro grupo, em brasileiros especiais.
Todos somos
iguais, preceitua nossa Constituição. Qualquer sistema ou serviço
estatal que nos trate de forma diferenciada carece de legitimidade, de
constitucionalidade e - por que não dizer -
de moralidade. Que tais práticas
permaneçam no passado! Não aceitaremos
mais que o comerciário, o bancário, o
gari, o servente, o pedreiro, o cortador de cana sejam sacrificados e tratados de
forma diferente. Inexistem razões que o justifique. A sociedade não será melhor se
assim nos portarmos. Assim concebemos no passado, sen
do o contexto atual o
resultado obtido.
Quanto aos atuais benefícios previdenciários de servidores públicos, cujos valores
situam-
se muito acima dos limites estabelecidos para a remuneração daqueles em
atividade, alcançando cifras de 20, 30, 50 mil reais,
e certas pensões de duvidosa
legitimidade, reflitamos. Considerando que, durante a atividade, os servidores
respectivos não contribuíram de forma a compor um capital que sustente o
pagamento de tais benefícios, parece-nos justo que as gerações atuais, ain
da mais
pobres que as anteriores, sejam penalizadas com o financiamento de tal obrigação,
mesmo que amparada por uma duvidosa constitucionalidade? No caso em tela,
tais beneficiários devem contribuir
, pois as normas que lhes permitiram as
condições em que
se encontram seus benefícios não estavam amparadas por
análises atuariais e econômicas consistentes. Certo é que tais benefícios põem em
risco o futuro de seus beneficiários e de todo o sistema.
A história, hoje em redação, convida-nos à virtude, à fortal
eza de assumir cada
qual sua parte, à coragem para avançarmos sobre temas com honestidade, à justiça
e à solidariedade, abandonando definitivamente a habitual míope percepção
egocêntrica imediatista. Desafios desta magnitude enfrentaram a Europa e o Japão
no pós-
guerra e os americanos no movimento de independência, concebendo, ao
final, sociedades fortes e desenvolvidas. Utilizemos, pois, nossos problemas de
hoje como estímulo para a construção de um Brasil mais justo e próspero,
deixando para trás o sectar
ismo, o corporativismo e o oportunismo com suas
mazelas.
Sr. Presidente, estão publicados no jornal O Dia
os supersalários da Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro. salários de 20 mil, 30 mil reais que não
recolheram a devida contribuição. É uma inju
stiça contra a sociedade, contra o
cidadão. Nós, na condição de Parlamentares, temos que promover
justiça a todo o
povo brasileiro.
Era o que tinha a dizer.
32
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 006.1.52.E Hora: 10:12
Fase: PE
Orador: CHICO ALENCAR, PT-RJ Data: 04/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 02
171
O SR. CHICO ALENCAR (PT-RJ. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, quero acrescentar à erudita explanação do meu
companheiro Deputado Paulo Delgado algo que
está na vida, na terra e na gênese
da luta social do MST, versos de camponeses de Goiás:
"Esta é a grande barreira
que está na nossa frente. No Brasil, muita gente sem terra e muita terra sem
gente".
O boné na cabeça do Presidente da República simboli
za o combate secular ao
latifúndio e a busca, unindo instituições e movimentos sociais, pela reforma
agrária.
Sr. Presidente, destaco o prazo final para recebimento de emendas à reforma da
Previdência. Sem prejuízo do conteúdo, até ontem à noite havia 145
emendas,
sendo 25 de Parlamentares do PT e 9 da bancada do partido.
Entendo que essa proposta, que não é de reforma da Previdência como um todo,
mas sim de alterações do regime próprio do servidor público, teve na conjuntura
brasileira uma falha de moment
o, uma falha de método e uma falha de mérito.
Cabe a nós, como Poder Legislativo, corrigir isso.
Se dependesse de mim, o Governo trabalharia com muito mais tempo essas
modificações na Previdência Social, para que fossem de fato profundas,
includentes e justas. Como muitas vezes o Parlamento tem apenas qu
e seguir a
agenda do Executivo,
vamos tratar agora de repactuar essa proposta com a
sociedade.
Saúdo alguns sinais importantes, como a garantia dos direitos sicos do
professorado do ensino fundamental quanto à aposentadoria. Isso não pode
mudar,
pois seria uma derrota da própria história do PT.
Termino saudando o simpático Presidente, que é do PTB, e não do PT.
33
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 009.1.52.E Hora: 14:14
Fase: PE
Orador: JAIR BOLSONARO, PTB-RJ Data: 09/07/2003
TRECHOS DEONTICAMENTE MODALIZADOS: 05
O SR. JAIR BOLSONARO (PTB-RJ. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
chamo a atenção de V.Exa. para uma frase de José Genoíno, publicada no jornal
O
Estado de S.Paulo de ontem:
"Estamos fazendo as reformas justas, boas para a
sociedade. Não devemos ter
nenhuma crise por causa disso e nem vamos ceder.
Servidor, juiz, a gente enfrenta".
É covardia falar em enfrentar servidor que está morrendo de fome Brasil afora.
172
Realmente,
ele enfrentará servidor e juiz com a mesma galhardia com que
enfrentou os militares no Araguaia, em que, depois de preso, foi emérito
colaborador, lavando cuecas para oficiais, de manhã, e descascando batatas para
cabos e soldados, à tarde.
Sr. Presidente
, aproveito a oportunidade para ler trecho de uma carta do próprio
José Genoíno, cuja leitura havia feito tempos atrás, e apenas alguns órgãos de
imprensa a publicaram. Não pretendo entender a origem do homem, mas gostaria
de entender, principalmente para
podermos nos balizar quanto à reforma da
Previdência, como e por que algumas pessoas mudam neste País.
Diz José Genoíno, escrevendo a um servidor aposentado, septuagenário, do Rio de
Janeiro:
"Prezado Senhor(...)
Esclarecemos, mais uma vez, que somos cont
rários à proposta do Governo (PEC
136/99), que pretende tributar os benefícios de aposentadoria e pensão".
Essa PEC 136, se formos comparar com a PEC 40, é um refresco. Genoíno
agora rasga tudo aquilo que assinou. O que ele foi no passado para mim
o vale
nada. Agora, ele rasga o que assinou e encaminhou aos eleitores, servidores civis
do Brasil todo. Essa carta, Sr. Presidente, é de janeiro de 2000.
Temos outra carta, de maio de 2002, mais recente, do Deputado José Dirceu.
Vamos mostrar mais contrad
ições do PT quanto à reforma da Previdência. Ao
aposentado Raimundo Marques ele diz:
"Não podemos esquecer
os companheiros que construíram o país que herdamos.
O seu drama é compartilhado por milhares de brasileiros abandonados à própria
sorte por um governo insensível às causas sociais.
O Partido dos Trabalhadores tem propostas para um sistema previdenciário mais
justo e nossa luta no Congresso é para manter as conquistas dos aposentados. O
PT tem apresentado projetos de leis para a atualização dos benefíc
ios da
Previdência. Infelizmente" completa José Dirceu
"nossa bancada não é maioria
no Congresso para mudarmos essa política econômica que tantos malefícios tem
causado aos trabalhadores".
Realmente, de vez em quando, sinto-me envergonhado de ser Parlamen
tar. Por
mais que discorde historicamente das posições do PT, tenho certeza de que
ninguém pode praticar estelionato eleitoral para chegar ao Governo.
Não é
possível
mandar cartas, discursar contra a reforma da Previdência e, quando aqui
chega, apresentar uma proposta mais draconiana ainda do que seu antecessor!
Como estive pouco na Comissão Especial da Reforma da Previdência, e os
discursos estão bastantes acalorados, faço uma proposta à revista Veja: no quadro
Sobe e Desce, ela poderia registrar em alt
a o peleguismo no País. O que tinha de
sindicalista pelego defendendo a PEC nº 40 não está no gibi. Repito, o peleguismo
está em alta no Brasil.
Também sugiro substituir o CCC, da Argentina, pelo CCT Comando de Caça aos
Traíras. É impressionante como os Pa
rlamentares do PT, não apenas os 2 que
acabei de citar, negam veementemente na Comissão tudo o que disseram no
passado. Isso é uma vergonha para a política brasileira.
Estava presente à reunião o tesoureiro da Força Sindical, Ricardo Patah. Ele
defendeu a
previdência privada. No final de sua intervenção, disse que não dava
173
nota 10 ao discurso, porque o sindicalista não havia encaminhado os servidores
públicos civis à CAPEMI.
Lamento a posição do Sr. Luiz Marinho, que aproveita o momento de tristeza e
sofri
mento do servidor público para brigar por um teto de 20 salários mínimos
para a iniciativa privada. Primeiro ele deveria reivindicar
o pagamento de 10
salários mínimos para os aposentados da iniciativa privada; depois, sim, juntos,
partiríamos para um teto de 20 salários mínimos.
Lastimo a situação que vivemos. Parece que o lema dos petistas é o seguinte: tudo
que eu não tenho é privilégio.
Muito obrigado.
34
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 009.1.52.E Hora: 15:14
Fase: PE
Orador: WALTER PINHEIRO, PT-BA Data: 09/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 07
O SR. WALTER PINHEIRO (PT-BA. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, quero fazer uma alusão à greve dos servidores públicos
federais. Ao longo desses anos, n
ós, do Partido dos Trabalhadores, nunca
deixamos de fazer referência a questões como esta, inclusive de participarmos
como mediadores de conflitos dessa natureza, e não seria agora que o Partido dos
Trabalhadores desempenharia papel diferenciado.
Essa é, sim, tarefa do nosso partido, que ao longo dos anos consolidou-
se pelas
lutas populares, pela organização sindical, pelo debate com a sociedade na
discussão sobre o papel do Estado, sobre como deveríamos atuar na relação do
Estado com os servidores público
s, particularmente os federais.
Ora, temos a compreensão de que no atual estágio é correto, sim, a manifestação
de servidores, é correto que servidores apresentem, em greve, descontentamento
com as propostas que serão apreciadas nesta Casa. É verdade que
esse é um
conflito que expõe contradições e posições que outrora se encontravam alinhadas
no processo político do Brasil.
Quero deixar claro que o Partido dos Trabalhadores tem tratado o assunto à luz
dos mesmos mecanismos que adotou ao longo de sua histór
ia.
Na condição de Parlamentar, creio que o debate se localiza, principalmente, na
área da reforma da Previdência. É natural e friso bastante esse tema a luta
histórica desenvolvida por todos nós pela mudança da estrutura de Estado,
particularmente no que
diz respeito à estrutura previdenciária, de maneira a incluir
milhões de brasileiros excluídos, de realizar debate sobre o papel do serviço
público na sociedade.
É num momento agudo como esse que surgem idéias e componentes de
negociação. Tanto é verdade
que, nesta Casa, a bancada do PT participou de
várias reuniões sobre o tema, considerando-
o a principal de suas intervenções.
174
Debateu e apresentou propostas, como bancada, à reforma da Previdência;
discutiu pontos cruciais, como cálculo, tempo, idade e co
brança dos inativos, no
que diz respeito à faixa de isenção. Enfim, a bancada do partido, de forma
majoritária, no núcleo do Governo, debateu esse assunto.
Causa-
me estranheza a apreensão de muitas pessoas com a maneira como o PT, no
comando do Governo, t
ratará a greve. Elas querem saber se o partido realmente
reconhecerá essa ação como instrumento eficaz na busca de interesses.
Alguns trabalham com contradições. Mas que contradições? Estamos falando de
pontos que a bancada do meu partido apresentou, difer
enciados do texto original.
Tanto é verdade que já há sinalização bem clara, tanto por parte do Governo como
do comando de vários Parlamentares nesta Casa, particularmente do Presidente
João Paulo Cunha, no sentido de buscar entendimentos e estabelecer neg
ociação
não com os servidores, mas também com a base parlamentar. E isso centrado
nos pontos cruciais da reforma: cálculo para a aposentadoria, idade para a
obtenção da aposentadoria, integralidade da aposentadoria e a polêmica de se
estabelecer ao longo dos anos a paridade.
Então, nessa linha, tenho a dizer que são corretas as diversas manifestações, é
correto o pleito apresentado pelos servidores, assim como são corretos a busca e o
debate promovido por diversos Parlamentares nesta Casa, entre os qu
ais me
incluo, tentando estabelecer com o Governo procedimento que realce o papel
parlamentar e discutir a reforma.
Queremos alterar paradigmas, principalmente de órgãos que têm função vital na
estrutura de Estado. Queremos alterar pontos que transformem a
Previdência em
algo capaz de atender à sociedade como um todo. Mas não podemos esquecer-nos
de que a Previdência não pode ser
um instrumento para eleger, a partir de
situações pontuais a sua estrutura, esses ou aqueles servidores públicos como
responsáveis por toda uma história construída de provável déficit.
Temos de compreender
que este Estado, que foi completamente desmontado,
precisa ser soerguido, precisa criar uma estrutura capaz de atender o cidadão.
Não na história da humanidade nenhum Estado qu
e tenha atendido
sobejamente os mais pobres, apresentado a eles condições efetivas de atendimento
das suas necessidades mais fundamentais. Ele precisa estar azeitado,
equipado,
funcionando plenamente. O Estado brasileiro foi desmontado pelo governo, foi
ef
etivamente privatizado. Por isso, o esforço maior agora é dar a ele as condições
reais, de forma organizada, para atender a essa população.
Nessa esteira, o Governo soube tratar essas questões, ao conversar com os
servidores no início de um processo de gre
ve, compreendendo a manifestação
feita em Brasília. Mostrou-
lhes que é possível não debater a reforma da
Previdência, mas também estabelecer canais de negociação que atendam a pontos
específicos de carreiras do serviço público federal.
Muito obrigado.
175
35
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 009.1.52.E Hora: 15:32
Fase: PE
Orador: COSTA FERREIRA, PFL-MA Data: 09/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 0
O SR. COSTA FERREIRA (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.Sras. e Srs.
Deputados, ontem os servidores públicos federais demonstraram seu descontentamento
com a proposta de reforma da Previdência do Governo Federal com a deflagração de uma
greve com índice de adesão oscilando entre 30% a 45%, conforme se considere a ótica do
G
overno ou a dos sindicatos, respectivamente.
Esse assunto é preocupante, porque envolve questões relevantes à execução dos serviços
públicos. O corte de atrativos pode implicar queda de qualidade dos futuros servidores
públicos e tornar temerário o result
ado de ações mais complexas.
Dois outros fatores tornam o quadro da Previdência mais grave: o grande número de
desempregados e o número de trabalhadores informais. Esses fatores são também
indutivos de erro. Apresentam uma redução natural no número de con
tribuintes à
Previdência. Se gozássemos de real desenvolvimento, com baixo nível de desempregados
e razoável informalidade, talvez os números fossem outros. Por outro lado, existem fortes
indicadores de que o molde previdenciário atual, incorporando privil
égios abusivos, leva
a Previdência Social à bancarrota em algumas décadas.
O projeto inicial apresenta mudanças traumáticas ao cortar privilégios históricos. A força
motriz das mudanças parece ser a necessidade de se modificar a legislação do trabalho
p
ara uma forma mais atual, como uma cautela que leva em conta a situação de países
desenvolvidos, que acenam com o esgotamento de suas previdências públicas.
Os fatores conhecidos como naturais são causados pela sobrevida da população, o que
aumenta o mero de aposentados em relação ao de trabalhadores ativos.
A pressão democrática exercida pelos setores trabalhistas organizados tem produzido os
primeiros resultados. Parabenizo o Governo, que já acena com a possibilidade de alteração
no conteúdo do texto original, o que é bem vindo.
Somente através dos debates que abranjam as realidades do tema nos proveremos de
argumentos para decidirmos bem.
Muito obrigado.
176
36
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 009.1.52.E Hora: 15:36
Fase: PE
Orador: ÁTILA LINS, PPS-AM Data: 09/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 01
O SR. ÁTILA LINS (PPS-AM. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e
Srs. Deputados, estamos na fase mais complexa e decisiva de tramitação das
reformas da Previdência e tributária.
Particularmente quanto à reforma da Previdência, quero entender que o Relator da
matéria, ilustre Deputado José Pimentel, do Estado do Ceará, vai examinar com
bastante atenção as mais de 450 emendas apresentadas pelos Deputados. Delas
consta, sem dúvida alguma, o anseio da maioria da população brasileira. Somos
513 Deputados, representantes de 175 milhões de brasileiros. Acredito, Sr.
Presidente, que o Relator, a Comissão Especial e os Líderes estejam procurando
encontrar caminhos que facilitem a deliberação do Plenário.
Vejo com satisfação que o Governo começa a acenar com a possibilidade de fazer
concessões, ajustes, correções de distorções, para diminuir a dureza da proposta
encaminhada a esta Casa.
A maioria silenciosa da Câmara dos Deputados silenciosa, mas antenada ,
participa ativamente desses debates e haverá de se posicionar levando em
consideração não apenas a própria consciência, mas, acima de tudo, a voz das
ruas, cada vez mais ruidosa.
Ouso lembrar um Deputado gaúcho, que dizia: "O que o povo quer esta Casa
sempre quer". Pois quero crer que a Câmara dos Deputados apreciará com muita
determinação as duas propostas, que terão de ser aperfeiçoadas para não
receberem neste plenário rejeição, que pode comprometer a totalidade da idéia.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
37
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 011.1.52.E Hora: 14:04
Fase: PE
Orador: Nilton Baiano, PP-ES Data: 10/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 03
O SR. NILTON BAIANO (PP-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.Sras. e
Srs. Deputados, como havia previsto e anunciado, o povo brasileiro não quer
177
mesmo a reforma da Previdência nos moldes apresentados pelo Governo Lula. A
greve de ontem dos servidores públicos federais teve, em média, a adesão de 4
5%
dos servidores em todo o País.
Venho a esta tribuna para fazer um breve balanço deste movimento no meu
Estado, o Espírito Santo. Neste primeiro dia, mais de 2 mil usuários do Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS) deixaram de ser atendidos. Esta gre
ve por
tempo indeterminado afetou a maioria dos Municípios.
O movimento ganhou repercussão em todo o País e atingiu mais de 30 instituições
federais de ensino e também contou com a adesão de professores e servidores da
Universidade Federal do Espírito Sant
o (UFES) e do Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET) de Vitória, que decidiram ontem suspender as atividades
por tempo indeterminado.
Os hospitais federais de todo o País também suspenderam suas atividades ontem,
com nível de 100% de adesão. No Esp
írito Santo, a saúde pública, que vive
quadro caótico, também aderiu ao primeiro movimento grevista realizado no
Governo Lula.
O setor de exportação e importação de mercadorias é um dos mais atingidos no
Estado com a greve dos servidores federais. Os au
ditores da Receita Federal, que
não querem a reforma da Previdência, decidiram cruzar os braços durante 3 dias,
paralisando o processo de nacionalização de mercadorias nos portos e aeroportos.
O Brasil precisa de uma nova Previdência Social, mas a reforma
apresentada pelo
Presidente Lula é injusta e vai trazer arrocho para o sofrido trabalhador
brasileiro. Todos pagarão um preço alto, mas muitos ainda não tomaram
consciência da perversidade dos meros desta reforma da Previdência.
Não vamos admitir a co
brança dos inativos. O aposentado brasileiro paga sua
conta. Quem não paga é o Governo. Uma reforma que prevê a cobrança para os
servidores aposentados é repudiada por todos os brasileiros. Este é o principal
motivo desta revolta e destas paralisações que afetam a vida de todos.
Mas fico feliz, Sr. Presidente, porque sei que a proposta de reforma da Previdência
será alterada nesta casa. Hoje, na imprensa, vejo sabedoria em V.Exa., ao dizer
que vamos produzir muitas mudanças nesta reforma da Previdência.
O próprio Governo Lula admite mudar a proposta em meio à greve dos
servidores federais. O Ministro da Casa Civil, José Dirceu, admitiu a possibilidade
de mudanças na proposta de reforma encaminhada pelo Governo ao congresso.
não sabemos em que pontos o Governo estaria disposto a ceder.
Tenho absoluta certeza de que até o dia da votação da reforma da Previdência o
clima de revolta aumentará no País. No Espírito Santo, já estamos em contato com
várias categorias médicos, policiais, fiscais e etc. que qu
erem promover um
grande ato público.
Quero neste pronunciamento registrar meu amplo e irrestrito apoio aos servidores
públicos federais que estão no mais puro exercício da democracia.
Não devemos
abaixar a cabeça e engolir o que não gostamos e não aceitamo
s. Vamos praticar a
cidadania e lutaremos contra a perversidade inserida nesta injusta reforma da
Previdência do Governo Lula.
Parabenizo não V.Exa., Deputado Inocêncio Oliveira, mas também o
Presidente João Paulo Cunha e todos os Líderes, por trabalhar
em para que essa
178
reforma seja alterada e não venha a prejudicar os servidores e a população
trabalhadora do Brasil.
Muito obrigado.
38
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 011.1.52.E Hora: 14:06
Fase: PE
Orador: ZÉ LIMA, PP-PA Data: 10/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 07
O SR. ZÉ LIMA (PP-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr. Presidente, Sras. e
Srs. Deputados, os debates nas audiências públicas promovidas pela Comissão
Especial que aprecia a reforma da Previdência Social e o
s que se realizam nos
mais diferentes pontos do País estão demonstrando a absoluta necessidade de
revisão, por parte do Governo, de dispositivos constantes de sua proposta original.
Logo após o encaminhamento pelo Poder Executivo a esta Casa da PEC
40/2
003, abordei o tema da Previdência Social em pronunciamento no Grande
Expediente, no qual expressei minha posição contrária a determinadas questões
propostas pelo Governo, como a mudança das regras para concessão de
aposentadorias aos atuais servidores sem
o estabelecimento do devido período de
transição.
Enfatizei também, Sr. Presidente, o caráter injusto e drástico para os servidores do
texto da reforma previdenciária, que transfere ao funcionalismo todo o ônus de um
déficit crescente do setor, cujas razõ
es se devem muito mais a causas outras,
como, por exemplo, sonegação, isenção, anistias concedidas e queda nas
atividades econômicas.
Fiz um alerta à Casa e ao Governo, demonstrando que a proposta de reforma
chega ao exagero de retirar consagrados direitos
dos trabalhadores, ao determinar
sensível redução nos valores de aposentadorias e no de futuras pensões aos
beneficiários de servidores falecidos.
Deixei muito claro que sou inteiramente contra os privilégios garantidos a alguns
poucos pela atual legislação, os quais, portanto,
devem ser rigorosamente
eliminados.
No que se refere à principal razão dos sucessivos rombos nos cofres da
Previdência, ou seja, perda de receitas em função da inadimplência ou da isenção
na contribuição de grande número de empresas
, órgãos públicos, associações e
entidades de todo o tipo, a reforma não apresenta qualquer alteração da situação
vigente.
Pois bem, Sr. Presidente, o amadurecimento das discussões, tanto no Parlamento
quanto nas diferentes instâncias da sociedade, demonst
ra estarem realmente
179
fundamentadas as preocupações e convicções aqui registradas por mim e por
tantos Parlamentares a respeito de matéria de o relevante interesse para o povo
brasileiro.
Por isso, volto ao assunto nesta tarde. Verifico que o Governo do P
residente Luiz
Inácio Lula da Silva, diante das contestações feitas com propriedade e seriedade,
sinaliza a disposição de rever pontos sobre os quais, antes, não aceitava sequer
negociar a necessária flexibilização.
É muito importante que o próprio Relator
da PEC 40/03 na Comissão Especial,
o ilustre Deputado José Pimentel, do PT do Ceará, ofereça em seu parecer os
indispensáveis aperfeiçoamentos, frutos da conciliação entre as posições
contrárias, como as que faço referência e as do Governo, quanto àque
les
dispositivos também mencionados neste pronunciamento.
É fundamental
que se assegure um princípio básico de qualquer modelo ou
estrutura legal, isto é, o da garantia jurídica. Isso significa, Sr. Presidente, que para
os atuais servidores devem prevalecer
as regras pactuadas por eles nos contratos
firmados com o Estado, quando ingressaram no serviço público. Portanto, a
integralidade das aposentadorias e a paridade nos reajustes para aposentadorias e
pensões com os da remuneração na ativa precisam ser mantidas
, por uma questão
de justiça e de garantia jurídica. O mesmo deve ocorrer
com a contribuição dos
inativos.
dois pontos que considero essenciais à reforma e, por isso, recebem o meu
apoio e o meu voto: a instituição imediata do teto, para que não co
ntinuem a
existir aposentadorias e pensões em valores exorbitantes, e o aumento na idade
mínima para a aposentadoria, desde que aplicada regra de transição para os que
são servidores, de modo a que esses cumpram período adicional
proporcionalmente ao te
mpo de serviço exercido na data da promulgação da nova
emenda à Constituição.
Sr. Presidente, gostaria que meu pronunciamento fosse divulgado no programa
A
Voz do Brasil.
39
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 011.1.52.E Hora: 14:50
Fase: PE
Orador: CHICO ALENCAR, PT-RJ Data: 10/07/2003
TRECHOS DEONTICAMENTE MODALIZADOS: 09
O SR. CHICO ALENCAR (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, no antigo ensinamento de Montesquieu, cabe
180
ao Parlamento fisca
lizar o Executivo e aperfeiçoar suas propostas. É este o sentido
de boa parte das quase mil emendas apresentadas na mara dos Deputados aos
projetos de reforma tributária e previdenciária. Na Previdência, maior programa
de distribuição de renda do Brasil, é preciso
cuidado ao alterar regras do Regime
Próprio dos Servidores Públicos. Por isso, é alvissareiro ver o nosso Governo
aberto a modificações substantivas no projeto, como sempre pleiteamos.
O movimento grevista dos servidores públicos, que mobiliza v
árias
categorias, cria, de forma legítima, um campo fértil de diálogo e põe na
ordem do dia o debate sobre os rumos da Previdência Social no Brasil.
Acredito que o eixo central dessa reforma deva ser
o da ampliação dos
direitos, defendendo, assim, um dos últimos pilares do Estado de Bem-
Estar
Social. Muitas das propostas originais do Executivo deverão ser
tema de
profundas e profícuas discussões nesta Casa, sempre alimentadas pelas
reflexões e contribuições da sociedade civil organizada.
Alguns pontos mer
ecerão ser apreciados com mais acuidade, uma vez que
tocam as bases fundamentais da Previdência Social, que se estruturou para
ser um locus
gerador de justiça social, mediante a solidariedade entre as gerações.
Entre outras questões que seguramente deverão merecer mais atenção pode-
se
citar as propostas que se referem à taxação dos aposentados e à idade mínima para
a aposentadoria. Também é necessário criar
mecanismos que garantam a paridade
das remunerações e demais benefícios entre os atuais servidores at
ivos, inativos e
pensionistas, assim como entre estes e os futuros servidores. Caso contrio,
poderemos criar situações inusitadas no Poder Público, com servidores exercendo
o mesmo cargo, mas recebendo proventos diferenciados e com aposentadorias
também
diferenciadas. Paridade e integralidade para todos e não apenas para a
magistratura, é óbvio são requisitos importantes.
Além da definição de um teto para os proventos, a reforma não poderá deixar
de
tocar em pontos que ainda são herança do Estado patrimon
ialista, entre eles a
acumulação da aposentadoria e o recebimento simultâneo de proventos oriundos
do exercício do mesmo cargo.
A partir do eixo norteador da reforma que queremos, ou seja, geradora de
inclusão, deve-se retornar para o texto constitucional
as regras que definem o
cálculo do benefício para aqueles que estão no Regime Geral da Previdência.
Atualmente, tal normatização é da alçada da legislação ordinária, o que tem
gerado efeitos perversos para milhões de aposentados, que vêem os valores de
suas aposentadorias e pensões sendo achatados.
Devemos, portanto, preparar
nossos espíritos para os calorosos e históricos
debates que virão. A pressão da sociedade organizada começa a mostrar seus
primeiros resultados. O Executivo começa a rever algumas de
suas posições na
busca de um entendimento. Este é o caminho. Nossa batalha no Parlamento não
será vã.
Muito obrigado.
181
40
CÂMARA DOS DEPUTADOS -
DETAQ
Sessão: 015.1.52.E Hora: 15:24
Fase: PE
Orador: CHICO ALENCAR, PT-RJ Data: 16/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 05
O SR. CHICO ALENCAR (PT-
RJ. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras.
e Srs. Deputados, estamos às vésperas da leitura do relatório da dita reforma da
Previdência.
Para muitos de nós, especialmente do PT, seria ma
is adequado discutir outras
reformas, como a reforma agrária, a reforma do Estado sobretudo no que diz
respeito às suas agências reguladoras, que terceirizam iniciativas que devem ser
de
governo , a reforma política, com tudo o que pode promover de avanço
democrático. No entanto, estamos enredados não na reforma da Previdência, mas
em alterações no regime próprio dos servidores públicos.
Independentemente do juízo que devamos fazer do relatório e é o que cabe a esta
Casa e ao Senado , a política dos Govern
adores acabou pelo menos 70 ou 80
anos. Mas temos de considerar
alguns equívocos na concepção geral da proposta,
e eu, membro do partido mais importante da sustentação governamental, o faço
como uma certa autocrítica.
O primeiro é distanciar tanto o se
rvidor público do trabalhador da iniciativa
privada, tornando vulnerável o primeiro e apenas colocando seus direitos no
mesmo plano dos direitos de qualquer trabalhador. Não. Numa concepção de
Estado não forte nem autocrático, mas ativo, o servidor público
é fundamental.
O segundo equívoco é vincular o Judiciário a privilégio absoluto. É evidente que
os Três Poderes precisam estar
cada vez mais abertos à população, mas
desconsiderar que o Judiciário tem avançado e que é fundamental para a
construção da igu
aldade e da justiça no País é outro engano. O Governo é
composto dos Três Poderes.
Finalmente, é falha a lógica de jogar os mais pobres do País, em geral mais
desorganizados, contra os remediados, em geral com maior capacidade de
organização. Ao longo da história, essa prática não deu bons resultados.
Feitas essas considerações preliminares, acho que devemos nos dedicar
ao
processo de elaboração final do projeto, tendo em vista o devido respeito ao
servidor público, de todas as instâncias, e o reconheciment
o de que há, sim,
carreiras estratégicas no Estado, portanto o combate a privilégios e demasias
não
pode significar a desqualificação do servidor público.
182
41
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 015.1.52.E Hora: 15:52
Fase: PE
Orador: GONZAGA MOTA, PSDB-CE Data: 16/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 06
O SR. GONZAGA MOTA (PSDB-CE. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente, Sras. e
Srs. Deputados, quero externar minha preocupação com uma possível desarticulação entre
os Poderes cons
tituídos da União, bem como dos Governos Federal e Estaduais, com
relação à reforma da Previdência. Aproveito a oportunidade para enaltecer o
pronunciamento pouco feito pelo Deputado Chico Alencar, que, de maneira concisa e
objetiva, definiu perfeitamen
te o que a sociedade brasileira pensa sobre o tema.
algum tempo vimos examinando a possibilidade de realização de algumas
reformas no Brasil. Vivemos em uma época de reformismo crônico. Existe uma
expectativa generalizada em todo o País. Há, também, a
mania de se clamar por
reformas. Por isso, impõe-se que se reflita
atenciosamente e se examine a questão com
cuidado, para não sermos conduzidos por modismos. É preciso
um correto
diagnóstico dos problemas, para que se possa avaliar se realmente necessitam
os
reformar nosso Direito Positivo. A opinião blica vem sendo mobilizada, nos
últimos 10 anos, a favor de algumas reformas. O povo tem sido estimulado a exigi-
las,
embora aqueles que as estimulam nem sempre possuam idéias claras a respeito
daquilo que de
veria ser reformado nem de como se faria a mudança. Para o
equacionamento do problema, devemos examinar
com prioridade as questões
relevantes para o povo.
Assim sendo, salvo melhor juízo, duas vertentes de análise devem ser
observadas.
Numa, precisamos saber
se as reformas propostas se destinam a ajustes de caixa
circunstanciais ou a promover o crescimento econômico e a inclusão social; e, noutra,
se são objetivos de governo, sugeridos por pessoas ou organismos alienígenas, ou,
então, objetivos de Estado. E
m resumo, acreditamos que as verdadeiras reformas,
com certeza, são aquelas que oferecem ao povo condições concretas de justiça social.
Como disse o Dalai Lama: "
Na realidade, creio que o avanço econômico e o respeito
por direitos individuais estão intimamente ligados. A sociedade não pode
maximizar seu
ganho econômico sem conceder direitos civis e políticos a seus membros
". Por trás dessa
sábia declaração está o conceito de liberdade.
Em relação à primeira vertente referida, vale ressaltar o crescimento c
om inclusão social,
observando pontos como a geração de empregos, a redução da dívida social e a melhoria
na distribuição de renda. Os ajustes de caixa nem sempre provocam benefícios para as
populações. Daí, reformas como a agrária e a política, por exempl
o, dentro dos princípios
constitucionais e da ordem democrática, são mais importantes, a médio e longo prazos,
para a sociedade, do que as reformas tributária e previdenciária. Os déficits de caixa
podem ser cobertos pela cobrança da dívida ativa, pela red
ução da sonegação, bem como
por melhores mecanismos de fiscalização e administração financeira, respeitando-
se os
direitos individuais.
183
A segunda vertente diz respeito aos objetivos de governo e de Estado. Os Governos
passam; o Estado permanece com seus objetivos estruturantes e duradouros.
Sr. Presidente, não obstante sucintas, as reflexões aqui apresentadas servem para estimular,
pelo menos, o debate sobre o assunto. Por sua vez, verificamos que algumas modificações
pretendidas não necessitam de qualq
uer reforma do texto constitucional. Assim,
poderíamos iniciar determinadas alterações mediante decisões políticas e também com
base em ações legislativas de ordem infraconstitucional.
Obrigado.
42
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 015.1.52.E Hora: 15:54
Fase: PE
Orador: SANDES JÚNIOR, PP-GO Data: 16/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 04
O SR. SANDES JÚNIOR (PP-GO. Sem revisão do orador.) -
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, estou acompanhando com extrema preocupação o deb
ate
em torno da reforma da Previdência. Devo dizer
que o Governo do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva está se mostrando absolutamente inábil não só na
condução desse processo, mas também no enfrentamento de todas as questões
brasileiras, talvez por ser
a primeira vez que seu partido assume o comando do
País.
O Governo vem demonstrando fragilidade e indefinição. Ora apresenta um projeto
de uma forma, no outro dia aparece com uma idéia totalmente diferente. Na
semana passada, acenava para o Judiciário; nes
ta, não acena mais.
Sr. Presidente, um dito popular que cabe lembrar no momento: "
Em política,
amor não é para sempre". Percebo que a lua-de-
mel da população com o
Presidente Lula começa a entrar na fase do desgaste. No início, quando S.Exa.
fazi
a algum pronunciamento, a imprensa e a sociedade comentavam que se tratava
de um homem do povo, que dizia o que este queria ouvir. Hoje, o que o Presidente
diz é diferente do que afirmava 3 ou 4 meses.
Vejo também com preocupação, Srs. Deputados, o rom
pimento do pacto firmado
com os governadores, que querem manter o texto original da reforma da
Previdência.
Como todos sabemos, os Estados estão falidos e, se não for encontrada uma
solução definitiva para a questão previdenciária, em breve espaço de tempo
não
terão a menor condição de arcar com o pagamento dos inativos. O que os
governadores estão buscando é a retomada da capacidade de investimento do
Poder Público Estadual.
184
Também fico preocupado quando um Ministro da envergadura de Antonio Palocci
vem a
público colocar em xeque a real intenção dos governadores, que estariam
fazendo o papel de Judas do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Ministro
chega ao ponto de ameaçar deixar o Governo caso o projeto original, fruto de
lobbies que este mesmo Governo
tem medo de enfrentar, não esteja aberto a
mudanças.
É preciso
ressaltar, nobres colegas, que a discussão vem se dando no campo do
maniqueísmo: ou se é a favor ou contra a reforma da Previdência. O Governo tem
se comunicado mal com a sociedade e, sem dúvi
da alguma, é o principal
responsável pela balbúrdia que tomou conta do debate.
É importante
que o Governo tenha coragem de pôr a cara a tapa, de se desnudar
perante a opinião pública, de dizer com clareza a que veio e de assumir os
desgastes naturais de qu
em exerce o poder. Mas ficar usando Ministro como
menino de recado é uma estratégia burra, para não dizer suicida.
Entendo que o debate envolvendo a reforma previdenciária deve ser
absolutamente realista e baseado em cálculos atuariais seguros, que possam
não
apenas justificar uma mudança nas regras atuais, mas também dar à sociedade
brasileira a tranqüilidade de que serão preservados o ato jurídico perfeito, a coisa
julgada e o direito adquirido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o País passa por um grave mo
mento. A economia
sinais de estagnação. A inflação está sob controle, é verdade, mas a cada dia
cresce a legião de desempregados nas ruas. A arrecadação de impostos, um
termômetro da atividade econômica, emite sinais de queda vertiginosa para os
próximo
s meses. Enquanto isso, o Governo patina e não consegue apresentar ao
País um projeto de reformas que estimule a retomada do crescimento econômico.
Até agora, o que vemos foi um governo especialista em retórica: "
Faça o que eu
digo, mas não faça o que eu faço".
Eram essas as minhas palavras, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
43
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 017.1.52.E Hora: 15:12
Fase: PE
Orador: ANTONIO NOGUEIRA, PT-AP Data: 17/07/2003
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 02
O SR. ANTONIO NOGUEIRA (PT-AP. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.Sras. e Srs.
Deputados, não podemos
considerar recuo o caminho para aprovação da reforma que o
País precisa.
As mudanças previstas no texto inicial são fruto de negociações do Governo,
que tenta b
uscar entendimento com a sociedade civil organizada e com as forças políticas
185
que compõem esta Casa, sem que isso implique alteração da essência da reforma da
Previdência.
Tanto é verdade, Sr. Presidente, que o nosso Governo decidiu garantir alguns pontos
polêmicos da reforma, como a integralidade da aposentadoria dos atuais servidores
públicos, manter o índice de redução para quem se aposentar antes do prazo, e a taxação
dos inativos, além dos subtetos.
É natural, Sr. Presidente, nobres pares, o aperfeiçoa
mento do texto, principalmente quando
advém das discussões democráticas como as que estão sendo realizadas através das
audiências públicas com representantes dos três Poderes, dos trabalhadores, dos
empregadores e dos aposentados e dos pensionistas.
E aí,
Sr. Presidente, peço permissão ao nosso companheiro Relator, Deputado José
Pimentel, para fazer minhas as suas palavras. Disse o Relator:
"O que tenho ouvido nas audiências vem sendo enriquecido por meio de debates
realizados em sete estados da federaç
ão. Estou convicto da importância desta reforma
para garantir sustentabilidade ao sistema, justiça orçamentária, geração de mais postos
de trabalho formalizados e a inclusão de milhões de pessoas que hoje não têm acesso aos
benefícios previdenciários".
Não
adianta, Sr. Presidente, os oportunistas de plantão quererem auferir louros com
algumas mudanças que achamos pertinentes. A reforma da Previdência estava prevista no
programa de Governo do Presidente Lula, aprovado nas últimas eleições por mais de 60
milh
ões de brasileiros. Esta reforma tem vários objetivos, e destaco o que cria
mecanismos para a inclusão de mais de 40 milhões de pessoas que não têm nenhum
benefício previdenciário e o que possibilita a implantação de um sistema básico, universal
e obrig
atório para todos os brasileiros natos e naturalizados. Esse sistema, Sr. Presidente,
terá piso de um salário mínimo e teto equivalente a dez salários mínimos. Nós queremos
que as regras de aposentadoria sejam iguais para todos os brasileiros.
O conceito d
e previdência básica está amparado na repartição simples e de solidariedade,
pois o sistema anterior era de capitalização e exclusivamente contributivo. Agora o
financiamento é que será contributivo, por meio da folha salarial e solidário pela
contribuição
de toda a sociedade, mediante o consumo, que é o faturamento bruto das
empresas.
Mas, Sr. Presidente, o que queremos com essas mudanças? Queremos uma Previdência
Social que tenha equilíbrio financeiro para o pagamento de todos os benefícios no presente
e
no futuro. Queremos que o cidadão seja bem atendido, com agilidade e rapidez.
Finalizando, Sr. Presidente, quero registrar minha admiração pelos companheiros que
estão na condução das discussões sobre a reforma da Previdência e aqui conclamo os meus
nobr
es companheiros de partido e da base de sustentação do Governo que têm coragem
para fazer valer essa reforma tão importante para o nosso País.
Vamos levar, Sr. Presidente, a reforma para as nossas casas, junto com nossos amigos e
parentes, explicando a necessidade
de uma nova Previdência para o País. Vamos construir
um Brasil melhor para todos os brasileiros, dando segurança a todos os trabalhadores
públicos e privados, para que o seu futuro e o de suas famílias não sejam ameaçados pela
falência da previdência brasileira.
Era o que eu tinha a dizer.
44
186
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Sessão: 019.1.52.E Hora: 15:26
Fase: PE
Orador: SANDES JÚNIOR, PP-GO Data: 22/07/2003
O discurso visa defender remuneração digna aos magistrados e aos funcionários
públicos em geral.
EXPRESSÕES DA MODALIDADE DEÔNTICA: 05
O SR. SANDES JÚNIOR (PP-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) -
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o Brasil vive hoje clima de expectativa e,
porque não dizer, de insegurança quanto ao impacto da
reforma previdenciária na
vida do cidadão. Vejo com enorme preocupação o acirramento do debate em torno
das reformas, especialmente no que diz respeito à relação do Executivo com o
Judiciário.Reunidos em assembléia, juízes aprovaram indicativo de greve pa
ra o
mês de agosto, para alguns considerado o "pintor das paisagens estranhas".
É
preciso
que haja bom senso de ambos os lados. Imagine o País tendo que conviver
com greve de magistrados. Cabe
a eles a tarefa de garantir o pleno exercício do
Estado de Dire
ito. Não que se falar em greve numa categoria que desempenha
tarefa de extrema responsabilidade.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é preciso ressaltar que os juízes
não podem
ser apontados como os vilões da Previdência. Não foram eles os responsávei
s por
rombos históricos na instituição, pelas Jorginas da vida, pelas aposentadorias
fantasmas, pelo desvio de recursos e pela inadimplência de devedores contumazes.
Sou daqueles que entendem que os juízes devem ser
muito bem pagos e gozar de
aposentadoria
s justas, que lhes garantam no final de suas vidas dignidade. E por
que penso assim, Sr. Presidente? Ao contrário do que se possa imaginar, um juiz
que recebe dignamente custa muito menos ao Estado. No exercício de sua missão
espinhosa não terá ele motivo
para aceitar nenhum tipo de ingerência, seja de
natureza econômica, seja política. Um juiz que ganhe pouco poderá achar algum
motivo para receber, por exemplo, algum tipo de vantagem pecuniária na hora em
que for prolatar um sentença.
Assim, Sr. President
e, é importante que o debate em torno da reforma
previdenciária não se de forma estreita, nem a matéria seja aprovada de
afogadilho. Aliás, remunerar indignamente seus funcionários públicos por meios
de aposentadorias irrisórias é uma prática comum em p
aíses atrasados. Talvez seja
por isso que quanto maior o índice de pobreza de uma nação, maior a quantidade
de casos de desvio de verbas públicas, a chamada corrupção.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Agradeço aos nobres colegas desta Casa a
atenção a mim dispensada.
Muito obrigado.
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