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humana, para um estágio de elevação dessa condição, do chiste para a sublimação
solidária e afetiva por Sorôco. Em plano semelhante é o que ocorre com os leitores ao
decifrarem, por meio do efeito poético, o sentido da estória. A transcendência
sensibiliza de uma só vez personagens e leitores. Novamente a metalinguagem. Nesse
momento, unida de uma vez só na estória-canção, em que ambas fazem uso de sons, a
princípio, irreconhecíveis e enigmáticos, pelo menos, aos menos sensíveis, para, depois
de reconhecidos, revelarem a transcendência. A canção, a matéria sonora
irreconhecível no início, carrega dentro si um potencial revelador, assim como a palavra
rosiana, como a estória, como a escritura. Na escritura de Guimarães Rosa a
microestrutura se equivale à macroestrutura, fundo-forma inseparáveis, irmanados,
coesão em potência máxima.
Outro exemplo desse mesmo recurso, talvez o mais bem realizado em toda a
obra de Guimarães Rosa, figura em Grande sertão: veredas. No final do romance,
quando Riobaldo tem para si a feminilidade de Diadorim revelada é o que parece
impulsionar a estória. Riobaldo conta para revelar o que se escondia em Diadorim, o
que faz dele o ser que é, depois de ter vivido o que narrou. Riobaldo só é o rio, mas se
torna as águas correntes incessantes depois da experiência vivida, depois da revelação
do que estava contido no ser, em Diadorim, no ser, no nome, e em tudo mais o que há
no sertão que ele passa a ver a partir da descoberta do segredo de Diadorim.
Em Hermógenes, o gene vazio, aquele que não é, a encarnação do Diabo, o
traidor, aquele cujo maior ardil é fazer com que os outros não acreditem em sua
existência. No pacto, que é transformador, pois faz de Riobaldo outro ser, iluminado
aberto às perspectivas, senhor de si. A travessia constante, a vida em sua precisão de
existência, constante, mas para ser superada. Tudo revelado pelo corpo de Diadorim,
ser que proporciona a travessia, que faz Riobaldo enxergar, como se ela fosse os
óculos de Miguilim. Ela que o faz girar pelo infinito, revivendo contando, decifrando o
que se esconde na essência das coisas, por trás do demônio que é a linguagem
escamoteadora das percepções, do ardil de se fazer inexistente, mas presente, no
mundo, sem ser questionada, impregnada nas coisas, escondendo-as impedindo a