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DECIS Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas
PGHIS Programa de Pós-Graduação em História
A MENTALIDADE DE CRUZADA
NA CONQUISTA DE MÉXICO-TENOCHTITLÁN
(1519-1521)
GUILHERME QUEIROZ DE SOUZA
São João del-Rei
2010
Programa de Pós-Graduação em História
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2
DECIS Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas
PGHIS Programa de Pós-Graduação em História
A MENTALIDADE DE CRUZADA
NA CONQUISTA DE MÉXICO-TENOCHTITLÁN
(1519-1521)
Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de São João del-Rei, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Romanazzi Tôrres
GUILHERME QUEIROZ DE SOUZA
São João del-Rei
2010
Programa de Pós-Graduação em História
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3
A MENTALIDADE DE CRUZADA NA CONQUISTA DE MÉXICO-TENOCHTITLÁN
(1519-1521)
GUILHERME QUEIROZ DE SOUZA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História, do
Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas, da Universidade Federal de São
João del-Rei, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
História.
Aprovada em ____ de __________________ de ________
Comissão Examinadora
_______________________________________
Prof. Dr. Moisés Romanazzi Tôrres (orientador)
_______________________________________
Prof. Dr. Ricardo Luiz Silveira da Costa
_______________________________________
Prof ª. Dr ª. Maria Leônia Chaves de Resende
São João del-Rei
2010
4
Queiroz de Souza, Guilherme, 1985-
A mentalidade de cruzada na conquista de México-Tenochtitlán (1519-
1521) / Guilherme Queiroz de Souza 2010.
190f.
Orientador: Prof. Dr. Moisés Romanazzi Tôrres
Dissertação de Mestrado Universidade Federal de São João del-Rei,
Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas
1. Cruzada. 2. “Espanhóis”. 3. “Soldados-cronistas”. 4. Conquista de
México-Tenochtitlán (1519-1521). I. Tôrres, Moisés Romanazzi (orient.). II.
Universidade Federal de São João del-Rei, Departamento de Ciências Sociais,
Políticas e Jurídicas. III. Título.
5
Aos meus pais Laninho e Sulinha
6
AGRADECIMENTOS
Gostaria de deixar meus sinceros agradecimentos àquelas pessoas que me ajudaram
a compor essa pesquisa.
Ao meu orientador e amigo Prof. Dr. Moisés Romanazzi Tôrres pelos precisos
conselhos, rígida correção e pela bibliografia emprestada.
Agradeço ao Prof. Dr. Ricardo Luiz Silveira da Costa, profissional exemplar que
tive o prazer de conhecer pessoalmente e que, gentilmente, me enviou significativas
sugestões principalmente via Internet.
À Profª Drª Maria Leônia Chaves de Resende pelas valiosas dicas e pelo
empréstimo de material bibliográfico referente à Conquista.
Ao Prof. Dr. Fernando Domínguez Reboiras, historiador espanhol que teve a
gentileza de me enviar, diretamente da Alemanha, seu artigo intitulado “La idea de cruzada
en el Liber de passagio de Ramón Llull”.
Aos meus amigos do curso de Graduação e da Pós-Graduação em História da UFSJ
que me ajudaram de várias formas na elaboração dessa Dissertação.
Aos professores dos mencionados cursos da UFSJ, grandes intelectuais que me
transmitiram, entre 2004 e 2009, uma enorme gama de conhecimento e que também, de
certa forma, ajudaram neste trabalho.
Aos amigos Luciano José Vianna e Renan Marques Birro pelas sugestões e envio de
material bibliográfico fundamental, a obra La herencia medieval de Mexico, de Luis
Weckmann.
Ao programa de bolsas Capes/Reuni pelo financiamento da pesquisa, contribuição
sem a qual esse trabalho, cuja abrangência é internacional, ficaria debilitado
documentalmente.
Evidentemente o poderia deixar de citar o grande incentivo da minha família,
particularmente o apoio dos meus queridos pais, Laninho e Sulinha.
Em suma, agradeço a todos que estiveram presentes em minha vida acadêmica e que
acompanharam meu amadurecimento intelectual para realizar essa pesquisa.
7
Amici, sequamur crucem, et si nos fidem habemus, vere in hoc signo vincesus
1
Andrés de Tapia (c. 1496-1560)
Para el historiador de América, también, conviene ser especialista en lo medieval
2
Ernst Kantorowicz (1895-1963)
1
TAPIA, Andrés de. Relación de algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre señor don Hernando
Cortés, marqués del Valle, desde que se determinó ir a descubrir tierra en la Tierra Fierme del Mar Océano.
Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p.
67. Inscrição latina: “Amigos, sigamos a cruz, porque se tivermos fé, com este sinal venceremos”. Todas as
traduções apresentadas nessa Dissertação são de minha autoria, exceto quando for mencionada.
2
KANTOROWICZ, Ernst. Introducción. In: WECKMANN, Luis. Constantino el Grand y Cristóbal Colón.
Estúdio de la supremacia papal sobre islas, 1091-1493. xico, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1992,
p. 10.
8
RESUMO
Esta pesquisa analisa a mentalidade de cruzada presente na conquista de México-
Tenochtitlán (1519-1521) pelos “espanhóis”. A mentalidade de cruzada, desenvolvida a
partir da perspectiva que se consolidou na Europa Ocidental desde os séculos XI e XII,
atuou no imaginário dos conquistadores espanhóis” liderados por Hernán Cortés na
campanha contra a civilização mexica. Tal mentalidade representa uma reformulação da
perspectiva medieval da guerra com cariz religioso (especialmente a Cruzada), ou seja, o
espírito de Cruzada medieval toma novas formas, motivado por um novo contexto
histórico. Nessa campanha específica, ideia a cruzada se expressou através do discurso e
dos comportamentos dos conquistadores. Para realizar esse estudo, analisamos a expedição
utilizando como corpus central os testemunhos de alguns atores da expedição: Hernán
Cortés, Bernal Díaz del Castillo, Andrés de Tapia, Francisco de Aguilar e Bernardino
Vázquez de Tapia.
Palavras-Chave: Cruzada; “espanhóis”; “soldados-cronistas”; conquista de México-
Tenochtitlán (1519-1521)
9
ABSTRACT
This search analyzes the mentality of crusade present in the conquest of México-
Tenochtitlán (1519-1521) by “Spaniards”. The mentality of crusade, developed from the
perspective that was consolidated in Western Europe since the 11
th
and 12
th
centuries, acted
in the imaginary of the “Spaniards” conquistadores led by Hernán Cortés in the campaign
against the mexica civilization. Such mentality represents a reformulation of the medieval
perspective of the war with religious face (specially the Crusade), in other words, the spirit
of medieval Crusade takes new forms, caused by a new historical context. In this specific
campaign, the idea of crusade was expressed through the discourse and the behaviors of the
conquistadores. For realize this study, we will analyze the expedition using as central
corpus the report of some participants of the expedition: Hernán Cortés, Bernal Díaz del
Castillo, Andrés de Tapia, Francisco de Aguilar and Bernardino Vázquez de Tapia.
Keywords: Crusade; “Spaniards”; “cronicle-soldiers”; México-Tenochtitlán conquest
(1519-1521)
SUMÁRIO:
Parte I
1. Introdução........................................................................................................................12
1.1. Apresentação do tema e natureza das fontes...............................................................14
2. Um prolongamento do mundo medieval na conquista de colonização do Novo
Mundo?..........................................................................................................................27
3. O conceito de cruzada: das origens à Conquista do Novo Mundo.............................36
3.1 Da guerra santa à Cruzada............................................................................................36
3.2 A evolução da ideia de cruzada a partir do século XI: as continuidades e
descontinuidades..........................................................................................................43
Parte II
4. A evolução técnico-mental da guerra no final da Idade Média..................................58
A CONQUISTA DE MÉXICO-TENOCHTITLÁN (1519-1521)
5. O comportamento cortesiano.........................................................................................61
6. A simbologia cristã na campanha................................................................................100
7. O discurso cortesiano....................................................................................................107
7.1 A legitimidade jurídico-teológica da Conquista................................................................114
7.2 O discurso cavaleiresco..............................................................................................119
7.3 O discurso hierofânico cristão medieval e a demonização dos inimigos...................122
7.4 As invocações ao apóstolo Santiago..........................................................................132
8. O maravilhoso cristão na Conquista...........................................................................136
8.1 O Novo Mundo prolonga noção de “fronteira” da Reconquista Hispânica...............136
8.2 As “aparições” de santos na Conquista......................................................................138
9. A alteridade: o “outro” mexica....................................................................................156
10. Conclusão.....................................................................................................................171
11. Fontes...........................................................................................................................174
11.1 Corpus......................................................................................................................174
11.2 Fontes Primárias Suplementares..............................................................................174
12. Bibliografia..................................................................................................................177
1. INTRODUÇÃO
Quando tiverem de escrever (...) espero que o façam
porque se interessam apaixonadamente (...) e não
porque o seu departamento sugeriu isso como um
tema original
3
Barbara W. Tuchman, A Prática da História
Durante os três primeiros anos do século XXI, um dos meus divertimentos de
adolescente era passar horas em frente ao computador desenhando graficamente o mapa de
Tenochtitlán e reproduzindo a marcha da tropa comandada por Hernán Cortés contra os
mexicas
4
no game de estratégia Age of Empires II. Me fascinava reviver (ao menos
virtualmente) aquele choque de civilizações tão distintas culturalmente.
Quando ingressei no curso de graduação em História/UFSJ (2004), o desejo de um
dia narrar a conquista de México-Tenochtitlán
5
não foi esquecido. Através da leitura das
3
TUCHMAN, Barbara W. A Prática da História. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p. 08.
4
Ao contrário da historiografia européia e brasileira, que preferivelmente utilizou o termo “asteca”,
explicaremos nossa opção por “mexica”. Segundo a tradição indígena demonstrada em alguns códices, antes
de migrarem para o Vale do México, os mexicas eram macehualtin (trabalhadores) que estavam submissos
aos astecas chicomoztocas em Aztlan Chicomóztoc (terra mítica de origem). Mais tarde, guiados pelo
sacerdote Huítzitl, os mexicas decidiram migrar para o sul, onde se estabeleceram em uma das ilhas do lago
Texcoco, e fundaram a cidade de Tenochtitlán (séc. XIV). No entanto, durante o percurso, optaram
supostamente por um conselho divino trocar de nome para “mexicas”, ao invés de serem conhecidos pelo
nome de seus antigos governantes dominadores, ou seja, astecas chicomoztocas. A grande ironia é que
atualmente nos referimos aos mexicas como “astecas” e, às vezes, ao xico, como o “país asteca”. Como
vimos, tal referência é um equívoco, pois originalmente esse termo era empregado aos seus opressores.
Diferentemente da historiografia atual, as fontes que analisamos tratam os mexicas por outras referências:
Hernán Cortés utiliza os termos los indios”, los de Culúa, que son los de Mutezumaou los de México y
Temixtitan”; Andrés de Tapia, por sua vez, se refere aos mexicas apenas como os indios”; Vázquez de Tapia
prefere dizer os “indiose “los de México”; por outro lado, Francisco de Aguilar usa o termo “mexicanos”, da
mesma forma que Bernal Díaz del Castillo, autor que finaliza sua obra em torno de 1568. Para mais sobre o
sentido exato do termo “mexica”, ver LEÓN-PORTILLA, Miguel. “Los Aztecas. Disquisiones sobre un
gentilicio”. Estudios de Cultura Náhuatl. xico, D.F.: UNAM, Instituto de Investigaciones Históricas, vol.
31, 31, p. 307- 313.
5
Preferimos denominar a queda dos mexicas como a “conquista de México-Tenochtitlán”. Com isso,
enfocamos, principalmente, a conquista dos mexicas e, em um plano secundário, a de seus aliados Texcoco
e Tlacopán que formavam, juntamente com Tenochtitlán, a “Tríplice Aliança”. No entanto, parte da
historiografia refere-se a esse episódio como a “conquista do México”. Segundo Eduardo Natalino dos
Santos, apesar de serem empregadas como sinônimos em muitas obras, seus sentidos são historiograficamente
muito diferentes. Tal fato se deve porque, na língua portuguesa, a presença ou ausência do artigo definido “o”
antes do termo México deveria diferenciar o longo processo de conquista do território que atualmente é o país,
México, da conquista da capital mexica, México-Tenochtitlán SANTOS, Eduardo Natalino dos. “Conquista
do México ou queda de México-Tenochtitlan? Guerras e alianças entre castelhanos e altepeme
Cartas de Relación, de Cortés, e após assistir uma das últimas aulas da disciplina História
Medieval na qual meu professor (depois orientador) Moisés Romanazzi Tôrres explanava
acerca do prolongamento do ideal de cruzada no Novo Mundo, a ideia de articular essa
perspectiva à conquista de México-Tenochtitlán ganhou espaço em minha mente.
A pesquisa caminhou ainda incerta quando, em 2006, me deparei com o site do
professor Ricardo da Costa e, no fim daquele ano, adquiri seu livro.
6
Através do contato
com os trabalhos desse especialista em mentalidade
7
de cruzada e após ler as crônicas dos
outros “soldados-cronistas”, a pesquisa amadureceu e pude mergulhar de cabeça na
investigação. O primeiro resultado um trabalho monográfico (2007) recebeu
encorajamentos que me fizeram, logo depois, aprofundar os estudos no mestrado (2008-
2009). Eis o fruto dessa investigação.
***
mesoamericanos na primeira metade do século XVI”. In: XXIII Simpósio Nacional de História História-
Guerra e Paz: Londrina, 2005, p. 01. Dessa forma, acreditamos que a “conquista do México” foi a queda dos
mexicas e dos outros povos nativos que habitavam a região conhecida posteriormente como Nova Espanha,
submetidos principalmente pela aliança hispano-tlaxcalteca. Por outro lado, torna-se importante salientar que,
em nosso estudo, também analisamos alguns confrontos entre a tropa de Cortés e outras populações nativas
(tlaxcaltecas, otomies, etc.) ao longo da expedição.
6
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998. Site: <http://www.ricardocosta.com>
7
De fato, existe um grande debate quanto à utilização do termo “mentalidade”. Para esquivarmos dos
problemas desse conceito que teima em permanecer, seguimos a orientação do historiador marxista francês
Michel Vovelle. O autor admite um olhar antropológico e de “longa duração” por parte dos historiadores das
mentalidades, mas nunca com imutabilidade e de imobilização, desenvolvendo uma análise que associou a
longa e a curta duração. Segundo Vovelle, “é forçoso constatar que os caminhos da descoberta histórica atual
não passam unicamente pelos rumos do tempo longo, pelo contrário. Paralelamente, emerge com insistência,
uma reflexão quanto à mudança, seja sob suas formas brutais ou graduais. Se tentarmos, nesse plano também,
ordenar as séries nas etapas, convém partir do novo papel que em vários locais se observa atribuir ao evento”
VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo, Editora Brasiliense, 1991, p. 287. Apesar das
críticas e contestações teóricas ao conceito, adotamos também a visão de Roger Chartier. Segundo o autor, a
insegurança e a dispersão do vocabulário de designação são resultados, com certeza, desses debates
interdisciplinares ou intradisciplinares cujas formas são próprias de cada campo de forças intelectuais e onde
o que está em disputa é uma posição de supremacia que é, antes de tudo, a afirmação de um determinado
termo no campo teórico, ou seja, a “hegemonia de um léxico CHARTIER, Roger. A História Cultural:
entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 31. Para mais sobre as críticas à
história das mentalidades, ver BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora da Unesp, 2002, p.
131-132; CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. (orgs.). Domínios da História: Ensaios de
Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 139-146; e GINZBURG, Carlo. Prefácio à
edição italiana. In: O queijo e os vermes O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15-34. Sobre o conceito de mentalidades, ver ARIÈS, Philippe.
História das Mentalidades. In: LE GOFF, Jacques (dir.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. 205-236; e LE GOFF, Jacques. As mentalidades: Uma história ambígua. In: LE GOFF, Jacques & NORA,
Pierre (orgs.). História: Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 68-83.
1. 1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E NATUREZA DAS FONTES
A Cruzada era classificada pelos medievais como um tipo de guerra mais
importante que propiciava aos guerreiros cristãos como prêmio a remissão dos pecados, e
aos combatentes mortos a glória do Paraíso e a imortalidade. De modo geral, podemos
defini-la como uma guerra proclamada pelo Papa em nome de Cristo e travada como
vontade do próprio Cristo para a retomada de terras cristãs ou em defesa da Cristandade
8
contra os inimigos internos ou externos.
9
Em nosso estudo, a Cruzada foi caracterizada como uma tradição medieval de
“longa duração”,
10
resultado, sobretudo, do prolongamento do secular combate lançado
pelos cristãos contra os “infiéis”, principalmente contra os muçulmanos. Para defender esse
argumento, recorremos às fontes medievais e quinhentistas no intuito de observar como as
tradições medievais se mantiveram no imaginário coletivo dos europeus que
desembarcaram no Novo Mundo. Como assinalou Ernst Kantorowicz, o historiador da
América também deve ser especialista em Idade Média.
11
Tradicionalmente, a historiografia da conquista de México-Tenochtitlán (1519-
1521) preferiu discorrer em suas páginas as etapas da anexação política, as explicações
sobre a fulminante vitória hispânica, os massacres que motivaram o surgimento da Leyenda
Negra (“Lenda Negra”),
12
a crença, que Montezuma e os mexicas supostamente
compartilharam inicialmente, de que Cortés era o próprio deus Quetzalcoatl (ou seu
mensageiro) e os conquistadores sua comitiva que retornava do Oriente,
13
dentre outros
8
Entendemos por Cristandade um sistema de relações da Igreja e do Estado (ou qualquer outra forma de
poder político) numa determinada sociedade e cultura” GOMES, Francisco José Silva. A Cristandade
medieval entre o mito e a utopia”. In: Topoi. Rio de Janeiro: 2002, p. 221.
9
RILEY-SMITH, Jonathan. Cruzadas. In: LOYN, H. R. (org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro:
Zahar, 1990, p. 110.
10
Para Jacques Le Goff, a ideia de cruzada sobreviveu até o fim do século XVI, até a batalha de Lepanto
(1571) LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 101.
11
KANTOROWICZ, Ernst. Introducción. In: WECKMANN, Luis. Constantino el Grand y Cristóbal Colón.
Estudio de la supremacia papal sobre islas, 1091-1493. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1992,
p. 10.
12
Trata-se da fama de crueldade adquirida (na Europa) pelos soldados “espanhóis” a partir do século XVI. O
criador do termo Leyenda Negra (“Lenda Negra”) foi o famoso filólogo Julián Juderías y Loyot (1877-1918),
em sua clássica obra La Leyenda Negra (1914).
13
Em um estudo revisionista recentemente publicado, Matthew Restall criticou essa crença argumentando
que, além dos nativos não confundirem os conquistadores com deuses, a identificação entre Cortés e o deus
Quetzalcoatl foi uma idealização criada por pregadores franciscanos após a Conquista RESTALL, Matthew.
Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 191-207.
assuntos.
14
No máximo, até onde percebemos, tal historiografia se limitou a indicar a
presença de uma mentalidade de cruzada na Conquista sem, no entanto, analisá-la
completamente.
15
Na óptica dos vencedores, a tradição narrativa da conquista do Mundo Mexica
percorreu os relatos de seus protagonistas (os “soldados-cronistas”), como as Cartas de
Relación, do der da expedição Hernán Cortés (c. 1485-1547); as obras dos clérigos e
leigos na Europa e na Nova Espanha (sécs. XVI-XVII), como La Conquista de Méjico
(1552), de Francisco López de Gómara (1511-1566); as publicações dos eruditos
positivistas do século XIX, como a tremenda History of the Conquest of Mexico (1843), de
William H. Prescott (1796-1859); e os estudos dos historiadores atuais como a Histoire du
Nouveau Monde (1991), de Carmen Bernand (1939- ) e Serge Gruzinski (1949- ).
No entanto, a partir da segunda metade do século XX, ocorreu uma renovação
historiográfica. Ao empregar novos métodos, fontes e temas, essa perspectiva desenvolvida
principalmente pela Nova História a “terceira geração” da Escola dos Annales , acabou
por priorizar o ponto de vista das civilizações conquistadas. Miguel León-Portilla e Nathan
Wachtel, sem dúvida, são considerados alguns dos principais expoentes dessa corrente,
quando, por exemplo, trataram da perspectiva da Conquista narrada pelos índios: A Visão
dos Vencidos.
16
Em outro aspecto, obras como As Cruzadas vistas pelos árabes, do libanês
Amin Maalouf,
17
analisaram a óptica tradicionalmente negligenciada por grande parte da
historiografia ocidental, que, muitas vezes, ainda se sustentava em uma visão eurocêntrica
da história.
***
14
Entre essas obras destacam-se: BENÍTEZ, Fernando. La Ruta de Hernán Cortés. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, 1950; BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da
descoberta à conquista, uma experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 313-353;
DESCOLA, Jean. Los conquistadores del Imperio español. Barcelona: Editorial Juventud, S. A., 1972, p.
130-232; MORALES PADRÓN, Francisco. Historia del Descubrimiento y Conquista de America. Madrid:
Editora Nacional, 1963, p. 207-203; THOMAS, Hugh. La Conquista de México. México, D. F.: Editorial
Pátria, 1994; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
15
Podemos indicar, próximo dessa perspectiva, a obra Religious aspects of the Conquest of Mexico, de
Charles Braden.
16
LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Visão dos Vencidos: a tragédia da conquista narrada pelos astecas. São
Paulo: L&PM Editores S/A, 1998; WACHTEL, Nathan. La vision des vaincus. Les Indiens du Pérou devant
la conquête espagnole (1530-1570). Paris: Gallimard, 1971.
17
MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1983.
Nossas principais fontes, que formam o corpus da pesquisa, focalizaram cinco
importantes relatos da expedição, priorizando as testemunhas oculares da mesma: as Cartas
de Relación (entre 1519 e 1526), do líder da campanha Hernán Cortés; a Historia
verdadera de la conquista de la Nueva Espana (c. 1550-1568), do soldado Bernal Díaz del
Castillo (c. 1492-1584); a Relación de algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre
señor don Hernando Cortés, marqués del Valle, desde que se determinó ir a descubrir
tierra en la Tierra Fierme del Mar Oceano (1540-1547), do capitão Andrés de Tapia (c.
1496-1560); a Relación breve de la conquista de la Nueva Espana (após 1560), do soldado
Francisco de Aguilar (1479-1571); e a Relación de méritos y servicios del conquistador
Bernardino Vázquez de Tapia, vecino y regidor de esta gran ciudad de Tenuxtitlán México
(1542-1546), do conquistador Bernardino Vázquez de Tapia (c. 1493-1559).
18
Assim, é necessário fazer uma advertência: nossas afirmações e conclusões estão
baseadas nas perspectivas dos “soldados-cronistas”, ou seja, suas visões, sentimentos e
noções de mundo. Sempre que possível, logicamente, confrontamos as ideias dos atores da
expedição às de seus contemporâneos, no intuito de situá-las em um contexto histórico
geral.
Em nosso estudo, examinamos a mentalidade cruzadística sob diversos ângulos, ou
seja, os pensamentos compartilhados, por exemplo, entre o capitão Hernán Cortés, filho de
um hidalgo
19
da nobreza castelhana, e o “soldado-cronista” Bernal Díaz del Castillo, filho
de um regidor,
20
membros de origens distintas na tropa hispânica.
Além disso, pretendemos completar nosso corpus com obras contemporâneas à
campanha que, em algumas ocasiões, influenciaram os atores da expedição, como o
documento conhecido como Ordenanzas militares y civiles mandadas pregonar por don
Hernando Cortés en Tlaxcala, al tiempo de partirse para poner cerco a México (1520),
18
Como fonte primária complementar, utilizamos outro “soldado-cronista”, o “Conquistador Anónimo”
CONQUISTADOR ANÔNIMO. Relación de algunas cosas de la Nueva España, y de la gran ciudad de
Temestitán México; escrita por un compañero de Hernán Cortés. In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín
(org.). Colección de documentos para la historia de México: xico, D. F.: 1866. No entanto, o
“Conquistador Anónimo” o narra os eventos da tomada de xico-Tenochtitlán, apenas faz descrições
geográficas e culturais da Nova Espanha. Existem ainda os relatos (perdidos) dos “soldados-cronistas” Juan
Cano de Saavedra, Alonso de Ojeda, Alonso de Mata e Jerónimo Ruiz de la Mora.
19
Hidalgo: palavra em espanhol que significa “Fidalgo”. Trata-se de um título tradicional a pessoas da
nobreza, que deriva de hijo de algo, ou seja, filho de algo.
20
Regidor: membro do cabildo municipal encarregado do governo econômico.
redigido pelo mesmo Cortés em Tlaxcala, antes de iniciar o cerco final contra Tenochtitlán;
a Historia General de las Índias, principalmente a segunda parte La Conquista de Méjico,
de Francisco López de Gómara; a Bula Inter Cætera (1493), emitida pelo Papa Alexandre
VI (1431-1503); o Requerimiento (1513), compilado por Juan López de Palácios Rubios
Rubios (1450-1524); dentre outras.
Compreendendo um total de cinco, as Cartas de Relación de Hernán Cortés
21
foram
endereçadas ao Imperador Carlos V (1519-1558).
A Primera Carta, também conhecida como a Carta do Cabildo ou, pelo nome
completo, Carta de la Justicia y Regimiento de la Rica Villa de la Vera Cruz a la Reina
doña Juana y al Emperador Carlos V, su hijo, data de 10 de junho de 1519. Tal documento
foi redigido pelas autoridades da Justiça e Regimento de Vera Cruz juntamente com a
participação de Cortés, e substitui a Primera Carta original, escrita em julho de 1519, que
desapareceu.
22
A Segunda Carta, escrita em Segura de la Frontera, finaliza o texto com a data de
30 de outubro de 1520. Publicada pela primeira vez em 8 de novembro de 1522, em
Sevilha, por Jacobo Cronberger, o documento rapidamente foi traduzido para o francês
(1523), latim (1524), italiano (1524), flamengo (1524) e alemão (1550). Essa carta, que
leva um mapa de Tenochtitlán atribuído a Cortés, descreve a viagem da tropa hispânica do
21
Hernán Cortés é o autor no qual dispomos de mais dados biográficos. Nascido em Medellín (c. 1485), atual
província de Badajoz (Extremadura), Cortés era filho dos hidalgos Martín Cortés de Monroy e Catalina
Pizarro Altamirano. Com quatrorze anos, foi estudar na Universidade de Salamanca, onde aprendeu Latim e
Direito. Após desistir da carreira acadêmica, o gosto pela aventura fez com que Cortés, em 1504, embarque
para o Novo Mundo. Participa da conquista de Cuba (1511) e, após liderar a conquista de México-
Tenochtitlán (1519-1521), conduz algumas expedições pela América Central. Em 1528, viaja para a Espanha,
onde encontra o Imperador Carlos V que lhe confere o tulo de “Marquês do Vale de Oaxaca”. De volta ao
México, Cortés (marquês e poderoso) explora o Golfo do atual Estado da Baixa Califórnia. Em 1540,
novamente viaja para a Espanha e, no ano seguinte, participa de uma fracassada expedição contra Argel.
Morre em Castilleja de la Cuesta em 1547. Para uma biografia sobre Cortés, ver MADARIAGA, Salvador de.
Hernán Cortés. São Paulo: IBRASA Instituição brasileira de difusão cultural S. A., 1961.
22
Além do próprio Cortés, muitos cronistas contemporâneos do capitão mencionaram a existência da Primera
Carta: Francisco López de Gómara (c. 1511-1566), Pedro Mártir de Anglería (1457-1526), Bernal Díaz del
Castillo (c. 1492-1584) e Juan Ginés de Sepúlveda (1490-1573) ALCALÁ, Manoel. Nota preliminar. In:
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. XII. Logo no início da
Segunda Carta, Cortés menciona a Primera: En una nao que de esta Nueva España de vuestra majestad
despaché a diez y seis días de julio del año de quinientos y diez y nueve, envié a vuestra Alteza muy larga y
particular relación de las cosas hasta aquela sazón, después que yo a ella vine, en ella sucedidas
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. xico, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p.
31
litoral a Tenochtitlán, as maravilhas da capital mexica, a famosa Noche Triste”, dentre
outros acontecimentos.
Após o fim da expedição, Cortés elaborou em Coyoacán, até 15 de maio de 1522, a
Tercera Carta. Foi impressa pela primeira vez em Sevilha, em 30 de março de 1523,
também por Jacobo Cronberger, da mesma forma que rapidamente ganhou a versão em
latim. Tal documento narra os eventos entre 30 de outubro de 1520 e 15 de maio de 1522,
como as batalhas ao redor do lago Texcoco, a segunda ofensiva contra Tenochtitlán, a
capitulação final dos mexicas, e algumas expedições pelo território recém anexado.
Em 1524, mais precisamente em 15 de outubro, Cortés finalizou a Cuarta Carta.
Foi editada e publicada em espanhol pela primeira vez na cidade Toledo, em 20 de outubro
de 1525, dessa vez por García de Ávila. Diferentemente da Segunda e Tercera, a Cuarta
Carta não foi traduzida para o latim, e somente conseguiu uma versão em outra língua em
1779, quando ganhou uma tradução para o alemão. O documento discorre sobre a
organização da Nova Espanha e os preparativos de Cortés para novas expedições.
Em 3 de setembro de 1526, Cortés terminou a elaboração da Quinta Carta. Durante
a busca pela Primera Carta original, foi encontrado um documento que ficou conhecido
como a última das Cartas de Relación. Fernández Navarrete foi quem, em 1844, o publicou
pela primeira vez. Esse documento trata da posterior expedição de Cortés pela região
mesoamericana, do retorno a Tenochtitlán, do juízo de residência, etc.
Em resumo, as Cartas de Relación de Cortés foram escritas no calor dos combates
ou poucos anos após a Conquista. Mesmo o último texto que nos interessa a Tercera
Carta, que narra o fim da conquista dos mexicas foi concluído menos de um ano após a
rendição final de México-Tenochtitlán (agosto de 1521).
Por sua vez, a famosa crônica de Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera de la
conquista de la Nueva España, a obra mais extensa do corpus, inicia seu relato em uma
narrativa das primeiras expedições que o cronista participou no litoral mesoamericano,
primeiramente em 1517, com Francisco Hernández de Córdoba (c. 1475-1518) e, no ano
seguinte, com Juan de Grijalva (c. 1489-1524). Logo depois, uma grande parte da crônica é
dedicada à conquista do Mundo Mexica. Expedições pela América Central, dentre muitas
outras questões são mencionadas pelo autor no fim da obra.
Bernal Díaz trabalhou durante décadas na elaboração de sua obra, em um processo
no qual recolheu e revisou por diversas vezes os fragmentos. Autor detentor de uma
memória fotográfica, como era comum entre os cronistas medievais e quinhentistas, iniciou
a redação de sua obra cerca de 30 anos após da campanha.
Alguns dados nos mostram que Bernal Díaz começou a escrever na década de 1550;
sua primeira redação terminou em 1563 (nessa época, tinha lido a obra de López de
Gómara, La Conquista de Méjico [1552]); depois, após ler as obras Historia Pontificial
(1564), de Gonzalo de Illescas (c. 1518-1583), e Elogios (1566), de Paulo Jovio (1483-
1552), avançou mais em seu texto até 1568; finalmente, por volta de 1580, incluiu outros
trechos. A maioria dos historiadores apontou o ano de 1568 como o momento em que a
redação da Historia verdadera já estava madura, isto é, praticamente encerrada.
A Historia verdadera também funcionou como uma crítica principalmente ao relato
de López de Gómara, capelão de Cortés após 1541, e autor que nunca pisou em solo
americano. Bernal Díaz destaca:
“(...) enquanto escrevia essa relação vi as crônicas dos cronistas Francisco
López de Gómara e as do Doutor Illescas e Jovio, que falam das conquistas
da Nova Espanha. E sobre isso me parecia relatar onde houvesse
contradição, propondo claramente e verdadeiramente, muito diferente do
que escreveu os cronistas já por mim mencionados
23
Tal característica é de fundamental importância, pois como citamos, optamos,
intencionalmente, enfocar somente o ponto de vista dos atores da campanha, com as
expectativas e motivações que os impulsionaram.
Uma cópia da Historia verdadera, enviada para a Espanha em 1575, serviu de base
para primeira edição realizada pelo mercedário
24
Alonso Remón (1561-1632), e impressa
23
“(…) escrebiendo esta relación vi las crónicas de los coronistas Francisco López de Gómara y las del
doctor Illescas y las de Jovio, que hablan en las conquistas de la Nueva España, y lo que sobre ello me
pareciere declarar, adonde hubiere contradicción, lo propondré clara y verdaderamente, y va muy diferente
de lo que han escrito los coronistas ya por mi nombrados DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia
verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 17, p. 29.
24
A Ordem Real e Militar de Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos ou, simplesmente, Ordem
de Nossa Senhora das Mercês é uma ordem religiosa fundada em Aragão (1218) em conjunto pelo rei Jaime I,
o Conquistador (1208-1276), Pedro Nolasco (1189-1256), e Raimundo de Penaforte (c. 1175-1285), com o
propósito de libertar os cristãos prisioneiros dos mouros. Segundo Alain Demurger, esta ordem, “na qual
cavaleiros e clérigos estavam associados, foi considerada, erroneamente, uma ordem militar, tendo sido
reconhecida como tal em 4 de abril de 1245 pelo papa Inocêncio IV” DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de
em Madrid (1632). Infelizmente, Remón fez algumas supressões, alterações e retoques no
texto, como, por exemplo, a exaltação das ações do frei Bartolomé de Olmedo (c. 1481-
1524), religioso também mercedário que acompanhava Cortés. Até o início do século XX,
todas as edições (quinze em castelhano) acompanharam o texto da primeira.
Entretanto, a partir da publicação, em 1904, da edição feita por Genaro García,
baseada no códice guatemalteco que estava em divulgação, esse quadro se modificou. Tal
códice é um manuscrito que pertence à cidade de Santiago de Guatemala, um rascunho
feito pelo próprio Bernal Díaz da Historia verdadera. Com efeito, as edições que surgiram
em seguida são mais dignas de crédito, pois foram realizadas sobre esse códice, documento
no qual os pesquisadores confrontaram com a edição de Remón e encontraram várias
diferenças.
Na edição que utilizamos, Editora Porrúa (1976), Ramírez Cabañas reproduziu o
códice guatemalteco rigorosamente, letra por letra, e retirou as abreviações. As lacunas do
códice foram completadas com as outras edições (Remón), e com um manuscrito
desconhecido que possuía José Alegria (Verdadera Historia).
Antes de examinarmos as outras fontes é fundamental assinalar um problema
teórico-metodológico na Historia verdadera. Tal armadilha comprometeria a análise do
comportamento de um clérigo que acompanhava a expedição de Hernán Cortés, caso
adotássemos a primeira edição da obra de Bernal Díaz, texto parcialmente editado pelo
mercedário Alonso Remón.
Entre a morte de Remón (junho de 1632) e a publicação da Historia verdadera (fim
de 1632), a obra continuou sendo alterada. Após o falecimento deste editor, o frei Gabriel
Adarzo y Santander (1596-1674), sucessor de Remón no processo editorial e também
membro da Ordem das Mercês, realizou mais modificações com o intuito de destacar os
feitos do mercedário Bartolomé de Olmedo. Tal alteração é chamada pelos historiadores de
“interpolação mercedária”.
25
Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI), p. 133. A ordem seguia a regra de Santo
Agostinho e foi uma das primeiras a chegar ao Novo Mundo.
25
LEÓN CÁZARES, María del Carmen. Reforma o extinción: Un siglo de adaptaciones de la Orden de
Nuestra Señora de la Merced en Nueva España. México, D. F.: UNAM, 2004, p. 210-211.
Frontispício da primeira edição (1632) da Historia verdadera, de Bernal Díaz. Dois personagens se destacam
nessa cena: Hernán Cortés (à esquerda), sob uma placa onde está escrito em latim MANV (à mão, “por meio
de atos”), e o frei Bartolomé de Olmedo (à direita), abaixo da palavra ORE (“pela palavra”). De acordo com
Matthew Restall, a intenção do mercedário que editou a obra e ilustrou o frontispício (possivelmente Alonso
Remón), era indicar que o papel de conversão realizado por Olmedo foi tão importante quanto o de Cortés e
dos conquistadores (RESTALL, 2006, p. 232). Figura 19.
Para exemplificar uma interpolação que atingiu justamente o objeto dessa
Dissertação, ou seja, a ideia de cruzada no imaginário dos conquistadores, destacamos uma
passagem da Historia verdadera: durante uma batalha contra os nativos, Bernal Díaz ouviu
o seguinte encorajamento do mercedário aos conquistadores que lutassem com a intenção
de servir a Deus e estender Sua santa fé, pois Ele os ajudaria.
26
26
que peleasen con intención de servir a Dios y extender su santa fé, que él les ayudaria DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Verdadera Historia de los sucesos de la conquista de la Nueva España. In: Enrique de
Vedia, Historiadores primitivos de Indias. Madrid: Atlas, 1947, p. 220 Apud LEÓN CÁZARES, María del
Carmen. Reforma o extinción: Un siglo de adaptaciones de la Orden de Nuestra Señora de la Merced en
Nueva España, p. 216. Surpreendentemente, Tzvetan Todorov fez uso desse mesmo fragmento em sua famosa
obra, A conquista da América: a questão do outro, sem indicar que se trata de uma alteração, mais uma
Isso não quer dizer que descartamos a possibilidade de Olmedo exprimir essa
exortação. Entretanto, essa foi mais uma alteração redigida posteriormente, modificações
que são mais freqüentes a partir do capítulo 156, quando a narrativa se concentra nos
eventos ocorridos após a queda de México-Tenochtitlán,
27
como a interpolação citada no
parágrafo anterior.
Assim, a escolha da edição de 1632 acarretaria uma diferença substancial em
algumas conclusões, que em parte perderíamos o pensamento original de Bernal Díaz.
Em virtude disso, distanciamos desse perigoso território, pois recorremos a uma edição
menos “contaminada” da Historia verdadera, que seguiu mais fielmente o pensamento de
seu autor.
28
A Relación de algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre señor don
Hernando Cortés, marqués del Valle, desde que se determinó ir a descubrir tierra en la
Tierra Fierme del Mar Océano, teve sua redação composta pelo capitão Andrés de Tapia
entre aproximadamente 1540 e 1547.
Trata-se de uma narrativa da expedição cortesiana desde a saída de Cuba até a
vitória sobre Pânfilo de Narváez, em 1520. Foi muito usada por López de Gómara a tal
ponto que Germán Vázquez Chamorro o acusou de plágio.
29
No entanto, na Idade Média e
ainda no século XVI, os cronistas compilavam seus textos em uma seqüência de citações de
autores (clássicos ou antecessores seus) com o objetivo de defender os argumentos
expostos, principalmente se concordavam com os preceitos cristãos, como o
“interpolação mercedária”. Todorov citou o trecho completo: Nossas tropas chegaram a um alto grau de
excitação devido à influência dos encorajamentos de frei Bartolomé de Olmedo, que os exortava a agüentar
firme na intenção de servir a Deus e de difundir a santa fé, prometendo-lhes o auxílio de seu santo
ministério e gritando-lhes qe vencessem ou morressem em combate DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. 156 Apud TODOROV, Tzvetan. A conquista da
América: a questão do outro”. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 104 (grifo nosso). Certamente, o autor
consultou algumas edições anteriores a 1904, como observamos na bibliografia final de sua obra.
27
LEÓN CÁZARES, María del Carmen. Reforma o extinción: Un siglo de adaptaciones de la Orden de
Nuestra Señora de la Merced en Nueva España, p. 212.
28
Para a escolha dessa edição, ver RAMÍREZ CABAÑAS, Joaquín. Introducción. In: DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa,
1976, p. XI-XXXI.
29
“El capellán de Cortés, el tan loado Francisco López de mara, no dudó en saquear el triste relato del
leonés [Andrés de Tapia]. El fruto del plagio la Conquista de México (…)” ZQUEZ CHAMORRO,
Germán. La Conquista de Tenochtitlan / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 62.
Providencialismo. Era uma forma de redação baseada na intertextualidade, não na
originalidade.
30
Por sua vez, a Relación breve de la conquista de la Nueva España, de Francisco de
Aguilar, soldado que se tornou membro da Ordem Dominicana em 1525, teve sua redação
iniciada apenas no fim da vida do conquistador (possivelmente após 1560). O próprio
Aguilar confessou que alguns religiosos o convenceram dizendo que, que estava no fim
da vida, lhes deixasse escrito o que havia acontecido durante a conquista da Nova
Espanha”.
31
A obra apresenta algumas imprecisões cronológicas, causadas pela falta de um
calendário unificado, mas pode ser considerada um dos melhores relatos sobre a
mentalidade dos conquistadores.
Por último, a obra de Bernardino Vázquez de Tapia, intitulada Relación de méritos y
servicios del conquistador Bernardino Vázquez de Tapia, vecino y regidor de esta gran
ciudad de Tenuxtitlán México, foi escrita provavelmente entre 1542 e 1546. O relato, uma
Probanza de Méritos (“provas de mérito”),
32
é muitas vezes criticado pela confusa
cronologia e, sobretudo, pelo desejo do cronista em enaltecer sua figura. Assim como
Bernal Díaz, Vázquez de Tapia chegou ao Novo Mundo em 1514 na frota de Pedrarias
Dávila (c. 1440-1531). Alguns anos depois, participou da expedição de Grijalva (1518). O
relato concentra o foco em toda a campanha contra os mexicas.
***
Para a tradução das passagens (espanhol-português), procuramos realizar uma
“tradução literal”, mais próxima possível do original, mas obedecendo às regras da norma
culta do português. O tamanho das frases (enorme em comparação aos parâmetros atuais) e
30
Ver LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 74-75. Como
assinala Weckmann, “no era considerado falta de honradez intelectual el que un historiador transcribiera
folios enteros de los autores clásicos o de algun predecesor, incorporándolos a su proprio texto, si servían a su
propósito o si aducían ejemplos edificantes o exaltaban los valores espirituales” WECKMANN, Luis. La
herencia medieval de México. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica El Colégio de México, 1994, p.
484-485.
31
diciendo que, pues que estaba ya al cabo de la vida, les sajase escrito lo que en la conquista de esta
Nueva España había pasado AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva
España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16,
1988, p. 161.
32
Probanza de Méritos: trata-se de uma petição pessoal ao rei (ou Imperador) para obter uma recompensa por
determinados serviços efetuados.
a pontuação foram, na medida do possível, mantidos. Incluímos palavras entre colchetes
necessárias à compreensão de determinadas passagens. Alguns arcaísmos como “Plugar a
Dios” (“se Deus quiser”) foram modernizados no intuito de uma melhor compreensão das
frases.
33
Mantivemos as repetições (artifício comum empregado pelos cronistas medievais e
quinhentistas), além da estrutura do texto original.
***
Caracterizamos nossa pesquisa como um trabalho de Nova História Cultural, pois a
mentalidade é a expressão da cultura de um período. Com o surgimento da Escola dos
Annales (início do século XX), a principal área de nosso estudo, ou seja, o domínio das
mentalidades, foi colocado em evidência pela historiografia. Essa nova perspectiva buscava
analisar o psicológico da coletividade humana, com o objetivo de examiná-lo para
compreender as inquietações e os desejos mais ocultos dos homens.
Nosso Objeto de Pesquisa foi a mentalidade de cruzada dos “espanhóis”.
34
Investigamos a origem de tal perspectiva para, assim, realizar a análise de seu emprego na
conquista de México-Tenochtitlán, sempre numa dialética de continuidades e
descontinuidades.
33
Ver VÁZQUEZ CHAMORRO, Germán. Glosario. In: La Conquista de Tenochtitlan / J. Díaz... [et al.];
Madrid: Historia 16, 1988, p. 207-220.
34
Escolhemos o termo “espanhóis” (entre aspas), em referência aos conquistadores provenientes da Hispânia.
Contudo, trata-se de uma imprecisão, pois existiam e existem particularismos regionais na Espanha, que a
união entre Castela e Aragão em 1474 não conseguiu apagar. De fato, os homens que formavam a tropa de
Cortés eram provenientes de regiões distintas culturalmente como a Biscaia (atual província do País Basco),
Astúrias, Andaluzia e Extremadura: hubo [na tropa cortesiana] (...) vizcaínos, montañeses, asturianos,
portugueses, andaluces y extremeños AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la
Nueva España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid:
Historia 16, 1988, p. 163. Apesar da imprecisão terminológica, ainda assim escolhemos o termo “espanhóis”
com o objetivo de facilitar nossa narrativa ao longo dessa Dissertação, que o termo está solidamente
consagrado pela historiografia e uma diferenciação rígida de cada grupo (castelhanos, andaluzes, leoneses,
etc) seria demasiadamente desnecessária. Como nos informa Bernard Grunberg, “la primera región de donde
provienen los hombres de Cortés es Andalucía, con casi un tercio del ejército; León ofrece el segundo
contingente com 17 por ciento; después Extremadura con 15 por ciento; los conquistadores de Castilla Vieja
fueron menos numerosos 12 por ciento; mucho menos fue el contingente de Castilla la Nueva, 7 por ciento”.
Os estrangeiros, que eram representados principalmente por portugueses e genoveses, formavam 6.2 %
GRUNBERG, Bernard. El universo de los conquistadores: resultado de una investigación prosopográfica.
Signos Históricos, julio-diciembre, 12, Universidad Autónoma Metropolitana, Iztapalapa, México, D. F.:
2004, p. 96-97. Para uma abordagem dos modos dos povos ibéricos, ver SCHWARTZ, Stuart B. &
LOCKHART, James. Os modos ibéricos. In: A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 21-49.
O recorte cronológico se concentrou entre os anos de 1519 e 1521, período que
permeia a campanha de conquista cortesiana. Contudo, gravitamos entre os séculos XI e
XVI, desde as origens da mentalidade cruzadística até seu ideal ser utilizado por Cortés e os
demais conquistadores na conquista do Mundo Mexica.
Quanto ao recorte espacial, acompanhamos a trajetória da expedição de Cortés
desde a partida de Cuba (abril de 1519) até a tomada de Tenochtitlán (agosto de 1521), a
capital mexica. Por outro lado, também ocorreram menções ao Levante e regiões da
Europa, principalmente a Península Ibérica.
A questão central pode ser resumida da seguinte forma: devemos considerar o ideal
de cruzada, perspectiva consolidada nos séculos XI-XII, atuando, de certa forma e em certa
medida, na Conquista do Novo Mundo, mais precisamente na conquista de México-
Tenochtitlán (1519-1521)?
***
Nesse primeiro capítulo, de caráter introdutório, apresentamos nosso objeto de
estudo, as vertentes narrativas da conquista de México-Tenochtitlán, as principais fontes
utilizadas nesse trabalho e os objetivos primordiais da pesquisa.
No segundo capítulo, “Um prolongamento do mundo medieval na conquista e
colonização do Novo Mundo?”, apresentamos, inicialmente, as propostas pela permanência
e, depois, as propostas pela ruptura das tradições medievais na Conquista e colonização da
América. Logo depois, historicizamos tais perspectivas; e, finalmente, demonstramos nosso
referencial teórico baseado na dialética entre continuidade e descontinuidade.
No terceiro capítulo, “O conceito de cruzada”, analisamos a trajetória do ideal
cruzadístico: seu surgimento, consolidação (sécs. XI-XII) na Cristandade Latina medieval e
prolongamento em terras americanas (sécs. XV-XVI). Destacamos também, ao longo da
exposição, as semelhanças e diferenças entre a Cruzada medieval e a Conquista do Novo
Mundo.
No quarto capítulo, “A evolução técnico-mental da guerra no final da Idade
Média”, discorremos brevemente acerca do desenvolvimento técnico e ideológico (ideais
cavaleirescos e cruzadísticos) da guerra no final do medievo.
No quinto capítulo, “O comportamento cortesiano”, narramos a conquista de
México-Tenochtitlán em uma perspectiva que privilegiou as ações cruzadísticas dos
conquistadores durante os anos que permeiam a expedição (1519-1521). Além disso,
verificamos como esse comportamento cruzadístico foi matizado nesse novo contexto
histórico.
No sexto capítulo, “A simbologia cristã na campanha”, ressaltamos a importância
dos símbolos religiosos que os conquistadores carregavam, como a bandeira da cruz e o
estandarte da Virgem Maria.
No sétimo capítulo, “O discurso cortesiano”, revelamos os aspectos cruzadísticos
invocados pelos “espanhóis”, a legitimidade jurídico-teológica da Conquista, as hierofanias
(forma de manifestação do sagrado entre os homens), a demonização dos inimigos, o
discurso cavaleiresco, etc.
No oitavo capítulo, “O maravilhoso cristão”, apresentamos o prolongamento da
noção de “fronteira” hispânica no Novo Mundo e, depois, as supostas “aparições” de santos
na Conquista, particularmente Santiago, São Pedro e a Virgem Maria.
No nono capítulo, “A alteridade, o „outro‟ mexica”, explicamos através do conceito
antropológico de alteridade, de que forma ocorreu o contato entre os conquistadores e os
mexicas, que inflamaria, posteriormente, o ideal cruzadístico dos “espanhóis”.
No décimo capítulo, “Conclusão”, realizamos uma ntese de todos os capítulos da
Dissertação e apresentamos ponderações e avaliações dos resultados obtidos.
2. UM PROLONGAMENTO DO MUNDO MEDIEVAL NA CONQUISTA E
COLONIZAÇÃO DO NOVO MUNDO?
Alguns medievalistas como Jacques Heers, ao tratarem particularmente da expansão
européia na América, sustentaram uma continuidade do modelo medieval. Tal processo não
teria marcado qualquer ruptura com os tempos anteriores, pois permaneceu inserido nas
mesmas tradições “medievais” dos impérios coloniais criados pelos latinos no Oriente. A
colonização da América pelos ibéricos no século XVI apresenta, em todos os sentidos,
traços medievais.
35
A obra de Luis Weckmann, La herencia medieval de México, ao abordar o caso
específico do México entre, grosso modo, 1517 e 1650, também defendeu essa teoria.
Segundo o historiador mexicano, os conquistadores e missionários do século XVI e
também exploradores, administradores e juízes introduziram na Nova Espanha uma
cultura essencialmente medieval.
36
Desse modo, não a religiosidade implantada pelos
“espanhóis” seguiu fundamentalmente a Península Ibérica medieval, mas também outros
setores como a economia e sociedade se mantiveram, no essencial, os mesmos. Neste
sentido, o Renascimento é enquadrado como um fenômeno que abrangeu apenas a
Península Itálica e o norte dos Alpes, afetando de forma parcial e tardia o nascente Vice-
Reino da Nova Espanha.
37
Jérôme Baschet, por sua vez, em recente obra publicada, A Civilização Feudal: Do
ano mil à colonização da América, também confirmou a tese sobre a presença de tradições
medievais na Conquista e colonização da América. Segundo o historiador francês, os
“espanhóis” que desembarcam no continente americano estavam carregados de uma visão
de mundo e de valores medievais.
38
Ao adotar uma perspectiva de “longa Idade Média”, o
discípulo de Jacques Le Goff acrescenta que existe um grande risco em entender esse
processo como se seus atores tivessem nossa própria mentalidade, quando é mais
presumível que seus valores e a lógica de suas atitudes fossem essencialmente medievais.
39
35
HEERS, Jacques. História Medieval. São Paulo: Bertrand Brasil, 1991, p. 239.
36
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de México. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica El
Colégio de México, 1994, p. 21.
37
Ibidem, p. 21.
38
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 28.
39
Ibidem, p. 30.
Apesar de Baschet seguir a teoria de Weckmann em relação à importância do
componente medieval na formação do México colonial, ele adverte a necessidade de se
matizar alguns aspectos da obra do historiador mexicano. Em primeiro lugar, ressalta que a
noção de “herança” é perigosa, pois, como a noção de influência, sugere a retomada
passiva de elementos anteriores e incita o historiador a sucumbir a esta „herança das
origens‟ denunciada por Marc Bloch”.
40
Ademais, esse tipo de pesquisa, “que parece mais um catálogo”, permanece
impressionista e anula a compreensão em profundidade tanto do mundo medieval e do
México colonial quanto da dinâmica histórica que os liga. A dicotomia medieval versus
moderno também é denunciada, assim como a ideia de atraso hispânico. Outro problema é
que Weckmann não se preocupou com as diferenças, apenas com as semelhanças: “não
podemos ignorar que uma realidade original, irredutível a uma repetição idêntica, toma
forma nas colônias do Novo Mundo”.
41
Por fim, Baschet ataca a ideia pejorativa de que o
Renascimento iluminou as “trevas” medievais, a noção de que esse fenômeno atingiu todos
os rincões do Ocidente, e a sempre enfatizada ideia de ruptura profunda entre Idade Média
e Renascimento.
42
Com relação aos últimos aspectos, Jacques Lafaye, outro historiador francês, toma
uma posição menos radical. Segundo o autor, o Renascimento não penetrou na Península
Ibérica como no resto da Europa, mas somente em uma elite pouco numerosa e suspeita
para a Inquisição, instituição aprovada pelos “Reis Católicos” em 1478. Uma grande
parcela da população (incluindo o clero e a nobreza) pensava de acordo com os valores e
preceitos do fim da Idade Média.
43
***
Para historicizar essa perspectiva, separamos dois casos paradigmáticos. O primeiro
deles é um curioso episódio ocorrido durante a conquista de México-Tenochtitlán. Após
deixarem Cholula (outubro de 1519), uma cadeia de montanhas impressionou os
40
Ibidem, p. 31.
41
Ibidem, p. 32.
42
LE GOFF, Jacques. Prefácio. In: BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da
América, p. 17.
43
LAFAYE, Jacques. Los conquistadores. México, D. F.: Siglo XXI Editores - oitava edição, 1991, p. 143.
conquistadores, onde o vulcão Popocatepetl destacava-se. Interessado em compreender a
poderosa força da fumaça que exalava do cume, Cortés permitiu que alguns conquistadores
subissem as montanhas. O “soldado-cronista” Bernal Díaz e o próprio Cortés relataram:
Enquanto estávamos em Tlaxcala, o vulcão que se encontra perto de
Guaxocingo lançava muito fogo, o qual nosso capitão Cortés e todos nós,
como não havíamos visto tal coisa, nos admiramos; e um capitão nosso que se
chamava Diego de Ordaz desejou ver o que era (...)”
44
uma [montanha], que é a mais alta [o vulcão Popocatepetl], sai muitas vezes
durante o dia e à noite, uma volumosa massa de fumaça, como uma casa
grande, e sobe do cimo da serra até as nuvens, tão reta como uma flecha, que,
ao que parece, os ventos fortes que sopram nas alturas não conseguia desviá-
la. E porque sempre desejei fazer relação de todas as coisas dessa terra para
Vossa Alteza, quis conhecer o segredo desta, que me pareceu deveras
maravilhosa, e enviei dez de meus companheiros, (...) com alguns nativos
dessa terra para que os guiassem, e ordenei a eles que se esforçassem para
subir a mencionada serra e conhecer o segredo daquela fumaça, de onde e
como saia
45
Sem conseguirem alcançar o topo, os “espanhóis” avistaram uma nova rota (mais
segura) em direção a Tenochtitlán.
46
De fato, Cortés, primeiramente, buscou compreender;
depois, tomar.
47
Mesmo nos momentos de extrema tensão, a vontade de conhecer o
“segredo” não diminuiu e, dois anos depois, uma nova tentativa obteve êxito, quando no
cume do vulcão os conquistadores recolheram enxofre para fabricar pólvora e continuar a
44
El volcán que está cabe Guaxocingo, echaba en aquella sazón que estábamos en Tlaxcala mucho fuego,
de lo cual nuestro capitán Cortés y todos nosotros, como no habíamos visto tal, nos admiramos de ello; y un
capitán de los nuestros que se decía Diego de Ordaz tomóle codicia de ir a ver qué cosa era (…)” DÍAZ
DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 78, p. 136.
45
una que es la más alta sale muchas veces, así de día como de noche, tan grande bulto de humo como una
gran casa, y sube encima de la sierra hasta las nubes, tan derecho como una vira, que, según parece, es tanta
la fuerza con que sale que aunque arríba en la sierra andaba siempre muy recio viento, no lo puede torcer. Y
porque yo siempre he deseado de todas las cosas de esta tierra poder hacer a vuestra alteza muy particular
relación, quise de ésta, que me pareció algo maravillosa, saber el secreto, e envié diez de mis compañeros,
tales cuales para semejante negocio eran necesarios, y con algunos naturales de la tierra que los guiasen, y
les encomendé mucho procurasen de subir la dicha sierra y saber el secreto de aquel humo, de dónde y cómo
salía CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 47.
46
Cortés atribuiu a Deus a descoberta do caminho mais confiável: Mas como Dios haya tenido siempre
cuidado de encaminar las reales cosas de vuestra sacra majestad desde su niñez, y como yo y los de mi
compañía íbamos en sua real servicio, nos mostró otro camino aunque algo agro, no tan peligroso como
aquel por donde [os índios] nos querían llevar Ibidem, p. 47.
47
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”, p. 101.
guerra. Tal façanha seria repetida apenas em 1827!
48
A sede de saber de Cortés tem sido
encarada como uma manifestação de um espírito renascentista, pois o homem medieval
jamais poderia interromper uma campanha militar para buscar compreender um fenômeno
natural e seu “segredo”.
49
O velho preconceito em relação à Idade Média...
50
No entanto, o “interesse pela natureza” era manifestado plenamente pelos
medievais. Ao observarem a natureza e contemplarem a beleza da criação divina, os
homens da Idade Média demonstraram uma curiosidade (curiositas) científica,
51
que surgiu
da capacidade de se surpreender, de se maravilhar com o mundo. O filósofo catalão Ramon
Llull (1232-1316), por exemplo, em sua novela enciclopédica o Livro das Maravilhas
(1288-1289) tem como protagonista Félix, um homem que viaja pelo mundo para
desvendar a realidade e tentar compreendê-la:
“(...) Félix foi obediente a seu pai (...). E, com a doutrina que seu pai lhe
deu, andou pelos bosques, montes e planícies, pelos lugares ermos e
povoados, encontrou príncipes e cavaleiros pelos castelos e pelas cidades, e
se maravilhava com as maravilhas que existem no mundo. Perguntava o que
não entendia, e explicava o que sabia (...)”
52
O outro exemplo remete à questão das riquezas, especialmente do ouro. Vale
assinalar que não defendemos uma postura determinista, atribuindo todas as razões que
suscitaram a Conquista ao componente religioso. No entanto, a religiosidade ainda
48
DESCOLA, Jean. Los conquistadores del Imperio español. Barcelona: Editorial Juventud, S. A., 1972, p.
180.
49
Tal ideia foi defendida por Manoel Alcalá: “El renacentista móvil del saber, señalado ya para la Primera
Carta, siegue activo en la Segunda: el misterio y maravilla de nuestros volcanes se enfrentan a Cortés (...)”
ALCALÁ, Manoel. Nota preliminar. In: CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. México, D. F.: Editorial
Porrúa, 1971, p. XVI.
50
Para uma desconstrução do preconceito em relação à Idade Média, ver HEERS, Jacques. A Idade Média,
uma impostura. Lisboa: Edições Asa, 1994; e PERNOUD, Régine. Idade Média: o que não nos ensinaram.
Rio de Janeiro: Agir, 1979.
51
De acordo com os medievais, existiam campos de saber (distintos, mas unidos) que formavam a ciência
medieval, expressão de um saber racional (melhor dizendo, dialético) cuja principal manifestação ocorreu
com a Escolástica (sécs. XII-XIV). Tal perspectiva foi desenvolvida principalmente dentro das Universidades,
instituição que surgiu por volta de 1200. Ver ALESSIO, Franco. Escolástica. In: LE GOFF, Jacques &
SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc,
2006, Vol. I, p. 367-382. Na Idade Média, o maravilhamento por algo novo “suscitou a curiositas no espírito
humano medieval, e foi uma das primeiras formas de espírito científico que se preocupava com a investigação
(inquisitio) e a experiência (experimentum)” LÚLIO, Raimundo. Félix, ou, o Livro das Maravilhas, parte I.
Tradução Ricardo da Costa. São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 29, Nota 3. Ver também COSTA, Ricardo da.
“A ciência no pensamento especulativo medieval”. In: Sinais 5, vol. 1, setembro/2009. Vitória: UFES, p. 43-
70.
52
LÚLIO, Raimundo. Félix, ou, o Livro das Maravilhas, p. 30.
dominava praticamente todas as esferas da civilização ocidental no século XVI e isso
incluía o próprio significado do ouro. Na Idade Média, o metal supostamente apresentava
(como o âmbar) propriedades gicas e conferia prestígio e poder.
53
Nos círculos
eclesiásticos, a riqueza do ouro e das pedras preciosas representava a luz; Deus é luz, e os
cristãos são os “filhos da luz”. Com efeito, “o ouro é menos matéria que luz, e seu brilho o
torna apto a sugerir as realidades celestes”.
54
No século XII, o abade Suger de Saint Denis
(1081-1151) assinalou sobre a riqueza mineral:
Quando, de vez em quando a dileção pelas cores da casa do Senhor ou o
esplendor multicolorido das pedras preciosas me distanciam, pelo prazer
que produzem, de minhas próprias preocupações, e quando a honesta
meditação me convida a refletir sobre a diversidade das santas virtudes,
transferindo-me das coisas materiais para as imateriais, parece que resido
em uma estranha região do orbe celeste, que não chega a estar
completamente na superfície da terra nem na pureza do céu, e que, pela
graça de Deus, posso transferir-me de um lugar inferior para outro superior
de um modo anagógico
55
Neste sentido, o ouro tinha um caráter “espiritual”; contemplar seu brilho fazia com
que se ascendesse espiritualmente. O final da Idade Média ainda exprimia esse mesmo
sentimento: Cristóvão Colombo (1451-1506) é um ótimo exemplo quando argumentou que
“(...) o ouro é coisa excelente. Quando o possuímos, fazemos tudo o que queremos neste
mundo, até conduzir as almas ao paraíso.
56
Logicamente, no pensamento de Colombo, o
ouro resgata as almas somente quando é empregado a serviço de Deus, ou seja, o metal era
um meio de promover empreendimentos santos.
57
Em suas viagens, o almirante sempre
acreditava estar muito próximo da fonte do ouro, e que Nosso Senhor lhe mostraria onde
53
BONNASSIE, Pierre. Ouro. In: Dicionário de História Medieval. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985,
p. 157.
54
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 30.
55
SUGER DE SAINT DENIS. De rebus in administratione sua gestis, XXXIII, 198-199. Apud COSTA,
Ricardo da. “Ramon Llull (1232-1316) e a Beleza, boa forma natural da ordenação divina”. In: Revista Sofia
2006, 1. Vitória: Edufes, 2006.
56
el oro es excelentíssimo; del oro se hace tesoro y con él, quien lo tiene, hace cuanto en el mundo y llega a
que echa las animas al paraíso Apud BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização
da América. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2006, p. 30.
57
MAHN-LOT, Marianne. Retrato histórico de Cristóvão Colombo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1992, p. 40 e 117.
ele nasce”.
58
Na concepção da época, o ouro era engendrado pelo calor e “nascia”,
“brotava” da terra.
Da mesma forma, em seu Testamento (“Instituição de Morgado” [1498]), o
almirante deixa claro o desejo de canalizar os recursos do Novo Mundo para um propósito
religioso fundamental retomar a Terra Santa: me dispus a ir descobrir as Índias foi com
a intenção de suplicar ao Rei e à Rainha, Nossos Senhores, que a renda que Suas
Majestades obtiverem das Índias, se determinasse empregá-la na conquista de
Jerusalém”.
59
O dominicano Bartolomeu de Las Casas (c. 1484-1566) também registrou o
comportamento do almirante genovês:
Quando lhe traziam ouro ou objetos preciosos, ele entrava em seu oratório,
ajoelhava-se como as circunstâncias exigiam, e dizia: Agradecemos a
Nosso Senhor que nos tornou dignos de descobrir tantos bens (...) tinha
suplicado à Sereníssima Rainha Dona Isabel que lhe prometesse consagrar
todas as riquezas que os reis podiam obter de sua descoberta ao resgate da
terra e da Santa Casa de Jerusalém, o que a Rainha fez (...)”
60
No século XVI, o ouro não tinha para os conquistadores apenas um valor monetário.
Além de representar uma riqueza material que vale por si mesma, o metal parece ser um
símbolo de prestígio e os valores espirituais ainda estavam nele impregnados. Nessa época,
quem detém o ouro pode conseguir uma posição social mais importante, muitas vezes
nobiliárquica. Com efeito, o metal não era valorizado enquanto um objeto que detinha um
poder aquisitivo em sua total significância, ou seja, o materialismo econômico (lógica
capitalista)
61
não constituía o traço central na mentalidade daqueles homens.
62
58
COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América. 17.02.1492. Apud TODOROV, Tzvetan. A
conquista da América: a questão do outro”. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 08.
59
COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América: as quatro viagens e o testamento. Porto
Alegre: L&PM Editores Ltda, 1991, p. 168.
60
LAS CASAS, Bartolomeu de. Historia de las Índias, I, 2. Apud TODOROV, Tzvetan. A conquista da
América: a questão do outro”. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 12. Em outra passagem, Las Casas
destacou a perspectiva de Colombo em relação aos tesouros: Nosso Senhor bem sabe que eu não suporto
todas essas penas para acumular tesouros nem para descobri-los para mim; pois, quanto a mim, bem sei que
tudo o que se faz neste mundo é vão, se não tiver sido feito para a honra e o serviço de Deus Ibidem, I,
146. Apud TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”. São Paulo: Martins Fontes,
1993, p. 09.
61
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 30.
62
O próprio Hernán Cortés declarou que “por cobrar nombre de servidor de vuestra majestad y de su
imperial y real corona, me he puesto a tantos y tan grandes peligros, y he sufrido trabajos tan sin
comparación y no por codicio de tesoros CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Quinta Carta-Relación,
Tal característica explica e justifica os conquistadores que retornavam à Espanha
montados em cavalos que portavam ferraduras de ouro e prata. Vale lembrar também que,
em torno de 1540, os “espanhóis” iniciaram desesperadamente na região dos Andes e da
floresta Amazônica a procura do reino do homem de ouro, el Dorado.
***
Concordamos com a perspectiva de Baschet de que os primeiros conquistadores
tinham uma mentalidade essencialmente medieval e que uma realidade original se formou
durante a colonização da Nova Espanha. Ao longo dos séculos XVI-XVII, os colonizadores
não viveram em uma colônia absolutamente hispânica (medieval e/ou renascentista), mas
“híbrida”, uma fusão da cultura indígena e européia, que deu origem ao pensamento
mestiço, tema estudado brilhantemente por Serge Gruzinski.
63
A Nova Espanha que surgiu
das ruínas de México-Tenochtitlán era herdeira de duas tradições: a cristã-ocidental e a
indígena (mesoamericana).
Entendemos também que uma alternância entre os valores medievais e
renascentistas atuou no imaginário dos conquistadores e colonizadores do Novo Mundo. De
acordo com Bernand e Gruzinski, não podemos contrapor a Europa nórdica (da imprensa) à
Península Ibérica e o Novo Mundo dos séculos XV-XVI, ou seja, ignorar o movimento de
seres e coisas entre esses territórios seria equivocado. Desde cedo, a Hispânia atraiu
impressores germânicos e flamengos, além das rotas comerciais estimularem a circulação
dos livros e das imagens.
64
Assim como Baschet criticou a focalização excessiva de Luis Weckmann nas
continuidades da colonização da Nova Espanha, é importante salientar as rupturas de
determinado processo histórico e as reformulações das tradições que permaneceram.
Ademais, nem sempre uma determinada tradição se mantém intacta, pois, em novos
p. 280. Em outra passagem, Cortés comentou: También ciertas joyas que yo tenía de oro y piedras, las
cuales envié, no por su valor ni precio, aunque no era muy pequeno para mí, sino porque habían llevado los
franceses las que primero que envié, y pesóme en ánima que vuestra majestad sacra no las hubiese visto, y
para que viese la muestra (...)” Ibidem, p. 279 (grifos nossos).
63
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
64
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 206; BRAUDEL, Fernand. Civilização
material, economia e capitalismo nos séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 3 vols.
contextos históricos, ocorrem atualizações, da mesma forma que noções praticamente
desaparecidas podem renascer em outras roupagens.
Em nosso estudo específico, devemos salientar que, evidentemente, o processo das
Cruzadas foi resultado de uma realidade medieval e um contexto histórico jamais se
repete.
65
Por outro lado, observamos que uma perspectiva de “longa duração” atuou na
ideia de cruzada” no fim da Idade Média. Neste sentido, tentamos encontrar características
da noção medieval de Cruzada na Conquista do Novo Mundo, embora alguns aspectos se
diferenciem da ideia original.
A mentalidade do conquistador, moldada no período medieval, muitas vezes
reproduziu essencialmente (com suas permanências e rupturas) os comportamentos dos
“espanhóis” durante a guerra de Reconquista
66
da Hispânia. Esse processo foi considerado
por Cláudio Sánchez Albornoz, em sua clássica obra La Edad Media española y la empresa
de America, como a chave da história da Espanha e raiz profunda da Conquista e
colonização da América. O autor ainda assinalou precisamente que, ao contrário da
colonização inglesa (burguesa, pós-renascentista e pós-luterana), a colonização hispânica
foi caracterizada pelo espírito religioso, guerreiro e místico, profundamente marcada por
uma herança medieval agrária.
67
Hernán Taboada, por outro lado, recentemente defendeu que se algumas tradições
(simbólicas e institucionais) sugerem um prolongamento entre a Reconquista da Hispânia e
a Conquista da América, mais abundantes são os elementos de ruptura. Segundo o autor, o
referente islâmico que aparece na Conquista deriva mais das guerras contra os turcos
otomanos no século XVI em comparação aos culos medievais da Reconquista.
68
Apesar
65
FERNANDES, Fátima Regina. Cruzadas na Idade Média. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das
Guerras. São Paulo: Contexto, 2006, p. 128.
66
Empregamos o termo “Reconquista” em referência à expansão cristã na Península Ibérica iniciada somente
a partir do século XI, pois foi registrado que o processo e a ideia de retomar territórios começou apenas
com as campanhas de Fernando I, de Castela (1037-1065), sendo finalizado no século XV, com a tomada de
Granada (1492). Com isso, discordamos da parcela da historiografia tradicional que utilizou o termo para
denominar o período que se inicia ainda no século VIII (mais precisamente em 718). O século XI foi o
período em que sacralizou-se a guerra, momento no qual o componente religioso passou a atuar
decisivamente na expansão cristã. Para mais sobre a discussão historiográfica do termo “Reconquista” e a
defesa dessa perspectiva, ver COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de
cruzada na Península Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 77-79.
67
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio. La Edad Media española y la empresa de America. Madrid: Ediciones
Cultura Hispanica del Instituto de Cooperación Iberoamericana., 1983, p. 33-35.
68
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 191-192.
de não concordarmos inteiramente com essa perspectiva, persiste, no entanto, um referente
islâmico na tese de Taboada: desde o século XI, os otomanos tinham abraçado o Islã.
É claro que a Conquista do Novo Mundo não foi uma cópia idêntica da
Reconquista, mas ela foi sua indiscutível extensão.
69
Em nossa apreciação, nesse novo
contexto histórico a “ideia de cruzada sofreu reformulações, motivo que nos obrigou
analisá-la dentro da dialética entre continuidades e descontinuidades, desde seu nascimento,
consolidação (sécs. XI-XII), até seu emprego na invasão da América (sécs. XV-XVI).
69
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 27.
3. O CONCEITO DE CRUZADA: DAS ORIGENS À CONQUISTA DO NOVO
MUNDO
3.1 DA GUERRA SANTA À CRUZADA
Jesus Cristo defendia a paz, era um adepto da não-violência. O Evangelho Segundo
Mateus, capítulo 5, versículo 39, assinala: Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem
mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda”.
70
Apesar de
encontrarmos referências na Bíblia de que os primeiros cristãos negavam guerrear por uma
posição de princípio, o que eles mais discordavam era o fato de terem que prestar juramento
ao Imperador romano (pagão) que se tomava por Deus.
71
Então, como um cristianismo
originalmente pacífico desenvolveu a ideia de uma guerra santa e a regularizou nos séculos
XI-XII com a Cruzada?
Um marco crucial para o surgimento da guerra santa cristã aconteceu com a adoção
do cristianismo no Império Romano como a religião oficial (século IV).
72
Essa legitimação
do cristianismo fez com que os cristãos pegassem em armas para defender o novo “Império
Cristão”, principalmente contra os germanos que ameaçavam o limes.
Nessa época, a ideia de uma belum justum (“guerra justa”) já se anunciava na mente
de alguns pensadores cristãos como, por exemplo, Santo Agostinho (354-430). O
pensamento agostiniano, em sua De Civitate Dei (A Cidade de Deus), admitia a
interferência de Deus na duração das guerras:
70
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Edições Paulinas, 1973, p. 1847.
71
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI), Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 20.
72
A adoção do cristianismo como a religião oficial do Império Romano foi um processo com vitórias e
derrotas. Após três séculos de perseguições, o Império foi divido em dois e, em 313 d.C., os dois Imperadores,
Constantino (306-337) e Licínio (308-324) se uniram em favor de uma política religiosa comum em um
documento denominado muitas vezes de “Édito de Milão que concedeu liberdade de culto aos cidadãos
do Império. No entanto, o paganismo chegou mesmo a ser reavivado na época do Imperador Juliano (361-
363), que os cristãos cognominaram, o “apóstata”. Em 380, sob o governo de Teodósio (379-395), o
cristianismo niceno finalmente foi proclamado como a religião oficial do Império. Em 392, toda prática pagã
foi proibida COMBY, Jean. Para ler a história da Igreja: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola,
1993, p. 33-78. Para mais sobre esse processo, ver JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de
Janeiro: Imago, 2001, p. 83-148.
Como depende de seu arbítrio, de seu justo juízo e de sua misericórdia o
atribular ou consolar os mortais, assim também dele depende os tempos das
guerras, que encurta ou prolonga a seu talante
73
Também, foi a introdução da tradição militar germânica no Mundo Romano desde o
Baixo Império (sécs. III-V), que o valor atribuído à guerra adquiriu uma importância cada
vez maior no Ocidente cristão. Tal concepção não diferenciava o direito civil e o uso militar
da força
74
e, somada à conversão dos reinos romano-germânicos ao cristianismo niceno,
impulsionou no aparecimento da guerra santa cristã. A sociedade que tinha surgido
procurava justificar sua distração habitual. O código de cavaleiresco que se desenvolvia
prestigiava o heroísmo do guerreiro e o pacifista recebeu uma má reputação da qual nunca
mais superou.
75
Dessa forma, constituiu-se uma sociedade cristã essencialmente belicosa na Alta
Idade Média, pois os gérmens para a elaboração de uma guerra sacralizada evoluíam, como
vimos, desde que o Império Romano adotou o cristianismo.
Nesse meio tempo, indícios da união entre guerra e religião começavam a
aparecer. O sucesso de Carlos Martel (714-741) em Poitiers (732) foi aclamado com
admiração e os primeiros triunfos dos líderes cristãos das Astúrias compartilharam esse
espírito.
76
O Imperador Carlos Magno (c. 742-814), coroado pelo Papa Leão III (795-816)
em 800, também demonstrou através de suas campanhas claros exemplos do triunfo da
“verdadeira fé” sobre os pagãos e os muçulmanos. A época carolíngia marcou o nascimento
de uma ideia de cruzada” embrionária. Esse período constituiu um momento fértil nas
relações entre a Igreja e o Estado, que derivavam fundamentalmente da noção de “Império
Cristão”, perspectiva desenvolvida por Constantino (c. 272-337), e que foi exaltada e
recuperada por Carlos Magno.
77
Da mesma forma, algumas atitudes do Papado contribuíram para a elaboração da
perspectiva de guerra santa. Desde fins do século VI, o Papa Gregório Magno (590-604)
73
AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. São Paulo: Editora das Américas S. A. Edameris, 1964, Livro
5, Cap. XXII, p. 292.
74
CARDINI, Franco. Guerra e Cruzada. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. I, p. 474.
75
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Imago, 2002, Vol. I, p. 84.
76
HEERS, Jacques. História Medieval. São Paulo: Bertrand Brasil, 1991, p. 161.
77
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano. Madrid:
Editorial Trota, 2003, p. 29-32.
admitia como justa a repressão a pagãos e hereges.
78
Depois, quando a Cristandade
Ocidental estava ameaçada por uma segunda onda de invasões (escandinavos, muçulmanos
e magiares), o Papado agiu com mais força na defesa do “rebanho de Cristo”. O Papa Leão
IV (847-855), em meados do século IX, declarou que com efeito, o Todo-poderoso sabe
que se um de vós chega a morrer, morrerá pela verdade da fé, pela salvação da Pátria e
pela defesa dos cristãos”.
79
Pouco tempo mais tarde, o Papa João VIII (872-882) havia
declarado que os combatentes mortos durante a ofensiva contra os muçulmanos refugiados
no centro da Península Itálica receberiam como recompensa a salvação.
80
Entretanto, a consolidação da guerra santa na Cristandade Ocidental tem suas
origens apenas no final da Alta Idade Média, principalmente quando a Igreja Romana
tentou controlar a atividade guerreira cristã, e tornar o combatente um miles Christi
(“cavaleiro de Cristo”). Para conter a belicosidade dos guerreiros, inicialmente a Igreja
lançou o movimento da “Paz de Deus” (fim do século X). Tal movimento, por intermédio
de ameaças espirituais, proibia aos guerreiros atacar santuários cristãos e os chamados
inermes, ou seja, os homens desarmados (camponeses, mercadores e religiosos).
A “Paz de Deus” foi um movimento político-social proposto pela Igreja para tentar
salvar a sociedade feudal, muito belicosa, ao verificar o declínio do poder real. Através dos
concílios, a Igreja procurou proteger seus bens dos senhorios laicos e libertar-se da
influência deles. Por meio da “Paz de Deus”, a Igreja não vetou a guerra e defendeu a paz,
mas moralizou-as em função de seus interesses e aspirações.
81
Mais tarde, outro programa eclesiástico foi instituído: a “Trégua de Deus” (início do
século XI). Tratava-se de uma suspensão temporária e geral dos combates.
82
Nesse
movimento, proibiu-se guerrear em certos dias (da noite de quarta-feira à manhã de
segunda-feira) e em alguns períodos sagrados como a Páscoa, as semanas que antecedem o
Natal, etc. As armas espirituais como a excomunhão e o risco de morrer privado de uma
78
FRANCO JÚNIOR, Hilário. As Cruzadas: Guerra Santa entre Ocidente e Oriente. São Paulo: Moderna,
1999, p. 28.
79
en efecto, el Todopoderoso sabe que si uno de vosotros llega a morir, habrá muerto por la verdad de la fe,
la salvación de la Patria y la defensa de los cristianos LEÓN IV. Ep. I, ad exercitum Francorum. PL, 115,
col. 655-657 Apud FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente
cristiano, p. 47. Devemos salientar que o termo “Pátria” empregado aqui se refere ao local onde estão os
túmulos dos ancestrais.
80
HEERS, Jacques. História Medieval, p. 162.
81
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano, p. 97-98.
82
DUBY, Georges. A sociedade cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 45.
sepultura cristã muitas vezes serviram como ameaças aos cavaleiros. A legislação da
“Trégua” integrou-se ao esforço da Igreja para cristianizar a ética dos guerreiros; a trégua
sucede assim à ideia de paz, prolongando-a e aprofundando-a.
83
Em Narbona (1054),
vários clérigos e nobres se reuniram para confirmar e conservar as decisões anteriores:
“(...) rogamos em nome de Deus e pedimos que nenhum cristão persiga
nenhum outro cristão por nenhuma maldade, desde o entardecer da quarta-
feira até o amanhecer da segunda-feira. [caso isso aconteça] (...) que seja
condenado durante toda sua vida ao exílio perpétuo
84
A partir do momento em que, pela Paz e, principalmente, pela Trégua de Deus,
a Igreja refreou a belicosidade dos cavaleiros, importava proporcionar-lhes uma “válvula de
escape”. Nesse momento, coube ao Papado canalizar o potencial bélico da cavalaria para o
exterior da Cristandade, principalmente na recuperação da Terra Santa. Na tentativa de
recuperação de Jerusalém se consolidou, de fato, a proposta da reformatio pacis.
85
Assim, quando a noção de guerra santa cristã estava solidificada na Cristandade
Ocidental, surgiu uma nova versão: a Cruzada. Diferentemente de algumas guerras santas,
a Cruzada era obrigatoriamente proclamada pelo próprio Papa, que se declarava o único
legítimo condutor do combate em nome de Cristo. O objetivo principal dessa perspectiva
era a recuperação do Santo Sepulcro, na Terra Santa, controlado pelos muçulmanos desde o
século VII.
Devemos assinalar que os primeiros medievais que embarcaram na Cruzada
desconheciam tal termo. Em referência às grandes expedições rumo à Palestina, utilizavam
a denominação passagium generale ou crux ultramarina (também conhecidas pela
historiografia como as Cruzadas “Oficiais”). Enfim, a Primeira Cruzada (1096) herdou
características das guerras santas precedentes, mas ela teve uma feição original, foi
83
Ibidem, p. 46.
84
rogamos en nombre de Dios y pedimos que ningún cristiano persiga a otro cristiano por ninguna
fechoría, desde el atardecer del miércoles hasta el amanecer del lunes. (...) que sea condenado al exilio
perpetuo durante toda su vida” CONCÍLIO PROVINCIAL DE NARBONA (1054). Mansi, 19, col. 827-
832, trad. em Sources d‟histoire médiévale, p. 140.Apud FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la
idea de cruzada en el Occidente cristiano, p. 95.
85
DUBY, Georges. A sociedade cavaleiresca, p. 46-47.
proclamada pelo Papa com o intuito de recuperar a Terra Santa.
86
Esse aspecto é
fundamental, pois diferencia as verdadeiras cruzadas das outras guerras santas.
Fulcher de Chartres (1059-1127), cronista que participou do Concílio de Clermont
(1095) e viajou para a Terra Santa com a Primeira Cruzada, foi um dos que ouviu o
chamado do Papa Urbano II (1088-1099), discurso que ecoava o movimento da “Paz de
Deus”:
Os que estão habituados a combater maldosamente, em guerra privada,
contra os fiéis, lutem contra os infiéis, e levem a um fim vitorioso a guerra
que devia ter começado a tempo. Os que até agora viviam em brigas se
convertam em soldados de Cristo. Os que até agora eram mercenários por
negócios sórdidos, ganhem no presente as recompensas eternas (...)”
87
A Cruzada é uma guerra sacralizada que se formou completamente somente nos
séculos XI-XII. Ela difere de qualquer outra guerra santa pelo seu objetivo que é a
reconquista do túmulo de Cristo, o Santo Sepulcro, na Terra Santa.
88
Em resumo, autores
como Jean Flori e Paul Rousset consideram que toda Cruzada revela traços de uma guerra
santa, mas nem toda guerra santa apresenta características de uma Cruzada.
Guerra santa e Cruzada são dois conceitos que, mesmo integrados, apresentam
origens distintas. A guerra santa era a guerra justa por excelência, que era aplicada aos
inimigos da fé cristã, e concedia o martírio aos mortos que nela combatiam.
89
A Cruzada na
Terra Santa, ideia do Papa Urbano II, ideia em movimento destinada a comover a
Cristandade, distinguiu-se dos empreendimentos anteriores por seu caráter puramente
religioso, que envolveu diferentes reinos cristãos.
90
Existe um debate historiográfico para saber se a Cruzada teve origem na guerra
santa, da qual constituiria de certo modo a conseqüência, ou se teve origem na peregrinação
(peregrinatio) a Jerusalém, bastante desenvolvida no século XI, um ato penitencial.
91
Para
Alain Demurger, as duas origens estão interligadas. A Cruzada era uma “peregrinação
armada” rumo a Jerusalém cujo objetivo era libertar o Santo Sepulcro dos “infiéis”, mas
86
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 25.
87
FOUCHER DE CHARTRES. Chronique. Apud PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da
Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 83.
88
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano, p. 349.
89
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI), p. 22.
90
GROUSSET, René. As Cruzadas. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965, p. 22.
91
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI), p. 22.
que também, através das propostas de Urbano II em 1095, demonstrava conter a ideologia
da guerra santa presente, como, por exemplo, a ação de socorrer os cristãos do Oriente.
Caracterizada como uma “peregrinação armada”, a Cruzada era uma perspectiva inovadora
na medida em que se ligava às propostas dos movimentos de paz lançados pela Igreja (Paz
e Trégua de Deus). O processo de sacralização da guerra e do guerreiro conduzido pelos
reformadores gregorianos também contribuiu para consolidá-la.
92
Em relação à Reforma Gregoriana (a partir do séc. XI), Jean Flori criticou o papel
excessivo que a tese clássica de Carl Erdmann concedeu ao movimento na elaboração da
“ideia de cruzada. Segundo Flori, a Reforma Gregoriana teve um papel principal na
constituição da Cruzada, mas não transformou a guerra justa em guerra santa e, depois, em
Cruzada; apenas retomou em benefício próprio a perspectiva permitida e praticada das
guerras sacralizadas para fazer dela uma ferramenta ideológica na luta contra os adversários
da Cristandade.
93
Na primeira metade do século XII, um dos principais pensadores eclesiásticos que
sintetizou a “ideia de cruzada foi São Bernardo de Clairvaux (1090-1153). Para o abade de
Clairvaux, a Cruzada, mais que um fato político e guerreiro, era uma liturgia, que devia
contar com a participação de todos, inclusive dos pecadores que buscavam purificação:
94
Mas os verdadeiros soldados de Cristo combatem confiantes nas batalhas
do Senhor, sem nenhum temor de pecas por se colocarem em perigo de
morte e matar o inimigo. Para eles, morrer ou matar por Cristo não implica
qualquer crime, além de trazer a máxima glória
95
No século XIII, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) em sua Summa Theologica,
ao analisar a base teológica para realizar a guerra, desenvolveu o conceito de guerra justa
que se tornou uma grande influência para o Ocidente medieval. Para o Aquinate, três
92
Ibidem, p. 23.
93
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano, p. 264.
94
FRANCO JÚNIOR, Hilário. As Cruzadas: Guerra Santa entre Ocidente e Oriente, p. 28.
95
At vero Christi milites securi pralientur praelia Domini sui, nequaquam metuentes aut de hostium caede
peccatum, aut de sua nece periculum, quandoquidem mors pro Christo vel ferenda, vel inferenda, et nihil
habeat criminis, et plurimum gloriae mereatur BERNARDO DE CLAIRVAUX. Liber ad Milites Templi,
de laude novae Militiae. III, 4. Tradução do latim para o português realizada pelo Prof. Dr. Ricardo da Costa.
condições básicas eram necessárias para se fazer uma guerra justa: a autoridade do chefe, a
justa causa e a intenção correta dos beligerantes.
96
***
Após analisarmos a primeira evolução da noção de guerra santa e o surgimento de
um tipo especial, a Cruzada, instituição consolidada nos séculos XI-XII, devemos ressaltar
um aspecto fundamental do conceito: suas reformulações.
Alguns autores como Carl Erdmann e René Grousset
97
ampliaram o uso do termo
“Cruzada” para definir algumas guerras santas conduzidas por cristãos. Outros foram mais
rigorosos na classificação terminológica, uma vez que definiram como “Cruzadas apenas
as expedições dirigidas na tentativa de recuperar a Terra Santa aos muçulmanos. Segundo
Paul Rousset, não houve verdadeiras cruzadas antes de 1096.
98
Contudo, os últimos autores
articularam a guerra santa à Cruzada, salientando suas diferenças e semelhanças.
O ponto que os autores concordam diz respeito à presença de elementos que
poderiam aproximar uma guerra santa à verdadeira Cruzada, ou seja, seriam aspectos de
uma “mentalidade de cruzada”: o encorajamento do Papa através das bulas; a concessão de
indulgências e a salvação; a presença protetora de Deus; a crença na justiça imanente; um
exército que reunisse diferentes reinos cristãos; o pensamento dicotômico (particularmente
tendo os muçulmanos como inimigos); a peregrinação armada aos locais santos; técnicas de
guerra santa; porte da cruz; benção dos guerreiros e das armas; forma extremamente
belicista de encarar a guerra; invocação de santos e, às vezes, a suposta interferência diretas
destes; o discurso de lutar em nome de Cristo; a demonização dos inimigos (visão dualista
do mundo); a atuação das ordens-militares; a presença do clero; esperança escatológica;
promessas de recompensas materiais ou espirituais; noção de vingança ou faida; traços de
antijudaísmo; intenção de conversão; etc.
Entretanto, para Rousset todas essas características seriam inúteis para denominar
de verdadeira cruzada, se a libertação do Santo Sepulcro, o objetivo principal, não estivesse
96
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 70.
97
René Grousset classificou de cruzadas, por exemplo, a Reconquista da Península Ibérica, e a investida cristã
na batalha de Nicópolis (1396) GROUSSET, René. As Cruzadas, p. 10.
98
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 28.
presente.
99
O autor exemplifica sua noção de Cruzada com o caso da Reconquista
Hispânica. Apesar de conter muitas características cruzadísticas como a presença protetora
de Deus e a crença da justiça imanente, técnica de guerra santa e confiança na salvação,
falta à Reconquista o principal objetivo da Cruzada: a libertação do Santo Sepulcro.
100
3.2 A EVOLUÇÃO DA IDEIA DE CRUZADA A PARTIR DO SÉCULO XI: AS
CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES
Após assinalarmos as diferenças entre guerra santa e Cruzada, torna-se necessário
demonstrar a evolução da “ideia de cruzada a partir do século XI, destacando,
inicialmente, as principais eliminações e rupturas que existiram até o século XIII.
A Cruzada, em seu início (sécs. XI-XIII), apresentava uma característica singular
que era o aspecto de peregrinação que ela tinha para seus participantes.
101
De fato, os
primeiros cruzados se definiam como “peregrinos armados”, pois uma das principais
motivações deles era proteger os caminhos a Jerusalém aos peregrinos. Com efeito,
combinava-se guerra e expiação dos pecados, ou seja, os combatentes cumpriam penitência,
a peregrinatio paenitentialis (“peregrinação penitencial”).
Na realidade, existiu na Idade Média o que André Vauchez chamou de uma
verdadeira “espiritualidade da cruzada”. Ir para as Cruzadas provocava, para aqueles que
tinham feito esse voto, a aceitação de um estilo de vida ascético e piedoso que, antes de
conduzir efetivamente aos combates pelos lugares santos, se traduzia por obrigações no
domínio moral e religioso.
102
Campanha militar de reconquista, a Cruzada também é,
devido seu objetivo Jerusalém uma peregrinação armada. Essa dimensão se liga com a
da guerra santa, reforçando-a e não a ocultando.
103
99
Ibidem, p. 30.
100
Ibidem, p. 29-30.
101
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. Introdução. In: Raimundo Lúlio e as Cruzadas. Tradução dos
textos latinos Waldomiro Altoé, tradução do texto catalão Elaine Ventorim e Ricardo da Costa. Rio de
Janeiro: Sétimo Selo, 2009, p. XX.
102
VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: (séculos VIII a XIII). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1995, p. 140.
103
FLORI, Jean. Jerusalém e as Cruzadas. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. II, p. 20.
Contudo, essa noção foi apenas inicial, pois com o IV Concílio de Latrão (1215),
104
desligaram-se, em parte, os laços entre peregrinação e expedição armada. Foi o Papado
quem deu caráter universal à Cruzada e dissolveu a conexão inviolável entre passagium e
Terra Santa.
105
Assim, uma importante ruptura ocorreu no conceito de cruzada, pois a partir
do século XIII a peregrinação não era mais necessária.
O IV Concílio de Latrão foi o maior responsável pela alteração do sentido original
da Cruzada. Como instituição religiosa e militar, a Cruzada completou seu período de
constituição, e fixou-se o direito de Cruzada.
106
Quando a guerra santa cristã transformou-
se em Cruzada (sécs. XI-XII), esse modelo de guerra era pregado somente contra os
muçulmanos, os “infiéis”, inimigos da Cristandade por excelência. Essa peculiaridade
reforçava-se na medida em que as costas da Península Itálica, desde o fim da Alta Idade
Média, eram pilhadas por muçulmanos, que conseguiam por vezes instalar-se efetivamente
e ameaçar o Papado e a cidade de Roma.
107
No entanto, durante o IV Concílio de Latrão ocorreu uma ampliação do sentido de
Cruzada. Foi admitido que ela fosse conduzida também contra os “infiéis” em geral, e os
considerados heréticos e cismáticos, na época (século XIII), particularmente os albingenses
e valdenses. O cardeal Henrique de Susa (†1271) foi quem dividiu as cruzadas
geograficamente: da Europa (crux cismarina) e do Oriente (crux ultramarina):
108
Se isto parece correto que nós devemos promover a cruzada ultramarina a
qual é pregada em ordem para conseguir ou recuperar a Terra Santa, então
nós devemos usar o maior vigor na pregação da cruzada neste lado do mar,
contra os cismáticos, a qual é intenção para a preservação da união
eclesiástica
109
104
Entre os concílios realizados em Latrão, este foi o “maior e mais importante (...) convocado por Inocêncio
III como o clímax de seu enérgico pontificado; ocupou-se não da reforma moral mas também de decretos
que esclareceram a doutrina e abordaram a supressão da heresia” LOYN, H. R. (org.). Dicionário da Idade
Média. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 233.
105
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “La idea de cruzada en el Liber de passagio de Ramón Llul”. In:
Patristica et Mediaevalia 25 (2004), p. 57.
106
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas, p. 190.
107
Ibidem, p. 27.
108
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 74.
109
HOUSLEY, Norman. The Later Crusades from Lyons to Alcazar (1274-1580). New York: Oxford
University Press, 1995, p. 234-235 Apud COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 74.
Assim, a dicotomia entre cristão versus muçulmano foi ampliada e, influenciada
pelos interesses do Papado, a partir do século XIII, Cruzadas e ações contra os muçulmanos
deixaram se ser sinônimos.
110
Qualquer um que negasse as pretensões papais sobre certos
territórios receberia a punição da cruzada. No culo XIII, por exemplo, o Papa Inocêncio
IV (1243-1254) chamou de “Cruzada” sua guerra contra o Imperador Frederico II (1220-
1250).
111
Com isso, a partir do IV Concílio de Latrão a “ideia de cruzada de certa forma
retornou ao aspecto de guerra santa que dela se originou, ou seja, a velha teoria concebida
para guerra santa, a Cruzada proclamada a quase todos os inimigos. A Cruzada deixava aos
poucos de ser o que fora originalmente: a sagrada viagem a Jerusalém.
112
***
Até o século XIII, essas foram as principais descontinuidades que surgiram no
conceito de Cruzada. Com isso, se torna necessário demonstrar o outro lado, ou seja, as
permanências que chegaram até o século XIII.
Desde a consolidação da Cruzada, o protagonismo pontifício era uma exigência
fundamental, pois essa era uma guerra em nome de Cristo. A partir do século XII, os
cristãos que obedeciam ao Papado acreditavam que Jesus havia instituído o Papa como Seu
representante terreno (vicarius Christi), e uma campanha com o aval do pontífice era como
se o próprio Cristo a conduzisse. Mais tarde, a tomada de Acre (1291), último baluarte
cristão na Terra Santa, marcou o fim das grandes expedições militares dirigidas pelos
cristãos europeus na Palestina.
Por sua vez, a Península Ibérica, que desde o século VIII estava envolvida em uma
sangrenta luta que envolvia cristãos e muçulmanos pelo seu controle, teve o componente
religioso consolidado nos ideais do guerreiro cristão somente no século XI (Reconquista).
Quando o Papa Pascoal II (1099-1118) assimilou (em 1102) espiritualmente a
Reconquista às Cruzadas na Terra Santa e proibiu aos hispânicos combaterem na Palestina,
o pontífice proclamou que as indulgências poderiam ser ganhas na própria Hispânia, pois se
110
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “La idea de cruzada en el Liber de passagio de Ramón Llul”, p. 57.
111
LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 98.
112
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas, p. 191.
tratava de uma guerra santa na qual aqueles que pereciam tinham o Paraíso garantido.
113
A
Península Ibérica proporcionava a reunião das ideias de “paz (luta no exterior da
Cristandade), de guerra santa (engrandecimento da Igreja em terra anteriormente cristã) e
de peregrinação (corpo santo apostólico em Santiago de Compostela)”.
114
Surpreendentemente, alguns cristãos ibéricos consideravam que a guerra de Reconquista
contra os mouros tinha um valor maior se comparada ao combate na Terra Santa: por
exemplo, para o rei aragonês Jaume I, o Conquistador (1208-1276):
“(...) se fôssemos ao Ultramar [Terra Santa], não faríamos nem um terço de
tão grande mercê como faremos em defender o que Deus deu ao rei de
Castela e a nós, pois isso é coisa que pode nos causar afronta e dano, já que
se ele perder o que é seu, nós poderíamos também perder o que é nosso
115
Antes mesmo do discurso do Papa Urbano II que pregava a Primeira Cruzada no
Oriente (1095), um pontífice anterior, Alexandre II (1061-1073), havia concedido, em
1063, indulgências para os cavaleiros que fossem combater os muçulmanos na Hispânia em
nome de Cristo. A difusão da mentalidade de cruzada em terras hispânicas foi causada em
parte pela atuação da abadia francesa de Cluny (apoiada pelo Papado), pela imigração de
cavaleiros franceses e pela atuação das ordens militares-religiosas de cavalaria,
especialmente os Templários e Hospitalários. O recrudescimento da guerra contra os
muçulmanos após as invasões dos almorávidas (1086) e dos almôadas (1146) também
ajudou a consolidar a “ideia de cruzada” na Península Ibérica.
116
A partir do século XII, os cristãos ibéricos organizaram suas próprias ordens
militares-religiosas na Península. Em Castela, por exemplo, as Ordens de Alcântara (1156),
Calatrava (1157) e Santiago (1170) surgiram como suas principais representantes. Essas
ordens militares foram as principais responsáveis pela permanência desse novo ideal
cavaleiresco, pois o monge-guerreiro, cavaleiro das ordens militares, era o mais fervoroso
113
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 217 e
290.
114
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros. Feudo-Clericalismo e Religiosidade em
Castela Medieval. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 161.
115
LIVRO DOS FEITOS. Jaume I de Aragão. Tradução de Luciano José Vianna e Ricardo da Costa. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2010, Cap. 388, p. 370.
116
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 89-97.
dos combatentes cristãos, que lutava contra o “infiel” em tempo integral. As ordens
sintetizavam as perspectivas sociais e espirituais do processo cruzadístico.
117
***
Após o século XIV, outras descontinuidades fundamentais apareceram no conceito
de cruzada. Comecemos novamente pelas rupturas que apareceram até o século XVI,
momento em que focalizamos o conceito aplicado na Conquista da América.
Diferentemente dos empreendimentos cruzadísticos realizados pelos cristãos contra
os muçulmanos na Baixa Idade Média, a Cruzada assumiu, a partir do século XV, uma
feição nova, dirigida independentemente pelo reino cristão interessado. Não era mais
aquela união de grande parte da Cristandade, com intensa participação popular. Nesse
momento, a Cruzada se diferenciou de seu sentido original, aquela expedição que,
inicialmente, não era realizada por reis (nenhum monarca tomou a cruz em 1096), mas pelo
pontífice e pelos povos.
118
É necessário salientar outra característica, fundamental, de recuperação da Terra
Santa aos muçulmanos que a Cruzada apresentava. Evidentemente a Conquista da América
não demonstrava essa peculiaridade, pois não existia nenhum sentido de reconquista de
uma terra que fora cristã anteriormente, ou mesmo onde viveu Jesus Cristo (Palestina).
Logicamente também não existia na Conquista do Novo Mundo a mesma
dicotomização total (luz ou trevas) das duas concepções religiosas (Islamismo e
Cristianismo), cada uma em busca de sua supremacia, o que foi uma característica
fundamental da mentalidade de cruzada medieval. Mas nem mesmo a visão dicotômica em
si pode ser transferida para nosso estudo específico sobre a conquista de México-
Tenochtitlán, pois somente o lado cristão almejava à totalidade. O cristianismo aspira um
universalismo e, desse modo, é intolerante.
119
Por outro lado, a religião dos mexicas
permitia a introdução de novas divindades, como os deuses dos inimigos vencidos.
120
117
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros, p. 179.
118
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas, p. 15.
119
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”, p. 102.
120
SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 63.
***
Por fim, devemos apontar as principais continuidades existentes no conceito de
Cruzada entre os séculos XIII e XVI.
Os reinos cristãos ibéricos, nascidos e consolidados durante a guerra contra o
invasor maometano, eram regiões da Europa cristã onde a mentalidade de cruzada estava
mais presente no pensamento de seus combatentes. Durante a Reconquista da Hispânia,
várias foram as campanhas militares desses reinos nas quais o espírito cruzadístico era
manifestado.
121
A tomada de Maiorca (1229), por exemplo, também foi considerada uma
Cruzada.
122
O Bispo de Barcelona, presente no acampamento do rei Jaume I de Aragão, fez
um sermão de forte cunho cruzadístico:
Este feito em que nosso senhor rei e vós estais, é obra de Deus, não nossa.
Logo, deveis fazer esta conta: aqueles que neste feito receberem a morte, a
receberão de Nosso Senhor, e terão o Paraíso, onde terão a glória
perdurável por todos os tempos; aqueles que viverem terão honra e valor em
suas vidas e bom fim em suas mortes. Assim, barões, confortai-vos com
Deus, porque o rei, vosso senhor, nós e vós, desejamos destruir aqueles que
renegam o nome de Jesus Cristo. Todos os homens devem pensar, e podem,
que Deus e Sua Mãe não se separarão de nós hoje, pelo contrário, nos
darão a vitória. Portanto, deveis ter bom coração, pois assim vencerão tudo,
que a batalha deve ser hoje. Confortai-vos e alegrai-vos bem, pois vamos
com um senhor bom e natural, e Deus, que está acima dele e de nós, ajudar-
nos-á
123
Por sua vez, em seu Darrer Llibre sobre la conquesta de Terra Santa (1305), o
filósofo catalão Ramon Llull (1232-1316) propôs além da Reconquista da Península Ibérica
aos mouros, a recuperação da Terra Santa, uma crux ultramarina:
Depois de conquistada a Andaluzia, o rei guerreiro, com seu exército
aumentado, primeiramente poderia passar à Berbéria Maior, primeiro ao
reino de Ceuta, que se encontra somente a três milhas por mar. Neste
momento, tal como foi dito, conquistaria uma vila após outra, até a
121
COSTA, Ricardo da. Amor e Crime, Castigo e Redenção na Glória da Cruzada de Reconquista: Afonso
VIII de Castela nas batalhas de Alarcos (1195) e Las Navas de Tolosa (1212)”. In: OLIVEIRA, Marco A. M.
de (org.). Guerras e Imigrações. Campo Grande: Editoria da UFMS, 2004, p. 73-94.
122
VIANNA, Luciano José. A reconquista no Livro dos Feitos (c. 1252-1274) de Jaime I (1208-1276)”. In:
VI Semana de Estudos Medievais - Programa de Estudos Medievais (PEM), 2007, v. 1, p. 447-454.
123
LIVRO DOS FEITOS. Jaume I de Aragão. Tradução de Luciano José Vianna e Ricardo da Costa. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2010, Cap. 62, p. 113.
fronteira, e assim avançaria até Tunis. Fortificaria e defenderia as
fortalezas, e então poderia fazer guerra contra os sarracenos em terra
plana. Assim, o rei guerreiro poderia chegar à Terra Santa de Jerusalém e
conquistar todo o reino do Egito, tal como ordenaremos a seguir
124
Essa mentalidade religiosa-cruzadística foi um dos últimos, senão o último resquício
medieval, legado direto deixado principalmente pelas ordens militares. De fato, foi somente
no fim do século XV que os “Reis Católicos” acabaram por anexar à Coroa os mestrados
das principais ordens: Calatrava (1486), Alcântara e Santiago (1492), tendo a bula
definitiva sido expedida em 1493.
125
Em 1479, Fernando, o Católico (1479-1516), e Isabel, a Católica (1474-1504),
haviam recebido para a reconquista de Granada o apoio pontifício na Bula Nuper Siquidem,
de Sixto IV (1471-1484), mas foi com a Bula Ortodoxe Fidei (1483),
126
que os poderes
soberanos conseguiram maiores privilégios (econômicos e espirituais) para a campanha:
Nós [o Papado], com autoridade de Deus todo-poderoso, (...) exortamos,
solicitamos (...) a todos os fiéis cristãos, principalmente da „Nação
espanhola‟, para que ajudem corajosamente e de modo permanente com
seus recursos e pessoas (...) os mesmos Rei e Rainha a combaterem os ditos
sarracenos e a reconquistarem o dito reino de Granada, e a manterem o
entusiasmo da dita fé. (...) Pela glória do seu nome e pela derrota dos
mesmos sarracenos, não temam expor-se aos perigos da morte, obedecendo
as ordens dos mesmos Rei e Rainha, merecendo receber por isso os prêmios
da vida eterna
127
Desde a Baixa Idade Média, os papas lançavam bulas que contribuíam
significativamente para financiar as atividades bélicas dos governantes ibéricos na
Reconquista. A partir do século XII e, mais tarde, com a ampliação imposta pelo IV
Concílio de Latrão, a Reconquista foi equiparada à Cruzada na Terra Santa. No fim do
124
LÚLIO, Raimundo. Darrer Llibre sobre la conquesta de Terra Santa. In: Raimundo Lúlio e as Cruzadas.
Tradução dos textos latinos Waldomiro Altoé, tradução do texto catalão Elaine Ventorim e Ricardo da Costa.
Rio de Janeiro: Sétimo Selo, p. 73-75.
125
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica, p. 299.
126
Dispondo-se [Fernando e Isabel] (...), aconselhados também por Nós [o Papado], a iniciar o cerco ao
reino de Granada, que os pérfidos sarracenos ocupam, planejando tudo com confiança, e contando com a
ajuda do Altíssimo, uma vez pacificados todos os reinos da Espanha, conseguirão a desejada vitória e a
tomada do reino de Granada que por tantas vezes seus predecessores tentaram com todo o empenho
SIXTO IV. Bula Ortodoxe Fidei. 10 de agosto de 1483. In: SUESS, Paulo. (org.). A Conquista Espiritual da
América Espanhola: 200 documentos, século XVI. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 233.
127
SIXTO IV. Bula Ortodoxe Fidei. 10 de agosto de 1483. In: SUESS, Paulo. (org.). A Conquista Espiritual
da América Espanhola: 200 documentos, século XVI, p. 233.
século XV, a citada Bula Ortodoxe Fidei exprimia essa característica: “[que seja oferecida]
a remissão de todos os seus pecados e a indulgência como foi costume ser dada pelos
Nossos Predecessores aos que partiram para reforço [dos combatentes] na Terra
Santa”.
128
Durante a fase final da Reconquista cristã da Península Ibérica (“Guerra de
Granada” [1482-1492]), ainda foi possível encontrar na mentalidade ibérica o velho ideal
de cruzada.
129
A rendição de Granada foi relatada por uma testemunha ocular, Bernardo del
Rei, que identificou vários componentes religiosos de cariz cruzadístico:
Ao se aproximarem as pessoas do castelo, um religioso tomou uma cruz e
subiu à torre mais alta (...) E, erguida a Cruz bem alto, todos cantaram em
uníssono O crux ave spes unica‟. O irmão do conde de Cifuentes trazia nas
mãos o estandarte de São Tiago e o estandarte real, e por três vezes os
estandartes foram inclinados diante da Cruz. Ao término do hino, um arauto
do Rei ergueu-se na referida torre e gritou três vezes: „Santiago, Granada e
Castela‟. (...) Depois, soaram as trombetas e crepitaram as salvas de
bombardas, na presença do Rei e da Rainha, que, cercados pela multidão e
pelo clero, ajoelhadas e de mãos postas, renderam graças a Deus, cantando
o Te Deum laudamus”
130
Não a Hispânia, mas também outras regiões européias manifestaram um espírito
cruzadístico, seja em campanhas ofensivas ou defensivas conduzidas pelos cristãos.
Apoiados pela Ordem Teutônica, os alemães realizaram no Báltico a famosa Drang Nach
Osten (“Marcha para o Leste”) contra os eslavos, ao mesmo tempo em que, no mar
Mediterrâneo, os hospitalários, sem sucessos militares contra os muçulmanos, retiravam-se
para as ilhas de Chipre (1291), Rodes (1309) e Malta
(1530).
131
A união de cristãos
europeus em grandes campanhas de cunho cruzadístico ainda existia, embora seu caráter
128
Ibidem, p. 234.
129
Bernand Vicent identificou algumas características da mentalidade de cruzada na última fase da
Reconquista: a bula recebida pelos “Reis Católicos”; o clima de exaltação religiosa que emana das crônicas da
época; a missa celebrada pelos membros da vanguarda do exército; o erguimento da cruz no topo da colina do
Alhambra; a invocação de Santiago Matamoros; o Te Deum cantando pelos presentes; a procissão final; e o
clero onipresente VICENT, Bernand. 1492: Descoberta ou invasão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1992, p. 19.
130
BERNARDO DEL REI. In: Miguel Garrido Atienza. Las capitulaciones para la entrega de Granada.
Granada: 1910, p. 314-315. Apud VICENT, Bernand. 1492: Descoberta ou invasão. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1992, p. 15-16.
131
A ilha de Malta foi cedida pelo Imperador Carlos V em 1530, depois que os hospitalários foram expulsos
de Rodes, em 1522, pelos turcos. Em Malta, os cavaleiros permaneceram até 1798, quando a ilha foi
conquistada pelos franceses comandados por Napoleão Bonaparte (1769-1821).
fosse, a partir do século XIV, defensivo: em Nicópolis (1396) e Varna (1444) procurando
deter o avanço otomano nos Bálcãs, assim como em Lepanto (1571) e, mais tarde, em
Viena (1683), a última grande investida.
132
Paralelamente, os cristãos europeus ainda continuavam sua luta contra os
muçulmanos, seja no norte da África ou no Mediterrâneo, principalmente frente aos turcos.
Na realidade, os otomanos substituíram os árabes e, depois de derrotá-los, lançaram-se
numa nova jihad durante o fim da Idade Média e ao longo dos séculos XVI-XVII. As
campanhas de Filipe II (1556-1598) e a batalha de Lepanto devem ser entendidas como um
freio à segunda expansão do Islã.
133
Tanto os monarcas de Hernán Cortés “Reis Católicos” e Carlos V quanto o
almirante Cristóvão Colombo, compartilhavam o mesmo sonho da antiga crux ultramarina:
a reconquista da Terra Santa, especialmente a cidade sagrada de Jerusalém.
Apesar do IV Concílio de Latrão no século XIII ter modificado o sentido original de
Cruzada, o sonho de uma verdadeira cruzada (crux ultramarina) não havia desaparecido.
Por mais de três séculos, praticamente nenhum reino europeu deixou de fazer em algum
momento o fervoroso voto de tomar a cruz.
134
Por exemplo, durante a “Guerra dos Cem
Anos” (1337-1453), o rei Henrique V (1413-1422) da Inglaterra, agonizante em Paris
(1422), interrompeu o padre que lhe oferecia os últimos sacramentos para pronunciar:
Benigne fac, Domine, in bona voluntate tua Sion, ut aedificentur muri Jerusalém, e
manifestou o desejo de conquistar Jerusalém após restabelecer a paz em França “se
prouvesse a Deus, seu Criador, que ele vivesse até uma idade provecta”.
135
Ainda no século XV, o Papa Pio II (1458-1464) enviou pregadores (franciscanos,
principalmente) pela Europa, com o intuito de convencer os monarcas e comover as
multidões a tomarem a cruz. No entanto, a tentativa não obteve o apoio necessário e
malogrou. O jurista Juan López de Palácios Rubios (1450-1524), homem que viveu numa
época de transição (entre o Medievo e a Renascença), comentou o esforço do pontífice:
132
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento, Vol. II, p. 09.
133
FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas às independências séculos XIII a XX. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 22.
134
RUNCIMAN Steven. História das Cruzadas III - O Reino de Acre e as Últimas Cruzadas. São Paulo:
Imago, 2003, Vol. III, p. 406.
135
HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lousa: Editora Ulisseia, s/d, p. 99.
O último [dos papas a pregar a Cruzada] foi Pio II, quem enviando pelo o
orbe inteiro vários mensageiros, impeliu a todas as nações‟ à destruição
dos turcos e se preparou esplendidamente quando era necessário para a
guerra [Cruzada]; mas ao se dirigir a Ancona, com vontade de seguir até a
Grécia, morreu prematuramente, sem poder levar ao fim seu plano, pois
Deus, como penso, já estava ofendido pelos nossos pecados
136
Na Hispânia, intitulados pelo Papa hispânico Alexandre VI em 1496 com o epíteto
de “Reis Católicos”, Fernando e Isabel também sonhavam conduzir uma Cruzada para
conquistar Jerusalém, controlada pelos mamelucos. No início do século XVI, o rei
Fernando estava,
propenso em conduzir esta empresa [a reconquista de Jerusalém] e que
empregaria o resto de sua vida neste santa expedição, como eu ouvi muitas
vezes de seus próprios lábios. E com razão; pois existe algo mais piedoso?
Existe algo mais glorioso que devolver a liberdade a alguns cristãos que
vivem submetidos ao miserável jugo dos bárbaros e estender na medida de
nossas forças, a religião e o nome de Cristo? Que coisa mais santa e justa
que arrebatar das mãos dos infiéis a pátria do Nosso Salvador e
devolvermos para sempre Seu santíssimo sepulcro, tanto tempo possuído por
esses cães?
137
Este empreendimento, segundo argumentou Cristóvão Colombo, seria possível com
os recursos que o genovês conseguiria em sua expedição ao Oriente.
138
Na Carta ao Papa
Alexandre VI (fevereiro de 1502), documento que nunca chegou às mãos do pontífice, o
136
El útimo de todos fué Pío II, quién enviando por el orbe entero rios mensageiros, impelió a todas las
naciones a la destruicción de los Turcos y prepaespléndidamente cuando era necesario para la guerra;
mas al dirigirse a Ancona, con ánimo de pasar a Grecia, fue arrebatado por prematura muerte, sin haber
podido llevar a término su intento, pues Dios, a lo que pienso, estaba ya ofendido por nuestros crímenes
PALACIOS RUBIOS, Juan López de. De las Islas del mar Océano. México, D. F.: Fondo de Cultura
Económica, 1954, p. 63.
137
inclinado con todo empeño a esta empresa y como se dispone a emplear el resto de su vida en tan santa
expedición, según lo he oído muchas veces de sus propios labios. Y con razón; pues ¿hay nada s piedoso?
¿Hay nada s glorioso que devolver su liberdad a unos Cristianos que viven sometidos al miserable yugo
de los bárbaros y extender en la medida de nuestras fuerzas, la religión y el nombre de Cristo? ¿Qué cosa
más santa y justa que arrebatar de manos infieles la patria de nuestro Salvador y devolvernos para siempre
su santísimo sepulcro, tanto tiempo detentado por esos perros? PALACIOS RUBIOS, Juan López de. De
las Islas del mar Océano. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1954, p. 62.
138
Cristóvão Colombo em 1492 “assinara doravante Christo ferens, usando a etimologia de seu nome
aquele que traz o Cristo” BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da
descoberta à conquista, uma experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 164.
almirante detalha seu plano de como seria a conquista de Jerusalém. A expansão da fé cristã
é mais importante para Colombo do que a busca pelo ouro:
139
Esta empresa foi feita no intuito de empregar o que dela se obtivesse na
devolução da Terra Santa à Santa Igreja. Depois de ali ter estado e visto a
terra, escrevi ao Rei e à Rainha, meus senhores, dizendo-lhes que dentro de
sete anos disporia de cinqüenta mil homens a pé e cinco mil cavaleiros, para
a conquista da Terra Santa e, durante os cinco anos seguintes, mais
cinqüenta mil pedestres e outros cinco mil cavaleiros, o que totalizaria dez
mil cavaleiros e cem mil pedestres para a dita conquista
140
Assim como os “Reis Católicos”, o Imperador Carlos V também desejava uma
Cruzada na Terra Santa para expulsar os turcos otomanos que ocupavam, desde 1516, a
Palestina. Entretanto, devido conflitos religiosos, principalmente contra os protestantes na
Europa central, suas tropas nunca partiram, apesar de Carlos confessar em 1536: minha
intenção não é guerrear contra os Cristãos, mas contra os Infiéis”.
141
Nessa época, a palavra Ultramar, termo que significava na Idade Média as “Terras
de Ultramar”, mais precisamente a Terra Santa e a cidade de Jerusalém, passou a designar
os territórios do Novo Mundo, a nova fronteira de combate do Ocidente cristão.
142
As causas que fomentaram o processo das Cruzadas no Oriente também são
indicadas por fatores sócio-econômicos e políticos, como o crescimento demográfico,
ambição econômica das cidades itálicas (Gênova e Veneza, principalmente), e política do
Papado de unir os reinos cristãos. No entanto, como observa Jacques Le Goff, todos esses
motivos não explicam tudo,
143
pois devemos acrescentar a mentalidade religiosa, de fato o
motivo mais importante: nosso objeto de pesquisa.
Perceber nas origens das Cruzadas na Palestina, na Hispânia e mesmo no Báltico
apenas motivos econômicos é logicamente uma simplificação. Não se pode excluir o papel,
fundamental, do ideal de cruzada, nem esquecer o estudo das mentalidades coletivas que
139
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”, p. 11.
140
COLOMBO, Cristóvão. Carta ao Papa Alexandre VI (fevereiro 1502). Apud TODOROV, Tzvetan. A
conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 11.
141
Apud BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista,
uma experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 217.
142
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, UNAM, FFyL, 2004, p. 192.
143
LE GOFF, Jacques. As mentalidades: Uma história ambígua, In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre
(orgs.). História: Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 69.
sozinhas esclarecem a magnitude dos empreendimentos e permanência de algumas
perspectivas.
144
A mesma fórmula pode ser aplicada em relação à expansão européia que culminou
com a “descoberta” da América e sua posterior Conquista. Neste sentido, não o fator
econômico foi determinante (acumulação de metais preciosos), mas, também, a iniciativa
de expansão do cristianismo. Certamente a mentalidade européia que rumou ao Novo
Mundo se manteve atrelada a dois principais objetivos, que Jérôme Baschet resumiu da
seguinte maneira: um material (do qual o ouro é o símbolo) e outro espiritual
(evangelização); ou, ainda, um político (a glória do rei) e outro religioso (a glória de
Deus).
145
O tripé básico que supostamente impulsionou os conquistadores Oro, Gloria y
Evangelio não surgiu no fim da Idade Média, muito menos na Renascença.
146
Em
relação à busca pela glória (fama), desde a Reconquista os triunfos alcançados por
sucessivas gerações cristãs contra o inimigo tradicional (o “infiel”) produziram a
glorificação do guerreiro, principalmente do miles Christi (“cavaleiro de Cristo”). Os
combates individuais eram freqüentes nessas lutas e o vencedor adquiria fama e
enriquecimento rápido com o butim.
147
O “soldado-cronista” Bernal Díaz del Castillo resumiu esse duplo desejo ao afirmar
que muitos conquistadores morreram daquela forma cruelíssima por servir a Deus e a
Sua Majestade, (...) e também para conseguir as riquezas que todos os homens geralmente
vinham buscar”.
148
A ideia de servir a Deus e a Sua Majestade ainda ressalta o
componente religioso, pois essa perspectiva era central na filosofia política hispânica:
“devia-se obediência ao rei não por ser rei, mas por ser ministro de Deus”.
149
144
HEERS, Jacques. História Medieval, p. 161.
145
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 29.
146
Discordamos da caracterização feita por Manoel Alcalá de que a busca pela fama era um traço
renascentista: “Otro móvil renacentista el mismo que muevo a Don Quijote –, la fama, mueve a Cortés”
ALCALÁ, Manoel. Nota preliminar. In: CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. México, D. F.: Editorial
Porrúa, 1971, p. XVII.
147
LEONARD, Irving. Los libros del conquistador. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2006, p. 62.
148
murieron aquella crudelísima muerte por servir a Dios y a Su Majestad, (…) y también por haber
riquezas, que todos os hombres comúnmente venimos a buscar DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia
verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 210, p. 584.
149
MADARIAGA, Salvador de. Hernán Cortés. São Paulo: IBRASA Instituição brasileira de difusão
cultural S. A., 1961, p. 95.
Em 1493, a Bula Inter Cætera do Papa Alexandre VI, ao conceder a doação
pontifícia, garantiu aos “Reis Católicos” os direitos de invasão das terras recém
descobertas e sua conseqüente evangelização. Pode-se dizer que, de certa forma e em
certa medida, a Inter Cætera detinha em seu princípio a legitimação das antigas bulas que,
anteriormente, levaram às Cruzadas tanto na Europa quanto no Oriente. A Cruzada foi um
componente integrador e galvanizador da Cristandade ao serviço dos interesses do
pontífice. Desde a Idade Média, Cruzada e Papado compunham uma unidade
inseparável.
150
O Papa Alexandre VI, por exemplo, proclamou:
que seja exaltada principalmente na nossa época, e em toda a parte se
espalhe e se dilate a católica e a religião cristã, se cuide da salvação das
almas, (e) se abatam as nações bárbaras e sejam reduzidas à mesma fé.
151
Assim, após todas essas considerações, definimos com o termo “cruzada” o plano
mental (guerra-religião) da Conquista da América, ou seja, os conquistadores lutavam sob
uma mentalidade de cruzada, apoiados pelo aval da Igreja (Bula Inter Cætera, 1493).
152
Por
outro lado, embora tenha havido a sanção do Papa à Conquista do Novo Mundo por parte
de Alexandre VI, como obviamente seus participantes não viam sua expedição como uma
peregrinação (sentido inicial da cruzada) e muito menos tinham a ideia de proteger
lugares sagrados e/ou peregrinos a perspectiva de cruzada precisa ser reavaliada.
Decidimos utilizar o termo “cruzada” em uma forma matizada, com as devidas
particularidades da ideia, ou seja, as tradições recebidas da mentalidade cruzadística
medieval, bem como a originalidade da noção quando foi aplicada na Conquista da
América. Certas diferenças são evidentes como a ausência do aspecto peregrinação e da
recuperação da Terra Santa, no entanto, muitas semelhanças serão notadas, pois na
150
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “La idea de cruzada en el Liber de passagio de Ramón Llul”. In:
Patristica et Mediaevalia 25 (2004), p. 56.
151
ALEXANDRE VI. Bula Inter Cætera, 4 de maio de 1493. In: SUESS, Paulo. (org.). A Conquista Espiritual
da América Espanhol: 200 documentos, século XVI. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 248.
152
Como nos adverte Luis Weckmann, erroneamente a Bula Inter Cætera tem sido entendida como um
documento que desde o início fez a doação do continente americano aos ibéricos. Na realidade, “las Bulas
son, por decirlo así, documentos preamericanos o pseudoasiáticos; no tienen, en el momento de su emisión y
en la mente de su promulgador, el Papa, nada que ver con „Américatal y como hoy conocemos (…) Las
bulas del papa Alejandro VI se refieren a ciertas islas frente a la costa de la India y no a nuestro continente”
WECKMANN, Luis. Constantino el Grand y Cristóbal Colón. Estúdio de la supremacia papal sobre islas,
1091-1493. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 200. Ainda na época da expedição de
Cortés (1519-1521), por exemplo, os “espanhóis” acreditavam que a Península do Yucatán era uma ilha.
Conquista do Novo Mundo o pano de fundo foi a expansão da cristã, onde a guerra com
cariz religioso atuou decisivamente no processo.
Na Conquista da América, mais especificamente em nosso estudo sobre a expedição
de Cortés contra os mexicas, veremos que, apesar das diferenças existentes com a
verdadeira cruzada, em muitos aspectos o conquistador se aproximava do cruzado: o
recebimento de indulgências, garantia de salvação; o aval do Papado (Bula Inter Cætera,
1493); o discurso de lutar por Deus; forma extremamente belicista de encarar a guerra; a
esperança escatológica (retorno iminente de Cristo [Parusia]); os estandartes religiosos
carregados; a invocação de santos militares e a suposta aparições destes o “maravilhoso
cristão”; a demonização dos inimigos (visão dualista do mundo); a participação das ordens
religiosas; a conversão religiosa; a benção dos guerreiros; etc.
Dessa forma, compreendemos a Conquista do Novo Mundo como uma guerra justa
(empreendida por uma causa justa); uma guerra sacralizada (presença de bandeiras
eclesiásticas e de clérigos); e uma guerra santificada (pregada e defendida por uma
autoridade eclesiástica, o Papa, através da Bula Inter Cætera). Somada às recompensas
espirituais e materiais, também a classificamos como uma guerra santa.
153
A mentalidade de cruzada, perspectiva consolidada no pensamento cristão ocidental
nos séculos XI-XII, também motivou, em parte, a conquista de México-Tenochtitlán pelos
“espanhóis”. A primeira geração de conquistadores se forjou na experiência histórica da
Reconquista e da “Guerra de Granada”. O conquistador se assemelhava ao cavaleiro
artúrico e ao cruzado, pois estendia uma pax universal ao mesmo tempo em que conduzia
uma evangelização.
154
O espírito de cruzada que impulsionava os “espanhóis” era expresso nas crônicas da
época, que assinalavam a equivalência entre o combate contra os muçulmanos e a luta
contra os índios. O famoso cronista Gonzalo Fernández de Oviedo (1478-1557) declarou
em sua Historia general y natural de las Índias (1535): “quem pode negar que usar
pólvora contra os pagãos [índios] é oferecer incenso a Nosso Senhor?”.
155
Mais tarde, o
153
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano, p. 90.
154
FERNÁNDEZ, Fernando Carmona. “Conquistadores, utopía y libros de caballería”. Revista de Filología
Románica, 10, Universidade Complutense, Madrid, 1993, p. 13.
155
FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Historia general y natural de las Índias, islas y Tierra firme del
Mar Oceano. Madrid: Biblioteca de Autores Españoles: 1959, Apud TODOROV, Tzvetan. A conquista da
América: a questão do outro”. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 148.
cronista Francisco López de Gómara, capelão de Cortés no fim da vida do conquistador,
demonstrou claramente esse pensamento em sua Historia General de las Índias (1552):
(...) desde que foi terminada a conquista sobre os mouros, que durou mais
de oitocentos anos [tomada de Granada, 1492], começou a dos índios, de
modo que os espanhóis sempre lutaram contra infiéis e inimigos da santa
de Jesus Cristo
156
Para os ibéricos, este sentimento não morreu (em 1492) com a tomada de Granada,
mas se estendeu, neste mesmo ano, geograficamente até a América. Os “espanhóis” tinham
a impressão de poder prosseguir além-mar a missão divina vitoriosa na Península Ibérica,
ou seja, a Conquista em seguimento à Reconquista.
157
Foi exatamente na Hispânia que o
ideal de cruzada resistiu por mais tempo, devido, fundamentalmente, à presença de
muçulmanos como inimigos dos cristãos ibéricos por quase oito séculos.
156
“(...) al acabarse la conquista de los moros, que ha durado más de ochocientos años, comenzó la de los
indios, para que siempre peleasen los españoles con infieles y enemigos de la santa fe de Jesucristo
LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix: Historia General de las Índias (Primera Parte).
Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 32.
157
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 211.
4. A EVOLUÇÃO TÉCNICO-MENTAL DA GUERRA NO FINAL DA IDADE
MÉDIA
Durante a Idade Média, várias inovações introduzidas na arte da guerra
possibilitaram uma vantagem no campo de batalha. A guerra sempre evoluiu de acordo com
os interesses de seus participantes, tanto na utilização de novas tecnologias como a pólvora
quanto no emprego de novas ideologias como a cruzada.
Na Península Ibérica medieval, foi a batalha de Salado (1340) uma das últimas
vezes que assistimos a guerra ser travada sem os determinantes técnicos e econômicos que
a época moderna consagrou.
158
Essa evolução técnico-mental alterou a forma de encarar a
guerra, que passou a servir como instrumento de trabalho a todos os fabricantes de armas e
armaduras.
159
Os ideais cavaleirescos e cruzadísticos, tão bem sintetizados pelas ordens militares,
principalmente pelas hierosolimitanas, foram amplamente manifestados no campo de
batalha da Idade Média Central (sécs. XI-XIII). No entanto, o limiar do século XIV marcou
o início de uma nova época, em que o uso da besta e do canhão ofuscou os ideais
cavaleirescos. As novas formas de combate também contribuíram para que o deslumbre
pela cavalaria enquanto modus vivendi da nobreza gradualmente perdesse espaço.
160
A partir do século XIV, a guerra montada entre homens pesadamente armados e
encouraçados, travada na crença de que recuar do golpe na linha de frente era uma afronta,
revelou sinais de desgaste, como as batalhas de Crécy (1346), Poitiers (1356) e Agincourt
(1415) na “Guerra dos Cem Anos” atestaram. A decadência do modo cavaleiresco de
combater teve um causa externa: a chegada da pólvora.
161
Quanto aos progressos técnicos, o canhão apareceu por volta de 1314 ou 1319 na
Flandres.
162
Contudo, era um instrumento ainda primitivo, tão perigoso para aquele que o
manejava como para o inimigo. Ainda no século XIV, surgiram as primeiras “bengalas de
158
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 234.
159
RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica, p. 241.
160
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 234.
161
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 384-385.
162
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo nos séculos XV-XVIII. São Paulo:
Martins Fontes, 1995, Vol. I, p. 352.
fogo” ou “canhões de mãos” que, mais tarde, foram aperfeiçoadas e, no século seguinte,
passaram a serem conhecidas como “arcabuz”.
163
Apesar de introduzirem o uso da tecnologia da pólvora em suas práticas bélicas
tradicionais, muitos europeus ainda estavam presos em um ethos que atribuía estatuto de
guerreiro apenas aos cavaleiros e à infantaria preparada para manter-se firme, em posição,
com armas em gume.
164
A luta à distância era algo vergonhoso. Muitos consideravam a
besta e as armas de fogo maneiras covardes de guerrear, visto que a bravura, disciplina e
honra dos cavaleiros de nada serviam. Com amargura, o poeta itálico Ludovico Ariosto
(1474-1533) declarou sua impressão acerca do canhão:
Como foi que encontraste, ó invenção celerada e horrível,
Lugar num coração humano?
A glória militar é destruída por ti.
Por ti, o ofício das armas perdeu a honra.
Por ti, foram abolidos o valor e a coragem
165
A importância dessa tradição da luta frente a frente, corpo-a-corpo, “provocou a
crise guerreira do século XVI”.
166
No entanto, ainda que existissem esses protestos da elite
guerreira tradicional, ninguém podia mais ignorar que as armas de fogo vinham para ficar.
Na Hispânia, a anexação das principais ordens militares (Alcântara, Santiago e
Avis) pela Coroa castelhana no fim do século XV fechou o ciclo de atuação direta das
ordens no campo de batalha da Reconquista, em processo de desfecho. Os “espanhóis”
aceitaram com muito entusiasmo a lógica da tradição da pólvora, talvez porque eram eles
que participavam da maioria dos combates na Europa, particularmente na Península Itálica,
as “primeiras grandes guerras européias (1494-1529)”.
167
Nesse conflito, onde o canhão
dominava sem discussão, a artilharia se tornou, de fato, um elemento importante no
resultado das guerras.
168
No início do século XVI, a cavalaria quase não tinha mais mobilidade no campo de
batalha, ao passo que a artilharia começou a intervir juntamente com as outras armas.
163
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, Vol I, p. 185-186.
164
KEEGAN, John. Uma História da Guerra, p. 421.
165
Apud DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento, Vol I, p. 187.
166
KEEGAN, John. Uma História da Guerra, p. 423.
167
CORVISIER, André. História Moderna. São Paulo: DIFEL, 1983, p. 108.
168
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo nos séculos XV-XVIII, p. 351.
Exatamente na mesma época em que Hernán Cortés e os conquistadores penetravam no
Mundo Mexica, Nicolau Maquiavel (1469-1527) assinalou em seu A Arte da guerra (1519-
1520) as transformações bélicas do período. Em uma passagem, o florentino destacou a
defasagem da cavalaria perante o emprego da artilharia:
Quanto aos cavaleiros, principalmente a cavalaria pesada, que se desloca
com menor dispersão do que a cavalaria ligeira, e por ser mais alta oferece
melhor alvo, pode-se admitir que a artilharia a mantenha na retaguarda
169
Especificamente sobre a Conquista da América, o arcabuz, a artilharia e as demais
armas de fogo não foram tão decisivos nos combates se comparados ao emprego da espada,
das armas defensivas ou do cavalo,
170
mas causaram uma forte impressão nos nativos. O
“soldado-cronista” Bernal Díaz del Castillo, por exemplo, confiou sua segurança a Deus
primeiramente e, depois, aos cavalos/cavaleiros: os cavaleiros eram tão competentes e
lutavam tão bravamente que, depois de Deus, que é Quem nos protegia, eles foram nossa
fortaleza”.
171
169
MAQUIAVEL, Nicolau. Escritos Políticos A Arte da Guerra. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 123.
170
SALAS, Alberto M. Las armas de la conquista de America, p. 164.
171
los de a caballo estaban tan diestros y hacíanlo tan varonilmente que, después de Dios, que es el que nos
guardaba, ellos fueron fortaleza AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la
Nueva España, Cap. 65, p. 112.
5. O COMPORTAMENTO CORTESIANO
172
“(...) como somos homens e temíamos a morte, não deixávamos de pensar
nela, e como aquela terra é muito povoada, íamos sempre caminhando
pequenas jornadas encomendando a Deus e a Sua Bendita Mãe Nossa
Senhora, e comentando como e de que maneira poderíamos entrar [em
Tenochtitlán]. E colocamos boa esperança em nossos corações, pois assim
como Nosso Senhor Jesus Cristo nos protegeu dos perigos passados, Ele
também nos protegeria do poder de México
173
Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera...
A conquista de Cuba (1511), comandada por Diego Velázquez de Cuéllar (1465-
1524), e tendo como participante Hernán Cortés, possibilitou aos “espanhóis” uma base de
apoio para as futuras expedições ao oeste da ilha. Os primeiros contatos com a região
mesoamericana foram efetuados pelas expedições de Francisco Hernández de Córdoba
(1517) e Juan de Grijalva (1518). A Mesoamérica, particularmente o México central, tinha
civilizações socialmente mais organizadas em comparação às que os espanhóis haviam
encontrado nas Antilhas.
174
Estimativas recentes indicam que na época da chegada dos
primeiros exploradores, o México Antigo contava com uma população que variava de 12 a
25 milhões de habitantes, cálculo que confere com a impressão sentida por Bernal Díaz no
fragmento.
175
172
Definimos com o termo “cortesiano” a totalidade da tropa que efetuou a conquista de México-
Tenochtitlán, e não somente a figura de seu líder, Hernán Cortés. Para Weckmann, seria mesmo adequado
chamar de huestes (hostes) a tropa de conquistadores, já que foram um reflexo das forças assim chamadas que
lutaram na Reconquista WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 95.
173
“(...) como somos hombres y temíamos la muerte, no dejábamos de pensar en ello, y como aquella tierra es
muy poblada, íbamos siempre caminando muy chicas jornadas y encomendándonos a Dios y su bendita
madre Nuestra Señora, y platicando cómo y de qué manera podíamos entrar, y pusimos en nuestros
corazones, con buena esperanza, que pues Nuestro Señor Jesucristo fue servido guardamos de los peligros
pasados, que también nos guardaria del poder de México DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia
verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 87, p. 158.
174
“(...) y en el camino pasaron tres provincias, según los españoles dijeron, de muy hermosa tierra y de
muchas villas y ciudades y otras poblaciones en mucha cantidad, y de tales y tan buenos edificios, que dicen
que en España no podían ser mejores CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación.
México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 56.
175
LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Mesoamérica antes de 1519. In: BETHELL, Leslie (org.). História da
América Latina. São Paulo: EDUSP, 1999, Vol I, p. 52. Em termos comparativos, estima-se que a Espanha
possuía entre 5 e 7 milhões de habitantes no início do século XVI. A Europa, sem o território da Rússia,
contava com cerca de 60 milhões de habitantes nessa época CORVISIER, André. História Moderna. São
Paulo: DIFEL, 1983, p. 31.
Imagem disponível em: https://qed.princeton.edu/getfile.php?f=Aztec_Empire_c._1519.png
Com o fracasso das primeiras explorações à costa da Península do Yucatán (na
época considerada uma ilha Isla de Santa María de los Remedios), em 1519, Velázquez
encarregou Cortés na organização de uma nova empreitada. Antes de receber as ordens
oficiais, o capitão rumou ao desconhecido oeste com uma frota com cerca de dez navios e
pouco mais de seiscentos homens. Os homens sobreviventes das expedições anteriores
(1517 e 1518) formavam a “ossatura” da tropa, como, por exemplo, Bernal Díaz.
176
Foi nesse contexto que a expedição de Cortés desembarcou na Mesoamérica.
177
Após essa breve contextualização histórica, procuramos encontrar marcas da mentalidade
de cruzada presente ao longo da expedição, um componente nas crônicas da época, como
observamos no trecho retirado da Historia verdadera, por exemplo. Além disso,
apresentamos como o comportamento cruzadístico foi matizado nesse novo contexto
176
CHAUNU, Pierre. Conquista e Exploração dos Novos Mundos (séc. XVI). São Paulo: Pioneira: EDUSP,
1984, p. 156.
177
Uma excelente obra é SOUSTELLE, Jacques. Os astecas na véspera da conquista espanhola A vida
cotidiana. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
histórico. Para tanto, foi preciso seguir os passos da ação cortesiana e analisar seus
comportamentos durante a campanha militar.
Evidentemente, tentamos escapar de uma postura determinista, que atribuiria toda
atitude da tropa hispânica ao componente cruzadístico, uma vez que o comportamento dos
conquistadores também estava pautado de acordo com a conjuntura que eles enfrentavam.
Certamente, o contato com o “outro” imprimiu mudanças que modificaram o curso da
expedição e da guerra.
Nas Instrucciones que Diego Velázquez repassou para Cortés em 23 de outubro de
1518, o componente religioso já aparece como um propulsor fundamental da Conquista:
Primeiramente, o principal motivo que vós e todos de sua companhia
levarão, é que, nesta viagem Deus Nosso Senhor seja servido e louvado, e
nossa santa fe católica ampliada
178
Uma indicação da presença de uma mentalidade de cruzada na atividade guerreira
cristã pode ser constatada na atuação das ordens militares. Obviamente as principais ordens
de Castela não participaram diretamente da Conquista, pois os “Reis Católicos” tinham
anexado à Coroa seus mestrados desde o final do século XV: Calatrava (1486), Alcântara e
Santiago (1492).
Inicialmente, dois religiosos acompanharam a expedição: o padre Juan Díaz (1480-
1549), que havia sido capelão de Grijalva, e o frei Bartolomé de Olmedo, da Ordem de
Nossa Senhora das Mercês, o capelão da tropa. A armada zarpou de Cuba, mas era
costume incluir clérigos a bordo, principalmente se expedição tivesse saído de Castela. A
partir de 1516, vigorava uma lei que determinava a obrigatoriedade de incluir pelo menos
um religioso nas empresas, proclamação de um édito do cardeal Gonzalo Jiménez de
Cisneros (1436-1517).
179
A presença de religiosos nos exércitos não era um fato novo na tradição militar
cristã ocidental. Desde 732, com o Concílio da Austrásia, permitiu-se aos clérigos
acompanharem os exércitos francos como confessores e capelães, para carregarem as
178
Primeramente, el principal motivo que vos e todos los de vuestra compañía habéis de llevar, es y ha de
ser, que en este viaje sea Dios Nuestro Señor servido e alabado, e nuestra santa fe catolica ampliada Apud
ZAVALA, Silvio. Las instituiciones jurídicas en la conquista de América. México, D. F.: Editorial Porrúa,
1971, p. 229 e 231.
179
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 196.
relíquias e celebrarem as missas.
180
No entanto, a Igreja sempre condenou o porte de armas
pelos religiosos, reprovação confirmada na Reforma Gregoriana (a partir do século XI),
181
mas essa proibição não era, na prática, respeitada. Os exércitos da Primeira Cruzada, por
exemplo, para espanto dos bizantinos, estavam repletos de padres-soldados armados.
182
Tal tradição, apesar da oposição inicial da Igreja, se generalizou, pois no fim da
Idade Média os próprios papas e bispos lideravam seus exércitos. No século XV, por
exemplo, o cardeal Mendoza de Toledo lutou na batalha de Toro (1476) contra os
portugueses, para assegurar o trono de Isabel, a Católica.
183
Durante o processo de Conquista da América, vários clérigos participaram
diretamente das campanhas militares. Os religiosos procuravam exaltar os ânimos dos
combatentes, pois, seguindo a tradição medieval, duas guerras eram travadas
simultaneamente: a celeste e a terrestre. Desde a Baixa Idade Média, esse aspecto não era
totalmente contraditório dentro do pensamento cristão, que o clérigo era um combatente
que, protegido pela armadura simbólica da batina e com armas espirituais (sacramentos,
orações, exorcismos), lutava contra as trevas.
184
Registramos a participação de duas ordens religiosas na conquista de México-
Tenochtitlán, em momentos distintos: a Ordem das Mercês desde 1519 e, a partir de 1520, a
Ordem dos Franciscanos, representadas pelos seus respectivos clérigos. Primeiramente,
chegaram Juan Díaz e o mercedário Bartolomé de Olmedo; depois, outro mercedário, Juan
de las Varillas, e o franciscano Pedro de Melgajero.
185
A Ordem das Mercês era representada no Novo Mundo desde a segunda viagem de
Colombo (1493). Em 1516, um ano após a Ordem receber do Papa Leão X (1513-1521) os
mesmos privilégios das ordens mendicantes, o frei Bartolomé de Olmedo embarcou para
Santo Domingo.
186
Nenhum documento registra precisamente quem, entre os dois clérigos
180
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano. Madrid:
Editorial Trota, 2003, p. 57.
181
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros. Feudo-Clericalismo e Religiosidade em
Castela Medieval. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 166-167.
182
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Imago, 2002, Vol I, p. 86.
183
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros, p. 166.
184
Ibidem, p. 222.
185
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1986,
p. 82.
186
LEÓN CÁZARES, María del Carmen. Reforma o extinción: Un siglo de adaptaciones de la Orden de
Nuestra Señora de la Merced en Nueva España. México, D. F.: UNAM, 2004, p. 24.
Olmedo e Díaz ocupou o cargo de capelão da tropa. No entanto, a tradição da Ordem
das Mercês, assim como a participação de outros mercedários como capelães de alguns
conquistadores, indica que a ocupação dessa função por Olmedo não fosse surpresa.
187
Outra discussão gira em torno do objetivo da Ordem das Mercês na expedição. Uma
explicação é que só o fato de que alguns “espanhóis” desaparecidos pudessem ser
resgatados justifica a presença de um mercedário na tropa.
188
A razão disso é que
tradicionalmente a Ordem tinha o propósito de libertar os cristãos escravizados pelos
“infiéis”.
De fato, alguns cristãos viviam entre os nativos na Mesoamérica: o capitão soube
que alguns espanhóis estavam sete anos como cativos no Yucatán, em poder de certos
caciques”.
189
Logo no início da expedição, os conquistadores encontraram Gerônimo de
Aguilar em Cozumel, que vivia (como escravo) na ilha; depois, tiveram notícias de outro
desaparecido, Gonzalo Guerrero, que se encontrava entre os maias na costa do Yucatán.
Ambos haviam sofrido um naufrágio em 1511, mas somente Aguilar decidiu se reintegrar
ao mundo hispânico (imediatamente serviu como intérprete na tropa de Cortés), que
Guerrero enviou um recado dizendo que tinha filhos mestiços e era respeitado pela
comunidade nativa.
As práticas religiosas desses clérigos no campo de batalha seguiam essencialmente a
tradição empregada na guerra de Reconquista da Hispânia. A celebração da primeira missa,
a colocação da primeira cruz, e o batismo do território eram responsabilidades desses
clérigos. Além dessas tarefas, os religiosos auxiliavam psicologicamente os conquistadores
(exortação, absolvição, preces), e contribuíam na “expansão da cristã” (conversões pelo
batismo).
Os encorajamentos dos clérigos, que exortavam os “espanhóis” a se manterem
firmes em suas posições, também ajudou a manter o moral da tropa elevado. Desde a Idade
Média, essa era uma das funções dos religiosos, pois era preciso conclamar a cada um que
187
Ibidem, p. 27.
188
CASTRO SEONAE, José. El frei Bartolomé de Olmedo. Capellán del ejército de Cortés. México, D. F.:
Jus, 1958, p. 05 Apud LEÓN CÁZARES, María del Carmen. Reforma o extinción, p. 26.
189
supo el capitán que unos españoles estaban siete años había cautivos en el Yucatán, en poder de ciertos
caciques CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-Relación, p. 12.
lute corajosamente por Deus, pela Igreja e pelo povo.
190
O discurso de exortação,
normalmente de um clérigo, conduzia os guerreiros medievais à comoção cruzada.
191
Os religiosos tinham, dentre outras funções, a importante missão de confessar a
tropa e dar absolvição aos conquistadores, o que conferia um caráter sagrado à expedição.
Os conquistadores acreditavam que se antes de morrer confessassem seus pecados, por
terríveis que eles fossem, a absolvição de um sacerdote os enviaria direto para o lado de
Deus, onde receberiam a bem-aventurança eterna.
192
Todos os “espanhóis” exigiam que a
tropa levasse pelo menos um padre, pois a pior coisa que poderia ocorrer a um “bom
cristão” do século XVI era morrer sem confissão.
193
Bernal Díaz registra a prática da
confissão logo nas primeiras campanhas:
como somos homens e temíamos a morte, muitos de nós (...) nos
confessamos com o Padre das Mercês [Bartolomé de Olmedo] e com o
clérigo Juan Díaz, que toda a noite estiveram ouvindo penitência, e
encomendávamos a Deus que nos salvasse e que não fôssemos vencidos
194
Embora a prática que concedia as indulgências fosse criticada por Martinho Lutero
(1483-1546) na mesma época, pois eram vendidas pelos clérigos deliberadamente, essa
tradição garantia o perdão dos pecados aos combatentes, que obteriam uma purificação
imediata antes de alcançarem o “Reino dos céus”.
Os conquistadores “espanhóis” seguiam uma motivação cristã de salvação,
característica fundamental da mentalidade de cruzada.
195
Essa salvação se tornaria absoluta
190
DUBY, Georges. O domingo de Bouvines: 27 de julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 173.
191
Além do já citado discurso do Bispo de Barcelona durante a conquista de Maiorca, outros clérigos
exortaram exércitos cruzados, como, por exemplo, na tomada de Lisboa (1147). Ver COSTA, Ricardo da. A
Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península Ibérica. Rio de Janeiro: Edições
Paratodos, 1998, p. 163-166.
192
FRIEDERICI, Georg. El carácter del descubrimiento y de la conquista de América. México, D. F.: Fondo
de Cultura Económica, 1973, p. 351. Friederici ainda acrescenta: “Esta creencia en el poder infalible y
omnirreparador de la confesión postrera, que aun profesando, como profesaban, una fe inquebrantable en la
justicia divina después de la muerte de la carne, les permitia cometer con la maior tranquilidad las peores
atrocidades en su paso por la tierra” Ibidem, p. 351.
193
SALAS, Alberto M. Las armas de la conquista de America. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1988, p.
259.
194
como somos hombres y temíamos la muerte, muchos de nosotros (...) nos confesamos con el Padre de la
Merced y con el clérigo Juan Díaz, que toda la noche estuvieron en oír de penitencia, y encomendámonos a
Dios que nos librase no fuésemos vencidos AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la
conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap, 64, p. 111.
195
GARCÍA, Sara Rodicio. Aportaciones al estudio del pensamiento de Hernán Cortés”. Quinto centenário,
nº 15, Edit. Universidade Complutense, Madrid, 1989, p. 265.
quando os soldados cumprissem a missão de “verdadeiros cristãos”, ou seja, levar o nome
do Cristo redentor aos confins do mundo, ao mesmo tempo em que o sangue derramado
garantia essa vontade. Desse modo, estava concretizado o compromisso que Cortés fizera a
seus soldados no princípio de “do ut des”, garantia da glória celestial como recompensa por
seus esforços.
196
Na ilha de Cozumel (Santa Cruz), primeiro local aportado, os “espanhóis” perplexos
com o culto maia, aconselharam aos nativos o abandono da idolatria
197
e a adoção do
cristianismo. Neste momento, Cortés ordenou a seus homens que destruíssem os ídolos
indígenas e que colocassem no lugar cruzes e a imagem da Virgem Maria. Como nos
informa Bernal Díaz, Cortés,
(...) mandou chamar o cacique e todos os líderes, e ao papa [sacerdote] se
fez compreender o melhor possível com nossa intérprete [Malinche], lhes
dizendo que se quisessem ser nossos irmãos teriam que destruir aqueles
ídolos daquela casa, pois eram maus e lhes faziam errar, e que não eram
deuses, mas coisas más que levariam suas almas ao inferno. E disse-lhes
outras coisas santas e boas; e que colocassem no local uma imagem de
Nossa Senhora e uma cruz que foi oferecida à eles, pois assim sempre
seriam ajudados, teriam boas colheitas e suas almas seriam salvas
198
Antes de partirem da ilha, o padre Juan Díaz celebrou uma missa na qual o papa
[sacerdote], o cacique e os todos os índios estavam olhando com atenção”.
199
As
cerimônias religiosas acompanhavam a expedição em muitos momentos, tradição
196
PRIEN, Hans-Jürgen. “La Justificación de Hernán Cortés de su conquista de México y de la conquista
española de América”. Revista Complutense de Historia de América, 22. Servicio de Publicaciones, UCM,
Madrid, 1996, p. 27. Expressão latina (do ut des): dou para que tu dês; norma de um contrato bilateral.
197
Para os conquistadores, a idolatria representava, “antes de tudo, o culto de ídolos, o sinal de uma
religiosidade eivada de práticas diabólicas, a exemplo de sacrifícios humanos orquestrados por sacerdotes-
feiticeiros, por vezes seguidos da abominável antropofagia” VAINFAS, Ronaldo. “Colonialismo e
Idolatrias: Cultura e Resistência Indígenas no Mundo Colonial Ibérico”. Revista Brasileira de História. São
Paulo: Vol. 11, número 21, set. 90/fev. 91, p. 103. Para mais sobre a idolatria, ver GRUZINSKI, Serge. A
colonização do imaginário: sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVIII.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
198
“(…) mandó llamar al cacique y a todos los principales, y al mismo papa, y como mejor se pudo dárselo a
entender con aquella nuestra lengua, les dijo que si habían de ser nuestros hermanos que quitasen de aquella
casa aquellos sus ídolos, que eran muy malos y les hacían errar, y que no eran dioses, sino cosas malas, y
que les llevarían al infierno sus ánimas. Y se les dio a entender otras cosas santas y buenas; y que pusiesen
una imagen de Nuestra Señora que les dio, y una cruz, y que siempre serían ayudados y tendrían buenas
sementeras, y se salvarían sus ánimas AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista
de la Nueva España, Cap. 28, p. 45.
199
“dijo misa el Padre Juan Díaz, y el papa y cacique y todos los indios estaban mirando con atención
Ibidem, Cap. 27, p. 45.
demonstrada quando os “espanhóis” partiam para o campo de batalha sempre depois de
“ouvir missa com devoção”.
Assim como na Reconquista, as missas diárias e matinais na conquista de México-
Tenochtitlán eram de suma importância, ainda mais porque os mexicas e a maioria dos
nativos evitavam guerrear à noite e, desse modo, o ataque aos “espanhóis” era iminente.
200
A razão disso é que os cristãos, que se consideravam os “filhos da luz”, acreditavam que o
brilho do sol simbolizava um novo tempo, precursor da época na qual a “verdadeira fé”
triunfaria perante as trevas da idolatria. Na perspectiva medieval, a batalha também era
entendida como um raio de luz que dispersa a escuridão, ou seja, que demarca o fim de um
tempo maligno e o nascimento do tempo do Cristo triunfante.
201
Segundo Bernal Díaz,
muitos conquistadores morreram daquela forma cruelíssima por servir a Deus e a Sua
Majestade, e para levar luz aos que estavam nas trevas (...).
202
Ao participarem de um sacramento fundamental do cristianismo, a Eucaristia, os
conquistadores recebiam o corpo de Cristo propriamente dito. De fato, considerada a única
“relíquia” genuinamente legítima de Jesus, a Eucaristia é adorada como o corpo e o sangue
presentes do Cristo, sob as aparências do pão e do vinho.
203
Essa cerimônia, obrigação de todo “bom cristão”, serviu também como recurso para
impressionar os nativos e o vinho era essencial para sua realização:
(...) em dois dias tínhamos construído nossa igreja e colocado a santa cruz
diante dos aposentos e nesse local todos os dias era celebrada a missa até
que o vinho acabou, de modo que Cortés, os outros capitães e o frade (...)
200
Como nos diz Hugh Thomas, para os mexicas, “desagradaba combatir en la obscuridad. En el espíritu de
los mexicanos, las noches estaban llenas de monstruos, de mujeres enanas con la cabellera flotando, de
cabezas de muertos que perseguían a los viajeros, para no hablar de las criaturas sin cabeza ni pies que
rodaban amenazadoramente por el suelo” THOMAS, Hugh. La Conquista de México. México, D. F.:
Editorial Pátria, 1994, p. 550. Entretanto, a tática militar dos mexicas se modificou ao longo da campanha
contra os “espanhóis”. Segundo Cortés, a medianoche llega mucha multitud de gente en canoas y por la
calzada a dar sobre nuestro real; y cierto nos pusieron en gran temor y rebato, en especial porque era de
noche, y nunca ellos a tal tiempo suelen acometer, ni se visto que de noche hayan peleado CORTÉS,
Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 134-135.
201
COSTA, Ricardo da. Amor e Crime, Castigo e Redenção na Glória da Cruzada de Reconquista: Afonso
VIII de Castela nas batalhas de Alarcos (1195) e Las Navas de Tolosa (1212)”. In: OLIVEIRA, Marco A. M.
de (org.). Guerras e Imigrações. Campo Grande: Editoria da UFMS, 2004; DUBY, Georges. O domingo de
Bouvines: 27 de julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 165.
202
murieron aquella crudelísima muerte por servir a Dios y a Su Majestad, y dar luz a los que estaban en
tinieblas (...)” DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España,
Cap. 210, p. 584.
203
SCHMITT, Jean-Claude. Deus. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval I. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2006, p. 314.
agilizaram na obtenção de mais vinho para as missas (...). Todos os dias
estávamos na igreja rezando de joelhos diante do altar e das imagens; em
primeiro lugar, para fazer o que como cristãos éramos obrigados; e, em
segundo lugar, para que Montezuma e todos os seus capitães vissem e
imitassem-nos e, conseqüentemente, viessem adorar ao ver-nos de joelhos
diante da cruz, especialmente quando cantamos a Ave Maria
204
(grifo
nosso)
no século XI a Eucaristia era recebida antes de uma batalha como algo que
aumentava as chances de vitória.
205
A preparação espiritual para a guerra santa era de suma
importância para os guerreiros cristãos antes de lutarem em nome de Cristo, pois o perdão
divino era concedido aos que combatessem com o coração puro. O triunfo apenas era
alcançado se eles estivessem de corpo e alma com o Salvador.
Desde a Idade Média, principalmente a partir do século XI, as batalhas eram
antecedidas por muitas práticas: procissões, confissões, esmolas, jejuns, penitências,
orações e invocações que imploraram o auxílio celeste.
206
O medo impunha aos
conquistadores grande ansiedade e receio, mas era logo dissipado pela prece e comunhão.
Bernal Díaz admite que antes de entrar nas batalhas sentia tristeza no coração, e urinava
uma ou duas vezes, e encomendando a Deus e a Sua Bendita Mãe (...) logo aquele pavor
passava”.
207
Em Tabasco, primeiro local aportado no continente, os “espanhóis” enfrentaram e
venceram pela primeira vez os nativos, e esse confronto ficou conhecido como a batalha de
Cintla (março de 1519). Essa foi uma das primeiras batalhas em que, curiosamente, os
índios acreditaram que o cavalo e o cavaleiro eram um só, como se jamais tivessem visto
204
“(…) en dos días teníamos nuestra iglesia hecha y la santa cruz puesta delante de los aposentos, y allí se
decía misa cada día hasta que se acabó el vino, que como Cortés y otros capitanes y el fraile (...), dieron
prisa al vino que teníamos para misas, (...) cada día estábamos en la iglesia rezando de rodillas delante del
altar e imágenes; lo uno, por lo que éramos obligados a cristianos y buena costumbre, y lo otro, porque
Montezuma y todos sus capitanes lo viesen y se inclinasen a ello, y porque viese el adorar y vernos de
rodillas delante de la cruz, especial cuando tañíamos el Avemaría DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 93, p. 177.
205
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros, p. 60.
206
FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005, p.
92.
207
tristeza en el corazón, y orinaba una vez o dos, y encomendándome a Dios y a su bendita madre (...)
luego se me quitaba aquel pavor DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la
Nueva España, Cap. 156, p. 372.
cavalos”.
208
Após a vitória, em um Domingo de Ramos, os religiosos Bartolomé de Olmedo
e Juan Díaz celebraram uma missa.
Logo depois, os “espanhóis” fundaram uma vila, e escolheram um nome cristão em
homenagem à proteção que acreditavam terem recebido da Virgem Maria na batalha.
Segundo Bernal Díaz:
oferecemos muitas graças a Deus por nos conceder aquela vitória tão
completa; e como era dia de Nossa Senhora de Março batizou-se uma vila
que se povoou com esse nome, Santa Maria da Vitória, porque era o dia de
Nossa Senhora, assim como pela grande vitória que tivemos
209
A escolha de nomes cristãos para denominar os locais era comum naquele tempo,
pois se remetia à “expansão da fé”,
210
e a preferência era concedida aos nomes dos santos,
principalmente aos do calendário.
211
Os “espanhóis” receberam oferendas dos deres indígenas derrotados, que incluíam
vinte escravas. Elas foram as primeiras nativas batizadas da Mesoamérica. Entre elas existia
uma que chamou a atenção de Cortés, e o capitão ordenou que o frei Olmedo a batizasse
com o nome de Marina, a famosa “Malinche”.
212
Através de Malinche e do recém resgatado Gerônimo de Aguilar, estabeleceu-se
uma ponte comunicativa entre os “espanhóis” e os mexicas. Cada um deles conhecia pelo
menos dois idiomas: Aguilar (castelhano e maia) e Malinche (maia e huatl). Assim, o
208
creyeron los indios que el caballo y el caballero eran todo uno, como jamás habían visto caballos
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 34. p. 55. De
fato, o ancestral do cavalo (gênero Equus) inicialmente evoluiu na América do Norte para, depois, se espalhar
por outras regiões. Na América, o cavalo se extiguiu cerca de 12 mil anos e foi justamente reintroduzido
pelos conquistadores e colonizadores europeus, primeiro nas Antilhas, depois no continente. Ver SALAS,
Alberto M. Las armas de la conquista de America, p. 89.
209
dimos muchas gracias a Dios por habernos dado aquella victoria tan cumplida; y como era dia de
Nuestra Señora de Marzo llamosé una villa que se pobló, el tiempo andando, Santa María de la Victoria, así
por ser día de Nuestra Señora como por la gran victoria que tuvimos DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 34, p. 55.
210
Além de Vera Cruz, podemos encontrar durante a conquista da América diversas cidades batizadas com
nomes religiosos, como, por exemplo, Nombre de Dios, Santiago, Santa Cruz, Espírito Santo, dentre muitas
outras.
211
FRIEDERICI, Georg. El carácter del descubrimiento y de la conquista de América, p. 453.
212
Sobre a vida e o papel de Malinche na Conquista, ver FLORES FARFÁN, JoAntonio. “La Malinche,
portavoz de dos mundos”. Estudios de Cultura Náhuatl, Vol. 37, 2006, p. 119-139.
mundo hispânico e o mexica entravam em comunicação (ao menos indiretamente).
213
Segundo Bernal Díaz:
“(…) [Cortés] lhes disse muitas outras coisas sobre nossa santa fé, e
verdadeiramente foram muito bem pronunciadas, porque Dona Marina e
Aguilar, nossos intérpretes, eram tão versados naquilo que conseguiam
transmitir muito bem
214
Ao que tudo indica, Malinche soube tirar proveito da situação, aproveitando seu
posto para melhorar sua condição. Rapidamente, a nativa aprendeu castelhano e tornou o
trabalho de Aguilar dispensável.
215
Curiosamente, devido à proximidade entre Malinche e
Cortés, os nativos empregavam o nome da índia para denominar o capitão: [Montezuma
disse a Cortés] (...) Deve estar cansado, senhor Malinche, de subir a este nosso grande
templo”.
216
A seguir, a tropa zarpou e chegou em terras sob o domínio mexica, onde Cortés
tratou de fundar a vila de Vera Cruz. A fundação da vila, batizada em uma Sexta-feira
Santa em memória da Paixão de Cristo, serviu como base de apoio aos “espanhóis”. E
logo ordenamos construir, fundar e povoar uma vila que se batizou com o nome de Vila
Rica de la Vera Cruz, porque chegamos na Quinta-feira Santa e desembarcamos na Sexta-
feira Santa”.
217
Seguindo a tradição de nomear as cidades, uma expressão da piedade dos
navegantes, termos cristãos também eram escolhidos para denominar os navios. Os
“espanhóis” necessitavam navegar protegidos por um espírito tutelar, por um anjo guardião;
queriam cruzar o Mar Oceano (Atlântico) apoiados em um santo, para que este os salvasse
213
Isso ocorreu da seguinte forma: Malinche ouvia o náhuatl dos mexicas e, em maia, passava as informações
para Aguilar que, então, comunicava em castelhano a Cortés e aos demais conquistadores. Inversamente e
logicamente, Aguilar escutava os “espanhóis” e, em maia, repassava as informações para Malinche que, por
sua vez, falava aos mexicas em náhuatl.
214
“(…) les dijo otras muchas cosas tocantes a nuestra santa fe, y verdaderamente fueron muy bien
declaradas, porque doña Marina y Aguilar, nuestras lenguas, estaban ya tan expertos en ello que se lo daban
a entender muy bien DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva
España, Cap. 77, p. 132.
215
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p.
153.
216
Cansado estaréis, señor Malinche, de subir a este nuestro gran templo DÍAZ DEL CASTILLO,
Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 92, p. 173.
217
Y luego ordenamos de hacer y fundar y poblar una villa que se nombró la Villa Rica de la Vera Cruz,
porque llegamos Jueves de la Cena y desembarcamos en Viernes Santo de la Cruz Ibidem, Cap. 42, p. 72.
dos perigos de um naufrágio, ameaças que eram reais e constantes.
218
O capitão Pedro de
Alvarado, por exemplo, comandou com seus irmãos um bom navio chamado São
Sebastião”.
219
Em Vera Cruz, Cortés também recebeu uma comitiva de representantes de México-
Tenochtitlán, que vieram em nome de Montezuma Xocoyotzin (1468-1520), o tlatoani
220
mexica:
vieram muitos índios enviados por um dos principais governadores de
Montezuma, que se chamava Pitalpitoca (...) [trazendo] galinhas e pão feito
com milho (…), e algumas jóias de ouro que presentearam Cortés
221
Em direção ao interior, os “espanhóis” chegaram a Cempoala, altepetl
222
totonaca
recém submetido pelos mexicas, e selaram com o chefe indígena apelidado de cacique
gordo”, a primeira de uma série de importantes alianças com os nativos. Depois,
marcharam juntamente com o efetivo totonaca em direção a México-Tenochtitlán, apesar
da insistência dos mensageiros mexicas e do tlatoani Montezuma, que pediam para que não
prosseguissem. Aqui também, os índios puseram nos “espanhóis” o nome de theules, que
significa deuses, e nos tinham por homens imortais”.
223
218
FRIEDERICI, Georg. El carácter del descubrimiento y de la conquista de América, p. 311.
219
sus hermanos, un bueno navio, que se decía San Sebastián DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia
verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap 28, p. 45.
220
Optamos por utilizar o termo em huatl, huey tlatoani, ou simplesmente tlatoani, que significa “aquele
que fala” ou “que comanda”, em referência ao principal governante mexica. Escolhido por unanimidade pelos
tlazo-pipiltin (grupo seleto formado por alguns membros da elite, pipiltin), o tlatoani, considerado uma
divindade na terra, era o comandante dos exércitos, juiz supremo e dignitário religioso. Para mais sobre o
conceito de tlatoani, ver LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Mesoamérica antes de 1519. In: BETHELL, Leslie
(org.). História da América Latina, Vol I, p. 25-61.
221
vinieron muchos indios que envió un principal que era gobernador de Montezuma, que se decía
Pitalpitoca (...) gallinas y pan maíz (...) y unas joyas de oro, y todo lo presentaron a Cortés AZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 38, p. 63.
222
“Termo nahuatl empregado para designar as entidades político-territoriais relativamente autônomas que
compunham a organização política geral mesoamericana. Tais entidades caracterizavam-se, entre outras
coisas, por possuírem um ou mais centros políticocerimoniais em seus territórios, pela presença de uma elite
dirigente, pela produção e manutenção de uma história da própria entidade, por outorgarem a seus
participantes uma identidade étnica, por possuírem um „deus‟ patrono e por serem compostas de células
político-territoriais menores e relativamente autônomas, chamadas de calpulli LOCKHART, James. The
nahuas after the conquest. Stanford, California: Stanford University Press, 1992. Apud SANTOS, Eduardo
Natalino dos. Conquista do México ou queda de México-Tenochtitlan? Guerras e alianças entre castelhanos
e altepeme mesoamericanos na primeira metade do século XVI”. In: XXIII Simpósio Nacional de História -
História: Guerra e Paz, 2005, Londrina, p. 02.
223
theules, que quiere decir dioses, y nos tenían por hombres inmortales AGUILAR, Francisco de.
Relación breve de la conquista de la Nueva España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de
Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 165.
Pelo caminho, o efetivo atravessou uma grande muralha de pedra seca que separava
o território mexica da Tlaxcala, altepetl formado pela união de quatro centros nahuas
Ocotelolco, Quiahuiztlan, Tepecticpac e Tizatlan independentes de México-Tenochtitlán,
seu principal inimigo. Dois dos principais deres tlaxcaltecas, Xicohténcatl Axayacatzin
(1484-1521) e seu pai, Xicohténcatl, o Velho (†1522), comandante de Tepecticpac, foram
contra a solicitação dos “espanhóis” que pediam para atravessar o território da Tlaxcala em
direção a México-Tenochtitlán.
No desfiladeiro de Teocantzingo, os “espanhóis” foram atacados por milhares de
guerreiros otomies, aliados dos tlaxcaltecas que formavam o grosso das fileiras. Nesse
momento, os indígenas faziam muitos alaridos, gritos e vozes que causavam nos que
ouviam grande temor e espanto, tanto que houve muitos espanhóis que pediram
confissão.
224
Assim como os muçulmanos, os nativos mesoamericanos utilizavam sons
nas batalhas com o intuito de amedrontar os inimigos. Durante a guerra de Reconquista,
essa inovação tática, característica do modo muçulmano de se guerrear, foi introduzida na
Península Ibérica com a invasão almorávida (1086).
225
O compartilhamento desse recurso tanto pelos nativos quanto pelos muçulmanos
talvez fizesse com que os “espanhóis” relembrassem os tempos da Reconquista e,
igualmente, da paralela guerra no norte da África contra os maometanos no século XVI.
226
Alguns conquistadores poderiam também recordar as histórias de sua infância: os
almorávidas, com seus rostos pintados de negro e lança erguida.
227
Seguindo a tradição de
combaterem em silêncio os mouros, os “espanhóis” ficavam calados após o grito inicial de
A eles, com Santiago!” quando enfrentavam os índios.
228
A batalha foi narrada por Cortés:
Começamos a nos defender como podíamos. E assim lutamos até nos
encontrar entre mais de cem mil
229
homens de guerra, que por todas as
224
muchos alaridos, gritos y voces que causaban en los que los oíamos muy gran temor y espanto, tanto que
hubo muchos españoles que pidieron confesión AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista
de la Nueva España, p. 167.
225
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 91.
226
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, UNAM, FFyL, 2004, p. 191.
227
DESCOLA, Jean. Los conquistadores del Imperio español. Barcelona: Editorial Juventud, S. A., 1972, p.
174.
228
SALAS, Alberto M. Las armas de la conquista de America, p. 262.
229
Trata-se de uma tradição muito utilizada no período medieval. Em momentos de extrema tensão, “os
nervos m necessidade do auxílio de falsos juízos. Os homens da Idade Média viviam em crise mental
partes nos cercavam, e lutavam conosco durante o dia todo até uma hora
antes do pôr-do-sol, quando se retiravam. Com seis escopetas [arcabuzes],
meia dúzia de tiros [canhões], quarenta balistas [bestas], e treze cavalos,
consegui fazer muitos danos sem receber nenhum, além do cansaço da luta e
da fome. Parecia que Deus tinha lutado por nós, tamanha era a multidão
de inimigos, sua disposição para a luta, e a diversidade de armas que
tinham para nos atacar
230
(grifo nosso)
Da mesma forma, posteriormente a ria dos nativos (mexicas) na guerra foi
descrita como superior à dos próprios cristãos e à dos turcos:
Entre nós existia uns três ou quatro soldados que haviam estado na Itália, e
que juraram por Deus que guerras tão furiosas jamais haviam visto nem
entre cristãos, contra a artilharia do rei da França, nem contra o grão-
turco
231
Nessa batalha, os tlaxcaltecas mudaram a tradicional tática militar mesoamericana
de não combater à noite: algumas vezes nos atacaram à noite, dizendo que à noite não
viam os cavalos e, não havendo cavalos, não tinham medo dos soldados a pé.
232
De todo modo, o resultado indefinido da batalha, a grande baixa de índios nesse dia
e no seguinte, e a deserção por parte de algumas tropas tlaxcaltecas levou os dois lados a
selar uma aliança (setembro de 1519). Através das alianças com os nativos, Cortés
demonstrou sua intenção de “dividir para reinar”, razão que contribuiu decisivamente para
a vitória hispânica:
contínua e não podiam dispensar esses juízos por um momento que fosse (...) É necessário considerar sempre
estes dados ao analisar o hábito geral e constante de exagerar até o ridículo o número de inimigos mortos
numa batalha” – HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lousa: Editora Ulisseia, s/d, p. 245.
230
comenzamos a nos defender como podíamos, y así nos llevaron peleando hasta nos meter entre más de
cien mil hombres de pelea que por todas partes nos tenían cercados, y peleamos con ellos, y con nosotros,
todo el día hasta una hora antes de puesto el sol, que se retrajeron, en que con media docena de tiros de
fuego y con cinco o seis escopetas y cuarenta ballesteros y con los trece de caballo que me quedaron, les hice
mucho dano sin recebir de ellos ninguno, más del trabajo y cansancio del pelear y la hambre. Bién pareció
que Dios fué el que por nosotros peleó, pues entre tanta multitud de gente y tan animosa y diestra en el
pelear, y con tantos gêneros de armas para nos ofender, salimos tan libres CORTÉS, Hernán. Cartas de
Relación Segunda Carta-Relación, p. 37.
231
unos tres o cuatro soldados que se habían hallado en Itália, que allí estaban com nosostros, juraron
muchas veces a Dios que guerras tan bravosas jamás habían visto en algunas que se habían hallado entre
cristianos y contra la artillería del rey de Francia, ni del gran turco AZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 126, p. 249-250.
232
algunas veces vinieron de noche sobre nosotros, diciendo que de noche no verían los caballos y no
habiendo caballos, de la gente de a pie no hacían mucho caso VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino.
Relación de méritos y servicios...., Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et
al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 139.
Vendo a discórdia e desconformidade de uns e outros, fiquei muito
satisfeito, porque me pareceu que isso me ajudaria em meu propósito, e que
poderia ter uma maneira a mais para subjugá-los, (...) e lembrei-me da
palavra evangélica: todo reino dividido será destruído
233
Francisco de Aguilar foi outro conquistador que relatou o fim da dura batalha contra
os tlaxcaltecas e otomies, combate esse que os nativos saíram feridos e mortos, e entre nós
nenhum, fato que parecia um milagre”.
234
Em seguida, o frei Bartolomé de Olmedo realizou uma cerimônia religiosa na qual
batizou algumas filhas de Xicohténcatl, o Velho, e de outro importante governante da
Tlaxcala, Maxixcatzin (†1520), líder de Ocotelolco. A conversão ao cristianismo é um
sintoma da presença de uma mentalidade de cruzada. O objetivo missionário (conversão)
era buscado principalmente pelos religiosos que acompanhavam a expedição, como foi
registrado no caso do batismo de Malinche. A conversão dos índios prolonga e reproduz a
dos muçulmanos de Granada, seu antecedente imediato.
235
Como nos informa Bernal Díaz,
os “espanhóis” mandaram que os índios,
destruíssem os ídolos e limpassem [o templo] para colocarem uma cruz e a
imagem de Nossa Senhora; o qual logo fizeram e se realizou uma missa,
batizaram-se aquelas líderes indígenas, colocando na filha de Xicontega, o
cego [Xicohténcatl], o nome de dona Luísa. Cortés a tomou pela mão e a
ofereceu a Pedro de Alvarado (...) as demais também foram batizadas (...) e
depois disso foi solicitado que colocassem duas cruzes no local
236
Esta perspectiva, forte estímulo à evangelização do Novo Mundo, encontra base na
Bíblia, o livro por excelência da Idade Média. O Evangelho Segundo Marcos, capítulo 16,
233
Vista la discordia y desconformidad de los unos y de los otros, no hubo poco placer, porque me pareció
hacer mucho a mi propósito, y que me podría tener manera de más aína sojuzgarlos, (…) aun acordéme de
una autoridad evangélica que dice: Omne regnum in se ipsum divisum desolabitur” CORTÉS, Hernán.
Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 42.
234
naturales salían heridos y muertos, y de los nuestros ninguno, que parecía cosa de milagro
AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España, p. 169.
235
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 27.
236
quitasen unos ídolos, (...) y limpiasen, para poner en ellos una cruz y la imagen de Nuestra Señora; lo
cual luego hicieron, y en él se dijo misa, se bautizaron aquellas cacicas, y se puso nombre a la hija de
Xicotenga el ciego, doña Luisa; y Cortés la tomó por la mano y se la dió a Pedro de Alvarado (...) y las
demás se pusieron sus nombres (...) y después de esto hecho, se les declaró a qué fin se pusieron dos cruces
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 77, p. 133.
versículo 15, registra: Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura”.
237
O capítulo 3, versículo 11, da Epístola de Paulo Apóstolo aos Colossenses, também contém
tal ideia: não mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo,
livre, mas Cristo é tudo em todos”.
238
Segundo a tradição tlaxcalteca, algum tempo depois o próprio Xicohténcatl e outros
líderes se converteram ao cristianismo.
239
O Lienzo de Tlaxcala, um manuscrito pictórico
compilado pelos tlaxcaltecas em meados do século XVI, por exemplo, indica essa versão:
Lienzo de Tlaxcala, manuscrito pictórico compilado pelos tlaxcaltecas em meados do século XVI, lâmina 8.
No centro dessa lâmina, o presbítero Juan Díaz, segurando uma enorme hóstia, oferece o corpo de Cristo aos
quatro líderes tlaxcaltecas ajoelhados em fila. Diversos símbolos religiosos cristãos compõem a cena, como a
imagem da Virgem Maria com o menino Jesus (no centro, no alto), e a cruz carregada por Cortés (à direita, no
alto). Três nativos e três “espanhóis” (à esquerda), possivelmente os padrinhos dos futuros índios convertidos,
assistem a cerimônia. Imagem disponível no site da Universidad Autónoma de Nueva León em:
http://cdigital.dgb.uanl.mx/la/1080026177/1080026177.html
237
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Edições Paulinas, 1973, p. 1925.
238
Ibidem, p. 2215.
239
Como nos diz Hugh Thomas, a tradição indica que “los cuatro caciques principales de Tlaxcala
Maxixcatzin, Xicotencátl el Viejo, Citlalpopocatzin y Temilotecutl [aceitaram] el batismo de manos de fray
Juan Díaz, y a recibir el nombre de don Lorenzo, don Vicente, don Bartolomé y don Gonzalo,
respectivamente” – THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 292.
Ainda que as fontes hispânicas não corroborem esse fato, encontramos no relato de
Bernal Díaz apenas a conversão de Xicohténcatl ocorrida posteriormente. Nesse momento,
quando Cortés,
procurou torná-lo cristão, o bom e velho Xicotenga de boa vontade disse
que desejava sê-lo, e com a maior festa que naquela ocasião se podia fazer
em Tlaxcala, o padre das Mercês o batizou com o nome de Dom Lorenzo de
Vargas
240
De qualquer forma, entendo a conversão como uma característica da mentalidade
cruzada na medida em que essa prática ajudou a propagar a cristã, sendo que sua recusa
pacífica implicava no uso da força.
Com a intenção de escapar de vez do jugo mexica, os tlaxcaltecas ingressaram na
tropa de Cortés com milhares de guerreiros.
Em outubro de 1519, o efetivo chegou a Cholula,
241
altepetl aliado de México-
Tenochtitlán, onde ocorreu o episódio conhecido como a “Matança de Cholula”. Assim
como em alguns episódios sangrentos da Reconquista, neste acontecimento os “espanhóis”
dizimaram milhares de habitantes da cidade na praça do templo dedicado a Quetzalcoatl (o
deus mesoamericano “Serpente Emplumada”).
242
Cortés comentou:
a intérprete [Malinche] que trazia comigo, uma índia dessa terra, soube
por intermédio de uma nativa desta cidade [Cholula], que ali perto havia
homens de Montezuma reunidos que tinham retirado todas as mulheres e
crianças da cidade, pois pretendiam matar todos nós (...). Resolvi agir antes
de ser atacado. Chamei alguns senhores da cidade, dizendo que queria
falar-lhes, e tranquei-os em uma sala com o aviso aos nossos que quando
ouvissem um tiro de escopeta [arcabuz] caíssem sobre a maior quantidade
de índios possível. Assim foi feito (...) e em poucas horas morreram mais de
240
procuro que se volviese cristiano, y el buen viejo de Xicotenga de buena voluntad dijo que lo quería ser, y
con la mayor fiesta que en aquela sazón se pudo hacer en Tlaxcala le bautizó el Padre de la Merced y le puso
nombre don Lorenzo de Vargas
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la
Nueva España, Cap. 136, p. 283.
241
“Cholula era una especie de ciudad santa en el Anahuac, sobre todo por el culto a Quetzalcoatl y por sus
trescientos setenta teocalli o templos” MORALES PADRÓN, Francisco. Historia del Descubrimiento y
Conquista de America. Madrid: Editora Nacional, 1963, p. 217.
242
Para mais sobre o deus mesoamericano Quetzalcoatl, ver SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do
México Indígena: um estudo comparativo entre narrativas espanholas e nativas. São Paulo: Palas Athena,
2002, p. 195-212.
três mil índios (...). Depois que saímos de nossos aposentos, os índios
tinham tomado as ruas, mas como eles estavam desprevenidos e sem os
comandantes que eu havia prendido, os desbaratamos facilmente, ainda
mais porque cinco mil índios de Tascaltecal [Tlaxcala] e outros
quatrocentos de Cempoal [Cempoala] me ajudavam
243
Notamos no trecho acima, e em vários momentos da expedição, uma característica
bélica que compartilhavam a Cruzada medieval e a Conquista do Novo Mundo. A Cruzada
tinha uma característica particular, era uma forma extremamente belicista de encarar a
guerra, diferentemente do tipo de combate travado entre cristãos, pois a Igreja não permitia
certas práticas violentas mais radicais (proibição pouco respeitada). Da mesma forma, na
Conquista da América “todas as armas estão autorizadas: as flechas envenenadas, os gritos
ensurdecedores, os incêndios e as destruições de toda sorte”.
244
De fato, além das espadas hispânicas serem famosas pela dureza de seu o, a tropa
trazia um arsenal composto por armas que também faziam grandes danos, como, por
exemplo, a besta
245
(proibida pela Igreja na guerra entre cristãos a partir do século XII nos
concílios de Latrão), e o arcabuz, que entre os séculos XV e XVI, foi condenado por
anátemas e interditos semelhantes.
246
Durante a Conquista, a besta foi mais importante que
o arcabuz, arma de emprego lento e que era pouco confiável em climas chuvosos devido ao
encharcamento da pólvora. Da mesma forma que o arcabuz, o canhão tinha essa
deficiência: nossos adversários [tropa de Narváez] tiveram o descuido de não cobrir os
243
a la lengua que yo tengo, que es una india de esta tierra (...) le dijo otra natural de esta ciudad como muy
cerquita de allí estaba mucha gente de Mutezuma junta, y que los de la ciudad tenían fuera sus mujeres e
hijos y toda ropa, y que había de dar sobre nosotros para nos matar a todos (...). Y así por esto como por las
señales que para ello veía, acordé de prevenir antes de ser prevenido, e hice llamar a algunos de los señores
de la ciudad diciendo que les queria hablar, y metílos en una sala, y en tanto hice que la gente de los nuestros
estuviese apercebida, y que en soltando una escopeta diesen en mucha cantidad de indios que había junto al
aposento y muchos dentro en él. Así se hizo (...). que en pocas horas muerieron más de tres mil hombres. (...)
antes que yo saliese de nuestro aposento tenían todas las calles tomadas y toda la gente a punto, aunque
como los tomamos de sobresalto fueron buenos de desbaratar, mayormente que les falataban los caudillos
porque los tenia ya presos. (...) me ayudaban bien cinco mil indios de Tascaltecal y otros cuatrocientos de
Cempoal CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 44-45.
244
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 75.
245
Sobre a condenação da besta, ver COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 113.
246
CARDINI, Franco. Guerra e Cruzada. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.).
Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. I, p. 483.
canhões e ocorreu que a pólvora molhou, porque aquela noite havia chuviscado um
pouco”.
247
Além disso, os conquistadores traziam dez canhões de bronze, artilharia de curto
calibre (falconetes), e um grande aliado que havia assolado as Antilhas: os cães, que assim
como na Reconquista, os “espanhóis” os utilizavam brutalmente nas guerras.
248
Por outro
lado, o valor atribuído pelos conquistadores aos dezesseis cavalos que constavam na tropa
era enorme:
“(...) e mataram um cavalo nosso. Ainda que Deus saiba quanta falta nos fez
essa perda, porque não tínhamos, depois de Deus, outra segurança senão a
dos cavalos, nos consolou sua carne, porque a comemos e deixamos o
couro (…)”
249
(grifo nosso)
No entanto, a eficácia militar dos cavalos era maior apenas em campo aberto; sua
importância se dava na locomoção em terrenos difíceis e no deslocamento em grandes
distâncias. Em termos de tecnologia bélica, foram as armas brancas, principalmente as
espadas de aço, que, de fato, destacaram-se no campo de batalha e fizeram a diferença nos
combates contra as macanas (arma de madeira e obsidiana) mexicas e as outras armas. Para
Restall, as espadas valiam, sozinhas, “mais que um cavalo, uma arma de fogo e um mastim
juntos”.
250
Além das armas que traziam os primeiros conquistadores, também de certo modo a
tática que empregavam nas batalhas com ataques de surpresa deriva da “Guerra de
Granada” (1482-1492).
251
Na Idade Média, a Cruzada era uma guerra considerada inteiramente legítima, na
qual buscava-se “limpar” o mundo dos “infiéis” para, assim, abrir caminho para a Parusia
(o retorno de Cristo). Esse tipo de guerra deixou marcas no culo XVI, um propulsor
247
tuveron descuido los contrarios en no atapar los tiros y habíaseles mojado la polvora, porque aquela
noche había lloviznado un poco AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva
España, p. 184-185.
248
Para mais sobre a utilização de es na Conquista da América, ver AMADO, Janaína & FIGUEIREDO,
Luiz Carlos. No tempo das caravelas. São Paulo: Contexto, 1992, p. 133-146.
249
(...) y nos mataron un caballo, que aunque Dios sabe cuánta falta nos hizo y cuánta pena recibimos con
habérnosle muerto, porque no teníanos después de Dios otra seguridad sino la de los caballos, nos consoló
su carne, porque la comimos son deja cuero (…)” CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-
Relación, p. 85.
250
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola, p. 239.
251
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, p. 98-99.
fundamental para a vitória hispânica. Os “espanhóis” também praticavam a tática de “terra
arrasada” ao atearem fogo nas plantações e habitações mexicas, com o intuito de exterminar
os recursos de seus inimigos ao máximo. Como nos indica Cortés:
Disse para eles [mexicas] que olhassem como não podiam se proteger, pois
continuávamos a lhes fazer grandes danos e todos os dias morriam muitos
deles e que continuaríamos a queimar e destruir sua cidade e que não
iríamos parar até que não sobrasse coisa alguma
252
A noção cruzadística forma extremamente belicista de encarar a guerra
contribuiu para a destruição das civilizações mesoamericanas. A repercussão dos atos
violentos praticados pelos “espanhóis no Novo Mundo acabou por originar a chamada
Leyenda Negra (“Lenda Negra”). A principal causa da reputação hispânica na Europa
talvez derive das denúncias realizadas principalmente pelo frei dominicano Bartolomeu de
Las Casas (c. 1484-1566) em sua obra Brevísima relación de la destrucción de las Índias
(1552), que foi rapidamente traduzida em várias línguas e propagada pelo Velho Mundo. O
“apóstolo dos índios“ relata o comportamento cruel dos “espanhóis” na Nova Espanha:
Durante esses doze anos [1519-1530] os espanhóis mataram e fizeram
morrer em quatrocentas léguas dessa região, tanto homens como mulheres,
jovens e crianças, mais de quatro milhões de pessoas, a golpes de espada e
de lança e pelo fogo, durantes as conquistas (como eles chamam) ou, para
melhor dizer, durante essas invasões de tiranos cruéis, que são condenados
não somente pela lei de Deus senão também por toda e qualquer lei humana,
invasões que são ainda piores que a que foi feita pelo Turco para destruir a
Igreja cristã
253
No entanto, não podemos indicar o comportamento bélico hispânico como o
principal culpado pela queda da população nativa durante os anos posteriores à Conquista.
Como os recentes estudos demográficos demonstraram,
254
as principais causas do declínio
populacional indígena foram as doenças trazidas pelos europeus, como a varíola. Durante
252
les dije que mirasen que no se podían amparar y que les hacíamos de cada día mucho dano, y que
morían muchos de ellos y quemábamos y destruíamos su ciudad, y que no había de parar hasta no dejar de
ella ni de ellos cosa alguna CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 81.
253
LAS CASAS, Bartolomeu de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. Porto
Alegre: L&PM, 1991, p. 52.
254
MCCA, Robert. ¿Fue el siglo XVI una catástrofe demográfica para México? Una respuesta basada en la
demografía histórica no cuantitativa”. Papeles de Población, julho-setembro, Universidade Autónoma del
Estado de México, Toluca: 1999, p. 223-239.
os combates e mesmo após a vitória, os “espanhóis” não conduziram um extermínio direto
desses milhões de nativos,
255
apesar de alguns massacres indiscriminados ocorrerem
(matanças que não podem ser relacionadas à mentalidade de cruzada).
256
De fato, a guerra contra México-Tenochtitlán só foi declarada em maio de 1520. No
entanto, acreditamos que uma mentalidade de cruzada foi manifestada pelos conquistadores
desde o início da expedição. Em outras oportunidades, os “espanhóis” enfrentaram os
nativos: maias-chontal (março de 1519), otomies e tlaxcaltecas (agosto-setembro de 1519),
cholultecas na “Matança de Cholula” (outubro de 1519), etc. De qualquer forma, Cortés
sempre tentava demonstrar ao Imperador Carlos V que preferia o diálogo e a amizade dos
mexicas:
Eu buscava sempre, muito poderoso senhor, todas as maneiras e formas
que podia para atrair a amizade dos de Temixtitán [Tenochtitlán]: primeiro,
para que não dessem motivo para que fossem destruídos, e também para
descançar dos esforços de todas as guerras passadas, e principalmente
porque sabia que isso era benéfico para Vossa Majestade
257
255
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”, p. 129.
256
Na Alta Idade Média, “após a tomada de um castelo ou como resultado de um combate vitorioso, era
comum exterminar os inimigos. Essas práticas permaneceram em vigor entre os „pagãos‟ ou os povos
„bárbaros‟, às margens da cristandade. Elas estavam em vias de desaparecimento em seu meio, em parte (...)
por causa da moral cristã, em parte também porque o interesse dos cavaleiros tirava proveito [econômico]
disso” FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da Idade Média, p. 89. Foi exatamente
no fim da Alta Idade Média que a Igreja Romana tentou cristianizar a cavalaria através dos movimentos da
“Paz de Deus” (fim do século X) e da “Trégua de Deus” (início do século XI), tornando o combatente um
miles Christi (“cavaleiro de Cristo”). Ao pretender sacralizar a cavalaria, a Igreja tentou criar uma ética cristã.
Entretanto, durante o período das Cruzadas, grandes matanças indiscriminadas eram muitas vezes praticadas
pelos próprios cruzados, como, por exemplo, na captura de Jerusalém (1099) e após a conquista de Lisboa
(1147). Estes massacres não podem ser relacionados “com mentalidade de cruzada, e sim puro frenesi após a
vitória. (...) mesmo a Igreja em plena expansão tinha em suas hostes religiosos que não eram coniventes com
barbarismos praticados pelos europeus após cada vitória cruzada (...) estes atos eram transgressões orgásticas
de guerreiros enlouquecidos pela vitória” COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 170-171.
Assim, devemos salientar que não são os grandes massacres que caracterizam uma Cruzada. A história das
guerras demonstrou que, em muitos casos, as matanças e as barbáries predominavam. Consultar KEEGAN,
John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Na conquista de México-
Tenochtitlán, alguns episódios como as matanças em Cholula (outubro de 1519) e dentro do “Templo Maior”
em Tenochtitlán (maio de 1520), e os massacres realizados no sítio final contra Tenochtitlán (1521) revelam
uma intolerância causada por guerreiros exaltados em busca da vitória final.
257
Yo buscaba siempre, muy poderoso Señor, todas las maneras y formas que podía para atraer a nuestra
amistad a estos de Temixtitan: lo uno, porque no diesen causa a que fuesen destruidos; y lo otro, por
descansar de los trabajos de todas las guerras pasadas, y principalmente porque de ello sabía que redundaba
en servicio a vuestra majestad CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 121.
Por sua vez, os mexicas realizavam práticas bélicas que davam preferência à captura
do inimigo para seu futuro sacrifício aos deuses, bem como as armas e os ataques eram
projetados para provocar somente ferimentos no adversário. Bernal Díaz comenta:
“(...) os guerreiros que lutavam contra nós, ainda que pudessem matar os
nossos soldados que capturavam, não os matavam logo, mas provocavam
feridas sérias para que não se defendessem, e vivos os levavam para serem
sacrificados aos seus ídolos. Antes, os faziam dançar diante de Uichilobos
[Huitzilopochtli], seu ídolo da guerra (...)”
258
(grifo nosso)
Os mexicas praticavam a chamada xochiyaoyotl (“guerra florida”), espécie de
torneio cerimonial ritualizado e regulado no qual o objetivo principal era capturar o maior
número de inimigos para, em seguida, sacrificá-los. Na época da Conquista, os
mesoamericanos que sofriam mais nas mãos dos mexicas pela imposição das “guerras
floridas” eram os tlaxcaltecas. Com a chegada dos “espanhóis”, a Tlaxcala contemplou a
oportunidade de se libertar dessa situação que a asfixiava.
259
Em direção a México-Tenochtitlán, a tropa hispânica atingiu as margens do lago
Texcoco, onde foram recebidos com grande pompa pelo soberano de Texcoco, Cacama,
sobrinho de Montezuma. Mais tarde, foram acolhidos em Itztapalapa pelo governante da
cidade, Cuitlahuac, irmão do tlatoani. Logo depois, atravessaram uma das calçadas que
conferia acesso a Tenochtitlán, e chegaram pacificamente à capital mexica em oito de
novembro, onde foram recebidos por Montezuma.
258
“(...) los guerreros que con nosotros peleaban aunque pudieran matar a los que llevaban vivos de nuestros
soldados, no los mataban luego, sino dábanles heridas peligrosas porque no se defendiesen, y vivos los
llevaban a sacrificar a sus ídolos, y aun primero les hacían bailar delante de Uichilobos, que era su ídolo de
la guerra (...)” DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España,
Cap. 157, p. 373.
259
Para uma abordagem da guerra no México Antigo, ver BUENO, Isabel. “La guerra mesoamericana en
época mexica”. Estudios de Cultura Náhuatl. Universidad Nacional Autónoma de México, 37, 2006, p.
253-274; HASSIG, Ross. “El sacrificio y las guerras floridas”. México, D. F.: Arqueología Mexicana, 2003,
p. 46-51; e SOUSTELLE, Jacques. Os astecas na véspera da conquista espanhola A vida cotidiana. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 229-241.
Imagem disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Lake_Texcoco_c_1519.png
Durante alguns meses os “espanhóis” conheceram a cidade e visitaram seus
palácios, templos e mercados, especialmente o principal, em Tlatelolco. Andrés de Tapia,
um dos capitães que acompanhou a expedição nos relatou que quando Cortés visitou o
“Templo Maior” (teocalli) de Tenochtitlán,
suspirou tristemente, e disse algo que todos ouvimos: „Oh Deus! Por que
permite que o diabo seja tão honrado nesta terra? (...) eu quero colocar no
local onde estão estes ídolos a imagem de Deus e de Sua Bendita Mãe, e que
tragam água para lavar estas paredes e tirar tudo isso daqu‟i”.
260
260
suspiró habiéndose puesto algo triste, y dijo, que todos los oímos: ¡Oh Dios!, ¿por queé consientes que
tan grandemente el diablo sea honrado en esta tierra? (...) y yo quiero que aquí donde tenéis estos ídolos esté
la imagen de Dios y de su Madre bendita, y traed agua para lavar estas paredes, y quitaremos de aqui todo
esto TAPIA, Andrés de. Relación de algunas cosas... Edição de Germán Vázquez, La Conquista de
Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 110-111.
Em um diálogo com o frei Bartolomé de Olmedo, Cortés demonstrou seu desejo de
iniciar a construção de uma igreja no local: parece-me, senhor padre, que essa ocasião é
propícia para solicitar a Montezuma a construção de nossa igreja aqui.
261
Dessa forma, Cortés começou a destruir a “sanguinária” idolatria, pois substituiu o
medo pela esperança com a colocação da cruz sobre os templos profanos; sua empresa se
assemelhou a uma transcendental cruzada.
262
Andrés de Tapia relata que Cortés teve que
agir com mais brutalidade no “Templo Maior”:
“[Cortés], indignando-se com as palavras que ouvia [do sacerdote], segurou
uma barra de ferro que estava ali e começou a golpear os ídolos de pedra e
eu juro por Deus em verdade que o marquês saltava de modo sobrenatural,
e se alçava tomando a barra de ferro pela qual golpeava os olhos do
ídolo
263
Dentro da capital mexica, as duas visões religiosas entraram em discordância. No
“Templo Maior”, ocorreu um curioso episódio: neste acontecimento, Montezuma sugeriu
aos “espanhóis” que pusessem suas imagens em outro local e que deixassem seus deuses
em outra. O marquês não aceitou”.
264
Na perspectiva de Montezuma e dos mexicas, não
havia nenhum problema em acrescentar uma nova divindade em seus templos, eles
poderiam muito bem absorver esse novo deus, era essa uma tradição.
265
Essa visão entrava
em total discordância com a tradição cristã. Para o cristianismo, “Deus” não é um nome
próprio, é um nome comum esse termo não designa um deus, mas o deus.
266
Desde o início da expedição, os “espanhóis” reaproveitaram os templos nativos,
porém substituíram os ídolos pela imagem da Virgem Maria e pelas cruzes. A conquista
261
Pareceme, señor padre, que demos un tiento a Montezuma sobre que nos deje hacer aquí nuestra iglesia
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 92, p. 173.
262
BERRIO, Raúl Martín. Hernán Cortés: La fe, aspecto fundamental en la empresa de Conquista y
pacificación. Quinto Centenário, 9, Universidade Complutense de Madrid, 1985, p. 130.
263
enojóse de [las] palavras que oía, y tomo con una barra de hierro que estaba allí, y comenzó a dar en los
ídolos de pedrería; (...) y juro por Dios que es verdad que me parece agora que el marqués saltaba
sobrenatural, y se abalanzaba tomando la barra por en médio a dar en (...) los ojos del ídolo TAPIA,
Andrés de. Relación de algunas cosas..., p. 111.
264
imágines a una parte y dejásemos sus dioses a outra. El marqués no quiso Ibidem, p. 111.
265
Segundo Jacques Soustelle, a religião dos mexicas “simples e totalmente ou principalmente astral na
origem, foi enriquecida e complicada sob efeito de seus contatos com povos sedentários e civilizados do
Centro. Em seguida, à medida que se ampliava seu „Império‟, foram anexando deuses e ritos de tribos
longínquas” – SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 63.
266
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”, p. 102.
religiosa consiste muitas vezes em retirar certas imagens e colocar outras em seu lugar, mas
sem destruir os locais de culto.
267
Tal prática remontava aos tempos da Reconquista,
quando, por exemplo, após a conquista de Málaga (1487) os espanhóis” preservaram a
mesquita-mor da cidade muçulmana e construíram santuários cristãos dentro da mesma. A
tradição de destruir os ídolos nativos, de substituir os templos por igrejas, de praticar atos
intolerantes em nome de Cristo era realizada pelos cristãos ibéricos na Reconquista,
típicas ações dos cruzados que o conquistador recebeu e preservou.
268
Mais tarde, Cortés e Montezuma entraram em um acordo no qual os mexicas
retirariam os ídolos do templo, mas poderiam colocá-los em outro lugar. Com a retirada dos
ídolos, os dois religiosos Bartolomé de Olmedo e Juan Díaz realizaram uma missa no
“Templo Maior” de Tenochtitlán:
O marquês [Cortés] mandou construir dois altares; um em uma parte da
torre, que possuía dois espaços vagos, e o outro em um local oposto. Em
uma parte, colocou a imagem de Nossa Senhora feita em retábulo de
madeira; e, no outro, a imagem de São Cristóvão,
269
porque não havia então
outras imagens; e daí em diante ali se realizava as missas
270
Todos aqueles cultos praticados pelos mexicas eram associados a um aspecto
demoníaco, denominados idolatria. Na visão dos conquistadores e, mais tarde, dos
missionários, México-Tenochtitlán apresentava uma abundância de ídolos demoníacos e
sacrifícios a falsos deuses.
271
Em suma, para a Igreja tudo que não fosse culto cristão era
idolatria.
Neste sentido, o objetivo dos conquistadores era extirpar todos aqueles falsos cultos
para que seus veneradores se convertessem à “verdadeira fé”, caso contrário seriam
destruídos. Com efeito, pode-se considerar a intolerância como um dos principais meios
267
Ibidem, p. 58.
268
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio. La Edad Media española y la empresa de America, p. 104.
269
“El culto a san Cristóbal se había extendido por la Europa de fines del medievo. Como patrono de los
viajeros, parecia adecuado que tuvera lugar en Tenochtitlán” THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p.
371. Discordamos da parte final da afirmação de Hugh Thomas, pois os “espanhóis”, como atestou Tapia, não
tinham outras imagens.
270
El marqués hizo hacer dos altares; uno en una parte de la torre, que era partida en dos huecos, y otro en
otra, y puso en una parte la imagen de Nuestra Señora en un retablico de tabla, y en otro la de Sant
Cristóbal, porque no había entonces otras imágenes; y dende en adelante se decía allí misa TAPIA,
Andrés de. Relación de algunas cosas..., p. 112.
271
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 504.
que explicam o triunfo constante do Ocidente cristão sobre os “paganismos”.
272
Para Bernal
Díaz, os mexicas tinham um deus principal terrível que ele odiava: Huichilobos.
273
Os
“espanhóis” acreditavam que seu Deus cristão, auxiliado por sua legião de santos,
combateria a idolatria mexica e seus “falsos” deuses.
Entre novembro de 1519 e maio de 1520, os “espanhóis” circularam pacificamente
por Tenochtitlán. Durante esse período, uma notícia vinda do litoral alterou a situação:
Qualpopoca, líder de Nauhtla, teria atacado os conquistadores na localidade. Foi com esse
álibi que os “espanhóis” prenderam Montezuma, acusando-o de planejar a emboscada.
Nesse meio tempo, uma tropa hispânica enviada por Diego Velázquez, e liderada
por Pânfilo de Narváez (c. 1470-1528), chegou ao litoral para punir os “espanhóis”.
Tratava-se do desagrado de Velázquez que não ficou satisfeito com a independência
adquirida por Cortés e sua não-subordinação ao governador. Assim, partimos de México
todos armados com umas proteções de algodão
274
rumo a Vera Cruz para combater esse
novo inimigo. Em Tenochtitlán, Cortés deixou como comandante dos “espanhóis” o capitão
Pedro de Alvarado.
A falta de um acordo entre as tropas de Cortés e Narváez forçou um ataque noturno
cortesiano. A comemoração do triunfo sobre Narváez
275
foi feita com gritos de Vitória,
Vitória pelos que levam o nome do Espírito Santo, pois Narváez está morto!”.
276
Vitorioso,
272
Ibidem, p. 541.
273
Trata-se de Huitzilopochtli (Uitzilopochtli), principal deus mexica na época da chegada dos “espanhóis”.
Huitzilopochtli era o deus da guerra, do sol, e representante da capital, Tenochtitlán. Para mais sobre esse
deus, ver SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México Indígena: um estudo comparativo entre
narrativas espanholas e nativas. São Paulo: Palas Athena, 2002, p. 219-226.
274
partimos, pues, de México armados todos con unas armas de algodón AGUILAR, Francisco de.
Relación breve de la conquista de la Nueva España, p. 183-184. Trata-se do escaupil (do náhuatl,
ichcahuipilli, roupa de algodão), espécie de “armadura” pré-cortesiana feita com algodão alcochoado que foi
rapidamente adotada pelos conquistadores devido à sua resistência e seu baixo peso se comparada à armadura
de aço européia.
275
Segundo Cortés, a tropa de Narváez era composta por “(...) ochenta de caballo y muchos tiros de pólvora y
ochocientos peones; entre los cuales dijeron que había ochenta escopeteros, y ciento y veinte ballesteros, y
que venía y se nombrava por capitán general y teniente de gobernador de todas estas partes, por el dicho
Diego Velázquez CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. México, D. F.:
Editorial Porrúa, 1971, p. 70. A tropa de Narváez (apelidada de “Santa María”) era composta por cerca de mil
e quinhentos “espanhóis” e mil índios de Cuba. O efetivo cortesiano (apelidado de “Espírito Santo”) triunfa
no litoral, conseguindo absorver parte dessa tropa em seu exército.
276
Victoria, Victoria por los del nombre del Espírito Santo, que muerto es Narváez! DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 122, p. 239. Nesse
fragmento, o trecho muerto es Narváeznada mais é que uma “força de expressão”, pois o capitão morreu
apenas em 1528, ao tentar conquistar a Flórida.
o efetivo cortesiano se deslocou às pressas para Tenochtitlán, onde os indígenas tinham se
sublevado.
Durante a ausência de Cortés, Alvarado ordenou o extermínio de um grande número
de sacerdotes e guerreiros mexicas na festa de Toxcatl (festividade religiosa dedicada a
Huitzilopochtli), no massacre que ficou conhecido como a “Matança no Templo Maior”. O
único de nossos cronistas que permaneceu em Tenochtitlán foi Vázquez de Tapia, que
Cortés, Bernal Díaz, Tapia e Aguilar lutavam contra Narváez no litoral. Na versão de
Vázquez de Tapia, observamos que o cronista não relata os motivos da ofensiva mexica:
Enquanto o marquês [Cortés] estava no litoral combatendo Narváez, todos
os nativos da cidade [Tenochtitlán] e da comarca se sublevaram contra nós,
e nos atacaram cruelmente numa guerra em que alguns espanhóis morreram
e outros ficaram feridos. E durante muitos dias estivemos cercados com
muito perigo e dificuldade”.
277
O silêncio de Vázquez de Tapia nesse caso é revelador. O cronista preferiu omitir a
atitude irresponsável que seu capitão naquele momento, Pedro de Alvarado, tinha
autorizado: o massacre dentro do “Templo Maior”. Em versão do próprio Alvarado,
preocupado com uma possível conspiração, ele ordenou o ataque para que os mexicas
temessem e não viessem atacá-los, por isso avançou sobre eles.
278
Assim, quando os
índios entraram no templo realizando suas danças ritualísticas, os “espanhóis” fecharam as
saídas do complexo e abriram fogo contra os pipiltin (elite) desarmados, o que resultou em
um grande massacre.
Aqui, a tradição militar mexica (ironicamente) contribuiu decisivamente para a
vitória hispânica. Assim como na “Matança de Cholula”, os nativos foram pegos de
surpresa pelos conquistadores que, sem anúncio ou ritual para iniciar a guerra, atacaram
subitamente e realizaram o massacre dentro do Templo.
279
Em muitas ocasiões, o triunfo
277
Estando el dicho marqués en la costa de la mar, en contienda con el dicho Narváez, se alzó la ciudad y
todos los de la comarca y vinieron sobre nosotros y nos dieron muy cruel guerra, en la que mataron algunos
españoles e hirieron a todos los demás que estábamos. Y nos tuvimos cercados muchos dias en mucho trabajo
y peligro VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicios..., p. 144.
278
temiesen y no viniesen a darle guerra, que por esto se adelantó a dar en ellos DÍAZ DEL CASTILLO,
Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 125, p. 246.
279
Para os mexicas, “a guerra não podia iniciar-se sem praticar antes uma espécie de ritual. Consistia este no
envio de certos escudos, flechas e mantas àqueles com os quais se ia lutar, fazendo-lhe saber por este meio
hispânico deveu-se não somente ao emprego das armas tecnologicamente mais eficazes,
mas por determinadas situações favoráveis durante o contato com o “outro”.
Essa atitude enfureceu os mexicas, que atacaram os “espanhóis” refugiados no
palácio de Axayácatl (c. 1440-1481), antigo tlatoani. O regresso de Cortés não melhorou a
situação, pois seu apelo para que Montezuma acalmasse os ânimos dos guerreiros fez com
que o tlatoani fosse mortalmente ferido por um projétil lançado (segundo os “soldados-
cronistas”) pelos próprios índios.
280
A conversão de Montezuma seria o auge da propagação da cristã. Nossos
cronistas não relataram seu batismo. No entanto, teorias posteriores afirmam que
Montezuma morreu cristão. Em nossa perspectiva, acreditamos ser inconcebível que Cortés
e os outros “soldados-cronistas não tivessem mencionado o acontecimento em tom
triunfante; o mais provável foi que no momento em que lhe ofereceram os sacramentos, o
tlatoani, agonizante, preferiu passar seus últimos minutos com seus próprios deuses.
281
De qualquer forma, em seu lugar assumiu um irmão de Montezuma, Cuitláhuac (c.
1476-1520). Rapidamente, o novo governante liderou os mexicas em um grande ataque que
sitiou os “espanhóis” no palácio. Nessa ofensiva, os indígenas arremessaram inúmeros
projéteis que parecia uma chuva de pedras, flechas, lanças e dardos”.
282
Cortés também
descreveu o ataque no qual os índios vinham,
com alaridos e gritos mais espantáveis que no mundo se pudesse pensar; e
que eram tantas as pedras que nos atiravam com fundas dentro da fortaleza
que parecia uma chuva delas e as flechas e atiradeiras eram tantas que
todas as paredes e pátios estavam cheias delas, e quase não podíamos
andar
283
que se prepararam à guerra” LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Visão dos Vencidos: a tragédia da conquista
narrada pelos astecas. São Paulo: L&PM Editores S/A, 1998, p. 165.
280
As crônicas dos “soldados-cronistas” afirmam que Montezuma foi morto pelos próprios índios:
AGUILAR, Francisco de. Relación breve…, p. 189; CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-
Relación, p. 79; DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera..., Cap. 126, p. 253; VÁZQUEZ DE
TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicios..., p. 145.
281
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México, p. 80; THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p.
451.
282
que parecía llover el cielo tanta piedra, flechas, varas y dardos AGUILAR, Francisco de. Relación
breve de la conquista de la Nueva España, p. 189.
283
con los mayores alaridos y grita más espantable que en el mundo se puese pensar; y que eran tantas las
piedras que nos echaban con hondas dentro de la fortaleza, que no parecía sino que el cielo las llovía, y las
flechas y tiranderas eran tantas, que todas las paredes y patios estaban llenos, que casí no podíamos andar
con ellas CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 78.
Mais tarde, os índios conseguiram a expulsão dos conquistadores de Tenochtitlán:
Noche Triste. Foi a primeira grande derrota européia no Novo Mundo (30 de junho de
1520). O “soldado-cronista” Vázquez de Tapia relatou as baixas: dos cerca de 1000 ou
1100 conquistadores e mais de 80 cavalos que estavam na cidade, restaram 425 homens e
23 cavalos, todos feridos.
284
Francisco de Aguilar, por sua vez, atribuiu aos céus a retirada
milagrosa, pois naquela,
“(...) noite começou chuviscar, trovoar e cair granizo tão pesadamente que a
impressão era de que o céu se rompia. (...) mais pareceu um milagre que
Deus quis fazer para salvar-nos do que um fenômeno natural, pois era
impossível que algum de nós sobrevivesse naquela noite
285
Os “espanhóis” e seus aliados, fundamentalmente otomies e tlaxcaltecas, fugiram
pela costa do lago Texcoco em uma retirada desastrosa. Em seu encalço, um enorme efetivo
mexica composto também por acolhuas, chalcas, tepanecas e xochimilcas os atacaram ao
norte do lago.
Na localidade de Otumba, ocorreu uma grande batalha que provou a superioridade
dos “espanhóis” em campo aberto. Nela, os mexicas e seus aliados liderados pelo
cihuacóatl (chefe militar) investiram pesadamente contra os conquistadores que
conseguiram resistir, pois contavam com o apoio da cavalaria, dos arcabuzes, bestas, e
com que fúria os cães lutavam.
286
E depois de encomendarmos a Deus e a Santa Maria de coração,
invocando o nome do Senhor Santiago, desde que vimos que começaram a
nos cercar, rompemos o cerco de cinco em cinco com os cavalos e todos nós
em conjunto
287
284
VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicios...., p. 146.
285
“(...) noche comenzó de lloviznar y trovar y granizar tan reciamente que parecía romperse los cielos; (...)
más parecia milagro que Dios quisó hacer por nosotros para salvarnos que cosa natural, porque era
imposible que todos no quedáramos aquella noche allí muertos AGUILAR, Francisco de. Relación breve
de la conquista de la Nueva España, p. 191-192.
286
y con qué furia los perros peleaban DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la
conquista de la Nueva España, Cap. 128, p. 259.
287
Y después de encomendarnos a Dios y a Santa María muy de corazón, e invocando el nombre de Señor
Santiago, desde que vimos que nos comenzaban a cercar, de cinco en cinco de [a] caballo rompieron por
ellos, y todos nosotros juntamente AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de
la Nueva España, Cap. 128, p. 259.
Em uma última cartada, e ao grito de Santiago!”, os “espanhóis” atacaram com
uma carga de cavalaria e conseguiram um objetivo fundamental: a morte do líder mexica.
Provavelmente golpeado por Cortés e morto pelo soldado Juan de Salamanca, o fato é que a
morte do cihuacoátl provocou a retirada das tropas mexicas. Segundo Cortés,
quis Nosso Senhor mostrar Seu grande poder e misericórdia conosco, pois
com toda a nossa deficiência, conseguimos reunir forças e quebrar o
orgulho e a soberba [dos índios]. Nessa luta morreram muitos deles, sendo
muitas pessoas principais e importantes. Eram tantos que chegavam a bater
uns nos outros, a ponto de não poderem combater nem fugir. E assim fomos
batalhando durante quase o dia todo, até que Deus quis que morresse uma
pessoa deles que devia ser o líder, pois com essa morte logo cessaram os
combates
288
A seguir, milagrosamente Nosso Senhor nos libertou e nos conduziu a salvo até
Tlaxcala”,
289
principal aliada. Refugiados, os “espanhóis” se reorganizaram e reafirmaram
suas alianças com os tlaxcaltecas e os outros grupos, além de conquistarem os adversários
dos mesmos nas regiões próximas.
Depois de conquistarem Tepeaca, nas proximidades da localidade os “espanhóis”
fundaram (em agosto de 1520) a cidade de Segura de la Frontera, como uma nova base de
apoio para as futuras operações militares. O nome da cidade provavelmente foi escolhido
pelos conquistadores extremeños com o fim de recordar o grande castelo de Segura de la
Orden, em Extremadura, desde o qual se tinha uma vista semelhante à que desde Tepeaca
se obtinha de Cholula e dos vulcões.
290
Nesse meio tempo, o então governante mexica, Cuitláhuac, morreu de varíola
(novembro de 1520), doença trazida pela tropa de Narváez. Em seu lugar foi eleito um
novo tlatoani, o jovem Cuauhtémoc (c. 1502-1525).
291
Nessa última campanha, a tropa
288
quiso Nuestro Señor mostrar su gran poder y misericordia con nosotros, que, con toda nuestra flaqueza,
quebrantamos su gran orgullo y soberbia, en que murieron muchos de ellos y muchas personas de ellos y
muchas personas muy principales y señaladas; porque eran tantos, que los unos a los otros se estorbavan que
no podían pelear ni huir. Y com este trabajo fuimos mucha parte del día, hasta que quiso Dios que murió una
persona tan principal de ellos, que con su muerte cesó toda aquella guerra CORTÉS, Hernán. Cartas de
Relación Segunda Carta-Relación, p. 85.
289
milagrosamente Nuestro Señor nos libró y llevó en salvo a Tlaxcala VÁZQUEZ DE TAPIA,
Bernardino. Relación de méritos y servicios..., p. 147.
290
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 484.
291
Optamos pelo nome náhuatl Cuauhtémoc, mas o último tlatoani mexica também pode ser conhecido como
Cuauhtemotzin ou Guatimozin.
hispânica passou a realizar a escravidão. Tal prática ignorava as leis da Coroa que, desde
1500, através de Isabel I (sob a influência do cardeal Cisneros), considerava que os índios
eram “súditos livres e isentos de servidão”.
292
Bernal Díaz indica que nas localidades de
Chalco e Texcoco, os conquistadores começaram a ferrar os escravos com um G, que
quer dizer guerra”.
293
Entretanto, a mesma lei que proibia a escravização dos nativos tinha duas exceções:
a prática era autorizada somente quando eles tivessem sido capturados numa “guerra justa”
e caso os índios praticassem o canibalismo. Ora, o primeiro pretexto era bastante pertinente,
pois praticamente em todas as campanhas os indígenas reagiam à ameaça que os
“espanhóis” representavam. Dificilmente os nativos aceitariam a dominação externa sem
qualquer tipo de resistência.
Na conquista de México-Tenochtitlán, esse foi o argumento utilizado, pois os
mexicas e seus aliados tinham negado a “verdadeira fé”, além de cometerem uma grave
falta o canibalismo (proibido por Isabel desde 1503); precisavam ser castigados:
Fiz certos escravos (...), porque, além de ter matado alguns espanhóis e se
rebelado contra o serviço de Vossa Alteza, todos comem carne humana. (...)
E também me moveu fazer os ditos escravos para provocar medo nos de
Culúa [mexicas], porque também há gente que se não provocarmos um
grande e cruel castigo, jamais conseguem aprender
294
O biógrafo de Cortés, Salvador de Madariaga, analisou os motivos que levaram o
capitão autorizar essa prática.
295
Para o autor, a razão provável pela qual o capitão pensou
292
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550), p. 607.
293
se hizo el hierro con que se habían de herrar los que se tomaban por esclavos, que era un G, que quiere
decir guerra DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España,
Cap. 130, p. 269.
294
“(...) hice ciertos esclavos (...) porque, demás de haber muerto a los dichos españoles y rebeládose contra
el servicio de vuestra alteza, comen todos carne humana (...). Y también me movió a hacer los dichos esclavos
por poner algún espanto a los de Culúa, y porque también hay tanta gente, que si no se hiciese grande el
castigo y cruel en ellos, nunca se enmendarían jamás CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda
Carta-Relación, p. 88.
295
“O primeiro crime [morte de „espanhóis‟ e rebelião] era suficientemente punido pela própria expedição
militar; o segundo [canibalismo] dificilmente podia ser reprovado aos indígenas de Tepeaca quando os
próprios aliados de Cortés, os tlaxcaltecas, banqueteavam-se com seus prisioneiros de guerra diante dos olhos
dele; (...) o terceiro motivo [castigo] parece mais plausível e talvez tenha contribuído para a sua decisão
MADARIAGA, Salvador de. Hernán Cortés. São Paulo: IBRASA Instituição brasileira de difusão cultural
S. A., 1961, p. 307.
em escravizar os nativos nesse momento era devido ao fato de seu tesouro se encontrar no
fundo do lago Texcoco, ou seja, Cortés precisava de recursos econômicos e de oferecer aos
soldados uma esperança de ganho imediato.
296
O motivo exposto por Madariaga de castigar os índios também enquadra-se no
sentido aplicado por Cortés durante a conquista. O fator econômico parece nesse caso
caminhar novamente lado-a-lado com o religioso. Mais tarde, com a introdução das Nuevas
Leyes (1542), gradativamente a escravidão indígena desapareceu, mas apenas em termos
formais, visto que as práticas que exploravam os índios como a encomienda se
mantiveram.
297
Em fevereiro de 1521, uma nova tropa hispânica que desembarcou em Vera Cruz
trouxe mais soldados para somar à força de Cortés. Este reforço contava com a participação
de duzentos homens, distribuídos em um navio (la María) e duas caravelas menores: pela
necessidade que tínhamos, milagrosamente Deus nos enviou este socorro”.
298
A Ordem
Religiosa Franciscana estava representada pelo frei Pedro Melgarejo de Urrea, que
desempenhava, como nos conta Bernal Díaz, uma importante função:
E chegou um frade franciscano chamado frei Pedro Melgarejo de Urrea,
natural de Sevilha, trazendo bulas do Senhor São Pedro [Leão X, 1513-
1521], que nos absolvia da responsabilidade das guerras que realizávamos;
de tal forma que em poucos meses o frade voltou rico a Castela
299
Bernal Díaz, no fragmento supracitado, descreve a condição econômica em que o
frei se encontrou após a Conquista, resultado, sobretudo, da venda de indulgências
realizada pelo clérigo entre os conquistadores. Como vimos, os “espanhóis” acreditavam na
recompensa gloriosa recebida quando chegassem ao “Reino de Deus”.
296
Ibidem, p. 307.
297
A encomienda era uma instituição ibérica que tinha origem na Reconquista. Na América, o encomendero
era “beneficiário do trabalho forçado dos índios. Recebia dos indígenas que lhes tinham sido entregues, um
tributo, assim como um serviço pessoal, em troca da assistência material e religiosa que, em princípio, devia
prestar-lhes. A instituição representa um meio termo entre a escravidão pura e simples e o princípio do
trabalho livre desejado pela coroa” BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo:
da descoberta à conquista, uma experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 606.
298
según la necesidad que teníamos, milagrosamente nos envió Dios este socorro CORTÉS, Hernán.
Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 121.
299
Y vino un fraile de San Francisco que se decía fray Pedro Melgarejo de Urrea, natural de Sevilla, que
trajo unas bulas de Señor San Pedro, y con ellas nos componían si algo éramos en cargo en las guerras en
que andábamos; por manera que en pocos meses el fraile fue rico y compuesto a Castilla DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 143, p. 310.
Essa prática realizada por Melgarejo de Urrea talvez fosse compartilhada pelo frei
Bartolomé de Olmedo, pois o mercedário chegou a ser acusado por seus inimigos de se
interessar mais pelo ouro do que pelas almas.
300
No final da Idade Média, as indulgências
passaram a ser vendidas por somas bastante acessíveis em muitos eventos promovidos pela
Igreja.
301
Desde os séculos XIV-XV, sob crescente pressão financeira, rios poderes
eclesiásticos como o Papado empregaram monges para vender indulgências.
302
Tal
comportamento era muito diferente do ideal pregado no início do medievo, quando os
clérigos direcionavam o monetário oriundo das doações e do uso das indulgências para
obras públicas e assistência aos pobres e enfermos (caridade).
Segundo Cortés, o frei Melgarejo de Urrea era o comissário da Cruzada.
303
Foi a
primeira e única vez que a palavra “cruzada” apareceu nas fontes analisadas.
304
O motivo
pelo qual Cortés usou o termo nesse momento específico talvez seja resultado da
importância que representava a chegada de uma bula papal. A guerra santa mais importante
era a Cruzada, combate que provocava maior entusiasmo religioso, pois era feito com o
apoio do Papado e em nome da Cristandade.
305
A função de um membro de uma ordem mendicante como “comissário da Cruzada”
não chega a ser uma surpresa, pois desde o século XIII, franciscanos e dominicanos
sobretudo, incentivados pelo Papado, contribuíam na pregação e divulgação das Cruzadas.
Como vimos, foi através de pregadores franciscanos, especialmente que o Papa Pio II
(1458-1464) tentou comover os reis e as multidões a tomarem a cruz. A Ordem Franciscana
foi a primeira a desembarcar no Novo Mundo. Em Granada também, os franciscanos
300
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 185.
301
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 279.
302
LOYN, H. R. (org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 205.
303
comisario de la Cruzada CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 167.
304
Foi somente no final do século XII que o termo “cruzada” começou a ser utilizado pelos cronistas
medievais: bellum sacrum, expeditio crucis, e passagium eram as denominações mais empregadas. Por
exemplo, no Livro dos Feitos (c. 1252-1274) do rei de Aragão Jaime I (1208-1276), a palavra designada é
“passagem”: Em seguida, a corte se dispersou, cada um pensou em se armar, e foi tomado o sacramento de
todos os nobres que, ao primeiro dia de maio, estivessem em Salou, todos com suas armas, para passar a
Maiorca, e que não faltassem. Naquele dia, fomos para lá, e estivemos até o início de setembro para orientar
a passagem LIVRO DOS FEITOS. Jaume I de Aragão. Tradução de Luciano José Vianna e Ricardo da
Costa. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2010, Cap. 55,
p. 101-102.
305
ROUSSET, Paul. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 25.
tinham sido os primeiros clérigos a implantar o cristianismo na terra mourisca recuperada.
As lições aprendidas após 1492 foram aproveitadas na Nova Espanha.
306
Tradição medieval, o uso da força para a propagação da fé cristã também era
defendido por alguns pensadores medievais como Ramon Llull (1232-1316). Durante quase
toda sua vida, Llull defendeu a evangelização dos infiéis através do amor e do diálogo, no
entanto, a partir do século XIV, no fim de sua vida, o fracasso do esforço missionário
pacífico levou-o a defender o uso da força.
307
Enquanto isso, Texcoco, cidade que compunha a “Tríplice Aliança” juntamente com
Tlacopan e Tenochtitlán, colocou à disposição dos “espanhóis” parte de seu efetivo militar,
sob a liderança do pretendente ao trono texcocano, Ixtlilxochitl (c. 1500-1550). Nesse
ínterim, Cortés mandou cortar muita madeira do topo dos montes de Tlaxcala para levar
até Texcoco e construir ali bergantins para entrar na laguna no México”,
308
pois os
mexicas bloqueavam as calçadas.
Em março de 1521, os bergantins ficaram prontos em Tlaxcala. Logo depois, os
“espanhóis” iniciaram a marcha transportando-os para a laguna. A construção do número
exato de treze bergantins parece remontar à tradição bíblica: os doze apóstolos e seu líder,
Jesus Cristo. Outra hipótese indica que imitou Constantino, o Grande (306-337 d.C.),
Imperador que ordenou construir sua tumba cercada de outras doze destinadas aos
apóstolos para assim assinalar sua condição de Isapostolus, ou seja, o décimo terceiro
apóstolo.
309
O ataque por terra através das três calçadas foi confiado a três divisões que eram
capitaneadas por Pedro de Alvarado, Cristóbal de Olid e Gonzalo de Sandoval. Cortés, por
sua vez, comandou os bergantins, que conseguiam perseguir implacavelmente as canoas
nativas no lago.
310
306
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550), p. 388.
307
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 136.
308
mandó cortar mucha madera de encima en los montes de Tlaxcala, para llevar la madera a Tezcuco y
hacer allí bergantines, para entrar por la laguna en México VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino. Relación
de méritos y servicios...., p. 149. O bergantim é “uma antiga embarcação à vela e remo, esguia e veloz, com
um ou dois mastros de galé e oito a 10 bancos para remadores” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986, p. 205.
309
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, p. 111.
310
BUENO, Isabel. “La guerra naval en el Valle de México”. Estudios de Cultura Náhuatl, . 36, 2005, p.
199-223.
Nesse meio tempo, ocorreram várias batalhas com resultados indecisos nas margens
do lago, o que fazia com que sempre à noite os “espanhóis” se retirassem para o real
(acampamento). Entretanto, para a infelicidade destes, alguns não retornavam, pois tinham
sido capturados e levados para Tlatelolco (norte da ilha), onde rapidamente os mexicas os
sacrificaram e abriram seus peitos, retirando seus corações para oferecer aos ídolos.
311
Em abril, a tropa hispânica conquistou Xochimilco, começou isolar Tenochtitlán, e
os comandados por Alvarado cortaram o suprimento de água potável dos mexicas que
chegava por aquedutos. Mais tarde, com a recusa dos índios de se entregarem, um soldado
chamado Sotelo teve a ideia de construir um trabuco (catapulta) para forçar a rendição
indígena. Soldado veterano das campanhas na Península Itálica sob o comando de Gonzalo
Fernández de Córdoba (1453-1515), o Gran Capitán, Sotelo decidiu testar a arma contra os
mexicas:
E no acampamento de Cortés estava um soldado que dizia ter combatido
na Itália em companhia do Grande Capitão, na batalha de Garellano e em
outras grandes batalhas. Dizia também que sabia muitas coisas sobre
tecnologia bélica e que construiria um trabuco [catapulta] em Tlatelolco e
com ele destruiria em dois dias as casas onde Guatemuz [Cuauhtémoc]
estava refugiado, obrigando-o logo a solicitar a paz (...)”
312
Cortés permitiu que a catapulta fosse construída no intuito de levar a prática militar
ao extremo em busca da vitória final; contudo, a nova arma falhou os disparos não foram
certeiros e imediatamente o capitão mandou desmontar a máquina.
313
Foi uma das últimas
vezes que esse tipo de arma foi utilizada na história dos cercos.
Sempre que os mexicas recusavam qualquer tipo de negociação, os “espanhóis”
tentavam avançar. Progredindo lentamente pelas calçadas os índios sempre atiravam
pedras, fechas e lanças , os “espanhóis” conseguiram, após difícil combate, ocupar a praça
central da cidade e massacrar, além dos guerreiros, muitos civis. Os mexicas e tlatelolcas
311
los sacrificaron y abrieron por los pechos, y les sacaron los corazones para ofrecer a los ídolos
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 148.
312
Y en real de Cortés estaba un soldado que decía él mismo que había estado en Itália en compañía del
Gran Capitán y se halló en la chirinola de Garellano y en otras grandes batallas, y decía muchas cosas de
ingenios de la guerra, y que haría um trabuco em Tatelulco con que en dos días que con él tirasen a las casas
y parte de la ciudad adonde Guatemuz se había retraído, que les haría que luego se diesen de paz (...)”
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 154, p. 366.
313
Cortés relata o episódio do trabuco em CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación,
p. 157.
retiraram-se para o norte da ilha em direção a Tlatelolco, onde ocorreu uma grande
matança. Segundo Cortés, os índios não tinham,
flechas, lanças, nem pedras para nos atacar. (...) era tanta a mortandade
que se fez por água e por terra, que naquele dia se matou e prendeu mais de
quarenta mil almas
314
Finalmente, em treze de agosto, os “espanhóis” capturaram o tlatoani Cuauhtémoc,
que tentava escapar em uma canoa, e assim ocorreu a capitulação final dos mexicas. Bernal
Díaz comenta o último episódio da conquista de México-Tenochtitlán:
Prendeu-se Guatemuz [Cuauhtémoc] e seus capitães em treze de agosto, na
hora das vésperas [seis da tarde], dia do Senhor São Hipólito, no ano de mil
quinhentos e vinte e um. Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Nossa
Senhora Santa Maria, Sua Bendita Mãe. Amém
315
No segundo dia após a queda da cidade realizou-se uma missa, na qual uma grande
procissão de conquistadores seguiu a imagem da Virgem Maria e uma cruz até a colina de
onde se viam as ruínas de Tenochtitlán, ao som do Te Deum laudamus.
316
5.1 OS ACONTECIMENTOS IMEDIATOS APÓS A CONQUISTA
Após os conquistadores tomarem Tenochtitlán, pouco tempo depois o Papa
Clemente VII (1523-1534) concedeu plenas indulgências aos vitoriosos:
Sua Santidade ficou muito satisfeita, e disse que dava graças a Deus que
em seu tempo grandes terras tivessem sido descobertas e que tantas pessoas
tivessem sido convertidas a nossa santa fé. Mandou realizar procissões para
que todos louvassem e agradecessem a Deus, e disse que Cortés e todos seus
314
flechas ni varas ni piedras con que nos ofender; (...) era tanta la mortandad que en ellos se hizo por la
mar y por la tierra, que aquel día se mataron y prendieron más de cuarenta mil animas CORTÉS, Hernán.
Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 160.
315
Prendióse [a] Guatemuz y sus capitanes en trece de agosto, a hora de vísperas, en día de Señor San
Hipólito, año de mil quinientos veintiún años. Gracias a Nuestro Señor Jesucristo y a Nuestra Señora la
Virgen Santa María, su bendita madre. Amén AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la
conquista de la Nueva España, Cap. 156, p. 369.
316
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 584.
soldados haviam feito grandes serviços a Deus primeiramente, ao
Imperador Dom Carlos nosso senhor, e a toda a Cristandade, e que éramos
dignos de grandes mercês. E então nos enviou bula para salvarmos-nos da
culpa e da pena de nossos pecados, e outras indulgências para os hospitais
e igrejas, com grandes perdões, e felicitou tudo que Cortés havia feito na
Nova Espanha
317
(grifo nosso)
Em 1523, chegaram ao território recém conquistado três franciscanos de origem
flamenga enviados por Carlos V: Juan de Aroa, Juan de Tecto e Pedro de Gante. Os dois
primeiros morreram rapidamente ao seguirem Cortés em uma de suas expedições pela
Mesoamérica.
318
A Ordem Mendicante dos Franciscanos
319
chegou formalmente à Nova Espanha em
1524, trazendo para os subjugados nativos, a “Boa Nova”. Para os missionários, era a
vitória do Salvador e do Evangelho sobre o demônio e a idolatria. Como tinham feito em
Granada na queima sistemática de vários Alcorões, na Nova Espanha, sob o comando do
Bispo Juan de Zumárraga (1468-1548), os franciscanos destruiriam entre 1530 e 1534
grande parte dos códices mexicas, considerados de origem demoníaca e feiticeira, mas que
eram guardiões de séculos de tradição e conhecimento. Os religiosos passaram a realizar
também batizados em massa pelos rios mexicanos, um sucesso total da mentalidade de
cruzada esperado desde os primeiros conquistadores.
320
Diferentemente da conquista do Tawantinsuyu (Mundo Inca), na qual Francisco
Pizarro não esboçou qualquer iniciativa de evangelização, Cortés demonstrava uma
humildade manifestada no momento em que recebeu, ajoelhado, os “doze apóstolos” que
317
Su Santidad lo tuvo en mucho y dijo que daba gracias a Dios que en su tiempo tan grandes tierras se
hubiesen descubierto y tantos meros de gentes se hubiesen vuelto a nuestra santa fe, y mandó hacer
procesiones y que todos diesen loores y gracias por ello a Dios, y dijo que Cortés y todos sus soldados
habíamos hecho grandes servicios a Dios primeramente y al emperador don Carlos nuestro señor y a toda la
cristiandad, y que éramos dignos de grandes mercedes, y entonces nos envió bula para salvarnos a culpa y a
pena de todos nuestros pecados, y otras indulgencias para los hospitales e iglesias, con grandes perdones, y
dió por muy bueno todo lo que Cortés había hecho en la Nueva España DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, p. 527-528.
318
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México, p. 82.
319
A Ordem dos Franciscanos, também chamada de Ordem dos Frades Menores (Ordo Fratrum Minorum, O.
F. M), é uma ordem religiosa fundada por Francisco de Assis, em 1215. A ordem foi a primeira a entrar em
Granada após a captura do reino muçulmano, e a desembarcar no Novo Mundo.
320
Como nos informa Hugh Thomas, o “Fray Motolinía, uno de los doce franciscanos, afirmo que él mismo
bautizó a más de trescientos mil. Pedro de Gante bautizaba a menudo a cuatro mil en día, a veces diez mil.
(...) Ésta [prática] tenía un precedente entre los moros después de la conquista de Granada(grifo nosso)
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 645.
vinham pregar em México-Tenochtitlán; fato que comprova o seu objetivo de conversão.
321
Paul Johnson faz uma pergunta retórica pertinente a esse respeito: “seria um caso de
hipocrisia por parte de Cortés e honestidade por parte de Pizarro?” Juntamente com o
historiador, acreditamos que assim como os cruzados medievais, os conquistadores eram
misturas curiosas e voláteis; diversas vezes, os mais cruéis deles eram os mais generosos
em caridade cristã.
322
No entanto, ao final de 1524, Cortés ainda não estava satisfeito com a quantidade de
religiosos que atuavam na região uma evangelização metódica e mais organizada era
imprescindível. Em sua Cuarta Carta, o capitão fez um pedido ao Imperador Carlos V:
enviei uma súplica a Vossa Majestade, para que mandasse pessoas religiosas de boa vida
e exemplo. Até agora chegaram muito poucos ou quase nenhum, e é certo que fariam uma
enorme obra.
323
Três anos após os franciscanos, chegaram os dominicanos e, em 1533, os
agostinianos. Responsáveis pela conversão dos “infiéis”, essas ordens religiosas cuidavam
da “salvação das almas”, e o Papa utilizava seus membros como ativos propagandistas das
Cruzadas.
324
De fato, foi somente com o desembarque dos missionários franciscanos (1524) que
se iniciou a evangelização sistemática da Nova Espanha.
325
Em 1559, os franciscanos
tinham um total de 80 casas e 380 religiosos; os dominicanos, 40 casas e 210 religiosos; os
agostinianos, 40 casas e 212 religiosos.
326
A conquista espiritual do território estava
praticamente encerrada.
Paralelamente, na Europa do século XVI o próprio Cortés e o Imperador Carlos V
participaram juntos de uma fracassada expedição de caráter cruzadístico contra Argel,
defendida pelos turcos. Nessa campanha, o capitão conheceu Francisco López de Gómara,
seu capelão a partir desse momento:
321
BOXER, Charles R. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. Rio de Janeiro: Edições 70, 1989,
p. 139.
322
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo, p. 488.
323
Y he enviado a suplicar a vuestra majestade, para ello, mandase proveer de personas religiosas de buena
vida y ejemplo. Y porque hasta agora han venido muy pocos, o casi ningunos, y es cierto que harían
grandísimo fruto CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Cuarta Carta, p. 203.
324
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. “La idea de cruzada en el Liber de passagio de Ramón Llul”, p. 57-
58.
325
RICARD, Robert. La conquista espiritual de México, p. 75.
326
BOXER, Charles R. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770, p. 138-139.
“(...) no ano de 41, o Imperador avançou sobre Argel com uma grande
armada e cavalaria. Cortés integrou a tropa com seus filhos Dom Martín e
Dom Luis, com muitos criados e cavalos para a guerra. Surpreendemente
surgiu uma tempestade que destruiu a frota no mar (...)”
327
Com a morte de Cortés (1547), suas expectativas estavam consolidadas, pois o
capitão sempre pensou e viveu como um cavaleiro cristão destinado a servir Deus e ao Rei.
Morrer como um “bom cristão sintetizou a esperança de salvação de sua vida.
328
Na Nova Espanha colonial, rapidamente os evangelizadores inculcaram nos nativos
a animosidade aos muçulmanos e a ideia de cruzada. Para buscarem êxito, difundiram a
festa ou danza de moros y cristianos.
329
Nesse novo contexto, a festa apresentava um ator
diferente (os índios), mas a mensagem e os personagens representados (cristãos e
muçulmanos) se mantinham. Era sempre preciso salientar a vitória cristã sobre os mouros,
o velho ideal de cruzada.
330
327
“(...) el año 41, el Emperador sobre Argel, con grande armada e caballería. Pasó allá Cortés con sus hijos
don Martín y don Luis, y con muchos criados y caballos para la guerra. Le cogió la tormenta, con lo que se
perdió la flota, en el mar (…) LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix: Historia General de las
Índias. La Conquista de Méjico (Segunda Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 437.
328
GARCÍA, Sara Rodicio.Aportaciones al estudio del pensamiento de Hernán Cortés”, p. 271.
329
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 126.
330
VICENT, Bernand. 1492: Descoberta ou invasão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 147.
100
6. A SIMBOLOGIA CRISTÃ NA CAMPANHA
E como trazíamos a bandeira da cruz, lutávamos por nossa fé e pelo
serviço de Vossa Sacra Majestade em sua real ventura, Deus nos concedeu
tamanha vitória que matamos muita gente sem receber perdas
331
Hernán Cortés, Segunda Carta-Relación
A frase de Cortés o deve ser entendida em total sentido figurado. Os
conquistadores levavam, literalmente, além da flâmula da coroa da Espanha, estandartes e
bandeiras com cruzes e imagens religiosas estampadas: símbolos
332
da fé cristã.
333
Estes símbolos eram usados durante o período medieval como parte das insígnias
que representavam o cristianismo, o que conferia um toque celestial àquelas empresas
terrenas, uma necessidade dos “espanhóis” naquele tempo.
334
Na Idade Média, os cruzados
ibéricos tinham sentido o poder “místico” das bandeiras e estandartes carregados contra
os mouros na grande batalha de Las Navas de Tolosa (1212).
335
No fim da guerra de Reconquista, após a queda de Málaga (1487), um monge subiu
na torre do Alcazaba e abriu a bandeira cristã, símbolo do triunfo da “verdadeira fé”. Em
Granada, também ocorreu uma ação semelhante, no momento em que a cruz levada como
símbolo que guiava a tropa, um presente do Papa Sisto IV (1471-1484), foi posta no alto do
331
Y como traíamos la bandera de la cruz, pugnábamos por nuestra fe y por servicio de vuestra sacra
majestad en su muy real ventura, nos dió Dios tanta victoria que les matamos mucha gente, sin que los
nuestros recebiesen dano CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. xico, D.
F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 38.
332
“Os símbolos constituem o núcleo dos sistemas culturais, pois é com eles que formamos pensamentos,
ideias e outras maneiras de representar a realidade para os outros e para nós mesmos” JOHNSON, Allan G.
Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997,
p. 206.
333
“O portador de uma bandeira ou de um estandarte ergue-o acima de sua cabeça. De certo modo, lança um
apelo ao céu, cria um elo entre o alto e o baixo, o celeste e o terreno. (...) No plano cristão, a bandeira
simboliza a vitória do Cristo ressuscitado e glorioso. (...) A bandeira é elevada, o homem a estende e assim
faz com a contemplação voltada para os bens celestes. Estar suspenso acima da terra é ser iniciado nos
segredos divinos” CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos,
costumes, gestos, formas, figuras, números. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1995, p. 118-119.
334
FRIEDERICI, Georg. El carater del descubrimiento y de la conquista de América. México, D. F.: Fondo
de Cultura Económica, 1973, p. 311.
335
CARDAILLAC, Louis. Moriscos y Cristianos: Un Enfrentamiento Polémico (1492-1640). México, D. F.:
FCE, 1979, p. 302. Apud BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da
descoberta à conquista, uma experiência européia (1492-1550), p. 75.
101
Alhambra. A Ordem de Santiago igualmente foi representada na conquista de Granada,
quando seu comendador, García de Castrillo, fincou a bandeira da ordem no Alhambra.
336
Símbolo maior do cristianismo, a cruz, seja em suas diferentes formas (latina, grega,
etc.), fazia parte das alternativas não-bélicas que traziam importantes energias místicas e
espirituais” ao início do triunfo cristão. Dentro das representações cristãs que os
conquistadores carregavam, a cruz era considerada o referente mais forte do pertencimento
à “verdadeira ”, ou seja, do cristianismo.
337
Após chegarem, os conquistadores fincavam cruzes de madeira nos locais que
desembarcavam como parte do processo de conquista espiritual: “e deixamos uma grande
cruz de madeira colocada no alto e os índios ficaram muito contentes e disseram que a
venerariam e adorariam”.
338
O erguimento da cruz significava a consagração da região, nos
princípios cristãos uma espécie de “novo nascimento”:
339
se alguém está em Cristo, é nova
criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova”.
340
A bandeira de Hernán Cortés. Desenho de Juan Manuel
Gabino Villascán, julho 2005. Disponível em:
http://www.crwflags.com/fotw/images/m/mx_1519a.gif
Durante o período medieval, várias campanhas militares eram guiadas pelo vexillum
sancti Petri (a bandeira de São Pedro). Nos séculos X e XI, esse objeto era enviado pelos
336
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 121.
337
HORMAECHE, Lisandro David. “Los símbolos del nosotros frente al otro en la Nueva España durante la
dominación española (s. XVI y XVII).” Instituto de Historia Americana Universidad Nacional de La Pampa,
2006, p. 03.
338
y quedóles una cruz de madera grande puesta en alto, y quedaron muy contentos, y dijeron que la
tendrían en mucha veneración y la adorarían CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-
Relación, p. 17.
339
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. o Paulo: Martins Fontes, 1992, p.
35.
340
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Edições Paulinas, 1973, p. 2178.
102
papas aos normandos, guerreiros que muitas vezes se declaravam vassalos do pontífice e
lutavam em nome dele, por exemplo, no sul da Península Itálica (ocupada também pelos
árabes).
341
Os primeiros cavaleiros que partiram nas Cruzadas tinham em suas vestes cruzes
costuradas. O ato de “revestir-se da cruz” era entendido como garantia de proteção e do
sucesso militar cristão. A cruz era considerada um emblema por excelência, como uma
manifestação de Deus, cuja onipotência protegia a pequena tropa cortesiana.
342
Como nos
informa Andrés de Tapia, Cortés trazia hasteada em sua nau,
uma bandeira com alguns lumes brancos e azuis e uma cruz vermelha no
centro; e a inscrição que dizia: Amici, sequamur crucem, et si nos fidem
habemus, vere in hoc signo vincesus”.
343
A bandeira tradicionalmente é entendida com um símbolo de proteção, concedida
ou implorada.
344
Bernal Díaz também registra o mesmo objeto. Segundo o cronista, Cortés,
mandou confeccionar dois estandartes e bandeiras costuradas com ouro e
dispostas as armas reais e a cruz em cada parte, com um letreiro que dizia:
Irmãos e companheiros: sigamos o sinal da Santa Cruz com verdadeira,
que com ela venceremos
345
Curiosamente, existe uma aproximação compilada pela historiografia entre Cortés e
o Imperador Romano Constantino I (306-337 d.C.).
346
Em 312, antes de travar e vencer a
batalha da Ponte Milvius contra Maxêncio (c. 278-312), Constantino supostamente viu uma
341
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano. Madrid:
Editorial Trota, 2003, p. 157-184.
342
GRUNBERG, Bernard. “El universo de los conquistadores: resultado de una investigación prosopográfica”.
Signos Históricos, julio-diciembre, 12, Universidad Autónoma Metropolitana, Iztapalapa, México, D. F.:
2004, p. 99.
343
una bandera de unos fuegos blancos y azules y una cruz coloradaen medio; y la letra de ella era: Amici,
sequamur crucem, et si nos fidem habemus, vere in hoc signo vincesus TAPIA, Andrés de. Relación de
algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre señor don Hernando Cortés, marqués del Valle, desde que
se determinó ir a descubrir tierra en la Tierra Fierme del Mar Océano. Edição de Germán Vázquez, La
Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 67. Inscrição latina: “Amigos,
sigamos a cruz, porque se tivermos fé, com este sinal venceremos”.
344
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, números, p. 118.
345
mandó hacer dos estandartes y banderas labradas de oro con las armas reales y una cruz de cada parte
con un letrero que decía: Hermanos y compañeros: sigamos la señal de la Santa Cruz con fe verdadera, que
con ella venceremos DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva
España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 20, p. 33.
346
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica
Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 118-119.
103
cruz no céu e escutou uma frase em grego (“Εν Τουτω Νικα”), na qual normalmente se faz
referência em latim: In hoc signo vinces (“com este sinal vencerás”).
347
Depois, mandou
gravar nos escudos dos legionários um sinal similar à mensagem de Cristo em forma de
cruz.
348
.
Paralelamente às expedições castelhanas, as caravelas portuguesas de Pedro Álvares
Cabral (c. 1467-1526) que ancoraram no Brasil (em 1500) tinham estampadas em suas
velas a cruz da Ordem de Cristo (a velha cruz templária), tradicional emblema cruzadístico
da luta contra o “outro”. Da mesma forma que na expansão castelhana, o papel
desempenhado pela mentalidade de cruzada nos “descobrimentos” portugueses estava
profundamente ligado ao seu precedente desenvolvimento nos combates com os mouros na
Reconquista.
349
Por sua vez, o estandarte de Cortés, que trazia estampada a imagem da Virgem
Maria (Inmaculada Concepción) da qual o marquês era devoto,
350
se tornou um importante
componente para garantir a proteção dos “espanhóis”, que “mais ainda que os santos, a
Virgem torna-se a protetora suprema”.
351
A imagem da Virgem também atuou como
representação na Reconquista ao inflamar o moral dos guerreiros uma delas decorando a
sela do cavalo do rei Fernando III (1217-1252) que, agradecidos, dirigiram parte dos
espólios em sua adoração.
352
Ao analisarmos a Historia verdadera, de Bernal Díaz, descobrimos um indício do
referido objeto: “a bandeira que Bolante trazia tinha estampada a imagem de Nossa
Senhora, a Virgem Santa Maria”.
353
O soldado de Cortés que carregava o estandarte era
Juan Bolante, que em uma das batalhas contra os mexicas, mesmo ferido e preste a se
347
PRIEN, Hans-Jürgen. “La Justificación de Hernán Cortés de su conquista de México y de la conquista
española de América”, p. 26.
348
H. KRAFT. Art. “Monogramm Christi”. RGG IV, 1960, p. 1104 ss (toútoo níka). Apud PRIEN, Hans-
Jürgen. “La Justificación de Hernán Cortés de su conquista de xico y de la conquista española de
América”, p. 26.
349
ERDMANN, Carl. A Idea de Cruzada em Portugal. Coimbra: Public. do Instituto Alemão da Universidade
de Coimbra, 1940, p. 57-58 Apud COSTA, Ricardo da. D. Dinis e a supressão da Ordem do Templo (1312):
o processo de formação da identidade nacional em Portugal”. In: Cultura e Imaginário no Ocidente
Medieval. Arrabaldes - Cadernos de História. Série I. Niterói: Uff, 1996, p. 90-95.
350
Hernán Cortés era devoto da Virgem de Guadalupe de Extremadura.
351
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 385.
352
GARRIDO BONAÑO, M. La Virgen María en la Reconquista española. Consigna, 15, 1955, p. 47-52.
Apud FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros, p. 173.
353
la bandera que traía el Bolante era figurada la imagen de Nuestra Señora la Virgen Santa María
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 141, p. 302.
104
afogar caiu na laguna com a bandeira manteve-se firme segurando o objeto com a
imagem mariana.
No século XI, o culto à Virgem Maria assumiu toda sua amplitude e desde então
não parou de crescer.
354
Dois séculos mais tarde, a Virgem era a protetora dominante e,
no final da Idade Média, nas ordens militares, ela era mais invocada que o próprio Cristo.
355
Os templários, as ordens ibéricas da esfera cisterciense (Calatrava, Avis e Alcântara) e os
teutônicos se colocavam sob a invocação de Maria.
356
No final do século XV, a adoração à Imaculada Conceição adquiriu crescente
devoção, em parte por obra do Papa Sisto IV, que havia aprovado a festa da Conceição de
Maria (1476). Foi também nesse período que se fixou a iconografia da Virgem, a
Imaculada Conceição. Na Península Ibérica, a região de Extremadura, onde se encontra
uma igreja dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, passou a ocupar, no século XV, a
importância que Compostela outrora tinha em relação ao culto ao apóstolo Santiago. Em
1493, antes de zarpar para a sua segunda viagem, Cristóvão Colombo visitou o santuário
mariano em agradecimento.
357
O próprio Cortés se dirigiu a Guadalupe (em 1528) para
agradecer à Virgem de Extremadura, onde ofereceu um escorpião de ouro ao monastério.
358
Foi a campanha cortesiana de conquista que introduziu em terras mesomericanas o
culto à Imaculada Conceição, empregada por Cortés na iconografia de seu estandarte, a
primeira representação da Virgem que os nativos viram.
359
354
LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005, p. 203-204.
355
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: As ordens militares na Idade Média (sécs. XI-XVI), p. 161.
356
Ibidem, p. 162.
357
HEERS, Jacques. Cristóbal Colón. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 427.
358
THOMAS, Hugh. La Conquista de México. México, D. F.: Editorial Pátria, 1994, p. 654.
359
VARGASLUGO, Elisa. “Imágenes de la Inmaculada Concepción en la Nueva España”. Anuario de
Historia de la Iglesia, ano/vol. XIII. Universidade de Navarra. Pamplona, Espanha, 2004, p. 67.
105
O estandarte de Hernán Cortés com a imagem da Virgem Maria
(Inmaculada Concepción) representada. Ao redor da imagem encontra-se
a frase em espanhol: Este Estandarte es el que trajo Dn. Fernando Cortés
en la conquista de México. Essa réplica acima foi exposta no Museo de El
Carmen (México) e está disponível em: <http://www.conaculta.gob.mx>.
O estandarte original se localiza no Museo Nacional de Historia “Castillo
de Chapultepec”, México.
Este símbolo mariano foi utilizado durante todo o processo da Conquista como
recurso de conversão dos nativos, no qual os conquistadores o mostravam aos povos
encontrados. Ao recordar as façanhas de Cortés e o culto da Inmaculada Concepción, o
estandarte representava o triunfo da monarquia católica (a Espanha),
360
difundida em solo
americano como a intensidade, solenidade e entusiasmo como a celebração de um
dogma.
361
Vale lembrar também que, uma década após a Conquista, a Virgem Maria teria
supostamente aparecido ao nativo Juan Diego Cuauhtlatoatzin (c. 1474-1548); era o início
do culto à Virgem de Guadalupe, amplamente difundido no México atual.
Outro possível estandarte ou bandeira carregada pela tropa de Cortés teria uma
imagem da pomba com a representação do Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima
Trindade. Nossas fontes não dizem nada a respeito de tal objeto, apenas o Códice
Azcatitlan,
362
produzido no período colonial, possui a ilustração mencionada. Entretanto,
360
“En las primeras decadas del siglo XVI se generaliza la expresión „Monarquía católica‟ o „Monarquía
universal española‟ que Tomás Campanella designará como la „Monarquía di Spagna‟ universal que,
procedente de oriente y pasando a los griegos y a los romanos, llega, por último, a los espanõles‟” TOMÁS
Y VALIENTE, Francisco. Las ideas políticas del conquistador Hernán Cortés”. In: Francisco Solano
(coord.). Proceso histórico al conquistador. Madrid: Alianza Editorial, 1988, p. 175 Apud FERNÁNDEZ,
Fernando Carmona. “Conquistadores, utopía y libros de caballería”. Revista de Filología Románica, 10,
Universidade Complutense, Madrid, 1993, p. 14.
361
VARGASLUGO, Elisa. “Imágenes de la Inmaculada Concepción en la Nueva España, p. 70-71.
362
Codex Azcatítlan/Códice Azcatítlan. Paris: Bibliothèque Nationale de France/Société des Américanistes.
Para ver a ilustração mencionada, acessar: <http://www.lib.uci.edu/libraries/exhibits/meso/colonial2.html>
106
não seria surpresa se esse objeto tivesse sido carregado pela tropa de Cortés durante a
expedição.
Logicamente não atribuímos nenhum caráter gico fundamental no triunfo cristão
ao estandarte e as bandeiras, mas certamente a iconografia representada era um fator que,
na mentalidade dos conquistadores, somava-se aos componentes bélicos e supostamente
revigorava as forças cristãs. De fato, a religiosidade desempenhava um papel crucial na
motivação da tropa.
Os soldados também traziam diversos objetos para sua proteção, que incluíam
pequenas representações de santos e crucifixos. Os objetos sagrados como a hóstia, a cruz e
os amuletos mantêm o demônio a distância.
363
Em um episódio, milagrosamente os dois
principais símbolos da Conquista a cruz e a imagem da Virgem Maria teriam repelido
uma tentativa mexica de destruí-los:
“(…) colocamos em sua casa a imagem de Nossa Senhora, a Virgem Santa
Maria, e a Cruz, e digo que haviam chegado muitos índios para destruir a
santa imagem do altar onde a colocamos, mas não conseguiram, e os índios
acreditaram em um grande milagre, e logo contaram para Montezuma
(…)”
364
Guerrear pela religião era um predicado dos conquistadores, homens que se punham
sob o amparo celestial e que levavam estandartes e bandeiras especiais com a representação
da cruz, de um santo ou da Virgem Maria. Os conquistadores desejavam que através da
simbologia cristã a campanha fosse identificada como uma verdadeira guerra em nome de
Deus.
363
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 385.
364
“(…) porque pusimos en su casa la imagen de Nuestra Señora la Virgen Santa María y la Cruz; y más dijo
que habían llegado muchos indios a quitar la santa imagen del altar donde la pusimos, y que no pudieron, y
que los indios lo tuvieron a gran milagro y que se lo dijeron a Montezuma (…)” DÍAZ DEL CASTILLO,
Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 125, p. 246.
107
7. O DISCURSO CORTESIANO
“(...) tínhamos Deus ao nosso lado e que com Ele nenhuma coisa é
impossível, e que lembrassem as vitórias que havíamos conseguido, nas
quais muitos inimigos morreram e entre nós nenhum (...)”
365
Hernán Cortés, Segunda Carta-Relación
E Cortés disse: „Senhores, sigamos nossa bandeira, que é o sinal da santa
cruz, que com ela venceremos‟. E todos respondemos que iriam em uma
hora muito boa, pois Deus é força verdadeira
366
Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera...
Assim Cortés se dirigiu aos soldados com o discurso que Deus acompanhava-os e
que nada era impossível com Ele ao lado, bastava lembrar as vitórias obtidas e o número de
inimigos mortos em comparação aos seus.
Bernal Díaz, por sua vez, relatou um dos pronunciamentos de Cortés aos
conquistadores. Da mesma forma que a bandeira cortesiana descrita por Andrés de Tapia e
analisada no Capítulo VI, a exortação religiosa de cunho cruzadístico encontra-se nos
discursos do capitão aos soldados.
Repetidamente, os “soldados-cronistas” se autodenominavam cristãos: porque
os mencionados tlaxcaltecas em todos os enfrentamentos e reencontros militares com os
mexicanos estavam ao lado dos cristãos lhes favorecendo e ajudando (...)”.
367
Ao
mencionar a aliança hispano-tlaxcalteca, o conquistador Francisco de Aguilar deixa claro
que os “espanhóis” eram os “cristãos”. De fato, o hábito de colocar a religião como
365
“(...) teníamos a Dios de nuestra parte y que a el ninguna cosa le es imposible, y que lo viesen por las
victorias que habíamos habido, donde tanta gente de los inimigos eran muertos y de los nuestros ningunos
(...)” CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa,
1971, p. 40.
366
Y Cortés dijo: Señores, sigamos nuestra bandera, que es la señal de la santa cruz, que con ella
venceremos. Y todos a una le respondimos que vamos mucho en buena hora, que Dios es la fuerza
verdadera DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España.
México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 62, p. 107.
367
porque los dichos taxcaltecas en todos los rebates y reencuentros de guerra que los mexicanos hubieron
con los cristianos les favorecieron y ayudaron (...)” – AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la
conquista de la Nueva España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.];
Madrid: Historia 16, 1988, p. 173.
108
principal identificador entre os “espanhóis” e os nativos (idólatras) é de suma importância,
pois para muitos cronistas eles eram “os cristãos por excelência”.
368
Ao longo da expedição cortesiana, o discurso que os conquistadores utilizaram
condizia com aquilo que os “espanhóis” realizavam. Tais pronunciamentos registrados nas
fontes apresentam uma forte religiosidade, característica da mentalidade cruzadística, que
exaltava a vitória militar dentro de uma perspectiva religiosa cristã. Nos relatos analisados,
observamos esse ideal presente, como, por exemplo, na invocação dos santos, que para
“respaldar a mentalidade de cruzada, os oradores recorrem aos personagens bíblicos”.
369
Ao analisar justamente nosso mesmo corpus documental com uma abordagem
quantitativa,
370
Bernard Grunberg identificou que no vocabulário dessas crônicas existe
uma freqüência elevada de menções ao termo “Deus”. A alta presença numérica desse
termo (2,63% do léxico total) e de suas conotações (fé, cruz, etc.) indica a profunda
religiosidade dos conquistadores: Deus fortalece, protege, inspira, conforta, recompensa,
comanda, etc.
371
Servir fielmente ao propósito do Todo-poderoso era uma obrigação
essencial:
Cortés respondeu que primeiro faria o que manda Deus Nosso Senhor, que
cremos e adoramos, e o que desejava o rei nosso senhor, que fossem
destruídos os ídolos, que não sacrificassem e matassem mais homens, nem
fizessem outras coisas más que costumam fazer e que crêem no que nós
cremos, que é um só Deus verdadeiro
372
No entanto, podemos notar uma ruptura nesse tipo de narrativa. Com efeito, desde o
final da Idade Média, ela apresenta sinais de um crescente interesse pelo particularismo,
característica do Renascimento (exaltação dos personagens reais). Assim, ocorre uma
368
LAFAYE, Jacques. Los conquistadores. México, D. F.: Siglo XXI Editores - oitava edição, 1991, p. 144-
147.
369
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 180.
370
“A abordagem quantitativa funda-se na freqüência de aparição de certos elementos na mensagem” –
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994, p. 114.
371
GRUNBERG, Bernard. “Le vocabulaire de la „Conquista‟. Essai de linguistique historique appliquée à la
conquête du Mexique d'après les chroniques des „conquistadores‟”. Histoire, économie et société, 1985,
Volume 4, Número 1, p. 17-19.
372
Cortés respondió porque quiero hacer primero lo que manda Dios Nuestro Señor, que es en el que
creemos y adoramos, y a lo que le envió el rey nuestro señor, que se quiten sus ídolos y que no sacrifiquen ni
maten s hombres, ni hagan otras torpedades malas que suelen hacer, y crean en lo que nosotros creemos,
que es un solo Dios verdadero AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la
Nueva España, Cap. 77, p. 132.
109
descontinuidade entre as narrativas da conquista de México-Tenochtitlán e a maioria das
narrativas cruzadísticas medievais, que evidenciavam, quantitativamente falando, uma
maior freqüência no registro de aparições de nomes bíblicos nas crônicas.
373
Não obstante, essa diminuição gradativa, causada talvez pela influência do
Renascimento, precisa ser matizada. Tal ressalva deve ser proposta porque amesmo o
cronista (considerado humanista) Francisco López de Gómara
374
foi um autor que acreditou
na importância da atuação direta dos personagens bíblicos como Santiago e a Virgem Maria
na Conquista, diferentemente de Bernal az. Por outro lado, López de Gómara também
procurou destacar a ação de Cortés (particularismo renascentista):
“(...) os espanhóis que vieram lutar neste dia com Hernán Cortés afirmaram
que nunca um homem lutou como ele, nem comandou os seus companheiros
assim, e que ele sozinho salvou todos
375
O cristianismo, principalmente a ortodoxia católica, consistindo numa fé dogmática,
fazia dos “espanhóis” homens tementes a Deus, dispostos a matar em nome Dele. Cortés
não era exceção. Bernal Díaz descreve a religiosidade do principal protagonista da
expedição:
“(…) [Cortés] rezava pelas manhãs por algumas horas e ouvia missa com
devoção. Tinha como protetora a Virgem Maria, Nossa Senhora, a qual
todos os fiéis cristãos devem ter por intercessora e protetora. E também
tinha como protetor o Senhor São Pedro, Santiago e o Senhor São João
Batista (…)”
376
373
O Prof. Dr. Ricardo da Costa descreve algumas características dos textos cruzadísticos medievais,
exemplificando-as após a análise de uma crônica cristã, a Conquista de Lisboa aos mouros em 1147: “o maior
número de citações de personagens bíblicos em comparação com os personagens cruzados (...) indica uma
clara preocupação com o conteúdo clerical nas passagens exortatórias. (...) Além disso, os personagens
cruzados não são o centro da narrativa, e sim motivos para o desenrolar da história por exemplo, não existe
nenhuma descrição física deles. (...) estão inseridos apenas para que o cronista-presbítero desenvolva a ideia
de guerra santa e cruzada” COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 179-180.
374
Francisco López de mara estudou Humanidades na Universidade de Alcalá de Henares. Rapidamente,
integrou o corpo docente da mesma instituição, ocupando a cátedra de Retórica. Logo depois, ordenado
sacerdote, viajou para Roma e, entre 1531 e 1541, conviveu com alguns dos principais integrantes do
movimento humanista da Península Itálica LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia General de las
Índias (Primeira Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. X-XI.
375
españoles vieron pelear este día a Hernán Cortés afirmam que nunca hombre peleó como él, ni acaudilló
así a los suyos, y que él solo por su persona los liba todos”– LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania
Victrix: Historia General de las Índias. La Conquista de Méjico (Segunda Parte). Barcelona: Editorial Ibéria,
Obras Maestras, 1954, p. 204-205.
376
rezaba por las mañanas en unas horas y oía misa con devoción. Tenía por su muy abogada a la Virgen
María, Nuestra Señora, la cual todos los fieles cristianos la debemos tener por nuestra intercesora y
110
Cortés era um homem de intensa fé. Ele procurava, como líder da expedição, ou
trazer para o “rebanho” os povos não convertidos ou combater os “infiéis” que recusavam o
batismo, considerados inimigos de Cristo e do catolicismo.
377
Em sua Segunda Carta, o
próprio Cortés deixa claro seu papel de bom cristão:
Eu os animava dizendo que lembrassem que eram vassalos de Vossa Alteza
e que jamais os espanhóis estiveram em falta seja em qualquer lugar. E que
estávamos dispostos a ganhar para Vossa Majestade os maiores reinos e
senhorios que havia no mundo e que, além de fazer o que como cristãos
éramos obrigados, lutar contra os inimigos de nossa fé, por isso no outro
mundo ganharíamos a glória e neste conseguiríamos a maior honra que
nessa época nenhuma geração ganhou
378
Durante a campanha contra México-Tenochtitlán, o auxílio divino era um
componente importante para incentivar a tropa e inflamar o moral dos combatentes. Nessa
guerra, os conquistadores confiavam a segurança de suas vidas ao Salvador e aos santos
cristãos, criando um significativo aliado psicológico (onipresença e onipotência divinas):
Acreditem, Vossas Altezas Reais, que esta batalha foi vencida mais pela
vontade de Deus que por nossas forças, porque contra quarenta mil
guerreiros, pouco adiantava nossos quatrocentos homens
379
No fragmento acima, os compiladores da Primera Carta-Relación assinalaram o
desfecho de uma das primeiras batalhas dos conquistadores contra os nativos
mesoamericanos. Nela, a vitória hispânica perante a imensa superioridade numérica dos
inimigos era explicada pela vontade de Deus.
abogada, y también tenía a Señor San Pedro y Santiago y a Señor San Juan Bautista (…)” DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 204, p. 557.
377
MADARIAGA, Salvador de. Hernán Cortés. São Paulo: IBRASA Instituição brasileira de difusão
cultural S. A., 1961, p. 95.
378
Yo los animaba deciéndoles que mirasen que eran vasallos de vuestra alteza y que jamás en los españoles
en ninguna parte hubo falta, y que estábamos en disposición de ganar para vuestra majestad los mayores
reinos y señorios que había en el mundo, y que demás de hacer lo que como cristianos éramos obligados, en
pugnar contra los enemigos de nuestra fé, y por ello en el otro mundo ganábamos la gloria y en éste
conseguíamos el mayor prez y honra que hasta nuestro tiempos ninguna generación ganó CORTÉS,
Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 39-40.
379
Crean vuestras reales altezas por cierto que esta batalla fué vencida s por voluntad de Dios que por
nuestras fuerzas, porque para cuarenta mil hombres de guerra poca defensa fuera cuatrocientos que éramos
nosotros CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-Relación, p. 17.
111
Cortés também tentou esclarecer sua “justa causa” para realizar a campanha, ainda
mais quando esta se encontrava perigosamente ameaçada de malograr, após a desastrosa
Noche Triste”. Desse modo, a Conquista apresentava sinais da noção cruzadística
medieval, e a “justa causa” a Cruzada deveria ser defendia com o coração puro pelos
soldados dispostos a morrer em nome da “verdadeira fé”.
380
Em sua Tercera Carta relata
que:
(...) tínhamos ao nosso lado razões e causas justas: a primeira, por lutar
para dilatar nossa contra os povos bárbaros; a outra, por servir a Vossa
Majestade; outra, pela segurança de nossas vidas; outra, porque para
ajudar-nos tínhamos muitos amigos nativos, que eram causas fortíssimas
para animar nossos corações (...). E todos prometeram que voluntariamente
queriam morrer por vossa fé e pelo serviço a Vossa Majestade
381
380
COSTA, Ricardo da. Amor e Crime, Castigo e Redenção na Glória da Cruzada de Reconquista: Afonso
VIII de Castela nas batalhas de Alarcos (1195) e Las Navas de Tolosa (1212)”. In: OLIVEIRA, Marco A. M.
de (org.). Guerras e Imigrações. Campo Grande: Editoria da UFMS, 2004, p. 73-94. Disponível em:
<www.ricardocosta.com/pub/amor_crime.html>
381
teníamos de nuestra parte justas causas y razones: lo uno, por pelear en aumento de nuestra fe y contra
gente bárbara, y lo otro, por servir a vuestra majestad, y lo otro, por seguridad de nuestras vidas, y lo otro,
porque en nuestra ayuda teníamos muchos de los naturales nuestros amigos, que eran causas potísimas para
animar nuestros corazones (...). Y todos prometieron de lo hacer y cumplir así, y que de muy buena gana
querían morir por vuestra fe y por servicio de vuestra majestad CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación
Tercera Carta-Relación, p. 106.
112
Lienzo de Tlaxcala, Lâmina 18. Nela, está representada a famosa Noche Triste, ou seja, a retirada desastrosa
dos “espanhóis” e seus aliados de Tenochtitlán, resultando na primeira grande derrota européia no Novo
Mundo (30 de junho de 1520). A ilustração destaca a utilização dos mexicas de pequenas canoas para atacar a
tropa hispano-tlaxcalteca no canal Tolteca, no lago Texcoco. Mais da metade dos conquistadores morreu
nessa noite (muitos por afogamento devido ao peso das armaduras e do ouro que carregavam). Imagem
disponível no site da Universidad Autónoma de Nueva León em:
http://cdigital.dgb.uanl.mx/la/1080026177/1080026177.html
Após a derrota na capital mexica, os “espanhóis” refugiaram-se na aliada Tlaxcala,
onde Cortés preparou, em dezembro de 1520, um documento conhecido como Ordenanzas
militares y civiles mandadas pregonar por don Hernando Cortés en Tlaxcala, al tiempo de
partirse para poner cerco a México”, antes de partir para o cerco final a Tenochtitlán.
Nesse documento, Cortés demonstrava a Carlos V uma profunda motivação religiosa para
concluir a Conquista:
seu principal motivo e intenção era dissipar e desenraizar as mencionadas
idolatrias de todos os nativos dessas regiões, e reduzi-los, ou ao menos
desejar sua salvação, e levá-los ao conhecimento de Deus e de Sua santa
católica; porque se com outra intenção fizesse essa guerra, seria injusta, e
tudo o que nela tivesse ocorrido seria obrigado a restituir: e Sua Majestade
não teria razão para mandar gratificar aos que nelas servissem
382
382
su principal motivo e intención sea apartar y desarraigar de las dichas idolatrías a todos los naturales
destas partes, y reducirlos, o a lo menos desear su salvación, y que sean reducidos al conocimiento de Dios y
de su santa fe católica; porque si con otra intención se hiciese la dicha guerra, sería injusta, y todo lo que en
ella se hubiese obnoxio e obligado a restitución: e S. M. no tendría razón de mandar gratificar a los que en
113
Em 1521, durante o cerco final contra Tenochtitlán, os conquistadores sempre
acreditavam na superioridade do cristianismo sobre o paganismo, no senso providencial da
natureza de sua campanha, demonstrada nas vitórias contra inimigos numericamente
superiores, e no sentimento de que a recompensa alcançada no final compensava todas as
dificuldades físicas.
383
ellas sirviesen CORTÉS, Hernán. Ordenanzas militares y civiles mandadas pregonar por don Hernando
Cortés en Tlaxcala, al tiempo de partirse para poner cerco a México. In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín
(org.). Colección de documentos para la historia de México.
383
ELLIOTT, J. H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie. História da
América Latina. São Paulo: EDUSP, 1999, vol. I, p. 167.
114
7.1 A LEGITIMIDADE JURÍDICO-TEOLÓGICA DA CONQUISTA: A BULA
INTER CÆTERA (1493) E O REQUERIMENTO (1513)
A eleição de Carlos I ao trono do Sacro Império Romano Germânico (28 de junho
de 1519)
384
tinha ocorrido exatamente no mesmo dia em que Cortés fundou a cidade de
Vera Cruz. A Segunda Carta, escrita em 1520 e endereçada ao Imperador, descrevia o
monarca como Sacra Majestade (...) Imperador nosso senhorou muito alto e poderoso
e muito católico príncipe, invictíssimo Imperador”.
385
Por outro lado, de acordo com Silvio
Zavala, em termos de legitimidade para domínio das ilhas descobertas por Cristóvão
Colombo, a ostentação do título imperial por parte de Carlos V não superava o discurso que
se baseava na doação pontifícia (através das bulas alexandrinas), considerado mais
importante na época.
386
Em 1493, a bula Inter Cætera do Papa Alexandre V havia concedido aos Reis
Católicos” os direitos de Conquista e evangelização das terras recém “descobertas”: em
toda a parte se espalhe e se dilate a fé católica e a religião cristã, se cuide da salvação das
almas, (e) se abatam as nações bárbaras e sejam reduzidas à mesma .
387
Na Idade
Média, o termo “bárbaro” assumiu uma conotação religiosa, ao contrário da perspectiva
greco-romana da Antiguidade, que os classificava em níveis culturais e civilizacionais.
388
Desde a Baixa Idade Média, os governantes cristãos recorriam ao Papa para a
pregação da Cruzada. Em primeiro lugar, porque apenas o pontífice poderia declará-la, e,
segundo lugar, porque a partir de sua intercessão todos os direitos que haviam assinalado
384
Em outubro de 1520, Carlos foi coroado Imperador em Aix-la-Chapelle. No entanto, somente com o
recebimento em Bolonha da coroa imperial das mãos do Papa Clemente VII (1523-1534), em 1530, é que
Carlos pôde usar o título de Imperador. Até então, o monarca era considerado o “rei dos romanos”.
385
sacra majestad (...) emperador nuestro señor” (…) muy alto y poderoso y muy católico príncipe,
invictíssimo emperador CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación. xico, D. F.:
Editorial Porrúa, 1971, p. 31.
386
ZAVALA, Sílvio. La filosofía de la conquista. México, D. F.: Colección Tierra Firme Fondo de Cultura
Económica, 1972, p. 31. Devido uma simples questão cronológica, não entramos no debate travado entre o
dominicano Bartolomeu de Las Casas (c. 1484-1566) e seu antagonista, Ginés de Sepúlveda (1490-1573), em
relação à legitimidade da guerra contra o nativo americano La Controversia de Valladolid (1550-1551). Las
Casas defendia a conversão pacífica dos nativos ao contrário de Sepúlveda, que legitimava a conquista
militar. O famoso teólogo dominicano Francisco de Vitória (c. 1480-1546) estava ao lado de Las Casas.
Durante a conquista de México-Tenochtitlán (1519-1521), essas discussões ainda não influenciavam os
conquistadores. Para mais sobre o debate suscitado entre Las Casas e Sepúlveda, ver TODOROV, Tzvetan. A
conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 143-164.
387
ALEXANDRE VI. Bula Inter Cætera, 4 de maio de 1493. In: SUESS, Paulo. (org.). A Conquista Espiritual
da América Espanhol: 200 documentos, século XVI. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 248.
388
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, UNAM, FFyL, 2004, p. 219.
115
anteriormente eram validados: escravizar, incorporar territórios e bens, receber as
indulgências, etc.
389
Diante do nativo americano, os “espanhóis” recorreram ao jurista Juan López de
Palácios Rubios para legitimar a Conquista. Coube ao erudito fazer então uso da teoria do
cardeal Henrique de Susa (†1271), Bispo de Ostia, na qual sustentava que Cristo havia
recebido de Deus toda potestas poder espiritual e temporal repassando esta única
supremacia ao Bispo de Roma (Papa); assim esta jurisdição se estendia não somente à
comunidade de fiéis (Congregatio Fidelium), mas também aos gentios alheios à
“verdadeira fé”.
390
Mais tarde, o mencionado jurista elaborou o famoso Requerimiento (1513).
Tratava-se de um documento jurídico-teológico no qual os “espanhóis” deveriam
comunicar aos nativos que Jesus Cristo havia instituído o Papa como Seu representante
terreno (vicarius Christi), e que o pontífice tinha concedido a possessão das Índias aos reis
de Castela. O Requerimento esperava acalmar a consciência de todos que participavam
diretamente (soldados e capitães) ou indiretamente (monarcas e clérigos) da Conquista da
América.
391
No Requerimento, os “espanhóis” também informavam aos nativos que deveriam se
submeter pacificamente, abraçando a fé cristã e, caso houvesse resistência, teriam um
pretexto para realizar uma “guerra justa”, na qual usariam todos os métodos bélicos para
sujeitá-los. Os conquistadores imaginavam ser inconcebível que o cristianismo a “única e
verdadeira fé” , pudesse ser em qualquer circunstância rejeitado. No entanto, o documento
era comumente lido em castelhano (e sem tradução!) aos índios, que eram obrigados a
aceitar a imposição hispânica. A leitura do Requerimento justificava a guerra:
Se não fizerdes isso, ou maliciosamente vos demorardes, certifico-vos que
com a ajuda de Deus eu entrarei com poder contra vós e vos farei guerra
por todas as partes e maneiras que eu puder, e vos sujeitarei ao jugo e
obediência da Igreja e Suas Altezas, e tomarei vossas pessoas e as de vossas
389
DONAT, Luis Rojas. “La ideología de cruzada en la España del siglo XV”. Porto Alegre: Atas do II
Encontro Internacional de Estudos Medievais (Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), vol. 21,
1, 1998, p. 161.
390
ZAVALA, Silvio. “Hernán Cortés ante la justificación de su conquista”. Quinto Centenário, nº 9,
Universidad Complutense de Madrid, 1985, p. 16.
391
TANZI, Héctor Jo. “El régimen de la guerra en la conquista de América”. Militaria: Revista de Cultura
Militar, 06, Edit. Complutense, Madrid, 1994, p. 155.
116
mulheres e filhos e os farei escravos
392
, e como tais os venderei e disporei
deles como Sua Alteza mandar, e tomarei vossos bens e vos farei todos os
males e danos que puder, como a vassalos que não obedecem nem querem
receber a seu senhor e a ele resistem e contradizem; e protesto que as
mortes e danos que resultarem disso sejam por culpa vossa e não de Sua
Alteza, nem minha, nem destes cavaleiros que comigo vieram
393
(grifo
nosso)
O grifo acima deixa evidente a citada importante característica bélica que
compartilhavam a Cruzada medieval e a Conquista do Novo Mundo: uma forma
extremamente belicista de encarar a guerra relacionada ao componente religioso. O
Requerimento também fazia referência à doação pontifícia, clara demonstração da
perspectiva papal de universalismo, tão expressa pela Cruzada medieval:
Um dos Pontífices passados [Alexandre VI, 1492-1503] que sucedeu no
lugar daquela sé e dignidade de que falei, como senhor do mundo, fez
doação destas Ilhas e Terra Firme do mar Oceano aos ditos Rei e Rainha
[Fernando e Isabel] e a seus sucessores nestes reinos
394
Embora o Decreto de Graciano (século XII) defendesse o princípio de que nenhuma
guerra é justa se não for antecipadamente proclamada, curiosamente o Requerimento é
proveniente (ao menos indiretamente) do direito muçulmano, transmitido aos cristãos
ibéricos pelos invasores berberes e árabes a partir do século VIII.
395
De acordo com Patricia
Seed, o cerne desse documento, por exemplo, era uma intimação ao reconhecimento de
uma religião superior, significado praticamente idêntico ao que os muçulmanos entendiam
por “render-se a Alá”.
396
A obrigação do reconhecimento de uma religião superior e, caso ocorresse uma
recusa, implicar em um ataque, era totalmente desconhecida tanto pelas guerras clássicas
ocidentais quanto pelas práticas bélicas medievais consideradas “justas”.
397
Alguns
elementos indicam a influência islâmica no Requerimento, como a ocultação da Trindade,
392
Como vimos, a prática da escravidão foi utilizada pela tropa de Cortés na campanha final.
393
PALACIOS RUBIOS, Juan López de. O Requerimento: Catequese relâmpago e ultimato aos índios antes
de sua conquista, p. 674.
394
Ibidem, p. 673.
395
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica
Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 327.
396
SEED, Patricia. Cerimônia de posse na conquista européia do Novo Mundo (1492-1640). São Paulo:
Editora UNESP, 1999, p. 109.
397
Ibidem, p. 110.
117
característica estranha num documento cristão, bem como o curioso destaque sobre o papel
de São Pedro, ao contrário de Jesus.
398
De fato, o islamismo tem um único Deus unitário e
se opõe às doutrinas trinitárias.
No entanto, o Requerimento não era uma típica declaração de guerra ocidental ou
cristã, tampouco a intimação muçulmana para a rendição a Alá, mas uma nova perspectiva,
híbrida. Ademais, ao compilar o Requerimento, Palácios Rubios não invocou
conscientemente um precedente islâmico, apenas usou um entendimento conhecido.
399
Encontramos em alguns episódios da conquista de México-Tenochtitlán referências
ao Requerimento: na Primera Carta de Relación, os “espanhóis” informaram aos nativos
que eles não receberiam agressões, caso aceitassem a fé cristã:
O capitão lhe falou por meio do intérprete, e disse aos nativos que ele o
queria lhes fazer mal algum, apenas informar que viessem ao conhecimento
de nossa santa fé, e que soubessem que tínhamos por senhores os maiores
príncipes do mundo, e que estes obedeciam a um príncipe maior que ele. E o
mencionado capitão Hernán Cortés lhes disse que o que desejava deles não
era outra coisa senão que os caciques e índios daquela ilha também
obedecessem a Vossas Altezas e que, fazendo isso, seriam muito favorecidos,
e ninguém os incomodaria
400
Ao chegarem em Tlaxcala, altepetl independente e rival de México-Tenochtitlán, os
conquistadores propuseram uma aliança aos nativos. Em sua Segunda Carta, Cortés nos diz
como começou fazer,
os formais requerimentos por meio dos intérpretes que comigo levava e
diante do escrivão. E quando parava para admoestar e requerer a paz,
rapidamente nos atacavam, ofendendo-nos completamente; e vendo que não
aproveitávamos os requerimentos e os protestos, começamos a nos defender
como podíamos
401
398
Ibidem, p. 124.
399
Ibidem, p. 125.
400
El capitán le habló con el intérprete, y le dijo que él no quería ni venia a les hacer mal alguno, sino a les
decir que viniesen al conocimiento de nuestra santa fe, y que supieran que teníamos por señores a los
mayores príncipes del mundo, y que éstos obedecían a un mayor príncipe de él, y que lo que el dicho capitán
Fernando Cortés les dijo que quería de ellos, no era otra cosa sino que los caciques e indios de aquella isla
obedecieran también a vuestras altezas, y que haciéndole así, serían muy favorecidos, y que haciendo esto no
habría quién los enojase CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-Relación. México, D. F.:
Editorial Porrúa, 1971, p. 12.
401
requerimientos en forma, con las lenguas que conmigo llevaba, por ante escribano. Y cuando más me
paraba a los amonestar y requerir con la paz, tanto más prisa nos daban, ofendiéndonos cuanto ellos podían;
118
Em resposta à atitude agressiva dos tlaxcaltecas e seus aliados otomies, que
responderam com uma chuva de flechas, os “espanhóis” contra-atacaram e conseguiram a
submissão dos nativos. Cortés justificou sua reação violenta aos tlaxcaltecas ao responder
que eles haviam errado, mas que eu [Cortés] estava contente por ser seu amigo e perdoá-
los pelo que haviam feito”.
402
O Requerimento, documento instituído de um aparato jurídico-teológico complexo,
era um meio de impor aos nativos uma dominação considerada “justa” e legítima pelos
conquistadores. Realizar uma aproximação direta entre o ideal de cruzada e o
Requerimento seria equivocado devido à origem do documento. No entanto, o documento
integrou a bagagem dos “espanhóis” que conquistaram o Novo Mundo.
y viendo que no aprovechaban requerimientos ni protestaciones, comenzamos a nos defender como
podíamos Ibidem, p. 37.
402
ellos habían hecho mal, pero que yo era contento de ser su amigo y perdonarles lo que habían hecho
Ibidem, p. 38.
119
7.2 O DISCURSO CAVALEIRESCO
Para analisarmos o espírito de cruzada dos conquistadores, uma categoria para o
estudo da história das mentalidades é constituía pelos documentos literários.
403
Assim, ao
observarmos a literatura que os conquistadores liam,
404
percebemos que os romances de
cavalaria eram os prediletos.
405
Na Hispânia medieval, esses romances formavam um
gênero popular oral e literário, apreciados por figuras de destaque como a rainha Isabel, a
Católica, o Imperador Carlos V, Inácio de Loyola (1491-1556), Santa Teresa de Ávila
(1515-1582), etc.
406
Desde a Idade Média, as epopéias como a Chanson de Roland (Canção de Rolando)
exaltavam e popularizaram a Cruzada, principalmente na Reconquista Hispânia. Nesse
combate secular, os privilégios espirituais e a busca pela glória caminhavam lado-a-lado
com o butim e as riquezas fáceis,
407
como ocorreu na Conquista do Novo Mundo.
Logo no início da expedição cortesiana, ao relembrar os primeiros aventureiros que
haviam explorado a costa continental americana, o soldado Alonso Hernándes Puerto
Carrero se dirigiu a Cortés citando um romance: Olhe para a França, Montesinos;
408
Olhe
para Paris, a cidade: Olhe para as águas do Duero que desembocam no mar”.
409
Cortés
compreendeu a mensagem poética do soldado e respondeu: Que Deus nos auxilie na
batalha, como o paladino Rolando, que, aliás, tendo vós mercê e a outros cavaleiros por
senhor, saberá me entender.
410
Os romances cavaleirescos fizeram carreira. Foram
403
LE GOFF, Jacques. As mentalidades: Uma história ambígua. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre
(orgs.). História: Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p. 76.
404
Sobre a bagagem literária dos conquistadores, a obra clássica e fundamental ainda é Los libros del
conquistador, de Irving Leonard.
405
Segundo Peter Burke, “o entusiasmo pela Antigüidade clássica não despertou do amor por romances de
cavalaria. Tanto no sentido literal quanto no metafórico, esses romances formavam uma importante parte da
bagagem dos conquistadores” BURKE, Peter. A Cavalaria no Novo Mundo. In: Variedades de História
Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 197.
406
LEONARD, Irving. Los libros del conquistador. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2006, p. 80-
82.
407
FLORI, Jean. A Cavalaria: A origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005, p.
160.
408
Alonso Hernándes Puerto Carrero descreve os versos de um romancero muito popular na época: o
Romance de Montesinos.
409
Cata Francia, Montesinos; cata Paris, la ciudad: cata las aguas del Duero do van a dar en la mar
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.:
Editorial Porrúa, 1976, Cap. 36, p. 61.
410
Denos Dios ventura en armas, como al paladín Roldán, que en lo demás, teniendo a vuestra merced, y a
otros caballeros por señores, bien me sabré entender Ibidem, Cap. 37, p. 61.
120
colocados em prática. Forneceram programas de comportamento e de ação. Moldaram os
pensamentos.
411
Embora os livros de cavalaria tivessem sido escritos no Velho Mundo, as aventuras
narradas nessas epopéias foram “vividas” no Novo Mundo.
412
Em um ponto da Historia
verdadera, Bernal Díaz admite que muitos conquistadores conheciam esse tipo de
literatura.
E outro dia de manhã chegamos à ampla calçada e caminhamos até
Estapalapa. E desde que vimos tantas cidades e vilas povoadas na água e
em terra firme outras grandes povoações, e aquela calçada tão reta e
nivelada que conduzia ao México, ficamos admirados, e dizíamos que
pareciam as coisas encantadas que contam o livro de Amadis (…)
413
(grifo nosso)
Como destaca Leonard Irving, ao empregar o plural “nósno fragmento acima para
se referir a quem comparava a capital mexica, Tenochtitlán, às maravilhas do livro de
Amadis de Gaule, Bernal Díaz expôs que outros conquistadores também liam os romances
de cavalaria.
414
O padrão ético da cavalaria medieval ainda estava impregnado nessas obras. A
exaltação da coragem e a preservação da honra também foram manifestadas quando os
soldados reclamaram das dificuldades que enfrentariam numa eventual guerra contra os
mexicas e Cortés lhes respondeu meio indignado que valia mais morrer corajosamente,
como dizem os cantares, que viver desonrado”.
415
Neste ponto, devemos salientar a
semelhança entre o pensamento de Cortés e a tradição das canções de gesta,
particularmente a Canção de Rolando: o “sacrifício do herói” ou a exaltação mística da
411
FEBVRE, Lucien. Michelet e a Renascença. São Paulo: Editora Página Aberta Ltda, 1995, p. 420.
412
GIUCCI, Guillermo. “Velhos e Novos Mundos: da conquista da América ao domínio do espaço cósmico”.
Revista Estudos Históricos - Rio de Janeiro, vol. 4, n. 7, 1991, p. 01.
413
Y otro día por la mañana llegamos a la calzada ancha y vamos camino de Estapalapa. Y desde que vimos
tantas ciudades y villas pobladas en el agua, y en tierra firme otras grandes poblazones, y aquella calzada
tan derecha y por nivel cómo iba a México, nos quedamos admirados, y decíamos que parecía a las cosas de
encantamiento que cuentan en el libro de Amadis (…)” DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera
de la conquista de la Nueva España, Cap. 87, p. 139.
414
LEONARD, Irving. Los libros del conquistador. xico, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 2006, p.
106.
415
Cortés les respondió medio enojado que valía más morir por buenos, como dicen los cantares, que vivir
deshonrados DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España,
Cap. 69, p. 121.
121
morte do cruzado.
416
Perante as dificuldades e o temor da morte de seus companheiros
quando se dirigiam a Tenochtitlán, Cortés apelou a esta mística de cruzada.
417
O discurso expresso por Cortés em sua Tercera Carta pode ser caracterizado como
uma verdadeira “novela de cavalaria”. A estratégia utilizada pelo capitão na campanha o
sítio, a construção de bergantins, a alianças com algumas tribos, o ataque heróico
apresenta-se em uma fórmula estrutural característica desse modelo literário.
418
Por sua vez, o discurso de Bernal Díaz sintetizou uma forma narrativa da retórica
cavaleiresca medieval. Além de prolongar o discurso heróico, o autor da Historia
verdadera articulou uma perspectiva que glorifica todo o espírito de cavalaria medieval, no
qual os cavaleiros se sacrificam pelos mais altos ideais cavaleirescos.
419
Ademais, a ligação entre os conquistadores e as ordens militares de cavalaria era
estreita. Por exemplo, o pai de Hernán Cortés, Martín Cortés de Monroy (c. 1449-1525),
havia sido escudero de Alfonso de Monroy, mestre da Ordem de Alcântara (1471-1473). A
família de Cortés também tinha um grau de parentesco com o mestre. Após a conquista de
México-Tenochtitlán, o capitão Pedro de Alvarado, por suas proezas na Mesoamérica, foi
feito cavaleiro da Ordem de Santiago. Assim sendo, com essa almejadíssima condecoração,
tornou-se um miles Christi (“cavaleiro de Cristo”), antes de morrer, em 1541. Cortés
também se candidatou para ser membro da dita ordem; em 1528, o Imperador Carlos V “lhe
conferiu o hábito de Santiago, mas sem encomienda, ele negou”.
420
416
FERNÁNDEZ, Fernando Carmona. Conquistadores, utopía y libros de caballería, p. 15.
417
Ibidem, p. 15.
418
SÁNCHEZ-BARBA, Mário Hernández (ed.). Hernán Cortés: Cartas de Relación. Madrid: Historia 16,
1985, p. 15.
419
DOMINGUEZ, Javier García. Santiago mataindios: la continuación de un discurso medieval en la Nueva
España. Nueva Revista de Filología Hispánica, enero-junio, vol. 54, 2006, 001, El Colegio de xico,
Distrito Federal, México, p. 41.
420
le daba el hábito de Santiago, y no lo quiso sin encomienda LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco.
Hispania Victrix: Historia General de las Índias. La Conquista de Méjico (Segunda Parte). Barcelona:
Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 355.
122
7.3 O DISCURSO HIEROFÂNICO CRISTÃO MEDIEVAL E A DEMONIZAÇÃO
DOS INIMIGOS
E aconteceu entre nós aquele imprevisto climático [tempestade], como
é verdade, por grande mistério e milagre de Deus, pelo qual se crê que
nenhuma coisa começa em serviço de Vossas Majestades se não for
ocorrer bem
421
Compiladores da Carta de la Justicia y Regimiento de la Rica Villa de la
Vera Cruz
Foi assim que os compiladores da Carta de la Justicia y Regimiento registraram um
episódio que refletiu a perspectiva hierofânica na expedição. Quando os “espanhóis”
pensaram em deixar a ilha de Cozumel, interpretaram o mau tempo como um sinal divino
de que não era o momento adequado para o embarque. Para os conquistadores, o
providencialismo estava ao lado deles e da monarquia católica que representavam.
As manifestações divinas eram entendidas pelos conquistadores como hierofanias,
termo sugerido por Mircea Eliade para caracterizar as manifestações de realidades sagradas
entre os homens, realidades que não pertencem ao nosso mundo.
422
Fundamentalmente na
Idade Média, a percepção da realidade estava baseada no universo sacramental cristão, isto
é, existia um pensamento eminentemente sacramental, para o qual toda a realidade se
mostra como um grande sacramento, “símbolo e sinal”.
423
De acordo com Leonardo Boff, a realidade de Deus se manifesta sobretudo
transparente, ou seja, ela perpassa todas as coisas através do mundo, e não somente está
acima (transcendente) e em todas as coisas (imanente). Situada justamente no meio, entre a
421
Y túvose entre nosotros aquella contrariedad de tiempo que sucedió de improviso, como es verdad, por
muy gran misterio y milagre de Dios, por donde se cree que ninguna cosa se comienza que en servicio de
vuestras majestades sea que pueda suceder sino en bien CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera
Carta-Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 13-14.
422
“Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprimi apenas o que está
implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a
história das religiões desde as mais primitivas às mais elaboradas é constituída por um número
considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas. A partir da mais elementar
hierofania por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore e até a
hierofania suprema, que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de
continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo „de ordem diferente‟
de uma realidade que não pertence ao nosso mundo” ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência
das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 17.
423
BOFF, Leonardo. “O Pensar Sacramental: sua estrutura e articulação”. Revista Eclesiástica Brasileira, vol.
35, fasc. 139, Setembro de 1975, p. 515.
123
transcendência e a imanência, a transparência aparece “formando todo o universo dos
símbolos, dos sinais e dos sacramentos”. A transparência é caracterizada como uma nova
relação entre distância e proximidade dentro da realidade, um novo aspecto entre imanência
e transcendência.
424
Para os medievais, o mundo foi arquitetado por Deus e Ele deixou sinais (vestígios)
de Sua obra criadora por toda a realidade, ou seja, toda a natureza é uma grande hierofania
sagrada.
425
Trata-se de algo sagrado que se revela, uma adaptação do imaginário do
homem medieval que enxergava intervenções de Deus, por exemplo, em fenômenos da
natureza como epidemias, tempestades e ventanias.
426
A proliferação dessa perspectiva por todos os âmbitos do cotidiano nas aldeias ou
nos povoados era ainda um atributo da hierofania cristã da Idade Média.
427
Essa tradição
também era expressa no campo de batalha, principal local onde Deus manifestava Seus
desígnios.
428
Nesse momento, a perspectiva hierofânica ligava-se diretamente à “ideia de
cruzada”: curas milagrosas; doenças lançadas contras os inimigos; o clima como aliado dos
cristãos; ação da Providência em conduzir o resultado das guerras; a atuação do juízo de
Deus; etc.
De fato, o imaginário do conquistador hispânico também herdou parte da
mentalidade medieval, perspectiva fundamentalmente hierofânica, pois interpretava todos
os fenômenos naturais e sociais do cotidiano como manifestações do sagrado.
429
Ademais,
os homens do século XVI ainda acreditavam em presságios:
a noite era escura, e cerca de uma légua do acampamento, subitamente
alguns cavalos tropeçaram e caíram no solo sem poder se mover. Após o
tropeço do primeiro cavalo, o marquês disse: pois, que seu dono volte com
ele ao acampamento. E ao segundo disse o mesmo, e alguns espanhóis
começaram a dizer: Senhor, repare que é um mau presságio, e o melhor
será que esperemos amanhecer; logo veremos por onde marchamos. Ele
424
Ibidem, p. 517-519.
425
Ibidem, p. 520 e 523.
426
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001, p.
139-140.
427
ALVIM, Davis M & COSTA, Ricardo da. “Anchieta e as metamorfoses do imaginário medieval na
América portuguesa”. Revista Ágora, Vitória, n. 1, 2005, p. 14.
428
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 261.
429
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros. Feudo-Clericalismo e Religiosidade em
Castela Medieval. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 40.
124
[Cortés] dizia: „Por que estão preocupados com os presságios? Não
abandonarei essa marcha, porque tenho a impressão que será proveitosa
nessa noite, e que o diabo para nos impedir é quem põe esses
inconvenientes. E logo [Cortés] caiu com seu cavalo como os outros (...)”
430
Tal acontecimento, ocorrido durante a campanha contra os tlaxcaltecas, mostrou
para os conquistadores os inconvenientes que o diabo colocava pelo caminho. A
demonização dos inimigos, particularmente dos muçulmanos, era uma característica da
Cruzada medieval, como na Reconquista da Hispânia, onde os cristãos ibéricos atribuíam
aspecto demoníaco aos mouros.
431
O diabo, por sua vez, supostamente procurava colocar obstáculos e se disfarçar, com
o intuito de impedir o avanço cristão. A assimilação dos deuses indígenas aos demônios
cristãos foi algo automático e conveniente para os conquistadores do século XVI.
432
O
“soldado-cronista” Francisco de Aguilar destacou em sua Relación:
E acredito que nunca houve reino no mundo onde Deus Nosso Senhor fosse
tão desonrado e mais ofendido que nesta terra, onde o demônio é
reverenciado e honrado
433
No século XVI, existia uma crença de que o demônio, após ser praticamente
vencido no Velho Mundo, havia se refugiado na América, o Novo Mundo, onde
430
la noche era escura, y yendo como una legua del real, súpitamente dio en los caballos una manera de
torozón, que se caían en el suelo sin poderlos menear. Y con el primero que se cayó y se lo dijeron al
marqués, dijo: Pues vuélvase su dueño con él al real. Y al segundo dijo lo mismo, y comenzámosle a decir
algunos de los españoles: Señor, mira[d] que es mal pronóstico, y mejor será que dejemos amanecer; luego
veremos por do[nde] vamos. Él decía: ¿Por qué mirais en agüeros? No dejaré la jornada, porque se me
figura que de ella se ha de seguir mucho bien esta noche, y el diablo por lo estorbar pone estos
inconvinientes. Y luego se le caa él su caballo como a los otros (…)” TAPIA, Andrés de. Relación de
algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre señor don Hernando Cortés, marqués del Valle, desde que
se determinó ir a descubrir tierra en la Tierra Fierme del Mar Océano. Edição de Germán Vázquez, La
Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 89.
431
FLORI, Jean. La guerra santa La formación de la idea de cruzada en el Occidente cristiano. Madrid:
Editorial Trota, 2003.p. 221-253; FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros, p. 53.
432
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. xico, D. F.: Fondo de Cultura Económica
Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 181.
433
y para mi tengo que no hubo reino en el mundo donde Dios nuestro Señor fuese tan deservido, y adonde
más se ofendiese que en esta tierra, y adonde el demonio fuese más reverenciado y honrado AGUILAR,
Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista
de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 205.
125
estabeleceu um “império das trevas”.
434
Por exemplo, na época colonial o jesuíta José de
Acosta (1539-1600) em sua Historia Natural y moral de la Índias (1590) acreditava que,
sob o aspecto de Huitzilopochtli, o principal deus mexica, o demônio liderou seu “povo
escolhido” em sua migração até o Vale do México, onde se fixaram no início do século
XIV:
Adoram estes [os mexicas] o ídolo chamado Vitzilipuztli [Huitzilopochtli],
de quem se fez longa menção acima. E o demônio, que estava naquele ídolo,
falava e regia muito facilmente essa „nação‟. Este, pois, lhes mandou sair de
sua terra, prometendo-lhes que os faria príncipes e senhores de todas as
províncias que haviam povoado as outras seis „nações‟ (…)”
435
Durante a Conquista, os diálogos entre Cortés e Montezuma explicitaram as visões
teológicas dos dois líderes, cada um em defesa de sua crença. Em um encontro no topo do
“Templo Maior” em Tenochtilán, Cortés disse a Montezuma:
Senhor Montezuma: o sei como um senhor tão grande e sábio varão
como vossa mercê é, não tenha em seu pensamento associado que estes seus
ídolos não são deuses, mas coisas más, que se chamam diabos. E para que
vossa mercê o perceba e todos seus papas [sacerdotes] vejam claramente,
me deixe fazer um favor: acho necessário que no alto dessa torre se coloque
uma cruz e, em uma parte desses adoratórios, onde estão vossos Uichilobos
[Huitzilopochtli] e Tezcatepuca [Tezcatlipoca]
436
, se construa um aparato
onde colocaremos a imagem de Nossa Senhora (imagem na qual
Montezuma viu) para verem o temor desses seus ídolos que os
enganam
437
(grifos nossos)
434
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, p. 260; SOUZA,
Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993, p. 30.
435
Adorabam éstos el ídolo llamado Vitzilipuztli, de quien se ha hecho larga mención arriba, y el demonio,
que estaba en aquel ídolo, hablava y regía muy fácilmente esta nación. Éste pues, les mansalir de su
tierra, prometiéndoles que los haría príncipes y señores de todas las provincias que habían poblado las otras
seis naciones (…)” ACOSTA, Jode. Historia natural e moral de las Indias. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, Edición de Edmundo O‟Gorman, 2006, Cap. 04, p. 363.
436
“Tezcatlipoca era um dos quatro deuses primeiros, deuses cujas ações resultaram nas criações dos diversos
sóis e nas epopéias dos povos mesoamericanos” – SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México
Indígena: um estudo comparativo entre narrativas espanholas e nativas. São Paulo: Palas Athena, 2002, p.
184.
437
Señor Montezuma: no yo cómo un tan gran señor y sabio varón como vuestra merced es, no haya
colegido en su pensamiento cómo no son estos vuestros ídolos dioses, sino cosas malas, que se llaman
diablos, y para que vuestra merced lo conozca y todos sus papas lo vean claro, hacedme una merced: que
hayáis por bien que en lo alto de esta torre pongamos una cruz,, y en una parte de estos adoratorios, donde
están vuestros Uichilobos y Tezcatepuca, haremos un aparato donde pongamos una imagen de Nuestra
Señora (la cual imagen ya Montezuma la había visto), y veréis el temor que de ello tienen esos ídolos que os
126
Nesse trecho, notamos que o discurso religioso (cristão) contra a idolatria formava
um conjunto lógico, pois desde o início se aceitava que as religiões indígenas e todos os
seus ritos e representações de divindades eram de origem diabólica.
438
Os “espanhóis” estavam conscientes de terem sido instrumento da Providência, ou
seja, a suprema sabedoria com que Deus conduz todas as coisas, logicamente, para eles, em
favor do cristianismo. O providencialismo era a ideologia dominante na Península Ibérica e
os “espanhóis” acreditavam cegamente nele.
439
Em uma das batalhas contra os nativos,
Cortés assinalou:
(...) Deus quis que naquele momento chegasse três cavaleiros, que
entraram pela praça; e como os inimigos os viram e acreditaram que eram
mais, começaram a fugir, e [os cavaleiros] mataram alguns deles e
ganharam o pátio
440
Durante a campanha contra os mexicas, os conquistadores remetiam aos céus para
que manifestasse sua vontade e indicasse de que lado estava a “verdadeira fé”, uma
confirmação do desejo de Deus. Segundo o pensamento medieval, somente o lado que
tivesse justiça verdadeira sairia vitorioso do campo de batalha (juízo de Deus). Deus sempre
demonstrava escolher um lado, o lado dos justos.
441
Como nos diz o capitão Andrés de
Tapia, o marquês agradeceu e disse que apesar daquilo tudo queria seguir em frente
porque sabia que Deus, criador do céu e da terra, Lhes ajudaria e que assim ele
acreditava”.
442
Cortés acrescentou:
viam que Nosso Senhor nos conduzia para a vitória contra nossos inimigos,
porque sabiam que quando havíamos entrado em Tesuico [Texcoco] não
trazíamos mais de quarenta cavaleiros, e que Deus nos havia socorrido
tienen engañados DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva
España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 92, p. 174-175.
438
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, p. 262.
439
VÁZQUEZ CHAMORRO, Germán. Introduccion General. In: La Conquista de Tenochtitlan / J. Díaz...
[et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 09.
440
“(…) plugo a Dios que en aquel punto llegaron tres de caballo, y entran por la plaza adelante; y como los
enemigos los vieron, creyeron que erán s, y comienzan a huir, y mataron algunos de ellos y ganáronles el
pátio CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-Relación, p. 137.
441
DUBY, Georges. O domingo de Bouvines: 27 de julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 157.
442
el marqués se lo agradeció y le dijo que con todo aquello quería pasar adelante porque sabía que Dios,
que hizo el cielo y la tierra, les ayudaría, y que así él lo creyese TAPIA, Andrés de. Relación de algunas
cosas…, p. 92.
127
melhor do que havíamos pensado, pois chegaram navios, cavalos, soldados
e armas
443
Ao longo da campanha, um aliado invisível foi introduzido inconscientemente pelos
conquistadores: as doenças. A varíola, enfermidade trazida pela tropa de Nárvaez, penetrou
em Tenochtitlán no fim de 1520, onde atingiu mortalmente naquele ano o sucessor do
tlatoani Montezuma, Cuitláhuac. As doenças que castigavam os índios eram consideradas
pelos “espanhóis” como punições por seus pecados. Tais castigos eram muito semelhantes
à noção medieval de flagelo.
444
Nesse novo contexto histórico e na maior parte das vezes, os “espanhóis” não
fizeram nada para frear a propagação das epidemias. Ao verem como as doenças atingiam
apenas os índios, os conquistadores acreditavam que essa era uma prova incontestável de
que Deus estava ao lado deles.
445
O “soldado-cronista” Vázquez de Tapia acreditou
claramente na interferência divina:
Neste ponto surgiu uma grande pestilência de sarampo e varíola tão forte e
cruel que acredito que morreu mais de um quarto dos índios que havia em
toda essa terra, a qual nos ajudou muito para fazer a guerra e foi causa
para que a terminasse mais rapidamente, porque, como disse, nessa
pestilência morreu grande quantidade de homens, guerreiros, muitos
senhores, capitães e valentes homens, com os quais éramos inimigos e
tínhamos que lutar; e milagrosamente Nosso Senhor os matou e nos deixou
seguir em frente
446
(grifo nosso)
Os milagres, produtos de uma hierofania, supostamente acompanharam os
“espanhóis”, como os prodígios recebidos durante a “Guerra de Granada” (1482-1492). Em
443
venían que Nuestro Señor nos encaminaba para haber victoria de nuestros enemigos, porque bien sabían
que cuando habíamos entrado en Tesuico no habíamos traído más de cuarenta de caballo, y que Dios nos
había socorrido mejor que lo habíamos pensado, y habían venido navios con los caballos y gente y armas
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 130.
444
BERLIOZ, Jacques. Flagelos. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. I, p. 457-471.
445
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”. o Paulo: Martins Fontes, 1993, p.
131.
446
En esta sazón vino una pestilencia de sarampión, y víroles tan recia y tan cruel que creo murió mas de la
cuarta parte de la gente de indios que había en toda la tierra, la cual muy mucho nos ayudo para hacer la
guerra y fue causa que mucho más presto se acabase, porque, como he dicho, en esta pestilencia murió gran
cantidad de hombres y gentes de guerra y muchos señores y capitanes y valientes hombres, con los cuales
habíamos de pelear y tenerlos por enemigos; y milagrosamente Nuestro Señor los mató y nos los quito
delante VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicios del conquistador Bernardino
Vázquez de Tapia, vecino y regidor de esta gran ciudad de Tenuxtitlán México. Edição de Germán Vázquez,
La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 148.
128
uma daquelas campanhas, a peste e o frio extremo tinham milagrosamente poupado os
cristãos.
447
Outro conquistador que registrou a mesma ideia na conquista de México-
Tenochtitlán foi Francisco de Aguilar:
(...) Nosso Deus intercedeu, estando os cristãos cansados de guerrear,
enviando contra os índios uma grande pestilência de varíola, devido ao
grande número de pessoas que estavam dentro [do complexo],
especialmente mulheres, e também porque já não tinham o que comer
448
Esse pensamento não era somente compartilhado por certos conquistadores, que
alguns clérigos (como o próprio Aguilar, dominicano quando escreveu o trecho
supracitado) tinham a mesma opinião. Pouco tempo após a Conquista, o frei Toribio de
Benavente Motolinía (c. 1482-1569), que desembarcou na Nova Espanha (em 1524)
juntamente com outros missionários, afirmou que as doenças que atingiram os nativos eram
“pragas” lançadas por Deus contra todos que tinham negado a “verdadeira fé” ao longo da
invasão hispânica:
Deus castigou esta terra com dez pragas muito cruéis por causa da dureza
e obstinação de seus moradores, e por reterem prisioneiras as filhas de
Sião, isto é, suas próprias almas sob jugo do Faraó (...). A primeira dessas
pragas foi que, num de seus navios, veio um negro atacado de varíola, uma
doença que nunca se tinha visto nesta terra”
449
Outro clérigo, o missionário franciscano Bernardino de Sahagún (1499-1590),
assinalou em sua obra Historia general de las cosas de Nueva Espana (redigida pouco
depois da Conquista): “(...) milagrosamente Nosso Senhor Deus enviou grande pestilência
sobre os índios desta Nova Espanha, castigo pela guerra que haviam feito aos cristãos por
447
GIL, Juan. Mitos y utopias del Descubrimiento. Madrid: Alianza Editorial, 1989, p. 60.
448
“(…) fue nuestro Dios servido, estando los cristianos harto fatigados de la guerra, de enviarles viruelas, y
entre os indios vino una grande pestilencia como era tanta la gente que dentro estaban, especialmente
mujeres, porque ya no tenían qué comer AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la
Nueva España, p. 199.
449
Hirió Dios esta tierra con diez plagas muy crueles por la dureza e obstinación de sus moradores, y por
tener cautivas las hijas de Sión, esto es, sus propias ánimas so el yugo de Faraón (…) La primera de las
cuales fue que (…) en uno de sus navíos vino un negro herido de viruelas, la cual enfermedad nunca en esta
tierra se había visto MOTOLINIA, Toribio de Benavente. Memoriales o libro de las cosas de la Nueva
España y de los naturales de ella. E. O‟Gorman (org.). México, D. F.: UNAM, 1971, p. 21. (Tradução do
espanhol para o português realizada por Rosa Freire d‟Aguiar).
129
Ele enviados para fazer esta jornada”.
450
Esses clérigos estabeleceram uma analogia entre
o México Antigo e o Egito bíblico, pois civilização mexica era culpada diante do
“verdadeiro” Deus, e foi devidamente punida.
451
Francisco de Aguilar também descreveu curas miraculosas ao mesmo tempo em que
classificou de providencial a atuação curativa de alguns conquistadores e seus exóticos
medicamentos:
havia muitos feridos entre os espanhóis recolhidos em seus aposentos, e
aqui milagrosamente Nosso Senhor se manifestou, porque dois italianos,
com preces e um pouco de azeite e da Escócia, os curaram em três ou
quatro dias, e quem escreve passou por isso, porque estando muito ferido
com aquelas preces fui rapidamente curado
452
As curas milagrosas de enfermidades, bem como a reabilitação de ferimentos em
um curto intervalo de tempo eram vistas como manifestações divinas, sendo que a
recuperação da saúde havia sido o pedido mais freqüente durante toda a época medieval.
453
Para o homem medieval, Deus, apenas Ele, podia realizar milagres.
454
Outro episódio curioso aconteceu após a colocação da imagem de São Cristóvão no
“Templo Maior” de Tenochtitlán, quando uma forte chuva pedida por Cortés e pelos
“espanhóis” foi recebida com espanto pelos incrédulos mexicas, que se maravilharam.
Andrés de Tapia relata a astúcia de Cortés e a inicial dúvida dos nativos quanto à eficácia
do poder do cristianismo:
Os índios vieram (...) dizendo: Que não retirem nossos deuses a quem
rogávamos por água, e que peça ao vosso [Deus cristão] que a envie, pois
assim não se perderia o que se semeou. O marquês se certificou que
rapidamente choveria e pediu a todos nós que rogássemos por água; e assim
450
“(...) milagrosamente nuestro Señor Dios envió gran pestilencia sobre los indios de esta Nueva España, en
castigo de la guerra que habían hecho a sus cristianos por El enviados para hacer esta jornada
SAHAGÚN, Bernardino de. Historia general de las cosas de Nueva España. México, D. F.: Pedro Robredo,
1938, 5 vols, p. 20.
451
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”, p. 131.
452
Recogidos los españoles en sus aposentos, había muchos heridos, y aqui milagrosamente nuestro Señor
obro, porque dos italianos, con ensalmos y un poco de aceite y lana [de] Escocia, sanaran en tres o cuatro
dias, y el que escribe pasó por ello, porque estando muy herido con aquellos ensalmos fue en breve curado
AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España, p. 188.
453
VAUCHEZ, André. Milagre. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. II, p. 204.
454
LE GOFF, Jacques. Maravilhoso. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, Vol. II, p. 105.
130
no outro dia fomos em uma procissão até a torre, e se celebrou a missa,
onde fazia um bom Sol, e quando vínhamos chovia tanto que andávamos no
pátio [com] os pés cobertos de água, e assim os índios se maravilharam
muito
455
Em 1521, durante o cerco final contra Tenochtitlán, Deus demonstrou novamente
para Cortés e os demais conquistadores de que lado estava. O líder da expedição nos mostra
como a intervenção divina foi crucial para a vitória, quando um vento divino impulsionou
os bergantins dentro do lago Texcoco:
desejou Nosso Senhor que, olhando os inimigos face-a-face, um vento
muito favorável surgiu da terra para lançar-se contra eles, e logo ajudou os
capitães que rompessem a frota de canoas e os seguissem até cercar a
cidade de Temixtitlan [Tenochtitlán]
456
455
Y los indios vinieron (…) diciendo: Pues que nos quitastes nuestros dioses a quien[es] rogábamos por
agua, hace[d] al vuestro que nos la dé, porque se pierde lo sembrado‟. El marqués les certificó que presto
llovería, y a todos nos encomendó que rogásemos a Dios por agua; y así otro día fuimos en procesión hasta
la torre, y allá se dijo misa, y hacía buen sol, y cuando vinimos llovía tanto que andábamos en el patio [con]
los pies cubiertos de agua, y así los indios se maravillaron mucho TAPIA, Andrés de. Relación de algunas
cosas…, p. 112.
456
“(...) plugo a Nuestro Señor que, estándonos mirando los unos a los otros, vino un viento de la tierra muy
favorable para embestir con ellos, y luego mande a los capitanes que rompiesen por la flota de las canoas y
siguiesen tras ellos hasta los encerrar en la ciudad de Temixtitlan CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación
Tercera Carta-Relación, p. 133.
131
Lienzo de Tlaxcala, lâmina 45. Nessa imagem, um guerreiro de elite jaguar e dois soldados mexicas (à
esquerda) defendem uma das calçadas que conduz até Tenochtitlán. Eles são acuados por um dos líderes da
Tlaxcala (tradicionalmente representada pela garça) e um guerreiro tlaxcalteca, auxiliados pelos
conquistadores “espanhóis” (à direita). Dentro do lago Texcoco, algumas canoas mexicas atacam a tropa
hispano-tlaxcalteca (parte inferior), ao mesmo tempo em que um bergantim hispânico auxilia os
conquistadores (parte superior da lâmina). Imagem disponível no site da Universidad Autónoma de Nueva
León em: http://cdigital.dgb.uanl.mx/la/1080026177/1080026177.html
As hierofanias supostamente acompanharam os conquistadores ao longo da
conquista de México-Tenochtitlán. Após a vitória em treze de agosto de 1521, estava claro
para os “espanhóis” que nos momentos de extrema importância o sagrado se revelava: Deus
curava os feridos, abrandava as tempestades e punia com doenças os pecadores.
132
7.4 AS INVOCAÇÕES AO APÓSTOLO SANTIAGO
E como observamos os espanhóis avançarem, e ouvimos um tiro de
escopeta [arcabuz], que nhamos como sinal, percebemos que era o
momento de sair; e com o nome de Santiago arremetemos subitamente sobre
eles (...)”
457
Hernán Cortés, Tercera Carta-Relación…
A partir do século XII, Tiago Maior, apóstolo que segundo a tradição cristã
evangelizou a Hispânia, se tornou um componente mítico importante da Reconquista:
Santiago Matamoros. As crônicas medievais descrevem intervenções miraculosas do santo
em favor do exército cristão nas batalhas frente aos mouros. Assim como na guerra de
Reconquista, o padroeiro e protetor dos primeiros conquistadores “espanhóis” do Novo
Mundo foi Santiago Matamoros.
458
No final da Idade Média, ocorreu uma diminuição do culto à figura do apóstolo
Santiago e a peregrinação ao santuário em Compostela. Internamente, esse fato foi causado
devido ao fim do processo de Reconquista e, externamente, como apontou o cronista
Gonzalo Fernández de Oviedo, às pregações de novos e heréticos erros feitas pelos
membros da Reforma que, principalmente no Sacro Império, afastaram os peregrinos da
Hispânia:
Quem viu aquele caminho de Santiago repleto de peregrinos alemães que,
por sua grande devoção, pelo mar e pela terra vinham em todas as épocas
praticar essa romaria! E agora nenhum deles faz tal caminho porque o
herético Martinho Lutero e outros hereges alemães se levantaram contra
Cristo (...)”
459
457
Y como vimos a los españoles pasar adelante de nosotros, y oíamos soltar un tiro de escopeta, que
teníamos por señal, conocimos quer era tiempo de salir; y con el apellido de Santiago damos de súbito sobre
ellos (...)” – CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación. México, D. F.: Editorial
Porrúa, 1971, p. 154.
458
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 27.
459
Quién vido aquel camino de Sanctiago quajado de peregrinos alemanes que por su gran devoción por la
mar e por la tierra en todos tiempos era dellos frequentada esta romería! E agora ninguno dellos haze tal
camino por quel erético Martín Lutero e outros erejes alemanes se levantaron contra Christo (...)”
FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Las Memorias. Editado por Juan Bautista Avalle Arce. Chapel Hill:
North Carolina Studies in the romance languages and Literature, 1974, p. 505.
133
Com efeito, ao mesmo tempo em que Santiago perdeu espaço, gradualmente
observamos o crescimento do culto à figura maternal de Maria. Desse modo, no início do
século XVI, o culto ao apóstolo teve que ser compartilhado pela crescente exaltação da
Virgem, mas em certas regiões como a Extremadura, o santo não chegou a perder
consideravelmente sua influência, devido à presença da Ordem Militar de Santiago que,
naquela região, ainda era poderosa no século XV.
Desde a Reconquista, frente aos clamores frenéticos dos muçulmanos, os cristãos
opunham o grito de Santiago que estimulava as tropas mais exaustas.
460
A invocação ao
auxílio divino era uma tradição secular, pois, desde a Idade Média, os mouros eram os
inimigos do Altíssimo, de Maria, de Cristo e de seus santos.
461
Os gritos de Santiago!
também ecoariam na Conquista do Novo Mundo, onde a invocação projetou-se em um
novo inimigo: os índios: “(...) como os inimigos passaram pensando que nós todos íamos
juntos na frente, combinamos que quando ouvissem a invocação ao Senhor Santiago
saíssem e os atacassem na retaguarda”.
462
Muitas vezes, os “espanhóis” lançavam-se à batalha com o grito de Santiago!não
tanto na expectativa de uma intervenção direta do santo, mas para encorajarem a si mesmos
e aterrorizarem os inimigos.
463
Segundo Cortés, como alguns [inimigos] passaram,
invoquei o nome do apóstolo Santiago, e os atacamos muito duramente”.
464
De fato, os gritos de Santiago! não foram exclusivamente pronunciados no
sentido de um apelo celeste ao apóstolo ou com o objetivo de encorajar as tropas. Em
alguns relatos, a presença do nome “Santiago” indica mais um grito de alerta, uma senha de
guerra. Após a tomada de Tenochtitlán, um dos conquistadores, vendo que seus
460
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550). São Paulo: EDUSP, 2001, p. 75. Na Primera Crónica General (séc. XIII),
a primeira invocação ao apóstolo Santiago ocorreu no combate entre Carlos Magno e o mouro Bramant: “(...)
et fue ferir en los moros llamando Santiago! (...)” – PRIMERA CRÓNICA GENERAL DE ESPAÑA. Ramón
Menéndez Pidal (publ.). Madrid: Gregos, 1955, p. 340-342 Apud RUI, Adailson José. O mito de São Tiago:
Da Reconquista espanhola à conquista da América. São Paulo: UNESP, Tese de doutorado, 2003, p. 231.
461
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio. La Edad Media española y la empresa de America. Madrid: Ediciones
Cultura Hispanica del Instituto de Cooperación Iberoamericana., 1983, p. 104-105.
462
“(...) y que como los enemigos pasasen, pensando que todos íbamos juntos adelante, en oyéndome el
apellido del Señor Santiago saliesen y les diesen por las espaldas CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación
Tercera Carta-Relación, p. 119.
463
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.
104.
464
como vimos pasar ya algunos, yo apellidé en nombre del apóstol Santiago, y dimos en ellos muy
reciamente CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera Carta-Relación, p. 128.
134
companheiros ainda dormiam, alertou o perigo que se aproximava com o grito de
Santiago!”:
“(…) um [conquistador] de minha tropa, vendo tantos inimigos armados e
tão poucos companheiros dormindo, procurou invocar algum auxílio e
começou a gritar alto: Santiago, Santiago‟”
465
As principais fontes de nosso corpus que registram a menção ao apóstolo Santiago
são as Cartas de Relación e a História verdadera. O uso do nome “Santiago” é encontrado
na Tercera e Quinta Cartas de Cortés. Na Tercera Carta, algumas vezes o sentido de
clamar por Santiago indica um pedido de proteção ou grito de guerra.
466
Por outro lado, a
Quinta Carta, como vimos no fragmento acima, registra o nome de “Santiago” expresso
uma única vez como grito de alerta aos “espanhóis”, ou seja, uma senha de guerra
anteriormente combinada.
Na Historia verdadera, de Bernal Díaz, a expressão “Santiago”, indicando senha e
invocação ocorre sete vezes. Quatro delas aproximam-se mais do sentido de invocação; as
demais apresentam o sentido de uma senha combinada para iniciar o ataque.
467
Por
exemplo, o sentido de invocação foi manifestado no combate em Tabasco diante dos
nativos maias-chontal: tanto os capitães quanto os soldados invocaram o senhor Santiago
e lhes fizemos recuar”.
468
Por sua vez, o sentido de senha apareceu, por exemplo, na guerra contra os
tlaxcaltecas: Então Cortés disse: A eles, com Santiago. E de fato arremetemos de
maneira que matamos e ferimos muitos guerreiros com os tiros [canhões]”.
469
Com efeito,
465
“(...) uno de los mi compañia, que vido tanta gente y armas, parecióle que era bien, según nosotros
éramos pocos, y a él le parecían los contrários muchos, aunque estaban durmiendo, que debía invocar algún
auxilio; comenzó a grands vocês a decir: Santiago, Santiago‟” CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación
Quinta Carta-Relación, p. 253.
466
Em outra passagem da Tercera Carta, exposta na abertura desse capítulo, o sinal combinado para o ataque
refere-se claramente ao disparo da escopeta (arcabuz), e não ao grito do nome do apóstolo.
467
RUI, Adailson José. O mito de São Tiago: Da Reconquista espanhola à conquista da América, p. 145-148.
468
así capitanes como soldados, fuimos sobre ellos nombrando a señor Santiago, y les hicimos retraer
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. México D. F.:
Editorial Porrúa, 1976, Cap. 31, p. 51.
469
Entonces dijo Cortés: Santiago, y a ellos‟. Y de hecho arremetimos de manera que les matamos y
herimos muchas de sus gentes con los tiros Ibidem, Cap. 58, p. 108.
135
apenas a menção de Santiago no grito de guerra dos “espanhóis” caracteriza uma
presença milagrosa, convocadora e invocativa.
470
Após a tomada de Tenochtitlán (agosto de 1521), os conquistadores transformaram
o antigo “Templo Maior” mexica em uma igreja dedicada a Santiago. Era uma homenagem
e agradecimento à proteção que eles acreditavam ter recebido e um meio de imposição
religiosa:
471
“(…) depois que ganhamos aquela forte e grande cidade (...) logo
propusemos que naquele grande cu [o Templo Maior‟] fosse construída
uma igreja ao nosso patrono e guia Senhor Santiago (…)”
472
Rapidamente, devido ao novo contexto histórico, o mito de Santiago sofreu uma
atualização, passando de Matamoros para Mataindios. Na América, a representação de
Santiago Mataindios colaborou no fortalecimento dos próprios conquistadores e no medo
dos índios e mestiços que passavam a ver nessas imagens a presença de uma intimidação
inflexível, que seguiu a chegada dos “espanhóis”.
473
Mais tarde, ocorreu outra modificação: o apóstolo, inicialmente destruidor dos
nativos, em meados do século XVI se tornou o protetor deles. Os próprios índios,
logicamente cristianizados, passaram a pintar nas igrejas mexicanas a imagem de
Santiago como o Mataíndios (destruidor de idólatras), no lugar do Matamoros. Com efeito,
o inimigo era substituído e, às vezes, o santo recebia a aparência de Cortés.
474
470
SALAS, Alberto M. Las armas de la conquista de America. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1988, p.
88.
471
RUI, Adailson José. O mito de São Tiago: Da Reconquista espanhola à conquista da América, p. 190.
472
“(…) después que ganamos aquella fuerte y gran ciudad (…) luego propusimos que en aquel gran cu
habíamos de hacer la iglesia de nuestro patrón y guiador Señor Santiago (…)” DÍAZ DEL CASTILLO,
Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 92, p. 175.
473
RUI, Adailson José. O mito de São Tiago: Da Reconquista espanhola à conquista da América, p. 197.
474
VARGASLUGO, Elisa. Imagenes de la conquista en el arte novohispano. In: L. ZEA (org.). Sentido y
proyección de la conquista. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 136-137.
136
8. O MARAVILHOSO CRISTÃO NA CONQUISTA
8.1 O NOVO MUNDO PROLONGA A NOÇÃO DE “FRONTEIRA” DA
RECONQUISTA HISPÂNICA
Fundou-se uma vila com o nome de Segura da Fronteira, porque estava no
caminho de Vila Rica e em uma boa comarca de povos sujeito ao México
475
Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera...
Em agosto de 1520, durante a conquista de México-Tenochtitlán, os conquistadores
fundaram uma vila cujo nome retomava a ideia de fronteira: la villa de Segura de la
Frontera. A criação dessa vila tinha como objetivo principal apoiar as futuras operações
militares e proporcionar segurança aos conquistadores, mas seu nome deriva de uma
tradição hispânica medieval.
Até o século XV, os ibéricos especialmente os portugueses e os bascos
concebiam o Oceano Atlântico (Mar Tenebroso) como um limite (o extremo do mundo),
uma fronteira intransponível. Da mesma forma, os cristãos hispânicos entendiam os limites
da Reconquista como uma fronteira, o locus desertus, lugar da insegurança e do medo,
476
fértil para as alucinações e tentações.
477
Com a expansão marítima e o avanço na
Reconquista até o sul da Península Ibérica, gradativamente essas fronteiras foram
transpostas e diluídas.
No entanto, o medo da fronteira continuou presente no imaginário hispânico, pois
com o “descobrimento” do Novo Mundo, um novo espaço, um novo horizonte mágico e
admirável da narrativa medieval foi oferecido para uma geração que se moldou nos valores
cavaleirescos e cruzadísticos e lutou na “Guerra de Granada”, última etapa da
475
se fundo una villa que se nombla villa de Segura de la Frontera, porque estaba en el camino de la
Villa Rica y en una buena comarca de buenos pueblos sujetos a México DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. México D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 130, p.
269.
476
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 127; GIL, Juan. De los mitos de las Indias. In:
BERNAND, Carmen (comp.). Descubrimiento, conquista y colonización de América a quinientos años.
México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1994, p. 266.
477
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Editora Estampa, 1994, p. 96.
137
Reconquista.
478
Ao longo dos séculos XV-XVI, o Novo Mundo apresentou-se para os
conquistadores como um receptor exótico do maravilhoso cristão (“domínio da graça”),
onde o discurso medieval encontrou um palco de atuação ainda inexplorado.
Ademais, semelhante à floresta medieval, mundo do mistério e do
maravilhamento,
479
a natureza exótica e selvagem do continente americano refletiu esse
aspecto extraordinário no imaginário hispânico O conquistador carregava atributos do
guerreiro de fronteira e do cavaleiro dos relatos cavaleirescos. O México Antigo,
caracterizado pela geografia contraditória (vales, campos secos, montanhas e pântanos),
contribuiu como palco ideal para a aventura cavaleiresca.
480
Assim, alguns santos “apareceram” na América, o novo extremo (fronteira) do
Ocidente. O prolongamento dessa ideia fez com que o mito de Santiago se projetasse sobre
o solo americano, uma concepção de “realidade absoluta”.
481
Assim como na guerra de
Reconquista, onde Santiago tinha se convertido em um santo de fronteira,
482
a América
conservou essa missão e reproduziu um sucesso essencial: a conversão do Caos em
Cosmos.
483
Acreditando serem guiados pelo apóstolo Santiago e pelos outros santos, os
conquistadores penetraram em território desconhecido com uma confiança inabalável,
componente essencial nesse novo front de batalha.
Contudo, a permanência e reprodução do imaginário medieval em terras americanas
não apresentaram um simples deslocamento geográfico, sem quaisquer reformulações. O
que ocorreu foi uma apropriação, ou seja, uma nova interpretação de um discurso.
484
Sem
dúvida, nesse novo contexto histórico, alterações significativas surgiram. Nada mais natural
que Santiago Matamoros assumisse, posteriormente, a forma de Mataindios.
478
FERNÁNDEZ, Fernando Carmona. “Conquistadores, utopía y libros de caballería”. Revista de Filología
Románica, 10, Universidade Complutense, Madrid, 1993, p. 21.
479
BONNASSIE, Pierre. Floresta. In: Dicionário de História Medieval. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1985, p. 94.
480
RUIZ-DOMÈNEC, José Enrique. “Guerra y Caballería, una historia singular”. In: RUIZ-DOMÈNEC, José
Enrique e COSTA, Ricardo da (coords.). Mirabilia 8. La caballería y el arte de la guerra en el mundo antiguo
y medieval. Diciembre 2008, p. XVII.
481
DOMÍNGUEZ GARCÍA, Javier. Santiago de España: la edificación de un símbolo. In: Memorias del
futuro. Ideología y ficción en el mbolo de Santiago Apóstol. Madrid: Iberoamerica Editorial Vervuert,
2008.
482
PANIAGUA PÉREZ, Jesús. “Los mirabilia medievales y los conquistadores y exploradores de América”.
Estudios Humanísticos. Historia, nº 7, 2008, p. 159.
483
DOMÍNGUEZ GARCÍA, Javier. Santiago de España: la edificación de un símbolo.
484
ROMANO, Ruggiero (dir.). Literatura/Texto. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, 1989.
138
8.2 AS “APARIÇÕES” DE SANTOS NA CONQUISTA
“(...) aqui se viu um grande milagre, que, estando em grande perigo na
batalha, viu-se andar lutando um cavaleiro em um cabalo branco que
desbaratou os índios (...)”
485
Bernardino Vázquez de Tapia, Relación de Méritos e servicios...
El apóstol Santiago favorece a los castellanos y persigue a los índios. In: Oronoz. Desenho do cronista
“espanhol” Antonio de Herrera y Tordesillas (1559-1625), em sua obra Historia General de los Hechos de los
Castellanos en las Islas y Tierra Firme del Mar Océano (1492-1531). No centro dessa gravura, o autor, que
acreditava nas intervenções de Santiago em vários episódios da Conquista da América (WECKMANN, 1994:
164), representou o santo “sobrevoando” o campo de batalha envolto em feixes de luzes. Santiago incentiva
os conquistadores ao combate, porém o santo não ataca, a ação pertence aos “espanhóis” (RUI, 2003: 195-
196).
485
“(...) aquí se vio un gran milagro, que, estando en gran peligro en la batalla, se vio andar peleando uno de
un caballo blanco, a cuya causa se desbarataron los índios (...)” VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino.
Relación de méritos y servicio..., Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et
al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 136.
139
Durante a exploração e Conquista do Novo Mundo (sécs. XV-XVI), diversas
narrativas fantásticas se desenrolaram em torno de um conjunto de mitos e lendas que
reforçou nos mais corajosos europeus a dupla esperança de enriquecer e ampliar o domínio
da Igreja de Cristo.
486
Alguns dos primeiros aventureiros exploraram as terras americanas na expectativa
de ver ali se concretizar a geografia imaginária medieval.
487
Os viajantes procuravam, antes
de tudo, confirmar as antigas fábulas acerca da existência de reinos e cidades maravilhosas,
a maioria delas situadas no Oriente.
Cristóvão Colombo, por exemplo, acreditou ter localizado o Paraíso terrestre; Ponce
de León tentou atingir a Fonte da Juventude ao explorar a Flórida; Hernán Cortés pareceu
ser informado de uma ilha toda povoada por mulheres”,
488
em sua visão, possivelmente o
reino das Amazonas; Francisco de Coronado percorreu longas distâncias em busca das Sete
Cidades de Cíbola; e muitos outros aventureiros seguiram as pegadas deles.
Da mesma forma, vários exploradores afirmaram certamente que havia gigantes
nessa terra”,
489
sereias, cinocéfalos (homens de cabeça semelhante à do cão), dentre muitos
outros seres que compunham uma tradição que era alimentada em grande parte pela
Antigüidade.
490
Tais mitos apresentam descrições de animais monstruosos e homens fabulosos,
muito explorados pelos cronistas medievais nos bestiários: as maravilhas (mirabilia).
491
As
Instruções (Instrucciones) de Diego Velázquez, em 1518, por exemplo, aconselhavam
Cortés, a
486
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984, Vol I, p. 50.
487
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 28.
488
isla toda poblada de mujeres CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Quarta Carta-Relación.
México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 184.
489
por cierto haber habido gigantes en esta tierraAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de
la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, Cap. 78, p. 135.
490
LE GOFF, Jacques. Maravilhoso. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário
Temático do Ocidente Medieval II. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2006, p. 108-113.
491
Segundo Michel Mollat, etimologicamente a palavra “designa lo que asombra, y su significado se extiende
desde lo que es insólito hasta lo que parece extraño, e incluso lo que es contrario a la naturaleza. La noción de
lo maravilloso se aplica, pues, a los aspectos contrarios de la belleza y del horror. Reúne también los
conceptos de exotismo y de fantástico, e incluye los fenómenos de inversión moral y social, comprendiendo
la perversión. Las maravillas pueden ser, entonces, admirables o chocantes y, de manera excepcional, alcanzar
lo sublime o ser rechazadas a la exclusión: ángel o demonio” MOLLAT, Michel. Los exploradores del siglo
XIII al XVI. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1990, p. 101.
140
informar-se sobre a natureza das pessoas, pois dizem que pessoas com
grandes orelhas, outras com cabeça de cães, e descobrir também onde
vivem as amazonas que, se acreditarmos nos índios que vão convosco, não é
longe daqui
492
O ponto que analisamos, contudo, foi o aparecimento do maravilhoso
493
no âmbito
militar, onde encontramos na conquista de México-Tenochtitlán a presença do
“maravilhoso cristão” (miraculosus, o milagre cristão).
494
Durante a Idade Média, um cenário bastante propício para se desenrolar o
maravilhoso cristão era o campo de batalha, “palco maior das decisões divinas”.
495
Em
pleno calor do combate, especialmente na guerra cruzadística, poderia ocorrer, por
exemplo, uma intervenção escatológica de santos, evidentemente em favor do exército
cristão, “e no maravilhoso cristão e no milagre há um autor, e um só, que é Deus”.
496
Entre as várias crônicas sobre a conquista de México-Tenochtitlán, são aquelas
redigidas a posteriori, ao contrário do relativo silêncio dos participantes, que apresentam
mais indicações da presença do maravilhoso cristão no cenário militar.
497
Essas obras
apontam, geralmente, prováveis intervenções miraculosas de personagens bíblicos,
particularmente a Virgem Maria e os apóstolos Santiago e Pedro, que auxiliavam os
492
Apud MADARIAGA, Salvador de. Hernán Cortés. São Paulo: IBRASA Instituição brasileira de difusão
cultural S. A., 1961, p. 80.
493
Definimos o maravilhoso juntamente com Stephen Greenblatt: “um traço central no complexo sistema de
representação como um todo, seja ele verbal ou visual, filosófico ou estético, intelectual ou emocional, através
do qual as pessoas da Idade Média tardia e da Renascença apreendiam, e portanto possuíam ou descartavam, o
não-familiar, o estranho, o terrível, o desejável e o odioso” GREENBLATT, Stephen. Possessões
maravilhosas: o deslumbramento do Novo Mundo. São Paulo: Edusp, 1996, p. 40.
494
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa: Editora Estampa, 1994, p. 49.
495
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 249.
496
LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1985, p. 25.
497
Além da Historia General de las Índias, de López de Gómara, outras crônicas produzidas posteriormente
(escritas, em sua maioria, por clérigos), registraram a aparição de santos na conquista de xico-
Tenochtitlán: a Crónica de la Nueva España, de Francisco Cervantes de Salazar (c. 1514-1575); a Historia de
los Indios de la Nueva España, do dominicano Diego Durán (c. 1537-1588); a Historia Natural y Moral de la
Índias, do jesuíta Jode Acosta (1539-1600); a Historia de la vida y hechos del emperador Carlos V, do
beneditino Prudêncio de Sandoval (1553-1620); a Monarquia Indiana, do franciscano Juan de Torquemada
(c. 1557-1624); a Conquista de Mexico, de Bartolomé Leonardo de Argensola (1562-1631); a Historia
Pontifical, do teólogo Gonzalo de Illescas (1565-1633); o Teatro Mexicano, do franciscano Augustín de
Vetancurt (1620-1700); a Corona Mexicana o Historia de los Motezumas, do padre Diego Luis de Motezuma
(c. 1636-1699); dentre outras. Para mais sobre as crônicas posteriores que relataram o “maravilhoso cristão”,
consultar WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. xico, D. F.: Fondo de Cultura
Económica, Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 164-169.
141
“espanhóis” em algumas batalhas. Desde a Idade Média, a relevância destes derivava da
raridade das interferências diretas de Deus, que atuava então por intermediários.
498
Juntamente com a observação de Hilário Franco Júnior,
499
historiador que analisou
algumas aparições durante a Reconquista, acreditamos que o importante é analisar o fato
histórico relevante (repercussão, influência sobre o comportamento social, etc), ou seja,
focalizar a crença coletiva nas “aparições”, e não a ocorrência delas.
Para analisar o maravilhoso cristão manifestado nas intervenções de santos,
utilizamos um método fundamentado na análise comparativa de textos da época:
confrontamos as fontes que apresentaram essa característica. Com efeito, escolhemos
cotejar as principais fontes (relatos de primeira mão) com somente uma crônica posterior.
A utilização exclusiva de uma obra posterior não é precipitada nem simplifica os
resultados, uma vez que procuramos focalizar a visão (contraditória) dos “soldados-
cronistas” e, a partir dela, apenas citar alguns religiosos dos séculos XVI-XVII que
acreditavam nas aparições.
Finalmente, quanto ao autor selecionado para a comparação, optamos por aquele
que era cronologicamente e fisicamente mais próximo dos conquistadores e, em particular
de Cortés: Francisco López de Gómara. Capelão de Cortés nos últimos anos da vida do
conquistador, López de Gómara leu as Cartas de Relación, bem como ouviu a versão dele.
Ele também conheceu, em Argel, outro conquistador, Andrés de Tapia, e pediu ao leonês
um texto que reunisse os dados já descritos oralmente.
500
Na obra de López de Gómara, Historia General de las Índias (1552), mais
precisamente na segunda parte La Conquista de Méjico, encontramos referências
confirmadas de supostas intervenções miraculosas. Caso o acontecimento seja controverso,
na metodologia deve-se ter a obrigação extra de averiguar os dois lados.
501
Ao longo da Conquista da América, ocorreram diversos relatos de capitães,
conquistadores e religiosos que declaravam a mesma visão que seus antepassados haviam
testemunhado nos combates contra os muçulmanos na Península Ibérica e no norte da
498
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Peregrinos, Monges e Guerreiros. Feudo-Clericalismo e Religiosidade em
Castela Medieval. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 51.
499
Ibidem, p. 171.
500
VÁZQUEZ CHAMORRO, Germán. La Conquista de Tenochtitlan / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16,
1988, p. 65.
501
TUCHMAN, Barbara W. A Prática da História. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991, p. 11.
142
África, quando lhes apareciam pessoalmente, por exemplo, a Virgem Maria, o apóstolo
Santiago, São Pedro, e São Brás para ajudá-los a vencer nos combates contra os índios.
502
Especificamente na conquista de México-Tenochtitlán, a primeira passagem de um
provável surgimento do maravilhoso cristão nas fontes analisadas não aconteceu no
combate contra os mexicas. Em Tabasco, região limite entre os mundos mexica e maia, a
intervenção miraculosa do apóstolo Santiago ou São Pedro teria sido decisiva para a vitória
das forças hispânicas frente aos índios maias-chontal (batalha de Cintla, março de 1519).
Embora o confronto direto contra a civilização de México-Tenochtitlán só ocorresse
posteriormente, esse episódio marcou significativamente o processo de Conquista, tanto por
ser o primeiro combate que a expedição enfrentou após o desembarque no continente
quanto pelas divergências entre os cronistas que o narraram.
Na crônica de López de Gómara, os conquistadores disseram para Cortés que
haviam visto um cavaleiro e perguntaram se era de sua companhia; e como disse que não,
porque nenhum deles pôde chegar antes, acreditaram que era o apóstolo Santiago, patrono
da Espanha”.
503
O cronista continua o relato do episódio, e informa a versão dos
“espanhóis” que testemunharam por,
três vezes o cavaleiro e seu cavalo pardo manchado lutar em seu favor
contra os índios (...) e que era Santiago, nosso patrono. Hernán Cortés
queria que fosse São Pedro, seu protetor; qualquer deles que fosse, ocorreu
um milagre, como verdadeiramente pareceu; porque não somente os
espanhóis viram, mas também os índios o notaram pelos danos que ele
fazia cada vez que arremetia em seu esquadrão e porque os cegava e os
entorpecia
504
(grifos nossos)
502
FRIEDERICI, Georg. El carater del descubrimiento y de la conquista de América. México, D. F.: Fondo
de Cultura Económica, 1973, p. 350. O autor ainda salienta que, durante a conquista do Novo Mundo, “a
juzgar por las creencias y los datos de los españoles, se les aparecieron personalmente, en sus batallas con los
índios: Santiago, once veces; la Virgen María, seis veces; San Pedro, San Francisco y San Blas, una vez cada
uno” – Ibidem, p. 350 (nota).
503
habían visto hacer uno de a caballo, y preguntaron si era de su compañia; y como dijo que no, porque
ninguno de ellos había podido venir antes, creyeron que era el apóstol Santiago, patrón de España
LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix: Historia General de las Índias. La Conquista de Méjico
(Segunda Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 39.
504
tres veces al de caballo rucio picado pelear en su favor contra los indios, (...) y que era Santiago, nuestro
patrón. Hernán Cortés queria mejor que fuese San Pedro, su especial abogado; por cualquiera que de ellos
fuese, se tuvo a milagro, como de verás pareció; porque, no solamente los vieron los españoles, sino tambn
los índios lo notaron por el estrago que ellos hacía cada vez que arremetia a su escuadrón, y porque les
parecia que los cegaba y entorpecia Ibidem, p. 40.
143
No trecho supracitado, além de comentar o compartilhamento da visão pelos índios
e conquistadores, López de Gómara conta que Cortés creditou a milagrosa aparição ao
apóstolo São Pedro. Tal indicação provavelmente foi colhida durante a conversa que teve
pessoalmente com o líder da expedição, pois Cortés, na Primera Carta, redigida juntamente
com as autoridades da Justiça e Regimento de Vera Cruz,
505
não mencionou o episódio
maravilhoso na vitória alcançada em Cintla.
Santiago Mataíndios. Peça do altar-mor da igreja de Santiago de Tlatelolco, México, D. F. Imagem no site da
Universidad de Granada, ou foto do Dr. Manuel Aguilar. Esse entalhe, construído pelos índios entre o fim do
século XVI e o início do século XVII, sob orientação do frei Juan de Torquemada (c. 1557-1624) (RUI, 2003:
191), que acreditava nas aparições de Santiago, mostra uma dramática cena. Nela, os mouros foram
substituídos pelos índios, numa representação da vitória do cristianismo contra a idolatria mexica. Em posição
privilegiada no entalhe (ao centro, no alto), o militante Santiago, exibindo uma pluma no elmo, causa uma
temível impressão, pois com uma espada em punho, monta um cavalo de guerra branco que esmaga os
inimigos sob suas patas. Tropas hispânicas (à esquerda), trajadas como soldados romanos, provocam
mortandade aos índios. Os mexicas estão representados (em baixo, à direita) por alguns guerreiros de elite
águia e jaguar, indefesos perante os ataques furiosos do apóstolo Santiago Mataíndios.
505
Ginés de Sepúlveda assinalou que Cortés, em sua Primera Carta (perdida), também descreveu a batalha
de Cintla e a confusão estabelecida THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 757.
144
Bernal Díaz, por sua vez, discordou em muitos pontos de López de Gómara,
inclusive no que tange às aparições, que ele nega ter compartilhado:
Aqui é onde Francisco López de Gómara disse que saiu Francisco de
Morla em um cavalo pardo manchado, antes que chegasse Cortés com os
cavaleiros, e que eram os santos apóstolos Senhor Santiago ou Senhor São
Pedro. Digo que todas as nossas obras e vitórias são pela mão de Nosso
Senhor Jesus Cristo, e que naquela batalha havia para cada um de nós
tantos índios que a poeira lançada nos cegava, mas a grande misericórdia
de Nosso Senhor nos ajudava em tudo; e talvez fosse os gloriosos apóstolos
Senhor Santiago ou Senhor São Pedro, como disse Gómara, e eu, como
pecador, não fui digno de -los. O que então vi e conheci foi Francisco de
Morla em um cavalo castanho que vinha juntamente com Cortés
506
(grifos
nossos)
Desse modo, após analisar a passagem de Bernal Díaz, caracterizamos a dúvida do
conquistador em relação à presença das intervenções escatológicas, não como uma
demonstração puramente irônica ou sarcástica. Embora desconfiado, o “soldado-cronista”
era ainda um cristão prudente em negar totalmente a aparição, pois respeitava os
mistérios da fé era um homem de profunda religiosidade.
Seja como for, em Tabasco o conquistador nunca descartou completamente uma
interferência milagrosa dos personagens bíblicos, apenas comentou, humildemente, não ter
compartilhado de tal graça, se ela realmente existiu. Mais tarde, Bernal Díaz, apesar de não
acreditar em um auxílio divino direto, agradeceu a Deus pela vitória: oferecemos muitas
graças a Deus por nos conceder aquela vitória tão completa”.
507
Outro conquistador que esteve presente no episódio da expedição foi Vázquez de
Tapia. Assim como López de Gómara, o conquistador descreveu a aparição de um
cavaleiro misterioso que, segundo ele, montava um cavalo branco”:
506
Aquí es donde dice Francisco pez de Gómara que salió Francisco de Morla en caballo rucio picado,
antes que llegase Cortés con los de a caballo, y que eran los santos apóstoles señor Santiago o señor San
Pedro. Digo que todas nuestras obras y victorias son por mano de Nuestro Señor Jesucristo, y que en aquella
batalla había para cada uno de nosotros tantos índios que a puñados de tierra nos cegaran, salvo que la gran
misericórdia de Nuestro Señor en todo nos ayudaba; y pudiera ser los que dice Gómara fueran los gloriosos
apóstoles señor Santiago o señor San Pedro, e yo, como pecador, no fuese digno de verlo. Lo que yo entonces
vi y conocí fue a Francisco de Morla en un caballo castaño, y venía juntamente con Cortés DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 34, p. 56.
507
dimos muchas gracias a Dios por habernos dado aquella victoria tan cumplida DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 34, p. 55.
145
Depois que entramos no povoado, tivemos outras duas batalhas muito
duras com eles e tiveram a ponto de nos matar. Corríamos grande perigo se
não fosse pelos cavalos trazidos dos navios; e aqui se viu um grande
milagre na batalha, quando se viu lutar um [cavaleiro] em um cavalo
branco, cuja presença desbaratou os índios. Tal cavalo não existia entre os
que trazíamos
508
(grifo nosso)
Concluído em torno de 1546, o relato de Vázquez de Tapia era, portanto, anterior
tanto à crônica de Bernal Díaz quanto a obra de Lopéz de Gómara. A maioria dos
historiadores concluiu que o cavaleiro se tratava de Santiago, apesar do conquistador não
mencionar o nome preciso do apóstolo em sua Relación.
Nas versões de Vázquez de Tapia e López de Gómara, primeiras a serem escritas,
existe um forte vínculo com as narrativas medievais, pois sempre apresentam Santiago
como um guerreiro que monta, ora um cavalo branco, como na Reconquista, ora um
castanho, o tipo mais comum entre os animais da tropa de Cortés.
509
O capitão Andrés de Tapia, por sua vez, sem identificar a identidade do misterioso
cavaleiro, tem uma versão interessante do episódio:
e como os inimigos já tinham cercado os peões por todas as partes,
apareceu pela retaguarda um homem em um cavalo pardo manchado, e os
índios começaram a fugir e a nos deixar devido ao dano que aquele ginete
os causava; e nós, acreditando que fosse o marquês [Cortés] arremetemos e
matamos alguns dos inimigos e o cavaleiro não mais apareceu. Então os
inimigos novamente nos atacaram, tornaram a nos maltratar como
inicialmente, e novamente apareceu o cavaleiro, dessa vez mais perto de
nós, causando danos neles, de maneira que todos o viram. E tornamos a
arremeter e tornou-se a desaparecer como inicialmente. E assim ocorreu
outra vez, de maneira que foram três vezes as que apareceu e que o vimos; e
sempre acreditávamos que fosse algum membro da companhia do marquês.
Com seus nove cavaleiros, o marquês chegou pela nossa retaguarda e nos
fez saber como não tinham podido passar, e lhe dissemos que havíamos
visto um cavaleiro, que dizia: ‘Adiante, companheiros, pois Deus está
conosco’. E arremeteu sobre os inimigos e sobre os guerreiros a atrás
508
Después de entrádoles el pueblo, tuvimos otras dos batallas muy recias con ellos y nos tuviron en ponto
de nos matar, y corriéramos gran perigo si no fuera por los caballos que sacaron de los navios; y aquí se vio
un gran milagro, que, estando en gran peligro en la batalla, se vio andar peleando uno de un caballo blanco,
a cuya causa se desbarataron los índios, el cual caballo no había entre los que traíamos VÁZQUEZ DE
TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicio..., p. 136.
509
RUI, Adailson José. O mito de São Tiago: Da Reconquista espanhola à conquista da América, p. 170.
146
dele; e assim os desbaratamos, matando muitos deles e fugindo os demais
(...)
510
(grifos nossos)
Os grifos acima indicam o caos em que a batalha ocorreu, talvez responsável pelo
conquistador não conseguir enxergar quem atacava os índios e subitamente desaparecia,
para ele provavelmente o marquês, ou seja, Cortés.
O veterano Bernal Díaz escreveu a fim de adquirir vantagens econômicas, e aprovar
o milagre de Cintla comprometeria seus méritos.
511
Por outro lado, para Tapia e Vázquez de
Tapia, a intervenção de Santiago em Tabasco manifestou a vontade divina de que aquele
território, povoado por canibais idólatras, fosse anexado à coroa hispânica.
Por sua vez, o historiador Hugh Thomas, adotando uma perspectiva mais racional
em relação à aparição de Santiago, faz uma interpretação das palavras dos “soldados-
cronistas” e dos outros conquistadores
512
que estiveram presentes durante o evento.
Segundo o autor, um cavaleiro de destaque na batalha foi Francisco de Morla, que debaixo
de seu elmo com viseira e coberto por sua armadura de aço, distorceu a visão de alguns
soldados ingênuos, pois eles não o reconheceram.
513
O resultado foi a crença de que o
próprio apóstolo Santiago chegava para ajudá-los, uma repetição das intervenções ocorridas
desde a Reconquista.
510
y como los enemigos nos tuviesen ya cercados a los peones por todas partes, [a]pareció por la
retaguardia de ellos un hombre en un caballo rucio, picado, y los indios comenzaron a huir y a nos dejar
algún tanto por el daño que aquel jinete en ellos hacía; y nosotros, creyendo que fuese el marqués,
arremetimos y matamos algunos de los enemigos, y el de caballo no pareció más por entonces. Volviendo los
enemigos sobre nosotros, nos tornaban a maltratar como de primero, y tornó a parecer el de caballo más
cerca de nosotros, haciendo daño en ellos, por manera que todos lo vimos y tornamos a arremeter y tornóse a
desaparecer como de primero, y así que lo hizo otra vez, de manera que fueron tres veces las que apareció y
le vimos; y siempre creíamos que fuese alguno de los de la compañía del marqués. El marqués con sus nueve
de caballo volvieron a venir por nuestra retaguardia, y nos hizo saber mo no había podido pasar, y le
dijimos cómo habíamos visto uno de caballo, y dijo: „Adelante, compañeros, que Dios es con nosotros‟. Y
arremetió estando ya fuera de las acequias y dio en los enemigos, y la gente de pie tras él; y así los
desbaratamos, matando muchos de ellos y huyendo los demás (...)” – TAPIA, Andrés de. Relación de algunas
cosas..., p. 76-77.
511
VÁZQUEZ CHAMORRO, Germán. Introduccion General, p. 12.
512
Na versão de outro “soldado-cronista”, Francisco de Aguilar, não houve qualquer tipo de intervenção
escatológica. Segundo o conquistador, quando os nativos de Tabasco iniciaram o combate, Cortés man
sacar dos caballos armados y ciertos ballesteros y escopeteros y peones a resistir el ímpetu de los indios que
venían de guerra, los cuales serían hasta cuarente mil hombres, poco más o menos, donde los tiros que se
jugaron y las ballestas que tiraban y los caballos que corrían mataron muchos de los indios, por manera que
como cosa nueva para ellos, atemorizados, huyeron y dejaron el campo AGUILAR, Francisco de.
Relación breve de la conquista de la Nueva España. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de
Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 164.
513
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 205.
147
As aparições de santos nas batalhas eram registradas desde a Alta Idade Média.
A partir do século X, supostamente São Pedro, São Paulo e São Jorge empunhavam
espadas (ao lado de papas e dos normandos) contra os árabes no sul da Península Itálica nas
batalhas de Garigliano (915) e Cerami (1063).
514
Também, na Terra Santa durante a
ofensiva da Primeira Cruzada contra Antioquia, os cruzados descreveram cavaleiros
montados em cavalos brancos, acenando estandartes brancos, cujos líderes seriam São
Jorge, São Mercúrio e São Demétrio.
515
Na Hispânia, a primeira vez que ocorreu a invocação ao apóstolo Santiago na forma
de Dios ayuda et Sanctiago!e a suposta presença visual do mesmo aconteceu na batalha
contra os mouros, em 844, na localidade de Clavijo. A partir dessa aparição, o apóstolo
foi caracterizado como um guerreiro que monta um cavalo branco, levando numa das mãos,
uma bandeira e, na outra, uma espada reluzente.
516
Mais tarde, a Ordem Militar de Santiago
fez uso da “aparição” do apóstolo na batalha de Clavijo, e baseado nela construiu uma
tradição na qual Santiago passou de evangelizador para cavaleiro que luta ao lado dos
cristãos.
517
O apóstolo supostamente apareceu em 38 batalhas durante a Reconquista contra
os mouros.
518
No século XVI, o cristão ibérico ainda vivia o mito de Santiago, construído
anteriormente e mantido principalmente pela Ordem Militar de Santiago. Em Extremadura,
terra natal de Cortés e de aproximadamente 15% de seu exército,
519
a ordem ainda era
poderosa no final da Idade Média, motivo que contribuiu para que a crença no apóstolo
fosse particularmente mais sentida pelos extremeños.
Certamente, a presença de Santiago nos momentos difíceis, apesar da desconfiança
de Bernal Díaz, garantiu uma “mística de cruzada”.
520
Tal ceticismo citado por Fernández
pode ser explicado, em parte, uma vez que o autor da Historia verdadera discordou
parcialmente do relato de López de Gómara. Ao adjetivar sua obra de “verdadera”, Bernal
514
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, p. 163.
515
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas. Rio de Janeiro: Imago, 2002, Vol. I, p. 224.
516
RUI, Adailson José. O mito de São Tiago: Da Reconquista espanhola à conquista da América, p. 31-32.
517
Ibidem, p. 33.
518
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, p. 163.
519
GRUNBERG, Bernard. El universo de los conquistadores: resultado de una investigación
prosopográfica”, p. 96.
520
FERNÁNDEZ, Fernando Carmona. “Conquistadores, utopía y libros de caballería”. Revista de Filología
Románica, 10, Universidade Complutense, Madrid, 1993, p. 15.
148
Díaz propõe uma história fiel. A testemunha ocular simplesmente pode apresentar o que
aconteceu; mas aquele que não presenciou o fato precisa convencer.
521
Assim como em Tabasco, o seguinte ponto na conquista de México-Tenochtitlán em
que o maravilhoso cristão supostamente se manifestou ocorreu no litoral, onde a Virgem
Maria teria aparecido para ajudar os conquistadores.
Enquanto circulavam pacificamente pela capital mexica durante o período em que
foram “hóspedes” (novembro de 1519–maio de 1520), chegaram aos ouvidos dos
“espanhóis” notícias de que, em Nauhtla, o soberano local, Qualpopoca, dirigiu um ataque
aos conquistadores estabelecidos na localidade. O tlatoani Montezuma, segundo Bernal
Díaz, ao comentar com os chefes indígenas em Tenochtitlán, os questionou porque não
haviam dizimado totalmente os invasores,
Sendo eles [mexicas] muitos milhares de guerreiros, como não venceram
tão poucos teules [„espanhóis‟]. E responderam que não aproveitaram nada
suas varas e flechas, nem suas boas técnicas de luta. Também, não puderam
afugentá-los, porque uma grande tequecihuata [grande senhora] de Castela
vinha na frente deles, e que aquela senhora colocava muito temor nos
mexicanos e dizia palavras de encorajamento aos seus teules. E Montezuma
então acreditou que aquela grande senhora era Santa Maria, a qual
havíamos dito que era nossa protetora, e que antes oferecemos [a imagem
da Virgem] a Montezuma com seu filho nos braços. E porque isto eu não vi,
porque estava no México, mas foi dito por certos conquistadores que
estavam lá, quisera Deus que assim fosse, e certamente todos os soldados
que acompanhavam Cortés acreditariam, e assim é verdade, e que a divina
misericórdia e Nossa Senhora, a Virgem Maria, sempre estava conosco,
pela qual concedo muitas graças
522
(grifos nossos)
Nenhum dos outros “soldados-cronistas” relatou o episódio (todos encontravam-se
em Tenochtitlán), nem mesmo o cronista López de Gómara citou o acontecimento. Esse
521
GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas: o deslumbramento do Novo Mundo, p. 150.
522
siendo ellos muchos millares de guerreros, que cómo nos vencieron a tan pocos teules. Y respondieron
que no aprovechaban nada sus varas y flechas ni buen pelear, que no los pudieron hacer retraer, porque una
gran tequecihuata de Castilla venía delante de ellos, y que aquella señora ponía a los mexicanos temor y
decía palabras a sus teules que les esforzaban. Y el Montezuma entonces creyó que aquella gran señora era
Santa Maria y la que le habíamos dicho que era nuestra abogada, que de antes dimos a Montezuma con su
hijo en los brazos. Y porque esto yo no vi, porque estaba en México, sino lo que dijeron ciertos
conquistadores que se hallaron en ello, y pugliese a Dios que así fuese, y ciertamente todos los soldados que
pasamos con Cortés tenemos muy creído, y así es verdad, y que la misericordia divina y Nuestra Señora la
Virgen María siempre era con nosotros, por cual le doy muchas gracias DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 94, p. 181.
149
ataque possivelmente foi planejado por Montezuma, que desejou cortar as comunicações
hispânicas e, assim, isolar as duas partes da tropa. Poucos conquistadores conseguiram
escapar e se refugiar em Vera Cruz.
Posteriormente (maio de 1520), dessa vez em Tenochtitlán, no massacre conhecido
como a Matança no Templo Maior”, novamente a Virgem Maria e o apóstolo Santiago
teriam aparecido aos nativos. O capitão Pedro de Alvarado declarou a Bernal Díaz, e este
último comenta:
Eu quero mencionar o que contou Pedro de Alvarado: quando os
mexicanos lutavam como ele, muitos deles disseram que uma grande
tecleciguata, que significa grande senhora (...) lançava terra contra seus
olhos, cegando-os. E que um guey teule [„espanhol‟] que cavalgava em um
cavalo branco lhes fazia grande estrago, e que se não fosse por eles
tinham matado todos nós, foi o que os principais disseram ao grande
Montezuma. E se isso for verdade, grandes milagres ocorreram, e temos
que dar graças a Deus e à Virgem Maria Nossa Senhora, Sua Bendita
Mãe, que em tudo nos socorre, e ao bem aventurado Senhor Santiago
523
(grifos nossos)
O citado acontecimento não foi presenciado por Bernal Díaz, pois o cronista,
juntamente com Cortés, havia partido (em maio) para combater no litoral Pânfilo de
Narváez, o enviado por Velázquez para punir o líder da expedição, já que este havia
zarpado antes das ordens oficiais. Pode-se perceber que Alvarado também não
compartilhou a visão descrita pelos mexicas. Nesse fragmento, claramente Bernal Díaz
parece admitir a possibilidade de intervenções escatológicas na Conquista. O milagre
cristão sempre ocupava um lugar central no pensamento dos homens que se consideravam
guerreiros de Cristo.
524
Outro “soldado-cronista” que expôs a versão indígena do evento foi Vázquez de
Tapia:
523
Yo quiero decir que decía el Pedro de Alvarado que cuando peleaban los indios mejicanos con él, que
dijeron muchos dellos que una gran tecleciguata, que es gran señora (...) les echaba tierra en los ojos, y les
cegaba, y que un guey teule que andaba en un caballo blanco les hacían mucho mal, y que si por ellos no
fuera que les mataran a todos e que aquello dizque se lo dijeron al gran Montezuma sus principales. Y si
aquello fue asi, grandísimos milagros son, e de contino hemos de dar gracias a Dios e a la Virgen María
Nuestra Señora, su bendita madre, que en todo nos socorre e al bien aventurado señor Santiago” AZ
DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 125, p. 246.
524
LAFAYE, Jacques. Los conquistadores. México: Siglo XXI Editores, oitava edição, 1991, p. 142.
150
“[os mexicas] disseram que naquele momento, quando tinham grande
dificuldade para nos vencer, viram uma mulher de Castela muito linda que
resplandecia como o Sol, e que lançava poeira contra seus olhos e, como
viram coisa tão estranha, afastaram e fugiram, logo nos deixando
525
(grifo
nosso)
O cronista López de Gómara, por sua vez, também descreveu o relato indígena ao
declarar que a Virgem Maria neutralizava os nativos deixando-os momentaneamente cegos
com a poeira lançada, e o apóstolo Santiago que, invulnerável aos ataques, lutava
bravamente com uma espada em punho que causava muitos danos:
andavam lutando pelos espanhóis Santa Maria e Santiago em um cavalo
branco, e os índios diziam que o cavalo feria e matava tantos com a boca e
com as patas quanto o cavaleiro com a espada em punho. E que a mulher do
altar lançava contra eles poeira no rosto cegando-os. E então, como não
vinham lutar, iam para suas casas pensando estar cegos, e ali se
recuperavam. E quando voltavam para combater, diziam: se não tivéssemos
medo da mulher e do cavaleiro branco, vossa casa estaria destruída e
todos [os „espanhóis‟] cozidos, mas não devorados, pois não são bons para
comer
526
A seguir, o cronista, na tentativa de apresentar um milagre, concluiu esse episódio
com uma interpretação dos relatos indígenas no qual associou os personagens descritos
dentro dos santos cristãos correspondentes:
Nosso Deus justo, verdadeiro criador de todas as coisas, e a mulher que
lutava era a Mãe de Cristo, Deus dos cristãos, e o cavaleiro branco
[Santiago] era apóstolo do mesmo Cristo, enviado do céu para defender
aqueles poucos espanhóis e matar tantos índios
527
525
dijeron que, en aquella sazón, que nos entraban y tenían en tanto trabajo, vieron una mujer de Castilla,
muy linda y que resplandecía como el sol, y que les echaba puñados de tierra en los ojos y, como vieron cosa
tan extraña, se apartaron y huyeron y se fueron y nos dejaron VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino.
Relación de méritos y servicios..., p. 144.
526
andaban peleando pelos españoles santa María y Santiago en un caballo blanco, y decían los indios que
el caballo hería y mataba tantos con la boca y con los pies y manos como el caballero con la espada, y que la
mujer del altar les echaba polvo por las caras y los cegaba, y entonces, como no veían pelear, se iban a sus
casas pensando estar ciegos, y allí se encontraron buenos; y cuando volvían a combatir la casa, decían: Si no
tuviésemos miedo a una mujer y al del caballo blanco, ya estaría derribada vuestra casa, y vosotros cocidos,
aunque no comidos, pues no sois buenos de comer” LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix:
Historia General de las Índias. La Conquista de Méjico (Segunda Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras
Maestras, 1954, p. 190.
527
nuestro Dios justo, verdadero criador de todas las cosas, y la mujer que peleaba era madre de Cristo,
dios de los cristianos, y el de caballo blanco era apóstol del mismo Cristo, llegado del cielo para defender a
aquellos pocos españoles y matar a tantos indios Ibidem, p. 191.
151
El milagro de Santa María de Peña de Francia: Al lanzarse a la batalla, los soldados incaicos se asombran
por la visión milagrosa y huyen. Desenho do mestiço andino Felipe Guaman Poma de Ayala (c. 1550 - c.
1616), em sua crônica Primer Nueva coronica y buen gobierno (c. 1615/1616). In: Biblioteca Real,
Copenhague, Dinamarca - Det Kongelige Bibliotek. Muito semelhante aos relatos que analisei, a crônica de
Guaman Poma confirma as intervenções de Santiago e da Virgem Maria, dessa vez na conquista dos incas.
Nessa ilustração, da mesma forma que na conquista de México-Tenochtitlán, a Virgem joga terra nos olhos
dos índios, deixando-os momentaneamente cegos. Utilizei a ilustração de Guaman Poma como mero recurso
didático de semelhança, devido a carência de imagens coloniais da Virgem no combate aos mexicas.
Para Hugh Thomas,
528
trata-se novamente de uma confusão, pois a mulher deveria
ser, provavelmente, María de Estrada, conquistadora de grande valentia, e o cavaleiro um
dos ginetes de Alvarado, possivelmente o soldado Álvarez Chico. De fato, uma ou duas
528
THOMAS, Hugh. La Conquista de México, p. 436.
152
dezenas de mulheres formavam parte do exército de Cortés, sendo elas todas hispânicas e,
em sua maioria, procedentes da Andaluzia.
A exortação à Virgem Maria e a crença na presença visual da mesma também
encontrava suas origens na Alta Idade Média. Na Hispânia, a partir do século VIII, ou seja,
logo após a invasão muçulmana, supostamente a Virgem comandava pessoalmente os
cavaleiros cristãos contra os mouros nas Astúrias e em Leão.
529
Em terras americanas, a primeira “aparição” da Virgem teria ocorrido em 1495, na
ilha de Hispaniola, onde a Virgen de las Mercedes surgiu em uma batalha contra os nativos,
perto do Santo Cerro.
530
A última manifestação mais próxima do maravilhoso cristão na conquista dos
mexicas aconteceu em Otumba. Após a vitória sobre Narváez, Cortés retornou à capital
mexica, onde os comandados por Alvarado encontravam-se sitiados dentro do palácio de
Axayácatl, antigo tlatoani. Logo depois, devido o árduo combate, os conquistadores
tiveram que se retirar da cidade no desastroso episódio conhecido como a Noche Triste.
Essa foi a primeira grande derrota européia no Novo Mundo (30 de junho de 1520).
Com os índios sob o encalço dos “espanhóis”, mais tarde, Bernal az pareceu admitir,
pelos menos indiretamente, a ajuda de Santiago na grande batalha de Otumba (14 de julho):
Deixemos isso e voltemos a Cortés, Cristóvão de Olid, Sandoval, Gonzalo
Domínguez e outros cavaleiros que agora não me recordo (...). E todos os
soldados colocavam grande ânimo para lutar com Cortés e depositamos no
coração Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora, a Virgem Santa Maria,
e o Senhor Santiago, que certamente nos ajudava
531
(grifo nosso)
Logicamente, a declaração do conquistador não caracteriza um apoio decisivo do
apóstolo, ou seja, uma interpretação que sugira essa passagem como uma ajuda
considerável de Santiago pode ser precipitada. Apesar disso, a legião de santos,
inalteravelmente vencedora, demonstrava ser um dos auxílios mais efetivos para os homens
529
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, p. 168.
530
Ibidem, p. 168-169.
531
Y dejemos esto y volvamos a Cortés y Cristóbal de Olíd, y Sandoval y Gonzalo Domínguez y otros de a
caballo que aquí no nombro (…). Y todos los soldados poníamos grande ánimo a Cortés para pelear, y esto
Nuestro Señor Jesucristo y Nuestra Señora la Virgen Santa María nos lo ponían en corazón, y Señor
Santiago, que ciertamente nos ayudava AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la
conquista de la Nueva España, Cap. 128, p. 259.
153
que se põem sob seu amparo.
532
De qualquer forma, essa foi a última menção mais próxima
do maravilhoso cristão que encontramos nas fontes analisadas sobre a conquista de México-
Tenochtitlán, campanha finalizada em agosto de 1521 com a vitória hispânica.
De fato, em várias passagens do aparecimento do maravilhoso cristão, foi o
indígena que teve a visão maravilhosa, não o “espanhol”. Essa característica pode ser
encontrada em algumas crônicas medievais da Reconquista, onde em certos combates foi o
“outro”, ou seja, o mouro que descreveu a miraculosa ajuda recebida pelos cristãos, seja de
santos ou do poder conferido pelas relíquias.
Na conquista de Maiorca (1229), por exemplo, os sarracenos contaram aos cristãos
a presença de um cavaleiro todo vestido de branco que lutava bravamente contra eles os
cristãos concluíram que era São Jorge.
533
Mais tarde, na batalha de Salado (1340), um
mouro relatou a presença de um magnífico cavaleiro português, que penetrou nas hostes
muçulmanas carregando uma cruz que “lançava raios de fogo”. Diferentemente do primeiro
episódio, em Salado, foi o cronista cristão quem deu voz aos muçulmanos e projetou o que
se passava na mente deles.
534
Também nas fontes que examinamos, os cronistas eram cristãos que apontaram o
compartilhamento da visão do maravilhoso pelos conquistadores e, principalmente, pelos
indígenas. Desconhecemos como as descrições indígenas do maravilhoso cristão
“apareceram” nas crônicas hispânicas. Três hipóteses podem ser lançadas: a primeira foi
que os cronistas, intencionalmente, na tentativa de afirmar o milagre cristão, deram vozes
aos nativos, ou seja, inventaram uma versão indígena (assim como sucedeu na batalha de
Salado em relação aos muçulmanos); a segunda é que um conquistador vitorioso
532
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América, p. 385.
533
VIANNA, Luciano José. “O passado como exemplo para os homens e como confirmação celeste da
legitimidade real: A conquista de Maiorca (1229) no Livro dos Feitos (c. 1252-1274) de Jaime I (1208-1276),
o Conquistador”. In: XII Encontro Regional de História - Anpuh - Usos do passado. Gragoatá Niterói, RJ,
2006, p. 03-04. O trecho do Livro dos Feitos (c. 1252-1274) sobre a “aparição” de São Jorge é: Quando os
cavaleiros armados começaram a entrar, cessou a voz. Após ser feita a passagem onde deviam entrar os
cavalos armados, entraram cerca de quinhentos homens a pé. Em seguida, o rei de Maiorca veio à passagem
com todas as gentes dos sarracenos da cidade. Eles cercaram de tal maneira os que estavam a e que
entraram que, se não seguissem os cavalos armados, todos estariam mortos. E, segundo o que os sarracenos
nos contaram, diziam que viram entrar primeiro em um cavalo um cavaleiro branco com armas brancas.
Isso deve ser nossa crença que fosse o Jorge, porque encontramos em histórias que em outras batalhas
tanto cristãos quanto sarracenos o têm visto muitas vezes
LIVRO DOS FEITOS. Jaume I de Aragão.
Tradução de Luciano José Vianna e Ricardo da Costa. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência
“Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2010, Cap. 84, p. 142.
534
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 246-259.
154
proporcionou aos indígenas contarem aos “espanhóis” a presença desse magnífico inimigo
(assim como aconteceu em Maiorca), que os cronistas logo associaram aos santos
(Santiago, São Pedro, Virgem Maria, etc); a última, e bastante aceita, defende a ideia de
que a versão indígena foi elaborada alguns anos após a Conquista.
Com a evangelização, os índios convertidos não se consideravam, evidentemente,
herdeiros da tradição idólatra mexica, ao contrário, agora eles eram cristãos como os
“espanhóis”. Nesse momento, os nativos (cristãos) que apresentavam a visão dos santos aos
cronistas, indicaram que os mexicas apenas sofriam um castigo divino por negarem a
“verdadeira fé” e insistirem na idolatria ao longo da ofensiva hispânica.
Como assinalamos, a certeza da aparição escatológica, seja dos apóstolos
Santiago e Pedro, ou ainda da Virgem Maria, nunca foi veementemente confirmada pelos
“soldados-cronistas” (apenas Vázquez de Tapia parece admitir algo próximo). Foram as
crônicas posteriores, principalmente aquelas produzidas por religiosos, alguns na esteira da
Historia General de López de Gómara, que apresentaram maior número de referências às
aparições de santos durante a conquista de México-Tenochtitlán.
Javier Domínguez García sugere uma hipótese como resposta no caso de Santiago,
mas que pode ser generalizada. Segundo o historiador, a prolongada exposição do apóstolo
nas batalhas parece ser unicamente um artifício retórico sistematizado por religiosos
“espanhóis” com o propósito de consolidar um projeto eclesiástico que insistiu em
demonstrar que a Conquista da América foi uma extensão lógica da Cruzada medieval.
535
De fato, a visão de muitos religiosos dos séculos XVI-XVII estava vinculada ainda
à perspectiva medieval, pois acreditavam que os santos intervinham pessoalmente nas
batalhas em auxílio aos cristãos.
536
Isso não quer dizer, logicamente, que os conquistadores
não compartilhassem essa visão de mundo. Pelo contrário, devemos salientar que não
535
DOMÍNGUEZ GARCÍA, Javier. “Santiago mataindios: la continuación de un discurso medieval en la
Nueva España”. Nueva Revista de Filología Hispánica, enero-junio, vol. 54, 2006, 001, El Colegio de
México, Distrito Federal, México, p. 43.
536
Jacques Lafaye aponta uma exceção: os primeiros missionários que chegaram ao México após a conquista,
principalmente os franciscanos (1524). Para o autor, a “Doctrina cristiana de fray Juan de Zumárraga, primer
obispo de México, inspirada en las concepciones erasmianas de una fe renovada, servía de modelo a la
evangelización de México llevada a cabo por las órdenes mendicantes. (...) las intervenciones milagrosas del
apóstol Santiago en los combates contra los indios eran recebidas con un escepticismo prudente o con una
indignación teñida de ironía por los franciscanos de la escuela salmantina, venidos al Nuevo Mundo a plantar
una fe liberada de sus supersticiones” LAFAYE, Jacques. Los conquistadores, p. 144. Contudo, juntamente
com as indicações de Weckmann, demonstramos que muitos religiosos não compactuavam com as opiniões
dos franciscanos seguidores de Zumárraga (1468-1548).
155
defendemos uma polarização entre combatentes e clérigos em relação à crença nas
aparições.
Os “espanhóis” do século XVI (incluindo os conquistadores), tinham uma
mentalidade fundamentalmente medieval, diferentemente dos renascentistas itálicos,
537
que
tinham mais traços do particularismo e da valorização do homem,
538
capazes de anularem a
crença no miraculoso. O fato dos “soldados-cronistas” declararem que, na maioria das
vezes, eles não viram o milagre, não altera a confiança na possibilidade da existência dele
(por exemplo, em alguns casos eles indicavam que os nativos testemunharam).
537
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico, 1994.
538
DOMINGUES, Beatriz Helena. “O Medieval e o Moderno no Mundo Ibérico e Ibero-Americano”. In:
Estudos Históricos. Rio de Janeiro: nº 20, 1997, p. 01-26.
156
9. A ALTERIDADE: O “OUTRO” MEXICA
Outros diziam que eram dos judeus que Tito e
Vespasiano expulsaram de Jerusalém
539
Bernal Díaz del Castillo, Historia verdadera...
Os séculos iniciais da exploração do continente americano, considerado exótico e
desconhecido pelos europeus, foram marcados por um contato extraordinário de
civilizações distintas culturalmente. Tal contato possibilitou-nos a análise da alteridade,
540
perspectiva na qual privilegiamos o ponto de vista hispânico perante o nativo
mesoamericano, particularmente o mexica.
Durante a exploração e Conquista da América, a lembrança específica dos mouros e
judeus era causada devido ao convívio com a cultura judaico-muçulmana por séculos na
Península Ibérica medieval. Desde o primeiro encontro com os povos da Mesoamérica,
efetuado na quarta viagem de Cristóvão Colombo (1502-1504), a comparação,
principalmente com os mouros, era realizada. Neste episódio, o almirante genovês e seu
filho, o jovem Hernando Colombo (1488-1539), se depararam com uma embarcação nativa
(possivelmente maia) na qual as mulheres cobriam o rosto e o corpo como fazem as
mouras em Granada”.
541
As primeiras expedições que desembarcaram na costa mesoamericana seguiram a
mesma tendência comparativa. Em 1517, os conquistadores comandados por Francisco
Hernández de Córdoba, ainda a bordo dos navios, observaram uma grande povoação e
539
Otros decían que eran de los judíos que desterro Tito y Vespasiano de Jerusalém AZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa,
1976, Cap. 06, p. 13.
540
De acordo com Tzvetan Todorov, a alteridade se baseia na noção de que “somente meu ponto de vista,
segundo o qual todos estão e eu estou aqui, pode realmente separá-los e distinguí-los de mim. Posso
conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo,
como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não
pertencemos. (...) Ou pode ser exterior a ela [sociedade], uma outra sociedade que, dependendo do caso, será
próxima ou longínqua” TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro”. São Paulo:
Martins Fontes, 1993, p. 03.
541
las mujeres se tapaban la cara y el cuerpo como hemos dicho que hacen las moras em Granada
COLÓN, Hernando. Vida del Almirante. Editado por Ramón Iglesia. México, D. F.: Fondo de Cultura
Económica, 1984, p. 275. Sobre esse encontro, ver CHAUNU, Pierre. Conquista e Exploração dos Novos
Mundos (séc. XVI). São Paulo: Pioneira: EDUSP, 1984, p. 153-154.
157
não havíamos visto povoado tão grande na ilha de Cuba nem na Hispaniola, por isso lhe
pusemos o nome de o Grande Cairo”.
542
Na expedição do ano seguinte comandada por Juan de Grijalva, o capelão Juan
Díaz, que mais tarde também acompanharia a empreitada de Hernán Cortés, sugeriu
hipóteses sobre a origem de certas práticas nativas:
E é importante saber que todos os índios da mencionada ilha são
circuncidados; por isso se suspeita que ali perto se encontrem mouros e
judeus, porque os referidos índios afirmam que ali perto havia pessoas que
usavam navios, e que estavam vestidos e armados como os espanhóis
543
(grifo nosso)
A impressão sentida por Juan Díaz de que todos os índios se circuncidavam deriva
da equivocada interpretação dos rituais nativos nos quais os sacerdotes totonacas da região
retiravam sangue das áreas genitais em oferenda.
544
Vemos, desse modo, que os
“espanhóis” suspeitavam da existência, nas proximidades, de comunidades mouriscas e/ou
judaicas que influenciavam os nativos, e não uma equivalência de identidade entre os
grupos.
Entre o final do século XV e as primeiras décadas do culo XVI, os europeus
acreditavam explorar certas ilhas frente à costa da Índia e não um novo continente (a
Península do Yucatán era chamada de Isla de Santa María de los Remedios).
545
Colombo,
por exemplo, acreditou em 1497 que a Península Arábica entrava no perímetro dos
territórios da coroa hispânica e, em sua quarta viagem, levou dois intérpretes árabes para
facilitar as comunicações.
546
542
gran poblazón y no habíamos visto en la Isla de Cuba ni en la Española pueblo tan grande, le pusemos
por nombre el Gran Cairo AZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la
Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 02, p. 05.
543
Y es de saber que todos los indios de la dicha isla están circuncisos; por donde se sospecha que cerca de
allí se encuentren moros y judíos, [por]que afirman los susodichos indios que allí cerca había gente que
usaban naves, vestidos y armas como los españoles DÍAZ, Juan. Itinerario de la armada del rey católico a
la isla de Yucatán, en la India, el año 1518, en la que fue por comandante y capitán general Juan de Grijalva.
Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p.
57.
544
THOMAS, Hugh. La Conquista de México. México, D. F.: Editorial Pátria, 1994, p. 143.
545
WECKMANN, Luis. Constantino el Grand y Cristóbal Colón. Estúdio de la supremacia papal sobre islas,
1091-1493. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 200.
546
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América. México, D. F.: Fondo de
Cultura Económica, UNAM, FFyL, 2004, p. 131-132.
158
A perspectiva de uma “contaminação” islâmica nos nativos ocupava espaço nas
crônicas e mentes dos primeiros cronistas e exploradores. A razão disso se deve às
primitivas crenças sobre o caráter asiático da América.
547
Assim, o continente foi povoado
por camelos, soberanos com haréns, homens circuncidados usando barba, etc.
548
Nessa época, ainda não se tinha ideia que esses territórios formavam parte de um
novo continente e que existia um enorme oceano o Pacífico (Mar do Sul) que o
separava da Ásia. A primeira viagem ao redor do mundo (1519-1522), iniciada por Fernão
de Magalhães (1480-1521) e finalizada por Juan Sebastián Elcano (c. 1486-1526),
contribuiu para essa revelação. Também, a fulminante expansão turco-otomana fez com
que os europeus temessem e imaginassem que o avanço islâmico já tinha atingido o
extremo asiático.
549
Vasco da Gama, em 1498, tinha mostrado a extensão do Islã no
Índico.
550
547
O‟GORMAN, Edmundo. A invenção da América. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 100 e 104.
548
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 221.
549
Como relata o cronista Francisco López de Gómara, em meados do século XVI, Solimán [Suleiman, o
Magnífico, 1520-1566], turco, ha procurado también echar de Arabia y de la India a los portugueses para
coger él este negócio de las especias, y no ha podido, aunque juntamente con ello pretendia danar a los
persianos, y extender sus armas y nombre de allá LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix:
Historia General de las Índias (Primera Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 186-
187.
550
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 131-132.
159
Mapa-múndi Universalis Cosmographia (1507) do cartógrafo alemão Martin Waldseemüller (c. 1475-1522).
O mapa original se encontra na Biblioteca do Príncipe de Waldburg-Wolfegg-Waldsee, no castelo de
Wolfegg, em Wüttemberg, Alemanha. Imagem disponível em: http://www.henry-
davis.com/MAPS/Ren/Ren1/310.html
Pouco antes do início da expedição de Cortés, o “soldado-cronista” Bernal Díaz,
surpreso com os objetos trazidos pelas expedições anteriores que ele tinha participado,
comentou admirado:
E chegaram alguns ídolos de barro cheios de figuras, diziam que eram dos
gentios. Outros diziam que eram dos judeus que Tito e Vespasiano
expulsaram de Jerusalém e que foram lançados no mar em alguns navios
que acabaram aportando naquela terra [Mesoamérica]”
551
O trecho supracitado demonstra claramente que, se tratando do período colonial
(Bernal Díaz escreve sua Historia verdadera após 1550), não podemos descartar a
551
Y como vinieron los ídolos de barro y de tantas maneras de figuras, decían que eran de los gentiles.
Otros decían que eran de los judíos que desterro Tito y Vespasiano de Jerusalém, y que los echó por la mar
adelante en ciertos navios que habían aportado en aquella tierraAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia
verdadera de la conquista de la Nueva España. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976, Cap. 06, p. 13. Bernal
Díaz refere-se à expulsão dos judeus de Jerusalém (70 d.C.). Em 66 d.C., os judeus haviam se rebelado contra
o domínio romano e logo foram reprimidos pelo general Vespasiano (09-79), mais tarde Imperador romano
(69-79). Ao se tornar Imperador, Vespasiano ordenou que seu filho mais velho, Tito (c. 39-81), continuasse a
campanha contra os judeus. Em 70 d.C., os romanos tomaram Jerusalém e destruíram o templo de Herodes.
Muitos judeus abandonaram a região. Para mais sobre o assunto, ver JOHNSON, Paul. História dos Judeus.
Rio de Janeiro: Imago, 1989.
160
equivalência de identidade. Na Nova Espanha colonial, muitos clérigos como Diego Durán
(c. 1537-1588) se declararam convencidos de que os mexicas descendiam das tribos
perdidas de Israel. Tal argumento pretendia “restabelecer a unicidade da história do mundo
e a descendência comum de Adão para todo o gênero humano”.
552
No primeiro capítulo de
sua Historia de las Indias de la Nueva España (1579-1581), o dominicano Durán registrou
sobre os mexicas:
“(...) poderíamos afirmar que, por sua natureza, [os mexicas] são judeus e
compõem o povo hebreu, e acredito não cometer um grande erro,
considerando suas maneiras de viver, suas cerimônias, seus ritos e
superstições, seus presságios e hipocrisias, tão próximas e próprias dos
judeus, que não diferem em nada
553
(grifo nosso)
Durante a conquista de México-Tenochtitlán, o conquistador Francisco de Aguilar
tentou entender os mexicas com modelos disponíveis (conhecidos), e rapidamente lembrou
das civilizações greco-romana e persa, que suas leituras desde tenra idade haviam
conservado em sua memória:
digo, pois, que desde jovem e criança me ocupei em ler muitas histórias
das Antiguidades persa, grega e romana; também li sobre os ritos que
havia na Índia de Portugal, e digo certamente que em nenhuma destas
histórias que tinha lido vi modos e maneiras de adoração ao demônio tão
abomináveis como estes faziam
554
No entanto, o padrão comparativo preferido era outro. Para os “espanhóis”, judeus e
mouros representavam os dois únicos povos que podiam ser simultaneamente diferentes
ou seja, não cristãos e com civilidade , ao contrário dos negros da Guiné, dos nativos das
552
WECKMANN, Luis. La herencia medieval de Mexico. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica
Segunda edición revisada (El Colégio de México), 1994, p. 297.
553
podríamos ultimadamente afirmar ser naturalmente judíos y gente hebrea, y creo no incurriría en capital
error el que lo afirmase, si considerado su modo de vivir, sus ceremonias, sus ritos y supersticiones, sus
agüeros y hipocresías, tan emparentadas e propias de las de los judíos, que en ninguna cosa difieren
DURÁN, Diego. Historia de las Indias de Nueva España e islas de la tierra firme. México, D. F.: Imprenta
de J. M. Andrade y F. Escalante, Tomo I, 1867, Cap. 1, p. 17.
554
digo, pues, que yo desde muchacho y niño me ocupe en leer y pasar muchas historias y antigüedades
persas, griegas e romanas; también he leído los ritos que había en la India de Portugal, y digo cierto que en
ninguna de éstas he leído ni visto tan abominable modo y manera de servicio y adoración como era la que
éstos hacían al demonio AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España.
Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p.
204-205.
161
Canárias (os guanchos) ou dos índios das Antilhas.
555
Os mexicas rapidamente foram
enquadrados nesse mesmo estágio civilizacional pelos conquistadores: Cortés, por
exemplo, os descreveu como superiores no plano intelectual e comportamental, e os
considerava com “muito mais inteligência que (...) os das outras ilhas [Antilhas]”.
556
No início da expedição cortesiana, mesmo os tlaxcalecas já tinham sido comparados
no âmbito comportamental aos africanos: entre eles existe boas maneiras e boa
organização, um povo com total racionalidade e entendimento, de tal forma que o melhor
da África não consegue igualar”.
557
Os oriundos “da África” referidos por Cortés
possivelmente não são os homens provenientes da África Negra (subsaariana), mas os
naturais do norte do continente, região composta por populações em sua maioria
islamizadas como os berberes.
558
A comparação islâmica tinha um grande prestígio que os
conquistadores deveriam igualar em terras americanas.
559
Igualmente, a forte religiosidade dos nativos formou um acontecimento novo, pois
os “espanhóis”, à exceção do contato com os mouros e judeus, não estavam habituados em
confrontar uma civilização predominantemente urbana e cujos membros tinham a reputação
de serem os índios mais religiosos do México central.
560
A enorme quantidade de templos
de pedra e imagens religiosas certamente impressionou os “espanhóis”. A capital mexica,
Tenochtitlán, apresentava um amplo centro de cerimônias disposto em torno de um
grandioso santuário, o “Templo Maior”, composto de 78 templos e edifícios religiosos.
561
Cortés assinalou:
555
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma
experiência européia (1492-1550), p. 313-314.
556
mucha más capacidad que (…) los de las otras islas” – CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Tercera
Carta-Relación, p. 171.
557
entre ellos hay toda manera de buena orden y policía, y es gente de toda razón y concierto, y tal que lo
mejor de África no se le iguala CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación, p. 41.
558
Acreditamos que Cortés se refere ao norte do continente africano. A partir do século XIII, essa região
aparece cada vez mais denominada de “África” (substituindo o antigo termo, Aethiopia). Em relação aos
negros subsaarianos (não islamizados), de acordo com Anderson Ribeiro Oliva, “com as navegações
européias ao longo dos séculos XV e XVI encontramos, na literatura de ngua portuguesa, o termo guinéus
(„homens de cor negra‟) para referir-se aos africanos negros da costa da África Ocidental, e, Guiné, para
denominar à área como um todo OLIVA, Anderson Ribeiro. Da Etiópia à África: as idéias de África, do
Medievo europeu à Idade Moderna. Fênix: Revista de História e Estudos Culturais. Vol. 5. ano 5, número 4.
Outubro/novembro/dezembro de 2008.
559
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 208.
560
SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 63.
561
GRUZINSKI, Serge. Passagem do Século: 1480-1520 as Origens da Globalização. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p. 81.
162
nessa grande cidade [Tenochtitlán] muitas mesquitas ou casas de seus
ídolos em muito formosos edifícios, situados em todos os bairros (...). E
entre essas mesquitas uma principal que não existe língua humana que
consiga explicar sua grandeza e particularidade (...)”
562
No decorrer dos relatos, diversas vezes os conquistadores se referiam aos locais com
nomes de cidades muçulmanas ou portadoras de suas peculiaridades: colocamos no
povoado que estava ali perto o nome de Povoado Mourisco”.
563
Além disso, observaram
costumes como a poligamia dos mouros entre os mexicas: “possuem muitas mulheres como
os mouros”.
564
Aqui, gostaríamos de esclarecer uma curiosa afirmação do historiador Hernán
Taboada. De fato, durante o período de Conquista e colonização do Novo Mundo, os
conquistadores acabaram adotando ou repudiando certos costumes nativos. No entanto,
para Taboada, por séculos uma das formas que os cristãos se distinguiam dos muçulmanos
e/ou judeus era pela ausência de barba. Ao chegaram à América, os exploradores notaram a
falta de pilosidade dos nativos. Como pretendiam manter também uma diferença com esse
novo adversário, começaram a usar barba, quero dizer, para se distinguir não mais dos
judeus e mouros, mas dos índios.
565
Na realidade, embora a barba fosse um costume judaico-muçulmano secular, ela foi
adotada por muitos cristãos europeus ainda na época das Cruzadas.
566
Em Portugal, por
exemplo, desde o século XIII, barbas longas, moda trazida pelos cruzados para o Ocidente
562
Hay en esta gran ciudad muchas mezquitas o casas de sus ídolos de muy hermosos edificios, por las
colaciones y barrios de ella (…) y entre estas mezquitas hay una que es la principal que no hay lengua
humana que sepa explicar la grandeza y particularidades de ella (…)” CORTÉS, Hernán. Cartas de
Relación Segunda Carta-Relación, p. 64.
563
“(…) un pueblo que allí cerca estaba (...) le pusimos por nombre el Pueblo Morisco DÍAZ DEL
CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 140, p. 296.
564
Tienen muchas mujeres como los Moros CONQUISTADOR ANÔNIMO. Relación de algunas cosas
de la Nueva España, y de la gran ciudad de Temestitán México; escrita por un compañero de Hernán Cortés.
In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín (org.). Colección de documentos para la historia de México: México,
D. F.: 1866.
565
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 232.
566
Por exemplo, após a chegada de cruzados itálicos em Acre (agosto, 1290), um massacre de mercadores e
camponeses muçulmanos foi perpetrado e, “como convencionou-se que todos os homens de barba deviam ser
muçulmanos, muitos cristãos locais tiveram a mesma sorte RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas
III - O Reino de Acre e as Últimas Cruzadas. São Paulo: Imago, 2003, Vol. III, p. 358.
163
cristão, era um costume típico da cavalaria-vilã, embora fosse motivo de escárnio da
nobreza e reprovação da Igreja.
567
Da mesma forma que lembraram o “Grande Cairo” (expedição de Córdoba), na
campanha de Cortés outra cidade islâmica foi mencionada Granada, referência próxima
nas mentes hispânicas de uma sociedade não cristã, mas organizada:
A cidade [Tlaxcala] é tão grande e de tanta admiração (...) porque é muito
maior que Granada e muito mais forte, com muitos edifícios e muito mais
pessoas que Granada no tempo em que se conquistou [janeiro, 1492], e
muito melhor abastecida dos produtos da terra (...)”
568
No entanto, nem todas as localidades referidas eram derivadas de comparações
muçulmanas. Além de Granada, outras cidades da Hispânia foram mencionadas, apesar de
encontrarem-se recuperadas pelos cristãos havia séculos no processo de Reconquista, como
Córdoba (1236) e Sevilha (1248). Segundo Cortés, Tenochtitlán era “uma cidade tão
grande quanto Sevilha e Córdoba”.
569
Recentemente, a afirmação do historiador francês Jacques Lafaye de que la
continuidad entre la guerra de moros y la guerra de indios era tan evidente que los
Conquistadores llamaron mezquitas a los templos paganos del Nuevo Mundo,
570
foi
criticada por Hernán Taboada, que a classificou de inexata.
571
O historiador mexicano
propõe uma relativização do tradicional conceito de que os primeiros conquistadores
enxergaram os nativos como simples reflexo do tradicional inimigo islâmico: essa
perspectiva, se existiu, foi estritamente inicial e limitada, pois as comparações também
existiam com civilizações (reais ou imaginárias) da Antigüidade clássica,
572
do mesmo
modo que defende outro pesquisador, Tzvetan Todorov.
567
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Um estudo da mentalidade de cruzada na Península
Ibérica. Rio de Janeiro: Edições Paratodos, 1998, p. 111.
568
La cual ciudad es tan grand y de tanta admiración (...) porque es muy mayor que Granada y muy más
fuerte y de tantos edifícios y de muy mucha más gente que Granada al tiempo que se ganó, y muy mejor
abastecida de las cosas de la tierra (...)” – CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta-Relación,
p. 41.
569
tan grande la ciudad como Sevilla y Córdoba CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Segunda
Carta-Relación, p. 62.
570
LAFAYE, Jacques. Los conquistadores. México, D. F.: Siglo XXI Editores - oitava edição, 1991, p. 143.
571
TABOADA, Hernán G. H. “Mentalidad de Reconquista y primeros conquistadores”. Revista de Historia
de América, 2004, p. 04.
572
Ibidem, p. 01.
164
O argumento de Todorov igualmente afasta-nos da vertente exclusivamente
muçulmana da comparação. Segundo o lingüista búlgaro, não ocorriam paralelismos
com o “outro” mais próximo geograficamente e familiar, ou seja, o muçulmano; mas,
também, para descrever os índios, os conquistadores buscam comparações que encontram
prontamente na Antigüidade, isto é, em sua própria história pagã (greco-romana).
573
Seguindo essa perspectiva, não acreditamos, evidentemente, que os “soldados-cronistas”
(Cortés, Bernal Díaz, Aguilar e o “Conquistador Anônimo”) confiassem na equivalência de
identidade entre os nativos e os muçulmanos.
De fato, os “soldados-cronistas” descreveram culturalmente os nativos com outras
projeções: foram empregados termos mesoamericanos (ou de origem nahuatl),
574
antilhanos,
575
ou de sua própria cultura (cristã-ocidental): perto da mencionada cidade
[Tenochtitlán] viram torres grandes e igrejas típicas, palácios e aposentos muito
grandes”.
576
(grifo nosso).
No entanto, o uso de termos de origem árabe (arabismos) em determinadas
situações são exemplos claros de qual projeção os conquistadores preferiam (devido ao
prestígio) realizar para com a civilização de México-Tenochtitlán. Entre esses termos,
encontramos, por exemplo, albornoz (vestimenta), alquicel (capa mourisca), mezquita,
dentre muitos outros.
577
Para os “espanhóis”, o vestuário e a arquitetura mourisca eram os
principais símbolos de uma civilização exótica e sofisticada; o Alhambra (palácio
muçulmano) não tinha sido preservado após a captura de Granada por acaso.
Apesar dos cristãos ibéricos terem eliminado Granada última unidade política
muçulmana independente da Hispânia muitos maometanos permaneceram no território,
onde o medo entre vencidos e vencedores se mantinha. Os mouriscos, ou seja, os mouros
obrigados a ser converter após o Édito de Cisneros (1502), nutriam certas relações com os
573
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro, p. 105.
574
TABOADA, Hernán G. H. “Mentalidad de Reconquista y primeros conquistadores”, p. 02.
575
Curiosamente, ao analisar as Cartas de Relación de Cortés, Raymond Marcus percebeu que os “indo-
americanismos” eram quantitativamente mais numerosos em comparação aos arabismos” MARCUS,
Raymond. “Arabismos e Indo-Americanismos em Las Cartas de Relación de Hernán Cortes”. In: Revista TB,
Rio de Janeiro, 110: 131/140, jul-set, 1992, p. 133.
576
más a vista de la dicha ciudad parecieron en ella grandes torres e iglesias a su modo, palacios e
aposentos muy grandes AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España, p.
178.
577
Para uma lista dos arabismos, ver MARCUS, Raymond. “Arabismos e Indo-Americanismos em Las Cartas
de Relación de Hernán Cortés”. In: Revista TB, Rio de Janeiro, 110: 131/140, jul-set, 1992.
165
muçulmanos do norte da África e, à medida que o domínio marítimo dos turcos e berberes
se consolidou no Mediterrâneo (ao longo do culo XVI), o perigo otomano cresceu na
Espanha. As rivalidades e rixas ocasionaram a revolta islâmica em Granada (1568) e,
conseqüentemente, a decisão de Filipe III (1598-1621) em expulsar definitivamente os
mouriscos (1609).
578
Dessa forma, o sentimento anti-islâmico ainda predominava nas mentes dos
conquistadores. Ademais, o modelo muçulmano era o mais invejado, uma vez que a
civilização islâmica era detentora de riquezas exóticas e, desde a Alta Idade Média, era
conhecida e encarada face-a-face pelos cristãos europeus. Também, foi ao longo do século
XVI que, gradativamente, a literatura hispânica preferiu escrever sobre os turcos e os
mouros o “descobrimento” da América foi contemporâneo ao “descobrimento” literário
do Islã.
579
Se, em algum caso, a questão da alteridade foi assimilada negativamente no contato
com o ameríndio, tal perspectiva tenderia a aumentar ainda mais o espírito cruzadístico dos
conquistadores. Na Europa do século XVI, o cronista Francisco López de Gómara (1511-
1566), mesmo sem nunca pisar em solo americano, declarou: “a conquista dos índios
começou após a guerra contra os mouros, de modo que os espanhóis sempre guerrearam
contra infiéis”.
580
O autor também lembrou o caso de Pedrarias Dávila (c. 1440-1531),
governador da Castela de Ouro que desejava guerrear com os índios, pois tinha vontade
enfrentá-los, que havia estado em Orán e outras terras da Berbéria
581
em guerra com
os muçulmanos. Neste sentido, Pedrarias foi um paradigma da transferência do ideal de
578
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989,
p. 273-274.
579
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América, p. 226.
580
comenzaron las conquistas de indios acabada la de moros, porque siempre guerreasen españoles contra
infieles LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix: Historia General de las Índias (Primera
Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 06.
581
guerrear con los indios, pues llevaba gana de toparse con ellos, ya que había estado en Orán y otras
tierras de Berbería LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Hispania Victrix: Historia General de las Índias
(Primera Parte). Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 115. Além de combater os mouros na
fase final da Reconquista, Pedrarias se destacou nas guerras contra os muçulmanos no norte da África. Em
1509, participou da tomada da fortaleza de Bujía (atual Bejaia) e, no mesmo ano, auxiliou as tropas hispânicas
sob o comando do cardeal Gonzalo Jiménez de Cisneros (1436-1517) e de Pedro Navarro (c. 1460-1528) a
conquistarem Orán, cidade localizada no noroeste da Argélia. Após 1514, já em território americano, lutou
contra índios da América Central. “Berbería”, por sua vez, era o termo utilizado no século XVI pelos
europeus em referência às regiões costeiras do Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia.
166
cruzada, pois combateu os mouros e, posteriormente, os índios, manifestando em seu
espírito guerreiro fundamentalmente o mesmo sentimento nesses enfrentamentos.
O cerne da questão reside no fato dos “espanhóis”, ao compararem as características
dos mexicas às dos inimigos tradicionais da Cristandade (judeus e mouros)
582
especialmente durante a guerra, projetaram nesse novo adversário uma reformulação do
ideal de cruzada formado durante o período medieval. Para os cristãos ibéricos da Alta
Idade Média, na constituição da mentalidade cruzadística, o judeu foi um importante
referencial de diferenciação. Não nos esqueçamos que, na esteira da consolidação da ideia
de cruzada, os judeus também sofreram nas mãos dos cavaleiros e populares cristãos.
583
O
“outro” apropriado para uma distinção, sem dúvida, era o muçulmano.
584
Em 1492, a
sociedade castelhana finalmente tinha conseguido eliminar seus dois inimigos internos
seculares: no mesmo ano que tomaram Granada, os “Reis Católicos” expulsaram os judeus.
Na conquista de México-Tenochtitlán, o problema foi que essa alteridade acabou
por inflamar ainda mais o espírito de cruzada dos primeiros conquistadores, principalmente
após a guerra ser declarada. Antes mesmo do início dos combates, os nativos eram
identificados como inimigos do cristianismo e súditos do demônio:
“(...) podem ser punidos e castigados como inimigos de nossa santa fé
católica, e será ocasião de castigo e espanto aos que forem rebeldes para
virem ao conhecimento da verdade, e evitarem males e danos tão grandes
como são os que em serviço do demônio fazem
585
Apesar dos conquistadores admirarem o grau civilizacional atingido pelos mexicas
(arquitetura, vestuário, comportamento, etc.), em um aspecto os nativos ainda eram
abomináveis: sua religião idólatra.
586
Desse modo, os conquistadores viam o “outro” ora
582
Em outra oportunidade, dessa vez na conquista do Tawantinsuyu (Mundo Inca), López de Gómara afirmou
que los de allí [os incas] son idólatras muy crueles, viven como sodomitas, hablan como los moros, y
parecen judíos LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia General de las Índias (Primeira Parte).
Barcelona: Editorial Ibéria, Obras Maestras, 1954, p. 217. (grifo nosso)
583
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1993, p. 97.
584
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 63.
585
“(...) puedan ser punidos y castigados como enemigos de nuestra santa fe católica, y será ocasión de
castigo y espanto a los que fueren rebeldes en venir en conocimiento de la verdad, y evitarse han tan grandes
males y daños como son los que en servicio del demonio hacen CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación
Primera Carta-Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. 22.
586
Inicialmente, Cortés e os outros “soldados-cronistas” admiraram a civilização mexica. No entanto, segundo
Janice Theodoro (citando Manuel Alcalá), trata-se de uma exceção, pois o deslumbramento da cultura
167
como “infiel” (o “outro” conhecido e rejeitado) ora como gentio (o “outro” desconhecido,
mas nem por isso menos hostilizado).
587
Ao longo da Conquista do Novo Mundo, a
demonização da cultura ameríndia muitas vezes foi realizada,
588
ingrediente fundamental
para a manifestação do espírito de cruzada.
Certamente, o nível civilizacional atingido pelos mexicas não foi tratado
negativamente pelos “espanhóis”, mas somente se ele ameaçasse o propósito hispânico: a
anexação política. O principal problema na identificação negativa dos mexicas aos mouros
e/ou judeus não é civilizacional, mas outro, religioso. A religião cristã intolerante e
universalista
589
diante da idolatria mexica (considerada diabólica) fortaleceu
posteriormente para desencadear os eventos bélicos, incentivando ainda mais o espírito
cruzadístico dos “espanhóis”.
Desde a primeira entrada em Tenochtitlán, os conquistadores acreditavam que a
Providência a suprema sabedoria com que Deus conduz todas as coisas os encaminhava
para penetrar em uma cidade tão poderosa: Nosso Senhor Jesus Cristo foi servido nos
dando graças e força para ousar entrar em tal cidade”.
590
O medo de serem vítimas do
canibalismo, do sacrifício, ou traídos e mortos eram poucos conquistadores contra
milhares de nativos fez com que os “espanhóis” reagissem brutalmente a qualquer
ameaça. A conquista da civilização mexica confere aos conquistadores a posse do território
e um propósito à ocupação.
591
Se antes da guerra começar, os mexicas eram assimilados (em termos religiosos)
negativamente (súditos do demônio, inimigos do cristianismo, etc.), a partir da “Matança no
Templo Maior” os nativos foram equiparados inteiramente aos “infiéis” deveriam ser
encontrada “el tono de admiración y amor por la nueva tierra, que es la tónica de las dos primeras cartas, deja
aqui el paso al ódio y la violencia” THEODORO, Janice. América Barroca. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1992, p. 181; ALCALÁ, Manoel. Nota preliminar. In:
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. xico, D. F.: Editorial Porrúa, 1971, p. XVIII. De fato, trata-se de
um processo que demonizou (principalmente a partir do início da guerra) a cultura (especialmente a religião)
mexica.
587
VAINFAS, Ronaldo. Colonialismo e Idolatrias: Cultura e Resistência Indígenas no Mundo Colonial
Ibérico. Revista Brasileira de História. São Paulo: Vol. 11, número 21, set. 90/fev. 91, p. 102-103.
588
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno atlântico: demonologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993, p. 21-34.
589
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 541; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”, p. 102.
590
Nuestro Señor Jesucristo fue servido darnos gracia y esfuerzo para osar entrar en tal ciudad DÍAZ
DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 88, p. 161.
591
GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas: o deslumbramento do Novo Mundo. São Paulo:
Edusp, 1996, p. 175.
168
combatidos ferozmente. Assim, os mexicas foram hostilizados quando aproximados com os
tradicionais adversários, pois carregavam os habituais defeitos dos “infiéis” mouros e
judeus: eram pérfidos, lascivos e sodomitas.
592
Por exemplo, o medo do astrólogo que
acompanhava a expedição cortesiana, Botello (†1520), consistia em morrer aqui nessa
triste guerra em poder desses índios cães”,
593
um tratamento semelhante aos encontrados
na lembrança rancorosa dos cronistas do século XVI, na qual os mouros ainda eram
descritos como os “pérfidos inimigos da religião cristã” e “cães raivosos”.
594
Nessa imagem da Historia de las Indias de la Nueva España ou Códice Durán (1579-1581), manuscrito
produzido pelo dominicano Diego Durán (c. 1537-1588), é retratado o episódio conhecido como a “Matança
no Templo Maior”, em Tenochtitlán (maio, 1520). Entre os conquistadores representados, seis empunham
lanças e três carregam espadas. De fato, geralmente a lança era mais utilizada que as espadas e as outras
armas. Além dessas armas ofensivas, três soldados possuem escudos leves ovais. Notamos também que todos
os “espanhóis” trajam armaduras completas (um evidente exagero do artista). Além de grossa e pesada, a
chapa de aço tinha o inconveniente de ser incandescente ao sol (SALAS, 1988: 170). Na conquista de
México-Tenochtitlán, o escaupil (do náhuatl, ichcahuipilli, roupa de algodão), espécie de “armadura” pré-
cortesiana feita com algodão alcochoado, o morrião (capacete leve sobre o qual se ergue uma crista em forma
de lua crescente) e a couraça (peitoral de aço) eram as preferências dos conquistadores. Imagem extraída de
DURÁN, Diego. dice Durán ou Historia de las Indias de Nueva España e islas de la tierra firme. Imagem
disponível em http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/Matanza_templo2.jpg
592
TABOADA, Hernán G. H. La sombra del Islam en la conquista de América., p. 222-223.
593
morir aqui en esta triste guerra en poder de estos perros indios AZ DEL CASTILLO, Bernal.
Historia verdadera de la conquista de la Nueva España, Cap. 128, p. 258
594
pérfidos enemigos de la religion cristiana(…) canes rabiosos PALACIOS RUBIOS, Juan López
de. De las Islas del mar Océano. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1954, p. 61-62.
169
Essa profusão de adjetivos pejorativos contra os mexicas era empregada como
forma de estereotipar e insultar o inimigo,
595
não sendo uma tradição exclusivamente
ocidental.
596
Nessa perspectiva, os compiladores da Primera Carta acusaram (ainda no
início da expedição) os índios de sodomia, insinuação tradicionalmente utilizada contra os
mouros:
“(...) fizemos relação a Vossas Majestades das crianças, homens e mulheres
que matam e oferecem em seus sacrifícios; sabemos e fomos informados que
certamente todos são sodomitas e praticam aquele abominável pecado
597
(grifo nosso)
Da mesma forma, as crônicas acusaram os nativos de blasfêmia, típica denúncia
encontrada em algumas fontes medievais da Reconquista, que costumavam colocar o
“outro” (o mouro), cercado pela ofensiva cristã, como um blasfemador da “verdadeira
fé”,
598
do nome de Cristo e da Virgem Maria:
“(...) pelas renegas e blasfêmias, Deus Nosso Senhor é muito ofendido, e é
maior ofensa que se pode fazer ao Seu Santíssimo Nome e por isso se
permite nessas pessoas duros e vigorosos castigos (...)”
599
Por blasfemar, o inimigo merecia duros castigos”. Essa característica é
fundamental, uma vez que demonstrava a resposta violenta tomada pelos conquistadores
quando percebiam a negativa do cristianismo, o que validava então a ação cruzadística.
Após uma guerra atroz, em treze de agosto de 1521, os conquistadores tomaram
595
FRIEDERICI, Georg. El carater del descubrimiento y de la conquista de América. México, D. F.: Fondo
de Cultura Económica, 1973, p. 462.
596
Por exemplo, os cholultecas (aliados dos mexicas), também usavam adjetivos pejorativos para ofender seus
adversários, como, por exemplo, o termo popolocas (“bárbaros”): Olhai os tlaxcaltecas pervertidos,
covardes, merecedores de castigo: como se acham vencidos pelos mexicanos [mexicas], andam procurando
forasteiros para se defenderem. Como mudaram em tão pouco tempo, como se rebaixaram para uma gente [os
“espanhóis”] tão bárbara e forasteira, estrangeira, de um mundo não conhecido?” LEÓN-PORTILLA,
Miguel. A Visão dos Vencidos: a tragédia da conquista narrada pelos astecas. São Paulo: L&PM Editores
S/A, 1998, p. 58.
597
“(...) hemos hecho relación a vuestras majestades de los niños y hombres y mujeres que matan y ofrescen
en sus sacrificios, hemos sabido y sido informados de cierto que todos son sodomitas y usan aquel
abominable pecado CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación Primera Carta-Relación, p. 22-23.
598
COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média, p. 165.
599
“(...) por cuanto de los reniegos e blasfemias Dios Nuestro Señor es mucho deservido, y es la mayor
ofensa que a su Santísimo Nombre se puede hacer, y por eso permite en las gentes recios y duros castigos
(...)” CORTÉS, Hernán. Ordenanzas militares y civiles mandadas pregonar por don Hernando Cortés (...).
In: GARCÍA ICAZBALCETA, Joaquín (org.). Colección de documentos para la historia de México. México,
D. F.: 1866.
170
Tenochtitlán e assim ocorreu a capitulação final dos mexicas. Cortés fez uma simples
analogia sobre a queda da cidade: morreram mais índios que judeus na destruição
ordenada por Vespasiano em Jerusalém”.
600
Através também do uso dos mencionados arabismos, a assimilação da cultura
indígena ao Islã rotulou de certa forma e em certa medida os mexicas entre os “infiéis” que
os “espanhóis” haviam sempre guerreado e que lhes parecia justo conquistar “por bem ou
por mal”.
601
O referencial conhecido foi necessário para expressar a alteridade, já que uma
realidade exótica se descortinava aos olhos dos europeus. De fato, a comparação islâmica
foi uma das analogias realizadas, no entanto, tratava-se da mais prestigiosa, mas também a
mais perigosa, pois, desde a Idade Média, os mouros eram os inimigos por excelência da
Cristandade.
602
As primeiras décadas de contato com o nativo americano muitas vezes
foram marcadas por relevar uma alteridade perigosa que desaguaria em guerra.
Assim, em muitos confrontos a alteridade foi expressa em uma identificação
negativa com o “outro” conhecido e mais odiado, principalmente o inimigo islâmico.
603
Pouco importava que efetivamente não se encontrasse nenhum mouro nessas terras; bastava
enquadrar o nativo nos mesmos moldes,
604
pois durante a conquista de México-
Tenochtitlán, os conquistadores estavam entranhados por um forte “perfume de cruzada”.
600
murieron más indios que en Jerusalén judíos en la destrucción que hizo Vespasiano CORTÉS,
Hernán. Cartas de Relación Segunda Carta, p. 96.
601
MARCUS, Raymond. Arabismos e Indo-Americanismos em Las Cartas de Relación de Hernán Cortés”, p.
138.
602
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, Cláudio. La Edad Media española y la empresa de America. Madrid: Ediciones
Cultura Hispanica del Instituto de Cooperación Iberoamericana, 1983, p. 104-105.
603
MACEDO, JoRivair. “Mouros e Cristãos: a ritualização da conquista no velho e no novo mundo”. In:
ALVES, Francisco das Neves. (org.). Brasil 2000 - Quinhentos anos do processo colonizatório: continuidades
e rupturas. Rio Grande, FURG, 2000, p. 23.
604
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2006, p. 27.
171
10. CONCLUSÃO
As razões da vitória hispânica sobre México-Tenochtitlán foram extensamente
debatidas pela historiografia.
605
Alguns fatores foram descritos como os principais:
1) O emprego de armas tecnologicamente mais eficazes: arcabuz, artilharia (canhões
e falconetes), bestas e, principalmente, as armas brancas de aço (espadas, lanças, etc.).
Além disso, os animais (os cavalos, especialmente) desempenharam um papel crucial na
locomoção da tropa cortesiana;
2) A aliança hispânica com povos nativos que eram inimigos tradicionais dos
mexicas, como os otomies, totonacas e, principalmente, os tlaxcaltecas. Tais povos
engrossaram as fileiras hispânicas com dezenas de milhares de guerreiros;
3) A tradicional tática mesoamericana de aguardar o anúncio dos combates
(“guerras floridas”) favoreceu para que os conquistadores surpreendessem os nativos
desarmados e/ou despreparados (episódios como as matanças em Cholula e dentro do
“Templo Maior” em Tenochtitlán);
4) As doenças trazidas pelos “espanhóis” como a varíola que devastaram as
populações nativas, que os índios não tinham anticorpos (imunidade) necessários para
combater essas novas enfermidades.
Outras teorias foram defendidas, como a falha na comunicação (tese de Tzvetan
Todorov criticada por Matthew Restall): Cortés compreendeu melhor a civilização mexica
e soube tirar proveito disso em comparação ao entendimento que o “hesitante” Montezuma
conseguiu obter dos “espanhóis”.
606
Além de explicar como a mentalidade cruzadística se mesclou em alguns dos fatores
supracitados, nossa intenção principal foi demonstrar como a ideia de cruzada se
manifestou no imaginário dos conquistadores (discursos e comportamentos).
***
605
Consultar, por exemplo, RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006, p. 235-243; SOUSTELLE, Jacques. A Civilização Asteca. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2002, p. 98-100; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do “outro”. São
Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 51-59.
606
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola, p. 149-177; TODOROV, Tzvetan. A conquista
da América: a questão do “outro”, p. 61-120.
172
Após uma análise da mentalidade de alguns “soldados-cronistas” que participaram
da expedição de Hernán Cortés contra o México-Tenochtitlán (1519-1521), concluimos que
uma mentalidade de cruzada, derivada da perspectiva desenvolvida na Europa Ocidental a
partir do século XI, atuou no imaginário dos conquistadores. Tal mentalidade representa
uma reformulação da perspectiva medieval, ou seja, o discurso e as atitudes propriamente
medievais se manifestaram em certa forma e em certa medida no discurso e nas atitudes dos
conquistadores “espanhóis”.
Através do estudo inicial do conceito de cruzada, ressaltamos as diferenças
existentes entre a Cruzada medieval e a Conquista do Novo Mundo, como, por exemplo, na
elementar distinção de que a primeira estava atrelada inicialmente (séc. XI-XIII) à ideia de
uma peregrinação e proteção dos locais sagrados e dos peregrinos. No entanto, a partir do
IV Concílio de Latrão (1215), ocorreu uma ampliação no sentido da Cruzada, momento em
que a peregrinação não era mais necessária. Igualmente, a Cruzada poderia ser declarada
contra qualquer adversário dos cristãos, dentro ou fora da Cristandade.
A análise do comportamento cortesiano nos revelou que muitas práticas realizadas
pelos guerreiros cristãos no período medieval foram empregadas no Novo Mundo.
Encontramos a mentalidade de cruzada presente na conversão religiosa dos nativos, na
forma extremamente belicista de encarar a guerra, na legitimação de todas as armas para o
propósito de expansão da fé, no recebimento das indulgências, garantia de perdão pelos
pecados, etc.
Na simbologia cristã, ressaltamos a importância da utilização dos símbolos
religiosos cristãos durante as etapas da expedição, como a bandeira da cruz e o estandarte
da Virgem Maria. Tais objetos faziam parte dos componentes que ajudavam a aumentar o
moral da tropa, necessários ao triunfo cristão.
O discurso cortesiano nos mostrou que os “espanhóis” pretendiam expandir a
“verdadeira fé”, ao mesmo tempo em que negavam qualquer tipo de culto nativo, definido
como falso: idolatria. O apoio celeste indireto era entendido como um propulsor
psicológico das forças cristãs, que clamavam pelos personagens bílbicos como Santiago em
seus gritos de guerra. Também, os presságios eram entendidos como conselhos de Deus aos
homens, ao mesmo tempo em que as hierofanias (formas de manifestação do sagrado no
173
mundo) apareciam a todo o momento na campanha: doenças atingiam apenas os índios,
curas milagrosas incrivelmente auxiliavam os conquistadores, o clima supostamente
ajudava os “espanhóis”, etc.
Da mesma forma, vimos que os conquistadores liam vários romances de cavalaria
como, por exemplo, Amadis de Gaule, cuja característica era exaltar o combatente cristão e
a morte heróica do guerreiro em batalha.
Observamos a mentalidade de cruzada expressa no maravilhoso cristão,
particularmente na “aparição” de personagens blicos: Santiago, São Pedro e a Virgem
Maria. Embora alguns “soldados-cronistas” como Bernal Díaz não tenham admitido
completamente tais intervenções miraculosas em favor dos conquistadores, eles
concordavam na possibilidade delas ocorrerem. Foram os clérigos dos séculos XVI-XVII,
na tentativa de consolidar um programa eclesiástico, que apresentaram a Conquista como
um prolongamento da Cruzada medieval.
Ressaltamos que a legitimidade do poder imperial de Carlos V era menos
importante para a Conquista da América se comparada à doação pontifícia do Papa
Alexandre VI. A Bula Inter tera (1493) conclamava uma expansão da e justificava a
guerra contra os bárbaros” que negassem o cristianismo.
A análise da alteridade nos possibilitou compreender de que modo ocorreu o
contanto entre os conquistadores e os mexicas. Fundamentalmente a partir do início dos
combates, aproximado com o tradicional inimigo, os mexicas foram tratados pelos
“espanhóis” da mesma forma que o outroconhecido e mais odiado, principalmente o
secular adversário islâmico. Tal assimilação inflamou o espírito cruzadístico dos
conquistadores.
174
11. FONTES
Corpus (crônicas dos “soldados-cronistas”):
AGUILAR, Francisco de. Relación breve de la conquista de la Nueva España. Edição de
Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia
16, 1988, p. 161-206.
CORTÉS, Hernán. Cartas de Relación. México, D. F.: Editorial Porrúa, 1971.
DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España.
México, D. F.: Editorial Porrúa, 1976.
TAPIA, Andrés de. Relación de algunas cosas de las que acaecieron al muy ilustre señor
don Hernando Cortés, marqués del Valle, desde que se determinó ir a descubrir
tierra en la Tierra Fierme del Mar Océano. Edição de Germán Vázquez, La
Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.]; Madrid: Historia 16, 1988, p. 67-123.
VÁZQUEZ DE TAPIA, Bernardino. Relación de méritos y servicios del conquistador
Bernardino Vázquez de Tapia, vecino y regidor de esta gran ciudad de Tenuxtitlán
México. Edição de Germán Vázquez, La Conquista de Tenochtitlán / J. Díaz... [et al.];
Madrid: Historia 16, 1988, p. 131-154.
Fontes Primárias Suplementares (documentos medievais e quinhentistas):
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Edições Paulinas, 1973.
ACOSTA, José de. Historia natural e moral de las Indias. México, D. F.: Fondo de Cultura
Económica, Edición de Edmundo O‟Gorman, 2006.
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