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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
Dissertação de Mestrado
A METADISCURSIVIDADE DE PROCESSOS REFERENCIAIS
Sayuri Grigório Matsuoka
Orientadora: Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante
Fortaleza, novembro de 2007
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Sayuri Grigório Matsuoka
A METADISCURSIVIDADE DE PROCESSOS REFERENCIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística do Centro
de Humanidades da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Lingüística. Área de Concentração:
Práticas Discursivas e Estratégias de
Textualização.
Orientadora: Profa. Dra. Mônica
Magalhães Cavalcante
Fortaleza - Ceará
2007
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Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Lingüística,
outorgado pela Universidade Federal do Ceará, e encontra-se à disposição dos
interessados na Biblioteca de Humanidades da referida Universidade.
A citação de qualquer trecho da dissertação é permitida, desde que seja feita de acordo
com as normas científicas.
______________________________
Sayuri Grigório Matsuoka
Banca Examinadora
______________________________________________________
Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante
(Orientadora)
______________________________________________________
Prof.. Dr. Francisco Alves Filho
(1º Examinador)
______________________________________________________
Prof. Dr. Clemilton Lopes Pinheiro
(2º Examinador)
______________________________________________________
Prof. Dr. Júlio César Rosa Araújo
(Suplente)
Dissertação defendida e aprovada em 13 / 11 / 2007.
DEDICATÓRIA
Para Claudio Régis, com todo amor que houver nesta e nas outras vidas;
para minha mãe, Jucileide, com toda minha gratidão e amor.
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AGRADECIMENTOS
Por razões diversas agradeço
Ao Claudio Régis, luz da minha vida, por cada gesto diário de colaboração,
preocupação, amor e incentivo;
A minha mãe, por cada movimento que fez para que eu soubesse que o maior presente
dela para mim foi o estudo;
À Prfa. Dra. Márcia Teixeira Nogueira, pela competência e pelo senso ético com que
coordenou o PPGL na maior parte do período em que cursei o mestrado em Lingüística.
À Profa Dra Mônica Cavalcante pela orientação;
À Profa Dra. Maria Margarete Fernandes de Sousa, pela competência e atenção com
que acompanhou os momentos mais cruciais deste trabalho; e pela gentileza com que o
fez.
À Profa Dra Emília Maria Peixoto Farias pelas riquíssimas observações que fez na
minha qualificação;
À Profa Dra. Bernardete Biasi Rodrigues que, em momentos delicados deste mestrado,
me estendeu a mão;
À Profa Dra. Maria Elias Soares, pela gentileza com que sempre me tratou e pelas
observações teórico-metodológicas certeiras;
Ao Prof. Dr. Júlio César Rosa de Araújo, pelo carinho e pela oportunidade de trabalhar
ao seu lado;
À Profa. Ednúsia Pinto Carvalho, pelo desprendimento em compartilhar comigo seus
textos sobre o metadiscurso, pela atenção e amizade.
Ao Prof. Dr. Francisco Filho, pela colaboração e pelas observações em ocasião da
defesa.
À Kelcy e Waltersar, pela colaboração e carinho, mas principalmente pela amizade.
À Geórgia (Gegê), pela amizade, carinho e serenidade.
Aos amigos e amigas que, de alguma forma, colaboraram para que eu crescesse com
esta experiência: Ju, Pêssega, ahloca!; Elisaudia (Eli), sempre paciente e prestativa;
Isabel Larissa e Larissa (Vidal), não poderia faltar o humor; Otávia (seríssima!!); Joana;
Neyle, Keylinha...
A todos os meus mestres da Letras (Lingüística e Literatura), pelo que me ensinaram;
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À CAPES, pelo suporte financeiro que permitiu o desenvolvimento “tranqüilo” desta
pesquisa.
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quando se escreve importa
saber em que real se entra, e se
há técnica adequada para abrir
caminho a outros.
Maria Gabriela Llansol
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................
11
1. A REFERENCIAÇÃO.......................................................................................
17
1.1 Referência e referenciação...............................................................................
18
1.2 Definindo as expressões referenciais........................................................
20
1.3 Classificando as expressões referenciais...................................................
22
1.3.1 A referenciação dêitica..........................................................................
23
1.3.2 A referenciação anafórica......................................................................
26
2. CONCEPÇÃO DE METADISCURSO............................................................
38
2.1 O metadiscurso na Análise do Discurso........................................................... 39
2.2 O metadiscurso na perspectiva retórica............................................................
40
2.2.1 O metadiscurso textual...........................................................................
43
2.2.2 O metadiscurso interpessoal...................................................................
46
2.3 Persuasão, comprometimento e interação no metadiscurso..............................
49
3. DESCRIÇÃO DAS FUNÇÕES METADISCURSIVAS EM EXPRESSÕES
REFERENCIAIS....................................................................................................
53
3.1 Procedimentos metodológicos..........................................................................
53
3.2 Definição e descrição das expressões referenciais metadiscursivas (ERM).....
55
3.3 Discussão dos resultados da análise das ERM..................................................
60
3.4 Proposta para uma análise crítico-discursiva das ERM....................................
69
3.4.1 Proposta metodológica para uma análise crítico-discursiva do texto a
partir das ERM.......................................................................................................
74
3.5 Sugestão de análise crítico-discursiva do conteúdo axiológico das ERM.......
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................
98
REFERÊNCIAS.....................................................................................................
101
9
9
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS
Figura 1 – Tipos de anáforas diretas (CAVALCANTE, 2004c)....................................27
Tabela 1 – Marcadores metadiscursivos (HYLAND, 2005)..........................................51
Tabela 2 Funções do metadiscurso no texto acadêmico (inspirado na descrição das
funções metadiscursivas de Hyland(1998))....................................................................69
Tabela 3 Representação esquemática da classificação de Cavalcante (2003) para as
introduções referenciais..................................................................................................70
Tabela 4 - Representação esquemática da classificação de Cavalcante (2003) para as
continuidades referenciais...............................................................................................72
Quadro 1 – Análise de texto (FAIRCLOUGH, 2001)....................................................75
Quadro 2 – Análise da prática social (FAIRCLOUGH, 2001).......................................77
Quadro 3 – Análise da prática discursiva (FAIRCLOUGH, 2001)................................78
Tabela 5 – Representação de atores sociais no exemplo(61)..........................................83
Tabela 6 – Representação de atores sociais no exemplo(62)..........................................89
10
10
RESUMO
A proposta deste trabalho é identificar e descrever as funções metadiscursivas
exercidas por expressões referenciais. Identificadas estas expressões objetivamos ainda
apresentar uma proposta de análise para o conteúdo avaliativo destas tendo em vista a
influência da observação do posicionamento do autor/co-enunciador para a construção
de sentido do texto. Consideramos as expressões referenciais como objetos-de-discurso
tal como os referente são concebidos na teoria da referenciação, conforme a definem
Apothéloz e Reichler-Beguelin (1995); Mondada e Dubois (2003); Marcuschi e Koch
(1998). O segundo constructo teórico, referente ao metadiscurso, toma como principal
pressuposto teórico a noção retórica elaborada por Hyland (1998). A elaboração da
metodologia da pesquisa se deu mediante a classificação de Cavalcante (2004 b e c)
para as expressões referenciais; a classificação de Hyland(1998, 2005) para o
metadiscurso. Como base para a análise do conteúdo axiológico das expressões
referenciais com função metadiscursiva, utilizamos algumas categorias da Análise
Crítica do Discurso.
11
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ABSTRACT
The proposal of this work is to identify and to describe the metadiscourse functions
exercised by referential expressions. Identified these expressions still aimed at to
present an analysis proposal for the evaluative content of these tends in view the
influence of the writer positioning observation for the text sense construction. We
considered the referential expressions object-of-speech just as the referring is conceived
in the theory of the referenciation, as define it Apothéloz and Reichler-Beguelin (1995);
Mondada and Dubois (2003); Marcuschi and Koch (1998). The second theory,
regarding the metadiscourse, takes as principal theoretical presupposition the rhetorical
notion elaborated by Hyland (1998). The elaboration of the methodology of the research
felt by the classification of Cavalcante (2004 b and c) for the referential expressions; the
classification of Hyland(1998, 2005) for the metadiscurso. As base for the analysis of
the content axiológico of the referencial expressions with metadiscourse function, we
used some categories of the Critical Discourse Analysis.
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INTRODUÇÃO
As diferentes formas de observação dos fenômenos discursivos têm se
subordinado às mais diferentes teorias lingüísticas. Estas, na tentativa de fornecer
instrumentos de análise mais completos, não se têm negado a estabelecer vínculos com
outras disciplinas para que o estudo da linguagem ofereça respostas mais satisfatórias
aos seus usuários e estudiosos.
Neste sentido, o trabalho que aqui se propõe assume pressupostos da
Lingüística Textual, da Lingüística Aplicada e da Análise do Discurso francesa e anglo-
saxã e tenta, através destas disciplinas, observar o caráter metadiscursivo das expressões
referenciais, além de estabelecer uma proposta de análise do conteúdo axiológico
veiculado por estas expressões.
Para a realização destes objetivos, partiu-se da compreensão de que os
processos referenciais anafóricos e dêiticos possuem um caráter metadiscursivo, que,
via de regra, revela posicionamentos construídos discursivamente. Considerou-se,
ainda, ser possível relacionar tais processos referenciais a diferentes níveis de
metadiscursividade, pressupondo variadas funções discursivas que estes desempenham
nos gêneros artigo de opinião e artigo de pesquisa. A partir desta observação, admitiu-se
que as funções metadiscursivas dos processos referenciais variam conforme os
propósitos comunicativos gerais presentes nestes gêneros, mas que também podem ser
selecionadas em função dos propósitos do enunciador em cada contexto discursivo
particular.
No que diz respeito a esta segunda abordagem, em que os traços
metaenunciativos são considerados, direcionou-se a análise para a observação do modo
como o autor se coloca no texto, manifestando seu posicionamento a partir de
expressões que denotam conteúdos avaliativos. Para tanto, utilizou-se pressupostos da
Análise Crítica do Discurso no intuito de descrever quais implicações sócio-históricas
existem no dizer deste autor e de que forma estas implicações auxiliam na construção de
sentido de um texto para o co-enunciador.
Por processos referenciais entende-se a (re)construção, dinâmica e instável por
natureza, de entidades concebidas como objetos-de-discurso. Nesta perspectiva, os
significados das palavras resultam de negociações entre o falante/escritor e o
ouvinte/leitor. Esta postura é assumida por um grupo de estudiosos que admite a
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13
interação como ponto de partida para a construção dos sentidos de um texto. Nos
estudos sobre referenciação, por exemplo, Mondada e Dubois (2003) consideram que a
visão extensional da relação entre as palavras e as coisas não deve ser privilegiada em
detrimento da construção intersubjetiva e social dos referentes, na medida em que as
versões do mundo são publicamente elaboradas e nem mesmo os objetos do mundo
extralingüístico são categorizados de forma idêntica pelos sistemas cognitivos humanos.
À explanação do conceito de referenciação e dos processos referenciais, seguidos de
uma proposta classificatória, sob a qual eles foram observados no trabalho, dedicou-se o
primeiro capítulo.
Considerando-se que a metadiscursividade é um fenômeno recorrente nos
processos referenciais e que se constitui a partir de estratégias que marcam o
posicionamento e o engajamento do escritor no texto, levou-se em conta, nesta pesquisa,
também os aspectos funcionais das expressões referenciais. Este procedimento
favoreceu a análise da forma como tais processos atuam no texto, reformulando,
avaliando ou marcando o conteúdo proposto. A conceituação de metadiscurso e das
categorias relacionadas a ele estão dispostas no capítulo segundo. Para esta análise do
caráter funcional, adotou-se a concepção de metadiscurso descrita por Hyland (1998,
2005); Para a observação do metadiscurso enquanto processo metaenunciativo
utilizaram-se teorias como a Análise do Discurso e a Análise Crítica do Discurso. A
discussão dessas teorias, bem como a explicitação de como foram utilizadas na análise
do caráter axiológico das expressões estudadas estão no capítulo terceiro.
Estabeleceu-se, desse modo, uma divisão da abordagem do metadiscurso,
considerando as perspectivas sob as quais se quis enfocá-lo: a funcional, quando esta
serve aos propósitos de organização textual; e a enunciativa, quando ela indica a
intromissão do enunciador no enunciado.
Identificados tais traços nos processos referenciais, usou-se o termo
Expressões Referenciais Metadiscursivas (ERM). Nesta nomenclatura, incluem-se os
processos considerados na pesquisa, a saber, os anafóricos e os dêiticos, além das
subfunções metadiscursivas.
No que se refere ao âmbito da escrita, mais precisamente, considerou-se que a
interação entre escritor e leitor constitui um elo fundamental para a compreensão do
sentido que se atrela discursivamente a tais referentes. É neste aspecto que a abordagem
14
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retórica
1
, tanto quanto a sociocognitivo-interacionista
2
, do metadiscurso, serve ao
propósito desta pesquisa. Ao serem considerados tais aspectos, partiu-se da
classificação das expressões referenciais, proposta por Cavalcante (2003c) e da
classificação para o metadiscurso proposta por Hyland (1998). As duas classificações
serviram para que um esquema das expressões fosse montado, possibilitando, assim, sua
visualização. A pronta percepção das expressões permitiu a organização de uma
metodologia, baseada na Análise Crítica do Discurso, que favoreceu uma interpretação
3
textual/discursiva das expressões identificadas nos textos.
Identificadas as ERM no artigo de opinião e no artigo de pesquisa, procedeu-
se à observação da atribuição do tipo de expressão referencial seguido da identificação
da função metadiscursiva presente nela. A partir do reconhecimento destes itens e dos
caracteres eminentemente axiológicos que transportassem, interpretou-se a expressão,
considerando o contexto social em que foi produzida e qual influência isto ocasionou na
elaboração de sentido do texto em que foram observadas.
Nas considerações finais, apresentou-se as conclusões a que o trabalho
conduziu e apontaram-se alguns aspectos para darem continuidade à pesquisa.
Em linhas gerais, o metadiscurso, segundo a perspectiva retórica, pode ser
entendido como um nível secundário do discurso que se sobrepõe ao nível primário
acrescentando a este, geralmente sob forma de comentário, alguma informação extra ou
ainda reformulando o seu conteúdo. Hyland (2005) acrescenta a esta definição aspectos
relacionados ao modo como o escritor, através do metadiscurso, organiza seu texto para
mostrar ao leitor o posicionamento que mantém diante do que escreveu. Esta estratégia
convoca uma série de recursos que imprimem ao texto aspectos ideológicos, culturais e
1
A perspectiva retórica à qual Hyland submete a noção de metadiscurso concerne ao conjunto de
traços multidisciplinares que possibilitam a investigação do fenômeno. Retórica, neste contexto, diz respeito
ao conjunto de traços sócio-culturais que transparecem nos diferentes discursos.
2
A abordagem sociocognitivo-interacionista do metadiscurso é adotada por Koch (2005) e considera
aspectos da lingüística da enunciação para a apreciação do fenômeno, estabelecendo uma correlação entre o
termo metadiscurso e metalingüística.
3
Optou-se aqui pelo termo interpretação dado a reconhecida dificuldade em se excluir da observação
dos dados, os caracteres subjetivos. Em contraposição ao termo “análise” que parece exigir uma abordagem
mais factual, utilizou-se ainda o termo “interpretação” por se objetivar verificar perspectivas axiológicas, que
concernem sempre a um posicionamento, ou seja, dizem respeito a opiniões.
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sociais que se manifestam e são percebidos a partir da inserção do escritor em
determinada comunidade discursiva
4
.
No início de seus estudos sobre metadiscurso, Hyland (1999) elabora uma
classificação que o assenta em dois níveis de atuação: um nível textual e um nível
interpessoal. Estes níveis sinalizam, através de expressões e de suas respectivas funções,
o posicionamento, a organização e a interação do escritor com o leitor. Esta
classificação apresenta algumas formas e marcadores cujas funções coincidem, segundo
o que se verificou nesta pesquisa, com funções das expressões referenciais.
É no âmbito da lingüística textual, sobretudo nos estudos de Jubran (2005),
que primeiro se entrevê a possível relação entre referenciação e metadiscursividade. No
entanto, de se perceber as diferenças entre a noção de metadiscurso utilizada por
Hyland e a utilizada por Jubran: dentro de uma abordagem sociocognitiva-interacionista
em que os sentidos das palavras são construídos também discursivamente, o
metadiscurso concebido pela Lingüística Textual é abordado sob o aspecto da marcação
da instância da enunciação na materialidade textual. A aproximação entre metadiscurso
e referenciação se sob o aspecto das formas nas quais estas instaurações surgem nos
textos, identificando estruturações tópicas, instâncias co-produtoras do texto, papéis
discursivos desempenhados pelos interlocutores, dentre outras funções. Nesta mesma
perspectiva, Koch (2005) estabelece uma noção de metadiscurso como um recurso
“metalingüístico”, que remete a instâncias da enunciação, são os casos em que se
retomam proposições através de expressões como esta afirmação, esta consideração,
esta discussão.
O que, no entanto, parece constituir uma lacuna em trabalhos dessa ordem é a
falta de uma visão do metadiscurso que atente para características como o potencial
organizador de conteúdos multidisciplinares, tendo em vista o engajamento do
escritor/co-enunciador com a audiência. Nesta pesquisa, objetivou-se considerar tais
aspectos para propor uma interpretação de expressões referenciais metadiscursivas que
abrigue noções como posicionamento e engajamento (HYLAND, 2005), visando
alcançar significações de conteúdos axiológicos contidos nas retomadas.
4
Para Swales(1990), as comunidades discursivas podem ser determinadas por um conjunto de traços
dos quais se sobressaem, entre outros, os objetivos blicos comuns, a existência de mecanismos de
intercomunicação entre os membros e um léxico específico. Esta acepção de Swales é a admitida por Hyland
em seus trabalhos.
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As pesquisas sobre metadiscurso realizadas por Crismore (1989), Hyland
(1998) e outros têm se concentrado nos textos acadêmicos, buscando analisar,
sobretudo, o engajamento entre o autor e sua audiência, e as implicações dessa relação.
Para tanto, estes autores elaboraram taxonomias que objetivavam distribuir as funções
metadiscursivas segundo critérios formais. Hyland (1998), por exemplo, relaciona os
conectivos lógicos e os marcadores endofóricos, evidenciais e reformulativos ao
metadiscurso textual, e as formas modalizadoras e enfáticas e os marcadores de atitude,
de relação, e de pessoa, ao metadiscurso interpessoal. Este quadro, montado por Hyland,
atende ao propósito da investigação do metadiscurso enquanto dispositivo de
compreensão textual.
No que concerne ao âmbito da referenciação, pode-se perceber que as
diferentes formas de designar os referentes, ou objetos-de-discurso (cf. Mondada e
Dubois, 2003), contribuem, no texto, para a construção dos significados e da referência,
o que é sempre negociado mediante um processo intersubjetivo, decorrente de práticas
discursivas e cognitivas social e culturalmente situadas. Tais mecanismos funcionam
textualmente como estratégias de progressão, ou seja, fazem progredir os sentidos e a
referência, colaborando, assim, para a unidade de coerência. Por causa desta função,
salienta-se, aqui, o potencial metadiscursivo de expressões referenciais, na medida em
que estas veiculam conteúdos avaliativos facilmente verificáveis ao retomarem,
recategorizarem ou encapsularem informações proposicionais ou discursivas.
Ao se verificar esta propriedade das expressões referenciais, procurou-se
estabelecer uma forma de acessar estes conteúdos e a abordagem retórica de
metadiscurso apresentada por Hyland, ao sugerir elementos de classificação e de
interpretação considerados a partir da noção das comunidades discursivas e de como a
consciência dos padrões retóricos presentes nestas comunidades ajuda o escritor a
estabelecer uma relação com o leitor, possibilitaria uma construção de sentido do texto
mais próxima da pretendida. Para Hyland (1999), o metadiscurso, ao sinalizar para a
forma de organização de um texto, auxilia na compreensão da maneira como os autores
argumentam e como constroem essas relações com seus leitores e é justamente a
possibilidade de reconhecimento desta estratégia textual que favorece a tomada de um
posicionamento perante o conteúdo, seja ele de adesão ou de contraposição.
Os estudos realizados sobre metadiscurso na perspectiva retórica têm se
dedicado, em sua grande maioria, à análise de artigos acadêmicos ou científicos. Os
resultados destas pesquisas, bem como a metodologia desenvolvida em seu âmbito,
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17
serviu de motivo para considerar este gênero como um dos alvos de análise neste
trabalho. Outro aspecto considerado foi a percepção de que a argumentação/persuasão
contida nas expressões referenciais metadiscursivas empregadas por autores da
comunidade acadêmica da área de Lingüística mostram estes processos sob um prisma
ainda pouco estudado. A escolha do outro gênero discursivo, o artigo de opinião, como
ambiente de verificação de ocorrência do fenômeno, foi importante para que se pudesse
avaliar aspectos relacionados às posturas enunciativas em um nero cujo propósito é
justamente o de evidenciar o posicionamento do enunciador.
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1. REFERENCIAÇÃO
Koch (2006) ressalta que a referenciação é uma atividade discursiva em que a
linguagem e angua são concebidas de uma forma não-referencial. Isto significa
interpor a percepção do sujeito entre a realidade e as suas formas de representação
lingüísticas. São, portanto, as capacidades, perceptuais e motoras, que possibilitam aos
indivíduos apreender os objetos do mundo conforme uma noção preliminar das
categorias em que tais objetos ocorrem. Isto significa atribuir a este processo um caráter
eminentemente cognitivo, o que remete ao fato de que o significado que se constrói de
um objeto do mundo se faz mediante uma série de processos experienciais.
A passagem da língua ao discurso, ou seja, a transformação dos referentes em
objetos-de-discurso, exige daquele que enuncia o uso de conhecimentos socialmente
compartilhados e situados em contingências históricas, daí, na teoria da referenciação,
os referentes, no discurso, apresentarem um caráter de instabilidade semântica.
Assim apresentada a referenciação, assumimos com Koch o fato de que:
(...) a língua não existe fora dos sujeitos sociais e fora
dos eventos discursivos nos quais eles intervêm e nos quais
mobilizam suas percepções, seus saberes quer de ordem
lingüística, quer de ordem socio-cognitiva, ou seja, seus
modelos de mundo. Estes, todavia, não são estáticos,
(re)constroem-se tanto sincrônica como diacronicamente,
dentro das diversas cenas enunciativas, de modo que, no
momento em que se passa da língua ao discurso, torna-se
necessário invocar conhecimentos socialmente compartilhados
e discursivamente (re)construídos - , situar-se dentro das
contingências históricas, para que se possa proceder aos
encadeamentos discursivos. (KOCH, 2006, p. 56-57).
1.1. Referência e referenciação
O ato de referenciar visa, segundo Charolles (2002), a estabelecer um acordo
entre dois modos de pensar acerca de alguma coisa. Este ato é intencional, na medida
em que o locutor utiliza a expressão que manifesta sua vontade de aludir a uma entidade
determinada. Para isso, ele projeta sua atitude na linguagem para inserir no discurso
19
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uma entidade exterior a ela e ao pensamento. É ainda comunicacional ou interacional,
pois ele (locutor) pretende persuadir seu auditório a formar um acordo sobre esta
entidade, ou sobre a designação que ele propõe para ela.
Esta noção de referente assemelha-se, pois, à defendida por Mondada e Dubois
(2003, p. 20) de que os sujeitos constroem, através de práticas discursivas e cognitivas,
social e culturalmente situadas, versões públicas do mundo. Esta visão engendra as
categorias do discurso como entidades variáveis, instáveis, que se transformam a partir
do contexto.
Mondada e Dubois (2003) defendem ainda que as categorias e os objetos-de-
discurso são marcados por uma instabilidade constitutiva “observável através de
operações cognitivas” ancoradas nas práticas, nas atividades verbais e não verbais, nas
negociações dentro da interação (MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 20). Como assinala
Koch (1998), referir, aqui, não é mais sinônimo de "etiquetar" um mundo existente, mas
trata-se de uma atividade discursiva em que os referentes se transformam em objetos-
de-discurso. Nesse processo, de se ressaltar que a linguagem, ou os referentes nela
envolvidos, resulta da interação entre indivíduos.
A partir deste paradigma cognitivista, assumido nos estudos sobre
referenciação, o conceito de referência é reformulado, e o foco dos estudos sobre a
construção do sentido dos referentes é deslocado de uma perspectiva extensionista para
uma perspectiva discursiva. Os referentes são, agora, objetos-de-discurso, cujo sentido
se apreende através de sua aproximação de outras entidades.
Nessa perspectiva, as retomadas anafóricas e dêiticas, enquanto processos
analisados a partir da concepção de referenciação, tal como a explicitam Apothéloz e
Reichler-Beguelin (1995); Mondada e Dubois (2003); Marcuschi e Koch (1998),
constituem objetos-de-discurso, e os significados a elas anexados são elaborados pelos
sujeitos em um processo dinâmico e intersubjetivo que ancora em práticas discursivas e
cognitivas situadas social e culturalmente.
Em consonância com esse posicionamento, Cavalcante (2004b) atribui o
significado de uma palavra ao processo pelo qual se a incorporação do sentido no
item lexical. Os referentes, nessa abordagem, assim como os significados, devem ser
considerados a partir das práticas sócio-comunicativas, não sendo confundidos,
entretanto, com os objetos próprios que representam.
Essa nova perspectiva discursiva de construção de sentido para o referente
implicou em uma certa dificuldade na identificação da natureza dos fenômenos
20
20
referenciais na mediada em que, antes desta proposta, o que era considerado a partir de
remissões cotextuais, agora é observado a partir de fatores que envolvem fenômenos de
natureza sócio-cognitiva, ou seja, extralingüísticas, na elaboração das retomadas.
Considerando, ainda, que a referenciação é uma atividade discursiva, mostrar-
se-á, a seguir, traços deste fenômeno a partir da citada visão sócio-cognitivista da
linguagem em que a negociação entre co-enunciador, autor/falante e leitor/ouvinte é o
fator primordial para a construção de sentido de um texto. A interlocução e a interação,
nessa perspectiva, são fatores que possibilitam aos sujeitos fixar e atribuir significados
às palavras. É assim que, nos estudos sobre referenciação, o discurso é o âmbito a partir
do qual os antecedentes discursivos devem ser considerados e não o que representam no
mundo ou na realidade extralingüística.
Por considerar os aspectos enunciativos muito valiosos para este estudo, pois
este se preocupa em estabelecer uma análise dos traços relacionados aos
posicionamentos assumidos pelo enunciador nos textos estudados, optou-se por uma
classificação dos processos referenciais que observasse os objetos-de-discurso também
enquanto resultado de uma relação entre enunciador e co-enunciador. Para tanto, a
enunciação apresenta-se como ambiente em que os produtos desta relação servem de via
de acesso aos significados que se sobrepõem no texto. Esta é uma das justificativas que
sustentam a opção pela proposta classificatória dos processos referenciais de Cavalcante
(2004b e 2004c), na medida em que esta, seguindo Apothéloz e Doehler (2003),
subordina a sua classificação aos mecanismos de atenção e de interação como
promotores da referência.
1.2 Definindo expressões referenciais.
Outra definição de expressões referenciais que serve bem ao propósito desta
pesquisa, que é o de descrever e analisar expressões referenciais metadiscursivas, é a de
que as nomeações constituem formas de designação de referentes, as quais se
diferenciam pelo modo como indicam ao “co-enunciador” a maneira como o enunciador
pretende que o referente seja interpretado (CAVALCANTE, 2006). Ao indicar essa
possibilidade de interpretação, o enunciador/escritor se volta para porções anteriores do
discurso estabelecendo um caráter metadiscursivo para esta designação. Esta definição
possibilita que se visualize mais facilmente a aproximação destes fenômenos.
21
21
Outro fator importante na abordagem de Cavalcante (2004b) dos processos
referenciais, que a distingue das demais e a torna satisfatória e adequada para a nossa
pesquisa, é o fato de a autora admitir, assim como outros autores (ver Lyons, 1977),
uma ligação estreita entre a dêixis e a anáfora (CAVALCANTE, 2005). A dêixis, nesta
perspectiva, chega a ser descrita pela autora como processo localizado em um contínuo
entre introdução referencial e anáfora:
Entendemos que, para um processo referencial ser
considerado dêitico, ele precisa fazer apelo ao ponto de origem
em que se situa o falante, ou o co-enunciador. Assim sendo, se
elegermos como critério primário a retomada de referentes no
discurso, poderemos aceitar que a dêixis pode cruzar o caminho
da anáfora e da introdução referencial, não as excluindo, mas
inserindo nessa interseção uma soma de subjetividades.
(CAVALCANTE, 2005, p. 126).
Ao se estabelecer esta proximidade, entende-seque não somente a dêixis
sinaliza a localização do enunciador, mas também as anáforas quando apresentam traços
dêiticos. Esta característica possui ainda, ao nosso ver, um traço metadiscursivo, na
medida em que estabelece uma estratégia enunciativa em que organiza a mensagem e
esta organização, por si, já pode constituir um posicionamento e pressupor uma
interação entre autor/enunciador e leitor/co-enunciador. Observe-se que, neste exemplo
da autora:
(1) Epigrama nº 8
Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
Fiquei sem poder chorar, quando caí.
(Cecília Meireles in Cavalcante, 2005).
Tudo isso é uma anáfora com dêitico que encapsula as proposições “sabendo
bem que eras somente onda; sabendo bem que eras nuvem”. Esta retomada funciona
como uma forma de organizar o discurso de modo a apresentá-lo ao co-enunciador sob
determinado posicionamento.
De fato, a classificação proposta em Cavalcante (2004c) para os processos
referenciais admite uma interinfluência entre os fenômenos daixis e da anáfora,
reconhecível, sobretudo, mediante a configuração de um dêitico textual. Nesse sentido,
haverá dêitico textual, postula Cavalcante (2004c), sempre que um anafórico tenha
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22
marcação dêitica e desempenhe o procedimento dêitico de dirigir a atenção do
destinatário, ou para o referente introduzido, ao qual pode se ligar por
correferencialidade, ou para os encapsulamentos de uma porção cotextual. Observem-
se os seguintes exemplos retirados de Cavalcante (2004c, p.7):
(2) “O americano Ray Charles pertenceu a uma categoria rara de
artistas: a dos legítimos inventores. (...) Esse artista único morreu na quinta-
feira passada, 10 de junho, por causa de problemas no fígado.”
(3) “O tratamento do diabetes passa por uma grande transformação.
Da alçada da endocrinologia, a doença será de agora em diante considerada
também uma especialidade da cardiologia. Essa ampliação é decorrente da
estreita relação entre o diabetes e os distúrbios cardiovasculares”.
(reportagem-Veja,16/06/2004).
No exemplo (1), a expressão em destaque, além de dirigir a atenção do
destinatário tanto para um referente introduzido no cotexto (Ray Charles), também o
retoma através de uma recategorização; no exemplo (2), o termo essa ampliação
encapsula toda a porção textual anterior a ele, redefinindo-a. A diferença deste
encapsulamento para o tipo designado como somente anáfora encapsuladora é que,
neste caso, há também o demonstrativo dêitico.
Cavalcante (2004b) parte do princípio de que nem toda expressão referencial
é anafórica ou dêitica. A autora divide, em um primeiro momento, os processos
referenciais em dois grandes blocos: (1) os que introduzem novos referentes no
“universo do discurso” e os que realizam a continuidade referencial de objetos presentes
no universo discursivo (CAVALCANTE, 2004b, p.2). A partir desta divisão, a autora
apresenta uma classificação para os dêiticos e para as anáforas que se descreve a seguir.
1.3 Classificando as expressões referenciais.
A primeira classe de processos apresentada é a de introduções referenciais
puras, ditas sem continuidade. Para Cavalcante (2004b), a introdução de referentes
instaura-se quando um objeto surge no discurso sem que os elementos prévios a ele
tenham sido convocados. Observe-se o exemplo da autora:
(4) “Se um homem bate na mesa e grita, está impondo controle. Se
uma mulher faz o mesmo, está perdendo o controle”. (Piadas da Internet)
(CAVALCANTE, 2004b, p. 3).
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Os termos “homem” e “na mesa” não se caracterizam como anafóricos nem
dêiticos, pois não preenchem as condições mínimas para possuírem este estatuto, por
não darem continuidade a uma referência construída antes, nem situarem a
enunciação a partir de um posicionamento espacial ou de uma noção de tempo do
enunciador.
1.3.1 A referenciação dêitica
O termo dêixis designa, no âmbito da lingüística ocidental moderna, o
fenômeno que assinala os elementos lingüísticos concorrentes para situar o enunciado a
partir do ponto zero (origo) do enunciador; engloba os signos temporais, espaciais e
pessoais na classe dos dêiticos e funciona como um sistema de coordenadas que situa o
enunciador e os sujeitos da enunciação. Esta noção vem sendo desdobrada de forma a
caracterizar o fenômeno sob perspectivas diferentes.
Bühler ([1934] 2003) introduz na literatura as primeiras concepções de dêixis,
admitindo um campo dêitico da linguagem cujo ponto zero a origo é fixado pela
pessoa que fala, situando, assim, a instância da enunciação quanto às categorias de
espaço, tempo e pessoa. Estas categorias conhecidas como o eu-aqui-agora fornecem a
orientação espacial que se realiza a partir de percepções visuais e auditivas que
constituem o campo simbólico em que se dá a nomeação das palavras.
Nessa percepção, os espaços vazios são preenchidos segundo as condições de
elocução, variando a referência. As coordenadas como eu, você, aqui, hoje, isto
assumem valor de significado segundo a perspectiva do falante. A essa característica,
Bühler ([1934] 2003) chama “frouxidão com indeterminação lógica”. Lahud (1979)
ressalta que, embora apresentem tal característica, os dêiticos possuem relações com
seus referentes, que apresentam um significado gramatical estável, por serem
socialmente convencionados, mas uma referência variável.
Benveniste (1988) ressalta a centralidade do sujeito da enunciação no sistema
de coordenadas que o localiza no discurso. Isto conferiria à dêixis uma característica
subjetiva. Lyons (1982) já afirmava que, nessa perspectiva de centralidade do sujeito, na
realidade, subjetividade e intersubjetividade aparecem como noções com implicações
conceptuais igualitárias ou equivalentes, pois, o falante, o discurso e o contexto de
produção são privilegiados igualmente, o falante não é tido como centro da enunciação.
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Abaixo, pode-se apreciar duas características resumitivas dos dêiticos
arroladas por Ciulla (2002), com base na observação desses teóricos:
apresentam uma condição de subjetividade manifestada através do
estabelecimento de um vínculo entre os participantes do discurso e a situação
enunciativa;
são indicadores de ostensão, que limitam o objeto referido no espaço e no
tempo de acordo com o posicionamento do sujeito enunciador no momento do ato
enunciativo. (CIULLA, 2002, p.29).
A partir desta consideração, de que os dêiticos possibilitam a localização da
instância enunciativa no discurso, construída também sob perspectivas intersubjetivas
que estabelecem relações entre os sujeitos participantes do ato comunicativo a partir
de usos que fazem da língua e da manifestação dos aspectos culturais –, considerou-se
que o fenômeno da dêixis admite uma característica metadiscursiva conforme a noção
que se pretende aqui construir, reconhecendo aproximações entre a noção retórica
encontrada em Hyland (1998a) e a sociocognitivo-interacionista da linguagem presente
em Koch (2005) e na qual se insere a referenciação.
Para tanto, é necessário que se observem as diferentes formas de como o
fenômeno da dêixis evidencia o traço de ostensão e de como remete ao sujeito do
discurso, o que pode ser verificado através da descrição dos tipos de manifestação.
Um ângulo de observação do fenômeno da dêixis que aproxima os estudos de
referenciação dos processos metadiscursivos observados, segundo o propósito desta
pesquisa, é o que o considera a importância da linguagem para a constituição do sujeito,
e a importância dos sujeitos para a construção de suas práticas discursivas. Aqui, a
noção de pessoa é transferida para o estatuto da noção de dêixis. Segundo essa
perspectiva, postulada por Benveniste (1988), o enunciador se instaura no discurso
como um eu que pressupõe um tu, estabelecendo o princípio da comunicação
intersubjetiva. A perspectiva adotada por Koch (2005) observa nesse mecanismo um
caráter metadiscursivo das expressões referenciais por instaurar no texto uma marca de
enunciação que permite ao leitor localizar ou identificar o produtor e resgatar algum
tipo de informação anterior na memória discursiva.
Fillmore ([1971] 1997) classifica os termos dêiticos subdividindo-os em
pessoais, temporais, espaciais e discursivos (textuais). Cavalcante (2004c), com base em
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outros estudiosos, como Apothéloz (1995), acrescenta a estes os dêiticos memoriais. Os
quatro primeiros tipos introduzem referentes no discurso, enquanto os dêiticos de
memória instauram entidades discursivas no texto que auxiliam o co-enunciador na
construção do referente.
As descrições seguintes, da referenciação dêitica, são baseadas na proposta
classificatória de Cavalcante (2004b).
De acordo com essa proposta, os dêiticos pessoais têm a característica de
apontar para os próprios interlocutores da situação comunicativa; são representados
principalmente pelos pronomes eu, tu e você. Observe-se que, no exemplo,
(5) “Você estava presente quando esta foto foi tirada?
(CAVALCANTE, 2004b, p.4)
o pronome você, no exemplo (5) determina o interlocutor (você) e a
localização do objeto esta caneta em relação ao enunciador eu.
Os dêiticos temporais pressupõem o tempo do ato comunicativo ou o tempo de
envio da mensagem; manifestam-se segundo a orientação do falante através de palavras
ou expressões que denotam a passagem do tempo.
(6) “Apresentada na última sexta-feira pela polícia como uma das
autoras do assassinato de seus pais, ocorrido no mês passado, em São Paulo,
Suzane Richthofen, de 19 anos, tem muito a ensinar sobre a atual geração de
jovens de classe média” (artigo de opinião-Folha de São
Paulo)(CAVALCANTE, 2004b, p. 4).
No exemplo (6), a interpretação dos referentes sublinhados é possível através
da recuperação da data de ocorrência dos fatos e da publicação do texto.
Os dêiticos espaciais identificam o lugar em que está o enunciador,
estabelecendo um indício de localização do objeto segundo a perspectiva das pessoas
envolvidas no ato enunciativo. Podem, no entanto, ocorrer independente dessa
condição:
(7) “De caipira de chapéu de palha e roupinha bem puída, um
caboclo velho mija placidamente na estrada de terra que acesso àquela
baita fazendona. Depois, enquanto chacoalha o bilau enrugado, comenta,
bem calmo: - Ah!... Nada como mijar naquilo
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que é da gente...Um camarada que ia passando escuta o comentário e
estranha:
- Ué ! Mas essa fazenda é do senhor?
- Não! A botina!...
(Piadas da Internet) (CAVALCANTE, 2004b, p.4).
De acordo com a análise de Cavalcante (2004b), “essa fazenda” e “a botina”
apontam para o espaço real dos personagens, e a referência a estes objetos permite ao
interlocutor inferir que tais objetos se encontram próximos aos enunciadores.
A noção da dêixis de memória se esboçava em Bühler ([1934] 2003), mas
um dos primeiros a adotá-la na literatura foi Apothéloz (1995), como termo que mostra
no discurso informações familiares ao leitor; que sinaliza o acesso do referente à
memória comum aos interlocutores, possibilitando ao destinatário resgatar a informação
necessária ao sentido do texto.
(8) “Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou
com aquele papo de ‘experimenta, depois, quando você quiser, é só parar...’ e
eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de ‘raiz’,
‘da terra’, que não fazia mal, e me deu um inofensivo disco do ‘Chitãozinho e
Xororó’ e em seguida um do ‘Leandro e Leonardo’.” (crônica Drogas do
submundo – autor desconhecido) (CAVALCANTE, 2004b, p.5).
A expressão aquele papo de experimenta... é assumida como estereótipo do
convite ao mundo das drogas e, como tal, deve ser conhecida pelo destinatário.
Observadas as características de todos esses processos dêiticos, reitera-se a
idéia de que a análise das expressões referenciais requer a concepção de linguagem
como situada em um contexto. No que se refere à classificação aqui adotada, aventou-se
a hipótese de que a consideração de elementos como os aspectos cognitivos, sócio-
culturais, pragmáticos e avaliativos na descrição desses processos relacionados a um
conteúdo proposicional anterior, manifestado sob formas de captura de elementos
difusos ou identificados no co(n)texto, pode levar a caracterizá-los como
metadiscursivos.
1.3.2 A referenciação anafórica
O termo anáfora designa, segundo Marcuschi (2005), expressões que se
reportam textualmente a outras expressões, enunciados, conteúdos ou contextos
textuais. Este fenômeno, como o têm assinalado Marcuschi (2005) e Cavalcante (2005),
ultrapassa os limites da frase, o que o caracteriza como um aspecto somente referencial,
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27
uma vez que, como dizem Koch e Marcuschi (1998), uma pluralidade de estratégias
de designação anafórica.
No que se refere às continuidades referenciais, ou seja, às anáforas, Cavalcante
propõe que estas estão subordinadas à existência de algum gatilho expresso no cotexto.
No entanto, como adverte a autora, pode ser que a ligação se estabeleça apenas entre
uma âncora e outro elemento contextual introduzido pela primeira vez no texto, como
nas anáforas indiretas e encapsuladoras (CAVALCANTE, 2004b, p.4). Esta idéia é
retomada em Cavalcante (2004c), em que a autora observa que os recursos referenciais
que possuem qualquer âncora no cotexto também aparecem sob a designação de
anáfora:
(...) “Não interessa se tal âncora é um antecedente correferencial,
ou se é um outro referente distinto, ou se não constitui nem
mesmo um referente, mas sim um conteúdo proposicional, como
nos encapsulamentos. Também não importa que, além de exercer
esse papel endofórico, certos recursos referenciais sejam
simultaneamente dêiticos, cumprindo, assim, uma estratégia
referencial híbrida: seriam, neste último caso, simplesmente
anafóricos com dêiticos”. (CAVALCANTE, 2004c, p.6)
O critério para a classificação empregado por Cavalcante (2004b) organiza-se
a partir do respeito aos seguintes aspectos: função referencial, parâmetros dos traços de
significação e de denotação e, por último, os traços formais. A função referencial
possibilita a distinção entre os fenômenos de co-significação e os fenômenos de
recategorização lexical; os parâmetros dos traços de significação e de denotação
relacionam a descrição referencial aos elos coesivos, às formas remissivas gramaticais
livres e às formas remissivas lexicais.
A partir destes princípios e da observação da hierarquia entre função
referencial, traços de significado e características formais, a classificação feita por
Cavalcante (2004b) para as anáforas aparece ilustrada da seguinte forma:
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28
De acordo com os critérios supracitados, a definição para os tipos de anáfora
fica assim organizada, como se explicita nos itens seguintes.
Anáfora com retomada
Estas anáforas são caracterizadas pelo fato de repetirem o antecedente, por isso
constituem o caso mais prototípico de anáfora. Subdividem-se em:
Anáfora correferencial (total ou parcial).
Estes são casos anafóricos restritos às repetições do sintagma anterior. Estas
ocorrências se enunciam precedidas de um quantificador ou de um adjetivo. Observe-se
a exemplificação deste caso, conforme a exposição de Cavalcante (2004b):
a) por um sintagma nominal
(9) “Bifes com molho de tomate
Ingredientes
¼ de xícara de óleo
1kg de bifes de vaca ou de vitela, cortados finos (...)
Modo de fazer
29
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Numa frigideira de 25 ou 30cm de diâmetro, esquente o óleo em fogo
forte e frite poucos bifes de cada vez, por 2 ou 3 minutos de cada lado ou até o
ponto desejado.” (CAVALCANTE, 2004b, p. 12).
b) por indefinido ou por numeral
(10) * Estavam dois frangos voando. um disse: - Peraí, frango
não voa!
Um caiu no chão mas o outro continuou voando. Por quê?
R: Porque era um frango a passarinho.” (Piadas da Internet)
(CAVALCANTE, 2004b, p.12).
c) por adjetivo
(11) “Vereadores renunciam ao mandato
Após Lucílvio Girão (PL) renunciar ao mandato de vereador, na
última quinta-feira, para assumir seu assento na Assembléia Legislativa,
ontem foi a vez dos demais vereadores eleitos apresentarem suas cartas de
demissão à Câmara Municipal de Fortaleza. O último a enviar o documento
foi o Jaziel Pereira (PHS).” (notícia jornal Diário do Nordeste)
(CAVALCANTE, 2004b, p.12)
Ocorrem ainda quando duas expressões referenciais designam retro ou
prospectivamente o mesmo referente, uma parte dele, em caso de menção a mais de
uma entidade e de posterior retomada de apenas alguma(s) dela(s). As expressões
correferenciais podem ainda surgir no enunciado como recategorizadoras ou não-
recategorizadoras. Sua elaboração pode se dar por meio de:
Anáfora correferencial não-recategorizadora
A autora considerava, até um dado momento das pesquisas, que haveria co-
significação quando se empregavam repetições ou palavras sinônimas e que haveria
recategorização lexical quando a expressão referencial fosse renomeada segundo o
propósito comunicativo do enunciador. Salienta-se, porém, que os trabalhos mais
recentes da autora não fazem mais oposição entre a noção meramente semântico-lexical
de co-significação e recategorização. Hoje, as anáforas têm sido descritas como
recategorizadoras ou não. Em geral, mas não sempre, quando não recategorizam, as
anáforas ocorrem pela reiteração de termos. Observe-se que no exemplo abaixo o termo
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“a pessoa amada” reitera uma idéia (e o referente) que vinha sendo construída
anteriormente.
(12) “Carl Jung, um dos precursores da psicanálise, defendia a
idéia de que o casamento (ou qualquer relacionamento íntimo e constante) é
o tipo de relação na qual mais rapidamente podemos enxergar nossos
próprios defeitos. Ou seja, a convivência com a pessoa amada é uma relação
tão íntima, tão profunda e tão reveladora que, aos poucos, esta pessoa passa
a "apontar" - consciente ou inconscientemente - nossos piores defeitos,
nossas maiores limitações. E, convenhamos: isso é realmente irritante! (...)
Será que, na verdade, o que nos irrita não é o fato de descobrirmos em s
mesmos esta falta de compreensão, de humor, de disposição, paciência e
colaboração? Será que as cobranças da pessoa amada não recaem
exatamente sobre nossas limitações, nos mostrando o quanto precisamos
melhorar em algum ponto que tentamos ignorar a vida inteira?” (gênero de
“auto-ajuda” divulgado pela Internet).(CAVALCANTE, 2004b)
Anáfora correferencial recategorizadora
Este tipo de anáfora realiza-se como expressões instituídas a partir de um
aspecto particular de um todo pré-estabelecido no discurso. Observe-se no exemplo da
autora:
(13) “ Paul McCartney.
O ex-beatle foi o artista que mais arrecadou dinheiro em shows em
2002. Seus espetáculos renderam 103 milhões de dólares” (Notas Veja,
15/01/2003) (CAVALCANTE, 2004b, p. 9).
Esta retomada se a partir de atributos relacionados ao termo. No caso, ex-
beatle destaca um ponto de vista sob o qual o enunciador recategoriza o referente.
A anáfora correferencial recategorizadora pode ocorrer, em termos formais, de
duas maneiras, embora não necessariamente só desses dois modos:
a) por hiperônimo:
(14) “Não deixe acumular água em pratos de vasos de plantas e
xaxins. Na hora de lavar o recipiente, passe um pano grosso ou bucha nas
bordas para remover os ovos do mosquito que podem estar nas paredes ou
no fundo do recipiente. Substitua a água dos vasos de plantas por areia
grossa umedecida.” (campanha contra a dengue divulgada em panfleto)
(CAVALCANTE, 2004b, p. 9).
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Neste caso, o recipiente é uma expressão que assume uma etiquetagem sob a
qual vasos de plantas e xaxins estão abrigados.
b) por expressão definida:
(15) “SOBE
CARLOS ALBERTO PARREIRA
* O treinador tetracampeão do mundo voltou ao comando da
seleção brasileira”. (Notas - Veja, 15/01/03).(CAVALCANTE, 2004b, p. 9).
Neste caso, a expressão definida em destaque recategoriza aspectualizando
um traço do antecedente.
c) por nome genérico
(16) “Dividimo-la em dois grupos de definições: num deles
listamos as definições de cunho metafísico e psicológico; noutro, algumas
de caráter mais lingüístico, em que se consideram os seguintes fatores:
ênfase; escolha; características individuais (...).” (artigo científico
Revista de Letras, 1996). (CAVALCANTE, 2004b, p.10).
Aqui, fatores agrupa sob uma única designação os três elementos que se
seguem ao termo, indicando ao leitor a categoria sob a qual os termos devem ser
avaliados.
d) por pronome
(17) “Largo dos Leões Então o Largo dos Leões é isso?... Essa
porcaria!
- Mas você não queria tanto ver o Largo dos Leões? está o
Largo dos Leões.
- Não. Eu queria ver era o Laargo dos Le-õ-ões! Um que eu ouvi
falar muito.
- Pois é este!
(...)
- Não é, papai! O Largo dos Leões então é isso?!...” (João
Ternura, de Aníbal Machado). (CAVALCANTE, 2004b, p. 10).
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Neste exemplo, pode-se perceber que o pronome ‘isso’ recategoriza, de
alguma forma, a expressão O Largo dos Leões, agregando ao pronome uma carga
avaliativa. Sobre essa operação brida de retomada, Cavalcante faz a seguinte
observação, em que questiona a idéia de que os pronomes são itens gramaticais neutros:
Em primeiro lugar, não se trata de uma forma remissiva
lexical, e sim, de uma forma remissiva gramatical. Todavia, a
despeito de os pronomes não portarem conteúdo semântico
suficiente para promover uma recategorização explícita, o
demonstrativo neutro pode ser empregado com um valor
pejorativo(...)”(CAVALCANTE, 2004b, p. 10).
Como é uma das preocupações deste trabalho analisar como essas tomadas de
posicionamento se configuram no ato enunciativo, a afirmação acima, feita por
Cavalcante (2003, p.4), constitui uma das justificativas para a escolha desta
classificação. Ao admitir que uma das funções de retomadas como esta é marcar, de
alguma forma, a localização da instância enunciativa, esta proposta também se coaduna
com uma das hipóteses primeiras desta pesquisa, que é a de que expressões de valor
axiológico exercem função metadiscursiva.
Anáfora indireta
A anáfora indireta é definida por Cavalcante como as anáforas que se
materializam lingüisticamente por meio de expressões nominais definidas ou por
pronomes interpretados referencialmente. Nesse caso, a retomada não se vincula
necessariamente a um antecedente ou a um termo subseqüente explícito no texto.
Segundo Marcuschi (2005), esta é uma estratégia endofórica de ativação de referentes.
Através deste exemplo, o autor esclarece o conceito:
(18)Essa história começa com uma família que vai a uma ilha
passar suas férias./.../ Quando amanheceu eles foram ver como estava o
barco, para ir embora e perceberam que o barco não estava lá.
Não é difícil recuperar neste período uma introdução referencial para o barco.
Embora esta introdução não tenha se materializado lingüisticamente, ela ancora
cognitivamente, como ressalta Marcuschi (2005) na expressão nominal uma ilha. Sobre
isso, Marcuschi diz ainda:
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A AI (anáfora indireta) é um caso de referência
textual, isto é, de construção, indução ou ativação de referentes
no processo textual-discursivo que envolve atenção cognitiva
conjunta dos interlocutores e processamento
local.(MARCUSCHI, 2005, p. 54).
Para Koch (2006), a expressão anafórica também pode ter seu sentido
recuperado a partir da ativação de uma memória discursiva:
a interpretação de uma expressão anafórica, nominal
ou pronominal, consiste não em localizar um segmento
lingüístico (“antecedente”) ou um objeto específico no mundo,
mas em estabelecer uma relação com algum tipo de informação
presente na memória discursiva. (KOCH, 2006, p.59).
A despeito da dificuldade em se definir e compreender a anáfora indireta, este
é um recurso referencial de extrema importância para a construção de sentido de um
texto, como o ressalta Fernandes (2005). A autora atenta ainda para a complexa questão
da indefinição na nomenclatura, ressaltando que autores como Apothéloz (1995),
Apothéloz e Reichler- Béguelin (1995), Koch e Marcuschi (1998), assumem que os
referentes são identificados de forma indireta ou associativa. (FERNANDES, 2005,
p.109).
Para Cavalcante (2004b), a anáfora indireta abriga a noção de uma introdução
referencial desde que esta seja acessível ao co-enunciador e tenha seu sentido facilmente
recuperado no contexto.
As anáforas indiretas se subdividem, segundo a proposta de Cavalcante
(2004c) em:
Anáfora indireta com categorização de um novo referente.
Agrupam-se, sob esta designação, as anáforas, as retomadas que aparecem no
texto por meio de ligações inferenciais, muitas vezes meronímicas. Resulta deste
processo uma expressão anafórica cuja aparência se aproxima da anáfora direta por
apresentar características de uma entidade autônoma. Observe-se o exemplo:
(19) “Modo de preparar:
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Coloque o amendoim em uma assadeira e leve ao forno médio por
30 minutos. Mexa sempre até que o amendoim esteja torrado e a pele saindo
com facilidade.” (Faça a festa com pé-de-moleque receita)
(CAVALCANTE, 2004b, p.13).
No exemplo 19, o anafórico a pele é considerado no texto como
entidade autônoma e, por esta razão, é interpretado como um referente novo. São estas
anáforas que se constituem a partir da relação parte-todo.
Anáfora indireta com recategorização lexical implícita.
Diz-se de anáforas indiretas com recategorização lexical implícita, uma
retomada anafórica que opera uma recategorização cuja expressão no texto é verificada
por uma lexicalização de uma informação subentendida no texto. Estes casos são
observados mediante a reconstituição do percurso da anaforização que se realiza com a
retomada de um elemento pressuposto no cotexto, mas não realizado, muitas vezes sob
uma concordância ideológica. O termo, emprestado de Apothéloz e Reichler-Béguelin
(1995), designa as ocorrências conhecidas por silepse.
(20) A equipe médica continua analisando o ncer do Governador
Mário Covas. Segundo eles, o paciente não corre risco de vida. [MARCUSCHI,
1998]” (CAVALCANTE, 2004b, p. 15)
A recategorização lexical, no exemplo 20, ocorre da seguinte forma: “a
equipe médica” foi recategorizada como os médicos, só que esta operação não foi
registrada no discurso, permanecendo implícita, mas servindo de base para que a
próxima retomada, eles, empreendesse uma concordância com o termo não
materializado lingüisticamente.
Anáfora indireta com recategorização lexical
As anáforas indiretas deste caso são categorizadas meronimicamente por
lexicalizações que veiculam e acrescentam alguma informação ao referente operando,
assim, uma recategorização.
(21) “Qualquer que seja a chuva desses campos
devemos esperar pelos estios;
e ao chegar os serões e os fiéis enganos
amar os sonhos que restarem frios.
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Porém se não surgir o que sonhamos
e os ninhos imortais forem vazios,
há de haver pelo menos por ali
os pássaros que nós idealizamos.
Feliz de quem com cânticos se esconde
e julga tê-los em seus próprios bicos,
e ao bico alheio em cânticos responde.
E vendo em torno as mais terríveis cenas,
possa mirar-se as asas depenadas
e contentar-se com as secretas penas.
(poema - Jorge de Lima) (CAVALCANTE, 2004b)
No exemplo (21), pássaros que nós idealizamos é uma expressão que se
permite ser recategorizada por anáforas indiretas como seus próprios bicos, ao bico
alheio, cânticos, assim como favorece a introdução de asas e penas, por meio de um
processo meronímico. Os termos asas e penas são, no entanto, recategorizados como
asas depenadas e secretas penas, o que confere a tais expressões um significado poético
mais apurado.
Anáforas encapsuladoras
Nos estudos sobre referenciação, o encapsulamento é um processo em que
proposições do discurso, porções textuais são resumidas em uma expressão referencial.
Este fenômeno ocorre por meio de um sintagma nominal ou de um pronome.
Este processo de rotulação constitui uma estratégia que implica em uma forma
de persuasão, na medida em que, ao atrelar um valor axiológico à expressão resumidora,
o enunciador intenta indicar ao co-enunciador seu posicionamento.
(22) “Bestiário Tucanês. Ultíssimas semanas. Continua ainda o
meu dicionário tucano, o famoso Bestiário Tucanês! É que eu não posso
acabar com o tucanês sem antes divulgar a própria definição de tucanar:
‘'formular declarações fazendo com que o sentido das mesmas se torne
inócuo, utilizando recursos dialéticos que vão do barroco mineiro ao rococó
francês.” (crônica de José Simão jornal O Povo). (CAVALCANTE,
2004b, p.17)
No exemplo (22), as formas anafóricas encapsulam conteúdos inespecíficos ou
até mesmo não mencionados na porção textual anterior. Por esta razão se aproximam
das anáforas indiretas, mas, por recuperarem algum elemento do co(n)texto, também
possuem características de anáforas diretas.
36
36
Cavalcante (2004b) encerra a proposta classificatória incluindo entre as
anáforas encapsuladoras os dêiticos discursivos.
Anáfora encapsuladora com dêitico
A descrição da autora para os dêiticos discursivos explicita que eles são
elementos que apresentam simultaneamente três características:
(a) o encapsulamento, pelo qual o conteúdo resumido
ganha estatuto de referente e é categorizado ou como pró-forma
ou como rótulo; (b) o procedimento dêitico, pelo qual são
orientados os focos de atenção dos interlocutores, por causa da
presença de um dêitico; (c) a pressuposição do posicionamento
do falante ou do destinatário na situação real de comunicação,
também devido ao dêitico. (CAVALCANTE, 2004b, p. 18)
Apesar de admitir essa unificação, a autora reconhece haver um elemento
intrigante entre as anáforas encapsuladoras e os dêiticos discursivos representado pelo
acréscimo de um elemento dêitico. Por essa razão, os dêiticos discursivos são tidos na
proposta como um tipo híbrido, que se caracteriza por exercer funções dêiticas e
encapsular conteúdos proposicionais. Essa categoria pode se manifestar das seguintes
formas:
a) por demonstrativo
(23) “Mas nesse momento a recordação do homem não a
angustiava e, pelo contrário, trazia-lhe um sabor de liberdade doze anos
não sentido. Porque seu marido tinha uma propriedade singular: bastava sua
presença para que os menores movimentos de seu pensamento ficassem
tolhidos. A princípio, isso lhe trouxera certa tranqüilidade, pois costumava
cansar-se pensando em coisas inúteis, apesar de divertidas.” (conto A fuga,
de Clarice Lispector)(CAVALCANTE, 2004b, p.18).
b) por SN (anáfora-rótulo com dêitico)
(24) Veja Uma mulher que trabalha o dia inteiro, cuida de
filhos, tem de resolver problemas da casa nem sempre consegue arranjar
tempo para praticar esporte. O que fazer para resolver esse dilema
?
(entrevista - Veja, 15/01/03) (CAVALCANTE, 2004b, p. 19).
37
37
Em ambos os exemplos (23 e 24), pode-se identificar as funções anafórica
e dêitica nas expressões. No primeiro caso, o pronome ‘isso’ encapsula, resumindo toda
a porção textual anterior; no segundo, o sintagma nominal encapsula o conteúdo
disperso na proposição e o recategoriza, promovendo, através de uma inserção lexical,
um posicionamento avaliativo mais evidente do enunciador.
Cumpre notar que nos quadros das funções metadiscursivas elaborado por
Crismore (1989) e Hyland (1998, 2005) não aparecem os processos de referenciação.
Observando, contudo, o caráter metadiscursivo destes processos, apresenta-se uma
noção de metadiscurso que, embora possua traços da noção descrita em Hyland, esboça-
se a partir de critérios sócio-cognitivos e discursivos. Por esta razão, em nesta pesquisa,
admitem-se as expressões referenciais como expressões metadiscursivas. Desse modo,
contribui-se para os estudos sobre referenciação, na medida em que se estar a
demonstrar as razões pelas quais as expressões referenciais exercem funções
metadiscursivas. Por outro lado, contribui-se para as pesquisas sobre
metadiscursividade, na medida em que se comprova que muitos dos casos descritos na
literatura sobre o assunto envolvem processos referenciais.
O respeito a estes aspectos neste trabalho, se dá, dentre outras razões, pela
consideração de que, em lingüística, a variação das categorias pode estar subordinada
aos diferentes modos como uma cena é vista. Nesse caso, são o ponto de enfoque e a
perspectiva a partir dos quais se observa o fenômeno que determinam a mudança da
categoria. Assim, uma alteração ou no contexto ou no modo de apreensão do objeto
pode modificar a forma de expressão ou a compreensão que se interpõe entre o item e
seu significado. A observação desses aspectos se faz fundamental para a descrição que
pretendemos fazer do funcionamento dos processos referenciais como agentes
metadiscursivos.
38
38
2. CONCEPÇÃO DE METADISCURSO
A conceituação de metadiscurso proposta por Hyland (1998) sugere que
alguns elementos argumentativos são conscientemente empregados no texto para
conduzirem o leitor a uma compreensão de sentido aproximada daquela pretendida pelo
escritor. Existem, no entanto, abordagens que se configuram necessárias de averiguação
no que diz respeito à consideração de conceitos pertinentes ao metadiscurso pois, como
assevera Crismore (1989), uma infinidade de empregos para este termo.
Considerando isto e o fato de as expressões referenciais possuírem traços
metadiscursivos, apresentar-se-á aqui alguns processos de nomeação que, segundo a
natureza de suas funções, exercem sobre o material discursivo intervenções de ordem
metadiscursiva.
O termo metadiscurso figura nos estudos lingüísticos principalmente sob duas
acepções. A primeira o define como recurso que se volta sobre o próprio ato
enunciativo. Nesta perspectiva, os aparatos lógico e formal da língua são os dispositivos
usados para compor as estratégias metadiscursivas de assinalar os comentários sobre o
texto. Esta abordagem aproxima a noção de metadiscurso da noção de metalinguagem
ou de metalingüística. A segunda acepção aproxima metadiscurso e discurso; por esta
ótica, o metadiscurso se configura como o comentário intrínseco ao próprio desenrolar
do discurso. Maingueneau (1987) articula desta forma esta distinção: a definição de
metadiscurso oscila constantemente entre uma definição estreita, próxima àquela da
metalinguagem dos lógicos, e uma definição ampla que tende a dissolver o
metadiscurso no discurso” (MAINGUENEAU, 1989, p. 93).
A despeito desta visão dicotômica e aparentemente incompatível que se tem de
metadiscurso, procurou-se delinear nesta pesquisa uma definição que considerasse os
aspectos lógicos e os aspectos retórico-discursivos como propriedades não-conflitantes
para a descrição deste fenômeno. A razão para isto é a percepção de que a perspectiva
de Hyland (2005) sobre o fenômeno detém-se em aspectos de classificação formal como
se o metadiscurso se manifestasse de forma homogênea. Sugere-se que, considerando
pressupostos da Análise do Discurso e da Análise Crítica do Discurso, por exemplo,
possam ser considerados outros aspectos que permitam uma apreciação do caráter
enunciativo do metadiscurso.
39
39
2.1 O metadiscurso na Análise do Discurso.
Visto como uma forma de marcar a heterogeneidade discursiva, o
metadiscurso assume, na AD francesa, o papel de ajustar no enunciado os termos de um
código de referência (MAINGUENEAU, 1989, p.93). A heterogeneidade da linguagem
pode ser entendida a partir do conceito de polifonia de Bakhtin (1997), no entanto vai
além disso.
A heterogeneidade mostrada, conceito proposto Authier-Revuz (1990), é
apresentada também por Maingueneau (1989) como formas de demonstração de
diversidades de fontes de enunciação. É percebida no discurso através de manifestações
explícitas, “recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação” (1989,
p.75) que resultam de uma polifonia. Segundo Maingueneau, o metadiscurso constitui
algo diferente dos outros níveis do discurso: é uma interferência do enunciador, que
demonstra que o discurso se constitui em níveis distintos. Mais do que isso, na
perspectiva discursiva, o metadiscurso pode ser observado como mecanismo de
alinhamento destes níveis, ou seja, através dele o enunciador apresenta ao co-
enunciador uma estabilidade discursiva só aparente.
Maingueneau (1989, p.93) ressalta ainda que o metadiscurso do locutor
permite descobrir os “pontos sensíveis” [grifo do autor] no modo como uma formação
discursiva define sua identidade em relação à língua e ao interdiscurso
5
.
O interessante neste trabalho é, pois, descrever e avaliar o metadiscurso não
apenas como uma estratégia de organização textual com finalidade didática, como em
algumas pesquisas na área de Lingüística Aplicada, mas principalmente como fenômeno
enunciativo. Neste sentido, empreende-se uma tentativa de reunir as concepções da
perspectiva retórica, adotada por Hyland, com os pressupostos básicos da Análise do
Discurso e da Análise Crítica do Discurso no que isto for possível.
2.2 O metadiscurso na perspectiva retórica.
5
O nível interdiscursivo é entendido por Maingueneau (1989) como a relação de um discurso
com outros discursos, podendo divergir deles ou simplesmente apresentar enunciados semanticamente
vazios em relação àqueles que autorizam sua formação discursiva. Assim, entende-se que, na formação do
enunciado, o saber de uma formação discursiva se manifesta de modo que estes estão situados em uma
memória discursiva que guarda e transmite informações culturais. Também chamado de intertextualidade
interna por Maingueneau, o nível interdiscursivo, através desta memória, permite que formulações
enunciativas anteriores circulem e que sejam assimiladas, transformadas ou rejeitadas.
40
40
A primeira abordagem a ser descrita aqui é formada a partir de uma junção dos
critérios funcionais, discursivos e interativos. Segundo esta perspectiva, o metadiscurso
é o material lingüístico que envolve texto, autor e leitor (Hyland e Tse, 2004). As
instâncias observadas por Hyland (2005) para situar essa relação podem ser resumidas a
partir da perspectiva textual e da interpessoal. A admissão destas duas categorias
permitirá, como mencionado acima, relacionar o teor lógico e o teor discursivo para a
abordagem pretendida neste trabalho. Estas dimensões, que são definidas mais adiante,
permitem que o metadiscurso seja percebido como uma estratégia cujo objetivo
primeiro é promover a interação entre escritor e leitor.
6
Neste sentido, a teoria do metadiscurso proposta por Hyland engendra a escrita
como comprometimento social, pois é através dele que o escritor se projeta em seu texto
e estabelece com o seu leitor, ao sinalizar seus posicionamentos, uma relação de
conquista e de orientação.
Pode-se ainda, nessa mesma direção, entender o metadiscurso como um
conjunto de traços, interpessoais e coesivos, no dizer de Hyland e Tse (2004), que
ajudam a vincular um texto ao seu contexto perante uma audiência.
Esta perspectiva, adotada por Hyland (1998), define-se a partir de concepções
empregadas por autores como Vande Kopple (1985) e Crismore (1989) para a noção de
metadiscurso. Constitui ponto comum para estes autores a concepção de que o
metadiscurso é o discurso sobre o discurso e que esta definição, na realidade, consiste
em um ponto de partida para uma noção mais ampla em que disciplinas diferentes
contribuem para uma reformulação constante do conceito. Todas estas perspectivas
parecem se entrelaçar para que o termo metadiscurso assuma uma característica
primordialmente retórica, enquanto método de organização do discurso para a finalidade
da persuasão. Neste trabalho, concebe-se, a partir da leitura destes autores, a visão de
metadiscurso que considera abordagens sócio-pragmáticas, relacionadas, sobretudo, a
traços retóricos definidos pelas comunidades discursivas em que os gêneros textuais
analisados se inserem e relacionadas ao modo como esses traços aparecem nas escolhas
lexicais dos autores.
Hyland (1998) reconhece que é heterogênea a categoria de metadiscurso e que
ela pode ser identificada através de alguns dispositivos lingüísticos de pontuação e de
6
Os termos escritor e leitor estão sendo utilizados neste momento do texto por respeito à
nomenclatura empregada por Hyland (2005), mas correspondem, aqui, ao que temos denominado de
enunciador e co-enunciador.
41
41
marcas tipográficas como parêntesis e aspas, por exemplo. Para ele, esta estratégia é um
construto pragmático central que permite a percepção de como os escritores tentam
influenciar a compreensão do leitor sobre o texto. Desse modo, o metadiscurso é
compreendido a partir de aspectos do texto que demonstram claramente o modo como o
discurso foi organizado pelo escritor revelando o direcionamento do seu conteúdo para
o leitor. Este emprego pode ser observado no seguinte exemplo mencionado por
Hyland:
(25) Our results suggest that rapid freeze and thaw rates during
artificial experiments in the laboratory may cause artifactual formation of
embolism. Such experiments may not quantitatively represent the amount of
embolism that is formed during winter freezing in nature. In the chaparral at
least, low temperature episodes usually result in gradual freeze-thaw events.
(Bio)(HYLAND, 2005,p. 179)
(25) Nossos resultados sugerem que este frio rápido e o degelo
classificados durante experimentos artificiais em laboratório podem causar
formações artifactuais de embolia. Tais experimentos talvez não
representem quantitativamente o total de embolia que é formado durante o
inverno congelante na natureza. No chaparral, pelo menos, episódios de
temperatura baixa usualmente resultam em eventos de gelo-degelo.
(Biologia) (HYLAND, 2005, p.179)
Em (1), pode-se perceber que as expressões sublinhadas, classificadas por
Hyland como formas modalizadoras (hedges) metadiscursivas, assinalam o
posicionamento do escritor em não fazer afirmações taxativas e em não se comprometer
totalmente com as informações que está fornecendo ao leitor.
Nesta perspectiva, a inclusão do metadiscurso no enunciado possibilita ao
enunciador transformar o texto, moldá-lo às suas intenções comunicativas de modo a
facilitar, se for o caso, a recepção do co-enunciador. Nesses termos, admitem Hyland e
Tse (2004), o metadiscurso é uma categoria funcional, aspecto que pode ser observado a
partir dos seguintes exemplos:
(26) I admit that the term ‘error’ may be an undesirable label to
some teachers. (AL PHD). (HYLAND e Tse, 2004, p. 157)
(26) Eu admito que o termo ‘erro’ pode ser um rótulo indesejável
para alguns professores. (AL PhD) (HYLAND e TSE, 2004, p. 157)
42
42
(27) The geography curriculum teaches about reprasantative
fractions, scales and ratios in form 1(age 12+) whilst mathematics study
does not deal with this topic until Form 2!.
(Bio MSc) (HYLAND e TSE,
2004, p.157)
(27) O currículo escolar geográfico ensina sobre frações
representativas, escalas e proporções em Forma 1 (idade 12+) enquanto o
estudo em matemática não trabalha com este tópico até a Forma 2!.
(Bio MSc) (HYLAND e TSE,
2004, p. 157)
(28) I believe the following aspects should be seriously considered
and reviewed by the SAR government to maintain the prospect of this
industry.
(Bus Mas) (HYLAND e TSE, 2004, p. 163)
(28) Acredito que os aspectos seguintes deveriam ser seriamente
considerados e revistos pelo governo do SAR para manter o prospecto desta
indústria.
7
(Bus Mas) (HYLAND e TSE, 2004, p. 163)
Observa-se, nestes trechos de artigos científicos, retirados do corpus analisado
por Hyland (2005) e por Hyland e Tse (2004), que o metadiscurso se realiza por meio
de escalas de unidades lingüísticas que vão da pontuação exclamatória e de citações
aspeadas (26) até orações inteiras (27), e mesmo seqüências de várias sentenças (28).
A partir da constatação de tal variabilidade na expressão das categorias,
depreende-se que o metadiscurso é uma categoria aberta e que aceita a inclusão de
novos itens que permitam ao escritor ajustá-los às suas necessidades. No entanto,
advertem Hyland e Tse (2004), a inclusão de novos itens como metadiscurso deve
obedecer às classificações funcionais e às análises de texto.
No que concerne às classificações funcionais, Hyland (1998a) propõe duas
categorias em torno das quais se organizam as estratégias metadiscursivas: o
metadiscurso textual e o metadiscurso interpessoal, descritas a seguir.
7
Todos os exemplos desta seção foram de tradução livre nossa.
43
43
2.2.1 O metadiscurso textual
O metadiscurso textual, segundo Hyland (1998), refere-se aos dispositivos que
permitem ao leitor recuperar, de alguma forma, a intenção do escritor em estabelecer
explicitamente interpretações de significados proposicionais.
Para Hyland (1998), estes dispositivos aparecem no texto com a função de
torná-lo convincente e coerente. Seu emprego depende de relações de conhecimento
partilhado entre os participantes do ato de comunicação e da avaliação do escritor. Estas
manifestações representam a presença da audiência no texto, pois demonstram a
consciência do escritor das restrições e das alternativas que ele oferece ao leitor para
que este interprete a mensagem consoante sua intenção. O metadiscurso textual
subdivide-se em: conectivos lógicos, marcadores de enquadramento, marcadores
endofóricos e referências de conteúdo.
a) Os conectivos lógicos
Os conectivos lógicos são compostos de conjunções e locuções adverbiais que
indicam como o leitor deve estabelecer as conexões entre as idéias. São representados,
dentre outros, por mas, porém, conseqüentemente. Observe-se o exemplo:
(29) “O presidente da Vodafone Portugal reafirmou hoje que a
prioridade da empresa é o crescimento orgânico, mas admitiu que, no
futuro, poderá avaliar "boas oportunidades" de negócio que lhe
permitam, por exemplo, avançar com uma oferta de televisão.”
(notícia retirada do site diarioeconomico.sapo.pt)
No exemplo, o conectivo mas estabelece um elo coesivo entre as orações e, a
partir do nível textual, situa o comentário metadiscursivo do enunciador. a expressão
por exemplo introduz a reformulação do conteúdo realizada pelo enunciador, para
fornecer meios auxiliares de compreensão do texto para o co-enunciador.
b) Os marcadores de enquadramento
Os marcadores de enquadramento, por seu turno, indicam estágios do texto
sinalizando para o leitor as partes que compõem esse texto: primeiro, inicialmente, para
44
44
concluir; esclarecem objetivos discursivos: meu objetivo é, pretende-se; indicam
mudança de tópico: agora, em seguida. Note-se que, enquanto o anterior tem uma
função de conexão gica entre proposições, seqüenciando argumentos no nível
proposicional; neste caso, a relação coesiva se num nível de organização de
segmentos do texto, ou, em outros termos, dá-se na organização dos tópicos discursivos.
Estes marcadores agrupam informações sobre elementos do discurso conforme se
observa no exemplo:
(30) “Meu objetivo neste trabalho é encontrar (...) indícios de
outros textos, produtos de práticas discursivas escolares cujas palavras,
retomadas pelos aprendizes da escrita, adquirem novos tons apreciativos
em seus textos e podem revelar suas compreensões das palavras, dos
discursos, das atitudes e das relações que se instituem no ambiente
escolar.(...)”
(Trecho de artigo de pesquisa)
A expressão em destaque conduz a atenção do leitor explicitamente aos atos de
discurso; neste caso, declara o objetivo geral do artigo científico do qual se extraiu este
excerto.
c) Os marcadores endofóricos
Os marcadores endofóricos remetem a outras porções do texto: abaixo, acima,
a afirmação supracitada. Do ponto de vista da referenciação, eles constituem índices de
dêixis textual. Essa função dêitica se somaria, assim, à função de organização do tópico
discursivo.
(31) (...) “Conforme foi notado acima, o acento tonal nuclear
L*+H pode ser seguido por uma descida ou uma subida finais.(...)”
(trecho de artigo científico)
No exemplo 31, o marcador endofórico notado acima direciona o leitor para a
parte do texto em que se encontra a informação que ele quer mostrar ao leitor.
d) As referências de conteúdo
45
45
Há ainda as referências de suporte: de acordo com x. Os reformuladores
adicionam informações: isto é, em outras palavras. O funcionamento destes marcadores
pode ser mais bem entendido a partir da observação dos seguintes exemplos:
(32) “Claro que esta é uma constatação empírica válida e que
pode ser usada como argumento na defesa da igualdade humana, da
mesma forma que se fez uso da defesa da teoria científica do
monogenismo, isto é, a ancestralidade comum da espécie humana, hoje
inquestionável”.
(artigo de opinião).
no exemplo (32), observam-se duas categorias de metadiscurso, uma
interpessoal, como mais adiante se define, realizada na forma enfática ‘claro’, e outra
textual reformulativa: o emprego de expressões como isto é, ou seja, que ajudam o co-
enunciador a processar a informação de natureza ideacional.
Na apreciação dos dados, o metadiscurso textual se revelou mais
freqüentemente nos artigos acadêmicos. Atribui-se isto ao fato de haver nestes textos
uma preocupação descritiva e didática maior do que no artigo de opinião. Quanto às
expressões referenciais metadiscursivas que aparecem naqueles textos, observou-se que
são, na maioria das vezes, de ordem parafrásica e que se manifestam
metalingüisticamente. Observe-se o exemplo:
(33) Por “ontologia” entende-se a parte da Filosofia que se
preocupa com o estudo das propriedades gerais do ser. A palavra tem
origem no grego on, ontos, sendo diversas as possibilidades de
abordagem do ser, como no sentido de Heidegger, em que esse campo
de estudo se reveste de uma reflexão sobre o sentido abrangente do ser,
dando vazão à possibilidade de suas múltiplas existências.
(artigo de opinião).
No exemplo (33), a introdução referencial ontologia é retomada, ao longo do
texto, por expressões parafrásicas, como parte da filosofia, abordagem do ser, esse
campo de estudo. Tais expressões acrescentam informações extras à âncora,
contribuindo para a argumentatividade do texto. Nesse mecanismo, observamos traços
do metadiscurso textual endofórico, pois a expressão conduz a atenção do leitor/co-
enunciador a outras partes do texto. A palavra, na linha dois, é uma expressão que
recategoriza ontologia por referência ao seu status na frase, daí esta estratégia se
46
46
configurar como metalingüística. Estas são ocorrências que se repetem com uma
freqüência que nos autoriza a afirmação, aqui, de que as expressões referenciais
metadiscursivas nos artigos acadêmicos se revelam sob a categoria textual e que as
recategorizações apresentam um caráter metalingüistico.
Nos artigos de opinião, as expressões referenciais que manifestam traços
semânticos que denotem a função metadiscursiva textual aparecem em menor
freqüência.
O tipo de metadiscurso descrito a seguir relaciona as formas que sinalizam o
componente interacional por meio do qual o escritor estabelece uma proximidade com o
leitor.
2.2.2 O metadiscurso interpessoal
O metadiscurso interpessoal informa o leitor sobre o posicionamento do
escritor diante das informações proposicionais, contribuindo, assim, para que o sentido
do texto surja de uma relação escritor-leitor. Nessa categoria, o metadiscurso é
essencialmente interacional e avaliativo. Hyland (1998a) descreve esta função como o
modo pelo qual o escritor expressa uma persona ou uma personalidade criada para o ato
de comunicar. Isto se evidencia em uma comunidade discursiva cujo ato de escrever é
socialmente definido e influencia os posicionamentos e as expressões de atitude do
escritor, assim como o seu grau de comprometimento com o conteúdo proposicional.
Outro fator que influencia essas posturas do escritor é a interferência do gênero nesses
posicionamentos. No que concerne ao escrever acadêmico, por exemplo, Hyland
(1998a) menciona como o compromisso com os colegas orienta ou influencia esse
posicionamento do escritor, que se define a partir da apreensão de características
relacionadas a traços sociais e culturais estabelecidos pela comunidade discursiva em
que este está inserido.
Os marcadores interpessoais dividem-se nos seguintes tipos: atenuadores,
enfatizadores, marcadores de atitude, marcadores relacionais, marcadores de pessoa.
a) Os atenuadores
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47
Os atenuadores amenizam o grau de comprometimento do autor com a
proposição. São marcadores que denotam possibilidade e sugerem a informação: poder,
é possível.
(34) VÍDEO ONLINE PODE SER PRÓXIMO ALVO DE
CRIADORES DE VÍRUS
Um novo estudo conduzido pela universidade Georgia Tech
indica que os vídeos online podem ser o novo vetor de ataque para
cibercriminosos que contam com os vírus de computador para fazer
vítimas.
(notícia da Internet).
No exemplo (34), o verbo poder é utilizado em duas situações de modalização.
Na primeira, captada no título, o autor expressa para o leitor que a informação da notícia
ainda não se confirmou como fato, ressaltando o caráter de especulação. No corpo da
própria notícia, novamente o verbo poder, agora em uma locução verbal, induz o leitor a
não atribuir ao autor a responsabilidade sobre a veracidade da notícia.
b) Os modalizadores
Estes marcadores são amplamente utilizados no artigo científico; é o que se
constatou através da observação, no exemplo (35), de expressões como é bem provável
e praticamente, que denotam uma tentativa do autor em amenizar o impacto da
informação ou ainda não se comprometer integralmente com ela:
(35) (...)Se fosse perguntado ao leitor em que situações a
palavra oi é empregada, é bem provável que a resposta fosse: em
situação de cumprimento e de chamamento. Alguém, mais versado na
gramática normativa, talvez até pudesse lembrar seu nome: interjeição.
Acontece, porém, que existem errosque chocam e erros
que não chocam. Comecemos pelos que não chocam. Em uma situação
informal, praticamente não se nota que houve um erro”, se ouvimos
alguém dizer: fazeno frio. Por outro lado, são considerados ignorantes
aqueles que dizem: nós foi ou os menino chegou. Por que isso ocorre?
(...)
(trecho de artigo de pesquisa)
c) Os enfatizadores
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48
Os enfatizadores, ao contrário dos modalizadores, acentuam o
comprometimento do enunciador com o enunciado: com certeza, é óbvio, sem dúvida.
(36) Está claro, na edição de hoje, que política externa não é
prioridade para a Folha. O governo dos EUA enviou simultaneamente ao
Brasil três quadros importantes para conversar com o governo federal e
vários governadores num momento de tensão na América do Sul. (...)
(artigo de opinião).
A expressão em destaque no exemplo (36), embora não esteja entre as
relacionadas acima, possui o traço semântico de demonstrar o reforço que o autor quer
dar a sua opinião.
c) Os marcadores de atitude
Os marcadores de atitude sinalizam para aspectos afetivos que o autor
imprimiu ao texto; denotam surpresa, importância, obrigação.
(37) Em relação ao problema da justeza, da correção dos nomes,
a tese de Crátilo parece predominar no diálogo, diálogo que
surpreendentemente se ocupa do início até o fim com a questão da
linguagem(...)
(artigo acadêmico).
Observe-se que, no exemplo (37), O termo surpreendentemente denuncia uma
atitude do autor: a surpresa em perceber no diálogo de Crátilo a preocupação com a
linguagem.
d) Os marcadores relacionais
Os marcadores relacionais estabelecem um elo entre autor e leitor. Em geral,
consistem em alguma expressão que tenta persuadir o leitor, ou incluí-lo no discurso:
note-se, perceba, veja.
(38) (...) Perguntaram ao padre se ele tinha alguma objeção ao
sexo antes do casamento, e ele respondeu: “Nada contra, desde que não
atrase a cerimônia”.
Como se pode ver, o padre da piada faz de conta que
compreende “antes” como se significasse ‘logo antes’. Ao contrário da
49
49
Globo, que não escolheu um acontecimento imediatamente anterior à volta
de Berzoini, mas um que ocorreu bem antes desse fato. (...)
(artigo de opinião)
Através da expressão em destaque no exemplo (38), o autor estabelece uma
relação com o seu leitor, chamando sua atenção para um determinado posicionamento
de forma a obter uma adesão do leitor a este posicionamento.
2.3 Persuasão, comprometimento e interação no metadiscurso
Este item visa a apresentar as formas como o metadiscurso ajuda a demonstrar
ao leitor/co-enunciador como o texto se organiza. Estão implícitos neste processo
também os modos como o autor/enunciador se posiciona no texto tendo em vista a
adesão e a conquista de seu leitor.
As pesquisas que enquadram o metadiscurso em uma perspectiva retórica,
como a assumida por Hyland em seus estudos sobre metadiscurso, consideram
elementos como os aspectos sócio-culturais, certas particularidades dos gêneros
discursivos, além de categorias de análise discursiva. Considerados tais elementos, o
metadiscurso pode ser compreendido, então, como o resultado da consideração desses
dispositivos linguageiros que entrelaçam diferentes instâncias do discurso, sempre tendo
em vista um engajamento entre escritor/enunciador e leitor/co-enunciador.
Melhor explicando este aspecto interacional entre escritor e leitor, pode-se
dizer que o metadiscurso ajuda a relacionar o assunto de um conteúdo para ampliar a
estrutura de um conhecimento; a tornar o discurso coeso e coerente, a operacionalizar
estratégias retóricas, a organizar e avaliar, além de introduzir mudança de níveis em um
discurso. Pode ainda preparar o leitor para os próximos passos retóricos e
comunicativos aplicados em um texto. Através dessas estratégias metadiscursivas, que
indicam os estados de conscientização dos autores e como tais estados são percebidos,
aceitos ou recusados pelos leitores, é que o metadiscurso exerce as funções semântica,
social, psicológica, o que lhe permite manter certo controle sob o ato comunicativo.
Observe-se o exemplo:
(39) Na verdade(a), quando se afirma, e consensualmente(b), que
Mattoso Câmara foi o introdutor da Lingüística moderna no Brasil, o que tal
afirmação significa(c), a rigor(d), é que, com ele, se inicia uma forma
distinta de trabalho com a linguagem entre nós, que se concretiza em um novo
discurso, cuja caracterização me proponho aqui.
50
50
Este novo discurso(e) sobre a linguagem inaugurado por Mattoso
Câmara no Brasil, no início da década de 40, privilegiaria, antes de mais
nada(f), o estudo da linguagem em seu plano universal, vale dizer(g), um
discurso marcado pela preocupação teórica, pelo escopo de fazer lingüística
teórica, de trabalhar com uma teoria lingüística cujos princípios gerais fossem
aplicáveis a qualquer língua. Com efeito(h), em 1941, ele edita os seus
Princípios de Lingüística Geral (Mattoso Câmara 1941), ainda, pois, no início
de uma produção acadêmica que se revelaria notável para a progressão dos
estudos lingüísticos em língua portuguesa. Princípios, como alguns críticos
salientaram(i), não apresenta teoria original, mas revela o trabalho de um
lingüista bem informado, atualizado, cuja seleção de temas assegurava uma
cobertura satisfatória dos domínios da Lingüística desenvolvidos à época, e
com a sempre presente originalidade da reflexão pessoal do autor. As
preocupações teóricas não estiveram evidentemente(j) ausentes de estudiosos
brasileiros anteriores ou coevos de Mattoso Câmara. Foi ele, contudo, com
Princípios, o primeiro a divulgar, no Brasil, e também em Portugal, um
discurso mais abrangente e conseqüente, voltado para a depreensão dos
princípios fundamentais que regem o funcionamento da atividade lingüística
entre os homens, graças, como reconhece Rodrigues (1984: 91)(l), ampla
compreensão que desde cedo desenvolveu acerca da linguagem e das línguas e
à pertinência e à sabedoria com que atuou através de seus livros", e do seu
magistério, acrescento eu. Pode-se dizer(m) que a Lingüística Geral, ou
Teórica, como prefiro denominá-la(n), é reconhecida como disciplina entre
nós a partir dos Princípios de Mattoso Câmara e passa a integrar o currículo
de um curso de Letras em 1948, quando ele se torna professor regente de
Lingüística na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil,
docência que exerceu ininterruptamente até pouco antes de falecer.
(Artigo de pesquisa)
As ocorrências metadiscursivas no exemplo (39) ilustram a tentativa do autor
em expressar e reforçar suas idéias, tanto quanto em estabelecer com o leitor uma
relação de cumplicidade quanto ao sentido veiculado no texto. Observa-se ainda que
expressões como (a), (f) e (h) permitem ao escritor organizar o texto a partir do ponto de
vista defendido por ele; são expressões que exercem a função textual e interpessoal,
conforme as definições supracitadas.
Para Fairclough (1992, p.122), o metadiscurso é a linguagem utilizada em um
texto “quando o falante/escritor se situa acima e fora de seu próprio discurso e está em
uma posição de controlá-lo e manipulá-lo”. Esta perspectiva se aproxima da que assume
Hyland (1998a) ao basear sua proposta em três conceitos chaves: a evidencialidade, ou
o compromisso assumido pelo autor com a verdade das proposições que apresenta; a
confiabilidade, ou a precisão desses traços para o sucesso das atitudes interpessoais; e a
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afetividade, ou a expressão das atitudes pessoais. Percebe-se, no entanto, após uma
revisão dos conceitos de metadiscurso, que algumas categorias arroladas por Hyland
podem estar associadas a conceitos de uma perspectiva em que a análise
textual/discursiva se sobreponha à análise retórica.
Os marcadores descritos por Hyland (1998) podem ser observados em
funcionamento no seguinte co(n)texto mencionado pelo autor:
(40) Of course, I made decisions about the findings I have, but is
more convincing to tie them closely to the results. (Phy interview).
(40) É claro, eu tomei decisões sobre descobertas que fiz, mas é
mais convincente vinculá-las com atenção aos resultados.
(entrevista de Phy).
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É claro, no exemplo (40), representa uma marcação de ato persuasivo do
escritor perante o leitor, uma vez que a expressão em destaque sinaliza para uma
afirmação categórica cuja finalidade é conduzir o leitor a um entendimento do texto
supostamente pré-estabelecido pelo autor.
Para concluir este capítulo, ressalta-se que os elementos metadiscursivos,
como se afirmou, exercem funções importantes do ponto de vista da organização
textual e da forma como o autor se coloca no texto para estabelecer vínculos com o seu
leitor. Contribui para a relevância do aproveitamento da classificação das funções, feita
por Hyland (1989, 2005), relacionadas a estes aspectos, em nosso estudo sobre a
metadiscursividade nos processos referenciais, o fato de categorias como
posicionamento e engajamento serem considerados como fatores constitutivos do
metadiscurso. Estas categorias, por sua vez, tornaram-se indispensáveis em nossa
análise, tendo em vista seu envolvimento na observação do modo como a interação
escritor/enunciador e leitor/co-enunciador é fundamental para a construção de sentido
de um texto via construção do referente.
8
Tradução livre nossa.
52
52
3 DESCRIÇÃO DAS FUNÇÕES METADISCURSIVAS EM
EXPRESSÕES REFERENCIAIS
Neste capítulo, é realizada a observação dos artigos reunidos no corpus
organizado para esta pesquisa no intuito de descrever os aspectos metadiscursivos nos
processos referenciais e apresentar uma análise interpretativa do conteúdo axiológico
destas expressões. Em função disto, optou-se por identificar, descrever as expressões
referenciais anafóricas e dêiticas metadiscursivas a partir dos aspectos textuais e
interpessoais e dos aspectos sócio-cognitivos que advêm da teoria da referenciação. Em
seguida, são apresentadas análises discursivo-textuais a partir destas expressões.
3.1 Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa se configura hipotético-dedutiva, pois parte da colocação de um
problema: como são analisáveis os valores axiológicos veiculados pelas expressões
referenciais metadiscursivas. Partiu-se da hipótese básica de que as expressões
referenciais metadiscursivas apresentam significados axiológicos captáveis através das
funções textuais e interpessoais, todas interpretáveis a partir de perspectivas que
consideram a interação como princípio constitutivo para a elaboração de sentido dos
objetos-de-discurso.
A consideração das funções textual e interpessoal da linguagem, tal como as
descreve Hyland (2005), bem como dos processos referenciais descritos por Cavalcante
(2004b), conforme foi resumido no capítulo 1, serve agora como embasamento teórico
para a análise das ocorrências de expressões referenciais metadiscursivas no material
selecionado para a pesquisa. Após a identificação de tais expressões, observou-se e
relacionou-se aspectos do termo metadiscurso respeitando a perspectiva retórica
representada por Hyland (1998, 2005). Também foram observados, com a intenção de
analisar os textos da amostra, conceitos das correntes francesa e anglo-saxônica de
análises discursivas. A opção por estes paradigmas deve-se ao fato de serem
considerados aqui conceitos como intertextualidade, ethos descritos por Fairclough
(2001 e 2003) e representação de atores e impersonalização por autonomização,
descritos por van Leeuwen (1997) no âmbito da Análise Crítica do Discurso e sua
pertinência para o enfoque de análise que se pretendeu dar ao estudo, na medida em que
se buscou identificar aspectos ideológicos e valorativos nas situações enunciativas.
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53
O procedimento de análise deu-se do seguinte modo: primeiro, selecionou-se
um corpus contendo 15 (quinze) artigos de pesquisa e 15 (quinze) artigos de opinião. A
seleção dos textos foi realizada considerando aspectos de relevância e de credibilidade
das publicações. Por este motivo, optou-se, no caso dos artigos de pesquisa, por
reproduzi-los de revistas eletrônicas, como D.E.L.T.A”, Linguagem em discurso” e,
“Revista de estudos lingüísticos Veredas”. No que se refere aos artigos de opinião,
seguiu-se para esta seleção o mesmo critério de reconhecimento da publicação. As
publicações eletrônicas das quais foram recolhidos estes textos foram: Folha de São
Paulo on line, Primapágina e Carta Capital.
A escolha destes gêneros deveu-se ao fato de que eles constituam ambientes
profícuos à utilização de expressões referenciais metadiscursivas com valores
axiológicos, tendo em vista, resguardadas as maneiras de manifestação do fenômeno, o
teor argumentativo/persuasivo de cada gênero.
Além disso, observou-se, em uma pré-análise, que tanto o artigo de pesquisa
quanto o artigo de opinião apresentam estratégias de organização textual e interpessoal
com vistas ao reforço do caráter persuasivo.
A verificação de marcas referenciais metadiscursivas no texto acadêmico,
contudo, constitui um desafio se este for considerado a partir da perspectiva que
tradicionalmente o caracteriza como sendo de caráter impessoal. A despeito disto,
estudos como os de Hyland sobre metadiscurso supõem que o que se configura como
atitude nesses textos concerne aos julgamentos dos escritores das probabilidades das
estimativas de valores (Hyland, 2005).
Nos textos do corpus, são analisados os processos referenciais metadiscursivos
segundo as definições de metadiscurso textual e interpessoal de Hyland (1998). Na
aplicação desta classificação, no entanto, serão observadas apenas formas e funções que
contenham processos de referenciação. Este procedimento se deve ao à observação de
que a taxonomia organizada por Hyland atende aos propósitos específicos de uma
pesquisa com objetivos de análise quantitativa de dados e abrange principalmente
marcadores estereotipados e não expressões referenciais. Os processos referenciais, por
não poderem estar necessariamente correlacionados às formas invariáveis de expressão,
não podem ser verificados pelos mesmos meios, pois, partir dessa pressuposição de
correspondência entre formas preestabelecidas e funções discursivas seria negar os
pressupostos teóricos que estamos defendendo.
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Quanto à observação no corpus dos processos referenciais metadiscursivos,
seguiu-se uma linha teórica que os concebe como objetos-de-discurso cujo sentido surge
de um processo interativo que considera aspectos sociais e culturais em que os
indivíduos estão submersos, ou seja, os pressupostos da referenciação.
Para a identificação destas expressões, utilizou-se, sobretudo, a consideração
do traço semântico para reconhecer nas retomadas a função de persuasão e de interação
a que se propõe investigar esta pesquisa. Assim, expressões que denotem um
compromisso do autor em relação ao conteúdo podem constituir, segundo uma
determinada construção que estabeleça, além de uma retomada anafórica ou dêitica, um
traço metadiscursivo, seja relativo ao aspecto de organização do texto, seja relativo ao
modo como o autor se posiciona.
3.2 Definição e descrição das Expressões Referenciais Metadiscursivas
A observação das definições e da fundamentação teórica sobre processos
referenciais e metadiscursivos estudados para esta dissertação nos conduziu à
elaboração do termo expressão referencial metadiscursiva. Neste trabalho,
consideraram-se expressões referenciais metadiscursivas (ERM) aquelas cuja
recuperação do significado permite uma remissão ao ato enunciativo, ou seja, permite
ao leitor/co-enunciador identificar, sob algum aspecto, o posicionamento do enunciador.
Além de exercer esta função, entendemos que as ERM também contribuem para
relacionar, organizar e avaliar o conteúdo proposicional. A partir desta definição,
observamos as seguintes funções metadiscursivas, baseadas nas propostas por Hyland
(1998) para as expressões referenciais.
a) função interpessoal enfática;
b) função interpessoal modalizadora;
c) função interpessoal atitudinal;
d) função interpessoal de relação;
e) função interpessoal: marcador pessoal
As funções acima relacionadas podem ser descritas da seguinte forma:
a) A função interpessoal enfática
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55
A função interpessoal enfática expressa a certeza do enunciador; sua
identificação pode se dar mediante a aproximação semântica entre a expressão
referencial e termos como é óbvio, de fato, definitivamente.
(41) No ano de 2001, 37% dos novos cursos privados de Direito
obtiveram conceito A ou B no Exame Nacional de Cursos, o Provão. Entre
os cursos privados criados antes de 1995 a proporção foi inferior: 32%.
Em outras áreas, como Administração de Empresas, os diferenciais foram
até maiores: 42% contra 28% para os cursos criados antes e depois da
instituição do sistema de avaliação do ensino superior.
Mesmo em ausência dessas evidências empíricas, um raciocínio
lógico elementar também nos levaria à conclusão de que em geral os
cursos novos deveriam ser melhores que os antigos. (...)
Contrariando nossa análise, alguém poderia afirmar que PLs
podem se instanciar isoladamente sob a forma de preposições (ex. a, em,
com etc.). Esse argumento, todavia, não refuta nossa hipótese, porque
PLs, apesar de serem, em sua grande maioria, derivados historicamente de
preposições, são menos livres sincronicamente do que elas. Uma
evidência disso é o fato de PLs sempre respeitarem a condição de
adjacência com a base morfológica a que se relacionam, diferente de
clíticos, que podem sofrer intercalações, como em casa que admite a
inserção de outro elemento, formando em minha casa ou coisa que o
valha. Clíticos preposicionais gozam, pois, de uma autonomia
intermediária: não são completamente livres como PCs e nem
completamente presos como PLs.
Essa constatação encontra explicação na diacronia, uma vez que
a maioria dos PCs se origina de formas livres, radicais gregos ou latinos,
ao passo que PLs, como dissemos, derivam-se de preposições latinas no
mais das vezes.
(artigo de pesquisa)
No exemplo (41), a expressão anafórica encapsuladora dessas evidências
empíricas sinaliza para o leitor que a informação veiculada no texto deve ser tida como
fato incontestável. Esta interpretação é ainda reforçada pelo sintagma um raciocínio
lógico elementar, que sugere de forma enfática que não há outra possibilidade de
conclusão para o leitor.
b) A função interpessoal modalizadora
A função interpessoal modalizadora demonstra o grau de comprometimento
do enunciador com a informação dada no texto. Lexicalmente, esta função pode ser
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56
depreendida de palavras ou expressões cujo significado se aproxime semanticamente de
talvez, poder, possivelmente. Observe-se o exemplo:
(42) Meu leitor habitual é testemunha de que sou um entusiasta da
democracia, mas seria brigar contra os fatos deixar de reparar que é nos
países árabes mais democráticos (ou menos tirânicos) que o integrismo
prospera. As duas nações que permitem que sua população se manifeste
livremente através de um sistema representativo são a Autoridade Nacional
Palestina e o Líbano. E ambos estão com problemas. Os palestinos com o
Hamas; e os libaneses com o Hizbollah e, mais recentemente, com o Fatah
al Islam. Será que apenas ditaduras conseguem frear a ameaça
fundamentalista islâmica?
Deixo essa intrigante questão para uma coluna futura. Por ora,
voltemos ao Iraque, mais especificamente à sua fronteira norte, onde se
localiza a região curda do país, que era a única a viver em relativa
tranqüilidade.
(artigo de opinião).
No exemplo (42), a expressão essa intrigante questão aparece de forma a
atenuar o comprometimento do enunciador com o conteúdo informativo. Diante da
complexidade do evento, a palavra intrigante denuncia uma instabilidade na questão
levantada pelo autor, ao mesmo tempo em que não acentua a gravidade que os dados
revelados disponibilizam para o leitor. No entanto, é através do emprego de expressões
que denotam possibilidade que a função é mais nitidamente observada. Observem-se
mais estes exemplos:
(43) (...) O presidente interino do Senado, Tião Viana (PT-AC)
disse hoje que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que prorroga a
cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira) até 2011 precisa ser aperfeiçoada. Segundo ele, a proposta o
será aprovada do jeito que está.
"O que se entende é que do jeito que está, a matéria não passará no
Senado. Ela precisará de aperfeiçoamento. Esse tipo de possibilidade vai ser
construído entre os partidos da base, da oposição e o governo", disse ele
após reunião com líderes partidários.
(artigo de opinião).
E ainda:
(44) De acordo com o relatório do FMI, a possível redução do
crescimento econômico da região se deve ao impacto da desaceleração
econômica nos Estados Unidos e os efeitos que esta teve, em especial, sobre
o México e os países da América Central.
57
57
(artigo de opinião)
c) A função interpessoal atitudinal
A função interpessoal atitudinal marca a retomada de forma a revelar o
posicionamento do autor/enunciador.
(45) (...) How does a grammar determine which analysis of a
given input best satisfies a set of inconsistent well-formedness
conditions? Optimality Theory relies on a conceptually simple but
surprisingly rich notion of constraint interaction whereby the
satisfaction of one constraint can be designated to take absolute priority
over the satisfaction of another. The means that a grammar uses to
resolve conflicts is to rank constraints in a strict dominance hierarchy.
Each constraint has absolute priority over all the constraints lower in
the hierarchy. (Prince & Smolensky, 1993:2)
Como se vê, a idéia de avaliação e escolha é central para o
modelo, que rejeita a noção de "derivação de um único output a partir de
um único input" e pressupõe uma visão de gramática baseada na
existência de duas funções:(...)
(46) (...) A quinta asneira partiu do atual campeão mundial,
Hugo Chávez, neoditador da Venezuela. Imaginem se um presidente de
um país europeu, a Itália, por exemplo, organizasse uma passeata,
digamos, em Lisboa, pagando o transporte dos seus participantes, para
protestarem contra a visita do presidente dos Estados Unidos,
suponhamos, à Espanha...
Atitude inadmissível para povos civilizados, mesmo com o jeito
latino de viver. Pois o Chapolin de Miraflores, quando da visita de Bush
ao Brasil, foi a Buenos Aires e, sob a condescendência do presidente
argentino, armou o seu espetáculo de quinta categoria, cercado das
bandeiras vermelhas do atraso. (...)
No exemplo (46), interpretou-se a expressão em destaque como anáfora
recategorizadora com função atitudinal por expressar uma concordância do enunciador
com a informação concomitante com uma sinalização deste posicionamento para o co-
enunciador, idéia ainda reforçada pela expressão como se vê.
d) A função interpessoal de relação
A função interpessoal de relação estabelece explicitamente uma relação entre
enunciador e co-enunciador, pois indica um chamamento de atenção direto às partes do
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discurso que o autor pretende ressaltar. Na análise dos dados, observamos que esta
função ocorre principalmente nos processos dêiticos textuais.
(47) Não obstante, você pode indagar: qual das palavras acima
citadas, poderia ser a “isca”, importante indício, no diagnóstico e
processo de avaliação leitora?” Por incrível que pareça, para um
diagnóstico preliminar ou básico, em sala, feito por um educador, sem que
o aluno precise ir a uma clínica psicopedagógica ou fonoaudiológica, a
palavra que, surpreendentemente, nos é útil, e, portanto, serve-nos como
parâmetro para diagnóstico, é
mneupotruramiscolcopicosislicoculvanonociócito, a falsa palavra.
(trecho de artigo de pesquisa)
(48) A descrição acima evidencia também a relação existente no
PE entre redução das pretônicas e atribuição do acento secundário. Com
efeito, a acentuação inicial nas palavras contendo três sílabas antes da
tônica é acompanhada, em todos os casos encontrados no corpus, de
redução da sílaba seguinte. Por outro lado, as unidades rítmicas
produzidas nessas palavras têm um acento inicial, contrariamente ao que
acontece no PB. Proporemos, na seção 3, uma explicação para esses fatos.
(trecho de artigo de pesquisa)
(49) Assumindo o quadro teórico do Programa Minimalista
(Chomsky 1995), propomos aqui que o acento primário é uma
propriedade lexical das palavras, sendo idêntico em PB e PE.
(trecho de artigo de pesquisa)
(50) Mostraremos agora que os fenômenos de natureza pós-
lexical (acentos rítmicos e ressilabificações resultante de reduções
vocálicas e de sândi) apresentados na seção 2 podem receber uma
explicação otimalista como a que foi esboçada acima centrada, pois, na
questão da boa-formação das estruturas –, sem prejuízo de uma
articulação com os pressupostos do programa minimalista, uma vez que a
hierarquização de restrições se faz necessária para dar conta da
interpretação, pelos sistemas de desempenho, das estruturas geradas pela
gramática.
(trecho de artigo de pesquisa)
As expressões em destaque nos exemplos (49) e (50) estabelecem certo grau
de deiticidade por pressuporem uma localização para a enunciação e por dirigirem a
atenção do leitor para determinados pontos do texto. Não assumem, no entanto,
conforme assinala Cavacante (2003), o estatuto de nomeação, exercendo somente a
função de organizadores textuais. Ao apontarem, no entanto, para determinados pontos
do texto, estas expressões estabelecem uma ponte entre enunciador e co-enunciador por
meio da qual se estabelece uma relação.
59
59
e) Função interpessoal marcador pessoal
(51) Encontramos aqui uma evidência concreta para admitir que
iN
neg
- e sub- pertencem à classe II, porque todo PL que se sobrepõe a um
PC precisa, obrigatoriamente, estar no nível 2, que é o nível em que PCs
são afixados. Esses dados estão em conformidade com a segmentação
proposta no quadro 3.
(trecho de artigo de pesquisa).
Identificaram-se na expressão uma evidência concreta dois traços
interpessoais: um que manifesta uma persuasão de modo enfático; e outra que, auxiliada
pelo uso do marcador pessoal nós, interpretou-se como um modo de o autor se auto-
referir. No exemplo seguinte, observou-se uma ocorrência semelhante.
(53) No que concerne ao status lexical dos prefixos, afirmamos
que toda prefixação ocorre no léxico, distribuída entre prefixação do nível
1 (da raiz) e prefixação de nível 2 (da palavra), respeitando as seguintes
condições: 1ª) prefixos que lidam com uma base em formação pertencem ao
nível 1 e 2ª) toda prefixação de nível 2 lida com a palavra pronta.
(artigo de pesquisa).
3.3 Discussão dos resultados da análise das ERM
Assim definidas as funções das ERM, procedeu-se à identificação destas nos
dados, o que se deu mediante a observação dos traços formais e funcionais, no caso das
expressões referenciais (ER), descritos em Cavalcante (2004c), e das funções textual e
interpessoal, no caso das expressões metadiscursivas, caracterizadas por Hyland
(2005).
Os passos da análise foram os seguintes: uma vez identificadas, as expressões
referenciais, procurou-se reconhecer o traço metadiscursivo, através de pistas
semânticas que as caracterizassem conforme os objetivos desta pesquisa. Assim,
expressões que denotassem compromisso do autor/enunciador em relação ao conteúdo
apareceram em construções não previstas pelas categorias classificatórias de Hyland.
Identificado o traço metadiscursivo na expressão referencial, procedeu-se à
interpretação do conteúdo axiológico presente nela.
Este último passo em direção à análise dos dados, a percepção do conteúdo
avaliativo presente nas expressões referenciais metadiscursivas, foi feito com base em
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60
categorias da Análise Crítica do Discurso que se configuraram pertinentes ao propósito
do trabalho, que a avaliação, nesta teoria, pode ser identificada mediante presunções
valorativas, ou seja, são afirmações cujo elemento avaliativo é percebido mediante um
atributo, um verbo, um advérbio ou um sinal tipográfico (FAIRCLOUGH, 2003,
p.172).
Conforme o intuito de reconhecer as expressões referenciais que estabelecem
algum tipo de relação entre autor e leitor e de analisar como isto é percebido como
posicionamento, observaram-se ainda pistas deixadas por expressões não referenciais
no cotexto que direcionam a atenção do leitor para o caráter axiológico de tais
retomadas. Tome-se como exemplo o seguinte trecho de um artigo de pesquisa:
(54) (...)Dizendo de outra forma, o ser social surge com a
associação do pensamento à ação, através da capacidade da prévia-
ideação que realiza o planejamento da ação antes de sua execução. Para
que isso fosse possível, foi necessária a constituição de uma linguagem
qualitativamente nova, condição intrínseca para a leitura do mundo
realizada pelo pensamento:
A linguagem é tão antiga quanto a consciência a linguagem é
a consciência real, prática, que existe também para os homens, e,
portanto, que existe igualmente para mim mesmo pela primeira vez; pois
a linguagem, como a consciência, nasce da necessidade, da exigência
de intercâmbio com outros homens (MARX, 1965, p. 26).(...)
Na verdade, a percepção da generidade, condição primeira de
possibilidade de ser do gênero humano, é possível através da
linguagem que, desde o início, possui as duas finalidades que constituem
essa capacidade do ser social:(...)
Temos, portanto, duas ordens de fenômenos: uma, que diz
respeito à coisa em si, e outra, que se refere à possibilidade de apreensão
efetiva da lógica das coisas. A primeira faz parte do objeto; a segunda, do
sujeito cognoscente. O processo do conhecimento, apreensão do real, se
pelo sujeito que, ao mesmo tempo, busca retratar fielmente o
movimento do objeto e cria estruturas lógicas (conceitos).(...)
(artigo de pesquisa).
Conforme se observa no exemplo (54), expressões como na verdade, portanto
auxiliam o leitor a identificar nas expressões referenciais metadiscursivas, marcadas em
negrito, a assinalação do ponto de vista defendido pelo enunciador, assim como seu
compromisso com a informação veiculada na recategorização. Estas expressões
aparecem como modelo de conectivos lógicos na classificação de Hyland (1998).
No exemplo (54), a expressão anafórica a percepção da generidade
recategoriza a expressão: “a capacidade da prévia-ideação que realiza o planejamento
da ação antes de sua execução”, de forma a ressaltar uma capacidade cognitiva
61
61
humana. Observou-se ainda que este tipo de anáfora extrai, em um movimento
complexo de remissão a itens não declarados ostensivamente no discurso, elementos
que o leitor pode também abstrair das âncoras fornecidas pelo autor/enunciador. O
processo do conhecimento, por exemplo, é uma expressão recategorizadora que resume
para o leitor a seqüência apresentada anteriormente disposta em passos que descrevem o
fenômeno de apreensão lógica das coisas, ou o processo de conhecimento.
As anáforas demonstradas até aqui geralmente estabelecem uma relação de um
para um, ou seja, para cada retomada anafórica uma âncora se apresenta no cotexto. Por
exemplo, nas expressões abaixo, as anáforas foram identificadas a partir da reconstrução
de seu significado em um termo apenas:
(55) Há poucas coisas mais amigáveis e menos úteis na informática
do que robôs que imitam animais. Feiras de tecnologia os adoram e vão
além: a fauna hi-tech inclui de protetores de mouse com cara de rato --
pegou o trocadilho?-- a cãezinhos que tocam música (como o iDog,
cruzamento de iPod com cão).
Quem chegar a Hannover para a Cebit 2007 pela conexão com
Munique (sul do país) também vai topar com "bichinhos", mas no
aeroporto. A função deles é verificar se você esconde alguma substância
proibida --sobretudo da cintura para baixo, a julgar por onde os dois
pastores alemães tentaram jogar seus focinhos quando cheguei, ontem.
(reportagem).
Observou-se, no entanto, que as retomadas ocorrem também de forma
parafrásica. No caso de textos acadêmicos da área de lingüística, por exemplo,
observou-se que as retomadas são feitas muito mais com expressões ou sintagmas que
acrescentam a um sintagma anterior alguma informação nova, caracterizando também o
aumento da informatividade textual. Observe-se o seguinte exemplo:
(56) Certamente a adoção da abordagem de Bakhtin nos PCN’s e
a indicação de alguns gêneros para a prática de leitura e produção textos
orais e escritos abrem perspectivas para o tratamento da linguagem como
ação social, na medida em que evidenciam a necessidade de se
desenvolverem com os alunos práticas sociointeracionais mediadas pela
linguagem (seja oral seja escrita), que vão instrumentalizá-los para os usos
efetivos de linguagem no seu meio social.
(artigo de pesquisa)
62
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No exemplo (56), a expressão a abordagem de Bakhtin é recategorizada como
o tratamento da língua como ação social em uma retomada que estabelece uma
informatividade e uma recontextualização da expressão referencial.
Nos artigos acadêmicos, foi observado que as expressões referenciais
metadiscursivas interpessoais se manifestam de uma forma mais velada, mais contida
do que nos artigos de opinião. Resguardadas as estratégias discursivas peculiares a cada
um destes gêneros, mas intentando observar o modo de posicionamento do
autor/enunciador, depreendeu-se da análise que em ambos os gêneros podem-se
detectar traços lingüísticos do ato de persuasão empreendido por este. Veja-se o
exemplo.
(57) (...) Esse tratamento expressa com maior clareza o que
entendemos por prefixação composicional, ou seja, PCs estão sujeitos aos
dois processos, cada um a seu tempo.
Outra questão problemática que se coloca é a seguinte: sendo
um elemento composicional, inserido no primeiro nível do léxico para
receber acento, por que não sofre flexão no nível 2? (...)
Observe-se que, no exemplo (57), o sintagma Outra questão problemática
atribui uma valoração sobre o tema apresentado.
Nos artigos de opinião, os marcadores interpessoais aparecem de forma bem
ressaltada; são formas que o enunciador usa para demonstrar seus posicionamentos e
para fazer com que o co-enunciador os aceite. Observamos neste gênero todas as
categorias do metadiscurso interpessoal inseridas nas expressões referenciais. Veja-se
um exemplo destas ocorrências.
(58) (...)Esse xadrez de alta complexidade e muitas
suscetibilidades que torna o Iraque uma verdadeira armadilha para
Washington, cujos desdobramentos irão muito além do mandato de
George W. Bush. (...)
(artigo de opinião)
Neste trecho de artigo de opinião, o conflito no Iraque é retomado ao longo do
texto por expressões recategorizadoras com alto teor avaliativo, sugerido pela
adjetivação empregada pelo autor/enunciador dentro das recategorizações. Observou-se
ainda o auxílio de expressões metadiscursivas na identificação da função metadiscursiva
nas retomadas. Neste sentido, as expressões apresentadas por Hyland (1998) e seus
63
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correspondentes sinônimos, quando observados nos períodos, indicavam a possibilidade
de uma expressão referencial exercer a função interpessoal, ou textual.
Este fenômeno pode ser observado a partir de uma análise comparativa entre
textos oriundos do âmbito acadêmico e textos que circulam nas mídias. O tratamento de
um mesmo tema em dois gêneros distintos - o artigo de opinião e o artigo científico -
pode ser observado a partir dos seguintes exemplos:
(59) O professor Pasquale publica, no Correio Popular
(Campinas) de 10/12/2006, um texto que pretende ser sobre a pronúncia
correta de certos verbos (raptar, captar, adaptar, impregnar, resignar,
optar, decapitar). Começa, como outras vezes, mencionando como mote
um verso de música popular (rapte-me, camaleoa).
Resumindo, diz ele que todos devem ter ouvido alguma forma
desses verbos pronunciada como se houvesse um “i” depois do “p”: opíto,
por exemplo; e, lógico, opição. Diz que, provavelmente, usamos essas
flexões porque pronunciamos a forma infinitiva desses verbos como se ela
contivesse um “i” (opitar etc.).
Recomenda fortemente que essas formas não sejam usadas no
português padrão, e nos avisa que, no entanto, devemos dizer decapitar e
decapito, porque esse verbo tem mesmo o tal “i”.
Pasquale mexe em um fato muito interessante do português.
Um levantamento dos tipos de sílaba existentes na língua mostra,
sumariamente, que elas são de vários tipos: ou são compostas de uma
vogal (a.cei.to), ou de uma vogal e de uma consoante (a.cei.to), de duas
consoantes e uma vogal (fru.ta), de uma vogal mais uma semivogal
(a.cei.to) etc. O que importa não é uma lista completa, mas certas
restrições. Por exemplo, sílabas do tipo de duas consoantes mais uma
vogal (fru.ta) aceitam como segunda vogal o “r” e o “l”. Finais de
sílabas aceitam “r”, “l”, “s” e nasais (mar.telo, mal.doso, mas.tiga,
men.te/tem.po). Quando é o caso, a esses padrões se pode acrescentar a
marca de plural, o que um final de sílaba um pouco mais complexo:
maus, por exemplo. Vou deixar de lado as nasais, porque elas se
constituem num problema muito particular. Todos sabemos que não se
pronuncia um “m” ou um “n” e muito menos um “nh” em final de sílaba,
mas uma semivogal (y ou w). Tente dizer bem e bom e você perceberá isso
claramente.
Sendo assim, as sílabas que terminam (ou terminariam) em /p, t,
q, b, d, g/ são atípicas. Em seu História e estrutura da língua portuguesa,
(Rio, Padrão, 1975), Mattoso chega a dizer que “na língua semi-popular
(ou oral coloquial), não existem esses grupos” (p. 63). Na verdade,
também não existem os grupos com /f/ em final de sílaba — ou seja, todas
as que terminariam com um som obstruinte (para cuja produção uma
obstrução na boca para a saída do ar). Também são muito atípicas sílabas
64
64
nas quais essas consoantes ocupariam posições intermediárias (obs.tinado,
adj.etivo etc).
O que é que o português falado faz com essas sílabas?
Acrescenta uma vogal: assim, palavras como afta, adjetivo, significar etc.
se tornam [á.fi.ta, a.di.je.ti.vo, si.gui.ni.fi.car] etc. Ou seja, sílabas que
seriam do tipo af. ou ad. ou sig. se reestruturam. Cada uma delas torna-se
duas, todas com estrutura bem assentada na língua: a.fi., a.di., si-gui. A
“regra” atinge também palavras cuja escrita pode nos enganar: por
exemplo, táxi e sexo são, de fato /tak-si/ e /sek-so/ e se tornam /táquisi/ e
/séquisso/, e palavras estrangeiras, como snob, que deu /es.no.be/, com um
acréscimo no começo e outro no final, mudando uma palavra que tem
uma sílaba em inglês para uma palavra que tem três em português. É o
que Mattoso acrescenta (Pasquale cairia de costas): “Assim, um verbo
como ritmar se conjuga no presente singular ritimo, ritimas, ritima...”.
Com uma conseqüência a mais: se as formas recebessem a vogal, às
vezes se tornariam proparoxítinas (rítimas). Mas acontece com elas outra
mudança, algumas vezes, e também um deslocamento do acento. Daí
ritímo, ritímas etc. e o tal de opíto, que Pasquale combate (o acento, aqui,
se destina a marcar a nica e não uma alteração também da grafia, que,
evidentemente, continua como sempre, isto é, opto, ritmas etc). Mas esse
deslocamento de acento não ocorre sempre. Por exemplo, afta nunca
resulta em afíta, sempre em áfita.
Em suma: exemplos de padrões silábicos óbvios na escrita
que não se sustentam na fala. Os casos mais evidentes são do tipo táxi,
que, na escola, aprendemos a dividir como se fossem duas sílabas CV: tá-
xi. Que Pasquale está falando de escrita ou tomando a escrita como
modelo fica claro até demais quando escreve: “muita gente flexiona
esses verbos como se no infinitivo houvesse um ‘i’ (‘ui’, na verdade)”.
Ora, o “u”, em palavras como sangue, está apenas para indicar a
pronúncia do “g” (daí, estendeu-se também a palavras como quina).
Indo um pouco adiante, pode-se dizer que se trata de casos de
variação ou seja, que falantes que acrescentam a vogal claramente,
outros que nem tanto. Dito de outra forma, constatam-se no português as
duas variantes: opto e opito. Se a forma básica é opito, encontram-se dela
duas pronúncias: com acento na penúltima ou na antepenúltima sílaba:
ópito ou opíto.
O que talvez seja mais interessante é o fato de que, para muitos
falantes, existe uma forma, e ela é forma, digamos, nova: opíto. Ou
seja: muita gente conhece a variação, as duas formas, e as usa conforme o
contexto, ou usa somente uma delas. Mas muita gente conhece uma. É
bastante comum que isso ocorra.
Recentemente, assistindo a uma defesa de tese cujo tema era o
destino das formas consideradas características do dialeto caipira por
Amadeu Amaral (quem nunca leu
O dialeto caipira, desse autor, não sabe
o que perdeu), ouvi de uma professora que fazia parte da banca que uma
65
65
pesquisa entre universitários em determinada região do Paraná mostrou
que, para muitos, pronúncias como palhaço e paiaço são corretamente
avaliadas como padrões e não-padrões, respectivamente, mas que, para
algumas palavras (como reio, por relho), a pronúncia padrão era
completamente desconhecida. Ou seja, muita gente nunca ouviu a forma
padrão relho em sua vida, e diz reio achando que é uma palavra do tipo
teia (de aranha).
Não muito tempo antes, há cerca de dois meses, participei de
uma mesa redonda ao lado de colegas cuja formação sofisticada é
indiscutível, e ouvi de um deles, mais de uma vez, a forma desiguína (o
tema eram os pronomes pessoais). Ou seja, se alguém disser a esse
professor que “o correto é desígna”, com acento na segunda sílaba, ele vai
achar muito estranho. E vai dizer que nunca ouviu ...
Finalmente, Pasquale provavelmente comete um erro ao dizer
que pronunciamos algumas formas verbais de certa maneira porque
achamos que o infinitivo contém um “i”. Ou seja, ela acha que derivamos
as formas flexionadas do infinitivo. A hipótese mais provável é que a
regra que reestrutura as sílabas funciona independentemente de formas de
base a cada vez que o fato ocorre. É por isso, entre outras coisas, que o
mesmo fenômeno ocorre com formas infinitivas, com formas finitas e
também com palavras que nada têm a ver com verbos, inclusive
estrangeiras, como áfita / séquisso, no primeiro caso, e hoti-dogui (hot-
dog) ou futebol (de foot bal), no segundo.
( Artigo de opinião )
Neste artigo de opinião, as expressões metadiscursivas conduzem o leitor a
uma compreensão presumida de que a variação dialetal é um aspecto positivo da
língua. Para isso, o enunciador/escritor se vale de interferências no discurso marcadas
por observações como em começa, como em outras vezes, (...). A expressão como em
outras vezes marca uma intromissão do enunciador que interfere no percurso do texto
para desviar ou chamar a atenção do co-enunciador para algum aspecto ainda não
revelado. No quadro das funções metadiscursivas descritas por Hyland (1998a), este é
um marcador relacional. Há, neste artigo, uma freqüência relevante de marcadores
interpessoais como os que podemos ver em Tente dizer ‘bem’ e ‘bom’ e você
perceberá isso claramente, em que o autor tenta, através da referência direta ao
interlocutor e da forma enfática claramente, estabelecer explicitamente uma interação
com o leitor.
A fim de ressaltar o comportamento dos marcadores em artigos científicos,
do ponto de vista das estratégias de persuasão empregadas pelo enunciador,
reproduzimos a seguir trechos de um texto deste gênero:
66
66
(60) (...) Se fosse perguntado ao leitor em que situações a
palavra oi é empregada, é bem provável que a resposta fosse: em
situação de cumprimento e de chamamento. Alguém, mais versado na
gramática normativa, talvez até pudesse lembrar seu nome: interjeição.
(...)Entre as classificações apresentadas é comum encontrar as
seguintes: de alegria; de animação; de aplauso; de desejo; de dor; de
chamamento; de espanto; de suspensão; de medo.
A que serve essa explanação sobre a interjeição, considerando-
se os objetivos deste texto? Na verdade, é o ponto de partida para buscar,
no uso corrente da língua, um emprego diferenciado da palavra oi.
muitos outros exemplos de variação no emprego de termos, com estudos
mais aprofundados. (...)
Existem estudiosos debruçados sobre fenômenos semelhantes
ao que servirá, aqui, de exemplo, analisando esse processo ao qual se dá
o nome de discursivização. O termo discursivização está sendo aqui
empregado no sentido que lhe é atribuído por alguns autores.
Considerada como um processo especial de mudança lingüística, a
discursivização
Esse reconhecimento contribui para invalidar uma afirmativa
corrente na sociedade, reforçada por alguns segmentos da dia
televisiva e impressa, de que os brasileiros são relapsos”,
preguiçosos” e “desrespeitososcom a língua portuguesa. Aceitando-se
que a língua se transforma pelo uso, e que varia em toda comunidade,
não cabem mais afirmativas como essa.
Como foi dito anteriormente, quanto mais distante do padrão
estabelecido, mais estigmatizada é uma variação. É interessante, porém,
um fato para o qual os falantes não parecem atentar. Qualquer falante de
uma língua incorre em errosse é tomado como referência um padrão
ideal. Na verdade, um padrão abstrato, que não sofre, imediatamente, as
variações decorrentes do uso real da língua.
Acontece, porém, que existem errosque chocam e erros
que não chocam. Comecemos pelos que não chocam. Em uma situação
informal, praticamente não se nota que houve um erro”, se ouvimos
alguém dizer: fazeno frio. Por outro lado, são considerados ignorantes
aqueles que dizem: nós foi ou os menino chegou. Por que isso ocorre?
(...)
Que inflexibilidade é essa que vale para alguns e que não vale
para todos? O que justifica afirmar que determinadas pessoas não
sabem falar português”?(...)
E como se aprende uma língua? O ser humano nasce com a
capacidade para aprender a falar. Uma aprendizagem que se se
este ser humano estiver em contato com outros. Uma explicação para a
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67
rapidez com que uma criança aprende a falar é a de que o ser humano
nasce com uma gramática universal, o que justificaria a facilidade com
que consegue depreender as regras que definem como as formas
lingüísticas se articulam, sabendo diferenciar o emprego de várias delas
em diferentes situações comunicativas.
Desde que não sejam portadoras de nenhum impedimento
fisiológico ou emocional todas as crianças aprendem a falar. E fazem
coisas extremamente criativas, demonstrando as hipóteses que vão
levantando a partir do que ouvem e observam. Exemplo disso é o
emprego de formas como saboefazi”. Sabo se refere à forma criada
para a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo saber. Por
analogia com a forma regular para a primeira pessoa, quer seja da
primeira, segunda ou terceira conjugação, constituída pelo radical mais a
desinência número pessoal -o, a crianças faz essa transferência da regra.
Como ouve cant-o, vend-o, part-o, utiliza sab-o. Reflexão semelhante,
ela faz ao empregar formas como fazi. Neste caso, também de
irregularidade do verbo fazer, mais uma vez utiliza-se do que
aprendeu sobre o emprego dos verbos regulares, comprovando que
pensa, enquanto aprende.
(...)Um outro aspecto que contribui para essa discussão,
especialmente no que se refere à idéia falsa de alguns de que existem
brasileiros que não sabem falar português, diz respeito à forma como a
linguagem se constitui.(...)
(Artigo de opinião)
Neste artigo científico, as expressões metadiscursivas interpessoais mais
observadas são as enfáticas, como é o caso de é verdade, na verdade e é comum. As
formas em negrito como as seguintes, aqui, esse reconhecimento, afirmativas como
essa constituem expressões que, por organizarem o conteúdo proposicional para o
leitor/co-enunciador, são metadiscursivas, no entanto, são observáveis suas
características dêiticas (as seguintes, aqui) e anafóricas (esse reconhecimento,
afirmativas como essa).
A classificação proposta por Hyland parte da consideração de que os aspectos
do discurso, além de serem sempre destinados a uma audiência específica, atendem a
propósitos sociais, como, por exemplo, a divulgação do conhecimento na comunidade
acadêmica. O metadiscurso é desdobrado, então, segundo a multifuncionalidade que se
lhe configura característica. A distribuição nos tipos textual e interpessoal feita por
Hyland é realizada a partir desta observação de que o metadiscurso é uma categoria que
pode ser materializada através de inúmeros dispositivos lingüísticos (desde a pontuação
e as marcas tipográficas a períodos e sentenças inteiras). Por esta razão, afirma Hyland,
68
68
somente as marcações lingüísticas não podem distinguir o metadiscurso do discurso
proposicional, pois tudo está relacionado a itens de outras partes do texto.
3.4 Proposta para análise crítico-discursiva das ERM.
Admitindo que as expressões referenciais metadiscursivas exercem funções
interativas que visem, ou do ponto de vista lingüístico, ou do ponto de vista ideológico,
a organizar os conteúdos textuais, reconhece-se o alto potencial axiológico de tais
manifestações. É por esta razão que conceitos como posicionamento, engajamento,
persuasão, escritor/enunciador e leitor/co-enunciador aparecem nesta pesquisa. Eles
representam elementos primordiais para a compreensão dos processos enunciativos e
discursivos envolvidos nas estratégias de textualização, na medida em que pretendemos
também discutir os resultados.
A interpretação do conteúdo axiológico das expressões referenciais
metadiscursivas será, então, realizada segundo as definições de discurso de Fairclough
(2001), para quem existem três aspectos constitutivos do discurso. O primeiro aspecto
contribui para a construção de identidades sociais e para as posições de sujeito; o
segundo constrói relações sociais; o terceiro e último ajuda na elaboração dos sistemas
de internalização de costumes e crenças.
Considerando a afirmação de Hyland (1998, p. 441) de que o metadiscurso
auxilia na compreensão do modo como os autores organizam seus argumentos, pode-se
estabelecer que as expressões referenciais consideradas como marcadores
metadiscursivos de reformulação permitem ao leitor não somente apreender o sentido
veiculado no texto, mas avaliar as estratégias utilizadas pelo autor. Nessa perspectiva,
uma questão se coloca, mediante essas observações: se esses mesmos marcadores
metadiscursivos e as expressões referenciais, cujo sentido remete o leitor a instâncias
ideológicas, permitem abstrair desse texto um outro significado além daquele
pretendido pelo autor/enunciador.
Sobre essa questão, Crismore (1990) comenta que um autor, ao produzir um
texto, faz seleções lexicais que lhe permitem demonstrar ao leitor a veracidade de seus
argumentos. Cabe ao leitor deixar-se persuadir ou argumentar contra as informações
recebidas. Por estar em acordo com essa perspectiva, esta é uma noção que se pretende
considerar aqui.
69
69
A seguir, estão relacionados os marcadores metadiscursivos conforme
descreve Hyland (1998) com suas consecutivas funções e exemplos.
Funções do metadiscurso em textos acadêmicos
Categoria função exemplos
Metadiscurso textual
Conectivos lógicos Expressar relações
semânticas entre orações
principais
Em adição / mas / por isso /
assim, dessa maneira / e /
Marcadores de
enquadramento
Referir-se explicitamente a
atos de discurso ou estágios
do texto
finalmente / para repetir /
nosso objetivo aqui/ tentamos
Marcadores endofóricos Referir-se a informações
em outras partes do texto.
Notado acima / veja Fig 1 /
quadro 2
Marcadores evidenciais Referir-se à fonte de
informação de outros textos
De acordo com X /Y. 1990
Marcadores reformulativos Ajudar leitores a
compreender significados
de material ideacional
A saber / exemplo / em
outras palavras / tais como
Metadiscurso interpessoal
Formas modalizadoras Demonstrar o compromisso
do escritor com as
afirmações apresentadas no
texto
poder / talvez / é possível /
sobre
Formas enfáticas Enfatizar a certeza do
escritor quanto à mensagem
De fato / definitivamente /
está claro / óbvio
Marcadores de atitude Expressa a atitude do
escritor em relação ao
conteúdo proposicional
Surpreendentemente /
concordo / X afirma
Marcadores relacionais Referir explicitamente ou
construir o relacionamento
entre escritor e leitor
Francamente / notou-se que /
você pode ver
Marcadores pessoais Referir explicitamente ao
autor.
eu / nós/ meu/ nosso
Tabela 2. funções metadiscursivas (modelo inspirado na descrição de Hyland
(1998).
O quadro acima esboça o plano de classificação das funções metadiscursivas
idealizado por Hyland (1998). Este quadro representa a divisão do metadiscurso em
duas grandes funções: a textual, que diz respeito ao tipo de forma metadiscursiva
70
70
empregada para estabelecer elos coesivos no texto, e a interpessoal, representada por
expressões que promovem um elo de aproximação entre o escritor e o seu leitor.
Embora os marcadores relacionados por Hyland como formas paradigmáticas para a
identificação das expressões metadiscursivas não apresentem expressões anafóricas ou
dêiticas, acredita-se que, considerado o co(n)texto em que estas expressões ocorrem,
pode-se verificar que estas exercem as funções descritas acima. Nesse sentido, o quadro
acima organizado com base na descrição de Hyland será usado no estudo de forma a
que os espaços destinados aos exemplos sejam preenchidos pelas expressões
referenciais identificadas nos artigos. Isso não significa dizer que se estar a propor uma
ampliação do quadro, mas uma classificação aberta, constitutivamente instável, que só
se completa e só se classifica ad hoc, a cada enunciação, em contextos particulares.
A partir da classificação proposta por Cavalcante (2004b, 2004c),
esquematizamos as principais características das introduções referenciais:
Introduções referenciais Função
Não-dêiticas Não pressupõem nem tempo
nem espaço, nem pessoa.
Introduzem um referente no
discurso.
Dêiticas Além de introduzirem um
referente novo, situam-no
com base nas coordenadas
dêiticas de tempo, espaço
ou pessoa.
Dêitica pessoal Identificam o enunciador e
o co-enunciador.
Dêitica social Identifica os papéis sociais
assumidos pelos
participantes da enunciação.
Dêitica espacial Indicam o local da
enunciação através do
emprego de expressões que
remetam a aspectos de
localização espacial
Dêitica temporal Indicam o tempo da
enunciação através do
emprego de expressões que
remetam a aspectos de
tempo
Dêitica memorial Indica inespecificamente
elementos que possibilitam
a recuperação do referente
71
71
na memória do co-
enunciador.
Dêitica textual Indica o espaço próprio da
enunciação, situando os
elementos no co(n)texto.
Tabela 3. Introduções referenciais (Baseada na classificação de Cavalcante,
2004c).
No que se refere à consideração destas descrições, mais dois elementos,
acrescentados por Cavalcante (2004c) à sua classificação, devem ser considerados no
momento da análise: o conhecimento compartilhado e a situação empírica. O primeiro
é um requisito necessário à recuperação de significado das formas não-dêiticas e
dêiticas de memória; a segunda está relacionada ao processo de significação das demais
categorias dêiticas. Estas distinções permitem uma análise mais substanciosa dos
processos dêiticos
Também com base na classificação e na definição das expressões referenciais
propostas por Cavalcante (2004b), elaborou-se o seguinte esquema para servir de apoio
à análise.
Continuidades
referenciais
Descrição/função
ANÁFORAS COM
RETOMADA
Retoma o antecedente
explícito no texto.
Anáfora
correferencial(total)
Designa o mesmo referente
Anáfora correferencial
co-significativa
Reitera termos, reafirmando
seu estatuto
Anáfora correferencial
recategorizadora
Apresenta o referente
materializado no texto sob
uma nova perspectiva.
ANÁFORA PARCIAL Apresentam-se precedidas
de um quantificador.
72
72
Anáfora parcial co-
significativa
ANÁFORAS SEM
RETOMADA/INDIRET
AS
Não apresentam
correferencialidade;
apresentam um referente
que, embora não retome
explicitamente nenhum
termo, caracteriza-se por
remeter a algum elemento
do co(n)texto.
Anáfora indireta com
recategorização de um
novo referente
Retoma elementos e os
apresenta como se fossem
entidades autônomas.
Anáfora indireta com
recategorização lexical
implícita
Recategoriza o referente
elidido no co(n)texto
Anáfora indireta com
recategorização lexical
Recategoriza um referente
por processo meronímico.
Anáfora encapsuladora Sintetiza em uma expressão
referencial porções
discursivas anteriores.
Anáfora encapsuladora
com dêitico
Resume proposições
anteriores do discurso por
formas híbridas: anafóricas
ou/e dêiticas.
Tabela 4. Continuidades referenciais (esquematização da classificação de
Cavalcante, 2004c).
3.4.1 Proposta metodológica para uma análise crítico-discursiva do texto
a partir das ERM
Com base em algumas das categorias da Análise Crítica do Discurso,
delineou-se uma proposta de interpretação do conteúdo axiológico das ERM. Trata-se,
sobretudo, de uma pequena contribuição teórica que objetiva oferecer um mecanismo de
73
73
compreensão textual a partir da verificação dos posicionamentos assumidos pelo
enunciador. Neste sentido, aparecem os principais pressupostos da ACD que são
descritos a seguir.
Fairclough (1992) propõe um modelo tridimensional de análise crítica
discursiva em que cada evento seja observado sob três ângulos ou dimensões que se
complementam: como texto, como prática discursiva e como prática social.
Na análise do texto, são descritos os elementos lingüísticos, incluindo o léxico,
as opções gramaticais, a coesão e a estrutura do texto; a análise como prática discursiva
se concentra em interpretar o texto em termos, considerando para tanto aspectos de sua
produção, distribuição e do consumo pelos leitores. É objetivo também, neste
procedimento, discutir a coerência e, conseqüentemente o sentido, e ainda as intenções
do texto e a sua interdiscursividade; a dimensão de análise de um evento discursivo
como prática social subordina a análise à consideração de aspectos sociais relacionados
às formações ideológicas e às formas de hegemonia.
A primeira categoria analítica apresentada é a intertextualidade, em seguida,
vem a categoria representação de atores sociais.
O foco de uma análise que tenha em conta a intertextualidade permite que o
texto seja observado a partir de um determinado contexto histórico; esse procedimento
permite que se perceba a incorporação de elementos trazidos por outros textos. O
conhecimento, as ideologias e os processos sociais são, então, entendidos a partir de
uma contínua recontextualização.
Fairclough (2001) classifica a intertextualidade em intertextualidade manifesta
e intertextualidade constitutiva/interdiscursividade. A primeira é percebida quando no
texto, as marcas de referência a outros textos são explícitas; a segunda é passível de
observação mediante os elementos das ordens do discurso.
Outros elementos importantes para uma análise empreendida a partir de uma
observação intertextual são a pressuposição, a negação, o metadiscurso e a ironia. As
características dos processos intertextuais mencionadas por Fairclough são, agora,
brevemente apresentadas:
As pressuposições apresentam características de manipulação do leitor/co-
enunciador, uma vez que o autor/enunciador pode organizar seu texto de modo a
convencer o seu co-enunciador; as frases negativas objetivam contradizer ou subverter
o texto fonte da intertextualidade; o metadiscurso é uma forma típica de
intertextualidade manifesta. Através dele, o enunciador revela diferentes níveis em seu
74
74
próprio texto, provocando um efeito de distanciamento do ato enunciativo e do próprio
enunciado.
Os modos como o metadiscurso se realiza na concepção da ACD podem ser
descritos como utilização de expressões evasivas (“espécie de”, “tipo de”); uso de
expressões de um outro texto ou convenção particular, ou metafóricas (“em termos
científicos”, “falando metaforicamente” etc); uso de paráfrase ou de reformulação de
uma expressão (“cultura empresarial” por “empreendimento”).
A representação dos atores sociais é uma categoria analítica que permite
observar os posicionamentos ideológicos e as atividades destes atores. A referência a
tais atores, ou o modo como esta referência é feita, pode indicar julgamentos de valores
que a sociedade, representada na voz do enunciador, faz deste ator. Alguns dos atores
sociais citados por Resende e Ramalho (2006) são Osama bin Laden, George W. Bush e
Saddan Hussein.
Esta categoria permite que o discurso seja analisado a partir de duas
perspectivas, a personalização e a impersonalização, estas se subdividem ainda em:
nomeação, categorização, generalização, agregação, coletivação e autonomização do
enunciado, conforme se vê em Resende e Ramalho (2006).
Esta nomenclatura e classificação, proposta por van Leeuwen (1997), divide a
representação do ator social em duas formas: uma, em que ele é nomeado, a sua
identificação por um, ou mais de um, dos recursos mencionados acima, é a
personalização; e outra forma em que uma realização lingüística que representa o
ator social através de uma referência ao seu enunciado. Assim, pode-se observar esta
modalidade em construções como “o relatório afirmou” ao invés de “o ministro
afirmou”.
Estas categorias foram apreendidas do modelo tridimensional, proposto por
Fairclough (2001), que pode ser mais bem observado a partir do seguinte quadro
elaborado pelo autor:
Quadro 01Análise do texto
ELEMENTOS
DE ANÁLISE
TÓPICOS OBJETIVOS
75
75
Geral
Descrever as características
organizacionais gerais, o
funcionamento e o controle das
interações.
Polidez
Determinar quais as estratégias de
polidez são mais utilizadas na
amostra e o que isso sugere sobre
as relações sociais ent
re os
participantes.
Controle
interacional
Estrutura textual
Ethos
Reunir as características que
contribuem para a construção do eu
ou de identidades sociais.
Coesão Geral
Mostrar de que forma as orações e
os períodos estão interligados no
texto.
Geral
Trabalhar com a transitividad
e
(função ideacional da linguagem),
tema (função textual da linguagem)
e modalidade (função interpessoal
da linguagem).
Transitividade
“Verificar se tipos de processo
[ação, evento...] e participantes
estão favorecidos no texto, que
escolhas de voz são f
eitas (ativa ou
passiva) e quão significante é a
nominalização dos processos”
(Fairclough, 2001: 287.)
Tema
Observar se existe um padrão
discernível na estrutura do tema do
texto para as escolhas temáticas das
orações.
Gramática
Modalidade
Determinar padrões por
meio da
modalidade, quanto ao grau de
afinidade expressa com
proposições.
76
76
Significado
de palavras
Enfatizar as palavras-
chave que
apresentam significado cultural, as
palavras com significado variável e
mutável, o significado potencial de
uma
palavra, enfim, como elas
funcionam como um modo de
hegemonia e um foco de luta.
Criação
de palavras
Contrastar as formas de
lexicalização dos sentidos com as
formas de lexicalização desses
mesmos sentidos em outros tipos
de textos e verificar a perspect
iva
interpretativa por trás dessa
lexicalização.
Vocabulário
Metáfora
Caracterizar as metáforas utilizadas
em contraste com metáforas usadas
para sentidos semelhantes em outro
lugar, verificar que fatores
(cultural, ideológico, histórico etc)
determinam a escolha de
ssa
metáfora. Verificar também o
efeito das metáforas sobre o
pensamento e a prática.
Quadro 1 (FAIRCLOUGH, 2001).
O quadro 02 apresenta uma síntese da análise da prática social, considerando-
se o que expõe Fairclough acerca do tema.
Quadro 02 – Análise da prática social
ELEMENTOS
DE ANÁLISE
OBJETIVOS
Matriz social do
discurso
“Especificar as relações e as
estruturas sociais e hegemônicas
que constituem a matriz dessa
instância particular da prática
77
77
social e discursiva; como essa
instância aparece em relação a
essas estruturas e relações [...]; e
que efeitos ela traz, em termos de
sua representação ou
transformação?” (Fairclough,
2001: 289-290).
Ordens
do discurso
Explicitar o relacionamento da
instância da prática social e
discursiva com as ordens de
discurso que ela descreve e os
efeitos de reprodução e
transformação das ordens de
discurso para as quais colaborou.
Efeitos
ideológicos
e políticos
do discurso
Focalizar os seguintes efeitos
ideológicos e hegemônicos
particulares: sistemas de
conhecimento e crença, relações
sociais, identidades sociais (eu).
Quadro 2 (FAIRCLOUGH, 2001).
Fairclough elabora, para a aplicação da análise discursiva, o seguinte quadro:
Quadro 03 – Análise da prática discursiva
PRÁTICAS
DISCURSIVAS
TÓPICOS OBJETIVOS
78
78
Interdiscursividade
Especificar os tipos de
discurso que estão na
amostra discursiva sob
análise, e de que forma
isso é feito.
“É a amostra
discursiva
relativamente
convencional nas suas
propriedades
interdiscursivas ou
relativamente
inovadora?”
(Fairclough, 2001:
283).
Produção
do texto
Intertextualidade
manifesta
Especificar o
que outros textos estão
delineando na
constituição do texto
da amostra, e como
isso acontece.
Como ocorre
a
representação
discursiva
: direta ou
indireta? O discurso
representado está
demarcado
claramente? O que
está representado:
contexto, estilo ou
significado ideacional?
Como
as
pressuposições
estão
sugeridas no texto?
Distribuição
do texto
Cadeias
intertextuais
Especificar a
distribuição de uma
amostra discursiva
através da descriç
ão
das séries de textos
nas quais ou das quais
é transformada.
(Quais os
tipos de
transformações, quais
79
79
as audiências
antecipadas pelo
produtor?).
Consumo
do texto
Coerência
Considerar as
implicações
interpretativas das
particularidades
intertextuais e
i
nterdiscursivas da
amostra. Como os
textos são
interpretados e quanto
de trabalho inferencial
é requerido.
Condições
da prática
discursiva
Geral
Especificar
as práticas sociais de
produção e consumo
do texto, ligadas ao
tipo de discurso que a
amostra representa.
A produção é
coletiva ou individual?
diferentes
estágios de produção?
“As pessoas
do animador, autor e
principal são as
mesmas ou
diferentes?”
(Fairclough, 2001:
285).
Quadro 3 (FAIRCLOUGH, 2001).
A intertextualidade e a representação dos atores sociais constituem então as
categorias da ACD que foram utilizadas para interpretar, a partir das ERM, os
posicionamentos assumidos pelo enunciador no texto. Foi feita uma análise
introdutória, ressaltando elementos do contexto histórico-social em que se deu a
produção do texto a fim de prevenir o leitor/co-enunciador de fatores lingüísticos e
extralingüísticos indispensáveis ao processo de construção de sentido do texto, a partir
disso, objetivou-se descrever alguns aspectos ideológicos presentes nos textos.
80
80
3.6 Sugestão de consideração crítico-discursiva do conteúdo axiológico das
ERM
Apresentadas as categorias fundamentais em que se enquadram as expressões
metadiscursivas, a classificação que se pretende empregar para o reconhecimento das
expressões referenciais e ainda considerados os fatores inerentes ao fazer discursivo,
conforme alguns pressupostos da ACD, discorre-se, neste momento, sobre como
poderiam ser analisadas as ERM segundo a proposta aqui apresentada.
O primeiro texto apresentado é um artigo de opinião em que se pode observar
claramente o emprego das expressões referenciais metadiscursivas que aparecem em
negrito.
(61)“DEPOIS DA CAMPANHA
A onda antimídia
Esta onda antimídia está ganhando proporções de
verdadeiro linchamento. E como vivemos na era da Internet, trata-se
de um linchamento digital. Digital, mas não virtual. Linchamento
como todos: agressivo, delirante, sumário e, sobretudo, covarde,
produzido por um rancor jamais visto entre nós.
Na quinta-feira (2/10), na Folha de S.Paulo, a colunista de
política Eliane Cantanhêde denunciou a avalanche de e-mails ofensivos
e ameaçadores que atulha a caixa postal de jornalistas e de veículos.
Ela não é a única vítima desta insanidade. As mensagens são
evidentemente enviadas por militantes petistas, mas não se sabe se
fazem parte da facção dos "aloprados" mencionada pelo presidente
Lula. Certo é que se distanciaram da bandeira do "paz e amor" que deu
a vitória ao PT, em 2002. Gente assim, que aposta no vale-tudo, foi
capaz de comprar o Dossiê Vedoin para divulgá-lo às vésperas do
primeiro turno e agora reclama porque a imprensa acompanhou todos os
seus lances.
A razão do ministro
O estouro da manada nunca acontece por acaso. Alguém o
provoca. Neste episódio, é possível que alguém o esteja orquestrando
através dos ressentimentos fabricados no momento em que se levou a
mídia para os palanques eleitorais, e os transformaram em
justiçamentos sumários. São os aprendizes de feiticeiros que sabem
como criar um clima de quebra-quebra, mas não sabem como evitar as
vítimas fatais. Neste caso, a vítima é o respeito humano e também o
Estado de Direito.
81
81
A verdade é que cinco dias depois da espetacular façanha
eleitoral, seus vencedores estão mais preocupados com o panorama
político pós-eleitoral do que estavam antes da votação. E não é por
causa da oposição. Também não é por causa da disputa interna em torno
da política econômica. A violência antimídia seja ela física ou digital
mostra que o ministro Tarso Genro tem razão quando lembra que
"resíduos de autoritarismo" em militantes do PT.
Não foi apenas o PT que sofreu o rigor da ditadura, mas uma
ala do PT parece disposta a reavivar o seu clima de terror e
intimidação.”
(Artigo de opinião).
Os itens em destaque, em negrito, no exemplo (61), configuram uma série de
termos, a nosso ver, referenciais metadiscursivos. O termo depois da campanha, que
aparece logo acima do título do artigo, faz parte do texto e localiza o momento da
enunciação temporalmente. Do ponto de vista metadiscursivo admitido aqui, este termo
é um marcador endofórico, que remete a informações de outras partes do texto, se
considerarmos o discurso como uma instância atravessada por múltiplos discursos,
conforme se preconiza na análise do discurso francesa, pois, mesmo que o texto se
inicie materialmente aí, ele remete a uma situação anterior, ou a uma outra instância
discursiva já em andamento. Do ponto de vista da referenciação, é um dêitico de tempo,
pois informa ao co-enunciador o momento da enunciação a partir do tempo em que foi
enunciado o texto. A partir disso, todas as informações extralingüísticas necessárias à
compreensão do sentido pretendido no texto podem começar a ser processadas sócio-
cognitivamente.
Embora retome o subtítulo, a expressão introdutória esta onda antimídia é uma
anáfora interpessoal relacional, pois a mensagem é repassada como se o co-
enunciador conhecesse o tema do artigo. Esta também pode representar uma
estratégia de envolver o leitor de forma a persuadi-lo. Neste artigo, “a onda antimídia” é
sempre recategorizada lexicalmente, de forma que se percebe uma gradativa ênfase no
aspecto negativo do ato narrado. Estas retomadas apresentam forte teor axiológico e
caracterizam, por isso, uma grande presença de formas atitudinais nas anáforas em
negrito.
É através destas estratégias que o enunciador visa a conquistar o co-
enunciador e convencê-lo do seu posicionamento. Pode-se acrescentar, ainda,
considerando alguns pressupostos teóricos da ACD, que esta seleção lexical do
82
82
enunciador para a expressão dos referentes está subordinada a um posicionamento de
reação a um evento que se configurou a partir da campanha de reeleição do presidente
Lula. Neste sentido, a conjuntura relativa a tais fatos remete a uma transformação social
operada no Brasil, em que as condições de produção do texto se deram a partir de um
processo de transição do poder político, no caso, a substituição dos partidos de direita
pelos de esquerda.
Como o objetivo neste momento da pesquisa foi analisar as ERM e indicar
como os posicionamentos do enunciador são flagrados no texto, analisou-se os eventos
discursivos através da categoria da intertextualidade e da noção de recontextualização
responsável pela temática do texto, em seguida, associou-se a categoria da
representação de atores sociais à noção de recategorização na medida em que esse
processo informa o leitor sobre o posicionamento do autor em relação ao evento
discursivo.
Neste texto, percebeu-se, ainda, que inúmeras vozes se manifestam e remetem
a aspectos dessa mudança social ocorrida no Brasil. Entrevê-se, então, uma
interdiscursividade que é percebida através de expressões que ativam na memória do
leitor um conhecimento prévio de instâncias sociais que remetem aos fatores violência,
injustiça, covardia. Todos estes recursos interpessoais se organizam no texto de modo a
convencer e a obter uma adesão. Estão presentes neste enunciado os discursos
antiviolência, quando o autor/enunciador escolhe os termos como: Linchamento como
todos: agressivo, delirante, sumário e, sobretudo, covarde; o discurso psicológico pode
ser percebido nas expressões desta insanidade e "aloprados"; o discurso do
estranhamento: Gente assim e seus lances; neste caso, dizemos “estranhamento” por se
tratar de uma fala própria do enunciador que quer demonstrar o distanciamento
ideológico do objeto-de-discurso que está construindo; o discurso antiterrorista: terror e
intimidação.
Percebe-se que uma recontextualização destes discursos: o discurso que
unifica tematicamente o artigo é o da não-violência, mas o status de agressividade da
escolha lexical, no entanto, deixa transparecer um posicionamento não exatamente
pacifista. Observe-se no quadro seguinte a esquematização de como estes discursos
foram aqui observados:
Realizações lingüísticas Vozes representadas
Discurso direto "resíduos de autoritarismo" Mídia brasileira
Militantes petistas
83
83
respeito humano
Estado de Direito
Vencedores da eleição
Ministro Tarso Genro
O PT
Discurso indireto a colunista de política Eliane
Cantanhêde denunciou a
avalanche de e-mails
ofensivos e ameaçadores
Colunista Eliane Cantanhêde
Tabela 5 Análise intertextual do exemplo(61).
A análise por meio deste critério ressalta, de alguma maneira, as vozes
presentes no texto e a observação da forma como são representadas permite que o leitor
perceba se há algum desequilíbrio na representação, o que desfavorece o discurso
recontextualizado. Seguindo este raciocínio, pode-se indagar, por exemplo: Quem
representa este discurso? E o discurso do “paz e amor”, representa quem? E o discurso
de que existe “resíduos de autoritarismo” em militantes do PT, representa que vozes?
A categoria da representação de atores sociais é observada, aqui, do ponto de
vista da referenciação. Com intuito de demonstrar como as nomeações destes atores
indicam um conteúdo avaliativo, aproveitou-se o quadro proposto por Resende e
Ramalho (2006) que foi adaptado de forma a registrar a identificação dos atores sociais
a partir da forma como eles são recategorizados
9
, de modo que se verificasse a
representação desses atores no texto conforme os processos de retomada. Observe-se no
quadro abaixo a esquematização da representação dos atores sociais deste discurso com
as realizações lingüísticas das escolhas representacionais:
Atores sociais Personalização
Impersonalização
Nomeação
Recategorização
Autonomização
do enunciado.
Eliane Cantanhêde 1 2
Militantes petistas 2 3
Jornalistas 1 2
Veículos 1 1
Presidente Lula 1
9
No modelo proposto por Resende e Ramalho(2006), o segundo tipo de personalização aparece
como categorização, em nossa esquematização, no entanto, substituímos este item por recategorização.
84
84
A imprensa 1 1
A violência
antimídia
1 11 3
Tarso Genro 1 1
Tabela 6. Representação de atores sociais no exemplo (61).
O tema do texto em análise é a violência antimídia em decorrência da re-
eleição do presidente Lula. Este evento é representado no texto com a nomeação e onze
(11) recategorizações que são transcritas a seguir: onda antimídia, verdadeiro
linchamento, linchamento digital, não virtual, (linchamento) agressivo, (linchamento)
delirante, (linchamento) sumário, (linchamento) covarde, o estouro da manada, este
episódio, justiçamentos sumários. Estas recategorizações informam ao leitor o
posicionamento do autor em relação ao evento, estabelecendo uma reação a este, que
pode ser interpretada como uma indignação perante um ato de extrema violência.
Infere-se, no entanto, com o desenrolar do texto, que este discurso representa a
ideologia que se revela contra a política esquerdista. Observe-se que as recategorizações
de militantes petistas enquanto atores da violência se faz por meio de expressões
extremamente axiológicas: aloprados, aprendizes de feiticeiros e gente assim. Esta
última recategorização, que também pode ser considerada um encapsulamento, que
resume toda a caracterização utilizada no texto para referir os militantes do PT, inicia
um período que denuncia o posicionamento antiesquerda supramencionado. O
enunciador, em estratégia metadiscursiva
10
, atribui aos petistas um evento que se soma
ao já exposto no texto para reforçar os pontos negativos deste ator social.
Se se quiser insistir na interpretação destas expressões como denunciadoras de
um discurso antiesquerdista, pode-se explorar sua contextualização. Desta forma, ele
pode ser descrito como um discurso situado em um período de reeleição de um
presidente esquerdista que se deu em meio a uma série de denúncias de corrupção deste
mesmo governo, suscitando na sociedade questionamentos acerca do processo de
democratização do país. Em meio a estas denúncias, dúvidas sobre a veracidade destes
fatos aparecem, e a imprensa é questionada sobre a imparcialidade com que deveria
repassar as informações. Deste embate entre governo e mídia é que surgiram textos
como o que foi analisado.
10
Aqui, a expressão estratégia metadiscursiva é empregado no sentido de estratégia
metaenunciativa.
85
85
Observe-se este outro artigo de opinião:
(62) A mãe de todas as confusões
Quando imaginávamos que tudo o que havia para dar errado
no Iraque já ocorreu, novos desenvolvimentos sugerem que a encrenca
pode ser ainda maior do que haviam antecipado os mais ferrenhos
adversários da invasão norte-americana.
Com efeito, se arrependimento matasse, George W. Bush
deveria ter-se encontrado com seu Criador. É claro que o inquilino da
Casa Branca jamais irá admiti-lo, mas, se lhe resta algum senso de
objetividade, o mandatário deve estar amaldiçoando o dia em que se
deixou convencer por assessores a despachar tropas para a região.
Na visão dos neoconservadores americanos, a intervenção
bélica tinha como objetivos livrar o mundo da ameaça representada
pelas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, acabar com o
apoio material e logístico que o regime de Bagdá oferecia a
organizações terroristas como a Al Qaeda e destruir uma das mais
sanguinárias ditaduras do planeta, plantando a semente da democracia
no Crescente Fértil.
Não foi preciso mais do que algumas semanas para ficar claro
que as armas de destruição em massa não existiam e que os supostos
vínculos entre Saddam e a Al Qaeda não passavam de delírio neocon. É
verdade que os iraquianos se livraram do ditador, mas apenas para
mergulhar numa guerra civil particularmente mortífera cujo fim
ninguém vislumbra. Tudo o que George W. Bush conseguiu semear no
Oriente Médio foi instabilidade política e a proliferação de organizações
terroristas subsidiárias da Al Qaeda.
No plano interno dos EUA, a intervenção ajudou Bush a
conquistar seu segundo mandato, mas os próprios norte-americanos
acabaram percebendo, quatro anos e US$ 430 bilhões depois, o tamanho
da encrenca em que o presidente os meteu. A aventura custou aos
republicanos a maioria nas duas Casas do Congresso e, ao que tudo
indica, os levará a uma derrota histórica no pleito presidencial de 2008.
E as coisas podem piorar ainda mais. Como mostrou
reportagem de “The New York Times” desta semana, generais dos EUA
estão mudando de estratégia para lidar com a insurgência. Num plano
ousado, eles estão armando grupos sunitas vinculados ao antigo regime
do partido Baath, de Saddam Hussein, que se disponham a combater
núcleos sunitas ligados à Al Qaeda. Até pouco, ambas as vertentes
atuavam como aliadas atacando os soldados estrangeiros, mas sinais
crescentes de que os sunitas
baathistas estão descontentes com as
86
86
táticas dos integristas, que não hesitam em explodir civis sunitas para
cumprir seus intentos.
A idéia segue uma lógica. Sunitas do Baath têm todos os
motivos do mundo para odiar os norte-americanos que, afinal, acabaram
com a sua festa ao derrubar Saddam. que, hoje em dia, eles odeiam
ainda mais os fundamentalistas islâmicos e, desde sempre, mais ainda
os "persas", que é como eles se referem aos xiitas. Não é impossível,
portanto, que os sunitas baathistas, que sempre foram laicos, usem as
armas norte-americanas para matar em primeiro lugar sunitas ultra-
ortodoxos. Só que nada garante que eles não as utilizarão também para
atacar norte-americanos e xiitas, hipótese em que os EUA estariam
municiando seus próprios carrascos e ainda agravando a guerra civil
iraquiana.
De resto, a mudança de estratégia coloca uma questão
incômoda. Se os generais dos EUA cogitam de usar o pessoal de
Saddam para fazer frente aos fundamentalistas, por que diabos eles
derrubaram o ex-ditador?
Meu leitor habitual é testemunha de que sou um entusiasta da
democracia, mas seria brigar contra os fatos deixar de reparar que é nos
países árabes mais democráticos (ou menos tirânicos) que o integrismo
prospera. As duas nações que permitem que sua população se manifeste
livremente através de um sistema representativo são a Autoridade
Nacional Palestina e o Líbano. E ambos estão com problemas. Os
palestinos com o Hamas; e os libaneses com o Hizbollah e, mais
recentemente, com o Fatah al Islam. Será que apenas ditaduras
conseguem frear a ameaça fundamentalista islâmica?
Deixo essa intrigante questão para uma coluna futura. Por
ora, voltemos ao Iraque, mais especificamente à sua fronteira norte,
onde se localiza a região curda do país, que era a única a viver em
relativa tranqüilidade. Não mais. O Exército turco está concentrando
tropas na área e lançando disparos de artilharia contra o que classifica
como posições de rebeldes curdos encravadas em território iraquiano.
Os generais turcos não escondem que gostariam de lançar uma
operação de maior envergadura. Os EUA tentam, como podem,
convencer Ancara a adotar um "low profile". Até aqui têm conseguido.
A última coisa de que precisam é o envolvimento de mais uma nação
estrangeira no "imbróglio" iraquiano.
A Turquia, é claro, exagera na retórica contra os curdos, etnia
sem pátria à qual pertence cerca de 20% da população do país e que
reclama a criação de um Curdistão independente, mas é inegável que
existe um problema. nos últimos dois meses, 30 soldados turcos
foram mortos em ataques, e nos primeiros nove meses do ano cerca de
600 pessoas foram mortas em atos de violência ligados aos militantes,
segundo dados oficiais de Ancara.
87
87
Além da Turquia e do Iraque, há significativas populações
curdas no noroeste do Irã e porções da Síria. Um eventual
envolvimento direto da Turquia na explosiva questão curda, que
enreda tantos países, elevaria a crise iraquiana a um novo patamar.
Para agravar um pouco mais o quadro, os países árabes guardam
profundo ressentimento da Turquia, que, até o início do culo passado,
dominava a região através do Império Otomano. O império acabou, mas
as rivalidades, não. Na escala dos ódios regionais, os turcos ficam logo
abaixo dos israelenses, mais ou menos empatados com os persas.
É esse xadrez de alta complexidade e muitas
suscetibilidades que torna o Iraque uma verdadeira armadilha para
Washington, cujos desdobramentos irão muito além do mandato de
George W. Bush. Compreende-se que o atual presidente não retire as
tropas do país. Fazê-lo equivaleria a admitir derrota. Mas, ao que tudo
indica, nem mesmo o provável sucessor democrata de Bush poderá
"declarar vitória e trazer os rapazes de volta". Pelo menos não tão
rapidamente como a população gostaria. É que os EUA estão presos a
uma rede de alianças e lealdades contraditórias que simplesmente
implodiria com uma eventual fragmentação do Iraque.
No cenário mais provável, a dissolução do Iraque multiétnico
daria lugar a três Estados, um de maioria árabe xiita (60% da
população), outro árabe sunita (20%) e um terceiro curdo (20%), que
tenderiam a guerrear entre si pelo controle dos ricos lençóis petrolíferos.
O problema é que o conflito dificilmente ficaria restrito a esses três
grupos. Como já vimos, a Turquia fará de tudo para impedir o
surgimento de um Curdistão independente. (...)
Nessa confusão, os EUA nem saberiam quem apoiar, pois
são nominalmente aliados de todas as partes, exceto o Irã. A Turquia
está ao lado da Casa Branca na Otan. o governo de maioria xiita
iraquiano foi criado e é sustentado política e militarmente por Bush.
(...).
(Artigo de opinião).
Também neste artigo, o autor inicia sua exposição através de introduções
referenciais como se fossem retomadas. O assunto do texto, no entanto, só é recuperável
em situações extralingüísticas e por meio de algumas pistas deixadas pelo enunciador,
tais como Iraque, invasão norte-americana. Através destes elementos é que é
identificado o tema central do artigo, que é o conflito entre norte-americanos e
iraquianos. A despeito disso, o co-enunciador ainda não relacionou as anáforas ‘tudo’
‘novos desenvolvimentos’ e a encrenca’ aos seus respectivos referentes. Isto será
possível na progressão do texto.
88
88
Neste artigo, o posicionamento do autor se revela, sobretudo, mediante o
emprego de anáforas recategorizadoras a partir de elementos extremamentes
informacionais para o leitor. Observe-se, por exemplo, que George W. Bush é
recategorizado como inquilino da casa branca, o mandatário e presidente; o conflito
entre norte-americanos e iraquianos, por sua vez, é recategorizado como a encrenca, a
intervenção bélica, a aventura, insurgência, imbróglio iraquiano. As anáforas
encapsuladoras, por seu turno, remetem a questões mais amplas do que as referidas no
texto: permitem aos co-enunciadores agregar outros elementos à mensagem além das
informações fornecidas pelo autor.
Do ponto de vista metadiscursivo, expressões anafóricas como um eventual
envolvimento e explosiva questão curda exercem a função interpessoal: a primeira,
modalizada pela expressão eventual e a segunda, enfatizada pelo adjetivo explosiva.
Nesse sentido, observa-se que o enunciador se posiciona ideologicamente contra a
invasão norte-americana no Iraque. Esta compreensão se depreende do fato de o ator
social presidente Bush ser representado no texto como o mandatário de uma encrenca,
o imbróglio iraquiano. Estas recategorizações reforçam, do ponto de vista
argumentativo, a tese de que o conflito no Iraque foge ao controle de George W. Bush,
interpretação que pode ser constatada através do seguinte período: É esse xadrez de alta
complexidade e muitas suscetibilidades que torna o Iraque uma verdadeira armadilha
para Washington, cujos desdobramentos irão muito além do mandato de George W.
Bush.
A observação do texto através de uma perspectiva intertextual revela pontos de
entrecruzamentos de vozes no texto. No quadro abaixo, pode-se observar como o
enunciador se apropria de alguns discursos, recontextualizando-os para que estes sirvam
ao seu propósito argumentativo.
Realizações lingüísticas Vozes representadas
Discurso direto Os EUA tentam, como
podem, convencer Ancara a
adotar um "low profile"
"declarar vitória e trazer os
rapazes de volta".
1.Os EUA
2. George W. Bush
Discurso indireto 1.o que classifica como
posições de rebeldes curdos
encravadas em território
iraquiano.
2. Na visão dos
1.O Exército turco ;
2. neoconservadores americanos;
3.“The New York Times”;
4. Sunitas do Baath;
5.Os generais turcos;
89
89
neoconservadores
americanos, a intervenção
bélica tinha como objetivos
livrar o mundo da ameaça
representada pelas armas de
destruição em massa de
Saddam Hussein(...);
3.(...)generais dos EUA estão
mudando de estratégia para
lidar com a insurgência.
4.eles odeiam ainda mais os
fundamentalistas islâmicos;
5.os turcos já não escondem
que gostariam de lançar uma
operação de maior
envergadura.
Tabela 7 Análise intertextual do exemplo (62).
Nesta representação, as proposições permitem observar os aspectos
ideológicos que perpassam no texto, o que demonstraria o posicionamento desfavorável
à guerra assumido pelo autor/enunciador. Os eventos aspeados são uma menção direta
ao dizer da voz representada. O termo “low Profile” pode, por um lado remeter o
leitor/co-enunciador a uma expressão representativa da política norte-americana de
influência cultural sobre os demais países, como ainda pode remeter o leitor ao fato de
que o estrangeirismo é uma forma de o enunciador demonstrar que essa influência é
uma realidade. "declarar vitória e trazer os rapazes de volta" é uma recontextualização,
ou seja, o autor selecionou um trecho da fala do presidente norte-americano e o inseriu
em um contexto em que esta fala assume um novo significado, diferente do original,
possivelmente para provocar um efeito de sentido contrário ao pretendido por George
W. Bush.
O discurso indireto recontextualiza as vozes representadas a partir de uma
perspectiva assumida pelo autor/enunciador. Neste caso, paráfrases como . “Na visão
dos neoconservadores americanos, a intervenção bélica tinha como objetivos livrar o
mundo da ameaça representada pelas armas de destruição em massa de Saddam
Hussein(...)” acrescentam ao conteúdo original do texto aspectos do próprio ato
enunciativo. O leitor/co-enunciador, neste caso, não tem como identificar rigorosamente
um traço de veracidade da atribuição mencionada pelo autor.
90
90
Observe-se no quadro abaixo a esquematização da representação dos atores
sociais deste discurso com as realizações lingüísticas das escolhas representacionais:
Atores
sociais
Personalização
Impersonalização
Nomeação
Recategorizações
Autonomização
do enunciado.
George W. Bush 4 3
Saddam Hussein 3 1
Al Qaeda 4
Os norte-
americanos
1
Sunitas-
baathistas
1
Sunitas ultra-
ortodoxos
1 1
O leitor habitual
do enunciador
1
Os palestinos 1
Os libaneses 1
O exército turco 1 1
O conflito EUA
x Iraque
11
Tabela 8. Representação de atores sociais em “A mãe de todas as confusões”.
Este artigo de opinião sobre o conflito entre EUA e Iraque, do ponto de vista
da representação dos atores sociais, é construído diante das figuras mais
representativas dos dois países: George W. Bush (4 nomeações e 3 recategorizações) e
Saddan Hussein (3 nomeações e 1 recategorização). Não é, no entanto, a partir destes
dados que posicionamento do enunciador é identificado, mas, sobretudo, a partir das
recategorizações referentes ao conflito. Quanto a isto, não se observa, de forma
explícita, uma introdução referencial que possa servir de âncora às recategorizações: o
próprio título do artigo é uma recategorização do evento político-social guerra no
Iraque: a mãe de todas as confusões, e revela um posicionamento do autor que será
confirmado ao longo do texto: o de que o conflito é uma “trapalhada” do presidente
91
91
norte-americano George W. Bush. Esta interpretação se confirma nas seguintes
recategorizações do evento: encrenca, aventura, “imbróglio” iraquiano, confusão.
O artigo de pesquisa reproduzido abaixo representa prototipicamente este
gênero do ponto de vista que se quis, aqui, investigar: nele, estão presentes quase todas
as ocorrências de ERM observadas nos demais artigos acadêmicos do corpus, de modo
que sua reprodução aqui aparece quase integralmente.
(63) Este trabalho apresenta uma análise morfo-fonológica
dos prefixos no português brasileiro (PB), orientada por dois objetivos:
primeiro, o de categorizá-los prosodicamente; segundo, o de situá-los
em uma proposta de léxico segmentado em níveis.(...)
Está organizado da forma que segue. Na seção 1 apresenta-se
a delimitação dos dados analisados; na seção 2, discute-se o status
prosódico do prefixo; na seção 3, o status lexical; por fim, na seção 4,
trazemos nossas conclusões.
1. Delimitação dos dados
Começaremos por delimitar os prefixos que serão utilizados ao
longo de nosso estudo tendo por base levantamento realizado nas
gramáticas de Celso Cunha (1980) e Napoleão Mendes de Almeida
(1989) e nas formações novas apresentadas por Sandmann (1989), com
as adaptações necessárias a esta análise.
No quadro 1 separamos os prefixos, inicialmente, em dois
grupos, dissilábicos e monossilábicos. O critério para eleger esse
conjunto de prefixos diz respeito às suas características fonológicas e
morfológicas, mais do que semânticas. (...) Nosso esforço será no
sentido de ser fiéis às suas características, mais do que a eles
propriamente, ao longo de nossa discussão. Além disso, procuraremos
nos restringir a vocábulos cuja prefixação seja sincronicamente
identificável.
(...)
A divisão dos prefixos em monossilábicos e dissilábicos,
apresentada no quadro 1, ainda não reflete nossa hipótese acerca de seu
caráter prosódico. Propomos que sejam redistribuídos entre o que
chamaremos de prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos
(PLs), admitindo, preliminarmente, que os primeiros têm a estrutura
prosódica de vocábulos fonológicos independentes (w) e que os
segundos se estruturam como sílabas átonas (s) adjuntas ou
incorporadas à base a que se ligam. Traçando um paralelo com outras
categorias morfossintáticas, PCs têm o mesmo perfil prosódico dos
compostos autênticos, enquanto PLs perfilam-se como clíticos.
92
92
Suas diferenças estruturais são garantidas pelo nível do léxico
em que são afixados.
Para sustentar essa hipótese usaremos como argumentos,
inicialmente, o acento e a oposição forma livre / forma presa(...)
Nas duas próximas subseções discutiremos esses
argumentos. Antes, porém, redesenhemos o quadro 1, agora
contemplando nossa divisão entre PCs e PLs. Observe-se que a
categoria PC admite todos os prefixos dissilábicos e os monossilábicos
acentuados. A categoria PL, por outro lado, admite apenas os prefixos
monossilábicos inacentuados.
(...)
Disso se depreendem duas exigências combinadas para
considerar os prefixos do PB palavras fonológicas: que formem s
isoladamente e que não possuam mais do que um acento primário.
(...)
Nos exemplos de (1c), encontramos prefixos monossilábicos
de labas leves e pesadas, porém, em nosso entendimento, todos
inacentuados. Isso também é comum no PB, pois possuímos
monossílabos átonos, tanto com sílabas leves quanto com sílabas
pesadas (ex. a, em, sob etc.). (...)
Nossa intenção não é, contudo, analisar o sistema acentual do
português, mas mostrar que o comportamento diverso dos prefixos em
relação ao acento não nos permite tratá-los uniformemente nesse
quesito, o que alimenta nossa hipótese de segmentação em dois grupos:
PCs, contendo prefixos acentuados e PLs, contendo prefixos
inacentuados.
(...)
O que se entende é que a teoria aqui adotada (Nespor &
Vogel,1986) não obriga a atribuição de acento à palavra fonológica,
apenas restringe esse acento a não mais do que um, o que permite não se
atribuir acento nenhum. A partir dessa constatação, elimina-se a
possibilidade de os prefixos acentuados formarem uma única w com a
base a que se ligam, uma vez que o resultado seria um vocábulo com
dois acentos primários, o que essa teoria não permite. Essa
característica os torna semelhantes aos compostos, daí chamá-los
composicionais. Os prefixos monossilábicos inacentuados,
diferentemente, não permitem tal classificação, porque não possuem
acento nenhum, caracterizando-se como sílabas átonas afixadas à
esquerda de uma base, daí chamá-los legítimos.
(...)
93
93
Esse raciocínio tal qual está formulado não serve para a
totalidade dos prefixos do PB, uma vez que muitos podem aparecer
isolados na frase. É útil, todavia, para distinguir PCs de PLs. Os
exemplos apresentados em (2) sistematizam essa realidade.
(...)
Os dados acima permitem as seguintes generalizações:
(...)
Contrariando nossa análise, alguém poderia afirmar que PLs
podem se instanciar isoladamente sob a forma de preposições (ex. a,
em, com etc.). Esse argumento, todavia, não refuta nossa hipótese,
porque PLs, apesar de serem, em sua grande maioria, derivados
historicamente de preposições, são menos livres sincronicamente do que
elas. Uma evidência disso é o fato de PLs sempre respeitarem a
condição de adjacência com a base morfológica a que se relacionam,
diferente de clíticos, que podem sofrer intercalações, como em casa que
admite a inserção de outro elemento, formando em minha casa ou coisa
que o valha.(...)
Essa constatação encontra explicação na diacronia, uma vez
que a maioria dos PCs se origina de formas livres, radicais gregos ou
latinos, ao passo que PLs, como dissemos, derivam-se de preposições
latinas no mais das vezes.
(...)2.3. A estrutura prosódica dos prefixos no PB
Pretendemos nesta seção propor a configuração prosódica de
PCs e PLs, com vistas à organização do léxico, que será aprofundada na
seção 3.
Nossa análise, embora tenha tomado as categorias de Nespor
& Vogel (1986) como ponto de partida, diferencia-se significativamente
dessa proposta, no sentido de que assumimos (cf. Booij, 1988) que a
estrutura prosódica que pertence ao nível da palavra tem de ser derivada
no léxico. (...)
A discussão até aqui arrolada inspira-nos a seguinte
formalização.
(...)
Não nos agrada, contudo, a idéia de equiparação total entre
PCs e compostos, pois com ela se perde a informação de que esses, ao
contrário dos compostos, são afixos. Nesse caso, optamos por admitir
que PCs são alçados para o nível 2, onde sofrem o processo de
prefixação. O alçamento, ou loop, pode parecer, em um primeiro
momento, uma solução ad hoc, mas a consideramos menos onerosa para
94
94
a gramática de uma língua do que a perda da informação derivacional.
Ao retornar ao nível 2, o PC e sua base se convertem numa única
palavra prosódica, como mostra o mais alto de (5) ¾ daí a
necessidade de w ser recursivo. Esse tratamento expressa com maior
clareza o que entendemos por prefixação composicional, ou seja, PCs
estão sujeitos aos dois processos, cada um a seu tempo.
Outra questão problemática que se coloca é a seguinte:
sendo um elemento composicional, inserido no primeiro nível do léxico
para receber acento, por que não sofre flexão no nível 2?
(...)
Finda aqui nossa análise da estrutura prosódica do prefixo.
Nossas conclusões nortearão a próxima seção, em que se aprofundará a
organização do léxico do PB.
(...)
Na seção 2, ao apresentar argumentos para segmentar os
prefixos do PB em PCs e PLs, se prenunciou uma discussão em
torno da organização do léxico. Buscamos agora formalizar essa
organização, através dos pressupostos da FL, tomando por base
Kiparsky (1985).
Ao tratar da formação de palavras em PB, as análises em
Fonologia Lexical até então realizadas sempre colocaram os prefixos
todos no mesmo nível (para Lee, no nível 1 e para Moreno, no vel 2).
Esse, em nosso entendimento, não é um tratamento adequado, porque
não leva em conta diferenças prosódicas entre prefixos.
Nosso propósito é contemplar a segmentação entre PCs e PLs,
proposta na seção 2, na divisão em níveis do léxico.
Nesse sentido, assumimos que toda prefixação, enquanto
processo derivacional, ocorre no léxico, e se divide entre prefixação de
nível 1 e prefixação de nível 2, subordinando-se às seguintes condições:
prefixos que lidam com uma base em forma¾ção pertencem
ao nível 1 e
toda prefixa¾ção de nível 2 lida com a palavra pronta.
Tendo em vista essas condições, formulamos abaixo as
hipóteses centrais desta seção.
(...)
Nossa tarefa agora
é buscar evidências na fonologia e na
morfologia para essa segmentação. (...)
95
95
Esta seção analisará alguns aspectos envolvendo prefixação e
estrutura silábica. Após uma breve reflexão sobre PCs, debruçamo-nos
sobre os PLs, onde encontramos elementos na epêntese para discutir sua
segmentação em classes. (...)
O fato é que as consoantes que fecham esses prefixos não
formam onset complexo com a sílaba inicial da base, como mostram as
formas asteriscadas, em função do Princípio de Integridade prosódica
(IP), proposto por Harris (1983), que prevê que uma vez estabelecidos
os constituintes com os quais a palavra pronta se apresenta, eles devem
ser preservados, ou seja, a inserção de um morfema novo, em nível
lexical, que lide com a palavra prosódica (com acento atribuído), deve
respeitar esses limites. (...)
Além disso, para sustentar (11), é preciso considerar, como faz
Lee (1995), que o OCP não atua para simplificar a seqüência s+s, em
virtude de o segundo elemento não estar silabificado. Collischonn
(1997) propõe uma revisão do argumento de Lee, através do
ordenamento da epêntese antes da prefixação. Esse raciocínio é, para
nós, o ideal. O fato é que a autora compara desestruturar com desselar,
mas não leva em conta casos como destruir, em que a epêntese não
ocorre, apesar de haver contexto.
(...)Esse quadro apresenta uma proposta de segmentação
semântica do prefixo deS-, com um único intuito, o de explicar seu
comportamento fonológico diferenciado. (...)
A teoria aqui adotada, baseada em Kiparsky (1985), permite
que os casos de (15a) sejam resolvidos lexicalmente, através da
aplicação ou não-aplicação das regras de prefixação e sufixação, isto é,
em desleal simplesmente a sufixação não se aplicou; em lealdade,
dispensou-se a prefixação. Acento e silabificação voltarão quando for
necessário.
(...)
Este trabalho quer se somar aos estudos, ainda não muito
numerosos, que olham para a interface fonologia/morfologia no PB.
Como qualquer trabalho em teoria gerativa, abre espaço para discussão,
a partir da contra-exemplificação.
(Artigo de pesquisa)
A observação dos processos referenciais metadiscursivos nos artigos
científicos revelou algumas particularidades quanto à forma de manifestação deste
fenômeno. Diferentemente do artigo de opinião, neste tipo de texto, os conteúdos
avaliativos não parecem exibir uma carga axiológica que remeta a posicionamentos
96
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pessoais tendo em vista aspectos sociais, políticos ou culturais. Os posicionamentos
assumidos dizem respeito ao arcabouço teórico que se assume para defender um objeto
de pesquisa. Nesse sentido, a argumentação se faz em torno dos conteúdos
epistemológicos contidos nestas teorias. Talvez isso justifique o equilíbrio semântico
observado nas expressões anafóricas como nosso estudo, esse trabalho e essa discussão,
que apresentam sinonimicamente o referente.
Quanto ao objeto de estudo, no entanto, algumas qualificações como este
raciocínio, recategorizado como o ideal, parecem reforçar a justificativa pela qual se
convencerá o co-enunciador de que o estudo é relevante. De resto, há de se considerar o
número significativo de dêiticos textuais utilizados em artigos científicos. Neste,
especificamente, observou-se que o emprego de expressões como esta seção, no
quadro, em (x) , aqui e agora exercem também a função metadiscursiva textual de
sinalizar o espaço textual de modo a facilitar a compreensão do texto para o leitor.
de se considerar ainda, no que concerne aos aspectos relacionados aos
artigos de pesquisa, que eles possuem linguagem especializada e propósitos
comunicativos bem delineados e - por isso mesmo talvez - não permitam uma variação
interpretativa tão grande quanto a que se observa nos artigos de opinião. Quanto a isso,
Hyland (1998) pondera que os escritores de textos científicos escrevem para seus pares,
ou seja, para pessoas que, por pertencerem a uma mesma comunidade discursiva,
compartilham, na maioria das vezes, dos mesmos pontos de vistas, além de dominarem
os mesmos conteúdos teóricos.
Outra constatação da pesquisa foi a de que as ERM observadas nos artigos de
pesquisa são, em grande parte, representadas por expressões metalingüísticas que
retomam, de forma sinonímica, parafrásica ou definidora, os conteúdos do texto. É o
caso das retomadas este raciocínio, esse argumento, esta constatação e a discussão que,
conforme observamos no exemplo (63), referem a âncora de forma a demonstrar certa
neutralidade por parte do enunciador. Mediante esta observação, entende-se que as
ERM, neste gênero, ocorrem de forma a não manifestar tão notadamente valores
axiológicos.
Do ponto de vista da ACD, observou-se, através da representação dos atores
sociais uma freqüência de enunciados impersonalizados. Isto quer dizer que as práticas
discursivas adotadas neste gênero obedecem a estratégias discursivas que, via de regra,
imprimem uma autoridade impessoal aos enunciados em que os atores o
representados através de referencias aos seus enunciados. É o que se entrevê nas
97
97
seguintes ERM: esta constatação, este raciocínio, a teoria aqui adotada, este trabalho,
presentes no artigo científico acima. Tais expressões imprimem ao texto um caráter de
objetividade, recurso usado para a atribuição do valor de verdade à sentença.
A intertextualidade é outra categoria pela qual se pode verificar esse status de
verdade que o enunciador acadêmico quer imprimir ao seu texto. As citações, e as
representações discursivas, diretas ou indiretas, são formas de fundamentar a
informação. Observe-se este trecho de artigo acadêmico:
(64)Vale a pena relembrar aqui que a existência de um sentido
metafórico foi objeto de disputa entre Black (1962), que defendeu a
existência de sentido metafórico, e Davidson (1984), que se recusou a
aceitar a existência de sentidos metafóricos. Black, quando fala de sentido
metafórico, está falando de um novo contexto de uso para o termo. Isto
certamente não é negado por Davidson, que quer defender que os itens
lexicais em sentenças metafóricas têm seu sentido "costumeiro".
(artigo de pesquisa)
A intertextualidade e as formas de investigações metodológicas que dela
derivam permitem descobrir uma enormidade de eventos discursivos, mas não se
alcançou nesta pesquisa uma forma de utilizá-la na análise do conteúdo axiológico das
ERM nos artigos acadêmicos constantes no corpus, sobretudo, uma intertextualidade
que revelasse aspectos da prática social enquanto reflexo de eventos sócio-discursivos
suficientes para uma abordagem crítica deste gênero.
98
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou estabelecer um diálogo entre ramos de estudos sobre a
linguagem para que o fenômeno da referenciação pudesse ser percebido como expressão
de acesso à construção de sentidos de um texto, sobretudo no que diz respeito à
identificação do posicionamento do enunciador através do emprego de estratégias
metadiscursivas.
Partindo desta idéia inicial, elegeram-se os seguintes questionamentos como
norteadores da nossa pesquisa: 1) Como descrever o caráter metadiscursivo de
processos referenciais e caracterizar diferentes casos de metadiscursividade de
anafóricos e dêiticos nos neros artigos de opinião e artigos de pesquisa da área de
Lingüística; 2) De que forma o conteúdo axiológico destas expressões poderia ser
observado tendo em vista sua utilização como meio de interpretação ou de construção
de sentido do texto.
A partir destas indagações, foram elaboradas as seguintes hipóteses: os
processos referenciais anafóricos e dêiticos possuem caráter metadiscursivo que
revelam posicionamentos construídos discursivamente e cujo sentido se constrói em
práticas discursivas; as expressões referenciais podem manifestar um posicionamento
do autor perante o leitor, bem como uma intenção em estabelecer uma relação de
cumplicidade. Considerando isto, supôs-se existir uma sobreposição dos processos
referenciais e metadiscursivos em uma mesma expressão, desta forma, as expressões
anafóricas e dêiticas exerceriam funções metadiscursivas referindo, reformulando,
recategorizando, organizando informações de forma textual ou interpessoal, isolada ou
simultaneamente.
Esta hipótese, de que as expressões referenciais exercem também a função
metadiscursiva, enquanto fator organizador(textual) e interpessoal, revelando com isso
posicionamentos do autor/enunciador, confirmou-se mediante a observação de indícios
gramaticais e semânticos. Nesse sentido, os níveis textual e interpessoal do discurso se
apresentaram como formas de auxílio à identificação do caráter metadiscursivo das
expressões referenciais.
O termo metadiscurso foi empregado aqui com uma significação intermediária
entre um conjunto de estratégias lingüísticas auto-reflexivas que, com o objetivo de
organizar o texto e estabelecer uma relação entre enunciador/escritor e co-
99
99
enunciador/leitor, manifesta-se sob a forma de algumas expressões estereotipadas e o
modo como algumas destas estratégias revelam o posicionamento do enunciador.
Por considerar aspectos enunciativos muito valiosos para este estudo, pois este
se preocupou em estabelecer uma análise dos aspectos interativos dos textos estudados,
optou-se por uma classificação dos processos referenciais que abordassem os objetos-
de-discurso como resultados de uma relação urgente entre enunciador e co-enunciador,
apresentado-se para tanto a enunciação como ambiente em que os produtos desta
relação servem de via de acesso aos significados que se interpõem no texto. Esta é uma
das justificativas que sustentaram a opção pela proposta de Cavalcante(2003 e 2004).
Neste sentido, a proposta deste trabalho se concentrou em apresentar a idéia de
que a expressão referencial, aliada a função metadiscursiva, contém os indícios de como
este enunciador se posiciona ou sinaliza ao co-enunciador o modo como quer que a
mensagem seja interpretada. Nos estudos de Hyland (2005) sobre o metadiscurso, essa
propriedade aparece como uma função estratégica de engajamento pela qual o escritor
tenta conquistar seu leitor com vistas a persuadi-lo sobre o conteúdo argumentativo de
seu texto. nas expressões referenciais esse teor argumentativo pode surgir através de
recursos como os encapsulamentos e as recategorizações.
Foi sob esta perspectiva que se pretendeu aproximar os processos de
referenciação dos elementos metadiscursivos: observando quais expressões referenciais
apresentam maior potencial para exercer essa função. Nesse aspecto, cumpre observar,
as funções metadiscursivas classificadas por Crismore (1989) e Hyland (1998),
aparecem de forma estereotipadas, de modo que, entre os marcadores relacionados por
estes autores, não aparecem os processos de referenciação. Contudo, constatou-se que o
metadiscurso pode apresentar formas que permitem estabelecer um entrelaçamento
entre as funções destas categorias e o propósito discursivo das expressões referenciais
descritas aqui.
Para comprovar isto, observou-se inicialmente o traço semântico das
expressões referenciais que pudessem indicar a função metadiscursiva segundo a
classificação de Hyland (1998). Esse procedimento permitiu a observação de traços do
metadiscurso textual (conectivos lógicos, marcadores de enquadramento, marcadores
endofóricos, marcares evidenciais e marcadores reformulativos) muito freqüentes nos
artigos de pesquisa, sugerindo que, neste ambiente textual a estratégia de persuasão é
realizada por meio da organização textual; e o emprego fortemente marcado do
metadiscurso interpessoal nos artigos de opinião. Neste gênero, as formas
100
100
modalizadoras e enfáticas; e os marcadores de atitude, de relação e de pessoa aparecem
nitidamente, estabelecendo-se como estratégias de persuasão.
O uso de conceitos como posicionamento, engajamento, ethos e comunidade
discursiva direcionaram a pesquisa para uma preocupação de análise dos dados que nos
permitisse comentar o caráter axiológico das expressões identificadas no texto. O
emprego de alguns critérios da ACD para esta análise permitiu que tais comentários
remetessem aos aspectos enunciativos como reflexo da prática social no texto, de modo
que, principalmente na análise do conteúdo axiológico das ERM nos artigos de opinião,
fosse percebida a influência das mudanças sociais nas formações discursivas e como
isto é percebido no material lingüístico.
O respeito a estes aspectos, neste trabalho, deu-se, dentre outras razões, pela
consideração de que, na análise, a variação das categorias pode estar subordinada aos
diferentes modos como uma cena é vista. Nesse caso, são o ponto de enfoque e a
perspectiva a partir dos quais se observa o fenômeno que determinam a mudança.
Assim, uma alteração no contexto ou no modo de apreensão do objeto pode modificar o
léxico ou a compreensão que se interpõe entre o item e seu significado. A observação
desses aspectos constituiu ponto fundamental para a descrição que se pretendeu fazer do
funcionamento dos processos referenciais como agentes metadiscursivos.
A grande contribuição deste trabalho, no entanto, talvez consista na proposta
de análise das expressões referenciais metadiscursivas. A constatação de que a função
metadiscursiva estava presente em muitas anáforas e dêiticos, desencadeou a
necessidade de apresentar uma análise destas expressões a partir de um contexto que
revelasse seu componente axiológico ao leitor/co-enunciador. Neste instante da
pesquisa, aparecem as categorias da ACD como a intertextualidade e a representação
dos atores sociais para demonstrar a esse leitor/co-enunciador o contexto sócio-
histórico em que o texto foi produzido. Isto se deu principalmente nos artigos de
opinião.
No que se refere à análise aplicada ao discurso acadêmico, observou-se que
este mobiliza outras instâncias de hegemonia e de poder que ocorrem de forma não
semelhante à que se observa nos meios de comunicação.
101
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