então, como o verdadeiro amor, nada mais nada menos do que uma completa
comunhão.
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O comentário mais acima feito a respeito dos poemas que envolvem as figuras
das dançarinas, em Indícios de ouro, certamente, não seria suficiente para esgotar as
tensões que envolvem a ascensão, neste livro. Do mesmo modo que em Dispersão,
nota-se, aqui, uma constante sensação de fracasso, de impotência, a qual corresponde,
agora, a certo ceticismo, que tende a identificar a própria fantasia a uma forma de
ilusão. De modo geral, nos textos do livro, o presente representa um espaço de diluição
negativa do sujeito, de perda do impulso para a ascensão, enquanto, no passado,
estariam as formas da elevação, da riqueza, do brilho. As composições realizadas a
partir de agosto de 1915, por sua vez, são já aquelas em que se manifesta mais
nitidamente a prática da autodepreciação.
Os poemas “Apoteose” e “Distante melodia” ilustram bem o caráter pretérito da
experiência de ascensão. No primeiro deles, cuja matéria contradiz o título, veem-se
certas ânsias, cobertas por concreto armado (“Lajearam-se-me as ânsias brancamente”),
sem que possam vir à tona, sem que tenham potência para impulsionar um movimento,
como em um “jardim estagnado”
552
. No último, fala-se nas “lembranças doutro Tempo
azul”, “um tempo esguio e leve, um tempo-Asa”
553
. A segunda estrofe da composição
dialoga com o final de “Apoteose”: “Então os meus sentidos eram cores, / Nasciam num
551
A concepção do amor como uma completa comunhão, observa-se, de certa maneira, também em
“Ressurreição”, a última narrativa de Céu em fogo. Aqui, identifica-se o amor a uma mútua compreensão,
à “comunhão de sensações” (S
Á-CARNEIRO, 1995, p. 578). O encontro, no caso, é entre dois homens
(“sem saberem como, seus corpos nus, masculinos, se entrelaçaram”) (SÁ-CARNEIRO, 1995, p. 581),
Inácio, o protagonista, e Etienne, um ator, que experimentam um pelo outro, ex-amantes da mesma
mulher, uma grande ternura, “singular e capitosa, sutil de crispada” (S
Á-CARNEIRO, 1995, p. 577), nas
palavras do texto. Ao final da narrativa, os termos usados lembram, senão a transcendência alcançada em
“Mistério”, pelo menos o descortinar de uma dimensão insuspeitada, em que é possível o contato com a
amante morta, em uma sorte de intersecção entre o real e o além: “E então foi a Vitória, nesse abraço
limpo, unissexuado (...). Além-Ressurreição! Ultra-Realidade só a Alma! Fora – em Milagre sentiu o
artista – como se no mútuo desdobramento psíquico da Saudade comum, a força sexual de ambos,
astralmente, lograsse, conjugada, ressuscitar entre os seus corpos – para A esvair – Paulette, ela-própria,
toda nua e sutil, arfando luar...” (S
Á-CARNEIRO, 1995, p. 581) (Grifos do autor).
552
SÁ-CARNEIRO, 1995, p. 84.
553
SÁ-CARNEIRO, 1995, p. 85.