mais amplo que, em que pese algumas singularidades, próprias de cada período, possuia
uma mesma estruturação e plantava suas raízes nos primórdios do processo de conquista
e colonização das Américas
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O trecho abaixo, retirado de nosso primeiro trabalho,
Vasconcelos, (2007:9), ilustra quais eram as nossas inquietações naquele momento,
como o problema estava sendo colocado e também nos permite corroborar a
proximidade das proposições
Dentre todas as discussões que se desenvolveriam a partir do fatídico
12 de outubro de 1492, uma delas sempre se destacaria, talvez por sua
centralidade, por estar direta ou indiretamente ligada às mudanças
mais profundas que seriam operadas a partir de então, que
procurariam, grosso modo, de maneira sempre diversa, indicar o papel
e o lugar desse novo sujeito que entrava em cena, do „Outro‟, de sua
natureza, de sua constituição enquanto ser, de suas possibilidades e
limitações, do seu passado e seu futuro, enfim. Essa discussão, bem
como inúmeras outras que tiveram aí suas origens, serão levantadas e
debatidas principalmente nos meios acadêmicos e religiosos, de forma
pretensamente isenta ou ainda com claras motivações políticas,
econômicas e sociais. Os germes daquilo que se transformaria, no
século XVIII e XIX, nas elaboradas teorias raciais, defendidas com
unhas e dentes por alguns grupos de políticos e intelectuais,
repercutindo nos dois lados do Atlântico e que muitas seqüelas
deixariam, foram muito prematuramente inoculados nos corações e
mentes dos „conquistadores‟, repassados e reelaborados de geração em
geração, cumprindo sempre e bem o papel que lhes coube quando
foram engendradas.
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A idéia dessa continuidade deveu-se, dentre outras coisas, à observação de que, muito embora o
considerável distanciamento espaço-temporal de alguns pensadores, europeus e americanos - dentre os
quais Las Casas, Buffon, De Pauw e Sarmiento -, havia, em seus escritos, um traço comum, qual seja: a
construção de um discurso que apresentava/representava o homem do Novo Mundo, o latino-americano,
ora como o bom selvagem, ora como um incapaz, em outros momentos com um ser inferior ou
degenerado e, porque não, como um bárbaro. As origens desse aparato discursivo podem ser buscadas a
partir da chegada de Colombo às Américas. Para Dussel, (1993), “Colombo não descobriu a América,
num sentido estrito ontológico [...], uma vez que ao partir de Andaluzia, seu propósito era chegar à Índia e
o mesmo [...] morre em 1506 com a clara consciência de ter descoberto o caminho para a Ásia.”.
(DUSSEL, 1993, p. 31). A América, bem como o homem americano, partindo dessa análise, foram
primeiramente uma invenção: [...] desejamos indicar por “invenção” a experiência existencial colombiana
de dar um “ser asiático” às ilhas encontradas em sua rota para a Índia [...] o Outro, o “índio” não foi
descoberto como Outro, e só re-conhecido (negado então como Outro): “em-coberto” (DUSSEL, 1993, p.
32). O descobrimento, ainda segundo DUSSEL, dar-se-ia posteriormente à „invenção‟, por obra de
Américo Vespúcio, [...] trata-se do começo da tomada de consciência de ter „descoberto‟ um Mundo
Novo, que seria a América do Sul [...] (DUSSEL, 1993:34). Esses discursos acabam tomando corpo e
suscitando acalorados debates, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII, atingindo o seu
ápice no século seguinte, e perdurando, como acreditamos, até os dias de hoje, ainda que veladamente.